Beruflich Dokumente
Kultur Dokumente
A partir da leitura do artigo, nós, também adeptos e adeptas da ISKCON, decidimos vir a
público, em resposta ao Swami, uma vez que, por um lado, seu texto apresenta problemas de
interpretação dos temas discutidos (anacronismos e lateralidades), e, por outro lado, não
corresponde a um posicionamento oficial da instituição; não podendo, assim, ser visto como uma
expressão da visão de toda a comunidade que constitui o Movimento Hare Krishna no Brasil. O intuito
é evidenciar que existem diversas vozes e opiniões dentro de nossa Instituição. Não há um discurso
único. Devemos encarar nossa instituição pelo prisma da unidade na diversidade para evitar cair na
mesma polaridade que vemos hoje na sociedade brasileira. Nossa unidade pode ser encontrada na
fidelidade à missão de Srila Prabhupada (Acarya-Fundador da ISKCON) e no serviço a Sri Sri Radha
e Krsna (Deus).
Nosso objetivo é dialogar acerca de algumas questões que Purushatraya Swami abordou
em seu texto. Não temos a pretensão de esgotar o tema. Consideramos que a troca de ideias é
necessária e bem-vinda e nossa meta é acrescentar novas perspectivas para reflexão. Como o texto
trata especificamente de questões políticas, sociais e econômicas da conjuntura brasileira atual,
vamos nos ater a estes temas.
Como discurso, o texto por nós analisado revela uma escolha, uma disposição ideológica,
uma tomada de posicionamento de uma esfera de poder, uma visão do mundo adotada pelo autor.
Seu lugar de fala, ao assinar com seu nome espiritual (institucional), é o de um sannyasi e líder na
ISKCON. Entretanto, traz uma perspectiva sobre os temas a partir de outro ângulo, não condizendo
com um posicionamento oficial da instituição (que inexiste), mas de seu ponto de vista pessoal e
singular: um homem branco, hétero, de origem da classe média alta carioca e de formação militar.
Esse background transparece no discurso exposto no texto. Assim, recordando as palavras de
Hridayananda das Goswami, em palestra apresentada em Natal, no dia 15 de julho de 2017, mestres
espirituais (gurus) são espiritualmente exemplares, mas materialmente falíveis. Isso não traz
demérito espiritual algum ao swami; apenas reforça a ideia de que a sua opinião em relação a temas
1
ordinários (política, economia, etc.) é apenas sua expressão individual e particular, e não representa
o posicionamento dos mestres pretéritos, nem da ISKCON.
Apesar do autor ser um palestrante e escritor experiente, há uma série de incoerências que
precisam ser elencadas. O texto é anacrônico em diversos momentos, principalmente no tocante ao
comunismo e seus teóricos, lhes atribuindo um papel mais influente e importante do que possuem
na atualidade. Nestas eleições, por exemplo, não é isso que está em pauta.
Os últimos quatro governos não podem ser categorizados como esquerda, no sentido
clássico da Ciência Política (visando à implantação do comunismo ou socialismo), e sim como centro-
esquerda. Isso é tão factual que partidos que se mantiveram como “esquerda clássica” (PCB, PSTU
e PCO) fizeram oposição de esquerda aos governos petistas durante todo o tempo em que estiveram
no poder. Os partidos de centro-esquerda desde o fim da ditadura militar (1985) e com o fim da União
Soviética (1989-1991), deixaram o viés revolucionário e passaram a adotar uma política econômica
de acordo com as tendências do capitalismo, atrelada a conceitos usuais dentro da conjuntura
política mundial, diferindo-se dos partidos de direita pelas pautas nacionalistas e
desenvolvimentistas.
Ao citar autores que fizeram parte da história do marxismo – mais precisamente de sua
renovação no século XX –, como Gramsci e pensadores da Escola de Frankfurt, querendo com isso
dizer o que a esquerda pensa e como ela supostamente atua hoje no Brasil, há uma enorme distorção
e anacronismo. Argumentar, por exemplo, que o pensador italiano Gramsci fundou uma escola onde
“não existe o bem e o mal, o moral e o imoral” é errônea. Em relação a isso, no máximo podemos
dizer que a análise deste pensador se baseia em como em cada sociedade há noções de moral, de
bom, e de certo “hegemônicas”, e outras que vão de encontro a estas, definidas como “contra-
hegemônicas”. O que Gramsci propõe é uma contra-hegemonia, um exercício de abertura e não de
fechamento do pensamento, que se manifesta na prática como a luta pela ampliação de direitos (tão
criticada pelo conservadorismo).
