Sie sind auf Seite 1von 16

Mães que entregam os filhos para adoção: Uma reflexão sobre o mito do amor

materno

Gabriella Virginia Roque da Silva Valentim*


Ana Flavia Leite Cortez**

RESUMO

Nossa sociedade vive a ideologia do amor materno e a exaltação da maternidade.


Esta construção ideológica teve início no século XVIII por necessidades
demográficas e econômicas e, desde então, foi imposto um padrão de
comportamento feminino que associa a mulher à condição de mãe amorosa e
devotada aos filhos. Em torno dessa questão, a mãe que entrega o filho para adoção
é uma das temáticas mais polêmicas, pois vai de encontro ao mito do amor materno
e abala um dos pilares de sustentação da família tradicional: a maternidade
idealizada. O estudo deste tema norteou a pesquisa que, através de uma revisão
bibliográfica, teve como objetivos refletir sobre a construção da ideologia do amor
materno e analisar a situação social e emocional vivida pelas mães que entregam
seus filhos para adoção. Após a análise dos dados, foi concluído que essas
mulheres têm motivações das mais diversas para a entrega, como: rejeição, pressão
social e proteção. O amor materno pode ou não estar presente, trata-se de algo
muito singular, pois este sentimento não é um elemento instintivo da natureza
feminina, é uma construção cultural e pessoal. No entanto, o mito sobre ele faz com
que as mulheres que não queiram ter filhos, ou que entregam os filhos para adoção
sejam estigmatizadas e vistas com estranhamento.
Palavras-chave: Gênero/Direitos reprodutivos. Mito do amor materno. Mães
biológicas. Entrega. Adoção.

INTRODUÇÃO
Na literatura atual, encontram-se relevantes trabalhos que tratam da temática
da criança órfã, da criança em abrigos e da própria adoção. Porém observa-se que
são escassos os estudos que se dedicam a ver o outro lado da situação – a mãe
biológica dessas crianças.

*
Pós-graduanda em Avaliação Psicológica pela Faculdade Frassinetti do Recife. Graduada em
Psicologia pelo Centro Universitário Maurício de Nassau. Endereço de e-mail:
gabriellaroque@hotmail.com.
**
Mestre em Psicologia pela UFPE e professora da graduação em Psicologia do Centro Universitário
Maurício de Nassau. Endereço de e-mail: flaviacortez@ig.com.br.

791
Talvez essa preferência pelo estudo das crianças deva-se ao fato de que seja
mais fácil a identificação com a mesma, pois a criança encontra-se na posição mais
frágil e o esperado é que seja cuidada por seus pais. Enquanto que a mãe é vista
de forma estigmatizada, porque, ao entregar o filho para adoção, ela age de forma
contrária ao que é socialmente esperado dela. Ela põe em questão o tão difundido e
valorizado amor materno, incondicional e desmedido.
Em nossa sociedade, o amor materno é considerado um sentimento natural,
como um instinto próprio da mulher, que todas deveriam sentir. Isso traz uma série
de consequências, pois a partir do momento em que esse sentimento é legitimado
como característica inata, torna-se praticamente uma obrigação feminina querer ter
filhos, tê-los e amá-los. Porém é sabido que essa teoria inatista do amor materno foi
construída sócio-culturalmente para atender às necessidades de um determinado
grupo social e nem todas as mulheres sentem amor pelos seus filhos, pois a
experiência da maternidade é algo muito individual.
Elizabeth Badinter (1985), em “Um amor conquistado: o mito do amor
materno” explicita que o amor materno é uma construção cultural e não instintiva da
natureza feminina. A autora concebe o amor materno como incerto, frágil e
imperfeito, justificando as diferentes faces da maternidade no decorrer da história.
Sendo assim, o amor materno pode apresentar diversas facetas no contexto social,
onde as mulheres experienciam os símbolos e significados da maternidade como
realidade.
Entretanto essa não é a forma de pensar difundida socialmente, logo não é
surpresa que as mulheres que optem por um comportamento diferente, sofram com
o julgamento social. Como a sociedade leva apenas em consideração os valores
dominantes, ela cria rótulos que estigmatizam quem não segue seus padrões. Dessa
forma, as mulheres que recusam o destino social da maternidade são consideradas
exceções e recebem o estigma de anormais e estranhas.
Em torno dessa questão, a mãe que entrega o filho para adoção é uma das
temáticas mais polêmicas, pois fala da mulher que vai de encontro à ideologia do
amor materno incondicional, o que abala um dos pilares de sustentação da família
tradicional que é a maternidade idealizada. Talvez por isso seja um tema pouco

792
estudado, apesar de ser bastante relevante, e será em torno dele que o presente
trabalho terá seu desenvolvimento.
O presente estudo é fruto do trabalho de conclusão de curso da primeira
autora, orientado pela segunda. Através de uma pesquisa bibliográfica, de caráter
descritivo, procuramos refletir sobre a construção do mito do amor materno e sua
influência na estigmatização das mulheres que optam por um destino diferente,
assim como, buscamos analisar a situação social e emocional vivida pelas mães que
entregam seus filhos para adoção.

