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Capı́tulo 2

Argumentação e Falácias

2.1 Argumentos
Pode até ser surpreendente para alguns, mas argumentação é o objetivo principal
de todo trabalho acadêmico e de boa parte da carreira profissional de qualquer
um com formação superior. Em geral seus professores vão assimir que você já
sabe disso e não se preocuparão em explicar sua importância dentro da sala de
aula. Seus professores também vão esperar que você seja capaz de argumentar
de forma lógica em tudo que escrever ou debater.
A maioira do material a qual você terá acesso durante seus anos na univer-
sidade, ou durante sua vida, já foi debatido por alguém. Mesmo que o material
que você vier a ler ou ouvir a respeito for apresentado como simples informação
ou fato, é provável que se trate da interpretação de alguém sobre um outro
conjunto de fatos e informações. Quando for escrever ou debater, em geral,
será necessário questionar esta interpretação, defendê-la , refutá-la ou mesmo
oferecer uma visão própria sobre o tema. Você precisará fazer muito mais do
que simplesmente apresentar a informação que coletou ou regurgitar informação
decorada. Será necessário que você seja capaz de escolher um ponto de vista e
fornecer evidência que dê forma e conteúdo à sua interpretação.
Se você, por acaso, acredita que são os ”fatos”e não os argumentos que regem
o raciocı́nio, considere os seguintes exemplos. No passado as maiores mentes da
civilização européia acreditavam piamente que a Terra era plana (na verdade
há gente que mesmo hoje em dia acredita nisso ! Procure na internet por
The Flat Earth Society). Argumentos sobre o quão óbvio era este ”fato”foram
cosntruı́dos. Hoje em dia você pode discordar disso porque houve pessoas no
passado que foram capazes de demonstrar que estes argumentos eram falsos.
O conhecimento humano evolui através de discussões a partir de pontos de vista
diferentes. Especialistas, como seus professores, passam suas vidas em torno de
discussões sobre o que é ”verdadeiro”, ”real”ou ”correto”em suas respectivas
áreas de estudo. Da mesma forma, nos cursos que fará, será exigido de você que
treine sua capacidade de raciocı́nio crı́tico e argumentação em um nı́vel mais

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16 CAPÍTULO 2. ARGUMENTAÇÃO E FALÁCIAS

avançado daquele encontrado até o ensino médio.


Argumentação não se restringe àquilo que você encontra nos livros texto
ou àquilo que seus professores fazem no dia-a-dia. Todos nós utilizamos ar-
gumentação diariamente e, quase certamente, você já possui habilidades desen-
volvidas para a tarefa. Quanto mais você treinar, melhor você será na arte
de pensar criticamente, raciocinar, fazer escolhas, ponderar evidências e tomar
decisões.

2.1.1 Proposições
Afinal, o que é um argumento? Usualmente um argumento é composto por uma
idéia central, chamada ”tese”ou ”proposição”, apoiada por evidências organi-
zadas de forma lógica. Em 99% das situações você terá que fazer algum tipo
de afirmação, coletar e organizar evidências que apoiem sua tese. É essa habili-
dade de organizar as evidências para demonstrar uma tese que evitará que seus
trabalhos sejam meras coleção de fatos e detalhes redundantes. Nos trabalhos
até o ensino médio era comum que fosse dado um tópico e você pudesse escr-
ever qualquer coisa sobre ele, inclusive colagens desconexas de textos copiados
da internet (aliás, o plágio é o pior dos crimes intelectuais, sempre que utilizar
idéias dos outros você deve citar a fonte de forma bem clara). Esta época ter-
minou, agora espera-se que você seja capaz de defender as afirmações que fizer,
espera-se que você tome posições e prove porque uma pessoal racional deveria
concordar com elas.
Proposições podem ser bem simples como ”os prótons têm carga positiva
e os elétrons têm carga negativa”com evidências do tipo: ”Neste experimento,
prótons e elétrons se comportaram de tais e tais formas, que são conseqüência
direta de suas cargas com sinais opostos que convencionamos chamar de ’posi-
tiva’ e ’negativa”. Proposições também podem ser bastante complexas tal como
”o final do regime do apartheid na África do Sul era inevitável”utilizando, para
demonstração, raciocı́nio e evidência tal como: ”Toda revolução de sucesso na
era moderna ocorreu após o governo no poder dar e depois retirar pequenas
concessões ao grupo revoltoso”. Em ambos casos, o restante de seu trabalho
seria detalhar as razões e fatos que o levaram a acreditar na proposição.
Ao começar a compor uma argumentação pergunte-se ”Qual é minha idéia
central?”. Por exemplo, a idéia central desta seção é transformar você em
alguém mais hábil em argumentação, para isso estamos argumentando que um
passo importante no processo é entender o próprio conceito de ”argumentação”.
Se seus argumentos não têm uma idéia principal, o que, exatamente, você dis-
cutirá? Seus ensaios, em particular aqueles escritos na universidade, devem:
provar que você entendeu o material coberto e, mais importante, demonstrar
sua habilidade para usar ou aplicar o material aprendido para além do que você
leu ou ouviu. Esta segunda parte pode ser atingida de várias formas: você pode
criticar o material, aplicá-lo a algo diferente ou explicá-lo de uma forma difer-
ente. Para ser capaz disso, no entanto, você deve escolher um ponto central
para criticar, manipular ou aplicar.
2.1. ARGUMENTOS 17

