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A Arte de Morrer Bem, de São Roberto Belarmino

A morte é boa ou má?

Penso que é útil inquirir sobre a natureza da morte, se deve ser classificada como
coisa boa ou má. Se for considerada isoladamente, sem dúvida, deve ser contada
como coisa má, porque tudo que for oposto a vida não pode ser coisa boa. Mais ainda,
como diz o sábio: Deus criou o ser humano incorruptível e o fez à imagem de Sua
própria natureza: foi por inveja do diabo que a morte entrou no mundo, e
experimentam-na os que são do seu partido (Sb 2,24). Com estas palavras, São Pedro
concorda quando diz: Pois como o pecado entrou no mundo por um só homem e,
através do pecado, a morte; e a morte passou para todos os homens, porque todos
pecaram (Rm 5,12). Se Deus não fez a morte, certamente ela não pode ser boa,
porque tudo que Deus fez é bom, de acordo com as palavras do Genesis: E Deus viu
tudo quanto havia feito e achou que era muito bom (Gn 1,31a).

Embora a morte não possa ser considerada como um bem em si mesma, a


sabedoria de Deus a temperou como se assim fosse, pois através da morte
recebemos muitas graças. Davi exclama: É preciosa aos olhos do Senhor a morte dos
seus fiéis (Sl 116, 14), e a Igreja assim proclama na liturgia a cerca de Jesus: “Quem
por Sua morte destruiu nossa morte, e pela Sua ressurreição reconquistou a vida”.
Agora, a morte que destruiu a morte e reconquistou a vida não pode ser outra coisa
que muito boa. Portanto, senão toda morte pode ser dita boa, pelo menos algumas
o são. Por isso Santo Ambrósio não exitou em escrever um livro intitulado “Sobre
as vantagens da morte”, no qual ele claramente prova que a morte, embora
produzida pelo pecado, possui vantagens peculiares.
Há ainda outra razão que prova que a morte, mesmo sendo um mal em si mesma,
pode, pela graça do Senhor, produzir muitas bençãos. Em primeiro lugar, há esta
grande benção, a morte põe um fim nas misérias da vida. Jó eloquentemente
reclama dos males do seu estado atual: O homem nascido da mulher vive pouco
tempo e é cheio de muitas misérias; é como uma flor que germina e logo fenece, uma
sombra que foge sem parar (Jó 14,1-2). E o Livro de Eclesiastes diz: E julguei os
mortos, que estão mortos, mais felizes que os vivos que ainda estão em vida, e mais
feliz que uns e outros o aborto que não chegou à existência, aquele que não viu o mal
que se comete debaixo do sol (Ecle 4,2-3). E ainda se encontra: Penosa ocupação foi
dada a todos os mortais e pesado jugo oprime os filhos de Adão, desde o dia em que
saem do ventre de sua mãe até o dia da volta para a mãe comum: objeto de suas
reflexões e temor do seu coração é a descoberta do que os espera, o dia do seu
fim (Eclo 40,1-2). O Apóstolo também fala sobre as misérias da vida: Infeliz que eu
sou! Quem me libertará deste corpo de morte? (Rm 7,24)

Destes testemunhos encontrados nas Sagradas Escrituras fica claro que a morte
tem uma grande vantagem: nos livrar dos problemas desta vida. Mas ela ainda
possui uma mais alta vantagem, porque é o portão de saída de uma prisão e
entrada no Paraíso. Isto foi revelado por Nosso Senhor a São João, quando por sua
fé encontrava-se exilado na ilha de Patmos: Eu ouvi uma voz do céu, que dizia:
Escreve: Felizes os mortos que doravante morrem no Senhor. Sim, diz o Espírito,
descansem dos seus trabalhos, pois as suas obras os seguem (Ap 14,13).

Realmente abençoada é a morte dos santos, que por ordem do Rei Eterno liberta as
suas almas da prisão da carne e as conduz aos reinos celestiais, onde as almas dos
justos repousam de todos os seus trabalhos, e como recompensa de todos os seus
bons trabalhos, recebem a coroa da glória. Para as almas no purgatório, a morte
também não é pouco benefício, pois as livra do medo da morte e dá certeza de um
dia virem a possuir a felicidade eterna. Até para os pecadores, a morte representa
uma vantagem: faz com que deixem de pecar, prevenindo-os de aumentar ainda
mais suas punições. Por conta destas excelentes vantagens, a morte para os
homens bons não parece terrível, ao contrário, é fruto do amor de Deus. São Paulo
assegura: Porque para mim o viver é Cristo e o morrer é lucro (Fl 1,21) e na Primeira
Epístola aos Tessalonicenses, afirma: Irmãos, não queremos que ignoreis coisa
alguma a respeito dos mortos, para que não vos entristeçais, como os outros homens
que não têm esperança (1Ts 4,13).

Vivia há algum tempo atrás uma senhora muita santa, chamada Catarina Adorna,
de Gênova. Era tão inflamada pelo amor de Cristo, que entre tantos ardentes
desejos, o que mais solicitava era ser “dissolvida” e, então, partir para o seu Amado.
Apaixonada pela morte, como era, sempre afirmava ser a mais bela e adorável
coisa, reclamando apenas que a morte fugia dela que a desejava, mas encontrava a
outros que dela fugiam.

Por estas considerações podemos concluir que a morte, quando produzida pelo
pecado, é coisa ruim; mas, pela graça de Cristo que sofreu a morte por nossa causa,
tornou-se de muitas maneiras saudável, amável e desejável.
Quem vive bem, irá morrer bem
A regra geral "quem vive bem, irá morrer bem" deve ser mencionada antes de tudo, pois sendo
a morte nada mais que o fim da vida, é certo que quem viver bem até o final da sua vida,
morrerá bem; nem pode morrer doente quem que nunca estiver doente; por outro lado, quem
nunca tiver vivido bem, não poderá morrer bem. A mesma coisa é observável em muitos casos
similares: todos que houverem percorrido o caminho certo poderão chegar aos seus destinos;
ao contrário, aqueles que vaguearem por aí, jamais chegarão ao final de sua jornada.

Também, quem se aplicar diligentemente aos estudos, logo se tornará sábio doutor; mas
aqueles que não se dedicarem, serão ignorantes. Mas, talvez, alguém mencione o exemplo do
Bom Ladrão, que viveu de maneira errada e morreu corretamente. Este não é o caso; pois o
Bom ladrão teve uma vida santa e, portanto, teve uma morte também santa. Mas, mesmo
entendendo que ele dispendeu grande parte dos seus dias na maldade, outra parte de sua vida
foi tão bem dispendida que ele facilmente se arrependeu de seus pecados e ganhou as maiores
graças do céu.

Queimando com o amor de Deus, ele abertamente defendeu nosso Salvador das calunias de
Seus inimigos; e dirigiu-se com a mesma caridade a seu vizinho, ele repreendeu e admosteu,
dizendo: "Nem sequer temes a Deus, estando na mesma condenação? Quanto à nós, é de justiça;
pagamos por nossos atos; mas ele não fez nenhum mal" (Lc 23, 40-41). Nem estava ele morto
quando, confessando e chamando por Cristo, ele pronunciou estas nobres palavras: "Jesus,
lembra-te de mim quando vieres com teu reino" (Lc 23, 42). O Bom Ladrão então chegou para
ser um daqueles que chegaram por último na vinha e, no entanto, recebererão a mesma
recompensa dos primeiros.

Verdade, por isso, a sentença "quem vive bem, irá morrer bem"; e "quem viver mal, morrerá
mal". Nós temos que concordar que é mais perigoso adiarmos nossa conversão dos pecados para
a virtude: muito mais feliz são os que aceitam o jugo do Senhor desde sua juventude, como
disse Jeremias; e extremamente abençoados são aqueles "que não são contaminados por
mulheres, e em cuja boca não se encontram mentiras, pois estão sem manchas, em frente ao
trono de Deus. Estes foram resgatados dentre os homens, como primícias para Deus e para o
Cordeiro" (Ap 14,3-5). Exemplos são Jeremias, São João, "mais que um profeta", e acima de
todos, a Mãe de nosso Senhor, bem como todos a quem Deus reconheceu.
A primeira grande verdade, agora, está estabelecida, pois uma boa morte depende de uma boa
vida.

Para viver bem, deve-se morrer para o mundo

Agora, para viver bem é necessário, em primeiro lugar, morrer para o mundo antes de morrer
em corpo. Todos que vivem para o mundo estão mortos para Deus: não podemos de nenhum
modo viver para Deus, exceto se primeiro morrermos para o mundo. Esta verdade está tão
plenamente revelada nas Sagradas Escrituras, que apenas infiéis podem negá-la. Mas, como
toda verdade deve ser proclamada pela boca de duas ou três testemunhas, vou citar os santos
apóstolos, São João, São Paulo e São Tiago, por que através deles o Espírito Santo, o espírito
da verdade, falou plenamente.
Escreve São João: "Já não conversarei muito convosco, pois o príncipe deste mundo vem, contra
mim ele nada pode" (Jo 14,30). Aqui o demônio é dito "o príncipe deste mundo", que é rei de
todos os vícios; e por "mundo", é entendido a companhia de todos os pecadores que amam o
mundoe são amados por ele. Um pouco depois, o evangelista continua: "Se o mundo vos odeia,
sabei que, primeiro, odiou a mim. Se fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu; mas
porque não sois do mundo e minha escolha vos separou do mundo, o mundo, por isso, vos
odeia." (Jo 15, 19). E em outro ponto: "Não rogo pelo mundo, mas pelos que me deste, porque
são teus" (Jo 17, 9). Aqui, Cristo claramente nos diz que por "mundo" significa quem, com o
príncipe do mundo, devem ouvir no último dia: "Vão, conforme predito, para o fogo eterno."
(cf Ap 20, 19). São João acrescenta em sua epístola: "Não ameis o mundo, nem o que há no
mundo. Se alguém ama o mundo, não está nele o amor do Pai. Porque tudo o que há no mundo
- a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e o orgulho da riqueza - não vem do
Pai, vem do mundo. Ora, o mundo passa com suas concupiscências; mas o que faz a vontade de
Deus permanece eternamente" (1Jo 2 16-17).

Vamos agora ouvir como São Tiago fala em sua epístola: "Adúlteros, não sabeis que a amizade
com o mundo é inimizade com Deus? Assim, todo aquele que quer ser amigo do mundo torna-
se inimigo de Deus" (Tg 4,4). Então, São Paulo, aquele vaso da eleição, escreve em sua Primeira
Epístola aos Coríntios, para todos que tem fé: "Vossas necessidades vão além deste mundo", e
em outro lugar, na mesma Epístola: "Mas por seus julgamentos o Senhor nos corrige, para não
sejamos condenados com o mundo" (1Co 11,32).

Aqui nos é dito claramente que o mundo inteiro será condenado no último dia. Mas por "mundo"
não significa céu e terra, nem aqueles que vivem nele; mas somente aqueles que amam o
mundo. Os justos e piedosos, em quem reina o amor de Deus, não a concupiscência da carne,
estão no mundo, mas não são do mundo: mas os perdidos em vícios não apenas estão no mundo,
eles também pertencem a este mundo; pois não o amor de Deus, mas a concupiscência do
mundo reina em seus corações, ou seja, luxúria e a concupiscência dos olhos, a avareza e o
"orgulho da vida", que é a estima por eles mesmos acima dos outros; então eles imitam a
arrogância e o orgulho do demônio, não a humildade e suavidade de Jesus Cristo.

As três virtudes teologais

Estátua da Esperança - Jacques du Brouecq


A finalidade desta admoestação é a caridade, que procede de coração puro, de boa consciência
e de fé sem hipocrisia. (1Tm 1 ,5)
Vamos iniciar pela fé, que é a primeira das virtudes que existem no coração do homem
justificado pela fé. Não sem razão, o apóstolo acrescenta "sem hipocrisia" a fé. Pela fé vêm a
justificação, desde que seja verdadeira e sincera, não falsa e afetada. A fé dos heréticos não
conduz à justificação, pois não é verdadeira, é falsa; a fé dos maus católicos não conduz à
justificação por que não é sincera, mas afetada. É afetada de duas maneiras: quando nós não
acreditamos realmente, mas somente fingimos acreditar; ou quando, apesar de acreditar, não
é vivida, como acreditamos que deve ser. Nestas duas situações é que as palavras de São Paulo
na epístola a tito devem ser compreendidas: "Afirmam conhecer a Deus, mas negam-no com
seus atos". (Tt 1,16a) Desta maneira os santos padres Jerônimo e Agostinho interpretam estas
palavras do apóstolo.

Agora, desta primeira virtude de um homem justo, nós podemos facilmente entender quão
grande deve se a multidão daqueles que não vivem bem, e, da mesma maneira, morrem no
pecado. Eu vejo infiéis, pagãos, heréticos e ateístas que são completamente ignorantes da arte
de morrer bem. E entre católicos, quantos existem que "afirmam conhecer a Deus, mas negam-
no com seus atos". Quem reconhece ser virgem a mãe de Nosso Senhor, mas não teme blasfemar
contra ela? Quem preza orar, jejuar, ser caridoso e outras boas obras, mas ainda se permite
vícios opostos? Eu omito outras coisas que são conhecidas de todos. Aqueles dizem possuir fé
"sem hipocrisia", que não acreditam naquilo que dizem crer, ou não vivem de acordo com os
mandamentos da Igreja Católica; e, por isso, demonstram pela sua conduta que ainda não
começaram a viver bem, nem podem tr esperança de uma morte feliz, exceto se por uma graça
de Deus aprenderam a arte de morrer bem.

Outra virtude de um homem justo é a esperança, ou uma "boa consciência", como São Paulo no
ensina. Esta virtude vêm da fé, pois não há como ter esperança em Deus sem conhecer o Deus
verdadeiro ou não acreditar Nele como todo-poderoso e misericordioso. Mas, para exercitar e
fortalecer nossa fé, para que possa ser chamada não apenas esperança, mas também confiança,
uma boa consciência é necessária. Como se aproximar de Deus e pedir seus favores, quando
sabe ter cometido pecados e não tê-los expiados por uma correta penitência? Quem pede um
benefício ao inimigo? Quem pode esperar ser perdoado por ele, se reconhece ter estado contra
ele?

Escute o que um homem sábio pensa da esperança dos ímpios: "A esperança do ímpio é como a
palha levada pelo vento, como espuma miúda que a tempestade espalha; é dispersa como
fumaça pelo vento, fugaz como a lembrança do hóspede de um dia" (Sb 5, 14). Assim o sábio
admoesta o ímpio, que sua esperança é fraca, não forte; fugaz, não persistente; eles, enquanto
estão vivos, ainda tem alguma esperança, em algum momento devem se arrepender e
reconciliar-se com Deus; mas quando a morte lhes chegar, a menos que o Todo Poderoso por
alguma graça especial mover seus corações e inspirá-los verdadeiro arrependimento, sua
esperança será transformada em desespero, e eles dirão junto aos demais ímpios: "Sim,
extraviamo-nos do caminho da verdade; a luz da justiça não brilhou sobre nós, para nós nãsceu
o Sol. Cansamo-nos nas veredas da iniqüidade e perdição, percorremos desertos intransitáveis,
mas não conhecemos o caminho do Senhor! Que proveito nos trouxe o orgulho? De que nos
serviram riqueza e arrogância? Tudo isso se passou como uma sombra" (Sb 5, 6-9a).

Portanto, deixemos o sábio nos corrigir, se queremos viver e morrer bem, nós não devemos
permanecer no pecado, mesmo que por um momento, nem nos permitir enganar por um vã
confiança, que ainda teremos muitos anos para viver e e poderemos utilizar estes anos para
ganhar nosso perdão.

Três Conselhos Evangélicos


Assim nos fala São Lucas: Tendes os rins cingidos e acesas as vossas lâmpadas. Sede semelhantes
aos homens que esperam o seu senhor ao voltar das núpcias para lhe abrirem a porta quando
ele chegar e bater (Lc 12, 35-36). Esta parábola pode ser entendida de duas maneiras: como
preparação para a chegada do Senhor nos últimos dias; ou para Sua chegada no dia da morte
de cada um. Nós iremos explicar esta parábola pelo segundo sentido, entendida como
preparação para a morte, que sobre todas as coisas é tão absolutamente necessária para nós.
As núpcias do Senhor

O Senhor nos ordena a observar três coisas: primeiro, nós devemos "cingir os rins"; depois,
devemos ter "lâmpadas queimando nossas mãos"; terceiro, estarmos atentos "vigiando" em
expectativa a chegada de nosso julgamento, estando ignorantes do momento de sua chegada,
assim como ignoramos a chegada dos ladrões.

Expliquemos estas palavras: "cingir os rins". O sentido literal destas palavras é que devemos
estar preparados ara seguirmos adiante e encontrar o Senhor quando a morte nos chamar para
nosso particular julgamento. A comparação comas vestimentas estarem cingidas é relacionada
aos costumes das nações orientais de utilizarem longas vestes; e quando estão preparados para
iniciar uma longa jornada, eles tomam suas vestes e as cingem, isto é, apertam, para evitar
que nelas tropecem. De acordo com o mesmo costume dos orientais, São Pedro escreve: Cingi,
portanto, os rins do vosso espírito, sede sóbrios e colocai toda vossa esperança na graça que
vos será dada no dia em que Jesus Cristo aparecer.(1Pe 1, 13). E São Paulo na Epístola aos
Efésios diz: Ficai alerta, à cintura cingidos com a verdade, o corpo vestido com a couraça da
justiça (Ef 6,14).

Ter nossos "rins cingidos" significa duas coisas: primemiro, a virtude da castidade; segundo,
estar pronto para encontrar nosso Senhor vindo para o julgamento, particular ou geral. Os
Santos Basílio, Agostinho e Gregório Magno citam a primeira explicação. E, verdadeiramente, a
concupiscência da carne, sobre todas as paixões, nos impede de estarmos prontos para
encontrar Cristo; por outro lado, nada nos faz mais prontos para encontrar o Senhor, que a
castidade virginal. Isto podemos ler nos Apocalipse, sobre as virgens que seguem o Senhor. E o
apóstolo diz: O solteiro cuida das coisas que são do Senhor, de como agradar ao Senhor. O
casado preocupa-se com as coisas do mundo, procurando agradar à sua esposa. A mesma
diferença existe com a mulher solteira ou a virgem. Aquela que não é casada cuida das coisas
do Senhor, para ser santa no corpo e no espírito; mas a casada cuida das coisas do mundo,
procurando agradar ao marido (1Cor 7,32-34).