1. Construção sócio-histórica do mito do amor materno

O amor materno, tal como hoje o concebemos, começa a ser pensado a partir
das mudanças referentes aos cuidados com a criança que ocorreram por volta do
século XVIII. Durante esse período, na França e em outros países europeus, a
criança não tinha nenhum direito essencial. As transformações que ocorreram na
família juntamente com as políticas higienistas foram fundamentais para que a
criança passasse a ocupar um lugar mais privilegiado, atribuindo maior relevância e
visibilidade ao amor materno. A ideologia do amor materno se constituiu a partir de
três discursos inter-relacionados (Estado, Igreja e Medicina), que operaram como
meio de normatizar o comportamento feminino (BADINTER, 1985).
De acordo com os registros literários, havia uma indiferença à infância até a
segunda metade do século XVIII. As crianças eram vistas como objetos tediosos, a
quem não se dispensavam muitos cuidados. Ao nascer, ela era enviada a casa de
uma ama-de-leite, normalmente no campo. Nesses locais se concentravam muitas
crianças e os cuidados eram péssimos. A maioria morria, pois não havia
preocupação com a higiene, nem com a alimentação. Os pais, por sua vez, quase
nunca procuravam por notícias do filho, apenas pagavam um mísero salário para as
amas, que mal conheciam (BADINTER, 1985).
Acreditava-se que os ares do campo eram benéficos às crianças, mas a real
motivação para o envio dos bebês à casa de amas era o incômodo causado por
seus cuidados. A criança era considera um estorvo. Cuidar dela trazia
aborrecimentos e não era algo valorizado socialmente. Havia vários motivos, por

