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Práticas de Ensino de Filosofia - Pós-Graduação a Distância - Universidade


Gama Filho

Book · January 2008

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2 authors, including:

Elisa Sayeg
University of São Paulo
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Práticas de Ensino de
Filosofia

Pós-graduação a Distância

Brasília-DF, 2008.

Direitos reservados ao CETEB 


Elaboração:

Maria Elisa Marchini Sayeg


Sayerg

Avaliação e revisão:

Equipe Técnica do CETEB


Práticas de Ensino de Filosofia

DOCUMENTO DE PROPRIEDADE DO CETEB


TODOS OS DIREITOS RESERVADOS

Nos termos da legislação sobre direitos autorais, é proibida a reprodução total ou parcial
deste documento, por qualquer forma ou meio – eletrônico ou mecânico, inclusive por
processos xerográficos de fotocópia e de gravação – sem a permissão expressa e por
escrito do CETEB.

 Universidade Gama Filho


Sumário

Apresentação .......................................................................................................................................... 04
Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa . ................................................................................. 05
Organização da Disciplina ...................................................................................................................... 07
Introdução ............................................................................................................................................... 08
Unidade I – Filosofia e Educação ........................................................................................................... 09
Capítulo 1 – A Filosofia no Ensino Fundamental e Médio................................................................. 09
Capítulo 2 – A Filosofia no Ensino Superior.................................................................................... 11
Capítulo 3 – A Educação Filosófica como Processo de Emancipação............................................... 12
Unidade II – Leitura Filosófica................................................................................................................ 21
Capítulo 4 – Leitura Filosófica: Hermenêutica, Refutações e Reflexões........................................... 21
Capítulo 5 – As Especificidades da Leitura Filosófica .................................................................... 29
Unidade III – Argumentação e Produção de Textos Filosóficos............................................................ 35
Capítulo 6 – Retórica, Argumentação e Filosofia ........................................................................... 35
Capítulo 7 – A Argumentação e a Justificação Epistemológica....................................................... 44
Capítulo 8 – O Conceito no Discurso Filosófico............................................................................... 49
Unidade IV – A Filosofia e as Tecnologias ............................................................................................ 53
Capítulo 9 – A Transição do Homem Contemplativo para o Homem Produtivo . .............................. 53
Capítulo 10 – Filosofia, Ciência e Ecologia .................................................................................... 55
Capítulo 11 – Tecnologia, Filosofia e Ensino . ................................................................................ 60
Para (não) Finalizar ................................................................................................................................. 65
Referências . ............................................................................................................................................ 66

Pós-Graduação a Distância

Direitos reservados ao CETEB 


Apresentação

Caro aluno,

Bem-vindo à disciplina Práticas de Ensino de Filosofia.

Este é o nosso Caderno de Estudos, material elaborado com o objetivo de contribuir para a realização e o desenvolvimento
de seus estudos, assim como para a ampliação de seus conhecimentos no tocante às de Práticas de Ensino de
Filosofia.

Para que você se informe sobre o conteúdo a ser estudado nas próximas semanas, conheça os objetivos da disciplina, a
organização dos temas e o número aproximado de horas de estudo que devem ser dedicadas a cada unidade.

A carga horária desta disciplina é de 60 (sessenta) horas, cabendo a você administrar seu tempo conforme a sua
disponibilidade. Mas, lembre-se, há uma data limite para a conclusão do curso, implicando a apresentação ao seu tutor
das atividades avaliativas indicadas na folha anexa, que contém as respectivas pontuações e prazos determinados.

Os conteúdos foram organizados em unidades de estudo, subdivididas em capítulos de forma didática, objetiva e
coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, que farão parte das atividades
avaliativas do curso; serão indicadas também fontes de consulta para aprofundar os estudos com leituras e pesquisas
complementares.

Desejamos a você um trabalho proveitoso sobre os temas abordados nesta disciplina! Lembre-se de que, apesar de
distantes, podemos estar muito próximos.

A Coordenação do PosEAD
Práticas de Ensino de Filosofia

 Universidade Gama Filho


Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa

Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa

Apresentação: Mensagem da Coordenação do PosEAD ao cursista.


Organização da Disciplina: Apresentação dos objetivos e carga horária das Unidades.
Introdução: Contextualização do estudo a ser desenvolvido pelo aluno na disciplina, indicando a importância desta para
a sua formação acadêmica.
Ícones utilizados no material didático:
Provocação: Pensamentos inseridos no material didático para provocar a reflexão sobre sua prática
e seus sentimentos ao desenvolver os estudos em cada disciplina.

Para refletir: Questões inseridas durante o estudo da disciplina, para estimulá-lo a pensar a respeito do
assunto proposto. Registre aqui a sua visão, sem se preocupar com o conteúdo do texto. O importante
é verificar seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. É fundamental que você reflita
sobre as questões propostas. Elas são o ponto de partida de nosso trabalho.

Textos para leitura complementar: Novos textos, trechos de textos referenciais, conceitos de
dicionários, exemplos e sugestões, para apresentar novas visões sobre o tema abordado no texto
básico.

Sintetizando e enriquecendo nossas informações: Espaço para você fazer uma síntese dos textos
e enriquecê-los com a sua contribuição pessoal.

Sugestão de leituras, filmes, sites e pesquisas: Aprofundamento das discussões.

Praticando: Atividades sugeridas, no decorrer das leituras, com o objetivo pedagógico de fortalecer
o processo de aprendizagem.
Pós-Graduação a Distância

Indo à sala de aula: Sugestão de ações e atividades a serem desenvolvidas em sala de aula com base
nos conteúdos trabalhados.

Memorial: Todas as seções marcadas com este ícone serão objetivo de atividades, análises e registros
em seu memorial.

Direitos reservados ao CETEB 


Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa

Para (não) finalizar: Texto, ao final do Caderno, com a intenção de instigá-lo a prosseguir na
reflexão.

Referências: Bibliografia consultada para a elaboração do curso. Você poderá consultá-la também.
Práticas de Ensino de Filosofia

 Universidade Gama Filho


Organização da Disciplina

Ementa da disciplina:
O despertar da prática discursiva, em auxílio da cidadania. Compreensão da trajetória do ensino da Filosofia no Brasil e
seus recentes desafios. Consciência da educação filosófica, como apontamento dos problemas sociais.

Objetivos:
– Compreensão da trajetória do ensino de Filosofia no Brasil e das relações entre Filosofia, Educação e
Cidadania.
– Compreensão da Filosofia como prática discursiva crítica essencial à cidadania.
– Compreensão das especificidades próprias à leitura filosófica, à argumentação e à criação de conceitos
filosóficos.
– Compreensão da Filosofia como disciplina atenta aos problemas contemporâneos.

Unidade I – Filosofia e Educação


Carga horária: 15 horas
Conteúdo Capítulo
A Filosofia no Ensino Fundamental e no Médio 1
A Filosofia no Ensino Superior 2
A Educação Filosófica como Processo de Emancipação 3

Unidade II – Leitura Filosófica


Carga horária: 15 horas
Conteúdo Capítulo
Leitura Filosófica: Hermenêutica, Refutações e Reflexões 4
As Especificidades da Leitura Filosófica 5

Unidade III – Argumentação e Produção de Textos Filosóficos


Carga horária: 15 horas
Conteúdo Capítulo
Retórica, Argumentação e Filosofia 6
O Argumento e a Justificação Epistemológica 7
O Conceito no Discurso Filosófico 8

Unidade IV – A Filosofia e as Tecnologias


Carga horária: 15 horas
Pós-Graduação a Distância

Conteúdo Capítulo
A Transição do Homem Contemplativo para o Homem Produtivo 9
Filosofia, Ciência e Ecologia 10
Tecnologia, Filosofia e Ensino 11

Direitos reservados ao CETEB 


Introdução

Iniciaremos nosso estudo com um breve relato sobre o ensino de Filosofia no Brasil. Em seguida, enfocaremos uma questão
de grande interesse para esta nossa disciplina de Práticas de Ensino de Filosofia: a relação entre educação filosófica e o
exercício da cidadania. Apresentaremos algumas especificidades relativas ao pensamento filosófico, seu potencial crítico
e dialógico, sua produção e recepção. Finalmente, discorreremos sobre a atualidade da Filosofia, sua perene renovação,
intrinsecamente motivada, e sua atenção aos desafios apresentados pelo cenário contemporâneo.
Práticas de Ensino de Filosofia

 Universidade Gama Filho


Filosofia e Educação Unidade I Unidade I

Filosofia e Educação

Capítulo 1 – A Filosofia no Ensino Fundamental e Médio

Segundo o Inciso III do § 1o do Artigo 36 da Lei de Diretrizes e Bases (Lei nº 9.394 de 20/12/1996), o educando ao final
do Ensino Médio deve demonstrar o “domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao exercício
da cidadania".

Para a correta compreensão dessa afirmação, devemos estabelecer o que se entende por Filosofia (nossa disciplina de
interesse) e por cidadania.

A resposta ao primeiro ponto – o que é Filosofia – será desenvolvida ao longo deste Caderno de Estudos, quando
comentarmos algumas características distintivas desta disciplina, como a criação de conceitos e a especificidade da
leitura filosófica. Tenhamos sempre em mente que essa pergunta, que por si só já é filosófica, e a resposta, é sempre
situada relativamente a um determinado sistema.

Já com relação ao exercício da cidadania, podemos acrescentar a formulação referente a outro objetivo geral do Ensino
Médio, qual seja, "o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento
da autonomia intelectual e do pensamento crítico" (Lei nº 9.394/96, Artigo 36, Inciso III). É verdade que a Filosofia não
é o único componente curricular a oferecer subsídios para a formação ética e o pensamento autônomo e crítico. No
entanto, também é certo que a Filosofia oferece ferramentas conceituais úteis à promoção dessas competências.

Além disso, a Lei supracitada explicita, como valores da cidadania, aqueles que são "fundamentais ao interesse social,
aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao bem comum e à ordem democrática". Também inclui os valores "que
fortaleçam os vínculos da família, os laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca".

Ora, ainda que tais afirmações nos pareçam genéricas, há nelas importantes ressonâncias com relação à História da
Filosofia. Assim como a Filosofia, também a Democracia nasceu na Grécia. Haverá, então, algum laço de afinidade
intrínseca entre elas? Da mesma forma, a noção de "bem comum" reporta-nos a um tema de Filosofia Política, o do
republicanismo. Os valores de solidariedade e de tolerância bem podem ser traçados como temas da Filosofia, desde os
tratados de Ética que remontam a Aristóteles, passando por Kant, até as reflexões pragmáticas e não fundacionais de
um Richard Rorty, por exemplo.

Então, certamente, mesmo sem entrarmos no mérito de conceituar cidadania, já notamos linhas de afinidade entre a
Pós-Graduação a Distância

própria natureza da disciplina filosófica e as expectativas das orientações curriculares para o Ensino Médio.

Junto com outras disciplinas, a Filosofia participa da formação do educando, mas as orientações curriculares destacam
algumas contribuições que lhe são específicas para a formação do cidadão. Tais contribuições estão ligadas à natureza
argumentativa da filosofia, observada na sua História. Em que consiste, exatamente, essa característica argumentativa
da filosofia, que certamente em muito influi para o desenvolvimento da competência geral de fala, escrita e leitura,
indispensável à cidadania? É o que tentaremos responder.

Direitos reservados ao CETEB 


Filosofia e Educação Unidade I

Saiba mais

Sobre as Orientações Curriculares para o Ensino Médio referentes


à Filosofia, disponíveis no volume sobre Ciências Humanas e suas
tecnologias. Pode-se acessar o livro em formato pdf no seguinte
endereço eletrônico:
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/book_volume_03_
internet.pdf

Também é acessível por meio do portal do MEC, em


http://portal.mec.gov.br/seb/

Presente no Brasil como Componente Curricular obrigatório no Ensino Médio, a Filosofia também comparece na Educação
Fundamental e mesmo Infantil. No entanto, muitas vezes as propostas não estão isentas de críticas. Os críticos aludem
a uma possível inadequação etária, devido à ênfase excessiva no raciocínio, em uma época de vida em que as crianças
devem desenvolver outras facetas, como a apreciação estética e artística, a solidariedade e o bem-viver. Considerando
a famosa tríade "o Bom, o Belo e o Verdadeiro", na infância é preciso privilegiar o Bom e o Belo.

Assim, embora a preparação para a cidadania seja também importante no Ensino Fundamental, é necessário considerar o
equilíbrio, levar em conta a sensibilidade ética e estética do aluno e não enfatizar excessivamente o raciocínio formal.

Antes de continuarmos, sugerimos que coloque em prática essa sugestão e analise os resultados.

Analise, a seguir, o seguinte texto escrito a partir de uma proposta


de um grupo da Licenciatura e do departamento de Artes e
Comunicação da Universidade Federal de Pelotas:

“[Na metodologia de “Filosofia para crianças” criada por Mathew


Lipman, a mediação didática é feita pelas novelas filosóficas].
Diferentemente, utilizamos a arte como recurso pedagógico no
filosofar com as crianças, em que estas, por meio de diversas
modalidades de produção artística (teatro, dança, circo, escultura,
pintura, poesia etc), amassam, pintam, interpretam, dançam e
rasuram os conceitos, temas e problemas da filosofia, como por ex:
“O que é o tempo?”; “O movimento existe?”. A criança, no seu “fazer
artístico”, expressa toda a impressão e interiorização do seu tema
Práticas de Ensino de Filosofia

de inspiração filosófica, tornando o “fazer filosófico” algo divertido


e criativo. Nosso trabalho tem como objetivo, também, introduzir a
problemática da corporeidade, procurar superar a concepção greco-
ocidental de dissociação “corpo-mente”, e tentar por meio de um
“fazer artístico-filosófico” reencontrar essa totalidade (...)”. [XIV
Congresso de Iniciação Científica, UFPel. SILVA, Neimar Marcos;
ROCHA, Jucenir Garcia; COSTA, Maria Luiza. Docente orientador:
SILVA, Ursula Rosa].

10 Universidade Gama Filho


Filosofia e Educação Unidade I

Capítulo 2 – A Filosofia no Ensino Superior

Iniciaremos esta exposição com o relato de um caso particular, mas significativo e exemplar, na história do Ensino de
Filosofia no Brasil.
Durante muitos anos a cargo de entidades religiosas, como jesuítas, o Ensino Universitário de Filosofia no Brasil, até
então de caráter marcadamente tomista, ou então literário e eclético, recebeu um grande impulso com a chamada
"missão francesa" logo no período de constituição da Universidade de São Paulo, a USP, entre 1934 e 1939. Essa foi
a terceira missão francesa, entendendo-se por esse termo a contribuição cultural oficial da França ao Brasil. A primeira
foi a missão artística, sob Dom João VI, no início do século XIX, e a segunda foi durante a República, para instrução do
exército. Essa terceira missão francesa, com a visita de cientistas e filósofos, como Roger Bastide, Fernand Braudel,
Claude Lévi-Strauss, ajudou a estruturar as ciências humanas e a filosofia na USP. Na filosofia, a contribuição mais
marcante foi o método estruturalista de explicação de texto, com nomes como Martial Guéroult e Victor Goldschmidt.
A abordagem estruturalista promovia uma leitura interna do texto, a exemplo do livro Descartes segundo a ordem das
razões [Descartes selon l'ordre des raisons], de Guéroult. Também é preciso citar Jean Maugüé, que promovia nos alunos
de filosofia o interesse por diversas formas de expressão cultural, como filmes, teatro, romances.
Durante quase 40 anos o Departamento de Filosofia da USP teve professores franceses, pagos em parte pelo governo da
França, como Gilles-Gaston Granger, Claude Lefort e Gérard Lebrun. O impacto mais duradouro dessa influência francesa
foi a adoção de um estudo mais rigoroso e menos "literário" das obras filosóficas. Os alunos brasileiros capacitaram-se
para uma abordagem técnica de textos filosóficos intrinsecamente difíceis.
Não se pode negar que houve uma profissionalização da Filosofia no Brasil, que hoje é eminentemente universitária. Nos
anos 1970, muitos pesquisadores que fizeram doutorados no exterior (França, Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos)
começam a se tornar professores das Universidades no Brasil. Atualmente, em várias áreas da filosofia e em várias
regiões do país é expressiva a produção de Dissertações e Teses de qualidade nos cursos de pós-graduação.
Uma crítica que, atualmente, se faz é a respeito das formas de avaliação da produção filosófica pelas agências
financiadoras, que acaba por se pautar em critérios próprios das ciências humanas, exatas ou biológicas, sem atentar
para a especificidade do pensamento filosófico. Segundo Salles (2007), o filósofo acabou adotando o perfil do cientista.
Redige relatórios e projetos, ao invés de ensaios e tratados.
Ainda sobre o Ensino Superior, convém lembrar da existência de algumas disciplinas obrigatórias. O currículo mínimo de
graduação em Filosofia compõe-se das seguintes matérias básicas: História da Filosofia, Teoria do Conhecimento, Ética,
Lógica e Filosofia Geral.
Além disso, devemos mencionar a existência de disciplinas filosóficas em diversos outros cursos de nível universitário, como
Filosofia da Educação, ou Filosofia e Educação, em cursos de Pedagogia, Educação ou Magistério Superior. A disciplina
Metodologia Científica, geralmente, inclui temas relativos à natureza do conhecimento e da Filosofia da Ciência. Nos
cursos de Direito está presente a filosofia do Direito, e também é freqüente encontrar disciplinas de Filosofia em cursos
como Administração e Tecnológicos.
Pós-Graduação a Distância

Além de presente no currículo universitário, a Filosofia tem


despertado o interesse de amplas áreas da opinião pública, e
comparece em programas de divulgação na televisão, em palestras,
nos jornais, em cafés filosóficos etc.

Independente de julgar a qualidade desses programas, se bons ou ruins, o que lhe parece? A que se deve esse interesse
renovado pela Filosofia?

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Filosofia e Educação Unidade I

Capítulo 3 – A Educação Filosófica como Processo de Emancipação

A Filosofia é compatível com a alienação? A Filosofia é compatível


com o engajamento? Qual é o seu ponto de vista?

Como vimos, uma das propostas desta disciplina, Práticas de Ensino de Filosofia, é oferecer algumas bases para
reflexão sobre a relação entre Filosofia e consciência emancipatória no contexto do Ensino de Filosofia. Ou, em outras
palavras, entre Filosofia e Cidadania. Como estratégia, pretende também contribuir para o entendimento da especificidade
filosófica no ensino de filosofia; e a especificidade da leitura e produção de textos filosóficos.
Uma primeira indagação se apresenta: existe relação entre Filosofia e Consciência Social? Existe relação necessária
entre filosofia e emancipação?
Certamente, muitas respostas podem ser dadas a essa indagação, dependentes da concepção de filosofia e de emancipação
de cada pensador.
Em As Nuvens, o comediante Aristófanes (450 a.C. – 385 a.C.) traça um retrato de Sócrates de forma a confundi-lo com
um sofista. Seus ensinamentos produzem, nos discípulos, os mais absurdos e hilariantes resultados.
Tornou-se corrente a concepção de filósofo como de uma pessoa alheia a todas as questões cotidianas, a todas as
preocupações das pessoas em sociedade. Assim, o filósofo seria um "nefelibata", habitante das "nuvens", alguém
que fica tão absorvido com o mundo das idéias que não presta atenção naquilo que interessa à maioria das pessoas.
Simplesmente o filósofo não se daria conta da concretude do cotidiano e sequer teria o mais básico bom-senso.
Os comediantes satirizavam os filósofos, e os filósofos ironizavam os comediantes. Não à toa, Platão, em seu diálogo O
Simpósio (também conhecido como O Banquete) apresenta Aristófanes como um tolo. Os filósofos, Platão em especial,
não eram alheios às disputas culturais de seu tempo, e dela participavam com brilho, inclusive brilho literário.
Em Introdução à História da Filosofia, Marilena Chauí (2002, p.227) diz que "Os diálogos platônicos não são apenas
obras filosóficas, mas também verdadeiras jóias literárias, peças dramáticas de beleza e elegância sem par". A forma do
diálogo teria sido escolhida por Platão, de acordo com essa autora, por motivos filosóficos – por representar bem a arte
maiêutica dialogada e irônica de Sócrates, bem como o método dialético de conhecimento. A forma dialogada teria sido
adotada com intenções de envolvimento dramático. Os diálogos incorporavam características das artes dramáticas com
que os gregos já estavam acostumados, o estabelecimento de circunstâncias da ação, a unidade de tempo, e a elucidação
do caráter e da posição social dos personagens. Assim, o novo gênero inventado por Platão poderia soar suficientemente
familiar para a audiência grega. Platão não desprezava os elementos de envolvimento que poderiam estar presentes na
forma de apresentação, no estilo de expressão, embora estivesse introduzindo uma forma de raciocínio radicalmente
Práticas de Ensino de Filosofia

nova e dinâmica.
Uma das disputas culturais da época de Platão era a que opunha retóricos e filósofos. Na concepção tradicional dessa
disputa, considera-se que se trata da oposição entre os sofistas, reles vendedores de serviços de ensino, e os amantes
puros da Sabedoria, os filósofos.
Uma das acusações era de que os sofistas apregoavam a capacidade de ensinar a argumentar a favor ou contra qualquer
posição. Assim, não superariam o campo da doxa, da opinião. Diferentemente, os filósofos, como Sócrates e Platão,
defenderiam a epistéme, ou seja, conhecimento teórico por meio de conceitos necessários, e teriam compromisso com
a verdade.