2
humana às quais o transcendentalismo vaishnava se destina, tanto pela mensagem destinada a
todos os recônditos do mundo por seu fundador histórico, Sri Caitanya Mahaprabhu, como pelo
exemplo deixado pelo fundador do Movimento Hare Krishna no Ocidente, Srila Prabhupada.
O que talvez possa parecer sutil demais para essa forma de pensar é que essas dinâmicas
da vida que se apresentam na atualidade não são aberrações e que não contradizem ou afetam a
espiritualidade dos indivíduos de forma alguma como imorais. É superficial imaginar que durante toda
a história do movimento de sankirtana (550 anos) não haveria alterações nas formas de ser e estar
no mundo que exigiriam adequações conforme tempo, local e circunstância. Justamente a falta de
abertura para questões contemporâneas tem feito a mensagem do Movimento Hare Krishna e toda
sua riqueza ser cada vez mais irrelevante, restrita e implodida.
A educação no Brasil é algo bem mais complexo do que o texto procura revelar. Dizer que
“nas universidades e escolas secundárias, mais de noventa por cento dos professores seguem o
assim chamado ‘patrono da educação brasileira’, Paulo Freire, criador do ‘social construtivismo’, que
afundou nossa educação com a pregação ideológica das escolas e universidades” - é um dado falso
e, além disso, demonstra falta de conhecimento sobre o que foi a obra de Paulo Freire1. Esse
discurso busca culpabilizar as/os profissionais da educação no Brasil – que são verdadeiros heroínas
e heróis da sociedade brasileira, muito mal remunerados e irrelevantemente valorizadas/os
profissionalmente. Culpar as/os educadoras e educadores (com sua suposta “ideologia gramsciana
e freiriana”) e não o histórico desinteresse das elites econômicas e governantes (incluindo até mesmo
as de “esquerda”) em investir seriamente na educação do Brasil (como os países no topo do ranking
mundial de educação fizeram) nos parece uma posição completamente injusta e incoerente.
1
Freire é 3º autor de ciências humanos mais procurados na plataforma acadêmica Google Schoolar: “Enquanto reprimido
no Brasil - sua teoria sobre educação e valores é ponto de controvérsia até hoje - o educador tornou-se referência
internacional, influenciando metodologias educacionais em países tão distintos como os Estados Unidos e Kosovo”.
Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/06/04/Paulo-Freire-%C3%A9-o-terceiro-pensador-
mais-citado-em-trabalhos-pelo-mundo”. Ver também: https://novaescola.org.br/conteudo/4942/mitos-e-verdades-
sobre-a-obra-de-paulo-freire.
2
http://www.manchetometro.com.br/
3
A Teologia da Libertação foi outro ponto atacado no texto de Purushatraya Swami, como
um braço da suposta dominação marxista. Surgida após a abertura da Igreja Católica Romana com
o Concílio Vaticano II, a Teologia da Libertação traz a opção preferencial pelos pobres a partir do
Evangelho, interpretando os ensinamentos de Jesus numa perspectiva de libertação das injustas
condições econômicas, políticas e sociais impostas pelo sistema vigente. O padre e teólogo Gustavo
Gutiérrez afirma que, na Bíblia, “Cristo nos é apresentado como portador da libertação. Cristo
salvador liberta o homem do pecado, raiz última de toda ruptura de amizade, de toda injustiça e
opressão, tornando-o autenticamente livre”.
Por outro lado, não encontramos críticas à direita e ao capitalismo no texto, como seria de
se esperar de uma perspectiva imparcial3. Sistema econômico este que, segundo Jean Ziegler, ex-
relator da ONU para o direito à alimentação e autor do livro Destruição em Massa: Geopolítica da
Fome, mata uma criança menor de 10 anos de fome a cada 5 segundos no mundo, e onde 1 bilhão
de pessoas são permanentemente subalimentadas, apesar de termos condições de produzir
alimentos para 12 bilhões de pessoas4. Tudo isso, no mundo de sociedade capitalista. Além disso,
segundo a Oxfam, os 8 maiores bilionários do mundo detêm a renda dos 3,5 bilhões mais pobres5.
