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Volume

olume 1 • Número 9 Junho 2019 ISSN 2525-4294


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ISSN 2525-4294
Junho 2019
olume 1 • Número 9
Educação Integral:

Volume
Reflexões sobre educação na perspectiva da
C

integralidade humana
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INEQ / FAEP
VOLUME 1 - NÚMERO 9 – (JUNHO DE 2019)

CARTA AO LEITOR Periodicidade: Trimestral

Nesta edição da Revista Educação Integral: reflexões sobre


educação na perspectiva da integralidade humana”, o Conse- Os conceitos contidos nesta revista são de inteira
lho Editorial explicita o compromisso com a visão global do ser reponsabilidade dos autores.
humano, ao trazer textos para a reflexão de professores e alu-
nos de diferentes cursos e formações, sobre as concepções de É proibida a reprodução total ou parcial desta
educação, de sujeito e de sociedade que subjazem aos discur- obra sem prévia autorização dos autores.
sos e às ações presentes nas práticas pedagógicas das institui-
ções educacionais. Neste número, propõe – se um movimento
de análise mais profunda sobre a ideia de gestão democrática e
participativa, buscando, inicialmente, a legislação. Na Constitui-
ção Federal, de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, de 1996, o termo gestão democrática aparece pela
primeira vez, porém, sem quaisquer explicações sobre as con- CONSELHO EDITORIAL
cepções que poderiam auxiliar a construção das práticas nas Profº Dr. Claudinei Aparecido da Costa
escolas e, restringe a indicação de um processo democrático
somente no ensino público. Estes registros legais, sem dúvi- Profº Dr. Clemente Ramos dos Santos
da, explicitam as heranças políticas, culturais, históricas, eco- Profº Dra. Vania Aparecida da Costa
nômicas e sociais da trajetória brasileira nas políticas públicas
educacionais. Ao lado destes discursos escritos do macro – Profª Ms. Ana Maria Gentil
sistema, observam –se nas instituições educativas, públicas
ou privadas, ações autoritárias, decisões fragmentadas e ten-
tativas de impedir que sejam trazidas para discussão ideias EDITOR CHEFE
contrárias, com a desculpa de evitar conflitos. Essas ações, Profº Dr. Claudinei Aparecido da Costa
no caso da escola pública, contrariam a legislação e, no caso
da escola privada, contrariam, além de outras normas legais,
as propostas de teóricos da Administração Geral que indicam REVISÃO E NORMATIZAÇÃO DE TEXTOS
a participação como forma de conseguir o sucesso nos em-
preendimentos. Como inserir o diálogo como fundante de re- Prof. Marcos Alves da Silva
lações humanas construtivas em instituições que apresentam
marcas profundas de um sistema em que a pessoa ou grupo
de pessoas que detém o poder consideram a necessidade de CAPA E PROJETO GRÁFICO
manter a submissão e a exclusão das diferenças? Como apro- Fernando Silva de Araujo
veitar as diferenças, as divergências e os conflitos como forma
de transformar os sujeitos e as instituições, aproveitando as
efervescências de suas ideias para constituir uma sociedade INSTITUTO NACIONAL DE EDUCAÇÃO e
mais justa, com princípios realmente democráticos? Acredita
QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL – INEQ
-se que, essas transformações fazem parte da construção de
uma Educação Integral. Rua Santa Ângela, 252, Vila Palmeiras,
Assim, na nona edição da Revista Educação Integral, buscou
Freguesia do Ó, São Paulo – SP - Cep: 02727-000
–se refletir sobre os processos dialógicos implícitos na gestão
democrática, compreendendo a gestão como inerente a todo Tel.: (11) 3218-0088
processo educativo, ao qual fazem parte: professor, direção,
e-mail: educacaointegral@ineq.com.br
coordenação, trabalhadores da educação presentes no espaço
escolar, famílias e comunidade em geral.
Desta forma, pretendeu –se contribuir para que os leitores bus-
ISSN 2525-4294
quem as raízes profundas da Educação Integral que só pode
ser concretizada nas vivências de relações dialógicas, ineren-
tes ao verdadeiro processo educativo.

Prof. Dr. Claudinei Aparecido da Costa


Diretor-geral

INEQ - Educação integral


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APRESENTAÇÃO
REVISTA EDUCAÇÃO INTEGRAL – NONA EDIÇÃO

Toda edição da revista “Educação Integral: reflexões gógico na potencialização de práticas democráticas no
sobre educação na perspectiva da integralidade hu- trabalho de construção dos planejamentos, das ações
mana” apresenta a reflexão sobre um tema, que sugere cotidianas, dos projetos e relações transformadoras.
a todos os trabalhadores da educação uma postura de
observação atenta para as concepções subjacentes às No artigo “Alfabetização e Fracasso Escolar: Família,
práticas educativas e as possibilidades de transforma- Escola e Psicopedagogia”, destaca –se a necessidade
ção do processo de apropriação do patrimônio cultural da interação entre todos os trabalhadores da educação
da humanidade pelos educandos. Destacar a Gestão e as famílias no trabalho pedagógico que contribui para
Democrática como tema é a possibilidade de explicitar as aprendizagens dos educandos. Algumas escolas
o compromisso das esferas governamentais com o Di- privadas e algumas escolas públicas realizam esta in-
reito à Educação, na perspectiva do acesso e da perma- teração de forma a contribuir para a formação da per-
nência, mas principalmente, da qualidade da educação. sonalidade de crianças, adolescentes e jovens, outras
Tocar na Qualidade do processo Educacional exige pen- precisam repensar suas práticas com a ajuda de edu-
sar sobre a relação educativa que só existe pelo diálogo, cadores externos que conseguem, de forma propositiva
portanto, a condição para a sua existência é a gestão e emancipadora, ajudar com afastamentos e aproxima-
democrática. Esta não se refere apenas às relações de ções da realidade.
poder entre governantes e trabalhadores da educação
ou entre diretores, professores e comunidade. Refere A “Perspectiva da Pedagogia de Projetos no Ensino
–se às interações presentes entre os atores e prota- Superior”, explicitada de forma esclarecedora em um
gonistas em todo processo educativo. O Educando só dos artigos desta edição, colabora com a reflexão so-
consegue aprender se estiver envolvido nesse processo bre a Formação Inicial dos Educadores. Ao considerar
como sujeito de vontade e esta condição só é possível a Educação Superior o conjunto de Graduação e Pós
por meio de relações dialógicas. – Graduação, a proposta deste artigo ajuda a repen-
sar as opções didáticas dos cursos com a intenção de
Nesta nona edição, os textos pretendem auxiliar na re- construir a relação teoria e prática com os educandos,
flexão sobre a construção de Projetos Políticos – Pe- introduzindo –os no universo do trabalho autônomo, do
dagógicos em processos participativos, que envolvam olhar crítico e na formação de profissionais democráti-
toda a comunidade educativa. Pretende possibilitar o cos.
repensar contínuo sobre práticas inclusivas e democrá-
ticas em várias esferas do processo educacional. A formação inicial explicitada no artigo citado acima
precisa de continuidade no cotidiano das instituições
Neste contexto, destaca-se artigo voltado para refle- educativas. Para tanto, o artigo “A Formação do Pro-
xões sobre o tema desta revista: “Gestão Democrática fessor” trata, de forma contextualizada e reflexiva, da
Participativa: a Família na Escola”, o autor aponta, de necessidade de coletivos de professores e outros tra-
forma competente e precisa, a importância das ações balhadores da educação na instituição educativa. Estes
conjuntas para garantir a qualidade da educação. No encontros formativos precisam analisar as práticas pe-
contexto da construção de um movimento de participa- dagógicas e realizar estudos e pesquisas na perspec-
ção conjunta das famílias, comunidade e trabalhadores tiva de ações criativas e inovadoras. O autor do artigo
da educação nas decisões, todos os sujeitos da ação afirma, de forma precisa, que professores transforma-
educativa precisam estar envolvidos no processo peda- dores e reflexivos têm mais chance de formar crianças,
gógico. adolescentes e jovens mais ousados e criativos.

O artigo “Clima Educacional, Gestão Democrática e o O processo democrático nas instituições educativas
Papel do Coordenador Pedagógico”, envolve de forma envolve as relações em todos os aspectos, que sempre
mais específica a importância do Coordenador Peda- são considerados pedagógicos. Atender as necessida-

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des de cada etapa da educação básica de forma pro- tórias. A valorização da literatura negra no Brasil é
funda e contextualizada é uma condição necessária uma forma de romper com preconceitos, integrar –
para a gestão democrática da educação. O artigo se aos autores e educadores que refletem de forma
“Ludicidade; desenvolvendo criatividade e conhe- crítica sobre a necessidade de desconstrução da he-
cimento na infância” aponta a necessidade das gemonia da cultura branca dominante. Ler os clás-
ações educativas repletas de ludicidade em todas sicos da literatura negra pode auxiliar a romper os
as etapas da Educação Básica, principalmente, nos grilhões da exclusão que ainda estão presentes nas
momentos em que acontece o desenvolvimento da escolas, muitas vezes, escondidos em discursos su-
função simbólica da consciência (Educação Infan- postamente inclusivos.
til). De qualquer forma, a dimensão brincalhona deve
estar presente em todos os momentos da vida. Nes- O artigo “Alfabetização Precoce” discute as diferen-
te sentido, os professores de crianças, adolescen- tes abordagens da Educação da pequena infância,
tes, jovens e adultos precisam respeitar e integrar na destacando a diversidade de encaminhamentos
suas práticas pedagógicas os elementos lúdicos. para o trabalho com a cultura escrita, desde a Edu-
cação Infantil. Os estudos sobre a construção da
Ao tratar da Gestão Democrática da Educação, função simbólica explicitam a importância do gesto,
deve–se incluir a inclusão das deficiências e o tra- do desenho e do faz de conta para a compreensão
balho com a diversidade fundante. Os três artigos in- do processo de representação que, na escrita, é de
dicados a seguir buscam refletir sobre estes temas. segunda ordem (representação da representação).
Além desta questão, a única forma dos sujeitos
O artigo “O Autismo e a Inclusão (propostas peda- compreenderem e se apropriarem realmente da cul-
gógicas para uma inclusão efetiva)" procura provo- tura escrita é trabalhar a sua função social e realizar
car no leitor uma retomada das práticas educativas ações cujo objetivo coincide com a finalidade para o
que, muitas vezes, ainda apresentam preconceitos, qual o instrumento complexo da escrita foi criado.
discriminações, estagnação, exclusão. Destaca a Portanto, torna-se um desafio para os educadores
importância do olhar atento sobre o trabalho com discutirem como trabalhar a inserção da crianças
o Autista, que precisa de práticas pedagógicas que pequenas na cultura escrita, para que evitem plane-
envolvam a convivência e as interações com o co- jar ações artificiais, descontextualizadas e que pro-
nhecimento e com o outro. Crianças, adolescentes e curam, indevidamente o som das palavras e não o
jovens que só desenvolverão aspectos importantes encanto, o riso, a admiração, a informação presen-
da sua cognição, interação social, aspectos afetivos tes em materiais escritos. Este artigo auxilia na re-
e físicos em um ambiente educacional que integre flexão sobre estes impasses presentes no cotidiano
as diferenças. das instituições educativas.

No artigo “Deficiência Auditiva: Novos Desafios Desta forma, o Conselho Editorial da revista e os
Rumo à Inclusão”, a autora destaca também as di- educadores – autores das escolas que contribuíram
ficuldades para a inclusão dos educandos surdos, com seus artigos esperam que os leitores possam
tanto no que se refere às relações solidárias e afe- ler as sínteses provisórias, as provocações e as re-
tivas, como no trabalho com a apropriação do co- flexões sobre as práticas presentes nos ambientes
nhecimento. A preocupação maior é garantir a todos educacionais e possam ampliar seus discursos ex-
uma educação inclusiva de qualidade na perspectiva ternos e internos na busca da qualidade da educa-
da gestão democrática. ção, da construção da identidade e valorização do
profissional das instituições educacionais. Essa qua-
O artigo “Luiz Gama e sua Contribuição Literária lidade será concretizada na medida em que todos
com o Movimento Negro” constitui –se em uma contribuírem com os entrelaçamentos que constro-
contribuição valorosa para a reflexão sobre a impor- em cotidianamente a rede da gestão democrática.
tância da identidade étnica dos africanos e dos seus
descendentes. O mito da democracia racial ainda BOA LEITURA
está presente nas práticas educativas, que se deno-
minam democráticas e se apresentam discrimina-

INEQ - Educação integral


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SUMÁRIO
07
O AUTISMO E A INCLUSÃO (PROPOSTAS
PSICOPEDAGÓGICAS PARA UMA INCLUSÃO EFETIVA)
– Elizangela Santos Lima
GESTÃO DEMOCRÁTICA PARTICIPATIVA: A FAMÍLIA NA

13 ESCOLA
– Felipe Alves Larsen

23
ALFABETIZAÇÃO PRECOCE
– Glauce Rossi Quilici

ALFABETIZAÇÃO E FRACASSO ESCOLAR: FAMÍLIA,

29 ESCOLA E PSICOPEDAGOGIA
– Luciana Lapa Xavier Galvão

A FORMAÇÃO DO PROFESSOR

38 – Maria Aparecida da Silva Sousa

CLIMA EDUCACIONAL, GESTÃO DEMOCRÁTICA E O

50 PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO


– Marina Maniezo de Moraes

LUDICIDADE: DESENVOLVENDO CRIATIVIDADE E

57 CONHECIMENTO NA INFÂNCIA
– Rodrigo Pereira de Almeida

LUIZ GAMA E SUA CONTRIBUIÇÃO LITERÁRIA COM O

66 MOVIMENTO NEGRO
– Rosemeire Da Silva Andrade Arrais

PERSPECTIVAS DA PEDAGOGIA DE PROJETOS NO ENSINO

80 SUPERIOR
–Silvia Cavanha Buratinne

DEFICIÊNCIA AUDITIVA: NOVOS DESAFIOS RUMO À

87 INCLUSÃO
–Simone Fante Mendes da Silva

6 INEQ - Educação integral


O AUTISMO E A
INCLUSÃO (PROPOSTAS
PSICOPEDAGÓGICAS PARA UMA
INCLUSÃO EFETIVA)

Elizangela Santos Lima

RESUMO surge uma discussão calorosa em torno do tema


Autismo.
Este artigo tem por objetivo discutir sobre o autismo
e a inclusão, partindo do pressuposto que a socie- O termo Autismo é descrito como uma patologia
dade brasileira muito tem discutido sobre os proble- própria da criança. É apresentado com caracterís-
mas da Educação. Dentro dessa discussão se faz ticas marcantes. Dentre elas podemos destacar
presente o debate sobre a inclusão. Tendo como linguagem alterada ou inexistente, preferências por
princípio, as propostas psicopedagógicas para uma atividades repetitivas, isolamento extremo. Ao mes-
inclusão efetiva. mo tempo, estas pessoas se apresentam com uma
Palavras chaves: Autismo; Inclusão; Proposta psico- inteligência equivalente aos seus pares.
pedagógica.
Diante deste quadro podemos nos perguntar: quais
ABSTRACT as propostas da psicopedagógica para uma inclu-
são efetiva? O que os psicopedagogos apresentam
This article aims to discuss about autism and the como proposta para a síndrome do Autismo? De
inclusion, on the assumption that Brazilian society fato observa-se, que escola e professores não apre-
much has been discussed about the problems of sentam habilidade em suas estratégias para atua-
Education. Within this discussion is present the de- rem com crianças autistas. Podemos afirmar que
bate on inclusion. Based on the principle, the psycho- lhes faltam informação e conhecimento específico
pedagogical proposals for effective inclusion. sobre o Transtorno do Espectro Autista.
Key words: Autism; Inclusion; Psychopedagogic pro-
posal. Escrever sobre Autismo e Inclusão, requer retomar
a questão, que a criança com Autismo também é
INTRODUÇÃO sujeito de direitos. Com isso partimos do princípio
de que a educação é direito de todas as crianças
A sociedade brasileira muito tem discutido sobre os e adolescentes. Sendo assim, o presente trabalho
problemas da Educação. Dentro dessa discussão tem como objetivo discorrer sobre a forma como
se faz presente o debate sobre a Inclusão. Sobre a Psicopedagogia entende a inclusão de crianças
esse tema surgem as nomenclaturas a respeito das autistas. O que é possível dentro do ponto de vista
condições das pessoas. Os educadores procuram da Psicopedagogia para que de fato aconteça uma
entender a forma como os alunos se manifestam efetiva inclusão. Partimos do princípio também de
durante seu processo de aprendizagem. Com isso, que a escola tem um papel importante na interação

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e no desenvolvimento da criança. Esta apresenta-se sos nos primeiros meses de vida.
como o primeiro lugar de interação social da crian- As crianças com Autismo apresentam característi-
ça. Marcando dessa forma, uma primeira separação cas peculiares, tais como: demonstra ser surda, re-
da família. Um momento em que a criança amplia siste ao aprendizado, usa as pessoas como se fos-
seu círculo de convivência. É na escola que a crian- sem ferramentas, tem comportamento indiferente e
ça terá mais dificuldade em se adaptar às regras so- arredio, apresenta resistência ao contato físico, não
ciais. Dessa forma, falamos de um cenário que para demonstra ter medo do perigo, não aceita ou man-
um autista é ainda mais difícil. tém contato visual, resiste a mudanças de rotina,
não interage com outras crianças, gira objetos de
1. Autismo maneira peculiar, tem acentuada hiperatividade físi-
ca, apego não apropriado a objetos, apresenta risos
No final do século XVIII, podemos encontrar pesso- e movimentos não apropriados no momento, pode
as que começam a pensar na criança como um ser ser agressivo e destrutivo.
que precisa de atenção e de cuidados específicos.
Inicia-se uma preocupação com o desenvolvimento Essas são algumas características que podemos
educacional e desenvolvimento da saúde da criança encontrar nas pessoas que possuem esta síndrome.
em específico. Algumas pessoas não apresentam todas estas ca-
racterísticas, embora a maioria esteja presente nos
Em 1911, o suíço Bleuler, percebeu que seus pacien- primeiros anos de vida da criança. Com seu cresci-
tes adultos que sofriam de esquizofrenia, fugiam da mento os sintomas podem ser alternados. Muitas
realidade, permaneciam em mundo interior. A isso vezes pode apresentar um sintoma que até o mo-
deu o nome de autismo. Trata-se um termo originá- mento não apresentava e também deixar de apre-
rio da palavra grega autos que significa de si mes- sentá-lo.
mo. Na década de 1940, o psiquiatra Leo Kranner e
o pediatra Hans Asperger, após pesquisas, desco- Essas mudanças também podem aparecer desde
briram o distúrbio do desenvolvimento, que afeta- cedo. Em alguns casos aos quatro meses de vida.
vam diversas crianças no mundo. Trata –se de uma Trata-se de crianças que não choram, não se inco-
pesquisa Isolada, pois um não sabia da pesquisa do modam em estarem sozinhos, não costumam sorrir,
outro. Coincidentemente ambos deram o mesmo não apresentam movimentos antecipatórios para
nome para a, a síndrome, por apresentar como ca- que os peguem no colo e mostrando-se indiferentes
racterística marcante, o isolamento do mundo exte- ao toque e ao contato afetivo.
rior, deixando de constituir uma interação social. O
termo hoje adotado pelos médicos, é Transtorno do Aos oito meses de vida, também é possível encon-
Espectro Autista. trarmos aqueles que não revelam medos ou ansie-
dade diante de pessoas e situações estranhas. Não
Estes pesquisadores, a partir daí começam a estu- apresentam nenhum interesse em olhar o mundo e
dar e se aprofundar em crianças que apresentam as pessoas que estão à sua volta. Com o passar do
perda das habilidades adquiridas, como controle tempo começam a ficar sensíveis a estímulos sen-
esfincteriano e linguagem. A psiquiatria considera o soriais, e apresentam episódios de pânico e agita-
autismo como uma síndrome comportamental com ção. Mostra-se como uma pessoa que tudo que é
prejuízos neurológicos. Esta síndrome é vista com diferente dá medo, assusta, é motivo de sofrimento.
etiologias orgânicas. Ou seja, é orgânica por que A aceitação do outro é dolorosa.
esse isolamento que o autista se coloca traz mu-
danças táteis e sensoriais Estas mudanças podem, As pesquisas têm nos mostrado que não existem
muitas vezes, acontecer desde cedo em alguns ca- características específicas da síndrome. Podemos

8 INEQ - Educação integral


encontrar fatores genéticos quanto orgânicos atu- como valores indissociáveis.
ando dentro do quadro de autismo. Existe três li-
nhas de pensamento sobre a etiologia do Autismo. Ao evidenciar as dificuldades encontradas no sis-
A primeira linha de pensamento defende que os fa- tema de ensino, se fez necessário reconhecer a ne-
tores orgânicos são responsáveis pelo aparecimen- cessidade de criar estratégias a fim de superá-las. A
to da síndrome. Acreditam que o ambiente onde o partir deste momento a educação inclusiva assume
indivíduo convive é responsável pelo surgimento da um papel importante e passa a ter espaço central
síndrome. A segunda linha defende serem fatores no debate acerca da sociedade contemporânea e do
genéticos. Por meio desta consideram que a gené- papel que a escola deve assumir na superação da
tica familiar é responsável pelo autismo. A terceira exclusão.
linha defende a teoria em que o gene e o ambiente
aparecem juntos diretamente ligados ao Autismo. Historicamente a escola se caracteriza por uma vi-
são que demarca a escolarização, como um privilé-
Ao mesmo tempo podemos observar que as três te- gio de um determinado grupo de alunos. Sendo as-
orias apontam para um mesmo fator. Ou seja, que o sim, por anos a exclusão foi legitimada nas políticas
surgimento ocorre na infância. Podemos encontrá-la e práticas educacionais. A escola excluía, pois acre-
na idade em que a criança está desenvolvendo os ditava no papel homogeneizador, ou seja, excluía
seus sentidos, por volta dos três anos de idade até grupos considerados fora dos padrões.
a vida adulta. Também afirmam que Atingem princi-
palmente o sexo masculino. Ao mesmo tempo cons- A Comissão Internacional dos Direitos Humanos
tatam que a proporção é em média quatro meninos fundamenta o conceito de cidadania, no reconheci-
para cada menina. mento das diferenças e na participação dos sujeitos
em suas singularidades. O Ministério da Educação
As características estão ligadas ao grau de Autismo no Brasil tem no Plano Nacional de Educação as
que cada indivíduo apresenta. Algumas pessoas, orientações para o desenvolvimento da Educação
apesar de manifestarem características autistas (PNE, Lei nº 10.172/2001).
apresentam um desenvolvimento superior a outras.
Como exemplo podemos apontar a fala intacta. O grande avanço que a década da educação
Outras pessoas podem apresentar um atraso no deveria produzir seria a construção de uma
desenvolvimento mental, não desenvolver a fala ou escola inclusiva que garanta o atendimento
falar com dificuldades. Também podem apresentar à diversidade humana”. Ao estabelecer obje-
um comportamento fechado e distante, enquanto tivos e metas para que os sistemas de ensino
outros mostram-se presos a comportamentos res- favoreçam o atendimento às necessidades
tritos a padrões comportamentais. educacionais especiais dos alunos, aponta
um deficit referente à oferta de matrículas
2. O Autista e a inclusão para alunos com deficiência nas classes co-
muns do ensino regular, à formação docente,
A ação mundial pela educação inclusiva,é um movi- à acessibilidade física e ao atendimento edu-
mento político, cultural, social e pedagógico, em prol cacional especializado.(PNE, 2008, p.4)
de estudantes. Apresenta como objetivo garantir o
direito de todos os estudantes de aprenderem jun- A Constituição Federal, em seu artigo 208, dispõe
tos, sem nenhum tipo de discriminação. A educação que é dever do Estado garantir atendimento educa-
inclusiva se constitui em um paradigma educacio- cional especializado aos portadores de deficiência,
nal, tendo como base a discussão sobre os direitos preferencialmente na rede regular de ensino.
humanos. Esta apresenta a igualdade e a diferença

INEQ - Educação integral


9
Em contrapartida, a Lei Federal nº 8.069/1990, Es- Objetivar as estruturas físicas compatíveis com as
tatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ratificou suas necessidades, além de qualificar e conscienti-
a proteção integral dedicado ao público infantojuve- zar os professores, para que assim sejam superados
nil. Esta tem como objetivo preservar os direitos da os paradigmas e preconceitos.
criança com deficiência no âmbito educacional. Seu
objetivo também está pautado na igualdade e no 3. Psicopedagogia como proposta para a Educação
princípio que se refere ao melhor interesse da crian-
ça, levando em consideração a condição peculiar de A Psicopedagogia surgiu mediante a necessidade
seu desenvolvimento. de melhor compreender os processos de aprendiza-
gem. Ou seja, é uma área específica de estudo, que
A lei de Diretrizes e Bases da Educação, 9394/1996 pesquisa fatores externos e internos, diretamente
(LDB),em seu artigo 1º, dispõe que a educação ligados ao processo de desenvolvimento. Para a Psi-
abrange os processos formativos que se desenvolve copedagogia, seus interesses são: o estudo e a in-
na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, tervenção sobre o processo de aprendizagem. Para
nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimen- isso, procura olhar todas as áreas de sua vida, emo-
tos sociais e organizações da sociedade civil e nas cional, cognitiva e social.
manifestações culturais.
As dificuldades de aprendizagem podem ser desen-
A ideia central desta empreitada é contemplar o ple- cadeadas, por diversos fatores. Podemos encontrar
no desenvolvimento do educando. atrasos no desenvolvimento, acidentes que compro-
metem a integridade de órgãos necessários para
Para que seus objetivos sejam concretizados a este processo, patologias ligadas ao sistema neu-
LDB (9394/96), fixa normas e essas devem nortear rológico, dificuldades de acompanhamento devido
a estrutura educacional. Permitindo estabelecer um as práticas utilizadas nas escolas, ou outros fatores
planejamento curricular que atenda à pluralidade e externos.
diversidade dos grupos inseridos na escola. Pensar
em reformulações estruturais coerentes as necessi- O Psicopedagogo tem o papel de identificar a estru-
dades dos educandos, em especial quando se tratar tura da criança, suas transformações no tempo, e
de educandos que apresentam esta síndrome. quais as influências do seu meio nestas transforma-
ções e o seu relacionamento com aprender.
O artigo 58 da LDB (9394/96), apresenta a criança
com Transtorno do Espectro Autista como sujeito de Segundo Fernández (1991), para que seja possível
direitos como todas as outras crianças. Sendo as- a identificação das dificuldades de aprendizagem, é
sim, haverá serviço de apoio especializado, na esco- imprescindível o diagnóstico psicopedagógico.
la regular quando for necessário. Com isso devemos
reconhecer que passaram a ser receptoras não ape- O paciente que consulta por dificuldade de
nas dos privilégios previstos em lei, como também aprendizagem habitualmente é uma criança
em todo ordenamento jurídico. ou um adolescente que sofreu uma longa
peregrinação de consulta em consulta, tendo
É direito garantido à pessoa com esta síndrome, ter sido objeto de observação e recebendo pouco
acesso a educação e ao ensino profissionalizante. É ou nada no sentido da compreensão de sua
de suma importância compreender que incluir é algo problemática. É um sujeito a quem se esca-
além de efetuar uma matrícula. É tornar possível o moteia a informação e o conhecimento des-
desenvolvimento educacional da criança, reestrutu- de o meio familiar e/ou social. (FERNÁNDEZ,
rando a organização dos setores educacionais. 1991,p.26)

10 INEQ - Educação integral


Portanto, é de suma importância desde o diagnósti- suas aprendizagens, é prudente fazer elogios como
co proporcionar elementos que possam ser absorvi- forma de estímulo.
dos pela criança. Com isso, considerando – a como
um sujeito pensante, pois sua inteligência existe, Se o Psicopedagogo desejar que a criança olhe para
pode faltar conhecimentos, porém mesmo em um ele, deve segurar delicadamente o rosto da criança,
grau elevado de oligotimia, existe um saber que direcionando para o rosto do Psicopedagogo. Deve
acompanha a criança. falar com a criança, mesmo que seu olhar esteja
distante. Este deverá ter como objetivo desenvolver
4. Quais propostas Psicopedagógicas para uma in- uma relação baseada em controle, confiança, segu-
clusão efetiva? rança e amor.

Os indivíduos autistas possuem um modo diferen- CONSIDERAÇÕES FINAIS


te de aprender, pois precisam organizar suas ideias
de maneira diferenciada. Cada indivíduo apresenta Parafraseando Fernández (1991), espera-se rever-
uma maneira diferente de aprender. Por este moti- ter as inumeráveis deficiências das instituições
vo não existem métodos de aprendizagem dirigidos educacionais. Utilizar uma boa instrumentalização
as crianças com esta síndrome. O mais importante com características especiais, para que assim pos-
é manter um ambiente estruturado e organizado, sa desenvolver outras vertentes de trabalho, outros
pois normalmente a criança tem dificuldades para enquadres, outras abordagens eficazes e possíveis,
mudar suas rotinas diárias. A partir do grau de de- da problemática da aprendizagem das crianças com
senvolvimento da pessoa é estabelecido um plano autismo, para que se efetive a inclusão das mesmas.
terapêutico individual, onde é definida uma progra-
mação diária para a criança em processo de apren- Tais características encontram–se na perspecti-
dizagem. va do reconhecimento e aproveitamento de uma
melhor atenção as crianças que apresentam esta
O educador deverá partir de objetos concretos e síndrome. O psicopedagogo de desenvolver seu
passar gradativamente para modelos representacio- trabalho com prazer, permanecer pesquisando, e se
nais e simbólicos, de acordo com as possibilidades permitir aprender com as crianças.
da criança. O desenvolvimento da aprendizagem de
uma pessoa com esta síndrome é lento e gradativo. Desenvolver um trabalho criativo que sirva como
O professor deverá adequar o seu sistema de comu- chave para encontrar dentro de cada criança espaço
nicação a criança autista. de jogo, espaço lúdico e criativo, a partir dos quais,
É importante que esta criança possa dar continui- no trabalho desenvolvido com as crianças, será pos-
dade ao ensino. Assim temos como desafio torná-la sível conseguir vincular, vencer ao sintoma que Alicia
menos dependente promovendo com isso sua auto- Fernández apresenta como, não sendo outra coisa
nomia. Mesmo que precise de diversas tentativas, e que não inteligência bloqueada, ou seja, a criativida-
mesmo assim ela não consiga aprender. de encapsulada, a curiosidade anulada, a renúncia a
pensar, conhecer e crescer.
Todas as vezes que uma criança autista solicitar e
tentar o diálogo, a interação, orienta-se que a mes- A tarefa do psicopedagogo e do professor, será se
ma deve ser atendida prontamente. Quando houver ausentar do lugar do saber, para poder ser percebido
necessidade de chamar esta criança e ela não aten- como portadores, representantes do conhecimento
der é necessário aproximar –se, pegar em sua mão e não como se fosse o próprio conhecimento. Esta
e levá-la para realizar o que foi pedido. Sempre que tarefa aponta para a conquista de que o espaço de
realizar uma tarefa, falar ou mostrar progresso em tratamento se transforme em espaço transicional,

INEQ - Educação integral


11
que seja possível reconstruir o espaço de jogo e cria- mec%20autismo.pdf>Acesso em 15fev.2016.
tividade da criança, que é a matriz do aprender. FERNÁNDEZ, Alicia. A Inteligência Aprisionada; tra-
dução: Iara Rodrigues.Porto Alegre:Artemed, 1991.
Sabemos que para aprender é necessário um en- ______. Os Idiomas do Aprendente. Análise das mo-
sinante e um aprendente que entrem em relação. dalidades ensinantes com famílias, escolas e meios
Isto é algo indiscutível quando se fala de métodos de comunicação: Tradução: Neusa Kern Hickel –
de ensino e de processos de aprendizagem normal; Porto Alegre: Artmed, 2007.
não obstante, costuma-se esquecer quando se trata GONÇALVES, Paula Pais. O Autismo e a Aprendiza-
de fracasso de aprendizagem, aqui pareceria, então, gem. São Paulo, 2013. Disponível em< http://www.
que só entra em jogo o aprendente que fracassa, pedagogia.com.br/artigos/autismo/index.php?pagi-
como se não pudesse falar de ensinantes ou de vín- na=2> Acesso em 10 fev.2016.
culos que fracassam ou produzem sintomas. (FER- JOSE, Elisabete da. Problemas de Aprendizagem.
NÁNDEZ,1991, p.32) São Paulo: Editora Ática.
MASINI, Elcie F. Salzano. O Psicopedagogo na Esco-
Sendo assim, para que haja uma inclusão efetiva la. São Paulo: Cortez, 20015.
das crianças que apresentam esta síndrome, se faz MELLO, Ana MariaS.Ros de. O Autismo: Guia práti-
necessário ter clareza, que em todos os processos co/ Ana Maria S. Ros de Mello; Colaboração: Mariali-
de desenvolvimento de aprendizagem, ou do não ce de Castro Vatavuk.- 6.ed.São Paulo: AMA; Brsília:
aprender do sujeito, está envolvido o ensinante. Para CORDE, 2007.
tanto possíveis problemas devem ser diagnostica- NUNES, Debora Regina de Paula; AZEVEDO, Mariana
dos, prevenidos e curados, a partir de dois perso- Queiroz Orrico; SCHMIDT,Carlo. Inclusão de pesso-
nagens, aprendente e ensinante e do vínculo que se as com Autismo no Brasil: Uma revisão da literatu-
estabelece entre eles. ra. Disponível em< http://cascavel.ufsm.br/revistas/
ojs-2.2.2/index.php/educacaoespecial/article/view-
REFERÊNCIAS File/10178/pdf> Acesso em:21 fev. 2016.
OLIVEIRA, Mari Angela Calderari. Intervenção psi-
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de copedagógica na escola: Curitiba,PR: IESDE Brasil,
Educação Especial. Política Nacional de Educação 2009.
Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva .. RUBINSTEIN, Edith. Psicopedagogia: Uma prática,
Brasília: MEC/SEESP, 2008. Disponível em < http:// diferentes estilos. São Paulo: Casa do Psicólogo,
portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&- 1.999.
view=article&id=12663&Itemid=1152> Acesso em TAKEDA, Tatiana. O direito a Inclusão. São Pau-
15 fev.2016. lo, 2015. Disponível em<http://ludovica.opopular.
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Bases da Educação Nacional. LDB 9.394, 20 de de- ren%C3%A7a-1.925289/o-direito-%C3%A0-inclus%-
zembro de 1.996. C3%A3o-1.1006257>Acesso em: 19 fev.1016.
______. Estatuto da Criança e do Adolescente no Bra-
sil. Lei Nº 8.069, de 13 de julho de 1990.
______. Declaração de Salamanca e Linha de ação
sobre necessidades educativas especiais. Brasília:
UNESCO, 1994.
______. INCLUSÃO. Saberes e Práticas da: Dificulda-
des Acentuadas de Aprendizagem: Autismo – 2.ed.
rev.Brasília:MEC, SEESP, 2003.Disponível em< http://
www.autismo.org.br/site/images/Downloads/

12 INEQ - Educação integral


GESTÃO DEMOCRÁTICA
PARTICIPATIVA: A FAMÍLIA NA
ESCOLA

Felipe Alves Larsen

RESUMO for an active practice within the school, knowing


its importance in this context and its daily life, and
Este artigo aborda a atuação do gestor na escola as objectives analyze their function through the-
democrática e participativa, tendo como objetivo oretical contributions compared to their practice;
geral compreender a função do gestor educacio- besides identifying the possible instruments used
nal, identificando os instrumentos para uma prá- in the routine of their practice. This is a descrip-
tica ativa dentro da escola, conhecendo a sua tive qualitative research, a bibliographical study,
importância nesse contexto e o seu cotidiano e, seeking theoretical theorists as Luck (2011); Fer-
como objetivos específicos, analisar a sua função reira (2001); Davis (2002), among others, theoreti-
por meio de aportes teóricos em comparação com cal contributions enriching the theory used in the
a sua prática; além de identificar os possíveis ins- research. The main results pointed out that in the
trumentos utilizados no cotidiano da sua prática. educational trajectory; this professional has been
Trata-se de uma pesquisa qualitativa descritiva, forced to act, according to the new needs of the
um estudo bibliográfico, buscando-se em teóricos socioeconomic and cultural transformations in the
no assunto como Luck (2011); Ferreira (2001); Da- modern society. And for this, it should establish the
vis (2002), dentre outros, aportes teóricos enrique- direction and mobilization in joint, associated and
cendo a teoria utilizada na pesquisa. Os principais articulated actions, with the sole objective of the
resultados apontaram que, na trajetória educacio- improvement and quality of the teaching.
nal, esse profissional vem sendo forçado a atuar, Key-words: Democratic; Management; Leadership.
de acordo com as novas necessidades das trans-
formações socioeconômicas e cultural na socie- INTRODUÇÃO
dade moderna. E para isso, deve estabelecer o di-
recionamento e mobilização em ações conjuntas, A partir da Constituição Federal de 1988, que ins-
associadas e articuladas, com o único objetivo da titucionalizou a gestão democrática do ensino pú-
melhoria e qualidade do ensino. blico e que uniu, anos depois, forças com a Lei de
Palavras-Chave: Democrática; Gestão; Liderança. Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN)
nº 9.394, de 1996, com a mesma finalidade, está
ABSTRACT assegurado o princípio dessa natureza de gestão
do ensino público, não mais baseado na adminis-
This study deals with the manager’s role in the tração, mas nos princípios de gestão, por possuir
democratic and participatory school, with the ge- um caráter mais participativo para com a família
neral objective of understanding the role of the vislumbrando o melhor desenvolvimento de apren-
educational manager, identifying the instruments dizagem de qualidade.