Agora expliquemos outro dever do servo fiel e diligente: äs lâmpadas devem estar acesas". Não
é suficiente para o servo ter os "rins cingidos", para que possa facil e livremente encontrar o
Senhor. Uma lâmpada acesa é requerida para mostrá-lo o caminho, por que à noite deve estar
vigilante à Sua espera, quando retornar do banquete nupcial. Aqui, "lâmpada" significa a lei de
Deus que aponta o caminho correto. Diz Davi: Vossa palavra é um facho que ilumina meus
passos, uma luz em meu caminho (Sl 119, 105).
A "lei é uma luz" diz Salomão no Livro dos Provérbios. Mas a lâmpada não pode iluminar ou
apontar o caminho se estiver dentro da casa, ela deve ser erguida pelas nossas mãos. Muitos
existem que conhecem as leis divinas e humanas, mas cometem muitos pecados, ou se omitem
de bons e necessários trabalhos, por que não possuam uma lâmpada erguida em suas mãos, por
que seu conhecimento não se estende às atividades diárias. Quantos homens existem que
ouviram a palavra e cometem sérios pecados, por que quando agem não consultam a lei do
Senhor, mas suas vontades, desejos e paixões. Se o Rei Davi, quando viu Bersabéia nua, tivesse
lembrado da lei "não desejai a mulher do próximo", ele nunca teria cometido tão grave crime;
mas como estava deliciado com a beleza da mulher, esqueceu a lei divina. Este homem, tão
justo e abençoado, cometeu adultério. Donde, nós devemos ter a lâmpada da lei, não escondida
no nosso quarto, mas em nossas mãos, e obedecer estas palavras do Espírito Santo, que nos diz
para meditarmos sobre os mandamentos dia e noite. Aquele que mantém em frente a seus olhos
os mandamentos, sempre estará pronto para encontrar o Senhor, não importa o momento de
sua chegada.

O terceiro é último dever do servo é "vigiar" estando incerto sobre quando chegará o
Senhor: Bem-aventurados os servos a quem o senhor achar vigiando, quando vier! (Lc 12, 37)
Nosso Senhor não quer que saibamos o momento de nossa morte, para que possamos pecar à
vontade, e empreendermos nossa conversão pouco antes da morte. A Divina providência dispos
as coisas de tal modo que nada é mais incerto que a hora da morte: alguns morrem no ventre
da mãe, alguns tão logo nascem, outros já muito velhos, alguns na flor da juventude; alguns
sofrem por um bom tempo, ou morrem subitamente, ou se recuepram de doenças gravese quase
incuráveis; e quando parecem estar sãos e curados, a doença ataca novamente. Esta incerteza
Jesus alude nos Evangelhos: Se vier na segunda ou se vier na terceira vigília e os achar
vigilantes, felizes daqueles servos! Sabei, porém, isto: se o senhor soubesse a que hora viria o
ladrão, vigiaria sem dúvida e não deixaria forçar a sua casa. Estai, pois, preparados, porque,
à hora em que não pensais, virá o Filho do Homem (Lc 12, 38-40). Para nos convencer da
incerteza do momento de nossa morte ou de quando virá nos julgar, nada é mais frequente nas
Escrituras que a palavra "vigiar" e também a comparação com o ladrão.

Destas considerações resta evidente como grande pode ser a negligência e ignorência, para não
dizer cegueira e loucura da parte da humanidade, que, mesmo estando advertida pelo Espírito
da Verdade, que não pode mentir, que deve estar preparada a morte, esta grande e difícil
questão, da qual depende eterna felicidade ou miséria, ainda poucos deixam-se elevar pelas
palavras ou poder do Espírito Santo.

O erro dos ricos deste mundo


Além de tudo que já foi ditto, eu devo acrescentar uma refutação a certo erro muito prevalente
entre os ricos deste mundo, que muito os afasta de uma vida correta e uma boa morte. O erro
consiste nisto: o rico supõe que toda riqueza que possui é absolutamente sua propriedade, se
justamente adquirida; e, portanto, podem legalmente gastá-la ou disperdiçá-la e ninguém pode
lhes dizer: “Por que você fez isto? Por que se vestir tão ricamente? Por que organizar festas tão
suntuosas? Por que gastar tão prodigamente com teus cachorros e falcões? Por que gastar tanto
em jogos e outros prazeres semelhantes”. E eles respondem: “O que é isto para ti? Não é correto
eu gastar o meu dinheiro para fazer aquilo que eu desejar?”

Este erro é sem dúvida, mais grave e pernicioso: considerar que os ricos são mestres das suas
propriedades com relação aos demais homens; embora, em relação a Deus, eles não sejam
mestres, mas apenas administradores. Esta verdade pode ser provada com muitos
argumentos: Do Senhor é a terra é o que nela existe, o mundo e seus habitantes(Sl 24, 1). E
ainda: Não preciso do novilho do teu estábulo, nem dos cabritos de teus apriscos, pois minhas
são todas as feras das matas; há milhares de animais nos meus montes. Conheço todos os
pássaros do céu, e tudo o que se move nos campos. Se tivesse fome, não precisava dizer-te,
porque minha é a terra e tudo o que ela contém. (Sl 50, 9-12).

E no primeiro livro de Crônicas, quando Davi ofereceu para a construção do templo três mil
moedas de ouro e sete mil moedas de prata e mármore em grande abundância; e quando
movidos pelo exemplo do Rei, os príncipes das tribos ofereceram cinco mil moedas de ouro,
dez mil moedas de prata, dezoito mil de bronze e cem mil de ferro, então Davi disse ao
Senhor: A vós, Senhor, a grandeza, o poder, a honra, a majestade e a glória, porque tudo que
está no céu e na terra vos pertence. A vós, Senhor, a realeza, porque sois soberanamente
elevado acima de todas as coisas. É de vós que vêm a riqueza e a glória, sois vós o Senhor de
todas as coisas; é em vossa mão que residem a força e o poder. E é vossa mão que tem o poder
de dar a todas as coisas grandeza e solidez. Agora, ó nosso Deus, nós vos louvamos e celebramos
vosso nome glorioso. Quem sou eu, e quem é meu povo, para que possamos fazer-vos
voluntariamente estas oferendas? Tudo vem de vós e não oferecemos senão o que temos
recebido de vossa mão. (1Cr 29, 11-14) O testemunho de Deus pode ser acrescentado através
das palavras do profeta Ageu: A prata e o ouro me pertencem - oráculo do Senhor dos
exércitos (Ag 2,8). Assim falou o Senhor, para que o povo compreendesse que nada seria
necessário caso o Senhor ordenasse sua construção, pois a Ele pertencem todo ouro e prata
deste mundo.

Devo acrescentar dois outros testemunhos das palavras de Cristo, no Novo Testamento: Havia
um homem rico que tinha um administrador. Este lhe foi denunciado de ter dissipado os seus
bens. Ele chamou o administrador e lhe disse: Que é que ouço dizer de ti? Presta contas da tua
administração, pois já não poderás administrar meus bens (Lc 16, 1-2). O “homem rico”, aqui,
significa Deus, como dissemos a pouco, pois como diz o profeta Ageu, dele é o ouro e a prata.
Por “administrador”entenda-se os homens ricos, como explicam os santos padres Agostinho,
Ambrósio e o Venerável Beda sobre esta passagem.

Se o Evangelho, então, deve ser acreditado, todo homem rico deste mundo deve reconhecer
que suas riquezas, justa ou injustamente adquiridas, não são suas: se ele as adquiriu
corretamente, ele é apenas o administrador; se injustamente, ele não é nada além de um
ladrão. E desde que o homem rico não é mestre de suas riquezas, por consequencia, quando
acusado de uma injustiça frente a Deus, Deus pode retirá-las através da morte ou tomando-as,
pois assim esta indicado nestas palavras: Presta contas da tua administração, pois já não
poderás administrar meus bens. Para Deus sempre haverá meios de reduzir um rico à probreza,
retirando os bens de sua custódia. Naufrágios, roubos, tempestades de granizo, pragas, muita
chuva, seca e outras aflições são as muitas vozes de Deus dizendo ao rico: já não poderás
administrar meus bens.

Mas, então, ao final da parábola, nosso Senhor diz: fazei amigos com a riqueza injusta, para
que, no dia em que ela vos faltar, eles vos recebam nos tabernáculos eternos (Lc 16, 9). Ele
não quer dizer que as esmolas são dadas a Ele, mas que os ricos não são ricos, propriamente
falando, mas somente sombras Dele. Isto é evidente em outra passagem do Evangelho de São
Lucas: Se, pois, não tiverdes sido fiéis nas riquezas injustas, quem vos confiará as
verdadeiras?(Lc 16, 11)

O significado destas palavras é: se nas injustas riquezas ou seja, nas falsas riquezas, não
tiverdes sido fiéis dando tudo liberalmente aos pobres, quem vos confiará as verdadeiras que
fazem um homem realmente rico? Esta é a explicação dada por São Cipriano e Santo Agostinho.
Em outra passagem do mesmo evangelho, que pode ser considerada como um comentário sobre
o administrador injusto: Havia um homem rico que se vestia de púrpura e linho finíssimo, e
que todos os dias se banqueteava e se regalava. Havia também um mendigo, por nome Lázaro,
todo coberto de chagas, que estava deitado à porta do rico. Ele avidamente desejava matar a
fome com as migalhas que caíam da mesa do rico... Até os cães iam lamber-lhe as chagas. Ora,
aconteceu morrer o mendigo e ser levado pelos anjos ao seio de Abraão. Morreu também o rico
e foi sepultado. estando ele nos tormentos do inferno (Lc 16, 19-23a). Este rico era certamente
um daqueles que supõe ser mestre de seu próprio dinheiro e não adminsitrador, e portanto ele
imaginou não estar ofendendo a Deus quando estava vestido de púrpura e linho, e celebrava
suntuosamente todos os dias, tinha seus cães e bufões. Talvez tenha dito a si mesmo: eu gasto
o meu dinheiro, não ataco ninguém, eu não violo as leis de Deus, eu não blasfemo nem juro em
falso, observo os dias santos, honro pai e mãe, não mato, não sou adultero, não roubo, não dou
falso testemunho, não desejo a mulher do próximo, nào faço nada disto. Mas se é este caso,
por que ele foi para o Inferno, ser atormentado no fogo? Devemos reconhecer que aqueles
enganados, que supõe ser mestres absolutos de seu dinheiro, devem responder por muitos
graves pecados, que as Santas Escrituras deveriam mencionar. Mas como nada mais é dito,
entendemos que os adornos supérfluos e caros, seus magníficos banquetes, a multidão de servos
e cães, enquanto não possuía nenhuma compaixão pelo pobre é causa suficiente para condená-
lo aos tormentos eternos.

Portanto, podemos estabelecer uma regra clara para viver e morrer bem, e sempre considerar
que iremos prestar contas a Deus de nosso palácios luxuosos, jardins, muitos servos, esplendor
nas vestimentas, banquetes, gastos desnecessários, que afetam a multidão de pobres e
doentes, que procuram pelos nossos superfluos, que chorar a Deus, e no dia do julgamento não
pararão de clamar contra todos homens ricos, até que sejam condenados às chamas eternas.

Três virtudes morais: piedade, justiça e sobriedade.


Embora as três virtudes teologais fé, esperança e caridade incluam todas as regras para viver
bem e, portanto, morrer bem; o Espírito Santo, autor de todos os livros da Sagrada Escritura,
para melhor compreensão da necessária arte de viver corretamente, acrescentou piedade,
justiça e piedade, das quais fala o apóstolo Paulo na Epístola a Tito: Manifestou-se, com efeito,
a graça de Deus, fonte de salvação para todos os homens. Veio para nos ensinar a renunciar à
impiedade e às paixões mundanas e a viver neste mundo com toda sobriedade, justiça e
piedade, na expectativa da nossa esperança feliz, a aparição gloriosa de nosso grande Deus e
Salvador, Jesus Cristo (Tt 2, 11-13).

Este, portanto, é o sexto conselho para viver e morrer corretamente: que negando a impiedade
e os desejos do mundo, nós vivamos sóbria, justa e piedosamente neste mundo. Aqui um resumo
para toda lei divina, reduzida a uma curta sentença: Aparta-te do mal e faze o bem, para que
permaneças para sempre (Sl 36, 27). No mal há duas coisas; a distância de Deus e proximidade
com as criaturas, de acordo com o profeta Jeremias: Porque meu povo cometeu uma dupla
perversidade: abandonou-me, a mim, fonte de água viva, para cavar cisternas, cisternas
fendidas que não retêm a água (Jr 2, 13). O que o homem deve fazer para afastar-se do mal?
Ele deve negar a impiedade e os desejos carnais. A impiedade nos afasta de Deus e os desejos
carnais nos tornam meras criaturas do mundo. Para fazer o bem, nós devemos cumprir a lei e
viver sóbria, justa e piedosamente. Sóbrios em relação a nós, justos em relação ao próximo,
piedosamente em relação a Deus.

Mas nós entraremos um pouco mais em detalhes, com o objetivo de facilitar a prática deste
salutar conselho. O que é, então, a impiedade? O contrário da piedade. O que é a piedade? A
virtude ou dom do Espírito Santo, pelo qual reconhecemos o Senhor, adoramos a Deus e o
veneramos como nosso Pai. O Espírito Santo nos ajuda a compreendermos que se desejarmos
agradar a Deus, devemos cari de amores por ele piedosamente a ponto de não admitir
impiedade. Pois há muitos cristãos que parecem ser piedosos rezando a Deus, participando do
adorável sacrifício, ouvindo sermões e catequeses, mas, ao mesmo tempo, blasfemam contra
Deus, juram em falso ou quebram seus votos. E o que mais é isto senão fingir ser piedoso, mas
ao mesmo tempo ser impiedoso?
É proveitoso para aqueles que desejam viver corretamente, adorar a Deus e negar toda
impiedade. Sim, qualquer sombra de impiedade. Pois será de pouco lucro ouvir a missa diária
se também blasfemar contra Deus ou jurar por seu santo nome, Temos que cuidadosamente
alertar que o apóstolo não diz apenas para evitar a impiedade, mas toda impiedade, ou seja,
qualquer tipo de impiedade, nào apenas as mais graves, mas também as leves. E isto é dito
contra quem não hesita jurar sem necessidade; quem em lugares sagrados olha para mulheres
de modo inconveniente, para não dizer lascivo; quem conversa durante a missa; e comete
outras ofensas; como se não acreditasse que Deus está presente e observasse até mesmo os
mais leves pecados. Nosso Deus é um Deus ciumento: Não te prostrarás diante delas e não lhes
prestarás culto. Eu sou o Senhor, teu Deus, um Deus zeloso que vingo a iniqüidade dos pais nos
filhos, nos netos e nos bisnetos daqueles que me odeiam, mas uso de misericórdia até a
milésima geração com aqueles que me amam e guardam os meus mandamentos (Ex 20, 5-6).

Isto o próprio filho de Deus nos ensinou com seu exemplo. Embora manso e humilde de coração,
“ultrajado, não retribuía com idêntico ultraje; ele, maltratado, não proferia ameaças” (1Pe
2,23), mas quando “encontrou no templo os negociantes de bois, ovelhas e pombas, e mesas
dos trocadores de moedas”, com grande zelo, “fez ele um chicote de cordas, expulsou todos
do templo, como também as ovelhas e os bois, espalhou pelo chão o dinheiro dos trocadores e
derrubou as mesas. Disse aos que vendiam as pombas: Tirai isto daqui e não façais da casa de
meu Pai uma casa de negociantes”(Jo 2, 14-16). E isto ele fez duas vezes no primeiro ano de
sua pregação, e novamente no último ano de seu ministério, de acordo com o testemunho dos
três evangelistas.

Vamos proceder agora para a segunda virtude, que direciona nossas ações ao próximo. Esta é a
virtude da justiça, da qual o apóstolo fala que negando os desejos do mundo, vivemos
justamente. Aqui, no dito “afastai-vos do mal, fazei o bem” é incluída; pois não é possível
alcançar a verdadeira justiça para com o próximo quando os desejos carnais prevalecem. Os
desejos carnais significam “a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba
da vida”(1Jo 2, 16). Estas não são de Deus, mas do mundo. Assim como a justiça não pode ser
injusta, os desejos carnais não podem, de nenhuma maneira, estarem unidos a verdadeira
justiça. Uma criança deste mundo pode, de fato, afetar a justiça em suas palavras, mas não
pode realizá-la em obras e verdade. O apóstolo diz que não apenas devemos viver justamente,
mas ele explicou que devemos negar os desejos carnais, temos que compreender que o veneno
da concupiscência deve primeiro ser extirpado antes que a boa árvore da justiça possa ser
plantada em nosso coração. Ninguém pode questionar o que significa viver justamente, pois
todos nós sabemos que a justiça nos leva a dar a cada um o respeito devido, como diz o apóstolo:
Pagai a cada um o que lhe compete: o imposto, a quem deveis o imposto; o tributo, a quem
deveis o tributo; o temor e o respeito, a quem deveis o temor e o respeito (Rm 13, 7). Para o
comerciante, devemos o preço acordado; para o trabalhor, seu salário; e assim em todas
atividades. E com muito maior razão aqueles a que esta atribuída a administração dos bens
públicos, devem agir com a máxima atenção, não deixando-se influenciar por pessoas, sejam
parentes ou amigos próximos. Se, então, nós desejamos aprender a arte de morrer justamente,
ouçamos o que diz o homem sábio clamando: "amai a justiça, vós que sois juízes na
terra". Escutemos São Tiago em sua epístola: Eis que o salário, que defraudastes aos
trabalhadores que ceifavam os vossos campos, clama, e seus gritos de ceifadores chegaram aos
ouvidos do Senhor dos exércitos (Tg 5,4).

Agora falemos da terceira virtude, chamada sobriedade, para a qual os desejos carnais não são
menos contrários que para a justiça. E aqui não entendemos a sobridade apenas como a virtude
contrária a bebedeira, mas como a virtude da temperança ou moderação, que faz um homem
regular os desejos de seu corpo de acordo com a razão, não de acordo com suas paixões.
Atualmente esta virtude é raramente encontrada entre os homens; os desejos carnais parecem
parecem ter se apoderado dos ricos deste mundo. Mas aqueles que são sábios não seguem o
exemplo dos tolos, embora estes sejam quase inumeráveis, devemos seguir somente o exemplo
dos sábios. Salomão, que era certamente o mais sábio dos homens, pediu a Deus: Eu te peço
duas coisas, não mas negues antes de minha morte: afasta de mim falsidade e mentira, não
me dês nem pobreza nem riqueza, concede-me o pão que me é necessário, para que, saciado,
eu não te renegue (Pv 30, 7-9a). E o sábio apóstolo Paulo diz: Porque nada trouxemos ao
mundo, como tampouco nada poderemos levar. Tendo alimento e vestuário, contentemo-nos
com isto. (1 Tm 6,7-8).

Estas são palavras muito sábias, pois por que cuidarmos de acumular riquezas, quando não
podemos carregá-las conosco para o lugar que a morte nos conduzir. Cristo, nosso Senhor era
mais sábio que Salomão e Paulo, pois ele era a Sabedoria propriamente dita, também
disse: Bem-aventurados os que têm um coração de pobre, porque deles é o Reino dos céus! (Mt
5, 3) e de si mesmo: As raposas têm covas e as aves do céu, ninhos, mas o Filho do Homem não
tem onde reclinar a cabeça (Lc 9, 5).Quanto mais devem ser verdadeiras estas palavras que sai
boca destes três sábios homens? E, se a isto acrescentarmos que nossas desnecessárias riquezas
não são nossas, mas pertencem aos pobres, como é a opinião dos santos padres, não são os
homens estúpidos que cuidadosamente cuidam das coisas da terra que irão ser condenados ao
inferno?