Aqui no Brasil, os 6 maiores bilionários detêm a renda de 100 milhões de pessoas6. Em São Paulo,
1% dos proprietários detém o valor de 45% de todos os imóveis da cidade7. Poderíamos falar também
sobre todo o processo de escravidão e extermínio dos povos negros e indígenas, além das
atrocidades cometidas nos processos de colonização ao redor do mundo promovido pelo capitalismo
no período de acumulação primitiva do capital. Ademais, podemos dizer que a direita foi responsável
pelo fascismo, nazismo e pelas ditaduras militares no Brasil. Apenas alguns dados que denotam uma
brutal desigualdade e opressão social promovidas pelo capitalismo, enquanto sistema social e
econômico predominante no mundo. Afirmar as incoerências e absurdos do capitalismo não quer
dizer que se deve implantar o socialismo ou comunismo no mundo: quer dizer que os erros que
persistem devem ser reparados.
Purushatraya Swami diz que “há uns 20 anos, chegamos a ter 7 empregados com salário
informal. Hoje em dia, com a CLT, só podemos pagar 1 empregado, pois os encargos trabalhistas
são altíssimos”. Defender que trabalhadores e trabalhadoras precisam receber menos e ter menos
direitos garantidos é um atraso do ponto de vista social. Não concordamos com a redução de direitos
sociais e trabalhistas garantidos para que empreendimentos ligados à Sociedade Internacional para
a Consciência de Krishna (ISKCON) possam usufruir de maiores lucros.
As liberdades individuais pregadas segundo o autor pela própria “direita” devem incluir o
direito ao indivíduo ter sua orientação sexual respeitada, o direito de ir e vir sem ser discriminado,
3
Prabhupada, sobretudo no “Vida simples, pensamento elevado”, adota uma posição crítica tanto ao capitalismo
industrial, quanto ao socialismo em vigor na Guerra Fria. A sua disposição é de crítico da modernidade como um todo:
“Os gigantescos empreendimentos são produtos de uma civilização sem Deus, e causam a destruição dos nobres
objetivos da vida humana. Quanto mais continuarmos a aumentar essas indústrias problemáticas para sufocar a energia
vital do ser humano, tanto mais haverá inquietação e insatisfação das pessoas em geral, embora apenas umas poucas
pessoas possam viver suntuosamente através da exploração”. PRABHUPADA, A. C. B. S. Vida simples, pensamento
elevado. Pindamonhangaba: BBT, 1999, p. 1-3.
4
http://reporterbrasil.org.br/2013/07/uma-crianca-que-morre-de-fome-hoje-e-assassinada-diz-jean-ziegler/
5
https://brasil.elpais.com/brasil/2017/01/13/economia/1484311487_191821.html?id_externo_rsoc=whatsapp
6
http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/09/1921546-seis-bilionarios-tem-mesma-riqueza-que-100-mi-de-
brasileiros-mais-pobres.shtml
7
https://www.estadao.com.br/noticias/geral,1-dos-donos-de-imoveis-concentra-45-do-valor-imobiliario-de-sao-
paulo,10000069287
4
reprimido ou sofrer violência por questões de gênero, raça ou credo – conforme garante a
constituição. O Brasil lidera o ranking de violência e mortes da população LGBTQI+, e não achamos
que espiritualistas devam simplesmente fechar os olhos para isso. É preciso que o Estado intervenha
em questões literalmente vitais da sociedade. A perspectiva conservadora, ao contrário, demonstra
uma total inaptidão para lidar com aquilo que faz parte de nossa realidade e da nossa legislação.
Pensamos que a posição de um transcendentalista deva ser de compaixão e acolhimento, de um
exercício de união que possibilite a todos o contato com a espiritualidade. Afinal, como vamos
estabelecer o preceito de “em toda vila e aldeia” estigmatizando, discriminando ou excluindo tantas
pessoas?
Um/a vaishnava ou vaishnavi é uma pessoa que sente compaixão pelo sofrimento alheio. E
acreditamos que nosso voto deve ser exercido levando isto em consideração. Devemos procurar
apoiar os projetos políticos que se pautem pela inclusão social, distribuição de renda, apreço pela
diversidade, respeito e reparação às minorias, manutenção e ampliação dos direitos das/os cidadãs
e cidadãos e busca pela igualdade de oportunidades para todas e todos. Isso não é comunismo. É
bem-estar social. Países como Canadá e Dinamarca são essencialmente capitalistas, mas,
proporcionam um estado que distribui renda através de inúmeros incentivos sociais.
