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(Organizador)
ANÁLISE DO DISCURSO
&
LITERATURA
RENATO DE MELLO
(ORGANIZADOR)
Belo Horizonte
2005
A AUTORIALIDADE DO DISCURSO LITERÁRIO
AUTORIALIDADES E AFINS
Mas, por outro lado, o homem medieval poderia construir, de certo modo, a
figura autoral, se ajeitamos para ela uma definição apropriada: o autor seria
um ego integrado ao texto, a instância responsável pela enunciação, um
“eu” a ser edificado pela leitura. Ao leitor caberia captá-lo, apreender os
traços de sua personalidade e associá-lo a uma voz, com a qual poderia ou
não se identificar, em vista dessa ou daquela visão de mundo.
O que teria feito, então, Menard? Uma explicação seria afirmar que ele
compôs o Quixote pelo próprio Quixote, valendo-se dos recursos da
colagem e do silenciamento de algumas partes. O resultado foi um novo
discurso, propenso a irradiar sentidos jamais cogitados pelo livro de
Cervantes. Motivo: o sujeito da enunciação, a atitude enunciativa e o
contexto de emergência do texto são outros. Portanto, a recepção acaba se
condicionando por novas variáveis semióticas e espaço-temporais.
Outra questão importante seria relativa ao estatuto autoral das editoras (e,
mesmo, dos tradutores) que, de certa forma, se apropriam e (re)enunciam
textos num contexto novo. Seriam elas, então, autoras, já que detêm o
copyright? O nome do autor na capa, acompanhado de foto e texto
exortativo, não seria apenas um artifício de linguagem para ocasionar o
consumo? Ficam aqui mais interrogações. Nos interessa agora passar a
outras autorialidades.
Apesar de todo o panorama aqui traçado, resta dizer, ainda, que a questão
autorial infinitamente distante do esgotamento. As definições do que seja
um autor são múltiplas e movimentam-se com a própria dialética da
cultura. Portanto, nossa intenção acima não foi fornecer um panorama
completo das concepções autoriais arroladas na história da arte ocidental,
mas ilustrar o seu caráter amplo. A proposta, então, a partir de agora, é
esboçar como o autor pode ser considerado uma cláusula oriunda de um
contrato comunicável. Ou, em outros termos, uma construção proposta,
direta ou indiretamente, por toda obra e variável em função das
coordenadas estético-ideológicas que a conceberam.
Com tudo isso, interessa ressaltar que o corpo que escreve não é bem
aquele de um sujeito estritamente empírico, que sente frio, fome e que
encontramos no supermercado, mas uma instância que vivencia e articula
um projeto artístico a ser negociado com os possíveis leitores 8. Sendo
assim, o sujeito da escrita, ativado pela paratopia do escritor, será aquele
quem vai propor um contrato (tácito) de comunicação a ser ativado,
percebido, aceito (ou não) pela leitura e, assim, reclamar para si uma
autorialidade específica: Antes de terminar, então, é interessante notar
como a “cláusula autor” pode ser apreendida em algumas obras. Em linhas
gerais, é o que será feito a partir de agora.
Passando ao segundo prólogo (Ao leitor, desta vez assinado por Brás
Cubas, pode-se captar sem dificuldades a presença de um contrato proposto
ao leitor, no sentido de instituir a figura autoral. Em um pequeno trecho, diz
o autor que
... trata-se, na verdade, de uma obra difusa, na qual eu, Brás Cubas,
se adotei a forma livre de um Sterne, ou de um Xavier de Maistre,
não sei se lhe meti algumas rabugens de pessimismo. Pode ser.
Obra de finado. Escrevi-a com a pena da galhofa e a tinta da
melancolia, e não é difícil antever o que poderá sair desse conúbio.
(grifo nosso)
A POLISSEMIA DO EU
Enfim, mesmo com a citação de apenas dois exemplos, pode-se dizer que o
contrato comunicacional proposto pelo EU marca-se por uma cerca
flexibilidade, dada a pluralidade de estatutos ficcionais detectáveis no
desenrolar da obra. O EU, no projeto augustiano, transforma-se no autor
como lugar vazio, preenchido ininterruptamente pelo fluxo discursivo.
SERAFIM PONTE GRANDE
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS