Sie sind auf Seite 1von 32

Capítulo III

A Explicação em Psicologia e o Paralelismo


Psico - Fisiológico
por
Jean PIAGET

SUMÁRIO

I. — Introdução ............................................................................................................................... 121


1.° Necessidade da explicação, 122; 2.° Passagem contínua da pes-
quisa das leis às hipóteses explicativas, 123.
II. — Leis e causas ........................................................................................................................... 124
1.° Análise de uma hipótese explicativa, 125; 2.° As três fases da
pesquisa, 127; 3.° Caracteres da explicação causal, 12'8.
III. — A multiplicidade das formas deexplicação psicológica .................. 129
1.° A explicação pela redução psicogenética, 131; 2.° A explicação
pela redução psicossociológica, 133; 3.° A explicação pela redução fisi-
calista, 134; 4.° A explicação pela redução organicista, 136; 5.° A ex-
plicação pelo comportamento, 138; 6.° A explicação pela construção
genética, 140; 7.° A explicação baseada nos modelos abstratos, 142.
IV. — As explicações psicológicas e o problema do paralelismo psi-
cofisiológico ........................................................................................................................ 144
1.° O problema do paralelismo, 145; 2.° A solução interacionista,
146; 3.° A solução paralelista, 146.
V. — O isomorfismo entre a causalidade e a “implicação”. Conclu-
sões ......................................................................................................................................... 147
1.° Estados de consciência e causalidade, 148; 2.° Estados de cons-
ciência e implicação, 148; 3° O isomorfismo entre a causalidade e a
implicação, 149; 4.° Conclusão, 150.
BIBLIOGRAFIA .............................................................................................................................................. 151

I. INTRODUÇÃO

Um tratado de psicologia experimental deve abordar as questões


da explicação e do paralelismo, porque ambas se deparam, necessaria-
mente, ao experimentalista. Constataremos, aliás, que ambos os proble-
mas implicam um no outro: basta, pois, reconhecer a pertinência de um
dos dois, para que conduza a do outro.
122 HISTÓRIA E MÉTODO

1. *. Necessidade da explicação

A questão da explicação se apresenta ao experimentalista, não em


virtude de princípios a priori, que comportariam a definição da psico-
logia ou as regras do método experimental, mas porque as etapas de
tôda pesquisa experimental espontânea e autônoma se graduam segundo
os sucessivos patamares, dos quáis os que ultrapassam certo nível corres -
pondente ao que se chama, comumente, nas ciências, de verificação de
uma hipótese explicativa.
Tomemos como exemplo uma “ilusão" ótico-geométrica, tal como
a de M ÜLLER-L YER . A observação pôs em evidência primeiro o fato de
qúe uma horizontal de comprimento L parece subjetivamente mais longa
se fôr provida, nas extremidades, por oblíquas externas, do que quando

Fig. 1

munida de oblíquas internas ou mesmo desprovida de oblíquas (Fig. 1).


A primeira tarefa do experimentador é então verificar se o fato é geral,
isto é, se se trata de uma lei. As etapas seguintes (que não são, forço-
samente, as que se seguem imediatamente, em ordem cronológica, pois
sempre há espíritos que tendem a destruir as etapas e que procuram
explicações ou causas antes de conhecer bem as leis) serão caracteri -
zadas por aproximações mais atuantes no estabelecimento das leis: far-
-se-ão variar, por exemplo, as figuras, de maneira a determinar sob que
forma ou em que proporções a ilusão é máxima; ou ainda se verificará
se a ilusão é também quantitativamente forte em tôda idade ou se au -
menta ou diminui com o desenvolvimento; estudar-se-á, ao mesmo tempo,
o efeito da repetição ou exercício, etc. Mas essas experiências, destinadas
ao estabelecimento de fatos gerais ou de leis de extensões variadas, du -
plicar-se-ão, cedo ou tarde, com outras experiências, orientadas, desta
vez, para a verificação de hipóteses explicativas. Essa orientação nova
pode surgir de duas maneiras, em descontinuidade ou continuidade
maiores ou menores, com a que precede.
A maneira descontínua caracteriza as hipótess explicativas forjadas
à margem do estabelecimento das leis iniciais. Supôs-se, por exemplo,
que a ilusão de M ÜLLER -LYER era devida a movimentos oculares, per-
correndo a linha L, cujo comprimento se deveria julgar: favorecidos
pelas oblíquas externas, êsses movimentos conduziriam então a uma
superestimação do comprimento da linha percorrida, enquanto que as
oblíquas internas impedem o deslocamento do olhar, conduzindo à sub-
estimação. Mas não é nessas hipóteses explicativas, embora nascidas à
margem da pesquisa das leis de partida, que se embaraça o trabalho
experimental, que elas favorecem às vêzes ao contrário, e i sso quase
independentemente de sua exatidão. A hipótese particular de que nos
A EXPLICAÇÃO EM PSICOLOGIA 123

lembramos deu ensejo, com efeito, a duas espécies de controles pro -


veitosos, que foram desmentidos, mas que conduziram ao estabelecimento
de leis novas, completando as precedentes. Um desses controles con-
sistiu em medir a ilusão em taquistoscópio, com durações muito curtas
para que os movimentos oculares interviessem: a ilusão dura ainda, o
que exclui a hipótese assim testada, mas permite estabelecer a lei de
distribuição dos erros, em função da duração de apresentação . 1 O outro
consistiu em registrar os movimentos oculares, o que contradisse, igual -
mente, a hipótese, mas levou à constatação de novos fatos gerais. Se,
ao contrário, a hipótese tivesse sido confirmada, ter-se-iam, evidente-
mente, outras leis, mas com alguma coisa a mais, que teve um começo
de explicação, sendo o problema, então, estabelecer em que consiste uma
explicação e qual sua relação com as leis.

2. °. Passagem contínua da pesquisa das leis


às hipóteses explicativas

A pesquisa da explicação pode surgir em continuidade completa


com o estabelecimento das leis iniciais. Por exemplo, variando as pro -
priedades da figura, para estabelecer em que condições se obtem o
máximum de ilusão, seremos, muito naturalmente, conduzidos a modi -
ficar o ângulo compreendido entre as oblíquas ou (o que deles resulta),
cí ângulo que formam com a horizontal L, cujo comprimento se deve
avaliar. Aparecerá, necessariamente, a questão de se saber se é o ân-
gulo o responsável pela ilusão e aqui já temos uma hipótese explicativa.
Os controles mostram, ao contrário, que o ângulo não é o fator prin-
cipal, embora desempenhando seu papel e que a relação fundamental é
a que é dada entre os lados grandes e pequenos (B e A ou B’ e A’ na
Fig. 1 ), paralelos dos trapézios gerados pela figura de MÜLLER-LYER
(essa consiste, com efeito, de dois trapézios, ligados, seja por uma base
comum grande, seja por uma pequena, permanecendo virtual a outra).
Logo, reduzir essa ilusão clássica aos trapézios, constitui um começo de
explicação, mas ainda bem modesta, pois o problema é então deslocado
para o das razões da subestimação de grande base dos trapézios e da
subestimação de sua pequena base . 2
Sabe-se que o positivismo de AUGUSTO COMTE condena a pesquisa
das causas e pretende que a ciência se atenha ao estabelecimento das
leis. Um experimentalista imbuído de preceitos a priori, tirados da me-
todologia positivista, poderia então sustentar que não pesquisa essas
razões e se contenta em verificar as leis perceptivas do trapézio. Mas
êsse exemplo é excelente, justamente para mostrar que não se cingirá
jamais a isso. Com efeito, regra geral, quando dois comprimentos de-
siguais A e B são comparados, perceptivamente, sendo que sua dife-
rença A<B ultrapassa, sensivelmente, os valores liminares, A é subes-
timado e B superestimado. É pois difícil pensar que mesmo o experi-
mentador mais positivo não chegue, de uma forma ou outra a se indagar

1 Ver o Capítulo XVIII (“O desenvolvimento das percepções”), Subcapítulo III.


2 Ver Capítulo XVIII, começo do Subcapítulo II.
124 HISTÓRIA E MÉTODO

porque não se dá o mesmo no caso das bases do trapézio. Responder


que há casos em que, se A<B, a diferença é reforçada (contraste) e
outros em que ela é desvalorizada (assimilação) não bastará por muito
tempo, pois resta estabelecer em que condições ou sob a influência de
que fatôres o contraste prima ou não. Logo, a pesquisa das condições
ou dos fatôres apresenta, evidentemente, caráter explicativo. Outra res-
posta possível (que é a nossa) consiste em sustentar que em um tra -
pézio as diferenças A", entre os comprimentos das bases A e B (per -
cebidas nos dois prolongamentos da pequena base A ou A’, Fig. 1)
apresentam caráter figurai (em oposição ao caso do retângulo em que
a diferença entre os lados grandes e pequenos não se percebe a título
de elemento particular da figura) e que as relações entre as bases A
ou B e a diferença A” obedecem então a efeitos de contraste que desva -
lorizam a diferença A” e evidenciam a subestimação de B (ou B’), sem
apelar à assimilação. Chega-se, assim, a novas “leis” ou relações legais
(ao mesmo tempo verificáveis e calculáveis) entre B e A", etc.; expres-
sas numa linguagem ou noutra, essas leis parciais "explicam” a relação
global entre B e A, fornecendo uma razão na primeira aproximação.
Entenda-se que essa primeira aproximação suscita novas questões, que
provocam a pesquisa de novas leis e novas explicações, e assim por
diante. 3
Admitindo-se, pois, que tôda análise experimental esclarece, ao
mesmo tempo, fatos gerais ou leis e hipóteses explicativas, que certo
número de experiências se propõem, igualmente, verificar o fundamento,
resta-nos, para apresentar êste capítulo, pesquisar o que caracteriza, em
psicologia, o caráter “explicativo” de uma hipótese ou de um sistema de
relações verificadas, em oposição ao caráter simplesmente “legal” ou
"comprovativo” das relações estabelecidas, sem outro cuidado senão o
de’ determinar sua generalidade. Tentaremos, bem entendido, destacar
essa diferença, sem cuidar de noções a priori sôbre lei e causa e sem
mesmo partir do exame do problema correspondente nas ciências estra -
nhas à psicologia, como a física e a biologia: é somente no terreno da
experimentação psicológica que iremos pesquisar se existe algum cri -
tério de diferenciação entre a explicação (causas) e a descrição pura
(fatos gerais ou leis).

II. — LEIS E CAUSAS


No exemplo que nos vem mostrar como uma pesquisa de explica-
ção prolonga, espontâneamente, o estabelecimento das leis e o dirige,
mesmo, em muitos casos, é preciso primeiramente constatar que as hipó -
teses explicativas propostas para inteirar-se das leis, consistem, também
elas (sejam depois verificadas ou não pela experiência) em invocar as
leis: o que sejam os movimentos oculares, os ângulos ou trapézios que
“explicam” a superestimação da horizontal na figura de MÜLLER-LYER
de oblíquas externas, tratando-se, nos três casos, de um feixe de leis
(leis dêsses movimentos, dêsses ângulos, etc.), dos quais se tira, então,

3 Ver Capítulos XVIII, VI.


A EXPLICAÇÃO EM PSICOLOGIA 125

a lei da superestimação que se quer interpretar. . Parece, pois (mas


apenas no primeiro contato), que para o experimentalista a noção de
causa se confunde com a de lei e é para esta confusão (tornada muitas
vezes intencional sob a influência do positivismo) que se tende quando
se se limita a definir a “causa” como “sucessão regular”.

1. °. Análise de uma hipótese explicativa


Analisemos, porém, de mais perto a hipótese explicativa dos mo -
vimentos oculares, que se revelou falsa no caso da figura de MÜLLER -
L YER, comparando-a a uma hipótese vizinha, que se mostrou adequada
no caso de outra "ilusão”; procuremos, confrontando as duas situações,
o que a explicação causal acrescenta à simples legalidade.

Êste segundo exemplo de ilusão (que mostra, aliás, tanto quanto o primeiro,
como a necessidade de explicar se impõe, infalivelmente, no decorrer da pesquisa)
é o da superestimação do elemento superior A, no caso de comparação entre duas
verticais iguais A e B, que se prolongam uma e outra (Fig. 2). Sabe-se, com
efeito, que duas horizontais iguais A’ e B’, prolongando-se, não dão lugar a erros
sistemáticos (salvo certas lateralizações individuais), enquanto que a vertical su-
perior A é valorizada em relação a B.

