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Arabica Ano I

A Produção
de Café em
Pernambuco

Saúde e
Produtividade:
usando o café a
seu favor

Entrevista com o
fundador do Café
Liberal
Arabica Expediente
Edição

Sarah Melo

Textos

Manuela Valença

Guilherme Carvalho

Helena Portilho

Julie Marques

Orientação e Revisão

Isaltina Gomes

Carolina Vasconcelos

Projeto gráfico e diagramação

Davi Galindo

2
Índice
EDITORIAL 4

A PRODUÇÃO DO CAFÉ 5
EM PERNAMBUCO
O CAFÉ A SEU FAVOR 10
O MOVIMENTO DAS 13
CAFETERIAS
ENTREVISTA 18
com Sergio Bivar
RESENHAS 21
CRÔNICA 24
Um bom café

3
À
noite, o Recife apaga. A partir das
20 horas, a balbúrdia das ruas dá lu-
gar à solidão. Mas os cafés perma-
necem abertos, tumultuados, abri-
gando os debates da vida boêmia de jornalistas,
poetas, intelectuais, políticos, estudantes da Fa-
culdade de Direito. São as primeiras décadas do
século passado, mas poderiam ser também uma
descrição fiel do Recife 100 anos depois.
Arabica é uma tentativa de, não só documentar,
mas transmitir o espírito de época do Recife nes-
te início do século XXI, da volta do cafés como
espaço de discussão de ideias e apreciação culi-
nária. É também uma investigação do próprio
café como objeto - seu histórico de mistificação
dos sentidos e transmutação em base de trocas
humanas.
A tendência dos cafés do Recife ressurge com a
“gourmetização” dos espaços, mas também com
o encontro de ideias e pessoas. A paixão urbana
parece ir muito além do uso funcional do café.
Temos histórico para isso. Na década de 1930,
um café do Recife levou um jogador do Santa
Cruz Futebol Clube a tornar-se um dos maiores
poetas da história do Brasil. João Cabral de Melo
Neto dizia ter começado a escrever para ser acei-
to no grupo de poetas assíduos do Continental,
mais conhecido como Café Lafayette.
Essa transmutação de lugar a arte pelo café no
Recife, cidade quente, úmida, não é à toa. Do
plantio ao consumo, o café se enveredou na tra-
dição recifense. Arabica é, afinal, uma apreciação
dos cheiros, gostos e hábitos culturais condensa-

Editorial dos numa xícara de café.


Boa leitura!

4
A produção
de café em
F
alar sobre a produção do café
em Pernambuco é falar ao mes-
mo tempo de um passado, pre-
sente e futuro do modo de pro-
duzir e distribuir o grão. Com histórias
que perpassam a memória afetiva e o
amor pelo café, falaremos aqui sobre os
bastidores de produção do grão que nas-
ce em terras pernambucanas. Vamos fazer
uma caminhada pelo passado para enten-
der os modos de produção de hoje e as
perspectivas que temos para o futuro.

Per
nam
buco 5
Uma infância to comum, que acontece até os bastante nostálgico, fez tam-
cheia de história dias de hoje, é a plantação das bém um convite: Rainha Isabel
Quando convidado para falar sementes embaixo de árvores é parada obrigatória para quem
sobre o café do estado, o que fazem sombra, normalmen- quer ver a história do café brasi-
professor da pós-graduação te em regiões de brejo. Alcindo leiro com os próprios olhos.
em Geografia da Universidade lembra que tem até uma foto, Contudo, seu semblante foi mu-
Federal de Pernambuco (UFPE) ainda nos anos 80, em sua in- dando ao falar que, infelizmen-
Alcindo Sá topou prontamente. fância, mostrando um pé de te, os três casarões são hoje ra-
E a entrevista não poderia café já maduro e carregado, ridade na produção de café na
ter começado de maneira que se situava embaixo de uma cidade. Ele relata que, agora,
diferente: ele pediu uma mangueira, para holandeses, o número de cafezais na região
pequena pausa para coar a sua que nunca tinham visto a planta. não se compara à quantidade
adorada bebida. Na volta, foi “Eu fui dar uma caminhada de que via em sua infância. “Pro-
logo iniciando com o caminho tarde em Rainha Isabel [distrito dução intensiva, como de certa
que o café fez até chegar em de Garanhuns] e passei por uma forma já aconteceu em algumas
terras pernambucanas. O área de brejo muito grande, regiões no Agreste, como Gara-
sargento português Francisco muito extensa, com lama que nhuns e adjacências, deixou de
de Melo Palheta foi o grande quase batia na canela. Eu fiquei existir”, comentou o professor.
responsável pela entrada do extremamente admirado com
grão no Brasil, no século XVIII, três grandes casarões belíssi- A grande queda na
que chegou primeiro no atual mos de grandes cafezais. Não produção do café
estado do Pará e foi adentrando eram plantações intensivas, mas Contudo, essa mudança repen-
o Sul e o Sudeste do país. plantações que se situavam na tina não foi sem razão. Marcelo
“Inclusive tem até uma cafeteria sombra de outras árvores, uma Nicolelis, professor da Universi-
chamada Palheta, em vários plantação muito grande. Aque- dade Federal Rural de Pernam-
lugares no Brasil. Aqui no Recife les terreiros que você vê no final buco (UFRPE) e técnico forma-
mesmo tinha! Não sei se ainda do século XIX, começo do sécu- do em cafeicultura, entrou em
existe...”, lembrou Alcindo. lo XX. Um terreiro imenso para a detalhes sobre a diminuição
Nessa época, o café mais co- secagem de café. Também me brusca no número de cafezais
mum plantado era o arábico, o deparei com máquinas inglesas do Nordeste. Nos anos 60, foi
“café tradicional”. Em Pernam- para o secamento do café [...] criado pelo governo o Instituto
buco, no início do século XX, as que eu tive a sorte de ver.” Brasileiro do Café (IBC), que ti-
plantações intensivas desse café Para Alcindo, a experiência foi nha como objetivo criar e coor-
ocupavam principalmente a re- como voltar no tempo em ape- denar políticas para produção
gião Agreste. Uma forma mui- nas uma caminhada. Ao lembrar e distribuição do grão. “Mas o