12 Universidade Gama Filho


Filosofia e Educação Unidade I

Podemos argumentar que a demarcação entre retórica e filosofia foi uma criação, em parte, derivada dos próprios recursos
retóricos e literários empregados por Platão para desmerecer o trabalho dos sofistas.

Mas antes de nos aprofundarmos nessa questão – a disputa entre retóricos e filósofos – vamos falar sobre uma outra
concepção do que seja o filósofo; concepção, esta, em muito oposta à imagem do nefelibata.

Sobre o início da filosofia, vale a pena nos determos nos estudos de Jean-Pierre Vernant, helenista francês (1914-2007).
Em Origens do Pensamento Grego, livro publicado originalmente em 1962, Vernant vincula a originalidade da invenção da
filosofia, na Grécia, à originalidade de novas instituições sociais e de uma nova forma de fazer política, com o surgimento
da pólis grega.

A pólis surge entre os séculos VIII e VII a. C., e embora tenha passado por diversas transformações foi, desde o começo,
uma invenção original. E em que consistiu essa originalidade? Em uma transformação do poder da palavra. Antes, quando
a sociedade era dominada por um poder central – o basileus – a palavra tinha poder, mas um poder marcado pela idéia
de sobrenatural, de palavra ritual, de proclamação da themis, a lei divina.

Mas, com a pólis, a palavra torna-se o veículo da política realizada pelos cidadãos dos quais deriva o governo da cidade.
Diz Vernant (1987, p.56): "Todas as questões de interesse geral que eram da competência do Soberano e que definem
o campo da arqué são agora submetidas à arte oratória e terão de ser resolvidas no final de um debate".

Arkhé – em vernáculo arqué – é uma palavra grega que significa, segundo verbete no "Glossário de termos gregos", de
Chauí (2002, p. 495): "O que está à frente. (...) possui dois grandes significados principais: O que está à frente e por isso
é o começo ou o princípio de tudo; O que está à frente e por isso tem o comando de todo o restante (...)".

Assim, no segundo sentido, arqué é poder, autoridade, ou governo. O trecho de Vernant nos diz, então, que a oratória
tem precedência sobre a arqué, conduz a ela. As questões sociais devem ser, primeiro, formuladas, bem-formuladas, para
serem, então, debatidas. A formulação é um primeiro requisito, indispensável, para a condução dos negócios práticos da
pólis, para a política. Depois disso, o embate, o jogo político da argumentação, será a prova de fogo da boa expressão.

Diz Vernant (1987, p.56) que: "Entre a política e o lógos há, pois, uma ligação estreita, um laço recíproco"

Verifiquemos o significado de "lógos". Diz Chauí (op. cit.) que em grego esta palavra tem várias acepções. O verbo
correspondente, légo, significa, dentre outros, calcular, narrar, querer dizer, significar, ler em voz alta, falar como orador,
pensar, raciocinar. Assim, o substantivo, lógos, é palavra, sentença, conversa, assunto, inteligência, razão, fundamento,
argumento, explicação, narrativa, justificação etc.

Trata-se, enfim, de um campo semântico em que se aproximam os sentidos do dizer e do pensar.

Lógos é razão e é discurso. Qual a vinculação entre discurso e razão? Vernant (op cit.) chama a atenção para o seguinte:
por meio da arte retórica, vinculada à política da pólis, "o lógos toma consciência de si mesmo". Vejamos o que isso
significa.

É do próprio discurso, desdobrado sobre si mesmo, que surge a razão discursiva, o princípio da filosofia grega.
Pós-Graduação a Distância

E como isso se dá? Primeiramente, com as escolas de retórica são feitas análises das regras do discurso, mas apenas
com a finalidade pragmática de obter vitória nos debates. Mas, falando em termos contemporâneos, temos nisso já um
início de metacognição. Não se trata apenas da práxis, mas de reflexão sobre a práxis.

Para Vernant, são essas reflexões que abrem caminho para Aristóteles e o pensamento teórico. Pelo estudo da retórica
são identificadas as regras do verossímil, bem como da persuasão. Qual será, então, o estudo que permitirá identificar
as regras do verdadeiro? Da demonstração? Da lógica? Será a Filosofia, propriamente dita. Uma metacognição, mas
agora já no âmbito da teoria, e não apenas circunscrita à pragmática dos debates.

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Filosofia e Educação Unidade I

É comum encontrarmos estudos que fazem a oposição entre sofistas e filósofos. Os sofistas, para alguns estudiosos,
seriam apenas preocupados com os efeitos do discurso, com os resultados. Para eles, a fundamentação, a verdade, e
mesmo a ética, não seriam importantes. Já os filósofos seriam aqueles que, como Platão, estariam preocupados com
a verdade, a episteme, e não a mera opinião, doxa. E, como Aristóteles, não ficariam restritos à Retórica ou à Poética,
mas partiriam em busca da Lógica, da Teoria, da Ciência.

Essa diferenciação em que o principal propagador foi justamente Platão, não é assim tão simples. No trecho de Vernant,
acima comentado, percebemos que há um movimento de valorização da palavra e de reflexão sobre as regras do discurso,
que se iniciou justamente com os sofistas.

Desde o século XIX existe um movimento de resgate do papel dos sofistas como os primeiros defensores da democracia,
ou pelo menos, como peças fundamentais para que o exercício da democracia se efetivasse na pólis. Como afirma Chauí
(2002, p.160), para essa perspectiva relativamente recente os sofistas eram mestres da Pedagogia Democrática. Para
Bréhier, continua a autora, a palavra "sofística" referia-se a uma técnica de ensino e não a uma doutrina. Como exemplo,
podemos lembrar de que um tema sofista por excelência era "a virtude pode ser ensinada?". Nesse caso, "virtude" era a
virtude cívica, ou seja, seria o mesmo que perguntar se a cidadania poderia ser ensinada. Ou, como dizemos hoje em dia,
se a educação pode criar pessoas com consciência social, implicadas em uma cidadania responsável e crítica.

Em O Movimento Sofista, Kerferd identifica dois movimentos simultâneos de democratização, que se concretizaram
justamente no século de Péricles (o chamado "século de Péricles" é na verdade um período de 36 anos, compreendido entre
440 a.C. a 404 a.C., coincidindo em parte com a Guerra do Peloponeso). Em um desses movimentos, houve realmente o
acesso às magistraturas públicas de cidadãos que antes não seriam considerados dignos, por não terem um suficiente
poder econômico. Em outro movimento, complementar, alguns cargos políticos requeriam certas competências, e para
seu acesso era necessário o investimento em uma carreira. Nesse ponto, fortaleceu-se a importância dos sofistas, que
educavam os jovens ambiciosos e abonados para a preparação ao ingresso nessa carreira.

Esses dois movimentos consolidaram a democracia grega. Assim, os sofistas tiveram nela um importante papel. O resgate
da importância dos sofistas na História Grega começou com Hegel, que neles viu um importante momento em que a
Filosofia assume a subjetividade. Para o esquema de Hegel, os pré-socráticos estavam preocupados, principalmente, com
a physis (a natureza e o fundamento primordial do cosmo) e tinham uma ênfase objetivista. Com os sofistas, inicia-se o
complemento necessário, a ênfase subjetivista, em que o outro representante é Sócrates, embora com outra abordagem.
A filosofia de Sócrates é conhecida como antropológica, por sua ênfase no homem, ao passo que a dos pré-socráticos
privilegiava temas cosmológicos e da natureza.

Nossa sociedade contemporânea tem muitas afinidades com a perspectiva subjetivista. Além disso, as tendências
filosóficas ditas pós-modernistas enfatizam o papel do discurso, da linguagem, das versões, subtraindo-se à estrita busca
da verdade. Por exemplo, Richard Rorty, em Contingência, Ironia e Solidariedade analisa as redescrições da vida humana
promovidas tanto pela Filosofia quanto pela Literatura. Proust, Heidegger e Nietzsche: literatura e filosofia podem estar
fazendo o mesmo trabalho. Ambas podem estar comprometidas com a criação de um vocabulário estético, privado, não
compartilhado, que visa a uma autocriação humana independente das "palavras da tribo", como nesses três autores.
Mas também ambas podem estar comprometidas com a criação de um vocabulário da justiça, que é "necessariamente
público e partilhado e um meio de troca argumentativa". Nos dois casos, não existe um fundamento independente e
Práticas de Ensino de Filosofia

primordial, pois a linguagem é contingente e cria sua própria verdade.

Compreende-se, nesse quadro de tendências contemporâneas, os interesses recentes sobre a Retórica e sua relações
com a Filosofia. E, embora a estrita preocupação com a verdade pareça eclipsar-se ou relativizar-se – o que, para
alguns pensadores, é preocupante – por outro lado o que se percebe é uma nova ênfase na política e no papel público
da filosofia. Ou seja, pragmaticamente, no que ela faz. Há um interesse renovado pelos seus efeitos na construção de
uma sociedade mais justa, por exemplo.

14 Universidade Gama Filho


Filosofia e Educação Unidade I

Voltemos, agora, à questão da disputa entre sofistas e filósofos. A imagem mais difundida dos sofistas, como indiferentes
à verdade, foi difundida por seus inimigos, como o historiador Tucídides ou os filósofos Platão e Aristóteles. No entanto,
estudiosos contemporâneos têm relativizado a excessiva diferença suposta entre sofística e filosofia. Assim, considerando
o indício de que o comediante Aristófanes retratava Sócrates como um dos sofistas, Kerferd argumenta persuasivamente
que o método de Sócrates era de fato o método do movimento sofista como um todo (Kerferd, 1999, p.95). Trata-se,
em suma, do método de perguntas e respostas, que extrai contradições do discurso do interlocutor.

Kerferd revê as considerações de Platão sobre os sofistas e descobre uma sutileza interessante. O que ele reprovava nos
sofistas não era exatamente a técnica, mas uma certa atitude. Essa atitude era a erística, ou seja, a busca da vitória a
qualquer preço, independentemente da verdade ou justiça dos argumentos. Já a técnica sofística, chamada de antológica
(antilogikê), não era apreciada por Platão como método de argumentação. Mas sua condenação não era total, e sim,
motivada pela concepção mais ampla de sua filosofia, como veremos.

A antilógica consiste em demonstrar predicados contraditórios no mesmo objeto e procede por meio de contradições
meramente verbais. Consiste em opor discursos e descobrir contradições nos argumentos, ou levar o oponente a aceitar
dois discursos contraditórios, conduzindo-o a uma aporia. Lembremos que os diálogos socráticos, em Platão, também
conduziam a uma aporia.

Como, em Platão, a antilógica se torna um método insuficiente de argumentação? Ora, a antilógica torna-se o equivalente
discursivo das contradições aparentes do mundo fenomênico, que está sempre em estado de mudança, e não é por isso
fonte confiável de certeza. Da mesma forma, a antilógica é uma técnica flutuante, incerta.

Em Platão, assim, a antilógica não é suficiente, e sim a dialética, por estar comprometida com o conhecimento da verdade,
com a epistéme. A dialética seria, então, a arte de separar doxa de epistéme, opinião de conhecimento.

Para articular uma argumentação dialética seria necessário um fundamento imutável, certo e não flutuante. Em Platão,
esse fundamento é dado pelo mundo das Idéias, que são reais, objetivas e supra-sensíveis. No entanto, na História da
Filosofia, diversas serão as concepções de fundamento entre os filósofos. Isto é, os filósofos apresentarão diferentes
justificativas para o conhecimento, em geral oscilando entre justificativas racionalistas e empiristas, em uma dicotomia
que Kant tentará superar com a filosofia crítica. Mas esta já é uma outra longa história.

Para ler e debater com seus alunos:

Kant escreveu um texto interessante para quem está comprometido


com a Filosofia como processo de emancipação. Trata-se de
"Resposta à pergunta: Que é esclarecimento?”, disponível em:
KANT, Immanuel. Textos selecionados, Petrópolis, Vozes, 2005.

E em:
Pós-Graduação a Distância

http://serpensar.vilabol.uol.com.br/esclarecimento.htm

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Filosofia e Educação Unidade I

É possível ensinar a virtude cívica? É possível preparar alguém para


o exercício da cidadania mediante à educação?

Essas perguntas parecem relacionadas. No entanto, sabemos que


a primeira pergunta era um tema recorrente entre os sofistas, e
também é um tema tratado no diálogo platônico Mênon. Esse é um
diálogo intermediário na obra de Platão, ou seja, tem um aspecto
apriorístico, como os diálogos ditos socráticos, de juventude; e
já revela elementos da Teoria das Idéias, como nos diálogos de
maturidade.

Já a segunda pergunta acima revela uma preocupação corrente


dos nossos dias, qual seja, que pela Filosofia e pela Sociologia os
alunos se tornem mais aptos para o exercício da cidadania. Essa é
também uma crença que foi sustentada pelos filósofos iluministas.
Há pressuposta a afirmação de que se torna necessário o ensino de
certas competências para o exercício político de quem não é político
profissional, isto é, o cidadão das sociedades contemporâneas.

Podemos depreender, da leitura feita, que o poder da forma de


expressão – retórica ou literária – foi incorporado pela filosofia
desde a sua criação.

Esse poder de expressão veio acompanhado do espírito crítico


– pela descoberta de pressupostos e contradições no discurso do
interlocutor – e do exercício da cidadania em uma organização
política democrática.

Os princípios da democracia grega


Segundo Chauí (2002), os princípios fundamentais de democracia ateniense são os seguintes:

– Isonomia: a igualdade de todos os cidadãos perante a lei.


Práticas de Ensino de Filosofia

– Isegoria: o direito de todo cidadão de exprimir em público sua opinião, vê-la discutida e considerada no momento
da decisão coletiva.

Com esses princípios, a democracia ateniense exclui a idéia de “competência” em política, ou seja, de que alguns possam
mais porque sabem mais.

Na política, todos são competentes. Somente depois da decisão política os especialistas são chamados.

É um sistema “contra a tecnocracia”, o poder dos técnicos, especialistas, “economistas”, “cientistas” etc.

Há um ciclo racional a um objetivo, que é o seguinte:

16 Universidade Gama Filho


Filosofia e Educação Unidade I

Em um primeiro momento, o debate público na ágora cria as leis. O povo, de forma autônoma, foi legislador.

Em um segundo momento lógico, todos estão submetidos às leis, portanto estão todos submetidos à racionalidade. Para
Vernant, essa foi uma condição do surgimento da Filosofia na Grécia.

Em um terceiro momento, pela oratória política, os argumentos são tornados públicos e debatidos. Todos podem conhecer
as leis e debater seus fundamentos. Podem, assim, sugerir mudanças, sem que, com isso, o princípio de submissão de
todos ao princípio legal seja desafiado.

Democracia e oratória (debate)

Em um artigo jurídico, Damião Alves de Azevedo, pesquisador ligado à UnB, destaca uma cena em Grandes Sertões:
Veredas, de João Guimarães Rosa, em que ocorre o julgamento de Zé Bebelo. Ligado ao governo, Zé Bebelo é uma
personagem dúbia, pois procura emancipar o sertão de chefes locais – fazendeiros e jagunços – mas é, ele próprio, fruto
desse meio: coronel sertanejo que pretende ser um déspota esclarecido.

Derrotado na guerra, é capturado, o que gera um impasse para os fazendeiros que lideram os jagunços: não podiam
simplesmente exterminar um outro fazendeiro. Arma-se, então, um julgamento. Cada um dos jagunços torna-se um
acusador e expõe seus argumentos. Alguns são mais articulados, outros são simplórios. Mas todos experimentam essa
nova situação, em que devem refletir sobre seus atos e justificar suas opiniões.

A situação é repleta de contradições, mas há um aspecto positivo. É uma experiência democrática em um contexto altamente
autoritário. Nesse julgamento, mesmo o povo mais miúdo e “desclassificado” experimentou a defesa pública de argumentos.
E, quando argumentos são públicos, abre-se a possibilidade de crítica. Não existe mais ordem autoritária naturalizada.

Algumas pessoas acreditam que somente depois de o povo ser educado poderá haver democracia. No entanto, podemos
divisar nisso uma concepção idealizada de democracia. Diz o autor:

“Por vezes nos deparamos com posturas que afirmam que a Constituição de 1988 é por demais
idealista, ou que a democracia não é para nós, que nossa população não é suficientemente madura
para assumir a responsabilidade que a democracia exige, ou ainda que primeiro o povo deve ser
educado e preparado, para só depois ter certos direitos. Ao analisar tais afirmações, é preciso
perguntar se os países que julgamos mais democráticos também não contam com diversas tradições
autoritárias que persistem até hoje. Será que neles a democracia surgiu perfeita, como dádiva divina
ou elaboração de homens de virtude sobrehumana? Se fizermos essas perguntas veremos que a
democracia não surgiu pronta em lugar algum, e tampouco foi obra de leis perfeitas. Pelo contrário,
seguiu itinerários conturbados, permeados por crises de toda ordem e correndo riscos a todo instante.
Mas, principalmente, veremos que o autoritarismo não é monopólio do Brasil, e mesmo em democracias
antigas há sempre setores sociais prontos a reivindicar privilégios com base em valores tradicionais”.
(AZEVEDO, p.2008).

Com isso em mente, é interessante descobrir qual a concepção efetiva de democracia entre seus alunos, ou entre a
comunidade com que os alunos convivem.

Pode ser feito, primeiro, um debate em sala de aula, para identificar quais os conceitos de senso comum disseminados
Pós-Graduação a Distância

sobre democracia. A seguir, os alunos podem realizar uma pesquisa sobre as características dos regimes democráticos
atuais; sobre a origem da democracia na Grécia; sobre a democracia implantada nos Estados Unidos na sua fundação,
sob inspiração da Revolução Francesa; sobre as elaborações em Filosofia Política, por exemplo, em Alexis de Tocqueville,
que, em 1840, analisou a democracia americana e a evolução da democracia em outros países; sobre movimentos de
desobediência civil, como em Henry Thoreau ou Ghandi, na Índia.

A seguir, os alunos podem consultar a Constituição de 1988, no Brasil, batizada de “Constituição Cidadã”, na seção
referente à forma de governo, e também os artigos de 1 a 4 (referentes ao Título I – Dos princípios fundamentais) e o
artigo 5 (referente ao Título II – Dos direitos e garantias fundamentais).

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Filosofia e Educação Unidade I

Constituição Federal do Brasil – CF 1988.

Título I: Dos princípios fundamentais.


http://www.dji.com.br/constituicao_federal/cf001a004.htm

Título II: Dos direitos e garantias fundamentais.


http://www.dji.com.br/constituicao_federal/cf005.htm.

Os alunos podem fazer questionários para aplicar na comunidade escolar; na comunidade do entorno escolar, em um
diâmetro de 2 km da escola; nas suas famílias e na comunidade do bairro em que residem. Inicialmente, podem perguntar
para as pessoas: “O que é democracia?" como uma pergunta aberta.