E se, então, queremos aprender a arte de viver e morrer corretamente, não sigamos a multidão
que acredita e valoriza o que vê, mas sigamos a Jesus Cristo e aos apóstolos, que pela palavra
e exemplo nos ensinaram que as coisas presentes devem ser desprezadas e a glória do grande
Deus e Salvador Jesus Cristo deve ser desejada a esperada. E, verdadeiramente, tão grande é
esta glória, que esperamos pelo retorno de nosso Senhor Jesus Cristo, que todas as glórias
passadas, riquezas e alegrias deste mundo, serão consideradas como nada, e aqueles chamados
tolos e infelizes, que confiaram em assuntos tão importantes em palavras sábias, serão salvos.

Por que rezar?


A necessidade de oração é repetida tão insistentemente nas Sagradas Escrituras que nada mais
é mais claramente pedido que este dever. Embora o Todo Poderoso conheça nossas
necessidades, como Nosso Senhor nos fala no Evangelho segundo São Mateus, Ele deseja que
peçamos, e pela oração recebamos como que por mãos espirituais. Escuta Nosso Senhor em São
Lucas: é necessário orar sempre sem jamais deixar de fazê-lo (Lc 18,1b) e vigiai, pois, em todo
o tempo e orai (Lc 21,36). Escuta o apóstolo: orai sem cessar (1Ts 5,17) e o livro do
Eclesiastico: nada te impeça de orar sempre (Eclo 18,22).

Estes preceitos não significam que não devemos fazer outra coisa, mas somente que nunca
devemos nos esquecer de tão essencial exercício e fazer uso frequente dele. Isto Nosso Senhor
e seus apóstolos nos ensinaram, pois mesmo nunca tendo deixado de rezar, não negligenciaram
a pregação ao povo, confirmando suas palavras com sinais e milagres. E deve-se dizer que eles
sempre rezavam e com muita frequencia. Neste sentido devem ser compreendidas estas
palavras: meus olhos estão sempre fixos no Senhor (Sl 24,15) e também: bendirei
continuamente ao Senhor, seu louvor não deixará meus lábios (Sl 33,2) e as palavras sobre os
apóstolos: permaneciam no templo, louvando e bendizendo a Deus (Lc 24, 53).

Os frutos da oração são três vantagens: mérito, perdão e graças. Quanto ao mérito da oração,
temos o testemunho de Cristo no evangelho: Quando orardes, não façais como os hipócritas,
que gostam de orar de pé nas sinagogas e nas esquinas das ruas, para serem vistos pelos
homens. Em verdade eu vos digo: já receberam sua recompensa. Quando orares, entra no teu
quarto, fecha a porta e ora ao teu Pai em segredo; e teu Pai, que vê num lugar oculto,
recompensar-te-á (Mt 6,5-6). Por estas palavras, o Senhor proibe a prece em local público como
vanglória, para ser visto pelos outros. Caso contrário, podemos rezar no templo e encontrar
uma "quarto" em nosso coração e, então, rezar para Deus "em segredo". As palavras
"recompensar-te-á" significam o mérito, pois como Ele disse sobre os fariseus, já receberam sua
recompensa, ou seja, reconhecimento humano. Aquele que orar no silêncio de seu coração,
que olhar somente para o Senhor, devemos entender que serão recompensadas pelo Pai que
vêm em segredo.
Quanto ao perdão pelos pecados cometidos, conhecemos a prática da Igreja, que quando o
perdão é desejado, a oração deve-se unir ao jejum e esmolas; embora muitas vezes jejum e
esmolas sejam esquecidos, a oração é essencial.

Enfim, pela oração podemos receber muitas graças, como nos ensina São João Crisóstomo em
seus escritos sobre a oração, nos quais ele emprega uma comparação com as mãos humanas.
Embora o homem nasça nu e necessitado de todas as coisas, não pode queixar-se do Criador,
por que recebeu suas mãos, o orgão acima de todos orgãos, através do qual podemos obter
alimento, casa e tudo mais. Do mesmo modo, o homem espiritual não pode fazer nada sem a
assistência divina; ele possui o poder da oração, o orgão espiritual mais importante, através do
qual Deus pode facilmente prover todas as nossas necessidades.

Seis condições para a oração correta

Vamos agora falar do método para rezar corretamente, necessário para a arte de viver
corretamente e, por conseqüência, morrer corretamente. Comecemos pelo que diz o
Senhor: Pedi e se vos dará. Buscai e achareis (Mt 7,7). São Tiago, em sua epístola, explica que
a frase deve ser compreendida com uma condição: se nós pedirmos propriamente: Pedis e não
recebeis, porque pedis mal (Tg 4,3). Devemos entender da seguinte maneira: aquele que pedir
os dons para viver de maneira justa, sem dúvida será atendido; e aquele que pedir por
perseverança na vida até a sua morte, e pedir por uma morte feliz, também com certeza
obterá. Portanto, nós explicaremos as condições da oração, para que saibamos rezar bem, viver
bem e morrer bem.

A primeira condição é a fé, de acordo com as palavras do apóstolo: Porém, como invocarão
aquele em quem não têm fé? (Rm 10,14a), com as quais São Tiago concorda: mas peça-a com
fé, sem nenhuma vacilação (Tg 1,6a). Mas a necessidade de fé não deve ser entendida como se
fosse importante acreditar que Deus deva certamente atender ao que é pedido, pois neste caso
nossa fé seria provada falsa e então não obteríamos nada. Devemos acreditar que Deus é mais
poderoso, mais sábio e mais digno de fé; e que Ele sabe, que tem poder e está preparado para
atender nossos pedidos, se entendê-lo apropriado e útil para nós, receberemos o que pedimos.
Esta fé Cristo pediu aos dois homens cegos que curou: Credes que eu posso fazer isso? (Mt 9,
28) Com a mesma fé Davi rezou pelo seu filho adoentado, como provam suas palavras, pois ele
acreditava não ser seguro que Deus atenderia suas preces, mas que somente Deus seria capaz
de conceder tal graça: Quem sabe, talvez o Senhor terá pena de mim e o menino ficará
bom? (2Sm 12,22) Disto não se pode duvidar. Com a mesma fé o apóstolo Paulo rezou para se
livrar de um "espinho na carne". Pois o apóstolo rezou com fé, e sua fé não era falsa se ele
acreditava que Deus poderia lhe conceder a cura que pedia, embora não tenha obtido o que
pedia. E com a mesma fé a Igreja pede por todos heréticos, pagãos, cismáticos e maus cristãos
que possam ser converter, e, no entanto, é certo que nem todos se converterão.

Outra condição muito necessária para rezar é a esperança. Pois ainda que pela fé, que é
conseqüência da compreensão, nós não acreditemos que Deus atenderá nossos pedidos; pela
esperança, que é um ato de desejo, podemos firmemente nos apoiar na bondade divina e
termos confiança que Deus poderá nos atender. Esta condição Deus requer do paralítico, para
quem diz: Meu filho, coragem! Teus pecados te são perdoados (Mt 9,2). O mesmo pede o
apóstolo para todos, quando diz: Aproximemo-nos, pois, confiantemente do trono da graça, a
fim de alcançar misericórdia e achar a graça de um auxílio oportuno (Heb 4,16). E muito antes
dele, o profeta apresenta Deus, falando: Quando me invocar, eu o atenderei; na tribulação
estarei com ele (Sl 90,15). Mas como a esperança brota da fé perfeita, quando a Escritura
requer fé nas grandes coisas, ela acrescenta algo sobre esperança. Assim lemos em São
Marcos: Em verdade vos declaro: todo o que disser a este monte: Levanta-te e lança-te ao mar,
se não duvidar no seu coração, mas acreditar que sucederá tudo o que disser, obterá esse
milagre (Mc 11,23). Que a fé produz confiança, podemos entender destas palavras do
apóstolo: mesmo que tivesse toda a fé, a ponto de transportar montanhas (1Co 13,2b). João
Cassiano escreve em seu Tratado sobre a Oração que um sinal certo que nossos pedidos serão
atendidos, ocorre quando em oração, nós não duvidamos que Deus certamente nos atenderá, e
não hesitamos de nenhuma maneira, mas derramos nossas orações com alegria espiritual.

A terceira condição é a caridade, pela qual nos libertamos dos pecados; pois os amigos de
Deus obtém os seus dons. Assim fala Davi em um Salmo: Os olhos do Senhor estão voltados para
os justos, e seus ouvidos atentos aos seus clamores (Sl 33,15). e em outro: Se eu intentasse no
coração o mal, não me teria ouvido o Senhor (Sl 65, 18). E no Novo Testamento, o Senhor
mesmo confirma: Se permanecerdes em mim, e as minhas palavras permanecerem em vós,
pedireis tudo o que quiserdes e vos será feito (Jo 15,7). E o amado discípulo fala: Caríssimos,
se a nossa consciência nada nos censura, temos confiança diante de Deus, e tudo o que lhe
pedirmos, receberemos dele porque guardamos os seus mandamentos e fazemos o que é
agradável a seus olhos (1Jo 3,21-22).

Isto não é contrário à doutrina. Quando o publicano suplica por perdão de seus pecados, ele
retorna para casa "justificado"; pois um pecador arrependido não obtém perdão por ser
pecador, mas por estar arrepedido; pois como pecador ele é inimigo de Deus; como penitente,
amigo de Deus. Aquele que peca, desagrada a Deus; mas quem se arrepende de seus pecados,
faz o que mais agrada ao Senhor.

A quarta condição é a humildade, pela qual o suplicante, confia não em sua própria justiça,
mas na bondade de Deus: Fui eu quem fez o universo, e tudo me pertence, declara o Senhor.
É o angustiado que atrai meus olhares, o coração contrito que teme minha palavra (Is 66,2). E
o Livro do Eclesiástico acrescenta: A oração do humilde penetra as nuvens; ele não se
consolará, enquanto ela não chegar (a Deus), e não se afastará, enquanto o Altíssimo não puser
nela os olhos (Eclo 35,21).

A quinta condição é a devoção, pela qual não devemos rezar de maneira negligente, como
muitos costumam fazer, mas com atenção, sinceridade, diligência e fervor. Nosso Senhor
severamente adverte aqueles que rezam apenas com os lábios. Assim Ele nos fala em Isaias: O
Senhor disse: Esse povo vem a mim apenas com palavras e me honra só com os lábios, enquanto
seu coração está longe de mim (Is 29, 13). Esta virtude é fruto de uma fé viva e consiste não
apenas no hábito de orar, mas na ação. Para aqueles que com fé firme e atenção consideram a
grandeza de Sua Majestade Nosso Senhor, quão grande é nossa insignificância, e como são
importantes nossos pedidos, não pode fazer diferente que rezar com grande humildade,
reverência, devoção e fervor.

Aqui devemos acrescentar o testemunho importante de dois santos padres. São Jerônimo
escreve: começo pela oração: não devo orar se não acreditar; mas se eu tiver fé verdadeira,
este coração, que Deus vê, posso limpá-lo; posso bater no peito, posso molhar minhas faces
com minhas lágrimas, posso negligenciar toda atenção ao meu corpo e tornar-me fraco; posso
me jogar aos pés do meu Senhor, molhá-los com minhas lágrimas e secá-los com meus cabelos;
me apoiar na cruz, e não abandoná-la enquanto não obtiver misericórdia. Porém mais
frequentemente durante minhas orações encontro-me caminhando pela cidade e sendo levado
por pensamentos maus, entretenho-me em coisas das quais me envergonho de falar. Onde está
nossa fé? Supomos que Jonas rezou assim? Os três jovens? Daniel na cova dos leões? Ou o bom
ladrão na cruz?

São Bernardo, no seu Sermão sobre os Quatro Métodos da Oração, escreve: sobretudo nos
impele, durante o tempo de oração, entrar no quarto celestial, no qual o Rei dos Reis encontra-
se sentado em seu trono, cercado por inumerável e glorioso exército de almas abençoadas. Com
tal reverência, tal temor, tal humildade, nos aproximamos com pó e cinzas, nós que não somos
nada além de pequenos insetos rastejantes. Com tal temor, seriedade, atenção e solicitude
deve tão miserável homem estar próximo da divina majestade, na presença de anjos, na
assembléia dos justos? Em todas nossas ações temos necessidade de vigilância, especialmente
na oração.

A sexta condição é a perseverança, que nosso Senhor em duas parábolas recomenda: uma
sobre o amigo importuno que pede dois pães em um horário inconveniente, no meio da noite, e
recebe pela sua perserverança (Lc 11,5-8); outra sobre a viúva que pede sem esmorecer para
que o juiz a livre de seu adversário; e o juiz, embora sendo iníquo, homem que não temia nem
Deus nem os homens, sobrepujado pela perseverança da mulher, livrou-a de seu inimigo. Destes
exemplos o Senhor conclui, que muito mais perseverantes devemos ser na oração a Deus,
porque ele é justo e misericordioso. E São Tiago completa: Deus concede generosamente a
todos, sem recriminações (Tg 1,5). Ou seja, ele concede seus dons liberalmente a todos que
pedem, e "sem recriminações" por serem inoportunos, pois Deus não tem limites em suas
riquezas nem em sua misericórdia.

A importância do jejum
Seguindo a ordem dada pelo anjo, agora falaremos sobre o jejum. Nossa intenção é explicar a
arte de viver justamente, porque nos preparará para morrermos justamente. Para jejuar de
maneira correta, três coisas são suficientes, assim como escrevemos sobre a oração: a
necessidade, os frutos e um método apropriado.

A necessidade de jejuar é dupla, derivada da lei humana e divina. Da divina, nos fala o profeta
Joel: Por isso, agora ainda - oráculo do Senhor -, voltai a mim de todo o vosso coração, com
jejuns, lágrimas e gemidos de luto (Jl 2,12). A mesma linguagem utiliza o profeta Jonas, que
testemunha sobre os ninivitas, que para acalmar a ira de Deus, proclama um jejum; e, no
entanto, na época não havia nada dito sobre jejum na lei. Da mesma forma aprendemos das
palavras de Nosso Senhor: Quando jejuares, perfuma a tua cabeça e lava o teu rosto. Assim,
não parecerá aos homens que jejuas, mas somente a teu Pai que está presente ao oculto; e
teu Pai, que vê num lugar oculto, recompensar-te-á. (Mt 6,17-18).
Profeta Jonas, ícone da Igreja Ortodoxa
Russa, pintado no século XVI (Monastério
de Khizi, Karelia, Russia)
Podemos acrescentar as palavras de um dos santos padres, Santo Agostinho, que fala: "nos
Evangelhos e epístolas, ao longo de todo Novo Testamento, eu vejo o jejum como um preceito.
Mas em certos dias nos é dito para não jejuarmos; e os dias em que devemos jejuar não está
definido pelo Senhor ou apóstolos." São Leão (Papa Leão I) diz em seu sermão sobre o jejum:
"aquilo que era figura das coisas futuras foram deixadas, uma vez que o seu significado foi
realizado. Mas a utilidade de jejuar não passou com o Novo Testamento; deve ser piedosamente
observado, pois o jejum é sempre lucro para a alma e o corpo". As palavras "Adorarás o Senhor
teu Deus e a ele só servirás" (Lc 4,8) foram dadas aos primeiros cristãos. São Leão não quer
dizer que os cristãos devem jejuar da mesma maneira que os judeus estavam acostumados.
Mas, que o preceito dado aos judeus deve ser observado também pelos cristãos seguindo a
determinação dos pastores da igreja quanto ao tempo e maneira.

Os frutos e as vantagens do jejum são facilmente provadas. Primeiro, é útil porque ajuda a
preparar a alma para a oração e contemplação das coisas divinas, com disse o anjo Rafael: a
oração é boa com jejum. Moisés por quarenta dias preparou sua alma jejuando, antes de falar
com Deus; Elias jejuou por quarenta dias, com o objetivo de estar pronto, tanto quanto permite
as limitações humanas, para conversar com Deus; e Daniel, por um jejum de três semanas,
estava preparado para receber as revelações de Deus. A Igreja definiu jejuns nas vigílias de
grandes festividades, para que os cristãos estejam prontos ao celebrar as solenidades divinas.
Os santos padres falam desta utilidade do jejum. Não posso deixar de citar São João
Crisóstomo: o Jejum é um suporte para a alma, nos dá asas para subir aos céus e apreciar as
mais altas contemplações.

Outra vantagem do jejum é que sacrifica a carne; e tal jejum é particularmente agradável a
Deus, pois a Ele agrada quando crucificamos a carne, com seus vícios e concupicências, como
São Paulo nos ensina na Epístola aos Gálatas e diz sobre si mesmo: Ao contrário, castigo o meu
corpo e o mantenho em servidão, de medo de vir eu mesmo a ser excluído depois de eu ter
pregado aos outros (1Co 9,27). De maneira semelhante falam Teófilo, São Ambrósio, São
Cipriano, São Basílio, São Jerônimo e Santo Agostinho. E nos ofício das orações, a Igreja canta:
"Carnis terat superbiam potûs cibique Parcitas." (Moderação na bebida e comida sacrificam o
orgulho da carne).

Outra vantagem é que honramos Deus em nossos jejuns, porque quando jejuamos em sua
intenção, nos o honramos. Assim fala o apóstolo Paulo na Epístola aos Romanos: Eu vos exorto,
pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, a oferecerdes vossos corpos em sacrifício vivo, santo,
agradável a Deus: é este o vosso culto espiritual (Rm 12,1). Deste culto espiritual, São Lucas
fala quando menciona a profetisa Ana: Depois de ter vivido sete anos com seu marido desde a
sua virgindade, ficara viúva, e agora com oitenta e quatro anos não se apartava do templo,
servindo a Deus noite e dia em jejuns e orações (Lc 2,37). O grande Concílio de Nicéia no V
Canon, pede jejum durante a Quaresma, como um presente solene oferecido pela Igreja para
Deus. Da mesma maneira escreve Tertuliano no seu livro "Ressureição da Carne", onde ele
chama alimentos secos e já sem sabor tomados tardiamente como sendo sacrifícios agradáveis
a Deus; e São Leão I, no segundo sermão sobre o jejum fala que para seguramente receber todo
os frutos do jejum, o sacrifício de abstinência é mais valioso quando oferecido para Deus,
aquele que nos dá tudo que precisamos.

A quarta vantagem do jejum é ser realizado como penitência por um pecado. Muitos exemplos
na Sagradas Escrituras provam este ponto. Os ninivitas agradaram a Deus pelo jejum, como
testifica Jonas. Os judeus fizeram o mesmo, jejuando com Samuel ganharam a vitória sobre os
inimigos. O ímpio rei Acab, jejuando e vestindo roupa de sacos, satisfez parcialmente a Deus.
Nos tempos de Judite e Ester, os judeus obtiveram misericórdia de Deus por nenhum outro
sacrifício além de jejuns, choros e lutos.

