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O LOBBY

DA BALA
A TAURUS,
OS BOLSONAROS
E OS MILITARES
por Thiago Herdy
e Bruno Abbud

EPOCA
DIVINO
MI(NI)STÉRIO
OS MAIAS
O PAI DO PRESIDENTE
MAIS OLAVO
A DERRADEIRA
01.04.19

O PASTOR QUE ESTÁ DA CÂMARA FALA ANÁLISE DA OBRA


EPOCA.GLOBO.COM
DE OLHO NO MEC SOBRE COMO O FILHO DO IDEÓLOGO Nº 1082
DOBROU O GOVERNO (PARTE 1)
por Henrique Gomes
CARGA TRIBUTÁRIA FEDERAL
APROXIMADAMENTE 4,65%

Batista e Aline Ribeiro por Thiago Prado por João


Pedro EXEMPLAR DO ASSINANTE
Sabino Guimarães VENDA PROIBIDA
APROVADO PELA
IMPRENSA ESPECIALIZADA.
COMENTÁRIOS PUBLICADOS APÓS A REALIZAÇÃO DE TEST-DRIVE.
Um dos itens mais bacanas é a tela multimídia de Outro recurso para lá de valioso
9 polegadas com Android Auto e Carplay. O visor tem é a função Auto Hold.
ótima resposta ao toque e resolução. Permite operar
o ar-condicionado de 2 zonas e exibe as imagens da
13/01/2019 câmera de ré e também da câmera 360º.

03/2019

02/2019 Em nosso test drive, motor


e câmbio trabalharam bem,
O motor turboflex do Tiggo7 com mudanças rápidas,
prioriza o conforto, mas não mas suaves e silenciosas.
nega fogo quando é convocado.
O conteúdo também
Sua suspensão tem um é de gente grande.
ajuste bem adequado ao
piso brasileiro, absorvendo
bem buracos e demais
irregularidades.

02/2019

O novo SUV é firme e oferece rolagem


agradável em curvas, mantendo-se
sempre à mão. Também surpreendeu
a boa vedação acústica da cabine.

Mas o que chama a


atenção é o cuidado
com acabamento.

03/2019

A velocidade cresce
rapidamente, com passagens
ágeis de marcha.

Tiggo 7 é bom de andar


e tem preço competitivo.

Freio Elétrico com Auto Hold. Multimídia completo de 9 polegadas


Atua nas paradas em subidas, descidas
com câmeras 360º.
e terreno plano. O motorista pisa no freio,
o carro para e só volta a se movimentar A vida a bordo conectada ao mundo exterior
pisando no acelerador. com ampla visão de tudo que cerca o veículo.
O motorista pode tirar o pé do freio que o carro
Segurança total para manobras de ultrapassagem,
não se movimenta, mesmo nas subidase descidas
de rampa. Dispensa o freio de mão e de pé. mudança de direção, saídas de ré e estacionamento crítico.

0800-772 4379
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Condição válida para Tiggo 7 T ano e modelo 19/20, valor à vista de R$ 106.990,00 (cores sólidas), taxa 0,85% com entrada mínima de 50% (R$ 53.495,00) e saldo em 24 parcelas mensais de R$ 2.663,65, com simulação de taxa de 0,85% a.m. e 10,69% a.a. Tarifa de Cadastro de R$
financiado com entrada de 50% (R$ 53.495,00) e saldo em 24 parcelas de R$ 2.808,00 taxa de 1,42% a.m. e 18,34% a.a., mais TC/Tarifas de R$ 2.300,00 (Financeira Alfa S/A) no valor total financiado de R$ 120.887,00. 2. Recompra garantida. A D21 Motors garante a recompra do Tiggo
31/03/2019, após 12 meses de aquisição, a contar data da emissão da nota fiscal, admitindo-se a tolerância de 30 dias antes e 30 dias após esse período. Para que o veículo seja elegível a essa campanha, deve seguir as seguintes condições: 1ª- Garantia de fábrica ativa. 2ª- Registro de
com aprovação do veículo sem restrição, a ser realizado por empresa de vistoria indicada pelo concessionário D21 Motors. 4ª- Chave reserva em perfeitas condições de uso, manual do proprietário, certificado de garantia com as revisões realizadas dentro do prazo determinado pela D21
avaliação estará sujeita ao desconto do serviço conforme tabela de preço das revendas D21 Motors. 6ª- Serão aceitos na troca, no valor da promoção, os que estiverem com o seu documento único de transferência – DUT – no nome do comprador do veículo 0km ou em nome de parentes
de transferência – DUT – no nome do comprador do veículo 0km ou em nome de parentes de 1° grau (pais, filhos e cônjuges), desde que comprovado o parentesco por meio de documentação oficial. Consulte a lista de veículos elegíveis para a Campanha Tabela Fipe para o seu veículo
ano sem registro de sinistro, queixa de roubo e furto, e/ou avarias de grande monta. 3ª - Enquadramento do veículo nas condições acima por laudo de vistoria cautelar pericial, com aprovação do veículo sem restrição, em empresa de vistoria indicado pelo concessionário D21 Motors. 4ª
de reparo e troca de peças. Caso haja a necessidade de pequenos reparos como pequenos riscos, amassados, trinca no para-brisa, substituição de pneus etc., a avaliação estará sujeita ao desconto do serviço conforme tabela de preço das revendas D21 Motors. Os carros elegíveis nessa
Motors. As promoções constantes deste anúncio não são cumulativas entre si nem com nenhuma outra promoção que venha a ser veiculada no mesmo período. Garantia de 5 anos. Condições válidas até 31/3/2019 ou enquanto durarem os estoques.
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106.990 C Â M B I O A U T O M ÁT I C O “ D U A L C L U T C H ” T O R Q U E C O N T Í N U O

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2.300,00, (incluso na parcela) valor total financiado de R$ 117.422,67 (a prazo 24 meses). Consulte condições para os demais veículos e as versões nas concessionárias D21 Motors. 1.5. Primeira parcela em agosto de 2019: condição válida para veículo valor de R$ 106.990,00 (à vista) ou
7 catálogos C501 e C551 ano e modelo 19/20 vendido exclusivamente por uma revenda D21 Motors, pelo valor correspondente a 90% do valor da Tabela Fipe vigente no momento da recompra. A recompra somente será válida para veículos vendidos entre o período de 01/01/2019 a
revisões realizadas dentro do prazo estipulado pela D21 Motors e com quilometragem limitada a 15.000 km por ano, sem registro de sinistro, queixa de roubo e furto e/ou avarias de grande monta. 3ª- Enquadramento do veículo nas condições acima por laudo de vistoria cautelar pericial,
Motors nos termos do manual do proprietário. 5ª- O veículo deve estar em perfeitas condições de uso, sem a necessidade de reparo e troca de peças. Caso haja a necessidade de pequenos reparos como pequenos riscos, amassados, trinca no para-brisa, substituição de pneus etc., a
de 1º grau (pais, filhos e cônjuges), desde que comprovado o parentesco por meio de documentação oficial. 3. Campanha Tabela Fipe válida para modelos Tiggo 7 ano e modelo 19/20. Serão aceitos na troca no valor da Tabela Fipe os veículos que estiverem com o seu documento único
usado nas Concessionárias D21motors, os quais devem obrigatoriamente também reunir as seguintes condições cumulativas: 1ª - Garantia de fábrica ativa. 2ª - Registro de revisões realizadas dentro do prazo estipulado pela montadora e com quilometragem limitada a 15.000 km por
-Chave reserva em perfeitas condições de uso, manual do proprietário, certificado de garantia com as revisões realizadas dentro do prazo determinado pela montadora nos termos do manual do proprietário. 5ª - O veículo deve estar em perfeitas condições de uso, sem a necessidade
campanha devem ter ar-condicionado, vidros e travas elétricas e direção hidráulica/elétrica. Campanha válida somente na troca dos modelos em estoque da concessionária. Consulte outras versões, outras cores e outros itens nas concessionárias autorizadas da marca Caoa Chery-D21
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dos editores

CANOS FUMEGANTES
U m embate silencioso está sendo travado
dentro do governo Jair Bolsonaro. A regu-
lação do bilionário, violento e homicida merca-
O Brasil concentra 14% dos homicídios de
todo o globo, apesar de sua população equiva-
ler a 3% da mundial. As taxas de homicídio
do das armas divide apoiadores do presidente brasileiras são semelhantes às de Ruanda,
mais pró-armamento da história democrática Congo, República Dominicana e África do
recente. A abertura do mercado para fabrican- Sul. Quase 60 mil brasileiros foram assassina-
tes de armas estrangeiros estimula confrontos dos no ano passado. Os índices variam de esta-
barulhentos de grupos lobistas de um lado e de do a estado, por razões diversas. São Paulo,
outro. Os opositores — parlamentares da ban- com a maior população, tem taxas de homicí-
cada da bala e setores militares de um lado; fa- dio próximas a dez mortes em cada grupo de
miliares do presidente e representantes de em- 100 mil habitantes. É um índice no teto do li-
presas estrangeiras de outro — frequentam o mite admitido pela Organização Mundial da
entorno presidencial. Cada um a seu modo ten- Saúde. O Rio de Janeiro — depois do fracasso
ta atrair Bolsonaro para seu ponto de vista. de experiências de policiamento comunitário
Amante de uma pistola alemã, o presiden- — assiste ao número recorde de mortos em
te repetiu mais de uma vez a eleitores que pre- confronto com a polícia. Algumas capitais no
tendia abrir o mercado para fabricantes de ar- Norte-Nordeste, como Belém, Salvador, For-
mas estrangeiros se instalarem no Brasil, além taleza e São Luís, e as cidades-satélites no en-
de facilitar a importação desse tipo de arma- torno de Brasília têm taxas de homicídio aci-
mento. Prometia quebrar o que chamava de ma de 50 por 100 mil habitantes, mesmo nível
“monopólio” da Taurus, a maior produtora da de alguns dos países mais violentos do mundo,
América Latina de armas e cartuchos. como Jamaica, Venezuela e Honduras.
É difícil achar urgência ou relevância nesse Além da impossibilidade de paz social, a
debate — exceto para aqueles que vão ganhar epidemia de violência tem custos econômicos
muito dinheiro por serviços prestados. Facili- substanciais. Estudos apontam que, em 20
tar a fabricação, produção, importação, com- anos, o Brasil perdeu mão de obra que poderia
pra e venda de armas de fogo não deveria estar produzir riquezas avaliadas em mais de R$
na agenda de um dos países em que mais se 450 bilhões. Com esse dinheiro seria possível
mata e mais se morre à bala em todo o mundo. aumentar em dez vezes o número de famílias
Pesquisas já demonstraram que as armas atendidas por meio de programas assistenciais
usadas nos crimes comuns das grandes ci- — e assim atingir metade dos brasileiros.
dades brasileiras são produtos nacionais Os custos econômicos da criminalidade
que migraram do mercado legal para o ile- cresceram ao dobro da velocidade do PIB na
gal. O percentual de armas contrabandea- última década, com o desperdício de R$ 300
das — de pequeno ou grande porte — é baixo, bilhões por ano. Somando uma coisa com
apesar da grande visibilidade que fuzis automáti- outra, homicídios e criminalidade conso-
cos têm nas mãos de grupos criminosos do Rio mem quase 10% do PIB brasileiro, recurso
de Janeiro, para citar um exemplo. O grosso dos que poderia ser investido em mais serviços
crimes é praticado por revólveres que custam de educação e saúde, para ficar no básico. O
cerca de R$ 4 mil no mercado legal, mas que no ganho econômico da ampliação do mercado
submundo, depois de desviados, furtados ou de armas dificilmente poderá compensar
roubados, são revendidos por meros R$ 500. esses números.
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Vo c ê v a i m e r g u l h a r n u m m u n d o d e s e n s a ç õ e s a t ra v é s d e 5 m o v i m e n t o s : e q u i l í b r i o , a c e l e ra ç ã o ,
s u s p e n s ã o , reflexão e sincronização. Porque é agora que a gente vive, canta, vibra, conecta, cria, transforma.
Nosso futuro é agora.
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POR UM MUNDO MELHOR


6

do leitor
escreva para
epoca@edglobo.com.br

ÉPOCA 1081
Cada um interpreta a seu modo ou de morte de uma pessoa que, se viva
acordo com seu interesse. A Igreja Ca- ainda estivesse, nunca teria tido esse
tólica também, carregando na culpa destaque. A vontade de usar mortes
para deixar a pessoa com a sensação de como bandeiras políticas para se
que deve sempre algo. Outros explo- manter no poder ou chegar a ele é
ram aspectos da vida pessoal, como re- deplorável. Se não for canonizada,
lacionamentos com pessoas do mesmo ao menos vão tentar.
sexo ou fora do casamento. Como se Névio Del Giudice, São Paulo, SP
Deus fosse uma senhora provinciana
do interior. Enfim, a pessoa deve, sim, Quem financia essas propagandas e as
ler a Bíblia, ouvir padre, pastor, men- viagens da viúva (Mônica Benício) ao
tor. Mas, antes de seguir à risca, deve exterior? Ela diz ser pobre e viaja mais
orar sozinha, pedir ajuda ao Espírito vezes do que a gente vai à padaria?
Santo e dar sua interpretação. Leila Rodrigues, via Facebook
SOBRE DEUSES E HOMENS Roberto Moreira da Silva,
A história de Pastor Isidório, São Paulo, SP A OPERAÇÃO ABAFA-TOGA
o deputado mais votado da Bahia, Guilherme Amado expõe
que se diz ex-gay ASCENSÃO E QUEDA articulações para abafar a CPI
Pastor Isidório é mais um hipnoti- DE UM GOLPISTA da Lava Toga
zador de massas que indica a pobre- Como a promessa de dinheiro fácil O momento vivido pelo senador Da-
za cultural de um país. Conhecereis e rápido feita pela JJ Invest vid Alcolumbre não é difícil de en-
a verdade e ela vos libertará da ne- engambelou desavisados tender quando se quer consertar o
cessidade de ser submetido a men- É difícil acreditar que ainda se encon- país. Ele está com a faca e o queijo
tes similares. tre gente que invista seu dinheiro nas mãos! Os políticos são eleitos pa-
Márcio dos Santos Barbosa, com uma empresa que oferece retor- ra defender os direitos do povo e do
Rio de Janeiro, RJ no rápido e muito acima do mercado, país, não os próprios interesses. Mas,
mas que não resiste a uma básica che- depois de eleitos, fazem tudo pelo
Incrível a reportagem de Ana Clara cagem, como a feita por um professor próprio bolso. Não me conformo
Costa em torno da figura de Manoel de finanças. Será que nunca ouviram que políticos não se interessem em
Isidório de Santana Junior, que se falar em pirâmide financeira, em que apoiar medidas contra a corrupção e
transformou no Pastor Sargento Isidó- novas vítimas financiam as antigas os crimes. Querem dizimar a popu-
rio, o deputado federal mais votado na até seu desmoronamento? lação por meio dos crimes e tomar o
Bahia nas últimas eleições. A vida pre- Abel Pires Rodrigues, Rio de Janeiro, RJ Brasil por meio da corrupção?
gressa descrita jamais apontaria para Elida Gallo, via Twitter
sua grande realização, no campo COMO LUTO
social, ao criar um centro de VIROU VERBO COMÉRCIO NÃO É IDEOLOGIA
recuperação de viciados — a Fundação A memória de Marielle Monica de Bolle opina que o comércio
Doutor Jesus, com sede e duas filiais em debate em Princeton perdeu para a ideologia após
em Candeias, na Bahia — que abriga Todo mundo tirando uma casquinha encontro entre Bolsonaro e Trump
mais de 1.350 dependentes químicos, e aproveitando politicamente a no- Tendo como base nossas relações co-
dos quais 120 são mulheres. Tomara toriedade que só nestes tempos de merciais, normalmente o que entrega-
que no Congresso, em Brasília, ele não mídias sociais se consegue por qual- mos aos pobres é valorizado. O que para
abandone esse fantástico trabalho. quer coisa que se faça, importante ou nós pode ser muito, para os ricos não é
Dirceu Luiz Natal, Rio de Janeiro, RJ fútil. Nesse caso, infelizmente, foi a nada. Sem fazer defesa de Lula, a compra
8

DIRETOR-GERAL Frederic Zoghaib Kachar


DIRETORA DE MERCADO ANUNCIANTE Virginia Any
DIRETOR DE AUDIÊNCIA Christiano Nygaard

Daniela Pinheiro
DIRETORA DE REDAÇÃO
epocadir@edglobo.com.br
EDITOR-CHEFE Plínio Fraga
EDITORES EXECUTIVOS – INTEGRADA Fernanda Delmas (coordenadora),
de apoio internacional por meio de Alessandro Alvim, André Miranda, Flávia Barbosa, Letícia Sorg e Pedro Dias Leite
EDITORES Ana Clara Costa, Eduardo Salgado, Marcelo Giannini Coppola
empréstimos e favores a outros paí- COLUNISTAS Conrado Hübner Mendes, Guilherme Amado, Helio Gurovitz e Monica de Bolle
ses pode até ter algum, ou muito, fa- COLABORADOR Ariel Palacios
ÉPOCA ON-LINE Gustavo Machado da Costa (editor), Bárbara Libório e Daniel Salgado

vorecimento para ele, mas poderia ESTAGIÁRIOS Matheus Rocha Silva, Rodrigo Castro

também indicar um peso maior do EDITOR DE ARTE Mateus Valadares


DESIGNERS Daniel Vides Veras e Gustavo Amaral; Telio Navega (colaborador)
COLABORADORES Claudia Warrak (supervisão de arte e projeto gráfico) e Raul Loureiro (projeto gráfico)
Brasil nas trocas internacionais. Peso SECRETARIA EDITORIAL Marco Antonio Rangel
FOTOGRAFIA | EDITOR André Sarmento
maior significa acordos mais favorá- REVISÃO Araci dos Reis Galvão de França (coordenadora)
veis com os grandes países e comér- REVISORAS Júlia Barreto e Mariana Rimoli Dumans
CARTAS À REDAÇÃO | EPOCA@EDGLOBO.COM.BR

cio ampliado na casa dos bilhões. Tu- ASSISTENTE EXECUTIVA Jaqueline Damasceno

do é muito complexo, não é uma REDAÇÃO | RIO DE JANEIRO | EPOCA@EDGLOBO.COM.BR


Rua Marquês de Pombal, 25, 3º andar, Cidade Nova, CEP 20.230-240 – Rio de Janeiro – RJ
simples compra na feira. SUCURSAIS | BRASÍLIA | EPOCASUC_BSB@EDGLOBO.COM.BR
DIRETOR Paulo Celso Pereira
SCN, Quadra 5 – Bloco A, nº 50, s. 301, Brasília Shopping and Towers, CEP 70.715-900 – Brasília – DF
Rogério Barbosa, Fortaleza, CE SÃO PAULO | SUCURSALSP@EDGLOBO.COM.BR
DIRETORA Letícia Sander
Avenida Nove de Julho, 5229, 9º andar, CEP 01407-907, Itaim Bibi – São Paulo – SP

Uma base (Alcântara) que só dava pre- MERCADO ANUNCIANTE | SEGMENTOS — MONTADORAS, MOBILIDADE, SERVIÇOS PÚBLICOS E SOCIAIS, GOVERNO SP,
AGRONEGÓCIOS, COMPANHIA AÉREA, INDÚSTRIA | DIRETOR DE NEGÓCIOS MULTIPLATAFORMA Renato Augusto Cassis

juízo para manutenção e foi alugada Siniscalco | EXECUTIVOS MULTIPLATAFORMA Cristiane Soares Nogueira, Diego Fabiano, João Carlos
Meyer, Priscila Ferreira da Silva | SEGMENTOS — MERCADO FINANCEIRO, SEGUROS,
por milhões de dólares anuais — e EDUCAÇÃO, IMOBILIÁRIO, CONSULTORIAS | DIRETOR DE NEGÓCIOS MULTIPLATAFORMA Emiliano Morad Hansenn |
EXECUTIVOS MULTIPLATAFORMA José Carlos Brandão, Milton Luiz Abrantes,
Selma Teixeira da Costa | SEGMENTOS — VAREJO, TELECOM, ELETROELETRÔNICOS, TI, TURISMO, ESPORTE,
ainda existe um acordo de troca de LAZER, CULTURA, ENTRETENIMENTO, MÍDIA | DIRETOR DE NEGÓCIOS MULTIPLATAFORMA Ciro Horta Hashimoto |
EXECUTIVOS MULTIPLATAFORMA Christian Lopes Hamburg, Roberto Loz Junior |
tecnologias para que, em um futuro SEGMENTOS — MODA, DECORAÇÃO, SAÚDE, BELEZA, HIGIENE PESSOAL E DOMÉSTICA E TURISMO |
DIRETORA DE NEGÓCIOS MULTIPLATAFORMA Sandra Regina de Melo Pepe |

próximo, o Brasil possa lançar fogue- EXECUTIVAS MULTIPLATAFORMA Eliana Lima Fagundes, Fátima Regina Ottaviani, Caio Caprioli,
Jessica de Carvalho Dias, Lilian Marche Noffs |
tes nacionais — é um péssimo acordo? ESCRITÓRIOS REGIONAIS | GERENTE MULTIPLATAFORMA Larissa Ortiz |
UNIDADES DE NEGÓCIO — RIO DE JANEIRO — EXECUTIVOS MULTIPLATAFORMA Daniela Nunes Lopes Chahim |
OPEC ON-LINE Danilo Panzarini, Marcos Roberto da Costa, Samantha Duarte | OPEC OFF-LINE Carlos
Beto Silva, Recife, PE Roberto de Sá, Douglas Costa | EGCN — CONSULTORA DE MARCAS Olivia Cipolla Bolonha |
DESENVOLVIMENTO COMERCIAL E DIGITAL | DIRETOR Tiago Joaquim Afonso |
G.LAB Edward Pimenta | PROJETOS ESPECIAIS/EVENTOS Carlos Raices; ESTRATÉGIA DIGITAL | GERENTE Santiago
Carrilho | DESENVOLVEDORES Fabio Marciano, Fernando Raatz, Marden Pasinato, Raphael Rappoli |
O MBLO NÃO SUPORTA MARIELLE ESTRATÉGIA DE CONTEÚDO DIGITAL Silvia Balieiro |
AUDIÊNCIA — DIRETOR DE PLANEJAMENTO DE VENDAS Ricardo Tarrazo Perez

Para o colunista Conrado Hübner


Mendes, Marielle Franco é um
símbolo de decência política ante
movimentos segregadores ÉPOCA É UMA PUBLICAÇÃO SEMANAL DA EDITORA GLOBO S.A. Avenida 9 de Julho, 5229 01407-907 São Paulo SP
Distribuidor exclusivo para todo o Brasil Dinap — Distribuidora Nacional de Publicações GRÁFICA Plural Indústria Gráfica Ltda.