Fig. 2

Se o psicólogo ambiciona ser mais que simples colecionador de fatos, é ne-


cessário então que lhe procure a razão. Fizemos, pois, a hipótese 4 de que, as hori-
zontais sendo perceptivelmente simétricas, os pontos de fixação se repartirão si-
métricamente sôbre A’ e B’ (por exemplo em direção ao meio de A’ e B’) e que os
movimentos de comparação, oscilando entre as centrações de A’ e B’ não darão
pois lugar a assimetrias deformantes; ao contrário, as verticais A e B, sendo per-
ceptivelmente assimétricas (uma dirigida para o solo e a outra para o espaço su-
perior aberto), os pontos de fixação privilegiados serão situados no vértice de A
e no vértice de B; donde a anulação entre os dois vértices, que favorecerá o ele -
mento A e desfavorecerá a parte inferior de B. Logo, a análise cinematográfica
dos movimentos oculares, conduzida por V INH -BANG, nestas figuras, mostrou, efe-
tivamente: 1.°, uma acumulação de pontos de centração nos vértices das verticais

* Ver Capítulos XVIII, VI.


126 HISTÓRIA E MÉTODO

A e B, mas em direção ao meio da figura formada pelas horizontais A’ e B’; 2.°,


uma divisão igual dos movimentos de comparação A’B’ e B’A’, no caso das hori-
zontais e desigual (BA > AB) no caso das verticais.

Por que então a hipótese do papel dos movimentos oculares é expli -


cativa nesta situação e não o é sob a forma que se lhe deu no caso da
figura de MÜLLER-LYER? E O que nos ensina essa comparação quanto
à distinção entre as “leis” e as “causas”?
A hipótese teria podido alcançar bastante êxito no caso da figura
de MÜLLER-LYER (e ela será certamente retomada um dia, sob forma
mais adequada), mas não se confirmou, por duas razões distintas,
embora sem dúvida complementares. A primeira razão é que a lei de
distribuição dos movimentos oculares na exploração desta figura não
se concilia com a lei de superestimação do segmento de reta a avaliar.
Encontramo-nos, pois, na presença de duas leis experimentalmente
corretas, mas as quais não se pode deduzir uma da outra; êsse fato
banal é contudo fundamental e mostra, de improviso, que a "causa” não
se procura no nível da “lei”, mas no da dedução de uma lei que parte
de outra ou de um conjunto de outras, por conseguinte no nível da
construção dedutiva (tão simples e imediatas quanto possam ser essas
deduções). A segunda razão, que lhe é paralela, é que, sob a forma
dada inicialmente à hipótese mal se chega a representar, claramente, o
substrato real (fisiológico aqui), assegurando a ligação entre um mo -
vimento do globo ocular, por um lado e o órgão especializado de registro
da duração de uma reta (células da retina, etc.), de outro. Em outras
palavras, para que haja explicação, não basta deduzir as leis de ma-
neira formal: é preciso apoiar essa dedução num substrato real ou
"modêlo” concreto o uabstrato, que permita representar-se as relações
em jôgo, e, de maneira mais geral, de coordenar os planos de realidade
ou de introduzir entre as leis estabelecidas uma hierarquia, do ponto
de vista de seu campo de aplicação (avaliações conscientes, reações de
comportamento, leis fisiológicas, etc.).
Se a hipótese dos movimentos oculares parece, ao contrário, expli -
cativa, no caso das verticais superpostas, é que essas duas condições
tendem a ser preenchidas. Por um lado, as leis de superestimação e as
de distribuição dos movimentos de comparação, assim como dos pontos
de fixação parecem conciliar-se, de tal modo que se pode deduzir os
primeiros dos segundos, utilizando a introdução das leis observadas,
quanto ao pormenor dos efeitos de superestimação por centração (FAU-
VILLE, HILLEBRAND, PIAGET e MORF, FRAISSE, etc.). Pro outro lado,
é possíel construir esquemas ou modelos, que permitam coordenar as
diversas leis (fatos gerais), observadas ao hierarquizar seus campos de
aplicação: far-se-á assim corresponder as superestimações por centra -
ção (enquanto realizações perceptivas traduzidas por “julgamentos”,
etc.), aos modelos probabilistas de "encontros” (de "junções” ou cor-
respondências entre “encontros": ver o Capítulo XVIII dêste Tratado,
sob III e IV) que se farão corresponder a si mesmos, em aproximações
diferentes dos modelos orgânicos (densidade das células na fóvea, mi -
cromovimentos de exploração, dirigidos por regulações de vigilância ou
de atenção, etc.).
A EXPLICAÇÃO EM PSICOLOGIA 127

2. °. As três fases da pesquisa

Da discussão desses exemplos, podemos pois concluir pela neces -


sidade de distinguir três espécies de fases na pesquisa psicológica, das
quais a primeira permanece no nível da legalidade, enquanto que as duas
outras combinadas caracterizam a explicação causal:
l 9 . Há primeiro o estabelecimento de fatos gerais ou leis. É pre -
ciso reconhecer a esse respeito que a constatação experimental conduz
sempre ao encontro das leis. Mesmo a fase 3, que consiste em intro -
duzir um substrato ou modelo e um conjunto de ligações entre as leis
iniciais, volta a estabelecer ou a supor novas leis, pois essas ligações
continuam também a se traduzir por leis, mas de escala mais fina que
a das leis a explicar.
Mas a lei em si mesma ainda não explica nada, pois se limita a
constatar a generalidade de uma relação de fato (sucessão, correlação,
etc.). A explicação só começa com a coordenação das leis e essa coor-
denação se apresenta sob duas formas complementares (29 e 3°).
2°. À simples legalidade acrescenta-se, em primeiro lugar, um nôvo
elemento, que não está compreendido na simples ideia de lei: é a cons-
trução dedutiva (tão simples é ela em certos casos) por meio da qual
se infere a lei para explicar leis que são consideradas para explicar (e
que a explicarão, com efeito, se a construção tem êxito, do ponto de
vista dedutivo e se é verificada pela experiência). Uma lei por si só
não comporta ainda construção dedutiva, pois não resulta senão de uma
generalização indutiva, englobando, é verdade, uma parte mais ou menos
grande de deduções probabilistas, organizadas, porém, em vista do sim -
ples estabelecimento da generalidade da lei em qu estão. A explicação
supõe, ao contrário, um sistema de leis tais que uma dentre elas possa
ser construída ou reconstruída dedutivamente a partir das outras e êsse
é um primeiro caráter específico da explicação, em oposição a legalidade
por si mesma. Mas não é esse seu único caráter, pois a dedução de uma
lei, partindo de um conjunto de outras leis, não constitui ainda expli -
cação "causal ”. 5
39 É preciso, então, considerar uma terceira fase, que completa, ne-
cessariamente, as precedentes e que constituirá o segundo caráter espe-
cífico da explicação causal: a dedução da lei a explicar, partindo do
sistema de leis que, considerando-as, não permanece simplesmente ideal
ou “lógica”, mas se aplica a um substrato “real” ou " modelo”, que é
reputado prestar-se a tal dedução e em “representar-lhe” as diversas
ligações. Por exemplo, no caso da ilusão citada acima, onde uma ver -
tical superior é superestimada em relação à vertical inferior que pro -
longa, possuem-se três leis: a) a que exprime essa superestimação do
elemento superior; b) a que descreve a acumulação dos pontos de cen-
tração do olhar aos vértices das verticais (com um privilégio, pois, con-

5 Tal dedução basta na matemática, onde em geral não se fala de “causas”, mas
onde, entretanto, G. B O U L I CA N D emprega o termo “causalidade”, quando essa de-
dução fornece a “razão” de um teorema. Falta apenas, precisamente, a essa “cau-
salidade”, comparada a das ciências experimentais, o segundo caráter específico do
qual iremos falar e que é relativo ao modo de realidade invocada como substrato
da dedução.
128 HISTÓRIA E MÉTODO

cedido à parte compreendida entre os dois vértices, em oposição às par-


tes média e inferior da vertical inferior), e c) a que exprime o fato de
que um elemento centrado pelo olhar é superestimado em função dessa
centração. Pode-se, então, deduzir a lei a) das leis b) e c), mas isso não
basta para tornar “causal” a explicação, pois falta representar -se o
"como”, isto é, fornecer um modêlo mais ou menos “real”, que faça , ao
mesmo tempo, compreender o alongamento aparente, resultante da cen-
tração do olhar e a maneira pela qual êsse processo se aplica à vertical
superior, que intervém na lei. Segundo as necessidades, êste mo -
dêlo será então puramente fisiológico, ou combinado com um esquema
probabilista, ou atendo-se ao único esquema, etc. Mesmo neste úl-
timo caso, o modêlo não permanecerá formal, sem o que êle se confun-
diria com a dedução. Consistirá então em “imaginar" o "como” do
alongamento, esquematizando, simplesmente, as possíveis realidades em
jôgo. Será, então, sempre “real” na intenção, mesmo se se ativer a es -
quematizações, ulteriormente julgadas excessivas.

3. °. Caracteres da explicação causal

O ideal da dedução causal, em psicologia como em outra parte, con-


sistirá, assim, numa construção dedutiva aplicada à produção dos fenô-
menos e essa construção será tanto mais satisfatória quanto mais as ar -
ticulações da dedução corresponderem às ligações entre os objetos, de
maneira que a ordem da dedução explicativa reflete a das antecedentes
e das consequentes, que intervêm no desenrolar real e temporal dos
acontecimentos. Em outras palavras, a explicação causal terá êxito na
medida em que a cada transformação em jôgo nas relações entre os ob-
jetos, corresponda uma transformação ou operação em jôgo na dedução,
sendo isso, pelo próprio fato, calcado no real. Causa seu ratio, dizia
DESCARTES: a causa é uma coordenação lógica “projetada” em uma coor-
denação real.
Assim concebida, a explicação apresenta os dois caracteres que sè
atribuem, clàssicamente, à causalidade, em oposição à simples legalidade:
a) a necessidade das relações entre causas e efeitos, a que provém de
sua dedutibilidade; b) a realidade dêsse liame causal subjacente aos fe-
nômenos medidos (e que ultrapassa assim o fenomenismo puro), a qual
é assegurada pelo modêlo que serve de substrato à dedução.
Essas duas novidades características da explicação causal e que
transbordam do quadro da legalidade apenas, distinguem -se, por outro
lado, uma da outra, pela seguinte razão. A coordenação das leis em
que consiste sua dedutibilidade no interior dos sistemas que constituem
entre elas, não repousa senão nas regras da dedução lógico-matemática,
que permanecem formais. Os modelos que servem de substrato à de-
dução requerem, ao contrário, uma coordenação dos planos ou campos
de realidade e comportam, por conseguinte, um conjunto de juízos de
existência. Essa segunda coordenação, que é, pois, "real” e não mais
formal, admite em particular duas subvariedades impor tantes. Uma pro-
cede da hierarquização dos planos de realidade: os modelos organicistas
A EXPLICAÇÃO EM PSICOLOGIA 129

serão, por exemplo, baseados na representação de ligações nervosas, em


relação às quais se ordenarão as reações de comportamento e, num se-
tor limitado, os epifenômenos conscientes, enquanto que outros modelos
serão baseados no comportamento, encarado globalmente, etc. A outra
subariedade procede pondo em correspondência ou em isomorfismo de
campos de realidade irredutíveis uns aos outros: é aqui que se colocará
a questão do paralelismo ou do isomorfismo entre as estruturas carac-
terísticas dos estados de consciência e as estruturas orgânicas conco -
mitantes.