793
exemplo, para a recusa da amamentação: era fisicamente má para a mãe e pouco
conveniente. Também alegavam sensibilidade nervosa e risco de perder a beleza.
Enfim, a amamentação era considerada ridícula e despudorada. Também
atrapalhava as relações maritais, pois o sexo era proibido durante a gravidez e todo
período de aleitamento (BADINTER, 1985).
A criança que sobrevivia aos anos de escassos cuidados na casa das amas
retornava a casa paterna por volta dos quatro ou cinco anos em péssimas condições
de saúde. De acordo com Badinter (1985, p. 126) “frequentemente estropiada,
malformada, raquítica, enfermiça ou mesmo gravemente doente”. Os pais queixam-
se bastante e talvez com mais fervor do que se o filho tivesse morrido. No entanto,
as crianças não demoravam muito na casa dos pais. Logo que possível, eram
enviadas a casa de vizinhos para aprenderem um ofício, ou colocadas em conventos
ou colégios internos dos quais saiam já em idade de casar.
Para compreender o comportamento de rejeição da maternidade pelas
mulheres é preciso recordar-se de que nessa época as tarefas maternas não são
objeto de nenhuma atenção, de nenhuma valorização pela sociedade. São
consideradas, na melhor das hipóteses, normais, uma coisa vulgar. As mulheres não
obtinham, pois, nenhuma glória sendo mães.
No entanto, em meados do século XVIII, o surgimento de uma nova ciência, a
Demografia, chama a atenção para o crescimento populacional. Percebe-se que a
taxa de mortalidade infantil era alta, e o Estado estava interessado na conservação
da população, pois o capitalismo estava começando a nascer, então era preciso
cuidar da sobrevivência das crianças, pois cada ser humano “converteu-se numa
provisão preciosa para um Estado, não só porque produz riquezas, mas também
porque é uma garantia de seu poderio militar” (BADINTER, 1985, p. 153).
Em consequência, toda perda humana passa a ser considerada um dano para
o país, pois o capitalismo crescente exigia cada vez mais mãos de obras. A criança
em fins do século XVIII adquire valor mercantil. Percebe-se que ela é,
potencialmente, uma riqueza econômica.
Nesse contexto, a criança, que antes não era valorizada, passa a ser
considerada importante, pois futuramente seria a mão de obra para as indústrias e
para a povoação das colônias. E a estratégia para reverter a situação da mortalidade
794
infantil foi colocar a mulher no lugar de cuidadora amorosa dos filhos, pois segundo
os higienistas ela possuía a capacidade biológica e natural para amar e maternar
(MOURA; ARAUJO, 2004).
Com esse objetivo, no último terço do século XVIII, as imagens da mãe e de
sua importância mudam radicalmente, ainda que na prática os comportamentos
tardassem a se alterar. A partir de 1760, crescem as publicações que valorizam o
cuidado maternal com os filhos. Estas chamam as mães para suas tarefas e exigem
que amamentem elas próprias seus filhos. O objetivo é produzir seres humanos que
serão a riqueza do Estado. As atenções voltam-se, então, para a primeira fase da
infância, período mais negligenciado pelos pais, e no qual ocorria a maior parte das
mortes (BADINTER, 1985).
Para colocar em prática esse salvamento, era preciso recrutar as mães e
convencê-las a assumir suas tarefas. Para isso médicos, administradores, moralistas
e religiosos expuseram seus mais sutis argumentos para persuadi-las.
Outro fator que contribuiu para a invenção do amor materno foram as ideias
de igualdade e de felicidade individual advindas do Iluminismo. Com isso, houve
uma modificação na condição do pai, da mãe e até mesmo da criança, ocorrendo
uma maior homogeneidade. Foi uma mudança significativa, já que a criança saiu do
anonimato, mesmo que ainda não ocupasse um lugar privilegiado, passou a ser
mais valorizada. O conceito de amor materno floresceu, passando a família a se
organizar em torno da criança, principalmente a mãe (BADINTER, 1985).
Bowers (1996 apud STEVEN, 2007) explica que foi apenas a partir do século
XVIII que aparece com mais força a figura da esposa em tempo integral e da mãe
como personagens essenciais na estrutura familiar. O autor detalha os esforços
feitos pela ideologia patriarcal em criar uma visão idealizada da maternidade,
através de vasta produção de literatura didática que visava atingir a classe média. A
maternidade era então definida como um conjunto supostamente universal de
comportamentos e sentimentos; ternura envolvente e ilimitada, amamentação longa,
supervisão constante e educação das crianças, movimentação física restrita ao
espaço doméstico, ausência de desejo sexual.
Stevens (2007) afirma que a incerteza sobre o fato de o filho ser realmente
seu, gerada pela necessidade um filho legítimo para herdar as propriedades do pai,
795
fez os homens criarem estratégias para garantirem a paternidade real. Então foi
necessário desenvolver na mulher não apenas o desejo de ter filhos, mas ao mesmo
tempo de tornar o sexo algo repulsivo para ela. Um esforço para a construção da
imagem mãe/esposa virtuosa foi a institucionalização do culto mariano, pelo
cristianismo. A mulher antes identificada a Eva, pecaminosa, passou a ser
identificada a Maria.
A partir daí, desenhou-se uma nova imagem da mulher e da sua relação com
a maternidade, segundo a qual o bebê e a criança transformam-se nos objetos
privilegiados da atenção materna. A devoção e presença vigilantes da mãe surgem
como valores essenciais, sem os quais os cuidados necessários à preservação da
criança não poderiam mais se dar. A ampliação das responsabilidades maternas fez-
se acompanhar, portanto, de uma crescente valorização da mulher-mãe, a “rainha
do lar”, dotada de poder e respeitabilidade desde que não transcendesse o domínio
doméstico (MOURA; ARAUJO, 2004).
Nas classes favorecidas, a mulher passou a assumir, além da função nutrícia,
a de educadora e, muitas vezes, a de professora. À medida, porém, que as
responsabilidades aumentaram, cresceu também a valorização do devotamento e do
sacrifício feminino em prol dos filhos e da família, que novamente surgiram no
discurso médico e filosófico como inerentes à natureza da mulher. Assim, se por um
lado, as novas responsabilidades da mulher conferiam-lhe um novo status na família
e na sociedade, afastar-se delas trazia enorme culpa, além de um novo sentimento
de “anormalidade”, visto que contrariava a natureza, o que só podia ser explicado
como desvio ou patologia (MOURA; ARAUJO, 2004).
A maternagem se tornou tão naturalizada que condiciona de maneira
sistemática a vida social. Em consequência, imagina-se que toda mulher
instintivamente deseja ser mãe e tenha que maternar. As experiências da
maternagem mostram como os papéis desempenhados pela mulher adquiriram
significação psicológica e ideológica, definindo com intensidade sua vida, de forma
que a apresentação de nuances femininas diferentes das estabelecidas socialmente
causam certo estranhamento e são difíceis de serem aceitas na cultura ocidental. As
mães são vistas como educadoras modelos morais para seus filhos e guias morais
para seus maridos (LIMA, 2009).
796
Porém, o amor materno é apenas um sentimento humano. E como todo
sentimento, é incerto, frágil, imperfeito. Contrariamente aos preconceitos, ele talvez
não esteja profundamente inscrito na natureza feminina. Ao se observar a evolução
das atitudes maternas, constata-se que o interesse, a dedicação à criança se
manifestam ou não se manifestam. A ternura existe ou não existe. As diferentes
maneiras de expressar o amor materno vão do mais ao menos, passando pelo nada
ou quase nada (BADINTER, 1985).
Chodorow (1990 apud MOTTA, 2008) também questiona a existência da base
biológica nas mulheres para cuidar de crianças, uma vez que defende a ideia da
atribuição social de papéis, ligados aos gêneros masculino e feminino. Para uma
avaliação adequada sobre a “naturalidade” da maternagem nas mulheres, ela
propõe que distinguimos o cuidar de crianças do fato de dar à luz uma criança. A
autora defende que a reprodução dos padrões tradicionais de maternação no mundo
contemporâneo se dá através de processos psicológicos induzidos social e
estruturalmente que se reproduzem de forma cíclica.
Em meio a essa problematização sobre a naturalização do amor materno, um
aspecto relevante a ser estudado são as mulheres que entregam os filhos para
adoção. Elas, ao romperem com os padrões sociais normatizadores da maternidade,
sofrem com o estigma social e passam a ser taxadas de “mães desnaturadas”,
anormais e estranhas.
O termo estigma pode ser definido como a situação do indivíduo que está
inabilitado para a aceitação social plena, pois possui uma “diferença indesejável”. O
estigma é atribuído pela sociedade com base no que constitui “diferença” ou
“desvio”, e é aplicado por meio de regras e sanções que resultam no que se
descreve como um tipo de “identidade deteriorada” para a pessoa em questão
(GOFFMAN, 1988 apud PETRUCCE; ZIMMER; SILVA, 2006).
Na pesquisa realizada por Petrucce, Zimmer e Silva (2006), em que
analisaram a existência do estigma em relação às mães que deixavam seus filhos
em uma instituição de abrigo, foi concluído, que o estigma existe às vezes de forma
explícita, outras de forma sutil.