Podia ser Marielle ou outro qualquer. Av. Marcos Penteado de Ulhoa Rodrigues, 700 06543-001 Tamboré, São Paulo, SP

Encarem isso como atentado à democra- O Bureau Veritas Certification, com base nos processos e procedimentos descritos no seu Relatório de Verificação,
adotando um nível de confiança razoável, declara que o Inventário de Gases de Efeito Estufa — no 2012, da Editora Globo

cia. Ninguém pode ser assassinado por


S.A., é preciso, confiável e livre de erro ou distorção e é uma representação equitativa dos dados e informações de GEE
sobre o período de referência, para o escopo definido; foi elaborado em conformidade com a NBR ISO 14064-1:2007 e
Especificações do Programa Brasileiro GHG Protocol.

defender ideias. Nem ela nem ninguém. VENDAS CORPORATIVAS


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As cartas devem ser


telefone do remetente.
ÉPOCA reserva-se o direito
de selecioná-las e resumi-las
a escolher o procurador-geral da Repúbli- BRASÍLIA
(61) 3410-8953
encaminhadas com
assinatura, endereço e
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para publicação.
Só podem ser incluídas na
edição da mesma semana
ca entre os três mais votados na eleição NA INTERNET
www.assineglobo.com.
br/sac
ÉPOCA reserva-se o direito
de selecioná-las e resumi-las
para publicação. Só podem
as cartas que chegarem
à Redação até as 12 horas
da quarta-feira.
interna dos procuradores, como consta 4003-9393

ASSINATURAS
ser incluídas na edição da
mesma semana as cartas
que chegarem à Redação até
na pág. 33 da edição 1081. Trata-se de tra- 4003-9393
www.sacglobo.com.br
as 12 horas da quarta-feira.

dição seguida desde 2003, e não de lei. O


nome escolhido pelo presidente é então
submetido ao plenário do Senado, onde,
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Transformação na
indústria e na vida
G.Lab conquista engajamento do leitor e contribui
para reposicionar a marca Firjan

P ercentuais, números e gráficos são


comuns quando se escreve ou fala so-
bre o setor industrial. Novas tecnologias
mecânico para aprender a tocar violão.
Quatro alunos formados no Curso Técnico
de Automação da Firjan Senai abraçaram
também costumam receber destaque, com esse desafio, dando início a uma jornada
a descrição de equipamentos e resultados. transformadora para todos os envolvidos.
Curiosamente, os grandes protagonistas Divulgadas no site de O Globo, histórias
dessas histórias nem sempre aparecem: como essa atraíram o engajamento do
homens, mulheres e crianças cuja vida é leitor, com grande retorno de audiência.
transformada pelos avanços nesse univer- Agora, sim, vale a pena falar de núme-
so. E que também promovem novas trans- ros: o vídeo de João Lucas teve 111 mil
formações. visualizações na página de O Globo no ASSISTA AOS VÍDEOS EM
É com foco na potência humana Facebook. VIVAATRANSFORMACAO.
que nasceu o hub de conteúdo “Viva a Além dos vídeos, matérias para
Transformação” — um canal desenvolvido alimentar o canal, newsletters e posts OGLOBO.GLOBO.COM
pelo G.Lab, estúdio de branded content em redes sociais. A entrega superou o
das publicações do Grupo Globo, para previsto. Mais de 500 mil pageviews, com
o Sistema Firjan, organização privada e tempo médio de leitura de 2m30. Posts no
sem fins lucrativos que busca promover a Facebook, Twitter e Instagram alcança-
competitividade empresarial, assim como ram mais de 3,7 milhões de pessoas, com
a educação e a qualidade de vida dos traba- quase 9 mil compartilhamentos e cerca de
lhadores da indústria. 5,6 mil comentários.
Nesse canal, o destaque estava nas Por fim, o G.Lab fez uma pesquisa
pessoas. Foram produzidos seis vídeos, para analisar o posicionamento da Firjan
cada um com história inspiradora inse- junto aos leitores: 78% concordam que a
rida num contexto mais amplo. Exemplo indústria traz benefícios para o dia a dia. E
disso é o vídeo sobre o menino João mais: que é essencial para a transformação
Lucas Tayrone, que queria ter um braço da sociedade.
AGENDE UMA APRESENTAÇÃO E CONHEÇA TODOS OS CASES EM GLAB.GLOBO.COM

João Lucas Tayrone,


aluno da Escola Firjan
Sesi, estreou o hub de
conteúdo da marca

Após a morte do Leonardo Rodrigues


pai, a jornalista conquistou o título de
Fernanda Hipólito melhor joalheiro do
encarou o desafio mundo após sua vitória
de assumir o no mundial de educação
negócio da família profissional WorldSkills
Competition 2015
14. PERSONAGEM DA SEMANA
ALCKMIN,
PROFESSOR-COMENTARISTA
Com sua fala bem
ar-ti-cu-la-da,
Geraldo Alckmin
será comentarista
do programa de
Ronnie Von

18. BANGUE-BANGUE
AS ARMAS NO BRASIL
Lobistas da bala em ação
para conquistar mercado
bilionário

VICTOR MORIYAMA/BLOOMBERG/GETTY IMAGES

28.
PARA...
22 PERGUNTAS

RENAN CALHEIROS
Ou o governo Bolsonaro
se reinventa ou cai,
diz senador do MDB

34. A VELHA POLÍTICA


O AVÔ DA REFORMA
EXPLICA A CRISE
Cesar Maia comenta
as desavenças entre
o filho Rodrigo e o
presidente Bolsonaro

40. ASTROLOGIA
POLÍTICA
O CONDESTÁVEL
O assessor do presidente
que é os olhos e ouvidos
de Olavo de Carvalho
no Planalto
FÁBRICA DE ARMAS EM SÃO LEOPOLDO, RIO GRANDE DO SUL
48. CONCORDAMOS

sumário 01.04.19
EM DISCORDAR
DELTAN DALLAGNOL ×
LUCAS FURTADO
Procuradores divergem
sobre fundo proposto
pela turma da Lava Jato
de Curitiba

54. MINISTÉRIOS DIVINOS


O DEDO DO PASTOR
Um pastor quer
indicar o novo ministro
da Educação
COLUNISTAS
38. GUILHERME AMADO
A Justiça no leito

46. MONICA DE BOLLE


O Golpe

53. VENES CAITANO

63. HELIO GUROVITZ


O segredo da longevidade
de Bibi Netanyahu

82. CONRADO
HÜBNER MENDES
Cem dias de fúria

capa: Fotoholica Press/LightRocket


via Getty Images
ACERVO PESSOAL

DANIEL MARENCO/AGÊNCIA O GLOBO


RENAN CALHEIROS ISABELA: MORTA PELO COMPANHEIRO

60.
EM BUSCA DO
VIVI PARA CONTAR

ASSASSINO DA MÃE
Um diretor que filma
a própria dor familiar

64. CRISE LATINA


TÁ RUSSO PRO MADURO
A Rússia cuida agora da
guarda pessoal do ditador
da Venezuela

68. BIBLIOTECA NÃO ESSENCIAL


PARA NUNCA TER DE LER
OLAVO DE CARVALHO
(PARTE 1)
Sim, ÉPOCA leu e resumiu
oito livros do ideólogo
bolsonarista para poupar
você desse esforço
ALEXANDRE CARVALHO/A2IMG

PERSONAGEM DA SEMANA
por Rodrigo Castro

O PROFESSOR-COME
PERSONAGEM DA SEMANA 15

O TUCANO VAI DAR


CONSELHOS SOBRE
VIDA SAUDÁVEL EM
PROGRAMA DE TV

O tom professoral das falas do tucano Ge-


raldo Alckmin sempre dificultou que o
ex-governador paulista fosse visto como um
disciplinas de saúde pública e gestão públi-
ca, “identificadas com seu notório saber”,
segundo explicou a instituição em comuni-
ídolo das massas. Seu esforço para uma dic- cado emitido na época do acordo.
ção clara e pausada — “Meu governo vai ser Ao se afastar do governo paulista, em 6 de
um chu-chu-zinho”, prometia —, o tom de abril de 2018, atendendo aos prazos da legis-
voz monocórdio e o gosto pelas explicações lação eleitoral para cuidar de sua campanha à
técnicas nunca empolgaram multidões. Der- Presidência, nem Alckmin nem seus correli-
rotado na eleição presidencial do ano passa- gionários imaginavam o fracasso retumbante
do, Alckmin acaba de arrumar dois empre- da candidatura tucana, a pior derrota do
gos nos quais pode empregar suas caracterís- PSDB em eleições presidenciais. Predileto de
ticas naturais com carga máxima. apenas 4,76% do eleitorado no primeiro tur-
Aos 66 anos, o ex-governador de São no, precisou se contentar com um amargo
Paulo (2001-2006 e 2011-2018) terá de se en- quarto lugar, com quase dois terços de votos
quadrar em uma rotina mais afastada dos a menos que o pedetista Ciro Gomes, tercei-
holofotes do que seu cargo público suscita- ro na disputa. De agora em diante, seus 5 mi-
va, mas não longe das câmeras. O tucano lhões de eleitores não o verão no Palácio do
firmou, nesta semana, um contrato com a Planalto nem no dos Bandeirantes, onde re-
TV Gazeta para ser comentarista no progra- sidiu por mais de 12 anos. Desde 2018, o po-
ma Todo seu, apresentado por Ronnie Von lítico voltou a morar em seu apartamento de
— o Príncipe da TV. Sua estreia já tem até 125 metros quadrados no Morumbi, num
data: 1º de abril (acredite). A cada quinzena, condomínio em que piscinas não faltam para
a princípio, Alckmin abordará temas como ele relaxar. São cinco ao todo. O ócio, no en-
o impacto do estresse e a importância da ali- tanto, não lhe apetece. Tanto que, após su-
mentação saudável e da prática de atividades cumbir às urnas quando pleiteou a prefeitura
físicas. Médico pela Universidade de Taubaté de São Paulo, em 2008, também deu aulas
Geraldo Alckmin proferiu e especializado em anestesia, ele terá de em faculdades e se aventurou como acupun-
aula magna aos alunos
da Humanitas, Faculdade adaptar o linguajar aos distintos públicos turista. O roteiro vai se repetindo.
de Ciências Médicas com os quais vai lidar. O político conciliará Se o sonho da Presidência da República foi
de São José dos suas participações televisivas com as salas de frustrado pela segunda vez — já havia perdido
Campos, em São Paulo.
No plano de aula, aula da Universidade Nove de Julho (Unino- para Lula em 2006 —, ao menos até maio
mais política que saúde ve), onde começou a lecionar em 2019 as Alckmin terá em sua agenda compromissos à

MENTARISTA ALCKMIN
16 PERSONAGEM DA SEMANA

No programa de Ronnie Von, Alckmin deve


comentar dicas para uma vida mais saudável
e sem estresse. Na sala de aula, desfilará
seu conhecimento médico e interesse
por acupuntura e por tratamentos preventivos

frente da direção nacional de seu partido.


Daqui a menos de dois meses, conforme
acordado com seu sucessor no governo pau-
A crise no PSDB, contudo, não pode ser
atribuída somente aos abalos em torno
da figura do médico. Os casos de corrupção
lista, João Doria, haverá uma convenção da expostos pela Operação Lava Jato envolven-
legenda para definir seu substituto. Um dos do nomes importantes da legenda amplifica-
cotados para assumir é o deputado e ex-mi- ram os alaridos internos. Entre as investiga-
nistro das Cidades Bruno Araújo (PSDB- ções mais contundentes estão a de Paulo
PE) — visto como “sangue novo” para a ne- Preto, como é conhecido o ex-diretor da es-
cessária renovação do PSDB —, devido a tatal paulista de rodovias Dersa, acusado de
sua jovialidade aliada à experiência política operar a favor do PSDB, e a do ex-senador e
acumulada. Ainda que soe paradoxal, é o deputado Aécio Neves, por envolvimento no
que pensam Doria, que dita as regras do jo- esquema de propinas da empresa JBS. Preso
go agora, e outros tucanos de destaque. Para pela terceira vez em fevereiro, Paulo Preto já
Alckmin talvez seja ainda mais difícil acei- procura advogados para fazer sua delação.
tar que seu ocaso na legenda que ajudou a Segundo o Ministério Público Federal, o
fundar esteja atrelado ao ex-afilhado. A re- operador lavou mais de R$ 100 milhões em
lação estremecida — para usar um eufemis- favor das empreiteiras Odebrecht e UTC,
mo — entre o último e o atual governador com o intuito de ocultar a origem de recur-
de São Paulo ficou ainda mais explícita nu- sos criminosos para repasse de propinas.
No programa de Ronnie ma reunião em outubro do ano passado, Embora não seja alvo de denúncias no
Von (à esq. na foto), quando Alckmin chamou Doria de traidor. âmbito da Lava Jato, Alckmin foi citado em
Alckmin dará conselhos
e responderá a questões Foi ele, afinal, o responsável pela ascensão delações de executivos da Odebrecht. Em
da audiência do marqueteiro dentro do partido. uma das menções consta que ele recebeu R$
10 milhões de caixa dois nas campanhas de
REPRODUÇÃO
2010 e 2014. Ao longo de sua gestão em São
Paulo, outros escândalos assomaram e arra-
nharam sua imagem. A máfia das merendas,
por exemplo, que superfaturava contratos
para fornecer merenda escolar à Secretaria
de Educação e mais 22 prefeituras paulistas,
é um deles. A depender da audiência do pro-
grama Todo seu, Alckmin não vai se livrar
dessa pecha. As perguntas ao novo comenta-
rista já foram ensaiadas nas redes sociais.
“Sou aluno de escola pública, comer me-
renda desviada faz mal?”, indagou um jovem.
Se Alckmin esperava paz após meses tão con-
turbados de vida pública, talvez a saída seja
se refugiar no interior paulista, onde nasceu.
Enquanto aproveita sua biografia para se in-
serir no mercado e levar uma vida mais pró-
xima à de um cidadão comum, o médico tu-
cano terá um desafio ainda maior: não ser
vítima daquilo que ele mesmo prega.
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18 BANGUE-BANGUE

O FUTURO
DAS ARMAS
NO BRASIL
BOLSONARO E OS FILHOS
SE BATEM COM OS MILITARES
PELO MERCADO DA BALA
por Thiago Herdy e Bruno Abbud
BANGUE-BANGUE 19

Pistola Taurus 1911,


um dos modelos
produzidos pela
empresa brasileira,
que exporta mais de
80% do que fabrica
IGOR ALECSANDER/GETTY IMAGES
20 BANGUE-BANGUE

O
deputado federal Eduardo
Bolsonaro (PSL-SP) nunca
escondeu o que pensa sobre
A família Bolsonaro tem uma longa histó-
ria com armas importadas. A arma rou-
bada de Jair Bolsonaro em 1995, durante um
a Taurus, a maior fábrica de assalto na Zona Norte do Rio de Janeiro, era
armas de fogo da América uma Glock. Atirador desportivo, o filho do
Latina, com sede em São meio do presidente, o vereador Carlos Bol-
Leopoldo, no Rio de Grande do Sul. Dono sonaro, também gosta da marca. Em 15 de
de uma pistola austríaca Glock 19, calibre janeiro, no dia em que o presidente assinou
restrito de 9 milímetros, estilizada em dou- o decreto que afrouxa as regras para a posse
rado e com ferrolho camuflado, Eduardo de armas, as ações da Taurus despencaram.
obteve 5.500 curtidas no Facebook, em agos- Não só por causa da frustração com as alte-
to de 2016, ao postar uma foto ao lado do rações quase insignificantes na legislação,
senador Major Olímpio, então colega de Câ- mas porque, à tarde, o ministro-chefe da
mara, pedindo a abertura de CPI para inves- Casa Civil, Onyx Lorenzoni, havia declarado
tigar defeitos em armas produzidas pela que o governo estudava abrir o mercado pa-
Taurus. Mais tarde, apareceu ao lado de ra armas vindas do exterior. O decreto de
Franco Giaffone, presidente da Glock no Bolsonaro, por sua vez, não satisfez o eleito-
Brasil, em uma feira de armas, elogiando os rado que atira nem diminuiu as burocracias
produtos da marca austríaca. Também gra- para ter uma arma. Aumentou de cinco para
vou um vídeo agressivo contra o “armamen- dez anos o prazo de validade do registro de
to defeituoso” da empresa brasileira. “Reitero armas, zerou o tempo de validade de regis-
meu desejo de abrir o mercado nacional com tros atuais e, se antes era um delegado que O ministro da Casa Civil,
Onyx Lorenzoni (abaixo),
olhos à livre concorrência e melhora do pro- decidia pela efetiva necessidade de se ter um recebeu doações
duto ao consumidor”, escreveu no Facebook. armamento, agora basta viver no Brasil e, da Taurus em campanha
A brasileira Taurus figura entre as maiores portanto, estar sujeito à violência. Mudanças por um lugar na Câmara
dos Deputados, mas tem
fabricantes de armas do mundo. É praticamen- tímidas, avaliou o mercado. O impacto do mantido uma posição
te a única que produz armas para civis e mili- decreto no faturamento da Taurus foi tão aparentemente neutra
tares no país. Em 14 linhas de produção, fabri- forte quanto uma leve brisa. Dois meses de- na disputa sobre
a abertura do mercado
ca cerca de 4 mil armas por dia — 120 mil por pois do primeiro decreto de Bolsonaro, no às armas importadas.
mês, 1,4 milhão por ano, em média. Dessas, mesmo dia em que os oito adolescentes de O deputado federal
88% são exportadas. O restante, aproximada- Suzano foram mortos à bala por assassinos Eduardo Bolsonaro (ao
lado) é um dos maiores
mente 170 mil, é comercializado em território portando uma arma da Taurus, foi a vez de defensores dos
nacional. Com faturamento de quase R$ 1 bi- o senador Flávio Bolsonaro estrear em Bra- armamentos estrangeiros
lhão por ano, a empresa viu suas ações se valo-
rizarem conforme o então candidato Jair Bolso- JORGE WILLIAM/AGÊNCIA O GLOBO
naro, ferrenho defensor do uso de armas de fo-
go, crescia nas pesquisas eleitorais. Logo após a
eleição, houve euforia. O mercado só conseguia
ver o aparente amor da família Bolsonaro pelas
armas, esquecendo-se das críticas de Eduardo.
O valor das ações da Taurus passou de R$ 2 a
R$ 12, impulsionado pela alta do dólar e pela
reestruturação financeira da empresa. Nos últi-
mos tempos, todo esse entusiasmo inicial tem
dado lugar a cenários mais incertos.
O esperado duelo sobre a Taurus entre
duas poderosas facções dentro do governo
está finalmente se materializando. De um la-
do, o presidente e seus filhos, todos favoráveis
à abertura do mercado brasileiro à importação
de armamento estrangeiro. Do outro, os mili-
tares, que consideram o fortalecimento de uma
fabricante de armas e munições nacional uma
vantagem estratégica para o país.
BANGUE-BANGUE 21

O DEPUTADO EDUARDO BOLSONARO, DONO


DE UMA PISTOLA AUSTRÍACA GLOCK 19, CALIBRE
RESTRITO, ESTILIZADA EM DOURADO E COM
FERROLHO CAMUFLADO, NÃO ESCONDE SEU
DESDÉM PELA TAURUS

REPRODUÇÃO

sília. O primogênito do presidente protoco- bricar as próprias armas e munições. Um


lou seu primeiro projeto de lei no Senado: dos argumentos usados por quem se opõe
facilitar a vinda ao Brasil de fábricas de ar- ao aumento das importações é dizer que
mas e munições estrangeiras. Esse é um as- as empresas estrangeiras estão livres para
sunto que pode fazer algum estrago no fatu- explorar o mercado brasileiro, desde que
ramento da empresa no país. decidam instalar fábricas aqui e transferir
O monopólio da Taurus, em teoria, não tecnologia. “Se a Glock e a CZ quiserem
existe, uma vez que a importação de armas vir, que venham, mas para fabricar e gerar
é possível, embora burocrática, no Brasil. emprego”, disse o deputado Alberto Fraga
Mas, na prática, o decreto que regulamen- (DEM-RS), notório integrante da bancada
tou o Estatuto do Desarmamento, assinado da bala no Congresso.
pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva Cercado por miniaturas de tanques de
em 2004, assegurou à Taurus uma quase guerra em uma sala ampla de um casarão no
exclusividade no comércio de armas no bairro do Morumbi, em São Paulo, o lobista
Brasil. Definiu que a importação de armas de empresas estrangeiras de armas Misael de
pode ser “negada ou restringida” pelo Mi- Souza parece não comprar essa provocação.
nistério da Defesa, caso haja produtos si- Souza mostrou, entusiasmado, imagens do
milares sendo fabricados por uma indústria vaivém de frequentadores pelos corredores
do setor de defesa considerada de valor es- da Shot Show, feira anual de armas realizada
tratégico pelo Exército. A medida reforçou em Las Vegas, nos Estados Unidos. Ele deu
a política de defesa de uma indústria estraté- uma alfinetada ao falar da falta, na feira
gica nacional, originária do regime militar. americana, de referências ao Brasil nos es-
Essa é uma ideia ainda forte entre os militares, tandes da Taurus e da Companhia Brasileira
contrários aos projetos de facilitar a entra- de Cartuchos (CBC) . “No ano passado, eles
da de importados. O raciocínio é que, num escreviam ‘Taurus made in USA’. E a CBC
eventual conflito, o país precisa poder fa- era Magtech Ammunition”, contou. “Isso
22 BANGUE-BANGUE

ALÉM DA AMEAÇA DE VER A COMPETIÇÃO


AUMENTAR NO MERCADO BRASILEIRO, A TAURUS
TEM ALTO ENDIVIDAMENTO E ACUSAÇÕES
DE FALHAS NOS ARMAMENTOS QUE VENDE
NO BRASIL E NOS ESTADOS UNIDOS

EDILSON DANTAS/AGÊNCIA O GLOBO

me revolta. O que pensam do país?” Inimi- nou o governo, dizendo ‘Como vocês vão O lobista Misael
go declarado da Taurus, ele vive às turras fabricar munição em país que mata até ve- de Souza disse ter
tentado montar no Brasil
com Salesio Nuhs, o presidente da empresa reador?”, lembrou Souza. uma fábrica de munições
e o representante da indústria brasileira em suíça, mas acabou

P
foros internacionais. Souza crê que é inútil ara os defensores da Taurus, foi a políti- desistindo, tantas
foram as barreiras
qualquer esforço para dificultar o uso de ar- ca de proteção que permitiu ao país se
mas no Brasil. “Arma é igual mulher: quem tornar um dos maiores fabricantes de ar-
gosta, gosta; quem não gosta, não gosta. É mas leves do mundo. Ocupante de diferen-
como namorar menina bonita: enquanto tes cargos do setor de tecnologia e indús-
não transar, não vai sossegar”, comparou. tria militar, o general Aderico Mattioli dei-
Ele disse ter tentado instalar no Brasil xou clara a posição do Exército em apre-
uma unidade da fábrica de munição esta- sentação feita a colegas, tornada pública
tal suíça Ruag por 14 anos. O plano, disse entre admiradores da corporação: “É um
Souza, previa a produção de 20 milhões papel nosso proteger estas empresas e dar
de munições por ano e um investimento gás a elas, de tal forma que elas possam
inicial de € 15 milhões. Souza descreve co- competir”, disse, em junho do ano passado.
mo “infinitas” as idas e vindas do projeto E continuou: “Dentro do Exército nós im-
no Exército. Cansado, deixou de represen- portamos apenas 2% da munição que con-
tar a firma. Depois do assassinato de Ma- sumimos, 98% da munição que usamos é
rielle Franco, no ano passado, a Ruag de- nacional. Graças a esse mecanismo, hoje
sistiu do projeto. “O PT da Suíça pressio- nós temos potencial de exportação”.
BANGUE-BANGUE 23

A essa receita soma-se um tempero no


qual os limites entre público e privado
são nebulosos. O órgão responsável por li-
Para tentar abater as dívidas, o executivo
colocou à venda um terreno da Taurus em
Porto Alegre e uma fábrica de capacetes da
berar contêineres de armas e munições é a companhia. Também passou a emitir bônus
Diretoria de Fiscalização de Produtos Con- de subscrição, colocando novas ações à ven-
trolados (DFPC), ligada diretamente ao Mi- da para captar recursos e pagar os credores.
nistério da Defesa. Até o início dos anos Assim, espera arrecadar R$ 402 milhões até
2000, sua chefia cabia ao general Antônio setembro. “O dinheiro das vendas de ações
Roberto Nogueira Terra. Depois de passar até a cifra de R$ 300 milhões irá para os
para a reserva, ele abriu uma empresa de bancos, para diminuir a dívida”, afirmou
consultoria e virou representante da Taurus Nuhs. “Do que vier a mais, 50% vai para a
em Brasília. Quando veio a crise econômica operação da companhia e 50% para os ban-
da Taurus, seus serviços foram dispensados. cos.” Analistas do mercado financeiro, con-
De lá para cá, um dos responsáveis por tudo, permanecem desconfiados. “É prová- Abaixo, Bolsonaro com
cuidar do atendimento aos interesses da CBC vel que a empresa tenha de negociar a dívida o presidente da Taurus,
& Taurus Armas junto ao DFPC é Rafael de novo”, disse Felipe Tadewald Dornelles, Salesio Nuhs. Os
militares dizem apoiar
Mendes de Queiroz, de 30 anos, filho do te- especialista em investimentos da consultoria a empresa nacional por
nente José Ronaldo de Queiroz, funcionário Suno Research. “O juro consome boa parte questão estratégica
da mesma diretoria entre 2007 e 2017. A
ÉPOCA, Rafael disse ter despachado em defe- REPRODUÇÃO
sa de negócios da Taurus no mesmo órgão
em que o pai trabalhava, mas negou haver
conflito de interesses. “Minha relação com a
empresa é independente da relação de meu
pai com o Exército”, afirmou. O Exército in-
formou que, no período em que Rafael traba-
lhou para a Taurus, o pai atuava no apoio ad-
ministrativo, sem atuação na atividade-fim do
órgão. A CBC informou que seu compliance
não identificou impedimento ou conflito de
interesses na atuação de seu funcionário.
Para além do fantasma da concorrência,
a enorme dívida da Taurus é outra dor de
cabeça. No último balanço divulgado aos
acionistas, que avalia o desempenho nos pri-
meiros nove meses de 2018, a dívida, dolari-
zada, equivalia a R$ 887 milhões. Cerca de
90% são devidos a bancos do Brasil, dos Es-
tados Unidos e da China. A dívida deveria
ter sido paga no ano passado, mas uma re-
negociação estendeu parte do débito para os
próximos cinco anos. “A dívida vem de ges-
tões anteriores”, disse Nuhs, que assumiu o
comando da empresa em janeiro de 2018. “A
Taurus passou por uma crise, e essa crise é
coisa do passado.” Não é o que parece.
Ex-executivo da CBC, que em 2014 ad-
quiriu o controle da Taurus, Nuhs construiu
sua carreira na indústria bélica nacional.
“Ele frequenta Brasília”, disse o deputado
Alberto Fraga. “Faz a interlocução com o
governo federal.” Nuhs negou: “Não partici-
pei da transição. Não tenho nenhuma inter-
locução com o governo federal”.
24 BANGUE-BANGUE

do caixa, e a empresa acaba deixando de in- Em julho de 2017, o Ministério Público


vestir no processo produtivo. Não recomen- Federal de Sergipe instaurou uma ação ci-
damos a Taurus hoje aos clientes. Os resul- vil pública pedindo, em caráter liminar, “a
tados e números operacionais são frágeis, a quebra do monopólio da Taurus” e o recall
dívida é alta e a empresa está correndo sério de nove modelos de pistola e um de sub-
risco de perda de monopólio.” metralhadora fabricados pela companhia.
A reputação da Taurus também contri- A procuradora Lívia Tinôco enviou ofícios
buiu para a desvalorização das ações. A em- às secretarias de Segurança Pública dos 26 Abaixo, a linha de
presa enfrenta um histórico de produtos estados e do Distrito Federal, questionan- fabricação da Taurus em
São Leopoldo, no Rio
defeituosos que deixou um rastro de mortes do-as sobre se haviam registrado proble- Grande do Sul. A
por disparos acidentais. Em junho de 2014, mas com armas da Taurus. De todas elas, empresa diz que alterou
um policial militar disparou acidentalmente 19 reportaram problemas mecânicos, qua- processos industriais
após repetidas falhas
uma pistola modelo 24/7 contra o entrega- tro negaram e quatro não responderam. A de armas
dor de pizzas David de Freitas, de 20 anos, Justiça concedeu liminar para o recolhi-
durante uma abordagem de rotina. Freitas mento dos modelos, mas a Taurus recor- Na página ao lado, à
esquerda, bolsonarista
morreu. O processo na Justiça Militar foi reu, e o Tribunal Regional Federal da 5ª testa armas em loja de
arquivado após a constatação de que a arma Região derrubou a liminar. O processo São João de Meriti. O
disparou sozinha. Dois meses depois, a PM aguarda o depoimento do senador Major decreto presidencial
reduziu as restrições para
Izabelle dos Santos, de Alagoas, foi atingida Olímpio, a última testemunha a ser ouvida a posse de armas
por 17 tiros de uma submetralhadora Tau- na segunda instância federal.
rus SMT 40 que carregava dentro da viatu- Os defeitos resultaram em sanções à em- Na página ao lado, à
direita, lobista de armas
ra. À época, o Exército abriu investigação e presa. Em fevereiro, a PM do Distrito Fede- visita estande da
descobriu que a Taurus introduziu, sem co- ral mandou recolher 401 metralhadoras brasileira Taurus numa
feira internacional em
municação prévia, mudanças no processo SMT 40 e proibiu a empresa de licitar no es- Kentucky, nos EUA.
de produção das armas. A fabricação dos tado por dois anos. A Taurus também ficou Os americanos são o
modelos foi interrompida. por dois anos proibida de licitar em São maior mercado

VICTOR MORIYAMA/BLOOMBERG VIA GETTY IMAGES


BANGUE-BANGUE 25

Paulo. No início de março, perdeu uma ba-


talha judicial nos Estados Unidos ao fechar
um acordo de cerca de R$ 30 milhões depois
H á três anos, quando era deputado fe-
deral, Major Olímpio tentou implan-
tar no Congresso uma CPI da Taurus,
que duas pessoas foram baleadas na perna mas um esforço suprapartidário minou a
ao deixar a arma cair no chão. iniciativa. “Não é proibido abrir uma fá-
“Essas armas foram o fundo do poço pa- brica de armas no Brasil, mas ninguém
ra a Taurus”, disse Arnaldo Adasz, presiden- consegue. Nos EUA, você tem 2 mil fabri-
te da Associação Brasileira de Atiradores Ci- quetas de munição. No Brasil, só pode ser
vis (Abate). Em um evento em São Paulo, ele a CBC. Já precisamos romper o monopó-
disse ter ouvido de um coronel da Polícia lio de carro e de comunicações para evo-
Militar que há lotes inteiros das submetra- luir”, provocou.
lhadoras SMT 40 armazenados em caixas “Não existe monopólio”, insistiu Nuhs.
num batalhão. “Os policiais não querem “O que acontece é que, com essa política
correr risco.” Para combater a má fama, a tributária atual, não tem por que uma em-
companhia reformulou a planta fabril, apos- presa vir se instalar no Brasil.” Presidente
tando em dispositivos pneumáticos para dar da Taurus entre 2015 e 2017, o consultor
precisão à fabricação das armas. “O proces- Marco Aurélio Salvany seguiu o coro: “A
so de produção foi 100% reformulado”, dis- instalação de qualquer fábrica de armas de-
se Nuhs. Enquanto isso, as marcas estrangei- pende de uma certa burocracia, mas não
ras avançam sobre o mercado nacional. Em estamos falando de fazer uma lavanderia, é
fevereiro do ano passado, por R$ 6 milhões, uma fábrica importante, com uma série de
o estado do Ceará adquiriu 4.140 pistolas da implicações, até geopolíticas”, justificou. O
fábrica alemã SIG Sauer. Em dezembro, foi a objetivo das estrangeiras, disse Nuhs, é ex-
vez de o governo do Rio de Janeiro, sob in- portar para cá. Por essas e outras, a impor-
tervenção federal, comprar 27.424 pistolas tação é o foco atual do lobby no Congresso,
austríacas Glock, por R$ 10,8 milhões. em especial de marcas europeias.