Argumentos acadêmicos usualmente são complexos e levam tempo para de-


senvolver. As proposições que tentará demonstrar precisam ser mais elaboradas
do que afirmações óbvias e lugares comuns. Algo como ”Machado de Assis foi
um grande escritor que escreveu grandes livros” seria superficial demais para
produzir uma argumentação de interesse. O que se espera é algo mais sub-
stancial e menos óbvio como, por exemplo, ”Machado de Assis foi um mestre
da psicanálise, um autor muito a frente do seu tempo, mais preocupado com
questões universais do mundo psicológico do indivı́duo humano do que com
questões polı́ticas coletivas do momento que vivia”. É claro que tal afirmação
tem que ser demonstrada, para isso você tem que definir seus termos e apresentar
evidências que apoiem sua proposição. É dessa forma que começa o jogo.

2.1.2 Evidência
Ter identificado uma proposição central é apenas parte do trabalho. É necessário
encontrar evidência que dê suporte a esta proposição. A força das evidências
apresentadas e o uso que você fizer delas farão toda diferença entre o sucesso e o
fracasso de sua linha argumentativa. Certamente este tipo de uso de evidências
não deve ser novo para você, lembre-se da última vez que tentou convencer
alguém, seu chefe a te dar um aumento ou seus pais a te emprestarem o carro.
Pense a respeito do que tipo de argumentação e o tipo de evidência que utilizou.
Cada área do conhecimento apresenta requisitos diferentes para o que se-
riam evidências aceitáveis. É, necessário, portanto, familiarizar-se primeiro
com as evidências utilizadas em trabalhos no campo de interesse. Para isso
é necessário estudar o trabalho de outros autores (não esquecendo de citá-los
em seu próprio trabalho). Evite utilizar qualquer ”evidência”que você goste
mais, preste atenção nos livros texto relevantes e nas aulas de seus professores e
procure aprender com eles o que é considerado aceitável e o que não é. O mesmo
tipo de evidência que satisfaz um professor de Literatura, pode não satisfazer
um de Sociologia, o mesmo tipo de evidência que satisfaz um Fı́sico pode não
satisfazer um Matemático. Procure aprender o que conta como demonstração
em cada área do conehcimento, se estatı́stica, lógica, se é a forma que algo
funciona ou algum atributo estético.
Após treinar o suficiente você estará pronto para decidir por conta própria
e até criticar a aceitabilidade de evidências propostas por outros. Na carreira
acadêmica este domı́nio é conquistado aos poucos, o grau de independência
tende a aumentar conforme avançamos, da graduação para o mestrado, para o
doutorado, para a livre docência e, finalmente, para a titularidade.
Procure fazer uso consistente de sua evidência. Cada evidência apresentada
deve ser apropriada para a particular afirmação que se deseja demonstrar, uti-
lize, se necessário, evidências de vários tipos (histórica, estatı́stica, lógica, etc...)
no mesmo texto. Mantenha a argumentação organizada e sem detalhes irrel-
evantes para demonstração da tese central. Assim se quiser demonstrar, por
exemplo, que ”a organização escravocrata das relações de trabalho brasileiras é
responsável pelos altos juros” não continue o texto, por exemplo, listando es-
tatı́sticas mundiais de renda, o mais apropriado seria fazer um resumo histórico
18 CAPÍTULO 2. ARGUMENTAÇÃO E FALÁCIAS

da escravidão no Brasil e analisar a transição após a abolição da escravatura.

