Death in the New World: cross-cultural encounters, 1492-
1800. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2010.
O recente livro do historiador estadunidense Erik R. Seeman pode servir
igualmente como base para produções historiográficas locais e para a perspectivas mais Atlânticas de estudos culturais na história. O foco principal do autor é o estudo de encontros culturais na América em situações de morte: enterramentos e funerais. O historiador seleciona grupos culturais que povoaram o continente e, com suas práticas, produziram impacto na cultura dos outros com os quais tiveram contato e na formação cultural das nações americanas que se estabeleceram após o século XVIII. Os encontros interculturais, entre europeus, americanos e africanos, são o principal foco do autor no longo escopo com o qual ele se compromete. Claramente influenciado pela história Atlântica, Seeman se utiliza de recursos de organização de capítulos, que ao mesmo tempo dão continuidade temporal e formam um retrato que permite ao leitor afirmar: a História da atitudes diante da morte foi afetada pelos encontros entre os grupos culturais indígenas, africanos, judeus e cristãos. As consequências específicas a longo prazo para alguns episódios relatados, como a chegada dos holandeses ao nordeste brasileiro, ainda necessitam de mais profundo estudo. Entretanto, a escolha do autor por estudos de casos específicos de encontros culturais no tempo é justificada na medida que sua escolha por um recorte espaço-temporal é longo – América, 1492 a 1800 –, e seu argumento mais parece querer provocar do que definir. Ideias como Alteridade e Identificação são lembradas na introdução e trabalhadas ao longo da obra, enquanto os encontros são narrados. Death in the New World é dividido em oito capítulos, o primeiro dedicado ao que se sabe sobre as práticas culturais relacionadas a morte, antes da ocorrência dos encontros gerados pelas navegações modernas. Como esperado, o foco deste capítulo é a cultura funerária, assim algumas obras fundamentais são listadas, como os franceses Philippe Ariès, Jacques LeGoff e Pierre Channu; também outros igualmente importantes para as reflexões da História Social da Morte, porém menos conhecidos no Brasil, como Clare Gittings, John McManners, David Cressy e Ralph Houlbrooke. No capítulo seguinte o autor retorna a clássicos para cobrir o século XVI, quando alguns encontros entre europeus e americanos geraram situações conflituosas e beligerantes. Sua obra se difere da de outros historiadores da religião e cultura funerária, a partir do momento que o intento do autor é realizado. A morte na europa e sua cultura é apenas pano de fundo para os encontros entre nações culturais; seu referencial não busca traçar as origens das práticas funerárias pós-1800 nas américas, mas fomentar a base e enriquecer a narração de conflitos selecionados no correr do recorte. É ao longo dos capítulos 3, 4, 5 e 8, que o autor expressa seu grande interesse específico pelos encontros entre indígenas e cristãos. A morte, segundo ele, era usada por indivíduos e instituições para aproximação e afastamento de seus membros com aqueles com os quais eles se relacionavam, por exemplo: no capítulo 8, Burial and Condolence in the Seven Years’ War, o autor explica que, durante a Guerra dos Sete Anos (1756-1763) tanto franceses quanto ingleses utilizavam do conhecimento que tinham sobre o modo de morrer das civilizações indígenas para demonstrar respeito a um guerreiro aliado e violar os cadáveres dos inimigos. O mesmo ocorria com as tribos que, conhecendo o modo ‘branco’ de se morrer, atacavam os corpos mortos ou demonstravam respeito. O ideal civilizatório se apresenta claramente como o modo europeu, como era de se esperar, mas devido às opções do autor, a dominância europeia não é tão fortemente focada quanto os embates gerados ao longo do período estudado. A morte e os costumes funerários entram, não como geradores de conflitos, mas como parte importante destes. O violar das tumbas indígenas (ou europeias), por exemplo, não ocorre como desprezo à cultura do outro, mas como modo de agressão ao outro – fomentado pelo conhecimento do agressor sobre a cultura do agredido. Da mesma forma a morte e os costumes funerários também se apresentam como parte da comunicação intercultural nas Américas. Assim, Seeman permite a inserção do tema da morte nesta esfera do conhecimento histórico. Outra situação peculiar apontada por Seeman, é o banquete dos mortos da nação indígena Huron-Wendat – atualmente localizada na província de Quebec - presenciado e registrado por missionários cristãos no século XVII. Segundo o autor, este era um momento de luto e sofrimento, pelo reencontro da comunidade com seus parentes e amigos, mas ao mesmo tempo era um momento de celebração pois seus restos mortais seriam novamente enterrados nos grandes túmulos comuns de seus antepassados. A força desta e de outras crenças e práticas é demonstrado nos capítulos 4 e 5, quando perante situações de crise e doença aquilo que era ensinado pelos missionários era abandonado em favor da tradição carregada pelos nativos. Vale notar que este costume Huron é melhor desenvolvido na obra do mesmo autor lançada no ano seguinte: “The Huron-Wendat Feast of The Dead” (2011). Enfim, o livro de Seeman desponta como uma obra de referência aos pesquisadores interessados em uma visão menos estática da cultura funerária. Provavelmente as discussões sobre encontros culturais na História Atlântica poderão estar mais ricas após uma efetiva tradução desta obra.