Mas, então, seguindo sugestão do plano de aula elaborado por Heidi Strecker (Revista Pedagogia e Comunicação, página
3), pode ser apresentado um questionário com alguns itens relativos a elementos da democracia. Pede-se ao entrevistado
que avalie quais desses itens considera essenciais para a democracia, quais, em sua opinião, são relativos e por quê.
– Eleições livres
– Eleições diretas
– Voto universal (para todos)
– Oposição com papel importante e poder efetivo
– Liberdade de imprensa
– Direitos das minorias respeitados
– Liberdade de expressão
– Liberdade religiosa
– Alternância de poder (mudam os partidos políticos que estão no governo)
– Governo submetido à lei (Constituição)
– Organização da sociedade civil (sindicatos, ONGs, associações, grupos de pressão)

Outra reflexão a ser feita com os alunos é a respeito do papel dos debates na democracia. Existe realmente debate no
Brasil? Quais as instâncias de debate democrático na nossa sociedade? É apenas nas vésperas das eleições que ocorre
o debate democrático? Ou existe um constante e permanente debate em diversos setores da sociedade, como: artigos de
opinião em jornais; colunas “painel do leitor” nos jornais; debates em rádios e em programas de televisão, sobre diversos
assuntos; artigos de intelectuais que procuram influenciar a opinião pública ou decisões polêmicas a serem votadas no
Congresso ou julgadas no Supremo Tribunal Federal; opiniões de cidadãos comuns em blogs na Internet; eventos públicos
na forma de paradas, protestos e intervenções diversas.
Práticas de Ensino de Filosofia

Outra questão é: existe debate de fato, ou apenas contraposições de slogans e “palavras de ordem”, em que as pessoas que
defendem uma determinada posição não se preocupam em ouvir a posição contrária? Olivier Reboul diz que é importante,
na arte retórica, compreender a posição do adversário. As pessoas, hoje, esforçam-se por essa compreensão?

E, quando se embatem adversários com seus respectivos slogans pouco refletidos, existe de fato a aceitação ou apelo
a um mediador, a um juiz? Pois lembremos que, na arte retórica, a audiência é o juiz final. Qual é a audiência a que se
dirigem os debates atualmente? Os congressistas? O judiciário? A volátil opinião pública? Os jornais e outros instrumentos
de mídia? A televisão? A “ágora virtual”, ou seja, a Internet?

18 Universidade Gama Filho


Filosofia e Educação Unidade I

Trabalhe com seus alunos a compreensão do ponto de vista do


interlocutor, antes da busca de sua refutação.

Faça um levantamento, com os alunos, de exemplos de debates sobre


temas importantes que ocorrem em diversos suportes na Internet:
blogs, sites de relacionamento, sites de vídeos como “youtube”,
listas de discussão, fóruns etc. Selecione alguns desses debates
para análise em sala de aula.

Desenvolva, com os alunos, um suporte de Internet – como blog,


fórum, site – para continuar os debates realizados em aula e divulgá-
los ao público mais amplo.

Pós-Graduação a Distância

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Filosofia e Educação Unidade I
Práticas de Ensino de Filosofia

20 Universidade Gama Filho


Leitura Filosófica Unidade II Unidade II

Leitura Filosófica

Capítulo 4 – Leitura Filosófica: Hermenêutica, Refutações e Reflexões

Hermenêutica
Filósofos são "amigos da sabedoria", já que filosofia compõe-se de philo (amizade) e sophia (sabedoria teórica). Deleuze
e Guattari (1997) chamam a atenção para "amigo" como um personagem conceitual criado pela filosofia grega. Amigos,
pretendentes iguais à sabedoria e também rivais. A criação da pólis teria como corolário o ágon, a disputa entre iguais,
constituinte do governo da cidade, condição para a filosofia.
Dizem os autores supracitados: "É sob este primeiro traço que a Filosofia parece uma coisa grega e coincide com a
contribuição das cidades: ter formado sociedades de amigos ou de iguais, mas também ter promovido (...) relações de
rivalidade, opondo pretendentes em todos os domínios, no amor, nos jogos, nos tribunais, nas magistraturas, na política,
e até no pensamento (...)" (1997, p.12).
Esse caráter agonístico se reflete no próprio embate das filosofias na História da Filosofia.
"Se os conceitos não param de mudar, podemos perguntar: 'qual unidade resta para as filosofias?' " (Deleuze e Guattari,
1997, p.16). Qual a identidade da filosofia?
Se a filosofia deve estar comprometida com a verdade, e não com a doxa, como explicar as aparentes contradições entre
os diversos sistemas filosóficos?

Como diz Heidegger (2003, p.21)


"Mas se é de uma claridade solar o fato de a verdade filosófica ser uma verdade absolutamente certa,
por que exatamente nunca vinga este esforço da filosofia?"

A filosofia é distinta do conhecimento matemático, diz Heidegger. Este confere certeza, mas é vazio e não imperativo.
Tanto é vazio, que grandes descobertas matemáticas podem ser feitas por jovens de 17 anos. Eles não necessitam da
experiência, da substância de vida humana. Mas a filosofia, pelo contrário, busca uma totalidade. Sua necessidade é
radical, extrema, imperativa. Diz Heidegger: "Nós estamos incertos do filosofar". Mas isso porque o filosofar não se
distingue do modo de ser humano, de seu destino aberto e "a caminho".

Assim, podemos aventurar que a filosofia se situa no pólo da compreensão, e não do entendimento? Para Gadamer,
Pós-Graduação a Distância

criador da hermenêutica contemporânea, certamente que sim.

Gadamer inspirou-se em Heidegger. Um conceito importante para Heidegger, e adotado por Gadamer, é o de phronesis,
ou "sabedoria prática", em contraposição ao entendimento teórico, contemplativo.

Sabemos que a hermenêutica tem uma longa história, tendo se iniciado como um quadro teórico para orientar a exegese
bíblica, nos séculos XVIII e XIX, desenvolveu-se como uma teoria mais ampla de interpretação de texto. Wilhelm Dilthey
ampliou o conceito ainda mais, considerando a hermenêutica como a metodologia essencial para a compreensão "humana"
ou "histórica". A preocupação desses autores era com a fundação científica da hermenêutica.

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Leitura Filosófica Unidade II

Em Gadamer, a questão metodológica torna-se menor, pois o importante é enfatizar a compreensão como uma prática
dialógica em um horizonte de vivência de um ser historicamente situado.

Heidegger pode nos ajudar com o conceito de alétheia., resgatado dos gregos. Em grego, léthe é o esquecimento. Famoso
é o rio Letes da mitologia. A palavra alétheia significa o des-esquecimento, desocultamento. Chauí [2002, p.494], no
Glossário de termos gregos, lembra que duas outras concepções de "verdade" influenciaram a civilização ocidental. Uma
é relativa à palavra latina veritas, que se refere à veracidade de um relato. Outra deriva da palavra hebraica emunah, e
expressa a confiança em uma palavra divina. Já alétheia indica uma realidade que se revela a partir do ocultamento ou
esquecimento em que estava.

Diferentemente do conceito platônico de verdade – luz explícita, visão completa – alétheia nos diz de uma verdade que
se revela aos poucos, em que o Ser é sempre parte do descobrimento e parte do ocultamento. O próprio filosofar,
intrínseco ao "Ser-aí" do homem, revela-se, mas nunca inteiramente.

Assim, o filosofar é uma compreensão, simultaneamente autocompreensão. O filosofar é dialógico. E é criação e


autocriação, ou seja, é autopoético.

Podemos observar em Gadamer a influência heideggeriana.

Diz Ernildo Stein, em um artigo rememorativo da obra desse filósofo, que para Gadamer importava "mostrar como a
razão deve ser recuperada na historicidade do sentido, e essa tarefa se constitui na autocompreensão que o ser humano
alcança como participante e intérprete da tradição histórica".

Assim, interpretar também pode ser "compreendido como uma autocompreensão de quem interpreta". E, além disso,
"o ser não pode ser compreendido em sua totalidade, não podendo, assim, haver uma pretensão de totalidade da
interpretação" (Stein, 2002).

Complemento de Vocabulário

Poiésis em grego é ação de fabricar. Para Aristóteles, trata-se de uma ação humana que fabrica um objeto
de natureza diferente do agente. Assim, as artes poiéticas são a carpintaria, a engenharia, a culinária, mas
também a composição poética ou retórica e o teatro.

Autopoiese é um termo com sentido específico introduzido na Biologia por Maturana e Varela, mas que,
literalmente, pode ser lido como a fabricação de si mesmo como uma obra.

Refutações
Práticas de Ensino de Filosofia

Gérard Lebrun, no artigo "Por que filósofo?", afirma que a filosofia é uma "argumentação logikôs", apenas "um jogo
apaixonante da linguagem", o "jogo do sentido a todo custo".

Talvez esta seja uma característica da filosofia, a capacidade de encontrar uma totalidade de sentido a partir dos próprios
conceitos que cria. Mas diz Deleuze que, nesse caso, a filosofia constitui um plano próprio, e nunca pode ser refutada.

Uma abordagem conhecida é a de Hegel. Não existe refutação em filosofia, mas sim contradição dialética. Na conhecida
formulação, uma tese é parcialmente negada pela antítese, resultando em uma síntese. Essa síntese passa, por sua vez,
a ser a tese de um novo processo.

22 Universidade Gama Filho


Leitura Filosófica Unidade II

Dessa forma, os sistemas filosóficos se contradizem dialeticamente, em renovadas sínteses. Assim, Hegel introduz a
dimensão do tempo para a verdade filosófica.

Na formulação de Rorty (1992, p.28), o sistema de Hegel adquire tons sofísticos:

"Aquilo que Hegel descreve como sendo o processo do espírito que, gradualmente, se torna
autoconsciente da sua natureza intrínseca, é mais bem descrito se se disser que é o processo de
mudança das práticas lingüísticas européias a um ritmo cada vez mais rápido"

Ou seja, para Rorty, a sucessão de sistemas filosóficos é apenas a sucessão de redescrições lingüísticas.
Contemporaneamente diríamos: releituras. Já em Hegel, essa sucessão segue uma necessidade lógica, embora orgânica
e viva, gerada pelos próprios sistemas. Para usar termos anteriormente considerados, a antilógica está na realidade e
no Tempo, ou seja, na História, não apenas na linguagem.

Enquanto para Hegel a dimensão a ser considerada é a História, para Deleuze e Guattari (1997, p.40) é o espaço. Os
sistemas filosóficos formam planos que são irredutíveis uns aos outros.

Dizem esses autores:

"Os conceitos [por exemplo, cartesianos] não podem ser avaliados a não ser em função dos problemas
aos quais eles respondem e do plano sobre o qual eles ocorrem", seu plano de imanência (1997: 40).

Assim, "um conceito tem sempre a verdade que lhe advém em razão das condições de sua criação" (id. ibid).

Como a metáfora organizadora em Deleuze e Guattari é o espaço, os conceitos põem seus próprios problemas e funcionam
em um determinado plano. Sobre a questão das supostas contradições entre as filosofias, não há nada a dizer, pois
são propriamente incomensuráveis. Não se pode dizer se há planos melhores, ou problemas melhores. Não se pode fugir
do plano em que foi criado o conceito, para responder questões específicas daquele plano. Esse é o horizonte de tal
conceito. Se há crítica a partir de outro plano, é porque foram formuladas perguntas não intrínsecas ao plano original.
Seus conceitos podem ser apropriados, recriados.

Assim, no diálogo entre os sistemas filosóficos há, necessariamente, recriação, mas não refutação, pois não se opera
no mesmo plano.

Se pudesse haver refutação, estaríamos no estrito exercício da sofística, na técnica da antilógica: argumentos que se
alteram, sem cessar. Mas na filosofia, propriamente, há um ponto de parada, uma exclusividade. A dialética platônica não
é uma arte do diálogo, mas uma arte de separar um conceito, de elegê-lo em um argumento que se torna "o impiedoso
monólogo que elimina, um após os outros, todos os rivais" (DELEUZE e GUATTARI, 1997, p.42).

Dizem esses autores que podemos reativar os conceitos dos grandes sistemas filosóficos. Podemos nos inspirar no
platonismo, no cartesianismo, no kantismo, para criarmos nossos próprios conceitos em função dos nossos problemas
filosóficos atuais. Apenas ao fazermos isso, estaremos seguindo o exemplo dos grandes filósofos.
Pós-Graduação a Distância

Reflexões

Para arrematar o capítulo, podemos citar como características da reflexão filosófica:

O pensamento voltado sobre si mesmo: a reflexão sobre as técnicas de retórica sofísticas tomaram a ferramenta
política, prática em si um instrumento cognitivo, como objeto de metacognição, ou do pensar. A filosofia foi uma derivação
dessa primeira metacognição, em que a preocupação não era apenas com as regras do verossímil, mas com as regras da
demonstração, como vimos no início da filosofia grega, segundo Vernant.

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Leitura Filosófica Unidade II

O estranhamento do que é familiar: a Filosofia, como o mito, recebe um estímulo primeiro com o espanto em relação
a algum aspecto existencial complexo.

A atenção às palavras: a Filosofia é capaz de romper a atitude de naturalidade e espontaneidade com que usamos
as palavras, fazendo com que as problematizemos e procuremos identificar pressupostos que até então estavam
desapercebidos. O uso da linguagem torna-se, assim, reflexão.

A atitude crítica: a postura filosófica evita a aceitação imediata das palavras ou dos fatos. Assim, a Filosofia resiste
ao consenso, ao senso comum, à atitude cotidiana acrítica. A Filosofia diz, como Sócrates, que "nada sabe". Mas, então,
procura saber. Como? Por meio da criação de conceitos.

A criação de conceitos: explicaremos este item na Unidade III.

Atividades práticas para desenvolver com seus alunos

I. Sentenças auto-referentes

Vimos que a Filosofia procura salientar a atenção com as


palavras.

Exploradas por Douglas Hofstadter em seu livro Metamagical


Themas, as sentenças auto-referentes são exercícios úteis
para a reflexão metalingüística e metacognitiva, que você pode
explorar com seus alunos.
Veja um exemplo simples de auto-referência:
1. Esta sentença nenhum verbo.

Sentenças que envolvem paradoxo:


2. Esta sentença é falsa.
3. Esta sentença falha completamente em sua tentativa
de comunicar o argumento que ela não está tentando
sustentar.
4. Esta sentença não tem significado porque ela é auto-
referente.
5. Eu estou mentindo.
6. Não obedeça a esta ordem!
Práticas de Ensino de Filosofia

Sentenças que envolvem a distinção “uso” e “menção” (uma


distinção usual na Filosofia da Linguagem):

1. “Jogar com a distinção uso-menção” não é “tudo na vida,


você sabe”. [Esta sentença pode ser traduzida como: A não
é B – independente do que estiver entre as aspas].

2. Para obter sentido “desta sentença”, você terá que ignorar


“suas” aspas.

24 Universidade Gama Filho


Leitura Filosófica Unidade II

3. Vamos criar uma nova convenção: que qualquer coisa


mencionada com aspas triplas, por exemplo, ‘“Não, eu mudei
de idéia; quando as aspas triplas fecharem, apenas pule
diretamente para o ponto final e ignore tudo que estiver no
meio”’, não deve ser lida (muito menos obedecida).

Sentenças que abordam com ironia a relação entre auto-


referência e a recepção/leitura:
1. Eu não sou a pessoa que me escreveu.
2. Olha só – esta sentença é sobre mim! [personificação da
sentença auto-referente]
3. Eu sou o pensamento que você está pensando agora.
4. O leitor desta sentença existe somente enquanto estiver me
lendo.
5. Ei, você aí – é você que está me lendo, ou é outra pessoa?
6. Quando você não está olhando, esta sentença está em
Sânscrito.

Veja como uma simples sentença abre possibilidades de reflexão


sobre a recepção que podem até ser extrapoladas para uma
teoria da literatura: as obras de arte são criadas pelos leitores
a cada época histórica; é fundamental o papel da recepção na
construção do significado. Essa reflexão vale, também, para a
recepção das obras filosóficas.
Pode ser feita uma atividade que parte da sensibilização com
essas sentenças, e a seguir utiliza textos de Jorge Luis Borges
sobre temática afim. Por exemplo, o conto “Pierre Menard,
autor do Quixote”, que trabalha a relação leitura-significado (ou
processo de escritura-significado).
A propósito, também é interessante ler o conto “Funes, o
memorioso”, que pode ser explorado quanto à relação entre
esquecimento e a possibilidade de formação de conceitos. E
o conto “Tlön, Uqbar, Orbis Tertius”, sobre a relação entre
imaginação e realidade. Atente que a expressão “Orbis Tertius”
é uma referência erudita ao conceito de Mundo 3, de Popper
(vale a pena verificar e comparar). A narrativa também pode
ser utilizada para discutir níveis de realidade, idealismo de
Pós-Graduação a Distância

Berkeley etc.
Enfim, muitos contos de Borges, por suas referências filosóficas
engenhosamente entretecidas com a ficção, constituem uma
sensível porta de entrada para temas filosóficos. Para obter os
contos, pode ser consultada a Obra Completa (em português ou
espanhol, para trabalhos interdisciplinares). Novas traduções de
livros de Borges estão sendo relançadas.

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Leitura Filosófica Unidade II

Veja mais sobre o paradoxo do mentiroso no blog Problemas


Filosóficos:

http://problemasfilosoficos.blogspot.com/2008/05/sobre-o-
sentido-das-frases-do-mentiroso.html

As sentenças auto-referentes podem ser ilustradas com uma


apreciação da obra de M. C. Escher, artista gráfico holandês que
explorou padrões geométricos recursivos:

Galeria na Web:
http://www.mcescher.net/

Site oficial:
http://www.mcescher.com/

Palavras e coisas

Outra maneira de trabalhar a atenção sobre a linguagem é retomar


um tema antigo da filosofia, a relação entre palavras e coisas.

No diálogo Crátilo, de Platão, são apresentados diferentes pontos


de vista sobre o assunto, representados por diferentes personagens
filosóficos. Crátilo defende uma posição em que os nomes, no seu
plano de expressão, deveriam refletir fielmente as coisas. Dessa
forma, conhecer os nomes já seria conhecer as próprias coisas. Já
Hermógenes, defende o convencionalismo, ou seja, os nomes são
dados arbitrariamente às coisas. Platão é partidário de uma posição
intermediária, pois admite haver certo grau de convencionalismo,
mas há também uma ordem que restringe a arbitrariedade.

Uma interpretação desse debate é aquela no qual conhecer os


nomes das coisas significa defini-las por seus atributos. Assim,
quem conhecer os atributos conhecerá o significado da palavra e
a essência da coisa. Esta é uma teoria do conhecimento chamada
“de dicionário”, que se opõe à teoria do conhecimento chamada
“enciclopédica”, em que para conhecer algo do nome é preciso todo
Práticas de Ensino de Filosofia

um conhecimento prévio, enciclopédico. Assim, o conhecimento do


mundo seria anterior ao conhecimento dos conceitos individuais e
das palavras. Uma elaboração dessa distinção é feita pelo filósofo
da linguagem italiano Diego Marconi.

Um exercício simples para trabalhar o convencionalismo com seus


alunos é sugerido pelo professor Josué Cândido da Silva, para a
publicação Pedagogia e Comunicação, Página 3. A seguir, exponho
uma adaptação:

26 Universidade Gama Filho


Leitura Filosófica Unidade II

Selecione algumas palavras de uma língua que os alunos desconheçam.


Neste exemplo, sugiro a língua Guarani Mbyá. No exemplo do
professor, foi sugerido o alemão. Sempre pergunte, antes, se há
algum aluno na classe que domine essas línguas.