Por fim, jejuar é meritório e muito poderoso para obter favores divinos. Ana, embora já com o
ventre seco, mereceu por jejuns ter um filho. São Jerônimo interpreta assim esta passagem:
ela chorou e não tomou alimentos e então Ana, por sua abstinência, mereceu dar à luz um filho.
Sara, por um jejum de três dias, libertou-se de um demônio, como podemos ler no livro de
Tobias. Mas também há uma passagem importante no Evangelho de São Mateus: Quando
jejuares, perfuma a tua cabeça e lava o teu rosto. Assim, não parecerá aos homens que jejuas,
mas somente a teu Pai que está presente ao oculto; e teu Pai, que vê num lugar oculto,
recompensar-te-á (Mt 6,17-18).

As palavras "recompensar-te-á" indica que dará um prêmio; em oposição a outra


palavra: Quando jejuardes, não tomeis um ar triste como os hipócritas, que mostram um
semblante abatido para manifestar aos homens que jejuam. Em verdade eu vos digo: já
receberam sua recompensa (Mt 6,16). Pois os hipócritas ao jejuarem, recebem seu prêmio, ou
seja, a admiração humana; os justos também recebem seu prêmio, o reconhecimento divino.

O Modo de Jejuar
Agora explicarei brevemente a maneira pela qual devemos jejuar, para que nosso jejum seja
proveitoso e útil, nos conduza à uma vida justa, e, por conseqüência, à uma morte justa. Muitos
jejuam em todos os dias indicados pela Igreja: nas vigílias, dias de semana e durante a
Quaresma. Alguns jejuam também durante o Advento, prepararando-se piedosamente para a
Natividade de Nosso Senhor; ou nas sextas-feiras, em memória da paixão de Cristo; ou aos
sábados, em honra a Nossa Senhora Virgem Mãe de Deus. Mas, qualquer que seja o motivo, é
questionável se estão aproveitando bem as vantagens do jejum. O principal objetivo do jejum
é a mortificação da carne e que o espírito seja fortalecido. Com este propósito, devemos nos
restringir apenas à dietas não prazerosas. Assim nossa mãe a Igreja nos orienta a termos apenas
uma refeição completa por dia, e sem comer carnes vermelhas ou brancas e partir apenas ervas
ou frutas.
Cristo no Deserto.
Pintura de Moretto da Brescia, (Metropolitam
Museum of Art/NY)
Tertuliano assim qualifica em duas palavras, no seu livro "A Ressureição da Carne", quando
chama o limento daqueles que jejuam como "refeições tardias e secas". Há aqueles que
certamente não observam estes preceitos, que nos dias de jejum comem em apenas uma
refeição tudo que comeriam durante num dia normal, que almoçam e jantam ao mesmo tempo,
que para apenas uma refeição preparam tantos pratos de diferentes peixes e outras coisas
agradáveis, que não parece algo para piedosos jejuadores, mas um banquete nupcial que
continua através da noite. Estes que assim jejuam, certamente não aproveitam os benefícios
do jejum.

Também não obtém os frutos de um jejum piedoso quem, apesar de comer moderadamente,
nos dias de jejum não se abstem de jogos, festas, disputas, discussões, músicas lascivas, e
atitudes imoderadas; ou ainda pior, cometem crimes como se fossem dias comuns. Escutem o
que diz o profeta Isaias sobre este tipo de pessoas: De que serve jejuar, se com isso não vos
importais? E mortificar-nos, se nisso não prestais atenção? É que no dia de vosso jejum, só
cuidais de vossos negócios, e oprimis todos os vossos operários. Passais vosso jejum em disputas
e altercações, ferindo com o punho o pobre. Não é jejuando assim que fareis chegar lá em
cima vossa voz. (Is 58, 3-4) Então o Todo-Poderoso corrige o povo, porque nos dias de
jejum, preferem fazer a sua vontade e não a vontade de Deus; por que não perdoam seus
devedores, como rezam para serem perdoados por Deus; não são capazes nem de esperar para
cobrar seu dinheiro. Também passam o tempo que deveria ser utilizado em orações ocupados
em disputas e discussões. Assim agindo, ao invés de ocuparem o dia atendendo coisas
espirituais, como deve-se fazer em dias de jejum, eles estão somando pecados novos aos
pecados anteriores, atacando ao próximo.

Estes e outros pecados devem ser evitados por pessoas piedosas, que desejam que seu jejum
agrade a Deus e seja útil para si mesmo. Estes poderão ter esperança em uma vida justa e em
um dia, morrer de maneira santa.

Os frutos da esmola
Em primeiro lugar, ninguém duvida que as Sagradas Escrituras pedem esmolas. A sentença que
nosso supremo e justo Juiz proferirá contra os ímpios no último dia é suficiente, mesmo supondo
que não tenha nada mais contra nós: Retirai-vos de mim, malditos! Ide para o fogo eterno
destinado ao demônio e aos seus anjos. Porque tive fome e não me destes de comer; tive sede
e não me destes de beber; era peregrino e não me acolhestes; nu e não me vestistes; enfermo
e na prisão e não me visitastes (Mt 25,41-43). E um pouco depois: Em verdade eu vos declaro:
todas as vezes que deixastes de fazer isso a um destes pequeninos, foi a mim que o deixastes
de fazer (Mt 25,45).
Se não há muito a dizer sobre a necessidade de dar esmolas, há muito mais sobre os frutos, pois
estes são abundantes. Primeiro, esmolas salvam a alma da morte eterna, sejam elas uma forma
de satisfação ou disposição de receber as graças. Esta doutrina é claramente ensinada nas
Sagradas Escrituras. No livro de Tobias podemos ler: a esmola livra do pecado e da morte, e
preserva a alma de cair nas trevas (Tb 4,11); no mesmo livro, o anjo Rafael afirma: a esmola
livra da morte: ela apaga os pecados e faz encontrar a misericórdia e a vida eterna (Tb 12,9).
E Daniel disse ao rei Nabucodonosor: Queiras então, ó rei, aceitar meu conselho: resgata teu
pecado pela justiça, e tuas iniqüidades pela piedade para com os infelizes; talvez com isso
haja um prolongamento de tua prosperidade (Dn 4,24 ).

Esmolas também, se dadas por um homem justo, e com verdadeira caridade, são meritórias
para a vida eterna: isto o Juiz dos vivos e mortos pode testemunhar: Vinde, benditos de meu
Pai, tomai posse do Reino que vos está preparado desde a criação do mundo, porque tive fome
e me destes de comer; tive sede e me destes de beber; era peregrino e me acolhestes; nu e
me vestistes; enfermo e me visitastes; estava na prisão e viestes a mim (Mt 25, 34-36). E logo
após: Em verdade eu vos declaro: todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos
mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes (Mt 25,41).

Maria Madalena aos pés de Jesus

Em terceiro lugar, esmolas são como um batismo, porque levam consigo tanto os pecados
quanto a punição, de acordo com as palavras do Eclesiástico: A água apaga o fogo ardente, a
esmola enfrenta o pecado (Eclo 3,33). A água extingue completamente o fogo, de tal modo que
a fumaça permanece. Desta maneira ensinam muitos dos Santos Padres, como São Cipriano,
São Ambrósio, São João Crisóstomo e São Leão, cujas palavras é desnecessário citar. Esta,
portanto, é uma grande vantagem, que pode inflamar em todos os homens o amor às esmolas.
Mas isto não pode ser entendido de qualquer modo, mas apenas aquelas que são procedidas de
grande contrição e caridade, tais como Santa Maria Madalena, que, em lágrimas de verdadeira
contrição, lavou os pés do Senhor; e tento comprado o mais precioso perfume, derramou-o
sobre Seus pés.

Em quarto lugar, as esmolas aumentam a confiança em Deus e produzem alegria espiritual;


embora isto seja comum a outras obras de caridade, dá-se de modo particular com as esmolas,
pois através delas prestasse um serviço especial a Deus e aos irmãos, e esta obra é claramente
reconhecida como boa. Daí a palavra de Tobias: A esmola será para todos os que a praticam
um motivo de grande confiança diante do Deus Altíssimo (Tb 4,12). E o apóstolo, na sua Epístola
aos Hebreus, diz: Não percais esta convicção a que está vinculada uma grande recompensa (Hb
10, 35). São Cipriano, no Sermão sobre as Esmolas, a chama de "grande conforto dos fiéis".

Em quinto lugar, as esmolas conciliam a boa vontade de muitos que rezam por seus benfeitores
e obtém para eles tanto a graça da conversão, ou o dom da perseverança, ou um aumento de
méritos e glória. De todas estas maneiras devem ser compreendidas estas palavras do Nosso
Senhor: fazei-vos amigos com a riqueza injusta, para que, no dia em que ela vos faltar, eles
vos recebam nos tabernáculos eternos (Lc 16,9).

Em sexto lugar, as esmolas demonstram disposição para receber a graça da justificação. Deste
fruto Salomão nos fala no livro dos Provérbios, onde afirma: É pela bondade e pela verdade que
se expia a iniqüidade (Pv 16,6a). E quando Cristo ouviu falar da liberalidade de Zaqueu: Senhor,
vou dar a metade dos meus bens aos pobres e, se tiver defraudado alguém, restituirei o
quádruplo. Disse-lhe Jesus: Hoje entrou a salvação nesta casa (Lc 19, 9b-10a). Também lemos
nos Atos dos Apóstolos o que foi dito à Cornélio, que ainda não era um cristão, mas deu grandes
esmolas: As tuas orações e as tuas esmolas subiram à presença de Deus como uma oferta de
lembrança (At 10,4). Deste ponto Santo Agostinho prova que Cornélio, pelas suas esmolas
obteve de Deus a graça da fé e perfeita justificação.

Por fim, esmolas são um instrumento para aumentar os bens materiais. Isto afirma o homem
inteligente: Quem se apieda do pobre empresta ao Senhor, que lhe restituirá o benefício (Pv
19,17). E também: O que dá ao pobre, não padecerá penúria (Pv 28,27). Jesus nos ensinou esta
verdade pelo seu próprio exemplo, quando ordenou a seus discípulos que distribuíssem os cinco
pães e dois peixes; em retorno receberam doze cestos, dos quais serviram-se por muitos dias.
Tobias também distribui fartamente aos pobres e, em curto espaço de tempo, obteve grandez
riquezas. A viúva de Sarepta, deu a Elias apenas um refeição e um pouco de óleo, obeteve de
Deus por este ato de caridade, abundância de alimentos e óleo, que por longo tempo não
terminaram.

Como dar esmolas


Agora iremos discutir um pouco o método de dar esmolas; pois é especialmente necessário para
viver bem e ter uma morte feliz.

Primeiro, devemos dar esmolas com pura intenção de agradar a Deus e não obter
reconhecimento humano. Isto Nosso Senhor nos ensina quando diz: Quando, pois, der esmola,
não toques a trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para
serem louvados pelos homens.Quando deres esmola, que tua mão esquerda não saiba o que fez
a direita. (Mt 6,2-3). Santo Agostinho expõe esta passagem assim: a mão esquerda significa a
intenção de dar esmolas para obter honras mundanas e outras vantagens temporais; a mão
direita significa a intenção de conceder esmolas para ganahr a vida eterna, ou para glória de
Deus, e por caridade ao próximo.

Segundo, nossas esmolas devem ser dadas pronta e voluntariamente, tal que não pareça ter
sido extorquida através de súplicas, nem adiada dia após dia. O homem sábio diz: Não digas ao
teu próximo: Vai, volta depois! Eu te darei amanhã, quando dispões de meios (Pv 3,28). Abraão,
temente a Deus, pediu aos anjos para ir à casa dele, não esperou que lhe pedissem, e disse a
Ló para fazer o mesmo. E lemos que Tobias também não esperou que o pobre viesse a ele, mas
procurou-os por si mesmo.

Terceiro, devemos das esmolas com alegrias, não tristeza. O Eclesiástico diz para mostrar
contentamento. São Paulo escreve: Dê cada um conforme o impulso do seu coração, sem
tristeza nem constrangimento. Deus ama o que dá com alegria (2 Cor 9,7).

Quarto, nossas esmolas devem ser dadas com humildade, pois o homem rico deve lembrar que
recebe muito mais do que el dá. Sobre este ponto, São Gregório fala: quando der bens terrenos,
o homem encontrará muito proveito em controlar seu orgulho e relembrar cuidadosamente as
palavras de seu Mestre celestial: eu vos digo: fazei-vos amigos com a riqueza injusta, para que,
no dia em que ela vos faltar, eles vos recebam nos tabernáculos eternos (Lc 16,9). Para através
de suas amizades adquirir tabernáculos eternos, aqueles que dão, sem dúvida, devem lembrar
de oferecer seus dons para os pobres, não para os ricos.
Em Jope havia uma discípula chamada Tabita - em
grego, Dorcas. Esta era rica em boas obras e
esmolas que dava (At 9,36).
Quinto, nossas esmolas devem ser dadas abundantemente, em proporção aos nossos bens.
Assim fez e nos ensinou Tobias, o mais generoso em dar esmolas: se tiveres muito, dá
abundantemente; se tiveres pouco, dá desse pouco de bom coração (Tb 4,9). E o apóstolo
ensina que as esmolas devem ser dadas para alcançar a benção, não com avareza. São João
Crisóstomo acrescenta: não apenas dar, mas dar abundantemente, isto é esmola. E, no mesmo
sermão, repete: aqueles que desejam ser ouvidos por Deus quando dizem "tenha piedade de
mim, oh Deus", de acordo com a divina misericórdia, devem ter misericórdia para com os
pobres, na medida de suas posses.

Por fim, acima de todas as coisas, quem desejar ser salvo e ter uma boa morte, diligentemente
deve perguntar-se, através de leituras e meditações, ou consultando homens santos e sábios,
se suas supérfluas riquezas podem ser mantidas sem cometer pecado, ou se devem dá-las para
os pobres; o que deve ser compreendido como supérfluo e quais são os bens necessários. Pode
ocorrer que algumas riquezas moderadas sejam supérfluas, enquanto outras grandes riquezas
seja absolutamente essenciais.

E desde que este tratado não requer estudos escolásticos aprofundados, irei brevemente citar
algumas passagens da Escritura e Santos Padres. As Escrituras dizem: não podeis servir a Deus
e à riqueza (Mt 6,24) e quem tem duas túnicas dê uma ao que não tem; e quem tem o que
comer, faça o mesmo (Lc 3,11). E no capítulo 12 de São Lucas é dito sobre quem tem grandes
riquezas, que nem sabe o que fazer com elas: Insensato! Nesta noite ainda exigirão de ti a tua
alma. E as coisas, que ajuntaste, de quem serão? (Lc 12,20). Santo Agostinho explica que estas
palavras indicam que o homem rico perecerá porque não sabe utilizar suas riquezas supérfluas.

São João Crisóstomo afirma em sua 34a. homília ao povo de Antioquia: tens algumas posses? O
interesse dos pobres está confiado a ti, sejam teus bens frutos de justos trabalhos ou herdados
de teus pais. São Agostinho, nos Comentários sobre o Salmo 147: nossos bens supérfluos
pertencem aos pobres; se não forem dados a eles, nós possuímos o que não temos direito. São
Leão fala: bens temporais são dados para nós pela liberalidade de Deus, e Ele pedirá contas
deles, pois foram concedidos a nós. São Tomás ensina que as riquezas temporais que possuímos,
por lei natural pertencem aos pobres. E também que o Senhor nos pede para dar aos pobres
não apenas a décima parte, mas todos bens supérfluos. O mesmo autor assegura que esta é a
opinião comum de todos teólogos. E acrescento também, que se alguém quiser obedecer
estritamente a letra da lei, não é apenas convidado a dar seus bens para os pobres, é obrigado
a fazê-lo pela lei da caridade, pois tanto faz se escaparmos do inferno por seguirmos a lei ou
por verdadeira caridade.
O Sacramento do Batismo
Comecemos pelo primeiro sacramento. O Batismo, sendo o primeiro, é
justamente chamado de “porta” dos sacramentos, por que, a menos que o
Batismo preceda a todos, ninguém está em estado de receber os demais.

No Batismo, as seguintes cerimônias são observadas: antes de tudo, quem está


sendo batizado deve fazer uma profissão de fé nas crenças da Igreja Católica,
por si mesmo ou por outro. Depois, é chamado a renunciar ao demônio, suas
ações e glórias. Por terceiro, é batizado em Jesus Cristo e transferido das
amarras do demônio para dignidade de filho de Deus, herdeiro de Deus, co-
herdeiro de Cristo. Em quarto lugar, vestimentas brancas são colocadas sobre o
batizado, que é exortado a manter-se puro e imaculado até sua morte. Em quinto,
uma vela acesa é segura em suas mãos, significando as boas ações que devem
ser somadas à uma vida inocente por todo tempo que permaneça vivo. Então, o
Senhor fala no Evangelho: Assim, brilhe vossa luz diante dos homens, para que
vejam as vossas boas obras e glorifiquem vosso Pai que está nos céus (Mt 5,16).

Estas são as principais cerimônias que a Igreja utiliza na administração do


Batismo. Omito algumas que não se relacionam ao propósito do texto. Destas
observações, cada um de nós pode facilmente descobrir se tem levado uma vida
correta desde seu Batismo até o momento atual. Mas eu fortemente desconfio
que poucos realizam tudo que prometeram fazer, e que deveriam ter
feito. Porque muitos são os chamados, e poucos os escolhidos (Mt 22,14); e
também, estreita, porém, é a porta e apertado o caminho da vida e raros são os
que o encontram (Mt 7,14).

O Batismo de Jesus

Comecemos pelo Credo Apostólico. Quantos do povo e das ordens menores


sequer lembram-se dele, ou o aprenderam, ou apenas sabem suas palavras,
mas não o sentido! E mesmo assim, em seu batismo responderam por si ou
através de seus padrinhos, que acreditam em cada um dos seus artigos. Mas se
Cristo habita em nossos corações pela fé, com diz o apóstolo, como Ele pode
habitar nos corações daqueles que mal conseguem repetir o Credo, e muito
menos tê-lo em seu coração? E se Deus, pela fé purifica nossos corações, como
explica São Pedro, como se sustentará nos corações daqueles que não tem fé
em Cristo, embora tenham recebido o Batismo a seu tempo! Estou falando de
adultos, não de crianças. Crianças são justificadas por possuírem a graça, fé,
esperança e caridade, mas quando crescem para a maturidade, devem aprender
o Credo e acreditarem em seus corações de acordo com a fé Cristã “na justiça”
e confessar com suas bocas “a salvação”.

