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Publicações
Espaço & Debates 29:72-5
1/10/90
Resenha de Bobbio: O futuro da democracia e Qual
socialismo?
Antonio Negri *
Tradução: Csaba Deák, do original:
NEGRI, Tony (1989) "Review of Bobbio: Future of democracy and Which
socialism?" Capital & Class37:156-61

A editora Polity Press apresenta a seus leitores anglo-saxões duas


coletâneas de ensaios de Norberto Bobbio: Qual socialismo?, que reúne
ensaios escritos entre 1968 e 1978, sobre a década que seguiu o '68' italiano,
e O futuro da democracia, que trata o período subsequente, a partir de 1978.
O fato de se tratar de períodos diferentes não tem nada de surpreendente,
no entanto, e por muitos anos Bobbio, de fato, tem insistentemente
reafirmado suas posições teóricas, com pouca consideração aos
inconvenientes resultantes dessa posição estàtica, dadas as mudanças
particularhmente vitais e dinâmicas que caracterizam os períodos
históricos considerados. Qual é, então, a tese político-teorética
fundamental que percorre esses estudos? Ela pode ser colocada nos
seguintes termos: a democracia pluralista e representativa constitue uma
'forma correta' de Estado, e somente em tal base podem ser construídas,
relações 'mais' socialistas, ou, nas palavras de Bobbio, "relações mais
participativas e harmoniosas". Existe, consequentemente, uma
continuidade lógica entre a democracia e socialismo -- mas não,
inversamente. Sem distorção do significado dessa proposição, pode-se
concluir que, enquanto que para Bobbio democracia é uma forma
constitucional de Estado (entre outras alternativas possíveis), socialismo
não a é -- para não falar em comunismo. Socialismo e comunismo seriam
apenas adjetivos a serem acrescentados a democracia.

Em termos do arsenal polêmico do filósofo, está claro o quanto tal


refutação por definição é importante. Para Bobbio, tanto socialismo
quanto comunismo ficam eliminados através dessa linha de raciocínio.
Não existe, nem pode existir uma teoria jurídica do socialismo; somente
democracia pode ser definida. Melhor ainda: somente democracia pode
ser conceitualmente definida enquanto paradigma ideal, ao passo que
socialismo somente pode ser descrito como uma prática -- e atentem, que
prática rudimentar! No primeiro dos dois livros, em meio a um período
em que a luta de classes na Itália era particularmente intensa, Bobbio
argumenta continuamente sem qualquer hesitação que socialismo é
essencialmente uma prática não-democrática. Em seguida, no segundo
livro, nos anos 80 quando a luta de classes tornava-se menos acirrada, a
discussão é um pouco mais cautelosa. Socialismo agora é admitido para
servir de adjetivo qualificativo de democracia, como um prêmio pela
incorporação de trabalhadores pelo Estado, enquanto cidadãos, e como
realização do conto inócuo sobre 'mais participação' e 'mais solidariedade'.
Bobbio acrescenta ainda que de qualquer modo, independentemente do
que se entenda exatamente por socialismo, o mesmo não pode ser
discutido senão em termos de desilusão, enquanto que democracia por
mais compromissada que seja, pode ser discutida em termos do real, no
sentido hegeliano. Em suma, o status ideológico de socialismo e de
democracia são radicalmente diferentes, e democracia possue mais
dignidade ontológica que socialismo. Os dois livros em referência são
inteiramente dedicados à demonstração desse ponto.