Escreva as palavras em tiras de cartolina [sem a tradução]. Distribua


os alunos em grupos e peça que tentem adivinhar a que as palavras se
referem. Pode dizer em que domínio do mundo real são empregadas,
por exemplo: as seguintes palavras são empregadas para indicar
pessoas, elementos naturais ou de habitação e alimentos. Conseguem,
primeiro, dividi-las nos campos semânticos acima?

ava = homem
xeramõi = senhor
cunhataí = moça
jaray’i = senhora
tape = caminho
para = mar
yvytu = vento
yvy = terra
tekoa = aldeia
‘aa = cachoeira
yy = água
yyakã = rio
yryvõvõ = ponte
pirá = peixe
mbojape = pão
komandá = feijão
avaxi = milho

Depois de escreverem suas suposições sobre os significados, peça


aos alunos que debatam sobre que hipóteses utilizaram para obter
os resultados.
Note que, ao se procurar dividir as palavras em campos semânticos já
se está utilizando conhecimento prévio do mundo, isto é, conhecimento
enciclopédico.
Depois desse primeiro passo, uma estratégia que pode surgir é partir
das formas similares das palavras para indicar objetos do mesmo
campo semântico. Essa estratégia pode ser efetiva na análise de
Pós-Graduação a Distância

novas linguagens, ou seja, é possível que exista certa relação entre


a forma lingüística e o campo semântico, ou recorte de mundo. Ou
seja, como dizia Platão, há certa ordem na forma da linguagem.
Obs: A letra “y” nas palavras em Guarani indicam um fonema vocálico
inexistente em Português: /y/. Uma forma prática de obter o fonema
é articular a boca como se fosse pronunciar /i/ e tentar pronunciar
/u/. Já o apóstrofo /’/ indica uma parada na respiração antes de
pronunciar o fonema.

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Leitura Filosófica Unidade II

Pode-se completar o trabalho com pesquisas sobre as diversas


conceituações filosóficas sobre a linguagem, por exemplo:

– A teoria nominalista de Okham.

– O texto de Herder sobre a Origem da Linguagem.

– O texto de Rosseau sobre a Origem da Linguagem.

– Textos sobre a “Forma interna da linguagem” (Innere


Sprachform), de Wilhelm Von Humboldt.

– Textos de Cassirer sobre a linguagem em: A Filosofia das


Formas Simbólicas.

Para continuar o debate:

Há algo, na linguagem, que expressa a personalidade do povo


que a fala?

Por que o português falado no Brasil tem mais vogais e semi-vogais


que o português falado em Portugal?

Será que, como diz a letra de Caetano Veloso, “só é possível


filosofar em alemão?”.

Qual sua opinião sobre o seguinte trecho de Heidegger:

“[Sobre O que é isto – a filosofia?] A palavra grega philosophia mostra-nos a direção. (...) Aqui se
impõe uma observação fundamental. Se nós agora ou mais tarde prestamos atenção às palavras da
língua grega, penetramos numa esfera privilegiada. Lentamente vislumbramos em nossa reflexão que a
língua grega não é uma simples língua como as européias que conhecemos. A língua grega, e somente
ela, é logos. Disto ainda deveremos tratar ainda mais profundamente em nossas discussões. Para o
momento sirva a indicação: o que é dito na língua grega é de modo privilegiado simultaneamente aquilo
que em dizendo se nomeia. Se escutarmos de maneira grega uma palavra grega, então seguimos seu
legein, o que expõe sem intermediários. O que ela expõe é o que está aí diante de nós. Pela palavra
grega verdadeiramente ouvida de maneira grega, estamos imediatamente em presença da coisa
mesma, aí diante de nós, e não primeiro apenas diante de uma simples significação verbal”. [apud
Práticas de Ensino de Filosofia

MARCONDES, 2005, p.148].

28 Universidade Gama Filho


Leitura Filosófica Unidade II

Capítulo 5 – As Especificidades da Leitura Filosófica

A reflexão filosófica exige freqüentação – retornar várias vezes ao mesmo conceito e ao mesmo texto – e exige que o
leitor se demore, exija essa demora no suster o conceito no espírito – é o contrário do que exige nosso dia-a-dia corrido,
moderno ou hipermoderno.

Deve-se ter em mente, também, que se trata, não de um saber enciclopédico – embora a erudição seja, depois, útil – mas
sim um saber de formação (que os românticos alemães chamavam de Bildung), e isso envolve saber ter uma certa atitude
com os conceitos e com os textos.

Que atitude ter com os conceitos? Afora a compreensão do dinamismo dialético da filosofia, que já vimos em item anterior,
existem algumas atitudes práticas a serem tomadas.

Uma delas é a familiarização com certos temas recorrentes na Filosofia. Esses temas são retomados pelos filósofos,
nem sempre de maneira explícita.

Eis um exercício: Selecione alguns títulos de obras de Platão, de


Aristóteles e de alguns autores da filosofia medieval, moderna e
contemporânea, de sua preferência. Pelos títulos, que tipos de
temas são privilegiados para a reflexão filosófica? Esses temas têm
reaparecido em outros autores, ao longo da História da Filosofia?

Muitos autores, ao invés de adotar uma exposição histórica para


iniciar o ensino de filosofia, preferem uma abordagem por temas.
É o caso, por exemplo, de Kwame Anthony Appiah, em seu livro
Introdução à Filosofia Contemporânea. Destaquemos os temas:
a mente, o conhecimento, a linguagem, a ciência, a moralidade, a
política, o direito, a metafísica, a própria filosofia. É interessante
observar que ao tratar do tema "mente", esse autor inicia por uma
exposição de questões bem atuais, relativas à inteligência artificial,
para então demonstrar a antigüidade filosófica do problema, e algumas
soluções propostas.

Outra atitude prática consiste em fazer um levantamento de seus


temas privilegiados, bem como do seu vocabulário específico.
Pós-Graduação a Distância

A tarefa anterior pode ser ajudada com a consulta a alguns dicionários e enciclopédias especializados em filosofia.

Aquele que pretenda dedicar-se à Filosofia, ou que deseje incluir as contribuições da filosofia na sua prática reflexiva e
docente, deve certamente preocupar-se em constituir uma biblioteca pessoal de apoio.

Em vista disso, recomendam-se, a seguir, alguns dicionários e enciclopédias de Filosofia.

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Leitura Filosófica Unidade II

Indicações de livros e dicionários de Filosofia (em ordem não


alfabética):

Básicos:

a) Dicionários
NICOLA, Ubaldo. Antologia Ilustrada de Filosofia. Rio de
Janeiro: Editora Globo, 2005. 480 p.
BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Rio de
Janeiro: Editora Jorge Zahar, 1997. 438 p.
AUDI, Robert. Dicionário de Filosofia de Cambridge. São
Paulo: Editora Paulus. 1019 p.
HOUAISS Dicionário de Língua Portuguesa. [Contém
definições sucintas de muitos termos de filosofia, inclusive
termos gregos, como physis, arqué, lógos].

b) Manuais
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Editora
Ática, 2003.
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda e MARTINS, Maria Helena
Pires. Filosofando: Introdução à filosofia. Editora Moderna,
2003.
CHAUÍ, Marilena. Introdução à História da Filosofia. São
Paulo: Companhia das Letras, 2002.
Livros de filosofia da coleção Passo a Passo, da Editora Jorge
Zahar. Esses livrinhos são dedicados a autores específicos ou
a temas específicos da filosofia.

Avançados:

a) Dicionários
CANTO-SPERBER, Monique (org.) Dicionário de Ética e
Filosofia Moral. 2 vols. Porto Alegre: Editora Unisinos,
FERRATER MORA, José. Dicionário de Filosofia. 4 volumes.
São Paulo: Editora Loyola, 2001. .
Práticas de Ensino de Filosofia

CAYGILL, Howard. Dicionário Kant. Rio de Janeiro: Editora


Jorge Zahar, 2000.
COTTINGHAN, John. Dicionário Descartes. Rio de Janeiro:
Editora Jorge Zahar.
INWOOD, Michael. Dicionário Hegel. Rio de Janeiro: Editora
Jorge Zahar, 1997.
INWOOD, Michael. Dicionário Heidegger. Rio de Janeiro:
Editora Jorge Zahar. 2002.

30 Universidade Gama Filho


Leitura Filosófica Unidade II

Para aqueles que lêem a língua inglesa, também se recomendam:

Stanford Encyclopedia of Philosophy:


http://plato.stanford.edu/

EDWARDS, Paul (Editor). The Encyclopedia of Philosophy.


MacMillan Publishing Company, 1973, 4300 p.

The Internet Encyclopedia of Philosophy:


http://www.iep.utm.edu/

The Cambridge Companions to Philosophy (Diversos


títulos).

A respeito da leitura filosófica, observemos esta frase de Heidegger: "filosofia é filosofar". Ela encontra-se no texto A
determinação da filosofia a partir dela mesma, tomando como fio condutor uma sentença de Novalis. Trata-se em parte de
uma conferência, publicada em português no livro Os conceitos fundamentais da metafísica: mundo, finitude, solidão.

Como podemos interpretar essa conceituação? Inicialmente, vamos notar que os temas trazidos por Heidegger trazem
uma tonalidade existencial para a reflexão filosófica. Especialmente no que se refere a finitude, solidão. Nessa palestra,
Heidegger fala sobre a existência de certa tonalidade afetiva necessária para que a reflexão filosófica ocorra.

De fato, Heidegger estava trazendo uma inflexão existencial para a filosofia de seu tempo. Mas será uma novidade tão
radical? Não, se levarmos em conta o que Aristóteles dizia sobre a filosofia e o mito:

"(...) os homens começam e começaram sempre a filosofar movidos pelo espanto (...). Aquele que se
coloca uma dificuldade e se espanta reconhece sua própria ignorância. Por isso, o que ama os mitos
(philómythos) é, de certa maneira, filósofo (philósophos), pois o mito está repleto de espantoso (...)".
(Chauí, 2002, p.328).

Eis, então, uma distinção de raiz. Os mitos também continham reflexões prementes sobre questões existenciais. Assim,
a filosofia também pode apresentar essa característica, mais ou menos acentuada.

Quais são as diferenças entre Filosofia e Mito?

Essa diferença é radical, ou foi repensada durante a História da


Filosofia?
Pós-Graduação a Distância

Uma forma de iniciar a aproximação dos alunos com a filosofia, é


começar pelas narrativas míticas e depois mostrar as respectivas
diferenças específicas.

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Leitura Filosófica Unidade II

Sugestão de bibliografias sobre mitos

HESÍODO. Teogonia. Tradução de Jaa Torrano. Editora


Iluminuras.

VERNANT, Jean-Pierre. O universo, os deuses, os homens.


São Paulo: Companhia das Letras.

VERNANT, Jean-Pierre e VIDAL-NAQUET, Pierre. Mito e


tragédia na Grécia Antiga. São Paulo: Editora Perspectiva.

Podemos adiantar que as relações entre Filosofia e Mito foram repensadas e retomadas durante a História da Filosofia. É claro
que, na A República, a narração do Mito (ou alegoria) da Caverna e a narrativa que retoma o mito de Er (ou da reminiscência),
são recursos estilísticos, ou podemos dizer, retóricos, de Platão para veicular suas idéias propriamente filosóficas.
Não podemos esquecer a virada Romântica em que houve uma reaproximação entre Filosofia e Mito; Filosofia e Arte; e
Filosofia e Poesia, em autores como:
F. W. J. Schelling, que no seu livro Sistema do Idealismo Transcendental, desenvolve – dentre outras coisas – uma nova
compreensão das relações entre filosofia e arte. Esse tema também é abordado em Filosofia da Arte e em Filosofia da
Mitologia.
Johann Wolfgang von Goethe, polímata do Romantismo alemão, é reconhecido tanto como poeta quanto por suas idéias
filosóficas. Embora não fosse um filósofo sistemático, teve influência sobre filósofos estritos, como Schelling e Hegel.
E, mais recentemente, lembremos da retomada feita por Heidegger de poetas românticos, como Novalis e Hölderlin, como
inspiração para a criação de seus conceitos filosóficos.
Dito isso, ressalvemos que existe, sim, uma diferença de domínios entre filosofia e arte. Nas palavras de Deleuze e Guattari,
a criação de conceitos é atividade específica da filosofia. Já a arte cria perceptos e afectos. Seu domínio é a estética.
Habermas, em Discurso filosófico da modernidade, posiciona-se contra a dissolução da diferença dos gêneros entre
Filosofia e Literatura.
Mas, desde a antigüidade existe uma compreensão sobre certa afinidade entre filosofia e poesia. A poesia, diz Aristóteles,
embora seja narrativa como a História, ao falar do particular visa ao universal. Nesse aspecto aproxima-se da filosofia.
Já que tratamos de certa tonalidade afetiva e certa complexidade existencial que pode ser também território da Filosofia,
citemos, a propósito, a interpretação de Favaretto (1996, p.81):

"(...) uma leitura não é filosófica apenas porque os textos são filosóficos; pode-se ler textos filosóficos
sem filosofar e ler textos artísticos, poéticos, jornalísticos etc. filosoficamente. A leitura filosófica
não se esgota na simples aplicação de metodologias de leitura; ela é um 'exercício de escuta' (no
Práticas de Ensino de Filosofia

sentido psicanalítico). O texto fala a partir da relação que se estabelece com ele (...)".

Poesia, filosofia e democracia


A tragédia é um gênero poético para os gregos. É a origem do teatro, nascido dos cultos religiosos a Dionísio. Os principais
tragediógrafos na Grécia foram: Ésquilo (Oréstia), Sófocles (Trilogia tebana) e Eurípides (As troianas).

Além de ser um gênero artístico, a tragédia foi uma instituição social de cunho democrático. Ela marcava o período de
transição. A narrativa encenada no palco representava o passado aristocrático. Neste, valiam os laços de honra familiar.

32 Universidade Gama Filho


Leitura Filosófica Unidade II

Um crime sangrento era cometido – imposto pela lei da família ou da aristocracia – e devia ser retaliado, na vingança
de outra família aristocrática – em um círculo sem fim.

No coro, cidadãos comuns, não atores, cantam e comentam as cenas. Eles representam a nova consciência
democrática.

As tragédias geralmente formavam trilogias. Nas duas primeiras, os deuses incitavam à vingança, pela lei do sangue.
Na terceira, discutem se ainda devem impor suas leis aos mortais, ou se estes devem julgar a si mesmos, criando leis e
tribunais. Por fim, decidem que os mortais devem viver com suas próprias leis.

A tragédia representa o advento da pólis, do direito e da política democráticos.

Leia com seus alunos a tragédia Antígona, de Sófocles, ou então leve


a classe para assistir a uma encenação, ou prepare uma encenação
com a classe.
A seguir, discuta temas como:
– o embate entre os direitos individuais e o direito do
Estado;
– liberdade e poder;
– a oposição entre valores familiares e valores públicos;
– o tema clássico do Tirano (“o tirano não tem amigos”,
como dizia Xenofonte).
Em outras aulas, pode ser feita a leitura do tratado Hieron de
Xenofonte para uma análise do tema do “tirano” na peça. Xenofonte
foi um discípulo de Sócrates e posteriormente também um soldado
e mercenário. Sugere-se também o livro O Tirano e A Cidade, de
Newton Bignotto, professor de filosofia política da UFMG. Nesse
livro, Bignotto mostra que o movimento que criou a democracia
criou, também, a possibilidade de seu negativo: a tirania.

Cinema
Veja com seus alunos filmes em que ainda prevalece a tradição da
vingança da honra e os conflitos familiares, e discuta com eles como
os gregos saíram dessa fase e como retrataram essa transição por
meio de um gênero poético teatral, a tragédia. Discuta se tradições
arcaicas autoritárias ainda estão presentes na sociedade brasileira.
Exemplo de filme: Abril despedaçado
Ficha técnica:
Pós-Graduação a Distância

Abril despedaçado (2001), direção de Walter Salles, roteiro de


Karim Ainouz a partir do livro de Ismail Kadaré. O filme se passa no
Nordeste brasileiro, enquanto que a narrativa original transcorre na
zona rural da Albânia, por volta de 1930. Em uma região montanhosa,
um conjunto de leis não escritas, o Kanun, rege a vida de um vilarejo.
O Kanun diz que se um clã tiver um membro assassinado, deverá
resgatar seu sangue, matando um membro da família que realizou
a agressão. No filme de Walter Salles, a narrativa é transferida
para o Nordeste do Brasil.

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Leitura Filosófica Unidade II

Para preparar essa aula, leia também a resenha sobre o filme, por
José Paulo Bandeira da Silveira, cientista político e Professor-
Doutor da UFRJ.
http://kplus.cosmo.com.br/materia.asp?co=143&rv=Literatura
Práticas de Ensino de Filosofia

34 Universidade Gama Filho


Argumentação e Produção de Textos Filosóficos Unidade III Unidade III

Argumentação e Produção de Textos


Filosóficos
Capítulo 6 – Retórica, Argumentação e Filosofia

Vimos que a argumentação esteve na origem da filosofia na Grécia. Inicialmente trata-se da técnica sofística denominada
"antilógica", que consistia na contraposição de um discurso (lógos) a outro. Aos poucos, como diz Vernant (1987, p.56-7),

"[A] retórica e a sofística, pela análise que fazem das formas do discurso enquanto instrumento de
vitória nos debates da assembléia e do tribunal (...) abrem caminho às investigações de Aristóteles,
definindo, para além de uma técnica de persuasão, certas regras de demonstração, e formulando
uma lógica do verdadeiro, própria do saber teórico, face à lógica do verossímil ou do provável que
preside aos debates arrojados da praxe".

Assim, inferimos que Vernant identifica certa continuidade ou gênese entre retórica e filosofia. Originalmente instrumento
pragmático de debate na práxis democrática, a retórica torna-se objeto de estudo e de ensino por parte dos sofistas.
Inicia-se com isso uma invenção que vai além do mero uso do instrumento lingüístico, em que já há metalinguagem e
metacognição. Mas ainda o foco é a práxis. Já em Aristóteles temos o desenvolvimento de outro tipo de argumentação,
a argumentação lógica inspirada no silogismo, ferramenta útil para as ciências teoréticas. Passa-se, dessa forma, do
campo do verossímil para o do verdadeiro.

No entanto, sabemos que a filosofia contemporânea desenvolveu outras relações com o conceito de "verdade", diferentes
das ainda pretendidas pelas ciências exatas e naturais, que se desenvolveram e, gradualmente, se separaram da filosofia.
Contudo, a sustentação de argumentos lógicos ainda pode ser considerada um apanágio do discurso filosófico.

Então devemos, no ensino, distinguir claramente a arte retórica da filosofia?

A distinção não é tão nítida no cenário filosófico contemporâneo.

Fabbrini (1996, p.90), professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, ao refletir sobre o Ensino de Filosofia,
defende que "o aparelho retórico e o aparelho analítico são indissociáveis".

Favaretto (1996, p.81), professor da Faculdade de Educação da USP, diz que o Ensino de Filosofia pode estimular a
capacidade crítica nos alunos, que aprendem a "formular questões e objeções de maneira organizada, estruturada
(rigorosa)".
Pós-Graduação a Distância

Convém, entretanto, para fins didáticos, distinguir dois tipos de argumentação, que aqui chamaremos de "lógica" e de
"retórica", cada qual acompanhada de seus possíveis desvios, as falácias.

Argumentação lógica
Vimos antes que, diferentemente dos sofistas que buscavam o verossímil, ao estudar a arte da argumentação, Aristóteles
preocupou-se com a demonstração, dando início à disciplina que chamamos de Lógica.

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Argumentação e Produção de Textos Filosóficos Unidade III

É lógica a argumentação cujo modelo é o silogismo. No silogismo, uma proposição (a conclusão) é inferida de duas
premissas. Nos Primeiros Analíticos, Aristóteles define o silogismo como "um discurso em que, certas coisas tendo sido
supostas, algo diferente dessas suposições resulta necessariamente" (24b18–20). Esta é a definição ampla. Mas os
silogismos categoriais são aqueles em que há regras estritas para determinação de sua validade.

A validade de um silogismo decorre de sua necessidade lógica. Estritamente falando, não depende de as premissas serem
verdadeiras ou falsas de maneira substancial, ou quanto à referência ao mundo empírico. A validade depende apenas de
uma certa relação de inferência possível, admitidas as premissas, quaisquer que sejam.

O silogismo fundamenta o raciocínio dedutivo e sua promessa é a certeza. É diferente do raciocínio indutivo, este,
baseia-se nos dados empíricos e pode apenas prometer confiança, probabilidade. Mas ambos podem ser usados em uma
argumentação.

Segue-se um exemplo famoso de silogismo:


Premissa maior: Todo homem é mortal.
Premissa menor: Sócrates é homem.
Conclusão: Logo, Sócrates é mortal.

Podem ser formados 256 tipos lógicos diferentes de silogismo, dos quais apenas cerca de 19 são válidos (a conta exata
depende de certos critérios serem ou não admitidos).