Repito: todos os cristãos são perguntados, diretamente ou através de seus


padrinhos, se renunciam ao demônio, suas ações e glórias. E respondem: Eu
renuncio. Mas quantos renunciam apenas por falar, mas não em realidade! Deus
vê a todas as coisas e não pode ser enganado. Aqueles, no entanto, que
desejam ter uma vida boa e uma morte boa, devem deixá-Lo entrarem em seu
coração e não enganarem a si mesmos; e considerarem séria e atentamente,
várias vezes, se colocam amor nas glórias deste mundo e nos pecados que são
obras do demônio; ou se dão espaço para Deus em seus corações, palavras e
ações. E então, sua boa consciência irá consolá-los ou uma má consciência o
conduzirá para a penitência.

Em nenhum outro rito é manifestada a bondade de Deus de maneira tão sublime


e maravilhosa, tal que, se dispendermos dias e noites em admiração e
agradecimentos por ela, não faríamos nada semelhante a tal benefício. Bom
Deus! Quem pode compreender, que não está maravilhado; quem não se
dissolve em pias lágrimas quando considera que o homem, justamente
condenado ao inferno, é subitamente conduzido ao mais glorioso reino através
do Batismo! Assim como tão grande benefício deve ser admirado, tão mais deve
ser detestada a ingratidão daqueles que mal tenham chegado à idade da razão
começam a renunciar aos benefícios de Deus e tornam-se escravos do demônio.
Pois que é isto senão entregar sua juventude à concupiscência da carne, à
concupiscência dos sentidos e ao orgulho da vida, que tornar-se amigo de
demônio e negar Cristo Nosso Senhor em atos e palavras? Pouco é o número
daqueles que, ajudados por uma graça especial de Deus, cuidadosamente
preservam sua graça batismal; ou por verdadeira penitência, renunciam ao
demônio, e retornando ao serviço de Deus, perseveram até o final de seus dias,
livrando-se de morte miserável. Como expressa o profeta Jeremias, suportam o
jugo do Senhor desde sua juventude. Mas, se não procedermos desta maneira,
não podemos ter uma vida justa, nem sermos livrados de uma morte miserável.

Na quarta cerimônia o batizado recebe as vestes brancas e é ordenado a


permanecer assim até comparecer perante o Senhor. Este rito significa a vida
inocente, adquirida pela graça do Batismo, que deve ser preservada até a morte.
Mas quem pode enumerar os enganos do demônio, o inimigo perpétuo da raça
humana, que não deseja nada mais que desfigurar esta veste com toda espécie
de mancha? Muito poucos, no entanto, podem dizer ter vivido uma longa e não
ter adquirido manchas em suas vestes. Muito mais difícil é caminhar de maneira
imaculada, e grandiosa será a coroa de uma vida inocente. Aqueles que
desejarem uma vida e uma morte justas, deve ter cuidados para preservar suas
vestes brancas. E, ao perceberem alguma mancha, devem lavá-la no sangue do
cordeiro, por contrição verdadeira e lágrimas penitenciais. Quando Davi chorou
seu pecado por um longo tempo, começou a ter esperança no perdão, e dando
graças a Deus, disse confiantemente: Aspergi-me com um ramo de hissope e
ficarei puro. Lavai-me e me tornarei mais branco do que a neve (Sl 50,9).

A última cerimônia é colocar a vela acesa na mão do batizando; como dissemos


acima, significa as boas ações, que devem somar-se à uma vida santa. Que
estas boas ações devem ser realizadas por quem renasceu através do Batismo,
o apóstolo nos ensina: Combati o bom combate, terminei a minha carreira,
guardei a fé. Resta-me agora receber a coroa da justiça, que o Senhor, justo
Juiz, me dará naquele dia, e não somente a mim, mas a todos aqueles que
aguardam com amor a sua aparição (2Tm 4, 7-8). Aqui, em poucas palavras, são
mencionadas as boas ações, combater as tentações do demônio, que anda ao
redor de vós como o leão que ruge, buscando a quem devorar (I Pe 5,8).
Também, os batizados devem completar a “carreira” em observância aos
mandamentos, como afirma o Salmo: Correrei pelo caminho de vossos
mandamentos, porque sois vós que dilatais meu coração (Sl 118, 32). Devem,
em resumo, preservar a fidelidade ao mestre multiplicando seus talentos,
cultivando sua vinha, atendendo ao seu rebanho, governando sua família ou de
algum outro modo apontado pelo Todo Poderoso. Nosso Senhor deseja admitir-
nos como filhos adotivos em sua herança eterna; isto poderia ser realizado pela
sua grande glória e poder, mas aprouve à sabedoria divina requerer nossas boas
ações, realizadas de acordo com sua graça e por nossa livre vontade, para
merecermos a alegria eterna. A sua mais nobre e gloriosa herança não será dada
àqueles que dormem, vadiam e são preguiçosos; mas aos atentos e laboriosos,
àqueles que perseverarem nas boas obras até o final.

Que cada um examine suas obras e diligentemente inquira se seu modo de


viver,o conduz a uma vida justa e uma morte boa. Se sua consciência
testemunha que combateu o bom combate contra seus vícios, concupiscências
e todas as tentações da velha serpente, e que está por concluir uma boa carreira
considerando todos os mandamentos do Senhor, sem reprovações, então pode
exclamar como o Apóstolo: Resta-me agora receber a coroa da justiça, que o
Senhor, justo Juiz, me dará naquele dia (2 Tm 4,8). Mas, se após um exame
cuidadoso de sim mesmo, sua consciência testemunhar que no combate com
inimigo foi ferido; que seus dardos venenosos penetram-lhe a alma; que falhou
em realizar boas obras, que não correu infatigável, mas muitas vezes deixou-se
descansar; que não perseverou na fidelidade às coisas que Deus lhe confiou,
mas retirou para si parte do lucro, por vanglória ou admiração das pessoas; ou
qualquer outra coisa que lhe apresente a consciência; deve buscar
imediatamente o remédio da penitência, e não adiar para outro momento por
qualquer motivo que lhe pareça importante, por que não sabemos nem o nosso
dia, nem nossa hora.

O Sacramento do Crisma
Após o batismo segue o sacramento do Crisma (ou Confirmação), do qual podemos tirar motivos
para viver justamente, não menos poderosos que aqueles deduzíveis do Batismo; ainda que o
Batismo seja um sacramento mais necessário que o Crisma, este é mais nobre que o primeiro.
Isto é evidente pelo ministro, a matéria e o efeito.
Ícone bizantino para a Festa de Pentecostes.

O ministro normal do batismo é um padre, ou em caso de necessidade, qualquer um; já o


ministro do Crisma é um Bispo, e por dispensa do Papa, somente um padre. A matéria do
batismo é a água comum, já o Crisma é uma mistura de óleo sagrado com bálsamo, consagrado
pelo Bispo. O efeito do batismo é a graça e o caráter, como requeridos para criar uma criança
espiritual, de acordo com as palavras de São Pedro: Como crianças recém-nascidas desejai com
ardor o leite espiritual que vos fará crescer para a salvação (1Pe 2,2). O efeito do Crisma é
também a graça e um caráter, tais como necessários para um soldado lutar contra inimigos
invisíveis; como diz São Paulo: Pois não é contra homens de carne e sangue que temos de lutar,
mas contra os principados e potestades, contra os príncipes deste mundo tenebroso, contra as
forças espirituais do mal (espalhadas) nos ares (Ef 6,12).

No batismo, um pouco de sal é colocado na boca do infante, no Crisma um leve sopro nos é
dado, tal que o soldado cristão aprenda a lutar, não pela força, mas pela temperança. Para
facilmente entendermos qual o dever de uma pessoa marcada pelo Crisma, ou seja, um soldado
cristão devemos considerar o que os apóstolos receberam na sua Confirmação no Domingo de
Pentecostes. Eles não foram confirmados com o crisma, mas receberam de Cristo, nosso mais
alto sacerdote, o efeito do sacramento sem o sacramento. Receberam três dons: sabedoria,
eloquência e caridade, no mais alto grau, e também o poder dos milagres, muito útil para
converter nações de pagãos para a verdadeira fé. Estes dons foram significados pelas “línguas
de fogo” vistas naquele dia, enquanto o som de um poderoso vento era ouvido ao mesmo tempo.
A luz do fogo significa a sabedoria, o calor a caridade, a for de línguas o dom da eloquência, e
o vento o dos milagres.

O sacramento da nossa Confirmação não outorga os dons de falar em línguas nem o dos
milagres, uma vez que eram necessários, não como uma vantagem dos Apóstolos, mas em favor
da conversão dos pagãos. Mas nos outorga os dons da sabedoria espiritual e caridade, que são
a paciência e gentileza, e como um sinal da mais rara e preciosa virtude da paciência.

O Bispo dá ao crismando um suave sopro para que lembre-se que está se tornando um soldado
de Cristo, não para agredir, mas para persistir; não para atacar aos outros, mas para suportá-
los. Na guerra dos cristãos, ele luta não contra o visível, mas inimigos invisíveis; para tanto
Cristo, nosso comandante e conquistador, foi pregado na cruz e lutou contra as forças do
inferno. Então os apóstolos também lutaram, tão logo confirmados, foram severamente
açoitados pelo conselho dos judeus, e saíram de lá cheios de alegria, por terem sido achados
dignos de sofrer afrontas pelo nome de Jesus (At 5,41). A graça da confirmação tem este efeito,
que um homem injustamente acusado, não pensa em vingança, mas agradece pelo
sofrimento.

Deixemos então que quem tenha sido confirmado entre na câmara do seu coração e
diligentemente inquira se tem mantido os dons do Espírito Santo, especialmente a sabedoria e
fortaleza. Deixemos que examine, eu repito, se possui a sabedoria dos santos que estimavam
os bens eternos e desprezavam os terrenos; se tem a fortaleza de soldados de Cristo, que
suporta mais injúrias do comete contra outros. E para que eventualmente não seja engando,
deixemos que examine sua consciência. Se entender que está sempre pronto para atos de
caridade, não desejando riquezas; e se tiver sido caluniado, pensa prontamente em perdão,
não em vingança; pode exultar em seu coração por ter uma alma de filho adotado por Deus.

Mas se, após ter recebido a Confirmação, perceber ser avarento, passional e impaciente; ter
dificuldades para distirbuir dinheiro para aliviar a necessidade dos pobres; ao contrário, se ver
que está sempre pronto para em cada oportunidade lucrar, pronto para a vingança e não
perdoar ofensas, terá ele recebido o sacramento, mas não as suas graças?

O que tenho dito é voltado para quem aproxima-se do sacramento quando adulto. Estes devem
permanecer temerosos, para que o pecado não os domine gradualmente, adiando a penitência
por um longo tempo, até que extinga-se o espírito recebido, perdendo a graça do Espírito Santo.
Assim deve ser entendido o que disse o apóstolo: Não extingais o Espírito (1Ts 5,19). A pessoa
exingue o Espírito Santo, que nele habita, destruindo em si mesmo a graça de Deus.

Que, portanto, deseja viver justamente, e após, morrer justamente, deve estimar
profundamente a graça dos sacramentos, que são vasos que carregam tesouros celestiais; e
devem estimar estes sacramentos, pois uma vez perdidos, não podem ser recuperados. Assim é
com o Crisma, quando recebemos tesouros incomparáveis. Ainda que o caráter deste
sacramento não possa ser destruído, este caráter sem as graças não traz nenhum conforto,
apenas aumenta nossa confusão.

O Sacramento da Eucaristia
A Sagrada Eucaristia é o maior de todos os sacramentos, no qual não apenas a graça é mais
plena dada à nós, mas também o autor da graça é recebido. Duas coisas são necessárias saber
a respeito deste sacramento para que um cristão possa viver e morrer justamente.

Primeiro, que deve receber este alimento sagrado, como diz o Senhor: Em verdade, em verdade
vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem, e não beberdes o seu sangue, não tereis
a vida em vós mesmos (Jo 6,53).

Em segundo lugar, que deve receber dignamente este excelente alimento, assim fala o
apóstolo na Epístola aos Coríntios: Aquele que o come e o bebe sem distinguir o corpo do
Senhor, come e bebe a sua própria condenação (1Co 11,9). Mas a questão é, com que frequência
podemos receber este alimento e qual preparação é suficiente para possamos dignamente, ou,
no mínimo, não indignamente,nos aproximarmos deste banquete.

Quanto ao primeiro ponto, há muitos e diferentes costumes na Igreja Católica. Nos primeiros
tempos da Igreja, os fiéis recebiam a Sagrada Eucaristia muito frequentemente. Por isso, São
Cipriano no seu discurso sobre o Pai Nosso, explica estas palavras "nos dai o pão nosso de cada
dia" como uma referência a Sagrada Eucaristia; e ele ensina que este sacramento deve ser
recebido diariamente, exceto se houver algum impedimento grave. Após, quando a caridade se
esfriou, muitos negaram a eucaristia por vários anos.

O Papa Inocente III publicou um decreto que pelo menos uma vez ao noa, na época da Páscoa,
os fiéis, homens e mulheres, são obrigados a receber um Eucaristia. Mas a opinião comum dos
doutores parece ser mais pia e admirável, de que os fiéis de se aproximar da eucaristia todos
os domingos e nas grandes festas. A sentença, supostamente de Santo Agostinho, é muito
comum entre os escritores espirituais: quanto a receber a eucaristia diariamente eu nem
aconselho nem condeno, mas eu aconselho e exorto a recebê-la todos os domingos. Embora o
texto "Dogmas Eclesiásticos" de onde esta opinião foi retirada, parece não ter sido escrito por
Santo Agostinho, mas por outro escritos ainda mais antigo, suas doutrinas não são contrárias ao
que o Santo claramente ensina na sua Epístola a Januário, "que não erram aqueles que
aconselham a comunhão diária, nem aqueles que entendam não deve ser recebida tão
frequentemente. Por certo, quem defende esta doutrina não pode se opor ao que sugerem a
comunhão dominical. Esta é a opinião de São Jerônimo, pois podemos aprender no Comentário
sobre a Epístola aos Gálatas, quando fala sobre o capítulo quarto: apesar de ser correto para
nós mantermos um jejum perpétuo ou estarmos sempre rezando; e continuamente nos
alegrarmos no dia do Senhor recebendo seu corpo; contudo aos judeus não é lícito imolar um
cordeiro.

Quanto ao segundo ponto, relativo à preparação adequada para receber tão grande
sacramento, que podemos receber por nossa salvação, e não por nosso julgamento ou
condenação, é importante que nossa alma esteja em estado de graça, e não manchada por um
pecado mortal. Por isso é chamado "alimento" e é dado em forma de pão, por que alimentos
não são dados a pessoas mortas, somente aos vivos.

Quem come deste pão viverá eternamente (Jo 6,58b), diz Nosso Senhor; e no mesmo texto,
a minha carne é verdadeiramente uma comida (Jo 6,55a). O Concílio de Trento acrescenta que
para uma preparação digna, não é suficiente que o fiel em pecado mortal apenas reconheça
seu pecado, mas que deve também expiar seus pecados através do sacramento da Penitência,
se tiver uma oportunidade. E mais, como este sacramento não é apenas alimento, mas também
remédio, e o melhor e mais saudável remédio, que o homem doente deve desejar sua saúde e
a cura de todos os males dos vícios, especialmente os advindo da luxúria, avareza e orgulho.
Santo Ambrósio ensina no quinto livro dos sacramentos: "aqueles que estão feridos necessitam
tratamento, nós estamos feridos por que sob o pecado; e o remédio é a sagrada e santa
Eucaristia". E São Boaventura afirma: "quem se considerar indigno, considere quão necessitado
está de um médico, quão débil está". São Bernardo, no Sermão sobre a Ceia do Senhor, adverte
que quem sentir propensões malignas ou qualquer outra desordem da alma sendo curada, deve
atribuir ao sagrado sacramento.

A Última Ceia, de Tintoretto. Nota-se a presença de servos e anjos na cena, numa composição bem diferente da tradicional
pintura de Leonardo da Vinci. A pintura encontra-se na Igreja de San Giorgio Maggiore, em Veneza.
Ainda, este sacramento não é apenas alimento para os fiéis e medicina para os doentes, é
também o mais qualificado e amoroso médico, devendo ser recebido com grande alegria e
reverência. A casa de nossa alma deve ser adornada com todo tipo de virtudes, especialmente
fé, esperança, caridade, devoção e os frutos de boas ações, como a oração, jejuns a esmolas.
Estes ornamentos o doce convidado de nossa alma requer, enquanto não se detêm em nossos
bens. Reflita, também, que o médico que nos visita é Nosso Rei e Senhor, cuja pureza é infinita,
solicitando a mais pura habitação. Escute São Crisóstomo, em um dos seus sermões ao povo de
Antioquia: "Quão puro deve ser quem oferece tal sacrifício! Não devem ser as mãos daquele
que divide o corpo mais puras que o raios do sol? Não deve a língua ser cheia de fogo espiritual?"

Portanto, quem desejar viver e morrer justamente, deve entrar no segredo de seu coração e,
fechando a porta, estar sozinho com Deus, e examinar seu coração, olhar para si atentamente
e considerar com que frequência e preparação tem recebido o corpo do Senhor; e se considerar
que pela graça de Deus tem sido digno, tem se nutrido e curado gradualmente de sua fraquezas
espirituais, que tem avançado diariamente mais e mais nas virtudes e boas ações; então poderá
exultar com temor, não com medo de um servo, mas com casta alegria filial.

Mas, se alguém satisfeito com uma comunhão anual, não der maior importância a este
sacramento salvador, e esquecendo de comer o pão espiritual, preferir alimentar e engordar
seu corpo enquanto sua alma enfraquece e desfalece, deve ser advertido que esta em tão mal
estado e muito longe do reino de Deus. Comunhão anual é aceita pelo Concílio, não porque
devamos procurá-la apenas uma vez ao ano, mas por que devemos nos aproximar dela ao menos
uma vez ao ano, exceto se desejarmos ser cortados da Igreja e condenados ao inferno. Quem
age assim, e muitos o fazem, recebem o Senhor em Seu sacramento, não com amor filial, mas
com medo servil; e logo retornam aos restos dos porcos, aos prazeres do mundo, aos ganhos
temporais e honras passageiras.

Então, na hora da morte, ouvem as palavras dirigidas ao rico glutão: Filho, lembra-te de que
recebeste teus bens em vida (Lc 16,25). Mas se uma pessoa, frequentemente se aproxima deste
sacramento, aos domingos ou todos os dias, ou se for um padre, deve avaliar se não está em
pecado mortal, se tem realizado boas ações, se está desinteressado das coisas mundanas. Se,
como os do mundo, estiver correndo atrás de dinheiro, prazeres carnais, honras e dignidades,
este homem certamente come e bebe sua condenação; e quanto mais se aproxima dos
sacramentos, mais imita o traidor Judas, de quem o Senhor falou: Melhor lhe seria que nunca
tivesse nascido (Mc 14,21).

Mas ninguém, enquanto viver, deve desesperar de sua salvação. Se, ao relembrar em seu
coração seus anos e trabalhos, perceber que se desviou do caminho da salvação, reflita que
ainda há tempo para arrepender-se; começar séria penitência, e retornar ao caminho da
verdade.