Àqueles que são familiarizados com a atividade de Bobbio como político e


filósofo de direito, a mensagem dos dois livros é clara e previsível. Na
verdade, contrariamente ao que pretende Richard Bellamy nos prefácios
às edições inglesas desses livros de Bobbio, o professor de Turim nunca
foi um socialista democrático, ou um democrata socialista -- ele é
simplesmente um filósofo neo-kantiano com fé no liberalismo. O que essa
definição significa? Ela significa que Bobbio é, da perspectiva da teoria do
Direito, um formalista que (na tradição da escola neo-kantiana de Marburg
como Hans Kelsen, de cujos ensinamentos Bobbio tem sido um dos
intérpretes mais fiéis) vê em direito um arcabouço formal para a garantia
da liberdade. Da perspectiva da teoria política, Bobbio é um individualista
que vê em liberdade um atributo completamente inalienável do cidadão, e
que, em oposição à sociedade como esfera abstrata, adquire sentido
somente se entendida em termos de padrões de validade individual.
Finalmente, do ponto de vista ético e epistemológico, Bobbio é um
pessimista para quem a ciência é um instrumento para garantir a eficiência
de um' governo realista', na crença de que 'ser governado' é
provàvelmente a única meta possível e passível de ser alcançada pela
sociedade política. Em suas introduções Bellamy enfatiza a especificidade
da situação em Turim após a primeira Guerra Mundial e a vivacidade dos
debates culturais e políticos que alí tiveram lugar. Ele nos lembra quem
eram os mestres de Bobbio: Gioele Solair, Luigi Einaudi e Gaetano
Mosca. Lembra-nos ainda as grandes figuras políticas e democráticas que
na época eram estudantes em Turim, assim como o próprio Bobbio viria a
ser mais tarde: os irmãos Rosselli a quem, apesar de serem liberais,
Mussolini assassinou em Paris; Gramsci que morreu imprisionado numa c
rcere fascista e condenado por St lin; e Sobetti morto pelos golpes dos
fascistas e a traição de seus companheiros liberais. O que ele esquece de
acrescentar, no entanto, é que entre os mestres de ciência política e os
estudantes de política exista uma diferença maior do que poderia caber na
posição anti-fascista compartilhada por todos; a saber, a diferença entre o
liberalismo jurídico e o cinismo político dos primeiros e a participação
ativa na luta de classes dos últimos.
Enquanto que Solari era movido pela filosofia política de Kant, or irmãos
Rosselli declaravam que só a luta de classes podia dar vida nova ao termo
liberdade. Enquanto Einandi acusava fascismo de denegrir direitos
individuais, Gramsci descobria na hegemonia social da classe operária a
única fonte de produtividade econômica e política que resta na sociedade.
Enquanto Mosca construía uma teoria cínica e aristocr tica de 'elites
políticas', Gobetti rejeitava tal 'realismo' e identificava em consciência de
classe e produção do trabalho cooperativo a única fundação/base possível
para uma sociedade democrática. Bobbio tem muito mais em comum com
seus mestres filosóficos do que com os discípulos desses. Em sua carreira
científica, Bobbio partiu do formalismo fenomenológico de Max Scheler e
seus seguidores de direito para chegar ao individualismo existencialista.
Ele se torna assim o promotor italiano de v rias matizes do empirismo
inglês, concluindo com o funcionalismo e a defesa pessimista de
democracia. É bem verdade que sua longa viagem professoral foi marcada
por um diálogo contínuo com os líderes do movimento comunista
italiano, de Togliatti e Amendola a Foa e Occhetto. Deve ser lembrado,
porém, que tal exageração do comprometimento de Bobbio com
democracia deve-se mais à defesa medíocre de comunismo por parte de
seus interlocutores que à capacidade de Bobbio para transcender os
limites do liberalismo. Senão, vejamos, o que tem esse professor neo-
kantiano da liberdade para ensinar-nos? Nada, a não ser aquela história do
pensamento político socialista e comunista já ensinada pelos neo-
kantianos, na qual os movimentos reais da luta de classes são submetidos
à crítica reguladora da razão burguesa, em um esforço para enfatizar o
elemento progressivo, no sentido burguês e racional, por oposição ao
elemento particular operário e proletário. Quando possível, a
particularidade dos interesses da classe operária é relegada atrás da
universalidade do direito burguês sempre que possível, ou então os
interesses da classe operária são simplesmente rejeitados. Bobbio é antes e
acima de tudo um sacerdote dos valores constitutivos do Estado burguês,
e toda a sua vida e ciência política foram meticulosamente dedicadas a essa
tarefa, com precisão neo-kantiana e objetividade formalista. Basta lembrar
que Bobbio sempre viveu em Turim, e no entanto em toda sua obra não
há uma única menção que seja à classe operária de Turim, apesar do papel
proeminente dessa última como protagonista da história italiana
contemporânea.