INEQ - Educação integral


13
Partindo da análise das dificuldades sociais as famílias e a comunidade externa. (BITTAR;
como um todo, e a preocupação como futura OLIVEIRA, 2004).
pedagoga com os caminhos da educação, prin-
cipalmente políticas públicas em prol de uma Importantes transformações vêm com o pro-
participação mais efetiva por parte da família, cesso de globalização das últimas décadas,
sob a chancela de uma parceria formal firma- que afetou toda a sociedade mundial. Novas
da com a escola nesse estudo justifica-se por identidades culturais e sociais emergem. Na
inquietações da pesquisadora em aprofundar, escola, o diretor, mero administrador da escola,
em diagnosticar o papel do gestor na organiza- controlava, supervisionava e dirigia a instituição
ção de uma escola pública autônoma e parti- de acordo com as regras instituídas pelo siste-
cipativa, esclarecendo alguns questionamentos ma de ensino. Com as mudanças sociais, a es-
sobre como ocorre, de fato, a gestão desse pro- cola também foi afetada. Para Ferreira (2004),
fissional, reconhecendo quando a educação é, não se trata aqui de uma simples troca de no-
necessariamente, um ato de informação e de mes. Na verdade, é o reconhecimento da esco-
conscientização. la, como instituição marcada por relações de
consenso e conflito, resistência e contradições,
O que se observa na prática é que as escolas representando nesse sentido, espaço de demo-
públicas não vêm atingindo a tal almejada qua- cratização, transmissão de valores coletivos e
lidade no ensino. Diante dessa problemática, de consciência social.
questiona-se: quais ações o gestor da escola
pública deve executar para construir uma ges- Vale ressaltar, que ao longo da história, a
tão participativa e autônoma? educação foi marcada por uma tradição
de gestão de cunho fortemente centrali-
A educação brasileira esteve sempre marcada zador, uma herança que se instalou des-
por negligências em relação a uma real abran- de os primórdios da Colônia, passando
gência da totalidade da população, benefician- pelo império até as diferentes formas de
do somente um grupo de pessoas que estavam organização da República: uma cadeia
de mãos dadas com o poder político do contex- interminável de relações de controle, a
to histórico. Além disso, a escola não se con- centralização marcando as relações en-
figurou como um foco do interesse da gestão, tre órgãos de administração do sistema
permanecendo por muito tempo como a gran- em diferentes esferas do Poder Público,
de esquecida das políticas educacionais brasi- União, Estado e Municípios e suas rela-
leiras. ções com a escola. (BITTAR; OLIVEIRA,
2004)
Ao longo dos anos, grandes debates e discus-
sões vêm acontecendo na educação, com re- A origem da gestão participativa ou democrá-
flexões sobre a função política e social na for- tica na escola, segundo Luck (2006), está no
mação da cidadania. E a escola, aos poucos, próprio fracasso da gestão burocrática e auto-
passa a ser foco de importância nas políticas ritária, que conduziu ao fracasso da educação
educacionais no Brasil, transformando-se da pública no Brasil desde o golpe militar de 1964,
concepção de administração do cotidiano das sendo responsável diretamente pelo alto índice
aprendizagens para um sentido mais amplo, de repetência e evasão, gerando, como conse-
articulando-se não somente entre professores, quência, uma juventude marcada pela margina-
alunos e funcionários, mas envolvendo também lidade e abandono. Com a redemocratização

14 INEQ - Educação integral


controlada do país, surgiram análises e conclu- A educação, direito de todos e dever do
sões do movimento de trabalhadores da educa- Estado e da família será promovida e in-
ção, que refletiam a necessidade de se mudar centivada com a colaboração da socieda-
os rumos da educação brasileira, começando de, visando ao pleno desenvolvimento da
pela base (a escola, estudantes, professores, pessoa, seu preparo para o exercício da
pais, servidores e diretores) e por mudanças cidadania e sua qualificação para o traba-
constitucionais. lho.

1. Princípios norteadores da gestão democrá- Muitas tentativas de implementar a educação


tica como direito de todos foram feitas em diversas
escolas do Brasil. Entretanto, devido à resistên-
Uma escola que prima pela excelência no seu cia das práticas tradicionais, rotineiras, buro-
regimento está sempre buscando alternativas cráticas, monolíticas, autoritárias e centraliza-
viáveis para a elaboração e execução de seus doras, poucas foram as experiências exitosas.
planejamentos de forma a atender as expec- Para termos ensino e aprendizagem com quali-
tativas e premissas pertinentes a sua gestão. dade, com consequente formação de cidadãos
Neste contexto, surgem novos olhares sobre a competentes e humanizados, deve-se pensar
educação e o gestor passa a buscar respostas em uma parceria sólida, duradoura e produtiva
para os novos desafios que a educação encon- entre escola e família visando um bem comum:
tra frente a globalização e, sobretudo, busca for- a melhor estruturação da aprendizagem das
mas flexíveis de resolver os problemas e buscar crianças na lapidação da formação escolar e
caminhos para uma educação de qualidade. social sob iguais valores.

A gestão democrática do ensino na atu- Nisso, o eventual êxito das tentativas que con-
alidade requer mais mudanças institucio- seguiram romper o bloqueio da tradição revela
nais, mudança de paradigmas no enfo- que a gestão participativa, do ensino e da es-
que de administração para o de gestão e cola, é um caminho que se pode e se deve tri-
voltados para o empenho competente do lhar com a convicção de que é o mais viável à
acesso à melhoria da educação brasileira construção da cidadania. Segundo Cária (2014,
e sua evolução. (LUCK, 2011) p. 33):

Sendo assim, a atuação do gestor educacional Legalmente, a gestão democrática já é


é de fundamental importância na transforma- uma realidade, em algumas escolas. Po-
ção da escola, transformando-a num espaço rém, prevê a participação coletiva de pro-
vivo e atuante, sendo um mobilizador do traba- cedimentos formais e regulamentares,
lho coletivo, isto é, um articulador, uma pessoa como: a elaboração do Projeto Político
que elabora e coloca em prática o Projeto Polí- Pedagógico, os Conselhos e Colegiados,
tico Pedagógico da escola que, segundo Vieira ou equivalentes, que são processos de-
(2002, p. 88), “traduz os valores do grupo, suas mocráticos previstos apenas para as es-
intenções, seus objetivos compartilhados, esta- colas públicas.
belece prioridade, define caminhos, o eixo con-
dutor do trabalho da escola”. Ainda na opinião Estando a escola e o ensino brasileiros ainda
do autor: bastante atrelados à tradição antidemocrática
de gestão, resultado direto dos vinte anos de
INEQ - Educação integral
15
sistema político ditatorial, pelo qual passou o Assim, não há como fugir dos impactos que as
Brasil, cujas nefastas influências não desapare- mudanças, globais incitam na sociedade. Pre-
cem sem absoluta convicção de que se preci- cisa-se pensar em acompanhar as mudanças
sa lutar para se construir um novo modelo de ajustando-se às mesmas. A escola é o campo
sociedade, que passa inevitavelmente por um que produz o conhecimento da maior parte da
novo modelo de escola e de ensino. população. Ela necessita enquadrar-se dentro
da realidade em mudança constante.
Para Vandresem e Freitas (2008), as décadas
de 80 e 90 trouxeram inúmeras mudanças Esse novo espaço traz para a escola o dever de
econômicas, sociais e culturais em âmbito refletir sobre os impactos dessas influências
mundial, devido à globalização e ao acesso à nas subjetividades dos sujeitos que a frequen-
informações, conhecimentos e cultura. E esco- tam. O uso das tecnologias que hoje se fazem
la e ensino sofreram influências a partir dessas presentes cotidianamente em nossas vidas e
transformações. Em países menos preparados também na escola, podem ser uma forte alia-
para essa nova conjuntura, como o Brasil, por da no procedimento de ensino e aprendizagem.
exemplo, o impacto foi mais intenso. Somando- O gestor, nesse contexto, é fundamental como
-se ao abandono material da escola e autorita- mediador e facilitador junto à sua equipe para o
rismo da gestão e do ensino crescimento de atividades criativas usando as
novas ferramentas tecnológicas.
Para a escola pública do sertão nordestino, es-
quecida nas mesas das importantes decisões Partindo desse pressuposto, vale salientar que
educacionais do país, que fingiam querer mo- o gestor que busca as mudanças urgentes e
dernizar o ensino, com elite política oriunda do necessárias na educação, em decorrência da
coronelismo rural excludente e populista, man- complexa realidade da sociedade globalizada
tendo no cabresto, ainda, o desenvolvimento e informatizada, necessita conduzir o seu tra-
material e espiritual das massas, tais mudan- balho na escola, numa proposta interdisciplinar,
ças chegaram como um furacão na cabeça dos com vistas na superação de lacunas disciplina-
jovens que frequentavam – quando frequenta- res, assumindo a liderança dos processos de
vam – uma escola descontextualizada, arcaica transformações de forma autônoma e partici-
e caduca em seus métodos de ensino e gestão. pativa. Participação e autonomia são indícios
A mídia, com um discurso do século XXI, e a es- norteadores da parceria entre a escola e a famí-
cola com um discurso do início do século XX, lia, necessária à escola dos novos tempos. As-
provocaram grande evasão. sim, cabe a uma gestão democrática flexibilizar
a autoridade de seu regimento, sabendo que:
Segundo Vandresen e Freitas (2008, p. 7), ou- “[...] ao se distribuir a autoridade entre vários se-
tras mudanças se agregaram aos elencados tores da escola, o diretor não perderá poder, já
anteriormente: que não se pode perder o que não se tem, mas
dividindo a responsabilidade”. (PARO: 2016, p.
[...] o reflexo dessas mudanças, além do 17).
provocado pela introdução da informáti-
ca no ambiente escolar, é o processo de Desse modo, a autonomia na gestão escolar
descentralização da gestão escolar, uma corresponde a tomada de decisões certas e
das mais importantes tendências das re- rápidas para que as mudanças aconteçam no
formas educacionais a nível mundial. momento certo, e de forma efetiva, para a re-

16 INEQ - Educação integral


solução dos problemas relacionados à escola e A gestão participativa no ambiente escolar
sua capacidade de oferecer uma educação de constitui-se em uma prática que deve priorizar
qualidade aos seus alunos. É um processo que o desenvolvimento integrado de todos os agen-
vai sendo construído paulatinamente, a partir tes envolvidos no processo pedagógico. Esse
do entendimento e decisão dos participantes tipo de gestão promove a pedagogia de resul-
da comunidade escolar sobre o seu modo de tados nos trabalhos desenvolvidos pela escola.
ser e de fazer.
Os alunos tornam-se mais participativos e inte-
Portanto, o sucesso de uma escola é uma ragem com os professores, fazendo com que
construção e depende de toda a equipe esco- haja mais comprometimento com a relação en-
lar, principalmente da sua liderança. Compete a sino-aprendizagem. A relação entre gestão, pro-
ela discutir e implementar formas de avaliar às fessores e demais agentes educativos se torna,
necessidades de cada escola e assim poder re- assim, um meio capaz de possibilitar o envolvi-
forçar seus pontos fortes e promover o sucesso mento dos profissionais da escola toda, rumo à
da aprendizagem e a permanência de todos os democratização e interação da gestão escolar
envolvidos na escola. de forma que todos realmente participem.

2. Solidez na parceria Família x Escola A concepção de parceria para tamanho proveito
da aprendizagem das crianças procede de uma
O sentido de uma parceria sólida e viável a ser nova compreensão da condução das organiza-
refletida no rendimento escolar das crianças re- ções. As escolas, enquanto instituições, preci-
flete-se na maneira que ela atua junto a todas as sam de uma gestão que não seja imposta e que
instâncias que uma escola demanda. A parceria promova um ambiente de trabalho agradável,
família-escola abre-se para o coletivo e entende compreensível, que garanta um aprendizado ex-
que o comunitário precisa ter voz e vez nas de- celente, melhores qualidades de ensino e apli-
cisões que constituem uma escola solidária e cação dos recursos disponíveis para a escola.
que tem como foco que todos cresçam juntos. Todas as qualidades do gerenciamento escolar
estão relacionadas com a eficácia e eficiência
Nos dias de hoje, a instituição de ensino consti- do trabalho do gestor.
tui-se um ambiente de conhecimento cultural e
de relações humanas. O papel do gestor educa- A parceria entre escola e família para o proveito
cional deve ser definido como um líder adminis- da aprendizagem das crianças deve envolver,
trativo e pedagógico que visa o desenvolvimen- além dos educadores e funcionários, os pais,
to de todos na escola. Nesse sentido, compete os alunos e qualquer representante da comuni-
ao mesmo preparar e implementar atividades dade que esteja empenhado no processo peda-
capazes de despertar os docentes e discentes, gógico e na melhoria da escola. Construir uma
família e comunidade para as exigências que realidade educacional mais significativa implica
surgem. Também deve atuar na funcionalidade envolver todos para assumirem suas responsa-
interna e externa da escola, criando soluções, bilidades diante da efetiva realização desse pro-
compreendendo e respeitando o ser humano, jeto educacional democrático. A participação
como também, promovendo cursos, treinamen- de todos é a forma mais eficaz e democrática
tos, conferências que contribuam para me- de alcançar os objetivos da escola, os quais se
lhorar o corpo escolar. localizam na qualidade dos processos de ensi-
no e aprendizagem. Segundo Bernado e Borde
INEQ - Educação integral
17
(2016, p. 72): Deve, acima de tudo, envolver todos na partici-
pação nas tomadas de decisões que dizem res-
Atualmente no Brasil, muito se fala em peito a seus interesses, inclusive envolvimento
gestão democrática. Mas a democracia no processo da escolha de seus dirigentes. As-
não se constrói apenas no discurso, e sim sim, devem ser desenvolvidas estratégias para
mediante articulação entre direitos e de- maior participação e comprometimento da fa-
veres, necessitando de ações e de práti- mília no regimento escolar que garantam a per-
cas que possam fortificá-la. manência do aluno na escola, tendo como ho-
rizonte a universalização do ensino, garantindo
A democratização escolar e da educação deve e mobilizando diferentes atores que participam
existir para melhorar a vida dos educandos a dos sistemas de ensino nas escolas. Portanto,
fim de que seja exercida a cidadania plena de falar em gestão participativa transmite pensar
todos os alunos que acessam a escola. Essa em autonomia e participação, uma atitude de
democratização tem como objetivo promover a liderança que busca ao máximo a cooperação
igualdade na educação por meio da firmação e das pessoas, verificando os potenciais e capa-
viabilidade da parceria entre escola e família de- cidades de cada um, unindo os esforços indivi-
terminando a necessidade de uma gestão sob duais e coletivos, a fim de alcançar uma ação
um novo tipo de organização: que dirigentes es- dos grupos de trabalho participativos.
colares/educativos desenvolvam novos conhe-
cimentos, habilidades e atitudes pertinentes à A escola não deve apenas cumprir o currículo
nova concepção de educação. imposto pelas políticas. A escola que privilegia
a participação da família deve favorecer aos
Nesse contexto, a autonomia deve ser uma vir- seus alunos circunstâncias reais de cidadania.
tude que deve ser articulada na escola, permi- Uma escola pública transforma-se em agente
tindo a busca de soluções coerentes e condi- coadjuvante na formação de um indivíduo, que
zentes para concretizar esta nova proposta de saiba se expressar, que se faz entender e procu-
educação para todos e com todos. As escolas ra resolver os conflitos existentes no seu con-
devem criar meios para possibilitar a partici- texto. Usa formas democráticas para chegar
pação e a comunicação da comunidade e de a resultados, como por exemplo, as diversas
todos que fazem parte do espaço escolar de formas de comunicação, o diálogo, a troca de
modo que os sujeitos percebam a importância informações e argumentos com uma participa-
de se inserir e ver a evolução da instituição. ção coletiva.

Como agentes transformadores da realidade A escola só pode formar cidadãos autônomos
em que estão inseridos devem sentir-se à von- e críticos se a mesma for livre na construção de
tade para expressar suas ideias e opiniões no seu projeto político pedagógico, autônoma de
coletivo com a intenção de melhorar a educa- suas finanças, recursos e decisões. As escolas
ção e consequentemente a convivência pos- têm que construir sua própria autonomia a par-
sibilitando a inserção do trabalho em grupo o tir da comunidade e de todos que fazem parte
que torna a escola de fato harmoniosa com as da escola, dos problemas e das capacidades.
famílias dos alunos. No entanto, a inserção da
família nas escolas públicas não deve apenas Uma boa administração sempre é fruto da
significar o acesso da comunidade e dos alunos participação de várias dimensões, sendo que
a seus serviços. uma escola sem autonomia e sem uma ges-

18 INEQ - Educação integral


tão participativa não consegue desempenhar o resultados produzidos por ações coletivas.
seu papel social. Para ser autônoma, a escola
necessita de condições propícias, de recursos Essa autonomia deve ser trabalhada para que
humanos, materiais e financeiros, e principal- todos participem do Projeto Político Pedagó-
mente a competência, a responsabilidade e gico (PPP), onde encontrem alternativas que
o compromisso profissional dos educadores. busquem organizar um trabalho pedagógico
Para Luck (2011, p. 91): numa perspectiva crítica e participativa, sempre
visando formar cidadãos críticos e autônomos.
Entende-se que a autonomia, no contexto O PPP constitui-se um direito e um dever da es-
da educação, consiste na ampliação do cola por se tratar de um documento que norteia
espaço de decisão, voltada para o fortale- e sistematiza o trabalho. Ao mesmo tempo em
cimento da escola e melhoria da qualida- que fundamenta a autonomia da escola, permi-
de do ensino que oferece, e da aprendiza- te abertura para o processo de reflexão e ação,
gem que promove pelo desenvolvimento mediante o planejamento realizado coletiva-
de sujeitos ativos e participativos. A au- mente, onde todos devem participar positiva-
tonomia de gestão escolar é a caracte- mente nesse processo.
rística de um processo de gestão que se
expressa, quando se assume, com com- Desenvolvendo o trabalho pedagógico, a esco-
petência, a responsabilidade social de la avança para outro nível de autonomia, mais
promover a formação de crianças, jovens recíproco e com mais diálogo, onde vai mais à
e adultos, adequada às demandas de vida frente de um simples ajuntamento de planos de
em uma sociedade em desenvolvimento, ensino. Para alcançar a transformação escolar,
mediante aprendizagens significativas, a liderança escolar deve constituir-se, segundo
a partir das decisões consistentes e co- Ferreira (2001, p. 113):
erentes, pelos agentes, levando em con-
sideração, objetivamente, as condições Um processo de gestão que construa co-
e necessidades expressas desses jovens letivamente um projeto pedagógico de
e crianças, devidamente compreendidas, trabalho tem já, na sua raiz, a potência de
no contexto de sua sociedade. transformação. Por isso é necessário que
atuemos na escola com maior competên-
A autonomia deve estar em todos os indivíduos, cia, para que o ensino realmente se faça
ter sua liberdade humana e não uma liberdade e que a aprendizagem se realize, para que
limitada; tem que ter voz para suas decisões e as convicções se construam no diálogo
opiniões. No entanto, o gestor da escola pública e no respeito e as práticas se efetivem,
deve estar aberto dar o seu melhor e buscar o coletivamente, no companheirismo e na
melhor de cada um no ambiente escolar, mo- solidariedade.
tivando e sendo motivado por todos que per-
tencem à escola. Deve tornar o ambiente mais Sob tal prerrogativa, a parceria entre família de
recíproco e com mais diálogo, gerando uma au- alunos e escola na conjectura dos projetos pe-
tonomia com as práticas da própria escola. dagógicos deve criar dinâmicas para melhorar
Entende-se que a autonomia é ter decisão e do- o ensino e aprendizagem dos alunos, como por
mínio sobre seus objetivos, seu desenvolvimen- exemplo, a ação para a transformação, parti-
to e sua prática. A participação é fundamental cipação, cidadania, etc. A figura representativa
para que cada um se sinta responsável pelos dessa parceria é a de um elo de comunicação
INEQ - Educação integral
19
facilitador do trabalho em equipe, coordenando, com mais diálogo, gerando uma autonomia
valorizando iniciativas, compartilhando respon- com as práticas da própria escola. Por isso, a
sabilidades, administrando conflitos, reconhe- necessidade de ser constituídas essas parce-
cendo suas próprias limitações e valorizando a rias, respeitando as hierarquias e competências
contribuição de todos, respeitando as decisões delegadas de cada sujeito no processo, com
do grupo. competências, boa liderança e facilidade de se
incluir em grupo, pois, uma gestão escolar parti-
A escola que prima pela parceria com as fa- cipativa com as famílias dos alunos requer que
mílias dos alunos deve estar aberta às novas a equipe de trabalho seja bem capacitada para
aprendizagens no que diz respeito a sua forma assumir responsabilidades. Sempre buscando
de compreender o papel do aluno no âmbito es- o maior objetivo pelo qual a escola deve primar:
colar e na sociedade. Trabalhar de forma com- promover a aprendizagem e estar atento às ne-
petente para tomar decisões sobre os proble- cessidades educativas para um bom trabalho
mas do ambiente escolar, da organização e das participativo.
práticas na sala de aula, dentre outras.
3. O desafio das decisões a partir do coletivo
Ter domínio da organização escolar e da apren-
dizagem escolar, elaborando planos, com me- É necessário um fortalecimento maior para que
tas e ações objetivando a implementação do todos participem e tenham compromissos nas
projeto pedagógico da escola. Para o sucesso tomadas de decisões que envolvem a escola,
pedagógico da escola, é fundamental o traba- mediante um trabalho coletivo na gestão, onde
lho em equipe, em conjunto com o corpo do- todos se envolvam para obter resultados educa-
cente, comunidade, pais, alunos e todos que cionais positivos e assim alcançar suas metas.
passam pela escola. O trabalho em equipe ga-
rante o suporte e a segurança, necessários para A gestão da escola deverá abrir um caminho
o desenvolvimento de um trabalho de qualidade a seguir, proporcionando um processo de par-
e eficaz, devidamente orquestrados pela figura ticipação independente de todos que estão
do diretor (gestor escolar), o que implica salien- comprometidos com as decisões da escola,
tar que: “Quando se trata de denominar oficial- priorizando a parceria com os sujeitos diretos e
mente, por meio de leis, estatutos e regimentos, responsáveis pela formação social dos alunos
aquele que ocupa o cargo mais elevado no in- que são seus pais e responsáveis.
terior de uma unidade de ensino”. (PARO: 2015,
p. 38) Para tanto, essa mesma gestão sob a chancela
dessa parceria, necessita focar numa socializa-
A gestão de uma escola pública deve estar ção com troca de informações sobre as esco-
aberto, dar o seu melhor e buscar o melhor de lhas que serão tomadas na instituição e refletir
cada um no ambiente escolar, motivando e sen- sobre os problemas que são enfrentados dia-
do motivado por todos que pertencem à escola. riamente na mesma. Não só refletir, mas ir em
Para tanto, o fechamento da parceria com pais busca de resposta para esses problemas, tendo
de alunos tende a ser determinante para a viabi- em vista, que o papel do gestor é garantir uma
lidade na tomada e execução de ações em prol gestão eficaz e participativa, para conseguir
do melhor rendimento dos filhos e construção buscar mudanças para a escola.
do processo de ensino-aprendizagem.
Isso torna o ambiente mais solidário e A parceria entre escola e família é um dos meios

20 INEQ - Educação integral


essenciais para agir em conjunto, visando a in- do seu trabalho. Quanto à dimensão so-
teração e participação como forma de dividir cial as competências se expressam em
as responsabilidade para congregar valores no atitudes que auxiliam o estabelecimento
processo de ensino-aprendizagem e formação da interface entre o particular e o coletivo,
social doa alunos. Essa linha de pensamento promovendo articulações que agreguem
da parceria entre escola e família é entendida valor ao ambiente e amplie mais possi-
como um momento de prática coletiva por in- bilidades de aprendizagem tanto do indi-
termédio de um processo que requer necessa- víduo, quanto da organização. (GALVÃO:
riamente que todos estejam integrados direta 2012, p.137)
ou indiretamente para solucionar os problemas,
propor objetivos, resolver tomadas de decisões, A estrutura da parceria entre escola e famí-
obter planos de ação visando sempre os me- lia deve se valer de mecanismos fundamen-
lhores resultados nos processos educacionais tais para influenciar direta e decisivamente na
para uma parceria viável, competente, produtiva aprendizagem das crianças. Além do acom-
e duradoura. panhamento com as tradicionais reuniões de
pais e mestres, elementos usufruídos de forma
Essa parceria entre escola e família na toma- constante como o diálogo, a discussão coletiva,
da de decisões visando o desenvolvimento a participação e a autonomia são algumas das
e aprendizagem das crianças deve ser uma práticas indispensáveis para o processo e obje-
prática diária, com todo um planejamento e tividade da parceria em questão.
motivação para isso, requerendo um trabalho
coletivo e que tenha bastante comunicação e Em tempo: é oportuno reafirmar que algumas
que busque autonomia com a participação de dessas práticas em trabalhar uma parceria pro-
todos, havendo e consolidando a parceria pela dutiva e a longo prazo entre escola e família
interação e a compreensão de todos os envol- desenvolvem competências e conhecimentos
vidos para enriquecer o trabalho coletivo, ficará que permitem aprender com o outro, construin-
claro que a qualidade da escola dependerá da do um trabalho em conjunto e de forma efeti-
participação ativa de todos os envolvidos nesse va e sem um ferir a autoridade do outro no que
processo, priorizando e harmonizando suas de- tange as responsabilidades educacionais sobre
vidas competências, as quais: as crianças, posicionando-se, dessa maneira,
com uma postura compromissada com a im-
Estão situadas em três dimensões: téc- portância da participação consciente de todos
nica, comportamental e social. A com- os envolvidos nas decisões que permeiam os
petência técnica está relacionada com a assuntos da escola que estejam direta e indire-
capacidade de aplicar, transferir e gene- tamente ligadas e influentes na aprendizagem
ralizar o conhecimento, reconhecer e de- das crianças.
finir problemas. A competência compor-
tamental se refere às características de Em contrapartida, um dos maiores desafios en-
personalidade do indivíduo e se referem frentados pela gestão escolar no que se refere
ao espírito empreendedor, capacidade as tomadas de decisões é justamente as deli-
para a inovação, iniciativa, criatividade, mitações da participação dos pais e comunida-
liderança, vontade de aprender, abertura de que se inibem e se negam a participar dos
às mudanças, capacidade para gerir con- assuntos relacionados à escola. Diante desse
flitos, consciência das implicações éticas cenário desfavorável, passa a ser de extrema
INEQ - Educação integral
21
importância que a gestão escolar, família e to- tomar decisões coletivamente, além de ser uma
dos que permeiam a escola manifestem laços forte contribuição para a ampliação do conceito
de confiança e tracem as mesmas metas; que e da prática da democracia. Uma democracia
enfrentem juntos as situações que surgem no que incorpore mais atores, levando em conta as
dia a dia e estejam abertos ao diálogo para po- conquistas políticas, econômicas e sociais dos
derem construir uma parceria para as resolu- trabalhadores brasileiros. E é na escola, abrigo
ções de problemas que acontecem no ambien- da coletividade que tem sede de conhecimento,
te escolar. que ela pode ser exercitada e ser fortalecida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS

Com a finalidade de compreender a função do BERNADO, Elisangela da Silva; BORDE, Amanda Mo-
reira. PNE 2014-2024: uma reflexão sobre a meta 19
gestor educacional, identificando os instrumen- e os desafios da gestão democrática. Revista Edu-
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nhecendo a sua importância nesse contexto e BITTAR, Mariluce; OLIVEIRA João Ferreira. Gestão e
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o seu cotidiano, identificando os instrumentos BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Na-
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munidade escolar, este estudo foi direcionado, nível em: <http://portal.mec.gov.br>. Acessado em:
01 de Maio de 2019.
no sentido de contribuir efetivamente para a CÁRIA, Neide Pena; SANTOS, Mileide Pereira. Gestão
melhoria do processo de ensino e de aprendi- de democracia na escola: limites e desafios REGAE:
zagem. Uma vez que no contexto da educação Rev. Gest. Aval. Educ, Santa Maria, v. 3, n. 6, jul./dez.
2014.
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tão de ensino dinâmica e participativa, que su- em sala de aula. Cadernos de pesquisas, 2002, n. 71.
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ca da Educação: ressignificando conceitos e possibi-
vista tamanha complexidade dos problemas lidades. In: AGUIAR, Maria Ângela da S.(org.). Gestão
educacionais na sociedade contemporânea. da Educação: Impasses, perspectivas e compromis-
sos. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2004.
GALVÃO, Veronica Bezerra de Araújo; SILVA, Anielson
Os principais resultados apontaram que, na Barbosa da; SILVA, Walmir Rufino da. O desenvolvi-
trajetória educacional, esse profissional vem mento de competências gerenciais nas escolas pú-
sendo forçado a atuar de acordo com as novas blicas estaduais. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.
38, n. 1, 2012.
necessidades das transformações socioeco- LUCK, Heloísa. Gestão Educacional: uma questão
nômicas e cultural na sociedade moderna. E, paradigmática. 9. ed. vol. 1. Rio de Janeiro: Vozes,
para isso, deve estabelecer o direcionamento e 2011.
________. Liderança em gestão escolar. 7. ed. vol. IV.
mobilização em ações conjuntas, associadas e Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2011.
articuladas, com o único objetivo da melhoria e OLIVEIRA, Dalila Andrade (org.). Gestão democrática
qualidade do ensino. da educação: desafios contemporâneos. Petrópolis:
Vozes, 2008.
PARO, Vitor Henrique. Diretor escolar: educador ou
O tema gestão democrática e participativa na gerente? São Paulo: Cortez, 2015.
escola é de suma importância para a socieda- ________. Administração escolar: introdução crítica.
14 ed. São Paulo: Cortez, 2016.
de brasileira contemporânea, que experimenta VANDRESEN, Ana; FREITAS, Maria. Conhecimentos
o sabor dos frutos de uma democracia cada administrativos necessários para o gestor escolar.
vez mais inclusiva e abrangente, porque esse São Paulo: Cortês, 2008.
VIEIRA, A. T. Almeida; M.E.B; ALONSO, M. Gestão es-
tipo de gestão é um exercício cotidiano da de- colar e tecnologias. São Paulo: Avercamp, 2002
mocracia, que habitua a comunidade escolar a

22 INEQ - Educação integral


ALFABETIZAÇÃO PRECOCE

Glauce Rossi Quilici¹

RESUMO How old a child must be to be literate? Is there an


right age? Such questions are part of the parents
Qual a idade ideal para uma criança ser alfabeti- and teachers doubts, mostly, as soon as the child
zada? Existe idade certa? Perguntas assim fazem complete three or four years old. Against the reali-
parte das dúvidas dos pais e professores, na maio- ty, the research aims to address the literacy in early
ria das vezes, logo que a criança completa de três childhood education. This topic refers to questions
a quatro anos. Frente a esta realidade, a pesquisa about the early literacy. Based on the assumption
pretende abordar a alfabetização na educação in- that many schools, mainly the particulars, offer a
fantil. Esse tema se refere a questionamentos so- teaching focused on learning to read and to wri-
bre a alfabetização precoce. Partindo-se do pres- te in early childhood education, it has been hypo-
suposto de que muitas escolas, principalmente thesized that many times delimits the functions of
as particulares, ofertam um ensino basicamente the pre-school and therefore less the play in early
voltado em aprender a ler e escrever na educação childhood. This study presents a reflection on a the
infantil tem-se como hipótese de que muitas vezes advantages and disvantages of literacy before six
se delimita as funções da pré-escola e, portanto, year old. For this will be discussed some contribu-
diminui o brincar na primeira infância. Este estudo tions of several authors of education about literacy
apresenta uma reflexão sobre as vantagens e des- studies in early childhood education. The research
vantagens da alfabetização antes dos seis anos. uses the qualitative methodology presenting bi-
Para isso serão discutidas algumas contribuições bliographic analysis and interpretation of the data
de diversos autores da educação, como Emília Fer- collected. This study very importante for both tea-
reiro e Telma Weiz, acerca de estudos sobre alfa- chers ans parents, because with the exchange of
betização na educação infantil. A pesquisa utiliza experiencies everyone will grow.
metodologia qualitativa apresentando análise bi-
bliográfica e interpretação dos dados levantados. Keywords: Literacy; Kindergarten; Teaching-lear-
Esse estudo é muito importante tanto para profes- ning.
sores e pais, pois com a troca de experiências to-
dos terão crescimento. INTRODUÇÃO

Palavras-chave: Alfabetização; Educação infantil; O pai de um aluno de dois anos conta que o filho já
Ensino-aprendizagem. sabe o nome de todas as letras e contar até dez. O
próximo passo será de que a criança aprenda a ler
ABSTRACT e escrever. A mãe de uma menina de quatro anos
está aflita porque a professora não ensina a ler e

Graduada em Letras na Universidade São Judas Tadeu – USJT 1; pós-graduada em Alfabetização e Letramento. Profes-
sora de Educação Infantil e Ensino Fundamental I desde 1990. Contato: glaucerossi@gmail.com
INEQ - Educação integral
23
escrever, como antigamente. Ela acredita que a letras espontaneamente. Que isso seja tratado
filha não conseguirá acompanhar os estudos como brincadeira, então.
no 1º ano . Estes exemplos fazem parte das
preocupações dos pais, na maioria das vezes, Outra questão é que um bom número dessas
logo que a criança completa de três a quatro crianças não aprende a ler e a escrever passa
anos. a apresentar o que se convencionou chamar de
dificuldade de aprendizagem. Isto ocorre porque
Percebo, como professora, muitas vezes uma nem toda criança se interessa por aprender a ler
ansiedade por parte dos pais no encaminha- e a escrever ou simplesmente não está pronta
mento de seus filhos à escola, dos professores para enfrentar o processo de alfabetização. As
por terem que alfabetizar as crianças na pré- crianças , no entanto, costumam ser suspeitas
-escola e de muitas escolas que passaram a de apresentar distúrbio de aprendizagem.
ofertar estímulos para a alfabetização precoce.
Os pais, em geral ficam satisfeitos com esse Esse estudo apresenta uma abordagem quali-
procedimento e orgulhosos das conquistas dos tativa, pela caracterização da necessidade de
filhos. Mas essa atitude é boa para as crianças? interpretação dos dados da realidade, visto que
A pesquisa a esse respeito visa encontrar um analisa o processo de alfabetização das crian-
caminho para refletir sobre os aspectos da in- ças antes dos seis anos.
trodução precoce da leitura e da escrita, bem
como o papel da educação infantil no desenvol- Trata-se de um caminho metodológico que
vimento das crianças. apresenta uma pesquisa bibliográfica para aná-
lise e interpretação dos dados, fundamentada
A discussão sobre alfabetização precoce está na reflexão de leituras de textos, de autores di-
posta há tempos e muitos especialistas se divi- versos (livros, enciclopédias, e outros). Nesse
dem em posições opostas. Além de analisar as sentido, o trabalho deverá apresentar as princi-
posições de especialistas, outro caminho seja pais discussões sobre o tema entre os especia-
pensar em alguns efeitos da introdução pre- listas através da leitura, análise e interpretação
coce da leitura e da escrita. O questionamento das idéias dos autores, enfocando a função da
que a temática envolve nos reporta a uma revi- educação infantil e qual a sua relação com a al-
são da prática educativa na educação infantil, fabetização.
tratando de um assunto de interesse de pais e
educadores. 1. Alfabetização precoce

O que acontece atualmente é uma grande pre- A alfabetização precoce, dúvida de muitos pais
ocupação dos envolvidos em alfabetizar crian- e educadores, está sendo adotada por muitas
ças até seis anos, tornando prioridade o ensino escolas infantis. A tendência não agrada a boa
ler e escrever, esquecendo-se de que o brincar é parte dos especialistas, que dizem que a alfabe-
tão importante quanto nesta fase de desenvol- tização exige certo grau de maturidade a qual
vimento da criança. as crianças de até sete anos de idade não de-
senvolveram e que a função da pré-escola não
Através dos olhares que norteiam essa pesqui- é a de alfabetizar. Outros, porém, defendem a
sa, é evidente que a alfabetização precoce con- antecipação de aprender a ler e escrever.
tribui para o desaparecimento da infância. Até Segundo alguns especialistas existe uma hora
os seis anos, o mais importante é brincar livre- certa para a criança desenvolver cada habilida-
mente para desfrutar o que pode da primeira in- de. Acreditam que os alunos devem aprender a
fância. Claro que algumas se interessarão pelas ler e escrever a partir dos sete anos. Nessa fase,