2.1.3 Contrargumentos
Uma forma de fortalecimento de sua argumentação é antecipar e discutir con-
trargumentos ou objecções que possam surgir. Considerando também aquilo
que pessoas que discordam de você poderiam argumentar você demonstra pro-
fundidade na discussão e identifica quais seriam as razões para que sua possı́vel
audiência resistisse a suas idéias.
Você pode construir contrargumentos refletindo sobre o que uma pessoa que
discorda de você diria sobre cada ponto que apresentado na argumentação. Se
você achar difı́cil imaginar uma posição contrária a sua tente as seguintes es-
tratégias: pesquise e procure autores com posições contrárias, converse com seus
colegas ou professores. Outras pessoas podem imaginar objeções que você não
vislumbrou. Pense na conclusão e nas premissas de sua argumentação e imagine
alguém que nega ambos. Por exemplo, se seu argumento for: ”Gatos são os mel-
hores bichos de estimação porque são independentes e limpos”, pode-se imaginar
alguém afirmando o contrário: ”Gatos não são os melhores bichos de estimação
pois são sujos e dependentes”. A partir disso é mais fácil perceber onde está
a fragilidade do contrargumento. Você poderá então, antecipadamente, elabo-
rar sua resposta: você pode, por exemplo, aceitar que seu oponente tem certa
razão e explicar o motivo pelo qual mesmo assim o seu argumento é correto
ou você pode rejeitar totalmente o argumento de seu oponente e explicar onde
está o erro. De qualquer forma, a idéia é mostrar para sua audiência que seu
argumento é mais forte que os contrargumentos apresentados.
Ao apresentar contrargumentos procure fazê-lo da forma mais neutra e obje-
tiva possı́vel. A idéia é mostrar o mérito de seu argumento baseando-se apenas
nas evidências e na razão. Em geral, prefira analisar um ou dois contrargu-
mentos de forma profunda a muitos de forma superficial. Certifique-se de que
suas respostas são consistentes com seu argumento inicial, se após a análise de
um contrargumento você mudar de posição, será necessário rever seu argumento
original de maneira apropriada.

2.1.4 Audiência
Diferentes argumentos funcionam em diferentes situações. Reflita a respeito
das preferências de sua audiência. Estatı́sticas podem funcionar muito bem
com um cientista polı́tico e muito mal com um diretor de teatro. É certamente,
razoável esperar que na universidade sua audiência seja constituida por pes-
soas suficientemente inteligentes para entender seus argumentos mas que não
necessariamente concordam com seus pontos de vista. Não basta que você ex-
presse uma opinião, é necessário prová-la (nada de ”opiniões pessoais não se
discutem”!). Também não suponha que sua audiência seja genial e que não seja
necessáriomostrar evidências de forma clara. Em resumo, seja o mais explicito
e claro possı́vel sem ser óbvio e redundante.
2.2. FALÁCIAS 19

2.1.5 Leitura crı́tica


Aprender a ler criticamente é essencial para o processo de argumentação. Emb-
ora algumas leituras que você fará sejam relmente muito persuasivas, não atribua
autoridade que a palavra escrita não tenha. Os textos que você lê não são a
última palavra, todos devem ser criticados. Lembre-se que o autor tem
sua própria agenda, suas próprias crenças e crenças que ele deseja transmi-
tir ao leitor. Procure criar uma espécie de diário intelectual que resuma as
conexões e dúvidas que encontrou em suas leituras. Anote neste diário as pas-
sagens que achar importantes ou controversas junto com pequenos comentários
próprios. Após ler um texto mais longo, releia suas anotações e escreva um único
parágrafo que descreva da forma mais compacta possı́vel aquilo que entendeu
do texto. Imagine-se em elevador tendo que contar o que leu no menor número
de palavras possı́vel a um amigo ocupado.
Ao ler faça perguntas como: ” O que o autor está tentando provar?”e ” O
que o autor está assumindo ser verdade?”. Eu concordo com o autor? O argu-
mento do autor foi defendido adequadamente? Que tipo de demonstração foi
utilizada? Será que você teria algo a acrescentar a argumentação? As evidências
utilizadas realmente implicam as conclusões a elas associadas? Conforme você
exercitar sua leitura crı́tica começará a notar as intenções implı́citas dos au-
tores, esta capacidade pode ser utilizada para aprimorar sua própria capacidade
de argumentação.