Antes de concluir o capítulo, acrescento o que São Boaventura escreveu, na sua vida de São
Francisco, sobre a admirável piedade e amor do santo para com a Eucaristia, que do seu
inflamado amor nossa tepidez e frieza podem se incendiar: Ele queimou com o mais íntimo
amor de sua alma por este abençoado sacramento, até assombrar-se por esta admirável
condescência e caridade sem limites. Em geral, quão distantes deste santo estamos, não apenas
muitos leigos, mas também os ministros, que oferecem o Sacrifício com indevida pressa, que
nem eles mesmos percebem o que estão fazendo, nem deixam os fiéis atentos ao serviço
sagrado.

O Sacramento da Confissão
O sacramento da Penitência (ou Confissão) é o próximo. Há três condições relacionadas a ele,
a contrição de coração, confissão e penitência. Quem atender estes três requisitos, sem
dúvida obtém perdão de seus pecados. Mas devemos atentamente considerar o que significa
uma verdadeira contrição, sincera confissão e plena satisfação.

Comecemos pela contrição. O Profeta Joel exclama: Rasgai vossos corações e não vossas
vestes (Jl 2,13); quando os hebreus querem expressar seu arrependimento por algum erro, eles
rasgam suas vestes. Então o santo profeta alerta que se queremos expressar nosso verdadeiro
e íntimo arrependimento frente a Deus pelos nossos pecados, devemos rasgar nossos corações.
E o profeta Davi acrescenta, que não basta apenas rasgá-lo, mas esmagá-lo e reduzi-lo a pó:Meu
sacrifício, ó Senhor, é um espírito contrito, um coração arrependido e humilhado, ó Deus, que
não haveis de desprezar (Sl 50,19).

A comparação claramente demonstra que, para agradar a Deus, não é suficiente apenas dizer
"eu lamento meus pecados"; mas sentir um arrependimento interior profundo do coração, que
raramente é experimentado na ausência de lágrimas e soluços. É maravilhoso como os Santos
padres falam sobre a verdadeira contrição. São Cipriano disse em um sermão: "Assim como
temos ofendido, devemos chorar; para uma ferida profunda é necessária um longo e cuidadoso
tratamento. Nossa penitência não deve ser menor que o crime, devemos continuamente orar,
passando o dia em lágrimas e a noite em vigília. Devemos dispender todo nosso tempo em
lágrimas e lamentações, permanecendo em cinzas e vestidos de sacos." São Clemente de
Alexandria chama a penitência de "batismo por lágrimas"; São Gregório Nazianzeno, afirma:
"Devo receber penitentes se vê-los cobertos de lágrimas". Teodoreto escreve: "Os pecados
cometidos após o Batismo são curados, mas não tão facilmente como antes, pelas águas da
regeneração, mas por muitas lágrimas e trabalhos dolorosos.". Estes e semelhantes são os
sentimentos dos Santos Padres sobre a verdadeira contrição.

Santa Maria Madalena lavando os pés de Jesus

Mas hoje muitos se aproximam da confissão parecendo não possuir nenhuma ou a mínima
contrição. Aqueles que desejam verdadeiramente se reconciliar com Deus, e viver de maneira
justa, para morrer adequadamente, devem entrar no interior de seu coração e fechar a porta
para todas as distrações, e, então, falar para si mesmos: "Veja o que fiz, que miserável homem
sou cometendo tal pecado! Eu ofendi meu generoso Pai, que me deu todas as coisas, que me
amou tanto, que me cobriu de benefícios de todas as maneiras, e tantas provas de amor que
tenho visto, na minha vida e de outros irmãos. Mas o que devo dizer a meu Salvador, que me
amou até mesmo quando seu inimigo o atacou, e se entregou por mim como oblação e sacrifício
a Deus, como um odor de bondade; e eu sou tão ingrato que ainda O ofendi! Meu Deus foi
agredido, coroado com espinhos e pregado na cruz, para que possa aplicar um remédio aos
meus pecados e ofensas, e eu ainda não cesso de acrescentar pecado sobre pecado!". "Ele,
pregado nu na cruz, exclamou que estava sedento pela minha salvação e eu ainda o ofendo com
vinagre e o fel mais amargo! Quem poderá me explicar quão alta glória eu cai quando cometi
tal e tal pecado? E era herdeiro de um reino eterno, uma vida de eterna alegria; mas desta
grande alegria, a maior possível, eu infelizmente cai, por um pequeno e passageiro prazer, por
palavras ofensivas, por uma linguagem blasfema perante Deus, que não me fazem qualquer
bem. E para que estado estou, perdendo toda alegria! Vivo como cativo do demônio, meu mais
cruel inimigo; e tão logo a carcaça pútrida do meu corpo se dissolver, o que pode ocorrer a
qualquer momento; então, instantaneamente e sem nenhuma salvação, eu descerei ao Inferno!
Ah, quão miserável sou! Talvez neste dia, nesta verdadeira noite, eu comece a queimar nas
chamas eternas! E, frente a todas estas considerações, a ingratitude do mais perverso servo
aumente contra o mais amável Pai e Senhor; por mais benefícios Ele me cobriu, por muito mais
O ofendi com meus pecados.

Para quem ler este livro, estes são os sentimentos que devem animar seu coração.
Sinceramente, eu espero que obtenham de Deus o dom da contrição. O penitente Davi uma vez
entrou no interior de seu coração, após cometer adultério; e tão pronto recebeu a verdadeira
contrição, molhou seus aposentos com lágrimas. Pedro também, sendo penitente, entrou em
seu coração, após ter negado seu mestre, e imediatamente chorou amargamente. Madalena,
sendo penitente, entrou em seu coração, e lavou os pés de Jesus com lágrimas e os secou com
seus cabelos. Estes são, portanto, os frutos da contrição, que não podem florescer exceto na
solidão do coração.

Agora falarei brevemente da confissão. Sei que muitos se aproximam dela sem tirar nenhum
ou mínimo proveito. Isto é consequência de não entrarem em seu coração para se preparem
antes da confissão. Alguns são tão negligentes para se confessarem, que apenas genericamente
e de maneira confusa, acusam a si mesmos de violarem todos os mandamentos ou de terem
cometido todo pecado mortal. Para tais pessoas somente uma absolvição geral pode ser dada,
e, em geral, não estão em estado de receberem absolvição alguma.

Outros, ainda, relacionam seus pecados em certa ordem, mas se mencionar pessoas, lugares,
momentos, número e outras circunstâncias; esta também é uma negligência perigosa. Uma
coisa é atacar um padre, outra um leigo, pois a primeira ofensa pode levar a excomunhão, mas
não a segunda. Uma é a ofensa de pecar com uma virgem, outra com pessoa consagrada a Deus,
outra com pessoa casada, outra com uma prostituta; uma coisa é ter cometido o pecado uma
vez, outra tê-lo repetido muitas vezes.

Ainda, há pessoas que, e isto é mais surpreendente, imaginam que pecados internos, como
desejos de fornicação, adultério, homicídio e roubo não são pecados enquanto não cometidos!
Nem olhadas imodestas, toques impuros nem palavras lascivas. Esquecem-se que Nosso Senhor
expressamente diz: todo aquele que lançar um olhar de cobiça para uma mulher, já adulterou
com ela em seu coração (Mt 5,28).

Quem desejar examinar sua consciência e fazer uma boa confissão, deve primeiro ler alguns
livros muito úteis sobre o método de uma confissão, ou, ao menos, consultar um confessor pio
e experiente. Então, deixá-lo entrar em seu coração e examinar sua consciência de maneira
séria e detalhada, seus pensamentos, desejos, palavras, ações e omissões; no futuro deve abrir
sua consciência ao seu diretor espiritual, e humildemente implorar por ele, estando disposto a
realizar qualquer penitência que lhe impor.

Por fim, resta falar da penitência, sobre a qual nossos antecessores, muitos homens sábios,
tiveram ideias mais elevadas que a maioria de nós parece ter. Como eles seriamente lembram,
a penitência é muito mais fácil de ser cumprida na Terra que no Purgatório, assim impunham
longas e severas penitências. Por exemplo, muitas penitências continuavam por sete, quinze
ou até trinta anos; outras ainda a vida inteira. Sobre a natureza da penitência, jejuns
frequentes e longas orações eram pedidas; banhos, passeios, finas vestimentas, jogos e
diversões teatrais eram proibidas; em síntese, quase toda a vida dos penitentes era consumida
em arrependimento e orações. Vou dar um exemplo. No décimo concílio de Toledo lemos que
um bispo chamado Fotamius, que era culpado de alguns pecados de impureza, por sua
iniciativa, trancou-se em uma prisão, e lá fez penitência por nove meses; após confessou seu
pecado para o concílio de forma escrita e suplicou por perdão. Sabemos que o concílio decretou
que deveria passar o resto da vida em penitência, dizendo ao mesmo tempo, que o tratavam
mais misericordiosamente que a tradição permitia.

Mas hoje em dia somos tão fracos e delicados que um jejum a pão e água por uns dias, junto
com salmos penitenciais e orações a serem recitadas em certos momentos, algumas esmolas
dadas aos pobres, parecem muito severas até mesmo contra crimes e ofensas enormes. Quanto
mais nos tratarmos bem nesta vida, mais a justiça de Deus nos fará sofrer no Purgatório, exceto,
claro, se a eficácia de nossa verdadeira contrição for tal que, acompanhada de ardente
caridade, pela misericórdia de Deus, obtivermos o perdão de nossos pecados e penas merecidas
por termos cometidos. Um coração contrito e humilde, magnificamente satisfaz a compaixão
de Deus Nosso Pai; por sua imensa doçura e bondade, que ele não pode outra coisa fazer a não
ser correr ao encontro do seu filho pródigo arrependido, abraça-lo, beijá-lo, desejar a paz e
secar todas as suas lágrimas, e enchê-lo de lágrimas de júbilo, mais doce que o mel.

O Sacramento da Ordem
Os dois sacramentos que seguem, requerem uma breve explicação, não são para todos cristãos,
um se relaciona aos clérigos, e o outro (matrimônio) aos leigos. Não abordaremos todos pontos
que podem ser mencionados sobre as Sagradas Ordens, mas somente aqueles necessários para
uma vida justa e uma morte feliz.

As ordens são sete em número, quatro menores e três maiores; a maior delas, chamada
sacerdócio, é dividida em duas: uma para Bispos, outra para padres. Antes de qualquer
ordenação, a tonsura (NT) é recebida, sendo a porta para as demais, isto propriamente torna
homens em clérigos. E desde que é requerida para clérigos, para que possam ter uma boa e
religiosa vida, é com grande razão requerida especialmente para o presbiterato e episcopado;
por isso estou satisfeito em considerar os deveres relacionados a clérigos.

Tonsura, o corte de cabelo


que marcava a entrada no
estado clerical.

Dois pontos paracem pedir uma explicação; primeiro, a cerimônia pela qual clérigos são feitos;
segundo, o ofício que eles devem realizar na igreja. A cerimônia, como descrita pela liturgia,
consiste em primeiro cortar o cabelo de sua cabeça; este rito significa abandonar as vaidades
e supérfluos desejos, como pensamentos por bens materiais, riquezas, honras, prazeres e outros
de mesma natureza; e, ao mesmo tempo, aqueles cujo cabelo é cortado, devem repetir o quinto
verso do salmo XV: Senhor, vós sois a minha parte de herança e meu cálice; vós tendes nas
mãos o meu destino (Sl 15, 5). Então o Bispo ordena que uma sobrepeliz branca seja trazida, a
qual ele coloca sobre o clérigo, lembrando as palavras do apóstolo aos Efésios: revesti-vos do
homem novo, criado à imagem de Deus, em verdadeira justiça e santidade (Ef 4,24). Não há
ofício específico para clérigos, mas é costume servir ao padre nas missas particulares.

Consideremos o grau de perfeição exigido de um clérigo; e se tanto é pedido de um deles,


quanto mais de um acólito, subdiácono, padre e bispo! Fico horrorizado ao pensar, quantos
padres mal possuem as virtudes necessárias para serem um simples clérigo. Ele é exortado a
abandonar todos pensamentos fúteis e desejos que pertencem aos homens do mundo; isto é,
ao homens que são do mundo, que estão continuamente pensando em coisas mundanas.

Um bom clérigo é exortado a não procurar por outra herança que não seja Deus, que Ele
somente possa ser a sua parte e herança; e o clérigo deve verdadeiramente ser dito como parte
e herança somente de Deus. Oh, quão alto deve ser o estado clerical que renuncia a todo
mundo, que deve possuir somente a Deus, e deve ser possuído por Deus apenas. Este é o
significado das palavras do salmista: vós sois a minha parte de herança e meu cálice (Sl 15,5).

O que é dito ser "parte da minha herança", que é a divisão das propriedades entre familiares,
transforma-se em partilha de si mesmo. O sentido destas palavras não é que o clérigo deva
desejar ter Deus como uma parte de sua herança e ter riquezas na outra parte, mas que do
fundo do seu coração deve desejar transferir todos seus bens para Deus, sua inteira herança,
ou seja, tudo que lhe pertencer neste mundo. Entre cálice e herança parece haver uma
diferença, que um cálice se relaciona a prazeres e delícias, e herança a riquezas e honras.
Ordenação de padres, realizada na diocese do Rio de Janeiro em 2010

Portanto, o sentido geral é este: ó Deus, meu Deus! a partir deste momento, quaisquer que
sejam as riquezas, prazeres ou outros bens temporais que possa desejar neste mundo, eu desejo
possuir em Ti somente, que isto seja suficiente para mim. E desde que não possa ter em
abundância bens espirituais neste mundo, o clérigo continua a oração: é o Senhor que irá
restaurar minha herança em mim. O qiue eu rejeitar e desprezar por Ti, ou der aos pobres, ou
perdoar meus devedores, Tu guardarás fielmente para mim, e me restituirá no tempo
apropriado, não em ouro corruptível, mas em Ti mesmo, que é a fonte inesgotável de todos os
bens.

Mas para que ninguém duvide de minhas palavras, vou acrescentar duas autoridades muito
maiores que a minha, São Jerônimo e São Bernardo. São Jerônimo, falando da vida clerical,
escreve: deixe um clérigo, que serve a Igreja de Cristo, explicar seu nome; sendo sua definição
conhecida, deve se dedicar a ser aquilo pelo qual é chamado: no grego é κληρικός - klērikos,
o que significa herança; por isso são chamados clérigos, seja por que escolhidos por Deus, ou
por que Deus é sua herança. Mas aquele que jurou ser Deus sua herança, deve conduzir a si
mesmo de tal modo que possua a Deus ou seja possuído por Ele.

E quem possuir a Deus e disser com o profeta "o Senhor é minha herança", não deve possuir a
nada além de Deus. Mas, se tiver algo além de Deus, o Senhor não será sua herança: se, por
exemplo, possuir ouro, prata, terra ou outros bens, o Senhor não será digno de estar junto com
estas coisas. Assim fala São Jerônimo, e se o lermos, encontraremos que grande perfeição é
necessária aos clérigos.

São Bernardo vem a seguir: não só ele aprova a linguagem de São Jerônimo, como algumas
vezes utiliza suas palavras, embora não mencione seu nome. Assim ele fala em seu longo sermão
sobre as palavras de São Pedro: Eis que deixamos tudo para te seguir (Mt 19,27). Um clérigo,
diz São Bernardo, que tenha qualquer coisa com o mundo, não terá herança no céu; se possuir
qualquer coisa além de Deus, o Senhor não estará em sua herança. E logo após, ele procede
declarando o que um clérigo pode reter de benefícios eclesiais. Não dar a propriedade do pobre
aos pobres, é o mesmo que um crime de sacrilégio: o que ministros e dispenseiros receberem
da propriedade de igreja, além de meras roupas e comida, é de uma crueldade sacrílega retirar
do patrimônio dos pobres. Assim, São Bernardo perfeitamente concorda com São Jerônimo.

A cerimônia de colocar o sobrepeliz branco prossegue, com estas palavras do apóstolo: revesti-
vos do homem novo, criado à imagem de Deus, em verdadeira justiça e santidade (Ef 4, 24).
Não é suficiente para clérigos não ter amores pelas riquezas; suas vidas devem ser inocentes e
sem mancha, porque são dedicados ao ministério do altar, no qual é imolado o Cordeiro sem
manchas. Revestir sobre o "homem novo" significa nada além de abandonar os caminhos do
velho Adão, que foi corrompido, e colocar-se nos caminhos do novo Adão, Cristo, que nasceu
da Virgem Maria, apontou um novo caminho de justiça e santidade na verdade, ou seja, não
apenas a justiça moral mas a também a mais perfeita e sobrenatural santidade, que Cristo
demonstrou em si mesmo, de acordo com São Pedro: Ele não cometeu pecado, nem se achou
falsidade em sua boca (1Pd 2,22). Que muitos clérigos possam ser encontrados, que tendo
vestido o sobrepeliz branco, possam demonstrar isto em sua vida e maneiras.

Outro ofício do clérigo é assistir com devoção, reverência e atenção ao Sacrifício Divina, na
qual o Cordeiro de Deus é diariamente sacrificado. Sei que vários piedosos clérigos na Igreja,
mas eu não apenas sei, mas muitas vezes presenciei, muitos ajudando no altar do Senhor, com
olhos de cobiça e conduta imprópria, como se o serviço fosse coisa normal e comum, e não o
mais sagrado e terrível! E talvez o clérigo não seja tanto quem deva ser culpado, mas ao padre
mesmo, que muitas vezes celebra a missa de maneira apressada e com pouca devoção.,
parecendo não estar cuidando do que está fazendo. Ouçamos o que diz São Crisóstomo sobre o
assunto: naquele instante anjos rodeavam o padre, e as criaturas celestiais cantavam alto, ao
redor do altar, em honra de Jesus que era imolado ali. Nisto nós podemos facilmente acreditar
quando consideramos a grandeza do sacrifício. São Gregório também escreveu no quarto livro
dos seus diálogos: "quem entre os fiéis pode hesitar em acreditar que no momento da imolação,
quando o padre pronuncia as palavras, os céus se abrem e os coros dos anjos descendem a
terra, as coisas celestiais se juntam às terrestres, visível e invisível?"

Se estas palavras forem seriamente consideradas, tanto pelo padre quanto o clérigo que o
ajuda, como podem agir da maneira que muitas vezes o fazem? Que espetáculo deplorável se
pudéssemos ver a celebração, o padre cercado por todos os lados de coros de anjos, que
permanecem em admiração e temor com o que está ocorrendo, cantandos cânticos espirituais;
e, ao centro, o padre, frio e estupidamente desatento com tudo, não entendendo o que diz; e
então ele apressa a missa, negligenciando cerimônias, de fato, sem saber o que está fazendo.
Enquanto isto, o clérigo olha para todos os lados, as vezes até conversa com alguém! Assim
Deus é encarnecido, assim as coisas mais sagradas desprezadas, assim este ato é oferecido aos
heréticos para zombaria.