24 INEQ - Educação integral


o cérebro da criança já teria desenvolvido habili- seguem o modelo de preferência da diretoria e
dades como o poder de concentração e a coor- de seu público-alvo, por exemplo, colégios vol-
denação visual e motora, entre outras. Estariam tados para alunos da classe alta e média alta
preparados, portanto, para absorver uma carga tendem a alfabetizar crianças a partir de qua-
maior de ensinamento dentro da sala de aula. tro anos de idade, pois a maioria dos pais desta
Poersch (1992) afirma “a alfabetização, em ge- classe acredita que quanto mais cedo o apren-
ral, se processa por volta dos sete anos. A al- dizado maior a chance da criança ter sucesso
fabetização exige um determinado estágio de na vida profissional quando adulto.
amadurecimento global. Enquanto esse estágio
não tiver sido atingido pela criança, não convém No caso das escolas públicas, elas seguem a
forçá-la a adquirir uma habilidade para a qual política governamental, agora com o ensino
ainda não está preparada”. fundamental de nove anos, as crianças em tese
começam a ser alfabetizadas aos seis anos de
Para esses pesquisadores a aquisição da es- idade, quando ingressam no primeiro ano do
crita tem um papel fundamental no desenvol- fundamental. Estas crianças egressas da edu-
vimento cultural e psíquico da criança, pois do- cação infantil público, tendem na prática a te-
minar a escrita significa dominar um sistema rem o primeiro contato com letras e números
extremamente complexo que envolve grande em os quatro e cinco anos, porém algo básico
amadurecimento neuropsíquico. para apenas se familiarizem com o alfabeto e
estarem preparadas para serem alfabetizadas
Outros estudiosos sobre o tema não veem gran- a partir dos seis anos de idade. Como tendem
des problemas no processo de alfabetização a retardar um pouco mais o início da alfabetiza-
precoce. Kramer e Abramovay (1986) acredi- ção, as escolas públicas têm um ambiente mais
tam “que não há qualquer tipo de impedimento aconchegante para as crianças, onde a cobran-
teórico ou argumentação que justifique a im- ça é mínima e ainda se valoriza muito o brincar.
possibilidade de se alfabetizar na pré-escola”. Outros especialistas defendem que criança tem
Para Cagliari (1999) “aos cinco anos uma crian- de ser criança. Na primeira infância, o brincar
ça está mais do que pronta para ser alfabetiza- deve ser a única responsabilidade da criança.
da [...], nesta idade, ela já conheceu e aprendeu Propiciar atividades lúdicas, como forma de de-
muita coisa da vida, do mundo e até da história, senvolver a percepção e alimentar a curiosidade
já testou sua participação na sociedade, seu re- infantil, é dever da escola e dos pais. Apressar o
lacionamento com pessoas diferentes”. aprendizado, pulando importantes etapas, pode
gerar problemas no futuro como há casos de
Vvgotsky (1992) também ressalta “que ensi- crianças que chegam ao ensino fundamental já
nar a escrita nos anos pré-escolares impõem desmotivadas.
necessariamente que a escrita seja relevante
à vida (...) que as letras se tornem elementos O segundo efeito da alfabetização preco-
da vida das crianças, da mesma maneira como, ce é que ela contribui para o desapareci-
por exemplo, a fala, elas podem muito bem mento da infância. (...) Até os seis anos, o
aprender a ler e a escrever”. mais importante é brincar livremente para
desfrutar o que pode da primeira infância,
Fica claro que existe uma grande divisão de que dura tão pouco. Claro que algumas
ideias entre os especialistas do tema e por este se interessarão pelas letras espontanea-
motivo ainda não se chegou a um consenso, mente. Que isso seja tratado como brin-
por consequência, cada escola segue um cami- cadeira, então. Acelerar a aprendizagem
nho diferente. As escolas privadas geralmente na esperança de uma melhor formação

INEQ - Educação integral


25
para o futuro é ilusão e equívoco de nossa para ensinar as letras só a partir dos seis ou
parte. (SAYÃO, 2009) sete anos. Hoje sabemos que o mais impor-
tante, sem nenhuma dúvida, é oferecer um am-
O brincar tem papel importante na construção biente em que a linguagem escrita esteja muito
do conhecimento e no desenvolvimento infantil, presente e convidar as crianças a participar de
levando a criança a se descobrir, compreender atividades de leitura e escrita.
a si mesma e seus sentimentos e o funciona-
mento do mundo em que vive. A brincadeira es- Este tipo de ambiente em prol da leitura e da
pontânea e a fantasia são atividades essenciais escrita deve começar na família. Em qualquer
no desenvolvimento infantil e que propiciarão que seja o tipo de escola que a criança frequen-
o aprendizado e a alfabetização no momento te, quando a família ou ao menos uma pessoa
oportuno. Brincando, a criança está formando próxima da criança (pai, mãe ou irmãos) tenha
as bases necessárias para adquirir a linguagem o hábito de ler e compartilhe com a criança,
escrita. lendo histórias e inspirando a criança a gostar
de livros, além de facilitar o contato desta com
Há casos de escolas que insistem demais em papel e lápis para “copiar” o que o adulto está
atividades de cópia simples e não tem leitura fazendo, isto resulta muitas vezes na alfabetiza-
de livros infantis. Certamente a aprendizagem ção precoce da criança sem pressão ou obriga-
da linguagem escrita pode mais divertida em ção, na base da brincadeira a criança aprende
um local cheio de livros, revistas, papéis e em a decodificar os símbolos e até desenvolver a
que as professoras escrevem com os alunos e escrita, facilitando seu aprendizado quando in-
para eles. Quando nenhuma criança é forçada gressar no primeiro ano do fundamental.
a copiar e a decorar e todas são encorajadas a
brincar de ler e escrever, os resultados positivos A pré-escola deveria permitir a todas as
podem ser surpreendentes. crianças a liberdade de experimentar os
sinais escritos, num ambiente rico em es-
Percebe-se que muitas crianças apresentam critas diversas, ou seja: escutar alguém
dificuldades relacionadas à aprendizagem na lendo em voz alta e ver adultos escreven-
alfabetização, que leva pais e professores a tra- do; tentar escrever, tentar ler utilizando
tarem o aluno como portador de dificuldade de dados conceituais, assim como reco-
aprendizagem. No entanto, o que muitas vezes nhecendo semelhanças e diferenças nas
acontece é a cobrança exagerada, a exigência séries de letras; brincar com a linguagem
na hora de aprender a ler e escrever. para descobrir semelhanças e diferenças
sonoras. (FERREIRO, 2001, p.102)
Como a escola, em geral, não tem meto-
dologia para lidar com grupos de alunos A pesquisadora Ferreiro afirma ser a alfabeti-
com diferenças de ritmos e de maturida- zação precoce uma questão mal colocada, já
de entre si, acaba por tratar a média como que a pergunta não é discutir se ela é correta ou
norma. Assim, crianças que não se situ- equivocada, mas de propiciar à criança o aces-
am nessa média costumam ser suspeitas so às várias formas de linguagem.
de apresentar algum distúrbio de aprendi-
zagem. (SAYÃO, 2009) Assim como os objetivos da alfabetização
do início da escola primária necessitam
Antigamente existia um receio de que a alfabe- redefinir-se, também necessita-se redefi-
tização precoce forçasse demais o ritmo das nir-se os objetivos da pré-escola com res-
crianças. Achava-se que o ideal era esperar peito à alfabetização. Não se trata, nesse

26 INEQ - Educação integral


nível, nem de adotar as práticas ruins da que “a principal vantagem da pesquisa biblio-
escola primária, seguindo este ou aquele gráfica reside no fato de permitir ao investiga-
método de ensinar a ler e a escrever, nem dor a cobertura de uma gama de fenômenos
de manter as crianças afastadas de todo muito mais ampla do que aquela que poderia
o contato com a língua escrita. Esta é pesquisar diretamente”.
uma falsa dicotomia que se expressa na
famosa pergunta: deve se ensinar a ler e O levantamento das informações foi um pri-
a escrever na pré-escola ou não? Minha meiro passo para conhecer melhor o assunto.
resposta é simples: não se deve ensinar, Abrangeu a leitura, análise e interpretação de
porém permitir que a criança aprenda. livros, periódicos, arquivos eletrônicos, docu-
(FERREIRO, 2001, p.38) mentos. Selecionei os autores mais significa-
tivos da área como. Foram selecionados tam-
Ao entrarem em contato com as letras, a crian- bém artigos de especialistas em sites.
ça manifesta o interesse pela escrita e fica mais
sensibilizada para a descoberta deste mundo, Ao final do processo de busca, em posse de um
mas o processo de alfabetização vai muito bom número de informações, estas foram sis-
além disto. De acordo com a autora Emília Fer- tematizadas e organizadas. Todo material reco-
reiro (2011) “a alfabetização é importante, mas lhido foi submetido a uma triagem, a partir da
não primordial na fase da educação infantil. Os qual foi possível estabelecer uma leitura atenta
educadores devem conscientizar-se que a alfa- de anotações e fichamentos. A leitura fez esta-
betização é muito mais do que ensinar a ler e a belecer relações entre as informações obtidas
escrever, sendo um processo longo, contínuo e e o problema proposto e analisar criticamente
complexo”. as informações e dados apresentados pelos
autores.
2. Metodologia
Interpretar num sentido restrito, é tomar
Durante meu trabalho de pesquisa optei pelo uma posição própria a respeito das ideias
formato qualitativo, onde o pesquisador levan- enunciadas, é superar a estrita mensa-
ta dados do assunto e faz, através dessas in- gem do texto, é ler nas entrelinhas, é for-
formações, uma análise crítica da realidade. çar o autor a um diálogo, é explorar toda
Segundo Tozoni-Reis “a pesquisa qualitativa a fecundidade das ideias expostas, é co-
defende a ideia de que, na produção de conhe- tejá-las com outras, enfim, é dialogar com
cimentos sobre os fenômenos humanos e so- o autor. (SEVERINO, 1985, p.60)
ciais, interessa muito mais compreender e inter-
pretar seus conhecimentos que descrevê-los”. A partir dessa leitura crítica e seletiva a respei-
No caso é uma pesquisa bibliográfica, em que to de um tema, o próximo passo foi a constru-
os dados coletados são de fonte de autores ção do referencial teórico a respeito do assunto
especialistas no tema. Optei por esta, consi- escolhido. Com esse material somado ao meu
derando que os materiais científicos fornecem conhecimento prático com experiência docen-
subsídios para um embasamento teórico, favo- te, pude então fazer as considerações finais na
recendo a aquisição de conhecimentos mais conclusão do projeto de pesquisa.
abrangentes e possibilitando, também acesso
a um maior número possível de informações CONSIDERAÇÕES FINAIS
sobre o tema – problema.
Realizar esse artigo em torno de alfabetização
Sobre a pesquisa bibliográfica, Gil (1996) afirma na educação infantil foi muito importante para

INEQ - Educação integral


27
que pudéssemos refletir como esta questão a criança, de onde ela deverá ser alfabetizada
motiva, gera, diferentes opiniões de estudiosos sem pressa e com qualidade, estando prepa-
sobre a antecipação do ler e escrever na pré-es- rada para uma vida continuada de estudos e
cola. aprendizado.

Existem diferentes linhas de pensamento, mas Finalizando, o papel do professor a cada dia
este estudo me fez acreditar que não há a idade está mais abrangente, ele precisa ir além da al-
certa para a alfabetização, o que existe é o mo- fabetização, sempre pensando na criança com
mento certo. Assim a própria criança é quem um indivíduo que necessita aprender coisas tão
mostrará qual é o melhor momento para apren- importantes como as matérias básicas. Res-
der a ler e a escrever, verificamos isso quando peitar as pessoas, o meio ambiente, exercer a
ela nos procura, nos faz perguntas, mostra-se cidadania, aprender sobre valores, higiene, res-
ávida por saber e descobrir coisas novas. ponsabilidade e tudo o que for possível para a
O mais importante é propiciar um ambiente em criança se tornar um adulto responsável.
que o mundo letrado e suas diferentes lingua-
gens estejam presentes na escola. Oferecer um REFERÊNCIAS
ambiente em que a linguagem escrita esteja
muito presente e convidar as crianças a par- FERREIRO, Emilia. Com todas as letras. 10. ed..
ticipar de atividades de leitura e escrita. Ouvir São Paulo: Cortez, 2001.
histórias, brincar com livros, brincar de rabiscar ________. Reflexões sobre alfabetização: Tradu-
são atividades que podem ser iniciadas desde ção Horácio Gonzales (et. al.), 24. ed. atualiza-
cedo. Os atos de ler e escrever devem ser cul- da. São Paulo: Cortez, 2001. (Coleção Questões
tivados, mas jamais impostos. Ao professor e da Nossa Época; v.14).
as escolas cabem a reflexão sobre as práticas GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de
de linguagem e a necessidade de ressignificar pesquisas. 3ª edição. São Paulo: Atlas, 1.996.
e de reorganizar os espaços na pré-escola, de KRAMER, Sonia & ABRAMOVAY, Miriam. Alfabe-
modo a ser um ambiente de curiosidade e de tização na pré-escola: exigência ou necessida-
descoberta. de. Rio de Janeiro: Dois Pontos, 1986
MASSINI-CAGLIARI, Gladis; CAGLIARI, Luiz Car-
A alfabetização requer um longo período de los. Diante das letras: a escrita na alfabetização.
aprendizagem, que está longe de se esgotar na Campinas, SP: Mercado de Letras/ALB/FAPESP,
pré-escola e no primeiro ano de escolaridade, 1999.
como muitas pessoas imaginam. POERSCH, José Marcelino; SMITH, Marisa Mag-
nus ; KESSLER, Magda; GERKE, Nara Augustin.
Por outro lado, grande parte dos pais nos dias O domínio do código escrito: um saber constru-
de hoje desejam que seus filhos aprendam tudo ído. In: Jose Marcelino Poersch. (Org.). Alfabeti-
o que for possível o mais rápido, muitas vezes zação, uma construção cognitivo-social. Porto
pressionando a criança que poderá se sentir Alegre: Edipucrs, 1992.
sendo cobrada e desenvolver problemas como SAYÃO, Rosely. Alfabetização Precoce. São
ansiedade e deficit de atenção. Paulo: 30, abr. 2009. Disponível em < http://blog-
daroselysayao.blog.uol.com.br/arch2009-04-
O educador também tem a responsabilidade de 16_2009-04-30.html>. Acesso em 10 jan.2011.
informar os pais, mostrando-os que cada crian- SEVERINO, A. J. Metodologia do trabalho cientí-
ça tem seu ritmo de aprendizado e o nível de fico. São Paulo: Cortez, 1985.
cobrança deve ser adaptado a este fato. Mos- VYGOTSKY, Lev. Linguagem, desenvolvimento e
trar que a escola é um local de alicerce para aprendizagem. São Paulo: Ícone, 1992.

28 INEQ - Educação integral


ALFABETIZAÇÃO E
FRACASSO ESCOLAR:
FAMÍLIA, ESCOLA E
PSICOPEDAGOGIA

Luciana Lapa Xavier Galvão

RESUMO day, in a reality in which the diverse scopes that the


student circulates, either in the school with practi-
Este artigo tem o intuito de expor como o profissio- ces that do not stimulate the learning , or in their
nal psicopedagogo interage nos diversos âmbitos family environment, which offers no resources to
da realidade escolar e familiar, e investiga como a motivate their literacy. In this context it is the help
intervenção pode ajudar na alfabetização quando of a psychopedagogue, which brings the diagno-
acontece o quadro do fracasso escolar. Faz-se ne- sis to analyze the learning problems and, to that
cessário uma grande renovação das práticas es- end, takes into account cognitive, emotional and
colares, pois a cada dia se torna evidente o quadro organic aspects. With this analysis he can act in
caótico da realidade escolar pública brasileira, em the various fields to search for understanding and
uma realidade na qual os diversos âmbitos que o intervention in the student’s reality.
aluno circula, seja na escola com práticas que não Keyword: School failure; Learning; Literacy; Psy-
estimulam o aprendizado, ou em seu seio familiar, chopedagogy.
que não oferece nenhum recurso para motivar sua
alfabetização. Nesse contexto cabe o auxílio de um INTRODUÇÃO
psicopedagogo, que traz o diagnóstico para ana-
lisar os problemas de aprendizagem e que, para No âmbito da escola pública é normal ouvir falar
tanto, leva em conta aspectos cognitivos, emocio- em dificuldade de aprendizagem e fracasso esco-
nais e orgânicos. Com essa analise ele pode atuar lar em todos os níveis de ensino. Porém, as pesqui-
nos diversos campos para busca da compreensão sas mostram que os problemas mais sérios estão
e intervenção na realidade do aluno. na fase de alfabetização.

Palavras-chave: Fracasso escolar; Aprendizagem; A leitura e a escrita têm um valor inestimável para
Alfabetização; Psicopedagogia. nossa sociedade, pois essas ferramentas nos
trazem facilidades para a construção de conheci-
ABSTRACT mentos necessários para atuarmos em diversos
campos da nossa sociedade. Porém, em várias si-
This article aims to explain how the professional tuações a escola nega a possibilidade do aluno co-
psychopedagogue interacts in the various do- locar em jogo o que sabe, para conseguir aprender
mains of school and family reality, and investigates o que a escola tem para ensinar. Com atividades
how intervention can help in literacy when school estruturadas a partir do adulto e não da sua rea-
failure occurs. It is necessary a great renewal of lidade extraescolar. Com o intuito de pesquisar a
school practices, as the chaotic picture of the Bra- forma como a intervenção psicopedagógica pode
zilian public school reality becomes evident every contribuir para a prevenção do fracasso escolar,

INEQ - Educação integral


29
este artigo quer refletir através de revisão bi-
bliográfica a atuação conjunta da família e da Formas de atuação para a prevenção dessa si-
escola frente essa questão. tuação indagam em relação a trazer ferramen-
tas e subsídios para sala de aula, que auxiliem
Esta mesma indagação é feita por Weiss ( 2012. e encorajem os professores, pois o que é perce-
p.15 ): bido na prática é o mau uso das orientações e
estratégias dos teóricos e pesquisadores. Um
Será que como profissionais de educação descaso e, de certa forma, uma maneira de
e saúde, estamos realmente preparados mascarar e encobrir o que é utilizado realmente
para lidar com diferenças entre os alunos? em sala de aula. Muitos métodos, práticas pe-
Como encarar nossa dificuldade pessoal dagógicas e várias tentativas e mais uma vez
de lidar com as diferenças entre nossos fi- muito descaso, pois presenciamos o desprepa-
lhos, alunos, clientes, colegas de trabalho, ro e a continuidade da realidade dos mesmos
amigos, pessoas em geral? A questão es- instrumentos e atividades utilizados, que não
tará no domínio biológico, cognitivo, afeti- auxiliam nem um pouco para a mudança de pa-
vo ou social? Todo novo é sempre amea- radigmas.
çador; a mudança interna necessária para
compreendermos a diferença que existe O nosso interesse frente a esse problema é pes-
no outro, no externo, além de ser amea- quisar quais as possibilidades de atuação para
çadora, pode paralisar nossas ações. Não o psicopedagogo e intervenção nesse contexto
será mais fácil lidar com filhos, alunos ou de realidade escolar e familiar frente ao quadro
pacientes que sejam “iguais”? Dizemos do fracasso escolar?
sempre que justiça é tratar igual a todos.
Justiça não seria tratar de modo diferente O ambiente familiar e escolar cumprem papéis
a quem é realmente diferente? Dar a cada importantes na alfabetização contra o fracasso
filho ou aluno de acordo com sua verda- escolar, nessa realidade existe uma necessida-
deira necessidade? Não confundir leis de de parceria e cumplicidade, de um olhar mais
gerais da sociedade com relação pessoal, humano. A forma com que é imposta a apren-
dual, em momentos de educação familiar dizagem da leitura e da escrita para crianças
e escolar? O que é ser diferente? Diferen- em sala de aula é totalmente equivocada em
te de quê? De quem? Em relação a quê? relação como a criança entende essa apren-
Para quem? Em que momento? dizagem.

As questões levantadas são para uma profun- As pesquisas mostram a grande realidade:
da reflexão em relação ao fracasso de nossos
alunos e nos remete a seguinte questão: o [...] estamos convencidos de que uma
problema pode estar no sistema educacional verdadeira transformação da escola, não
como um todo? Segundo Bossa (2011) apud uma transformação dos métodos mas
Guilherme (2011, p.2), os alunos que estão con- sim da relação aluno-professor-conteú-
cluindo o ensino fundamental e saem sem ler do, pode resultar em um fator que desde
e escrever e operar as quatro operações, saem de seu interior contribua para diminuir
dessa forma por conta de várias situações que parte do fracasso. Dito mais facilmente:
vão desde qualidade de ensino, que para ela é a nós docentes não podemos solucionar
questão primordial, até à desestrutura familiar. na sala de aula as carências materiais de
E numa escala menor, problemas de saúde físi- nossos alunos e todas as consequências
ca e emocional. físicas e psíquicas, mas sim, está em nos-

30 INEQ - Educação integral


sas mãos optar por métodos alternativos escrita, como também as de cálculo, po-
de nos relacionarmos com eles […]. (KAU- derá sofrer consequências dessa lacuna
FMAN, CASTEDO, TERUGGI e MOLINARI, por toda a vida, visto que, se não forem
1998, p. 14) superadas, não será capaz de enfrentar
situações em que se faça necessário o
1. Fracasso escolar domínio dessas habilidades, a menos que
tenha acesso a oportunidades educacio-
O fracasso escolar exige uma profunda reflexão nais reparadoras quando adulta.
e nos mostra que a educação precisa de uma
avaliação constante, indagando qual os seus Para Soares (2003) apud Silva (2009, p.3):
alicerces para que os atores desse contexto não
se percam no caminho. A educação está diante No entanto, não há, para o persisten-
de um quadro caótico, e coloca diante de nós te fracasso na alfabetização em nosso
estudantes que não aprendem e professores país, um único fator determinante Soares
que não ensinam. Uma cultura em que a bus- (2003) nos alerta para os múltiplos con-
ca pelo culpado desse problema acaba sendo a dicionantes desse problema criticando o
própria vítima. Nesse sistema a culpa, na maio- modo simplista com que o mesmo tem
ria das vezes, pela dificuldade de aprendizagem, sido considerado ao longo da história, ora
é do aluno e sua família, introjetando também responsabilizando os métodos de ensi-
a culpa pelo fracasso escolar. O comum nessa no ou os materiais didáticos utilizados;
estrutura, é a comunidade escolar, incluindo a ora atribuindo- o ao próprio aluno, iden-
própria sociedade querer se livrar da responsa- tificando no mesmo, dificuldades cogni-
bilidade e depositá-la na estrutura familiar. tivas, perceptomotóricas ou linguísticas;
ora culpabilizando seu contexto cultural
Aprendizagem escolar insatisfatória, baixo ren- de origem, identificando-o como pobre
dimento do aluno, defasagem idade - série, eva- em termos culturais; ou, ainda, imputan-
são e dificuldades escolares: percebemos que do essa responsabilidade ao professor
apesar de muitos esforços dos vários âmbitos, – à sua incompetência profissional – por
as práticas escolares das escolas públicas não supostamente não ter uma formação
mudam, os objetivos estão distantes de serem a adequada, o que se traz na não aprendi-
expressão da verdade e de alcançarem as com- zagem dos a alunos. Cada um desses
petências e habilidades necessárias para uma diferentes modos de explicar o fracasso
ideal aprendizagem. Segundo o INEP (2006) da escola em alfabetizar todos reflete, por
apud Silva (2009, p.6) “[…] Em relação à situa- sua vez, concepções acerca do processo,
ção de décadas anteriores, os dados revelam bem como dos elementos envolvidos.
que as políticas ainda não atingem suas me-
tas de modo efetivo, visto que no Brasil há uma
taxa de reprovação de 13% e 7,5 de abandono A reflexão precisa ser coletiva para alcançar a
no Ensino Fundamental na escola pública”. Se- todos e rever os processos de aprender e de
gundo o relatório da UNESCO (2006) apud Silva produzir a dinâmica do ensino-aprendizagem.
(2009,p.3). Para que o processo do fracasso escolar seja
superado, precisamos de uma escola democrá-
Uma criança a quem é negado o direito tica e ter um compromisso de uma escola não
a uma Educação Infantil e a um Ensino só para todos, mas de todos. Procurar novos
Fundamental de qualidade social que lhes caminhos e ideais condizentes com a realidade
possibilitem as habilidades de leitura e de de cada contexto, lembrando que o insucesso
INEQ - Educação integral
31
que persiste também deve desafiar, nos mos- níveis […]. (KAUFMAN, CASTEDO, TERUG-
trando a cada dia que uma escola que é feita GI e MOLINARI, 1998, p. 7)
para todos precisa se perguntar a todo momen-
to o que é educação? Quais são suas bases? Na alfabetização, a aprendizagem não se dá da
Qual sua finalidade? mesma forma para todos, mas todos chegam
com algum conhecimento que poderão, na hora
A busca pela efetivação de um projeto de es- certa, com intervenções e ajuda do professor,
cola que traz os princípios de igualdade, so- colocar em jogo. Ao longo do caminho, a alfabe-
lidariedade, participação e liberdade, precisa tização vai acontecendo e o aluno vai se apro-
ser perseguido como meta, para a realização priando da escrita e da leitura como ferramenta
do efetivo processo de aprendizagem. Em um para atuar e descobrir ainda mais a sociedade.
contexto escolar e social mais amplo na de-
terminação do fracasso, os fatores formação Para a alfabetização acontecer de uma forma
e motivação de docentes, métodos de ensino, significativa, e afastar a realidade do fracasso
formas de avaliação, relações interpessoais na escolar, a prática na sala de aula tem que ser
sala de aula, concepções sobre fracasso que dinâmica e totalmente reflexiva. A existência de
são adotadas, além da infraestrutura e do ma- atividades planejadas com a intenção de desa-
terial didático-pedagógico precário das escolas fiar o aluno e o estimular. Nesse momento, o
são apontados como relacionados ao fracasso aluno está em processo de aprendizagem atu-
escolar. ando confiante e acreditando que é possível, o
professor atuante está ao lado mediando e in-
2. Alfabetização terferindo com intervenções pertinentes e não
estigmatizando e nem empurrando para o pro-
A epistemologia genética de Jean Piaget cesso de fracasso escolar.
contribui com uma visão inovadora acer-
ca de como constrói o conhecimento, Hoje, o foco da análise da alfabetização voltou-
uma visão construtivista e interacionista. -se para as abordagens cognitivas, principal-
A partir de dados da psicologia genética mente da psicologia genética de Piaget. Porém
pode-se afirmar que todos nós conhece- o que vemos na prática muitas vezes é a alfabe-
mos o mundo através de uma constante tização pensada apenas como código em que a
interação com ele, em função da qual va- representação é a transcrição e a decodificação
mos outorgando significação aos objetos, desse código. Para Lerner (2002, p.27):
compreendendo suas características e
relações, estruturando nossos instrumen- O desafio é formar praticantes da leitura
tos intelectuais. São os dois polos do pro- e da escrita e não apenas sujeitos que
cesso de adaptação (assimilação e aco- possam “decifrar” o sistema de escrita. É
modação) que nos permitiram incorporar – já o disse – formar leitores que sabe-
dados da realidade a nossos esquemas rão escolher o material escrito adequado
assimiladores que, a eu turno, irão mo- para buscar a solução de problemas que
dificando em virtude das perturbações devem enfrentar e não alunos capazes
que possam parecer. Estas por turbações apenas de oralizar um texto selecionado
podem surgir por incompatibilidade (ou por outro. É formar seres humanos críti-
contradição) de esquemas que o mesmo cos, capazes de ler entrelinhas e de assu-
sujeito construiu ou por que algum ado mir uma posição própria frente a mantida,
da realidade resiste em ser incorporado explícita ou implicitamente, pelos autores
ou interpretado com os esquemas dispo- dos textos com os quais interagem, em

32 INEQ - Educação integral


vez de persistir em formar indivíduos de- zagem...”, onde a prática da leitura e escrita seja
pendentes da letra do texto e da autorida- prática viva.
de de outros.
Lerner (2002, p.18) enumera a complexidade da
Percebemos, infelizmente, um perigo muito questão:
grande, pois nesse momento o aluno é uma fi-
gura vazia esperando para ser preenchida com a) a escolarização das práticas de leitura
todo conhecimento que a escola traz e o pro- e de escrita apresenta problemas árduos;
fessor transmite, esquecendo todos os conhe- b) os propósitos que se perseguem na es-
cimentos que o aluno traz de sua vida, obrigan- cola ao ler e escrever são diferentes dos
do que ele faça e seja uma cópia fiel do que lhe que orientam a leitura e a escrita e a es-
é ensinado, para tanto o professor utiliza uma crita fora dela;
série de métodos, técnicas e recursos para al- c) a inevitável distribuição dos conteúdos
cançar seu objetivo. no tempo pode levar a parcelar o objeto
de ensino;
Para a especialista Bossa (2011) apud Guilher- d) a necessidade institucional de contro-
me [2011, 2 ], o ensino fundamental acontece lar a aprendizagem leva a pôr em primeiro
numa fase da vida da criança que, biologica- plano somente os aspectos mais acessí-
mente, temos todas as possibilidades de apren- veis à avaliação;
dizado. Uma vez superada esta idade tudo o e) a maneira como se distribuem os di-
que se construir não terá o mesmo efeito na reitos e obrigações entre o professor e
constituição cerebral. Segundo seu relato, dos o aluno determina quais são os conhe-
4 aos 14 anos é o melhor momento de desen- cimentos e estratégias que as crianças
volvimento da criança. têm oportunidade de exercer e, portanto,
quais poderão ou não poderão aprender.
É nesse momento que o professor traz a contri-
buição mais importante na vida do aluno, pois Segundo Lerner (2002, p.29), os desafios são
vai interferir muito em sua vida adulta, no caso vários e implicam em uma mudança profun-
da alfabetização, ele deve levar o aluno a ir além da, que comecem pela prática na escola e pro-
das habilidades da leitura e da escrita, o maior movam uma reforma educativa. Para a autora,
objetivo dessa aprendizagem é que o educan- é necessário combater a discriminação que a
do possa interpretar o que lê, nesse processo escola opera, não só quando cria o fracasso ex-
ele compara, ordena, exclui e reformula, e des- plícito daqueles que não consegue alfabetizar,
sa forma conclui o processo, podendo adquirir como também quando impedem os outros de
novos conhecimentos e intervir em diferentes chegarem a ser leitores e produtores de textos
momentos sociais. competentes e autônomos. É necessário asse-
gurar que os alunos tenham oportunidades de
Para atingimos esse objetivo na fase da alfabe- se apropriar da leitura e da escrita como ferra-
tização, segundo Lerner (2002, p.17) a escola mentas essenciais de progresso cognitivo e de
precisa funcionar como uma micro comunida- crescimento pessoal.
de, procurando na leitura o conhecimento para
resolução de problemas, buscar argumentos, O papel do professor Segundo Soares confor-
rebater posições e conhecer outros modos me apud Almeida,Veloso,Antunes,(2011,p.9):
de vida, descobrir novos sentidos. Para Lerner
(2002, p.18) precisamos “preservar o sentido […] por uma perspectiva mais limitada, a
do objeto de ensino para o sujeito da aprendi- “alfabetização é a ação de alfabetizar, se
INEQ - Educação integral
33
tornar alfabeto” , sendo necessário alfabe- centivar para que as crianças se estimulem e
tizar letrando, de forma a aprender a ler percebam a importância, tornando -se crianças
e escrever e também apropriar de habili- leitoras e escritoras.
dades para usar socialmente a leitura e a
escrita. Para a autora, o letramento traz Para que a alfabetização aconteça o professor
consequências sociais, culturais, políti- precisa trazer didáticas diversificadas e com
cas e econômicas tanto para o coletivo grau de complexidade maior para as crianças
em que seja introduzida, como também que estão avançando. Pensar e analisar sobre
para o individual que aprendeu usá-la. Por as questões e formas de aprendizagem para
esse novo conceito, o indivíduo não deve intervir no momento necessário. O professor
ser considerado letrado, apenas se versa- precisa ter consciência da importância do pla-
do em letras eruditas, mas, sim, quando nejamento para gerenciar o tempo e espaço da
faz o uso necessário da leitura e da escri- rotina, a seleção de boas ferramentas e méto-
ta como prática social. dos didáticos. A escola deve trabalhar com pro-
jetos que tragam para dentro da realidade es-
3. Família e escola colar as famílias, para ajudarem e participarem
de um processo democrático da aprendizagem.
Na alfabetização em meio ao fracasso escolar Todo esse processo precisa de acompanha-
estão os pais desses alunos, que se questio- mento e participação de uma escola que insere
nam: por que meu filho ainda não lê e não es- os atores em uma realidade dentro e fora dela.
creve ? A angústia é muito grande, pois não en-
tendem como algumas crianças já estão lendo Outra solução importante é o conhecimento
e escrevendo. Existe a necessidade de envolver pelo professor da realidade educacional, incluin-
os pais e mostrar que aprendizagem acontece do problemas estruturais e funcionamento ins-
gradativamente e que cada criança aprende di- titucional. Ter um olhar diferenciado para cada
ferente da outra. E que embora a aprendizagem criança, buscando as habilidades para aprender
escrita aconteça em formas diferentes para e para se relacionar com os outros e o conhe-
cada um, todos chegam à escola com alguma cimento. O papel da escola e do professor é
compreensão da língua escrita. trabalhar pensando em uma realidade em que
o aluno, a família e a escola, estão inseridos e
E é nesse momento que todos precisam aliar es- são produtos de um contexto histórico, social e
forços, para compreenderem em que momento econômicos. Segundo Solé e Coll (1997, p. 14):
esta criança está, para ajudá-la nesse proces-
so. Estamos em um mundo letrado e devemos […] Com isso podemos afirmar que a
colocar todos os artifícios possíveis para trazer complexidade da tarefa do professor não
esse mundo para a sala de aula. Os professo- se reduz àquilo que envolve sua formação
res precisam ler diferentes gêneros de textos, formadora em relação aos alunos sob sua
mostrando características de seu portador e do responsabilidade; na medida em que é
sistema de escrita. Utilizar textos que os alunos um elemento de uma organização, o pro-
já tenham tido contato e conhecem de memó- fessor costuma ter responsabilidades em
ria para escreverem alfabeticamente. Leitura de tarefas relacionadas com a gestão, que
textos com ou sem ajuda de um adulto, para requerem habilidades específicas. Essas
recontar histórias conhecidas e recuperar algu- funções, bem como o caráter coletivo da
mas características do que foi ouvido ou lido. tarefa docente, a qual referir-nos-emos
O trabalho do professor também é de mostrar imediatamente, criam contextos huma-
para os pais a importância de acompanhar, in- nos específicos de relação, que devemos

34 INEQ - Educação integral


aprender manejar de forma construtiva. É A Psicopedagogia, partindo de uma vi-
preciso acrescentar a isso que, para res- são multidisciplinar, apropria-se de co-
ponder a essa exigência, é requerida uma nhecimentos de outros campos do saber
formação pessoal permanente e aparen- humano - Pedagogia, Psicologia, Psica-
temente diversificada. nálise, Sociologia, Neuropsicologia, An-
tropologia, Linguística, entre outros-, com
4. Psicopedagogia a clara função de demonstrar que, no
processo de construção do conhecimen-
A psicopedagogia se ocupa da aprendizagem to, cada sujeito utiliza-se de modos pró-
e se utiliza de conhecimentos da psicologia e prios de pensar e agir, modos únicos de
da pedagogia. Ela veio para trazer ferramentas demonstrar as habilidades de cognição
para solução dos problemas que abrangem nas presentes em sua essência.
seguintes dimensões: orgânicas, cognitiva e
emocional. A psicopedagogia se enquadra na O profissional busca a forma mais lúdica para
área da saúde e da educação. O profissional trabalhar, atrelando esse processo com o co-
dessa área tem o objetivo de instrumentalizar nhecimento, propiciando o desenvolvimento de
o profissional que atua com pacientes alunos suas estruturas de pensamento. A criança vive
portadores de dificuldades de aprendizagem em um mundo cheio de estímulos, onde a edu-
na área clínica e institucional. Isso para melhor cação precisa acompanhar para se tornar mais
compreender o fracasso escolar e conscienti- atrativa. Com um trabalho feito para estimular e
zar-se do trabalho clínico psicopedagógico, ti- causar mais interesse na criança, sendo o seu
rando a visão de alguns de que a psicopedago- potencial realmente explorado. Aliar ao proces-
gia é um reforço escolar. O intuito dessa área de so de aprendizagem os instrumentos ofereci-
conhecimento é focar no não aprender e as cau- dos pela sociedade científica, que traz e estuda
sas internas e externas que impedem a criança todas essas possibilidades para melhorar as
de acessar ao conhecimento. O objeto principal condições de ensino professor-aluno. O intuito
do estudo da psicopedagogia é a aprendizagem da psicopedagogia é trazer instrumentos tanto
humana, padrões evolutivos normais e patoló- para o trabalho na clínica quanto no âmbito insti-
gicos, levando em conta a influência do meio tucional, melhorando o acesso a aprendizagem
(família, escola e sociedade). na forma cognitiva e emocional. Fazer com que
esse paciente e aluno se valorize, buscando um
A importância da família no processo de apren- caminho da auto-estima que se constitui tra-
dizagem é vital e como a sociedade se distan- zendo uma motivação na procura pelo conheci-
ciou dos valores, aconteceu também o distan- mento. Segundo Beauclair (2005, 1):
ciamento do saber, tanto do professor quanto
do aluno. Para alcançar a demanda necessita- Enquanto profissionais atuando no campo psi-
da pelo aluno o professor deve ter um olhar di- copedagógico, somos estimulados a continua-
ferenciado para a educação, novas formas de damente a compreender os diferentes fatores
ensinar o conteúdo escolar, do ponto de vista que possibilitam o surgimento das dificulda-
didático e metodológico. des de aprendizagem, principalmente no que
concerne ao âmbito escolar. A Psicopedagogia
A psicopedagogia vem auxiliando na luta contra interessa-se, sobretudo, no diagnóstico e trata-
a dificuldade de aprendizagem, trabalhando as mento do sujeito que não consegue aprender,
causas do não aprender e atuando onde o pa- que não deseja, de alguma forma, aprender.
ciente precisa. Para Beauclair (2005, 1): Através da anamnese, um primeiro momento
de encontro que o psicopedagogo tem com o
INEQ - Educação integral
35
sujeito aprendente e seus familiares, busca-se o com a construção do conhecimento e a
olhar psicopedagógico e a escuta psicopedagó- expressão deste por meio da produção
gica, elementos facilitadores à percepção das escolar […], pois aspectos sociais estão
possíveis causas do não aprender. Talescuta ligados à respectiva sociedade em que
e tal olhar podem ser obtidos com a utilização estão inseridas a família e a escola […],
do lúdico, do jogo, com a observação das falas, a formação da ideologia em diferentes
dos silêncios, dos gestos e do corpo, enfim, das classes sociais […]; aspectos pedagógi-
diferentes manifestações expressivas do sujei- cos contribuem muitas vezes para o apa-
to, o que pode facilitar a busca da compreensão recimento de uma “formação reativa” aos
das possíveis causas para a não aprendizagem. objetos de aprendizagem escolar. Nesse
conjunto de fatores externos […] estão in-
A psicopedagogia estuda as diversas faces da cluídas as questões ligadas à metodolo-
aprendizagem, que também lida com dissocia- gia do ensino, à avaliação, à dosagem de
ções graves de doenças mental e neurológica informações, à estruturação de turmas,
que exigem um diagnóstico mais especializado à organização geral etc., que influindo na
e complementar com outros profissionais. Se- qualidade de ensino, interferem no pro-
gundo Weiss (2012, p.27-29), que também nos cesso ensino-aprendizagem.
orienta sobre os aspectos para prática diagnós-
tica: A psicopedagogia trata dos diversos sintomas
Na prática diagnóstica é necessário levar que surgem pelo fracasso escolar, e para que
em consideração alguns aspectos liga- seja feito um diagnóstico e uma possível inter-
dos às três perspectivas de abordagem venção, é necessário envolver a escola e a famí-
do fracasso escolar. A interligação desses lia. Segundo Weiss (2012, p.35) […] Essa realida-
aspectos ajudará a construir uma visão de chega ao paciente pela ideologia dominante
gestáltica da pluralidade desse fenôme- nos diversos grupos em que convive: família,
no, possibilitando uma abordagem global escola, instituições de abrigo de menores, ca-
do sujeito em suas múltiplas facetas. São sas comunitárias etc. Que farão a construção
aspectos básicos para pesquisa. Aspec- do seu imaginário e determinarão o seu modo
tos orgânicos relacionados à construção de viver.
bio-fisiológica do sujeito que aprende.
Alterações nos órgãos sensoriais impe- CONSIDERAÇÕES FINAIS
dirão ou dificultarão o acesso aos sinais
do conhecimento. A construção das Concluímos que a visão da psicopedagogia
estruturas cognoscitivas se processa trouxe para a realidade escolar, que convive
num ritmo diferente entre os indivíduos com o fracasso, a visão da multidisciplinarida-
normais e os portadores de deficiências de, mostrando a multiplicidade de aspectos que
sensoriais, pois existirão diferenças nas envolvem esse quadro.
experiências físicas e sociais vividas.[…]
Aspecto cognitivos estariam ligados basi- O ser humano não apresenta apenas proble-
camente ao desenvolvimento e funciona- mas individuais e psicológicos e com a atuação
mento das estruturas cognoscitivas em do profissional psicopedagogo veio à tona um
seus diferentes domínios. Incluir nessa importante trabalho psicopedagogo-família-es-
grande área também aspectos ligados a cola-professor. A psicopedagogia veio para mo-
memória atenção e antecipação etc […]. tivar uma ação inovadora frente aos desafios da
Aspectos emocionais estariam ligados dificuldade de aprendizagem e dos problemas
ao desenvolvimento afetivo, sua relação que acometem o quadro do fracasso escolar.