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IBC tomou algumas decisões
que, olhando com os olhos de
hoje, são bastante questioná-
veis: o IBC definiu que não se-
riam todas as regiões do Brasil
que iam plantar café. Olharam
assim pra Pernambuco e disse-
ram: ‘Pernambuco é cana-de-
-açúcar, vocês querem fazer o Rainha Isabel
quê com café?’. Mais ou menos
desse jeito.” A medida, conhe- bém voltou a recuperar a cultura ácido, é bem mais gostoso. É
cida por regulação da produção do grão. Contudo, Marcelo ex- considerado de melhor qua-
do café, durou até os anos 90, plica que que não foi uma volta lidade. No Agreste aqui do
e definiu que a produção seria tão expressiva como muitas ve- estado voltou a ter exatamen-
focada nos estados de Minas zes se fala. te o café arábica, que é o que
Gerais e São Paulo. “Foi uma tem de interessante aqui”.
decisão de governo. Acreditou A mudança na forma Foi nesse momento da entre-
que centralizando, regulando, de consumir café vista que Nicolelis começou a
seria a melhor maneira de pro- Apesar de tímida em relação a explicar sobre o contexto atual:
duzir. Então erradicou quase outros estados, a volta do café estamos na chamada terceira
toda plantação de café daqui em Pernambuco traz outros onda do café. É nela em que o
do estado [Pernambuco].” significados também para a grão vira um artigo valorizado a
Nos anos 90, com a redemo- cultura do consumo - que vem partir de suas características e
cratização do país, o IBC foi ex- mudando e passando por uma diferenciações. É a busca pela
tinto. Então, todos os estados nova onda na forma como com- apreciação de cafés diferentes
que quisessem voltar a produzir pramos e apreciamos a bebida. que encontramos agora nas
o grão poderiam iniciar a pro- O café produzido aqui é o tipo cafeterias, como Frapuccino e
dução. Marcelo adiciona ainda arábica, aquele que normal- Macchiato. Significa também
que, com a desregulamentação, mente consumimos. Apontan- o aumento do próprio número
diversos estados anteriormente do para o café que estávamos de cafeterias na cidade, que vi-
inativos nessa produção come- tomando na cafeteria, Marcelo ram um local de apreciação pro-
çaram a ganhar mais destaque, explicava: “Esse que você tá funda da bebida. “Lojas assim
como foi o caso da Bahia, de tomando é o café arábica. É o como essa que a gente tá, que
Rondônia e do Espírito Santo. café que é plantado em clima eu pedi um café Mocha, que
Nessa volta, Pernambuco tam- de altitude. É um café menos vem misturado com chocolate,

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em que o grão é selecionado,
ele tem uma origem, ou seja, As ondas do café
é diferenciado, isso é uma ten- As quatro ondas do café definem o contexto de consumo e
dência recente. Ela começou produção do grão em determinado local. Elas não são ne-
nesse período desde a desregu- cessariamente cronológicas. Aqui no Brasil, por exemplo, há
lamentação nos anos 90 e veio locais vivenciando a terceira onda, enquanto outros locais, a
tomando mais força agora nessa segunda ou até quarta onda.
década de 2010 aqui no Brasil”,
exemplificou Marcelo. Primeira onda Foco no efeito do café no corpo: energia.
Foi quando criou-se o hábito de sair de casa para tomar um
A tendência dos café. Momento de surgimento das cafeterias.
cafés especiais
Na terceira onda, a forma de Segunda onda Foco na diferenciação do café. Produtores
cultivar o grão também muda e percebem o crescimento e melhoram a qualidade do grão.
precisa se adequar a essa nova Começa uma personalização da bebida: café deixa de ser
demanda. “O atributo especial “tudo igual”.
no café permite que o produ-
tor possa cobrar um valor um Terceira onda Foco na padronização desse café especial.
pouco melhor, mais atrativo, Crescimento das certificações e valorização do local de pro-
ser melhor remunerado, do que dução do grão. Aqui há o surgimento dos vários amantes
por exemplo por uma cotação do café, que estão preocupados com o processo de produ-
da saca que está na bolsa. Com ção do grão. Destaque para a profissão de barista.
um café especial, ele pode tra-
balhar com um valor um pouco Quarta onda Foco na busca de conhecimento especializa-
melhor”, explicou o professor. do sobre a produção da bebida por parte dos amantes do
Um dos principais atributos dos café. Alguns já têm acesso facilitado à maquinaria de micro-
cafés especiais de Pernambuco -torrefação, por exemplo.
é o selo orgânico. Quando um
grão tem esse certificado, signi-
fica que foi produzido sem ne- fair trade (quando há reparti- ações ecológicas), origem (de
nhum tipo de agrotóxico. Para ção justa dos rendimentos em acordo com a região específica
ganhar esse selo, ele precisa ser toda a cadeia de produção do onde é cultivado). “Antes pras
avaliado por uma agência cer- grão), rainforest (se a plantação pessoas era assim, café é tudo
tificadora. Além do orgânico, naquela região não fere nor- igual. Hoje café é como vinho:
há outros selos importantes: mas ambientais, se promove tem em todo lugar, mas a gente

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sabe que vinho de determina- educação a distância que per-
das regiões são melhores que mite um suporte próximo”, co-
outros.”, conclui Marcelo. mentou Marcelo com uma certa
esperança.
Profissionalização Com essa formação, os produ-
como caminho tores podem fazer uma melhor
para o futuro seleção dos grãos, aprenden-
Mas nem tudo são flores. Per- do a torrar e lidar com pragas
nambuco ainda precisa dar pas- e doenças do cafezal - que
sos importantes para se estabe- nem sempre acometem outras
lecer entre grandes produtores plantas já conhecidas pelos
nacionais de café. Marcelo des- produtores. Com esse tipo de
taca que ainda falta uma forma- profissionalização, a produção
ção para os produtores adequa- de Pernambuco pode dar um
da aos dias de hoje. “Aqui no passo à frente com grãos espe-
estado não tem nenhuma espe- cialmente selecionados e valori-
cialização em cafeicultura. Não zados pelo mercado e pelo pa-
precisa ninguém ser um agrô- ladar dos ávidos consumidores.
nomo para fazer esse curso, é Foto Divulgação

um curso técnico, de dois anos.