Elas deixam de ser criaturas comuns e totais e são reduzidas a pessoas


estragadas e diminuídas, a quem são imputados atributos depreciativos,
797
como veremos nas entrevistas: "Falaram que eu não sou mãe, que eu não
gosto dos meus filhos. Como é que deixei no colégio interno. Essa é a
reação das pessoas. ”(M2). “Então eu fui muito criticada pelas ‘pessoa’ que
me conheciam, que conviviam comigo, que eu era louca de colocar meu
filho num colégio interno, de deixar o tempo todo longe de mim” (M6).
(PETRUCCE; ZIMMER; SILVA, 2006).

Mas quem são e o que sentem essas mulheres? É o que vamos analisar no
próximo capítulo.

2. Análise da situação social e emocional das mães que entregam os filhos


para adoção.

Pesquisas revelam que o perfil socioeconômico das mães que entregam os


filhos para adoção é o de mulheres jovens, solteiras, com educação primária
incompleta, trabalham esporadicamente como domésticas e não contam com o
apoio da família, nem do parceiro. São, em sua maioria, mães excluídas, que
abandonam porque foram abandonadas pelas políticas públicas e pela sociedade
(MENEZES, 2007; SOEJIMA; WEBER, 2008).

À ótica social, as causas maternas sempre serão frívolas frente ao ato


praticado. As diversas causas do abandono, para Pouchard (1997),
necessitam que a realidade se imponha. A autora cita o desamparo e a
miséria, acreditando que, geralmente, trata-se de situações dramáticas em
que os pais biológicos não têm muitas oportunidades. Em face da realidade
da mãe abandonante, a qual se insere, muitas vezes, na parcela
populacional submetida à exclusão, à miséria e à violência, essa mãe crê
que o abandono é o melhor que ela pode estar fazendo por seus filhos
(FRESTON; FRESTON, 1994; WEBER, 1999 apud SOEJIMA; WEBER,
2008, p. 178).