36 INEQ - Educação integral


Ela trouxe uma busca das questões e das par- não pode se eximir sobre os resultados que aju-
ticularidades que envolvem todo o processo de dam a efetivação do fracasso escolar, por mais
aprendizagem. Essa atuação une a compre- que o contexto extraescolar contribua, a escola
ensão teórica e uma ação no contexto do pa- traz a reprodução nas suas práticas pedagógi-
ciente-aluno, que como consequência faz uma cas do mesmo.
transformação na realidade escolar. As condi-
ções para o desenvolvimento da criança, não REFERÊNCIAS
dependem só do processo de desenvolvimento,
mas também, das características das práticas BEAUCLER, JOÃO.Psicopedagogia na forma-
pedagógicas que lhe são oferecidas. ção de professores: Esta é uma questão rele-
vante?.29 nov. 2005. Psicopedagogia OnLine.
O contexto extraescolar é predominantemen- Disponívelhttp://www.psicopedagogia.com.br/
te precário para quase todas as crianças que artigos/artigo.asp?entrID=760psic/acesso em
frequentam a escola pública e fazem parte do 30/04/2013.
quadro do fracasso escolar. Pouco estímulo, ali- GUILHERME, Paula. Fracasso escolar é
mentação precária, falta de informação e pou- o fracasso do sistema educacional.
co contato com a língua escrita. A busca pelas 20/05/2011. Disponível em: http://g1.glo-
causas internas e externas, o contato através bo.com/educacao/noticia/2011/05/fracasso-
do diagnóstico com a família e a escola, faz -escolar-e-o-fracasso-do-sistema-educacional-
com que o campo de trabalho na procura pe- -diz-especialista.html.
los fatores que possibilitam o surgimento das COLL, C. E.Martins, Mauri, M.Miras, J. Onrubia,
dificuldades seja produtivo. O profissional psi- I. Solé, A. Zabala.O Construtivismo na sala de
copedagogo tem uma visão geral do problema, aula.2ª ed..São Paulo:Editora Àtica,1997.
podendo mapear todo o contexto que a crian- KAUFMAN, Ana Maria. Castedo, Mirta , Teruggi,
ça está inserida. Portanto, podendo atuar nas Lilia e Molinari, Claudia .Alfabetização de crian-
questões que abrangem a família e buscar for- ças: construção e intercâmbio- experiências
mas e instrumentos para ajudar o professor e pedagógicas na educação infantil e no ensino
a escola para atuar na dificuldade do paciente fundamental.trad. Carolina Burnier. 7 ed. Poto
aluno. O trabalho desse profissional é trazer a Alegre: Artes Médicas, 1998.
ludicidade e motivar tanto a aprendizagem no LERNER, Delia.Ler e escrever na escola: o real, o
contexto institucional quanto no clínico. O auxí- possível e o necessário.Delia Lerner; trad. Erna-
lio vem também do conhecimento que o psico- ni Rosa.- Porto Alegre: Artmed, 2002.
pedagogo se apropria dos diversos campos do SILVA,Rute Regis de Oliveira.Gestão escolar
saber humano no processo de construção do e Alfabetização de crianças na escola públi-
conhecimento. Analisando para cada indivíduo ca. Pesquisa em educação: Desenvolvimento,
e respeitando o sujeito em seu modo de agir e ética e responsabilidade social. 2 0 0 9 .
pensar, trazendo suas habilidades e propician- Disponívelem:http://dmd2.webfactional.com/
do assim o desenvolvimento de suas estruturas media/anais/GESTAO-ESCOLAR-E-ALFABETI-
de pensamento. A estrutura da escola pública ZACAO-DE-CRIANCAS-NA-ESCOLA-PUBLICA.
não ajuda nesse processo, é aí que esse pro- pdf/.Acesso em02/04/2013.
fissional pode colocar à disposição ferramen- WEISS, Maria Lemme.Psicopedagogia Clíni-
tas, e com elas a possibilidade de observação ca: uma visão diagnóstica dos problemas de
e entendimento das diferentes manifestações aprendizagem escolar.14ª ed. Rev. e ampl. Rio
expressivas do sujeito para uma boa aprendiza- de Janeiro: Lamparina, 2012.
gem.. Com essa realidade é muito importante
o contato entre escola–família, porém a escola
INEQ - Educação integral
37
A FORMAÇÃO DO PROFESSOR

Maria Aparecida da Silva Sousa

RESUMO cenário a figura do professor é imprescindível para


que o processo de ensino-aprendizagem se con-
Ser professor no atual contexto requer ousadia, co- cretize formando cidadãos criativos, inovadores e
ragem, atos inovadores e formação contínua. Por- transformadores.
tanto, a formação é de vital importância uma vez
que esse profissional que lida diretamente com a Palavras-chave: Formação do Professor; Docên-
formação das pessoas em sua prática pedagógi- cia; Prática Pedagógica.
ca. Ao Coordenador Pedagógico cabe a tarefa de
trabalhar com os professores de forma coletiva ABSTRACT
apoiando, incentivando, formando e propondo no-
vas metodologias do processo de aprendizagem Teacher of education, courage, innovative acts and
deforma colaborativa e participativa com o corpo continuous training. Therefore, training is vital sin-
docente no contexto escolar. O artigo é resultado ce the professional that deals directly with the trai-
de pesquisa bibliográfica em que se priorizou os ning of people in their pedagogical practice. To the
estudos de Imbernón (2001), Alarcão (1996), Freire Pedagogical Coordinator, it is a work of teachers of
(1996, 1997, 200), Nóvoa (1992, 1995, 2000), Tar- collective formation, supporting, forming and pro-
dif (2000, 2011) entre outros autores que refletem posing new learning methodologies in a collabora-
sobre a temática proposta. A ação do professor tive and participative way with the teaching staff in
em sala de aula precisa ser entendida como o the school context. The article is a result of biblio-
locus principal no processo de aprendizagem, na graphic research in previous studies by Imbernón
construção de novas práticas, no trabalho com os (2001), Alarcão (1996), Freire (1996, 1997, 200), Nó-
seus colegas de profissão em torno do Coordena- voa (1992, 1995, 2000), Tardif (2000, 2011) among
dor Pedagógico que faz essa ligação entre teoria other authors that reflect on the proposed theme.
e prática, entre alunos e professores, entre os vá- The action of the teacher in the classroom needs
rios problemas que surgem no quotidiano escolar to be understood as the main locus in the learning
e que se constituem desafios para a formação e process, in the construction of new practices, in
para o exercício do magistério junto aos alunos. A the work with the colleagues of profession around
profissão do professor é belíssima para quem opta the Pedagogical Coordinator that makes this con-
em gestar e formar pessoas, no entanto, o desafio nection between theory and practice, between the
está no fato de continuarmos a formação de ma- students The teachers, the problems that arise in
neira sólida, responsável, comprometida e nesse the daily school life and that constitute the challen-

1 - Graduada em Pedagogia pela ULBRA – Universidade Luterana do Brasil, 2013; Pós-Graduação em Formação Docente pela FACITEP
(INEQ), 2018; Professora de Educação Infantil no Município de São Paulo no CEI Elísio Teixeira Leite – São Paulo –SP.

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ges for the formation and exercise of teaching do, conhecimento. Logo, é necessário que esse
with students. The profession of the teacher professor, no exercício da sua profissão possa,
is beautiful for those who choose to train and na escola em que atua ter momentos de forma-
build people. However, the challenge is to conti- ção com a articulação da coordenação pedagó-
nue the formation of a continuous, responsible gica que viabiliza e cria meios para que esses
and committed type of action. In this scenario, momentos aconteçam de forma colaborativa
the teacher is indispensable for the process of e participativa. Momentos de formação são fe-
teaching learning to become creative, innovati- cundos para que o professor coordenador peda-
ve and transforming. gógico juntamente com os professores possa
refletir, discutir, propor novas ideias priorizando
Keyword: Teacher Training; Teaching; Pedago- o contexto onde a aprendizagem se concreti-
gical Practice. za. Nesse sentido, Imbernón (2001), aprofunda
esse pensamento buscando compreender a re-
INTRODUÇÃO flexão como ponto sine qua non da formação
docente. Por outro lado, temos a presença do
A formação do professor é um tema extrema- coordenador pedagógico que é o articulador
mente pertinente e problemática não no Brasil, e o motivador no espaço escolar para que os
mas no mundo todo sendo apontada que a qua- professores busquem na formação, a reflexão
lidade da aprendizagem irá depender da forma- para suas ações pedagógicas junto aos alunos.
ção dos professores que estão em efetivo exer- Vejamos o que diz o autor anteriormente citado:
cício na sala de aula. Para uma prática docente
que valorize o seu desenvolvimento pessoal, A formação terá como base uma reflexão
profissional e institucional. dos sujeitos sobre sua prática docente,
de modo a permitir que examinem suas
Desenvolver atividades de aprendizagem en- teorias implícitas, seus esquemas de fun-
volve formação contínua e essa tarefa é de res- cionamento,suas atitudes etc., realizando
ponsabilidade do coordenador pedagógico que um processo constante de autoavaliação
articula esses momentos uma vez que conhece que oriente seu trabalho. A orientação
o grupo de professores, os alunos e o contexto para esse processo de reflexão exige
onde a escola está localizada e onde se dá as uma proposta crítica da intervenção edu-
diversas experiências de aquisição de conheci- cativa, uma análise da prática do ponto
mento. de vista dos pressupostos ideológicos e
comportamentais subjacentes. (p. 48-49)
Existe, portanto, diversos fatores que favore-
cem a formação dos professores quando se al- Assim, a reflexão na ação é proposta nos mo-
meja uma educação de qualidade. É necessário mentos de formação em que o coordenador
discutir a formação do professor, no entanto, pedagógico dá o suporte necessário aos pro-
muitas vezes esquecemos que professor é pro- fessores para que inove em suas práticas pe-
fissão, portanto, não há outro meio de obter ex- dagógicas. “Isso significa dizer que, sob essa
periência a não ser através do exercício de estar perspectiva, o processo de formação está vin-
em sala de aula com os alunos, é na prática que culado à pratica, à sua observação e à sua ava-
vamos nos tornando professor. Nenhuma so- liação. É a partir delas, e para responder as suas
ciedade evolui sem o professor que saiba fazer demandas, que coordenadores e professores
a mediação do conhecimento, dando vez e voz discutem, analisam e planejam” (CLEMENTI,
aos alunos estimulando a curiosidade, o estu- 2001, p.57). A reflexão desencadeada durante

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a realização da ação pedagógica deve ser nor- vidade de pensar. Pensar é algo que acon-
teada de forma conjunta entre a coordenação tece naturalmente e de pouco vale tentar
pedagógica e, consequentemente, dos profes- ensinar a outro como fazê-lo exatamente.
sores que imersos no universo da ação no exer- Apenas nos é facultada a possibilidade de
cício do seu magistério que é enriquecido nas descrever, nos seus aspectos gerais, as
relações que se estabelecem no processo de várias maneiras pelas quais pensamos e
aprendizagem escolar. avaliar a eficiência que resulta da adoção
de uma ou outra forma de pensamento.
O Artigo que aqui segue está organizado em A decisão é um ato de vontade individu-
três pontos essenciais: (a) a formação do pro- al. Isto é, cada um, na posse consciente
fessor; (b) os saberes na prática docente; e da diversidade e validade dos processos
(c) a docência no século XXI. Esperamos que mentais a que chamamos pensamen-
o mesmo ajude a coordenação pedagógica e to, segue deliberadamente a via que su-
os professores a superar os desafios que são põe conduzir aos melhores resultados.
colocados no que diz respeito à formação dos (ALARCÃO, 1996, p. 45)
professores em uma escola que se transforma
constantemente. É nesse movimento em constante construção
que a formação do professor supera a fragmen-
1. A Formação do Professor tação entre teoria e prática. A reflexão da prática
é um momento importante para que o profes-
A formação do professor é ou deveria ser um sor possa vislumbrar novas possibilidades em
tema de vital importância dos saberes que sua prática. A ideia de formação permanente
compõe o exercício da prática dos professores no pensamento de Freire (1996) é resultado do
se constituindo na chave para melhoria não só conceito de sua reflexão de que “onde há vida,
da educação, mas de todo país. Dessa forma, há inacabamento” (FREIRE, 1996, p. 22). Ao nos
a formação profissional faz parte do aprimo- referimos aos seres humanos, estamos descre-
ramento e inovações nas práticas pedagógi- vendo seres vivos, conscientes, ativos, educá-
cas aos alunos na aquisição de conhecimento veis, históricos, em razão do inacabamento, da
contemplando o contexto onde aspectos rele- inconclusão.
vantes para o processo de crítica e reflexão no
atual contexto da prática pedagógica. A educação é permanente não por que
certa linha ideológica ou certa posição
O trabalho do profissional da educação tem política ou certo interesse econômico o
exigido conhecimento próprio no fazer docente exija. A educação é permanente na razão,
e isso é perceptível nas aulas em que os pro- de um lado, da finitude do ser humano, de
fessores envolvem os alunos nos conteúdos outro, da consciência eu ele tem de finitu-
propostos, motivando, orientando, mediando, de. Mas ainda, pelo fato de, ao longo da
ensinando e aprendendo com os alunos. Na história, ter incorporado à sua natureza
aprendizagem, a reflexão surge a partir da prá- não apenas saber que vivia mas saber
tica para um aprendizado efetivo, significativo que sabia e, assim, saber que podia saber
como parte do processo. mais. A educação e a formação perma-
nente se fundam aí. (FREIRE, 1997, p. 20)
Segundo Alarcão (1996):
A reflexão crítica deve ser um momento na for-
Nenhum ser humano se pode eximir à ati- mação do professor em que a coordenação

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pedagógica propõe uma parada para refletir so- educacional.
bre as ações pedagógicas na aprendizagem de
forma que esta reflexão crítica aponte possíveis O Coordenador Pedagógico é uma espécie de
saídas para os problemas que se apresentam guardião da formação docente que transforma
no contexto escolar. Nesses momentos, a co- o ambiente escolar estando sempre atento no
ordenação pedagógica é de extrema importân- grupo de professores que coordena, acompa-
cia ao propor a formação continuada dos pro- nha e forma, assim como dos alunos que co-
fessores a partir de reuniões, estudos de caso, nhece, compreende, anima, fortalece, motiva,
discussões, reflexões sobre a prática para apri- critica quando necessário,masque acredita que
morar e ampliar as possibilidades no processo sem eles a aprendizagem não acontece, e, por
formativo dos professores com metodologias e fim, precisa conhecer a realidade local onde a
instrumentos diversificados para que os alunos Escola está situada tendo um panorama sobre
se apropriem do conhecimento de forma praze- os diversos problemas que afetam o processo
rosa. de ensino-aprendizagem propondo alternativas
de superação.
A formação de professores tem ignora-
do, sistematicamente, o desenvolvimento A aquisição de conhecimento se dá na prática,
pessoal, confundindo ‘formar e formar- nas relações que são estabelecidas entre pro-
-se’, não compreendendo que a lógica da fessor e alunos num processo de aprendiza-
atividade educativa nem sempre coincide gem que ocorre de forma integrada em que es-
com as dimensões próprias da formação. tão presente as emoções, o cérebro do aprendiz
Mas também não tem valorizado uma ar- mediado pelas relações que se estabelecem de
ticulação entre a formação e os projetos forma colaborativa, participativa que mobiliza a
das escolas, consideradas como orga- atenção dos sujeitos que estão me processo de
nizações dotadas de margens de auto- formação na aquisição do conhecimento.
nomia e de decisão de dia para dia mais
importantes. Estes dois ‘esquecimentos’ Nesse sentido, Konder (1992), afirma que:
inviabilizam que a formação tenha como
eixo de referência o desenvolvimento pro- A práxis é a atividade concreta pelo quais
fissional da professores na dupla pers- os sujeitos humanos se afirmam no mun-
pectiva do professor individual e do cole- do, modificando a realidade objetiva e,
tivo docente. (NÓVOA, 1995, p. 24) para poderem alterar-lhe transformando-
-se a si mesmos. É a ação que,para se
A formação do professor não acontece de for- aprofundar de maneira mais consequen-
ma isolada. O professor tem um papel funda- te, precisa da reflexão, do autoconheci-
mental na vida dos alunos com quem estabele- mento, da teoria; e é a teoria que remete
ce uma relação onde ambos aprendem ao fazer a ação que enfrenta o desafio de verificar
a experiência da aprendizagem. O professor é o seus acertos e desacertos, cortejando-a
mediador por excelência do processo de ensi- com a prática. (p. 115)
no-aprendizagem no contexto escolar. Sozinho
o professor não faz muito, mas quando sua prá- Esta reflexão torna-se necessária no quotidiano
tica envolve os alunos e encontra respaldo da da prática do professor, uma vez que os ele-
coordenação pedagógica orientando, dialogan- mentos se manifestam e questionam os aspec-
do, direcionando de forma coletiva os professo- tos constitutivos da formação como: marcas,
res, as mudanças são perceptíveis no cenário atitudes, experiências, concepções, linguagem,

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regras, normas, emoções, posições, ditos, dile- transforma e passa a ser visto como o grande
mas, contradições, saberes, rupturas, proces- incentivador, mobilizador da escola como um
sos, teoria e prática e as representações que todo e não só dos professores, mas do copo da
fazem da construção da profissão docente um escola como um todo e dos atores que com-
universo de dados informativos que concede a pões o contexto escolar. Cabe a esse profissio-
necessidade de desvelar aspectos construídos nal ir nem busca dessa formação e garantir no
a partir de experiências e vivências no quotidia- espaço escolar a formação em serviço daque-
no da sala de aula. les que ali estão essa formação permanente de
como se dá a articulação entre teoria e prática
É de grande relevância ao professor ressignifi- porque é isso que garante a melhoria do proces-
car os seus conhecimentos para melhor desen- so de ensino-aprendizagem.
volver sua práxis pedagógica. É de fundamental
importância olhar o professor como ser huma- A formação do professor tem chamado a aten-
no, não apenas como executor e receptor de ção da comunidade acadêmica quanto sua
processos de formação. O professor é protago- importância, “mas cuja complexidade e dificul-
nista de sua própria formação (MENEGUETTI, dade para abordá-lo é ressaltada dada a plurali-
2004). dade de sua composição e a falta de consenso
sobre a sua conceituação” (LÜDKE, 2001, p. 79).
O processo de formação do professor precisa
ser aperfeiçoado, ou seja, de nada vale se o O professor pode crescer, desenvolver suas ex-
professor não atentar para a pesquisa, para a periências profissionais a partir do exercício da
reflexão, para a quebra dos novos paradigmas profissão, ou seja, do fazer docente. É preciso
que a própria educação lhe coloca diariamen- analisar os saberes, fazendo a relação com o
te em sua prática pedagógica na regência em saber científico que consiste no desafio de pen-
sala. Portanto, o docente ao ensinar aprende e sar que os saberes se constituem a partir de
para compreender a práxis pedagógica na for- evidência, hipóteses, que vão sendo estabele-
mação docente. O coordenador pedagógico cidas e depois de constadas, novas hipóteses
deve priorizar durante a formação continuada aparecem e assim vão sendo constituídos os
a exploração dos saberes na prática docente diferentes saberes.
que acontecer na sala de aula, nos diferentes
componentes curriculares que abordaremos no O termo saberes é utilizado para ressaltar a
próximo subtítulo. ação de conhecer, compreender, saber, saber-
-fazer, saber-ser professor associado à prática
2. Os Saberes na Prática Docente pedagógica. O professor pode ser visto como
parte de um coletivo social, vislumbrando “uma
O trabalho do profissional da educação tem exi- perspectiva dos professores como profissio-
gido um conhecimento próprio do fazer docen- nais produtores de saber e de saber-fazer” (NÓ-
te que pressupõe uma visão dos alunos como VOA, 1992, p. 16).
sujeitos de aprendizagem que pertencem a de-
terminados grupos presentes na escola e que É preciso entender que os nossos alunos não
trazem conhecimentos que precisam estar em aprendem da mesma maneira que nós apren-
consonância com o conhecimento que oferta- demos, não utilizam o cérebro da mesma ma-
mos à sua realidade que estão inseridos. neira que nós utilizávamos, não se relacionam
com o conhecimento da mesma maneira que
O coordenador pedagógico articula, forma e nós nos relacionávamos, daí a necessidade de

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revermos, repensarmos o modelo escolar que
prevaleceu por mais de duzentos anos e que Para Nóvoa (1992), o nosso maior desafio con-
resistiu muito bem levando a escola todos, con- siste em mudar os nossos ambientes educati-
quistou enorme sucesso coletivamente dos vos e ao realizarmos tal mudança, nós vamos
quais nos orgulhamos,masque hoje, esse mo- mudar substancialmente a forma de trabalhar
delo não responde mais, acabou. dos nossos professores. Nessa forma de traba-
lhar há um dentro e um fora. Dentro da esco-
O grande desafio, proposto por Nóvoa (1992), la, o professor será sobretudo, acima de tudo
é repensar a profissão docente para uma outra um organizador do trabalho dos alunos. Será
maneira de estar na escola. A aprendizagem um organizador dos trabalhos dos alunos, vai
pressupõe autonomia dos alunos, diferencia- ter que criara as condições para que os alunos
ção pedagógica e personalização das apren- trabalhem, para que os alunos estudem, para
dizagens. Estamos vivendo um momento pri- que alunos pesquisar, para que os alunos de-
vilegiado em que o tema da aprendizagem é senvolvam projetos, para que os alunos desen-
central para repensarmos os desafios do tra- volvam problemas e, portanto, deve ser capaz
balho docente e a questão da apropriação do de organizar os temas propostos e realizados
conhecimento. pelos alunos. O professor vai evoluir para o pro-
fessor coletivo. Esse é um desafio que se pro-
O professor mobiliza numa dimensão pedagó- longa para além dos muros escolares, ou seja,
gica e num quadro conceitual de produção de para fora da escola com a necessidade de con-
saberes, como valoriza Nóvoa (1992), “através duzir, levar a educação para fora da escola. A
de um trabalho de reflexividade crítica sobre força do conhecimento, da criação, do futuro,
as práticas e de (re)construção permanente da inovação é a grande força da escola pública
de uma identidade pessoal” (NÓVOA, 1992, p. pela qual devemos levantar nossas bandeiras
25). “A formação como um processo interativo de lutas. No entanto, é preciso muita coragem
e dinâmico” (NÓVOA, 1992, p. 26) no contexto de arriscar e, essa ação deve ser feita de forma
escolar valoriza a formação do professor, possi- coletiva,cooperativa. O professor carrega para a
bilitando uma reflexão sobre sua prática social. docência aquilo que é, a estrutura familiar, as
Não há educação sem conhecimento. A edu- concepções, e daí a necessidade de uma cons-
cação está no fato de educar pessoas, formar tante reflexão sobre a prática docente, evitando
pessoas. A missão da Escola é educar, formar os preconceitos, rótulos coisa que não devem
pessoas, mas, a verdadeira missão da escola fazer parte de nossas práticas em sala de aula.
consiste em formar pessoas através do co-
nhecimento. Se educação de várias maneiras, Os saberes e as práticas o professor vai adqui-
mas a escola educa através do conhecimento. rindo ao longo de sua prática docente com o
Estamos diante do desafio de uma pedagogia exercício de sua atividade que vai sendo incor-
da cooperação, do tralho de uns com os outros porada, inovada, utilizando quase que automa-
de forma colaborativa, organizativa e participa- ticamente no exercício de sua vida profissional.
tiva. A escola precisa se organizar de maneira Para Gimeno Sacristán (1999), “a prática é fonte
diferenciada de forma que os alunos possam da ação, e os caminhos gerados por esta, den-
tralhar de maneira colaborativa, participativa tro daquela, podem enriquecê-la e redirecioná-
uns com os outros, ou sozinhos de forma que -la, condicionando o seu desenvolvimento his-
autonomia se revele onde a construção do co- tórico” (GIMENO SACRISTÁN, 1999, p.74).
nhecimento se concretize de forma diferente ao
modelo que se tem em nossas escolas. A prática docente está carregada de saberes,

INEQ - Educação integral


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de história se acumulam em nossa trajetória os professores “desempenham um conjunto de
que vai sendo concretizada na experiência do função que ultrapassam a função de ministrar
dia-a-dia, ou seja, os saberes da experiência aulas” (VEIGA, 2008, p. 13). O termo profissão
têm seus limites não respondendo a todas as docente se refere a uma:
questões do complexo universo escolar, daí
uma sólida formação teórica de forma contí- Realidade dinâmica e contingente, calca-
nua. O grande articulador para que isso se tor- da em ações coletivas. É produzida pelas
ne possível no espaço escolar é o coordenador ações dos atores sociais, no caso, os do-
pedagógico que cria meios para uma formação centes universitários. A docência requer
contínua na prática profissional,uma vez que é formação profissional para seu exercício:
na teoria que se confronta os saberes teóricos conhecimentos específicos para exercê-
e na prática se avança rumo a uma escola mais -la adequadamente ou, no mínimo, a aqui-
qualificada, comprometida, respondendo aos sição dos conhecimentos e das habilida-
desafios da sociedade contemporânea. des vinculadas à atividade docente para
A atualização docente perpassa pela formação melhorar sua qualidade. (VEIGA, 2008, p.
contínua uma vez que a produção de conheci- 14)
mento na sociedade humana não para e é isso
que se espera do docente que esteja em cons- Essa nova realidade deve fazer parte das novas
tante aprofundamento dos saberes a serem práticas pedagógicas, como exemplo, temos
compartilhados com os alunos no processo de a neurociência que demonstra cientificamente
aprendizagem. Portanto,uma escola que ensina como o nosso cérebro aprende de formas dife-
é uma escola que está preparada para ensinar rentes e isso facilita novas práticas no processo
que parece ser fácil, mas é um processo com- de aprendizagem dos alunos. Novas metodolo-
plexo que exige aprendizagem, preparação e gias precisam ser incorporadas na gestão da
esta preparação vai constituindo os saberes na sala de aula usando diversos recursos tecnoló-
prática docente. gicos para identificar as diferentes formas de
ensinar e de aprender em que a aprendizagem
A formação precisa acontecer de forma conti- seja o objetivo final.
nuada uma vez que estamos em mundo que as
transformações se processam de maneira mui- A docência é uma profissão que tem funções e
to rápida e isso deve nos motivar a ver a docên- atribuições essenciais para a demanda de dife-
cia no século XXI com outro olhar. rentes saberes para sua atuação no processo
de aprendizagem (TARDIF; RAYMOND, 2000).
3. A Docência no Século XXI No entanto a formação do professor está muito
distante da parte acadêmica, ou seja, descola-
Não é de hoje que a função do professor tem da da prática educativa em si.
mudado dentro do ambiente escolar, além das
novas ferramentas tecnológicas que estão en- Temos atualmente na sociedade da informação
corpadas no dia-a- dia na sala de aula, as for- com o conhecimento das tecnologias em que
mas de interação entre os alunos, as famílias e os alunos, professores tem o uso das tecnolo-
os educadores tem sofrido com as mudanças gias no seu dia-a- dia assim como a sociedade
constantes nas últimas décadas. em geral tem, só que os professores não foram
ensinados, preparados para essa nova realida-
A docência é uma profissão que pode e dever de tornando-se um desafio em suas práticas
ser pensada a partir dos diferentes saberes em pedagógicas. Segundo Gauthier et al. (1998),

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se exige no novo cenário educacional um novo se transformando ao longo da prática (NÓVOA,
perfil de docência com caraterísticas próprias 1992). Nesse sentido a formação funda o ser
desse novo tempo: da docência que se concretiza no sujeito cole-
tivo e não no particular. Daí a necessidade de
Como aquele que, munido de saberes e estabelecermos parcerias e para isso a coorde-
confrontando a uma situação complexa nação pedagógica tem um papel imprescindível
que resiste à simples aplicação dos sa- nessa aventura na busca de um grupo coletivo
beres para resolver a situação, deve deli- com formação adequada com conhecimento a
berar, julgar e decidir com relação à ação partir do que se faz na aprendizagem escolar.
a ser adotada, ao gesto a ser feito ou à Tardif (2011), afirma que:
palavra a ser pronunciada, antes durante
e após o ato pedagógico. (GAUTHIER et Um professor de profissão não é somente
al., 1998, p. 331) alguém que aplica conhecimentos produ-
zidos por outros, não é somente um agen-
O século XXI desafia o professor em sua ativida- te determinado por mecanismos sociais:
de docente a estar engajado com o que aconte- é um ator no sentido forte do termo, isto
ce, acompanhando as revoluções tecnológicas é, um sujeito que assume sua prática a
que estão acontecendo. Esse profissional preci- partir dos significados que ele mesmo lhe
sa ter o domínio do conteúdo, ter habilidade ver- dá, um sujeito que possui conhecimen-
bal para comunicar e expressar e que possua tos e um saber-fazer provenientes de sua
um senso de gestão na sala de aula capaz de própria atividade e a partir dos quais ele a
desenvolver atividades com os alunos. estrutura e a orienta. (p.230)

Assim, “o ensino deixará, então, de ser um ofício Segundo Nóvoa (1992), urge a construção de
para tornar-se uma verdadeira profissão, seme- um ambiente que chama de casa comum da
lhantemente à profissão de médico ou às pro- formação e da profissão, isto é, um lugar onde
fissões de engenheiro ou advogado” (TARDIF, se encontram a Universidade, as Escolas e os
2000, p. 8). Hoje, se reflete que a gestão da sala representantes dos professores, ou seja, onde
de aula exige uma reorganização dos espaços está a profissão, criando um local onde de fato
de aprendizagem em que seja possível se traba- se formem os professores com a possibilidade
lhar em pequenos grupos ou em grupos maio- do diálogo entre a universidade, as escolas e os
res, exigindo assim, um comportamento mais profissionais da educação.
flexível com os novos recursos tecnológicos,
despertando nos alunos para que a partir da A formação pode estimular o desenvol-
ferramenta tecnológicas e chegue ao caminho vimento profissional dos professores, no
da aprendizagem, ou seja, um estímulo para se quadro de uma autonomia contextualiza-
chegar a um objetivo e não a tecnologia pela da da profissão docente. Importa valorizar
tecnologia. paradigmas de formação que promovam
a preparação de professores reflexivos,
O maior desafio da profissão docente, é con- que assumam a responsabilidade do seu
ceber os professores como “produtores de sua próprio desenvolvimento profissional e
profissão” (NÓVOA, 1992, p.17). A experiência da que participem como protagonistas na
sala de aula possibilita e se constitui no espaço implementação das políticas educativas.
privilegiado onde os diferentes saberes são ad- (NÓVOA, 1992, p. 16)
quiridos de forma pessoal e profissional e vão

INEQ - Educação integral


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Um exemplo disso é o hospital universitário isso é uma dimensão do trabalho da Coordena-
aonde se tem a universidade de medicina que ção Pedagógica. A experiência transforma e co-
está lá, só que o hospital é muito mais amplo necta o professor o desafiando a manter uma
que a universidade de medicina e lá dentro des- postura de design da aprendizagem, deixando
se lugar se estão os professores universitários, de ser transmissor da informação para passar
mas também estão o médicos, e os professo- a ajudar o aluno a construir sua própria apren-
res universitários realizam trabalhos clínicos dizagem.
dentro do hospital e os médicos do hospital vão
dar aulas aos estudantes de medicina ajudando CONSIDERAÇÕES FINAIS
na formação dos futuros médicos. Nesse am-
biente estão presentes a universidade, a clínica A formação é a chave para melhoria não só na
e os profissionais médicos. Esse é um ambien- educação, mas de todo o país. A nossa luta é
te propício a formação dos profissionais. por uma escola pública de qualidade porque é
lá que estão estudando os alunos que mais
Precisamos caminhar nesse sentido para criar precisam de educação de qualidade. Não existe
um ambiente institucional onde se encontrem outra forma de promover a inclusão social, de
os professores universitários, que estejam os retirara crianças e jovens do ciclo de exclusão e
professores da escola básica e onde esteja a pobreza que já vem de muitas gerações, se não
profissão e onde um professor universitário for pela educação.
possa dar aula numa escola básica durante
uns dias por semana ou uma horas por sema- A mudança dessa realidade nefasta que a edu-
na, onde um professor da escola básica possa cação se encontra exige o esforço de todos: a
trabalhar na formação dos futuros professores, coordenação pedagógica que desempenha um
enfim, onde esse ambiente seja um ambiente papel de excelência na formação dos professo-
propício para esse tipo de encontro. Esse am- res; a equipe de gestão democrática e participa-
biente não existe, precisa ser criado. tiva que abre espaços para que todos possam
participar; professores engajados o processo
A docência no século XXI está imersa em uma de aprendizagem em sala de aula onde a apren-
onda de evolução das tecnologias com den- dizagem deve fazer a diferença não só vida dos
sas transformações para educação, em sala alunos, mas ressignificar a prática pedagógica
de aula os professores precisam aprender a li- dos professores e com alunos interessados,
dar com os alunos cada vez mais conectados motivados, sem ter sua liberdade cerceada em
e com mais informações, os alunos por outro nome de um modelo de escola que não corres-
lado, necessitam de orientação para tirar o me- ponde mais nos tempos que vivemos.
lhor proveito desse momento tão rico na histó-
ria da humanidade. O professor lida diretamente com a formação
de pessoas e para isso precisa estar prepara-
Uma das dimensões do trabalho da coordena- do, com formação adequada, atual onde o lo-
ção pedagógica é estar atenta para esse mundo cus principal precisa ser a escola no trabalho
na escola, especialmente no que tange a ques- pedagógico, na construção de novas práticas,
tão tecnológica. A tecnologia chegou para ficar novos saberes no trabalho com os colegas de
e é difícil para os professores perceberem que profissão almejando um corpo docente fortale-
ela pode ser um instrumento muito bom e que cido, preparado para as novas demandas que
precisa num primeiro momento de um trabalho o século XXI exige e que, por fim, em torno da
com os professores para que isso seja utilizado, coordenação pedagógica se motive a forma-

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ção permanente de todos professores, sendo res necessários à prática educativa. São Paulo:
o coordenador pedagógico o exemplo dessa Paz e Terra, 1996.
formação onde a atualização se torne condição ______. Política e educação. São Paulo: Cor-
essencial para que todos possam desenvolver tez,1997.
um bom trabalho na escola que estão inseridos ______. Pedagogia da autonomia: saberes ne-
com uma aprendizagem significativa para to- cessários à prática educativa. 16. Ed. São Pau-
dos os alunos. lo: Paz e Terra,2000.
GAUTHIER, C. et al.Por uma teoria da pedago-
Só assim faremos a diferença em uma socie- gia: pesquisas contemporâneas sobre o saber
dade que espera por cidadãos críticos e parti- docente. Ijuí: Unijuí, 1998.
cipativos. O conhecimento transforma todos IMBERNÓN, F.Formação docente e profissional:
os envolvidos no processo de aprendizagem. formar-se para a mudança e a incerteza. São
Esperamos que esse nosso estudo possa servir Paulo: Cortez, 2001.
de motivações para novas pesquisas sobre um KONDER, Leandro.O futuro da filosofia da prá-
assunto tão necessário em nossa docência que xis: o pensamento de Marx no século XXI. 2. Ed.
é a formação dos profissionais da educação. Fi- Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
nalizamos com o pensamento de Freire (2000), LÜDKE, M.O professor, seu saber e sua pesqui-
que nos ensina que: sa. Educação e Sociedade, Campinas, V. 12, Nº
74, abr., 2001.
Estar no mundo sem fazer história, sem MENEGHETTI, A. Manual de Ontopsicologia. 3.
por ela ser feito, sem fazer cultura, sem Ed. Recanto Maestro: Ontopsicológica,2004.
tratar sua própria presença no mun- NÓVOA, António. (Coord.). Os professores e a
do, sem sonhar, sem cantar, sem musi- sua formação. Lisboa: Dom Quixote. Instituto
car, sem pintar, sem cuidar da terra, das de Inovação cultural, 1992.
águas,sem usaras mãos, sem esculpir, ______. Os professores e a sua formação. 2. Ed.
sem filosofar, sem pontos de vista sobre Lisboa: Dom Quixote,1995.
o mundo, sem fazer ciência ou teologia, ________. (Org.).Vidas de professores. 2. Ed. Por-
sem assombro em face do mistério, sem to: Porto Editora, 2000.
aprender, sem ensinar, sem ideias de for- SACRISTÁN, J. G. Poderes instáveis em educa-
mação, sem politizar não é possível. É na ção. Porto Alegre: Artes Médicas Sul,1999.
inconclusão do ser, que se sabe como tal, TARDIF, M. Saberes Profissionais dos Profes-
que se funda a educação como processo sores e Conhecimentos Universitários. Rio de
permanente (FREIRE, 2000, p. 64) Janeiro, Revista Brasileira de Educação, Nº 13,
Jan.-Abr., 2000.
REFERÊNCIAS ______.Saberes docentes e formação profissio-
nal.12. Ed. Petrópolis: Vozes, 2011.
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Mudança. São Paulo: Loyola,2001. novas perspectivas. Campinas: Papirus, 2008
FREIRE, Paulo.Pedagogia da Autonomia: sabe-

INEQ - Educação integral


47
GRADUAÇÃO EM

DESIGN
GRÁFICO
2019/2
Ingresse com sua
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48 INEQ - Educação integral


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- Educação
49
CLIMA EDUCACIONAL,
GESTÃO DEMOCRÁTICA
E O PAPEL DO
COORDENADOR
PEDAGÓGICO
Marina Maniezo de Moraes¹

RESUMO RESUMEN

O presente artigo pretende expor as teorias de El presente artículo pretende exponer las teorías
clima organizacional voltadas ao meio educacio- de clima organizacional orientadas al medio edu-
nal, mostrando como esse clima pode influenciar cativo, mostrando cómo ese clima puede influen-
o comportamento e atuação dos agentes parti- ciar el comportamiento y actuación de los agentes
cipantes do processo educativo. Pretende ainda participantes del proceso educativo. El objetivo de
relacionar a importância do desempenho de uma este trabajo es analizar la relación entre la calidad
gestão democrática para a manutenção do clima, y la calidad de la información.
e o papel do Coordenador Pedagógico, como ar-
ticulador, através de ações junto aos professores Palabras clave: Gestión democrática; Coordinador
e demais funcionários, para êxito nesse processo. pedagógico; Formación.
Palavras chave: Gestão democrática; Coordenador
pedagógico; Formação. Ao tentar entender as causas do comportamento
de um sujeito em situação de trabalho, é necessá-
ABSTRACT rio que se faça um estudo sobre o ambiente onde
se realiza esse trabalho, afinal, são os atores da
The present article intends to expose the organi- própria organização que fazem com ela seja per-
zational climate theories focused on the educa- cebida tal como é. As teorias sobre “clima” no local
tional environment, showing how this climate can de trabalho reportam-se principalmente às carac-
influence the behavior and performance of the terísticas organizacionais (BRUNET, 1992), que
agents participating in the educational process. It podem ser indicadores de sua forma de agir, cons-
also intends to relate the importance of the perfor- ciente ou inconscientemente, em relação aos seus
mance of a democratic management for the main- membros e à sociedade. Dessa forma, o principal
tenance of the climate, and the role of the Peda- elemento é a percepção que um indivíduo tem seu
gogical Coordinator, as articulator, through actions ambiente de trabalho. O modo como as coisas
with teachers and other employees, to succeed in são percebidas são mais valorizadas que a reali-
this process. dade objetiva. Essa teoria vem ao encontro com
as ideias de Lewis (apud BRUNET, 1992), que esti-
Keywords: Democratic management; Pedagogical pula que o comportamento de um sujeito é função
coordinator, Training. de sua personalidade e do ambiente no qual está
inserido. A percepção surge para interpretar a rea-

Formada em Pedagogia (PUC-SP) e Artes Visuais (UNIMES), pós graduada em Arte Terapia (USJT). Professora de Educa-
ção Infantil e Ensino Fundamental I da Prefeitura Municipal de São Paulo (EJA - EMEF Aroldo de Azevedo) e Assistente de
Diretor (EMEI Francisca Julia da Silva). Contato: marinamaniezo@gmail.com, (11) 99544-7690.