Existe também um tipo de argumento chamado "sorites", que consiste na seqüência de silogismos incompletos que
se encadeiam (o predicado de cada proposição forma o sujeito da proposição seguinte, até completar o raciocínio).
"Paradoxo sorites" é um tipo de argumento sorites que leva a uma conclusão aparentemente paradoxal. O caso famoso
é o do "monte de areia".

Um grupo de um milhão de grãos de areia é um monte de areia. Esse monte de areia menos um grão de areia ainda é um
monte de areia. Este, por sua vez, menos um grão de areia, ainda é um monte de areia.

Dando seqüência ao sorites, ao subtrair-se um grão por vez, chega-se à conclusão paradoxal, mas logicamente inferida,
de que um grão de areia forma um monte de areia.

Há muitas soluções propostas demonstrando a falácia do argumento, mas não nos demoraremos nisso. Ao invés, vamos
conceituar falácia.

Falácia é um tipo de erro de raciocínio que se baseia em um silogismo não válido. Pode haver um erro formal, na estrutura
do silogismo, ou outros tipos de desvio. Falácia não é uma mentira, pois não se trata de avaliar se a afirmação é verdadeira
ou falsa, mas se é logicamente válida ou não. Na falácia, as premissas apenas aparentemente sustentam a conclusão.

Daremos três exemplos:

1. Post hoc, ergo propter hoc (depois do fato, portanto devido a ele).
Práticas de Ensino de Filosofia

Nesta falácia, a seqüência cronológica é tomada por seqüência lógica.


Exemplo: Toda vez que o cometa passa, há epidemias. Logo, o cometa causa epidemias.

2. Falácia "non sequitur" (não se segue, não há implicação lógica). Exemplo: Pedro deve ser um bom aluno.
Afinal, usa óculos.

3. Falácia de afirmação do conseqüente (é um tipo de non sequitur):


Se chover, ficarei em casa.
Fiquei em casa.
36 Universidade Gama Filho
Argumentação e Produção de Textos Filosóficos Unidade III

Logo, choveu.
Não é válido.
Qual seria o silogismo válido? O seguinte:
Se chover, ficarei em casa.
Choveu.
Logo, fiquei em casa.

4. Falácia da divisão (consiste em assumir que a propriedade do todo deve aplicar-se a cada uma de suas
partes).
Se algo é verde, suas partes são verdes.
Esta bola é verde.
Logo, seus átomos são verdes.

Para saber mais:


http://criticanarede.com/falacias.htm
http://str.com.br/Scientia/falacias.htm 

Argumentação retórica
Falaremos agora de argumentação em um sentido mais amplo, ou seja, de argumentação retórica. Lembremos que um
dos objetivos dos sofistas era obter o favor de uma audiência em um debate em que se contrapunham interlocutores
com discursos opostos. Pois a argumentação retórica trata justamente de persuasão de uma audiência. Aqui, a ênfase
é na persuasão, e não na lógica ou na demonstração.

Para persuadir uma audiência, pode-se apelar para sua emoção ou para sua tendência à credibilidade. Eventualmente,
ocorre o apelo a seus preconceitos ou a seus estereótipos. Também nesse tipo de argumentação podemos distinguir
argumentos aceitáveis de falácias.

Quando escrevemos honestamente um texto acadêmico, podemos recorrer a autoridades, a fontes confiáveis, a citações.
Quando o fazemos, estamos utilizando um argumento pela autoridade.

A falácia correspondente a esse tipo de argumento consiste no seu abuso. Poderíamos citar Einstein para sustentar
uma afirmação a favor da Paz Mundial. Embora tenha boa intenção, esse argumento falha, pois Einstein não era um
especialista em política internacional. Trata-se de uma autoridade em outro campo, a Física.
Pós-Graduação a Distância

Muitas pessoas recorrem a esse tipo de argumento, que valoriza a fonte ou o veículo da informação. Muitas vezes,
atribui-se a credibilidade de um argumento ao fato de “ter sido lido em um livro", “ter sido apresentado no noticiário
da televisão", ou mesmo "basear-se em súmula do Supremo Tribunal Federal". Pode ser ou não um uso argumentativo
eficaz e correto.

Algumas estratégias argumentativas valorizam o emissor. Assim, determinado palestrante pode referir-se aos cursos
que realizou, aos títulos que possui, à sua experiência como pesquisador, para aumentar a credibilidade sobre o assunto
que está tratando.

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Argumentação e Produção de Textos Filosóficos Unidade III

Correspondentemente, uma falácia consiste em atacar a credibilidade do emissor. Trata-se do "argumento ad hominem",
em que ao invés de focalizar no argumento, busca-se desqualificar o falante, dizendo que é movido por ideologias, ou tem
má reputação, ou é pretensioso etc.

Outras estratégias argumentativas procuram mobilizar o receptor. Por exemplo, diz-se "Como pessoa sensata que é, você
deveria aceitar que a pesquisa com células-tronco é [necessária/um crime]". Ou: "Você, que estudou tanto, não pode
acreditar que os alimentos transgênicos fazem mal".

Uma falácia desse tipo consiste em exortar o receptor a juntar-se a um grupo tido como credível ("Todo mundo sabe que
a Terra é plana ... "; “Todos os nossos colegas já subscreveram o abaixo-assinado, falta você ...”). Chama-se a essa
falácia de "apelo ao povo" (ad populum).

Outra falácia que envolve o receptor consiste na inversão do ônus da prova. Diz-se: "Se não acredita na hipótese do design
inteligente para a criação das espécies naturais, então prove que essa teoria está errada". Trata-se de uma falácia que
inverte a expectativa argumentativa, pois quem apresenta a afirmação é que deve sustentar provas a seu favor.

Mas tratemos do bom uso da retórica. Um elemento importante a considerar é a adequação da linguagem. Uma expressão
correta, no registro pertinente, é por si um fator de persuasão importante. Observe que se trata de registro. Assim,
devem-se considerar as circunstâncias de fala para se eleger o nível de linguagem mais persuasivo, se popular ou erudito,
se jargão técnico ou falar cotidiano, se regional ou padrão.

Podemos refletir, agora, sobre a relevância da argumentação e da retórica para o Ensino de Filosofia. Muito se tem
falado sobre a importância de desenvolver o raciocínio crítico como ferramenta para a cidadania. Pois bem, uma parte
desse objetivo pode ser alcançada ao ensinar o aluno a identificar e a produzir argumentos válidos, bem como quando
lhe fornecemos material possibilitando a identificação e, assim, evitar falácias.

Embora a retórica, quando bem usada, contribua para a credibilidade, nem sempre sua relação com a verdade é
inquestionável. Ainda assim, Olivier Reboul, importante estudioso da matéria, defende que a retórica não possui apenas
a função persuasiva, mas também hermenêutica, heurística e pedagógica.

Função hermenêutica: Aquele que exerce a arte retórica nunca está sozinho. Fazem-lhe face todos os possíveis
discursos adversários, bem como também pode se apoiar em outros discursos que lhe sejam favoráveis. Assim, para ser
persuasivo, o rétor (indivíduo versado em retórica) deve também interpretar, compreender esses discursos implícitos
para lhes responder de maneira eficaz.

Função heurística: Em um mundo que quase não comporta certezas científicas, muitas vezes precisamos nos guiar
pelo verossímil, que é o mesmo campo da retórica. Assim, em um mundo em que não há decisão previamente tomada, a
retórica contribui para inventar uma solução, adequada a uma comunidade. E esta invenção é feita a partir de regras, de
procedimentos que põem em jogo o contraditório. Para Reboul, a retórica não é utilizada apenas para a persuasão, para
obter um poder sobre a audiência, mas também pode ser usada para descobrir.

Embora seja à primeira vista surpreendente a atribuição de uma função heurística à retórica, vamos encontrar algo
parecido na filosofia da ciência, na Unidade IV deste Caderno.
Práticas de Ensino de Filosofia

Função pedagógica: No currículo escolar medieval, o trivium era composto de retórica, gramática e dialética. Poder-
se-ia querer atribuir exclusivamente a arte da persuasão à retórica, cabendo a arte da interpretação à gramática, e a da
descoberta à dialética. Mas, diz Reboul, na prática o trivium compunha um todo harmônico, que se traduzia em oferecer
ao educando uma formação, uma cultura geral. E, muitas vezes, os critérios que um professor de língua ou de filosofia
utilizam hoje em dia para avaliar uma redação de aluno são, muitas vezes, critérios retóricos, embora não estejam assim
explicitados no currículo atual.

38 Universidade Gama Filho


Argumentação e Produção de Textos Filosóficos Unidade III

Atividades práticas sobre Argumentos


Selecione algumas polêmicas que estão na ordem do dia na mídia
(por exemplo, a aprovação de pesquisas com células-tronco
embrionárias), e trabalhe com seus alunos a identificação dos
argumentos utilizados. Faça perguntas como as seguintes:
I. Há argumentos silogísticos? Lembre-se que podemos ter
silogismos em argumentos científicos, filosóficos, e também
religiosos. Mesmo que os argumentos silogísticos sejam
formalmente válidos, ainda se pode apresentar a seguinte
questão: as premissas são consensuais?

II. Há argumentos com apelo às emoções da audiência? Há apelo


à misericórdia? À autoridade? Ao consenso? Ao povo?

III. Há uso de citações acadêmicas, científicas, jornalísticas,


jurídicas, como recurso para sustentar as proposições nos
argumentos?

IV. Há disputas em torno do significado de algumas palavras?


Por exemplo, no caso sugerido: vida, dignidade, mórula/
feto/bebê. Há uso de equívocos (palavras que são usadas
intencionalmente para favorecer determinada visão)?

Em 1739, o irlandês Jonathan Swift escreveu um famoso tratado


irônico para denunciar a opressão dos ingleses sobre as famílias
pobres da Irlanda. Esse tratado chamou-se Uma proposta modesta
(A modest proposal: For preventing the children of poor people in
Ireland from being a burden to their parents or country, and for
making them beneficial to the public). Foi traduzido, em português,
como Manual para fazer das crianças pobres churrasco. Trazia
como pressuposta uma idéia absurda, para salientar a frieza dos
opressores. Assim, assumia como uma “boa idéia” que as famílias
pobres da Irlanda vendessem seus filhos como alimento para os
cavalheiros e damas ingleses, para indicar que a Inglaterra estava
literalmente “devorando” a Irlanda. Alguns críticos admitem que a
inspiração clássica para esse ensaio foi a Apologia, de Tertuliano,
escrita no ano 197 dC, dirigida aos governantes do Império Romano,
que então oprimiam os cristãos.
O cantor e compositor Eduardo Dusek, seguindo essa linha, compôs
Pós-Graduação a Distância

o “Rock da cachorra”, em que dizia: “Troque seu cachorro por


uma criança pobre/ (...) Deixe na história de sua vida uma notícia
nobre / ... Tem muita gente aí/ que tá querendo levar/ uma vida de
cão/ Eu conheço um garotinho/ que queria ter nascido / um pastor-
alemão”. Assim, de forma chocante e satírica, procurava mostrar
como algumas pessoas tratam bem seus animais domésticos e mal
seus companheiros humanos; se emocionam com seu bichinho de
estimação, mas negligenciam as crianças que sofrem em condições
precárias, de maneira irracional, em uma sociedade relativamente rica.

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Argumentação e Produção de Textos Filosóficos Unidade III

V. Nas suas pesquisas, você identificou argumentos que apelam


para a ironia? Para o sarcasmo? Quais desses argumentos são
filosóficos? Pode haver ironia em um argumento filosófico?

Falácias: muitas vezes, nos discursos dos políticos ou nos jornais identificamos falácias. Sugira a seus alunos que
recortem alguns exemplos de argumentos utilizados por políticos nos debates eleitorais, ou por diversos interlocutores
em questões polêmicas. Procurem analisar os argumentos quanto à validade e a presença de falácias.

Uma forma prática de trabalhar com falácias é partir de exemplos já coligidos. Sugerimos, a seguir, alguns exemplos
identificados pelo Prof. Litto, diretor da Escola do Futuro, da USP. Invertemos a ordem de apresentação: primeiro inserimos
os exemplos, depois a análise. Pode ser feito o debate com os alunos – se os argumentos são válidos ou não – e só então
realizar a identificação das falácias.

[fonte dos exemplos e análises seguintes: Fredric Litto, Escola do Futuro]

Exemplo: (Do mundo de enunciações políticas ou jornalísticas)

"Durante a última década, nossos Estados soberanos têm-se juntado para formar uma grande unidade político-econômica:
o Pacto Hemisférico. Assim, o Pacto está unido, pronto para lutar contra agressões do exterior de todos os tipos."

Análise: Na primeira frase, o "Pacto Hemisférico" significa uma reunião de cooperação econômica entre entidades
políticas distintas. Na segunda, significa uma união geral. O que é verdade na primeira frase não é necessariamente
verdade na segunda. Talvez alguns Estados-membros queiram agir independentemente do Pacto no caso de eventos
não-econômicos, como incidentes de não-respeito aos limites de fronteiras nacionais, de espaço aéreo ou bloqueio de
sinais de radiodifusão, por exemplo.

• Falácia de “Equívoco”, ou seja, um argumento em que os sentidos da palavra não se mantêm. Analise este outro
exemplo:

Exemplo: (Do mundo dos movimentos sociais) Debate jornalístico com Stédile, líder do MST, sobre a ocupação de
fábricas que produziam alimentos transgênicos ou realizavam plantação predatória de eucaliptos.
– Esbulho possessório difere de ocupação. Ocupação é quando você vai com o povo para denunciar.
– Mas é legal?
– É legítimo.

No exemplo acima, são aplicadas sutilezas na distinção de significados, que podem ou não ser adequadas.

Exemplo: (Do mundo da política e das redações colegiais apressadas)


Práticas de Ensino de Filosofia

"O Brasil se tornará uma grande potência porque esse é o seu destino. O país caminha prometido ao sucesso."

Análise: Aqui, o locutor está designando algo chamado "destino" como a causa de algum acontecimento. Mas, tudo o
que sucede a nós ou ao país é obra do destino? Se isso é verdade, então "destino" parece ser um conceito determinista
que se aproveita de um sofisma a partir do conceito de potência. Que ente misterioso vem a ser o destino, que seria
capaz de grandes e significantes eventos? A segunda enunciação mostra também a falácia de circularidade, isto é,
de argüir "em círculo", tautologicamente, sem provas para substanciar as afirmações.

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Argumentação e Produção de Textos Filosóficos Unidade III

• Falácia de reificação (coisificação): O erro de tratar um conceito abstrato (por exemplo, "Liberdade", "Justiça" ou
"Progresso") como um ente real e concreto, como uma "coisa".

Exemplo: (Do mundo empresarial)


"Estávamos perdendo dinheiro na firma há muitos anos. E aí, eu virei gerente. Agora estamos lucrando. A razão é óbvia."

Análise: Talvez sim, talvez não. Não é possível que outros fatores tenham influenciado o andamento da firma (uma
mudança no gosto do mercado, uma melhoria no poder aquisitivo da clientela, o desaparecimento de um concorrente
forte, por exemplo)?

Exemplo: (Do mundo de escritos históricos)


"Tanto a Revolução Francesa quanto a Revolução Russa foram seguidas de rebelião literária. Claramente, revolta
política causa rebelião nas artes."

Análise: E pela mesma lógica, a Primeira Guerra Mundial deveria ter levado à Semana de Arte Moderna em São Paulo,
em 1922. Revoluções artísticas não necessariamente decorrem de revoluções políticas; talvez rebelião política e
artística sejam ambas causadas por um terceiro fator; é possível também que não haja outra relação além de mera
coincidência. Os fatos apresentados não admitem, neles mesmos, qualquer conclusão, pois desconsideram outras
incidências possíveis (por exemplo, tecnológicas ou demográficas).

Os dois exemplos anteriores representam falácias depois do fato, portanto devido a ele (post hoc, ergo propter hoc).

Exemplo: (Do mundo jornalístico)


"Dez milhões de pessoas sofrem de doenças mentais no Brasil. Esse é o nosso principal problema social."

Análise: Num país com cerca de duzentos milhões de habitantes, mais pessoas ainda podem sofrer de outros tipos de
distúrbios. Quase todo mundo tem cáries dentárias, mas as cáries não constituem nosso principal problema de saúde.
E qual é a regra que mede a seriedade dos problemas sociais em simples números? Grandes cifras nos impressionam
muito, mas não deveriam eliminar a lógica para determinar a primazia de uma questão social.

• Falácia dos Números Grandes: Procura impressionar com grandes números, de forma descontextualizada.

Exemplo: (Do mundo da publicidade de livros e filmes)


O crítico literário escreve: "Eu leria este livro com prazer apenas se fosse o único livro no mundo, ou se eu estivesse
numa ilha deserta e não tivesse mais nada para ler".
Na sua publicidade, a editora cita o crítico: "Eu leria este livro com prazer... se eu estivesse numa ilha deserta...".

Análise: Mutilando o conteúdo, a editora dá a impressão de uma resenha favorável – o que não é o caso – para
enganar o leitor.

• Falácia: Citação fora do contexto.


Pós-Graduação a Distância

Exemplo: (Do mundo da publicidade)

"LAVOL, o fantástico detergente, lava 95 vezes mais branco que qualquer outro sabão" (sem maiores detalhes e
comprovações).

Análise: Não vale a pena prestar atenção a enunciações como essa. Não sabemos como foram feitos os testes,
ou quais as referências comparativas para admitir o sentido de "mais branco". O uso de estatística obriga o relator
a dizer os métodos usados, os controles do fabricante sobre a fórmula do produto e outras variáveis relativas aos
concorrentes.

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• Falácia de Estatística: Não explicita os parâmetros do experimento, como foi obtida a quantificação ou sua
significância estatística.

Exemplo: (Do mundo da política governamental ou empresarial)

"Se nós aplicarmos mais 20% em aumentos salariais, todo mundo terá mais 20% para gastar."

Análise: Isso depende de como o dinheiro é proporcionalmente dividido. Alguns podem receber mais do que outros
na distribuição desse percentual.

• Falácia da Divisão: é o erro de supor que o que é válido para o grupo como um todo, também é válido para cada um
dos seus membros.

Exemplo: (Do mundo político)

"Agora querem registrar armas de uso pessoal. Depois serão todas as armas; e mais tarde vão querer confiscar todas
as nossas armas. Será um Estado totalmente controlado pela polícia."

Análise: Pensando na possibilidade de um "estado policial", esquecemos que o enunciador não demonstrou a
inevitabilidade da seqüência de eventos sugeridos. Se existir qualquer dúvida sobre a conexão entre um evento e
outro, não é possível acreditar na enunciação.

• Falácia da Ladeira Escorregadia: argumento sugerindo que se nós permitimos que algo aconteça ou comece,
conseqüentemente uma outra coisa acontecerá, com certeza ou boa probabilidade, seguida ainda de outra coisa, e
assim por diante, descendo uma "ladeira escorregadia", até chegar a uma situação claramente indesejável.

Exemplo: (Do mundo jornalístico)

"Advogados são honestos. Sua integridade é comprovada pelo livro Homens e a Lei, obra elogiada sem reservas por
sua fidedignidade pelo Professor Ortiz, inquestionavelmente digno de confiança, uma vez que ele mesmo é um jurista
proeminente."

Análise: O valor do testemunho do Professor Ortiz ganha credibilidade como discurso de autoridade, ou seja, pressupõe
que advogados são honestos. Tais argumentos podem ser altamente enganosos, sobretudo quando um falso mérito
(o culto de "doutor") torna-se sinônimo de qualificação profissional, representando status junto à opinião pública.

• Falácia da Circularidade: a reiteração das premissas não constitui prova.

Exemplo: (Do mundo político)

"A minha oponente nesta batalha para a prefeitura da cidade é favorável à prática do aborto e acreditem, se for eleita,
ela e seu partido farão tudo para favorecer sua legalização. Quem vota nela vai ter que responder a Deus por isso."

Análise: A prática de aborto no Brasil não é um assunto da esfera municipal, mas, sim, da esfera federal. Assim, o
Práticas de Ensino de Filosofia

enunciador está criando um "homem de palha" (ou espantalho), usando um assunto irrelevante à eleição municipal,
e sugerindo indiretamente que o seu adversário é incapaz de separar suas crenças particulares (ser temente a Deus)
das suas ações políticas (candidatar-se à prefeitura).

