Beruflich Dokumente
Kultur Dokumente
“ O índio que queremos não é o índio da lata de goiabada, inspirando poemas lusos ao
Sr. Gonçalves Dias e romances franceses ao Sr. José de Alencar. Esse índio decorativo
e romântico nós damos de presente à Academia de Letras.” Revista da
Antropofagia26.1.1 Autor desconhecido.
Ainda no tocante ao Projeto Modernista ele é formado por duas vertentes: Projeto
estético; relacionado às modificações operadas na língua, através da ruptura da língua
tradicional e o Projeto ideológico, diretamente atado ao pensamento e a construção da
consciência nacional. É importante observar que essas vertentes em nenhum momento se
excluem, ao contrário; elas se mesclam na consolidação do movimento.
Estar ciente da relação entre Projeto e obra, é condição necessária para entender os
artifícios dos quais o autor lança mão na construção de sua obra.
“Nenhum texto é puro”; Essa afirmação contundente soa severa e objetiva, uma
vez que coloca o indivíduo na condição de reescritor – todo aquele que produz um texto,
seja oral ou escrito, reproduz algo que leu ou ouviu, de modo que sua função muitas
vezes, é a de tecer o emaranhado para constituir a comunicação.
Partindo disso, a análise de um texto remete a outros e não poderia ser diferente
na obra aqui analisada. Aqui cabe o questionamento – O autor faz essa busca de forma
inconsciente? Certamente que não. No labor da escrita o autor se assemelha a um mestre
de garimpo; deve ser exímio ao elencar tudo aquilo que vai ao encontro do projeto - sua
fonte, sua inspiração emanam do encontro entre a matéria-prima ideal e o produto, de
forma que este último consiga expressar toda sua intenção que é, a grosso modo,
transformar o verbo em carne – “ Et verbum caro factum est.”.
Deve-se começar do primeiro documento redigido em terras brasileiras, a Carta de
Pero Vaz de Caminha. Esse relato da descoberta das terras brasileiras pela Coroa Lusa é
fonte de indefinível versatilidade para os nossos poetas; isso se deve ao seu caráter de
neutralidade, permitindo sua adaptação aos contextos mais díspares.
É nessa ótica que se pode encontrá-la inspirando os mais doces romances
românticos, sobretudo na escrita de José de Alencar e Gonçalves Dias, mas também no
Movimento Modernista que, embora tão conflitante com o primeiro também se apodera
da obra. Os resultados, entretanto não poderiam ser diferentes; no poema épico I Juca
Pirama, Gonçalves Dias narra os feitos de um valoroso índio tupi pela Amazônia; Raul
Bopp, que vai pisar nas mesmas folhas, respirar o mesmo ar e avistar a mesma floresta
traz uma leitura muito diferenciada. Mas a que se deve essa diferença? Ela se deve ao
Projeto Literário ao qual cada autor está inserido, é o projeto que norteia o que usar e
como usar essa matéria-prima na lavra poética. Bopp quer revisitar o passado, de uma
forma crítica, saindo em busca das raízes culturais brasileiras.
Por falar em raízes, encontra-se outro texto cujo diálogo se faz de forma ainda
mais veemente: a rapsódia Macunaíma, de Mario de Andrade. A busca pela Muiraquitã
perdida, simbolizando a brasilidade esquecida, ignorada, é, em Cobra Norato,
representada pela filha da Rainha Luzia, sendo esta a luz que abarcará o resgate de nossas
origens. Os dois textos revelam que a Amazônia é o relicário cultural brasileiro,
representando o Brasil pré-cabralino, ainda muito próximo do índio nativo da época do
descobrimento.
Outro aspecto importante diz respeito ao conhecimento de mundo que o autor
insere na obra através da figura da cobra – a cobra é um símbolo comum a todos os
povos, ora representando as virtudes e ora, a perdição, como presente no Livro da
Gênese, ao mesmo tempo nos remetendo à origem representada por este último livro.
Aqui nota-se um caráter interessante porque se apresenta um jogo de dualidade: aqueles
que se faziam obstáculo ao projeto modernista o viam como um pecado e aqueles que
viam nele a fundamentação de uma nova interpretação o avistavam como uma virtude.
Quanto ao livro da Gênese e Cobra Norato encontra-se: Euclides da Cunha afirmou:
“Seria Cobra Norato a transfiguração épica do capítulo que falta ao Gênese.”
É necessário trazer à tona uma aproximação entre a umidade que perpassa toda
obra com o surgimento da vida, a umidade da mata nos remete ao ambiente do
nascimento, à origem, a um começo diferente, torneado de novas aspirações e anseios,
típicos de um movimento que busca resgatar o que somos na essência.
Para completar, não se pode deixar de trazer uma citação do já tão afamado crítico
brasileiro, Antônio Cândido, que afirma: “o geral e o particular invadiram nossas formas
de expressão.” O geral é o objetivo de buscar a brasilidade e esta conquista se dá através
de um âmbito particular – a Amazônia e sua riqueza local. Em síntese; é nesse
movimento de busca ou em algum momento não muito distante dele que o Brasil deixa
de ser objeto e torna sujeito, isto é, finalmente a literatura brasileira tomou forma (excerto
do Trabalho Literatura de Dois Gumes
Bibliografia