E como isto não pode ser negado, advirto e exorto aos eclesiásticos que morram para o mundo,
vivam somente para Deus; não desejando riquezas em abundância, zelosamente perservando
sua inocência, e trabalhando nas coisas divinas com devoção, como deveriam, e incitando os
demais a fazer da mesma maneira. Assim eles irão ganahr grande confinaça com Deus e, ao
mesmo tempo, enchar a Igreja de Cristo com o bom odor de suas virtudes.

O Sacramento do Matrimônio
O sacramento do Matrimônio é o próximo, ele é uma instituição composta de duas: uma, como
um contrato civil por lei natural; outro, como um sacramento pela lei dos Evangelhos. De ambas
deverei falar brevemente, não em todos aspectos, mas somente naquilo que interessa para
viver de maneira justa, e, enfim, morrer de maneira correta. A primeira instituição foi feita
por Deus no paraíso, através destas palavras de Deus, não é bom que o homem esteja só(Gn
2,18), não pode ser propriamente compreendida, a menos que em relação com algum modo de
propagar a raça humana.
As bodas de Cana.

Santo Agustinho observa que de nenhuma maneira um homem necessita de uma mulher, exceto
para conceber e educar crianças; para todas as outras coisas, o homem precisa de mais ajuda
se companheiros fiéis do que mulheres. No entanto, logo após da mulher ser formada, inspirado
por Deus, Adão exclamou: o homem deixe o seu pai e sua mãe para se unir à sua mulher (Gn
2,24); e estas palavras do Evangelho segundo São Mateus: não lestes que o Criador, no começo,
fez o homem e a mulher e disse: Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe e se unirá à sua
mulher; e os dois formarão uma só carne? Assim, já não são dois, mas uma só carne. Portanto,
não separe o homem o que Deus uniu. (Mt 9, 4-6). Nosso Senhor atribui estas palavras à Deus,
por que Adão falou não como se fossem vindas dele mesmo, mas por divina inspiração. Esta foi
a primeira instituição do Matrimônio.

Outra instituição, ou melhor, exaltação do matrimônio à dignidade de sacramento, é


encontrada na Epístola de Sào Paulo aos Efésios: por isso, o homem deixará pai e mãe e se
unirá à sua mulher, e os dois constituirão uma só carne. Este mistério é grande, quero dizer,
com referência a Cristo e à Igreja (Ef 5,31-32). Que o matrimônio é um verdadeiro sacramento,
Santo Agostinho prova no livro O Bom Marido: "Nos nossos casamentos, mais importante é a
santidade do sacramento que a fecundidade.", e no capítulo seguinte, repete "em todas as
nações e povos, a vantagem do casamento consiste em ser o meio apropriado para nascer
crianças na fé e castidade, e, no que diz respeito ao povo de Deus, nisto também consiste a
santidade do casamento". E, em outro livro, afirma "na cidade do Senhor e em seu Santo Monte,
isto é, na sua Igreja, casamento não é apenas uma união, é também considerado um
sacramento". Mas neste ponto não é necessário dizer mais. Trata-se do que explicarei, como
homens e mulheres unidos em matrimônio devem viver, e como podem morrer um boa morte.

Três bençãos são frutos do matrimônio, das quais podemos fazer bom uso: crianças, fidelidade
e a graça do sacramento. A geração de filhos, junto com uma educação apropriada, deve ser
mantida em vista, se queremos fazer bom uso do casamento; ao contrário, comete grave
pecado, quem busca os prazeres da carne. Onan, um dos filhos do patriarca Juda, é
severamente advertido nas Escrituras por não se lembrar disto, por ter abusado, não utilizado,
o sagrado sacramento (cf. Gn 38).

Mas algumas vezes pode ocorrer que pessoas casadas sintam-se oprimidas pelo número de seus
filhos, pois pela pobreza não podem facilmentemente criar, há um remédio agradável a Deus:
por consenso mútuo separar-se de seu leito matrimonial e gastar seus dias em orações e jejuns.
Pois isto é agradável a Deus, pessoas casadas envelhecerem na virgindade, seguindo o exemplo
de Nossa Senhora e São José. Porque desagradaria a Deus se pessoas casadas não vivessem
reunidas como homem e mulher, por consenso mútuo, para que possam dispender suas vidas
em orações e jejuns?

De novo: é mais grave pecado para pessoas unidas em matrimônio e abençoadas com filhos,
neglicenciar a piedosa educação ou aquelas coisas necessárias à sua vida. Neste ponto, nós
temos muitos exemplos, tanto na história sagrada quanto profana. Mas como desejo ser conciso,
satisfaço-me somente com o livro dos Reis: naquele dia cumprirei contra Heli todas as ameaças
que pronunciei contra a sua casa. Começarei e irei até o fim. Anunciei-lhe que eu condenaria
para sempre a sua família, por causa dos crimes que ele sabia que os seus filhos cometiam, e
não os corrigiu. Por isso jurei à casa de Heli que a sua culpa jamais seria expiada, nem com
sacrifícios nem com oblações. (1Sm 3,12-14). Estas ameaças Deus rapidamente cumpriu: os
filhos de Heli foram mortos em batalha e Heli caiu de seu trono, quebrou o pescoço e morreu
miseravelmente. Portanto, se Heli, em outros assuntos um homem justo e juiz correto de seu
povo, morreu com seus filhos por que não quis educá-los, e não os castigou quando se tornaram
ímpios; o que ocorrerá com aqueles que, não apenas não educam se filhos adequadamente,
mas também através de seu mau exemplo encoraja-os a pecarem? Verdadeiramente, ele não
podem esperar nada além de uma morte horrível, para si mesmos e seus filhos, exceto se
arrependam a tempo e façam penitência adequada.

Outra benção, a mais nobre, é a graça do sacramento, que Deus mesmo coloca no coração de
pessoas piedosas, desde que o casamento tenha sido devidamente celebrado, e os noivos
estejam bem dispostos e preparados. Esta graça, para não mencionar outras bençãos que o
acompanham, ajuda de uma maneira maravilhosa a produzir o amor e paz entre pessoas
casadas, mesmo que as diferentes personalidades e hábitos de cada um sejam capazes de
produzir discórdia. Mas, acima de todas as coisas, imitar a união de Cristo com a Igreja faz o
casamento mais suave e abençoado. Disto fala o Apóstolo na Epístola aos Efésios: maridos, amai
as vossas mulheres, como Cristo amou a Igreja e se entregou por ela, para santificá-la,
purificando-a pela água do batismo com a palavra, para apresentá-la a si mesmo toda gloriosa,
sem mácula, sem ruga, sem qualquer outro defeito semelhante, mas santa e irrepreensível (Ef
5, 25-27).

O apóstolo também adverte às mulheres, dizendo: as mulheres sejam submissas a seus maridos,
como ao Senhor, pois o marido é o chefe da mulher, como Cristo é o chefe da Igreja, seu corpo,
da qual ele é o Salvador. Ora, assim como a Igreja é submissa a Cristo, assim também o sejam
em tudo as mulheres a seus maridos (Ef 5,22-24). O apóstolo conclui: o que importa é que cada
um de vós ame a sua mulher como a si mesmo, e a mulher respeite o seu marido (Ef 5, 25-27).
Se estas palavras do Apóstolo forem diligentemente consideradas, os casamentos serão
abençoados na terra e nos céus.

Agora explicaremos brevemente o significado das palavras de São Paulo. Primeiro, ele exorta
aos maridos que amem suas esposas, como Cristo atem ama sua Igreja . Cristo certamente ama
Sua igreja com o amor da amizade, não com o amor da concupiscência; ele procura o bem da
sua Igreja, a segurança de sua Igreja, e para seu próprio interesse. Portanto, não ama sua
esposa que conta com sua beleza, deixa-se cativar pelo seu amor a ela, ou considera suas
riquezas e herança, pois ama a outras coisas, não sua esposa, desejando satisfazer sua
concupiscência pela carne ou por outros objetos, o que chama-se avareza. Assim Salomão, sábio
no início do reinado, mas ímpio ao final, amou suas esposas e comcubinas, não com o amor da
amizade, mas com concupiscência; desejando não o benefício delas, mas satisfazer-se na carne,
ficando cego, ele não hesitou em sacrificar a deuses estrangeiros, para que não perdesse a
nenhuma de suas amantes.

Que Cristo em seu casamento coma Igreja, pensa não em si mesmo, seu prazer ou usofruto,
mas no bem da sua esposa, é evidente nestas palavras: Cristo amou a Igreja e se entregou por
ela, para santificá-la, purificando-a pela água do batismo com a palavra (Ef 5,26-27). Isto é
perfeita e verdadeira caridade, entregar-se a punição e sofrimento, em favor do bem-estar
eterno da Igreja sua esposa. Mas não apenas Ele amou sua Igreja com amor perfeito, sem
concupiscência, não apenas por um tempo, mas com amor perpétuo
Como nunca abandonou sua natureza humana, Ele reuniu sua esposa consigo, em um casamento
indissolúvel. Amo-te com eterno amor, e por isso a ti estendi o meu favor (Jr 31,3), diz o
Profeta Jeremias. Por esta razão o casamento é indissolúvel para os cristãos, por que é um
casamento que simboliza a união de Cristo com sua Igreja; ainda que o casamento entre pagãos
e judeus possa ser dissolvida em certas circunstâncias.
O mesmo apóstolo ensina que as mulheres devem estas sujeitas aos seus maridos, como a Igreja
está sujeita a Cristo. Jezebel não observou este preceito, pois ela deseja comandar seu marido,
ela perdeu a ambos, juntos com seus filhos (1Re 16 - 1Re22; 2Re 9-10).

E ainda que não hajam muitas mulheres que desejem liderar seus maridos, mas talvez a culpa
seja dos homens que não sabem manter a sua superioridade. Sara, mulher de Abraão, estava
sujeita seu marido, ela assim dizia sobre ele: velha como sou, ... o meu senhor também é já
entrado em anos (Gn 18, 12). E esta obediência de Sara, São Pedro em sua primeira Epístola
aprecia: era assim que outrora se ornavam as santas mulheres que esperavam em Deus; eram
submissas a seus maridos, como Sara que obedecia a Abraão, chamando-o de senhor (IPe 3, 5-
6). Pode soar estranho, que os santos apóstolos Pedro e Paulo continuamente exortem os
maridos a amar suas esposas, e as esposas a temer seus maridos; mas se elas devem ser sujeitas
a eles, não devem elas também amá-los? Uma esposa deve amar seu marido e ser amada por
ele. Mas elas devem amá-los com medo e reverência, tal que seu amor não previna o medo, de
outra maneira ela pode tornar-se uma tirana. Dalila enganou seu marido Sansão, embora fosse
ele um homem forte, não como um homem, mas como escravo (Jz 13-16).

E no livro de Esdras é relatado que o rei, sendo cativo do amor a sua comcubina, fez ela sentar-
se a sua direita, mas ela se apoderou se sua coroa e coloco-a sobre a própria cabeça e feriu o
rei. Portanto, não devemos ficar surpresos que o Senhor Todo Poderoso tenha dito a primeira
mulher: teus desejos te impelirão para o teu marido e tu estarás sob o seu domínio (Gn 3,16).
Ao marido é necessário ter sabedoria para amar e, ao mesmo tempo, ordenar sua esposa;
admoestá-la e ensiná-la; e, se necessário, até mesmo cirrigi-la. Temos como exemplo Santa
Mônica, mãe de Santo Agostinho. Seu marido era um homem cruel e pagão, mas ainda assim
ela mantevesse com ele piedosa e prudentemente, sempre o amou, e, ao final, converteu-o a
Deus.

O Sacramento da Extrema Unção - parte 1


Agora resta apenas falar do último sacramento, a Extrema Unção. Deste podem ser derivadas
muitas lições úteis, não apenas para nossa última hora, mas para todo curso da nossa vida, uma
vez que neste sacramento são ungidas as partes do corpo nas quais os cinco sentidos residem,
e ao ungir cada uma delas é dito: "Que o Senhor perdoe todos os pecados que tiveres cometido
pela visão (ou audição, etc...)". Por aí vemos que os cinco sentidos são cinco portas abertas
para todo tipo de pecado penetrar em nossa alma. Se pudermos cuidadosamente guardar estas
portas, evitaremos uma multidão de pecados, e estaremos vivendo de maneira justa, e também
morreremos de maneira justa.

Agora faleremos rapidamente sobre como guardar estas cinco portas. Que os olhos são uma
porta contra os pecados da castidade, nosso Salvador nos ensina quando diz: Eu, porém, vos
digo: todo aquele que lançar um olhar de cobiça para uma mulher, já adulterou com ela em
seu coração. Se teu olho direito é para ti causa de queda, arranca-o e lança-o longe de ti,
porque te é preferível perder-se um só dos teus membros, a que o teu corpo todo seja lançado
na geena(Mt 5,28-29). Sabemos que um homem velho ao ver Susana nua, foi imediatamente
inflamado com maus desejos de luxúria e, em consequencia, teve uma morte miserável.
Também sabemos que Davi, um amigo especial para Deus, ao ver Bersabéia tomando banho,
caiu em adultério, e daí assassinato e outros inumeráveis pecados.
O Rei Davi olhando a nudez de Bersabéia.

A razão convence-nos desta verdade; a beleza das mulheres compele, de certa maneira, um
homem a amar uma mulher; e a beleza de um homem compele a mulher a amá-lo; e este amor
não descansa enquanto não se transformar em algo carnal, do qual deriva a concupisciência e
o pecado original. Este mal o apóstolo deplora, quando diz: sinto, porém, nos meus membros
outra lei, que luta contra a lei do meu espírito e me prende à lei do pecado, que está nos meus
membros. Homem infeliz que sou! Quem me livrará deste corpo que me acarreta a morte? (Rm
7,23-24).

Qual o remédio contra tão grave tentação? O remédio é rápido e fácil, com a assistência de
Deus, se desejar fazer uso dele. Santo Agostinho menciona-o numa epístola aos monjes: "se
teus olhos se fixarem em alguém, fixe-os no nada". Um simples olhar é quase impossível de
evitar, mas ele não pode atingir o coração, exceto se ele continuar fixo no objeto. Portanto,
se por eventualidade colocarmos os olhos sobre uma, e então movermos o olhar rapidamente,
não haverá perigo para nós; pois, como observa Santo Agostinho, não é num instante, mas no
contemplar uma mulher, que reside o perigo. Jó diz: Eu havia feito um pacto com meus olhos:
não desejaria olhar nunca para uma virgem (Jó 31,1). Ele não diz: "eu fiz um pacto de não olhar
uma mulher" mas sim "não desejar olhar; ou seja, eu não olharei muito tempo para uma virgem,
por tanto tempo que a luxúria invada meu coração, eu comece a pensar na sua beleza, e
gradualmente a desejar falar com ela, e então abraçá-la. Ele então dá a melhor razão que um
homem santo pode dar: Que parte me daria Deus lá do alto, que sorte o Todo-poderoso me
enviaria dos céus? (Jó 31,2). Como se ele dissesse: Deus é minha herança e felicidade, meu
maior bem, que nada mais excelente pode alguém imaginar; mas Deus ama somente a caridade
e a justiça. Tem este mesmo propósito as palavras de Nosso Senhor: Se teu olho te leva ao
pecado, arranca-o e lança-o longe de ti (Mt 18,9). Ou seja, utiliza-o como se não fosse teu e
acostume seu olhos a evitar objetos que te levem a pecar, como se tu fosse cego. Agora,
aqueles que forem desde a juventude cuidadosos a este respeito, não encontrarão dificuldade
em evitar outros vícios; mas quem não for atento, terá dificuldade; embora pela graça de Deus,
Ele possa transformar nossa vida e evitarmos os maiores perigos.

Talvez alguém pergunte: por que Deus criou homens e mulheres tão belos, se ele não deseja
que os olhemos e admiremos? A resposta é simples: Deus criou o homem e mulher para o
casamento, como Ele falou desde o princípio: Não é bom que o homem esteja só; vou dar-lhe
uma ajuda que lhe seja adequada (Gn 2,18). O homem não requer a ajuda da mulher, exceto
para conceber e criar as crianças, como já demonstramos a partir das palavras de Santo
Agostinho. Mas um homem e sua esposa não concordariam facilmente, nem estariam dispostos
a viver juntos, se não houver uma certa beleza a atrair e iniciar o amor. A mulher foi feita bela
para amar seu marido, ela não pode ser amada de forma carnal por outros; como diz a lei: não
cobiçarás a mulher do teu próximo (Ex 20,18); e aos maridos, o apóstolo fala: Maridos, amai
as vossas mulheres (Ef 5,25).

Há muitas coisas boas e bonitas que podem ser desejadas, mas não por todas as pessoas. Carne
e vinho são boas para a saude, mas nem sempre são adequadas para os doentes. Da mesma
maneira, após a ressurreição, a beleza de um homem e uma mulher podem ser admiradas por
nós, desde que não tenhamos pensamentos concupiscientes. Ninguém ficaria surpreso de ser
permitido admirar a beleza do Sol, Lua, estrelas e flores, desde que não tenha pensamentos
indevidos. Da mesma forma, não é permitido ter prazer olhando homens e mulheres bonitas,
por que a visão pode aumentar ou nutrir pensamentos carnais indevidos.

O Sacramento da Extrema Unção - parte 2


Após o sentido da visão, temos a audição, que não deve ser guardado com menos atenção e
diligência. E com os ouvidos, a língua também deve ser guardada, pois é o instrumento da fala:
pois as palavras, boas ou más, não são ouvidas exceto após serem pronunciadas utilizando a
língua. E esta, se não for cuidadosamente guardada, é a causa de muitos males, como diz São
Tiago: Assim também a língua é um pequeno membro, mas pode gloriar-se de grandes coisas.
Considerai como uma pequena chama pode incendiar uma grande floresta. Também a língua é
um fogo, um mundo de iniqüidades (Tg 3,5).

Nesta passagem o apóstolo nos ensina três coisas: primeiro, que guardar a língua
cuidadosamente é algo muito difícil; por isso muito poucos, senão apenas os perfeitos, podem
efetivamente fazê-lo; segundo, que de uma língua má, as maiores injurias e maldades podem
surgir em um curto período de tempo. Isto é explicado pela comparação com uma fagulha, que
se não for imediatamente extinta, pode consumir a floresta inteira. Assim, uma palavra
descuidada, pode provocar suspeitas de outras culpas, de onde podem surgir disputas, brigas,
homicídios e a ruína de famílias. São Tiago, em verdade, ensina que a língua não é meramente
algo ruim por si mesma, mas ela pode incluir uma multitude de problemas; ele até mesmo a
chama de "mundo de iniquidades". Isto por que quase todos os crimes, como adultérios e
assaltos, são planejados utilizando a língua; outros como perjúrios e falsos testemunhos, são
perpetrados pela língua; e todos são defendidos, através de desculpas rotas ou falsas, também
pela língua.