III. — A MULTIPLICIDADE
DAS FORMAS DE EXPLICAÇÃO PSICOLÓGICA

Sabe-se que existe, infelizmente, grande número de tipos de expli -


cação possível em psicologia, em maior quantidade ainda (o que não
é dizer pouco) que em biologia e em quantidade maior ainda que nas
ciências exatas como a física ou a química teórica. Não se deve pro-
curar a razão principalmente nos desacordos ao estabelecer fatos ou leis:
cedo ou tarde acaba-se entrando em acordo nesse terreno e, se existem
ainda campos bastante vastos, em que certos fatos são admitidos como
tais e considerados gerais, antes das verificações experimentais (em psi-
cologia clínica, por exemplo) esses sempre acabam se impondo. A di-
versidade das explicações tem um pouco de vantagem na coordenação
dedutiva las leis, não porque as regras de dedução variam de um autor
para outro, mas porque, se certas escolas fazem grandes esforços de
coerência dedutiva (por exemplo as teorias americanas contemporâneas
da aprendizagem), outras cuidam muito menos disso. Mas a razão prin-
cipal (e muita) da multiplicidade das formas de explicação é procurar
na diversidade dos "modelos”, o que apresenta ao menos o interesse de
verificar a diferença entre o que chamamos (sob II) a coordenação ló -
gica e a coordenação real nas fases da explicação causal. Aliás, é pre-
ciso dizer ainda mais: se os "modelos” possíveis diferem, semelhante-
mente, entre eles, a ponto de, às vezes, mais obstruírem que favorece-
rem o trabalho do experimentalista, isso se deve, essencialmente, às di-
ficuldades suscitadas pela necessidade de dar solução, ao mesmo tempo
teoricamente aceitável e fecunda (ou pelo menos cômoda), heurística-
mente, ao problema das relações entre as estruturas das reações cons-
cientes e as estruturas orgânicas. Por mais que se negue a questão, ou
que a considerem ultrapassada, mal formulada, etc., é sempre, em de-
finitivo, a atitude que se toma a seu respeito que virá determinar a es -
colha dos modelos explicativos: daí sua diversidade, que tende, pois,
à complexidade do campo próprio da psicologia, mais que à incoerência
das teorias ou dos métodos.
Dito isso, procuremos classificar, do ponto de vista da psicologia
experimental somente, os principais tipos de explicação aos quais o pes -
quisador pode recorrer, mas sem centralizar ainda essa classificação em
função do problema do paralelismo psicofisiológico, pois a hipótese que
130 HISTÓRIA E MÉTODO

acabamos de aventar sôbre o papel dessa questão exige verificação a


posteriori e não dirigir a priori a análise que segue.
Contudo, a primeira observação que se impõe para querer efetuar
tal classificação é que existem dois grandes tipos ou, pelo menos, dois
pólos nos correntes modelos explicativos, conforme a) sejam orientados
para uma redução do mais complexo ao mais simples ou ainda do psico -
lógico ao do extrapsicológico, ou conforme b) se encaminhem para um
construtivismo que esteja mais ou menos no interior das fronteiras da
“conduta”. Como os modelos de tipo reducionista podem, êles próprios,
conservar uma tonalidade principalmente psicológica, ou, ao contrário,
tender a reduzir o mental a realidades exteriores a um tal quadro, atin-
gimos, na verdade, três grandes categorias (A-C), em que cada uma
das duas últimas comporta três variedades:
A) Há, primeiramente, o que chamaremos de reducionismo psico -
lógico e que consiste em procurar a explicação de certo número de rea-
ções ou de condutas variadas na redução a um mesmo principio causal,
que permanece imutável no decurso das transformações. Encontraremos
um exemplo dessas espécies de explicações por identificação nos traba -
lhos experimentais recentes de psicanalistas de inspiração freudiana, sôbre
o desenvolvimento das relações “objetais”.
B) Distinguiremos, em seguida, as diversas formas de reducionis^
mo, que procuram explicar as reações ou as condutas, recorrendo a rea-
lidades que vão além das fronteiras da psicologia. Daí, três variedades:
Bi) As explicações sociológicas em psicologia ou psicossociais em
geral, que tendem a interpretar as reações individuais em função das in-
terações entre indivíduos ou estruturas de grupos sociais de diversas
escalas.
B 2 ) A S explicações fisicalistas que, partindo de um isomorfismo
entre as estruturas mentais e as estruturas orgânicas, conforme modelos
de campo, apoiam, definitivamente, essas últimas, sôbre considerações
físicas (por exemplo, os gestaltistas, de inspiração koehleriana) .
B 3 ) AS explicações organicistas em geral, que insistem nas redu -
ções, do psicológico ao fisiológico.
C) Pode-se, enfim, considerar como “construtivistas” os tipos de
explicação que, atribuindo naturalmente uma parte às reduções (pois
nela está um dos aspectos, ao menos, de tôda a explicação), dão ênfase
principal aos processos de construção. Tal caráter opõe essas formas de
explicações ao tipo A, mas diferencia-as, igualmente, das variedades de
B, pois na medida em que se consegue fazer uma parte das construções,
no domínio das condutas ou das atividades mentais, atinge-se, por isso
mesmo, certa especificidade psicológica, que não é mais redutível a pro -
priedades sociais, físicas ou orgânicas. Distinguiremos, a esse respeito,
três espécies de modelos:
Ci) Modelos do tipo "teoria do comportamento”, que, apesar das
diferenças bastante consideráveis que nêles existem, entre H ULL e T OL-
man, por exemplo, apresentam o caráter comum de coordenar as diver-
sas leis da aprendizagem nos sistemas baseados na aquisição de condu -
tas novas.
C2 ) Modelos do tipo mais propriamente genético, que procuram,
no desenvolvimento, certos mecanismos construtivos, suscetíveis de tomar.
A EXPLICAÇÃO EM PSICOLOGIA 131

conhecimento das novidades, sem apelar, simplesmente, à experiência


adquirida.
C3 ) Finalmente, modelos chamados “abstratos”, não porque re-
nunciariam a todo substrato real, no sentido em que apresentamos as
causas (sob II), como traduzindo a aplicação da dedução a tais substra-
tos, mas porque êles se recusam a escolher entre os diversos substratos
possíveis, para melhor destacar, sob a forma mais geral compatível com
as exigências psicológicas, o mecanismo das próprias construções.
Tal quadro não pretenderia, naturalmente, ser pouco mais ou me-
nos completo, senão com a condição de reservar um lugar possível às
situações intermediárias. Escusado é dizer, por outro lado, que não lhe
concernem os métodos que se poderiam chamar de “pré-explicativos".
Por exemplo, o método chamado de análise fatorial seria difícil de situar
nas categorias precedentes, mas isso antes de tudo, porque não cons -
titui em si mesmo um modêlo explicativo. Do ponto de vista técnico,
assegura bem uma transição possível do legal ao causal, mas os “fa-
tores”, uma vez determinados, o problema é inteiramente de lhes con -
ferir significação explicativa e sabe-se bem quanto cada autor pode en-
tão utilizá-los numa ou noutra direção: entre R. M EILI, por exemplo, que
combina a análise fatorial com os esquemas gestaltistas, os autores que
procuram coordenar a mesma análise com esquemas de “comportamen -
to” (Cj) e C. Spearman, criador do método fatorialista e autor da
"noogênese”, não existem senão poucas concepções ex plicativas comuns.
Dito isso, convém examinar, sucessivamente, cada uma dessas sete
categorias de modelos explicativos, de maneira a concluir de sua com -
paração o que ela pode comportar em matéria de aspectos ou comuns ou
complementares.

1. °. A explicação pela redução psicogenética


Examinemos, suscintamente, a título de exemplo dessa primeira cor -
rente, segundo qual esquema alguns freudianos experimentalistas de hoje
(HARTMANN, E. KRIS, SPITZ e K WOLB, G LOVER, Th. BENEDEK, etc.)
explicam a formação das relações “objetais” durante os primeiros meses
do desenvolvimento. Escolheremos, como fio condutor, um belo estudo
de Th. G OUIN DÉCARIE, sôbre 90 sujeitos de 3 a 20 meses, submetidos,
simultaneamente, a provas graduadas, sôbre a constituição do esquema'
do objeto permanente (o que permitiu ao autor achar, sem nenhuma
inversão, a sucessão de nossas fases de formação do “objeto”) e a das
provas paralelas sôbre o estabelecimento das relações “objetais”, no sen-
tido afetivo e freudiano do têrmo.
Sustentamos, outrora, que a explicação freudiana constituía, a êsse
respeito, um modêlo de “identificação meyersoniana”: a mesma “energia
psíquica” (a libido), primeiramente concentrada em certas atividades
orgânicas (fases oral e anal) se desloca para o conjunto da atividade
própria (narcisismo) e, finalmente, para as pessoas exteriores (escolha
do "objeto” e relações objetais), não resultando as novidades senão de
um deslocamento das cargas afetivas ou de bloqueios e não de uma es-
truturação construtiva, É preciso reconhecer que atualmente a situação
132 HISTÓRIA E MÉTODO

é bem mais matizada, após a tomada de posição de HARTMANN quanto


a independência do sistema do “eu” e desde as observações diretas e as
pesquisas experimentais que caracterizaram o reexame dêsses primeiros
estádios do desenvolvimento afetivo.
Em linhas gerais, o esquema atual se apoia, então, nos três es-
tádios seguintes. Num primeiro estádio, o recém-nascido concentrar-se-ia
sôbre si mesmo, mas sem nenhuma diferenciação, ainda, do eu. As ne-
cessidades fisiológicas e os centros de interesse, que derivam destes, po-
dem entretanto criar “ilhotas de consistência” (Escalona), às quais
se liga a energia psíquica, mas não dissociadas da atividade própria do
sujeito. No decorrer de um segundo estádio, as reações de expectativa e
certas percepções privilegiadas (sorrisos) introduzem um começo de
fronteiras, porém móveis, entre a atividade própria e o que se pode cha-
mar de “objetos intermediários”, tais como o "rosto humano sorrindo"
(Spitz). Finalmente, um terceiro estádio asseguraria uma diferenciação
estável entre o sujeito e o objeto, com "eclosão de todos os elementos
contidos em estado de germe, nas etapas antecedentes” (Gouin): daí
a consciência do eu e uma “cathexis que investe verdadeiros objetos li-
bidinosos”; daí, igualmente, a angústia ligada à perda do objeto do
amor, etc.
Vê-se, então, que há uma estruturação, ao mesmo tempo que dife-
renciação dos pontos de investimento da energia afetiva. Além disso,
essa estruturação é acompanhada, necessariamente, de modificações cog-
nitivas importantes (expectativas, atenção, permanência do objeto, etc.),
que os autores prudentes julgarão simplesmente paralelas às transforma-
ções afetivas, enquanto que outros (Odier, por exemplo) prefeririam
subordiná-las. A questão central, porém, do ponto de vista do esquema
de explicação em jogo é de compreender como se efetuam tais trans-
formações afetivas: logo, bem parece que não há ainda aqui “constru-
ção” propriamente afetiva, mas sempre identidade, no tempo, de uma
mesma "energia” constante, que muda, simplesmente, de pontos de apli -
cação; a mudança qualitativa seria considerada como resultante apenas
dêstes deslocamentos ou redistribuições, com “eclosão” e não por novas
composições.
Por conseguinte, de duas, uma. Ou se permanece fiel ao esquema
de identificação e a identidade da “libido” não fornecerá o princípio de
explicação do desenvolvimento que se procurará, então, nas transforma -
ções estruturais de conjunto (diferenciação do eu, etc.), ou então coor -
denar-se-ão, no momento de cada transformação particular, os processos
de construção cognitiva com uma construção propriamente afetiva, o
que virá também ultrapassar os. modelos de identificação. Numa pala-
vra, a explicação por identificação se completa e se corrige por si mes-
ma, sob a influência das modificações internas do freudismo,6 em direção
a um construtivismo (cf. os modelos do tipo C, na direção C 1 e C2 ).

