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ob profunda crise desde o último quarto pesos específicos e tiveram reduzidas as margens de ma-
de século, com reflexos econômicos, sociais, nobras e a sua soberania.
culturais e políticos, Moçambique ocupa Nos anos 80, apareceram as políticas neoliberais e seus
um dos últimos lugares no Índice do De- programas que visavam a recuperar a economia. O país
senvolvimento Humano, elaborado pelo havia se endividado e se desestruturado durante o período
PNUD (2004). No Índice de Desenvolvi- modernizador desenvolvimentista, quando viu reduzida a
mento Humano de 2002, publicado em 2004, está no 174º quase um terço a sua capacidade produtiva. O processo de
posto no ranking de 177 países listados. Dos 36 países modernização da economia em Moçambique deu-se lenta-
com IDH baixo, 32 são da África Subsaariana. Dos 50 mente no período colonial, com sinais consistentes a par-
países africanos arrolados, 32 estão entre os com IDH tir dos anos 60. Esta bandeira, totalmente reformulada, foi
baixo, 17 com IDH médio e um (Seycheles) com IDH retomada e aprofundada pelo governo socialista da Freli-
elevado (PNUD, 2004). mo, constituído após a independência. Particularmente, no
Em se tratando de tantos países africanos com fraco caso de Moçambique, a crise da modernidade se deu nos
Desenvolvimento Humano (são 23 entre os 36 da África moldes socialistas. Mas não podemos imputar a crise so-
Subsaariana), e de nações colonizadas no século XX, con- cial e econômica ao socialismo. A grande maioria dos pa-
clui-se logicamente que há indicação da cumplicidade colo- íses africanos também se encontra em crise e apenas pou-
nial na crise moçambicana de hoje. A ação colonial recente cos entre eles tiveram experiência socialista. Entretanto, é
na África foi, sem dúvida, a forma de o capitalismo garantir de se remarcar que a experiência socialista moçambicana
trabalho mal-remunerado e transferir renda para as metró- foi a mais profunda e duradoura da África (1976-86).
poles. As razões dos países moldados pelo colonialismo no No pós-segunda Guerra, com o novo ciclo de cresci-
século XX e que se encontram em situações semelhantes nas mento econômico capitalista, que acelerou o processo de
macroestruturas econômicas, sociais e políticas, são as mes- independência das colônias, Portugal retardou o quanto
mas quando tratadas à luz da história econômica. Não é por pôde a emancipação dos países sob seu domínio. No caso
acaso que, com processos semelhantes de invasão e ocupa- de Moçambique, essa protelação resultou em dez anos de
ção, de exploração colonial e de modernização, estas nações luta armada de libertação nacional, conduzida pela Freli-
estejam em situações parecidas e muito críticas. mo (Frente de Libertação de Moçambique). A Frelimo era
A modernização em Moçambique, incluindo a Consti- liderada por Samora Moisés Machel, segundo presidente
tuição do Estado nacional e a implantação do socialismo, do país – o primeiro, Eduardo Mondlane, foi assassinado
deu-se tardiamente no contexto mundial (anos 70). Ocor- pela Pide em 1969, meses após a realização do 2º Con-
reu quando os Estados-nação começavam a perder os seus gresso da Frente. A luta armada levou à independência de
Moçambique em 25 de junho de 1975. De 7 de setembro
de 1974 até a data da independência, Portugal acertou com

