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Tristemente o rei, então, perguntou a 3ª esposa: Ora, para quem a razão prática institui fins e normas? Para si
mesma. Para quê? Para a orientação de sua conduta conforme ao
- Eu também te amei tanto a vida inteira. Agora que eu estou bem. Na medida em que a razão prática tem o poder para criar
morrendo, você é capaz de morrer comigo, para não me deixar normas e fins morais para si mesma, ela é também o poder para
sozinho? impô-los a si mesma. Essa imposição de fins e normas que a razão
prática faz a si mesma daquilo que ela própria criou é o dever.
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O dever, portanto, longe de ser uma imposição externa feita à Entretanto, só existirá a verdadeira liberdade quando
nossa vontade e à nossa consciência, é a expressão de nossa pudermos decidir de posse do conhecimento, quando está em nosso
liberdade, isto é, da presença da lei moral em nós, manifestação mais poder definir qual o caminho melhor e porque ele é o melhor. Para
alta da humanidade em nós. Obedecer ao dever é obedecer a si isso, temos também de ter o conhecimento do que é o caminho pior.
mesmo como ser racional que dá a si mesmo a lei moral. Por Portanto, o retorno da queda original também é uma decisão
liberdade da vontade, o sujeito moral, isto é, a razão prática universal, nossa. Esse caminho de retorno é ladeado por duas colunas: a razão
dá a si mesma os valores, os fins e as normas de nossa ação moral. direcionada pela fé e a Fé esclarecida pela razão. É a busca do
Por isso somos autônomos. conhecimento tão decantada por todos os sábios do mundo.
Resta, porém, uma questão: se somos racionais e livres, Mas cuidado! As forças instintivas (produtos da natureza) que
porque valores, fins e normas morais não são espontâneos em nós, regem o nosso corpo e obscurecem a nossa razão, são tiranos
mas precisam assumir a forma do dever e de uma lei moral? inflexíveis e pertinazes, sua arma é nos comandar nos fazendo
Porque não somos seres morais apenas. Também somos seres crer que a decisão foi tomada por nós, de livre vontade . A isto
naturais, submetidos à causalidade necessária da natureza. Nosso chamamos AUTO-ENGANO.
corpo e nossa psique são feitos de apetites, impulsos, desejos e Para escapar deste jugo e poder contemplar a verdadeira
paixões. Nossos sentimentos, nossas emoções e nossos LUZ, precisamos de um método seguro e eficaz e a ajuda dos mais
comportamentos são a parte da natureza em nós, EXERCENDO experientes.
DOMÍNIO SOBRE NÓS, submetendo-se à causalidade natural
inexorável. A essa ajuda chamamos TRADIÇÃO. A esse caminho
chamamos INICIAÇÃO.
QUEM SE SUBMETE A ELES NÃO PODE POSSUIR
A AUTONOMIA ÉTICA, NÃO POSSUI A LIBERDADE. Por Nos dizeres de Cristo: CONHECEI A VERDADE E ELA
quê? Porque impulsos, apetites, paixões são causados em nós por VOS LIBERTARÁ!
coisas e forças externas a nós sobre as quais não temos domínio e às Na parábola das “quatro esposas”, simbolicamente o poeta
quais nos submetemos. Aqui, nossa vontade não é livre, mas nos mostra o tamanho do poder que a natureza e as forças instintivas
constrangida por forças exteriores a ela. exercem sobre nós, o quanto desviamos os nossos olhos da luz da
A natureza nos impele a agir por interesse. O interesse é a verdade, acreditando estar fazendo o correto durante toda a vida.
forma natural do egoísmo, que nos leva a usar coisas e pessoas como Abaixo transcrevemos esta magnífica alegoria.
meios e instrumentos para o que desejamos. Além disso, o interesse
nos faz viver na ilusão de que somos livres e racionais por AS QUATRO ESPOSAS
realizarmos ações que julgamos terem sido decididas livremente por Era Uma Vez Um Rei Que Tinha 4 Esposas.
nós, quando, na verdade trata-se de um impulso cego determinado
pela causalidade natural. Agir por interesse é agir determinado por Ele amava a 4ª esposa demais e vivia dando-lhe lindos
motivações físicas, psíquicas, vitais, à maneira dos animais. presentes, jóias e roupas caras. Ele dava-lhe de tudo e sempre do
melhor...