DADO GALDIERI/BLOOMBERG VIA GETTY IMAGES SCOTT OLSON/GETTY IMAGES

QUANDO ERA DEPUTADO FEDERAL, O HOJE


SENADOR MAJOR OLÍMPIO (PSL-SP)
TENTOU IMPLANTAR NO CONGRESSO
UMA CPI DA TAURUS, MAS UM ESFORÇO
SUPRAPARTIDÁRIO MINOU A INICIATIVA
CARL DE SOUZA/AFP

Um projeto de lei do deputado catari- armas de fogo”. Atualmente, a empresa


nense Rogério Peninha Mendonça, do tem 183 produtos na fila para homologa-
MDB, o PL 3722/12, foi criado para reformu- ção (uma série de testes feita pelo Exército
lar o Estatuto do Desarmamento e facilitar o na Restinga da Marambaia, no Rio).
acesso às armas de fogo. “O projeto está pronto para ser votado
A última movimentação na tramita- no plenário”, disse Rafael Pezenti, chefe de
ção do projeto de lei aconteceu em 14 de gabinete do deputado Peninha. “A expecta-
março, dia em que o assassinato da verea- tiva é que seja votado após a reforma da
dora Marielle Franco e do motorista An- Previdência”. Para o deputado Alberto Fra-
derson Gomes completou um ano. Nessa ga, “o monopólio será quebrado mais cedo
data, uma proposta do deputado Heitor ou mais tarde, é questão de dias”. “Mas de-
Freire (PSL-CE) foi incluída no projeto, pende da vontade política do governo.”
para permitir a aquisição de armas por
policiais que respondem a inquéritos.
Entre tantos remendos, há uma cláusula
que, segundo críticos, é um contra-ata-
A dasz é um lobista. Não no sentido pejo-
rativo da palavra, ele explica. “A maior
parte de minha atuação como presidente
que do lobby da Taurus e tende a perpe- da Abate é fazer militância, correr atrás de
tuar o que chamam de monopólio. É a deputados, senadores e outras autoridades
chamada “cláusula Taurus”. em busca de alterações na legislação.” Do-
Na última versão do projeto, o artigo no de uma loja de armas no Texas, nos
16 define que a importação de armas de EUA, e membro da National Rifle Associa-
fogo e munições será permitida “desde tion (NRA), ele contou que foi assim que
que o produto fabricado por empresa es- conheceu o então deputado Jair Bolsonaro
tratégica de defesa não atenda às especifi- e seu filho Eduardo.
cações técnicas e de qualidade pretendi- Adasz é também um CAC — a sigla pa-
das pelo órgão adquirente”. Adasz resu- ra caçadores, atiradores desportivos e co-
miu: “Basta a Taurus ter uma variedade de lecionadores de armas. Atualmente, os
armas que cubra diversos modelos, e, na CACs somam 112.659 no país. “Somos for-
prática, não será mais possível importar madores de opinião, donos de empresas,
BANGUE-BANGUE 27

O PROJETO QUE TRAMITA NO CONGRESSO


TEM UMA “CLÁUSULA TAURUS”: SE UM
FABRICANTE NACIONAL TIVER UM MODELO
SIMILAR, A IMPORTAÇÃO DA ARMA SERIA
PROBIDA. A VOTAÇÃO PODERÁ SER RÁPIDA

NACHO DOCE/REUTERS
“Acredito que o governo deve mandar para
o Congresso, em breve, um projeto para
aprimorar a legislação sobre armas”, disse.
“Vai ser discutida a importação.”
O ministro Lorenzoni recebeu doações
eleitorais da Taurus que somaram R$ 310
mil em três eleições. Apesar disso, Paiani,
assim como Onyx, tem uma opinião que
parece ser contrária aos interesses da com-
panhia gaúcha. “Seria importante que fa-
bricantes de armas estrangeiras pudessem
atuar no Brasil. Isso incentivaria a compe-
tição saudável e traria tecnologia para que
as nacionais melhorassem a qualidade de
seus produtos”, afirmou.
No mercado financeiro, a impressão é
que Onyx não dispõe de força para aju-
dar uma antiga aliada como a Taurus.
“Onyx tem falado a língua do governo”,
disse o analista financeiro Jason Vieira,
O policial reformado arquitetos, advogados, engenheiros, cada da gestora de investimentos Infinity. “Se
Ronnie Lessa, vizinho da um de nós consegue convencer mais cinco não falar, vai bater cabeça. Se fizer lobby
família Bolsonaro,
importava armas pessoas ao nosso redor. É um pequeno específico em relação ao setor das armas,
ilegalmente: 117 fuzis (à exército”, disse. Em 2 de janeiro, um dia vai ficar claro que fará lobby para o ex-
dir.) foram apreendidos depois de o presidente Bolsonaro tomar financiador dele. Não creio.” Onyx não
na casa de um laranja
posse, Adasz postou uma foto antiga a quis dar entrevista.
Acima, painel com seu lado no Facebook. Um amigo pergun- Enquanto a guerra silenciosa do lobby
imagens de vítimas de tou se tinha boas notícias sobre a flexibi- pró-armas se desenrola em Brasília, as
Suzano. Os assassinos
compraram armas na lização na compra de armas. “Tenho con- mortes por arma de fogo continuam cres-
internet versado quando possível com o doutor cendo no Brasil. A CBC fabrica 254 milhões
Onyx Lorenzoni e um pouco mais com o de munições por ano — e vende 249 mi-
doutor Adão Paiani. As perspectivas são lhões. A maior parte, 85% do total comercia-
muito boas”, respondeu. lizado, é exportada. E 35 milhões são vendi-
Filiado ao DEM do Rio Grande do Sul, das no mercado interno, a maioria para po-
o advogado gaúcho Adão Paiani trabalha liciais e militares. São as mesmas balas que
como assessor jurídico da Câmara dos De- matam brasileiros diariamente.
putados e ocupa o cargo de diretor de coor- A exemplo do massacre em Suzano, par-
denação política da Abate. Ele afirmou te do arsenal da Taurus acaba servindo para
atuar em causas pessoais do ministro-chefe cometer assassinatos e crimes. Das 49.248
da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, de quem se armas apreendidas na Região Sudeste do
diz amigo, e do DEM. Segundo Paiani, o país em 2014 — último dado computado
governo federal, para além do decreto lan- em pesquisa do Instituto Sou da Paz —,
çado por Bolsonaro em janeiro, planeja 27.280 foram fabricadas pela Taurus, o que
uma nova investida no campo das armas. corresponde a 55% do total.
22 PERGUNTAS PARA RENAN
FOTO: DANIEL MARENCO/AGÊNCIA O GLOBO
22 PERGUNTAS PARA RENAN 29

Renan Calheiros reconhece que errou


ao se candidatar à presidência do Senado, se diz
“baixo clero” e prevê que o governo Bolsonaro
terá de se refundar se quiser prosperar
por Amanda Almeida, Ana Clara Costa e Paulo Celso Pereira

O senador Renan Calheiros (MDB-AL), de 63 anos, saiu das eleições


de 2018 como um dos poucos caciques a sobreviverem à onda re-
novadora das urnas. Sofreu, no entanto, uma dura e inédita derrota na
disputa pela presidência do Senado, que tentou ocupar pela quinta vez.
A ÉPOCA, em sua primeira entrevista após a derrota na casa, o parla-
mentar investigado em 14 inquéritos no STF disse que, agora, faz parte
do “baixo clero”, posição que, segundo ele, lhe garante mais “indepen-
dência” para se posicionar em relação ao governo de Jair Bolsonaro. Crí-
tico dos primeiros 100 dias de governo, avaliou que o presidente não de-
ve confundir o conceito de coalizão com “a velha política”, sob o risco
de inviabilizar sua própria gestão. Conhecido como exímio antecipador
de cenários — o que o levou, ao longo de sua trajetória, a abandonar alia-
dos, como Fernando Collor e Michel Temer, em nome de sua sobrevivên-
cia política —, ele afirmou que o governo vive a “armadilha das redes
sociais” e que, se quiser sobreviver, terá de recomeçar.

1. Neste início de governo, as coisas estão saindo


como o senhor imaginava?
Piores do que eu imaginava. Todo governo tem uma acomodação na-
tural, uma espécie de lua de mel. Desta vez, o noivo trocou juras de
amor por uma agenda beligerante, bate-cabeça, cria crises internas e
dá declarações estapafúrdias sob os olhares dos padrinhos e madri-
nhas. Isso, de certo modo, acentua a preocupação de todos com o que
vai acontecer. Os maiores oposicionistas, hoje, são os governistas.
Acho que essa pirataria tinha de ser criminalizada. Se é verdade que a
reforma da Previdência naufragou, como consequência, esse governo
acabou. Vai ter de começar novamente. Mas é duro você vaticinar que

2. o governo que nem sequer começou vai ter de recomeçar.


A reforma da Previdência naufragou, em sua opinião?
As dificuldades políticas que são colocadas no caminho das reformas
preocupam. Sobretudo pelo entendimento verbalizado pelo presi-
dente de que já havia feito sua parte ao entregar a proposta. Isso obs-
curece um pouco a concepção do que, para ele, significa ser presiden-
te da República, sentar naquela cadeira, potencializar a instituição,

3. fazer política, cuidar das demandas legislativas.


Governar sem articulação política pode funcionar?
Não se trata de velha e nova política. Há política e há vazio político.
Confundir articulação política, negociação, coalizão com a velha
política é, antes de qualquer coisa, não compreender seus limites e o
que ela pode ajudar a resolver do ponto de vista dos avanços, do
crescimento econômico, da geração de emprego.
30 22 PERGUNTAS PARA RENAN

4. Setores do governo têm convocado a militância para


pressionar parlamentares em favor da reforma. É uma
boa estratégia?
Esse território da rede social mais prejudica do que ajuda. Ele contém uma
dosagem de irracionalidade que engana, obscurece. Bolsonaro foi colocado
na Presidência da República em função de circunstâncias várias, mas, so-
bretudo, graças ao desgaste da política, que foi exposta como nunca nos úl-
timos cinco anos. Mas ele precisa ter clareza sobre um projeto de desenvol-
vimento, políticas públicas, programa de governo, planos, metas. Ou pode
continuar nessa armadilha, recorrendo a todo momento ao discurso dos
costumes, que, em vez de aproximar as pessoas, mantém o conflito na so-
ciedade. Evidente que, quando se soma isso a declarações estapafúrdias,
como o apelo para comemorar 64, o elogio ao sanguinário Pinochet, ao

5. Stroessner, isso ajuda a colocar o presidente no papel de desagregador.


O senhor será oposição?
O fato de não estar na presidência do Senado me deixa mais à vontade
para o cumprimento de um papel mais independente, fazendo suges-
tões, críticas e cobrando resultados. Com relação à reforma da Previ-
dência, que é um assunto que está aí na ordem do dia, eu vou acompa-

6. nhar a posição dos governadores de minha região.


O senhor mencionou a palavra pirataria ao se referir ao
governo. Isso se deve à eleição no Senado?
Eu não gosto nem de falar na eleição do Senado. Se tivesse de ser candi-
dato novamente, confesso que não seria. Houve a interferência das re-
des no Congresso, no Supremo Tribunal Federal, houve a concessão de
uma liminar antecipadamente determinando o voto aberto, algo nun-
ca visto em nenhuma eleição legislativa no mundo. Aqueles dias de
agonia, a necessidade de recorrer ao STF. Tudo isso colaborou para

7. que eu não pense mais nessa hipótese de presidir o Senado.


Foi um erro de cálculo?
Eu acho que não deveria ser candidato porque eu mesmo disse em vá-
rias oportunidades que não queria ser presidente do Senado a qual-
quer custo. Eu já fui quatro vezes presidente. Hoje, estou no baixo cle-
ro. Sou um geraldino, que é a expressão que usavam para caracterizar o
torcedor que frequentava a geral do Maracanã, que deixou de existir
depois de uma dessas reformas. Com muito orgulho, integro aí essa

8. bancada, a BBC, a bancada do baixo clero.


Houve esforço do Palácio contra sua candidatura?
Não, segmentos do Palácio. Setores do Palácio, sim. Mas o presidente

9. estava doente, lá em São Paulo.


Ele ligou para o senhor em dado momento.
Sim, mas ele não chegou a falar sobre eleição. Ele ligou no dia em que o
MDB estava fazendo a escolha internamente. E disse que estaria aqui,

10. queria conversar comigo, mas ativamente ele não tratou de eleição.
A ruptura com Temer foi decisiva em sua reeleição
num período de renovação inédita no Senado?
Eu não vinculo essas questões. No processo de impeachment da presidente
Dilma Rousseff, eu estava na presidência do Senado e procurei fazer minha
parte com isenção, conversando com todos. Colaborei com o começo do
governo Michel, sugeri pautas, ajudei a aprová-las. Quando deixei a presi-
dência do Senado, tive mais desenvoltura porque não carregava os mesmos
compromissos. Como não concordava com muitas das propostas, deixei a
liderança do MDB e passei a ocupar um certo papel na oposição.
22 PERGUNTAS PARA RENAN 31

DANIEL MARENCO/AGÊNCIA O GLOBO

Renan Calheiros é expert


em antecipar cenários e
abandonar aliados, como
os ex-presidentes
Fernando Collor e Michel
Temer. Na foto, conversa
com Collor durante a
votação para a
presidência do Senado,
em fevereiro último

11. Qual foi a última vez que o senhor falou


com o ex-presidente Temer?
Estive com ele em São Paulo, por ocasião da eleição aqui para o Sena-
do. Ele pediu para conversar comigo. O que aconteceu com ele foi uma
injustiça, assim como o que aconteceu com Lula. As características são
semelhantes, porque é a continuidade da criminalização da política ge-
neralizadamente, em que o Ministério Público Federal e setores do Ju-
diciário consideram que podem prender para investigar, (aplicar) exa-

12. geradas (conduções) coercitivas, punir sem prova, antecipar prisão.


No caso do Lula, houve condenação
em segunda instância.
Lula foi condenado na primeira e na segunda instância por convicção.
Sem fato concreto. É engraçado como o despacho do juiz Marcelo Bre-
tas ocorre na mesma dimensão, sem fatos. Ele faz ilações e prende pro-
visoriamente um ex-presidente da República. Para além de minhas di-
vergências com ele, essas coisas não elevam, e sim diminuem o Brasil.
Desde a época em que fui ministro da Justiça, sempre defendi as inves-
tigações. Elas devem ocorrer em qualquer circunstância, mas não con-
cordo que, para combater a corrupção, você tenha de cometer crimes,
romper garantias coletivas e individuais. Eu sempre defendi a lei con-
tra o abuso de autoridade e a considero mais do que uma necessidade,

13. uma emergência.


O senhor vai tentar mobilizar
a votação desse projeto?
Sim. Na medida do possível, vou conversar com os presidentes das duas
casas. Já votamos o abuso de autoridade no Senado. Ele foi proposto
pelo Supremo Tribunal Federal. Não há como fazer cessar esses exces-
sos repetidos sem a lei que possa punir aqueles que extrapolam.
32 22 PERGUNTAS PARA RENAN

14. O senhor tem sido crítico do ex-procurador-geral


Rodrigo Janot e menos crítico à procuradora
Raquel Dodge. Diante da possível influência
do juiz Sergio Moro na escolha do novo PGR,
o senhor teme a sucessão?
O chefe do Ministério Público Federal, a quem cabe a defesa da socie-
dade, deverá passar por óbvios critérios de isenção, e não considero
que o processo de seleção interna confira isenção a nenhum deles. Evi-
dente que todos respeitamos mais a Raquel porque ela não ostenta o

15. grau de exibicionismo dos outros. Ela demonstra ser mais responsável.
Por defender o projeto de abuso
de autoridade, o senhor passou a ser visto
como contrário à Lava Jato.
Eu sempre defendi as investigações e procurei fazer a prova contrá-
ria, que é a mais difícil das provas. Tanto que o Supremo já arquivou
dez investigações e vai arquivar as demais porque eu fui investigado
por “ouvir dizer”, porque alguns delatores que não me conheciam
disseram que interpretavam, que o “mercado falava”. Outros diziam
que, quando conversavam com sicrano, viam ali minha presença in-
trínseca. Não há um fato concreto contra mim. E não haverá. Eles me
viraram de cabeça para baixo durante 15 anos. Não há nas minhas
contas um centavo sequer que não seja de uma fonte declarada. E eu
me submeti a tudo isso. Mas, pela ligeireza da qual sempre fui vítima,
eu não concordo com prejulgamento. Essa questão do Flávio Bolso-
naro, há coisas esquisitas que precisam ser investigadas, claro, mas
não dá para prejulgar, para que, ao discutir o tema, você anuncie, an-
tecipe sentenças. A vida, na democracia, não se faz dessa forma. Por-
que isso facilitaria muito o papel de cada um.

DANIEL MARENCO/AGÊNCIA O GLOBO

Renan Calheiros conversa


com Flávio Bolsonaro
horas antes da escolha
do novo presidente do
Senado, uma relação
amistosa que se rompeu
quando o filho do
presidente anunciou voto
em Davi Alcolumbre
(DEM-AP)
22 PERGUNTAS PARA RENAN 33

16. No caso do Flávio, o que o senhor não concorda?


Eu acho que não dá para você condenar antecipadamente. Precisa,
sim, ser investigado, mas, por mais diferença que se tenha com ele, não
dá para você antecipar sentença, prejulgar. É a mesma coisa do Onyx
(Lorenzoni). O Onyx confessou um crime. Está sendo investigado pela
Justiça Eleitoral do Rio Grande do Sul. Vamos aguardar o julgamento
para formular ponto de vista. Não dá para antecipar o que vai aconte-

17. cer. Já fui vítima disso. Isso não faz meu perfil.
O senhor é o decano no Senado. Participou desde
o governo Collor muito ativamente de todos
os governos, vendo de perto a ascensão e a queda
de alguns presidentes. À luz dessa experiência,
o senhor vê estabilidade política neste governo?
Todos os presidentes que não deram importância para a relação com o

18. Congresso tiveram muitas dificuldades. Todos. Jânio, Collor...


Dilma Rousseff?
Dilma até tinha, porque eles tinham um eixo partidário, mas também
foi vítima disso. Mas acho que, se o Bolsonaro não mudar — e não
acredito mais que isso possa acontecer —, ele vai pagar um preço mui-
to alto. Não acho que se eleja um presidente da República para, a toda
hora, fazer campanha “fora sicrano, fora beltrano”. Acho que é impor-
tante a oposição olhar, observar, deixar completar 100 dias. O governo

19. continua diariamente dando tiros no pé. Tem dia que um, dois, até três.
Qual seria esse preço alto?
Governos, quando não caem nas crises, costumam recomeçar. Consi-
dero um preço alto você ter de recomeçar um governo várias vezes em
quatro anos. E acho que estamos próximos da necessidade de começar

20. o segundo governo, sobretudo sem a reforma da Previdência.


O senhor tem falado com os militares?
Os militares têm nessa circunstância um papel muito importante. Mas
tenho preocupação porque, a continuarem os apelos do presidente
Bolsonaro para comemorar o 31 de março de 64, os elogios a Pinochet,
a condecoração ao Ustra, a relação com milícias, os militares podem,
diferentemente do que tem acontecido ao longo da história do país,

21. desgastarem-se com isso.


Qual deve ser o papel dos militares,
em sua avaliação?
Colaborar com a infraestrutura, com plano de desenvolvimento e,
no dia a dia, colocar juízo nessa gente que acha que governar é uma
chacrinha, que você faz buzinando, corneteando. Os filhos mais
prejudicam do que colaboram. E parecem onipresentes, oniscien-
tes, deuses, entendem que podem despachar no Palácio do Planalto,
criar crises, demitir ministros, substituir chanceler, defender ocu-

22. pação militar da Venezuela.