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a Frelimo a formação de um governo de transição. O car- e das dificuldades econômicas enfrentadas. Ainda em 1983,
go de primeiro-ministro ficou com Joaquim Chissano. Sa- o governo fez um fracassado acordo de não-agressão com
mora Machel tornou-se o primeiro presidente de Repúbli- a vizinha África do Sul e outro, bem-sucedido, com o Fun-
ca Popular de Moçambique, em um regime de partido úni- do Monetário Internacional e o Banco Mundial. Foi o iní-
co – a Frelimo transformou-se em partido marxista-leni- cio do abandono das políticas socialistas.
nista em fevereiro de 1977 – e de constituição socialista. As dificuldades econômicas enfrentadas foram de or-
Com uma economia dependente dos vizinhos África dens diferentes. Os fatores internos surgiram da distância
do Sul e Rodésia (atual Zimbábue), países de governos entre os projetos da Frelimo e a sua capacidade de realiza-
racistas apoiados pelos Estados Unidos, Moçambique so- ção. Assinale-se que esse descompasso entre o desejo e a
freu os efeitos de uma guerra de desestabilização empre- realização estava ligado a fatores históricos. De um lado,
endida por esses governos, que lhe causaram prejuízos in- era fruto das propostas modernizantes e socialistas, no qua-
calculáveis. Mesmo assim, a Frelimo aprofundou os proje- dro progressista do sistema mundial vigente. De outro,
tos de modernização da economia e das relações sociais era alimentado por fatores externos, provocados pela guer-
iniciados na década de 60 pelos portugueses, através da ra de desestabilização, que almejava exatamente atingir a
criação de um forte setor estatal e do processo de assala- débil economia moçambicana.
riamento. A guerra de desestabilização se interiorizou em
meados dos anos 80, sobretudo pela retaguarda e forte apoio o final dos anos 80, a Frelimo promoveu
bélico, militar e econômico dado pela África do Sul ao uma série de mudanças, inclusive na
MNR (atual Renamo).1 Pesaram também as dificuldades Constituição. Instituiu o multipartidaris-
dos projetos estatais em assegurar a produção, a ausência mo, abandonou a economia centralizada
dos valores “tradicionais” na estrutura de poder e o aban- e aderiu às regras da economia de mer-
dono a que ficou relegada a sociedade doméstica – enten- cado. Em agosto de 1992, foi assinado o acordo de paz
da-se a grande maioria da população rural com organiza- entre a Frelimo e a Renamo. Eleições diretas foram reali-
ção social própria anterior ao colonialismo. A partir de zadas em 1994. A Frelimo saiu vitoriosa e elegeu Joaquim
1983, a situação social, política e econômica se deteriorou Chissano para a presidência. Vale lembrar que em 1986 o
ao ponto de tornar Moçambique extremamente vulnerável presidente Machel morreu vítima de um suposto atentado
e dependente de ajudas humanitárias. O apoio da comuni- contra o avião presidencial, na África do Sul. Após sua
dade internacional evitou que um número maior de pes- morte, o então ministro dos Assuntos Estrangeiros, Joa-
soas sofresse os efeitos da guerra, das catástrofes naturais quim Alberto Chissano, assumiu a presidência. Chissano
foi eleito para um segundo mandato em 1999. As eleições
1. O MNR, Mozambique National Resistance, é um movimento fun-
de 2004 também foram vencidas pela Frelimo, que fez o
dado em 1976 pelo governo racista de Ian Smith, na Rodésia, e
apoiado por antigos colonialistas. Com a independência do Zimbá- atual presidente, Armando Guebuza, um militante da luta
bue, em 1980, transferiu-se para a África do Sul, quando então suas
de libertação e ministro do primeiro governo.
ações em território moçambicano tornaram-se constantes e sanguiná-
rias. Somente mais tarde, com a adesão de dissidentes da Frelimo, A paz está efetivamente estabelecida no território des-
assume-se como partido político e o nome em português, Resistência
de o acordo de 92. A partir daí, o quadro político passou a
Nacional Moçambicana (Renamo), liderada por Afonso Dhakana até
os dias de hoje. Tem representação parlamentar e dirige inclusive ser estável, sem clima de beligerância política. A violência
algumas cidades importantes.