Mas é no terreno da filosofia do direito pròpriamente dita que a


verdadeira natureza do pensamento de Bobbio se revela em toda a sua
extensão:-- uma filosofia essencialmente normativa. Assim como em
epistemologia jurídica ele de quando em vez opõe formalismo a
historicisno, a dialética e a crise do sistema, e da mesma maneira que
(como veremos a seguir) em teoria política ele contrapõe democracia
representativa não somente a democracia direta senão a qualquer e à mais
leve sugestão referente à possibilidade de democracia direta, assim
também em filosofia do direito ele opõe 'realismo' positivista (o mesmo
que nos países de tradição napoleônica chamamos de 'institucionalismo') e
o mais rígido normativismo à jurisprudência de sistemas abertos. Para
Bobbio, no terreno da lei, o 'mal menor' (para cuja defesa é dirigida
realisticamente toda sua filosofia) não é o Estado democrático mas o
Estado tout court, na medida em que o mesmo é a fonte de todo direito.
Não há qualquer interpretação dinâmica ou método analógico que
pudesse livrar-nos da rigidez da forma. Não,-- somente formalismo pode
garantir que os direitos serão protegidos. A relação de força, uma vez
estabelecida, e institucionalizada enquanto lei, deve ser respeitada em sua
validade formal. Toda inovação é também transgressão. Nesse terreno
Bobbio é, sem dúvida, contra-revolucionário, ainda que não
necessariamente reacionário -- já que os dois conceitos não se superpõem
em absoluto--, senão e antes, alguém com fetiche pela legalidade e horror
a toda mudança. Dizer que a posição de Bobbio com respeito à filosofia
legal é 'anti-comunista' é dizer pouco. Outros anti-comunistas conhecidos,
tais como Arendt e Habermas trabalharam na direção de um projeto
político e comunicativo mais otimista sem mostrar qualquer simpatia com
positivismo jurídico. Bobbio, pelo contrário, é tão impregnado por esse
último, que quando ele se aventura para fazer de sua própria esfera de
interesses, acaba 'flertando' com o funcionalismo aberto de Niklas
Luhmann. Vamos voltar à acusação de que Bobbio é
contrarevolucionário, que não é nem exagerada nem injusta. Pelo
contrário, conservantismo científico é resultado direto de toda a evolução
de seu pensamento. Sem dúvida, nos cursos universitários (em que era
brilhante) Bobbio desenvolveu consistentemente, da mesma maneira que
nos livros em questão, uma defesa do 'domínio da lei' contra o 'domínio
de homens'. Com isso ele aparenta estar na grande tradição de
republicanismo do tipo Spinoza ou Harrington. Não é esse o caso de
Bobbio, no entanto, em cujos escritos republicanismo perde toda a sua
espontaneidade e a lei fica desprovida de qualquer possibilidade de
renovação popular. O 'domínio da lei' sobre o 'domínio de homens'
significa que o embasamento da estabilidade legal não acomodarão as
necessidades e as ações das massas. Mas legalidade se transforma não por
obra e graça do poder de Estado, senão como expressão de soberania
popular. Na história do direito público contemporâneo duas escolas
opõem-se em conflito direto. A primeira, de origem germânica,sempre
considerou o Estado como a própria substância do direito. A outra, de
origem Atlântica, estabeleceu uma relação dialética entre legalidade e
soberania popular. Nos livros ora em referência Bobbio revela-se, em
continuidade ao que sempre foi através dos longos anos de docência, um
proponente do direito público alemão. É paradoxal, no entanto a certo
ponto somente, que se possa dizer isto da mesma pessoa que, mais que
qualquer outra, tentou trazer a cultura filosófica e legal italiana mais
próxima da escola Atlântica.
Se tudo que dissemos for verdade, segue-se que o pensamento jurídico e
político de Bobbio beira (ou talvez decididamente pertença a) mais uma
variedade das teorias da 'razão de Estado': uma teoria do Estado que não é
ameaçador, despojado de toda ressonância germânica, e que no entanto
re-impõe-se como uma razão de Estado revisada e como uma teoria de
democracia talmúdica. Para salvar o Estado e para manter um mínimo de
democracia, Bobbio nos diz que

"nós devemos, dada a falta de alternativa, defender as regras do jôgo:


democracia formal, apesar de suas falhas e contradições, ou seja, sua
garantia do direito à liberdade, eleições periódicas através do sufrágio
universal, governo de maioria, ou como quer que o mesmo seja
interpretado de parte a parte. Todas as demais promessas a respeito da
soberania popular, igualdade, transparência do poder, equidade etc, são
simplesmente promessas excessivas e vãs que não poderiam ser
cumpridas... Em outras palavras, vamos ficar com essa democracia pelo
que ela é, um mal menor. Portanto não podemos fazer mais do que um
apêlo a certos valores, tais como os ideais de tolerância e de fraternidade,
aquela fraternidade que une todos os homens num destino comum, ainda
mais compulsoriamente hoje, dada a ameaça das armas nucleares."