8 É para mostrar essa evolução interna que citamos os freudianos que permane-
ceram ortodoxos, em oposição aos analistas ingleses (BOWLBY, etc.) e a FROMM,
ALEXANDER, ERIKSON, etc., sem nos referirmos ao melhor teórico da explicação em
psicanálise, D. R APAPORT. É preciso, entretanto, indicar aqui o fato, interessante
para o desenrolar deste capítulo, de que a explicação psicanalítica se orienta, com
D. RAPAPORT, senão em direção a modelos abstratos, pelo menos para um fisica-
A EXPLICAÇÃO EM PSICOLOGIA 133

2. °. A explicação pela redução psicossociológica


Se a identificação permanece, por si só, insuficiente, dentro das fron -
teiras da psicologia, é que cabe à lógica do reducionismo continuar a
reduzir, por outro lado, tôda fronteira. Pode-se então procurar reduzir
por baixo (organicismo) ou, por assim dizer, lateralmente, estando o
sujeito, desde o nascimento, em relação com outros sujeitos: daí os mo -
delos explicativos de tipo sociológico, pelo exame dos quais iremos
continuar.
Tal modo de explicação se encontra atualmente em todos os cam-
pos da afetividade elementar (psicanálise chamada culturalista : FROMM,
etc.) e das condutas em geral (R. BENEDICT, M. MEAD, etc.) até às
reações cognitivas (desde J. M. BALDWIN e P. JANET, até os trabalhos
de VIGOTSKY e LURIA sôbre o papel da linguagem, passando por nossas
próprias obras iniciais) e às condutas propriamente sociais (sociome -
tria, etc.),
O princípio nêle contido é o seguinte: quando um comportamento
nôvo vem enriquecer os precedentes, no decurso do desenvolvimento,
seria devido menos a uma construção interna do que a um resultado
das próprias interações da vida social. Nesse sentido, a redução das con-
dutas do indivíduo às estruturas sociais não exclui os esquemas de cons-
trução, mas esta é deslocada para o terreno das interações coletivas, em
lugar de se ater aos mecanismos exclusivamente psicobiológicos. Quando
P. JANET, por exemplo, explica o aparecimento da reflexão (que se su-
perpõe às crenças imediatas ou assertivas), invocando a conduta social
da deliberação, assim como da interiorização, sob a forma de discussão
consigo mesmo, há uma construção de conduta nova, mas no plano in-
terindividual ou coletivo, sendo a novidade de tal conduta reduzida ao
mecanismo exterior, sem derivar de uma construção interna, a partir das
condutas de níveis anteriores.

lismo que comporta os prolongamentos teóricos possíveis de todõ o fisicalismo


um pouco elaborado. RAPAPORT mostra, por exemplo, que a constância da cathexis
(quantidade de energia psíquica disponível) pode dar lugar a duas hipóteses dis-
tintas: ou que esta quantidade é teoricamente constante, com variações infinitesi-
mais, no sentido do teorema de ALEMBERT, ou que inervêm substituições de ordem
fisiológica, que compensariam as perdas de cathexis investida nas estruturas e, por
conseguinte, “ligada”. Nos dois casos, é preciso introduzir uma série de distinções
novas e RAPAPORT censura FREUD por não ter distinguido senão uma cathexis mó-
vel e uma cathexis “ligada”: é preciso, além disso, segundo êle, diferençar as estru-
turas que reduzem a descarga entrópica, para chegar à neutralização da cathexis,
e as condições estruturais que reduzem, simplesmente, a “deslocabilidade” da ca-
thexis, para transformá-la em cathexis “ligada”. Além disso, se uma quantidade su-
ficiente de cathexis é investida na formação de uma estrutura, uma parte apenas se
torna “ligada”, enquanto o resto é liberado: essa liberação corresponde então a mo-
bilização da energia. Rapaport assinala, finalmente (tudo isso num estudo sôbre
Atenção, cathexis, 1960, em que procura lançar uma ponte entre os processos afeti-
vos e as estruturas cognitivas elementares, como a atenção) que as estruturas ativadas
pela cathexis são modificadas e posteriormente estabilizadas, enquanto as estruturas
não “cathexisadas” durante longo período perdem seus caracteres de estabilidade e de
coesão: existe assim, segundo êste autor, paralelismo com as concepções de PIAGET
sôbre a “alimentação” dos esquemas de assimilação sensório-motores, os esquemas
alimentados que fornecem, pelo funcionamento que dêles resulta, alimentação aos
outros.
134 HISTÓRIA E MÉTODO

Há, porém, duas observações a fazer, a propósito de tal modo de


explicação, que não chegara a contestar-lhe o valor. A primeira é que,
cedo ou tarde, leva a apelar a um construtivismo interno, embora neces -
sàriamente complementar, da construção coletiva. Por exemplo, depois
de ter acreditado que a cooperação interindividual bastaria para explicar
a formação das estruturas lógicas, no decorrer do desenvolvimento da
criança (lógica das relações, fundada na reciprocidade, etc.), fomos obri-
gados ao que se segue: a) a admitir que essa formação supunha tam-
bém, a título de condição igualmente necessária, um mecanismo cons -
trutor interno, fundado na coordenação das ações do sujeito e na sua
interiorização nas operações; b) a reconhecer que a própria cooperação
vem, por sua vez, coordenar as ações e, segundo as mesmas leis opera-
tórias que as coordenações intra-individuais, de modo que entre a coope-
ração interindividual e essas coordenações existe uma relação circular
e não uma filiação de sentido único.
A segunda observação é que, impelida a certo grau de precisão, a
explicação sociológica (independentemente mesmo das reduções do psi-
cológico ao social) nela vem recorrer a modelos abstratos, que são iso-
morfos para os que se pode usar para a explicação psicológica (ver III,
sob C8 ). Tôda a obra de Cl. LÉVI-STRAUSS, especialmente seus belos
trabalhos sôbre as relações de parentesco, se reduz, por exemplo, em
aplicar às relações sociais algumas grandes estruturas da álgebra geral
(redes, etc.), de modo que a explicação sociológica se encontra então
coincidente com uma matematização qualitativa de natureza análoga a
que intervém na construção das estruturas lógicas. É, pois, evidente que
o dia em que a microssociologia concreta se inspirar em tais modelos
(ultrapassando a conceitualização ingênua e, na verdade, de modo algum
ainda sociológica da sociometria de Moreno) 7 , as reduções psicossocio-
lógicas não exigirão somente certo construtivismo mental (conforme
nossa primeira observação), mas ainda se revelarão inteiramente homo-
gêneas nos modos de explicação dependentes dos modelos chamados
abstratos.

3. °. A explicação pela redução fisicalista

Se é natural que uma redução de direção lateral, como é a do psico-


lógico ao social, leve, no final das contas a esquemas de interação e não
mais de redução simples (pois tal é naturalmente o sentido das duas
observações que terminam o parágrafo B1), poder-se-ia pensar, ao con-
trário, que uma explicação pela redução do superior ao inferior assinala,
desta vez, uma vitória decisiva do reducionismo. Modêlo especialmente
audacioso e elegante, que ilustra as tentativas dêste gênero, é o dos
modos de explicação propostos pela teoria da Gesfaít, que, tendendo não
apenas a reduzir os fenômenos mentais (notadamente de percepção e
de inteligência) a fatos fisiológicos, mas ainda a subordinar êstes, por
intermédio dos esquemas de campo, a estrutura s físicas: daí certas in-

7 Ver o Capítulo XXXIV de MAISONNEUVE, que expõe os progressos realizados a


êsse respeito.
A EXPLICAÇÃO EM PSICOLOGIA 135

terpretações que conduzem, quase diretamente, o psicológico ao físico,


como no caso das “boas formas" perceptivas, que se reduziriam às es-
truturas de Gestalts físicas", enquanto submetidas, como elas, a prin-
cípios de equilíbrio e de menor ação.
Exemplo célebre dêsse modo de interpretar é o dos after effects ou
efeitos consecutivos, estudados por KOEHLER e WALLACH e que consis-
tem em modificações das avaliações de grandezas ou de formas de uma
figura, percebida quando essa percepção sucede numa mesma região do
campo visual, à percepção de uma figura diferente. A hipótese explica-
tiva consiste então, uma vez traduzidas as excitações em têrmos de dife -
renças de potencial e as avaliações de comprimento em têrmos de resis -
tência elétrica dos tecidos, em reunir os efeitos observados nas modifi-
cações da saciação. Distinguindo uma saciação permanente (mais forte
no adulto que na criança), os aumentos momentâneos e localizados da
saciação permanente, devidos à inspeção de figuras, o restabelecimento
do equilíbrio (mais ou menos rápido, segundo a fôrça da saciação per -
manente), por um processo homeostático e, finalmente, a self-satiation,
dependente da fixação do olhar (menos forte na criança, donde uma
região mais extensa de saciação fraca), chega-se, assim, a um esquema
explicativo que toma conhecimento não só dos efeitos observados, mas
ainda de sua evolução com a idade. É de se notar, sòmente, que, sob a
influência de sua orientação fisicalista (KOEHLER foi físico e WALLACH
químico, antes de serem psicólogos), êsses autores tendem a afastar tôda
intervenção da atividade funcional do sujeito, sem utilizar as possibili -
dades que aumentariam, sob êste aspecto, sua concepção homeostática
da saciação, nem as relações entre a self-satiation e a centração
do olhar.
Nosso papel não é de julgar aqui o valor das teorias mencionadas,
mas apenas de analisar o que os modelos de explicação propostos com -
portam. Restringir-nos-emos, neste aspecto, às três observações seguintes.
A primeira é que se os modelos fisicalistas constituem, com cer -
teza, um ideal de importância essencial, êles se impõem, sem dúvida,
de maneira tanto mais convincente quanto a própria biologia nos con-
vier aqui e que a redução possível de certas estruturas psicológicas a
certas estruturas físicas passará por intermédio de uma redução distinta
e prévia das primeiras às estruturas biológicas. A êsse respeito é pos -
sível que o recurso às formas de equilíbrio específicas dos campos dis -
farce, muitas vêzes, certas formas de equilíbrio por compensação ativa
da parte do sujeito: constatar, por exemplo, com que frequência as cons-
tancias perceptivas conduzem a “superconstâncias". 8 Chega-se a invo-
car supercompensações, por precaução dependendo de modelos biológi -
cos mais que de uma balança física exata. Isso não nos afasta, porém,
necessàríamente, do fisicalismo, e logo se verá porquê.
Em segundo lugar, se a observação precedente parece de caráter
restritivo, pode-se, por outro lado, propor-se a prolongar o fisicalismo,
completando, com outros, os modelos da Gestalt. As referências físicas
ds gestaltistas são escolhidas no domínio dos fenômenos de composições
não aditivas, embora irreversíveis. Logo, PLANCK mostrou que a dico-

8 Ver Capítulo XVIII, sob VII.


136 HISTÓRIA E MÉTODO

tomia mais importante que intervém em física é a dos fenômenos irre-


versíveis (termodinâmicos, por exemplo) e dos fenômenos reversíveis
(cinemáticos e mecânicos). Se se quiser, pois, utilizar com pleno rendi -
mento as analogias físicas, ser-se-á conduzido a encontrar na psicologia
uma divisão análoga, que oporá então as estruturas de conjunto à com -
posição aditiva e reversível (estruturas operatórias da inteligência), às
estruturas elementares que são Gestalts. Isso não é bem de acôrdo com
a teoria gestaltista, mas inspira-se, com certeza, num fisicalismo ampliado.
Daí nossa terceira observação. O que é mais interessante para a
psicologia, nas referências à física, não é, talvez, a redução propria -
mente dita de uma estrutura mental (perceptiva, por exemplo) a uma
estrutura física (de campo eletromagnético, por exemplo), mas a ana-
logia entre o modo de composição interveniente no primeiro e o modo
de composição utilizado pelo físico, para alcançar o conhecimento do
segundo. Quanto a isso, a ruptura entre os fenômenos irreversíveis e
reversíveis é também uma ruptura entre o domínio das explicações, prin-
cipalmente probabilistas, e o da dedução simples. As analogias fisica -
listas sugerem, pois, não apenas reduções propriamente ditas, mas tam-
bém a utilização de modelos abstratos. Sabe-se, particularmente, que es-
treito parentesco existe entre os esquemas explicativos da termodinâmica
e os que utilizam a teoria dos jogos ou da decisão e a da informação . 9
Portanto, é precisamente nessa direção que vários autores procuram,
hoje em dia, seus modelos explicativos, no domínio perceptivo 1 0 e o que
chamamos há pouco de superconstâncias perceptivas dependeria, facil-
mente, de tais modelos (enquanto exemplo de "decisões”, por precatição
contra o êrro possível ou a perda de informação).
Em suma, as duas vantagens a reter da redução fisicalista, são, de
um lado, as minúcias que ela pode, em certos casos, acrescentar à redu -
ção organicista e, por outro lado, a entrada que favorece para certos
modelos abstratos, entre os mais fecundos de que se dispõe atualmente.