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social e institucional existente é fruto do processo normal Segundo os relatórios do governo, cerca de 70% da
de acumulação de capital entre os que possuem e os que população moçambicana vivem em condições de pobreza
não possuem bens e propriedades. As polícias e as milícias absoluta, tanto de privação material como cultural e da
particulares têm a responsabilidade de garantir a ordem. vida em geral. O país tem o Índice de Pobreza Humana
Além dos traumas psicológicos, das mortes, dos desapare- mais elevado em toda a região da África Austral.
cidos, dos milhões de deslocados (chegou a se falar em Em termos globais, os resultados do desempenho eco-
mais de quatro milhões, em um país de 16 milhões de nômico no início da década atual continuam a mostrar con-
habitantes), dos feridos e aleijados, a crise deixou outras centração econômica na Região Sul do país, com cerca de
seqüelas: estruturas sociais desorganizadas, que se recom- 51% da população e 49% da produção do país. Destaque
põem lentamente; o retorno de capitais e de relações de para a cidade de Maputo, com uma contribuição na produ-
produção antigas provenientes da África do Sul e de Portu- ção de cerca de 36,9%. Segue-se a Região Centro, com
gal, com os mesmos sotaques e tapas, com as mesmas im- participação de 27,7%, e finalmente o norte, com 21,3%.
punidades requeridas à ação do capital: e as proteções aos O PIB per capita nacional tocava os US$ 200 em 2000.
poderosos, agora de todas as cores. A importância da agricultura em Moçambique evidencia-
Se o presente não é famoso, o futuro tampouco é pro- se, acima de tudo, pelo fato de envolver 80% da popula-
missor. As expectativas otimistas prevêem que ainda leva- ção, embora contribua com menos de 30% para o volume
rão décadas para se chegar ao nível de produção de 1973, do PIB, enquanto que aproximadamente 70% das receitas
o melhor de Moçambique. Para enfrentar esta situação, o de exportação agregadas derivam de produtos agrícolas e
Ministério do Plano e Finanças parte da premissa de que, de recursos renováveis.
“sem estabilidade econômica, não existe um ambiente que
estimule o crescimento económico, sem o qual não existe agricultura continua a ser a atividade com
redução da pobreza. (...) a estabilidade econômica é fun- maior peso na economia, tanto no nível
damental para o crescimento das economias. A estabili- nacional como no regional. Mas sua parti-
dade é normalmente medida por variações no nível de cipação vem declinando ao longo dos anos
preços, nas taxas de juro e nas taxas de câmbio. Estas em favor de outros setores, como a indús-
variações são determinadas, em geral, por políticas que tria manufatureira e o comércio. Em 1997, a agricultura re-
afectam a procura da economia. Estas políticas são a presentava 24,9% do PIB. Em 2000, sua contribuição caiu
política monetária, fiscal e cambial. Estas três políti- para 22,9%. No mesmo período, em contrapartida, o setor
cas são maioritariamente determinadas pelos gover- da indústria manufatureira registrava uma subida na sua par-
nos.”2 (Franco, p. 215-6; grifos deste autor) ticipação, passando de 9,9% em 1997 para 13,6% em 2000.
Em 1950, a população moçambicana era de cerca de A esperança de vida em Moçambique é de 42 anos
6,5 milhões de habitantes. A partir daí cresceu de forma contra 48,9 anos na África Subsaariana. De acordo com os
acelerada, atingindo 7,6 milhões em 1960, 9,4 milhões organizadores do Relatório do PNUD, os dados poderiam
em 1970, 12,1 milhões em 1980, 14,4 milhões em 1991 e ser “ainda mais positivos”:
16,9 milhões em 1999. É o quarto país mais populoso “Não fossem os efeitos do HIV/SIDA, certamente captados
entre os 14 que integram a SADC (Comunidade para o pelas tendências de natalidade e mortalidade do recensea-
Desenvolvimento da África Austral). mento da população em 1997, e se a taxa de crescimento
Em 1997, o PIB do país foi calculado entre US$ 2,4 econômico tivesse mantido a tendência dos anos anteriores,
bilhões e US$ 3,4 bilhões, variando segundo a fonte – os resultados seriam, decididamente, ainda mais positivos.
PNUD ou Banco Mundial. Em 1998, o PIB de rondou os Os resultados renovam a esperança de que, embora haja
US$ 3,9 bilhões. A Região Norte do país contribuiu com um longo caminho a percorrer, Moçambique está, em ter-
21%; o Centro, com 31%; e o Sul, com 48%. mos puramente relativos, a dar passos importantes na redu-
ção de carências de sua população.”3 (PNUD, p. 21.)
2. FRANCO, António S. (2002). Estabilidade Macroeconômica e
Financeira. Instrumento de crescimento. In ROLIM, Cássio et alli. 3. PNUD (2000). Moçambique. Educação e desenvolvimento huma-
(2002) A economia moçambicana contemporânea. Ensaios. Maputo: no: percurso, lições e desafios para o Século XXI. Relatório Nacional
Gabinete de Estudos, Ministério do Plano e Finanças. do Desenvolvimento Humano de Moçambique 2000. Maputo: PNUD.

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A taxa de alfabetização da população adulta é de 39,6%.