Após a eleição aqui no Senado, o senhor
desferiu ataques duros contra algumas pessoas,
inclusive uma jornalista. Por quê?
Essa coisa da rede social não deve ser feita com o fígado. Quando percebi
o exagero, retirei a postagem. O que não aconteceu ao longo dos anos
com a jornalista. Mas nunca foi meu perfil. Tão logo compreendi que eu
não podia descer para essa discussão, retirei a postagem. E fica o exemplo
de não mais fazer essas coisas da forma que fiz. Eu me arrependi muito.
Essas coisas não se justificam. São erros. Política não se faz assim.
O PAI
CORUJA
A VELHA POLÍTICA 35

CESAR MAIA DIZ QUE


BOLSONARO É “LÍDER
SINDICAL DE POLICIAIS
E MILITARES” E QUE
FILHOS CAUSAM
CURTO-CIRCUITO
por Thiago Prado

N a última terça-feira, Brasília assistiu a


uma demonstração de força dos deputa-
dos federais insatisfeitos com os rumos do go-
go Maia não larga as conversas partidárias
por WhatsApp nem em encontros familia-
res no fim de semana, o barato de Cesar é
verno. Foi aprovada, em votação-relâmpago, fazer análises — muitas delas contrariadas
uma proposta de emenda constitucional que pelos fatos, mas no mínimo divertidas. São
engessa ainda mais o poder de gasto do Exe- análises com muitas referências político-
cutivo, na contramão de tudo aquilo que pre- culturais. Durante a tarde de terça, por
ga a equipe econômica do ministro Paulo exemplo, em uma minúscula sala chinfrim
Guedes a favor da desvinculação das receitas. do Palácio Pedro Ernesto, citou de François
Tratou-se de mais um capítulo da crise instau- Mitterrand a Oscar Wilde. O vereador envia
rada nas últimas semanas entre Jair Bolsonaro diariamente uma tradicional newsletter,
e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. “Ele chamada de ex-blog, para quem se cadas-
está brincando de presidir o país, e está na ho- trar em seu site. Até o momento, contudo,
ra de parar a brincadeira”, atacou Maia. ainda não tinha falado sobre as troca de far-
Horas antes e a quilômetros de distância pas entre Maia e o presidente:
da capital, o pai do líder da retaliação par- “Bolsonaro não me dá raiva, de verdade.
lamentar se preparava para entrar em outra Estamos em outro mundo. Sou mais acadê-
sessão que poderia trazer problemas para mico, ele tem outro estilo, mais ligado ao
um chefe de Executivo. “Me acompanhe ao Exército. Nas vezes que falei sobre isso com
plenário que você verá uma surpresa”, pro- o Rodrigo, eu disse: ‘Esquece isso, não dá
vocou o vereador Cesar Maia (DEM-RJ) bola para isso, não’. Imagina, se preocupar
depois de discorrer durante quase duas ho- com Carluxo, pelo amor de Deus”, esnobou
ras para ÉPOCA sobre o “amadorismo dos Cesar, quase blasé, em referência ao apelido
atuais donos do poder”. Naquele dia, por de Carlos Bolsonaro, que danou-se a desan-
pouco — mais precisamente por apenas um car o presidente da Câmara pelas redes so-
voto — a Câmara Municipal não aprovara ciais nos últimos dias.
mudanças na legislação sobre impeach- A crise de Maia com o governo começou
ment, em um claro recado para o prefeito há duas semanas, a partir do congelamento
Vereador e comentarista do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella. da tramitação do pacote anticrime enviado
frequente na internet, Aos 73 anos e depois de ter sido prefeito ao Congresso pelo ministro Sergio Moro.
Cesar Maia disse que do Rio por três mandatos (1993-1997 e 2001- “Desse jeito, o Paulo Guedes pode levar pan-
é um erro a nova direita
comemorar o golpe 2009), Cesar Maia dispensa o dia a dia da cada. Se esses dois projetos andarem juntos,
militar, por ser impopular política que o filho adora. Enquanto Rodri- não vai ser votada a Previdência. O tema do
LEO MARTINS/AGÊNCIA O GLOBO
36 A VELHA POLÍTICA

Moro é de enorme adesão popular, o outro Maia, então, chamou os principais jor-
não”, disse Cesar, em defesa da atitude do fi- nais do país e anunciou que estava fora da
lho de priorizar o tema econômico. articulação política pela reforma da Previ-
O clima azedou de vez quando o ex-juiz dência. Sem parecer se incomodar, Bolsona-
da Lava Jato enviou mensagens de celular ro elevou o sarrafo da crise com um festival
para o presidente da Câmara reclamando de ironias comparando o presidente da Câ-
de seu projeto ficar em segundo plano. mara a uma namorada querendo terminar
Maia chamou Moro de “funcionário de um relacionamento. “Bolsonaro não é um
Bolsonaro” e falou que ele estava “confun- personagem capaz de segurar a liderança
dindo as bolas”. Chamou ainda a proposta desse processo. Agora, será que ele faz esse
de “copia e cola” do projeto do ministro do raciocínio e dá importância a isso? Foi ao ci-
Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre nema nesta semana com a esposa… No fun-
de Moraes. Dias depois, foi a vez de Moro do, faz isso porque sabe que pode ser aplau-
alfinetá-lo com indiretas: “Talvez alguns dido lá. Ele é um líder sindical dos policiais
entendam que o combate ao crime pode ser e dos militares, e assim continua se compor-
adiado indefinidamente, mas o povo brasi- tando”, analisou Cesar.
leiro não aguenta mais”, ironizou. Em 1992, Cesar Maia
Na semana passada, uma nova fase da
O pai de Rodrigo divide em três os nú- fazia campanha para
prefeito com os filhos
Lava Jato colocou ainda mais lenha na fo- cleos do governo. O econômico, co- Rodrigo e Daniela.
gueira. Casado com a mãe da mulher de mandado por Guedes; o da justiça, simboli- Uma família enraizada
Maia, o ex-ministro Moreira Franco foi pre- zado por Moro; e o administrativo, com os na política (à dir.).
so preventivamente com o ex-presidente Mi- militares à frente. Mas e os filhos do presi- Abaixo, os ministros
chel Temer, acusado de corrupção. Não de- dente, também não são um polo de poder? Sergio Moro, Onyx
morou muito para Carlos Bolsonaro, o filho- “São o quarto vetor. O vetor dispersivo. Ge- Lorenzoni e Paulo
Guedes se encontram
vereador-tuiteiro do presidente, fazer das suas ram curto-circuito, atrapalham, mas nada com o presidente da
na internet: “Por que o presidente da Câma- grave. Um fala uma besteira, outro fala ou- Câmara, Rodrigo Maia.
ra anda tão nervoso?”, questionou nas redes, tra, o Olavo (de Carvalho), que também é A relação azedou
com menos de três
insinuando que o deputado estaria com re- desse vetor, fala mais uma… Mas não é o meses de governo
ceio de investigações da Polícia Federal. principal”, disse. Ponderei que um filho do e reclamações públicas

DANIEL MARENCO/AGÊNCIA O GLOBO


A VELHA POLÍTICA 37

ANALISTA POLÍTICO FREQUENTE NAS REDES,


CESAR MAIA VÊ GOVERNO FRACO
NA ARTICULAÇÃO POLÍTICA E COMETENDO
EQUÍVOCOS NA RELAÇÃO COM O CONGRESSO.
A VELHA POLÍTICA VENCE SEMPRE

GABRIEL DE PAIVA/AGÊNCIA O GLOBO

presidente, “o Carluxo”, como Cesar o cha- Lava Jato. Não foi por causa de evangélicos
mou, já havia derrubado o ministro Gusta- nem da violência, esquece.”
vo Bebianno após uma desavença nas redes Questiono novamente se não basta resol-
sociais. Fui rebatido com uma pergunta: ver a articulação política para o governo an-
“Será que foi por causa do Carlos? Ou ele dar. E quem recebe críticas, desta vez, é o mi-
foi apenas vocalizador da vontade do pai? nistro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que
Como disse, não vejo organicidade nos fi- trabalhou pela derrota de Maia na eleição pa-
lhos, são pessoas querendo aparecer ape- ra a presidência da Câmara. “Que articulação
nas, não é relevante nada disso. Por que política? O Onyx é apenas um representante
perder tempo com eles?”, esnobou de novo. da Taurus no Congresso que espertamente
tornou-se articulador da proposta de dez me-
rros, no entanto, Cesar já vê vários no go- didas contra a corrupção.” Cesar não se ali-
E verno. Dizer que o golpe militar não foi nha aos alarmistas que afirmam que o gover-
golpe, quando é óbvio que foi, é um deles, no pode não durar: “Mas como é que cairia?
não só do ponto de vista do conceito, como O tempo não resolve isso tão rapidamente. O
para a própria popularidade de Bolsonaro. PT ficou 13 anos no poder. O que pode acon-
“Estudei durante muito tempo a ascensão da tecer é a crise econômica ganhar uma profun-
nova direita. O golpe de 1964 não é um te- didade”, disse. No dia seguinte, a pedido de
ma popular, ele tinha de se distanciar disso. ÉPOCA, Cesar comentou as respostas que o
É um erro e a consequência virá depois”, Congresso deu durante a semana para Bolso-
disse, apesar de Bolsonaro ter ganho a elei- naro. “Os partidos estão desgastados, mas não
ção já defendendo gente do tipo do coronel confunda com o Congresso como instituição.
Brilhante Ustra. “Ele venceu por causa da Ele vai se afirmar sempre.”
G.A.
38

guiamado@edglobo.com.br

GUILHERME AMADO
É JORNALISTA
A JUSTIÇA NO LEITO

S amuel tinha 2 dias de vida quando seus pais receberam


do médico uma notícia aterradora: o bebê sofria da rara
síndrome de Berdon, que afeta o funcionamento de intesti-
Por trás desses números estão demandas das mais va-
riadas. Do milionário e complexo caso do Guerreiro Sa-
muel a pedidos de álcool em gel e xampu anticaspa. O
no, estômago e bexiga. E, como não existia cirurgia para o Ministério da Saúde calculou que o governo federal “gas-
caso no Brasil, eles deveriam aproveitar o tempo com a tou” — nas palavras do ministério — R$ 1,4 bilhão com
criança, que morreria em cerca de 15 dias. Os pais desceram ações judiciais de saúde em 2018.
para o térreo do hospital, em São Paulo, e caíram no chão Quando se consideram dados desde 2002, cerca de 90%
chorando. Três anos e 30 cirurgias depois, Samuel ganhou o do valor é destinado a bancar medicamentos para doenças
prenome de “Guerreiro” nas redes sociais e agora está perto raras. Além de toda a barafunda de petições, requerimentos
de completar dois meses internado no Jackson Memorial e sentenças que emperram a chegada a um bom termo para
Hospital, em Miami, nos Estados Unidos, recuperando-se as partes, o desequilíbrio entre valores despendidos gera
de uma operação de retirada de líquido da cabeça, para, fi- controvérsia. Os R$ 6 milhões destinados ao pequeno Sa-
nalmente, ter condições clínicas de fazer o transplante dos muel poderiam ter ido para muitas pessoas com demandas
órgãos atingidos pela doença. O quadro é frágil, e as chances de poucos milhares de reais. É uma escolha de Sofia.
pequenas. O menino moreno com sorriso largo nas fotos até No ano passado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ)
hoje não se alimentou pela boca. A viagem e os tratamentos concordou com a defesa feita pelos advogados da União e
nos EUA foram pagos pela União, após um imbróglio jurídi- estabeleceu que devem ser entregues três documentos obri-
co que chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF). A conta: gatórios ao se pedir que o poder público arque com o cus-
R$ 6 milhões, valor que pode ter salvado a vida do menino, teio de remédios fora da lista do SUS: laudo médico atestan-
mas que, a exemplo das milhares de decisões judiciais na do que o medicamento é indispensável e que os disponíveis
área da saúde, seria inviável de ser estendido a todos os pelo SUS são ineficazes; atestado de incapacidade financei-
pacientes do SUS. Só na última década, os pedidos judiciais ra do paciente de arcar com o custo; e comprovante de que
relacionados à saúde consumiram R$ 7 bilhões, sem contar o remédio é registrado na Anvisa. A expectativa da Advoca-
os custos judiciais envolvidos. Agora, pacientes e burocratas cia-Geral União (AGU) é que a decisão do STJ já esteja
têm acompanhado com lupa quatro casos que serão julgados diminuindo o total de pedidos judiciais. O julgamento do
no dia 22 de maio pelo STF e cujos desfechos poderão deter- STF pode ter efeito ainda mais forte: os quatro casos que
minar o futuro desse tipo de decisão em todo o país. serão analisados são de repercussão geral, ou seja, o que for
decidido ali deve ser seguido pelos tribunais de todo o país.
Na prática, o STF decidirá se o poder
público deve ou não pagar por
medicamentos de alto custo que estão
U m documento apresentado em uma reunião interna da
AGU no começo do ano dá o tom de como o tema é visto
pelo atual governo. Sob a alcunha “tragédia dos comuns”, o
fora das listas do SUS. texto explicou quem são, para o governo, os que vão à Justi-
ça com pedidos de saúde: “Indivíduos agindo de forma in-
A quantidade de pedidos para compra de remédios e paga- dependente e racionalmente, de acordo com seus próprios
mento de outros produtos e serviços médicos tem aumen- interesses, (que) se comportam em contrariedade aos me-
tado a cada ano. De 2008 a 2017, o número de demandas lhores interesses de uma comunidade”. E mais: a AGU en-
judiciais de saúde cresceu 130% em todo o Brasil, de acordo xerga atitudes criminosas em alguns processos. “Número
com o Conselho Nacional de Justiça. Em 2008, foram 41 cada vez maior de ações com fortes indícios de conluio en-
mil ações na primeira instância, número que saltou para 95 tre médicos, advogados e peritos”, afirmou o documento.
mil em 2017. Nesses dez anos, foram 487 mil casos. Na O advogado-geral da União, André Luiz de Mendon-
segunda instância, foram de 3 mil, em 2008, para 41 mil, ça, tem debatido o assunto com seu equivalente na Saúde,
em 2017. No total, 270 mil ações. Luiz Mandetta. Os dois avaliam que a solução passa pelo
39

Joseli dos Santos e seu


filho, Samuel, que está
internado no Jackson
Memorial Hospital,
em Miami, onde
se recupera de uma
operação de retirada
de líquido da cabeça
ARQUIVO PESSOAL

Judiciário: juízes teriam de mudar entendimentos e sope- foi rápida na resposta: “Nosso Brasil tem, sim, dinheiro. Tem
sar melhor a situação fiscal do país, priorizando paga- mala de dinheiro da corrupção, e o dinheiro é mal gasto”.
mentos que alcancem mais pessoas.
O documento da AGU seguiu nessa linha e defendeu que
“medicamentos mais caros atendem a um número muito res-
trito de autores (pacientes)”. Um exemplo, apontou o ministé-
A ntes de obterem o valor milionário da União e ater-
rissarem em Miami no começo de fevereiro para o tra-
tamento, Joseli e José, pai do menino, chegaram a atos ex-
rio, seria o Soliris, remédio com preço unitário de R$ 14 mil e tremos para chamar a atenção para o caso de Samuel. José
que, no total, já custou R$ 425 milhões aos cofres públicos. O se acorrentou à entrada do Ministério da Saúde, em Brasí-
medicamento é receitado para uma doença rara e sem cura, a lia, e da Justiça Federal, em São Paulo. Também fez greve de
hemoglobinúria paroxística noturna, que destrói as hemácias. fome. Joseli mandava mensagens a famosos nas redes
Mas são alguns desses casos mais caros, e que o governo sociais, pedindo doações, e publicava posts diários com a
tenta derrotar nos tribunais, que mais têm apelo público e situação do bebê. Teve sucesso com Ivete Sangalo, Carolina
ganham repercussão nacional — como o de Samuel. Dieckmann e Ana Hickmann e conseguiu levantar R$ 800
“O governo prefere enrolar, recorrer. Toda vez que eles mil. Interrompeu a vaquinha no começo do ano, quando
recorriam, eu chorava. Alegavam que era muito dinheiro soube que o governo federal pagaria pelo tratamento.
para uma criança só, mas é um direito que a gente tem. É só Atualmente, a família mora no hospital em Miami. E é de lá
um bebezinho! Ele também tem de ser salvo. Eu me pergun- que, no dia 22 de maio, eles vão ver os 11 ministros do STF
tava: ‘Por que eu sou brasileira?’”, criticou Joseli dos Santos, decidir o futuro de milhares de casos como o de Samuel.
mãe de Samuel. À tese de que falta dinheiro para todos, ela COM EDUARDO BARRETTO
40 ASTROLOGIA POLÍTICA

Quem é Filipe Martins, os olhos


e ouvidos de Olavo de Carvalho
no Palácio do Planalto
por Ana Clara Costa

“ROBESPIRRALHO”
O lavo de Carvalho, ideólogo do governo
Bolsonaro, conquistou alguns milhares
de alunos ao longo de sua trajetória como
campanha de Jair Bolsonaro, e tornou-se ins-
titucional em 2019, ao ser alçado ao posto de
assessor para Assuntos Internacionais da
professor de cursos on-line de filosofia. Mas Presidência da República, cargo ocupado pe-
nenhum se destacou como Filipe Garcia lo diplomata Frederico Arruda na gestão de
Martins Pereira, de 30 anos. Isso se deve a Michel Temer e por Marco Aurélio Garcia
duas caraterísticas peculiares do aluno: a de- nos anos petistas. Hoje, impulsionado pela
voção ao mestre e a defesa aguerrida de suas relação estreita com Eduardo Bolsonaro e
ideias na internet. Somam-se a esses traços a pela proximidade geográfica com o presiden-
pronunciada timidez. Ao vivo, Martins é in- te — o gabinete de Martins está no mesmo
capaz de se meter em investidas frontais con- andar que o de Bolsonaro —, o aluno núme-
tra quem quer que seja, o que o ajuda a nave- ro um de Olavo de Carvalho dita regras, fil-
gar entre os inimigos. Tem olhar baixo e sua tra visitas, aconselha o mandatário — e se
voz é pouco audível. Já no mundo virtual, é indispõe com os militares do Palácio.
conhecido por ser um dos principais arregi- A excessiva proatividade do assessor ao
mentadores de tropas olavistas (e hoje bolso- ciceronear o presidente e sua relação íntima
naristas) nas redes sociais. Sua atuação com Olavo de Carvalho num momento em
política migrou da esfera virtual para a real a que o ideólogo dispara ataques diários contra
partir de 2018, quando passou a integrar a os militares tornaram a situação de Martins
ASTROLOGIA POLÍTICA 41

REPRODUÇÃO

delicada no Palácio do Planalto. Em uma tiu de levar a cabo a empreitada depois que o Em apenas dois anos,
ocasião, ele chegou a levar um pito em deci- chanceler Ernesto Araújo e Eduardo Bolso- Filipe Martins (de paletó
na foto) deixou a vida de
béis elevados do vice-presidente, o general naro colocaram panos quentes. funcionário de baixo
Hamilton Mourão, depois de publicar tuítes Ainda que, ecoando Olavo, Martins tenha escalão da Justiça
insinuando críticas à ala militar. “Raríssimos sido ávido defensor da aliança militar em tor- Eleitoral para se
transformar em um dos
conservadores resistem à tentação de, mais no de Bolsonaro, Mourão já era, à época, alvo principais assessores do
cedo ou mais tarde, tentar mostrar à esquer- de críticas. Quando o então candidato a vice presidente da República
da que não são tão conservadores assim”, es- criou polêmica ao dizer, em palestra, que a
creveu Martins, replicando Olavo de Carva- “indolência” do brasileiro era herança indíge-
lho. Em outra postagem, ironizou a ideia de na e a “malandragem” herança africana, Mar-
que militares estariam tutelando a política tins foi ao Twitter criticá-lo — mas não pelo
externa, afirmando se tratar de “wishful conteúdo, e sim pela “ingenuidade” do general
thinking ou desonestidade”. Ao ser enqua- em dizer tais coisas publicamente diante da
drado por Mourão, Martins baixou a cabeça postura “maliciosa” da imprensa. “Não espero
e negou qualquer tipo de má intenção. Em ingenuidade de um general. A mídia é inimiga
outra ocasião, o general Augusto Heleno, e, se ele não sabe disso, é melhor ir para o clu-
chefe do Gabinete de Segurança Institucional be militar fazer churrasco”, escreveu, em agos-
(GSI), chegou a ordenar que se redigisse a to de 2018. No mesmo dia, arrematou: “O que
carta de exoneração de Martins — mas desis- ele disse é tão burro quanto o que ele diz
42 ASTROLOGIA POLÍTICA

quando afirma que não há mais esquerda e Antes de ingressar no Itamaraty, o genro
direita. Não vejo preconceito, mas acho que de Olavo teve uma breve passagem pelo
ele pode guardar esses clichês para ele e tratar jornalismo como repórter da Folha de
a mídia como o que ela é: uma inimiga”. S.Paulo, onde fez um curso de trainee. Car-
Na caserna, há o sentimento de que Mar- rières é visto por colegas do Itamaraty co-
tins estaria trabalhando para criar divergên- mo técnico e competente, com visões sobre
cias entre militares e o presidente — em al- a diplomacia que, até então, divergiam da-
guns casos, transmitindo informações confi- quelas pregadas por Olavo de Carvalho e
denciais do Palácio para Olavo de Carvalho. replicadas pelo chanceler — em especial a
Ao assumir o cargo de assessor, Filipe Mar- posição do governo sobre a atuação diplo-
tins contratou como adjunto um dos genros mática do Brasil na Venezuela.
de Olavo, Henri Carrières, de 40 anos, casado Conflitos à parte, a ascensão de Martins é
com Maria Inês de Carvalho, com quem tem inaudita. Dois anos bastaram para que dei-
quatro filhos. Carrières é diplomata de car- xasse um posto de baixo escalão do Tribunal
reira e trabalhou no Palácio do Planalto du- Superior Eleitoral (TSE) e passasse a conse-
rante o governo de Michel Temer, assesso- lheiro presidencial, com direito a dividir a
rando Frederico Arruda. Antes, teve postos mesa com Jair Bolsonaro em jantares com
na Índia e no Reino Unido. Lotado na Casa chefes de Estado, deferência com a qual o
Civil por Eliseu Padilha, o diplomata foi exo- chanceler Ernesto Araújo nem sempre é
nerado em 3 de janeiro de 2019 pelo ministro agraciado. O deserto de formuladores de po-
Onyx Lorenzoni na “limpa” promovida para lítica externa no entourage do presidente Jair
tirar “petistas” da pasta. No dia 11 do março, Bolsonaro posiciona Martins na mesma raia
foi reempossado por Martins. que Marco Aurélio Garcia, o articulador do

Martins contratou como assessor


o genro de Olavo de Carvalho, diplomata
que trabalhava no Palácio do Planalto
durante a gestão de Michel Temer
REPRODUÇÃO

Casado com a filha


do ideólogo Olavo de
Carvalho, o diplomata
Henri Carrières é hoje
o braço direito de Filipe
Martins no Palácio
do Planalto
ASTROLOGIA POLÍTICA 43

REPRODUÇÕES

Responsável pela agenda


internacional do
presidente, Filipe Marins
participou da visita
à Casa Branca (à esq.).
O assessor tem relação
próxima com os filhos
de Bolsonaro (no alto,
com Carlos) e é o aluno
mais proeminente
do ideólogo Olavo
de Carvalho (ao lado)

arranjo petista na América Latina que acabou go em sua primeira sessão, o deputado apro-
favorecendo a ascensão de outros políticos de vou a toque de caixa sete requerimentos de au-
esquerda em países vizinhos. Levou a assina- toria própria — atitude que os demais mem-
tura de Martins o discurso de convencimento bros do grupo classificaram como autoritária.
para que Bolsonaro escalasse Ernesto Araújo
como chanceler. Coube também a ele fazer a atural de Sorocaba, mas criado em Voto-
interlocução para que o presidente acatasse a N rantim, no interior de São Paulo, Mar-
sugestão de Olavo de nomear como ministro tins se interessou pelos escritos de Olavo de
da Educação o colombiano Ricardo Vélez Carvalho recém-saído da adolescência.
Rodríguez. Foi ainda Martins o idealizador Aliou os cursos de filosofia à graduação em
do primeiro contato do clã Bolsonaro com relações internacionais na Universidade de
Steve Bannon para que o ex-estrategista de Brasília (UnB) e chegou a trabalhar no de-
Donald Trump recebesse Eduardo em Nova partamento econômico da embaixada dos
York, em agosto do ano passado. Para conse- Estados Unidos em Brasília, além de dar
guir a façanha, chegou a procurar a filha de cursos preparatórios para concursos públi-
Bannon e pedir que ela fizesse a ponte. cos. No tempo livre, atuava como porta-voz
Ao incutir na cabeça de Eduardo chavões do discurso de Olavo de Carvalho nas redes
olavistas, como o envio de tropas à Venezuela sociais e em blogs de viés radical, como o
e a mudança do eixo multilateral de política Senso Incomum, que prega a queima de li-
externa para um eixo bilateral, beneficiando os vros de Paulo Freire, e o Terça Livre, que di-
Estados Unidos, Martins acabou inflando o fundiu recentemente informações falsas so-
ego do novo amigo a ponto de o filho do pre- bre Constança Rezende, jornalista de O Es-
sidente, um ex-escrivão da Polícia Federal que tado de S. Paulo. Martins também dedicava
sempre se limitou a defender pautas da corpo- tempo a escrever críticas sobre jornalistas e
ração, enxergar em si as características de um a imprensa no site Mídia sem Máscara, fun-
formulador de políticas da área. É obra de dado por Olavo de Carvalho e que, em al-
Martins o fato de Eduardo ter requerido a pre- gumas ocasiões, praticava ataques à reputa-
sidência da Comissão de Relações Exteriores ção de profissionais que escrevessem textos
(CRE) da Câmara dos Deputados, na qual, lo- críticos às ideias do professor.
44 ASTROLOGIA POLÍTICA

Martins, contudo, preferia análises mais Diante da dificuldade do governo


amplas, que minassem, de forma sistemáti-
ca e generalizada, a credibilidade da im- em angariar apoio para a reforma, Martins
prensa como um todo. Em fevereiro de convocou a militância para pressionar
2017, escreveu no Mídia sem Máscara: “Os parlamentares — versão atualizada
jornalistas engajados, que se acreditam un-
gidos para a mais nobre das missões, não da guerrilha virtual petista na era Lula
descansarão enquanto você não enxergar no
aborto uma expressão singular do amor à
vida; enquanto você não considerar as rela- “marxismo cultural”, outra conspiração de
ções entre pessoas do mesmo sexo mais no- intelectuais para disseminar ideias socialis-
bres do que o matrimônio tradicional; en- tas de forma a torná-las tão intrínsecas que
quanto você não entender como normal a nem sequer seriam percebidas pela socie-
sexualização precoce de seus filhos; enquan- dade. O megainvestidor de origem húngara
to você não perceber como banal o adulté- George Soros e as grandes famílias de ban-
rio e o divórcio; enquanto você não sentir queiros que se tornaram filantropas, como
mais pena de um bandido do que de sua ví- Rothschild e Rockfeller, seriam os maiores
tima; enquanto você não for capaz de des- patrocinadores dessa vertente. A revista
prezar sua cultura e sua religião e de louvar britânica The Economist, um dos bastiões
todas as demais”. do liberalismo econômico no mundo, é, pa-
Tais ideias, segundo Martins, integram ra Martins, um braço do marxismo cultu-
o conjunto retórico do “globalismo”, que ral. “A Economist pertence aos Rothschild e
seria, na visão de alguns teóricos conserva- a outras famílias globalistas perto das quais
dores, uma conspiração de políticos e a família Soros é uma amadora”, escreveu
grandes empresários para impor uma or- em setembro de 2018 no Twitter, em res-
dem cultural global. Os críticos do chama- posta a um leitor que lhe questionava se a
do “globalismo” também creem no suposto publicação era de esquerda.