4. °. A explicação pela redução organicista


Com o esfôrço de redução dos fenômenos mentais às reações fisio-
lógicas, reunimo-nos à maior tradição da psicologia experimental. Para
grande número de autores, constituindo o domínio psicológico zona de
interferência entre o biológico e o social, o modo privilegiado de expli -
cação, reservado ao psicólogo, nos pontos em que não está subordina -
do à sociologia, será então a redução do superior ao inferior, isto é, a
assimilação aos modelos fisiológicos.
Poder-se-ia multiplicar os exemplos de tais reduções, remontando
aos trabalhos de HELMHOLTZ e de HERING sôbre a percepção. Escolha-
mos o que se pode chamar de mais clássico, mas também mais instrutivo
quanto à ideia central, defendida neste capítulo, ou seja, a da comple-
mentariedade dos modelos de redução e dos modelos construtivistas

9 O cálculo da informação é, com efeito, calcado no da entropia, em termo-di-


nâmica.
10 Por exemplo W. P. TANNER e sua equipe para a teoria dos limiares (ver mais
adiante sob C3).
A EXPLICAÇÃO EM PSICOLOGIA 137

“abstratos”. A psicologia associacionista, da qual se originam, apesar


do seu mecanismo simplista, os trabalhos ulteriores da psicologia expe -
rimental, procurava reduzir o conjunto das estruturas mentais ao su-
posto mecanismo elementar da associação. Mas como inteirar -se dêsse
último, especialmente em sua forma mais simples de associação por con-
tigüidade? Procurou-se a resposta, primeiramente, pela redução aos mo-
delos fisiológicos simplesmente verbais (facilitação, etc.), depois foi-lhe
último, especialmente em sua forma mais simples de associação por con-
siderados, por êle, como “completamente idênticos” às “associações dos
psicólogos” e recobrindo mesmo “o que o genial HELMHOLTZ designou
(no domínio das percepções) com o célebre têrmo de conclusão in-
consciente” .
É próprio de uma redução suscitar novos problemas pela regressão
indefinida e, enquanto os psicólogos descobriam a complexidade cada
vez maior das aprendizagens associativas (papel das antecipações, dos
reforços, da motivação, problemas de estabilidade, etc.), os fisiologistas
continuavam seu trabalho procurando responder às numerosas perguntas
deixadas em suspenso pela interpretação ainda hipotética de PAVLOV
(as noções de irradiação, de indução, etc., quase não ultrapassavam o
quadro da legalidade). Sem lembrar as novas técnicas que permitiram
fazer progredir essa análise (principalmente eletrofisiológicas), limite -
mo-nos a mencionar, de acôrdo com belo relatório de A. FESSARD e H.
GASTAUT, OS dois principais temas de pesquisas abordadas: de um lado,
o papel das grandes estruturas anátomofuncionais (formação reticular,
integração diencefálica e sistema associativo cortical), e, por outro lado,
a interpretação na escala das estruturas neurônicas.
Portanto, mesmo retendo êsse último ponto apenas, é do mais alto
interêsse para a teoria dos modos de explicação examinar como proce -
dem os autores para inteirar-se do fato de que um sinal s, habitualmente
associado a uma resposta r, pode substituir -se pelo sinal incondicionado s,
para conduzir à reação R. De um lado, a experiência fornece um con-
junto de informações essenciais, mas limitadas: por exemplo, que uma
aprendizagem (ao menos no adulto) não pode depender do crescimento
de novos ramos nervosos terminais ou da formação de novas sinapses,
mas apenas de um nôvo funcionamento de conexões já formadasr que
o condicionamento supõe uma estrutura de tipo reticular, comportando
numerosas células de ramificações estreladas, etc. Mas, de outro lado,
trata-se de reunir essas informações num esquema explicativo. Logo, ou
o esquema a construir é de repente imaginado sob a forma de um mo -
dêlo mecânico artificial, mostrando simplesmente (mas com quanto en -
genho!) em que condições poderia ser obtido o resultado a explicar: tais
são, por exemplo, as famosas “máquinas” de G REY WALTER. OU, então,
constrói-se um modêlo teórico de campo reticular de neurônios, como a
bela rêde apresentada por FESSARD, em que todos os elementos têm pro-
priedades idênticas (daí o papel da determinação histórica para a esco -
lha dos caminhos preferenciais), mas com possibilidade de introduzir
certa estabilidade homeostática, apesar das substituições de itinerários.
Evidentemente, de tais modelos (os segundos como os primeiros) sur -
ge um conjunto de questões lógico-matemáticas, umas de estrutura e ou-
tras de dinâmica, cuja interdependência o próprio FESSARD ressalta.
138 HISTÓRIA E MÉTODO

Do ponto de vista dinâmico, em primeiro lugar, trata-se de explicar


o porque dos itinerários, recorrendo-se então, naturalmente, a um es-
quema probabilista, a rede de FESSARD sendo por êle próprio apresentada
como “rêde estocástica subordinada”, estocástica porque a cada elemen-
to neurônico do sistema se acrescenta certa probabilidade de descarga,
função do tempo, e subordinada porque ligada a outros campos neurô -
nicos análogos, dos quais sofre influências (e A. RAPAPORT, SHIMBEL,
etc., procuraram impelir o tratamento matemático de problemas
análogos.)
Do ponto de vista de estrutura, em segundo lugar (tôda estru-
tura sendo concebida de um ponto de vista genético como, alternativa -
mente, fator ou produto de funcionamentos dinâmicos), é evidente que
a escolha de um modêlo de "rêde” produza um conjunto de conseqüên-
cias fundamentais, pois uma “rêde” é uma das estruturas mais represen -
tativas da álgebra geral (lógica e matemática) e uma estrutura da qual
deriva, principalmente, a lógica das proposições. Convém, a êsse respeito,
lembrar que W. Mc CULLOCH e PITTS indicaram precisamente em que
é que as diversas combinações de ligações neurônicas são isomorfas às
ligações lógicas interproposicionais 1 1 (e de modo geral às de álgebra de
BOOLE), O que basta para mostrar como um modêlo de rêde reúne, cedo
ou tarde, os mais audaciosos modelos “abstratos”.
Em resumo, tal exemplo indica bastante que a redução organicista
nada tem de contraditório aos recursos a modelos abstratos, pela razão
muito simples de que, na medida em que a neurologia tende a ser pre-
cisa (acrescentem-se ou não tentativas mecanofisiológicas), ela esclarece
problemas de probabilidade e de álgebra geral. É por isso que um de
nossos colaboradores, voltando de uma visita à equipe de Mc CULLOCH,
descreveu êsses pesquisadores como cada um sentado entre duas mesas,
uma sobre a qual examinava, ao microscópio, conjuntos de neurônios e
a outra, em que fazia cálculos logísticos.

5. °. A explicação pelo comportamento


As três espécies de modelos explicativos que nos falta examinar
não rejeitam nenhuma das formas de redução precedentes, mas comple -
tam-nas por um construtivismo especificamente psicológico, apoiando -se
nas leis do comportamento único (C 1 ), de um desenvolvimento ao mes-
mo tempo genético e mental (C 2 ) ou nas estruturas abstratas, que im-
plicam condutas mentais (C 3 ).
Pode-se, primeiro, referir-se só ao comportamento único, o que im-
plica, bem entendido, um organicismo subjacente, mas que introduz mais
ainda a noção de uma construção de estruturas novas, encaradas numa
escala superior. Por exemplo, um dos conceitos centrais da teoria da
aprendizagem de C. Hull, que é o das “famílias hierárquicas de há -
bitos”, corresponde a uma estrutura global, cujo poder explicativo é
relativamente independente das reduções organicistas possíveis, não in-
vocadas, especificamente, no esquema da explicação. Assim, os sign-

11 Conjunção, disjunção, incompatibilidade, exclusão, implicação, etc.


A EXPLICAÇÃO EM PSICOLOGIA 139

gestalt-expectations de T OLMAN comportam a organização de um con-


junto de relações, ao nível igualmente global do comportamento, entre
um significante, um significado e a antecipação do fato que tal com-
portamento conduzirá, de um aspecto determinado a outro aspecto do
campo estruturado.
Em que consiste, então, a explicação como tal, nessa escala supe-
rior ao nível das ligações nervosas? Permanecendo essas últimas, segun-
do H ULL , hipotéticas e simplesmente inferidas (ao menos aquelas em
que se refere a si mesmo), não constituem senão variáveis intermediá-
rias entre o meio físico e as reações observáveis que caracterizam o com-
portamento; o que deve assegurar a explicação é, pois, a ligação causal
entre as condições do meio e as reações observáveis. Mas em que con-
siste a própria causalidade?
Lendo C. H ULL, cujo sistema interpretativo é, incontestàvelmente,
o mais forte, experimenta-se, ao primeiro contato, a impressão de não
estar senão em presença de peis, sem referência a uma causalidade: as
próprias leis das associações, da redução da necessidade, dos reforços
(sucesso, etc.), que consolidam as associações, os gradientes do obje-
tivo (aceleração das reações, próximos ao objetivo procurado), formação
e hierarquização das famílias de hábitos, etc. Mas, aqui como em tôda
parte, a causalidade reside na conexão dedutiva entre essas leis, dedu-
ção aplicada a um substrato representado como real e que é, no acon -
tecimento, o conjunto das noções que descrevem as reações à escala do
comportamento (o que os teóricos do comportamento chama m de “con-
ceitualização”, por oposição às próprias leis) . Em que consiste, então,
essa dedução das leis, no sistema de H ULL , dedução que é, pois, a parte
operante dq explicação propriamente causal?
H ULL e seus continuadores deram a essa pergunta precisa três res-
postas sucessivas. A primeira consistiu em coordenar, simplesmente, as
leis obtidas, servindo-se, sem mais, da linguagem corrente, isto é, utili-
zando o modo de dedução que os lógicos chamam (com certo orgulho),
de dedução ‘‘ingênua”. Acrescentava-se-lhe, entretanto, um pressenti-
mento da segunda resposta, uma vez que H ULL, sem construir ainda um
esquema probabilista, indicava sempre, em sua primeira construção, as
freqüências em jôgo, com número de decimais muitas vêzes descon -
certante .
A segunda resposta foi fornecida por BUSH e Mosteller, num
estudo fundamental que esboça uma teoria probabilista da aprendizagem.
Neste caso, a dedução das leis é apresentada more mathematico: dada
uma determinada situação caracterizada por determinados parâmetros,
pode-se déles deduzir, mediante tais leis que a probabilidade de apren-
dizagem se conformará com tal modo de calcular.
A terceira resposta foi fornecida pelo próprio H ULL que, após as
discussões provocadas por sua exposição no Congresso internacional de
Psicologia, em Paris, em 1938, voltou, passando pela Inglaterra, para lã
encontrar o lógico W OODGER, especialista da axiomática das teorias bio-
lógicas: sob sua influência, H ULL decidiu construir, com o auxílio do
lógico F ITSCH, uma formalização de seu sistema explicativo. Disso re-
sultou uma teoria dedutiva more logico, que desta vez apresenta, de
maneira inteiramente explícita, tôdas as articulações do sistema. Mos -
140 HISTÓRIA E MÉTODO

trou-se, depois, que é fãcil de formalizar, do mesmo modo, o sistema de


TOLMAN e nosso colaborador L. APOSTEL publicou, recentemente, nos
Estudos de Epistemologia genética belo estudo de conjunto, que fornece,
entre outros, o esbôço de uma espécie de álgebra da aprendizagem e
afastando as leis formais dos operadores em jôgo nas interpretações
dêste género.
Assim, é de certo interesse constatar que uma das correntes de
ideias mais estritamente experimentalistas da psicologia, recorreu a dois
modelos abstratos, um de natureza probabilista, separando uma causa-
lidade de natureza estatística, outra de natureza logística, colocando em
evidência as ligações dedutivas dos sistemas explicativos. É óbvio, por
outro lado, que o apêlo aos esquemas dedutivos em nada contradiz o
aspecto reducionista dêsses sistemas, uma ez que (vimo-lo em B3 ) as
reduções eventuais às ligações nervosas suscitam, nesse escala inferior,
perguntas de explicação para a solução das quais pode ser necessário
recorrer a esquemas probabilistas ou algébricos de natureza análoga.