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Diz Aristóteles que é livre aquele que tem em si mesmo o Visto que apetites, impulsos, desejos, tendências e
princípio para agir ou não agir, isto é, aquele que é causa interna de comportamentos naturais costumam ser muito mais fortes do que a
sua ação ou da decisão de não agir. A liberdade é concebida como o razão, a razão prática e a verdadeira liberdade precisam sobrepujar
poder pleno e incondicional da vontade para determinar a si mesma, nossa parte natural e nos impor nosso ser moral. Elas o fazem
isto é, para autodeterminar-se. É pensada, também, como ausência de obrigando-nos a passar das motivações do interesse para o dever.
constrangimentos externos e internos, isto é, como uma capacidade Para sermos livres, precisamos ser obrigados pelo dever de
que não encontra obstáculos para se realizar nem é forçada por coisa sermos livres.
alguma para agir. Trata-se da espontaneidade plena do agente, que dá A violência está em não compreendermos nossa destinação
a si mesmo os motivos e os fins de sua ação sem ser constrangido ou racional e em confundirmos nossa liberdade com a satisfação
forçado por nada e por ninguém. irracional de todos os nossos apetites e impulsos. O dever não nos é
Sem dúvida, poder-se-ia dizer que a vontade livre é imposto e sim proposto pela razão à nossa vontade livre. Quando o
determinada pela razão ou pela inteligência e, nesse caso, seria querer e o dever coincidem, somos seres morais, pois a virtude é a
preciso admitir que não é causa de si ou incondicionada, mas que é força da vontade para cumprir o dever.
causada pelo raciocínio ou pelo pensamento. O dever, não se apresenta através de um conjunto de
No entanto, como disseram os filósofos posteriores à conteúdos fixos, que definiriam a essência de cada virtude e diriam
Aristóteles, a inteligência inclina a vontade para uma certa direção, que atos deveriam ser praticados e evitados em cada circunstância de
mas não a obriga nem a constrange, tanto assim que podemos agir na nossa vida. O dever não é um catálogo de virtudes nem uma lista de
direção contrária à indicada pela inteligência ou razão. É por ser livre "faça isto" e "não faça aquilo". O dever é uma forma que deve valer
e incondicionada que a vontade pode seguir ou não os conselhos da para toda e qualquer ação moral, O DEVER É UMA NORMA
consciência. A liberdade será ética quando o exercício da vontade INTRÍNSICA DE PRINCÍPIOS. Princípios estes, evidentemente, do
estiver em harmonia com a direção apontada pela razão. mundo imortal e divino, que é o mundo da Verdade.
Conformar-se ou resignar-se é uma decisão livre, tanto Essa forma não é indicativa, mas imperativa. Um imperativo
quanto não se resignar nem se conformar, lutando contra as é o que não admite hipóteses ("se... então") nem condições que o
circunstâncias. Quando dizemos que não podemos fazer alguma fariam valer em certas situações e não valer em outras, mas vale
coisa porque estamos fatigados, a fadiga é uma decisão nossa, tanto incondicionalmente e sem exceções para todas as circunstâncias de
assim que uma outra pessoa, nas mesmas circunstâncias, poderia todas as ações morais. Por isso, o dever é um imperativo categórico.
decidir não se sentir cansada e agir. Da mesma maneira, quando Ordena incondicionalmente. Não é uma motivação psicológica,
dizemos estar enfraquecidos e por isso não temos força para fazer mas a lei moral interior. É o primado da alma imortal sobre o corpo
alguma coisa, a fraqueza é uma decisão nossa, pois um outro poderia, mortal.
nas mesmas circunstâncias, não se cons iderar fraco e agir. Assim O motivo moral da vontade boa é agir por dever. O móvel
também quando dizemos que numa dada situação não há o que fazer, moral da vontade boa é o respeito pelo dever, produzido em nós pela
esse abandono da ação é uma decisão nossa. Ceder tanto quanto não razão. Obediência à lei moral, respeito pelo dever e pelos outros
ceder é uma decisão nossa. constituem a bondade da vontade ética.