ALAN SANTOS/BRAZILIAN PRESIDENCY/AFP


Graduado em Relações
Internacionais pela
Universidade de Brasília
(UnB), Martins (à dir.)
precisou de pouco tempo
para assumir um papel
central na política externa
do país. Ele foi o principal
responsável pela
aproximação entre a
família Bolsonaro e Steve
Bannon, ex-estrategista
de Donald Trump.
O jantar em Washington
(à esq.) marcou apoio
ASTROLOGIA POLÍTICA 45

REPRODUÇÃO
Twitter pedir ajuda. “Há uma flagrante ten-
tativa de isolar a ala antiestablishment do
governo Bolsonaro, lançando sobre ela
uma série de adjetivações maliciosas e de
acusações infundadas que não cumprem
outra função senão a de torná-la tóxica e
malvista pelas outras alas que compõem o
governo”, escreveu. A criminalização da
política e do conceito de coalizão pluripar-
tidária fundada na repartição de poder são
algumas das premissas do grupo de Mar-
tins — e de Olavo de Carvalho. Por isso,
defendem que Jair Bolsonaro não condicio-
ne o apoio à reforma à saciação de interes-
ses de aliados. Dito isso, Martins convocou
a militância para que fizesse pressão popu-
lar em parlamentares em favor da reforma
— uma versão atualizada da guerrilha vir-
tual petista na era Lula. “A única forma de
ativar a lógica da sobrevivência política é
por meio da pressão popular, por meio da
mesma força que converteu a campanha
eleitoral do presidente Bolsonaro em um
movimento cívico e tornou possível sua vi-
tória. É necessário, em suma, mostrar que
o povo manda no país”, escreveu.

discurso de Martins é calçado no furor


O “revolucionário” que ele por vezes de-
Ainda que seu papel institucional seja nota ao dizer que é preciso “refundar” as
cuidar da agenda internacional do presi- bases econômica e sócio-cultural do Brasil.
dente, Martins tem, pouco a pouco, reto- Por isso, em comparação maliciosa aos ja-
mado o papel de agitador da militância bol- cobinos da Revolução Francesa, há quem o
sonarista nas redes sociais. Quando as arti- chame de “Robespirralho” dentro e fora do
culações em torno da reforma da Previdên- governo. O jornalista e editor dos livros de
cia azedaram, depois de declarações do Olavo de Carvalho no Brasil, Carlos An-
presidente da Câmara, Rodrigo Maia, criti- dreazza, ao comentar a convocação virtual
cando publicamente Jair Bolsonaro por sua de Martins, foi além. Viu no discurso do
suposta falta de dedicação à pauta e exces- assessor, que, de maneira reduzida e mais
siva dedicação ao Twitter, Martins despejou rude, foi reproduzido pelo presidente Jair
uma série de postagens acusando o golpe. Bolsonaro em coletiva no Chile, o desejo
Também amigo de Carlos Bolsonaro, ele de subordinar as agendas econômica e polí-
defendeu que o presidente ceife os meios tica do governo à ala ideológica, “condicio-
tradicionais de intermediação com o “po- nado o sucesso do programa reformista li-
vo”, como a imprensa, e se comunique es- beral, ignorando o Parlamento (um inter-
sencialmente por meio de redes sociais e li- mediário prescindível), à pressão popular
ves — de preferência, valendo-se de discur- que somente a liderança da ala antiesta-
sos que incitem a polêmica. blishment assegura”, escreveu Andreazza
A crítica pública e o risco em torno da em sua coluna. O plano pode ser mesmo
reforma aumentaram a pressão da equipe esse. Se der certo, Martins terá provado a
econômica e dos militares sobre a ala ideo- tese de seu mestre. Se der errado, haverá
lógica do governo, à qual Martins pertence um governo inteiro à mercê do teste ideo-
e à qual ele se refere como ala “antiesta- lógico de um ex-astrólogo e seu pupilo,
blishment”. Em defesa de seu grupo, foi ao que jamais o contrariou.
M.B.
46

mbolle@edglobo.com.br

MONICA DE BOLLE É DIRETORA DE ESTUDOS


LATINO-AMERICANOS E MERCADOS EMERGENTES DA JOHNS
O GOLPE
HOPKINS UNIVERSITY E PESQUISADORA SÊNIOR DO PETERSON
INSTITUTE FOR INTERNATIONAL ECONOMICS

“D urante o fim de semana os urubus enfiaram-se pelas


varandas da casa presidencial, desfizeram à bicada as
redes de arame das janelas e remexeram com as asas o tem-
coincidência. Bolsonaro e seu ministro das Relações Exte-
riores antiglobalista; Bolsonaro e seu ministro da Educa-
ção que quer expurgar o tal do marxismo cultural; Bolso-
po estancado no interior e na madrugada de segunda-feira naro e sua ministra dos Direitos Humanos que ataca os
a cidade acordou do seu letargo de séculos com uma morna movimentos feministas. Todos esses são exemplos do ata-
e mole brisa de morto grande e de apodrecida grandeza.” vismo que tem o atual governo em relação a muito do que
Tinha o ditador sem nome de Gabriel García Márquez algo se passou no Brasil nos anos 60.
entre 107 e 232 anos, era doente e analfabeto e vivia em meio
à decrepitude. Seus ministros, não os consultava para nada Quem constituía as principais ameaças
— à exceção do ministro da Saúde, por ser seu médico pes-
soal. A narrativa desvela um dos temas mais caros ao escri- aos valores tradicionais e conservadores
tor colombiano: a solidão — em especial, a solidão do po- do país nos anos 60? Ora, os sindicatos,
der. Desvela também traições e vinganças, fraudes e menti- os intelectuais, os estudantes
ras, numa alegoria do autoritarismo na América Latina.
O outono do patriarca é obra lírica e densa, além de rico universitários e seus professores,
retrato das ditaduras latino-americanas. Eu pretendia utilizar alguns jornalistas.
o livro como gancho para um artigo sobre a Colômbia e a
Venezuela, mais eis que vejo o presidente do Brasil exortar o Em 1961, militares e partes da sociedade civil depositaram
ocorrido em 1964 e o ministro das Relações Exteriores decla- suas esperanças em Jânio Quadros, que com seu varre,
rar que não houve golpe naquele ano fatídico, mas sim um varre, vassourinha representava a cruzada moral contra
“movimento necessário para que o Brasil não se tornasse uma políticos inescrupulosos e corruptos — a corrupção não
ditadura”. Ou seja, o ministro Ernesto não tem a menor dúvi- foi inventada pelo PT, que surpresa. Quadros, entretanto,
da de que uma ditadura se instalou no Brasil justamente para era sujeito instável e dado a excentricidades. Não demo-
evitar uma ditadura. Fui atrás do ano em que nasceu o minis- rou para que perdesse prestígio, sobretudo ao decidir en-
tro — 1967, um ano antes do AI-5 e das atrocidades que seriam frentar o Congresso e acusá-lo de obstruir sua agenda le-
cometidas pela ditadura em nome de evitar a ditadura. Enten- gislativa. Não soa familiar por acaso. Jânio Quadros re-
do que era Ernesto um bebê, uma criança, durante os Anos de nunciou, permitindo a ascensão de seu vice, João Goulart,
Chumbo que marcaram o fim dos anos 60 e o início dos anos do PTB, tratado com escárnio e desconfiança pela UDN
70. Contudo, isso não o redime. Eu não era nascida em 1968 e de Carlos Lacerda e pelos próprios militares. A visita de
considero o que ocorreu no Brasil em 1964 um golpe, gravíssi- João Goulart à China não ajudou a eliminar as teorias
mo atentado contra a democracia, derrocada dos direitos hu- conspiratórias que acometiam os militares e seus apoia-
manos. Estou bem longe de ser a única. dores. Goulart foi acusado de ter cedido posições estraté-
Resolvi reler a obra clássica de Thomas Skidmore, The gicas no governo a “agentes do comunismo internacio-
politics of military rule in Brazil, 1964-1985. Para início de nal”, e temia-se que ele pudesse infiltrar nas Forças Arma-
conversa — como muitos sabem —, o golpe ocorreu em 1º de das “milícias comunistas”. Convencidos de que o Brasil
abril, não em 31 de março. Antes tivesse sido mesmo menti- caminhava inexoravelmente para um regime destrutivo
ra, como Bolsonaro e seu séquito de devotos alienados ten- em todos os aspectos, os militares entraram em ação.
tam empurrar goela abaixo do povo brasileiro. O fato é que, Houve o golpe. Golpe. Não movimento ou revolução.
em 1963, estavam os militares e partes da sociedade civil con- Comemorar o golpe é uma afronta, uma obscenidade.
vencidos de que o país caminhava para o socialismo que Negar o golpe é, nas palavras de García Márquez, entrar “no
liquidaria os valores tradicionais da população. automóvel fúnebre do progresso dentro da ordem, a limu-
Qualquer eco de marxismo cultural e ideologia de gê- sina sonâmbula do primeiro século de paz, todos em bom
nero — as modernidades introduzidas para refletir as ve- estado sob a teia de aranha poeirenta e todos pintados com
lhas ideias de mais de cinco décadas atrás — não é mera as cores da bandeira”. Vivemos o outono do Brasil.
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48 CONCORDAMOS EM DISCORDAR

Para Deltan Dallagnol,


a força-tarefa da Lava Jato tinha
todo o direito de criar uma
fundação de R$ 2,5 bilhões.
Já Lucas Furtado, procurador
no TCU, diz que não faz sentido
por Cleide Carvalho

DALLAGNOL×FURTADO

MONTAGEM SOBRE FOTOS: AILTON DE FREITAS/AGÊNCIA O GLOBO | ADRIANA SPACA/BRAZIL PHOTO PRESS/AGÊNCIA O GLOBO

DELTAN DALLAGNOL, 39 anos, paranaense LUCAS FURTADO, 51 anos, cearense


O que faz e o que fez: procurador da República no Paraná, O que faz e o que fez: é procurador do Ministério
é coordenador da força-tarefa da Lava Jato, responsável Público Federal (MPF), destacado para trabalhar
pelo combate do maior caso de corrupção desvendado no junto ao Tribunal de Contas da União (TCU).
Brasil. Formado em Direito pela Universidade Federal do É professor de Direito da UnB e doutor pela
Paraná, é mestre pela Universidade Harvard Universidade de Salamanca, na Espanha
CONCORDAMOS EM DISCORDAR 49

Um acordo firmado entre a força-tarefa da Lava Jato em Curi-


tiba e a Petrobras decidiu pela criação de uma fundação pri-
vada para administrar R$ 2,5 bilhões devolvidos pelas autori-
dades americanas ao Brasil. A medida depois foi suspensa
pela força-tarefa e por liminar no Supremo Tribunal Federal
(STF). É papel da força-tarefa apontar o destino de verbas co-
mo essa, fruto de acordos internacionais?
DELTAN DALLAGNOL É papel do Ministério Público Federal (MPF) e
da Justiça apontar o destino de verbas em acordos que tratem de direi-
tos difusos e coletivos, como é o caso desses recursos pagos pela Petro-
bras. Isso acontece diariamente na Justiça, em acordos em todo o Brasil.
Dito isso, diante do debate social, a força-tarefa da Lava Jato decidiu sus-
pender os procedimentos para a criação da fundação, a fim de buscar
junto a outros órgãos a solução que confira mais segurança jurídica.
LUCAS FURTADO A atribuição do MPF é muito importante para fis-
calizar o uso de dinheiro público. Essa atribuição, no entanto, não
inclui a destinação que é dada ao dinheiro público.

O destino natural de recursos do gênero não seriam os cofres


públicos, que então decidiriam seu destino final?
DD Não. Esses recursos são do contribuinte americano, que pode-
riam ficar no Brasil apenas caso houvesse a atuação de um órgão
público com poder de cobrar valores devidos. E é isso que foi fei-
to. Recursos relativos a danos difusos e coletivos, que deram base
para a permanência do dinheiro no Brasil, devem ser direciona-
dos para a sociedade, e não para a União. Os Estados Unidos de-
ram sinal contrário à permanência do dinheiro no Brasil por
meio de alguma solução que envolvesse a transferência de valores
para a União, já que é sócia majoritária da Petrobras.
LF Normalmente, compete ao Congresso Nacional decidir sobre a
destinação dos recursos. Mas o caso é um pouco diferente, porque
decorre de uma condenação em outro país, no caso, os Estados Uni-
dos. Não é uma simples condenação judicial, é diferente. Por isso,
por não haver uma destinação natural dos recursos, precisamos ter
mais preocupação e controle sobre eles.

Em sua opinião, o uso da verba para o reforço da luta contra a


corrupção é o mais sensato?
DD Foi estabelecido para a fundação um raio de atuação amplo
para abarcar diversos direitos que são lesados pela corrupção,
tais como cidadania e meio ambiente. A intenção é atender os
direitos da sociedade que foram violados, como costuma aconte-
cer em acordos envolvendo direitos difusos e coletivos.
LF É importante aplicar recursos no combate à corrupção, mas há
outros setores também muito importantes e que precisam de investi-
mento, como educação e saúde. O cobertor é curto. Toda a minha
formação é voltada ao combate à corrupção, mas a destinação dos
recursos deve ser discutida de forma mais ampla e democrática.
50 CONCORDAMOS EM DISCORDAR

A criação do fundo bilionário, de gestão privada, foi recebida


com desconfiança. Como o senhor vê essas críticas?
DD Houve diversas interpretações equivocadas a respeito do acordo
celebrado, como a errônea afirmação de que o MPF ou a Lava Jato
faria a gestão de recursos ou que se beneficiaria de qualquer forma
dos recursos. Nenhum dos dois receberia os recursos nem mesmo
atuaria em sua gestão. A gestão seria feita pela sociedade civil e com
finalidade pública, não privada, sob a fiscalização de órgãos de con-
trole. Conforme previsto no acordo, ainda, a fundação estaria reves-
tida das melhores práticas de governança e controle possíveis, inclu-
sive fiscalizações e auditorias externas.
LF Numa condenação ocorrida em outro país, quem define a desti-
nação dos recursos é o outro país. Quem condena define a aplicação.
O problema está em definir a aplicação dos recursos e eventuais ir-
regularidades. Controlar o uso de recursos públicos já é difícil. Con-
trolar recurso privado é impossível. Para usar recursos públicos há
regras, como licitações e concursos. A própria população pode fisca-
lizar. No caso de recurso privado, é impossível controlar.

O acordo com a Petrobras para a criação do fundo só foi anun-


ciado depois de concluído. Essa negociação não deveria ter
incluído outras instituições que participaram da Lava Jato?
DD O acordo que a Petrobras fechou com as autoridades americanas
é criminal, vinculado ao esquema de corrupção. A atuação criminal
no Brasil, para a punição das pessoas e empresas envolvidas no
mesmo esquema, é da força-tarefa. A permissão para os recursos fi-
carem no Brasil, ainda, dependia da atuação de autoridades da apli-
cação da lei, em que se enquadra o MP.
LF O que pode ser dito é que, na destinação de dinheiro público, é
preciso antes de tudo ser correto. É como a mulher de César, a quem
não bastava ser honesta, tinha de parecer honesta. No caso da negocia-
ção para a criação desse fundo, ninguém tomou conhecimento dela.
Não pareceu correta. Pode ter sido correta, mas não pareceu correta.

Por que criar uma fundação privada para gerir recursos que
poderiam ser redirecionados a fundos já existentes, como o
Fundo de Defesa de Direitos Difusos, vinculado ao Ministério
da Justiça, ou a entidades da sociedade civil já existentes?
PILAR OLIVARES/REUTERS
O MPF afirma
que o dinheiro
da multa aplicada
à Petrobras nos
Estados Unidos
não virá para
o Brasil caso
o acordo com
a empresa seja
anulado
CONCORDAMOS EM DISCORDAR 51

DD A força-tarefa da Lava Jato decidiu suspender os procedimentos para a


criação da fundação, a fim de buscar uma solução. De todo modo, cumpre
esclarecer que existiam algumas opções que foram examinadas, e a Lava Jato
buscou selecionar a melhor para a sociedade brasileira. Uma opção era a
destinação dos recursos para o Fundo Federal de Direitos Difusos. Esse fun-
do tem um conselho gestor no qual, por lei, o MP tem um assento. O di-
nheiro do fundo é aplicado em projetos sociais apresentados por entidades
da sociedade civil para a promoção de qualquer tipo de direito coletivo.
Contudo, algumas razões desfavoreciam essa opção. Primeiro, ele não trata
especificamente de corrupção e não costuma receber verbas relacionadas à
corrupção. É mais usado para questões ambientais, de consumidores, entre
outras. Segundo, os recursos dele são contingenciados. Ou seja, embora o
fundo tenha sido formado para indenizar a sociedade, o dinheiro acaba
nunca chegando ao destino previsto, e sim sendo revertido para a União pa-
ra gerar superávit e pagar juros. Para ter uma ideia, em 2016 e em 2018,
99,5% dos valores foram contingenciados. Outra opção afastada foi direcio-
nar os recursos para o caixa-geral da União por falta de viabilidade jurídica.
Uma terceira possibilidade seria o encaminhamento dos valores direta-
mente para a sociedade, para diferentes entidades já constituídas que apre-
sentassem projetos perante a Justiça. Contudo, seria inviável fazer a desti-
nação e o controle do emprego dos recursos. Considerando essas peculia-
ridades, não havia nenhuma solução jurídica específica para esse tipo novo
de situação que se apresentou. Diante disso tudo, a quarta alternativa aven-
tada, com base na experiência internacional, de casos como o da Siemens,
foi a criação de uma fundação. Era a mais solidamente embasada.
LF É um motivo a mais para desconfiar. O Fundo de Defesa de Direitos Difu-
sos poderia receber, sim, qualquer recurso. Isso poderia ter sido estabelecido
pelas autoridades americanas com o MPF. A questão é esta: o dinheiro deve ser
aplicado onde existe um padrão de fiscalização. O MPF existe para amparar a
população, não para impedir o acesso da população aos recursos públicos.

Qual critério, em sua opinião, o Ministério Público usou para es-


colher as entidades que farão o estatuto da fundação?
DD A previsão era que seriam convidadas diversas entidades com conhe-
cimento na área de atuação de fundações e com histórico de atuação no
combate à corrupção, com o objetivo de buscar as melhores práticas de
controle, governança e transparência. Nesse sentido, para auxiliar a cons-
tituição da fundação, o MP havia solicitado auxílio à Advocacia-Geral da
União, à Controladoria-Geral da União e ao Ministério Público do Estado
do Paraná. Além disso, o MPF solicitou a indicação de nomes para a
composição do Comitê de Curadoria Social às seguintes entidades da so-
ciedade civil: Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife), Associa-
ção Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong), Transpa-
rência Internacional, Observatório Social do Brasil, Associação Contas
Abertas, Instituto Ethos, Amarribo, Movimento de Combate à Corrupção
Eleitoral (MCCE), Instituto Não Aceito Corrupção, Instituto Brasileiro de
Governança Corporativa (IBGC) e Fundação Dom Cabral (FDC).
LF Não tenho nenhuma crítica em relação à indicação dessas entidades. To-
das elas merecem nosso maior respeito, o respeito da população e de ór-
gãos públicos. Mas democracia significa desconfiar, e desconfiar de quem
devemos confiar. O valor supera a casa do bilhão de reais. É muito dinhei-
ro. É preciso colocar uma lupa bem grande. Não se pode abrir margem a
qualquer dúvida acerca da legalidade da aplicação. Essa é a razão da quan-
tidade de críticas feitas ao MPF: não se pode dar margem a dúvidas.
52 CONCORDAMOS EM DISCORDAR

O acordo prevê que o MPF e o Ministério Público do Paraná


poderão ocupar, cada um deles, um assento no conselho da
fundação. Por que só o Ministério Público do Paraná, e não os
de outros estados?
DD O acordo se referia a fatos relacionados aos crimes que foram
praticados na Petrobras, para os quais a Lava Jato em Curitiba é a
competente. Para assegurar uma melhor fiscalização do emprego
dos recursos, previu-se o assento do Ministério Público do Paraná e
do MPF no conselho curador — que poderia ter, por exemplo, entre
dez e 20 cadeiras. Seguiu-se o modelo do Fundo de Direitos Difu-
sos, que era uma alternativa e no qual o MPF tem assento. O acordo
poderia vir a ser alterado na redação do estatuto.
LF Numa democracia, todos devem ser chamados a colaborar, nin-
guém pode ser excluído, principalmente dentro do próprio MP. Eles
consideram uns melhores que os outros. Não pode haver isso. Não
haveria ilegalidade alguma se alguém fosse designado, como repre-
sentante do Ministério Público do Paraná ou da Procuradoria-Geral
da República no Paraná, como conselheiro ou membro dessa funda-
ção. O que não pode é previamente haver exclusão de membros de
outros estados sem argumentação convincente.

O MP é responsável pela fiscalização de qualquer fundação


em território nacional. O poder de fiscalização não é suficiente
para garantir o bom funcionamento da fundação?
DD Procurou-se assegurar a mais ampla forma de fiscalização da
gestão dos recursos, a fim de evitar que a sociedade fosse novamente
lesada por atos ilícitos. Foi com esse propósito que se estabeleceu a
atuação tanto do Ministério Público Estadual quanto do MPF.
LF Fiscalizar não significa designar, dizer o que deve ser feito. Fisca-
lizar significa dizer apenas se o que foi feito é certo ou errado.
Quando o próprio MPF passa a definir a função dada aos recursos,
ele se sujeita a críticas, ao princípio básico de quem pratica qualquer
ato. Se ele administrar, não pode fiscalizar. Isso pode comprometer e
levantar suspeita sobre a própria fiscalização.

Em sua opinião, como deve ser a escolha das pessoas que vão
gerir a fundação?
DD Essa questão restou prejudicada diante da suspensão dos proce-
dimentos para a constituição da fundação e, posteriormente, da de-
cisão do STF.
LF O que todos queremos é que seja alguém competente e técnico.
Mas o problema não está na escolha das entidades, está no fato de a
criação de uma fundação não ser atribuição do MPF. Essa compe-
tência só existiria se estivesse autorizada pela Constituição.

O senhor achou positiva a intervenção da procuradora Raquel


Dodge, que pediu o fim do acordo com a Petrobras?
DD A força-tarefa está se manifestando nessa ação. Uma das preocu-
pações é que, sem o acordo, o dinheiro não ficará no Brasil, mas
precisará ser pago pela Petrobras nos Estados Unidos. Estamos fa-
lando de R$ 2,5 bilhões.
LF A atitude reflete sua competência. Deve ser destacado que a Petro-
bras cometeu fraudes e, por isso, foi punida: por ter cometido fraude
contra acionistas. (A doação ao fundo) não foi por bondade.
53

VENES CAITANO
O DEDO
DO PASTOR
MINISTÉRIOS DIVINOS 55

Como um evangélico desconhecido


do interior de São Paulo passou a tentar
emplacar nomeações em um dos
ministérios mais cobiçados do governo
por Henrique Gomes Batista e Aline Ribeiro

D iante da crise que se instalou no Minis-


tério da Educação (MEC) nas últimas
semanas, um desconhecido do interior de
igreja de Paes, ela defendeu em um vídeo so-
bre ensino confessional a metodologia segun-
do a qual as crianças devem começar a ter
São Paulo tentou entrar para o rol dos nego- contato com as matérias escolares por meio
ciadores de Brasília sem nunca ter eleito um do primeiro livro da Bíblia, o Gênesis.
deputado na vida. O pastor batista Carlito Diante da recusa, Paes citou de passa-
Paes é o líder da Igreja da Cidade, templo gem, no meio do diálogo, outro nome: An-
voltado para a elite de São José dos Campos, derson Correia, ex-reitor do Instituto Tec-
cidade conhecida como polo tecnológico no nológico de Aeronáutica (ITA) — a “univer-
interior paulista. Outsider tanto no meio sidade” da Força Aérea Brasileira —, e hoje
evangélico quanto no político, seu nome presidente da Coordenação de Aperfeiçoa-
passou a circular como articulador de subs- mento de Pessoal de Nível Superior (Capes),
titutos para os postos vagos num dos minis- uma das áreas mais disputadas do MEC. Pa-
térios mais cobiçados da Esplanada. Primei- es destacou ao deputado que Correia, dife-
ro fez campanha para emplacar o número rentemente de Lima, tem currículo acadêmi-
dois do MEC, cargo desocupado pela terceira co. Disse que sua trajetória agradaria tanto a
vez em menos de dez dias. Não agradou. Ao evangélicos quanto a militares, que dispu-
perceber que sua indicação não tinha for- tam a influência no ministério. Paes frisou
ça nem entre a bancada evangélica nem que Correia tinha cacife, inclusive, para as-
entre os vários grupos que tentam tomar o sumir o lugar de Vélez Rodríguez.
ministério, Paes insistiu. Sugeriu alguém O deputado Sóstenes Cavalcante nunca
que nem estava no radar — e para sentar tinha ouvido falar em Correia até aquele
na cadeira do próprio ministro, o colom- momento. Assim que soube da existência
biano Ricardo Vélez Rodríguez, a cada dia do indicado do pastor, tratou de levantar
mais e mais enfraquecido. sua ficha. Convencido de que se tratava de
A tentativa mais explícita se deu em mea- um bom nome, no último dia 15 enviou
dos de fevereiro. Paes recebeu uma ligação uma mensagem de WhatsApp ao ministro
inesperada do deputado federal Sóstenes Ca- da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. Foi enfáti-
valcante (DEM-RJ), membro da igreja As- co ao recomendar Correia para o lugar do
sembleia de Deus e líder influente da bancada ministro da Educação. “Depois disso, falei
evangélica no Congresso. Num tom cordial, com Correia duas vezes por telefone. Ele
mas não próximo, Cavalcante telefonou para tem todos os pré-requisitos para assumir
esclarecer um mal-entendido relacionado à o ministério. Se Bolsonaro achar que é ho-
pinimba no MEC. Disse que o nome defendi- ra de mudar, ele tem um currículo que
do por Paes para ocupar a secretaria executi- agrada a evangélicos, militares e ao meio
va — o da professora Iolene Lima — não era acadêmico”, afirmou Cavalcante, ao res-
uma indicação da bancada evangélica, ao saltar que a indicação é dele, e não da ban-
contrário do que a imprensa estava afirman- cada. “A bancada não vai tratar de nomes.
do. Informou ainda que o burburinho estava Mas alguns parlamentares, de forma indi-
“Como pastor, não pegando mal para os parlamentares, que têm vidual, começam a ver Correia com bons
indiquei ninguém para a pecha antiga de negociar cargos em troca de olhos.” Lorenzoni não respondeu à mensa-
o MEC. Só abençoei favores. Aqui vale um parêntese. Iolene Lima gem. Ele e Cavalcante se encontraram em
uma ovelha”, disse
Carlito Paes, é um caso à parte. Também evangélica e por duas ocasiões na última semana, mas não
da Igreja da Cidade anos diretora da escola Inspire, criada pela trataram desse assunto.
EDILSON DANTAS/AGÊNCIA O GLOBO
56 MINISTÉRIOS DIVINOS

O pastor Carlito Paes tentou nomear a


segunda pessoa mais importante do
Ministério da Educação. Agora quer sugerir
um nome para a troca do enfraquecido
ministro Vélez Rodríguez