2.2 Falácias
É frustrante quando apenas conseguimos perceber de forma vaga que aquilo
que acabamos de ouvir é um completo absurdo sem sermos capazes de dizer
exatamente o porquê. Ser capaz de analisar argumentos requer raciocı́nio claro
e cuidadoso o que requer certo rigor que, por sua vez, só pode ser obtido com
um pouco de disciplina e prática. De fato, antes de sermos capazes de utilizar
nosso próprio raciocı́nio de forma livre mas eficaz, é interessante que adquiramos
conhecimento sobre as possı́veis armadilhas às quais mentes despreparadas estão
expostas. Dessa maneira a idéia central deste texto é evitar os absurdos argu-
mentativos pelo conhecimento das armadilhas que podem contê-los.
Comecemos nosso trabalho listando alguns princı́pios bastante gerais que
condensem a forma como a maioria das pessoas tende a pensar e responder a
argumentos. Em geral as pessoas:

1. tendem a acreditar naquilo que desejam;

2. tendem a projetar seus próprios preconceitos ou experiências nas situações


que analisam;

3. tendem a generalizar a partir de um único evento especı́fico;

4. tendem a se envolver pessoalmente com as análises e a sobrepor suas


emoções ao seu senso de objetividade;
20 CAPÍTULO 2. ARGUMENTAÇÃO E FALÁCIAS

5. não são boas ouvintes, tendendo a ouvir de forma seletiva e apenas prestar
atenção naquilo que têm interesse;

6. racionalizam de forma ansiosa;

7. freqüentemente não são capazes de distinguir aquilo que é relevante daquilo


que é irrelevante;

8. se dispersam facilmente do tema central em discussão;

9. em geral não gostam de explorar de forma detalhada as ramificações de


um tópico e tendem a simplificações exageradas;

10. freqüentemente julgam apenas pelas aparências. Elas observam, interpre-


tam erroneamente e fazem julgamentos, por vezes, equivocados;

11. freqüentemente não sabem do que estão falando, especialmente em dis-


cussões sobre assuntos bem gerais. Elas raramente pensam cuidadosa-
mente antes de falar e comumente permitem que suas emoções, precon-
ceitos, tendências, gostos, esperanças e frustrações superem seu senso de
objetividade e raciocı́no lógico;

12. raramente agem de acordo com padrões consistentes. Raramente analisam


toda a evidência disponı́vel antes de chegarem a uma conclusão. Em geral,
as pessoas tendem a fazer aquilo que desejam e acreditar naquilo que de-
sejam e então buscar por evidências que justifiquem aquilo que desejam.
As pessoas também tendem a pensar de forma seletiva: ao avaliarem uma
situação elas procuram energicamente evidências que apoiem aquilo que
elas desejam que seja verdadeiro e, da mesma forma, ignoram energica-
mente evidências contrárias aos seus desejos;

13. freqüentemente não dizem aquilo que gostariam de dizer e não querem
dizer aquilo que dizem.

Aos princı́pios acima poderı́amos ainda adicionar quatro outros (J.A.C. Brown,
Techniques of Persuasion): (1) a maioria das pessoas prefere acreditar que os
assuntos são simples e não complexos; (2) desejam que seus preconceitos sejam
confirmados; (3) gostam de se sentir parte de um grupo, implicando que os
outros não pertencem ao mesmo grupo e (4) precisam eleger um inimigo a quem
possam culpar por suas frustrações .
Os comentários acima podem parecer duros e crı́ticos com relação à natureza
humana. Podem até mesmo parecer parte de uma linha de argumentação que
se encaixaria perfeitamente no item 3 da lista adicional do parágrafo anterior.
No entanto sua intenção é apenas listar sem julgamento a inclinação natural da
espécie humana à ser subjetiva ao invés de objetiva. É enfatizar que a mente
humana, quando não treinada, tenderá a seguir o caminho de menor resistência
que raramente é um caminho que passa pela Razão.
2.2. FALÁCIAS 21