Ou seja, apenas 6,4 milhões de moçambicanos sabem ler e
escrever, para um total de 16,1 milhões de habitantes. A
percentagem de moçambicanos cursando do nível primá-
rio ao superior aumentou nos últimos cinco anos; passou
de 29% em 1997 para 36% em 2000.
Até 1975 tinha-se em Moçambique um capitalismo
colonizado, com forte presença do Estado salazarista. Com
a independência, impôs-se a modernização socialista, en-
tendida como um sistema produtor de mercadorias, tal
como no capitalismo, que se apoiava também em um Esta-
do forte, diferente, porém, em sua forma. A partir de 1992,
instalou-se um sistema plenamente capitalista, democráti-
co e liberal. Pessoas, mercadorias e capitais passaram, en-
tão, a circular livremente, do Rovuma a Maputo. Os ajus-
tes jurídicos foram realizados, deixando o país pronto para
a nova inserção internacional, ao gosto do grande capital.
Entretanto, nunca o país esteve tão sem autonomia e com
tanta miséria. Depois de toda a contribuição na produção
de riqueza para o sistema-mundo no século XX, a situação
de descarte na nova ordem mundial tem sido a parte que
lhe cabe do desenvolvimento.
Neste quadro, vejamos em linhas gerais duas propos-
tas no âmbito da política econômica elaboradas no final da
década de 90 pelo Ministério do Plano e Finanças, com o
apoio direto de organismos internacionais e de experts de
conceituadas universidades. Elas são apresentadas como
complementares e a base central produtiva para a elimina-
ção da pobreza.

OS MEGAPROJETOS
O IDE (Investimento Direto Estrangeiro) é um dos
pilares da política econômica, utilizado por grandes gru-
pos de capital, geralmente em parcerias, no planejamento
global de suas ações para a produção em escala mundial.
Os países africanos têm recebido um montante redu-
zido de investimentos estrangeiros, embora sofram fuga
de capital em larga escala, “na medida em que os detento-
res dos activos transferem os recursos para locais mais se-
guros” (MacPherson, 2002, p. 134). Por isso, o Ministé-
rio do Plano e das Finanças de Moçambique procurou rea-
lizar reformas institucionais para atrair os investidores ex-
ternos. Criou um cenário no qual os retornos dos investi-
mentos privados tenham riscos proporcionais àqueles dis-
poníveis no estrangeiro (será o risco-Moçambique, para
os capitais não morrerem de fome?).

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Em 1997, o IDE em Moçambique totalizava US$ 65 triação dos lucros. Como eles são de capital intensivo, boa
milhões. Nos dois anos e meio seguintes, o governo permi- parte dos pagamentos será para o serviço da dívida aos
tiu que fosse realizado um empreendimento para a produ- credores estrangeiros e para a remessa de lucro. O impac-
ção de alumínio no valor total de US$ 1,34 bilhão. Trata-se to desses projetos na criação de empregos locais será pe-
do Projeto Mozal, que começou a funcionar em junho de queno, em face de suas características técnicas. Somente
2000. Segundo o relatório World Investiment Report (2000) cinco mil empregos diretos seriam criados em seis mega-