• Falácia do “Homem de Palha”: consiste em descrever enganosamente ou deturpar as idéias do oponente, para
então atacar essas idéias que parecerão insustentáveis.

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Litto, Fredric M.

Pequeno compêndio para evitar a compra de gato por lebre


http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/
spe231020021.htm

OU
http://www2.uol.com.br/aprendiz/n_colunas/f_litto/index.htm

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Capítulo 7 – O Argumento e a Justificação Epistemológica

Vamos nos aprofundar um pouco na relação entre argumentação e conhecimento. O que é conhecimento? O que nos
permite dizer que sabemos algo verdadeiramente? Esse questionamento foi apresentado pela primeira vez no diálogo
platônico Teeteto, que lançou a base para a epistemologia. De que forma o fez? Simplesmente encontrando uma formulação
precisa para estabelecer o que é necessário para, nada menos, apenas começarmos a responder a essa pergunta – o
que é o conhecimento?

Chamemos atenção, para a importância da clareza de formulação como um passo decisivo na argumentação e na busca
de solução de problemas.

Nesse diálogo, um dos personagens chamado Teeteto é o interlocutor de Sócrates. Como sempre, Sócrates procede
por meio do método de perguntas e respostas para mostrar a inconsistência das primeiras respostas do interlocutor. De
início, Teeteto procura exemplificar o que significa conhecer. Assim, responde que conhecer é algo como "saber fazer
um sapato" ou "saber geometria". Aos poucos, Teeteto supera a fase da exemplificação, e começa a formular respostas
mais abstratas.

Finalmente, chega a uma formulação de que conhecer é "crer em alguma coisa e essa coisa deve ser um fato do mundo".
Mas veja bem se diríamos que tal expressão está correta:

"Parece que há um livro na minha frente, então há um livro na minha frente".

Nessa frase temos uma crença (há um livro na minha frente) e supomos que temos um fato (a existência real de um
livro na minha frente). No entanto, a ligação entre os dois termos (expresso pela palavra "então") não é logicamente
necessária. É bem possível que minha crença não correponda aos fatos.

O que falta, então? Aquilo que veio a ser conhecido como "justificação". É necessário haver uma inferência sólida para
associar crença e fato e, assim, obtermos conhecimento.

Sócrates nos apresenta uma analogia. Suponha que, em um tribunal, um réu seja inocente (fato postulado). Um advogado,
na ausência de evidências, forja algumas provas que convencem o júri de que o réu é inocente. Nesse caso, temos uma
crença (o júri acredita que o réu é inocente) e um fato (postulado, de que o réu é inocente). Mas, como as provas são
falsas, podemos apenas dizer que o júri acredita corretamente que o réu é inocente. Não podemos dizer que o júri sabe
que o réu é inocente, pois provas falsas poderiam levá-lo a acreditar em qualquer coisa. Houve, incidentalmente, um
ajuste entre crença e fato. Mas esse ajuste ainda não é conhecimento.

Para haver conhecimento, é preciso que as evidências que ligam crença e fato sejam sólidas. A isso se chama justificação.
Dessa forma, chegamos à formulação precisa a que anteriormente aludimos, a resposta que é o ponto de partida da
epistemologia: "conhecimento é crença verdadeira justificada".
Práticas de Ensino de Filosofia

A partir daí, inicia-se uma outra aventura na História da Filosofia: estabelecer o que é uma justificação. Diversas foram
as respostas. Duas das mais famosas, que criaram tradições próprias, foram a de Descartes (resposta racionalista, que
requer certeza) e a de John Locke (resposta empirista, que admite graus de confiança).

Lembre-se de que há dois tipos de raciocínio, dedutivo e indutivo. A justificação em Descartes é dedutiva e em Locke
é indutiva. O raciocínio dedutivo é o que procede da lei, norma ou padrão geral para inferir o particular. O raciocínio
indutivo parte dos fenômenos particulares, e neles busca identificar um padrão, norma geral ou lei. Assim, o raciocínio
dedutivo pauta-se na certeza, e o indutivo, na confiança ou probabilidade.

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No entanto, para chegar à certeza, Descartes partiu do ceticismo. O ceticismo foi um problema importante para os
filósofos do século XVII, uma vez que a Europa, desde o Renascimento, libertou-se de uma educação acadêmica oriunda
das certezas teocêntricas da Idade Média, e se deparou com o relativismo. Os europeus conheceram crenças e valores de
povos e culturas até pouco tempo antes desconhecidos. Além disso, novidades no campo das ciências abalaram muitas
crenças herdadas de seu passado medieval.

Ceticismo e justificação
Uma formulação do ceticismo poderia ser: Não podemos ter certeza de nada. Mas podemos ter certeza de que não podemos
ter certeza de nada? "Com certeza, não podemos ter certeza de nada" é uma frase recursiva autocontraditória.

É mais sofisticado o ceticismo que procede a partir da dúvida metódica. Isto é, não parte de uma afirmação peremptória,
mas começa por verificar quais crenças podemos colocar em dúvida.

Eis algumas perguntas baseadas na obra de Descartes, para propor


ao debate com seus alunos e preparar o estudo sobre o ceticismo
e a justificação (questões 1 a 8 sugeridas pelo professor Josué
Cândido da Silva, Pedagogia e Comunicação, Página 3:

1) É possível duvidar de tudo?

2) De que coisas é possível duvidar?

3) Você poderia duvidar de que você existe de fato?

4) Você pode duvidar de que está duvidando?

5) Se uma pessoa diz que está em dúvida sobre algo, isso significa
que ela não poderá tomar qualquer decisão sobre aquele
assunto?

E sobre o conceito de verdade, pode-se perguntar:

6) Você considera que só existem verdades provisórias, ou


poderíamos dizer que algumas verdades são absolutas?

7) Você acha que é inútil discutir com as outras pessoas, para ver
quem está certo, porque todos estão certos, cada um à sua
própria maneira?
Pós-Graduação a Distância

8) É possível que exista mais de uma verdade sobre um mesmo


tema? Você pode dar um exemplo?

Proposta de leitura posterior ao debate: trechos do Discurso de Método e de Meditações Metafísicas, de Descartes.
Nesses textos, você poderá esclarecer o procedimento da “dúvida metódica” e mostrar como Descartes partiu de uma
exacerbação do ceticismo, para atingir o ponto arquimediano da justificação racionalista.

Para complementar as questões sobre ceticismo, pode ser feita uma distinção entre enunciados analíticos e
sintéticos.
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Um enunciado analítico é sempre verdadeiro, mas é uma tautologia. Nele, o predicado está contido no sujeito, não há
novidade.

Nos enunciados sintéticos, nem todo o predicado está contido no sujeito. Há novidade. A questão de verdade ou falsidade se aplica.

Então, respondendo às questões acima, poderíamos aventar que os enunciados analíticos são absolutamente verdadeiros.
Já os sintéticos não. Há várias propostas de solução para os enunciados sintéticos. Para a lógica indutiva, podemos
ter graus de confiança, mas não há um princípio puramente lógico de indução, e isso leva a um clássico problema,
apontado por Hume, que Kant procurou superar propondo que o princípio da indução seja válido a priori. Mas se formos
popperianos, diremos que com enunciados sintéticos há apenas aproximações à verdade, pelo falseamento de hipóteses
sempre provisórias.

Mas nem mesmo essa distinção – entre enunciados analíticos e sintéticos – é absoluta, pois foi contestada por Quine
em seu famoso artigo sobre “os dois dogmas do empirismo”.

E o que é verdade? Na História da Filosofia, diversas são as conceituações. Vejamos algumas:

Teoria coerentista: a verdade ou falsidade de uma afirmação depende de sua relação com uma rede de afirmações já
consideradas verdadeiras.

Na versão de Quine e Ullian, que propõem uma teoria “holista”, a propriedade “verdade” só pode ser diretamente aplicada
à rede de crenças (corpo de proposições consistentes). Só derivativamente é aplicada a uma proposição isolada.

As teorias coerentistas foram associadas ao idealismo.

Teoria correspondentista: a verdade é uma certa relação (a ser especificada) com uma certa porção da realidade (a
ser especificada). Várias teorias sobre a verdade têm conceitos específicos de relação (correspondência, conformidade,
congruência, concordância, acordo, cópia, figuração, significação, representação, referência ou satisfação de condições);
e conceitos específicos de realidade (fatos, estados, situações, eventos, seqüência de eventos, objetos, propriedades,
locais). Cada teoria da verdade define seus próprios conceitos de relação e de realidade.

As teorias correspondentistas são associadas ao realismo metafísico.

Teoria pragmática: Há várias vertentes. Para William James, filósofo americano do final do século XIX, a verdade é
uma qualidade que atribuímos por conveniência e cuja efetividade é confirmada pela prática (pragmática). Assim, uma
crença verdadeira é aquela que se mostra útil não só em curto prazo, mas também em longo prazo. É a crença que nos
guia satisfatoriamente em um ambiente incerto. Verdade é o valor atribuído a uma crença devido às suas conseqüências.
A concepção pragmatista de James, também, admite algumas das suposições das teorias correspondentista e
coerentista.

Justificação e tipos de raciocínio

Descartes propôs uma resposta racionalista para a justificação do conhecimento. Essa justificação procedeu de uma
Práticas de Ensino de Filosofia

introspecção e de um raciocínio por absurdo, que pela dúvida hiperbólica – um exercício para levar o ceticismo às últimas
conseqüências – demonstrou que é possível duvidar de tudo, menos de que se duvida. Ou, em outra formulação, pode-se
duvidar até de que se tem um corpo físico, mas não se pode duvidar de que se está duvidando, isto é, pensando. Logo,
resulta a famosa formulação do “cogito” cartesiano: Penso, logo existo. Cogito, ergo sum. Assim, existe uma substância
pensante, a res cogitans.

Esse seria o primeiro tijolo para a construção de certezas na justificação do conhecimento. Outras idéias, observadas
em sua consciência interior, que lhe é transparente, que lhe dessem uma impressão aproximada de evidência, seriam
também consideradas verdadeiras. Ser verdadeira para uma idéia significa que ela tem uma referência correspondente
no mundo externo (res extensa).

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Já Locke deu uma resposta empirista para o problema da justificação. O conhecimento deriva da experiência. Não
apenas a experiência sensível, mas também a experiência que obtivermos com a reflexão. Assim, Locke pode admitir as
conclusões de Descartes, mas também admite um tipo de conhecimento justificado por graus de confiança, e não certeza.
É o conhecimento obtido por raciocínio indutivo.

Explique aos seus alunos a diferença entre os tipos de raciocínio:

Dedutivo: é o raciocínio que parte de uma lei, padrão ou norma geral,


e conclui pela sua aplicabilidade a casos particulares.

Indutivo: é o raciocínio que parte de fenômenos particulares e neles


busca identificar um padrão, lei, ou norma geral.

Analogia: é um caso específico de raciocínio indutivo, em que se faz


uma comparação entre casos particulares de domínios distintos.

Como exercício, depois das definições, proponha a seus alunos


a identificação dos tipos de raciocínio nas ocorrências a seguir.
Lembre-se que, na linguagem cotidiana, muitas vezes, uma parte
do raciocínio fica implícita. Assim, identifique o ponto de partida
do raciocínio: os fenômenos, ou a lei/generalização? Se for a lei
ou generalização, o raciocínio é dedutivo. Se forem os fenômenos,
deve ser indutivo. Se houver uma comparação entre ocorrências
particulares, deve ser uma analogia.
a) Foram observados vários metais (ferro, cobre, ouro) e verificou-
se que eles conduzem eletricidade. Conclui-se que os metais
conduzem eletricidade.
b) Ao observar o formato das nuvens, a cor do céu, a direção do
vento, o caiçara informa que vai chover.
c) Sempre que a temperatura de um gás aumentar, ficando
constante à sua pressão, o seu volume aumentará.
d) Determinada substância utilizada em um cosmético foi aplicada
intensivamente em cachorros no laboratório. Os cachorros
desenvolveram forte alergia dermatológica. Logo, os humanos
também podem ser alérgicos a essa substância.
e) Em todo raio de luz que se reflete em uma superfície plana, o
ângulo de reflexão será igual ao ângulo de incidência.
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Sabemos que no raciocínio dedutivo parte-se de uma lei ou generalização. Observemos que nem todo enunciado universal
é uma lei científica, pois pode ser uma generalização acidental. Nelson Goodman faz a seguinte distinção:

“uma lei pode, ao passo que uma generalização acidental não pode, servir para sustentar condicionais
contrafatuais, isto é, enunciados da forma ‘Se A fosse (tivesse sido) o caso, então B seria (teria sido)
o caso’, onde de fato A não é (não foi) o caso” (apud HEMPEL, 1981, p.75).

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Além disso, uma lei pode servir de base a uma explicação, mas uma generalização universal não pode. Para uma discussão
dessas e de outras diferenças entre a lei e um enunciado universal, recomenda-se a consulta ao clássico livro de Hempel,
Filosofia da ciência natural.

Gabarito das questões sobre tipos de raciocínio:


a) Indutivo
b) Indutivo
c) Dedutivo
d) Analogia
e) Dedutivo

Nas questões, a seguir, é possível e útil discutir o relativismo.

7) Você acha que é inútil discutir com as outras pessoas, para ver quem está certo, porque todos estão certos, cada um
à sua própria maneira?

8) É possível que exista mais de uma verdade sobre um mesmo tema?

Explique aos alunos a distinção entre tipos de relativismo.

Relativismo epistemológico (ou cognitivo): afirma que a verdade é relativa a um indivíduo ou a um grupo (universo cultural,
étnico, profissional, acadêmico etc). Representam o relativismo epistemológico proposições do tipo: “não existem fatos,
apenas versões”; a ciência é apenas um tipo de conhecimento, dentre outros igualmente válidos. As “etnociências” são
tão válidas quanto a ciência que se pratica nos laboratórios da civilização ocidental ou ocidentalizada (eurocêntrica).

Relativismo cultural: afirma que certas idéias de relativismo cognitivo estão ligadas com o relativismo cultural. Para
este, não há diferença de valor entre as culturas.

Relativismo metodológico (Antropologia): Trata-se apenas de um expediente de método da Antropologia, que deveria levar
a uma suspensão de julgamento sobre o valor das culturas (e não à afirmação de que são todas igualmente boas).

Um resumo dessa questão é habilmente apresentado pelo professor Olavo de Carvalho, em seu característico estilo
polêmico. Sobre o relativismo metodológico, diz:

“Esse relativismo é, obviamente, relativo. Se a ciência antropológica, ao estudar as culturas, se


abstém de juízos comparativos de valor, isso é uma precaução metodológica elementar destinada a
evitar julgamentos preconceituosos. Mas também é óbvio que uma ciência que exclui de seu campo
de estudos as diferenças de valor não tem a mínima condição de nos dizer, em seguida, se essas
diferenças existem ou não. Tudo o que a antropologia pode afirmar, rigorosamente, não se trata
de uma questão antropológica – o que não quer dizer que não seja uma questão ética, pedagógica,
estética etc. O relativismo antropológico é um preceito de método, não uma conclusão objetiva quanto
Práticas de Ensino de Filosofia

à existência ou inexistência daquilo que esse preceito, justamente, coloca fora do campo de estudo
da antropologia”. (Revista Bravo! Ed. 37, apud Faraco, 2001).

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Capítulo 8 – O Conceito no Discurso Filosófico

Diz-se que o método filosófico de Sócrates consistia em uma seqüência de perguntas e respostas para a obtenção da
resposta à pergunta "O que é X?", em que "X" poderia ser algum aspecto abstrato importante para a vida humana, como
O que é Virtude? O que é Justiça? O que é o Amor? O que é Coragem? e assim por diante.

Será que vislumbramos aqui o Conceito filosófico?

Sim, com certeza. Esse é o Conceito, mas no sistema da filosofia de Sócrates. Filosofia que se exercitava pela ironia e
pela maiêutica, até depurar o Conceito ou cercá-lo pela aporia.

Mas, assim como a verdade da filosofia, ou das filosofias, acontece no tempo da História, também o Conceito torna-se
uma ferramenta intrínseca a cada sistema filosófico.

Deleuze e Guattari (1997, p.57) compreendem a existência de uma complementaridade entre criação de conceitos e plano
de imanência. A filosofia (o sistema filosófico) começa com a criação de conceitos, mas depende da suposição de um
plano de imanência pré-filosófico. Este é como a respiração que une os conceitos, e estes formam como que a ossatura
do sistema. Como exemplo, dizem:
[O plano de imanência pré-filosófico] "está pressuposto, não da maneira pela qual um conceito
pode remeter a outros, mas pela qual os conceitos remetem eles mesmos a uma compreensão não-
conceitual. Essa compreensão intuitiva varia ainda segundo a maneira pela qual o plano está traçado.
Em Descartes, tratar-se-ia de uma compreensão subjetiva e implícita imposta pelo ‘Eu penso’ como
primeiro conceito; em Platão, era a imagem virtual de um já-pensado que redobraria todo conceito
atual".

Assim, o plano de imanência é uma condição interna da filosofia, embora se instaure como pré-filosófico. A filosofia
começa com a criação de conceitos, mas pressupõe ao mesmo tempo a instauração do plano de imanência pré-filosófico
que a perpassa (id. ibidem).

Podemos talvez detectar nesse plano de imanência a "personalidade" filosófica de cada sistema. Assim, não podemos
deixar de notar alguma afinidade com a tonalidade afetiva necessária para a filosofia, conforme aludida por Heidegger.

Mas outro aspecto a salientar a respeito do plano de imanência é sua importância para explicar como a filosofia se
sustenta em si mesma, internamente – e, dessa forma, como os sistemas filosóficos não podem ser comparados, pois
instauram seus próprios planos de imanência, sua (des)territorialização, sua fundação, seu "solo absoluto".

A filosofia é, simultaneamente, fundação do plano de imanência e criação de conceitos. Os conceitos são próprios de
cada sistema, apontam para um devir no próprio sistema. O conceito destaca um acontecimento das coisas e dos seres,
e o erige como acontecimento privilegiado, a partir do qual se perspectivam os demais. Essa compreensão do que seja
a filosofia destaca sua dimensão criadora:
Pós-Graduação a Distância

"Cada conceito corta o acontecimento, o recorta à sua maneira.


A grandeza de uma filosofia avalia-se pela natureza dos acontecimentos aos quais seus conceitos nos
convocam, ou que ela nos torna capazes de depurar em conceitos. Portanto, é necessário experimentar
em seus mínimos detalhes o vínculo único, exclusivo, dos conceitos com a filosofia como disciplina
criadora. O conceito pertence à filosofia e só a ela pertence" (DELEUZE e GUATTARI, 1997, p.47).

Cumpre distinguir, então, que para esses autores o conceito é próprio da filosofia, que os cria. Já a ciência não trabalharia
com conceitos, mas com funções que têm como correlato o plano de referência. São dois tipos de pensamento com
domínios próprios.
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É original essa confiança na criatividade filosófica, crença sobremaneira contemporânea, que difere de uma outra
confiança superada, a da filosofia como veículo da verdade. Para os modernos, a verdade passou a ser um "exército
móvel de metáforas" (no dizer de Nietzsche).

Podemos interpretar essa confiança na criatividade à luz das considerações do filósofo canadense Charles Taylor sobre
as mudanças no horizonte ético da modernidade.

Diz Taylor que, em épocas passadas, havia apenas uma configuração de crenças e valores pela qual as pessoas mediam
suas expectativas e performances na vida. Por exemplo, na Grécia antes da instauração da democracia, havia uma
configuração de ética guerreira, que definia o que era uma vida bem-vivida. Nesse caso, o indivíduo se perguntava se suas
façanhas estavam de acordo com o que se esperava de sua linhagem. Já em uma cultura com configuração religiosa, como
ocorreu na Idade Média, uma pessoa poderia se perguntar se sua vida se adequava às práticas piedosas convencionais,
ou se precisaria procurar uma prática mais profunda, com uma vida ascética.