2.2.1 Linguagem emocional


Todos nós temos necessidades emocionais. Precisamos amar e ser amados, pre-
cisamos nos sentir aceitos, nos sentir realizados, importantes, seguros. Procu-
ramos ter sucesso segundo nossa própria percepção e também na dos outros.
Todas estas necessidades, no entanto, encobrem uma série de outras emoções:
amor, ódio, medo, inveja, raiva, culpa, esperança, ganância, lealdade, etc ....
As emoções são frágeis, sensı́veis e são facilmente manipuláveis. Uma pessoa
que entende como apelar às emoções tem a capacidade de enganar, manipular
e fazer com que seus interlocutores aceitem como verdade aquilo que não é.
A seguir exporemos algumas das formas pelas quais emoções são manipu-
ladas para confundir a Razão. Se formos capazes de reconhecê-las, seremos
capazes de evitar sermos enganados ou manipulados.
Apelo à piedade (argumentum ad misericordiam). Ao invés de fornecer mo-
tivos documentados, evidência e fatos, quem argumenta apela ao nosso senso
de piedade, compaixão e amor fraterno. Mostram-nos uma foto de uma criança
mal-nutrida e nos pedem que enviemos a maior doação possı́vel para que fi-
nanciemos um fundo para acabar com a fome no mundo. É claro que não há
nada intrinsecamente errado com um apelo deste tipo, mas é importante que
não sejamos ingênuos a ponto de acharmos que toda nossa doação irá de fato
para as crianças famintas. Parte da doação também irá para a administração
do fundo, para pagar salários de seus executivos e para outros anúncios como
o que vimos. O problema central com esta categoria de anúncios com apelo à
nosso senso de piedade é que nada é dito sobre como o dinheiro será utilizado
e não são apresentadas garantias de que as doações serão realmente utilizadas
para o propósito para o qual foram solicitadas.
Os apelos à piedade são comuns em relações pessoais. Por exemplo, um
empresário está com dificuldades em seus negócios e precisa de um empréstimo
bancário. Ele vai ao gerente do banco e argumenta: “Se você não me der um
empréstimo eu irei a falência e estarei acabado”. Este tipo de apelo pode até
ser eficaz, mas tem pouco valor do ponto de vista lógico. O gerente do banco
só deve emprestar dinheiro se achar que quem pede terá condições de lucrar o
suficiente para pagar o empréstimo no futuro.
Uma variação comum do apelo à piedade é a revindicação de tratamento
especial. Por exemplo: “Professor, o senhor tem que me dar uma boa nota na
prova pois estudei o final de semana inteiro”. A nota que o aluno irá receber
irá depender de seu desempenho na prova, a quantidade de horas estudadas e
o fato de ter passado o final de semana estudando ao invés de se divertindo são
irrelevantes. O apelo à piedade é um dos recursos retóricos preferidos, como
exercı́cio, passe a prestar atenção nesse aspecto em discursos de polı́ticos.
Um parente próximo do apelo à piedade é o apelo à culpa. Um anúncio
mostra uma famı́lia de classe média em uma confortável mesa de jantar. Abaixo
da fotografia a frase: “Você não precisa se preocupar, você tem tudo o que
precisa. O que você tem é muito mais do que milhões de pessoas por todo o
mundo. Doe ao fundo de eliminação da miséria” O anúncio tenta fazer com que
nos sintamos culpados pelo nosso conforto.
22 CAPÍTULO 2. ARGUMENTAÇÃO E FALÁCIAS

São pelo menos três as observações que poderiam ser feitas a respeito dessa
linha argumentativa: (1) ninguém, em princı́pio, tem o direito de controlar
nossos estados emocionais; (2) na ausência de evidências não há motivos para
acreditarmos que deverı́amos nos sentir culpados por nosso conforto; (3) mesmo
que existissem evidências de conexões entre a miséria mundial e nosso conforto e
que moralmente acreditassemos que deverı́amos nos sentir cupados por isso, não
há garantias, apenas pelo anúncio, de que nosso dinheiro irá de fato ao combate
à miséria.
Ainda outro exemplo: “Se eu não passar em sua disciplina, não me formarei
este ano e perderei meu emprego”. Nessa linha argumentativa há a tentativa
de responsabilizar o professor, fazendo-o se sentir culpado por uma eventual
perda de emprego. A responsabilidade pela aprovação, dados os parâmetros da
avaliação, é, no entanto, do aluno.
O apelo ao medo (argumentum ad mentum) tenta assustar o interlocutor
para convencê-lo a aceitar uma ação ou crença especı́fica. “Se você não atingir
o inimigo primeiro, ele irá destruı́-lo”. Ou ainda,“Se o senhor insistir em fechar
a fábrica por causa da poluição que causa, centenas de eleitores seus ficarão sem
emprego”.
Apelo à esperança. “Se fizer X, Y poderá ocorrer, portanto, se quer que
Y ocorrá, faça X”. Aqui a tentativa é de convencer o interlocutor a fazer X,
oferecendo a possibilidade de Y, mas não há garantias de que Y ocorrerá. Por
exemplo, uma propaganda de loteria poderia afirmar: “Você pode ser o próximo
ganhador”. A ênfase em nossa esperança pode fazer com que julguemos de forma
equivocada o grau de improbabilidade do evento Y dado o evento X.
Apelo à vaidade. Elogios pessoais podem gerar sentimentos positivos com
relação à pessoa que argumenta que podem se confundir com o significado real
daquilo que ela diz. Esta é uma estratégia comum para minimização de oposição
à idéias.
Apelo ao status. A aparência de quem argumenta pode influenciar na
aceitação do argumento. Por exemplo: um orador chega em um carro caro
e trajando ternos de grife cara tende a ser levado mais a sério que outro orador
que não utiliza estes recursos.
Apelo à confiança. “Como você não concorda comigo, você não confia em
mim”. Ou ainda: “Ou você está do meu lado ou está contra mim”. Esta linha
de argumentação é particularmente injusta. O fato de não concordarmos com
um particular argumento de alguém nada tem a ver com nosso sentimento geral
com relação a esta pessoa.
Apelo à sinceridade. Este tipo de estratégia é bastante efetiva e comumente
utilizada por polı́ticos e vendedores. A pessoa adota um tom honesto, sincero e
modesto. A pessoa aparenta estar falando do fundo do coração. Ela frequente-
mente pausa e escolhe as palavras que utiliza. A pessoa dá impressão de que
seus sentimentos são tão profundos que são difı́ceis de traduzir em palavras.
Ela frequentemente repete palavras para dar ênfase a certas idéias e se utiliza
de advérvios tais como: realmente, genuinamente, verdadeiramente, absoluta-
mente. Esta forma tenta convencer o interlocutor de que o que está sendo dito é
o que quem argumenta crê com sinceridade. No entanto, a sinceridade de quem
2.2. FALÁCIAS 23