N
REPRODUÇÃO
a manhã da última terça-feira, em sua
igreja em São José dos Campos, Paes
conversou por duas horas com ÉPOCA. Ca-
rismático, vestia uma camiseta com os dize-
res “Let LOVE be your highest goal” (algo
como “Deixe o AMOR ser seu maior objeti-
vo”). Primeiro, negou a investida para
influenciar o governo de Jair Bolsonaro, ao
se definir como um pastor “de posições fir-
mes, com gosto pela liderança, cidadania e
política, mas sem politicagem”. Pouco de-
pois, exposto aos fatos, contemporizou.
“Como pastor, não indiquei ninguém para o
MEC. Eu só abençoei uma ovelha, assim co-
mo faço com funcionários da Embraer que
vão para o exterior”, disse. “Para manter o
ministro que está caindo, devem ter pensa-
do: vamos chamar a Iolene, que é evangéli-
ca. Mas não combinaram com os russos.”
Paes confirmou a menção ao nome de Cor-
reia. Disse que foi provocado a falar, mas São José dos Campos, que liga os bairros da
reforçou a afinidade que existe entre os cidade de 715 mil habitantes, permeada por
dois. “Ele é um cristão na acepção da pala- fábricas, como a Embraer, centros de exce-
vra. Calmo, tranquilo, ético... Se você me lência, como o Centro Técnico Espacial, o
perguntar hoje: ‘Pastor Carlito, quem o se- Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e o
nhor acha que deve ser o ministro da Edu- próprio ITA, e shoppings. O complexo do
cação?’. Correia. Se ele foi reitor da institui- pastor, distribuído em 200 mil metros qua-
ção mais renomada (o ITA), com o vestibu- drados, reúne até 5 mil pessoas por culto,
lar mais difícil... Por que não?” conta com duas creches — uma para bebês e
Aos 48 anos, Carlito Paes tem cabelos gri- outra para 300 crianças maiores — e até um
salhos e um sorriso sempre presente no ros- trenzinho para levar fiéis de seus carros ao
to. Usa óculos de aro grosso, que lhe confe- templo, como em um parque de diversões.
rem certa credibilidade. Sua fala tranquila, Paralelo ao culto principal, nas manhãs de
algo distante dos berros dos pastores old domingo, um culto em inglês atrai enge-
school, lembra mais os gurus de autoajuda. nheiros e expatriados de São José dos Cam-
Aí está o diferencial de sua igreja. Com um pos e região, cidade com diversas multinaci-
discurso pop, Paes diz aos fiéis que o seguem onais. Com 170 ministérios, a igreja tem
coisas como “A Páscoa é a Copa do Mundo grupos para tudo, de “unha encravada a em-
do cristianismo” e “Passados 2 mil anos, a presários, passando por um ministério mui-
igreja está cheia. Você sabe o nome de algu- to importante, o que trata dos alcoólatras,
ma empresa de 2 mil anos? Não”. uma espécie de AA, só que com Deus”, afir-
Sua principal igreja — um prédio espe- mou a aposentada carioca Lúcia Helena Al-
lhado no alto de uma colina — fica na Ro- buquerque. Seu filho, Guga, e a nora, Rena-
dovia Presidente Dutra, a grande avenida de ta, são fiéis da igreja há 40 anos.
MINISTÉRIOS DIVINOS 57

A
REPRODUÇÃO
o transformar sua Primeira Igreja Batis-
ta em Igreja da Cidade, ligada à rede
Inspire, Paes rompeu com uma tradição ba-
tista. Começou a criar “filiais” em várias ci-
dades da região e em São Paulo. A rede Ins-
pire conta com 500 unidades agregadas pelo
mundo. Embora muitos seguidores de Paes
continuem a seguir firmes suas palavras e
seus ensinamentos, alguns criticam sua for-
ma pragmática e mercantilista de levar a
igreja. Em entrevista a uma TV local para
comemorar a construção da nova sede —
em local onde antes ocorriam os mais tra-
dicionais rodeios da cidade e vizinho de
um conhecido motel —, ele disse, orgulho-
so: “Nossa igreja cresce 20% ao ano, que é
um crescimento bem acima da população e
do número de evangélicos”.
Paes apresentou os dados de sua igreja
como se fosse uma empresa, em gráficos de
PowerPoint. Disse, com orgulho, que, quan-
do entrou na Primeira Igreja Batista, em
1997, ela tinha 620 fiéis. Em 2012, eram
7.325, e, depois de sua estratégia de inova-
ção, com o novo nome da congregação, ter-
minou 2018 com 18.697 seguidores. Ele disse
que obteve todo esse crescimento na igreja
porque sempre conseguiu vender um sonho
— negando as acusações de que recebeu di-
nheiro de um mentor americano, Rick Warren,
À esquerda, o pastor Depois de Paes, a principal pastora é sua como doação ou empréstimo. O pastor con-
Carlito Paes (à dir. e ao mulher, Leila Paes. Com formação em psi- tou que, em valores sem correção, investiu
fundo na foto), ao lado
do ministro Ricardo Vélez cologia, ela reveza a condução dos cultos de R$ 30 milhões no campus de sua igreja des-
Rodríguez (na frente de domingo com o marido. Os dois só chegam de 2004 e que obter o dinheiro das doações
Paes), ora com o pastor ao palco depois de 30 minutos de apresen- muitas vezes “parecia um milagre”.
Luis Roberto Silvado (de
gravata vermelha) e o tação da banda da igreja — com seis músi- Adorado por parte da cidade, o pastor
presidente da Capes, cos e cinco cantores, show de luzes e equi- enumerou realizações, inclusive obras
Anderson Correia (à esq.) pamentos de som de primeira linha —, e do sociais para viciados em um bairro carente e
pedido do dízimo, que pode ser pago com com prostitutas. Liderou o movimento para
Acima, Paes durante cartão de débito e crédito, em maquininhas impedir o fechamento de um hospital para
encontro com o distribuídas no meio do culto por voluntá- tratamento de câncer infantil na cidade.
presidente Jair Bolsonaro,
no início de sua ascensão rios. Quando ÉPOCA esteve no culto, no Com um profundo conhecimento teológico,
entre os evangélicos começo de março, Leila não usou a Bíblia: Paes, que adora história, explicou a grande
lia sua palestra em folhas de papel ou dire- expansão de sua igreja em preceitos bíblicos,
tamente em seu iPhone. Vestindo bata ne- afirmando que ela é abrangente e democrá-
gra, legging, sapatilha escura e óculos de ar- tica, acabando com o estigma de que os
mação cor de vinho, ela não tratava apenas evangélicos eram todos “feios, pobres e
de temas religiosos. Dava conselhos às fa- analfabetos”. Paes disse considerar a homos-
mílias. “Mulher é tudo igual, quando o ma- sexualidade um pecado, mas não um crime.
rido briga a gente faz bico, não faz o almo- “Não perguntamos se a pessoa é homosse-
ço, não faz o doce preferido dele”, disse. xual, da mesma forma que não perguntamos
“Temos de melhorar o clima, quando isso se alguém roubou”, disse ele, ao pedir que a
acontecer, temos de dar o primeiro passo. reportagem não se limitasse a esse tema.
Aí, sim, fazer o doce preferido.” “Nunca fui um pastor polêmico.”
EDILSON DANTAS/AGÊNCIA O GLOBO

P aes é natural de Macaé, no Rio de Janeiro,


e serviu em Ijuí, no Rio Grande do Sul, e
em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, an-
encontrou Michelle. “Naquela ocasião, só
oramos pelo país e pelo governo, e só depois
das eleições. Ficamos meia hora com ele e
A Igreja da Cidade está
em um complexo de
200 mil metros quadrados
que reúne até 5 mil
tes de chegar ao interior paulista. Sua rede de não pedimos nada”, disse. pessoas, conta com
igrejas tem acesso a todo material que a sede duas creches e até
um trenzinho para
produz. Ele afirmou que até as igrejas católi-
cas poderiam usar as publicações, disponibi-
lizadas sem logomarca da Igreja da Cidade.
O MEC tem o terceiro maior orçamento en-
tre as pastas, de R$ 122 bilhões, atrás dos
ministérios do Desenvolvimento Social e da
levar os fiéis

Em troca, as outras igrejas pagam mensalida- Saúde (R$ 499 bilhões e R$ 129 bilhões, respec-
des que podem chegar a R$ 450 por mês, tivamente), e uma ampla capilaridade nas redes
mas as congregações com poucos membros de ensino e nas famílias brasileiras. Sempre foi
nada pagam. Paes tem uma nova empreitada um dos ministérios mais cobiçados pela banca-
que envolve o MEC. Disse estar esperando o da evangélica. Parlamentares da frente deixam
ministério autorizar sua Faculdade da Cida- clara a frustração de não ter emplacado o mi-
de, que, segundo ele, vai se especializar em nistro, tampouco conseguido cargos na pasta.
cursos que estão sendo renegados, como his- Desde o começo do governo, o MEC vem sen-
tória, pedagogia e administração. Autor de do disputado por pelo menos cinco alas bem
24 livros, ele contou que foi convidado para definidas. Há os militares, vindos do ITA; os
entrar na Academia Evangélica de Letras do professores oriundos do Centro Paula Souza,
Brasil, sediada no centro do Rio. autarquia paulista que cuida das escolas técni-
Ainda pouco conhecido fora do meio re- cas; os ex-alunos do ministro, que ocupam três
ligioso, Paes é um pastor em ascendência. das seis secretarias do MEC; os discípulos do
Desde que se aproximou de Josué Valandro ideólogo Olavo de Carvalho, o guru do clã bol-
Jr. — o pastor da Igreja Batista Atitude, fre- sonaro, notável pelo linguajar chulo e pelas
quentada pela primeira-dama Michelle Bol- ideias descabidas; e, por fim, os evangélicos.
sonaro — tem tentado se posicionar no jogo A briga interna por poder desgastou o
do Planalto. No dia 12 de dezembro, foi a ministro e expôs um flanco para investidas
Brasília para um encontro de líderes religio- de aventureiros como Paes. Mas eles não es-
sos. Posicionou-se diante do já eleito Jair tão sós. Com Vélez enfraquecido, também o
Bolsonaro para lhe proferir uma bênção. governo viu uma oportunidade para barga-
Com uma das mãos para o alto e a outra no nhar os cargos disponíveis no MEC em tro-
microfone, orou pelo político, que acompa- ca de apoio no Congresso à reforma da Pre-
nhou tudo de cabeça baixa. Postou a foto vidência. O ministro Lorenzoni tem repeti-
com o presidente nas redes sociais. Paes diz do que os postos acalmariam os ânimos e
que não é próximo de Bolsonaro e nunca abririam caminho entre parlamentares.
PROGRAMA DE
GESTÃO NO AGRONEGÓCIO
PREPARE-SE PARA O FUTURO DO AGRO

INÍCIO EM MAIO 2019


VAGAS LIMITADAS,
INSCREVA-SE JÁ!
HUMBERTO ARAUJO/DIVULGAÇÃO
Cristiano Burlan cresceu em meio à violência do Capão Redondo e já dirigiu mais de 20 filmes

EM BUSCA
DO ASSASSINO
DA MÃE
VIVI PARA CONTAR 61

Em Elegia de um crime,
o cineasta reconstitui a lembrança
de Isabel Burlan da Silva, vítima
de feminicídio em 2011
por Cristiano Burlan
em depoimento a Matheus Pichonelli

A imagem de minha mãe começou a desa-


parecer para mim quando ela morreu
de forma abrupta.
é um dado. Ela foi importante para o filme.
O crime até hoje não teve julgamento.
Inicialmente pensei em ler o processo,
Ela foi assassinada pelo companheiro, se mas havia detalhes muito violentos. Optei
é que posso chamar de companheiro, em por um espelhamento, entre mim e minha
2011, em Uberlândia. mãe; entre mim e meus irmãos (um deles é
Dez anos antes, meu irmão foi morto no preso logo após ser entrevistado para o docu-
Capão Redondo, em São Paulo, onde morava mentário). Não há entrevistas com advoga-
nossa família. Ele foi assassinado por uma dos, só uma tentativa de contato com a polí-
quadrilha comandada por policiais militares. cia. Em uma das cenas, imploro ao telefone
O filme sobre esse assassinato, Mataram meu para eles fazerem o flagrante no local onde o
irmão, venceu o É Tudo Verdade — Festival assassino, que está foragido, poderia estar,
Internacional de Documentários e o Prêmio mas eles fazem pouco caso. A polícia militar
Governador do Estado de São Paulo para a passa para a civil e vice-versa.
Cultura, em 2013. Quando recebi o prêmio do Acho que o assassino ainda está solto por-
governador (Geraldo Alckmin), falei, durante que o crime não envolveu gente rica, abastada.
o discurso, do horror de um Estado que mata Para eles é só mais um caso, mais um número.
uma pessoa e premia o irmão dela anos de- A polícia no Brasil serve para proteger o patri-
pois. Ali, fiz um pedido: que se pensasse em mônio. É como se dissessem: “Se matem, ban-
uma polícia mais humana e desmilitarizada. dido bom é bandido morto”. Imagina uma
Não era um filme só sobre meu irmão, mulher que vai à delegacia fazer uma denúncia
mas sobre muitos irmãos que são assassina- de violência? Como esses homens agiriam?
dos todos os dias nas periferias das grandes No filme sobre meu irmão, aparentemen-
cidades. Elegia de um crime, meu novo filme, te tenho um desejo de me vingar. Elegia tem
encerra minha trilogia do luto, iniciada em mais a ver com justiça. Tem uma cena em
2006, com Construção, sobre meu pai, que que apareço treinando tiros. Quando estava
era pedreiro. Elegia é um filme sobre femini- na França, em 1997, recebi treinamento mi-
cídio, mas para mim não é só isso. O mais litar da Legião Estrangeira. Mas odeio ar-
importante é mostrar minha relação com mas. Acho abjeto.
minha mãe e com o cinema. Era ela quem O filme ensaia um encontro com o assassi-
nos levava para o cinema, desde crianças, pa- no. Queria que ele fosse preso pelo que fez
ra ver filmes como os dos Trapalhões. Éra- com minha mãe e para que respondesse pela
mos pobres, mas ela fazia questão de nos le- suspeita de assassinato de outras mulheres.
var até o centro, uma região onde sempre Que ele matou minha mãe, eu sei. Queria que
tem muita coisa acontecendo, muita atração ele pagasse por isso. E entender por quê.
gratuita. É um filme sobre o filho, um filho Eu me lembro dele. Nos conhecemos em
que tenta reconstruir essas memórias. um Natal, em Uberlândia, e logo de cara não
Quando ela morreu, uma emissora de simpatizei com ele.
TV expôs o corpo dela. O vídeo está até hoje Ele era mais novo que minha mãe. Não
na internet. É um horror. Tive raiva da re- consigo lembrar a idade dela quando foi as-
pórter que fez a reportagem, com quem me sassinada. Tenho esquecido as datas relacio-
encontro no filme. Durante as filmagens, ela nadas a meus familiares. Isso tem a ver com
foi gentil, ajudou a promover contatos na meu distanciamento deles. Para não pensar
busca pelo assassino. Para quem assiste, isso nas pessoas, anulei essas informações.
62 VIVI PARA CONTAR

N asci em Porto Alegre e me mudei em


1985, aos 9 anos, para São Paulo. Morei
até os 17 anos no Capão Redondo, que na
O cinema, para mim, envolve uma ques-
tão de sobrevivência, é a maneira como me
defendo do mundo. Talvez eu só esteja evi-
época era conhecido como parte do “triân- tando meu fim trágico.
gulo da morte” de São Paulo, com o Jardim Os filmes são sobre meus mortos, convi-
São Luís e o Jardim Ângela. O índice de vo com eles todos os dias. Mas não sou ma-
mortalidade ali ainda é altíssimo. Os núme- niqueísta, não acho que eu esteja em um lu-
ros não mudaram. gar melhor nem gosto que digam que o ci-
Se tem alguma coisa que me faz conti- nema é minha salvação. Não tenho salvação, Com filme sobre
o assassinato
nuar a filmar é o desejo de que os filmes to- não me permito ter. Não quero ser curado da mãe, o cineasta
quem, antes de mais nada, em questões nem quero que me tirem minha dor. Gente encerra a trilogia pessoal
muito atuais. Mas nem tudo cabe num fil- curada é muita chata. Não me tirem a única que abordou
o assassinato
me ou deve ser mostrado. Se eu colocasse coisa que tenho, minha dor. do irmão e a carreira
tudo que vivi, soaria inverossímil — nem Adoraria não ter precisado fazer esses filmes. de pedreiro do pai
todo mundo suporta a realidade.
Um dia o (documentarista e montador)
Eduardo Escorel me disse ter sentido que
eu me acovardara no filme sobre meu ir-
mão. Ele achava que eu criava uma relação
de hierarquia ao expor meus familiares e as
pessoas entrevistadas. Na hora fiquei meio
bravo, mas resolvi escutar. O cara montou
Cabra marcado para morrer, não é?
Aquilo não saiu de minha cabeça.
Então, quando comecei a escrever o roteiro
do filme sobre minha mãe, pensei que eu de-
veria estar na mesma cena dos entrevistados,
de igual para igual, na medida do possível.
O grau de dificuldade aumentou.
É uma crueldade filmar as pessoas. Elas
não têm consciência do que você vai fazer
com a imagem delas, do que você vai cons-
truir. Decidir onde colocar a câmera envolve
uma crise ética até encontrar a distância justa.
A câmera nunca é natural. O cinema
não é um lugar agradável para se estar. É
cancerígeno.
As pessoas me perguntam: “Como você
consegue fazer filmes tão pessoais?”. Aconte-
ce que não sei fazer filme se não for pessoal,
independentemente do tema.
Você sempre lança seu olhar para o ou-
tro, como um desejo de chegar aos lugares
e de sentir a força do cinema sobre você.
Para entender e se conectar com o mundo,
aqui e agora.
No Brasil, fazer cinema é geralmente as-
sociado a pessoas abastadas, mas isso mu-
dou bastante.
Não posso dizer que tenho na periferia
um lugar de fala. Saí de lá há muitos anos.
Eu quis fugir de um ciclo de violência e
pobreza. Minha família, infelizmente, não
conseguiu sair disso. REPRODUÇÃO
H.G.
63

hgurovitz@edglobo.com.br
@gurovitz

HELIO GUROVITZ É JORNALISTA O SEGREDO DA LONGEVIDADE


E BLOGUEIRO DO PORTAL G1
DE BIBI NETANYAHU

Q uando Jair Bolsonaro chegar a Israel neste domingo,


fará dez anos que Bibi Netanyahu é primeiro-minis-
tro, o mais longo período ininterrupto de um líder israelen-
duas coisas, mas reduzi-lo a estereótipos é tão somente
prova de ignorância. A força dele deriva, segundo Pfeffer,
de três elementos que se encaixaram à perfeição no mo-
se no cargo. Como já governou entre 1996 e 1999, se vencer mento vivido pela sociedade israelense.
a eleição marcada para 9 de abril e resistir pouco mais de Primeiro, a história. Seu avô e seu pai pertenciam não
100 dias, Bibi se tornará o mais longevo premiê israelense, apenas à ala revisionista do sionismo, liderada por Vla-
quebrando a marca do fundador do Estado de Israel, David dimir Jabotinsky e derrotada pela esquerda de Ben-Gu-
Ben-Gurion. Bibi concorre pela quinta vez, como alvo de rion. Desde cedo, foram outsiders na própria direita.
pelo menos quatro escândalos de corrupção. Dois deles, Transmitiram a Bibi o desprezo pelo establishment, tan-
sobre negociatas em troca de cobertura favorável na im- to em Israel quanto na diáspora. O nome de Bibi só ga-
prensa, deram motivo ao procurador-geral Avichai Man- nhou vulto depois da tragédia do irmão Yoni, único israe-
delblit para falar em indiciamento. O terceiro, sobre pre- lense morto no resgate dos reféns de Entebbe, em 1976.
sentes recebidos no cargo, resultou em denúncia contra a Dois trabalhistas com quem Bibi sempre manteria rela-
mulher dele, Sara. O quarto envolve favorecimento ilícito ções produtivas contribuíram para projetá-lo: os futuros
na compra de submarinos. Foi engavetado em Israel, mas é premiês Shimon Peres e Ehud Barak, este comandante de
investigado na Alemanha. O desgaste de Bibi levou à for- Yoni e Bibi na unidade especial de ambos no Exército. A
mação da coalizão oposicionista Azul e Branco, liderada história pôs Bibi na elite israelense, sem que ele jamais se
pelo general Benny Gantz e pelo apresentador Yair Lapid, considerasse plenamente aceito por ela.
com discurso e envergadura para enfim ameaçá-lo. Mas O segundo elemento é sua habilidade de comunicador,
Bibi já venceu quando todos achavam que perderia — e desenvolvida nos Estados Unidos, país em que seus pais
também já perdeu quando achavam que venceria. passaram a parte mais produtiva da vida, onde ele cresceu,
estudou e serviu como diplomata. O inglês sem sotaque
Ele é, de longe, o animal político fazia de Bibi o convidado ideal na televisão. Aproximou-se
mais astuto na política israelense. de jornalistas, políticos, empresários, bilionários e mar-
queteiros americanos, depois essenciais a sua ascensão po-
Apesar de todos os escândalos, de toda a repulsa que des- lítica. Terceiro elemento: a capacidade política singular pa-
perta no eleitorado, de todas as manobras traiçoeiras e das ra equilibrar diferentes facções, seu “jeitinho para incitar
legiões de desafetos e inimigos, ainda projeta a imagem de certas comunidades e partes da sociedade umas contra as
único adulto capaz de manter a segurança no país diante outras”. “Ele construiu coalizões infelizes de políticos in-
do terror, reforçada na semana passada por novos ataques satisfeitos, convencidos, como ele, de que não importa há
da Faixa de Gaza. “Avesso a riscos para entrar em guerras, é quanto tempo estejam no poder, ainda são forasteiros en-
o primeiro-ministro com os menores índices de vítimas na frentando uma elite mitológica”, diz Pfeffer. “No dia se-
história de Israel”, diz o jornalista Anshel Pfeffer na bio- guinte a sua saída, seu legado não será um país mais segu-
grafia não autorizada Bibi. Resultado de minuciosa inves- ro, mas uma sociedade fraturada, vivendo atrás de muros.”
tigação histórica e jornalística, é, mais que relato biográfi- A história israelense também estará doravante dividida,
co, uma introdução eficaz à complexa política israelense. entre os períodos pré e pós-Bibi.
Útil tanto aos que aplaudem Bibi como representante da
BIBI
nova direita nacionalista quanto aos que o criticam como Anshel Pfeffer, Basic Books
inimigo da paz com os palestinos. Bibi tem um pouco das 2018 | 432 páginas | US$ 32
A PRESENÇA DE MERCENÁRIOS
PRIVADOS E SOLDADOS RUSSOS
NA SEGURANÇA DE MADURO
E O APOIO DE PUTIN AO DITADOR
AMPLIAM A TENSÃO NA VENEZUELA
por Roberto Lameirinhas, de Cúcuta e Bogotá

TÁ RUSSO
PRO MADURO
CARLOS JASSO/AGÊNCIA O GLOBO

S oldados russos chegaram à Venezuela


para reforçar a segurança do presidente
Nicolás Maduro, apontam relatos de integran-
do de cooperação técnica e militar, Moscou
fornece caças, tanques e sistemas de defesa an-
tiaérea para a Venezuela. E planos russos para
tes dos serviços de inteligência e diplomáticos instalar bases em território venezuelano deixa-
que acompanham de perto a crise no país. ram de ser secretos nos últimos anos.
Em janeiro, já havia a suspeita de que merce- A legitimidade de Maduro na Presidên-
nários russos, ligados a um grupo que já rea- cia venezuelana vem sendo cada vez mais
lizou missões militares privadas na Ucrânia, questionada pela comunidade internacional.
na Síria e em países da África, haviam se in- Um amplo e crescente grupo de países, lide-
corporado à segurança do ditador. rado pelos Estados Unidos, exige a saída de
Formalmente, o governo russo apoia Ma- Maduro do poder e sua substituição imedia-
duro, mas nega a agências internacionais ter ta pelo autoproclamado presidente interino,
enviado soldados para protegê-lo ou ter conhe- Juan Guaidó. Maduro tem a seu lado o apoio
cimento do envolvimento de empresas do país da China, além da Rússia.
com exércitos de mercenários. A Rússia é uma A chegada no sábado de dois aviões rus-
importante fonte de apoio financeiro ao gover- sos ao aeroporto de Maiquetía, perto de Ca-
no venezuelano, fornecendo bilhões de dólares racas, com cerca de 100 soldados e toneladas
em empréstimos, alguns como pré-pagamento de equipamentos militares, acirrou a tensão
Avião russo na chegada por operações futuras de entrega de petróleo. Já na região. O reforço russo na segurança pes-
à Venezuela. Soldados enviou dois bombardeiros nucleares Tu-160 pa- soal de Maduro reflete os temores do ditador
de Putin no apoio
contra o temor de ra a Venezuela, na mais ostensiva demonstra- de que possa ser traído por grupos militares ve-
traição no Exército ção de apoio ao ditador. Por força de um acor- nezuelanos. Os aviões da Força Aérea russa,
66 CRISE LATINA

um Antonov An-124 e um avião de passagei- “Acirra os ânimos dos Estados Unidos, mas
ros Ilyushin Il-62, que pousaram em Maique- também envia mensagens para terceiros paí-
tía, de acordo com analistas locais, estavam ses que poderiam se atrever a adotar qualquer
numa operação sob as ordens do chefe do atitude mais drástica em relação a Maduro.”
Comando Principal das Forças Terrestres da Comandantes militares colombianos asse-
Rússia, Vasily Tonkoshkurov. guram que o contingente russo substitui ou re-
A chegada dos aviões ocorreu poucas ho- força o grupo de seguranças, que muitos quali-
ras depois de Maduro dizer que havia preci- ficam como mercenários, contratado pelo
sado reforçar sua segurança porque existia Kremlin e enviado em 25 de janeiro por Mos-
um plano, liderado por Juan Guaidó, presiden- cou para auxiliar na defesa do líder chavista
te da Assembleia Nacional, para matá-lo. contra uma possível traição por parte dos
Entre diplomatas, militares e especialistas guarda-costas venezuelanos. Relatos de inteli-
aumenta a preocupação com a possibilidade gência de países da região chegaram a suspeitar
de uma rápida escalada do conflito e da troca que o pouso do avião russo em janeiro objeti-
de provocações entre Moscou e Washington. vava levar Maduro para um exílio seguro.
“É mais um ingrediente que se soma aos mui- A recomendação para que a segurança pre-
tos elementos reais e imaginários que cercam sidencial, principalmente no Palácio de Mira-
a profunda crise da Venezuela”, explicou Or- flores — a sede do governo —, seja integrada
lando Gamboa, analista e editor do jornal La por não venezuelanos partiu do G2, o servi-
Opinión, de Cúcuta — área mais movimenta- ço secreto cubano que há anos atua na Ve-
da da fronteira da Colômbia com a Venezue- nezuela, sobretudo nas questões de contraes-
la, fechada desde 23 de fevereiro, quando Ma- pionagem, hierarquia e lealdade militar. Cuba e
duro impediu que um comboio de ajuda hu- Rússia trabalham, segundo esses relatos, em
manitária entrasse em território venezuelano. coordenação pela segurança de Maduro.