Mas, com a modernidade e o contato entre culturas, bem como após o desenvolvimento da prática científica, as
configurações tradicionais tornaram-se problemáticas. Deixa de haver uma configuração hegemônica, partilhada por todos.
Várias configurações convivem. Algumas pessoas optam por uma configuração religiosa fechada, mesmo que isso as
distancie da maioria de seus contemporâneos. Outros aceitam o relativismo de valores. Outros adotam uma determinada
configuração ética provisória, mas mantêm-se em estado de "busca", procurando "encontrar-se".

Uma característica sobressai: é a crença na capacidade criadora. As pessoas que buscam, não apenas aceitam as
configurações tradicionais provisoriamente, mas também procuram desenvolver suas próprias versões. Criam concepções
idiossincráticas, empréstimos, semi-invenções.

Assim, uma característica contemporânea é a busca de sentido, a busca de uma configuração que torne a vida significativa.
Para nós, desde a época moderna, esse sentido só pode ser dado pelos nossos próprios poderes de expressão. Descobrir
o sentido é também inventá-lo.

Com isso, não é de admirar que, no estudo da Filosofia, a ênfase seja na sua capacidade criadora. Essa é uma confiança
bastante corriqueira após a modernidade.

No sentido técnico dado por Deleuze e Guattari, o conceito não se confunde com idéias, representações ou noções. Já
expusemos acima a especificidade de sua compreensão do conceito filosófico, que se pauta, especialmente, pelo caráter
dinâmico, aberto e não representacional do conceito.

Mas vamos também alertar para outros usos dessa palavra, em outros autores.

Para os seguidores de uma tradição clássica aristotélica, o conceito é dado por uma definição, que consiste em elencar
as propriedades individualmente necessárias e conjuntamente suficientes. Nessa concepção, um conceito é determinado
com nitidez.

Para outros autores, os conceitos não são obtidos a partir de uma definição, mas sim da sua semelhança a um protótipo.
Supõe-se que o conceito é um aglomerado de características tal que cada membro subsumido ao conceito possui um
Práticas de Ensino de Filosofia

subconjunto dos atributos. Os itens conceituais manteriam entre si um certo grau de "semelhança de família". Nessa
definição, conceitos são estabelecidos por graus de aproximação, e não teriam delimitação nítida.

De toda forma, definido o conceito ou estabelecido o protótipo, cessa o movimento do pensamento. Isso é o oposto do
que pretendem Deleuze e Guattari, que enfatizam o devir do conceito como propriedade intrínseca.

Notemos que as duas concepções estão previstas nas acepções originais da palavra. Segundo o Dicionário Houaiss,
"conceito" vem do latim conceptus, "ação de conter, ato de receber, germinação, fruto, feto, pensamento".

50 Universidade Gama Filho


Argumentação e Produção de Textos Filosóficos Unidade III

Assim, o conceito que define e delimita contém, circunscreve e pára o pensamento. Mas o conceito compreendido como
devir é o que germina, se desenvolve e vai percorrer caminhos imprevistos, frutíferos e surpreendentes.

Gallo (2006) chama a atenção para a relevância do conceito filosófico – tal como compreendido por Deleuze e Guattari
– para o ensino de Filosofia, pois "para sermos fiéis a esse tipo de experiência de pensamento, não basta que ensinemos
seu produto, mas é essencial que façamos a própria experiência. [...] A um só tempo, o conceito é resultado de uma
experiência de pensamento e um motivador, um impulsionador de novas experiências de pensamento".

Certamente que o estudante não irá exercer sua crítica a partir de uma posição ingênua. O professor de filosofia deve
favorecer sua iniciação nesse mundo misterioso, mas ordenado, que é constituído de temas recorrentes, técnicas e
problemas. Assim, dotado de uma "língua de segurança", poderá o estudante ousar:

"Até os melhores filósofos disseram absurdos notórios e cometeram erros graves. Quem mais se
arrisca a pensar fora dos caminhos intelectualmente trilhados corre mais riscos de se equivocar, e
digo isso como um elogio e não como censura (...)". (FERNANDO SAVATER, apud Gallo, 2006).

Ao invés de propor um Ensino de Filosofia conteudístico,


enciclopédico, o professor de filosofia poderia conduzir o ensino
por meio de temas ou de problemas.

Mediantes temas, partir daqueles que são mais significativos para os


alunos, como "justiça", "amor", "participação política", "ecologia",
"sentido da vida", "morte".

Ao partir de problemas aprofundar-se tecnicamente nesse que


constitui o motor do pensamento filosófico, e também trazer as
contribuições históricas, as soluções que cada sistema filosófico
apresentou para determinado problema.

Nos dois casos, o professor pode deixar o aluno ousar, apresentar


suas considerações espontâneas sobre cada tema ou problema, nas
suas palavras, ainda que inicialmente pareçam ingênuas.

Mas o professor não ficaria apenas nisso. A partir do material


espontâneo dos alunos, propiciaria as ferramentas necessárias
para uma formulação melhor do problema e da solução. Propiciaria,
também, ferramentas argumentativas, retóricas e lógicas.

Tudo isso, sempre, acompanhado de leituras e explicações de


texto, de modo a reviver, em cada leitor e comentador, o filosofar
Pós-Graduação a Distância

de pensadores eminentes. De clássicos que, por serem clássicos,


despertam sempre novas leituras e novos frutos, revividos em face
dos problemas que o homem contemporâneo se coloca.

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Argumentação e Produção de Textos Filosóficos Unidade III

Distinção vocabular

Convém lembrar que essas palavras compartilham um campo semântico, pelo menos na linguagem comum:
conceitos, idéias, representações, noções.

A palavra "idéia" tem uma longa trajetória na História da Filosofia. A palavra grega "eîdos" ou "idéa" significava
o aspecto exterior de uma coisa, ou a fisionomia de uma pessoa. Mas, em Platão, adquiriu o sentido técnico
de essência inteligível, objetiva e apenas acessível ao intelecto ou espírito.

Já em Descartes a idéia é o objeto imediato da consciência. No século XVII, há forte associação de "idéia"
com "representação mental” subjetiva.

Outras distintas concepções de "idéia" apareceram na História da Filosofia, como em Kant e Hegel.

Finalmente, "noção" deve ser distinguida de "conceito", e significa “uma apreensão superficial ou
rudimentar”.
Práticas de Ensino de Filosofia

52 Universidade Gama Filho


A Filosofia e as Tecnologias Unidade IV Unidade IV

A Filosofia e as Tecnologias

Capítulo 9 – A Transição do Homem Contemplativo para o Homem Produtivo

Vejamos como a arte do diálogo, a contraposição de discursos, a luta dos contrários – a dialética – nos ajuda a compreender
a transição para o homem produtivo e os novos desafios postos à Filosofia.

A partir do Século XVII, grandes foram os avanços da Ciência e da Tecnologia. Para alguns autores, também é no século
XVII que se inicia a Filosofia Moderna, com Descartes.

Uma das mais famosas afirmativas a respeito do homem produtivo, já no século XIX, é de Marx, que na XI Tese sobre
Feuerbach diz que "(...) os filósofos sempre se dedicaram apenas a interpretar a realidade de diversas formas; é preciso
agora transformá-la".

Talvez possamos relativizar admitindo que alguns filósofos não foram apenas contemplativos. Platão, ao defender
uma utopia política, em A República, inicialmente, tinha como expectativa a possibilidade de interferir na realidade dos
governos. Platão acreditou que a educação filosófica dos governantes poderia dar estabilidade à pólis. Hoje acreditamos
que a filosofia pode contribuir para a educação que visa à cidadania.

Por três vezes Platão viajou a Siracusa, convidado nas duas primeiras viagens por Dião, sobrinho do tirano Dionísio I, o
Velho, e na terceira viagem por Dionísio II, o Jovem. Em todas essas viagens a finalidade ou a motivação é política. Platão
é convocado a colocar em prática sua filosofia. Na segunda viagem, por exemplo, o regente Dião pede que Platão eduque
o herdeiro Dionísio II com as idéias da A República, então já parcialmente escrita. Mas Platão vê-se inadvertidamente
envolvido nas tramas conspiratórias da “política concreta”, e se desilude.

Na Carta Sétima, também conhecida como Viagem a Siracusa, Platão empreende uma reflexão autobiográfica e filosófica
sobre a política.

Da mesma forma o filósofo Maquiavel esteve envolvido na vida prática, política, e sobre ela escreveu. Kant, ao fundamentar
na razão prática o apelo para a "paz perpétua", lançou a base filosófica para a Liga das Nações. Assim, não podemos
dizer que os filósofos foram simplesmente contemplativos.

No entanto, é evidente que o avanço tecnológico trouxe novos dinamismos para a experiência humana na Terra, bem
como criou novos e específicos problemas sociais e ecológicos. Em sua filosofia, também conhecida como materialismo
Pós-Graduação a Distância

dialético, Marx criou conceitos com a finalidade de lidar com alguns desses novos problemas, sociais e econômicos.
Rompeu com a tradição do idealismo alemão, mas manteve a concepção dialética hegeliana, aplicada às contradições
econômicas.

Contemporaneamente, novos conceitos também têm sido criados para tentar dar conta das especificidades da condição
humana após o desenvolvimento econômico e tecnológico. No caso dos problemas sociais, chama a atenção Uma Teoria
da Justiça, de John Rawls, em que a filosofia prática de Kant é atualizada, retomada em uma nova leitura, em razão
dos novos problemas.

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Saiba mais sobre Kant e o opúsculo da “paz perpétua”, acesse:

http://www.zaz.com.br/voltaire/cultura/kant_paz.htm

Liga das Nações:

Sociedade de nações, criada após a Primeira Guerra Mundial, com a finalidade de manter a paz mundial, embrião
da posterior Organização das Nações Unidas, a ONU.
Práticas de Ensino de Filosofia

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Capítulo 10 – Filosofia, Ciência e Ecologia

Neste capítulo, abordaremos as seguintes concepções contemporâneas, que envolvem uma abordagem dialética em face
da ciência e da ecologia.

– Die Umwelt* (Jakob von Uexküll, retomado por Thomas


Sebeok).
– Autopoiese (Maturana e Varela).
– Filosofia da Ciência: Conhecimento Social (Helen Longino).
– Terceira hélice (Richard Lewontin).
– A Vida dos Animais, de J. M. Coetzee.

Em face dos desafios ecológicos, no campo da Biologia, foi criado um novo conceito, propriamente dialético, o de
autopoiese, por Maturana e Varela. Por que dialético? Trata-se de uma concepção ampliada de dialética, que retrata
um equilíbrio dinâmico entre a estrutura e o meio. A estrutura é relativamente autônoma, pois se autoproduz por meio
de seu próprio funcionamento, ao invés de fabricar um objeto heterônomo. Mas está em equilíbrio com o ambiente, do
qual depende para continuamente fabricar seus componentes.

Um conceito antecessor é o de Umwelt, criado no século XX pelo biólogo alemão Jacob von Uexküll e retomado por
estudiosos contemporâneos da Semiótica e das Ciências Cognitivas, como Thomas A. Sebeok. Umwelt define o fato
de que para cada animal existe um recorte do ambiente que lhe é correlato, em razão de sua estrutura orgânica. Por
exemplo, para um tipo de sanguessuga (anelídeo da subclasse Hirudinea) de zonas tropicais que vive em cima de uma
árvore, o ambiente relevante é o que permite um deslocamento vertical e a detecção de uma diferença de temperatura,
o que provoca sua queda sobre o dorso de um animal, em que de sangue se alimenta. Assim, embora compartilhe um
meio-ambiente, no sentido amplo, com outros animais, a sanguessuga perceberá somente seu próprio Umwelt. O Umwelt
representa o modelo de mundo daquele organismo, e também seu sistema semiótico, ou seja, contém tudo o que para
ele é significativo. Em relação ao meio ambiente, possui uma interdependência funcional e circular, e pode modificar-se
em função disso. No caso dos animais a modificação, para cada organismo, é pontual e relativa.

O ser humano tem liberdade de criar seu próprio Umwelt. É um Umwelt móvel. Assim, o ser humano também se recria,
ao criar seu ambiente. Sabemos, por exemplo, que na Teoria da Cognição de Vigotski, quando o homem começou a
usar ferramentas não alterou apenas seu ambiente circundante. Alterou, também, sua capacidade de raciocínio e sua
linguagem. Em um círculo que se retroalimenta, a linguagem e as novas capacidades de raciocínio constituíram novas
ferramentas, que por sua vez remoldaram o ambiente natural e social. Novas instituições foram formadas, novas formas
de colaboração social que, por sua vez, constituem ferramentas para remodelar o ambiente humano. Podemos interpretar
Pós-Graduação a Distância

a cultura como um sistema autopoiético propriamente humano.

Hoje em dia, essa capacidade autopoiética humana está colocando em risco tanto o ambiente natural quanto social. Como
diz Augé, a hipermodernidade criou o não-lugar, o desenraizamento histórico e de sentidos nos lugares de passagem do
mundo capitalista globalizado. Dessa forma, o não-lugar é uma ferramenta criada pelo ser humano, mas é uma ferramenta
que pode prejudicá-lo em longo prazo. No entanto, temos sempre uma reserva de esperança na capacidade criativa tão
valorizada pela nossa época.
 Embora em alemão a palavra seja do gênero feminino (die Welt, die Umwelt), em português a palavra "mundo" é do gênero masculino, portanto para efeitos eufônicos adotamos
o gênero masculino para Umwelt.

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Da mesma forma, o conceito de autopoiese mostra a dependência das estruturas vivas que, embora relativamente
autônomas, constituem-se em interação com seu ambiente.

Filosofia da Ciência e Dialética


A ciência é neutra ou é completamente ideológica e dominada pelos interesses não-científicos? Esse é um debate
importante na Filosofia da Ciência Contemporânea. Como é possível que a ciência seja determinada pelos valores sociais?
Concepções pós-modernas da ciência apresentam uma crítica epistemológica: a subdeterminação das teorias científicas.
Para essa concepção, os dados empíricos não são suficientes para determinar, entre duas teorias rivais, qual será aceita
pela comunidade científica. Assim, na formulação de Hugh Lacey, valores sociais e não valores cognitivos, são utilizados
para a avaliação da aceitabilidade de uma teoria. Dessa forma, para a concepção pós-moderna, os interesses sociais
moldam a ciência.

A avaliação de Longino, em seu livro Ciência e conhecimento social (1990), é favorável a essa configuração. Admitindo a
crítica da subdeterminação das teorias, avalia que, mesmo assim, a objetividade da ciência é suficientemente garantida
pelo embate entre perspectivas opostas. Os valores sociais fazem parte, sim, da justificação do conhecimento humano, que
não deixa, por isso, de ser objetivo. A intersubjetividade – o embate de perspectivas opostas – é aliada da objetividade.
A ciência pode ser objetiva precisamente por não ser neutra. O discurso científico é, intrinsecamente, social. Trata-se
de uma abordagem contextualista, que permite a comparação entre teorias (e dessa forma contesta a concepção holista
de incomensurabilidade entre teorias rivais). Admite, assim, a possibilidade do debate e o papel dos valores sociais.
Embora, num debate, posições subjetivas (individuais ou comunitárias) estejam presentes, a atitude crítica característica
da ciência provê os ajustes necessários para assegurar a objetividade.

Terceira hélice
Eis um problema de teoria. Um organismo é completamente determinado pelos seus genes? Talvez a ampla aceitação
dessa teoria tenha sido influenciada por valores sociais, como os supostos benefícios obtidos por um cenário determinista
para o comportamento humano, que possibilitaria um controle mediante a Engenharia Genética.

Para Richard Lewontin, acreditar que o organismo é completamente determinado pelos genes é uma concepção
errônea, que reedita a idéia do “homúnculo”. Para concepções biológicas pré-científicas, o ser humano inteiro já estava
predeterminado ao nascer. Acreditava-se que, no espermatozóide, havia o homúnculo, que em contato com o óvulo só
precisava se desenvolver.

A idéia de que o DNA determina o comportamento humano e todas as características orgânicas é uma teoria do homúnculo
mais sofisticada. Além disso, essa é uma teoria platônica, no sentido em que supõe a existência prévia de um modelo,
do qual o organismo seria uma cópia imperfeita.
Práticas de Ensino de Filosofia

Em seu livro, Lewontin desmonta esses pressupostos e argumenta persuasivamente que o ambiente faz o papel de
“terceira hélice” (em referência à estrutura de “dupla hélice” da molécula de DNA). O ambiente faz parte da constituição
do organismo, tão necessariamente quanto o DNA. Assim, não existe um modelo prévio de organismo independente do
ambiente.

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A Filosofia e as Tecnologias Unidade IV

A vida dos animais


Alguns filósofos têm utilizado o termo “especismo” para a falta de consideração igual com relação a outras espécies,
quando os interesses são semelhantes. Assim, em Libertação Animal, Peter Singer, filósofo da Universidade de Princeton,
argumenta que o fato de alguém ser humano não significa que seus interesses são, sempre e em todo caso, superiores
aos interesses similares de outros seres vivos. Assim, se dois seres podem sofrer dor física, os dois devem ser poupados.
Em um incêndio, tanto um ser humano quanto um rato devem ser salvos. Mas nem sempre os indivíduos deverão ser
igualmente avaliados. Assim, se houver tempo de apenas salvar um deles do incêndio, deve-se salvar o humano. Não por
sua espécie, mas porque o humano tem capacidades de projetar o futuro e enraizar-se no passado muito maior do que o
rato, assim a dor do humano seria maior. Além disso, a perda do humano seria mais impactante para sua família do que
a perda do rato seria para a família do rato. Mas, quando os interesses são iguais, as considerações devem ser iguais.
Caso contrário, seria especismo, um equivalente ao racismo e ao sexismo.

A Vida dos Animais é um livro de J. M. Coetzee, premiado escritor


sul-africano, em que a protagonista, Elizabeth Costello, realiza
algumas palestras sobre respeito aos direitos dos animais. Diz ela:

"As pessoas reclamam que tratamos os animais como


objetos, mas na verdade tratamos os animais como
prisioneiros de guerra. Você sabia que quando foram
abertos os primeiros zoológicos, os tratadores tinham de
proteger os animais dos ataques dos espectadores? Os
espectadores sentiam que os animais estavam ali para
serem insultados e humilhados, como prisioneiros em uma
marcha triunfal. Já promovemos uma guerra contra os
animais, que chamamos de caça. Essa guerra foi travada ao
longo de milhões de anos. Só a vencemos definitivamente
quando inventamos as armas de fogo. Só quando a
vitória foi absoluta é que pudemos nos permitir cultivar a
compaixão. Mas a nossa compaixão é muito rarefeita".

A Vida dos Animais é um livro híbrido, é uma ficção, mas também é


um ensaio. Trata de Filosofia, Bioética, e até de Crítica Literária.

O livro surgiu de um convite para que Coetzee fizesse conferências na Universidade de Princeton, que tem um importante
centro de discussão de problemas éticos contemporâneos. Como recurso retórico, Coetzee criou um personagem (lembra de
como Platão fazia?) para dar voz às teses mais radicais e permitir, ao mesmo tempo, certo distanciamento do autor.

Assim, as palestras estão na voz da personagem Elizabeth Costello. Costello fala de literatura, mas seu foco são os
direitos dos animais.

Um aspecto interessante do livro, do ponto de vista filosófico, é sua estrutura dialógica, em que há valorização do
Pós-Graduação a Distância

debate.

Assim, o livro – ficcional – conclui com quatro ensaios de pensadores reais da academia.

Marjorie Garber, professora de literatura, fala sobre a impactante analogia feita por Costello entre o holocausto e a
indústria de carne, que não é novidade na história literária. Wendy Doniger, professora de história das religiões, discorre
sobre a interdição ao consumo de carne em diversas culturas. Barbara Smuts, primatologista, discorre sobre a possibilidade
de afeto entre homens e animais. Peter Singer, filósofo dedicado a questões bioéticas, contrapõe outro personagem
ficcional, uma filha adolescente que contesta as teses radicais de Elizabeth Costello.
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A Filosofia e as Tecnologias Unidade IV

SUGESTÃO: UMA ATIVIDADE DE ENCENAÇÃO DIALÓGICA.

Primeira parte: Preparação

Faça um debate com seus alunos sobre as afirmações mais radicais


das palestras de Elizabeth Costello.