argumenta não garante a validade ou verdade do argumento.


O último tipo de linha argumentativa de cunho emocional é talvez a mais
comum de todas e se mistura muito bem com as formas descritas acima. O apelo
à multidão (argumentum ad populum) consiste em utilizar generalidades, clichés,
slogans, platitudes, analogias frequentemente chulas e um tom de glorificação
das massas. Esta forma é muito comum na polı́tica, em particular, dentre
polı́ticos com tendências populistas e personalistas.
Para finalizar é interessante observar que não há nada inerentemente errado
em utilizar-se a emoção para colorir uma argumentação. No entanto é necessário
saber identificar que partes de um argumento são baseadas em evidências e
deduções lógicas e que partes são moldadas apenas com o intuito de provocar
respostas emocionais.

2.2.2 Falácias lógicas


Nem toda a argumentação é emocional. Contudo, quando a argumentação uti-
liza o raciocı́nio ela tanto pode ser bem construı́da ou falaciosa.
Uma falácia é um erro de raciocı́nio, não é um erro no fato ou crença envolvi-
dos, mas sim um problema no processo mental utilizado. Não é um erro nas
afirmações em um argumento, mas nas conclusões atingidas. Estas conclusões
frequentemente parecem convincentes, porém, são incorretas.
Antes de prosseguirmos é interessante definirmos o que é um argumento. Um
argumento é uma série de sentenças, algumas destas sentenças são premissas, a
partir dessas premissas deriva-se uma conclusão. Se o argumento é válido então
premissas verdadeiras necessariamente implicam em conclusões verdadeiras.
Para analisarmos um argumento precisamos examinar tanto premissas como
conclusões. Um argumento pode apresentar problemas em três áreas:

1. A evidência não foi analisada apropriadamente, evidências contraditórias


podem ter sido desprezadas ou ignoradas;

2. Afirmações falsas, enganosas ou incompletas foram tomadas por fatos;

3. As evidências não implicam a conclusão, ou seja, o argumento é falso.

Quando um ou mais dos problemas acima ocorrer, diz-se que o argumento é


uma falácia.
Podemos também classificar um argumento em sólido ou não. Em um ar-
gumento sólido as premissas são verdadeiras e as conclusões seguem necessari-
amente das premissas (em outras palavras, o argumento é válido).
A seguir examinaremos cinco tipos de argumento, cada um consistindo de
duas sentenças assertivas (i.e. sentenças que podem ser verdadeiras ou falsas)
seguidas por uma conclusão. Esta forma de argumento é conhecida como silo-
gismo.

1. As premissas são verdadeiras e a conclusão segue logicamente das premis-


sas. O argumento é sólido e válido.
24 CAPÍTULO 2. ARGUMENTAÇÃO E FALÁCIAS

• Todos os gorilas são mamı́feros.