Evidentemente, nós podemos nos valer do argumento ecológico


contra as armas nucleares para enfatizar o consenso profundo a respeito
do 'contractum subjectionis'.*

Finalmente, e decididamente de uma perspectiva lógica, Bobbio teoriza


seu argumento fundamental com relação à oposição entre democracia
direta e democracia representativa. A primeira é a verdadeira bête noire do
nosso autor. Bobbio na verdade previne-nos de que democracia direta
encoraja uma concepção do Estado que implica, por sua vez, em um
projeto de construção prática da parte dos sujeitos políticos do Estado, e
que isto diz respeito mais à forma do Estado que ao método de escolha da
representação. Com pedantismo extremo, Bobbio procura demonstrar
que não somente democracia direta é apenas uma utopia irrealizável
(especialmente em sociedades tão complexas quanto a nossa), mas
também que na verdade ela é uma perigosa máquina de construção do
totalitarismo -- ou, na melhor das hipóteses, um arcabouço para consenso
através do plebiscito. Que se pode dizer? O 'crítico' não pára aqui. Não
somente a democracia direta de Rousseau e dos jacobinos ficam
submetidos à mais impiedosa crítica -- ele é impelido a ir ainda mais longe.
Tanto consenso quanto participação revelam-se determinações altamente
problemáticas no âmbito da democracia. Os mesmos incluem as tais
'promessas quebradas' de Bobbio, quebradas, porque não puderam ser
cumpridas desde o início. O que fazer, então? Mesmo aí, deveremos
contentar-nos com o que é possível e realista. Assim, o princípio da
frustração domina a ciência do direito público e constitucional. E mais
ainda: é a representação política, na forma de delegação, mais do que uma
sólida fundação sem democracia, que entra como componente daquela
'divisão social do trabalho' que constitue o estôfo da liberdade em nossas
sociedades. Como é óbvio, sem distorções hipócritas, esse chamado
'pluralismo' (em que lei: é divisão de trabalho) é indissolùvelmente unido à
assim chamada 'representação' (a transformação do contrato de união em
contrato de assujeição), engendrando assim o 'mundo livre'. Mas, Bobbio
pergunta, preferiríamos o socialismo dos russos? Eu confesso estar um
tanto enjoado ante a 'sutileza' de tais derivações.

Seria, no entanto, legítimo perguntar-se o que resta da democracia


representativa após uma crítica da democracia direta levada a tais
extremos? Ao acompanhar Bobbio seja no que escreve, seja no que ele
diz, o fato que salta aos olhos é que seu 'realismo' (mais propriamente
chamado de 'Machiavelismo brando') leva inexoravelmente de derrota em
derrota. O que temos é evolução contínua de uma espécie de masoquismo
político e intelectual, com o qual ele nos guia através de sua crítica, que a
essa altura já se tornou "criticismo crítico". Seu argumento volta-se
constantemente ao mesmo tema --democracia--, fetichizando-o e
revelando a inconsistência ideológica do próprio conceito. Mas em
confronto a esse nihilismo ele não contrapõe a necessidade da vida e da
reivindicação da subjetividade contra o eterno refluxo de eventos inúteis
que seria o supremo ato de revolta do homem livre e consciente, senão
em sua vez, as virtudes da obediência.

Quão estranho é, pois, que Bobbio insiste em associar os nomes de outros


autores democráticos à sua obstinada e vazia reiteração da fé desesperada
em democracia. Por que será que ele faz isso? Consideremos os escritos
de Bobbio sobre Gramsci. Deixando de lado a polêmica de uma outra
época no passado, parece-me que Gramsci emerge dentro de uma
prespectiva crítica privilegiada, como o autor de uma vigorosa síntese
entre radicalismo democrático e o voluntarismo leninista. Porque, então,
um historiador do quilate de Bobbio não consegue entender que
democracia direta, até mesmo na forma concebida por Gramsci na
desesperada solidão que lhe fora imposta (assim como a toda a classe
trabalhadora sob o fascismo), vale mais que todo o 'realismo' que o
Estado pode propor e que Bobbio pode ideologicamente justificar? Que
democracia direta, na forma concebida por Gramsci, como a
produtividade social das classes exploradas, é a verdadeira, talvez a única,
força que rege e propulsiona o processo histórico? E finalmente, que o
fascismo não foi destruído pelo liberalismo, ou pela feliz união do
pluralismo e do governo representativo, senão pelo anseio das massas por
democracia direta? Em oposição a Bobbio, acredito que ao trabalhar pela
democracia direta conseguiremos responder às necessidades do nosso
tempo: destruir o Estado capitalista e construir a democracia comunista --
e dessa maneira, talvez até, salvar a democracia formal.

***

Nota
* 'Contractum subjectionis': contrato de assujeição, que será referido de novo
adiante (N.T.).
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NOTA BIOGRÁFICA

Antonio Negri era professor de Filosofia do Direito a Pádua desde 1967, e a partir
de 1977 começou lecionar também na Université Paris VIII na companhia de
Althusser. Em 1979 foi preso na Itália sob acusação de ser o autor intelectual do
terrorismo praticado pela Brigada Vermelha e condenado a mais de 30 anos de
detenção. Tendo conseguido se evadir da prisão, exilou-se na França e retornou à
Universidade de Paris. --C.D.

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