Assim, a língua pode ser chamada de "mundo de iniquidades", por que através dela muitos
pecados contra Deus são cometidos, por blasfêmia e perjúrio; contra o próximo, por difamação
e fofoca; e contra si mesmo, mentindo sobre boas obras que de fato não tenha realizado.

Em acréscimo ao testemunho de São Tiago, lembro o profeta Davi: Senhor, livrai minha alma
dos lábios mentirosos e da língua pérfida (Sl 119,2). Se este rei tinha medo de uma língua
pérfida e mentirosa, o que podem pessoas comuns fazer; e pior ainda, e se forem pessoas
pobres, fracas e obscuras? Davi ainda diz: Que ganharás, qual será teu proveito, ó língua
pérfida? (Sl 119,3) As palavras são obscuras devido a peculiaridade da estrutura da língua
hebraica, mas o sentido parece ser este: não é sem sentido que eu temo uma língua pérfida e
mentirosa, por que ela pode causar grande mal, de tal modo que nenhuma outra maldade pode
ser acrescida. Davi continua: Flechas agudas de guerreiro, carvões ardentes de giesta (Sl
119,4). Nestas palavras, em elegante comparação, ele define quão grande mal uma língua pode
ser, como uma flecha pontiaguda ns mãos de um guerreiro. Flechas são atiradas à distância, e
com uma velocidade tão grande que é dificil desviar. E com tais flechas a língua é comparada,
e dita que são enviadas por um forte guerreiro. E também, estas flechas são afiadas, ou seja,
foram trabalho das mãos de um trabalhador hábil e dedicado. A língua é como um carvão
ardente, com poder para queimar tudo, mesmo o que é forte. Portanto, uma língua pérfida e
mentirosa é mais perigosa do que as flechas feitas pelo homem; em verdade, lembram as
flechas enviadas pelo céu, raios aos quais ninguém pode resistir. Esta descrição de Davi, de
uma língua pérfida e mentirosa, é tal que nenhum mal pode ser maior.
Para que esta verdade possa ser claramente compreendida, menciono dois exemplos da
Escritura. O primeiro, a perfídia de Doeg, que acusou o sacerdote Aquimelec de ter conspirado
com Davi para atingir o Rei Saul (1Sm 22). Era uma calunia e impostura. Mas como Saul, naquele
tempo, estava perseguindo Davi, facilmente acreditou em Doeg e ordenou matar
imediatamente não apenas Aquimelec, mas todos os outros sacerdotes, oitenta e cinco que não
haviam cometido uma única ofensa ao rei. E Saul, não contente com esta matança, ordenou
que fossem mortos também todos moradores da cidade de Nobe; e não apenas estendeu sua
crueldade contra homens e mulheres, também às crianças, bebês e animais. Da língua pérfida
de Doeg, é provável que seja sobre ela que Davi fala no Salmo 119. Deste exemplo podemos
ver como pode ser produtiva para o mal uma língua pérfida e mentirosa.

Outro exemplo é do Evangelho segundo São Marcos: quando a filha de Herodíades dançou em
frente a Herodes Tetrarca e sua corte, ela ganhou seus favores de tal modo que ele jurou em
frente a todos que lhe daria o que pedisse, mesmo que fosse metade do seu reino. Mas a filha
se aconselhou com a mãe, e esta lhe disse para pedir a cabeça de São João Batista. Feito o
pedido, a cabeça logo lhe foi entregue em uma bandeja.

A cabeça de São João Batista é entregue em uma bandeja.


Quantos crimes cometidos! A mãe pecou mais gravemente, pedindo a mais injusta coisa;
Herodes pecou não menos gravemente, ao ordenar a morte de um homem inocente, que era o
precursor de Jesus e mais que um simples profeta; sem que sua causa fosse ouvida, sem
julgamento, o pedido de uma menina foi atendido durante um banquete festivo. Pouco tempo
após, Herodes foi removido do seu governo pelo imperador romano, enviado para um perpétuo
banimento. Aquele que jurou dar metade do seu reino, trocou aquele reino pelo banimento.
Josefus menciona que a filha de Herodíades, cuja dança causou a morte de São João Batista,
ao cruzar uma área congelada, o gelo quebrou sob seu peso e ela caiu com todo seu corpo, mas
sua cabeça foi separada do corpo, rolando pelo gelo. Assim todos puderam ver a causa de tão
miserável morte. Herodíades morreu pouco depois pela tristeza e a seguiu nos tormentos do
inferno. Nicéforo Calisto Xantópulo relata os detalhes desta tragédia no seu livro História
Eclesiástica, confirmando os crimes e punições que seguiram o juramento bobo do Tetrarca.

Agora mencionaremos os remédios que um homem prudente deve usar para evitar os pecados
da língua. O Rei Davi, no início do Salmo 38, fala: Velarei sobre os meus atos, para não mais
pecar com a língua (Sl 38,1). Isto significa que seu eu desejo me guardar dos pecados da língua,
devo estar atento aos meus atos; pois não devo falar, nem pensar, nem fazer nada, sem antes
examinar e pesar o que farei e direi.

Estes é o caminho pelo qual um homem deve caminhar em sua vida, que é o remédio contra
más palavras, e não apenas contra elas, mas também contra más ações, pensamentos e desejos:
é pensar antes o que fará, falará ou desejará. Isto define o caráter de um homem: não fazer
nada de modo precipitado, mas sempre considerar o que deve ser feito, e se isto concordar
com a razão, realizá-lo; se não concordar, deixar de fazê-lo. Assim como as ações devem ser
pensadas, também as palavras, desejos e outras ações de uma inteligência. Mas se alguém não
puder considerar previamente suas ações e palavras, certamente não é um homem prudente,
desejoso da salvação eterna. Um homem que a cada manhã, todos os dias, antes de procurar
seus negócios e interesses, se aproxima do seu Deus em oração e suplica para que Ele direcione
suas decisões, ações, desejos e pensamentos para a grande glória de Deus e salvação de sua
alma. E, ao final do dia, antes de repousar, o homem deve examinar sua consciência e perguntar
se acaso ofendeu a Deus em pensamentos, palavras ou atos; e caso encontre máculas,
especialmente pecados mortais, não deve fechar seus olhos antes de reconciliar-se com Deus e
consigo, verdadeiramente arrepender-se, e fazer firme resolução de guardar seus modos e não
cometer os mesmos pecados no dia seguinte.

Sobre o sentido da audição, algumas observações devem ser feitas. Quando uma língua é
controlada pela razão, impedindo-a de falar palavras vãs, nada deve ofender o sentido da
audição. Há quatro tipos de palavras, em especial, contras as quais nossa audição deve manter-
se fechada, pois através de más palavras o pecado pode entrar no coração e corrompê-lo.

Por primeiro, as palavras contra a fé, que a curiosidade muitas vezes ouve com prazer: e se
estas penetram no coração, retiram daí a fé, a raiz e o início de todas as boas ações. Nenhuma
das palavras dos infiéis é mais perniciosa que aquelas que negam, seja a providência divina ou
a imortalidade da alma. Estas afirmações tornam o homem não apenas herético, mas ateístas,
abrindo a porta para todo tipo de maldades.

Outra classe de palavras é a difamação, muito ouvidas por todos, mas que destroem a caridade
fraternal. Davi, que era um homem de acordo com a vontade de Deus, diz nos Salmos: Em
resposta ao meu afeto me acusaram. Eu, porém, orava (Sl 108,4). E como a difamação é muitas
vezes ouvida na mesa de refeições, Santo Agostinho mandou gravar estes versos sobre a mesa
da sala de jantar:

"Quisquis amat dictis absentftm rodero vitam,


Hanc mensam iiidignam noverit esse sibi."

"Esta mesa não é lugar para detratores,


cuja língua ama os ausentes para causar desgraças".

A terceira espécie de palavras más consiste em bajulação, agradavelmente ouvidas pelos


homens; e produzem orgulho e vaidade, a última delas é a rainha de todos os vícios e muito
detestada por Deus.

O quarto tipo são aquelas palavras indecentes e canções lascivas; para os amantes deste mundo
nada é mais doce, embora nada possa ser mais perigoso, que tais palavras e canções. Canções
lascivas são como os cantos das sereias, que encantam os homens, os mergulham no mar e
devoram-nos.

Contra todos estes perigos há um remédio salutar. Homens, quando na presença de pessoas que
nunca tenham visto antes, ou que não lhe sejam familiares, não tenham a ousadia de difamar
o próximo, utilizar palavras heréticas, bajuladoras ou expressões lascivas. Salomão, no início
do Livro dos Provérbios, expressa assim este preceito: Ouve, meu filho, a instrução de teu pai:
Meu filho, se pecadores te quiserem seduzir, não consintas; se te disserem: Vem conosco,
faremos emboscadas, para (derramar) sangue, armaremos ciladas ao inocente, sem motivo,
como a região dos mortos devoremo-lo vivo, inteiro, como aquele que desce à cova. Nós
acharemos toda a sorte de coisas preciosas, nós encheremos nossas casas de despojos. Tu
desfrutarás tua parte conosco, uma só será a bolsa comum de todos nós! Oh, não andes com
eles, afasta teus passos de suas sendas, porque seus passos se dirigem para o mal, e se apressam
a derramar sangue. Eles mesmos armam emboscadas contra seu próprio sangue e se enganam
a si mesmos (Pv 1,8.10-16.18). Este conselho os homens sábios seguem para manter o sentido
da audição longe de palavras corruptas; especialmente se estas palavras do Nosso Senhor forem
acrescentadas: os inimigos do homem serão as pessoas de sua própria casa (Mt 10,36).
O Sacramento da Extrema Unção - parte 3
O terceiro sentido é o olfato, do qual não há nada a ser dito, pois os odores possuem pouco
poder para corromper a alma; e os odores das flores são inofensivos.

Eu agora chego ao quarto sentido, o sentido do paladar. Os pecados que entram na alma e a
corrompem através desta porta, são dois grandes: glutonia e bebedeira, e todos os pecados que
os seguem. Contra estes dois vícios, temos a admoestação de Nosso Senhor no Evangelho
segundo São Lucas: Velai sobre vós mesmos, para que os vossos corações não se tornem pesados
com o excesso do comer, com a embriaguez e com as preocupações da vida (Lc 21, 34). Outra
admoestação é feita por São Paulo, na Epístola aos Romanos: Comportemo-nos honestamente,
como em pleno dia: nada de orgias, nada de bebedeira (Rm 13,13). Estes dois pecados são
listados nas Sagradas Escrituras junto com outros crimes graves, como menciona São Paulo: Ora,
as obras da carne são estas: fornicação, impureza, libertinagem, idolatria, superstição,
inimizades, brigas, ciúmes, ódio, ambição, discórdias, partidos, invejas, bebedeiras, orgias e
outras coisas semelhantes. Dessas coisas vos previno, como já vos preveni: os que as praticarem
não herdarão o Reino de Deus! (Gl 5, 19-21)

Mas este não é a única punição para tais pecados: ele não apenas matam a alma, como também
a tornam totalmente incapaz de contemplar os assuntos divinos. Isto nos ensina o Salvador; e
São Basílio em seu sermão sobre o jejum utiliza duas comparações muito interessantes.

A primeira utiliza o Sol e seus efeitos: "Como aqueles vapores que podemos ver em pântanos e
lugares úmidos, cobrem os céus com nuvens e não permitem os raios do Sol nos alcançarem, da
mesma forma glutonaria e bebedeira, como a fumaça, obscurecem nossa razão e privam-nos
dos raios da luz divina." A outra comparação baseia-se em abelhas e fumaça: "as abelhas são
expulsas de suas colméias com fumaça, assim a sabedoria de Deus é expulsa por orgias e
bebedeiras; e a sabedoria é como uma abelha em nossas alma, produzindo o mel da virtude,
da graça e toda consolação divina."

Além do mais, bebedeiras prejudicam a saúde do corpo. Um doutor chamado Antífanes,


profissional muito capacitado, afirmou, como Clemente de Alexandria nos informa em seu livro
"Pedagogus", que a causa de quase todas as doenças era muita comida ou muita bebida. Por
outro lado, São Basílio nos conta ter pensado que "abstinência" era sinônimo de saúde. E, no
entanto, médicos recomendam aos pacientes se abster de carne e vinho para restaurar a saúde
de um corpo.

Bebedeiras e orgias não apenas afetam a saúde da alma e do corpo, mas também nossos
interesses domésticos: quantos homens ricos tornaram-se pobres, quantos mestres tornaram-
se servos, e todos pelas bebedeiras! Este vício também priva muitos pobres de enriquecerem;
pois aqueles que não se contentam em ser moderados com a comida e bebida, facilmente
gastam todos seus bens com os próprios prazeres, pois nada resta para outras necessidades.
Assim, as palavras do Apóstolo se cumprem: enquanto uns têm fome, outros se fartam (1Cor
11,21).

Agora mencionarei alguns remédios. O exemplo dos santos nos serve como um remédio contra
estes pecados. Omito eremitas e monges que São Jerônimo menciona em sua Carta para
Eustóquio: ele conta que qualquer coisa "cozida" era considerada luxúria. Eu não vou alongar-
me em Santo Ambrósio que, segundo contado por seus contemporâneos, jejuava todos os dias
exceto Domingos e festas solenes. Não vou falar de Santo Agostinho, que usava apenas ervas e
legumes para alimentar-se, e tinha refeições somente com estrangeiros e convidados. Mas se
atentamente considerarmos como o Senhor de todas as coisas agiu em relação a si mesmo,
como no deserto alimentou uma multidão com muito pouco, deveríamos, sem dúvida, termos
sobriedade.

Deus, o todo-poderoso, o mais sábio, o mais generoso, que podia e desejava oferecer o melhor
para seu amado povo, por quarenta anos os alimentou somente com maná e água de uma rocha.
Maná era uma comida não muito diferente de farinha misturada com mel, com relata o livro do
êxodo. Prestemos atenção em como Deus alimentou seu povo: sua comida, bolo; sua bebida,
água; e eles continauram com boa saúde, até ele clamarem por carne.
Mosaico na Igreja da Multiplicação dos Pães, localizada
nas proximidades do local em que o milagre foi realizado,
em Tabga, ao norte do Mar da Galiléia.

Cristo Jesus, o Filho de Deus, seguiu o exemplo de seu Pai, no qual estão todos os tesouros de
sabedoria e conhecimento, quando alimentou milhares do seu povo, colocou a frente deles
somente alguns pães e peixes, além de água para beber. E não apenas quando nosso Salvador
estava conosco, mas também após a sua Ressurreição, quando encontrou seus discípulos a beira-
mar, dividiu com eles pão e peixe, de maneira muito frugal.

Quão diferentes são as maneiras de Deus das maneiras dos homens. O Rei dos Céus rejubila na
simplicidade e sobriedade, é solícito para alimentar, enriquecer e animar a alma. Mas os
homens preferem a concupiciência do inimigo de Deus. Assim, podemos dizer com o apóstolo,
que o deus do homem carnal é sua barriga.

O Sacramento da Extrema Unção - parte 4


O sentido do toque é o próximo, dos cinco sentidos é mais vivo e carnal, pelo qual muitos
pecados entram na própria alma e na de outras pessoas. Sobre os pecados da carne, São Paulo
fala: Ora, as obras da carne são estas: fornicação, impureza, libertinagem, ... (Gl 5,19). Por
estas três palavras o apóstolo inclui todos os tipos de impurezas. Nem há necessidade de
aprofundar-se sobre o tamanho destes pecados, dos quais os fiéis devem se manter distantes e
cujos nomes nem devem ser ouvidos entre eles. São Paulo assim escreveu na Epístola aos
Efésios: Quanto à fornicação, à impureza, sob qualquer forma, ou à avareza, que disto nem se
faça menção entre vós, como convém a santos (Ef 5,3).

De novo, contra estes crimes, o que segue parece-me ser excelentes remédios, e como tais,
são remendados por médicos para curar seus pacientes. Primeiro, os doentes devem jejuar e
se abster de carne ou vinho. Da mesma forma, todos devem fazer o mesmo com relação à
luxúria, abster-se de comer e beber em excesso.

Assim o apóstolo aconselha Timóteo: Não continues a beber só água, mas toma também um
pouco de vinho, por causa do teu estômago e das tuas freqüentes indisposições (1Tm 5,23). Ou
seja, tome vinho para ajudar com os problemas de estômago, mas apenas moderamente para
evitar bebedeiras, pois muito vinho é luxúria. Também, médicos receitam remédios amargos,
fazem incisões, tirar sangue, e outros atos dolorosos por natureza. Os santos repetem os
apóstolos: Ao contrário, castigo o meu corpo e o mantenho em servidão, de medo de vir eu
mesmo a ser excluído depois de eu ter pregado aos outros (1Cor 9,27). Já os mais antigos
eremitas e anacoretas mantinham uma vida oposta aos prazeres e deleites da carne, em jejuns
e vigílias, deitando-se no chão, vestidos de sacos. Assim faziam para não acostumar o corpo às
delicias e concupiciências da carne.
Jesus Cristo, o filho do carpinteiro

Menciono um exemplos entre muitos. São Jerônimo menciona ao narrar a vida de Santo Hilário,
que este ao sentir-se tentado com pensamentos impuros, dizia para seu corpo: "não deixarei
fortalecer-se, nem alimentar-se com milho, mas apenas com palha; te farei sentir fome e sede,
carregar pesos, acostumar ao calor e frio, para que pense mais em simples alimentos e menos
em prazeres". Para fortalecer o corpo, médicos indicam caminhadas, jogar bola ou qualquer
atividade física semelhante. Para fortalecer a alma, mantê-la saudável, se desejamos salvar
nossa alma, gastar mais tempo todos os dias meditando os mistérios da redenção ou outros
assuntos piedosos. Se não conseguimos nos concentrar nestas meditações, podemos ler as
Sagradas Escrituras, as vidas de santos ou outros livros semelhantes.

Em suma, um poderoso remédio contra as tentações da carne e todos os pecados da impureza,


é afastar-se das fraquezas, pois ninguém é mais exposto a tais tentações que os desocupados,
que passam o tempo a fofocar, observar outros de suas janelas ou conversando com seus amigos.
Ao contrário, ninguém é mais livre de tais tentações que os trabalhadores que passam o dia em
trabalhos braçais ou outras artes.

Para nosso exemplo, o Salvador nasceu em uma família pobre, que dependia do seu próprio
trabalho para alimentar-se, e antes de começar sua missão, era chamado de filho do
carpinteiro, a quem ele ajudava. De Cristo foi dito: Não é ele o carpinteiro, o filho de
Maria? (Mc 6,3) E posso acrescentar, que os trabalhadores podem se dar por satisfeitos uma vez
que a sabedoria de Deus escolheu para Si, Sua mãe e Seu pai esta situação; não porque
precisassem de tais remédios, mas para nos advertir sobre os perigos da ociosidade, se
quisermos evitar muitos pecados.

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