Acho que é um conhecimento Método Koar
que só vai agregar”. Você sabia que Pernambuco tem um método próprio
Mesmo com grande vontade de coar café? Batizado como Koar, o processo tem
de criar um curso nesse estilo como diferencial o suporte para o filtro de papel,
a distância, Marcelo comenta uma peça produzida artesanalmente em cerâmica
que ainda enfrenta dificuldades vitrificada.
para desenvolver a formação. Diferente dos suportes para filtro que a gente conhece,
“As pessoas falam ‘a produção o Koar tem pequenos sulcos ao longo de toda sua
é pequena, ficamos muito tem- circunferência. Esse formato de estrela, com suas
po sem plantar café, estamos dezesseis pontas, é essencial para que o papel do filtro
retomando faz pouco tempo’ não entre em contato com o suporte, e assim a água
e falta oportunidade. As fazen- escoa mais rápido. Ideal para cafés de moagem média
das são um pouco distantes dos a fina. O resultado é uma bebida encorpada, com
grandes centros, então falta doçura e acidez ressaltados.
gente pra ir lá ou um projeto de

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O café
a seu
favor
10
S
egundo a Associa- te benefício é proveniente do
ção Brasileira da ácido clorogênico, um polifenol 50 ml de café
Indústria do Café vegetal com ação antioxidante Calorias 3 kcal
(ABIC), o café é a que pode inibir inflamações e, Proteínas 0,35 g
segunda bebida mais consu- portanto, reduzir o risco de do- Lipídios 0,5 g
mida pelos brasileiros — só enças cardiovasculares e outras Carboidratos 0,75 g
perde para a água. Essa bebi- doenças inflamatórias prolonga- Cálcio 1,5 mg
da tem uma ação estimulan- das”, explica a nutricionista clí- Magnésio 3 mg
te sobre todo o organismo, nica e esportiva Tamara Rocha, Fósforo 3 mg
aumenta a atividade moto- especializada em emagrecimen- Ferro 0,01 mg
ra e também a atenção, mas to consciente. “O café acelera Sódio 0,7 mg
é necessário tomar cuidados o metabolismo devido a ação Potássio 39 mg
para que esta forcinha ex- da cafeína, auxilia no emagreci- Cobre 0,005 mg
tra não tire seu sono e não mento: tem efeito termogênico Zinco 0,025 mg
comprometa suas atividades. e, com isso, auxilia na perda de Vitamina B3 0,025 mg
Mas também, segurar uma ro- peso. Tem ação diurética, eli- Vitamina B1 0,005 mg
tina intensa de 40 horas de tra- minando mais toxinas do nosso Vitamina B2 0,005 mg
balho por semana não é fácil, organismo. Excelente pré-trei- Ácido Clorogênico 5 g
nem em atividades intelectuais. no, reduz a sensação de fadiga, Cafeína 1 g
O jornalista Mano Ferreira toma melhorando o desempenho e
aproximadamente um litro de rendimento físicos”, acrescenta.
café por dia, ao longo de sua menta a atenção, aumenta a
jornada de trabalho. “O café Ação neural vigília e a memória”, completa.
ajuda muito na minha produtivi- O efeito energizante do café co- A cafeína, quimicamente conhe-
dade. Eu só começo o dia com meça no cérebro. “A principal cida por 1,3,7-trimetilxantina,
café, ele ajuda a aumentar a substância do café é a cafeína. quando chega no sistema ner-
concentração nas horas de dis- Ela é um estimulante do sistema voso central, diminui a absorção
persão”, conta o jornalista. nervoso central. Ao chegar no da adenosina, uma substância
O café também é um aliado cérebro, ela se liga a receptores neurotransmissora usada pelo
dos nutricionistas para aprimo- que potencializam as atividades cérebro para indicar que é hora
rar dietas, planos de exercícios das células nervosas”, explica de descansar. Ou seja, o cére-
físicos, e a saúde do paciente. o neurocientista e professor de bro não recebe a mensagem de
“O café possui vitaminas do farmacologia da UFPE Michel que é hora de parar um pouco.
complexo B, magnésio, fósforo, Melo. “A cafeína realmente au- Ao mesmo tempo, a dopamina,
zinco. Porém o mais importan- menta a atividade motora, au- estimulante do cérebro, tam-