50 INEQ - Educação integral


lidade e os componentes da organização. Likert (apud Brunet, 1992) identifica quatro ti-
pos de clima:
Essas características do clima consideram a
possibilidade de uma organização possuir uma a)Autoritarismo explorador, no qual a
personalidade própria, resultante dos compor- maior parte dos objetivos e decisões
tamentos e das políticas dos membros da orga- são decididos no topo da organização
nização, servem de referência para interpretar e transmitidos diretamente, as pessoas
uma situação, pois os indivíduos respondem às trabalham numa atmosfera de receios,
solicitações do meio de acordo com sua per- castigos, ameaças e (ocasionalmente)
cepção do clima e funcionam como mediado- recompensas;
ras dos comportamentos organizacionais. b) Autoritarismo benévolo, onde a maior
parte das decisões são tomadas no topo
As variáveis do clima organizacional se con- da organização, mas há a delegação de
centram na estrutura, e se referem às caracte- poderes. As recompensas (e castigos)
rísticas físicas, tais como a dimensão, os níveis são utilizadas para motivar os funcioná-
hierárquicos ou descrição das tarefas; nos pro- rios;
cessos organizacionais, que se refere à forma c) De caráter consultivo, no qual a ela-
como são geridos os recursos humanos, tais boração das políticas e decisões gerais
como o estilo de gestão, modelos de comunica- é feita no topo, mas a participação dos
ção ou modelos de resolução de conflitos; e nas diversos níveis organizacionais é permi-
variáveis comportamentais que inclui os com- tida. A comunicação é descendente; as
portamentos individuais (atitudes, personalida- recompensas, castigos e participações
de, capacidades) e grupais (estrutura, coesão, são utilizadas para motivar o funcionário.
normas,papéis). Há interações, muitas vezes com nível de
confiança elevado. O controle é delegado
Segundo Brunet (1992), o clima pode ser per- de cima para baixo, com um sentido de
cebido através de dimensões, tais como auto- responsabilidade nos escalões superio-
nomia individual (responsabilidade individual, res e inferiores;
independência dos indivíduos e rigidez das d) Participação de grupo, no qual há con-
normas organizacionais), grau de estrutura fiança da direção nos funcionários, o
imposto pelo cargo (nível a que os objetivos e processo de tomada de decisão, integra-
métodos de trabalho são estabelecidos e co- do em todos os níveis hierárquicos, está
municados pela direção), tipos de recompensas distribuído por toda a organização. A co-
(aspectos monetários e possibilidades de pro- municação se faz de forma ascendente,
moção), e estímulo e apoio que a direção presta descendente e horizontal, os funcionários
a seus empregados. são motivados pela participação, elabora-
O clima organizacional geralmente é ção de objetivos, melhoria dos métodos
designado entre aberto ou fechado. O clima fe- de trabalho e avaliação dos rendimen-
chado corresponde a um ambiente de trabalho tos em função dos objetivos. O controle
considerado autocrático, rígido, constrangedor, é exercido por todos os níveis da escala
onde os indivíduos não são considerados nem hierárquica.
consultados. O clima aberto caracteriza-se por
um ambiente de trabalho participativo, no qual Ainda segundo este autor, quanto mais o clima
o sujeito tem um reconhecimento próprio no de uma organização estiver próximo do tipo
desenvolvimento de seu potencial (BRUNET, “participação de grupo”, melhores serão as rela-
1992). ções entre a direção e os demais funcionários.
Quanto mais o clima se assemelhar ao tipo

INEQ - Educação integral


51
“autoritarismo explorador”, piores serão as rela- O excesso de racionalismo, a falha na comuni-
ções entre os diversos atores participantes do cação, a desvalorização e desrespeito à experi-
ambiente organizacional. ência do indivíduo, a hierarquia observada nas
ações e tomada de decisão, a desconfiança
O clima desempenha um papel fundamental quanto às capacidades dos sujeitos descritos
no êxito da execução do trabalho, nas ações de anteriormente, tem diminuído a autonomia e
aperfeiçoamento ou formação de pessoal, que dificultado a elaboração e execução de uma
se tornam mais eficazes se o sujeito souber que proposta de trabalho, levando à desmotivação
poderá utilizar os novos conhecimentos e que e alienação progressiva dos atores da comuni-
proporcionará complementos e apoio necessá- dade escolar.
rios. O ser humano age de acordo com o am-
biente no qual está inserido: numa organização Muitas escolas adotam uma forma de gestão
autoritária, onde a iniciativa individual é mal vis- centralizadora, que ampliam as dificuldades de
ta, há a tendência de adoção de comportamen- atuação. Nesse sentido, pode-se pensar numa
tos que evitem eventuais repreensões. gestão democrática, que se mostra coerente
com o mundo hoje, com o homem moderno e
A percepção do clima também atua sobre o com o ato pedagógico no qual acredito.
estado emocional do sujeito. Segundo Lewin
(apud Brunet, 1992), o ambiente pode motivar Segundo Aplle (apud Albuquerque, s/d) as esco-
ou causar repulsa, causados pelas necessida- las “não são meramente instituições de repro-
des e capacidades desse sujeito e do compor- dução, em que o conhecimento explícito e implí-
tamento de outras pessoas. A intensidade des- cito molda os estudantes como seres passivos
ses sentimentos é decorrente das expectativas que estarão aptos e ansiosos para adaptar-se a
e do valor que um indivíduo atribui ao caminho uma sociedade injusta”, elas devem formar su-
percorrido para alcançar determinado objetivo. jeitos críticos.

O clima organizacional tem efeito direto e de- A educação democrática tem como objetivo
terminante sobre a satisfação e rendimento dos oferecer um ensino de qualidade, que permita
membros de uma organização: num clima onde uma educação que liberte o homem, tornan-
é permitido ao sujeito expandir-se e desenvol- do-o capaz de construir-se, de satisfazer suas
ver-se é provável que o sujeito tenha uma ima- necessidades individuais, buscar fins coletivos,
gem positiva da organização. A produtividade é integrar-se ao seu tempo, e assim, poder trans-
influenciada pelo clima e satisfação, e as prin- forma-lo a favor de todos os homens. A escola
cipais características do clima que influenciam democrática propicia o crescimento do homem
nessa satisfação são o tipo de relações inter- como indivíduo e cidadão. “A educação e a ges-
pessoais, formação e entrosamento do grupo tão democráticas pressupõem a participação e
de trabalho, grau de responsabilidade do traba- autonomia de quem educa” (Albuquerque, s/d).
lho e apoio recebido no trabalho.
A autonomia da escola para educar está na
Os efeitos do clima e sua avaliação devem possibilidade e uso de seu potencial para uma
propiciar a construção de um momento de prática educativa que se coloque a serviço da
mudanças. As novas políticas e estratégias de formação de homens livres, capazes de ajudar
desenvolvimento organizacional dependem do na construção de uma sociedade mais demo-
clima, que permite identificar as dimensões que crática.
desempenham um papel fundamental na per-
cepção do ambiente de trabalho o que facilita a Autonomia da/na escola não significa ausência
proposta de projetos de intervenção e inovação. de regras, normas ou regulamentos, espontane-

52 INEQ - Educação integral


ísmo, mas sim, liberdade para pensar, construir e ALMEIDA, 2002). O bom relacionamento no
e executar propostas educativas, liberdade para ambiente de trabalho eleva as condições de
se auto-governar e auto-construir no campo de aprendizagem e faz com que as pessoas sejam
sua competência. elas mesmas.

Muitas vezes essa autonomia é reduzida, ora Uma das ações de grande importância para
por pressão do contexto mais amplo, por deci- propiciar esse relacionamento é o ato de ouvir
sões da política governamental, por uma políti- atentamente os sujeitos, captar o que está en-
ca educacional inconsistente, ora pela atuação volvido na fala.
dos próprios educadores.
Se, na verdade, o sonho que nos anima
A autonomia escolar requer participação é democrático e solidário, não é falando
e transformação para implantar uma ges- aos outros, de cima para baixo, sobretu-
tão e educação democráticas. A partici- do, como se fôssemos os portadores da
pação dos educadores na construção das verdade a ser transmitida aos demais,
políticas públicas e no projeto educativo que aprendemos a escutar, mas é escu-
da escola garante a vinculação entre pla- tando que aprendemos a falar com eles.
nejamento e execução do trabalho, con- (FREIRE, 1996)
dição essencial para uma ação transfor-
madora. Os educadores necessitam de Aquele que sabe escutar não fala impo-
autogoverno alicerçado em valores, nor- sitivamente, mesmo estando contra posições
mas de conduta, compatíveis com os ide- ou concepções do outro; não fala para o outro,
ais de uma educação democrática para mas com o outro.
impedir a existência e desenvolvimento
de políticas públicas que estreitem a au- Escutar, no sentido aqui discutido, signifi-
tonomia escolar e para assumir a cons- ca a disponibilidade permanente por par-
trução de uma escola autônoma até os te do sujeito que escuta para a abertura
limites possíveis. (ALBUQUERQUE, s/d) à fala do outro. Isto não quer dizer, evi-
dentemente, que escutar exija de quem
A gestão centralizadora concentra o poder ape- realmente escuta sua redução ao outro
nas na chefia, amplia a burocracia, restringe a que fala. Isto não seria escuta, mas auto-
autonomia e dificulta a participação. A diferen- anulação. A verdadeira escuta não dimi-
ça entre os cargos e seus ocupantes deve ser nui em mim, em nada, a capacidade de
superada por meio de relações sociais que te- exercer o direito de discordar, de me opor,
nham alteridade para cada ser humano ver no de me posicionar. Pelo contrário, é escu-
outro a si próprio. Dessa forma poderá ser esta- tando bem que me preparo para melhor
belecida uma relação de parceria. me colocar ou melhor me situar do ponto
de vista das ideias. (FREIRE,1996)
Um relacionamento construtivo acontece se
acreditarmos que o outro é digno de confian- Na gestão democrática estabelecem-se rela-
ça. Autenticidade, apreço, aceitação, confiança, ções de respeito mútuo, cooperativas, existe o
empatia, são atitudes que correspondem às ne- diálogo, liberdade de pensamento e expressão,
cessidades que precisam ser satisfeitas para o criatividade, criticidade, participação. A fonte
desenvolvimento pleno da pessoa. (MAHONEY de poder não está no cargo ocupado, mas no

1 - IN OLIVEIRA, Renata Cristina Dias – REVISTA MAGISTÉRIO – FEVEREIRO/2015.

INEQ - Educação integral


53
conhecimento e experiência. Com essa forma mais compartilhada e integrada” (ORSOLON,
de gestão, amplia-se a autonomia, facilita-se o 2003). A mudança apenas se dá quando o tra-
crescimento dos educadores da escola como balho compreende todos os atores da comuni-
profissionais competentes e comprometidos. dade escolar, e para isso, o coordenador deve
Os sujeitos participantes desse contexto (pro- identificar as diferenças e necessidades desses
fessores, funcionários, alunos) tornam-se par- atores para, a partir daí, propor inovações para
ceiros, responsáveis pela construção, execução o grupo que, envolvido, será suscetível à adesão
e acompanhamento do projeto político pedagó- e compromisso. Cabe ao coordenador valorizar
gico da escola, que será a expressão de sua au- o saber, as experiências, interesses e modo de
tonomia, devendo ser um instrumento para fir- trabalhar do indivíduo, e assim, criar condições
má-la e possibilitar a construção da educação e para questionar essa prática, disponibilizando
escola democráticas. recursos para modificá-la: “A necessidade da
transformação evidencia-se à medida que o
Nesse contexto, o Coordenador Pedagógico, educador tem consciência de si mesmo e do
um personagem de grande importância, é ca- impacto de suas intervenções na realidade”
paz de acelerar e aperfeiçoar as transforma- (ORSOLON, 2003).
ções no ambiente, atuar na articulação entre
direção, professores, alunos e pais, no plane- É o coordenador um dos responsáveis pela
jamento, desenvolvimento e avaliação do pro- criação conjunta com o professor. Essa parce-
cesso de ensino-aprendizagem, na estrutura e ria possibilita a reflexão sobre a ação, onde é
funcionamento pedagógico da escola. possível a ambos rever sua prática.

O Coordenador Pedagógico é um líder – não o Visualizar novas perspectivas, movimen-
detentor do conhecimento (lembremo-nos que tar o quotidiano do professor desenca-
o fato de ser líder não implica em autoritarismo; deiam um movimento de busca pelo
a ideia defendida até aqui é a de que se cami- conhecimento, à medida que ele precisa
nhe para a descentralização do poder, do auto- recorrer a outros repertórios e procurar
ritarismo para a participação, das decisões uni- ajuda. (ORSOLON, 2003)
laterais para consensos) – eficaz para apoiar,
orientar e incentivar a participação dos sujeitos Nessa perspectiva de rever prática, pode-se
da organização (Gonçalves, 2002). pensar na formação continuada, ou seja, aque-
la que acontece no decorrer da vida profissional
Assim, para desenvolver suas atividades, o co- do educador, compreendendo palestras, cur-
ordenador precisa ser consciente de que sua sos, estudos, seminários, ou outros, que possi-
tarefa não é isolada, mas coletiva. Sua ação bilitam a inovação, a criação.
pressupõe a relação entre as dimensões políti-
ca – saber agir –, humano interacional – saber Essa formação pode acontecer no ambiente de
ser – e técnica – saber fazer (Placco, 1994; Or- trabalho e, nesse caso, com o acompanhamen-
solon, 2003). Essa relação, crítica e consciente, to e mobilização do coordenador pedagógico,
é responsável pela mediação da ação pedagó- que planeja e acompanha a execução do pro-
gica desenvolvida pelo coordenador. cesso didático-pedagógico.

Cabe ao coordenador desenvolver um traba- A formação do grupo também deve ser uma
lho em parceria com a organização que “pro- das preocupações do coordenador pedagógico,
piciaria a construção de uma escola em que que deve se preocupar com o desenvolvimen-
as relações e os planejamentos de trabalho se to de um trabalho coletivo sem fragmentações.
dessem de maneira menos compartimentada, Para isso, é necessário que organize encontros

54 INEQ - Educação integral


sequenciais permanentemente (nos quais pode O nascimento do grupo se dá quando há cons-
ser realizada a formação continuada). Partindo ciência de uma tarefa comum. O sujeito deve
das necessidades desse grupo, o coordenador saber o por quê de estar exercendo seu trabalho
deve escolher o quê trabalhar e, principalmen- e, por meio disso, sentir-se responsável por um
te, como trabalhar essa necessidade. Com a fim comum. Nesse processo de formação de
criação de vínculos entre os indivíduos, as crí- grupo, pode-se pensar nas relações interpesso-
ticas são aceitas, torna-se mais fácil expor-se ais, que também devem acontecer nesse am-
e o medo é superado. Nesse espaço, deve ficar biente, além de favorecer a formação do grupo.
claro a individualidade de cada sujeito, conside-
rando as diferenças de cada um. As reuniões devem ser privilegiadas. Encontros
entre a direção e os demais setores favorecem
O grupo, portanto, não pode ser pensado o diálogo, o acompanhamento das atividades
como uma totalidade pronta, acabada, e desenvolvidas nos setores, a confiança e, so-
sim como uma totalização em processo. bretudo, a solução de problemas. Os encontros
E a dialética dos grupos será o movimen- entre todos os sujeitos que participam dessa
to sempre inacabado dos grupos, que relação de trabalho também devem acontecer,
surgem e se mantém através da práxis. pois é nesse momento que acontecem as tro-
(RUBINI, 1988) cas de ideias e experiências. A participação, en-
volvimento e articulação de todos na definição
A práxis do grupo é o movimento de luta contra de metas, na execução das atividades, faz com
a equivalência (serialidade) e a realização do que haja empenho para que se atinja de forma
homem enquanto ser humano. Na formação plena esses objetivos.
do grupo, os sujeitos acabam por escolher for-
mas de relação entre os membros delimitando A formação continuada é outro âmbito que
as estruturas grupais e possibilitando ao grupo deve ser trabalhado. Podem acontecer na pró-
manter-se como tal. pria Organização, assim como em cursos, pa-
lestras, entre outros, que devem ser propiciados
O coordenador deve cuidar da vida desse grupo, pela equipe gestora. Na Organização deve ha-
o que implica na observação, leitura e explicita- ver uma cultura de participação, confiança, co-
ção dos acontecimentos que levam à diferen- operação; um clima participativo, o que provoca
ciação, na organização de encaminhamentos maior satisfação pessoal e maior envolvimento
e intervenções das tarefas do grupo (MARINO, dos sujeitos no trabalho conjunto. Assim, as
1995). pessoas trabalhariam descontraídas, felizes, se-
guras para expor suas opiniões e trocar ideias.
No grupo eu aprendo o que sou; no con-
fronto, o que sei, gosto e acredito. Tam- A avaliação dessas atividades, por meio de ob-
bém o que não sou, não acredito etc... No servações e discussões, deve ser feita ao final
grupo muitas vezes brigo com o outro de cada encontro ou atividade, com o objetivo
para brigar comigo mesmo, para enten- de melhorar as propostas; e ao final dos semes-
der o que pensava, e o que no confronto tres, para que se possa refletir sobre a relevân-
com o outro passo a pensar. Por isto é cia de dar continuidade a essas propostas. A
preciso que o grupo seja fixo, quotidiano. avaliação feita pelos sujeitos envolvidos deve
Precisa de encontro com pauta planejada, ser considerada pela direção, e os aspectos le-
com registro, documentando a vida, mo- vantados devem ser retomados para que pos-
vimentos daquele grupo. No registro está sam ser colocados em prática.
a teoria daquele grupo, sua memória, sua
eternização na cultura. (DAVINI, 1997) O Coordenador Pedagógico, que atua na arti-

INEQ - Educação integral


55
culação entre direção, professores, e demais tio. Ed. Criart, ano 3, nº 18, s/d.
funcionários, está num local privilegiado para MAHONEY, Abigail Alvarenga; e ALMEIDA, Lau-
propor essas mudanças, pois tem contato com rinda Ramalho de.O ouvir ativo: recursopara
todos os sujeitos envolvidos no processo edu- criar um relacionamento deconfiança. In: AL-
cativo. Cabe à direção aceitar as sugestões e MEIDA, Laurinda Ramalho de; e
facilitar a prática das mesmas. Acredito, por- PLACCO, Vera Maria Nigro de Souza (Orgs).As
tanto, que com essas mudanças na rotina da relações interpessoais na formação deProfes-
Organização, o clima se torne menos autoritá- sores. São Paulo: Edições Loyola, 2002.
rio e mais participativo, como foi proposto até MARINO, Marília J.O grupo no processo educa-
aqui. tivo. In: Linhas Críticas: revista semestral da Fa-
culdade de Educação. Universidade de Brasília,
O futuro de cada professor representa um vol. 4, números 7-8, julho de 1998 a junho de
fio que, com outros,com milhões e mi- 1999.
lhões de outros fios (fios de outros profis- MORGAN, Gareth.Imagens da Organização.
sionais que não sejam necessariamente Tradução: Cecília Whitaker Bergamini, Roberto
professores), criará o futuro da educação, Coda. São Paulo: Atlas, 1996.
o futuro da sociedade, o nosso futuro. ORSOLON, Luzia Angelina Marino.O coordena-
(PERISSÉ, 2002) dor/formador como um dos agentes detrans-
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São Paulo: Edições Loyola, 2003.
GONÇALVES, Carlos Luiz.O coordenador peda-
gógico em tempos de mudança. In: ABC Educa-

56 INEQ - Educação integral


LUDICIDADE:
DESENVOLVENDO
CRIATIVIDADE E
CONHECIMENTO NA INFÂNCIA

Rodrigo Pereira de Almeida

RESUMO teaching learning. For the accomplishment of the


work, a research was necessary, in the practical as
Esse artigo se apresenta com o objetivo de inves- well as in the bibliographic field. The techniques
tigar a incorporação do lúdico no processo de en- were constructed with students based on the con-
sino aprendizagem. Para a realização do trabalho tent studied and using playfulness as the basis
fez-se necessário uma pesquisa, tanto no campo for the development of activities. In the first part it
prático, quanto no bibliográfico. As técnicas foram presents some considerations of how the playful
construídas com alunos baseando-se no conteú- one has influence on the cognitive development of
do estudado e utilizando a ludicidade como a base the children in several aspects. In the second part
para o desenvolvimento das atividades. Na pri- is made a survey of how the school and teachers
meira parte apresenta algumas considerações de can use ludicity as a method of support for the
como o lúdico tem influência sobre o desenvolvi- construction of knowledge, some considerations
mento cognitivo das crianças em vários aspectos. of how play is seen in this process and also some
Na segunda parte é feito um apanhado de como a possibilities of using this tool. Finally, it is conside-
escola e os professores podem utilizar a ludicida- red of great importance for educators to be atten-
de como método de suporte para a construção do tive to some attitudes in order to reach the desired
conhecimento, algumas considerações de como o objectives and to know how to evaluate learners by
lúdico é visto neste processo e também algumas properly applying the playfulness (games, toys and
possibilidades de utilização dessa ferramenta. E games), as a teaching instrument to the process of
por fim, considera-se de grande importância que teaching learning .
os educadores estejam atentos a algumas atitu-
des para que alcance os objetivos pretendidos e Keywords: Ludicidade; Creativity; Learning; Know-
para saber como avaliar os educandos aplicando ledge.
adequadamente o lúdico (jogos, brinquedos e brin-
cadeiras), como instrumento didático ao processo INTRODUÇÃO
ensino aprendizagem.
Palavras-chave: Ludicidade; Criatividade; Aprendi- A opção por estudar a ludicidade deve-se à rele-
zagem; Conhecimento. vância do tema e por acreditar que aprender não é
somente decorar conceitos e depois esquecer ou
ABSTRACT aprender a ler mecanicamente, sem compreender
o que está sendo estudado. Sabemos que é pos-
This article presents with the objective of investi- sível ao ser humano adquirir e construir o saber,
gating the incorporation of ludic in the process of brincando. Brincando aprendemos a conviver, a

INEQ - Educação integral


57
ganhar ou perder, a esperar nossa vez e lidamos Com este estudo se deseja apontar algumas
melhor com possíveis frustrações. Através des- maneiras diferenciadas de conceber o conhe-
te estudo, pretende-se mostrar a importância cimento através do lúdico como instrumento
de trabalhar de uma forma diferenciada, inse- para compreensão de mundo onde o professor
rindo a criança em um espaço alegre e criativo, intervém no processo de aprendizagem do alu-
proporcionando a construção do conhecimen- no, criando situações problemas, introduzindo
to. Neste contexto, compreende-se que a ludici- novas informações, criando condições para que
dade é uma ferramenta fundamental para esti- eles avancem em seus esquemas de compreen-
mular a construção do conhecimento humano. são da realidade, sendo visto como um sujeito
Percebe-se através de experiências em sala de ativo que usa sua experiência e conhecimento
aula, o quanto é importante a ludicidade na apli- para resolver problemas. Com isso o professor
cação dos conteúdos, por ser uma maneira de deve propor atividades abertas, dando possibi-
fazer com que os alunos exponham suas ideias lidade de o aluno estabelecer as suas próprias
e construam o seu conhecimento de acordo estratégias de maneira prazerosa e motivadora
com a proposta pedagógica. por meio da ludicidade.

No entanto, há professores que ainda resistem Acredita-se na troca de experiências, na inova-


em inovar a prática em sala de aula, se acomo- ção dos métodos de ensino, na proximidade do
dando no método tradicional, que julgam ser o professor e aluno, a aplicação de atividades e
mais eficiente e mais prático de ser trabalhado, avaliações que envolvam o aluno no proces-
o professor é o transmissor do conhecimento e so de aprendizagem para que este não tenha
os alunos os receptores, decorando conceitos medo de arriscar, criar e inovar, desenvolvendo
que ao longo do tempo serão esquecidos. Para capacidades, e principalmente vendo o aluno
Cury (2010) o objetivo fundamental dos profes- não só como um receptor de conhecimento,
sores é ensinar os alunos a serem pensadores, mas como um ser humano em processo de
e não transmissores de informação. construção.

A partir dessa reflexão podemos afirmar que o Nesse sentido, expõe-se através deste artigo a
educador é o grande responsável pelo desen- importância da ludicidade no processo de cons-
volvimento e o alcance da aprendizagem do trução do aprendizado, proporcionando meios
aluno, através da integração dos conteúdos para a criança ampliar a imaginação e criativi-
com a ludicidade. É através da prática diferen- dade de modo alegre e prazeroso, oportunizan-
ciada do educador que o educando será inse- do ao aluno tornar-se futuramente um adulto
rido na maneira lúdica de aprender e se sentirá crítico, com autonomia e iniciativa, sendo capaz
mais alegre, motivado e capaz de demonstrar de resolver as mais diversas situações sem ne-
suas habilidades e competências, e consequen- nhuma dificuldade.
temente estará ao mesmo tempo aprendendo e
se divertindo, pois vivemos em um tempo que 1. A ludicidade no desenvolvimento da criança
as rápidas e profundas mudanças ocorridas na
sociedade acabam por exigir da escola e dos O vocábulo lúdico vem do latim ludus e signifi-
professores um repensar da prática para res- ca brincar. Segundo Piaget, o desenvolvimento
ponder às necessidades do mundo contempo- da criança acontece através do lúdico, que não
râneo. representa somente o jogar, mas sim pode ser
encontrado em várias manifestações como na

58 INEQ - Educação integral


dança, teatro, brincadeiras, construção de ma- das as fases de aprendizagem. É através dos jo-
teriais concretos e nas histórias. gos e brincadeiras que os alunos desenvolvem
suas habilidades cognitivas e motoras, propor-
Nesse sentido a função educativa do lúdico é cionando ao professor a observação do desen-
oportunizar a aprendizagem do indivíduo, seu volvimento da criança por meio da sua liberda-
saber e compreensão de mundo. Para Fried- de para criar e imaginar diversas situações.
man (1999) os jogos lúdicos permitem uma
situação educativa cooperativa e interacional, O uso de instrumentos variados como a músi-
ou seja, quando alguém está jogando está exe- ca, teatro, dança, histórias e construção de ma-
cutando regras do jogo e ao mesmo tempo, de- teriais concretos são de grande importância e
senvolvendo ações de cooperação e interação auxílio no processo de construção do conheci-
que estimulam a convivência em grupo. mento, pois ao mesmo tempo em que o aluno
constrói ou cria o seu material, ele desenvolverá
Pode-se afirmar que a ludicidade oferece con- as suas capacidades como o raciocínio, aten-
dições para o aluno vivenciar situações proble- ção, criatividade concentração e domínio sobre
mas, experiências com a lógica e o raciocínio, o assunto.
atividades físicas e mentais que favorecem a
sociabilidade e estimulam às reações afetivas, Logicamente, ao mesmo tempo em que cons-
sociais, morais, cognitivas, culturais e linguísti- truímos alguma coisa estamos em pleno co-
cas. nhecimento de como ela funciona. Essa tese
se aplica a utilização da ludicidade em sala de
De acordo com Vygotsky (2004), é na intera- aula, ao mesmo tempo em que a criança brinca
ção com as atividades que envolvem simbo- e se diverte, ela está criando vínculos afetivos,
logia e brinquedos que o educando aprende a aprendendo a repartir, conviver, resolver proble-
agir numa esfera cognitiva. Na visão do autor a mas, refletir sobre situações e criar estratégias
criança comporta-se de forma mais avançada dentro da brincadeira.
do que nas atividades da vida real, tanto pela vi-
vência de uma situação imaginária, quanto pela Goleman (2009) desenvolveu o conceito de in-
capacidade de subordinação às regras. teligência emocional e salienta: A preparação
da criança para a escola passa pelo desenvol-
A ludicidade é de extrema importância para o vimento de competências emocionais – inteli-
desenvolvimento mental e social da criança. gência emocional – designadamente confian-
Através de atividades lúdicas a criança é livre ça, curiosidade, intencionalidade, autocontrole,
para criar o seu mundo simbólico e é estimu- capacidades de relacionamento, de comunica-
lada à fantasia e a imaginação. Para Vygotsky ção e de cooperação.
(2004) o brinquedo cria na criança uma nova
forma de desejos a um eu fictício, por essa ra- Portanto, nessas situações o lúdico está in-
zão, a metodologia lúdica proporciona prazer, fluenciando no processo de construção do co-
alegria e entretenimento à criança no momento nhecimento, brincando a criança experimenta,
do aprendizado, e distanciando a ludicidade da descobre, inventa aprende e confere habilida-
concepção de um passatempo ou diversão. des. Além de estimular a curiosidade, a auto-
confiança e a autonomia, proporcionam o de-
O trabalho com o lúdico é uma prática funda- senvolvimento da linguagem, do pensamento,
mental para ser utilizada em sala de aula em to- da concentração e da atenção.
INEQ - Educação integral
59
Nesse sentido, nas palavras de Kishimoto: sultados positivos na educação, envolvendo o
aluno no processo de aprendizagem e também
Brincando [...] as crianças aprendem [...] exigindo do professor maior engajamento e pla-
a cooperar com os companheiros [...], a nejamento das atividades executadas em aula.
obedecer às regras do jogo [...], a respeitar Atualmente o lúdico é uma técnica muito utili-
os direitos dos outros [...], a acatar a auto- zada pelos professores, pois através desta pra-
ridade [...], a assumir responsabilidades, a tica se desenvolvem várias inteligências além
aceitar penalidades que lhe são impostas de permitir que o aluno participe da construção
[...], a dar oportunidades aos demais [...], do seu próprio conhecimento de uma forma
enfim, a viver em sociedade. (2010, p.110) significativa. Outra característica muito positi-
va da ludicidade é a capacidade de transformar
Portanto pode-se considerar que a brincadeira é as aulas, por vezes cansativas e desmotivadas,
importante para o desenvolvimento da criança. em aulas alegres, motivadoras e principalmente
Pode-se dizer que o lúdico é como uma parte atrativas aos olhos das crianças.
inerente do ser humano, utilizado como recurso
pedagógico em várias áreas de estudo oportu- [...] as possibilidades oferecidas pelos jo-
nizando a aprendizagem do educando. Dessa gos ou representações teatrais são infin-
forma, percebem-se as diversas razões que dáveis, pois, para o autor é sempre pos-
levam os educadores a trabalharem no âmbito sível encontrar um assunto que oferecerá
escolar as atividades lúdicas. as crianças oportunidade de desenvolver
muito melhor o aprendizado da leitura,
O papel principal do educador é estimular os escrita, História, Literatura, Geografia do
alunos à construção dos conhecimentos atra- que através da rotina dos livros didáticos.
vés das atividades lúdicas, fazendo com que Este é simplesmente outro modo de dizer
eles sejam desafiados a produzir e oferecer que “learningbydoing” é um modo melhor
situações-problema que serão impostas pelo de aprender, do que apenas ouvindo, uma
educador, a fim de motivar a percepção e cons- vez que a criança constrói mental e fisi-
trução de esquemas de raciocínio, além de ser camente experiências que se revelaram
uma forma de aprendizagem diferenciada e sig- importantes para a humanidade e desen-
nificativa. volve, além disso, padrões mais eficien-
tes de julgamento, comparação e crença.
1.1 O lúdico na escola como sinônimo de (KISHIMOTO, 2002, apud NEVES, 2009, p.
aprendizagem significativa 50)

Ao longo do tempo, a escola vem buscando Durante muito tempo, acreditou-se na práti-
aperfeiçoar técnicas e métodos de ensino a fim ca pedagógica fundamentada na repetição de
de transformar o ensino em prática inovadora exercícios. Pensava-se que essa prática é que
e prazerosa, algo que não seja somente base- levaria a criança a aprender a ler e escrever me-
ado na transmissão de conhecimentos, mas lhor. Porém, sabemos que essa não é mais a
sim em um espaço rico de significados e tro- melhor maneira de transmitir o conhecimento
ca de experiências, a partir da socialização e para os alunos. Os professores deixaram de
da construção do conhecimento. Na busca por serem transmissores do conhecimento e pas-
esse aperfeiçoamento, o lúdico surge como um saram a ser mediadores da aprendizagem, pois
recurso didático dinâmico que proporciona re- o aprendiz não é um receptor passivo. A tarefa