da UNCTAD (Conferência das Nações Unidas sobre Co- projetos, chegando a 15 mil nas empresas de suporte – o
mércio e Desenvolvimento), esse investimento colocou Mo- que daria uma relação de mais de US$ 1 milhão em inves-
çambique no sexto lugar do ranking, atrás apenas de Ango- timento para cada emprego oferecido.
la, Egito, Nigéria, África do Sul e Marrocos. Em 1999, a A construção da Mozal durou dois anos e meio. Em
África recebeu em IDE cerca de US$ 10 bilhões, que não se 1998, foram aplicados US$ 220 milhões em serviços de
comparam aos US$ 106 bilhões que foram para a Ásia e aos terraplenagem e construções. Em 1999, foram investidos
US$ 90 bilhões direcionados à América Latina. mais US$ 875 milhões. Em 2000, um novo aporte, de
US$ 245 milhões, para a aquisição de equipamentos. Ape-
omo o PIB em Moçambique em 2000 era de nas 6% do valor do projeto foram despendidos em bens e
cerca de US$ 4 bilhões, o impacto de proje- serviços e mão-de-obra em Moçambique, não significando
tos dessa natureza é profundo nas contas do que tenham remunerado fatores nacionais, pois os sub-
país. É de se considerar ainda diversos ou- contratantes utilizavam recursos estrangeiros.
tros megaprojetos, como são conhecidos, que A capacidade total de produção anual será de 245 mil
estão em diferentes estágios de preparação: a duplicação da toneladas de alumínio, toda exportada, em um valor esti-
capacidade da Mozal, que prevê ampliação da hidroelétrica mado de US$ 400 milhões. Serão importadas 500 mil to-
de Cabora Bassa; a construção de uma nova estação hidroelé- neladas de alumina e 96 mil toneladas de coque, ao custo
trica em Mepanda Uncua; o projeto de gás natural de Tema- de US$ 90 milhões. Haverá grande utilização de energia
ne e Pande; o projeto de fundição de ferro e aço de Maputo; elétrica, fornecida pela Motraco – empresa nova, com li-
o projeto dos corredores de areias pesadas para explorar as nhas de transmissão através da África do Sul –, a um custo
areias minerais titaníferas; o Projeto Dobela Port, para cons- estimado em US$ 60 milhões. Outras despesas adicionais
truir um porto profundo em Maputo, entre outros. serão referentes a serviços importados (US$ 80 milhões),
Os estudos do Ministério do Plano e Finanças, com- serviços domésticos (US$ 2 milhões) e impostos de circu-
posto por consultores da Harvard University, revelam que lação (US$ 4 milhões). Serão empregados 650 moçambi-
esses megaprojetos terão grande impacto no PIB e na ba- canos, com salários totais de US$ 5 milhões ao ano, e 90
lança comercial, mas não no rendimento nacional e no ba- estrangeiros. Outros empregos vêm sendo criados, para
lanço de pagamentos, devido à compensação dos fluxos serviços de segurança, alimentação etc.
financeiros, aos pagamentos do serviço da dívida e à repa- A estrutura financeira foi constituída por 38% de capi-
tal próprio, 50% de empréstimo, quase todo da África do
Sul, na forma de empréstimo de exportação – o país ainda
fornecerá a energia – e 12% de empréstimo subordinado.
O financiamento do capital próprio foi de US$ 520 mi-
lhões, repartidos entre a Billiton (47%), a Mitsubishi (25%),

