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Uma Janela para o Mundo Divino
“O ícone, visto com os olhos do
coração iluminados pela fé, nos
abre para a realidade invisível,
para o mundo do Espírito, para a
economia divina, para o mistério
cristão na sua totalidade
ultraterrena. È lugar teológico”
(Maria. Donadeo, em Os Ícones,
Imagens do Invisível, p. 20).
A palavra ícone deriva do grego eikón que significa imagem. São
representações de Jesus Cristo, cenas de sua vida, da Virgem e dos
santos venerados pela Igreja.
O ícone pode ser realizado de várias maneiras: pintado sobre
madeira com a técnica de tempera a ovo ou com a técnica da encáustica
(que usa cera de abelha); como afresco sobre paredes; com esmalte ou
mosaico ou ainda em ilustrações de pergaminhos ou livros. Entretanto,
qualquer que seja a técnica em que o ícone é realizado, não podemos
nos referir a ele como sendo simplesmente uma obra de arte.
Na arte comum os artistas representam pessoas e eventos que
pertencem ao mundo material. Mesmo quando o tema a ser pintado é
algo abstrato como, por exemplo, um mito, sua representação será na
linguagem das imagens terrenas. Na busca de uma melhor expressão de
seus sentimentos interiores, pintores abstratos usam cores ou deformam
os objetos. Entretanto as experiências diante dessas obras não levam o
expectador para um mundo de natureza diferente onde o espaço, o
tempo e os valores são outros.
Esse é o objetivo dos ícones: transportarnos para um outro
mundo. Os ícones não representam o mundo natural, terreno, mas o
espiritual. E isso é feito através de técnicas artísticas especiais que foram
desenvolvidas no curso de vários séculos. Portanto, não podemos olhar
para os ícones como se eles fossem simplesmente obras de arte. Eles
não representam o espaço como o conhecemos, nem os eventos são
condicionados pelas relações comuns de causa e efeito.
O tratamento da perspectiva, as proporções do corpo e os planos
representados em um ícone não seguem as regras conhecidas no mundo
da arte, mas sim as regras de uma dimensão divina, diferentes das
regras mundanas. A ausência de uma paisagem mais elaborada também
simboliza esta entrada no mundo divino. Não existe lugar para o
supérfluo na representação do mundo divino, somente cabe o essencial.
A perspectiva invertida empregada nos ícones é especialmente
interessante. Ao contrário do que ocorre na pintura clássica, onde o ponto
de fuga está na linha do horizonte, no ícone o observador é situado no
ponto de fuga das linhas, como se o ícone fosse uma janela aberta para
o mundo divino, vislumbrado a partir da perspectiva daquele que reza
diante dele.
A aparência dos objetos visíveis é alterada a fim de que uma outra
realidade seja discernida e que a lógica da percepção sensorial seja
suspensa, já que os elementos do sagrado não se encontram localizados
no espaçotempo terrestre.
O ícone é uma janela olhando para um mundo de uma outra
natureza, mas essa janela só estará aberta para aqueles que tiverem
uma visão espiritual. A cava na tábua do ícone ou a borda externa
pintada sobre a madeira simboliza essa janela por onde entraremos para
o mundo divino.
A cor tem um papel muito especial na iconografia porque é uma
linguagem simbólica. Assim, as cores são usadas em função das virtudes
ou características que representam e não em função de um realismo
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18/08/2015 Uma janela para o mundo divino Ateliê de Iconografia Theotokos Pantanassa
terreno.
O ícone quer revelar a realidade espiritual que está além de toda
expressão verbal. As técnicas envolvidas no emprego da luz e da cor
foram criadas para gerar a sensação de estarmos olhando para um
mundo que não está sendo iluminado por uma luz externa que lança
sombras, mas pela luz da graça divina que transforma edificações e
paisagens e que se manifesta principalmente na iluminação interior
daqueles que testemunharam a fé no TodoPoderoso. O sentido mais
amplo tem de ser encontrado na alma do espectador. Os ícones são,
assim, um meio de entrar na quietude do coração onde Deus pode ser
tudo em todos e todas.
A luz divina que está dentro de cada pessoa não está no mundo
visível. Nos ícones essa luz divina é representada por meio de linhas de
ouro ou linhas brancas. O fundo do ícone em ouro representa o espaço
“que não é desse mundo”. Como a luz é do mundo divino, ela está em
todas as partes e não existem sombras projetadas nos ícones, como na
arte naturalista, pois no mundo de Deus tudo está permeado por essa
luz.
Aqueles que quiserem compreender os ícones terão que vêlos
com os olhos da fé, para quem Deus é uma realidade indiscutível,
presente em todos os lugares, uma testemunha e um juiz invisível de
nossos atos, pensamentos e emoções, de quem nada pode ser oculto. O
ícone atualizase como uma realidade viva quando o artista, pela oração
e compreensão espiritual realiza o Divino em si mesmo.
1. Uma Arte Espiritual por Excelência
A iconografia é uma arte sagrada, espiritual tanto em sua essência
quanto em seus objetivos. São João Damasceno, em sua defesa dos
santos ícones, chama a atenção para suas funções na vida espiritual dos
cristãos ortodoxos:
1) Os ícones são meios de honrar a Deus, seus Santos e os
santos anjos.