60 INEQ - Educação integral


dos educadores é buscar novos meios de ino- o lúdico está engajado na prática pedagógica
var e incentivar a construção do conhecimento, para contribuir na qualidade do aprendizado e
extinguindo a ideia de aprendizagem mecânica, possibilitando ao educador a organização de
na qual novas informações eram interiorizadas aulas mais dinâmicas, onde os alunos intera-
de maneira arbitrária, literal, não significativa. jam, despertando o interesse nas aulas, o au-
Reconhecemos que o lúdico é sem sombra de mento na vontade de aprender e consequente-
dúvidas muito importante para a melhoria da mente o maior rendimento no seu aprendizado.
educação e para o andamento das aulas, pois Esta é uma ótima maneira de fazer com que os
provoca uma aprendizagem significativa que alunos desenvolvam o seu senso critico, sejam
ocorre gradativamente e inconsciente de forma pensadores, questionadores e não sejam como
natural, transformando-se em um grande aliado máquinas repetidoras de informações.
aos professores na caminhada para bons resul-
tados. Bons professores usam a memória como
armazém de informações, professores
Cabe aos professores buscar informações e fascinantes usam a memória como su-
aperfeiçoamento necessário para implantar porte da criatividade. Bons professores
novas técnicas e instrumentos para serem utili- cumprem o conteúdo programático das
zados como suporte durante as aulas, fazendo aulas, professores fascinantes também
com que o conteúdo se torne mais atrativo e cumprem o conteúdo programático, mas
passe a instigar a curiosidade nos alunos, já di- seu objetivo fundamental é ensinar os
zia Albert Einstein “A curiosidade é mais impor- alunos a serem pensadores e não repeti-
tante que o conhecimento”, pois se não temos dores de informações. (...) A memória cla-
curiosidade de saber como algo funciona, para ma para que o ser humano seja criativo,
quê serve ou simplesmente para sanar nossas mas a educação clássica clama para que
dúvidas, não teríamos o conhecimento, ele pro- ele seja repetitivo. (CURY, 2010, p.68)
vém da curiosidade, da investigação, do desejo
de descoberta. É muito importante que os educadores mudem
os padrões de conduta em relação aos educan-
Pode-se afirmar, com certeza, que o papel do dos, deixando de lado os métodos e técnicas
educador é estimular os alunos a construção tradicionais e passem a acreditar que o lúdico
de novos conhecimentos, pois é através de ati- é eficaz como estratégia do desenvolvimento
vidades lúdicas que o aluno acaba sendo desa- em sala de aula. Segundo o autor, não basta
fiado a criar, produzir e oferecer soluções às si- apenas cumprir com o conteúdo programático
tuações-problemas que estão sendo impostas das aulas, se o aluno não compreende o que
a ele pelo educador. Através desta proposta de está estudando, ou se está apenas repetindo e
trabalho o lúdico se torna um dos motivadores armazenando mecanicamente as informações
na percepção e na construção de esquemas de que com certeza em curto prazo já estarão es-
raciocínio, além de ser uma forma de aprendiza- quecidas. Precisa-se envolver o aluno no con-
gem diferenciada e significativa. teúdo, utilizar ferramentas de suporte, ser ino-
vador, criativo. Não se aprende o que não nos
A educação tem por objetivo principal formar interessa que é significativo, importante, pode-
cidadãos críticos e construtivos, capazes de re- -se aprender por obrigação, mas, com certeza,
solver problemas, inventar, construir e aprimo- muito logo alunos esquecerão.
rar os seus conhecimentos. Em função disso
INEQ - Educação integral
61
Assim, entendemos que “infelizes dos profes- um poderá exercer papéis diversos aos de sua
sores que não conseguem aprender com seus realidade, além de que, estarão necessariamen-
alunos e renovar e inovar sua prática.” (CURY, te submetidas a regras de comportamento e
2010, p.53), os professores têm o dever de de- atitude.
senvolver as potencialidades nos nossos alu-
nos. Devemos aprender a adaptar o conteúdo Se a escola não atua positivamente, garantindo
das aulas, e transformá-lo em algo mais atrati- possibilidades para o desenvolvimento da brin-
vo, pois é através dessas inovações que conse- cadeira, ela ao contrário, age negativamente
guiremos conquistar os alunos e proporcionar impedindo que esta aconteça. Diante desta re-
um aprendizado de qualidade para eles. alidade, faz-se necessário apontar para o papel
do professor na garantia e enriquecimento da
Os professores devem tratar a ludicidade como brincadeira como atividade social da infância.
um sinônimo de aprendizagem atrativa e signi- Considerando que a brincadeira deva ocupar
ficativa no desenvolvimento da criança. Segun- um espaço central na educação entendo que
do Piaget (2005), o jogo não pode ser tratado o professor é figura fundamental para que isso
somente como uma atividade para desgastar a aconteça, criando os espaços, oferecendo ma-
energia, e sim como uma ferramenta importan- terial e partilhando das brincadeiras.
tíssima no processo de desenvolvimento. A sala
de aula hoje é vista sob uma nova perspectiva, Devemos ter espírito aberto ao lúdico, reconhe-
um espaço de aprendizagem por parte de todos cer sua importância enquanto fator de desen-
que dela participam direta ou indiretamente. volvimento da criança. Seria importante ter na
sala de aula um cantinho com brinquedos e
Muito pode ser trabalhado a partir de jogos e materiais para brincadeiras. Na verdade qual-
brincadeiras. Contar, ouvir histórias, dramatizar, quer sala de aula disponível é apropriada para
jogar com regras, desenhar entre outras ativida- as crianças brincarem. Podemos ensinar as
des, constituem meios prazerosos de aprendi- crianças também, a produzir brinquedos. O que
zagem. Na medida em que a criança interage ocorre geralmente nas escolas é que o trabalho
com os objetos e com outras pessoas cons- de construir brinquedos com sucatas fica res-
truirá relações e conhecimentos a respeito do trito às aulas de arte, enquanto professores po-
mundo em que vive. Aos poucos, a escola, a fa- deriam desenvolver também este trabalho nas
mília, em conjunto, deve favorecer uma ação de áreas de história, ciências etc. integrando aos
liberdade para a criança, uma socialização que conhecimentos que são ministrados.
se dará gradativamente, através das relações
que ela estabelecerá com seus colegas, profes- É muito interessante ver uma criança transfor-
sores e outras pessoas. mar um simples copo de plástico numa fantás-
tica nave espacial com tripulantes e tudo. A su-
Para que isso aconteça, a criança não deve se cata é um recurso, se mostra como um lixo real
sentir bloqueada, nem tão pouco oprimida em e depois de transformada em algo passamos
seus sentimentos e desejos. Suas diferenças e a dar origem a objetos construtivos, expressi-
experiências individuais devem, principalmente vos. O brinquedo (sucata) é assim denominado
na escola, ter um espaço relevante sendo res- por se tratar de um objeto construído artesanal-
peitadas nas relações com o adulto e com ou- mente com diversos materiais, como madeira,
tras crianças. Brincando em grupo as crianças plástico, lata, borracha, papelão e outros recur-
se envolvem em situação imaginária onde cada sos extraídos do cotidiano.

62 INEQ - Educação integral


A tensão entre o desejo da criança e a realida- res iguais e o Antônimo era muito atrapalhado
de objetiva é que dá origem ao lúdico acionado e usava suas roupas somente do lado avesso.
pela imaginação. Assim podemos afirmar que a A partir dessa ideia central foi trabalhado todo
brincadeira por abrir espaços para o jogo da lin- conteúdo, criação de texto, , desenhos repre-
guagem com a imaginação se configura como sentativos entre outras atividades relacionadas,
possibilidade da criança forjar novas formas, onde os alunos participaram da construção do
conceber a realidade social e cultural em que conhecimento, através de um mundo fantasio-
vive, além de servir como base par a construção so e imaginário puderam expressar suas ideias
de conhecimentos e valores. Isto faz com que e ao mesmo tempo memorizarem o conteúdo
o brincar seja uma grande fonte de desenvolvi- através da assimilação com os personagens.
mento e aprendizagem.
Essa é uma de muitas técnicas que podem ser
1.2 Possibilidades do Lúdico em sala de aula utilizadas durante as aulas, visando principal-
para desenvolvimento da criatividade e cons- mente à compreensão do conteúdo através de
trução do conhecimento através de criação de maneiras quotidianas de assimilação com a
histórias realidade. Trabalha-se principalmente a cons-
trução do conhecimento partindo de um tema
Contar histórias é um dos hábitos mais impor- central, que é lançado aos alunos como gerador
tantes e antigos da humanidade e na escola de ideias e a partir daí são os próprios alunos
não pode ser diferente, pois a função do edu- que desenvolvem o restante da atividade. Vale
cador não é apenas ensinar a ler e escrever me- ressaltar que é fundamental o monitoramento
canicamente, mas é a de criar condições para o e a instrução permanente do professor para
educando realizar a própria aprendizagem, con- que as atividades saiam conforme o objetivo
forme seus interesses, necessidades, fantasias, proposto, nestas condições o educador é um
segundo as dúvidas e exigências que a realida- mediador do conhecimento, com a função de
de lhe apresenta. lançar a proposta e o objetivo que ele deseja e
a partir disso então os alunos como construto-
Baseando-se nesse pressuposto utilizei o lúdi- res do conhecimento permitem a imaginação e
co nas aulas com a turma de 3º ano do ensi- a criatividade lhes guiar na concretização das
no fundamental, buscando inserir a ludicidade atividades.
em todos os aspectos possíveis, através da
adaptação dos conteúdos curriculares, trans- Portanto, é possível juntar a prática à teoria e
formando-os em algo mais atrativo e significa- quando isso ocorre é benéfico para ambos,
tivo, principalmente me utilizando da criação de professores e alunos. Formas interessantes de
histórias baseadas no conteúdo a ser estudado. fazer com que isso ocorra é a elaboração de
Essa técnica corresponde na construção de his- projetos, passeios, atividades dentro e fora da
tórias baseadas no conteúdo programático, por sala de aula, utilização de materiais, como ví-
exemplo: criar personagens em determinada si- deos, internet, músicas, livros de histórias, além
tuação, nomear os personagens de acordo com dos livros didáticos que também podem servir
o conteúdo estudado e outras todas as ativida- como um apoio no processo de aprendizagem.
des baseadas na história criada. Gostaria de O lúdico não consiste apenas na concepção de
citar uma das histórias que foram criadas pela jogo e brincadeiras, mas ele também abrange
turma: Os irmãos Sinônimo e Antônimo, na his- todo esse universo imaginário e criativo que
tória o Sinônimo só se vestia com roupas de co- envolve o aprendizado. A ludicidade está pre-
INEQ - Educação integral
63
sente nas músicas e cantos que também são o pensamento e estimula a análise.
ótimos estimulantes, na criação de histórias, na
confecção dos materiais a serem utilizados na CONSIDERAÇÕES FINAIS
aula, em um passeio programado com a turma
com o intuito de mostrar/pesquisar a realidade, O estudo dos autores vem ao encontro de nos-
as diversas formas de vida e convivência, entre sos anseios, no sentido de mostrar que não
tantas outras maneiras que podem ser citadas. precisamos deixar de ensinar os conceitos bá-
Diante de várias possibilidades, percebe-se que sicos aos alunos, mas sim cumprir com o papel
adaptando o conteúdo estudado em uma histó- de mediador do conhecimento possibilitando
ria, tanto fictício, como da realidade dos alunos, situações que façam com que o aluno, pen-
eles apresentaram maior interesse pelo conteú- se, pesquise, busque soluções, interaja com o
do, e começaram a assimilar e entender melhor meio, construa suas ideias, para que se torne
a matéria. um adulto crítico e construtivo.

O Mestre dos mestres foi um excelen- Para a criança o lúdico é uma preparação para
te educador porque era um contador de a vida adulta, pois é através da imaginação que
parábolas. Cada parábola que ele contou ela projeta sua vida futura e cabe aos professo-
há dois mil anos era uma rica história que res propiciar o ambiente adequado para as brin-
abria o leque da inteligência, destruía pre- cadeiras, descobertas e crescimento. É através
conceitos e estimulava o pensamento. desse meio facilitador que a criança sem perce-
Este era um dos segredos pelos quais ele ber desfrutará da maravilhosa liberdade de brin-
vivia rodeado de jovens. (...) Para ser inte- car e aprender, pois as crianças precisam correr
ligente não é preciso ser um intelectual ou riscos e desafios para serem bem-sucedidas
um cientista, basta criar histórias e inserir em seu processo de ensino aprendizagem, pro-
nelas lições de vida. (CURY, 2010, p.49) duzindo e interpretando a linguagem que está
além das certezas que já tem sobre a língua.
Pode-se compreender com base no autor, e na
experiência relatada que através das histórias Não se pode também deixar de mencionar que
podemos despertar nos alunos um mundo de para a incorporação do lúdico faz-se necessário
ideias, baseado na imaginação, na emoção, na uma política educacional que garanta a forma-
criatividade, se apoderando desta maravilhosa ção do profissional, um engajamento total do
ferramenta que é contar histórias para inovar a grupo escolar, principalmente direção e profes-
maneira de educar. É a partir do simples ato de sores, abraçando a causa juntos e buscando
contar ou criar uma história que podemos glo- através do dialogo e conscientização da insti-
balizar vários assuntos em diferentes aspectos tuição de ensino acerca do valor do elemento
para trabalhar com os alunos, desde o conteú- lúdico na formação integral do educando. O
do curricular, até os mais variados problemas desafio das carências e dos problemas edu-
ou situações existentes na própria escola ou na cacionais, numa sociedade de mudanças tão
vida quotidiana das crianças. O autor também rápidas quanto a nossa, requer a combinação
fala que contar histórias é psicoterapêutico, e de esforços e talentos na busca de alternativas
uma das melhores maneiras de se resolver con- e soluções adequadas à realidade que nos cer-
flitos em sala de aula, em vez de gritar, agredir ca, facilitando a aprendizagem através de uma
ou fazer sermões, que serão ignorados e em grande quantidade de recursos que devem ser
pouco tempo esquecidos, mas a história fisga inseridos dentro da sala de aula para facilitar o

64 INEQ - Educação integral


processo de construção do conhecimento. dos nesta bela missão, que é a arte de ensinar.
Podemos concluir que o lúdico é um grande la-
A educação de hoje precisa que os professores boratório que merece atenção dos pais e dos
se conscientizem da importância da constru- educadores, pois é através deles que ocorrem
ção do conhecimento, partindo sempre do alu- experiências inteligentes e reflexivas. As ativi-
no para que os educadores também assumam dades lúdicas funcionam como exercícios ne-
o papel de artistas e deixem a sua imaginação cessários e úteis a vida e a brincadeira e jogos
fluir para que haja primeiramente um bom pla- são elementos indispensáveis para que haja
nejamento das aulas e consequentemente a uma aprendizagem com divertimento que pro-
conquista do objetivo almejado. Não podemos porcione prazer no ato de aprender. E que facili-
somente desejar que o processo de ensino seja te as práticas pedagógicas em sala de aula.
um sucesso sem antes planejá-lo, pesquisar
métodos diferenciados e técnicas novas dentro REFERÊNCIAS
daquilo que se quer ensinar.
CURY, Augusto Jorge, 1958 – Pais brilhantes,
A atitude de mudança se inicia no professor, professores fascinantes. Rio de Janeiro: Sex-
que deve se aperfeiçoar e buscar novas manei- tante, 2010.
ras de ensinar, e depois o resultado virá no alu- FRIEDMANN, Adriana. Brincar, crescer e apren-
no com a aquisição de novos conhecimentos der: o resgate do jogo infantil. São Paulo: Mo-
e domínio daquilo que lhe foi ensinado. Que o derna, 1999.
educador reflita sobre sua postura em relação GOLEMAN, Daniel. Estruturas da mente: a teoria
ao ensinar, aprender e ao avaliar seu educando das inteligências múltiplas. São Paulo: Graffex,
dentro da metodologia lúdica. O trabalho orga- 2009.
nizado seguindo esta metodologia deverá ser KISHIMOTO, Tizuko Morchida. Jogos tradicio-
definido em conjunto com os professores, ofe- nais Infantis: O jogo, a criança e a educação.
recendo um fio condutor para as atividades rea- Petrópolis: Vozes 2013.
lizadas com as crianças, garantindo um signifi- MUNARI, Alberto. Jean Piaget; tradução e or-
cado concreto e a possibilidade de um trabalho ganização: Daniele Saheb. – Recife: Fundação
que integre as diversas áreas de conhecimento. Joaquim Nabuco. Editora Massangana, 2010.
É relevante resgatar o "lúdico" no contexto es- NEVES, Libéria Rodrigues. O uso de jogos tea-
colar, de modo que esse processo trabalhe com trais na educação: Possibilidades diante do fra-
a diversidade cultural e desperte a vontade e casso escolar. Campinas, SP: Papirus, 2009.
aprender. Fazer a prática pedagógica a partir PIAGET, Jean. A formação do símbolo na crian-
das atividades lúdicas nos conduz a pensar em ça: imitação, jogo e sonho, imagem e represen-
mudanças significativas para o contexto educa- tação. Tradução de Álvaro Cabral e Cristiane
cional. Monteiro Oiticica. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.
VIGOTSKY, L. S. A formação social da mente.
Espera-se que essa proposta se torne mais um São Paulo: Martins Fontes, 2004.
suporte para os professores atuantes no am-
biente escolar, para que possam aprimorar suas
aulas, transformando-as em aulas dinâmicas,
em um ambiente prazeroso e alegre com várias
oportunidades de construção do conhecimento
e integração entre todos que estiverem inseri-
INEQ - Educação integral
65
LUIZ GAMA E SUA
CONTRIBUIÇÃO LITERÁRIA
COM O MOVIMENTO NEGRO

Rosemeire Da Silva Andrade Arrais 1

RESUMO negro.

O surgimento de uma literatura capaz de desafiar a ABSTRACT


identidade branca hegemônica ocorreu após a for-
mação de uma comunidade de escritores negros, The emergence of a literature capable of challen-
os quais passaram a reivindicar não só um espaço ging the hegemonic white identity occurred after
próprio, mas também a demarcação de uma his- the formation of a community of black writers, who
tória da literatura negra. Foi nesse contexto que came to claim not only their own space, but also
emergiu Luiz Gama, precursor de certas temáticas the demarcation of a history of black literature. It
que serão abordadas. A partir da efervescência was in this context that Luiz Gama emerged, the
política, social e cultural que caracterizou os anos forerunner of certain themes that will be approa-
60 e 70, aqui e alhures, atores sociais das mais di- ched. From the political, social and cultural effer-
versas áreas ganharam a cena política, trazendo vescence that characterized the 60’s and 70’s, here
consigo várias reivindicações próprias. Foi o caso and elsewhere, social actors from the most diverse
também de um número significativo de escritores areas won the political scene, bringing with them
negros, cujo pertencimento racial passou a ser rei- several of their own claims. This was also the case
vindicado e anunciado. Suas produções acadêmi- for a significant number of black writers, whose ra-
cas e literárias tornaram-se explicitamente engaja- cial belonging came to be claimed and announced.
das, denunciando a marginalização da população His academic and literary productions became ex-
negra no Brasil. Essas publicações surgiram ante plicitly engaged, denouncing the marginalization of
a expectativa de formar um público receptor, inte- the black population in Brazil. These publications
ressado na construção da sua identidade étnica, appeared before the expectation to form a recei-
ao mesmo tempo em que os movimentos sociais ving public, interested in the construction of their
negros possibilitavam uma via de atuação organi- ethnic identity, at the same time that the black so-
zada no cenário político. Os autores passaram a cial movements made possible a way of organized
abarcar uma temática de protesto em suas obras, action in the political scene. The authors began to
objetivando criar ou consolidar uma consciência cover a thematic of protest in their works, with the
crítica naqueles que estavam colocados à mar- aim of creating or consolidating a critical conscien-
gem da cultura dominante. ce in those who were placed on the margin of the
dominant culture
Palavras-chave: Luiz Gama; Literatura; Movimento

1- Licenciatura plena em pedagogia, artes visuais e história; pós – graduada em psicopedagogia, educação inclusiva e formação docen-
te. Contato: rosyedrade@gmail.com

66 INEQ - Educação integral


Keywords: Luiz Gama; Literature; Black move-
ment. Por ser negro, enfrentou a hostilidade de pro-
fessores e alunos, mas persistiu como ouvinte
INTRODUÇÃO das aulas. Não concluiu o curso, mas o conhe-
cimento adquirido permitiu que atuasse na de-
Durante muito tempo, o alcance da influência fesa jurídica de negros escravos. Na década de
da cultura negra foi inibido por um discurso que 1860 destacou-se como jornalista e colabora-
apresentava os afrodescendentes tão somente dor de diversos periódicos progressistas. Proje-
como tema/objeto. No entanto, para os autores tou-se na literatura em função de seus poemas,
que produzem a literatura negra ou afro-brasi- nos quais satirizava a aristocracia e os podero-
leira, o negro passou a ser o ator principal de sos de seu tempo. Hoje, é reconhecido como
sua história e não um mero coadjuvante, uma um dos grandes representantes da segunda ge-
noção que contraria com as ideias tradicionais. ração do romantismo brasileiro, mas na época
enfrentou a oposição dos acadêmicos conser-
Para todos, a afirmação de uma identidade ét- vadores.
nico-racial na literatura é importante, ainda que
se apresente posições diferentes a respeito da Luiz Gama foi um dos maiores líderes abolicio-
denominação apropriada a ser dada a essa ver- nistas do Brasil. Sempre esteve engajado nos
tente literária. movimentos contra a escravidão e a favor da li-
berdade dos negros. Em 1869, fundou com Rui
Luiz Gonzaga Pinto da Gama nasceu no dia 21 Barbosa o Jornal Radical Paulistano. Em 1880
de junho de 1830, no estado da Bahia. Era filho foi líder da Mocidade Abolicionista e Republica-
de um fidalgo português e de Luiza Mahin, ne- na.
gro livre que participou de diversas insurreições
de escravos. Em 1840 foi vendido como escravo Devido a sua luta a favor da libertação dos es-
pelo pai para pagar uma dívida de jogo. Trans- cravos era hostilizado pelo Partido Conservador
portado para o Rio de Janeiro, foi comprado e chegou a ser demitido do cargo de amanuen-
pelo alferes Antônio Pereira Cardoso e passou se por motivos políticos. Nos Tribunais, usando
por diversas cidades de São Paulo até ser leva- de sua oratória impecável e seus conhecimen-
do ao município de Lorena. Em 1847, quando tos jurídicos, conseguiu libertar mais de 500
tinha dezessete anos, Luiz Gama foi alfabetiza- escravos, algumas estimativas falam em 1000
do pelo estudante Antônio Rodrigues de Araújo, escravos.
que havia se hospedado na fazenda de Antônio
Pereira Cardoso. Aos dezoito anos fugiu para As causas eram diversas, muitas envolviam ne-
São Paulo. Em 1848 alistou-se na Força Públi- gros que podiam pagar cartas de alforria, mas
ca da Província ou Corpo de Força da Linha de eram impedidos pelos seus senhores de serem
São Paulo, entidade na qual se graduou cabo e libertos, ou que haviam entrado no território na-
permaneceu até o ano de 1854 quando deu bai- cional após a proibição do tráfico negreiro em
xa por um incidente que ele classificou como 1850. Luiz Gama também ganhou notoriedade
“suposta insubordinação”, já que apenas se limi- por defender quem (o escravo), ao matar seu
tara a responder insulto de um oficial. Em 1850 senhor, agia em legítima defesa.
casou-se e tentou frequentar o Curso de Direito
do Largo do São Francisco – hoje denominada Faleceu em 24 de agosto de 1882 e foi sepul-
Faculdade de Direito da Universidade de São tado no Cemitério da Consolação, na presença
Paulo. de 3.000 pessoas numa São Paulo de 40.000
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habitantes. O poeta Raul Pompeia (1863-1895) negro
imortalizou Luiz Gama e seus feitos escrevendo
na ocasião: Pode-se traçar um paralelo entre a forma como
o negro era mostrado na literatura brasileira
(...) não sei que grandeza admirava naque- desde seus primórdios e a maneira como essa
le advogado, a receber constantemente figuração foi se transformando, na medida em
em casa um mundo de gente faminta que os movimentos pela igualdade étnica e so-
de liberdade, uns escravos humildes, es- cial foram se fortalecendo, e o afrodescendente
farrapados, implorando libertação, como pôde assumir a narração de sua própria histó-
quem pede esmola; outros mostrando ria.
as mãos inflamadas e sangrentas das
pancadas que lhes dera um bárbaro se- Procuramos mostrar o processo de construção
nhor; outros [...] inúmeros. E Luís Gama e reconstrução da imagem do negro na litera-
os recebia a todos com a sua aspereza tura brasileira, constantemente retratado como
afável e atraente; e a todos satisfazia, servil e digno de pena, supostamente necessi-
praticando as mas angélicas ações, por tado de outros que falem por ele, e que a partir
entre uma saraivada de grossas pilhérias da ascensão dos movimentos negros no Brasil,
de velho sargento. Toda essa clientela mi- passa a ter sua própria voz.
serável saía satisfeita, levando este uma
consolação, aquele uma promessa, outro Vale ressaltar que não se pode ignorar autores
a liberdade, alguns um conselho fortifi- como Lima Barreto, Solano Trindade, o próprio
cante. E Luís Gama fazia tudo: libertava, Luís Gama e Maria Firmina dos Reis, que certa-
consolava, dava conselhos, demandava, mente confirmam que desde o século XVIII já
sacrificava-se, lutava, exauria-se no pró- existia uma literatura negra, conforme diz Edu-
prio ardor, como uma candeia iluminando ardo de Assis Duarte: “não só existe como se
à custa da própria vida as trevas do de- faz presente nos tempos e espaços históricos
sespero daquele povo de infelizes, sem de nossa constituição enquanto povo; não só
auferir uma sobra de lucro […] E, por essa existe como é múltipla e diversa” (Duarte 2004:
filosofia, empenhava-se de corpo e alma, 01).
fazia-se matar pelo bom […] Pobre, muito
pobre, deixava para os outros tudo o que Contudo, só a partir da década de 50, inspirada
lhe vinha das mãos de algum cliente mais pelos movimentos negros dos Estados Unidos
abastado. e da França, a literatura negra no Brasil passa a
ter maior visibilidade na sociedade, e é usada
Gama foi um leitor da obra Vida de Jesus, do também como instrumento de denúncia contra
filósofo francês Ernest Renan, publicada origi- o desrespeito aos direitos sociais dos afrodes-
nalmente em 1863 e logo traduzida no Brasil. cendentes, além de ter demonstrada também
Sendo um dos primeiros a dela referir-se no sua qualidade literária intrínseca.
país. Sua única obra, publicada originalmente
em duas edições (1859 e 1861), Primeiras Tro- A humilhação e a depreciação da cultura de um
vas Burlescas, colocou-o no panteão literário do povo sempre foi o instrumento mais eficiente
Brasil apenas doze anos depois de haver apren- de dominação de um povo, muito mais até que
dido a ler. a violência, que não raro acaba por instigar o
oprimido à resistência. No Brasil esse recurso
A Literatura e sua relação com o movimento foi amplamente utilizado. A ridicularização das

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características físicas, sociais e intelectuais dos A literatura e a arte negra em geral estão sim, a
escravos negros servia para demonstrar uma serviço de uma luta contra o preconceito, mas a
suposta inferioridade do negro em relação ao sua riqueza ultrapassa o âmbito do engajamen-
branco, justificando assim a escravidão. to e seguem por uma série de inovações estéti-
cas que mostram de maneira criativa o orgulho
É óbvio que os longos anos de escravidão e as que o afro-brasileiro tem de suas origens, de
muitas tentativas de apagamento da cultura sua religião, de sua cultura, de sua sexualidade.
africana não conseguiram destruí-la. Como toda
manifestação cultural, especialmente aquelas Outro elemento constante na poesia afro-bra-
cujas bases de transmissão são orais, passou sileira são as alusões ao Candomblé e à Um-
por vários processos de ressignificação, mes- banda, tanto por serem elementos intrínsecos à
clou-se a outras influências culturais, transfor- cultura afro-brasileira como também como fa-
mou-se, sobreviveu. Entretanto, essa estratégia tor de resistência à imposição da religião cristã
de dominação deixou marcas severas nas rela- imposta aos africanos durante a escravidão.
ções sociais do país, que ainda hoje são muito
visíveis nas várias formas de preconceito. Cumpre-nos relembrar que, a despeito do que
se tentou incutir na memória do povo, o negro
No início do século XIX a temática negra passa brasileiro nunca aceitou passivamente a situ-
a ser vista com maior frequência na literatura. ação de desrespeito e violência a que foi sub-
A escola romântica traz as primeiras incursões metido. Relembremo-nos as revoltas que quase
em uma literatura abolicionista, representada sempre a História relegou ao esquecimento,
principalmente na figura de Castro Alves, com como a dos Malês, a formação de quilombos,
seu famoso Navio Negreiro. A literatura anterior e os movimentos sociais em uma história mais
a Castro Alves já retratava o escravo, especial- recente. A própria perpetuação da cultura e das
mente na poesia. A tônica, porém, desta poesia religiões africanas já é exemplo incontestável
é descrever o escravo africano como um ser dessa resistência.
indefeso, melancólico e saudoso de sua pátria,
vítima passiva dos maus-tratos da escravidão. A literatura negra é um dos elementos mais
importantes para a conquista definitiva do res-
Com a ascensão dos movimentos de consciên- peito de uma sociedade que, por não admitir
cia negra no Brasil, como o Movimento Negro ser preconceituosa, atrasa ainda mais o longo
Unificado, do Rio de janeiro, a Sociedade de In- processo de igualdade de direitos. Entretanto,
tercâmbio Brasil-África (SINBA), em 1972, e ou- mais que apenas uma arma de denúncia contra
tros movimentos a partir de então, a literatura o preconceito e a desigualdade social, ela é arte
negra ganha destaque. em constante movimento, é expressão de uma
das várias facetas da cultura brasileira, e deve
Engajada na luta em prol dos direitos do cida- ser vista e respeitada como tal.
dão afro-brasileiro, ela suplanta a literatura so-
bre o negro e faz agora uma literatura do negro Vinte de novembro foi instituído como o dia da
e para o negro, com todas as particularidades Consciência Negra e dia nacional de Zumbi,
sonoras, visuais e temáticas que a caracteri- em 2011, pela lei nº 12.519. A data já figurava
zam, mas sem limitá-la a ser apenas um instru- no calendário escolar desde 2003, pela lei nº
mento de resistência, como ocorre, por exem- 10.639, que versa sobre a inclusão no currículo
plo, nos manifestos comunistas. oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da
temática História e Cultura Afro-Brasileira. Em
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outubro do mesmo ano, o projeto de lei para Os personagens retratados se aproximam da
tornar a data feriado nacional foi aprovado pela realidade dos escritores. Cerca de 60% são
Comissão de Constituição e Justiça e rejeita- protagonizados por homens, sendo 80% deles
do pela Comissão de Desenvolvimento Econô- brancos e 90% heterossexuais. Se comparar-
mico, Indústria, Comércio e Serviço, e aguarda mos com pesquisas recentes sobre a inserção
análise do plenário. do negro no mercado de trabalho, e em outras
esferas da vida social, percebemos que o meio
Em diversas cidades, em que leis municipais literário reflete as mesmas desigualdades ra-
asseguravam o feriado de 20 de novembro, ciais (e outras) presentes na nossa sociedade;
houve revogação da lei, com alegação de in- não por ausência de escritores negros, frise-se.
constitucionalidade por parte das entidades li- Lançado em 2011, o livro ‘Literatura e afro des-
gadas ao comércio e à indústria. Em que pese cendência no Brasil: uma antologia crítica’, or-
os prejuízos que todos os feriados causam em ganizado pelo Professor Eduardo de Assis Du-
empresas e indústrias, cabe refletir sobre a re- arte, da Faculdade de Letras da UFMG, reuniu
jeição exclusiva (de empresários, mas também, perfil biográfico e bibliográfico de 100 escritores
em muitos casos, de juristas, empregados e negros brasileiros.
estudantes) em relação ao dia da Consciência
Negra como data de celebração, valorização, A pesquisa contou com 61 pesquisadores de
reflexão e luta por igualdade racial. diversas instituições. Para Duarte (2017) “da
mesma forma como constatamos não viver no
Em que medida a rejeição ao dia da Consci- país da harmonia e da cordialidade construídas
ência Negra não está diretamente associada sob o manto da pátria amada mãe gentil, per-
à fobia do brasileiro não negro em falar sobre cebemos, ao percorrer os caminhos de nossa
o racismo tão presente em nossa sociedade? historiografia literária, a existência de vazios e
A negação do dia da Consciência Negra como omissões que apontam para a recusa de mui-
data de reflexão faz emergir e revelar o deficit de tas vozes, hoje esquecidas ou desqualificadas,
empatia pela população negra, afetada intensa quase todas oriundas das margens do tecido
e cotidianamente pelos efeitos do racismo e da social.”
desigualdade racial, que se revelam em ironias
depreciativas sobre consciência negra, Zumbi Muitos escritores negros que publicaram seus
dos Palmares, genocídio da juventude negra, livros após 2011, nos leva a crer que a continui-
racismo anti-negro associado à intolerância re- dade da pesquisa descobriria um grande núme-
ligiosa, e sobre a escravização de africanos e ro de autores negros contemporâneos. Em sua
seus descendentes. maioria, estes autores, assim como os outros
autores negros que se lançaram na carreira
A celebração da consciência negra também como escritores antes deles, publicam em edi-
instiga a refletir sobre a dificuldade, ainda pre- toras pequenas, ou custeiam suas próprias pu-
sente, de inserção de autores negros brasileiros blicações, situações também vividas por auto-
e seus textos às cadeiras criativas (escritores, res como Carolina Maria de Jesus (1914-1977)
ilustradores), produtiva (editores, livreiros) e e Lima Barreto (1881-1922). Sobre Lima, Beatriz
mediadora (bibliotecários, mediadores, profes- Rezende, autora de Lima Barreto e o Rio de Ja-
sores) como também às organizações sociais, neiro em fragmentos, nos informa que “Triste
escolas, prefeituras, eventos, prêmios e demais fim de Policarpo Quaresma foi publicado em
segmentos. folhetins do Jornal do Comércio entre agosto e
outubro de 1911.