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a IDC (24%) e o governo de Moçambique (4%). A parte como um canal para o desenvolvimento e difusão de tec-
do governo, de US$ 20 milhões, foi financiada pelo Banco nologia” (Andersson, 2002, p. 553). Quanto otimismo na
Europeu de Investimento. O serviço da dívida anual (juros previsão de que Moçambique irá se apoderar da tecnolo-
e amortização do capital) destes empréstimos totais está gia da produção de alumínio... Mas continuemos com o
previsto em US$ 80 milhões, e o valor agregado direto consultor de Harvard ligado ao Ministério do Plano e das
doméstico será de aproximadamente US$ 160 milhões/ano. Finanças, defendendo os megaprojetos:
A produção do projeto terá um impacto no PIB ligeira- “Os projetos são mostruários para possibilidades de investi-
mente acima de 5%, mas o efeito direto no rendimento mentos em Moçambique. Eles melhoram as infra-estruturas
nacional, isto é, o rendimento acrescido aos moçambica- e disseminam muitos benefícios para os cidadãos. Proporcio-
nos, será de US$ 18 milhões ao ano. nam oportunidades de formação para a força de trabalho
moçambicana. Os megaprojetos estão também vinculados a
spera-se um lucro de US$ 65 milhões ao ano. larga base de recursos naturais de Moçambique. Para além
A parte do governo (4%) equivalerá a US$ disso, a Mozal, MISP [Projeto de Fundição de Ferro e Aço de
3 milhões. A balança comercial terá um sal- Maputo] e os Corredores de Areias exigem, todos, grande
do favorável de US$ 160 milhões – US$ 400 quantidade de energia eléctrica, e a disponibilidade de ener-
milhões de exportações menos US$ 240 mi- gia barata tem sido importante para as suas localizações. Um
lhões das importações. Mas o efeito global no balanço de aspecto importante para a Mozal tem sido o tratamento rece-
pagamento será pequeno, pois todos os lucros – salvo os bido em Moçambique da parte da União Européia sob a Con-
US$ 3 milhões do governo – deverão ser repatriados. As- venção de Lomé. O alumínio produzido em Moçambique será
sim, somente os US$ 4 milhões do imposto de circulação importado para União Européia com isenção de impostos.
e os US$ 3 milhões de dividendos ficarão nas receitas do Os megaprojetos, entretanto, não irão resolver o pro-
governo. Pode-se acrescentar US$ 1 milhão de impostos blema de desemprego em Moçambique. Todos são de
diretos sobre o trabalho. Por se tratar de uma zona de livre capital intensivo e somente um número limitado de
exportação, a Mozal está isenta dos impostos indiretos. empregos directos está sendo criado.”4 (Andersson, p.
A fase 2 do projeto, já concluída em 2004, e da qual não 553; grifos deste autor)
dispomos de dados, propiciaria a duplicação da produção. O impacto global no PIB dos seis megaprojetos toma-
Durante as fases de construção, serão criados 2.650 empre- dos em conjunto será grande, sem dúvidas. Se os projetos
gos, mas o número de empregados para garantir a produ- previstos forem realizados, poderá se alcançar um cresci-
ção total será de 1.300 após 2004, segundo o projetado. mento do PIB, em 2010, da ordem de 37%. Mas o cresci-
Com as mesmas características do Projeto Mozal, em mento do rendimento nacional será de apenas 7%, com 20
termos proporcionais e volume de grandeza, estão progra- mil novos empregos. Nesse mesmo período, estima-se um
mados outros megaprojetos. Ou seja, forte impacto no PIB, ingresso de 3,7 milhões de pessoas no mercado de traba-
algum na balança comercial, menor no balanço de paga- lho moçambicano. O que fazer com essa mão-de-obra dis-
mentos e muito pouco no valor agregado em termos de ponível? Os experts encontraram a solução. Ao lado desses
criação de emprego e renda nacional. Como toda a produ- projetos de capital intensivo, propõem projetos de mão-
ção é exportada, assim como quase todo o lucro, extrai-se de-obra intensiva, também para exportação, os chamados
de Moçambique uma mais-valia, não por sua força de tra- investimentos EIMI. Vejamos como isso funciona.
balho barata, mas, pela existência de energia abundante
requerida para a produção de alumínio, no caso da Mozal, AS EIMI - EXPORTAÇÕES DA INDÚSTRIA
do ambiente político para aceitar indústria tão poluente e DE MÃO-DE-OBRA INTENSIVA
pelas facilidades para expatriar os lucros. As EIMI devem ser um elemento central na estraté-
A política governamental indica que os megaprojetos gia de desenvolvimento “pró-pobre”, diz Sarkar, expert
são importantes. Eles são orientados para a exportação e do Ministério do Plano e das Finanças, sentenciando que
assim “trazem benefício ao ligar Moçambique à economia
internacional”. Além disso, acredita-se que “o comércio 4. ANDERSSON, Per-Ake (2002). Impactos dos megaprojetos na
internacional demonstrou ser particularmente importante Economia Moçambicana in ROLIM et alli (2002), op.cit.