Faça uma discussão a partir dos ensaios dos acadêmicos reais, que
discutem as posições de Costello.

Realize um debate com os pontos de vista dos alunos. Para


enriquecer, faça um levantamento jornalístico sobre o tema:
notícia de militantes contra a vivissecção de animais; estudante
que recorreu à justiça por objeção de consciência e foi liberado
pelo tribunal de aulas práticas de biologia que fazem vivissecção;
quais são os argumentos dos anti-vivisseccionistas; experimentos
em animais na indústria de cosméticos; imagens de fábricas que
processam carne de boi ou de frango.

Segunda parte: Encenação

Crie alguns personagens com seus alunos. Cada personagem deverá


incorporar um ponto de vista sobre o tema "direitos dos animais".
Uma aluna pode ser Elizabeth Costello, outra pode ser a filha
adolescente, outra pode ser nora de Costello, uma professora de
filosofia partidária do ceticismo que é contra as idéias de defesa
dos animais e do vegetarianismo, que julga irracionais. Um aluno
pode representar outra voz filosófica, a de Peter Singer. Os demais
alunos podem incorporar personagens criados em sala de aula, com
diferentes posições. Lembre de estabelecer um mediador para o
debate, que pode ser o professor, um aluno, ou um colegiado de
alunos.

Testes em animais para fabricação de cosméticos


Práticas de Ensino de Filosofia

Texto informativo (para uso nos debates). Fonte: ONG Arca Brasil
[reprodução permitida com indicação da fonte]

“A indústria de cosméticos realiza testes em animais sob alegação de aferir a toxicidade dos produtos e
garantir que não tenham efeitos nocivos ao homem. Tais testes incluem procedimentos que podem causar
dor, sofrimento e lesões irreversíveis.

Em um dos procedimentos, o teste Draize de irritação dos olhos, o animal – geralmente um coelho – é imobilizado
por vários dias, enquanto a substância é pingada diretamente em um de seus olhos. Depois de algum tempo, o
olho inflama e pode causar cegueira permanente. Após o teste, os animais são sacrificados.

58 Universidade Gama Filho


A Filosofia e as Tecnologias Unidade IV

Testes em animais para fabricação de cosméticos (Continuação...)

No teste DL 50 (dose letal 50%), um grupo de animais (que pode incluir cães) recebe a substância – por ingestão
ou diretamente no sangue – em doses progressivas até causar a morte de metade dos animais. O objetivo é
descobrir qual a dose da substância que pode ser aplicada para o homem sem perigo de intoxicação.

Tais testes são realizados para garantir a segurança dos produtos, mas métodos alternativos já têm sido
desenvolvidos e aplicados em outros países. A Fundação para substituição dos animais em pesquisa – FRAME,
por exemplo, propõe a substituição do teste de Draize de irritação dos olhos pela técnica de captação de
vermelho neutro, que está sendo testada pela Fundação Osvaldo Cruz, no Rio de Janeiro.

Ao mesmo tempo, muitas empresas – especialmente em países desenvolvidos – demonstram preocupação com
a causa, buscando alternativas para fabricação de cosméticos livres de testes em animais em todas as etapas
da fabricação (dos ingredientes ao produto final).

Se você acredita que é importante a busca por alternativas ao uso de animais em testes, envie mensagens aos
fabricantes de cosméticos, mostrando seu ponto de vista!“

http://www.arcabrasil.org.br/animais/ciencia/testes_sobre.htm
arcabrasil@arcabrasil.org.br

Revista Fapesp
http://revistapesquisa.fapesp.br/?art=3445&bd=1&pg=5&lg=
Associação Brasileira pela Causa Animal
http://www.abcanimal.org.br/Default.asp?action=ler&id=104
Consultor Jurídico: Aluno de biologia é liberado de aulas com uso
de animais
http://conjur.estadao.com.br/static/text/66559,1
Comitê de Ética em Experimentação Animal – UFMG
http://www.ufmg.br/bioetica/cetea/index.php?option=com_conte
nt&task=view&id=13&Itemid=26
Pós-Graduação a Distância

Defesa dos Animais – Centro Vegetariano


http://www.centrovegetariano.org/Cat-15-Defesa%2BAnimal.html
Alternativas à Experimentação Animal
http://www.centrovegetariano.org/Article-41-%2BAlternativas%2
B%25E0%2BExperimenta%25E7%25E3o%2BAnimal.html
Alternativas ao Uso de Animais no Ensino
http://www.arcabrasil.org.br/animais/ciencia/ensino.htm

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A Filosofia e as Tecnologias Unidade IV

Capítulo 11 – Tecnologia, Filosofia e Ensino

Sabemos que Platão usava recursos literários para envolver o leitor de seus argumentos filosóficos. Como afirma Chauí
(2002, p.227):

“Os diálogos platônicos não são apenas obras filosóficas, mas também verdadeiras jóias literárias,
peças dramáticas de beleza e elegância sem par”.

Vamos relembrar o que vimos na Unidade I. Para essa autora, Platão escolheu escrever seus tratados filosóficos como
diálogos por três motivos: para preservar o método de perguntas e respostas de Sócrates; para exercer a dialética como
método de distinguir conceitos, por meio do embate de discursos opostos; e para apresentar suas idéias em um formato
familiar aos gregos, já que os diálogos são destinados ao público em geral (e não aos seletos alunos da Academia platônica).
Assim, os diálogos seguem certas regras estabelecidas pela arte dramática grega: apresentação das circunstâncias
da ação, construção dos personagens por suas características morais, sociais e psicológicas; circunscrição no tempo
(duração de um dia), e desenlace imprevisível. Procedendo dessa forma, Platão utilizava um meio de comunicação popular
entre os gregos.

Se nos pautarmos por este célebre exemplo, consideraremos legítimas as propostas contemporâneas de utilização dos
meios de comunicação para a veiculação das idéias e debates filosóficos, e mesmo para a reflexão que busca solucionar
os problemas que afligem nossa sociedade.

A experimentação atual tem sido feita com a divulgação da Filosofia pela Internet, com sites, blogs e listas de discussão;
por meio de programas de televisão etc. Uma das mais frutíferas tem sido a colaboração entre cinema e filosofia.

Além disso, outros desafios são trazidos à filosofia pelo desenvolvimento das tecnologias. Assim, mostraremos a seguir
um panorama de motivações para a filosofia a partir da tecnologia, por meio de três eixos: Ciência Cognitiva, Cinema e
Hipertexto.

Ciência Cognitiva
Será que os computadores podem pensar? O que é ter consciência? Daniel Dennett e Douglas Hofstadter reúnem, em
The Mind's I, uma série de textos filosóficos e literários que exploram os desafios conceituais impostos pela criação de
computadores e da inteligência artificial. O título desse livro é um jogo de palavras, pois significa tanto “O Eu da Mente”,
na leitura literal, quanto “O Olho da Mente”, pela sugestão fonológica. Alude à aproximação feita por alguns sistemas
filosóficos entre o Self e o Olhar, ao caracterizar a consciência como um tipo de olhar.

Douglas Hofstadtder, professor de Ciência Cognitiva na Universidade de Indiana, também explora temas de inteligência
Práticas de Ensino de Filosofia

artificial e sua relação com a Filosofia Grega e a Matemática Moderna, em livros como Metamagical Themas, que reúne
seus artigos escritos para a revista Scientific American. Seu outro livro, Gödel, Escher, Bach, foi traduzido para o
português, e trata da recursividade, um problema conceitual que é ao mesmo tempo filosófico, matemático, artístico e
computacional.

Vários autores nacionais têm escrito sobre esse tema. Por exemplo, João de Fernandes Teixeira publicou vários livros
sobre Filosofia e Ciência Cognitiva. Um bom panorama sobre a Ciência Cognitiva pode ser encontrado no livro traduzido
de Howard Gardner, A nova ciência da mente.

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A Filosofia e as Tecnologias Unidade IV

Reflexões sobre "O que é vida" também aparecem na bibliografia contemporânea, como nos livros que discutem se padrões
computacionais complexos apresentariam comportamento semelhante à vida. Autores importantes são Christopher G.
Langton e Margaret A. Boden. Seus artigos podem ser encontrados no livro A filosofia da vida artificial, editado por
Boden.

Livros como O homem bicentenário, de Isaac Asimov (depois convertido em filme) são uma forma de reflexão sobre o que
constitui um ser humano e o separa de um robô complexo (ou não o separa).

Cinema
Os filmes de cinema têm sido considerados um recurso útil como forma de sensibilização dos estudantes para temas
tradicionais da filosofia. Um desses filmes é Matrix, analisado de maneira filosoficamente apropriada por Marilena Chauí
nas edições mais recentes do livro Convite à Filosofia. Outro livro que faz a aproximação entre a filosofia e a expressão
de cultura popular do cinema é Matrix – Bem-vindo ao deserto do real, coletânea de artigos organizada por William Irwin.
Vale a pena confrontar este livro com outro, propositalmente (quase) homônimo, Bem-vindo ao deserto do real, de Slavoj
Zizek. Neste, o psicanalista e filósofo esloveno analisa características da sociabilidade contemporânea que nos levam a
evitar um confronto com o Real (um conceito lacaniano, reconceituado por Zizek).

O autor de origem argentina Júlio Cabrera, professor da Universidade de Brasília, vai além na sua conceituação da relação
entre filosofia e cinema. Considera que o cinema trabalha com conceitos-imagem, que são simultaneamente inteligíveis
e sensíveis. A partir dessa tese, Cabrera faz uma análise do pensamento de cineastas, comparando com conceitos de
filósofos como Platão, Aristóteles, Kant, Heidegger e Wittgenstein.

Hipertexto
A estrutura hipertextual rompe com a tradição canônica de leitura, em que o texto se organizava com início, meio e fim.
Rompe, assim, com um suporte tradicional para o pensamento argumentativo. Será a argumentação impossível com o
hipertexto? Talvez, pois a partir de cada ponto (“nó” hipertextual) pode originar-se um outro texto, e assim por diante.
No hipertexto “puro”, radical, as bifurcações são intermináveis, ele é quase somente devir.

A estrutura hipertextual afeta o pensamento? Alguns autores acreditam que sim, e têm utilizado a distinção feita por
Deleuze entre espaço liso e estriado. Assim, a organização típica de espaços lisos (associativa, mítica, emotiva, que
procede por “bricolagem”) seria característica do hipertexto, que dessa forma se diferenciaria do pensamento vinculado
ao espaço estriado (hierárquico, racional, que procede por argumentação).

Em outra análise, pode-se conceber um espaço de conhecimento hipertextual como sempre aberto para novas informações,
mas internamente – e logicamente – delimitado pela equivalência entre suas partes.

Com o hipertexto, novos desafios conceituais são apresentados às nossas mentes por meio de uma exteriorização
possibilitada pela tecnologia.
Pós-Graduação a Distância

Em Pierre Lévy (1983, p.173) o hipertexto torna-se metáfora exacerbada da mente humana e da sociedade, uma metáfora
das novas subjetividades (e potencial ausência de sujeito, algo pensa em nós, e esse algo é hipertextual):

"Quem pensa? Uma imensa rede loucamente complicada, que pensa de forma múltipla, cada nó da qual
é por sua vez um entrelace indiscernível de partes heterogêneas, e assim por diante em uma descida
fractal sem fim. Os atores dessa rede não param de traduzir, de repetir, de cortar, de flexionar em todos
os sentidos aquilo que recebem dos outros. Pequenas chamas evanescentes de subjetividade unitária
correm na rede como fogos-fátuos no matagal das multiplicidades. Subjetividades transpessoais

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A Filosofia e as Tecnologias Unidade IV

de grupos. Subjetividades infrapessoais do gosto, do olhar, da carícia. É claro, a pessoa pensa,


mas é porque uma megarrede cosmopolita pensa dentro dela, cidades e neurônios, escola pública e
neurotransmissores, sistemas de signos e reflexos. Quando deixamos de manter a consciência individual
no centro, descobrimos uma nova paisagem cognitiva, mais complexa, mais rica".

De uma maneira menos entusiasmada, podemos definir o hipertexto como um tipo de organização não-linear do texto,
desenvolvida como forma de possibilitar formas controladas de acesso ao texto. A acepção estrita do termo refere-se à
forma eletrônica de organizar o acesso não-linear, com um programa (software) específico no computador que permite a
ligação entre uma parte do texto com qualquer outra parte do mesmo texto ou de outros textos armazenados na memória
do computador, o que fornece acesso rápido às informações neles contidas, por meio de ligações associativas. As unidades
de informação ligadas são chamadas de “nós”. Hipermídia é a extensão do conceito para um sistema computadorizado
equivalente que permite ligações múltiplas entre imagem, som e vídeo, além de texto escrito. Pode-se, no entanto, utilizar
o termo hipertexto na acepção inclusiva, contemplando a hipermídia.

Sabemos que a Internet é uma rede de computadores de âmbito mundial. O hipertexto é uma característica de interface e
de organização de dados textuais (na acepção semiótica ampla de “texto”). Pode haver vários softwares ou linguagens de
programação que implementam um hipertexto. A World Wide Web é uma parte da Internet, e suas páginas têm estrutura
hipertextual, em que a linguagem de programação básica é o “hypertext markup language – HTML”.

Que tipo de enciclopédia é um hipertexto?

As enciclopédias tradicionalmente organizavam-se por temas, por exemplo:


1. História Natural, de Plínio, o Velho, era uma enciclopédia estruturada a partir dos seguintes tópicos: estrelas
e planetas; geografia da Terra; seres humanos, animais, plantas e minerais.
2. A Enciclopédia, de Martianus Capella era estruturada a partir das sete artes liberais: gramática, retórica,
dialética, aritmética, geometria, astronomia e música.
3. A Enciclopédia, de Vincente de Beauvois, utilizou, além de outros esquemas tradicionais, os sete dias da criação
do mundo segundo o Velho Testamento (Bolter, 1991, p.90).

Tal organização baseava-se em esquemas culturalmente válidos, conhecidos pela maioria dos leitores (cultos).

Francis Bacon tentou sistematizar as categorias organizativas do conhecimento enciclopédico, em The advancement of
learning [O progresso do conhecimento], com um sistema baseado em três faculdades mentais, consideradas básicas:
memória, imaginação e razão. A memória remetia a temas de história e escrita; a imaginação: a assuntos de arte; e a razão
remetia à Filosofia e à Ciência Natural. Dessa forma, uma determinada concepção de conhecimento e de ser humano
influenciou a organização de um artefato cultural de referência, a enciclopédia. Dessa forma, a enciclopédia também se
torna um veículo discursivo (uma “propaganda”) dessa mesma concepção de conhecimento e de ser humano.

Com o tempo, foi criada a organização alfabética, tecnicamente eficaz para permitir o acesso ao verbete desejado, e
aparentemente neutra, por não enfatizar ou valorizar nenhum verbete ou organização prévia.

Mas nem todos ficaram satisfeitos com a organização alfabética. A Encyclopédie, de Diderot e D’Alembert, acrescentou,
Práticas de Ensino de Filosofia

à ordem alfabética, um prefácio com uma “árvore do conhecimento” baseada nos “primeiros princípios”, de Bacon.
Os artigos na Encyclopédie continham referência que os localizava na árvore, ainda que isso não fosse muito útil para
organizar a leitura (Bolter, 1991, p.92).

Já o hipertexto não precisa se organizar por temas e nem mesmo pela ordem alfabética. A informação pode ser
descontextualizada o máximo possível, e recuperada ad hoc com mecanismos de busca. Assim, a recuperação ocorre em
função das necessidades práticas e situadas de cada consulente, que é, geralmente, também um produtor que acrescenta
dados à rede hipertextual.

62 Universidade Gama Filho


A Filosofia e as Tecnologias Unidade IV

Que tipo de concepção de conhecimento – e de ser humano – o hipertexto incorpora e veicula?

Temas para discussão com seus alunos:

1. O computador manipula dados ou conhecimentos?

2. Um conjunto de informações em um banco de dados constitui conhecimento?

3. O que transforma um conjunto de informações em conhecimento? O que torna significativo, para o ser humano,
um conjunto de dados?

4. Para Hubert Dreyfus, um filósofo dedicado à Ciência Cognitiva, se um computador tiver uma definição completa
de um conceito como “sentar-se” ou “alimentar-se”, ainda assim o computador não saberá o que é, para um
ser humano, sentar-se ou alimentar-se. Quais os limites da inteligência artificial?

5. Para alguns autores, formalmente o hipertexto torna todas as informações equivalentes, pois são igualmente
acessíveis, embora sejam diferentes para o ser humano, que as assimila e avalia. Que tipo de concepção de
conhecimento – e de ser humano – uma enciclopédia aberta, mas formalmente unificada como o hipertexto,
incorpora? Lembre que nossa época, marcada pela globalização e pela pós-modernidade (hipermodernidade)
valoriza a criatividade, mas também a homogeneização massificada; valoriza a identidade, mas também as
relações em rede, globais; transforma informação em commodity, mercadoria; trabalha com a descentralização e a
abertura, mas universaliza certas concepções de lucro e mercantilização que unificam os comportamentos.

6. Para alguns críticos literários, no hipertexto, o leitor – mesmo que não produza nenhum texto novo para inserir
na rede – é também um pouco autor, pois organiza a leitura de uma maneira muito particular. Um mesmo
hipertexto pode ter diversas leituras, ou seja, produzir textos diferentes, um para cada leitor. Assim, cada leitor
é co-autor de um texto virtualmente presente no hipertexto original. Temas relacionados a esse fenômeno, que
podem ser discutidos com seus alunos, são: se você cria um hipertexto, você pode controlar a transmissão
do conhecimento? A mensagem que o autor original quis transmitir e a que os leitores receberam, coincidem?
Imagine que o professor é o autor, e os alunos são os leitores de um hipertexto. Que conclusões você pode
tirar disso?

7. Para orientar e complementar a discussão do item anterior, lembre que, como o leitor é um re-criador do
hipertexto, não existe uma mensagem completa, pronta e perfeita, que represente o conhecimento a ser
“passado” pelo professor. O resultado final do hipertexto é produzido pelo autor e pelos leitores co-autores,
presentes e futuros, ou seja, é um espaço de conhecimento virtualmente aberto e não-totalizado; portanto,
não “dominado”, na íntegra, por ninguém. Que tipo de concepção pedagógica pode ser metaforizado pelo
hipertexto?

Saiba mais:

O tema acima exposto foi desenvolvido no seguinte artigo, de onde


Pós-Graduação a Distância

retirei alguns trechos, e que gostaria de convidá-lo a conhecer:


Hipertexto como enciclopédia: aspectos filosóficos.

Disponível em: http://tesseract.sites.uol.com.br/htxenc.htm

TV Filosofia na Internet
Filô das 11 – http://portal.filosofia.pro.br/tv-filosofia.html

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A Filosofia e as Tecnologias Unidade IV

Vemos, com os exemplos acima abordados, uma interessante fonte de novas possibilidades conceituais e desafios para
a Filosofia. Vamos citar ainda, embora se situe originalmente no campo da Antropologia, o livro de Eduardo Viveiros de
Castro, A inconstância da alma selvagem, e o Projeto AmaZone: A Onça e a Diferença, que busca identificar modalidades
conceituais próprias – e não menos interessantes para a Filosofia – dos indígenas brasileiros, como o chamado
“perspectivismo amazônico”. Trata-se do projeto de um antropólogo que busca, de forma rigorosa, um diálogo entre a
Filosofia Ocidental e o Pensamento Ameríndio.
Práticas de Ensino de Filosofia

64 Universidade Gama Filho


Para (não) Finalizar

Já que a Filosofia é um “filosofar”, ou seja, um processo sempre aberto e atento às mudanças enfrentadas pela humanidade,
podemos esperar que novos aspectos da nossa realidade vivida serão destacados, (des)territorializados e reformulados,
ou seja, novas perguntas filosóficas serão criadas, novos problemas filosóficos serão formulados.

Da maneira semelhante, a criação de conceitos em Filosofia poderá ser afetada pelas novas formas de expressão do ser
humano. Novas modalidades de pensamento podem ser inauguradas, e a Filosofia, por sua vez, realizará sobre elas a
reflexão metacognitiva. O pensar sobre o pensar nos conduz a formas mais sofisticadas de compreensão sobre o devir
humano.

Pós-Graduação a Distância

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