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dizer sobre si e sobre o mundo, de se fazer vi-
Em livro só apareceu em 1916, editado pela sível dentro dele.” Se a literatura que vem sendo
Revista dos Tribunais, graças à boa vontade de mais publicada reflete a realidade e a vivência
Félix Pacheco e pago pelo próprio autor: ‘Tomei dos seus autores, ao promover o que o escri-
dinheiro aqui e dali, inclusive do Santos (Noro- tor Allan da Rosa nomeou como Apartheid Edi-
nha Santos), que me emprestou 300 mil-réis, e torial, o corpus da literatura brasileira se torna
o Benedito imprimiu-o’. Parte do dinheiro fora incompleto, o que dialoga com a afirmação da
obtida em empréstimos de agiotas do Ministé- escritora Conceição Evaristo: “Se não lemos
rio da Guerra, onde trabalhava.” todos os passos criativos da nação, estamos
De Carolina Maria de Jesus é bastante ilustrati- lendo uma nação em pedaços, estamos lendo
vo o poema publicado no jornal Folha da Noite, uma nação incompleta.”
em 1958:
Mesmo não tendo sua produção literária asso-
Não digam que fui rebotalho, que vivi à ciada à literatura negra, a literatura de Carolina
margem da vida. Digam que eu procurava Maria de Jesus em Quarto de despejo está as-
trabalho, mas fui sempre preterida. Digam sociada a uma literatura periférica/marginal,
ao povo brasileiro que meu sonho era ser que continua encontrando espaços de veicula-
escritora, mas eu não tinha dinheiro para ção e resultando em sucessos editoriais, como,
pagar uma editora. por exemplo, Cidade de Deus, de Paulo Lins.
Para Heloísa Buarque de Holanda “é da tradição
Segundo Tom Farias, autor do livro Carolina: da série literária brasileira, uma atenção signifi-
uma biografia (no prelo), em relação ao livro cativa aos temas da miséria, da fome, das desi-
Pedaços da fome: “Carolina bancou a edição gualdades sociais e, ultimamente, da violência
com o pouco dinheiro que vinha recebendo das urbana.
traduções do seu livro no exterior. O mesmo já
havia ocorrido com Provérbios, também finan- É da nossa tradição cultural, o engajamento
ciado pelos parcos recursos financeiros de Ca- político e o compromisso social do intelectual,
rolina”. Embora tenha feito grande sucesso com neste caso, do escritor, o que, talvez, expresse a
a publicação de Quarto de despejo, os livros se- lógica da verticalidade da estrutura das nossas
guintes de Carolina não encontraram o mesmo relações de poder e, portanto, a facilidade de
interesse por parte do mercado editorial. agenciamentos e composições patronais entre
classes sociais no Brasil.
Voltando à pesquisa da UNB, podemos refletir
sobre quais temas, abordagens e perspecti- O fato é que o escritor sempre foi o sujeito do
vas interessam ao meio literário. Que país se discurso sobre o pobre e o excluído da socie-
pretende ter representado nos livros literários? dade brasileira. Para a pesquisadora, Paulo Lins
Para Dalcastagnè “Desde os tempos em que nos surpreendeu com uma variável totalmente
era entendida como instrumento de afirmação imprevista nos nossos círculos literários: o po-
da identidade nacional até agora, quando dife- bre tem voz e pode até escrever; e mais ainda:
rentes grupos sociais procuram se apropriar de escrever um livro de sucesso de público e de
seus recursos, a literatura brasileira é um terri- crítica.”
tório contestado.
Compreendendo que assim como o best-seller
Muito além de estilos ou escolhas reperto- Quarto de despejo: diário de uma favelada, de
riais, o que está em jogo é a possibilidade de Carolina Maria de Jesus, Cidade de Deus tam-
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bém não apresenta características da literatura cia acontece de uma forma bem mais literária e
negra, voltamos à questão da carência de es- bem menos panfletária.”
paços privilegiados de veiculação dos textos da
literatura negra. O desinteresse do mercado editorial pela lite-
ratura negra, talvez, em medidas não similares,
Para Paulo Lins, autor de Cidade de Deus “a lite- seja o mesmo desinteresse de parcela da socie-
ratura negra brasileira ainda não caiu na graça dade brasileira em promover o debate sobre a
do mercado editorial oficial”. Talvez, um bom desigualdade racial no Brasil, assim como o de-
ponto de investigação esteja nas demarcações sinteresse de valorizar a humanidade de negros
conceituais da literatura negra. A literatura ne- e negras. É fruto de uma questão ideológica,
gra vai questionar as relações de poder e, prin- que está no centro das relações de poder em
cipalmente, apresentar as subjetividades de ho- nosso país.
mens e mulheres negras que tradicionalmente
vêm sendo representados pela literatura brasi- No entanto, frente a este cenário excludente,
leira de forma reduzida, equivocada e estereo- vozes literárias negras encontram formas cria-
tipada. tivas e de resistência para divulgar seus textos,
seja em impressões artesanais, auto publica-
Segundo a escritora Miriam Alves “a expressão ções, Internet e publicações em editoras inde-
literatura negra só passou a ser usada no Brasil pendentes, como também, atentas aos meca-
com regularidade a partir da década de 1970. nismos de exclusão, expõem as desigualdades
[…] Ao ser assumida pelos escritores negros do mercado de produção cultural literária e
brasileiros, somou-se também a denúncia da editorial, um campo de produção formado por
hipocrisia da ‘democracia racial’ e seus meca- autores, editores, livreiros, distribuidores, jorna-
nismos, nada sutis, de discriminações raciais listas, críticos, produtores culturais e leitores.
em todos os níveis de ações sociais, inclusive O fato é que com os avanços dos meios de co-
a seleção excludente envolvendo quais auto- municação e informação, e a popularização das
res devem ser lidos, quais conteúdos de textos redes sociais, as possibilidades de divulgação
devem fazer parte dos programas escolares e dos textos literários, muitas vezes, independem
a indicação de leituras nos veículos especiali- de editoras para que eles se tornem conheci-
zados, nos quais quase nunca figuram autores dos; por outro lado, nos últimos anos ocorreu
afrodescendentes com conteúdo que questio- o avanço nas tecnologias de produção do livro,
nam a propalada harmonia entre as raças no possibilitando tiragens mínimas e o surgimento
Brasil.” de novas editoras, dedicadas a promover a di-
versidade no mercado editorial.
Trata-se de um recorte da literatura brasilei-
ra como bem explica a pesquisadora Simone Outro fator importante foram as políticas pú-
Ricco “a gente quer falar de literatura brasileira, blicas que possibilitaram que mais pessoas
mas de um recorte dela, o que está sendo pro- negras e pobres alcançassem níveis superiores
duzido na literatura brasileira contemporânea e de escolaridade; esse público busca também
destacando a produção literária negra, e muitos se reconhecer na literatura que consome e nos
não sabem o que está acontecendo, não co- escritores que a escrevem, e soma-se ao grupo
nhecem os autores, não têm ideia de como é o dos fundadores dos movimentos negros dos
texto e ficam presos, muitas vezes, associando anos 1970, que segundo Joel Rufino dos San-
a literatura negra a um texto mais panfletário, e tos, em O Saber do negro, “são filhos do boom
muitas vezes não é o que acontece, a militân- educacional dos anos 1970, em que houve uma

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proliferação de faculdades particulares estimu- cepções frágeis sobre a realidade das relações
lada pelo Estado como solução para a crise ’de raciais no Brasil e ter iniciativa em conhecer
vagas no ensino superior’”. estes textos e editá-los; de livrarias e distribui-
dores, em se interessar pela divulgação e co-
Para o autor, “os jovens que fundam, nos anos mercialização destas obras; dos produtores e
1970, entidades negras de luta contra o racismo curadores de eventos literários, em querer en-
são invariavelmente dessa geração.” tender que estes autores enriquecem os deba-
Estes públicos produzem e consomem conteú- tes quando falam sobre literatura e não sobre a
do e fortalecem o discurso por maior represen- “condição do negro no Brasil”; de bibliotecários
tatividade negra na literatura brasileira, torna os e professores, em buscar esta literatura, conhe-
temas e as perspectivas dos negros sobre si e cê-la e divulgá-la; e das instituições do livro, em
sobre o mundo temas de interesse para negros buscar soluções abrangentes para que as edito-
e não negros e torna frágeis as alegações de ras pequenas que mais editam autores negros
que não há interesse do consumidor para estas negociem suas consignações com padrões
obras. (percentuais de desconto, prazos etc.) diferen-
tes dos das grandes editoras.
A FLIP 2017, que promoveu maior inclusão de
autores negros em sua programação, aumen- É salutar para a ampliação dos debates sobre
tou em 30% a venda de livros; segundo dados consciência negra no Brasil.
da Livraria da Travessa, na lista dos 10 títulos
mais vendidos, além da biografia Lima Barreto: O negro na literatura infantil
triste visionário, oito títulos foram de autores ne-
gros. Figura em quarto lugar na lista do site Pu- A Literatura Infantil nasceu conjuntamente com
blishnews, sobre os livros mais vendidos deste a Infância, no final do século XVII. Antes dessa
ano, até o momento, o livro Na minha pele, de data, nada era produzido especificamente para
Lázaro Ramos. essa faixa etária, pois a infância era uma fase
desprezada pela sociedade. O surgimento da
Então, na semana nacional da consciência ne- infância e, consequentemente da literatura In-
gra, se propõe a reflexão sobre como possibi- fantil, deriva da ascensão da família burguesa,
litar que os textos de autores negros que mais configurada no Século das Luzes, substituindo
ampliam o debate sobre consciência racial, que a forma já decadente.
mais enriquecem, por meio da literatura, as vi- O novo modelo de família, ao estreitar os laços
sões sobre ser negro no Brasil, encontrem seus de parentesco até culminar numa modalidade
leitores, enriquecendo imaginários, ampliando a familiar unicelular, reforça as ligações afetivas
quota de humanidade e empatia sobre o negro, entre pais e filhos, antes inviável devido à vincu-
garantindo a representatividade, e, em uma vi- lação ao modelo feudal em que os proprietários
são mais ampla, façam parte do repertório lite- de terras tinham como prerrogativa a domina-
rário brasileiro que mais é divulgado. ção, que dependia de grupo numeroso para a
sua expansão. Sendo assim, o casamento pos-
Se faz necessário, por parte dos elaboradores suía menos um caráter de afeto que uma estra-
das políticas do livro, em inserir a promoção e tégia instrumental de fortalecimento do grupo.
o fomento de uma literatura produzida por es-
critoras negras e escritores negros em suas A criança nesse contexto de molde feudal par-
metas; por parte de editores, de enfrentar ideias ticipava da vida pública normalmente com os
preconcebidas sobre esta literatura, suas con- adultos, na política, nas festas, nas guerras e
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nas execuções, bem como não era coibida de metidos ao recente passado escravocrata, ob-
testemunhar processos naturais de existência serva-se um deslocamento: os personagens
como o nascimento, a doença e a morte (ZIL- negros tornam-se frequentes, descritos de ma-
BERMAN, 2003). neira a caracterizar uma suposta integração ra-
cial, hierarquicamente definida.
Já no modelo familiar burguês, a criança passa
a ser separada do mundo dos adultos e estes Mediante a descrição das características físi-
assumem a função de protegê-la e educá-la. cas e cognitivas dos personagens negros, de
Assim, a formação do conceito de infância trou- sua relação com os personagens brancos, sua
xe uma nova forma de tratamento para com os inserção no espaço social, configura-se uma
(as) pequeninos (as), que começam a receber visão da temática racial endereçada ao público
cuidados especiais e educação diferenciada. infantil.

Se por um lado a criança passou a ser enxerga- Os negros aparecem como personagens es-
da pela sociedade, por outro desenvolveu-se a tereotipados, descritos a partir de referências
partir de então “uma série de atributos, os quais culturais marcadamente etnocêntricas que, se
revestiram a qualificação dos pequenos e repro- buscam construir uma imagem de integração,
duziram ideologicamente sua diminuição so- o fazem a partir do embranquecimento de tais
cial: a menoridade, a fragilidade física e moral, a personagens.
imaturidade intelectual e afetiva” (ZILBERMAN,
2003, p. 20). Na verdade, mais que embranquecer os perso-
nagens, a literatura infantil do período dirige-se
Em decorrência, essa imagem de infância foi e produz um leitor modelo identificado com os
projetada e propagada nas instituições de aten- personagens e as referências culturais brancas,
dimento a esse público, como a educação e a marcando, portanto, um embranquecimento do
saúde. A formação de leitores tem sido atual- leitor. A ambiguidade e a ambivalência presen-
mente a pauta do dia nas escolas de ensino tes nos textos que tratavam da questão racial
fundamental, baseadas na convicção de que o demonstram o caráter que esta tomava no Bra-
exercício da leitura possibilita mais autonomia sil, no período analisado.
ao sujeito para buscar e construir conhecimen- O fim da escravidão não significou a ruptura
to. com um modelo de submissão e subserviên-
cia, mas, ao mesmo tempo, a construção de
Neste sentido, a literatura infantil muitas vezes um Brasil moderno significou a incorporação
é utilizada no espaço escolar, de forma mera- mitificada do negro como parte constitutiva da
mente instrumental, como metodologia para a cultura nacional, representante de tradições e
formação de leitores e alfabetização. Observa- costumes que confeririam identidade ao país.
-se que a construção da identidade da criança
negra a partir da imagem do negro na literatu- O resgate de tais tradições não significava, na
ra Infantil não é determinista da quantidade de produção literária, a incorporação do negro ao
personagens negros presentes nas obras anali- cenário da época, mas o remetimento de sua
sadas, não sendo, entretanto, pouco relevante a cultura ao passado. O lugar do negro no projeto
invisibilidade do negro nos livros infantis. de nação que se desenhava e que era apresen-
tado na literatura só era possível mediante a ne-
Se nas obras produzidas até a década de 1920 gação de suas marcas raciais, pelo clareamen-
os personagens negros eram ausentes ou re- to reiteradamente descrito nas narrativas. Por

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meio dos diferentes retratos dos personagens que atendem aos sujeitos que vivenciam a fase
negros nas obras é possível aprender a constru- da infância e que estão construindo suas iden-
ção de uma representação do negro na literatu- tidades. Ainda que, assumindo o conceito de
ra destinada à criança. Hall (2006), a identidade não seja um processo
irreversível e conclusivo, podendo, assim, ser
Representação essa construída no diálogo com constantemente reconstruída e reelaborada, é
outras formações discursivas, como o discur- preciso garantir condições adequadas na infân-
so científico, que apontava, ao mesmo tempo, cia por ela mesma, sem se preocupar apenas
a visão sobre o negro na sociedade brasileira, com o futuro dessas identidades.
como indicava os modelos que se buscavam
desenvolver na criança leitora. As crianças negras precisam construir suas
identidades de forma positiva para serem feli-
O leitor que os textos produziam era marcado zes agora, e não só ao se tornarem adultas.
pela identificação com a cultura e estética bran-
cas, ao mesmo tempo que desqualificador da Considerações provisórias
cultura e estética negra. Negro ou branco, os
textos acabavam por embranquecer o leitor, ao Quando verificamos a história africana e seus
reiteradamente representar a raça branca como descendentes, temos chance de perceber como
superior. a narrativa dos fatos costuma ser organizada
de modo tendencioso. Não é difícil apontar as-
Porém, se existe uma formação que instrumen- pectos que mostram como essa história privile-
talize o educador a tratar das questões étnicas giou um ponto de vista identificado como oci-
de maneira adequada a garantir o respeito a dentalizado de compreender a história do Brasil,
nossa realidade multirracial, livros destinados modo esse fortemente comprometido com os
ao público infantil que trazem negros não como valores do branqueamento, a ponto de tramar
pano de fundo, mas como sujeitos de suas his- uma identidade étnica que nos aproximasse
tórias, por mais reduzidos que sejam em núme- mais de uma herança europeia.
ros, nas mãos de professores engajados por Essa movimentação ocorreu em diversos perí-
uma educação multicultural, podem se consti- odos históricos, tendo ramificações estendidas
tuir em brechas para que as mudanças aconte- também sobre o sistema literário. A partir da
çam de forma significativa. efervescência política, social e cultural que ca-
racterizou os anos 60 e 70, aqui e alhures, ato-
Portanto, além de identificar e valorizar as dife- res sociais das mais diversas áreas ganharam
renças corporais, como a cor da pele, o cabelo, a cena política, trazendo consigo várias reivin-
os traços morfológicos, a escola deve conhecer dicações próprias. Foi o caso também de um
e reconhecer a história e a cultura da popula- número significativo de escritores negros, cujo
ção negra e, com isso, promover a afirmação pertencimento racial passou a ser reivindicado
da identidade afrodescendente, que recorre ao e anunciado.
conceito de afro descendência de Cunha Jr.
(2001) que considera a história sociológica des- Suas produções acadêmicas e literárias torna-
sas populações e não apenas os demarcadores ram-se explicitamente engajadas, denunciando
biológicos na definição da identidade. a marginalização da população negra no Brasil.
Essas publicações surgiram ante a expectativa
É extremamente importante que estas brechas de formar um público receptor, interessado na
cheguem às escolas e aos recursos materiais construção da sua identidade étnica, ao mesmo
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tempo em que os movimentos sociais negros teratura Brasileira (1888) e ao conhecimento da
possibilitavam uma via de atuação organizada parte de um dos seus poemas, "Quem Sou Eu?",
no cenário político. também chamado "Bodarrada", transcrita pelo
mesmo autor.
Os autores passaram a abarcar uma temática
de protesto em suas obras, objetivando criar A recente Enciclopédia de Literatura Brasileira
ou consolidar uma consciência crítica naqueles dedica-lhe um total de 20 linhas de coluna, in-
que estavam colocados à margem da cultura cluindo listagem de bibliografia, referências e
dominante. iconografia. Nesta bibliografia sobressaem um
artigo de Alberto Faria, em 1927, e dois livros:
Os processos de significação, ressignificação um de Sud Mennucci, em 1938, e um de J. Ro-
e construção da identidade vêm sendo ampla- mão da Silva, em 1954. A principal edição das
mente discutido no âmbito das ciências sociais. obras de Luís Gama ainda é a quarta, organiza-
da por Fernando Góes em 1944.
No que diz respeito à identidade negra, em
particular, algumas concepções de Stuart Hall No mais, trabalhos gerais sobre a literatura
(HALL 2006, p. 7-8) parecem ser extremamen- brasileira quase sempre citam seu nome, dedi-
te apropriadas: “as identidades, que por tanto cando-lhe algumas linhas e definindo-o como
tempo estabilizaram o mundo social, estão em poeta satírico e "precursor" do Abolicionismo.
declínio, fazendo surgir novas identidades e Pior que isto e mais significativo desta despre-
fragmentando o indivíduo moderno”. Segundo ocupação, é a Formação da Literatura Brasilei-
ele, as identidades são construídas de acordo ra, de Antônio Cândido, que não chega sequer
com o “nosso pertencimento a culturas étnicas, a citá-lo em seu índice onomástico, embora, ao
raciais, linguísticas, religiosas e, acima de tudo, tratar de seus contemporâneos, dê tratamento
nacionais”. bastante amplo a figuras secundárias como,
entre outros, Aureliano Lessa, a quem dedica
Neste ponto, parece justo afirmar que, no âm- uma página de crítica e outra de biografia.
bito dos precursores da literatura negra, havia
diferenças não apenas literárias, mas também A exceção é dada por Wilson Martins, ao asse-
ideológicas – e.g., no que diz respeito ao modo verar que Luís Gama tem "uma posição igual-
como lidavam em suas obras com a discrimi- mente única em nossa literatura, a posição,
nação racial. aliás insuficientemente reconhecida, de ser o
nosso primeiro (no sentido da grandeza) e mais
No caso de autores como Luiz Gama, Caldas alto poeta satírico. Luís Gama, se não de toda
Barbosa, Cruz e Sousa, Machado de Assis, esse literatura brasileira, é, pelo menos, o mais im-
tratamento podia ser ora mais sutil, ora mais ex- portante poeta satírico do Romantismo.
plícito; ora mais brando, ora mais duro; ora mais
sério, ora mais ameno. E também: num momento em que se defendia
a ideia de buscar os elementos formadores da
Na literatura de consciência negra no Brasil a identidade nacional (base ideológica do India-
primeira figura de importância é Luís Gonzaga nismo), é ele o único de nossos intelectuais a
Pinto da Gama, ou Luís Gama, nome abreviado tomar uma atitude de equilíbrio, ao afirmar a
pelo qual é mais conhecido. Sua fama, entre- participação negra, pelo uso de uma estética
tanto, está reduzida quase que praticamente ao que privilegia o elemento negro, e pela inserção
que dele disse Sílvio Romero na História da Li- em sua poesia de um significante acervo do lé-

76 INEQ - Educação integral


xico afro-brasileiro. O esquecimento de Luís peito de uma possível aproximação entre as
Gama deve-se, em grande parte, a dois fatores obras de tais escritores tem nos levado a pen-
fundamentais que regem a interpretação da sar melhor sobre eles, sobretudo a respeito da
História do Brasil: 1. a oficialização de um grupo contribuição relativa de cada um deles na for-
de abolicionistas brancos ("13 de maio") como mação dessa vertente literária.
únicos responsáveis pelo movimento e con-
sequente desconhecimento do esforço negro Os precursores da literatura negra, mesmo em
("Zumbi") na Abolição; 2. Literariamente, a pre- um contexto social adverso, falaram, escreve-
ocupação caucasiana que privilegia uma ideo- ram e publicaram suas obras – um legado va-
logia indianista como formadora da identidade lioso que nós herdamos.
brasileira, em detrimento da aceitação de uma
contribuição negra. Não é lugar aqui de tratar Essas obras serviram de inspiração a sucessi-
do primeiro destes fatores. Embora nosso in- vas gerações de escritores e muitas delas conti-
tuito seja realmente o exame da obra de Luís nuam sendo lidas nos dias atuais, contribuindo
Gama como afirmação da consciência negra, tanto para a afirmação cultural das gentes ne-
vale a pena tratar rapidamente do segundo. gras como para uma maior integração da socie-
dade brasileira.
A obra poética de Luiz Gama foi produzida du-
rante o início de sua carreira. Embora sua pri- O exercício da literatura associa-se, assim, tam-
meira publicação (1859) coincida com o apa- bém em sentido amplo, aos movimentos de
recimento de As Primaveras, de Casimiro de afirmação do negro, a partir de uma tomada de
Abreu, o poeta baiano demonstra completo de- consciência de sua situação social, seja no es-
sacordo com a escola literária então vigente (o paço dos povos da África, seja no domínio da
Ultra Romantismo plangente) e representa uma afrodiáspora e conduz, entre outros aspectos,
opção pelo tratamento da realidade brasileira. à preocupação com a singularização cultural
Embora usando alguns poucos lugares comuns mencionada.
do Romantismo, Luís Gama envereda pelo ca-
minho menos trilhado: o da sátira social. Tive- Tal preocupação ganha pertinência quando
mos poesia satírica antes de Luís Gama. Gregó- ultrapassa as dimensões epidérmicas e o cor-
rio de Matos produziu, em alguns anos de sua porativismo, e traz para a representatividade
residência na Bahia, muitos poemas de caráter literária a afirmação de elementos que vão dos
burlesco e, às vezes, sua escrita pode ser con- espaços míticos (resgate da memória coletiva)
siderada como satírica ("composição poética ao sócio-histórico (resgate dos elementos que
destinada a censurar defeitos ou vícios"). fazem a história do negro enquanto grupo ét-
nico).
Na linha de seus mestres europeus, Quevedo e
Tomás de Noronha, Gregório prefere, entretan- Na produção literária das duas primeiras dé-
to, a referência pessoal, o que o impede, no mais cadas do século XX já havia uma preocupação
das vezes, de atingir "universalidade." Gonzaga, com a nacionalização da produção.
no século XVIII, sofre de outro tipo de especiali- Porém, se traduzia em textos que falavam do
zação: sendo de pura característica política, sua país numa perspectiva marcadamente ufanista,
sátira circunscreve-se a um círculo reduzido de que glorificavam as grandezas do nosso povo e
interesse (o colonialismo português). da nossa terra, claramente identificados com a
cultura europeia.
O olhar dos estudiosos contemporâneos a res-
INEQ - Educação integral
77
Tratava-se de desenvolver o sentimento de SOUZA, Lynn Mario T. Menezes. Hibridismo e
amor à pátria e, ao mesmo tempo, veicular um tradução cultural em Bhabha. In: ABDALA, Ben-
ideal civilizatório europeizado. Porém, a partir da jamim Jr. (org.). Margens da Cultura – mestiça-
década de 1920, em consonância com as trans- gem, hibridismo e outras misturas. São Paulo:
formações experimentadas no campo cultural Editora Boitempo, 2004. p.114.
mais amplo, na produção cultural destinada ao VELOSO, Caetano. Verdade tropical. São Paulo:
público infantil busca-se falar do país remeten- Companhia das Letras, 1997. p. 500.
do-se a sua identidade cultural. Procurava-se ZILBERMAN, Regina. A Literatura Infantil na Es-
escrever à criança brasileira na sua linguagem, cola. São Paulo: Global, 2003.
sobre sua gente, suas raízes raciais e culturais.
Luiz Gama, literatura negra e movimento negro,
A literatura infantil do período dialogava com as disponível em:
diversas representações construídas acerca da http://www.blocosonline.com.br/literatura/
questão racial, estabelecendo uma interlocução poesia/pndp/pndp061028.php acesso em
com os discursos produzidos no campo cien- 23/01/2018
tífico e artístico, incorporando tal temática no http://www.scielo.br/pdf/alm/n11/pt_2236-
interior das narrativas. 4633-alm-11-00707.pdf acesso em 23/01/2018
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FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso – aula 25/01/2018
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em 2 de dezembro de 1970. Editora Loyola, rio-excludente/ acesso 28/01/2018
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GAMA, Luiz (Salvador, 1830 — São Paulo, 1882).
Publicado originalmente em “Primeiras Trovas
Burlescas do Getulino”, em 1859. Ver também
a reedição em Lígia Ferreira (org) Primeiras Tro-
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tora Martins Fontes, 2000.
HALL, Stuart. Da diáspora. Identidades e Media-
ções Culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG,
2006.
MIGNOLO, Walter D. Histórias locais, projetos
globais: colonialidade, saberes subalternos e
pensamento liminar. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2003. p. 309.
NABUCO, Joaquim. O Abolicionismo. São Pau-
lo: Publifolha, 2000. (Coleção Grandes nomes
do pensamento brasileiro).

78 INEQ - Educação integral


123

b c
a

INEQ - Educação integral


79
PERSPECTIVAS DA
PEDAGOGIA DE PROJETOS
NO ENSINO SUPERIOR

Silvia Cavanha Buratinne 1

RESUMO with respect to teaching and learning, playing the


role of protagonists of their learning. This article at-
Este estudo trata da metodologia denominada Pe- tributes to Pedagogy of Projects, as it happens with
dagogia de Projetos como meio de satisfazer as other innovative methodologies of teaching and le-
necessidades e trabalhar as dificuldades das no- arning, the capacity to develop individuals who are
vas gerações de estudantes do Ensino Superior. critical, who listen and are listened, respectful, ac-
Apresenta a Pedagogia de Projetos como forma de tive, democratic, professional, in accordance with
tornar os indivíduos das gerações Y e Z estudantes the demands of the current society, ready to deal
autônomos no que diz respeito ao ensino e apren- with real-life situations.
dizagem, exercendo o papel de protagonistas de
seu aprendizado. Atribui este artigo à Pedagogia Keyword: Pedagogy of Projects, Higher Education,
de Projetos, assim como ocorre com outras meto- new generations, autonomy
dologias inovadoras de ensino e aprendizagem, a
capacidade de desenvolver indivíduos críticos, sa- INTRODUÇÃO
bedores do ouvir e ser ouvido, respeitosos, solidá-
rios atuantes, democráticos, profissionais em con- Presente artigo versa a respeito do perfil dos no-
cordância com as exigências da sociedade atual, vos estudantes do Ensino Superior (as gerações Y
prontos para lidar com as situações da vida real. e Z) e sua relação com as metodologias de ensino
e aprendizagem praticadas pelos professores nas
Palavra-chave: Pedagogia de Projetos; Ensino Su- Instituições de Ensino Superior, e tem por objetivo
perior; Novas gerações; autonomia. destacar a Pedagogia de Projetos como uma das
possíveis e mais eficientes metodologias capazes
ABSTRACT de despertar na nova geração de estudantes a
vontade de aprender e de se dedicar ao curso pro-
This study deals with the methodology called Pro- fissionalizante. Este estudo, realizado a partir do
ject Pedagogy as a means of satisfying the needs método de pesquisa teórico, traz uma abordagem
and working the difficulties of the new generations das características das gerações anteriores até as
of Higher Education students. It presents the Peda- atuais (a geração baby boomer, a geração X, a ge-
gogy of Projects as a way to make the individuals ração Y e, finalmente, a geração Z), descrevendo o
of the Y and Z generations autonomous students perfil, o comportamento, as facilidades, as dificul-

1 - Professora de Educação Básica do Fundamental II e Ensino Médio. Contato: si.buratinne@bol.com.br

80 INEQ - Educação integral


dades e necessidades de cada uma, e traz justi- geração de estudantes.
ficativas em relação à premência de mudanças
quanto aos métodos de ensino e aprendizagem Clama-se por inovações metodológicas das
que possibilitem um ensino mais atraente, sig- práticas de ensino-aprendizagem uma vez que
nificativo, contextualizado, tecnológico e demo- o comportamento e as características de per-
crático, no qual o indivíduo seja o protagonista sonalidade dos jovens da atualidade, as deno-
no desenvolvimento do conhecimento. minadas Gerações Y e Z, agora presentes nas
Instituições de Ensino Superior, diferem-se bas-
Defende-se a utilização da Pedagogia de Pro- tante do comportamento e características de
jetos como uma das metodologias inovadoras personalidade dos jovens daquelas gerações
facilitadoras da construção do saber pelo pró- para as quais uma determinada sistemática de
prio estudante-pesquisador, ativo no processo metodologia de ensino se fundamentou. Deve-
de ensino aprendizagem, e capazes de trans- -se considerar que essas atuais gerações de
formar o estudante de forma integral, ou seja, jovens têm sua forma particular de enxergar e
em relação ao comportamento e atitudes que interagir com o mundo, e exigem metodologias
a atual sociedade e o momento histórico re- de ensino muito mais dinâmicas.
querem, objetivando a capacitação do indivíduo
para resolver as situações profissionais mais Neste diapasão, COMAZZETO (2016) afirma
complexas impostas pela realidade. ser importante compreender o comportamento
e a personalidade coletiva dos sujeitos de um
1. O perfil atual dos jovens estudantes e o con- determinado grupo etário, de modo a definir
flito frente a metodologia tradicional de ensi- ações educacionais condizentes com o estilo
no-aprendizagem de aprendizagem dos mesmos, visto que cada
grupo ou geração, em determinado período da
Em virtude dos desalinhos entre o modelo de história, num tempo social, tem maneiras de
ensino e aprendizagem praticado nas Institui- pensar, agir e ver o mundo, assim como cada
ções de Ensino Superior e o perfil dos jovens geração forma o conjunto de princípios, cren-
estudantes ingressantes nesse grau de ensino ças e valores.
profissionalizante, estudiosos das práticas pe-
dagógicas e outros especialistas estão preocu- Para uma melhor compreensão a respeito des-
pados com a premente necessidade de mudan- sas divergências entre gerações e inadequa-
ças e modernização nas práticas pedagógicas, ção/inovação metodológica, seguiremos com a
de forma que o processo de ensino e aprendi- definição de geração e com um sucinto perfil de
zagem deixe de ser desenvolvido com metodo- algumas gerações, apontando suas caracterís-
logias e ferramentas distantes, ultrapassadas e ticas, interesses, dificuldades e necessidades,
em desacordo com o perfil do estudante con- segundo alguns estudiosos.
temporâneo. Uma reforma nas metodologias
de ensino adotadas pelos docentes de diversos Assim define-se geração para KUPPERSCHMI-
segmentos de ensino é, indiscutivelmente, um DT (2000 apud COMAZZETTO, 2016, p. 146):
dos caminhos para o alcance de uma educação uma geração é “um grupo identificável que
mais atrativa, significativa, contextualizada, glo- compartilha os mesmos anos de nascimento e,
balizada, democrática, facilitadora do desenvol- consequentemente, viveu os mesmos aconte-
vimento cognitivo e social, favorável à constru- cimentos sociais significativos em etapas cru-
ção de novos conhecimentos por parte da nova ciais do desenvolvimento”.
INEQ - Educação integral
81
De acordo com essas estudiosas, nessa tempo- impacto diretamente dessa realidade na manei-
ralidade, as gerações podem ser apresentadas ra de ver o mundo, tanto que acreditam que os
da seguinte forma: baby boomers – nascidos acontecimentos são imprevisíveis e dinâmicos.
entre 1946 e 1964; geração X – nascidos entre Fazem parte da força de trabalho, de renda e de
1965 e 1980; geração Y – nascidos entre 1980 consumo no Brasil, sendo a maioria que com-
e 2000; e geração Z – nascidos de 2000 até a põe os estudantes de faculdades e das pós-gra-
atualidade. duações. Para COMAZZETTO (2016), são mul-
tifacetados, vivem em ação e administram bem
Conforme esclarece (COMAZZETTO, 2016), os o tempo. Captando os acontecimentos em tem-
baby boomers são frutos do pós-guerra, Segun- po real e se conectando com uma variedade de
da Grande Guerra, e os representantes dessa pessoas, desenvolveram a visão sistêmica, tra-
geração não vivenciaram os problemas das balham bem em grupo e aceitam a diversidade.
gerações atuais como o pessimismo geral, po-
luição do meio ambiente e terrorismo. Demons- Já a geração Z, na visão de CERBASI; BARBOSA
tram atitudes mais otimistas, são motivados, (2009), compõe-se por “indivíduos que já nas-
comprometidos e leais aos empregadores. Apli- ceram em ritmo de velocidade, com internet
caram seus esforços escolares em carreiras banda larga, Google, smartphones, jogos online,
que prometiam facilidades na busca de posi- X-box e outras tecnologias”. Segundo DICECCO
ções garantidas no universo empresarial. (2006); MITCHELL (1993) e NETO; FRANCO
(2010), essa geração é capaz de utilizar-se de
Os representantes da geração X, ainda segun- vários recursos tecnológicos ao mesmo tempo
do o mesmo autor, são menos leais ao empre- e possuem uma habilidade fantástica para a
gador, devido à percepção de que toda essa tecnologia. Ágeis com computadores, em con-
lealdade quanto ao emprego não gerava esta- trapartida, encontram dificuldades em escolas
bilidade. Logo, compreende-se a importância tradicionais e nos relacionamentos interpesso-
de desenvolver habilidades para melhorar a em- ais, pois se utilizam de recursos tecnológicos
pregabilidade, por isso, não é uma deslealdade a todo instante, o que dificulta a comunicação
de todo negativa, pois tendem a aceitar mudan- verbal. São mais impacientes e podem facil-
ças, sobretudo, tecnológicas, e, desde que se- mente se entediar. Cresceram em ambientes
jam bem orientados em relação às metas, dedi- com estruturas familiares diversificadas, con-
cam-se a melhorar o seu desempenho, buscam sequentemente, não veem obstáculos quanto a
trabalhar com liberdade, flexibilidade e sentem diferenças culturais, de composição familiar ou
necessidade de feedback, gostam de variedade, estilos de vida.
desafios e oportunidades.
A partir da constatação das mudanças com-
Os representantes da geração Y, de acordo com portamentais, mudanças das características de
WOODRUFF (2009), tiveram a maioria das suas personalidade, alterações de valores, princípios,
necessidades supridas pelos seus pais, sendo necessidades e até dificuldades, motivadas pela
assim, buscam a autorrealização. São ambi- vivência social distinta, sob a influência de fatos
ciosos, têm dificuldades de lidar com críticas, históricos diferentes e também pelas inovações
querem valorizações constantes no ambiente tecnológicas, pode-se asseverar que os jovens
de trabalho. Nasceram, segundo CLARO (2010), estudantes do Ensino Superior da atualidade
na época das grandes inovações das tecnolo- demandam uma metodologia de ensino-apren-
gias eletrônicas e da globalização. Sofrem o dizagem bastante diferente daquela que se cos-

82 INEQ - Educação integral


tuma chamar de metodologia tradicional, que eficiente para a construção significativa e com-
bem serviu a gerações anteriores, pois o novo partilhada do conhecimento, contribuindo para
perfil de estudante que se apresenta é tecnoló- uma educação transformadora não só no que
gico, globalizado, inquieto, ansioso, com certos concerne ao conhecimento formalizado, mas
limites no que tange a relações interpessoais, também quanto a atitudes tais como o respeito,
questionador, informado e pronto para a ação. a responsabilidade, a autonomia, a cooperação,
É, para esse jovem, desmotivador quedar-se a autoestima positiva, a solidariedade e outros
sentado, em silêncio, assistindo a aulas exposi- valores éticos. Defende-se, assim, a Pedagogia
tivas durante horas. Esse novo estudante exige de Projetos como uma das metodologias que
professores e Instituições de Ensino Superior, concorrem para a formação integral do estu-
dispostos a atenderem à função social dessas dante, fazendo do estudante do Ensino Supe-
instituições, valendo-se de metodologias de en- rior um pesquisador sempre pronto a aprender,
sino-aprendizagem inovadoras, diversificadas e conforme a necessidade lhe imponha. Estão
que possibilitem utilizar as informações a que de acordo com esse entendimento FAGUNDES;
facilmente se tem acesso em conhecimento MAÇADA & SATO:
construído pelo próprio estudante, tornando-se
ele próprio o maior protagonista de seu apren- A atividade de fazer projetos é simbólica,
dizado. Esse estudante ativo, pesquisador, ca- intencional e natural do ser humano. Por
paz de aprender a aprender será o profissional meio dela, o homem busca a solução de
capaz de solucionar situações-problema que a problemas e desenvolve um processo de
realidade impõe. construção de conhecimento, que tem
gerado tanto as artes quanto as ciências
Com o intuito de exemplificar uma inovação naturais e sociais. O termo projeto surge
metodológica no presente estudo, foi elencada, numa forma regular no decorrer do século
para tal, dentre outras metodologias inovadoras XV. Tanto nas ciências exatas como nas
capazes de atender às exigências do novo perfil ciências humanas, múltiplas atividades
de estudante de Ensino Superior, a Pedagogia de pesquisa, orientadas para a produção
de Projetos. É disso que trataremos a seguir. de conhecimento, são balizadas graças à
criação de projetos prévios. A elaboração
2. A função social das instituições de ensino do projeto constitui a etapa fundamental
e a ação pedagógica organizada por projetos de toda pesquisa que pode, então, ser
conduzida graças a um conjunto de in-
Por conta das novas características, aspirações terrogações, quer sobre si mesma, quer
e necessidades dos indivíduos ingressantes sobre o mundo à sua volta. (1997, p.15)
no Ensino Superior bem como das exigências
do mundo atual, às Instituições Educacionais A Pedagogia de Projetos, então, per-
de Ensino Superior compete promover uma mite uma concepção diferente do que seja
educação profissionalizante que contemple as conhecimento e currículo, e representa outra
exigências da sociedade atual e que considere maneira de organizar o trabalho para alcançar
o jovem estudante em sua totalidade, vendo-o o conhecimento. Permite abordar um tema ou
não só como aluno, mas como pessoa. conhecimento, facilitando uma aproximação da
identidade e das experiências dos estudantes, e
Desse modo, deve-se destacar a importância um vínculo dos conteúdos de determinado cur-
do trabalho por projetos como um instrumento so entre si e com os conhecimentos e saberes
INEQ - Educação integral
83
produzidos no contexto social e cultural, assim do processo com a verificação do desempenho,
como com problemas que dele emergem. Des- incluindo-se nesta avaliação a observação do
sa maneira, eles ultrapassam os limites das comportamento, atitudes, capacidade de traba-
áreas e conteúdos curriculares trabalhados de lhar em grupo, espírito de liderança, iniciativa,
forma tradicional, uma vez que implicam o de- enfim, atributos que se referem ao modo de in-
senvolvimento de atividades práticas, de estra- teração com os demais estudantes.
tégias de pesquisa, de busca e uso de diferentes
fontes de informação e ferramentas tecnológi- Para HERNÁNDEZ, (2000):
cas, de sua ordenação, análise, interpretação e
representação. Implicam atividades individuais, Um projeto pode ser considerado: 1. O
em grupos, em turmas, tendo em vista os dife- percurso por um tema-problema que fa-
rentes conteúdos, sejam conceituais, procedi- voreça a análise, a interpretação e a críti-
mentais ou atitudinais, e ainda as necessidades ca (como contraste de pontos de vista). 2.
e interesses dos próprios estudantes. Onde predomine a atitude de cooperação
e onde o professor seja um aprendiz e
Para HERNÁNDEZ; VENTURA (1998), neste não um especialista (pois ajuda aprender
mesmo entendimento, a “aprendizagem por sobre temas que deverá estudar com os
projetos” se refere à formulação de questões alunos). 3. Um percurso que procure esta-
pelo autor do projeto, pelo sujeito que vai cons- belecer conexões e que questione a ideia
truir conhecimento. É a partir do conhecimen- de uma versão única da realidade. (HER-
to prévio que o aprendiz vai se movimentar e NÁNDEZ, 2000, p. 183)
interagir com o desconhecido, ou com novas
situações, para se apropriar do conhecimento. A avaliação constante proposta pela Pedagogia
Um projeto para aprender deve ser gerado pe- de Projetos permite uma ampliação permanen-
los conflitos, pelas perturbações no sistema de te dos conhecimentos pelos estudantes, pois
significações, que constituem o conhecimento não trabalha a partir de uma resposta esperada,
particular do aprendiz. A escolha das variáveis e possibilita aos mesmos a tomada de consci-
que vão ser testadas na busca de solução de ência do seu processo de aprendizagem, cons-
qualquer problema precisa ser sustentada por tatando o que aprenderam e o que devem do-
um levantamento de questões feitas pelo aluno. minar.
As dúvidas e o interesse em buscar as respos-
tas, princípios geradores do projeto de apren- Tal metodologia de avaliação prima pelas dife-
dizagem, devem ser tarefa do aluno, enquanto renças, pela diversidade de opiniões, fazendo
está em atividade num determinado contexto, da heterogeneidade um elemento significativo
em seu ambiente de vida, ou numa situação en- para o processo de ampliação dos conhecimen-
riquecida por desafios. tos. Então, em relação à autonomia na constru-
ção do saber propiciada pela Pedagogia de Pro-
Deve-se esclarecer, ainda, que, no tocante ao jetos, de acordo com estudiosos do tema em
papel do professor de Ensino Superior, cabe a questão, pode-se afirmar o seguinte:
este a tarefa de mediar cada etapa de desenvol-
vimento do projeto até a sua conclusão e avaliar Essa modalidade de articulação dos co-
o estudante de forma global, isto é, consideran- nhecimentos escolares é uma forma de
do o estudante e sua aprendizagem de forma organizar a atividade de ensino e apren-
integral, conciliando o resultado da verificação dizagem, que implica considerar que tais