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Moçambique tem tudo para atraí-las. Em contraste com do no mesmo documento do Ministério do Plano e Finan-
os megaprojetos que quase não geram empregos, essas ças) que tem como prioridade reduzir a pobreza absoluta
indústrias podem criá-los e rapidamente. Como exemplo, e cujo salário-mínimo é menos de US$ 40 mensais. Ou a
cita o caso de três fábricas com capital de Taiwan, sub- proposta da industrialização EIMI não é séria ou não é
contratadas da Nike, que produzem calçados esportivos séria a de se reduzir a pobreza. Parece-nos ser essa última
no Vietnã com 45 mil postos de trabalho. E ainda o Le- a mais provável.
soto, que criou 19 mil empregos na indústria de vestuá-
rio e calçado, com US$ 100 milhões em receitas de ex- ela proposta, são consideradas vantagens des-
portação. Nesse caso, vale lembrar, trata-se de valores sa industrialização a aprovação da África Gro-
exportados e não de valores agregados ao país. Avança wth and Opportunity Act – de junho de 2000,
ainda que muitas economias dos chamados “tigres asiáti- nos Estados Unidos – que abre mercado a
cos” incrementaram a sua industrialização a partir desse esse tipo de produto, assim como o fenôme-
tipo de indústria, como a Coréia do Sul, Malásia, Tailân- no denominado “gansos voadores”. Trata-se de uma refe-
dia e até o Vietnã. Cita também o caso das Ilhas Maurí- rência à fuga dos investimentos de países como as Ilhas
cio, que passou de país pobre exportador de algodão para Maurício, onde os salários aumentaram (assim que aumen-
um país rico, com exportação diversificada. E, finalmen- tam, acabam...). Também são avaliados como benefício da
te, propõe que em razão do industrialização o novo protocolo comercial da SADCC que
“alto nível de fluxos de IDE [Investimento Direto Estran- facilita essas transações e o acordo de preferências comer-
geiro] nos anos recentes, e a abundância de mão-de-obra ciais com a Europa.
barata em Moçambique, poder-se-ia esperar que o país Estas indústrias, não se deve esquecer, baseiam-se em
ajust[ass]e de maneira ideal as operações da indústria de processos de trabalho geralmente individuais ou familia-
mão-de-obra intensiva em áreas como vestuário e têxteis, res, utilizando poucos meios de produção (máquinas de
agro-processamento, produtos de couro, brinquedos, artigos costuras, colas etc.) pertencentes aos trabalhadores, que
de desporto e montagem eléctrica. A vantagem competitiva recebem as matérias-primas e se limitam a realizar um
de Moçambique e a localização geográfica favorável colo- esforço físico intenso, em um processo de montagem,
cam-no numa posição vantajosa para a atracção de inves- colagem, corte ou costura, dependendo do produto. A
timentos de EIMI como um motor de crescimento sustentá- empresa empregadora não tem capital no país. Leva suas
vel e criação de emprego. Além disso, o ambiente tributário matérias-primas a Moçambique para serem trabalhadas
é altamente favorável e à criação de zonas francas.”5 (SA- localmente e retornarem com um produto acabado para
RKAR, 2002, p. 475, grifos deste autor) ser vendido no mercado internacional. Têm-se aí as cal-
Pergunto como se pretender que “desenvolvimento ças, camisas e gravatas de grifes, os tênis e sapatos de
sustentável” assente em uma indústria praticamente sem marca e, em um sistema um pouco mais sofisticado, os
capital fixo, que pode ser transferida a outro país rapida- produtos eletroeletrônicos e os informatizados. São, por-
mente, em conseqüência de flutuações, como a redução tanto, processos de trabalho individualizados que permi-
salarial em outras regiões ou porque os salários domésti- tem exploração extra.
cos aumentaram? A individualização do trabalho é o processo pela qual
Logo adiante o planejador confessa que “os recentes a contribuição da
aumentos no salário-mínimo [em Moçambique] se contí- “mão-de-obra ao processo produtivo é definida de forma
nuos irão também minar a vantagem competitiva de Mo- específica para cada trabalhador e em razão de cada uma
çambique em indústrias de exportação de mão-de-obra in- de suas contribuições, seja na forma de trabalho autônomo,
tensiva” (Sarkar, 2002, p. 476). Como se vê, antes mesmo seja como mão-de-obra assalariada contratada indivi-
de o processo começar, já se encontra em risco pelo possí- dualmente e com base em um mercado amplamente desre-
vel aumento do salário-mínimo. E isso em um país (atesta- gulamentado.6 (CASTELLS, p. 97; grifo deste autor)