• Frodo é um gorila.
• Portanto, Frodo é um mamı́fero.
2. Pelo menos uma das premissas é falsa, mas a conclusão segue logicamente
das premissas. O argumento é válido, mas não é sólido.
• Todos os gorilas comem seres humanos.
• Frodo é um gorila.
• Portanto, Frodo come seres humanos.
3. As premissas são verdadeiras, mas a conclusão não segue logicamente das
premissas. O argumento não é nem válido nem sólido (por que ?).
• Todos os gorilas são mamı́feros.
• Frodo é um mamı́fero.
• Portanto, Frodo é um gorila.
4. Pelo menos uma das premissas é falsa e a conclusão não segue das premis-
sas. O argumento também não é nem sólido nem válido.
• Todos os mamı́feros são perigosos.
• Frodo é perigoso.
• Portanto, Frodo é um mamı́fero.
5. Pelo menos uma das premissas é falsa, mas a conclusão é verdadeira.
Neste caso a conclusão é verdadeira, mas é resultado de premissas falsas.
O argumento novamente não é nem sólido nem válido. A conclusão, neste
caso, é mera coincidência.
• Todos os humanos são animais.
• A maioria dos animais sobem em árvores.
• Portanto, a maioria dos humanos podem subir em árvores.
Note que a palavra falácia é por vezes utilizada com um sentido mais amplo
para descrever uma crença errônea. Por exemplo, a afirmação: “As pessoas são
pobres por que não gostam de trabalhar”, poderia ser classificada como uma
falácia. Contudo, tecnicamente esta afirmação é simplemente falsa. No entanto,
uma afirmação deste tipo pode ser considerada uma falácia se for considerada
como uma conclusão deduzida a partir de premissas implı́citas. Por exemplo:
• Uma pessoa é pobre porque não trabalha o suficiente.
• Uma pessoa não trabalha o suficiente porque não gosta de trabalhar.
• Portanto, uma pessoa é pobre porque não gosta de trabalhar.
É importante perceber que tanto crenças corretas quanto incorretas são baseadas
em premissas. É crucial determinar quais são estas premissas, apenas após
examiná-las é que a validade da conclusão pode ser avaliada.
2.2. FALÁCIAS 25

2.2.3 Como ter razão sempre


Uma argumentação pode ser utilizada tanto para chegar a verdade sobre um
assunto quanto para o convencimento puro e simples ”por bem ou por mal”.
O filósofo alemão do século 19 Arthur Schopenhauer compilou uma lista de
estratagemas cujo objetivo único é vencer discussões, por bem ou por mal. Para
termos consciência plena e sejamos capazes de discernir entre argumentações que
intencionam a verdade ou apenas o convencimento é interessante conhecermos
alguns destes estratagemas.

1. Expansão: a afirmação do adversário é generalizada ao máximo para que


fique o mais exposta possı́vel a limitações e contradições, enquanto isso
minhas afirmações são mantidas bem delimitadas e controladas;
2. Homônimos: aplico a afirmação do adversário a outra coisa com o mesmo
nome, mas que não tem nada em comum com o objeto da discussão.
Refuto o homônimo e digo que refutei a afirmação original.
3. Condução da argumentação: faço com que o adversário admita certas
premissas de forma desordenada e confusa. Já sei onde quero chegar mas
não mostro de antemão e procuro fazer com que o adversário aceite tudo
o que é necesário para minha demonstração.
4. Premissas falsas: utilizo a maneira de pensar do adversário e utilizo pre-
missas falsas com as quais ele concordaria.
5. Perguntas: faço muitas perguntas de uma só vez e exponho minha argu-
mentação de maneira rápida a partir daquilo que foi admitido.
6. Raiva: provoco raiva no adversário para que não consiga julgar correta-
mente.
7. Confusão: faço perguntas em uma ordem diferente daquela lógica.
8. Contrário: quando o adversário responde propositadamente com negações
às perguntas, cuja resposta afirmativa poderia ser utilizada para minha
proposição, pergunto-lhe o contrário da proposição que nos serve, como se
quisésse sua aprovação.
9. Geral pelo particular: se o adversário admitir casos particulares, assumi-
mos que ele também admitiu o caso geral.
10. Semelhanças: se houver conceitos semelhantes escolhemos aquele que nos
favoreça na discussão.
11. Oposto: apresentamos o oposto de nossa proposição de forma tão ofus-
cante que o adversário se vê obrigado a aceitar nossa proposição.
12. Conclusão falsa: após o adversário ter respondido a várias perguntas sem
favorecer a conclusão que temos em mente, exclamamos triunfantes que
nossa proposição foi demonstrada.
26 CAPÍTULO 2. ARGUMENTAÇÃO E FALÁCIAS