De acordo com Motta (2008) antes de entregar a criança em adoção, a mãe é


frequentemente cortejada para que concretize esse ato. Sendo inclusive, dito a ela,
que se trata de um ato de amor. No entanto, depois de dada a criança, ocorre uma
abrupta modificação. A mãe biológica é relegada a um estado de “não ser”, ou à
categoria de pessoa má, desumana. Configura-se assim a postura paradoxal que
caracteriza a atitude em relação a essas mulheres. De um lado, a expectativa para
que a entrega se concretize; de outro a censura feroz em relação a mesma.
Motta (2008) propõe a troca do termo abandono por entrega. Esta iniciativa
tem como objetivo a busca de expressões mais genéricas, que não carreguem em si
o peso do preconceito. A palavra abandono é tendenciosa e carrega consigo a
798
imagem da criança sendo prejudicada ou colocada em risco. E é esta a imagem que
a criança acaba formando de si. É preciso discernir entre as diferentes modalidades
desta separação que, em geral, implica a entrega da criança a alguém que cuidará
dela. Logo não se caracteriza como abandono.
Na maioria dos casos, a justificativa dada pelas mães para não ficarem com o
filho é a falta de recursos materiais, porém Santos (2001) argumenta que nem todas
as mulheres que entregam seus filhos têm como motivação a situação
socioeconômica nem sofrem intensamente a dor da perda. Pois, muitas mulheres,
mesmo pobres, permanecem com seus filhos, enquanto outras, apesar de
enfrentarem as mesmas dificuldades financeiras, não desejam maternar aquela
criança e não estão dispostas a buscar alternativas que as possibilitem fazê-lo,
preferindo transferi-la a outros.
Diante da pluralidade desse universo, Santos (2001) aponta as motivações
subjetivas como fundamentais na decisão de entrega e afirma que as análises sobre
esse tema que se detém apenas nos determinantes de natureza socioeconômica,
deixam de reconhecer o direito dessas mulheres de terem motivações próprias.
Entretanto, quando o desejo de maternar existe, e mulher está atravessada pela
impossibilidade objetiva de permanecer com o filho, de acordo com a autora, a
entrega é permeada pela dor da perda e os fatores socioeconômicos são, de fato, os
determinantes da doação.
De acordo com Menezes (2007) a doação de um filho pode ser motivada por
rejeição, pressão social e proteção. No caso de rejeição é comum que dificuldades
internas, provenientes de relações primitivas na infância com a própria mãe ou
pessoa significativa impossibilitem a mulher de maternar seus filhos. Em algumas
mulheres há ainda a rejeição da condição da maternidade, elas simplesmente não
se veem como mães e não desejam ter filhos.
A doação por pressão social acontece quando estas mulheres sofrem
pressões familiares ou sociais e se encontram completamente carentes de qualquer
espécie de apoio. Elas podem estar vivendo uma situação difícil com o pai da
criança, ou terem engravidado extra matrimonialmente. Podem mesmo ter siso
vítima de estupro e/ou estar grávida em consequência de um episódio incestuoso.