6. °. A explicação pela construção genética


Para os teóricos da aprendizagem, isso se julga como consideração
do desenvolvimento mental em seu conjunto, salvo no que concerne aos
efeitos da maturação, que são então considerados como se combinando,
de maneiras diversas, com as leis da aprendizagem. Para certos teóricos
do desenvolvimento, ao contrário, a maturação e a aprendizagem em
função do meio não constituem senão dois fatôres em jôgo, sem que
êsses esgotem o conjunto das construções possíveis. Sem se espantar,
por outro lado, com certo "mentalismo” que os teóricos precedentes
proscrevem, substituirão o comportamento único pela noção de “condu -
tas”, que definirão com P. JANET e muitos outros, como o comportamento
somado às ações interiorizadas, acompanhadas de diversas formas de
“tomada de consciência”. Resulta, então, dêsses matizes que nos encon-
traremos diante de modos de explicação distintos do precedente (III,
sob C) e igualmente distintos das diversas variedades de reducionismo
(A até B3 ).
É preciso citar, em primeiro lugar, E. v. HOLST, K. LORENZ e N.
TIN BERGEN, representantes de uma escola de psicologia comparada cha -
mada de "etologia" ou ainda “objetivismo” e cuja ideia central é psico-
fisiológica: é a noção de uma “atividade espontânea” do organismo,
distinta de tôda a “resposta” e manifestando-se nos movimentos rítmicos
dos versos (estudados por v. HOLST) assim como nos movimentos de
conjunto do recém-nascido humano. Se êsses autores insistem, porém,
na atividade do organismo e na do sujeito psicológico, não negligen-
ciam, para tanto, o meio e a teoria dos “desencadeadores inatos” dos
instintos (sinais perceptivos hereditários ou específicos, que desenca-
deiam, por exemplo, a perseguição da mãe entre os pintinhos, os pati -
nhos, etc.) faz intervir uma estreita interação entre o objeto e o sujeito,
cuja causalidade sutil mereceria análise pormenorizada.
Para facilitar o paralelo com os teóricos da aprendizagem humana,
permitir-nos-ão que nos citemos a nós mesmos, no exemplo dessa forma
A EXPLICAÇÃO EM PSICOLOGIA 141

C2 de explicação, pois se insistimos, igualmente, a respeito dessa ativi-


dade do sujeito (e, essencialmente nas estruturas cognitivas), tentamos,
principalmente, dela tirar uma explicação do desenvolvimento intelec-
tual. Gostaríamos, pois, de pôr, em poucas palavras, a forma particular
de explicação causal da qual nos servimos.
Uma vez que as ações do sujeito apresentam, desde o início, uma
estrutura (no comêço pobre, mas hereditariamente regulada), as reações
ao meio serão, de um lado, reações de assimilação tendentes a incorporar
os objetos a essas estruturas e, de outro lado, reações de acomodação ten-
dentes a modificar, isto é, diferenciar as mesmas estruturas em função
das situações. Daí, desde o início, a necessidade de um processo de equi -
líbrio, que conduz a diversas combinações de assimilação e de acomo -
dação. Consistindo, assim, o equilíbrio em compensar as perturbações
exteriores até à incorporação às estruturas iniciais ou em via de trans-
formação, disto resulta que as sucessivas construções devidas às inte-
rações se apoiarão nos regulamentos cada vez mais complexos, que in -
tervêm na coordenação das ações. Orientados, desde o início, para uma
reversibilidade aproximativa; êsses regulamentos se traduzirão, no final
das contas, nos sistemas de operações ou ações interiorizadas, coorde-
nando-se de maneira reversível e a essa construção de operações seria
devida a sucessão dos vários patamares da inteligência.
Orientada assim para a construção de estruturas operatórias, tal in-
terpretação vem pois encontrar as estruturas lógico-matemáticas, sendo
porém essencial notar que não se trata mais, então, de uma lógica pre -
estabelecida e utilizada pelo psicólogo, como na formalização do s istema
de HULL: não se trata, aqui, senão de operações e da lógica do próprio
sujeito, tendo sido problema central, desde o início, o de saber como ela
se constrói . 1 2 Antes de recorrer a modelos abstratos, tentou-se, pois, for-
necer uma explicação causal genética e o modêlo utilizado consistiu em
recorrer, após a maturação, a aprendizagem e as influências sociais, ao
próprio equilíbrio, concebido como processo sequencial de natureza pro-
babilista. Dado, por exemplo, um problema de conservação em que um
objeto é modificado, simultaneamente, nos sentidos + a e — b, tratar-
sé-á de compreender como o sujeito chega às operações que exprimem
as transformações + a e — b, sob a forma de uma compensação e que
conduzirão a dela inferir a conservação da quantidade em jôgo, apesar
das modificações aparentes. O esquema explicativo consistirá, então, em
determinar, primeiro, quais as razões pelas quais as reações iniciais mais
prováveis não agirão sôbre a transformação como tal, mas apenas sôbre
o aspecto somente das configurações em jôgo (por exemplo + a
sem — b); depois determinar por que razão a reação ulterior mais pro-
vável (que se tornou a mais provável depois da primeira, sem sê-lo des-
de o inído) consistirá em observar o outro aspecto figurai em jôgo (ne -
gligenciado até então); depois em mostrar como a ocilação entre essas
duas reações torna, progressivamente, prováveis as inferências que agem
sôbre a solidariedade de + a e de — b, o que desloca para a transfor-

12 Tentou-se, aliás, depois, integrar êsses resultados no sistema explicativo de Hüll:


D. Berlyne esforçou-se (ver 1960) em introduzir, particularmente, para tomai
conhecimento, “operações”, “respostas-transformações”, transformando uma “respos-
ta-cópia” em outra.
142 HISTÓRIA E MÉTODO

mação, como tal, a ênfase inicialmente colocada nas configurações so -


mente; e, finalmente, determinar por que razão a reação que no final
se torna a mais provável, consistirá em chegar à compensação, o que
significa descobrir a operação que assegura a conservação.
Que êsse esquema causal de equilíbrio incide num modêlo probabi -
lista abstrato e em modelos algébricos ou lógicos, é pois constatado, mas
resta-nos estabelecer em virtude de que necessidade interna é sempre
assim, o que tentaremos agora num plano mais geral.

7. °. A explicação baseada nos modelos abstratos

Se a explicação causal consiste em deduzir as leis que ligam obje-


tos representados em função de certo substrato de realidade e se ela
supõe, assim, as três seguintes condições: l º, de estar na posse de leis;
2º, de escolher um esquema de dedução e 3 º , de escolher um substrato
ao qual se aplique a dedução (sociedade, sistema nervoso, comporta -
mento, condutas, etc.). Pode-se, então, definir de duas maneiras dis-
tintas a explicação baseada nos modelos abstratos, uma mais geral e a
outra particular:
a) De maneira geral, dir-se-á que se recorre a modelos abstratos
quando, em lugar de se contentar, como esquema de dedução (elemen -
to n9 2 da explicação), com a dedução “ingênua”, baseada na linguagem
corrente, escolhe-se um esquema dedutivo, de caráter técnico, empres-
tado à matemática probabilista (teoria clássica das probabilidades, teoria
dos jogos ou da decisão, teoria da informação, etc.) ou à álgebra geral,
que compreende a álgebra de B OOLE e a lógica (teoria das rêdes, teoria
dos grupos, lógica formalizada das proposições, etc.). Segundo essa
acepção' geral, o recurso aos modelos abstratos vem, pois, completar,
simplesmente uma das formas de explicação elaboradas até aqui, tão
cedo se deseje alcançar um grau de precisão superior ao da dedução
corrente. Êsse recurso significa, primeiro, que se substitui a linguagem
ordinária por uma linguagem exata, mas êle conduz logo, naturalmente,
a novos desenvolvimentos na explicação, na medida em que o esquema
de dedução escolhido comporta a consideração de relações específicas
úteis a essa explicação: a introdução de uma estrutura de "rêde” ou
de “grupo” fará perceber, por exemplo, um conjunto muito rico de re-
lações bem determinadas e não observadas, necessàriamente, até então.
Mas, segundo essa definição a), a introdução do modêlo abstrato não
muda nada no substrato 3, escolhido na preliminar: tratar-se-á sempre
das mesmas relações nervosas, do mesmo comportamento, etc., elabora -
dos em pormenores.
b) De maneira mais particular, falar-se-á de uma explicação por
modêlo abstrato quando, para um conjunto de leis ou fatos gerais 1 , se
utiliza um esquema dedutivo técnico 2 , mas sem escolher um substrato
real—determinado 3 e tentando substituí-lo com o que possa ter de co-
mum com diferentes modelos possíveis. Se êsse modêlo é, êle próprio,
"abstrato”, o têrmo “abstrato” significa então simplesmente “comum aos
diferentes modelos reais concebíveis”. Consistindo o ideal da explicação
A EXPLICAÇÃO EM PSICOLOGIA 143

em ressaltar as condições necessárias e suficientes de um conjunto de


fatos, o modêlo abstrato 3 visa então atingir essas condições e, mesmo
que não atinja essa generalidade, chega qúase sempre a ressaltar certo
número de condições suficientes. Quando, por exemplo, para explicar os
efeitos perceptivos de superestimação por centração, nós nos servimos
de um esquema de "probabilidades” de "junções” (entre os segmentos
elementares da linha percebida e os elementos dos órgãos receptores do
sujeito) e de “encaixes” (ou correspondências entre junções nas dife -
rentes regiões da figura, junções estas que podem não ter a mesma den-
sidade, segundo as regiões), recusamo-nos, na falta de dados de fatos
certos, a precisar se essas junções se atêm à densidade das células da
retina, ao número de micromovimentos de exploração do globo ocular,
etc. e mesmo a precisar se os "encaixes” são devidos a ligações ner -
vosas, ou permanecem abstrações, traduzindo o relacionamento da per-
cepção consciente do sujeito: sem escolher, pois, o substrato real 3 em
jôgo, mas procurando o que há de comum entre os diversos substratos
concebíveis, o modêlo utilizado basta para tomar conhecimento das leis
observadas e é aqui que se justifica seu emprêgo, pois, se fôr correto,
aplicar-se-á, cedo ou tarde, a um dos substratos reais atualmente con-
cebíveis .
Sob essas duas formas a) e b ) , a explicação por modelos abstratos
presta então três espécies de serviço. Em primeiro lugar, torna precisas
deduções de outro modo imprecisas: é êsse gênero de serviço que Hull
reclamou para a formação lógica de sua teoria e nada mais tirou dela,
mas isso constitui já um progresso na explicação, uma vez que ela
consiste em uma dedução dos fenômenos.
Em segundo lugar, o esquema abstrato permite descobrir relações
novas entre fatos gerais ou leis antes não comparáveis. Observa-se, por
exemplo, no desenvolvimento das operações intelectuais da criança (ver
sob C2 ) uma série de construções novas, produzindo-se desde 11 entre
12 anos: aparecimento da noção de proporções, duplos sistemas de re -
ferência, compreensão das relações físicas entre ações e reações, etc.
Aparentemente, nada explica a simultaneidade dessas produções, cujo
parentesco não se percebe. Mas nós construímos, para justificar a na-
tureza operatória da lógica das proposições, um "grupo” de quatro trans -
formações (isomorfo ao grupo de KLEIN) , cuja existência escapara aos
lógicos; dado um operador, tal como a implicação (p implica q), po-
de-se: l 9 , invertê-lo por negação N (p e não q); 2°, transformá-lo em
sua reciproca R (q implica p); 3°, transformá-lo em seu dual ou corre-
lativo C (não p e q); e 4°, deixá-lo idêntico I. Tem-se então NR = C,
CR = N,.CN = R e NRC = I. Êste grupo é interessante do ponto de
vista psicológico, uma vez que funde num só sistema as duas formas de
reversibilidade até então separadas (entre 7 e 11-12 anos): a inver-
são N e a reciprocidade R. Pode-se então admitir que exprime, ao mes-
mo tempo, o fim natural das operações geneticamente anteriores e o
ponto de partida das operações proposicionais que se constituem entre
11-12 e 14-15 anos. Portanto, percebe-se que os esquemas operatórios
novos, que acabam de ser vistos (proporções, etc.) são, todos, comple-
tamente redutíveis a tal grupo! O esquema abstrato permite assim des-
144 HISTÓRIA E MÉTODO

cobrir um parentesco que escapava ao exame “ingênuo” e não al -


gébrico . 1 3
Em terceiro lugar, o esquema abstrato pode fornecer ligações cau -
sais novas onde escapavam à análise. Sabe-se, por exemplo, que v. NEU-
MANN e MORGENSTERN construíram, para uso dos economistas, um mo-
dêlo probabilista chamado “.teoria dos jogos” ou da decisão, que per -
mite calcular qual a "estratégia” que deve adotar o jogador, em variadas
situações, para obter o maximum de ganho com o minimum de perda
(critério de BAYS) ou para minimizar ao maximum as perdas devidas às
astúcias do adversário (critério minimax). Pode-se também aplicar êsse
esquema aos ganhos e perdas de informação. Portanto, retomando a teo -
ria dos limiares da percepção (que não tinha até então fornecido apro -
ximação matemática suficiente), W. P. TANNER (de Michigan) teve
êxito com aplicação da teoria dos jogos, adaptando quadros de impu-
tação para a discriminação dos índices objetivos e dos “ruídos”. Êsse
êxito bastou então para modificar a interpretação causal do fenômeno:
em lugar de explicá-lo pela simples finura dos registros perceptivos,
far-se-ão intervir "decisões” no sentido de inferências indutivas incons-
cientes, o que constitui certo retorno a HELMHOLTZ. . .
De maneira geral, pode-se sustentar que o emprego dos esquemas
abstratos tende a fornecer certo status de legitimidade e de precisão às
explicações construtivas, tendentes a ressaltar as atividades do sujeito.
Onde as hipóteses reducionistas subordinam o superior ao inferior, o
esquema abstrato, sem contradizer em nada a necessidade das ligações
com o organismo, ressalta, por outro lado, a especificidade e a novida de
das construções que se efetuam no nível do comportamento e das con -
dutas. Como, por outro lado, a neurologia (ciência de fatos) não sa -
beria explicar porque 2 + 2 = 4, nem porque A= A (equivalências
cuja necessidade não repousa sobre fatos, mas sobre normas dedutivas),
acontece que as implicações da consciência, correspondendo totalmente
a ligações orgânicas, não poderiam interpretar-se geneticamente sem o
recurso a modelos abstratos, cuja própria natureza depende, precisa -
mente, da necessidade dedutiva. Não nos enredemos, porém, então; numa
série de círculos viciosos, uma vez que esses modelos são produtos de
certa atividade consciente e são, aliás, utilizados pela neurologia., da
qual se espera, entretanto, que acabe tomando conhecimento dos fatos
psicológicos? Os círculos serão viciosos, com efeito, se a discussão do
problema do paralelismo psicofisiológico não nos permitisse precisar -lhes
a natureza.