MAXIM SHEMETOV/REUTERS

Nicolás Maduro (à esq.


na foto) com
o presidente da Rússia,
Vladimir Putin. Dinheiro,
aviões e soldados foram
colocados à disposição
por seu maior aliado
CRISE LATINA 67

UM DESERTOR DO EXÉRCITO VENEZUELANO Al Sadat, ganhador do Nobel da Paz, foi assas-


CALCULA QUE CUBA MANTENHA MAIS sinado em 1981 por membros da Jihad Islâmica
DE 20 MIL HOMENS NO PAÍS EM APOIO Egípcia infiltrados em seu corpo de guarda-
A MADURO, PRONTOS PARA COMBATER costas. Em 1989, Nicolae Ceausescu e a mulher,
INSURGÊNCIAS INTERNAS Elena, foram capturados e mortos por militares
que estavam encarregados de sua segurança
quando tentavam deixar a Romênia. O líder
líbio Muammar Kadhafi também foi morto
com requintes de crueldade por seus guarda-
costas depois de ter sido aprisionado por re-

A presença de mais de 20 mil oficiais de


Cuba na Venezuela foi confirmada, ain-
da em fevereiro, pelo mais graduado funcio-
beldes durante a Primavera Árabe, em 2011. E
foram nacionalistas siques infiltrados no cor-
po da guarda pessoal que assassinaram a líder
nário do governo venezuelano a desertar, o indiana Indira Gandhi, em 1984.
general da reserva Hugo Carvajal, ex-chefe Autoridades americanas reagiram imedia-
da inteligência militar e uma das figuras tamente à aterrissagem do avião russo na Ve-
mais conhecidas do chavismo. nezuela. De acordo com o vice-porta-voz do
Carvajal desertou após enviar uma carta Departamento de Estado, Robert Palladino, o
aberta a Maduro, exigindo que se permitisse chefe da diplomacia americana, Mike Pom-
a entrada do comboio de ajuda humanitária peo, telefonou para seu colega russo Sergei La-
que estava estacionado em Cúcuta — e tam- vrov assim que soube da chegada dos solda-
bém em Pacaraima, em Roraima, principal dos. “O secretário disse ao ministro russo que
ponto da fronteira da Venezuela com o Brasil os Estados Unidos e os países da região não
— e reconhecendo a legitimidade da Presi- ficarão de braços cruzados enquanto a Rússia
dência de Guaidó. age para acirrar as tensões na Venezuela”, de-
A desconfiança de que militares descon- clarou Palladino por meio de um comunicado.
tentes poderiam ter se infiltrado na última li- “A persistente ingerência dos russos para
nha da defesa de Maduro cresceu em agosto apoiar o regime ilegítimo de Maduro pode
do ano passado, quando, segundo o regime prolongar o sofrimento do povo venezuelano,
chavista, três drones recheados de explosivos que apoia esmagadoramente o presidente in-
C4 foram detonados perto da tribuna onde o terino Juan Guaidó”, completou Palladino.
líder assistia a uma parada militar. O episó- Entre os “países da região” citados pelo
dio ainda hoje não está bem claro, e a oposi- funcionário americano está o Brasil. Após a
ção antichavista assegura que tudo não pas- visita feita aos Estados Unidos na semana
sou de um mal-entendido — um cilindro de passada, o presidente Jair Bolsonaro confir-
gás teria explodido acidentalmente em um mou ter conversado com Donald Trump
edifício próximo ao local do desfile. sobre a situação venezuelana, mas se negou
O certo é que, para os partidários do go- a revelar o teor dessa discussão, limitando-
verno, houve uma ação orquestrada pela “ul- se a repetir o slogan-padrão da ameaça de
tradireita” — termo utilizado pelo regime de uso militar de Washington desde sempre:
Maduro para designar qualquer dissidência. “Todas as opções estão sobre a mesa”.
A jornalista de oposição radicada nos EUA De lá para cá, rumores sobre a presença
Patricia Poleo assegura que um grupo anti- de militares dos Estados Unidos em áreas da
chavista, denominado “militares de pijamas”, fronteira com a Venezuela, como Cúcuta,
reivindicou a autoria do atentado. O apresen- não cessaram. “Já ouvimos a versão de que
tador peruano de programas jornalísticos membros de comando Seal estão em treina-
sensacionalistas Jaime Bayly também afirmou mento nas selvas colombianas aguardando o
ter recebido, diretamente dos militares auto- momento de lançar um ataque direto para
res do suposto atentado, a informação de que depor Maduro”, afirmou um oficial da Polí-
eles matariam Maduro no dia seguinte. cia Nacional da Colômbia. Os Seals, a unida-
O temor de Maduro de ser morto por al- de mais elitizada dos militares americanos,
gum membro de sua equipe de segurança não formaram o comando que eliminou Osama
é infundado. A história mostra exemplos cla- bin Laden em seu esconderijo nas montanhas
ros de casos similares. O líder egípcio Anwar do Paquistão em maio de 2011.
PARA
NUNCA
TER
DE LER
OLAVO
PARTE 1
BIBLIOTECA NÃO ESSENCIAL 69

ÉPOCA LEU (SIM!) OITO LIVROS


DO IDEÓLOGO DE DIREITA
E OUTROS 14 DE PENSADORES
QUE O INFLUENCIARAM.
AQUI, O PRIMEIRO DE TRÊS
ENSAIOS QUE DESCONSTROEM
O GURU DE RICHMOND
por João Pedro Sabino Guimarães

E le é o guru da nova direita brasileira. Durante anos foi o principal


crítico da intelectualidade de esquerda e do projeto de poder do
PT. Sempre implacável nos embates, comprou brigas com boa parte
do establishment cultural do país. Seus admiradores o classificam co-
mo “nosso maior filósofo e educador”. Seus detratores o relegam à
categoria de “astrólogo”.
Eis Olavo de Carvalho, o autonomeado “filósofo”, que foi militante
do PCB nos Anos de Chumbo e duas décadas mais tarde transmutou-
se no mais temível inimigo do “marxismo cultural”. Ele mesmo explica
as razões dessa chrysopoeia filosofal:
“Os senhores não têm a menor ideia de como é bom, para um
sujeito que ajudou a construir uma mentira na juventude, poder
desmontá-la na maturidade, tijolo a tijolo, com a meticulosida-
de sádica do demolidor.”
Por um quarto de século, o autor de O imbecil coletivo (1996) e O míni-
mo que você precisa saber para não ser um idiota (2013) tem-se empe-
nhado em dar novos contornos à práxis nietzschiana da filosofia a mar-
retadas. Sempre enérgico na denúncia do comunismo, dedicou-se a ex-
por a articulação continental dos partidos e agremiações de esquerda,
que caracterizou como o Foro de São Paulo:
“Um dos instrumentos mais engenhosos utilizados para isso
foi a duplicação das vias de ação partidária, uma nacional e
ostensiva, denominada oficialmente PT ou ‘governo’, a outra in-
ternacional e discretíssima chamada ‘Foro de São Paulo’, o
mais importante e poderoso órgão político latino-americano.”
Cedo também condenou o sistema político da Nova República, apon-
Em vez de virtudes cristãs, tando a suposta repartição do poder entre a esquerda moderada e a
o autodenominado filósofo esquerda radical:
católico ostenta em “O PT e o PSDB foram essencialmente criações de um mesmo
seus livros a soberba,
o rancor, a violência grupo de intelectuais esquerdistas empenhados em aplicar
e a vontade de poder no Brasil o que Lênin chamava de ‘estratégia das tesouras’:
FOTO: VIVI ZANATTA/FOLHAPRESS
70 BIBLIOTECA NÃO ESSENCIAL

a partilha do espaço político entre dois partidos de esquerda,


um moderado, outro radical, de modo a eliminar toda resistên-
cia conservadora ao avanço da hegemonia esquerdista.”
Outras obsessões de Olavo de Carvalho têm sido o “globalismo”,
que ele acredita ser o projeto de governo mundial, conduzido por
elites transnacionais de inspiração maçônica; e as “técnicas de ma-
nipulação das massas”, desenvolvidas pela psicologia moderna e por
filósofos de esquerda como Antonio Gramsci e os integrantes da Es-
cola de Frankfurt:
“Os acontecimentos mais básicos dos últimos 50 anos são:
primeiro, a ascensão de elites globalistas, desligadas de
qualquer interesse nacional identificável e empenhadas na
construção não somente de um Estado mundial, mas de uma
pseudocivilização planetária unificada, inteiramente artificial,
concebida não como expressão da sociedade, mas como ins-
trumento de controle da sociedade pelo Estado; segundo, os
progressos fabulosos das ciências humanas, que depositam
nas mãos dessas elites meios de dominação social jamais so-
nhados pelos tiranos de outras épocas.”
Conhecido por seus amores inventados e paixões cruéis desenfreadas,
Olavo recusa o rótulo de “exagerado”. Assim ele justifica seu proverbial
destempero vocabular:
“É verdade que Olavo de Carvalho usa às vezes palavras du-
ras, deprimentes, humilhantes. Mas jamais elevou a voz em pú-
blico para condenar qualquer conduta privada, por abominável
que lhe parecesse.”
A realidade se mostra um tanto distinta. A saraivada de insultos e im-
propérios saídos de sua metralhadora giratória já atingiu nomes co-
mo Gilberto Gil, Chico Buarque, Dorival Caymmi, Dias Gomes, Jane-
te Clair, José Américo Pessanha, Gerd Bornheim, Leandro Konder,
José Arthur Giannotti, Wilson Martins e Reinaldo Azevedo, entre ou-
tros. Isso sem contar os inúmeros golpes abaixo da cintura que desfe-
re diariamente contra os próceres do esquerdismo moreno. Vejamos
o que disse do sempre lúcido e ponderado Fernando Gabeira:
“É uma vergonha nacional que um sujeito obviamente desqualifi-
cado, tolo, descoordenado de cabeça, seja aceito como intelec-
tual por conta de antigos feitos de armas que um analfabeto po-
deria realizar com iguais méritos, e que, aliás, por mais autênti-
cos que tenham sido, mal o habilitariam ao título de sargento ho-
norário do exército de libertação da Zâmbia. O prestígio de Ga-
beira como ‘pensador’ é exemplo típico do nosso provincianismo
cultural, onde popularidade é sinônimo de elevação intelectual.”
Mas Olavo não se restringe ao pessoal. Ele, com frequência, desfere
ataques ainda mais ferozes contra seus inimigos coletivos:
“Não conheço um só líder esquerdista, petista, gayzista, africa-
nista ou feminista que não corresponda ponto por ponto a essa
descrição, que corresponde por sua vez ao quadro clássico da
histeria. (...) A presença de um grande número de histéricos
nos altos postos de uma sociedade é garantia de deterioração
de todas as relações humanas, de proliferação incontrolável
da mentira, da desonestidade e do crime.”
Seu instinto de criar polêmicas ao estilo do “velho da montanha” se
mostra especialmente virulento no combate às ambições políticas ou
culturais de algumas minorias:
BIBLIOTECA NÃO ESSENCIAL 71

“Alguém tem de dizer aos negros a verdade: a verdade é


que todos os ritos iorubás não valem uma página de Jalal
ad-Din Rumi e a história inteira do samba não vale três com-
passos de Bach. ”
“Não se encontrará nas fileiras gays um único santo, místi-
co ou homem espiritual de elevada estatura. Iguais aos ou-
tros no mal, os gays têm escassa folha de serviços na práti-
ca do bem.”
Tão compassivo ativismo filosófico custou a Olavo de Carvalho não
poucos desafetos. Talvez por isso ele tenha decidido mudar-se, em
2003, para os Estados Unidos. Estabelecido em Richmond, na Virgí-
nia, surfou com destreza a onda da internet, tornando-se um pionei-
ro youtuber. A despeito de seu imenso sucesso de público, ou talvez
por causa dele, passou a lamentar o estado da cultura brasileira:
“Desde que me distanciei do Brasil, tenho visto a inteligência
dos meus compatriotas cair para níveis que às vezes ameaçam
raiar o sub-humano.”
Aos poucos, Olavo construiu uma verdadeira legião de seguidores on-
line. Em seu Seminário de Filosofia, formou toda uma nova geração de
políticos, ativistas e burocratas de direita. Termos como “engenharia
social”, “ideologia de gênero” e “marxismo cultural” entraram para o
léxico político brasileiro. E sua refinada mensagem ecoou pelo país:
“Há quatro décadas a tropa de choque acantonada nas esco-
las programa esses meninos para ler e raciocinar como cães
que salivam ou rosnam ante meros signos. (...) Um deles ouve,
por exemplo, a palavra ‘virtude’. Pouco importa o contexto.
Instantaneamente produz-se em sua rede neuronal a cadeia
associativa: virtude-moral-catolicismo-conservadorismo-re-
pressão-ditadura-racismo-genocídio. E o bicho já sai gritando:
É a direita! (...) De maneira oposta e complementar, se ouve a
palavra ‘social’, começa a salivar de gozo, arrastado pelo
atrativo mágico das imagens: social-socialismo-justiça-igual-
dade-liberdade-sexo-e-cocaína-de-graça-oba!”
Após quase três décadas de incessantes combates, Olavo de Carva-
lho chegou enfim ao topo do mundo. Ungido sacerdote, profeta e
conselheiro-mor do novo governo, sente-se autorizado a indicar mi-
nistros de Estado, passar pitos em deputados federais, desafiar juí-
zes do Supremo, confrontar generais de quatro estrelas e espinafrar
publicamente o vice-presidente da República:

REPRODUÇÃO
72 BIBLIOTECA NÃO ESSENCIAL

Logo após a vitória eleitoral, Olavo recomendou ao presidente eleito


“quebrar as pernas de seus inimigos, impiedosamente”. Desferiu
também críticas aos servidores públicos de inclinação weberiana,
vistos como simpatizantes do “marxismo cultural” e membros do
“deep state”. Transcendendo o mero papel de intelectual engajado,
almeja converter-se em ideólogo do novo governo:
“Se esbarrasse na rua com algum dos nossos políticos ditos ‘de
direita’, eu lhe perguntaria o seguinte: ‘Você quer destruir a es-
querda, destruí-la politicamente, socialmente, culturalmente, de
modo que nunca mais se levante e que ser esquerdista se torne
uma vergonha que ninguém ouse confessar em público?’.”
Olavo imagina-se, acima de tudo, uma espécie de salvador espiritual da
nação:
“Se me perguntarem quais são os problemas essenciais do
Brasil, responderei sem a menor dificuldade: (...) A destruição
completa da alta cultura, num estado catastrófico de faveliza-
ção intelectual onde a função de respiradouro para a grande
circulação de ideias do mundo, que caberia à classe acadêmi-
ca como um todo, é exercida praticamente por um único indiví-
duo, um último sobrevivente.”
Ele mesmo, obviamente. Mas o conceito que o mago de Richmond nos
apresenta de “alta cultura” tem suas sutilezas. Como herdeiro da augus-
ta tradição do pensamento metafísico, Olavo não perde uma oportuni-
dade de demonstrar ao mundo a elegância de sua dialética:
“Combater o consumo de drogas por meio da liberação é tão
inteligente quanto defender-se da tentação do adultério co-
mendo a mulher do vizinho três vezes por semana, no intuito de
tornar-se imune aos encantos das demais esposas dos arredo-
res. Pode-se também suprimir o homossexualismo dando o tra-
seiro por aí até que ele se torne insensível.”
O trecho acima não é um caso isolado. É antes um traço essencial, um
cacoete ontológico, um jeito de ser nascido da própria natureza do au-
tor de A nova era e a revolução cultural (1994):
“Aí é que entra a missão providencial dos intelectuais. Sua fun-
ção é precisamente pôr um fim a essa suruba ideológica. (...)
São lições de Antônio Só-a-Cabecinha Gramsci.”
A incompatibilidade desse modo de ser com o ideal cristão é patente.
Mas o “filósofo” de O jardim das aflições (1995) não compreende os en-
sinamentos daquele que agonizou no Getsêmani:
“Quando reagem aos ataques cada vez mais virulentos que a
religião sofre da parte de gayzistas, abortistas, feministas en-
ragées, neocomunistas, iluministas deslumbrados etc., certos
católicos e protestantes invertem a ordem das prioridades: co-
locam menos empenho em vencer o adversário do que em evi-
tar, por todos os meios, ‘combatê-los à maneira do Olavo de
Carvalho’. O que querem dizer com isso é que Olavo de Carva-
lho é violento, cruel e impiedoso, humilhando o inimigo até fa-
zê-lo fugir com o rabo entre as pernas, ao passo que elas, as
almas cristianíssimas, piedosíssimas, boníssimas, preferem
‘odiar o pecado, jamais o pecador’.”
Exatamente. Ser cristão requer esse tipo de discernimento. Mas, para ex-
plicar ao leitor a recusa de Olavo de Carvalho em compreender seu pró-
prio insight, será preciso recuar no tempo e demonstrar de onde veio e
em que consiste o pensamento desse vitriólico filósofo das multidões.
BIBLIOTECA NÃO ESSENCIAL 73

I – OLAVO E A ESCOLA PERENIALISTA

Olavo de Carvalho é um produto da contracultura. No final dos


anos 60, sem ter sequer o primeiro grau completo, começou a ga-
nhar a vida como jornalista. Após breve envolvimento com o Parti-
do Comunista Brasileiro (PCB), optou pelo “desbunde”, entregan-
do-se de corpo e alma ao esoterismo.
“O esoterismo é a ciência universal por excelência, é o conhe-
cimento e a realização da unidade.”
No final dos anos 70 e início dos anos 80, Olavo foi colaborador da re-
vista Planeta, principal órgão de divulgação do espiritismo, da astrolo-
gia, alquimia, do hermetismo, tarô, da ufologia e de outros baratos. Esse
mergulho na quinta dimensão levou-o à escola “tradicionalista”, ou “pe-
renialista”, inaugurada por René Guénon (1886-1951), um ocultista fran-
cês com ambições filosóficas, que mais tarde se converteu ao islã.
Com base nos ensinamentos de Guénon e seus seguidores, Olavo
publicou uma série de artigos sobre o perenialismo na revista Planeta,
além de seis livros sobre astrologia e esoterismo: A imagem do homem
na astrologia (1980), Questões de simbolismo astrológico (1983), Astros e
símbolos (1985), Astrologia e religião (1986), Fronteiras da tradição
(1986) e O caráter como forma pura da personalidade: elementos para
uma astrocaracterologia (1992). Sobre essa fase, ele explica:
“Os livros que escrevi sobre Astrologia foram redigidos para
um grupo de pessoas que estavam metidas até a goela no eso-
terismo islâmico. Para entender-se o que está escrito, é preciso
saber para quem foi escrito.”
Nos anos 80, por influência do perenialista Frithjof Schuon (1907-1998),
Olavo passou a viver em uma comunidade mística islâmica (tariqa), em
São Paulo. Nesse período, praticou o poliamor, tiranizou a família e apro-
fundou-se no estudo da gnose sufi. Os episódios foram relatados por sua
filha mais velha, Heloísa de Carvalho, em entrevista à revista Carta Capi-
tal e em carta aberta ao pai, publicada nas redes sociais. Embora um autor
não deva ser criticado por seus erros passados, o incidente nos remete à
passagem de A nova era e a revolução cultural em que Olavo especula:
“O que Gramsci fez com a própria filha, por que não o faria
com os filhos dos outros?”
Para entendermos a viagem de Olavo de Carvalho às profundezas do “is-
lamismo cultural”, é preciso conhecer um pouco mais do perenialismo.
René Guénon, fundador dessa vertente do esoterismo, mudou-se, jovem
ainda, para Paris, onde se tornou discípulo do famoso Papus, criador da
linhagem martinista do ocultismo. Insatisfeito com a demora em ser
iniciado nos “mistérios superiores”, tomou rumo próprio. Aos 24 anos,
foi enfim iniciado, durante rito funesto, no qual invocou o espírito de
Jacques de Molay, o último grão-mestre dos templários, morto na foguei-
ra, em 1314. O episódio é comentado pelo estudioso do perenialismo
Mark Sedgwick, em seu bem documentado livro Against the modern
world: traditionalism and the secret intellectual history of the 20th century:
“As instruções de Jacques de Molay, comunicadas a Guénon
durante sessão em 1908, foram de restabelecer a Ordem do
Templo. Guénon prosseguiu com a criação da Ordem Renova-
da do Templo, com a ajuda de cinco outros martinistas.”
A partir de então, Guénon deu início a intensa atividade intelectual. Em
seus artigos e livros, empenhou-se em criticar maçons, kardecistas e teo-
sofistas, denunciando-os como adeptos de vertentes contrainiciáticas
74 BIBLIOTECA NÃO ESSENCIAL

do esoterismo, corrompidas pelo evolucionismo darwinista e por ideias


socialistas. Nesse embate, desenvolveu uma lendária paranoia, passan-
do a ver conspirações por toda parte:
“A Inglaterra é chamada a ditar suas leis para o mundo inteiro
(...). Esta será a realização dos ‘Estados Unidos do Mundo’, mas
sob a égide da ‘nação dirigente’ e para seu exclusivo benefício;
assim o internacionalismo dos chefes do teosofismo se revela
no imperialismo britânico levado ao seu grau mais extremo.”
Nem sequer os protestantes escapavam às críticas de René Guénon:
“A propósito das relações entre o teosofismo e o protestantismo,
uma questão se coloca: se estimamos que o teosofismo é anticris-
tão em princípio (...) teremos então de concluir que o protestantis-
mo, tão logo suas tendências sejam levadas ao extremo, há de
chegar logicamente ao anticristianismo? Por paradoxal que tal
conclusão pareça à primeira vista (sobretudo quando nos lembra-
mos que muitas seitas protestantes gostam de se dizer ‘cristãs’
sem epíteto, ou ainda ‘evangélicas’), existem fatos que são ao me-
nos suscetíveis de dar verossimilhança a semelhante conclusão.”
Em sua busca espiritual, Guénon elaborou uma nova síntese ocultista,
supostamente “metafísica” e influenciada por elementos vindos de
doutrinas orientais e da gnose clássica. Imbuído de fortíssimo idealis-
mo romântico e de igual dose de revisionismo histórico, passou a fun-
dir todos os caminhos espirituais em uma única e secreta “filosofia pe-
rene”, que tudo engloba e nada explica.
“Por Gnose aqui se deve entender o Conhecimento tradicional
que constitui o fundo comum de todas as iniciações, cujas dou-
trinas e símbolos foram transmitidos, desde a mais remota anti-
guidade até nossos dias, através de todas as Confraternida-
des secretas, cuja longa corrente jamais foi interrompida.”
O pensamento de René Guénon chegou à maturidade com A crise do
mundo moderno (1927). Nesse volume, ele mescla sua crença em uma
“sabedoria perene” com o pessimismo histórico e o ideário antidemocrá-
tico de Oswald Spengler, autor da obra em dois tomos O declínio do Oci-
dente (1918 e 1923), que serviu de inspiração para o nazifascismo. Ao de-
bruçar-se sobre o mal-estar da cultura moderna, Guénon centra sua críti-
ca na perda de contato do Ocidente com a base espiritual tradicional:
“O moderno Ocidente é dito cristão, mas isso não é verdade: a
visão moderna é anticristã, porque é essencialmente antirreli-
giosa; e é antirreligiosa porque, de modo ainda mais geral, é
antitradicional.”
Valendo-se de conceitos da mística hinduísta, Guénon propõe uma vi-
são cíclica da história. Nesse arcabouço, a cultura ocidental, dominante
no planeta, estaria às portas de um colapso civilizacional:
“De acordo com todas as indicações fornecidas por doutrinas
tradicionais, entramos de fato na última fase do Kali-Yuga, o
mais escuro período da atual ‘idade das trevas’, o estado de
dissolução do qual é impossível emergir senão mediante um
cataclisma, pois não é apenas de um mero reajustamento que
necessitamos neste estágio, mas de uma completa renovação.
(...) Não chegamos acaso à terrível era anunciada nos Livros
Sagrados da Índia, em que ‘as castas irão misturar-se, e em
que mesmo a família deixará de existir’? Basta olhar em torno
para convencer-se de que este é o estado do mundo de hoje, e
para notar em todos os lados a profunda degeneração.”
75

A leitura do ocultista
francês René Guénon
(1886-1951), criador
da escola “perenialista”,
transformou o
pensamento de Olavo
de Carvalho no final
dos anos 70
ROGER-VIOLLET/AFP