5. SARKAR, Soumodip (2002). Moçambique também pode compe- 6. CASTELLS, Manuel (2002). A era da informação: economia, socie-
tir! Exportações da Indústria de Mão-de-Obra Intensiva, in ROLIM dade e cultura. Vol. 3. 3ª edição. São Paulo: Paz e Terra.

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Esse processo, utilizado nas exportações da indústria


de mão-de-obra intensiva, constitui um dos aspectos da
formação da superexploração, responsável pela exclusão de
vários países e regiões, e pode ser definido como o termo
que indica relações trabalhistas o momento atual da globalização neoli-
“que permite[m] que o capital retenha sistematicamente beral, não há a convocação da popula-
os pagamentos/alocação de recursos ou imponha condi- ção, como defendia a Frelimo dos anos
ções mais rigorosas de trabalho a determinados tipos de 70 e início dos 80, para a participação e
trabalhadores, piores do que seja considerado norma/ integração na economia, nem como tra-
regra em um dado mercado de trabalho em determina- balhadores, nem como consumidores. Embora a integra-
do tempo e espaço. Isso se refere à discriminação contra ção no mundo globalizado se dê pelo processo de produ-
imigrantes, minorias, mulheres, jovens, crianças ou ção, não o é pelo processo de trabalho. Investe-se muito
outras categorias de trabalhadores discriminados, do em Moçambique nos megaprojetos. Estes visam à exporta-
modo como tolerada ou sancionada por órgãos de regu- ção e utilizam pouca mão-de-obra local. Entretanto, o ca-
lamentação. pital não extrai agora renda da sociedade doméstica. A
Uma tendência significativa nesse contexto é o surgi- altíssima mais-valia extraída é proveniente da alta compo-
mento da mão-de-obra remunerada infantil em diversas sição do capital que explora pouquíssima mão-de-obra. Além
partes do mundo, sob condições de extrema violência, ex- disso, estes empreendimentos pagam baixíssimos impos-
ploração e incapacidade de defesa, revertendo o padrão tos e taxas locais, e não produzem para o consumo inter-
histórico de proteção social às crianças, existente não só no. A integração no processo de globalização é pratica-
na última fase do capitalismo industrial, mas também mente o aluguel que o grande capital internacional faz ao
no estatismo industrial e nas sociedades agrícolas tradi- governo de um espaço no qual produz para o benefício do
cionais.” (CASTELLS, op. cit. p. 97) próprio capital de fora e de uma pequena elite local.
As propostas do FMI, do Banco Mundial e do grande Para ocupar a população propõem-se, então, as expor-
capital (a alternativa EIMI), que foram encampadas por tações das indústrias de mão-de-obra intensiva. Estas não
diversos governos – como o de Moçambique, país com 70% se radicam em nenhum lugar, pois sua característica é a
da população vivendo em miséria absoluta – não as dife- volatilidade. É uma forma ambulante de exploração inter-
renciam, nem mesmo no cinismo, dos programas de bem- nacional que faz parte do chamado mundo globalizado.
estar para os africanos do período colonial. Não obstante, a exclusão de Moçambique não é ape-
De novidade, os megaprojetos atuam no antigo qua- nas social, mas, sobretudo, econômica. A exclusão polí-
dro moçambicano com muito trabalho morto e quase sem tica é condição para a exclusão econômica. Moçambi-
trabalho vivo, enquanto as EIMI atuam com muito traba- que aderiu de forma incondicional a todas as cartas de
lho vivo e quase nenhum trabalho morto. intenções do FMI e imposições dos credores internacio-

ABRIL • MAIO • JUNHO 2006 137


I N S I G H T INTELIGÊNCIA

nais. Instalou o processo de paz com a Renamo, demo-


cratizou o país com eleições diretas, liberdade partidá-
ria, de imprensa e de circulação de capital, mas, princi-
palmente, trouxe a boa governança, permitindo altos
lucros e a sua repatriação.

proposta do FMI, do Banco Mundial e


do grande capital internacional, endos-
sada pelo governo, para atrair os mega-
projetos e as EIMI – em um país, ressal-
te-se mais uma vez, com 70% da popu-
lação sob miséria absoluta – muda a forma da exploração,
mas continua com os mesmos objetivos das políticas colo-
niais de espoliação do povo moçambicano. A exploração e
a humilhação que sofreram a população durante o colonia-
lismo eram justificadas para assimilar e civilizar o indíge-
na para o trabalho e o consumo, com o mito do desenvol-
vimento. Agora, nas políticas neoliberais, a exploração e a
exclusão são apresentadas com o objetivo de diminuir a
pobreza e a miséria.
A ausência de alternativas efetivas permite florescer
em Moçambique relações mafiosas e paternalistas, conhe-
cidas como integrações perversas. São relações que não
existiam no país e agora dominam no tráfico de drogas,
no contrabando de armas, nos “grupos de proteção” etc.,
ocupando lugares de destaque no mundo dos negócios, da
política e da sociedade em geral. Elas correspondem às
formas de trabalho praticadas na economia do crime, ge-
rando lucros próprios que, pelas normas legais, são consi-
derados crime. Essas relações estão em pleno florescimen-
to em Moçambique e dão uma dinâmica própria à exclu-
são social, articuladas com o capital global.
Enfim, as propostas para Moçambique reduzem-se aos
megaprojetos, com muito trabalho morto e quase nenhum
trabalho vivo, e às exportações da Indústria de Mão-de-
Obra Intensiva, com muito trabalho vivo e quase nenhum
trabalho morto. Essa é a essência da atual política econô-
mica, que se aproveita da miséria reinante para aumentar
os lucros do grande capital, apoiando-se nas bandeiras da
democracia, da paz, da segurança e da boa governança. É
neste contexto que se multiplicam, no seio do povo sem
capital e sem trabalho, as integrações perversas, mas ger-
minam também, no seio da multidão, outras formas de
rebeliões futuras.
beluce@candidomendes.edu.br

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