799
Dessa forma, pressionadas pela família e pela sociedade, acabam por “reconhecer”
a presença inconveniente dos filhos em sua vida (MENEZES, 2007).
A doação por proteção pressupõe um ato de amor. A mãe incapaz de prover
e suprir as necessidades básicas de sobrevivência da criança confia seus cuidados
a alguém que julga em condições de fazê-lo. A pobreza ainda é hoje uma das
principais motivações concretas para a doação do filho. Tal ato, na maioria das
vezes, consiste em uma forma de proteção (MENEZES, 2007).
Motta (2008) corrobora a alusão de Menezes (2007) dizendo que a
desistência de criar o filho pode implicar, num polo, em desinteresse da mãe pelo
filho e, em outro, um esforço generoso de tentar garantir a criança condições que ela
sabe que não pode lhe proporcionar. Mesmo no primeiro caso essa decisão pode
representar uma atitude corajosa e coerente de alguém que poderia reivindicar a
todo custo seus direitos legais como mãe, sem que a isso correspondesse à
disponibilidade e o investimento afetivos necessários ao desempenho adequado e
completo da função materna.
Para Badinter (1985) o abandono de um recém-nascido nunca é feito com o
coração leve. É com emoção e provavelmente com culpa que essas mulheres
abandonam seus bebês. Motta (2008) pontua a contraditória opinião pública que
pressiona a mulher aumentando sua culpa e insegurança. No primeiro momento, a
censura advém da critica a mãe desnaturada que não quer ficar com o filho. No
segundo momento, a indignação se insurge contra aquela mãe que vai ficar com a
criança mesmo sem ter condições socioeconômicas e/ou familiares para fazê-lo.
No entanto é importante pontuar que a permanência com a criança sem
desejá-la ou ter condições para isso pode trazer consequências desastrosas tanto
para a mãe quanto para a criança, como maus-tratos à criança, imposição de
castigos inomináveis, ignorá-las, criarem-na nas ruas, ou até chegarem a situações
extremas como o abandono e o infanticídio (MOTTA, 2008).
Há os que opinam que devemos nos preocupar apenas com o bem-estar da
criança e não com o da mãe que é adulta e sabe se cuidar. A defesa dos interesses
da criança feita desta forma parece gerar soluções imediatistas e de curto alcance,
paralisando-nos para iniciativas de caráter profilático e amplo que venham a atender
o problema de forma geral (MOTTA, 2008).
800
A autora questiona o quanto estas mulheres sabem realmente se cuidar e a
respeito da qualidade de sua decisão, a qual é em geral tomada sob um forte
impacto emocional. Ela também questiona sobre a possibilidade do livre-arbítrio no
momento da decisão, pois é observado que muitas mulheres entregam seus filhos
nas Varas de Infância e Juventude no mesmo dia em que saem da maternidade,
ainda sob as dores do parto e em estado puerperal. Momento em que tem seu
estado emocional alterado por fatores hormonais e de significação emocional das
mais complexas. O livre-arbítrio também é questionado, pois não podemos deixar de
levar em consideração os fatores socioculturais que podem estar exercendo seu
papel.
Não há evidências que comprovem que a difícil experiência de entregar um
filho em adoção se dilua com o tempo até extinguir-se, pois o que se verifica é que a
tristeza e o remorso frequentemente se fazem presentes quando tudo parece
concluído. A separação entre a mãe e a criança parece vir acompanhada de um luto
sem fim. Estas mulheres revelam sentir-se consternadas nas datas de aniversario de
seus filhos, em reuniões familiares e em comemorações importantes (MOTTA,
2008).
Muitas delas “criam” seus filhos em suas mentes; outras evitam novos
relacionamentos devido ao medo, vergonha e culpa; algumas referem dificuldades
na maternagem de seus outros filhos, transformando-se em mães afetivamente
distantes ou prejudicialmente superprotetoras (JONES, 1993 apud MOTTA, 2008).
Motta (2008) faz uma comparação entre a perda ocorrida por morte e a perda
sofrida pela mulher que entrega a criança em adoção. Nessa última, apesar de a
criança continuar existindo, a perda é definitiva. A autora conta que as reações
emocionais são similares, porém essa mãe apresenta fantasias perturbadoras que
intensificam sua culpa. Além disso, a sociedade considera como voluntária essa
decisão, por isso, o luto da mãe que entrega o filho é um luto não autorizado
socialmente.
Mas, quando as perdas não são socialmente aceitas, temos o luto não
franqueado, para este não existem rituais sociais, a sociedade não conforta os
enlutados, deixando-os distantes da possibilidade de superar a perda. Então, o
enlutado oculta seu luto até de si próprio, não se permitindo viver sua dor.
801
No luto não franqueado o sentimento encontrado com frequência é a
vergonha, substituindo o lugar da dor e consequentemente apresentando assim,
infinitos meios de negar, inibir e não elaborar o luto adequadamente. Aparentemente
independe do que pensam e sentem os familiares e conhecidos a respeito do fato,
porque o indivíduo impõe sanções contra si mesmo. (MOTTA, 2008)
Segundo Motta (2008) as mães biológicas se autocensuram ao sentirem
incapacidade no cumprimento do papel que a natureza lhes impõe. A autora explica
que a auto condenação deve-se ao fato de que essas mães internamente carregam
os mesmos valores da sociedade da qual participam. Além disso, os sistemas
religioso e legal, para as mães que entregam seus filhos, contribuem para
intensificar a culpa das mesmas.
Segundo afirma Kauffmann (1989 apud MOTTA, 2008), a perda de uma
pessoa amada parece apresentar como resposta universal a culpa, e no luto não
franqueado a intensidade da culpa possivelmente pode ser maior. Por isso, é
importante trabalhar a resolução da culpa para evitar tentativa de autopunição.
Sendo que, na resolução da culpa é necessário um processo interno de perdão,
reparação e uma disposição para perdoar a si próprio. Motta (2008) diz que uma das
formas de elaborar a culpa dessas mães é a valorização positiva de seu ato.
Como afirma Dolto e Hamad (1998), é preciso ajudar a mãe que doa dizendo:
“a sociedade lhe agradece por ter posto uma criança bonita no mundo”. Porem é
necessário criar políticas de prevenção, atenção e assistência a essas mulheres,
durante a gestação, pós-parto e pós-entrega, de forma que se esgotando as
possibilidades de permanência do filho junto à mãe biológica, se acompanhe o
processo de entrega para que seja realizado da melhor maneira para a criança, se
acolha a mãe e a ajude a enfrentar e elaborar as consequências do processo. É
necessário acolhê-la em sua decisão, sem vitimizar nem condenar.
Um importante avanço nesse aspecto foi a promulgação da Lei Federal nº
12.010/2009, conhecida como Nova Lei Nacional de Adoção. Essa legislação afirma
que não é ilegal entregar o filho para adoção, desde que a entrega seja feita junto à
Vara da Infância e Juventude. Outra importante contribuição desta lei é a
determinação que as mães também têm direito a assistência psicológica. O 4º
parágrafo do artigo 8º afirma: “Incumbe ao poder público proporcionar assistência
802
psicológica às gestantes e mães no período pré e pós-natal, inclusive como forma
de prevenir ou minorar as consequências do estado puerperal” E o parágrafo 5º
determina: “a assistência referida no 4º parágrafo deste artigo deverá também ser
prestada as gestantes ou mães que manifestem interesse em entregar seus filhos
para adoção".
Com o objetivo de atender as demandas surgidas com a promulgação da
referida lei, foi criado no ano de 2009, em Pernambuco, um programa pioneiro no
Brasil chamado Mãe Legal. Ele é desenvolvido pelo Núcleo de Curadoria Especial e
Proteção à Família - NUCE, da 2ª Vara da Infância e Juventude do Recife e destina-
se ao atendimento de mulheres que manifestem a intenção de entregar suas
crianças para adoção, seja antes ou após o nascimento. O programa acolhe estas
mulheres e investe na promoção de sua autonomia e no respeito à decisão que as
mesmas venham a tomar. A mulher é atendida por profissionais de psicologia e
serviço social e também recebe orientações de um advogado, que lhe tira dúvidas
jurídicas, sobretudo relacionadas ao processo da adoção (SOUZA et al., 2010).
Essa legislação é um avanço, pois reconhece a difícil situação por que passa
a mãe que decide entregar seu filho pra adoção. A assistência psicológica é muito
importante nesse momento, pois essas mulheres vivem um luto não autorizado e
convivem principalmente com a rejeição do seu ato, não tendo na maior parte das
vezes, um espaço onde possam refletir sobre sua decisão, minimizando as
consequências de uma decisão impensada e desamparada.