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bém tem sua recaptação di- sumir café sem antes passarem na dos cigarros, a cafeína é uma
minuída, e fica perambulando por uma consulta nutricional e substância química que tem po-
pelo sistema nervoso, contri- uma avaliação médica”, diz a tencial de dependência com-
buindo para manter as sinapses nutricionista Tamara Araújo. provado cientificamente. “O
a todo vapor. Do ponto de vista neurológico, cérebro admite que a cafeína é
“com seu uso contínuo e inin- própria do corpo e precisa dela
Hábito saudável terrupto, potencializando os para executar algumas funções.
ou vício? efeitos por muito tempo sem Então, ele vai ativar circuitos de
A cafeína é a principal subs- descanso, as funções benéficas recompensa para que o indiví-
tância do café, mas pode estar do café começam a se degradar duo busque tal substância. Isso
presente em muitas comidas e e o desempenho reduz, pois se reflete em sintomas físicos
bebidas, como chocolate, chá causa dessensibilização dos re- como dor de cabeça e baixa
verde, chá preto, chá mate, re- ceptores nos quais a cafeína se atenção”, explica o neurocien-
frigerantes de cola e de gua- liga. Isso resulta no aumento da tista.
raná, e até alguns remédios tolerância, até que poderemos Além disso, uma boa orienta-
para dor. alcançar a saturação, um limite ção para quem sofre de insônia
Com tantos benefícios, e es- máximo de resposta à substân- é não tomar café após as 16 ho-
tando presente de cafeteiras cia, e não ter mais os mesmos ras. O jornalista toma esse cui-
de fiteiros a escritórios, é pos- benefícios que tínhamos quan- dado: “No meu cotidiano o café
sível pensar que essa bebida é do começamos a fazer o uso do entra pela manhã e tarde, mas
cem por cento saudável. Mas café”, complementa o neuro- não à noite, exceto em deman-
não tem jeito, tudo em exage- cientista. das excepcionais de trabalho
ro faz mal mesmo. “Consumido Mano Ferreira não consegue ampliado para fora do horário”,
em excesso, pode aumentar o passar um dia de trabalho sem ele se defende.
cortisol, que é o hormônio do tomar seus cafezinhos. “Me Como tudo na vida, o impor-
estresse. O cortisol elevado vai considero um apreciador dos tante é manter o equilíbrio.
prejudicar a qualidade do sono diversos tipos de grãos e méto- No fim do balanço, a nutricio-
e pode atrapalhar as pessoas dos de extração, mas ao mesmo nista considera que o café é
que querem perder aqueles qui- tempo sou sim um pouco vicia- sim um bom aliado para man-
linhos indesejados. E aqueles do. Quando eu não tomo café, ter a saúde. “Na medida certa,
que sofrem de problemas como meu raciocínio fica mais len- não ultrapassando o consumo
glaucoma, ansiedade, osteo- to, principalmente no começo de quatro xícaras de 50 ml ao
porose, labirintite, hipertensão, da manhã, e tenho muito sono dia. O ideal é que o seu con-
gastrite ou Síndrome do Intes- após o almoço”, justifica. sumo seja sem adição de açú-
tino Irritável, não devem con- Assim como o álcool e a nicoti- car ou adoçante”, diz Tamara.

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O movimento
das cafeterias

A
preciar um bom café tem se tornado cada
vez mais fácil na capital de Pernambuco.
Amantes da bebida e degustadores minu-
ciosos encontram satisfação com o festival
Recife Coffee 2019: um circuito de 35 cafeterias da Re-
gião Metropolitana do Recife (RMR). A proposta é ofe-
recer a degustação de um menu fechado e harmonioso
com café, salgado e sobremesa: a sugestão do barista. O
menu sai por R$ 25,90 nas 35 casas participantes.
O evento anual já está na sua quarta edição, o que mos-
tra o quanto esse festival cresceu. Sua história começou
em 2015 quando sete amigos proprietários de cafete-
rias da RMR resolveram fazer uma espécie de rodízio de
clientes. O projeto de “cartão infidelidade” consistia em
indicar cafeterias dos amigos para incentivar o gosto por
cafés especiais nos consumidores.

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“As reuniões foram acontecen- Izabel Hinrichsen
do e a amizade foi se desen- Ela é proprietária do Lalá Café & Cozinha Afetiva. Em 2014,
volvendo, tudo espontâneo e resolveu seguir sua veia empreendedora, saiu do mercado
natural. Na época, tínhamos publicitário e virou sócia da mãe para dar vida ao Lalá e conti-
um público pequeno, as pes- nuidade à tendência culinária da família.
soas não conheciam tantas ca- Ela acredita que as redes sociais são valiosas para seu negó-
feterias. Então o mesmo clien- cio e para o Recife Coffee, já que sempre atuou dando voz ao
te visitava várias e assim fomos festival. Izabela também integra a diretoria da Associação dos
criando um espírito de colabo- Empresários de Cafeterias de Especialidade de Pernambuco.
ração”, explica Izabela Hinrich- O café especial com que o Lalá trabalha atualmente é da tor-
sen. Ela é proprietária do Lalá refação do Café do Brejo, que traz os grãos de Minas Gerais.
Café & Cozinha Afetiva e parti- Alguns foram especialmente trabalhados e feitos para o Lalá.
cipa da organização do festival Izabela sempre toma em casa os grãos que serve na cafeteria,
desde sua primeira edição. mas ela gosta de variar os métodos de extração - seus favori-
Izabela contou que o ponto de tos para o dia a dia são a prensa francesa e o Koar.
convergência de todos esses
empresários foi a barista Lidia- Lalá Café & Cozinha Afetiva
ne Santos: seu curso era o co- Rua Amélia, 470
meço para todo mundo que Graças - Recife, PE
queria empreender no ramo em
meados de 2014 e 2015. Lidia-
ne é pioneira no movimento das do ramo notaram o crescimento Em 2017, o número de partici-
cafeterias no Recife. Antes mes-
no número de cafeterias na ci- pantes quase duplicou: chegou
mo de acontecer o que chama- dade - que já era percebido em a 25. No entanto, o marco foi
mos de “boom do café”, ela já outras cidades, mas até 2014 superado logo em 2018 e per-
dava cursos e fazia formações. era um movimento tímido do maneceu o mesmo até a quarta
Ter tantas opções de cafeteriasRecife. edição, com 35 cafeterias parti-
assim é algo que os coffeloversEm 2015, donos de cafeterias cipantes.
recifenses só estão vivenciandocriaram um circuito que seria o Izabela Hinrichsen conta que
de uns cinco anos pra cá. ensaio para o Recife Coffee. O abriu o Lalá em 2014 e que o
primeiro passo foi dado na dire- boom aconteceu exatamente
O boom de cafeterias ção de organizar o movimento. em 2015, quando surgiram mais
no Recife No ano seguinte, aconteceu a cinco cafeterias ao mesmo tem-
Fica claro que o Recife Coffee primeira edição do festival com po e depois outros empresários
surgiu porque os empresários a participação de 15 cafeterias. seguiram a tendência. Todas