13. Razoável após o absurdo: se nossa proposição for paradoxal, afirmamos


algo razoável e fazemos o adversário pensar que daquela proposição razoável
decorre nossa proposição esperando que o adversário não perceba.
14. Falsa contradição: procuramos encontrar no passado do adversário ou
em qualquer grupo a que pertença ou que tenha pertencido proposições
contrárias àquela que tenta provar agora.
15. Interrupção: se a argumentação do adversário nos derrotará, o interrompe-
mos e tentamos conduzi-lo a outras questões para que não conclua sua
linha.
16. Apelo à erudição: quando um especialista discute com um leigo, o es-
pecialista introduz objeções inválidas que só podem ser percebidas por
alguém versado no assunto.
17. Digressão: se percebermos que seremos vencidos recorremos a digressões e
começamos de repente com algo totalmente diferente, como se pertencesse
ao assunto e fosse um argumento contra o adversário.
18. Apelo à autoridade: utiliza-se o apoio de uma autoridade que o adversário
respeita.
19. Apelo à incompetência: quando não se souber apresentar nada contra os
fundamentos expostos pelo adversário, nos declaramos incompetentes para
julgar a veracidade das proposições do adversário.
20. Rotulação: rotulamos a proposição do adversário e a colocamos em uma
categoria odiada (e.g. isto é neo-liberalismo, isto é idealismo, etc...)
21. Teoria e prática: dizemos que isto pode ser correto na teoria, mas na
prática é falso.
22. Ponto fraco: se o adversário emudecer sobre alguma questão, é nela que
devemos insistir.
23. Apelo ao prejuı́zo possı́vel: fazemos o adversário crer que seu ponto de
vista poderá levá-lo a prejuı́zos ou constrangimentos (e.g. a maioria tem
opinião contrária à sua).
24. Palavrório: se o adversário estiver acostumado a escutar coisas que não
entende, agindo como se entendesse, podemos impressioná-lo ao tagarelar
com expressão séria palavras ”difı́ceis” mas sem sentido.
25. Argumento ruim: se o adversário escolher um argumento ruim, mas tiver
razão, refutamos o argumento e o fazemos acreditar que refurtamos o
assunto em si.
26. Ofensas pessoais: se o adversário tiver razão e for muito superior a nós, o
insultamos ou iniciamos uma campanha de difamação para desvalorizarmos
sua argumentação.
2.3. EXERCÍCIOS 27

2.3 Exercı́cios
1. Releia de forma crı́tica este capı́tulo. Comece seu ”diário intelectual”
conforme apresentado na seção 2.1.5.. Tente utilizá-lo em todo curso de
TADI.
2. Construa um argumento como alguém que seja a favor do vegetarianismo
por razões éticas. Construa o mesmo argumento como alguém contrário
ao vegetarianismo por razões éticas. (Caso tenha interesse particular por
essa questão leia: Peter Singer, Liberação Animal, Ed. Lugano, 2004.)
3. Construa um argumento como alguém que seja a favor da publicação de
charges de Maomé em nome da liberdade de imprensa. Construa o mesmo
argumento como alguém contrário à publicação por razões éticas. Esta
argumentação será utilizada como atividade em sala de aula,
portanto, procure escrever sua argumentação e pensar na con-
trargumentação e audiência.
4. Procure em jornais e revistas um exemplo de linguagem emocional. À
luz do texto acima, comente as falácias encontradas no exemplo. Estes
exemplos serão requisitados em aula e valerão bonus de participação.
5. Experimente utilizar os estratagemas de Schoppenhauer com seus colegas
ou familiares.

2.4 Referências
Parte deste capı́tulo (seção 1) foi adaptada de:
• Arguments are everywhere...,
http;//www.unc.edu/depts/wcweb/handouts/argument.html,
University of North Caroline at Chapel Hill, UNC-CH Writing Center
(2005).
Parte deste capı́tulo (texto inicial, seções 2.2.1 e 2.2.2) foi adaptada do seguinte
livro:
• Gula R.J., Nonsense: A Handbook of Logical Fallacies, Axios Pr, 2002.
Para saber mais sobre Lógica Informal:
• Walton, D.N., Informal Logic: A Handbook for Critical Argumentation,
Cambridge University Press, 1994.
Sobre falácias leia também:
• Frankfurt H.G., Sobre Falar Merda, Intrı́nseca, 2005.
O ensaio de Schopenhauer citado está em:
• Schopenhauer A., A Arte de Ter Razão, Martins Fontes, 2005.
28 CAPÍTULO 2. ARGUMENTAÇÃO E FALÁCIAS

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