Por fim, gostaríamos de refletir sobre a intenção inicial do texto do swami. Ele se perguntava:
“Qual é a intenção desse sannyasi ao se envolver nesses assuntos mundanos?” Ao que ele mesmo
responde: “Sigo meu próprio lema: ‘Olhos abertos para a realidade’. Não engano ninguém, nem
tampouco quero ser enganado”. Percebemos ao longo do texto que em relação à conjuntura política,
social e econômica brasileira, a “realidade” descrita é fantasiosa, vista através das “lentes” do
conservadorismo, da direita política neoliberal. Além disso, e apesar de criticar a mídia, descrita como
“esquerdista”, percebe-se neste discurso a própria versão dos fatos contada pela grande mídia
brasileira, carregada de “antipetismo” e dos valores neoliberais.
Pedimos desculpas por qualquer ofensa que possamos ter cometido aqui. Nossa intenção
é apenas servir às/aos vaishnavis e vaishnavas, e à ISKCON de Srila Prabhupada. As/Os devotas e
devotos, independentemente de sua posição político-partidária, merecem nosso respeito e
acolhimento.
Alexsandro de Araújo (Arjuna Vallabha Dasa [JPS]) – Graduado em História pela USP
Aline Priscila Ferreira Gonçalves (Ananda Rasa d.d. [DVS]) – Estudante de Letras (Português/ Inglês)
e Auxiliar de educação infantil
5
Angélica Pignata de Morais – Historiadora e Arqueóloga
Carla Santos Santiago Fontoura (Citralekha devi dasi [DVS]) – Aprendiz de culinária natural e
vegana, Tradutora, Formada em Comunicação Social/Relações Públicas na UNEB
Caroline Dourado dos Santos (Kalachandji Devi dasi [HDG]) – Professora e Historiadora
Caruma Obi Camurugy de Guerreiro (Karuna Mayi Radhika dd [PGP]) – Assistente legislativo e
Estudante do Bacharelado Interdisciplinar em Saúde na UFBA
Gisele Pereira de Oliveira (Gitamrita Devi Dasi [HDG]) – Professora, Historiadora (USP) e Doutora
em Letras (UNESP)
Govinda Charan de Moraes Silva (Govinda Nandini Devi Dasi [JPS]) – Pedagoga e Nutricionista
José Alberto Alcântara Guanaes (Aniruddha Dasa [ISP/DVS]) – Bancário e Analista de Sistemas
6
Karen Veloso Martins (Kamalaksi Rupini Devi Dasi [JPS]) – Professora, Dançarina e Pesquisadora
Leon Adan Gutierrez de Carvalho (Krishna Parayana Das [DVS]) – Historiador e Professor
Lorena Mindello Bittencourt (Govinda Shakti DD [CMS]) – Bancária. Formada em Psicologia pela
UFPA
Madhava Hari Cézar dos Anjos (Madhava Lila Devi Dasi [DVS]) – Professora de História de Ensino
Fundamental, Mãe de 3
Marcio Eduardo de C Saldanha (Sri Baladeva Dasa [HDG]) – Funcionário Público da Cultura –
Funarte
Márcio Jorge A. C. de Melo (Murari Krishna Das, Bhs [PGP]) – Professor de Teatro, Licenciando pela
Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG
Maria Helena Oliveira Lemos (Kunti Devi Dasi [PG]) – Professora de Geografia, História e Informática
aplicada à Educação / Mestre em Educação
Niedja Lima Torres Portugal (Navavrnda Devi Dasi BhS [DVS]) – Historiadora e Professora
Otávio Augusto Chaves Rubino dos Santos (Prema Sindhu Das [DVS]) – Educador, Mestre em
Educação (UFPE) e Empresário
Priscila de Oliveira (Madhurya Lila dd [PGP]) – Servidora pública da Secretaria de Saúde do Estado
da Bahia e Licenciada em História pela UNEB
Rebecca Reseck Wanderley Dias (Radha Kanta Devi Dasi [HDG]) – Bacharel e Licenciada em
Filosofia pela UnB, Mestranda em Filosofia Política e Estética pelo depto. de Filosofia da UnB
Ricardo Gomes de Azeredo (Ramacandra Das [PGP]) – Servidor Público e Cientista Social
Roberta Paim de Medeiros (Radha Shakti Devi Dasi [CMS]) – Líder-serva de ashram feminino em
Nova Gokula, Licenciada em História (PUCRS)
7
Sandra Alves Fernandes (Satyananda DD [DVS])
Thiana Rocha Costa (Radha Madana Gopala d. d.) – Psicóloga, Pedagoga, Professora Universitária