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essas novas cafeterias tinham pre crescendo. “Alguém vem, O compromisso com
a mesma pegada comercial e se apaixona pelas nuances do cafés especiais
onde isso fica claro é no Recife café, curte o ritual, aí traz um O café passou por uma fase
Coffee: 35 cafeterias funcionan- amigo, aprende a fazer o café muito interessante dos últimos
do e servindo café especial. em casa. É uma rede que só anos pra cá. Segundo Izabela,
“A gente começou a ver várias cresce”, disse ela. as pessoas começaram a enten-
cafeterias surgindo, inclusive O festival quer dar um impulso der que estavam acostumadas
fora dos bairros ditos nobres e comercial e também disseminar a tomar um café de má qualida-
mais pelo centro da cidade”, o que é café especial. Com o de. A partir de certo momento
comenta Izabela, que passou surgimento de tantas cafeterias, os consumidores entenderam
por várias fases do movimento. houve a necessidade de expli- que os grãos que tomam dia-
“O mercado tá muito aquecido, car para o público que elas tra- riamente não têm critério de
mas ao mesmo tempo existe balhavam com um produto dife- seleção. “É um café torrado de
uma preocupação geral para renciado e o que é, de fato, um qualquer jeito para disfarçar
que ele não passe por um retro- “café especial”. que é ruim”, conta.
cesso”.
Para Izabela, essa alta vem com Danielle Leal
a necessidade de ser acompa- Dani é diretora-secretária da ASCAPE e proprietária do Zoco
nhada por aspectos mais subs- Café há pouco mais de três anos. Ela e o esposo, Rodrigo Gon-
tanciais, como manter a cadeia çalves, se tornaram sócios para criar em Olinda o espaço aco-
produtiva aquecida e promover lhedor e com comida gostosa que sentiam falta. O casal sempre
um suporte de informação so- curtiu gastronomia e já colecionava boas referências através das
bre o nicho. “Eu não acho que viagens que faziam. Deram vida ao Zoco em 2016, em 2017 já
essa terceira onda do café, e estavam participando do Recife Coffee e a partir de 2018 mer-
até já se fala de uma quarta, vai gulharam na organização do festival.
acabar. Ninguém vai deixar de No Zoco, trabalham com os grãos do Kaffe - uma torrefação re-
tomar café no Brasil. No entan- cifense que usa Grãos trazidos de outras regiões do Brasil como
to, para um negócio se susten- Minas Gerais, Espírito Santo e Bahia. Para Danielle, o café ideal
tar precisa ser substancial e se é um filtrado - morninho para reconhecer bem as notas senso-
comprometer a trabalhar com o riais. De preferência, ao entardecer ou aproveitando o jardim.
que promete”, defende.
Sobre conquistar o público, a Zoco Café
proprietária do Zoco Café em Av. Gov. Carlos de Lima Cavalcante, 1828
Olinda, Danielle Leal, conta que Casa Caiada
o público coffeelover está sem- Olinda - PE

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O que ocorreu por muitos anos val serve também para quebrar que visitava para o portal PorA-
no Brasil é que o sabor do café alguns preconceitos. Ano pas- qui e o Café na Cidade. A ini-
foi mascarado. Com informa- sado apostamos em um café fil- ciativa foi movida pelo apreço
ção, o público começou a en- trado no método Koar, e muita à bebida, mas principalmente
tender mais sobre a bebida, gente que acreditava que seria pela conveniência do conceito
que hoje é vista como vinho: sem graça por não ter leite con- desses locais. “Eu gosto muito
você aprecia, treina o paladar, densado ou algum outro ingre- de cafeterias, acho o ambiente
reconhece que tem o tipo que diente se apaixonou pelo méto- muito fácil e muito aconchegan-
gosta e o tipo que não gosta. do e virou cliente fiel.” te. O café enquanto ambiente é
Comparado aos cafés comuns, um lugar que você pode ir o dia
o café especial não é só mais O que essas cafeterias todo. E tende a sair mais barato.
caro e possui o selo gourmet: é têm em comum? É um combo: comer coisa gos-
um café bom, com característi- A primeira coisa que uma ca- tosa e não pagar muito, visitar
cas próprias, com processos de feteria precisa para participar um ambiente legal e diferente
torra, produzido em localidades do Recife Coffee é trabalhar que dá para ir só passear e co-
diferentes e mantendo essas ca- com cafés especiais. Para isso mer e também fazer coisas úteis
racterísticas. A missão do Recife precisam ter baristas, profissio- como trabalhar, estudar e ler”,
Coffee também é educar sobre nais especializados em extrair explica.
a importância de toda a cadeia as melhores características do O espírito de colaboração, que
produtiva do café de especiali- café, além de incentivar que os não é uma competência técnica,
dade e mostrar ao consumidor funcionários conheçam bastante é essencial para que uma cafe-
que essa dedicação fica explíci- sobre esse universo. teria possa participar do Reci-
ta na xícara. Todas as cafeterias que fazem fe Coffee. Foi por conta desse
Danielle Leal explica que o cir- parte do festival são de rua. princípio colaborativo que os
cuito sempre traz novos aprecia- Não são grandes franquias nem empresários que realizam o
dores de café especial. “Muitos ficam dentro de shoppings. Têm festival decidiram dar um novo
acreditam que não gostam de como atrativo serem locais aco- passo e fundar a Associação dos
café até provarem um grão es- lhedores, com decoração temá- Empresários de Cafeterias de
pecial e comentarem: mas esse tica e detalhezinhos que captam Especialidade de Pernambuco
é doce! Esse não tem amar- olhares atentos e tornam toda a (ASCAPE).
gor!”, afirma. experiência mais gostosa.
Ela também conta sua experi- Suzana Souza é frequentadora De festival a
ência como proprietária de uma do Recife Coffee e estudante de associação
cafeteria que participa desde jornalismo. Em 2017, começou Izabela Hinrichsen explica que,
2017 do Recife Coffee. “O festi- a escrever sobre as cafeterias para os microempresários, o

