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Estes autores franceses e, no caso português, Camilo Pessanha tiveram por mestre
Baudelaire e a obra Les Fleurs du Mal (Montech 1997; Santos 1992: 674-689).
24 Fernando Moreira e Orquídea Ribeiro
Tal como Nobre, tal como Pessanha, tal como Montalvor, também
Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro foram poetas decadentistas. O que
Camilo Pessanha deixou pouco mais que em sugestões rápidas devido à
brevidade da sua obra, vamos encontrá-lo ampliado na poesia subsequente,
essencialmente no que concerne a estados de espírito da mesma raiz com o
poder de exprimir a vida interior, sem que daí resulte perda dos caracteres
intrínsecos à poesia (Quadros 1987: 26).
surge indefinida, vaga, camuflada nos símbolos, nas alegorias, nas imagens, nas
metáforas, nas comparações estranhas, nas sinestesias, no animismo ousado e
nas aliterações:
Foi esta a incerta rota que o intelectual luso Pessanha traçou para si, ao
iniciar a Clepsidra com a definição da sua própria alma, incluída na “Epígrafe”,
onde “sintetiza magistralmente o credo simbolista do seu mestre Verlaine”
(Quadros 1987: 23):
Epígrafe – “Inscrição”
1
Refere-se aqui a Ana de Castro Osório por quem se apaixonou e a quem pediu em
casamento, em 1893, antes de partir para Macau. O pedido aconteceu no medieval Castelo de
Óbidos, cidade onde advogava. Ana não aceitou, porque já era noiva. Trocaram correspondência
diversa. Segundo António Quadros, terá sido a sua grande paixão. Provavelmente, a negação do
seu amor motivou-o a concorrer a um lugar de professor de liceu em Macau, e é lá que, a partir
de 1894, passará o resto da sua vida.
Mosaicos Culturais I – Olhares e Perspetivas 31
1
Ao lado de olhar, aparecem olhos, ver, vista, pálpebras e pupila.
Mosaicos Culturais I – Olhares e Perspetivas 33
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Fundas, soluçam
Caudais de choro...
Que ruínas (ouçam)!
Se se debruçam,
Que sorvedouro!...
4
Trémulos astros...
Soidões lacustres...
– Lemes e mastros...
E os alabastros
Dos balaústres!
5
Urnas quebradas!
Blocos de gelo..
– Chorai arcadas,
Despedaçadas,
Do violoncelo
do violoncelo,
depois, arcos de pontes
e agora são de novo o correr do arco sobre as cordas, donde brotam
caudais de música triste (choro).
Abre essa quarta estrofe com uma imagem nova – “Trémulos astros” –
que é também uma sugestão de luz, a contrastar com o tom escuro da estância
precedente e com as “soidões lacustres” do verso seguinte. Aqui, as águas já
não são representação simbólica de um caudal que passa. As ruínas arrastadas
no caudal vieram dar ao lago escuro. Nele desembocam “lemes e mastros”,
“urnas quebradas”, imagens a sugerir no espírito do leitor a realidade dos restos
de barcos despedaçados.
As oposições luz/sombra, claro/escuro, também estão presentes no
poema: por um lado, sobressai o “branco dos arcos” das pontes à passagem
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1
Lembre-se Sá de Miranda, Camões, Diogo Bernardes ou Rodrigues Lobo,
entre outros.
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Os olhos são “espelho inútil… aridez”; a morte é “fonte para nunca mais” e
“lago escuro” – uma e outra com sentido gradativo crescente.
Mosaicos Culturais I – Olhares e Perspetivas 39
“Estátua”
1
Ao nível lexical, todas as palavras selecionadas apontam para as características
da obra poética simbolista de Pessanha, de que são exemplos: as imagens, os olhos, a água
cristalina, o lago escuro, o vago medo, o espelho inútil, a estranha sombra, etc.
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1
Estátua deriva do latim: sto, stas, stare, staui, statum, que significa estar parado;
estar de pé.
Mosaicos Culturais I – Olhares e Perspetivas 41
“Poema Final”
Referências Bibliográficas