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O imperativo categórico não nos diz para sermos honestos, Como passar da paixão à ação? Abandonando os
oferecendo-nos a essência da honestidade; nem para sermos justos, sentimentos, os afetos, as emoções? De maneira nenhuma. Somos
verazes, generosos ou corajosos com base na definição da essência da seres naturalmente afetivos e deixar de experimentar afetos ou
justiça, da verdade, da generosidade ou da coragem. Não nos diz para sentimentos é simplesmente deixar de ser humano.
praticarmos esta ou aquela ação determinada, mas nos diz para O ponto principal, não é deixar de ter paixões, afetos e
sermos éticos cumprindo o dever (as três máximas morais). É este emoções, é não deixar que estes afetos e paixões dominem as nossas
que determina por que uma ação moral deverá ser sempre honesta, decisões e subjuguem as nossas ações.
justa, veraz, generosa ou corajosa. Ao agir, devemos indagar se nossa
ação está em conformidade com os fins morais, isto é, com as A passagem se dá no interior das paixões e graças a elas. De
máximas do dever. fato, quando nos submetemos às paixões e aos desejos, eles nos
enfraquecem e nos tornam cada vez mais passivos.
A servidão passional e a liberdade afetiva Quando nossa razão se torna capaz de ser vivida por nós
Que é o vício? . É a fraqueza para existir, agir e pensar. É afetivamente, isto é, quando experimentamos que conhecer é mais
deixar-se levar apenas por afetos passivos ou paixões, forte do que ignorar e que o conhecimento é a força própria de
submetendo-se a eles, pois com isso nos deixamos governar pelas nossa alma, nossa atividade racional se torna alegria.
causas externas (coisas e outros humanos), que passam a ter poder Quando nós colocamos a luz do conhecimento sobre as
sobre nós. Como sucumbimos ao poderio de forças externas? trevas desconhecidas de nossas paixões e desejos, nós entendemos o
Deixando-nos dominar pelas paixões e pelos desejos nascidos das jogo de forças que a natureza exerce sobre o nosso corpo,
causas externas. Por isso, em vez de vício, os filósofos e os mestres aprisionando a nossa alma em uma servidão aos instintos.
da sabedoria falam em servidão humana.
É dessa forma, que nossa razão, de posse do conhecimento
De fato, somos servos quando nossas paixões determinam das armas dos tiranos, pode escolher o caminho a seguir: se sucumbe
nossa vida e, portanto, quando não somos livres, mas vivemos sob o ao instinto ou domina-o e faz servi-lo a uma causa mais nobre. A
poder externo das coisas e de outros, que nos arrastam para onde atividade racional não depende de causas externas, mas
querem. Ora, quanto mais fracos somos, mais passivos somos e tanto exclusivamente da força interna de nossa razão.
mais fracos quanto mais paixões e desejos externos nos dominem.
As teorias éticas procuraram sempre enfrentar o duplo
Que é a virtude? Não é cumprir deveres e obrigações, mas problema da necessidade e da contingência, definindo o campo da
ser a causa interna de nossos sentimentos, atos e pensamentos. Ou liberdade possível.
seja, ser livre é ter força interior para passar da passividade afetiva
(submissão a causas externas) à atividade afetiva (ser causa interna A primeira grande teoria filosófica da liberdade é exposta por
dos afetos, dos pensamentos e das condutas). Aristóteles em sua obra Ética a Nicômaco e, com variantes,
permanece através dos séculos chegando até o século XX, quando foi
Se a servidão é paixão, a virtude é ação. Ser virtuoso ou ser retomada por Sartre. Nessa concepção, a liberdade se opõe ao que é
livre é, pois, passar da paixão à ação, tornar-se causa ativa interna de condicionado externamente (necessidade) e ao que acontece sem
nossos afetos e pensamentos. escolha deliberada (contingência).