16
Foto Helena Portilho
mercado brasileiro é cruel. Das movimento”, conclui Izabela. feira nacional ou internacional
taxas aos fornecedores, tudo é O grupo de empresários já era do ramo de café. São vantagens
custoso demais. Com essas di- unido, mas o que chamou aten- que fazem toda a diferença para
ficuldades, os empresários de ção para criar a ASCAPE foi ver microempresários que só uma
cafés de especialidade foram o surgimento de outras associa- associação com CNPJ pode ga-
criando uma aproximação, e o ções como a de cerveja artesa- rantir.
hábito de colaborar entre eles nal - bem articulada, organizada A ASCAPE foi fundada em mar-
foi crescendo a partir de coisas e que tem dado resultados para ço de 2019, e sua primeira atu-
simples. Por exemplo, como os cervejeiros. ação oficial foi a realização da
toda cafeteria precisa de guar- Para os empresários do ramo, o quarta edição do Recife Coffee,
danapos, se um proprietário desafio está na articulação para que aconteceu entre 2 de maio
encontrava um fornecedor que encontrar o equilíbrio entre o e 2 de junho. Esse movimento
vendia mais barato, passava o que você gasta e o que você das cafeterias já pensa no futuro
contato para os outros. “Se a fatura. Enquanto associação, os e promete desenvolver muitos
gente buscasse individualiza- donos de cafeterias conseguem projetos para beneficiar e edu-
ção, a gente se enfraqueceria. realizar suas compras gastando car o público coffee lover, além
Se a gente prezasse pela união, menos, além de terem mais for- de auxiliar os empresários do
a gente ia ganhar a força de um ça para se posicionarem numa ramo.

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Escritor, empresário e amante de
café, Sergio Bivar (41) inaugurou
em setembro de 2018 o Café Liberal
1817 , no Bairro do Recife.
Foto Divulgação

O
Café Liberal 1817 carrega a ambi-
ção de recriar uma época em que
os cafés eram espaços de discus-

Café
são de ideias, política e artes no
Brasil. Inaugurado em setembro de 2018, fun-
ciona no coração do Recife Antigo em um pré-
dio de mais de 100 anos e conta com cardápio
de almoço, música ao vivo e, claro, café. Fomos

Liberal
recebidos pelo escritor e empresário Sergio Bi-
var, fundador do “Liberal”, para uma conver-
sa sobre o que o café representa para o Recife,
para o público e para ele.

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ARABICA - O cenário econômico do Brasil atu- Para você, o café pode ser considerado um
al não é o mais propício para a abertura de no- elemento gourmet?
vos empreendimentos, mas ainda assim você Diria que tudo é gourmetizavel... mas essa pala-
tirou a ideia do Liberal do papel. De onde saiu vra tornou-se demasiado plástica. Todo produ-
o ímpeto de realizar esse investimento mesmo to do segmento de alimentos e bebidas tratado
em condições adversas? pelo prestador com um pouco mais de carinho
SÉRGIO BIVAR - Apesar do cenário adverso, o parece buscar esse reconhecimento. Buscamos
Café foi um projeto concebido três anos atrás, e servir algo de qualidade superior, feito na nossa
fazia parte de uma empreitada maior, que era a terra, e com o cuidado que o insumo requer. O
reconstrução de todo o prédio onde ele se en- selo de gourmet já não diz o que almejamos ser,
contra. soa pretensioso.
Em 2006, eu e mais dois sócios fundamos o Club
Nox. Como hoje, nem de longe quero ver uma
boate na minha frente, quis fazer algo que eu pu- Na sua opinião, qual o diferencial do Liberal
desse frequentar, e que não fosse desaparecer em comparação com outros cafés da cidade?
como um circo. Algo que dissesse do meu esta- O diferencial do Liberal é que ele tenta recriar
do de espírito. um ambiente onde os cafés eram locais onde se
Mas a concretização, por um viés mais pragmá- discutiam ideias, política e as artes, um espaço
tico, se deu por tratar-se de imóvel pertencente de vanguarda, onde se confabulam revoluções, e
a família, onde o custo de aluguel não seria um onde a amizade e a lealdade se constroem. Gos-
problema maior. Afinal, uma coisa é investir num taríamos de ser esse lugar para todos que usam
imóvel que lhe pertence. E ainda, o uso como o Bairro do Recife, e por isso insistimos numa pe-
café, ao meu ver, trata-se de uma vocação natu- gada cultural com música ao vivo, à noite.
ral do espaço. Por fim, como trabalho no Recife
Antigo já há 18 anos, senti que sabia das neces-
sidades do bairro. O modelo de café bistrô, tam- Gostaria que você comentasse a respeito do
bém serve pAra otimizar a utilização do espaço. ambiente do Liberal. É um conceito diferente,
Abrimos às 7 da manhã e alguns dias fechamos ao menos no Recife, para uma cafeteria.
após a meia-noite. Entendo que cada lugar deve almejar ser único.
O Liberal é diferente porque é no lugar mais cen-
Quais os tipos de grãos utilizados no Liberal e tral do Recife Antigo, fica num prédio de mais de
de onde eles vêm? 110 anos. Queremos trabalhar esse acolhimento
Usamos um fornecedor de café do interior de proveniente da nossa história. Lembrar que dá
Pernambuco. Vem de Taquaritinga do Norte. pra se ter orgulho dela, de que coisas excepcio-
Chama-se Puro da Serra. nais ocorrem aqui, como a Revolução de 1817.