Considerações Finais

Vivemos em uma sociedade que enaltece o amor maternal e acredita que o


mesmo seja uma condição da natureza feminina, um sentimento que todas deveriam
sentir. Sendo assim, as mulheres que optam por um destino diferente -- como não
ter filhos; ou tê-los e entrega-los para adoção -- são vistas com estranhamento.

803
Essa ideologia vivida atualmente em relação ao amor materno é uma
construção sócio-histórica que teve início no século XVIII por necessidades
econômicas e demográficas. Antes disso, as mulheres não demonstravam grandes
cuidados para com seus filhos. A amamentação, por exemplo, que hoje é tão
incentivada, era fortemente repudiada e sempre que possível, as mães a delegavam
a outras mulheres. As mulheres não obtinham nenhuma glória sendo mães, logo,
não se dedicavam a essa função (Badinter, 1985).
Com base nisso, podemos perceber que o amor materno é apenas um
sentimento humano. E como todo sentimento, é incerto, frágil, imperfeito e assume
múltiplos significados. Contrariamente aos preconceitos, ele talvez não esteja
profundamente inscrito na natureza feminina (Badinter, 1985). Não é por ser mulher,
que o desejo da maternidade irá emergir, e não é por estar grávida, que uma mulher
vai amar incondicionalmente e querer cuidar do seu filho. Trata-se de uma questão
individual.
As mães que entregam os filhos para adoção têm motivações das mais
diversas para seu ato, sendo estas influenciadas por fatores sociais e emocionais.
Menezes (2007) afirma que a entrega pode acontecer por rejeição, pressão social e
proteção. As justificativas de ordem econômica são as mais comuns, mas parecem
não serem as determinantes da decisão. Tendo mais preponderância as motivações
subjetivas (Santos, 2001).
Motta (2008) defende que essas mulheres são mães abandonadas. Na maior
parte dos casos estão desamparadas, não contando com o apoio da família, nem do
pai da criança. Muitas entregam seus filhos ainda sofrendo os efeitos do puerpério,
sobre forte impacto emocional e dificilmente têm um espaço onde possam refletir
sobre sua decisão. Ao comunicarem seu desejo de doar o filho, as reações variam
entre o repúdio e o incentivo para que a doação aconteça, mas após a conclusão da
mesma, a mãe é relegada ao esquecimento e à condenação moral.
Dificilmente alguém para pra pensar nessas mulheres. E ao contrário do que
lhes é dito no momento da entrega, a maioria delas não esquece rapidamente o que
aconteceu. A culpa e o pesar são sentimentos comuns. Essas mães vivem também
a dor de um luto não aceito socialmente e precisam esconder o seu sofrimento, o
que dificulta o processo de elaboração da entrega (Motta, 2008). No entanto, o mais
804
importante é considerar que cada caso é um caso, e que cada mulher tem
motivações diferentes e vive as consequências da sua decisão de forma particular –
algumas sofrem, outras não.
Concluímos, assim, que o amor materno é uma construção cultural e pessoal,
não instintiva da natureza feminina. Esse sentimento pode ou não estar presente
nas mulheres que doam seus filhos, trata-se de algo muito singular. O importante é
acolhê-las em sua decisão, sem vitimizar nem condenar.
Sugerimos que mais pesquisas sejam realizadas para que haja maior
compreensão sobre o tema, pois ainda há lacunas a serem preenchidas.
Acreditamos também ser de fundamental importância que programas como o Mãe
Legal desenvolvido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco sejam
espalhados por todo o país, proporcionando o amparo psicológico, jurídico e social
que essas mulheres tanto precisam para que tomem a decisão mais acertada tanto
para elas quanto para seu filho.
E ansiamos que as reflexões em torno dessa temática não se restrinjam à
academia, mas sejam levadas à população para que haja uma maior compreensão e
aceitação da decisão das mulheres que optem por não ficarem com seus filhos.