84 INEQ - Educação integral


conhecimentos não se ordenam para sua Nesse sentido, RAYS (1996) afirma: “A ação
compreensão de uma forma rígida, nem pedagógica revela sempre uma atitude e uma
em função de algumas referências disci- intenção da prática educativa que se deseja de-
plinares preestabelecidas ou de uma ho- senvolver, situados num determinado momento
mogeneização dos alunos. A função do histórico, visando colaborar com a formação de
projeto é favorecer a criação de estraté- um determinado tipo de homem”.
gias de organização dos conhecimentos
escolares em relação a: 1) ao tratamento A Pedagogia de Projetos apresenta-se, assim,
da informação, e 2) à relação entre os dife- como uma das possíveis soluções para garantir
rentes conteúdos em torno de problemas o gosto das novas gerações de estudantes do
ou hipóteses que facilitem aos alunos a Ensino Superior pelo aprendizado de qualidade,
construção de seus conhecimentos, à e aponta maneiras de colaborar com a forma-
transformação da informação proceden- ção de profissionais e indivíduos críticos, criati-
te dos diferentes saberes disciplinares vos, tecnológicos, democráticos, autônomos e
em conhecimento próprio. (HERNÁNDEZ; atuantes, tal qual a sociedade atual requer.
VENTURA, 1998, p. 61)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os projetos de trabalho, na Pedagogia de Pro-
jetos, representam uma proposta de renovação A Pedagogia de Projetos, conforme demonstra
de atividades, tornando o processo de ensino- este estudo, vem de encontro às exigências das
-aprendizagem uma prática criativa, atraente, novas gerações de estudantes do Ensino Supe-
significativa para o estudante do Ensino Supe- rior, a geração Y e, agora também a geração Z.
rior, e possibilita que os estudantes, ao deci- De acordo com o perfil mais tecnológico, in-
direm, opinarem, debaterem, construam sua quieto, globalizado e informado desses novos
autonomia e seu compromisso com o social, grupos de estudantes, a Pedagogia de Proje-
formando-se como sujeitos culturais e cida- tos, dentre outras metodologias inovadoras,
dãos. mostra-se apta a desenvolver conteúdos con-
ceituais, procedimentais e atitudinais de uma
A Pedagogia de Projetos fornece subsídios para maneira na qual o indivíduo atinja os objetivos
uma pedagogia dinâmica, centrada na criativi- traçados pela equipe docente do Curso Supe-
dade e na atividade discente, numa perspectiva rior, por meio de sua participação ativa durante
de construção do conhecimento pelos estudan- cada etapa do projeto. Desse modo, o estudan-
tes, aspectos esses que corroboram para inse- te, apenas mediado pelo professor, aprende a
rir os estudantes do Ensino Superior em uma aprender tal qual o pesquisador que procura
metodologia de ensino e aprendizagem mais respostas para suas dúvidas, tornando-se um
condizente com as demandas de seu tempo e ser autônomo no que diz respeito à sua forma
de sua geração (das novas gerações) e daquilo de aprender.
que a sociedade espera que os futuros profis-
sionais sejam capazes de executar tecnicamen- Do mesmo modo, a Pedagogia de Projetos con-
te, bem como a postura e atitudes éticas que corre para uma educação humanitária, pois,
deverão ter em relação às questões ligadas à através de seus procedimentos, demanda do
sociedade, incluindo-se problemáticas ligadas estudante que o mesmo trabalhe em grupos, e
a temas como democracia, sustentabilidade, que assim aprenda a ouvir e a ser ouvido, que
entre outros. aprenda a respeitar, que seja democrático, que
INEQ - Educação integral
85
acolha as diferenças como forma de enriquecer Médicas Sul, 2000.
o aprendizado. ______. et al.. Aprendendo com as inovações nas
escolas. Tradução de Ernani Rosa. Porto Ale-
Pode-se afirmar que a prática metodológica em gre(RS): Artes Médicas Sul, 2000.
questão se apresenta positivamente em rela- ______.; VENTURA, Montserrat. A organização
ção aos novos perfis de estudantes do Ensino do currículo por projetos de trabalho. Tradução
Superior. Os inquietos e tecnológicos jovens de Jussara Haubert Rodrigues. 5. ed. Porto Ale-
têm aí a chance de atuar, de aprender e ensinar, gre: Artes Médicas, 1998.
numa troca democrática, tal qual a sociedade MITCHELL, S. How to Talk to Young Adults.
quer. American Demographics, v. 15, n. 4, p. 50-54.
1993.
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HERNÁNDEZ, Fernando. Cultura visual, mudan-
ça educativa e projeto de trabalho. Tradução de
Jussara Haubert Rodrigues. Porto Alegre: Artes

86 INEQ - Educação integral


DEFICIÊNCIA AUDITIVA:
NOVOS DESAFIOS RUMO À
INCLUSÃO

Simone Fante Mendes da Silva1

RESUMO tion.

O presente artigo abordará o tema deficiência Au- INTRODUÇÃO


ditiva, seus graus, conceitos e evolução ao longo
do tempo. Serão colocados em questão as dificul- A escolha deste tema reporta-se à importância da
dades, reflexões e desafios por parte dos educado- reflexão sobre uma inclusão, assunto da atualida-
res em planejar suas práticas pedagógicas no dia de, apresentando as particularidades, as dificulda-
a dia, no grupo escolar e na sociedade. Também é des da criança, da família e dos educadores em
exposto nesse artigo, entre outros aspectos, novas direcionar um trabalho consciente e significativo
habilidades, estímulos e possibilidades de apren- ao deficiente auditivo.
dizagem do aluno com deficiência auditiva. Todos
estes tópicos embasados numa visão inclusiva. O aluno deficiente auditivo apresenta necessida-
des específicas que, via de regra, exige serviços ou
Palavras-chave: Deficiência Auditiva; Inclusão; auxílios especiais de educação, para o seu aten-
Educação. dimento apropriado. Como educadores, devemos
repensar a forma como recepcionamos um alu-
ABSTRACT no portador de deficiência e esta obra abrangerá
pontos essenciais na trajetória de uma proposta
The present article will address the theme Auditory pedagógica mais eficaz o beneficie. Portanto, é
deficiency, its degrees, concepts and evolution over essencial uma educação especial compensatória,
time. The difficulties, reflections and challenges on que parta da individualidade do educando, de suas
the part of the educators in planning their pedago- carências e de suas potencialidades. Sem contar
gical practices in the day to day, in the school group que, por trás de um aluno deficiente existe uma
and in the society will be put into question. Also família, repleta de dúvidas e angústias e, que, por-
discussed in this article, among other aspects, are tanto, merece atenção e participação intensiva no
new skills, stimuli and learning possibilities of stu- colégio. O elo entre a escola e a família, nessa situ-
dents with hearing impairment. All these topics are ação é um ponto muito importante para benefício
based on an inclusive vision. do desenvolvimento harmonioso da criança.
Abordar este tema transcende o processo
Keywords: Auditory Deficiency; Inclusion; Educa- de ensino e aprendizagem no espaço escolar. Des-

1 - Professora de Educação Infantil da rede Municipal. Licenciada em Pedagogia; Pós-Graduação em Práticas Educativas:
Criatividade, Ludicidade e Jogos.

INEQ - Educação integral


87
ta forma, com esse artigo se pretende desen- mento especializado, capaz de contribuir para o
volver nos educandos e familiares o espírito de seu desenvolvimento físico e mental com res-
garra, perseverança, dedicação, amor e afeto. peito e igualdade.
Com estes sentimentos será possível a criação
de vínculos e consequentemente a formação Neste cenário, faz-se necessário uma mudança
de confiança e autoestima da criança com rela- de Paradigmas, pensarmos em novas alterna-
ção ao adulto. Desta forma a criança se sentirá tivas e intervenções pedagógicas para atingir
capaz de aprender e de participar ativamente este número de crianças que vem crescendo a
da sociedade. De forma a desvendar a proble- cada dia com novas necessidades e exigências
mática e os fundamentos práticos e teóricos das famílias inclusive, cada vez mais participa-
desta temática e de atingir os objetivos desta tivas e presentes no processo de inclusão de
obra, foi utilizada como metodologia a pesquisa seus filhos na vida social.
bibliográfica, enfatizando vários teóricos reno-
mados que se destacaram nos estudos sobre o Tais mudanças devem estar presentes através
assunto, contribuindo com a aprendizagem e a de reflexões em todos nós Educadores. A busca
elaboração do artigo. pelo saber será sempre um aliado do Educador,
aspecto gerador de parcerias e espaços que fo-
O enriquecimento desta pesquisa baseia-se na mentem o desejo de mais saber, que nos levam
busca de propostas inovadoras para o bem-es- a novos caminhos e conquistas humanas com
tar e a construção do conhecimento dos alunos o objetivo de proporcionar a aprendizagem, de
portadores de deficiência, a busca através de fato, significativa tanto para nós como para os
artigos e propostas práticas que deram certo nossos alunos.
em sala de aula também fazem parte desta
obra, ilustrando como é possível interagir os O papel do Educador no processo de inclusão
alunos com atividades em que todos possam dos alunos com deficiência auditiva é essen-
participar, havendo colaboração mútua entre os cial e decisivo. Dependendo como este aluno
integrantes do grupo. é recebido no grupo seu desenvolvimento será
produtivo ou não. O trabalho do professor espe-
Considera-se importante estudar este assunto cializado depende, fundamentalmente, da utili-
já que é papel da educação e função docente zação do método, de recursos especiais, para
proporcionar ensino e integração aos alunos o desenvolvimento e aquisição da linguagem
em condição de igualdade, tratando de assun- e da fala, pois é necessário que o educador es-
tos de ordem pedagógica bem como estimu- teja preparado para ensinar as crianças com
lar os assuntos de temas transversais, aqui no deficiência e também para despertar a vontade,
caso, promover os valores básicos de solida- a curiosidade em aprender do mesmo modo
riedade, colaboração, troca e respeito nas rela- como ocorre com os demais alunos.
ções humanas.
Neste sentido, o enfoque adotado nesta obra
O conceito de Deficiência avançou através dos privilegiará a valorização de uma educação in-
tempos, desde a Antiguidade até os dias de clusiva, buscando conscientização de que o res-
hoje, com a Lei de Diretrizes e Bases da Edu- peito às diferenças faz a diferença. Atualmente
cação Nacional que direcionou os direitos dos fala-se muito em inclusão. Muitos alunos com
alunos portadores de igualdade aos portadores deficiência ingressam em escolas regulares,
de deficiência ao ingresso escolar com atendi- sentem dificuldades em relacionar-se e em de-

88 INEQ - Educação integral


senvolver-se, por outro lado, nota-se o despre- tante um olhar atento aos estímulos tanto por
paro dos profissionais da instituição em execu- parte dos pais como por parte dos educadores.
tar uma metodologia adequada a esta clientela. Verificar o processo de desenvolvimento da fala
e dos reflexos tornam-se aspetos fundamentais
Com base nestas considerações, alguns ques- para tentar perceber quando algo de diferente
tionamentos surgem para serem respondidos e está acontecendo.
esclarecidos no decorrer do embasamento teó-
rico. Um deles é: Quais as causas e as intensi- O quanto antes for detectado esta deficiência
dades da deficiência auditiva? Outro: Os profes- melhor e mais rapidamente se pode direcionar
sores e as instituições estão preparados para um tratamento específico com um profissional
acolher o deficiente auditivo num processo de especializado. Existem vários tipos de deficiên-
inclusão? E ainda: Quais as metodologias mais cias auditivas. O limiar tonal normal vai até 20
adequadas a serem adotadas em benefício da decibéis e podem ser classificados como:
criança portadora de deficiência auditiva? Ou:
Qual a importância de se discutir juntamente a a) Deficiência auditiva leve: Quando o re-
família novas possibilidades de envolvimento e baixamento do limiar auditivo chega até
participação destes alunos no contexto esco- 40 decibéis. Neste caso, a criança que
lar? Por fim: Os Educadores estão dispostos a apresenta esta perda não tem queixa al-
se atualizarem para atender de forma integral o guma, ou seja não percebem que têm o
seu aluno deficiente auditivo? problema devido a pouca alteração na au-
dição. O aluno pode apresentar uma certa
1. Referencial teórico dificuldade em atividades como ditado,
pode se mostrar distraído ou disperso em
A deficiência auditiva consiste numa patologia alguns momentos, ou apresentar dificul-
do mecanismo auditivo. A organização Mundial dades em atividades em que o tom da voz
da Saúde (OMS) indica que 2% da população seja diminuído, por exemplo numa brinca-
mundial têm problemas auditivos, que podem deira de telefone sem fio. O aluno com
ser congênitos (ocorrem na gravidez ou no par- perda auditiva leve pode ainda apresentar
to) ou adquiridos. troca de letras na fala ou na escrita. É im-
portante saber que esta perda de audição
As principais causas da deficiência congênitas não o impede de adquirir linguagem oral.
são hereditárias, produzidas por viroses ma-
ternas (rubéola, sarampo), doenças tóxicas da b) Deficiência auditiva moderada: Quan-
gestante (sífilis, citomegalovírus, toxoplasmo- do o rebaixamento do limiar auditivo vai
se) ou ingestão de medicamentos Oto tóxicos de 45 dB a 70 decibéis. Neste caso, esse
(que lesam o nervo auditivo) durante a gravidez. aluno pode apresentar problemas articu-
latórios ou linguísticos, já que essa perda
Já as principais causas da deficiência auditiva compreende a área de percepção da fala.
adquirida acontecem quando existe uma pre- Esses alunos podem apresentar maior
disposição genética (otosclerose), meningite, dificuldade de discriminação auditiva em
ingestão de remédios ototóxicos, exposição a ambientes ruidosos, por exemplo: um di-
sons como explosões e viroses, por exemplo. tado feito em lugar de muito barulho. En-
tretanto, podem apresentar grandes be-
Desde muito cedo, ainda quando bebê é impor- nefícios com o uso do Aparelho Auditivo e
INEQ - Educação integral
89
ser participantes de uma terapia fonoau- é aquele que reivindica o reconhecimento e a
diológica. A família também desempenha valorização das diferenças, nas organizações
um papel muito importante no desenvol- escolares e demais ambientes de vida escolar,
vimento do aluno com deficiência auditi- para que todos os alunos e as pessoas em geral
va e deve participar de reuniões sempre possam deles participar, incondicionalmente,
que o professor solicita. O educador tam- sendo atendidos em suas necessidades, sejam
bém estabelecer algumas atividades para elas temporárias ou permanentes.
serem feitas em casa, com o auxílio dos
familiares. A igualdade deve ser exigida, quando as
diferenças inferiorizam as pessoas, mas
c) Deficiência auditiva severa: Quando o as diferenças não podem ser negadas;
rebaixamento do limiar vai de 75 dB a 85 há que se atender as peculiaridades das
dB. pessoas, dos alunos, para que possa plei-
tear uma sociedade e uma escola justa,
d) Deficiência auditiva profunda: Quando dentro dos padrões de uma vida decente
o limiar auditivo é superior a 85 dB. Quan- e digna. (SANTOS, 1999)
do se atinge o nível de 90 dB, alguns auto-
res consideram nível de surdez. A Constituição Federal estabelece o direito das
pessoas com necessidades especiais recebe-
2. O deficiente auditivo e sua integração na rem educação preferencialmente na rede regu-
sociedade lar de ensino (art. 208, III). O direito ao Atendi-
mento Educacional Especializado, previsto nos
A trajetória dos portadores de necessidades artigos 58, 59 e 60 da Lei 9394/96 (LDB) e na
especiais foi influenciada por muitos eventos, Constituição de 1988, não se confunde com
circunstâncias e fatos históricos. O conceito atendimento clínico e muito menos com refor-
de deficiência avançou através dos tempos. Na ço à escolaridade. Nesse atendimento os alu-
antiguidade, a sociedade via os portadores de nos aprendem com professores especializados
necessidades especiais como diferentes inca- o que é necessário para que possam eliminar
pazes e inferiores. Já no início da era cristã, os ou atenuar barreiras que os impedem de conse-
romanos asfixiavam as crianças que não fos- guir um bom desempenho escolar ao cursarem
sem perfeitas. Na Grécia antiga, os gregos o ensino comum: Libras, Braille e outros conte-
escondiam ou sacrificavam os portadores de údos específicos do público-alvo da Educação
deficiência. Contudo, a sociedade evoluiu em Especial.
relação a estes pensamentos frente a questão
da deficiência que passaram a ser mais aceitas, A Lei n 10.436 de 24 de abril de 2002, assinada
e a convivência com as diferenças se tornou por Fernando Henrique Cardoso, dispõe sobre a
realidade. O preconceito diminuiu embora exis- Língua de Sinais (Libras) e das seguintes provi-
tam resistências em vários segmentos. dências para facilitar a comunicação das pes-
soas com deficiência auditiva:
Oficialmente, o atendimento aos portadores de
deficiência teve início em 12 de setembro de Art. 1 – É reconhecida como meio legal de
1854, no Rio de Janeiro, quando Dom Pedro II comunicação e expressão a Língua Brasi-
fundou o Imperial dos Meninos surdos-mudos. leira de Sinais (Libras) e outros recursos
Hoje, o paradigma educacional mais avançado de expressão a ela associados, em que

90 INEQ - Educação integral


o sistema linguístico de natureza visual classes regulares, do pessoal de apoio, dos pais
motora, com estrutura gramatical própria, e companheiros ouvintes à filosofia dessa cor-
constitui um sistema de transmissão de rente que visa a normalização.
ideia e fatos, oriundos de comunidades
de pessoas surdas do Brasil. São essas as três alternativas que se oferecem
para a escolarização do deficiente auditivo: (a)
Art. 2º – Deve ser garantido, por parte do integração, quando ingressa no sistema esco-
poder público em geral e empresas con- lar em classes especiais, onde vai ser prepara-
cessionárias de serviços públicos, formas do para cursar o ensino regular; (b) segregação,
institucionalizadas de apoiar o uso e difu- quando se recebe educação especial para sua
são da Língua Brasileira de Sinais- Libras deficiência, em escola organizada para o aten-
como meio de comunicação objetiva e de dimento especializado; e (c) assimilação, que
utilização corrente das comunidades sur- propõe educar o deficiente auditivo entre ouvin-
das do Brasil. tes, com uma reabilitação auditiva acompanha-
da a vida escolar do aluno. Quando se fala na
Art. 3º – As instituições públicas e em- recepção de um aluno portador de deficiência
presas concessionárias de serviços públi- auditiva, deve-se pensar na importância de uma
cos de assistência à saúde devem garan- equipe multidisciplinar e na interdisciplinarida-
tir atendimento adequado aos portadores de. A inclusão escolar é um processo de ade-
de deficiência auditiva, de acordo com as quação das escolas públicas e particulares (em
normas legais em vigor. parceria com as famílias, os alunos e a socieda-
de) para que todos os alunos possam receber
Art. 4 º – O sistema educacional federal e uma educação de qualidade, independente de
os sistemas educacionais estaduais, mu- etnia, gênero, idade, situação socioeconômica,
nicipal devem garantir a inclusão de cur- deficiência e; oi necessidade específica. Para
sos de formação de educação Especial, isso, as instituições de ensino precisam adap-
de fonoaudiologia, em seus níveis médio tar suas instalações físicas; dispor de recursos
e superior, do ensino da Língua Brasileira técnicos de comunicação como, por exemplo,
de Sinais (Libra), como parte integrante intérprete da Língua Brasileira de Sinais tendo
dos Parâmetros Curriculares Nacionais – em vista que segundo a Lei Federal n 7.853/89,
PCNs, conforme legislação vigente. não se pode recusar a matrícula de alunos com
deficiência.
3. A Escola e a Deficiência auditiva
Cada aluno tem forma e ritmo de apren-
A escolarização do aluno deficiente auditivo no dizagem diferentes que são respeitados
ensino regular, convivendo com companheiros em uma sala de aula inclusiva, proporcio-
ouvintes, deixa hoje de ser uma prática a que nando aos professores o desenvolvimen-
se recorre por falta de atendimento escolar es- to de habilidades e estratégias educativas
pecializado, para ser uma recomendação, uma adequadas às necessidades de cada um.
indicação de pessoas especialistas. O êxito na (MIGOTTO, 2010, p.4)
assimilação da criança deficiente auditiva pela
escola comum envolve orientação adequada, A Educação de deficientes tem sido objeto de
preparação e compromisso por parte dos ad- profundas discussões nas últimas décadas.
ministradores escolares, dos professores de A ruptura com a educação especial, além das
INEQ - Educação integral
91
exigências legais para a adoção da inclusão, comunidade. Os professores encontram muita
trouxe novas inquietações para a qualidade de dificuldade em ministrar aulas inclusivas devi-
ensino e aprendizagem. Incluir alunos surdos do à falta de formação específica nesta área.
nas classes regulares requer pensar também Os municípios devem proporcionar cada vez
em um projeto político pedagógico adaptado e meia a formação continuada, para que, de fato
apropriado a suas necessidades, a sua situação os professores assegurem as adaptações curri-
linguística. culares necessárias para o desenvolvimento do
trabalho pedagógico com os alunos portadores
Em decorrência da falta de habilidades comu- de deficiência auditiva.
nicativas, a aquisição da linguagem escrita tem
sido motivo de grande preocupação para os Seguem abaixo algumas dicas para o professor
educadores da área da surdez. A aquisição da quando tiver alunos com deficiência auditiva:
Língua Portuguesa não será natural e espontâ-
nea, deverá ser ensinada, porém, esse aprendi- I. O melhor lugar para o aluno sentar é no
zado da segunda língua só será significativo se meio da sala, longe das barreiras arqui-
o aluno surdo já dominar sua primeira Língua tetônicas como: paredes ou janelas, e à
natural : Libras. frente;
II. O professor deve se policiar para não
Os municípios estão tentando implantar a inclu- falar de costas para os alunos, enquanto
são dos alunos surdos e encontrando desafios escreve na lousa, pois prejudicará a leitu-
para a escolha de diretrizes adequadas para ra labial do aluno com deficiência auditiva
qualificar o processo de ensino-aprendizagem. III.Fale em tom de voz audível, sem gritar
Santos (2005) sugere caminhos e possibilida- e articulando bem as palavras, sem exa-
des para mudanças do projeto político pedagó- geros;
gico como: implantação de salas de recursos IV. Para os professores do sexo mascu-
no contra turno da aula, formação de Libras lino: evitem barbas, bigodes e cavanha-
para professores e pais; formação continuada ques que possam prejudicar a leitura la-
para professores das classes regulares e salas bial;
de recursos; inserção de intérpretes nas clas- V. Se o aluno fizer terapia fonoaudiológi-
ses regulares e formação dos pais em relação ca, é importante manter contato com a
à aprendizagem dos alunos com deficiência au- terapeuta, por telefone, relatórios ou pes-
ditiva. soalmente para trocarem informações
sobre o desenvolvimento do aluno.
As salas de recursos compostas por um ins-
trutor surdo e uma professora de Língua Portu- 4. Processo de alfabetização do aluno com
guesa garantem a especialidade da deficiência deficiência auditiva
enquanto aprendizagem. Suas ações, além do
ensino de Libras, devem estar articuladas com Escrever não é um estado, mas um processo
os conteúdos trabalhados nas classes regula- que se inicia cedo, mas não termina nunca. O
res. processo de aquisição da escrita somente ocor-
rerá a partir do momento que o aluno entender
Realizar projetos de Libras nas unidades esco- a construir o significado da função da escrita e
lares torna-se muito importante para a multi- sua representatividade no meio social. Ou seja,
plicação dessa língua aos alunos ouvintes e à ele alcançará o domínio desta quando perceber

92 INEQ - Educação integral


que o ato de escrever é funcional e necessário e murais) ou cênico (dramatização e mí-
para a sua vida, pois é uma forma de comuni- mica);
car-se e expressar vontades, necessidades, in- VII. Exploração do vocabulário e da estru-
formações, etc. tura do texto (decodificação de vocábulos
desconhecidos, por meio de emprego de
As hipóteses (ideias) construídas fora do pa- associações e analogias);
drão convencional da escrita são erros constru- VIII. Trabalhe com textos de memória,
tivos, ou seja, são importantes para a reflexão e como parlendas, cantigas de roda, trava-
a aprendizagem, e aproximarão cada vez mais línguas, etc.
o aluno da escrita convencional. A alfabetização
de alunos com deficiência auditiva, em nada se 4.1 A Linguagem da pessoa com deficiência
diferencia da alfabetização de um aluno ouvin- auditiva
te, visto que ele se utilizará de pistas auditivas
e articulatórias para a construção da escrita. A comunicação da pessoa com deficiência
auditiva e suas formas de linguagem podem
Sendo assim, o aluno que apresenta deficiência influenciar em seu modo de pensar, de com-
auditiva não necessita de adaptações curricula- preender e de aprender. O fato de uma pessoa
res, ou mesmo da utilização da Língua Brasileira possuir deficiência auditiva não significa que
de Sinais. Para este aluno, não existem práticas ela seja muda. A linguagem está relacionada
educacionais diferenciadas, devemos oferecer a diversas questões inerentes à pessoa com
oportunidades de construção da leitura e escri- deficiência auditiva, como a oralidade ( a fala),
ta, utilizando as pistas auditivas como apoio. A a leitura labial, o bilinguismo e os tratamentos
seguir, algumas dicas para auxiliar o professor adequados, que podem facilitar a inclusão.
na alfabetização de alunos com deficiência au-
ditiva: A aprendizagem e linguagem caminham
juntas. A faltada capacidade de falar acar-
I. Utilização da escrita na interação simul- reta a uma criança com deficiência audi-
tânea professor; aluno; tiva um deficit no seu desenvolvimento
II. Escolha prévia de textos, de acordo cognitivo, na aprendizagem e na intera-
com a competência da linguística dos ção social. Ainda exista uma lacuna entre
educandos; o indivíduo com deficiência e o ouvinte,
III. Apresentação de referências relevan- devido a uma espécie de falha nas trocas
tes sobre o texto antes de sua leitura de informações durante a comunicação.
(contexto histórico, enredo, personagens, Por ocasião dessa deficiência fonoarticu-
localização geográfica, biografia do autor, latória, o indivíduo afasta-se, isola-se, dei-
etc.); xando de ter convívio social. (STUDART,
IV. Utilização de metodologias que inclu- 2011, p.15)
am atividades de diferentes tipos, como
pesquisa, projetos, oficinas, visita, etc.; É importante lembrar que mesmo a criança
V. Utilização dos conhecimentos prévios com perda auditiva leve, pode ter sérias conse-
dos alunos, dos conhecimentos que o alu- quências no desenvolvimento da fala, da lingua-
no já possui como ponto de partida; gem e no rendimento escolar. Muitas crianças
VI. Interpretação de textos mediante o com deficiência auditiva conseguem falar de
uso de material plástico (desenho, pintura maneira inteligível, utilizando o resíduo auditi-
INEQ - Educação integral
93
vo e a leitura de lábios. Alguns fatores são de- A principal colaboração é seguir as instruções
terminantes para o desenvolvimento da fala e dadas pelo terapeuta, de como agir com a crian-
linguagem, como quantidade de resíduo auditi- ça no lar, quando ela adquire os rudimentos das
vo; a realização de terapia fonoaudiológica e o linguagens e as primeiras atitudes de um com-
envolvimento dos pais. A união das linguagens portamento oral. A participação efetiva da famí-
gestual e oral parece ser a opção que oferece lia altera sua própria dinâmica e é retratada pela
maior ganho e funcionalidade à pessoa, garan- atenção e oportunidade de expressão dada à
tindo maior autonomia ao sujeito, seja nos estu- criança, como também pela forma como ela é
dos, no trabalho ou nas relações sociais. considerada membro importantíssimo e partici-
pante da vida familiar.
É importante estarmos cientes de que a
linguagem de uma pessoa com deficiên- As famílias, especialmente os pais, vão exercer
cia auditiva é um processo lento e gradu- um papel preponderante na difícil socialização
al. Cabe à escola, à família e aos profis- do deficiente auditivo. Ela deve criar condições
sionais envolvidos oferecer recursos para favoráveis à expansão da personalidade da
um adequado processo de aprendiza- criança, diversificando o seu contato social. A
gem. A linguagem deve ser vista sempre tentativa de comunicação dos pais com o filho
como um instrumento de inclusão social, é muito importante, mesmo que inicialmente
que precisa ser estimulado, independen- não se entendam. A criança, entretanto, aos
temente da maneira com a qual o usuário poucos vai compreendendo o esforço dos pais
melhor se adapta. O importante é garantir e também se esforçará para que se estabeleça
a todos o direito de se comunicar. (STU- uma comunicação satisfatória.
DART, 2011, p.16)
É importante também que os pais desenvolvam
5. A participação da família no processo de in- na criança a independência do surdo, encora-
clusão social jando-o a tomar iniciativas e praticar sozinho os
hábitos de higiene, incentivando naturalmente a
A participação é um elemento essencial para a convivência social.
inclusão social. O homem só se mantém em so-
ciedade pela necessidade, pela ação conjunta, Na escola, a participação deve ser constante,
para criar condições de sobrevivência. deve ser medida pela assiduidade e pela preste-
za dos pais em comparecer às convocações da
A percepção e a participação da família são fa- instituição para entrevistas, reuniões ou para al-
tores de inestimável valia para o processo edu- gum comunicado pessoal e urgente sobre pro-
cacional e de integração do deficiente auditivo blema do aluno .Os pais devem estar abertos
e para tal, o serviço social traçou a seguinte es- às orientações dos educadores ou profissionais
tratégia de ação em dois tempos: primeiramen- no ambiente escolar. O elo deve estar em evi-
te, aconselhamento ou reflexão, para motivar e dência para benefício e melhor desenvolvimen-
conscientizar os familiares, particularmente os to do aluno.
pais, da necessidade de aceitar, sem reservas,
o filho deficiente; e depois respeitar suas limita- CONSIDERAÇÕES FINAIS
ções pessoais e amá-lo como ele é, tornando-o
amado pelos irmãos, recusando-se a vê-lo pela Como se pode observar, defender uma escola
ótica preconceituosa da sociedade. inclusiva para portadores de deficiência auditi-

94 INEQ - Educação integral


va não tem como objetivo normatizá-los, mas REFERÊNCIAS
proporcionar uma escola que reflita sua situa-
ção sociolinguística; uma escola inclusiva, mas BEAUCLAIR, João - Revista Direcional Educa-
que usa a sua língua, que reflita sua condição de dor - “Inclusão: Aprendizagem e Novos Paradig-
diferente. Os alunos surdos têm direito à esco- mas – Roteiro de reflexões”, 2008.
la, mas também tem direito de aprender, acesso CENP – Coordenadoria de Estudos e Normas
não é suficiente sem qualidade de ensino. Pedagógicas. A Educação do Deficiente Auditi-
vo, Escola – Família – Comunidade. São Paulo,
O melhor caminho é ampliarmos, nas nossas 1981.
ações cotidianas, o conceito universal de soli- GIOVANI, Priscila de – Revista Ciranda da Inclu-
dariedade como práxis vivencial. É importante são - “Caminhos e possibilidades para a inclu-
revermos nossas crenças, criarmos meios mais são de surdos, 2010.
dinâmicos, reconstruirmos nossos olhares so- GODINHO, E – “Surdez e Significado”. São Paulo,
bre a realidade. Com isso, podemos aprender e Editora Cortez, 1982.
ensinar conhecimentos mais pertinentes, con- MANTOAN, Maria Tereza Eglér – Revista Dire-
textualizados, conectados, dependendo da situ- cional Educador- “O Direito à igualdade e a dife-
ação. rença na escola”, 2008.pg.16.
MIGOTTO, Leandra – Ciranda da Inclusão –
Encontramos muitos desafios onde, ou estag- “União de Educadores, possibilidades de inclu-
namos ou enfrentamos , revendo nossas postu- são”, 2010, pg. 05
ras e construindo novas competências para um STUDART, Elaine – Ciranda da Inclusão- “A Lin-
projeto bilíngue de educação inclusiva de quali- guagem da pessoa com deficiência Auditiva”,
dade. Aos educadores cabe, enfim, trabalhar em 2011, pg.15.
prol do ser humano e propor o desenvolvimen-
to, com novos pensamentos e espírito de mu-
dança, de busca para a melhoria de sua prática
pedagógica. Perceber que existe a diferença,
porém fazer algo para trabalhar e transformar
esta diferença em troca com união profissional,
respeito ao próximo abrindo caminhos para a
atuação do portador de deficiência auditiva no
grupo de forma participativa com carinho e ao
mesmo tempo firmeza nas atitudes.

A amorosidade no trato com as crianças por-
tadoras de deficiência auditiva, proporciona
laços de aceitação, amplia as possibilidades
de percebermos as limitações, aceitando-as
e compartilhando-as. Fazer da afetividade um
de nossos recursos para a obtenção de novas
capacidades, buscando sempre o aprender no
tempo do fazer e se comunicar. Todos têm o di-
reito de exteriorizar suas capacidades.

INEQ - Educação integral


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Normas para publicação de trabalhos
A Comissão Editorial da Revista Educação Integral do grupo Educacional Ineq torna público
aos interessados que receberá textos de entrevistas, traduções de documentos e textos
clássicos, artigos, resenhas e relatórios de campo, de caráter inédito, cujas matérias tratem
das teorias, objetos e metodologias das Ciências humanas e Sociais Aplicadas, resultantes
ou não de pesquisas empíricas. Os referidos textos deverão conter as seguintes cláusulas:

1. Resumo em Língua Portuguesa, contendo cacional Ineq serão apreciados por três mem-
de 100 palavras, referências do autor (institui- bros desta comissão, que poderão aceita-los
ção, cargo, titulação e endereço eletrônico); integralmente, propor reajuste ou recusá-los,
2. Resumo em inglês ou espanhol; com base em critérios técnicos como: coerên-
3. Palavras-chave: até cinco; cia textual, encadeamento lógico, normas da
4. Redação em língua portuguesa, digitação ABNT vigentes, problemática enunciada e de-
em folha formato A4, word for Windows, fon- senvolvida, introdução, referencial teórico, con-
te Time New Roman, tamanho 12, espaço 1,5, siderações finais e referência bibliográficas;
margens esquerda e superior com 3 cm, direita 9. Os textos que não observarem os padrões
e inferior com 2 cm; aqui estabelecidos não serão publicados;
5. As entrevistas deverão ter, no máximo 04 10. Os Autores que tiverem trabalhos publica-
(quatro) laudas; as traduções de documentos e dos terão acesso ao arquivo digital da Revista
textos clássicos e os artigos científicos, de 08 Educação Integral, não sendo pagos direitos au-
(oito) a 16 (dezesseis) laudas, as resenhas até torais;
03 ( três) laudas e os relatórios de trabalho de 11. O conteúdo dos textos deve passar por cri-
campo até 15 (quinze) laudas, incluindo-se nes- teriosa revisão textual, que é de responsabilida-
sas delimitações as tabelas, quadro, gráficos, de de seus autores;
figuras, fotografias e referências bibliográficas 12. Os casos omissos serão discutidos e deli-
que fizerem parte dos textos; berados pela Comissão Editorial;
6. Apresentar notas de rodapé ( se necessário) 13. Informações sobre o periódico podem ser
numeradas em algarismos arábicos; solicitados aos editores, no Núcleo de Desen-
7. As citações e referências bibliográficas de- volvimento de Atividades Pedagógicas do Gru-
vem obedecer ao padrão estabelecido pela As- po Ineq ou via e-mail;
sociação Brasileira de Normas Técnicas (a mais 14. Os trabalhos deverão ser enviados somen-
atualizada), para referenciamento de livros, te por e-mail para o endereço: educacaointe-
revistas, suportes eletrônicos e outros multi- gral@ineq.com.br com o devido comprovante
meios, disponíveis no site www.abnt.org.br; de pagamento do artigo. Não enviaremos para
8. Os textos encaminhados à Comissão Edito- revisão, antes de identificar o pagamento.
rial da Revista Educação Integral do Grupo Edu-

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