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víduo, antes até de qualquer arrebanhamento.
São questões, ao meu ver, consensuais. Não tem
O que se diz político nada ver com o que tão banalmente se discute
hoje é algo muito por aí.

visceral, cheio de O lugar já recebeu algum ataque ou boicote?


interesses paralelos Se sim, como você lidou com isso?
Já houve um esboço de boicote, se não me en-
e intolerância. gano, no intervalo entre o primeiro e o segundo
Toda essa tensão turno. Rebatemos esclarecendo nas redes so-
ciais, quem somos e o que nos propomos.
deixa o debate na
superficialidade O lugar é mais frequentado por pessoas libe-
rais?
Acredito que não. Mas eles se disfarçam bem,
A posição política do estabelecimento, em um posso estar enganado.
cenário tão polarizado como o do Brasil atual,
chegou a atrapalhar os negócios? Você sente falta de outros lugares com este
Entendo que gerou certa desconfiança. A ques- posicionamento político no Recife?
tão ideológica está bastante tensionada por con- Não, não sinto falta. O problema é que há pouco
ta das últimas eleições e materializada em per- espaço para as ideais, a coisa vira Fla-Flu com
sonagens que muitas vezes nem representam as muita facilidade. O que se diz político hoje é algo
ideias nas quais são vinculados. muito visceral, cheio de interesses paralelos e
Contudo, acho que a maior parte dos nossos fre- muita intolerância. Todo essa tensão deixa o de-
quentadores, na parte da noite, são eleitores de bate na superficialidade.
esquerda. Quem pensa, não cai nessa, não se
mostra intolerante, não tem medo dialogar, até Você espera que o Liberal tenha algum impac-
porque acredita no que fala. to, politicamente falando, na conjuntura reci-
Mas nem de perto nos metemos no eleitoral. fense?
Muitas pessoas mais à esquerda que conheço só Espero que consiga resgatar a memória da Re-
não se veem liberais porque não acreditam que volução de 1817. Que possa inspirar o diálogo,
o liberalismo possa existir de verdade. Contu- a fraternidade e um senso de que estamos todos
do, a prova da existência do liberalismo são as no mesmo barco, na mesma história, e que deve-
sufragistas, os movimentos abolicionistas, todas mos sempre buscar motivos para brindar, criar e
as conquistas que remetem à liberdade do indi- almejar alguma coisa de melhor.

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A
bra a porta do Borsoi, pisque mais
demorado, inspire e sinta o chei-
rinho de café que toma conta do
lugar. Esse café clube fica no Edi-
fício Califórnia, no Pina, e coleciona muitos
pontos positivos, apesar de um ou outro de-
sagrado ao cliente.
O lugar é pequenininho e conta com poucas
mesas e um balcão, de onde dá para ver in-
teressante preparação das bebidas servidas
na casa. Cinza, metal e madeira tomam con-
ta do ambiente que tem um ar industrial. As
paredes também se tornam galeria para al-
gumas obras de arte que visitam o local e
alguns produtos artesanais ficam expostos
à venda numa pequena estante. No mesmo
local, também estão livros que os clientes
podem dar uma olhadinha ou ler numa tar-
de chuvosa. Mesmo pequeno, o Borsoi tam-
bém tem a coragem de ser pet-friendly, mas
há de se questionar o bem estar dos bichi-
nhos num ambiente tão restrito. Além disso,
às vezes está lotado e não tem mesa, mas
sempre é difícil de estacionar nos arredores.
A equipe do Borsoi só pode ter sido escolhi-
da pela simpatia, cada colaborador é capaz
de receber os clientes com sorriso largo e
prontidão para apresentar a casa. No entan-
to, quanto ao serviço o café deixa a desejar.
Em ocasiões distintas os pedidos chegaram à
mesa sem o devido cuidado, porque não há
nada mais desconfortável do que quando o

Resenhas
seu cremosíssimo milkshake Madame Decor
(R$18) de chocolate branco (com pedacinhos
macios!), com calda de frutas vermelhas e

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chantilly chega à mesa e você sente a obriga-
ção de esperar o pedido da sua companhia
chegar também.
Pior ainda é quando você convida uma pessoa
para jantar e vocês acabam comendo em mo-
mentos diferentes porque a sua Salada Caesar
com adicional de tiras de filé (R$25) chegou
quase 10 minutos depois do Rocambole de
Queijo e Presunto (R$ 17), que por sinal pa-
recia um salgado e era pequeno demais para
estar na parte do cardápio em que ficam os
pratos principais.
Para acertar em cheio no pedido foi só pedir a
recomendação da barista Renata. Para a tarde,
ela recomendou a fatia de bolo do dia (R$8)
com um café especial filtrado pelo método de
extração Aeropress (R$ 9). Surpreendente. O
bolo chegou bem quentinho, a massa era de Foto Divulgação

canela com pouca marcação de sabor da es- versão fit do pão de queijo que leva linhaça,
peciaria - que ficava por conta da cobertura chia e ricota, é fofinho por dentro e tem aque-
de brigadeiro também de canela. O café foi la casquinha crocante por fora. A versão do
servido numa xícara charmosinha que lembra Borsoi da delícia mineira é muito gostosa, e
copo americano e, por ter notas pouco áci- servida em porções de seis unidades (R$7) pe-
das e ser encorpado, harmonizou bem com o quenas.
bolo. Uma delícia aproveitar um fim de tarde Em linhas gerais, o Borsoi vale a pena quando
aconchegante no Borsoi. cumpre o que promete: café e os tradicionais
Continuando com as boas surpresas, o local acompanhamentos para uma tarde saborosa.
tem opções veganas e conta até com uma Com mais de 20 tipos de café e métodos de ex-
tração no cardápio, a casa faz moagem própria e
se garante em ofertar cursos e oficinas sobre café
Borsoi Califórnia para os apaixonados pelo grão e para os profis-
Da terça à sexta-feira, 9h - 22h sionais da área. Por isso o Borsoi é um lugar no
No sábado e no domingo, das 8h Recife para saborear um café bem feito ou um ca-
(café da manhã) às 22h puccino tradicional, preparado apenas com leite
2º Jardim de Boa Viagem vaporizado, espuma de leite e café. E o melhor
de lá com certeza é o cheirinho de café.