2) Eles servem como instrumentos para a instrução na Fé Cristã e
nos ensinamentos da Igreja.
3) Eles nos relembram desses ensinamentos.
4) Eles nos elevam aos protótipos, aos personagens ali
representados e a um nível mais elevado de pensamento e
sentimento.
5) Eles promovem a virtude e nos auxiliam evitar os vícios,
despertando em nós o desejo de imitar esses personagens
sagrados.
6) Eles contribuem com a nossa santificação.
7) Eles aumentam a beleza de uma igreja.
Atualmente, a principal função dos ícones não é a didática, isto é,
oferecer um ensino religioso acessível a todos, ainda que analfabetos. O
ícone depois de abençoado é um sacramental, isto é, um sinal da graça,
eficaz em virtude dos poderes e da oração da Igreja. E nesse sentido é
um poderoso auxílio na vida espiritual do cristão que o utiliza com
respeito e com fé.
“Aquilo que o Evangelho nos diz com palavras, o ícone anuncia
com cores e nolo torna presente.” Representando o Cristo, a Mãe de
Deus, os anjos ou os santos, ele os torna misteriosamente presentes e
nesse aspecto ele difere de um quadro. Diz a resolução do VII Concílio
Ecumênico:
“O ícone é para nós ocasião de um encontro pessoal, na graça do
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Espírito, com aquele que ele representa... Quanto mais o fiel olha os
ícones, mais se recorda daqueles que estão ali representados e se
esforça por imitálos. Aos ícones ele testemunha respeito e veneração,
mas não adoração, que é devida unicamente a Deus.”.
O fiel reza diante do ícone de Cristo como se estivesse diante do
próprio Cristo, que se apresenta no ícone. Porém o ícone em si, lugar
dessa presença, permanece um objeto, nunca se torna um ídolo. A
exigência de ter o ícone advém da concretização do sentimento religioso,
que não se contenta com uma simples contemplação espiritual, mas
procura também avizinharse de Deus diretamente, sensivelmente, como
é natural ao homem de corpo e alma.
O iconógrafo grego Photius Kontaglou costumava dizer que os
santos ícones estão repletos da luz de Cristo, e o cristão ortodoxo que os
admira com atenção e os venera com fé e simplicidade de coração, é
preenchido por essa luz abençoada. Os cristãos que já passaram pela
experiência de estar em frente a um ícone, fitandoo intensamente e
rezando como se estivesse diante da própria pessoa ali representada,
sabem que a afirmação de Kontaglou é verdadeira.
Para os não cristãos, essa luz suave e plena de alegria silenciosa
não será perceptível. Tendo olhos, não poderão ver. O homem secular vê
no ícone apenas cores, formas, arte e cultura. Ele pode até mesmo
apreciar a habilidade artística com que foi executado, mas o mundo
interno, oculto, não estará ao seu alcance. Para os cristãos os ícones são
como um banquete espiritual, um deleite para os olhos, o coração e a
alma.
Para poder expressar o ícone em toda sua plenitude espiritual, é
necessário que o iconógrafo procure não apenas compreender, mas ter
uma vivência no mundo espiritual. O mundo espiritual pode ser conhecido
através da metafísica e da filosofia, mas a vivência não será alcançada
por esses meios.
O primeiro sinal da vida é a respiração. Tudo o que vive respira.
No âmbito espiritual, os santos Padres testemunham que “A respiração
da alma é a oração.” (Os Ícones da Mãe de Deus, p. 32). Sem a oração,
“o iconógrafo encontrase morto para o mundo espiritual e ainda que
possuísse perfeitamente a técnica do ícone, sua obra sempre seria sem
alma.” (Os Ícones da Mãe de Deus, p. 35).
2. Arte e Cânone
No passado, o iconógrafo era, sobretudo, um monge acostumado
a obedecer, que seguia fielmente os cânones da pintura. A fidelidade dos
iconógrafos à Tradição permite que qualquer pessoa, mesmo as mais
simples, possa logo reconhecer o ícone de uma festa, apesar de sua
complexidade. Todavia, não existem dois ícones iguais, porque o artista,
embora fiel às regras, conserva sua liberdade. A tradição assegurou aos
ícones força e continuidade ao longo dos séculos.
Numerosas são as advertências e ameaçadores os tormentos
eternos a quem queira pintar um ícone não segundo a Tradição, mas
segundo suas próprias concepções. Os historiadores vêem nisso um
exemplo de conservadorismo da Igreja e consideram essas normas um
obstáculo à renovação da arte sacra. Na verdade, esse ponto de vista é
uma falta total de compreensão do que é o ícone.
O cânone jamais prejudicou a iconografia. Elevando o artista ao
nível espiritual já adquirido pela humanidade, tais cânones libertam a sua
energia criadora para novas aquisições, livrandoo da necessidade de
repetir o que já está em declínio. A exigência de aterse às formas
canônicas é uma libertação, não um obstáculo.
A Igreja não busca formas antigas ou modernas, mas aquelas que
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