IV. — AS EXPLICACÕES PSICOLÓGICAS E O


PROBLEMA DO PARALELISMO PSICOFISIOLÓGICO
Dos expostos precedentes pode-se reter ao menos duas conclusões:
a) é indispensável à explicação psicológica assegurar certa redução do
superior ao inferior, redução cujo organicismo fornece um modelo insu-
bstituível (que pode conduzir até ao fisicalismo); b) por outro lado.

13 Ver Capítulo XXIV, As operações intelectuais e seu desenvolvimento.


A EXPLICAÇÃO EM PSICOLOGIA 145

é indispensável, para interpretar as condutas superiores (compreendi -


dos aqui seus caracteres de tomada de consciência) recorrer a certo
construtivismo, com suas exigências técnicas (modelos abstratos). Não
poderia, entretanto, existir contradição entre essas conclusões a) e b) e
a melhor prova disso é que, quando o próprio neurologista estuda o
sistema nervoso, utiliza, a título de sujeito ativo e inteligente, as con-
dutas superiores e os esquemas dedutivos, cuja necessidade lógica é
porém irredutível às questões de fatos materiais.

1. °. O problema do paralelismo

Para vencer essas dificuldades, faz-se necessário, pois, prever, ao


lado do ideal de redução, um método que permita respeitar a especifi -
cidade da necessidade consciente, assegurando, inteiramente, a corres -
pondência com as ligações materiais às quais a tendência reducionista
as atará, cedo ou tarde. Por exemplo, se a verdade de 2 + 2 = 4 é im-
pensável fora da consciência do matemático (mesmo que tenha 7 anos
de idade), é preciso, para que êle reconheça essa necessidade, que um
jôgo de conexões neurônicas torne possível sua atividade consciente.
Qual é então a natureza da ligação entre essas conexões fisiológicas e
o julgamento consciente que elas subtendem? Seria ainda uma ligação
causal ou devemos utilizar outras categorias de ligação e falar de cor -
respondência, de paralelismo ou de isomorfismo? Eis o eterno problema
sôbre o qual convergiram tôdas as formas de explicação psicológica e
que encontramos comparando, simplesmente, as diversas formas, umas
às outras.
Notemos, primeiramente, que o problema não é, como o chamam
às vêzes, o do espírito e do corpo, mas bem e exclusivamente o da cons-
ciência e das estruturas fisiológicas subjacentes. Falar de espírito ou é
dar substância à consciência, o que vem a ser o prejulgamento da so -
lução, ou é designar, globalmente, o complexo conceito “atividade ner-
vosa superior + consciência” e o problema se encontra, então no interior
dêsse “espírito”. Por isso é que discutir sôbre o batismo de certa espé-
cie de medicina, que uns chamam de "psicossomática” e outros de “cór -
tico-viceral” não é, de modo geral, senão uma discussão verbal: todos
estão de acôrdo sôbre o fato de que um tratamento psicológico pode,
em certos casos, agir sôbre uma afecção somática, mas isso não resolve,
em nada, a questão de saber se foi a consciência que agiu como causa
ou se foi a atividade nervosa, cujo sujeito então toma, simplesmente,
consciência.
Dito isso, as diversas soluções que foram propostas para justificar
as relações entre a consciência e os mecanismos nervosos que a acom -
panham, se reduzem somente a duas (excluindo-se o idealismo que não
se refere às teorias psicológicas, colocando-se o mesmo problema de
nôvo, aliás, em seu terreno próprio): ou existe interação entre a cons-
ciência e os processos nervosos correspondentes ou então se trata de
duas séries paralelas de fenômenos, cuja heterogeneidade exclui que
possam agir uns sôbre outros.
146 HISTÓRIA E MÉTODO

2° . A solução interacionista

A solução interacionista parece confirmada pela observação cor -


rente: quando um copo de vinho nos põe em estado de euforia, sen-
timo-nos tentados a ver nisso uma ação direta do organismo sôbre a
consciência e quando se move o braço, depois de o ter decidido, cons -
cientemente, parece haver ação direta da consciência sôbre o organismo.
Mas desde que se procure analisar essas relações causais, num sentido
ou noutro, elas se revelam, na verdade, incompreensíveis.
Em primeiro lugar, dizer que a consciência pode agir sôbre um pro -
cesso fisiológico, é atribuir-lhe fôrça sob uma forma qualquer (fôrças,
trabalho, potência, etc.), ou é admitir uma “energia psíquica”, que supõe,
ainda, relações entre fôrças. Portanto, força é uma quantidade mensu-
rável que depende do mundo material e falar de energia para dissimular
as dificuldades, é decuplicá-las, na verdade, pois isso implica as duas
consequências da transformação das energias, umas nas outras e a con -
servação da energia, que são, uma e outra, sem significação no caso de
ação eventual da consciência sôbre o corpo. Na realidade, quando se
tenta representar tal ação, imagina-se uma espécie de fôrro material ou
etéreo, que subtenderia a consciência e que agiria sob seu nome, quando
esta desencadeiasse uma ação orgânica. Cumpre reconhecer então que
não é a consciência que “age” nesse caso, mas sim o funcionamento
nervoso concomitante, entendendo-se que um funcionamento ner-
voso acompanhado de consciência não é idêntico a um funcionamento
sem consciência (cf. os trabalhos eletrofisiológicos sôbre a vigilância,
etc.). Mas se não há identidade entre êsses dois funcionamentos, o in-
teracionismo não é baseado em dizer que a consciência modifica, pois,
o funcionamento? O problema do “como” reaparece então: ou é pró -
prio da consciência “tomar consciência", simplesmente, das razões ou
causas (ou de parte delas) que modificaram o funcionamento nervoso e
ela não é a própria causa, ou então ela é causa e é preciso empres -
tar-lhe fôrças, energias, etc., com tôdas as dificuldades precedentes.
Em segundo lugar, a ação causal direta de um processo orgânico
sôbre a consciência não é mais compreensível. Tal processo consiste em
sequências materiais, que implicam em massas, fôrças, resistências, ener -
gias, etc. Para que essas sequências materiais modifiquem a consciência,
seria preciso que encontrassem naquela um ponto de aplicação, cuja na -
tureza lhes seja homogênea, sob a forma de deslocamento de uma massa,
de aceleração de um móvel, de diminuição de resistências, etc., senão a
modificação permaneceria ininteligível. Realmente, se um copo de vinho
nos deixa alegres, isso se traduz por uma aceleração das assoc iações,
por um levantamento das inibições, etc. Mas há uma ação “sôbre a cons-
ciência” ou sôbre um conjunto de ligações nervosas, em que a cons -
ciência se limita a “tomar consciência”, conforme o papel que seu pró -
prio nome já evoca especificamente?

3. °. A solução paralelista
Essas dificuldades insuperáveis impelem então a maior parte dos
autores a admitir duas séries distintas de fenômenos, uma constituída
A EXPLICAÇÃO EM PSICOLOGIA 147

pelos estados de consciência e a outra pelos processos nervosos conco-


mitantes (correspondendo todo estado de consciência a um processo tal
que a recíproca seja verdadeira) e a considerar que o liame entre os
têrmos de uma das séries e os têrmos da outra nunca é liame de causa -
lidade, mas simplesmente uma correspondência, ou, como se diz geral -
mente, um "paralelismo”. Podem-se distinguir, nessa segunda solução,
numerosas subvariedades. O paralelismo clássico, por exemplo, era ato-
místico e procurava uma correspondência de elementos com elementos
(daí um concomitante fisiológico para cada sensação, cada ‘‘associa -
ção, etc.). A teoria da Gestalt (ver III, sob B2 ) fala, ao contrário, de
um princípio de “isomorfismo”, admitindo uma correspondência de es -
trutura a estrutura. Outra subdivisão (independente da precedente)
oporá os autores à tendência dualista (“espírito” e corpo) e êstes à ten -
dência monista, que vêem nas duas séries as duas faces da mesma rea -
lidade, apreendida de dentro (consciência) ou de fora (fisiologia). O
monismo organicista porá ênfase, além disso, na fisiologia e não verá
na consciência senão um “epifenômeno”, etc.
O segundo grupo de soluções afasta, efetivamente, as dificuldades
do interacionismo. Sob a forma, porém, em que são habitualmente apre -
sentadas, é para suscitar-lhes outras, igualmente graves. Na verdade, se
a consciência é apenas o aspecto subjetivo de certas atividades nervosas,
não se compreende, absolutamente, qual a sua função, pois essas ativi-
dades bastam para tudo. Que um estímulo externo desencadeie uma
reação adaptativa, que um problema de alta matemática seja resolvido
pelo cérebro real como pelo “cérebro eletrônico”, etc., tudo se explica
sem a consciência. Poder-se-ia, bem entendido, sustentar que o proble-
ma é mal colocado e que a consciência não compo rta mais significado
funcional que uma mutação neutra (ou a fortiori letal) no domínio da
genética biológica. Mas é preciso responder que a consciência obedece
a leis múltiplas e que, na psicogênese, como na sociogênese, a constru-
ção de condutas cada vez mais complexas é acompanhada não apenas
de uma extensão do campo de consciência, como ainda e principalmente
de uma estruturação sempre mais requintada desse campo. Tôda a his -
tória das ciências, para dar apenas um exemplo, é uma história dos pro -
gressos do conhecimento consciente e isso é verdade quanto à história
da psicologia behaviorista (cf. III sob C1), que faz abstração da cons-
ciência por um curioso emprêgo da reflexão consciente.
Tudo isso coloca, pois, um problema e, para que a solução em ad -
mitir duas séries “paralelas” ou isomorfas satisfaça realmente nossa ne -
cessidade de explicação, seria desejável que uma das duas séries não
perdesse todo o significado funcional, mas que se compreenda, no mi-
numum, em que é que essas séries heterogêneas e sem interação causal
são, entretanto, complementares.

V. — O ISOMORFISMO ENTRE A CAUSALIDADE


E A "IMPLICAÇÃO". CONCLUSÕES
Ciências mais avançadas que a nossa chegaram a êsse ponto, de -
pois de compreender por muito tempo que os progressos, em casos de
148 HISTÓRIA E MÉTODO

crises, são comumente ligados a uma crítica retroativa das noções uti-
lizadas, portanto, a uma crítica epistemológica interna (e independente
da filosofia), É o que convém fazer na presença do problema da cons -
ciência e isso permite então chegar a dar sentido pleno às noções de pa -
ralelismo ou de isomorfismo e, parece, a resolver as dificuldades que,
ordinàriamente, suscitam.