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A
Foto Divulgação

ideia inicial do Praliné era só servir rúcula (R$ 18) valem cada um por uma refeição e
café. Com o tempo, o projeto evo- são muito saborosos.
luiu e incluiu lanches e refeições com À noite, é a vez das sopas satisfazerem o estô-
menu mais robusto, além de com- mago, vendidas em dois sabores diariamente. As
partilhar o espaço com a produção de tortas, ven- opções são de caldo verde, milho, cebola, ervilha
didas pela marca de mesmo nome. e jerimum. Todas custam R$ 16 e vêm acompa-
A casa oferece sete opções diferentes de preparo nhadas de torradas de ervas. Quanto a opções
do café, sendo duas delas os filtrados. A varieda- de sobremesa, tortas, cup cakes e brownies refor-
de pode ser baixa para os mais exigentes, mas ao çam a vocação do Praliné para doces.
menos os preços são bem acessíveis. Nenhuma
opção passa dos R$ 9. Praliné Café et Délices
Se a fome apertar, um dos destaques do menu Da segunda ao sábado, 9h - 17h
são os sanduíches, que o cliente pode optar por No domingo, das 11h às 17h
virem no croissant ou no pão ciabatta. As ver- Rua Guimarães Peixoto, 80
sões recheadas com ricota, rúcula, ratatouille, Casa Amarela, Recife - PE
geleia de cebola e castanha de caju (R$ 14) e Informações (81) 3019-1345
rosbife, gorgonzola, mostarda dijon, tomate e

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Um H
á alguns dias vi uma foto no Insta-
gram. Copo da Starbucks na mão, o
homem na foto era um daqueles com
barba, óculos de armação grossa, al-
gum dinheiro na conta e uma graduação de hu-
manas. Na legenda, “excelente começar o dia

bom
com um bom café!”. Continuei vendo o feed,
mas parei. Voltei para a foto. Um “bom café”? Da
Starbucks? Absurdo.
Lembrei de Ratatouille, a animação. Há uma cena
em que o temido crítico gastronômico prova um
prato e mergulha num vórtice para o dourado
da infância, o calor da comida materna. Uma das

café
mais bonitas que já vi. Café ruim desperta em
mim uma viagem parecida, mas obscurecida pela
raiva com que lembro de certas experiências.
O expresso de aeroporto, feito numa máquina
que nunca conheceu a felicidade da limpeza. O
café já gelado do escritório da firma nova, feito
com um filtro que, descobri depois, estava meio
mofado. O latte horrível e caro, com a consis-

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tência de um chá da pior qualidade, frio como até hoje, sempre que escuta um de nós falando
a morte, comprado num hotel chique, onde eu “adoro esse bolo” ou “adoro essa roupa”. Cer-
obviamente não estava hospedada. tos adjetivos não podem ser despejados por aí
E, claro, o primeiro e único café da Starbucks que em qualquer coisa. Nem mesmo em legenda de
tomei. Avenida Paulista, 2017. Terrivelmente ralo, Instagram.
retrogosto de fumaça, afogado numa camada de O pedantismo da minha indignação até me fez
pelo menos 5cm de chantilly. Puro açúcar. A an- refletir por um bom tempo. Afinal, pra que julgar
gústia da lembrança é ainda maior pelo preço do alguém por uma legenda de foto? Mas imagino
erro. Nenhum dos cafezinhos de fiteiro - tomei que minha indignação não era pedante, só um


o de Seu Sandro diariamente instinto de proteção de todas
nos anos de pobreza estudantil as memórias desse prazer es-
- chegaram àquele nível. E cus-
Entre pecífico que cresceu comigo.
tavam 1 real. estranhamento e Foram cafés suaves, amargos,
Na vida, alguns prazeres ul- paixão, há sempre com chocolate, gelados, de
trapassam o entretenimento. Minas, da Etiópia, em canecas
Tornam-se um interesse, uma
gradualismo – de cerâmica e copos de isopor.
característica definidora. E café prazeres cheios de Cafés da máquina que sem-
pra mim não é bolo de choco- camadas precisam pre quebrava e engolia nos-
late. É um prazer até difícil de sas moedas na escola, quando
sentir. Mas pode levar do doce
ao suave, do amargo ao refres-
cante, do cansaço ao vigor em
disso. Uma
xícara de café é

boa saíamos em bando pra tomar
um na hora do recreio. São
degraus na escada do gosto à
um deles
poucos minutos. Um prazer apreciação. Memórias de for-
que pede paciência, interesse, mação que tornaram um bom
experiência para ser desfrutado. Se bem apro- café a base de lembranças felizes. Talvez eu te-
veitado, é complexo, o que geralmente significa nha ficado triste pelo homem da foto, que pode
causar estranhamento no primeiro contato. Entre ter perdido experiências igualmente coloridas ao
estranhamento e paixão, há gradualismo - praze- assumir a graxa da Starbucks como um estado de
res cheios de camadas precisam disso. Um bom graça.
café é um deles. Ou talvez eu esteja sendo pedante mesmo. Pro-
Daí meu espanto indignado com o título de “um vavelmente ele sequer pensou muito antes de
bom café” desperdiçado na Starbucks. Paulo publicar a foto. Era uma legenda, não um soneto.
Coelho não é Machado de Assis - há limites. Mi- De todo modo, minha tese aqui é outra: “bom
nha avó que o diga. Criou todos os netos com a café” é uma expressão de respeito. Até no Insta-
máxima “adorar, só a Deus” - jargão que repete gram deveria ser usada com moderação.

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Eu medi minha vida com
colheres de café.
- T. S. Eliot

Arabica
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