Referências

BADINTER, E. Um amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro:


Nova Fronteira, 1985.

BRASIL. Lei nº 12.010 de 03/08/2009. Conhecida como Nova Lei Nacional de


Adoção. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2009/lei/l12010.htm> Acesso em: 15 nov. 2012.

DOLTO, F; HAMAD, N. Destinos de crianças: adoção, famílias, trabalho social. São


Paulo: Martins Fontes, 1998.

LIMA, M. B. C. Abandono e infanticídio: um estudo sobre redes de apoio e


significado da maternidade. In: I Encontro Nacional de Antropologia do Direito, 2009,
São Paulo. I Encontro Nacional de Antropologia do Direito. São Paulo: ENADIR,
2009.

MARTINS, L. M. R. S. Conhecendo os motivos que levaram as mulheres/mães a


perderem, a abandonarem ou entregarem suas filhas para a instituição. 2007.
805
70 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Serviço Social) --
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2007.

MENEZES, K. F. F. L. Discurso de mães doadoras: motivos e sentimentos


subjacentes à doação. 2007. 144 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica) –
Universidade Católica de Pernambuco, Recife, 2007.

MOTTA, M. A Mães abandonadas: a entrega de um filho em adoção. 3 ed. São


Paulo: Cortez, 2008.

MOURA, S. M. S. R.; ARAÚJO, M. F. A maternidade na história e a história dos


cuidados maternos. Psicologia Ciência e Profissão, Brasília- DF. v. 24 n. 1, p. 44-
55, 2004.

PETRUCE, L. A.; SILVA, L. B. C; ZIMMER, S. A. Estigma en madres que dejan a


sus hijos en instituciones. Psicologia para América Latina, México, n.
6, maio 2006.

SANTOS, L. Mulheres que entregam seus filhos para adoção: os vários lados dessa
história. In F. FREIRE (Org.). Abandono e adoção: contribuições para uma cultura
da adoção. Curitiba: Terre des Hommes, v. 3, p. 189-196, 2001.

SOEJIMA, C. S.; WEBER, L. N. D. O que leva uma mãe a abandonar um filho?


Aletheia. Canoas- RS. v. 28, jul./dez. p.174-187, 2008.

SOUZA et al. Programa Mãe Legal: Manual Informativo. Produzido pelo Tribunal de
Justiça do Estado de Pernambuco. Recife, 2010. Disponível em
<http://www.cnj.jus.br/images/imprensa/materiasespeciais/cartilhamaelegal.pdf>,
Acesso em: 26 ago. 2012.

STEVENS, C. Maternidade e feminismo: diálogos na literatura contemporânea. In:


STEVENS, C. (Org.). Maternidade e Feminismo: Diálogos Interdisciplinares.
Florianópolis: Ed. Mulheres; Santa Cruz do Sul: Edunisc. 2007. p. 16 – 78

SWAIN, T. N. Meu corpo é um útero? Reflexões sobre a procriação e a maternidade.


In: STEVENS, C. (Org.). Maternidade e Feminismo: Diálogos Interdisciplinares.
Florianópolis: Ed. Mulheres; Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2007. p. 203-247.

WEBER, L. N. D. Os filhos de ninguém: abandono e institucionalização de crianças


no Brasil. Revista Conjuntura Social. Rio de Janeiro, n. 4. p. 30-36, Jul., 2000.

806

Das könnte Ihnen auch gefallen