1. °. Estados de consciência e causalidade


Imediatamente se é conduzido, assim, a supor que as principais di-
ficuldades nascem de que não se precisaram, suficientemente, quais as
noções específicas, aplicáveis unicamente à consciência e que se utili -
zaram, sem cessar, em lugar delas, as noções correntes que se adaptam
mais ou menos completamente à causalidade material (física ou fisio-
lógica ), mas que não têm, talvez, sentido nenhum no caso dos "estados”
de consciência e ainda menos nos das estruturas conscientes (conceitos,
valores, etc.) .
Com efeito, é coisa notável a imprudência com a qual muitos gran-
des psicólogos se serviram de conceitos físicos para falar da consciência.
JANET empregou as palavras “força de síntese” e "força psicológica”. A
expressão “energia psíquica” é frequente e “trabalho” é banal. Portan-
to, de duas uma: ou nos referimos, implicitamente, à fisiologia e cumpre
precisar, principalmente medir, ou então fala -se bastante de consciência
e se está em plena metáfora, sem nenhuma definição, dos conceitos com -
paráveis aos que se utilizam no terreno das leis e da causalidade físicas.
Todos esses conceitos supõem, com efeito, direta ou indiretamente, a no -
ção de massa ou substância, que não tem sentido algum no terreno da
consciência.
Podemos, pois, precisar essas observações preliminares, dizendo que
a noção de causalidade não se aplica, com certeza, ao comportamento
e mesmo às condutas, donde os diferentes tipos de explicação causal
que distinguimos. Mas não é "dependente" no terreno da consciência
como tal, pois um estado de consciência não é “causa” de outro estado
de consciência, mas preparação conforme outras categorias. Sozinhos,
entre nossas sete formas reconhecidas de explicação, os modelos abs -
tratos (sob C3 ) se aplicam às estruturas conscientes, precisamente por -
que podem fazer abstração do que chamamos de “substrato" real; mas,
para que exista causalidade, é preciso que a dedução se aplique a um
tal substrato e o que distingue o substrato da própria dedução é que
se apresenta em termos materiais (mesmo quando se trata do compor-
tamento e das condutas). No mais (e é a verificação do que já progre-
dimos atualmente), as dificuldades do interacionismo provêm, justamen -
te, de que ele procurou estender o domínio da causalidade à própria
consciência.

2. °. Estados de consciência e implicação


Desde então, se nenhuma das noções constitutivas da causalidade
física, exceto o tempo, se aplica aos fatos de consciência e, principal -
A EXPLICAÇÃO EM PSICOLOGIA 149

mente a da substância (a única cuja herança a psicologia experimental


recusou, em virtude da pesada sucessão que lhe deixou a psicologia fi -
losófica), nada mais resta senão escolher entre os dois termos desta
alternativa: ou a consciência não é nada, ou ela depende de categorias
originais e específicas, que ignoram em si mesmas os fato s materiais.
Portanto, essas categorias existem. A começar pelos fatos de consciên-
cia inerentes às condutas superiores (pois eles se apresentam então sob
as formas mais características), a verdade de 2 + 2 = 4 não é “causa”
da verdade 4 — 2 = 2, como a carambola é causa do movimento de
duas bolas de bilhar ou como o estímulo é uma das causas da reação:
a verdade (nós dizemos exatamente verdade, pois essa palavra se re-
fere, explicitamente, à consciência do autor do julgamento) 2 +- 2 = 4
"implica” a de 4 — 2 = 2 , o que é coisa completamente diferente. Do
mesmo modo, o valor atribuído a um fim ou a uma obrigação moral não
é “causa” do valor dos meios ou de uma ação dependente desta obriga -
ção: um dos valores conduz ao outro, num modo parecido à implicação
lógica e que se poderia chamar de implicação entre valores.
Pretendemos então que, por mais alto que se remonte em direção
aos estados de consciência menos evoluídos, encontram -se relações desse
tipo. Com efeito, o caráter mais geral, sem dúvida, dos estados de cons-
ciência é de comportar "significados”, de aspecto cognitivo (traduzin -
do-se em têrmos de verdade ou falsidade) ou afetivo (valôres) ou, mais
verossimilmente, os dois ao mesmo tempo. Logo, nem o liame entre os
significados, nem a relação de significante a significado dependem da
causalidade. Falaremos, pois, de “implicação em sentido amplo”, para
caracterizar as duas espécies de liames, aí compreendido o segundo (que
se pode distinguir sob o termo de "designação”) sendo nossa hipótese,
assim, que o modo de conexão próprio aos fenômenos de consciência é
a implicação em sentido amplo, da qual a implicação em sentido estrito
é caso particular.
Assim apresentada, a atividade da consciência nada tem de negli -
genciável. Por exemplo, a totalidade das ciências dedutivas (Lógica e
Matemática), as Belas-Artes, a Moral e o Direito dependem das diver-
sas formas de implicação consciente e se o sistema nervoso é perfeita -
mente apto a torná-las possíveis, uma vez que, efetivamente, engendra,
de modo causal, seu substrato material, acontece que é preciso uma cons -
ciência para julgar verdades e valores, isto é, para atingir as implica-
ções como tais, especificamente caracterizadas.

3. °. O isomorfismo entre a causalidade e a implicação

Isso nos traz de volta ao problema do paralelismo, sendo então a


hipótese que o paralelismo, entre os estados de consciência e os pro -
cessos fisiológicos concomitantes, volta ao isomorfismo, entre os siste-
mas de implicações no sentido amplo e aos sistemas dependentes da
causalidade. Para justificá-la, o recurso à mecanofisiologia fornece os
exemplos mais claros. Um "cérebro artificial” é, com efeito, capaz não
somente de levar a termo cálculos de complexidade surpreendente, como
150 HISTÓRIA E MÉTODO

também de encontrar novas demonstrações . 1 4 Cada uma das operações


que usa é isomorfa a uma operação lógica ou matemática e existe, pois,
isomorfismo completo entre o sistema das operações conscientes e o
sistema mecânico. Mas fica essa diferença: o matemático julga da ver-
dade e da falsidade das proposições e avalia, sem cessar, a validade das
proposições e a de suas conexões, assim procedendo por implicações;
a máquina, ao contrário, se limita a produzir resultados, que têm signi -
ficação exata do ponto de vista de seu construtor, mas aos quais perma -
nece indiferente, por estar estritamente determinada e só procedend -o
por simples causalidade. É verdade que ela é capaz de correções e de
regulação { f e e d backs), mas novamente sem avaliação e em função dos
únicos resultados determinados, causalmente, pela sua programação. Por -
tanto, só há aqui uma diferença, objetivamente negligenciável: o mate-
mático faz ciência em virtude da validade de suas implicações, enquanto
que a máquina fabrica, causalmente, com o mesmo desapego que um
seixo, que toma a forma de um belo cristal, se as condições dadas o
forçarem a isso.
Compreende-se, pois, porque as conexões neurônicas, cujo isomor-
fismo M C C ULLOCH mostrou, com os operadores proposicionais, bem po -
dem levar à fabricação causal de uma combinação isomorfa de
2 + 2 = 4. sem para tanto produzir uma verdade necessária, pois a ne-
cessidade lógica não depende de uma questão de fato, mas da obrigação *
consciente, inerente às implicações. Pode-se assim conceber um isomor-
fismo completo entre o sistema causal das ligações nervosas ou do com-
portamento, chegando, por equilíbrios sucessivos à construção de estru -
turas de “grupos”, de “rêdes”, etc., e o sistema consciente das impli-
cações e dos julgamentos, utilizando as mesmas estruturas, a título de
instrumentos de validação e de dedução, sem que o sistema consciente
perca, por isso, sua originalidade ou especificidade funcional.

4. °. Conclusão

Compreende-se, porém, igualmente, e essa será aqui nossa conclu -


são, a natureza complexa da explicação e da causalidade em geral. Vimos
que a causalidade supõe: 1º, leis; 2º uma dedução dessas leis, mas, 3 o ,
aplicada a um substrato real. Os elementos 1 e 3 da causalidade per -
tencem, pois, ao acontecimento objetivo que trata de explicar (com uma
parte de conceitualização que emana do teórico) enquanto que o ele-
mento 2 é introduzido pelo teórico (na qualidade de sujeito autor da
explicação). Dito com mais brevidade, a causalidade é uma assimilação
das ações materiais entre objetos às operações do sujeito-teórico. Logo,

14 Uma máquina demonstrou, recentemente, um teorema de EUCLIDES, de maneira


que nos envergonha confessar ser nova. Seja um triângulo isóceles ABC, onde B
é o vértice e os lados AB = BC. Para demonstrar que o ângulo BAC é igual ao
ângulo ACB, EUCLIDES traçava uma bissetriz, etc. A máquina, interpelada, respon-
deu, simplesmente: o lado AB é igual ao lado CB, partindo do mesmo ponto B;
o lado AC é comum aos dois ângulos considerados, por conseguinte, BAC = ACB,
porque podem ser aplicados, simètricamente, um sôbre o outro.
A EXPLICAÇÃO EM PSICOLOGIA 151

dos sete tipos de explicação que distinguimos, os seis primeiros (A a C2 )


são concentrados na causalidade e diferem uns dos outros, essencial-
mente, pelo substrato real 3 invocado, enquanto os modelos abstratos
(C3 ) se distinguem, principalmente, pelo modo de dedução 2 utilizado
e são, pois, concentrados na implicação dedutiva, donde sua aplicação
possível às estruturas conscientes (aplicação não exclu siva, aliás, uma
vez que essa dedução abstrata pode aplicar -se também aos substratos
reais 3, em virtude do princípio do isomorfismo).
Os resultados essenciais de nossa análise são pois: a) que as di -
reções dominantes e privilegiadas da explicação em psicologia são a re-
dução organicista e a interpretação por modelos abstratos; e b) que essas
duas orientações, organicista e dedutiva não são, de modo algum, con -
traditórias, mas sim, complementares. Só que nós não justificamos até
aqui essa complementariedade, senão constatando quanto cada tipo de
explicação se refere, de um lado, a um organicismo explícito ou implí -
cito todo convergente, e de outro lado, a modelos abstratos; e acres -
centamos igualmente que quanto mais exata se torna ou tornará a neu -
rologia, mais terá necessidade de modelos dedutivos. Podemos agora in-
terpretar essa complementariedade, baseando -a em razões mais profun-
das: se o paralelismo entre os fatos de consciência e os processos fisio -
lógicos conduz a um isomorfismo entre os sistemas implicativos de sig-
nificados e os sistemas materiais de ordem causal, é então evidente que
êsse paralelismo leva, igualmente, não apenas a uma complementarieda -
de, mas, no fim das contas, a uma esperança motivada de isomorfismo,
entre os esquemas organicistas e os esquemas lógico-matemáticos, utiliza-
dos pelos modelos abstratos.

BIBLIOGRAFIA

A POSTEL (L.), “Logique et apprentissage”, Études d’Épistém. génét., vol. VIII {Lo-
gique, apprentissage et probabilité), 1959, págs. 1-138.
BERLYNE (D. E.), “Les équivalences psychologiques et les notions quantitatives”,
Études d’Ëpist. génét., vol. XII (Théorie 'du comportement et opérations),
1960, págs. 1-103.
BUSH (R. R.), MOSTELLER (F.), Stochastic Models for learning, Wiley & Sons,
1955.
F ESSARD (M.-A.) et G ASTAUT (H.), “Corrélations neuro-physiologiques de la for-
mation des réflexes conditionnels”, in Le conditionnement et l’apprentissage,
Paris, Presses Universitaires de France, 1958.
G OUIN-DECARIE (Th.), Intelligence et affectivité chez le jeune enfant, Neuchâtel
et Paris, Delachaux & Niestlé, 1962.
H ULL (C. L.), Principles of behavior, Nova York, Appleton Century C'rofts, 1943.
J ANET (P.), De l’angoisse à l’exfase, vol. II, Paris, Alcan, 1926.
KÕHLER (W.), W ALLACH (H.), “Figurai after effects”, Proc. Amer. Philos. Soc.
vol. 88, 1944, págs. 269-357.
LEVI-S TRAUSS (Cl.), Les structures élémentaires de la parenté, Paris, Presses Uni-
versitaires de France, 1949.
LORENZ ( K . ) , Vergleichende Verhaltenslehre, Viena.
MC CULLOCH (W. S . ) , PITTS ( W . ) , “A logical calculus of the ideas immanent in
nervous activity”, Bull, math. Biophys., vol. V, 1943, págs. 45-133.
152 HISTÓRIA E MÉTODO

PIAGET (J. ), Introduction à Vépistêmologie génétique, t. III (La pensée biologique,


la pensée psychologique et la pensée sociologique), Paris, Presses Universitaires
de France, 1 9 5 1 .
PIAGET ( J . ) , “Logique et équilibre dans les comportements du sujet”, Études d’épis-
tém. génét., vol. II (Logique et équilibre), 1957, pâgs. 2 7 - 1 1 8 .
PIAGET ( J . ) , “The problem of consciousness in child psychology”, in Problems of
consciousness, confér. Macy Foundat., Nova York, t. IV, 1953, pâgs. 136-177.
R APAPORT (D.), The Theory of attention Cathexis faisant partie d’écrits divers
distribués sous forme multicopiée (1960) et qui seront publiés à titre posthume.
S PEARMAN ( C h . ) , The nature of intelligence, Londres, 1923.
TANNER (W. P. J r . ) , SWETS ( J . A . ) , “A decision-making theory of human de-
tection”, Psychol. Rev., vol. 61, 1954, pâgs. 401-409.

Das könnte Ihnen auch gefallen