O trecho citado revela o caráter essencialmente antidemocrático do


perenialismo. No entender de Guénon e seus seguidores, as socieda-
des são divididas em “castas”. Nas culturas tradicionais, haveria um
sólido pacto de solidariedade entre a casta sacerdotal e a casta guer-
reira — e desse pacto derivariam a vitalidade e a estabilidade dessas
sociedades. As sociedades modernas, contudo, estariam sujeitas à “lei
de regressão das castas”. Quem nos explica o conceito é o mitógrafo
italiano Julius Evola (1898-1974), sem dúvida o mais relevante parcei-
ro de René Guénon na formulação do perenialismo. Eis um trecho de
Revolta contra o mundo moderno (1934), obra na qual Julius Evola
aprofunda os aspectos políticos do pensamento de Guénon:
“Uma progressiva mudança de poder e de tipo de civilização
produziu-se de uma casta para a outra, desde os tempos pré-
históricos (dos líderes sagrados para a aristocracia guerreira,
para os comerciantes, e finalmente para os servos); estas castas
correspondiam, em civilizações tradicionais, à diferenciação
qualitativa das principais possibilidades humanas. Em face des-
se movimento geral, tudo o que diz respeito aos vários conflitos
entre os povos, a vida das nações e outros acidentes históricos
desempenha um papel apenas secundário e contingente.”
Comparemos os textos acima com aquilo que Olavo de Carvalho nos
ensina em seu principal livro, O jardim das aflições, uma obra perenia-
lista de cabo a rabo:
“Acima das religiões, acima das consciências individuais,
é ao Estado — casta dirigente ou aristocrática — que cabe,
sob as bênçãos da intelectualidade — casta sacerdotal —
dirigir o processo de modernização, e portanto, determinar
76 BIBLIOTECA NÃO ESSENCIAL

o sentido da vida coletiva, os valores e critérios morais, o certo


e o errado, o verdadeiro e o falso.” “Essa ideologia (...) não po-
dendo eliminar as castas governantes, ocultou-as, aumentan-
do assim o seu poderio. E, quando elas ressurgem sob nomes
como ‘burocracia estatal’ e intelligentsia, ninguém as reconhe-
ce, pois todos creem que castas só existem na Índia ou no
passado medieval.”
Segundo os teóricos do perenialismo, as grandes culturas tradicionais
começam a decair no momento em que as castas inferiores de merca-
dores e servos assumem o poder político, ocasionando o progressivo
declínio dos valores sociais. Diz René Guénon:
“O mais decisivo argumento contra a democracia pode ser re-
sumido em poucas palavras: o superior não pode proceder do
inferior, porque o maior não pode proceder no menor; esta é
uma absoluta certeza matemática que nada pode questionar.
(...) O povo não pode conferir um poder que ele mesmo não
possui; o verdadeiro poder somente pode vir de cima, e é por
isso que ele apenas pode ser legitimado por algo pairando aci-
ma da ordem social, ou seja, por uma autoridade espiritual.”
Diante de tão reacionário credo, não surpreende que René Guénon te-
nha colaborado com 25 artigos para a revista Il Regime Fascista, edita-
da por Julius Evola, entre 1934 e 1942. A tentativa de alguns dos segui-
dores de Guénon de ocultar a natureza antidemocrática de seu pensa-
mento chega a ser risível, especialmente quando se analisa o conteúdo
de suas obras da maturidade. Em O reino da quantidade e os sinais dos
tempos (1945), a fantasia tradicionalista resulta em uma ruptura com-
pleta com a modernidade. Guénon investe contra a sociedade de consu-
mo, a ciência moderna, o darwinismo, a psicanálise e a filosofia oci-
dental, aproveitando o ensejo para denunciar os “sábios do Sião”:
“Por que será que os principais representantes das novas tendên-
cias, como Einstein na física, Bergson na filosofia, Freud na psicolo-
gia, e muitos outros de menor importância, são quase todos judeus
de origem, senão pelo fato de que há algo envolvido que está inti-
mamente ligado ao aspecto ‘maléfico’ e corrosivo do nomadismo
quanto ele é desviado, e porque esse aspecto deve inevitavelmen-
te predominar em judeus desgarrados de sua tradição?”
Note-se que o texto foi publicado em 1945, já com a Segunda Guerra
Mundial terminada, os nazistas vencidos e o Holocausto perpetra-
do. Sem dúvida, um autor sintonizado com os sinais dos tempos.
Em Metafísica da guerra, uma coletânea de artigos escritos entre
1935 e 1950, Julius Evola explica o horror que os membros da escola
perenialista sentem das ideologias revolucionárias:
“A civilização de tipo puramente heróico-sacral somente po-
de ser encontrada no período mais ou menos pré-histórico da
tradição ariana. Ela foi sucedida por civilizações no topo das
quais já não estava a autoridade dos líderes espirituais, mas
de expoentes da nobreza guerreira — e esta foi a era das mo-
narquias históricas, que se estendeu até o período das revo-
luções. Com as revoluções francesa e americana, o Terceiro
Estado tornou-se o mais importante, determinando o ciclo
das civilizações burguesas. Finalmente, o marxismo e o bol-
chevismo parecem levar à queda final, com a passagem do
poder e da autoridade às mãos da última das castas na anti-
ga hierarquia ariana.”
BIBLIOTECA NÃO ESSENCIAL 77

Diante dessa ameaça à harmonia hierática das sociedades, Julius Evola


não hesita em propor:
“O Fascismo se nos mostra como uma revolução reconstrutiva,
dado que afirma um conceito aristocrático e espiritual da na-
ção, oposto tanto ao coletivismo socialista e internacionalista
quanto à noção democrática e demagógica da nação.”
A opção da maior parte dos perenialistas pelo islã deriva sobretudo da
incompatibilidade de suas ideias com a ortodoxia cristã. Sendo gnósti-
cos e ocultistas, os perenialistas enxergam uma antinomia incontornável
entre a religião oficial, com seus ritos formais e sua moral rígida (moda-
lidade exotérica), e a espiritualidade superior, marcada pela iluminação
intelectual, pelos ritos iniciáticos e pela teurgia (modalidade esotérica).
Eis o que nos diz Frithjof Schuon, em Gnose: sabedoria divina (1959):
“A distinção exotérica entre ‘religião verdadeira’ e ‘falsas religi-
ões’ é substituída para o gnóstico pela distinção entre ‘gnose’ e
‘crença’ ou entre ‘essência’ e ‘formas’. Somente a perspectiva
sapiencial é um esoterismo no sentido absoluto; em outras pa-
lavras, somente ela é necessária e integralmente esotérica,
pois somente ela se projeta além de todo relativismo.”
No entender dos “homens espirituais” — assim os perenialistas cha-
mam a si mesmos —, a religião oficial seria uma forma superficial da
vivência espiritual, concebida em benefício dos homens inferiores, in-
capazes de acessar o conhecimento superior. A philosophia perennis,
em contraste, seria a essência gnóstica da espiritualidade universal.
Disse Olavo de Carvalho, em artigo na revista Planeta:
“Já o esoterismo, ao contrário, sendo um único em sua essên-
cia (ele é a Philosophia Perennis, a verdade metafísica una,
eterna, supraformal e transcendente), varia, entretanto, nas
distintas formas históricas que o expressam, havendo, portan-
to, um esoterismo cristão, um islâmico, um judaico, etc.”
Engana-se Olavo. Enquanto o cristianismo real (seja ele católico, ortodo-
xo ou protestante) se funda na humildade, na igualdade entre todos e no
amor ao próximo, a gnose conduz a uma espiritualidade elitista e arro-
gante, que divide os seres humanos em diferentes categorias e que advo-
ga a superioridade dos homens “espirituais” sobre os homens “psíqui-
cos” e “carnais”. Mais importante ainda, a visão gnóstica da espirituali-
dade é incompatível com os mistérios da Encarnação e da Trindade, con-
forme demonstrou Irineu de Lyon, em Adversus haereses (c. 180 d.C.).
No cristianismo real, os aspectos exotéricos e esotéricos, imanentes
e transcendentes, formais e místicos da espiritualidade estão reunidos
em Cristo e sua Igreja. Não existe um deus espiritual que se contrapo-
nha ao demiurgo do mundo material nem qualquer conhecimento
oculto que permita ao iniciado acessar magicamente os planos superio-
res da existência. Há, em contraste, uma Trindade de amor na própria
essência da Divindade. E existe um projeto de redenção do homem,
centrado no sacrifício, na morte e ressurreição de Jesus Cristo. Assim
nos diz o apóstolo São Paulo:
“Nós, porém, anunciamos Cristo crucificado, que para os ju-
deus é escândalo, para os gentios é loucura, mas para aqueles
que são chamados, tanto judeus como gregos, é Cristo, poder
de Deus e sabedoria de Deus.” (1 Coríntios 1: 23, 24)
O perenialismo de Guénon, Evola e Schuon, por mais que se esforce em
demonstrar a unidade das grandes tradições, fundindo teísmo e panteís-
mo em um mesmo amálgama inconsistente, tende inexoravelmente a
78 BIBLIOTECA NÃO ESSENCIAL

aderir ao esoterismo islâmico como única vertente universal da gnose.


Para os cristãos, a gnose é anátema. Para israelitas, hindus e chineses,
ela não é universalizável. Daí a opção de René Guénon pelo esoterismo
sufi. Em 1930, ele se muda para o Cairo e converte-se ao islã:
“Devemos outra vez recordar que o significado adequado da
palavra islã é ‘submissão à Vontade Divina’; portanto, diz-se,
em certos ensinamentos esotéricos, que todo ser é muçulma-
no, no sentido de que claramente ninguém pode escapar a es-
sa Vontade; e, desse modo, cada um necessariamente ocupa o
lugar que lhe cabe no Universo como um todo.”
A adesão de Guénon ao islã não representa, contudo, a opção por
um exclusivismo maometano. Desde suas origens, no primeiro sécu-
lo da era cristã, a gnose tem o vício de atuar como uma espirituali-
dade parasitária, que vive à sombra de grandes religiões. Ela se apro-
pria dos símbolos, conceitos, práticas e textos sagrados formulados
pela ortodoxia originária, transmutando-os em uma religiosidade
completamente distinta. Sendo uma perspectiva pseudofilosófica, li-
gada à magia e aos cultos de mistérios, a gnose usa as grandes tradi-
ções religiosas para esconder-se. O gnóstico é, antes de tudo, um
mago dissimulado, cuja suposta espiritualidade não passa de pura
egolatria. Eis um trecho sintomático de Olavo de Carvalho:
“Note-se que essa possibilidade de transitar livremente de
uma Tradição a outra é, hoje como sempre, apanágio exclusivo
dos grandes mestres espirituais.”
Ao envolver-se com o esoterismo perenialista, Olavo de Carvalho conver-
teu-se ao islã. Foi uma conversão meia-sola, aberta a todo tipo de influên-
cia “metafísica”, mas foi uma conversão. Esse período rendeu-lhe, além de
diversos livros sobre astrologia, um volume sobre o profeta Maomé:
“Meu livro O profeta da paz: estudos sobre a interpretação sim-
bólica da vida do profeta Mohammed (Maomé), ainda inédito no-
ve anos após ter recebido um prêmio do governo da Arábia Sau-

REPRODUÇÃO

Nos anos 80, Olavo


de Carvalho passou
a viver numa comunidade
mística islâmica por
influência do metafísico
suíço Frithjof Schuon
(1907-1998)
BIBLIOTECA NÃO ESSENCIAL 79

dita, é um estudo sobre a significação da profecia na História,


ilustrado pelo caso do único profeta de cujos atos e palavras res-
tou para o historiador moderno uma documentação abundante.
Foi esse estudo que me persuadiu, de uma vez para sempre, de
que o fenômeno da profecia é o gonzo sobre o qual gira o portal
da compreensão histórica, e de que a história reduzida às di-
mensões natural e civil (...) é apenas uma crônica provinciana,
sem qualquer poder de elucidar os fatores decisivos, os retornos
cíclicos, as ascensões e quedas dos impérios e das doutrinas.”
No cristianismo real, a profecia não se confunde com vidência política
ou determinismo histórico. A profecia, na perspectiva cristã, fala do
Cristo e de seu Reino. Os perenialistas nada entendem do tema. Mas
Olavo de Carvalho, eterno discípulo do mago francês, pensa de modo
distinto. Assim ele explica, em O jardim das aflições:
“O grande reformador maçônico do século XX, René Guénon,
encontrou a organização num estado de vácuo doutrinal. (...)
Guénon preenche esse vácuo com a mais densa metafísica. (...)
A polêmica católica contra René Guénon continua impressionan-
do pela sua incapacidade de enfrentá-lo no terreno propriamen-
te metafísico. As célebres objeções de Mons. Daniélou quanto
ao simbolismo da cruz mostram apenas uma inferioridade de
QI. Assim como Daniélou, Paul Sérant e outros adversários ca-
tólicos de Guénon fogem para o terreno teológico e moral, on-
de se sentem abrigados sob pressupostos de fé que, no entan-
to, não são metafisicamente válidos.”
Ou seja, segundo Olavo de Carvalho, a cristologia e o mistério da Trin-
dade não são temas válidos. Metafísico, para ele, é o “islamismo cultu-
ral” de René Guénon. Em O simbolismo da cruz (1931), livro escrito após
sua conversão, o bruxo francês tece incontáveis loas aos elementos mís-
ticos do taoismo, do hinduísmo e do islamismo, enquanto projeta sobre
essas tradições religiosas os conceitos unificantes inventados por ele
mesmo. Quanto ao cristianismo, busca diluí-lo nessa geleia geral, rele-
gando a figura ímpar do Cristo a uma única menção em todo o volume:
“A cruz é um símbolo que, em suas várias formas, pode ser encon-
trado praticamente por toda parte, e desde o mais remoto tempo;
está, portanto, longe de pertencer de modo particular ou exclusivo
à tradição cristã como alguns podem ser tentados a acreditar. (…)
Em particular, se Cristo morreu na cruz, pode-se dizer que isso
ocorreu em razão do valor simbólico que a cruz possui em si mes-
ma, o qual foi sempre reconhecido por todas as tradições.”
Em suma, temos em René Guénon a trajetória exemplar de um herege
gnóstico em upgrade para a classe de apóstata. Sua opção recorda aque-
las de Sabbatai Zevi, mestre cabalista e falso messias, convertido ao islã
em 1666; e de seu seguidor Jacob Frank, nominalmente convertido ao
catolicismo em 1759. Conforme demonstrou o estudioso Gershom
Scholem em seu livro Major trends in Jewish mysticism, ambos os místi-
cos se converteram por mero cálculo político, mantendo suas práticas
gnóstico-cabalistas de modo oculto, enquanto professavam uma fé pú-
blica que lhes era conveniente. Os perenialistas agem exatamente assim.
Alguém poderá perguntar: e quem se importa com isso? Qual o
problema de uma falsa conversão, de uma religiosidade apenas de fa-
chada? O problema está nas consequências lógicas da fraude. Uma es-
piritualidade enganosa e dissimulada gera, necessariamente, maus
frutos. O próprio Cristo nos ensina:
Para o filósofo esotérico
italiano Julius Evola
(1898-1974), o fascismo
era o melhor caminho
para reafirmar o caráter
“aristocrático e
espiritual” das nações
SANDRO BECCHETTI/LEEMAGE/AFP

“Guardai-vos dos falsos profetas, que vêm a vós disfarçados


de ovelhas, mas por dentro são lobos ferozes. Pelos seus fru-
tos os conhecereis.” (Mateus 7: 15,16).
O critério evangélico fica evidente no caso dos principais expoentes do
perenialismo. René Guénon desenvolveu uma paranoia patológica, que
deu origem a toda uma tradição de teóricos da conspiração, além de fler-
tar com ideias antidemocráticas e antissemitas. Julius Evola uniu o fer-
mento dos fariseus ao fermento de Herodes, para tornar-se um entusiasta
de Mussolini, um colaborador da SS nazista e o principal teórico do neo-
fascismo europeu no pós-guerra. Frithjof Schuon, por sua vez, elevou à
máxima potência o charlatanismo intelectualizado da escola perenialista.
Em 1991, um dos discípulos de Schuon deixou a comunidade que ele
havia criado nos EUA, em Bloomington, Indiana. Em seguida, levou o
“filósofo” aos tribunais, acusando-o de haver abusado de três adoles-
centes, nas cirandas místicas ou “encontros primordiais” que promovia.
A acusação acabou sendo retirada, após acordo amigável. Mas diversos
testemunhos corroboraram a informação de que havia contatos íntimos
entre o mestre e as jovens durante esses eventos. O escândalo destruiu
a reputação de Schuon e amargurou o restante de sua vida.
Igualmente reveladoras eram as supostas visões místicas do mestre
de Olavo de Carvalho. Schuon afirmava que a “Virgem Maria” lhe apa-
recera, por diversas vezes, inteiramente nua, ocasiões nas quais o envol-
via em dança inebriante. Em Against the modern world, Mark Sedgwick
conta sobre as fotos que lhe foram enviadas logo ao início de sua pes-
quisa. O choque provocado pelas revelações fez com que o estudioso
abandonasse a ideia de escrever apenas um artigo acadêmico e passasse
à tarefa mais exaustiva de um livro sobre a escola perenialista:
“Numa certa manhã, encontrei em minha caixa de correio um ro-
busto envelope enviado por Rawlinson, contendo cópias de algu-
BIBLIOTECA NÃO ESSENCIAL 81

mas fotografias. Sentei-me em minha escrivaninha e pus-me a, al-


ternadamente, enterrar as fotografias debaixo de outros papéis e
tirá-las dali novamente, entre fascinado e horrorizado. Lá estava
Schuon vestido como chefe de uma tribo de índios americanos,
cercado de jovens mulheres em biquínis. Havia também Schuon
completamente nu, exceto pelo que parecia ser um capacete
viking. E havia ainda uma pintura feita por Schuon da Virgem Ma-
ria, igualmente nua, com a genitália claramente exposta.”
Tais revelações, além de repugnantes em si, nos mostram bem em que
consiste a síntese perenialista. O quadro a que se refere Mark Sedgwick
nos mostra não a Virgem Maria real, mas o conceito que Frithjof
Schuon tem de uma Grande Deusa, sensual e devoradora. Ela se mostra
sexualizada ao iniciado precisamente porque vai com ele operar uma
hierogamia mística — que o levará a ascender a planos superiores do
conhecimento. Assim atua o misticismo gnóstico: deturpando a simbo-
logia de todas as religiões, apropriando-se indevidamente e corrompen-
do o que elas têm de mais sagrado, apenas para projetar nesse furto
“metafísico” os conceitos inerentes a seu pretenso saber oculto.
Foi nesse meio extremamente problemático que Olavo de Carvalho se
formou. E são ainda hoje os preconceitos perenialistas que moldam seu
pensamento e sua visão de mundo. Em especial, foram as obsessões gueno-
nianas que informaram sua principal obra, O jardim das aflições:
“Quando examinada do ponto de vista de suas consequências
psicológicas, culturais e espirituais, a ascensão do Império
mundial é, como vimos ao longo dos últimos capítulos deste li-
vro, uma ameaça tenebrosa. (...) O que está em jogo no mundo
não é, portanto, um mero conflito entre ideologias, mas sim a
possibilidade de sobrevivência espiritual da humanidade num
mundo onde todas as opções ideológicas díspares e antagôni-
cas se uniram num pacto entre inimigos para varrer da face da
Terra o legado das antigas religiões.”
A filiação perenialista de Olavo de Carvalho foi examinada à exaustão
pelo professor Orlando Fedeli, historiador competente e tomista de
mão-cheia, em seu devastador artigo “A gnose ‘tradicionalista’ de René
Guénon e Olavo de Carvalho”, publicado em 2001:
“A doutrina de Guénon, como a de Olavo, não tem apenas al-
guns pontos gnósticos isolados, mas os princípios gnósticos que
eles adotam formam um sistema coerente, que exige chamá-los
de gnósticos, ainda que eles não explicitem alguns pontos pró-
prios da Gnose completa. Essa falta de explicitação de alguns
pontos da totalidade do sistema gnóstico se nota especialmente
em Olavo, que tem uma Gnose menos elaborada pela sua inferio-
ridade em relação a Guénon, quer quanto à inteligência, quer
quanto à cultura, quer ainda quanto ao valor de seus livros.”
Engana-se quem acredita ser Olavo de Carvalho um filósofo católico, de
linhagem aristotélica. Criado à sombra de René Guénon, Julius Evola e
Frithjof Schuon, o alegado fervor cristão do mago de Richmond se revela
mera pantomima. Por detrás de suas teorias conspiratórias, de seu des-
conforto com a modernidade, de seu anticomunismo ferrenho e de sua
agressividade verbal reside a gnose obscura da escola perenialista. Basta
notar que sua obra não evoca qualquer das virtudes cristãs, mas antes
aponta para o inverso delas: em lugar da humildade, a soberba; ao invés
da compaixão, o rancor; não havendo mansidão, a violência; na ausência
da caridade, a pura vontade de poder. Assim é Olavo, o demolidor.
C.H.M.
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chubner@edglobo.com.br

CONRADO HÜBNER MENDES É DOUTOR


EM DIREITO E PROFESSOR DA USP
CEM DIAS DE FÚRIA

FeraoiBolsonaro
uma lua de fel. Os 100 primeiros dias do governo
confirmaram ao país que a “nova política”
mesmo tudo o que prometia: um emplastro destrutivo
Ministério do Meio Ambiente, órgãos ambientais foram
proibidos de falar com a imprensa enquanto o desmata-
mento explode em relação ao mesmo período de 2018 (pa-
que despreza a política, a gestão pública e a diplomacia. A ra piorar, a liberação recorde de novos venenos pelo Mi-
culpa não foi da imprensa, do Congresso, da “velha políti- nistério da Agricultura afeta a própria agricultura no lon-
ca”, da torcida, do pensamento negativo ou do PT acima go prazo). O Ministério da Mulher, da Família e dos Direi-
de tudo, do petista acima de todos. O prejuízo desse infan- to Humanos começou pela retirada de LGBTs dos grupos
tilismo ainda não é calculável. O mercado confiou em de atenção da pasta, num dos países que mais violenta ho-
analistas de conjuntura que cometeram o pecado capital mossexuais no mundo. Também faz vista grossa a invasões
de confundir desejo com fato. Aplicou muito dinheiro de terras indígenas que se alastram pelo país. A cereja do
nesse desejo, entoou o canto da arquibancada e mandou bolo é o doping acadêmico desses três ministros campeões
os céticos se calarem. Daí persistir em estado de negação em honestidade: Rodríguez maquiou seu currículo Lattes,
por ter subestimado a vocação de Jair e superestimado a Salles disse ser mestre em Yale sem nunca ter pisado em
clarividência de Paulo Guedes. sala de aula daquela universidade e Alves contou que seu
Foi um festival pornográfico. Não me refiro à ducha ala- mestrado em Direito da Família foi bíblico.
ranjada nem à imaginação de Damares. Nem às conexões Nas relações externas, a cruzada ideológica contra o glo-
milicianas, nem à funcionária-fantasma, nem ao patrimonia- balismo já trouxe prejuízo no comércio com árabes e chine-
lismo filhocrático, nem aos vídeos que culpam o Bolsa Fa- ses. As visitas internacionais não geraram, por assim dizer,
mília pelo mau desempenho escolar de crianças pobres, ou grande impressão: em Davos, a fala envergonhada do presi-
que recomendam rasgar cadernetas de saúde que orientam dente durou a eternidade de 6 minutos, depois, restou se au-
adolescentes a prevenir doenças, ou que permitem ao gene- sentar da coletiva de imprensa; nos Estados Unidos, a vassala-
ral lembrar o capitão que não há síndrome de “Drown”. Por gem a Trump surpreendeu até mesmo a Fox News; em Santia-
trás da pornografia, há corrosão institucional. go, o elogio a Pinochet conseguiu ofender até a direita chilena.
Foi uma peça dividida em dois atos. No primeiro mês, Para não falar no tensionamento na fronteira da Venezuela.
com as instituições de férias (o Judiciário, o Legislativo, as Não é surpresa que o índice de popularidade tenha
universidades, a Lava Jato, o pré-Carnaval), o governo lançou atingido o nível mais baixo de um presidente em início de
alguns balões de ensaio. Com pouca gente para atrapalhar, governo desde Collor. Filhos derrubam ministros (como
exceto a imprensa, sempre ela, o mês de janeiro permitiu ex- Bebianno, vítima de Carlos), substituem ministros (como
perimentos autocráticos preliminares: restringiu transparên- Ernesto Araújo, escanteado por Eduardo), intoxicam a ar-
cia e ampliou sigilo de documento público, criou sistema de ticulação política e o filho vereador despacha para o pai
monitoramento da sociedade civil e continuou a atiçar a mili- quando este se ausenta. Ainda surpreende que tenham de-
tância para o serviço sujo nas ruas, no campo e nas redes. cidido se indispor com ninguém menos que o presidente
da Câmara. Rodrigo Maia sugere que Jair saia do Twitter e
Sem ódio no estômago, a marcha governe. Explica que governar significa negociar e buscar
bolsonarista morre de inanição. voto. Nem Cunha falou assim com Dilma.
Com a ala militar hesitante, Moro encolhido e Guedes
Daí em diante, veio a realidade institucional e o cotidiano traído pelo boicote da dinastia bolsonara a sua reforma de
administrativo. Primeiro, na cozinha da política pública. estimação, quem sapateou nestes 100 dias foi mesmo a ala
Conflagrado em conflitos internos gestados na Virgínia e pré-moderna do governo. Segundo sua teoria da revolução,
entretido com sua ordem a escolas para filmar crianças precisam do “povo” nas ruas para levar abaixo as instituições.
cantando o hino e o slogan do governo, o MEC se esqueceu Feita terra arrasada, governariam. Não desconfiam de que
da tarefa mundana de aquisição de livros didáticos. No eles podem morrer no processo. A democracia vai antes.
AS LÍDERES
E INFLUENCIADORAS
MAIS RELEVANTES DO PAÍS
REUNIDAS PARA DISCUTIR
GESTÃO, FEMINISMO
E DIVERSIDADE
EM ABRIL

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SALVADOR - BAHIA

A terceira edição da
MARIE CLAIRE POWER TRIP SUMMIT
vem aí, e junto a oportunidade
*Imagens da edição 2018

de colocar a sua marca no centro


das discussões sobre diversidade,
equidade e causas femininas
no mundo dos negócios.

Repercussão para mais de


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