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Resenhas

A metáfora do corpo: um olhar sobre a


obra de Emily Martin
A mulher no corpo: uma análise formada pela articulação entre os pressupostos
mais gerais da organização social, a
cultural da reprodução. racionalidade biomédica e as percepções e
práticas de mulheres comuns sobre seus corpos.
MARTIN, Emily. A noção de metáfora é o conceito-chave para
compreender a comunicação entre essas
Rio de Janeiro: Garamond, 2006. 378 p. diferentes dimensões discursivas, ao mesmo
tempo que preserva a singularidade e a
gramática particular de estruturação de cada
uma delas.
O livro é dividido em duas partes, que
oferecem uma rica descrição dos saberes
médicos e das mulheres entrevistadas,
A obra da antropóloga americana Emily respectivamente. Na primeira, Martin mergulha
Martin é uma passagem obrigatória àqueles que no discurso médico sobre a reprodução
se interessam pelo estudo da racionalidade feminina, mais especificamente na construção
médica e das representações do corpo científica dos processos da menstruação, da
feminino. Publicado em 1987,1 e traduzido para menopausa e do parto, no período de fins do
o português em 2006 com o título A mulher no século XIX a meados do XX. A partir de uma
corpo, o livro mostra como valores culturais mais convincente argumentação, a autora
amplos se inscrevem nos discursos médicos demonstra como o modelo médico sobre o
sobre a reprodução feminina e nas percepções funcionamento do corpo feminino está
das próprias mulheres acerca de seus corpos. estreitamente relacionado ao modo de
Diferentemente de muitos estudos na área organização industrial capitalista.
das ciências sociais, que tendem a privilegiar a À luz do que designa como “a metáfora
análise de apenas um nível discursivo, seja o da máquina”, a autora descreve a concepção
científico, seja o leigo, a autora empreende do corpo feminino como uma grande fábrica
uma pesquisa de fôlego sobre os pressupostos destinada a produzir bebês saudáveis. Assim, o
culturais que penetram a um só tempo os útero equivaleria a uma máquina de produção
discursos médicos e de 165 mulheres residentes desses bebês; a mulher, à operária da fábrica;
em Baltimore, Estados Unidos, de diferentes e o médico, ao supervisor que coordena as
etnias e camadas sócio-econômicas. atividades do complexo útero-mulher. Nesse
Essa análise exige um empenho modelo, as mulheres estariam alienadas do
metodológico no sentido de desnaturalizar produto de seu trabalho e submetidas ao poder
verdades muito caras vinculadas às do médico-supervisor. Essa mecanização do
concepções modernas sobre natureza e corpo feminino é ilustrada pelo processo de
cultura. Nesse aspecto, a opção pela substituição da mão das parteiras por
investigação do imaginário social em torno do instrumentos como o fórceps e o bisturi.
corpo feminino, mediante a decodificação das A metáfora do corpo como máquina
vozes simultâneas de leigos e especialistas, já também se explicita a partir da descrição da
torna o trabalho de Martin instigante e inovador. menstruação e da menopausa, ambas
Investigando os discursos sobre a resultantes de uma espécie de falha no sistema
menopausa, a menstruação e o parto, a autora produtivo. O sangue menstrual sinalizaria um
conduz o leitor à complexa trama semântica fracasso naquilo que deveria ser o produto do

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processo reprodutivo. Já a menopausa seria pela pesquisadora como um caminho para a
representada como uma ruptura no funciona- liberação, evidenciando, em seus argumentos,
mento hierárquico do sistema de sinalização a influência do pensamento marxista.
entre cérebro, hormônios e ovários; assim, ela Martin segue a mesma linha argumentativa
resultaria da impossibilidade de os ovários cum- ao afirmar que existiria uma ‘experiência corporal
prirem a ordem advinda do ‘centro hipotalâ- comum’ às mulheres. Paralelamente à defesa
mico’ (cérebro), o que produziria uma desordem da conscientização dos mecanismos sociais que
no sistema reprodutivo feminino. transformam o corpo da mulher numa fábrica
Sendo o corpo da mulher representado de produção, ela postula que a experiência
como uma grande fábrica voltada para a corporal feminina pode ser usada como um
produção de bebês saudáveis, tudo aquilo que veículo de resistência e libertação da
se desvia de tal objetivo é desqualificado e visto subordinação da mulher.
como patológico, desperdício, inutilidade, Nas narrativas das informantes, a autora
desordem, excesso, falha. Martin faz um vislumbra algumas tentativas de reintegração e
interessante questionamento à natureza apropriação das forças produtivas do próprio
teleológica desse modelo, que pauta o seu valor corpo, através da vivência íntima das
e a sua finalidade na reprodução. experiências corporais e da destituição – mesmo
Uma das qualidades da primeira parte do que não integral – da intervenção do médico-
livro é desvelar – a partir de fontes médicas – as supervisor no processo reprodutivo feminino. No
suposições culturais implícitas em um discurso caso do parto, por exemplo, ela identifica as
altamente naturalizado e naturalizante. Ou seja, estratégias das gestantes de adiar a chegada
fundamentar aquilo que torna a ciência um ao hospital e vivenciar ao máximo as contrações
sistema cultural e mostrar, assim, que as idéias do parto em casa. Isso seria uma forma de
subjacentes a um corpo reprodutor feminino são resistência ao modelo médico, que expropriaria
fomentadas por uma cultura. Desse modo, a a operária-mulher do produto de sua força de
autora descortina, com engenhosidade, o trabalho.
aspecto cultural e o seu papel na construção À medida que os capítulos avançam,
científica de uma natureza feminina. intensifica-se o engajamento de Martin em prol
Na segunda parte do livro, Martin se atém de uma autonomização e reintegração das
aos depoimentos de mulheres, numa tentativa mulheres a partir das suas experiências corporais.
de identificar os focos de incorporação do No último capítulo, essa posição é levada ao
modelo médico, mas, sobretudo, de resistência extremo, através da argumentação de que tais
e de liberação ao mesmo modelo. Nessa parte, experiências femininas, diferentemente das
ficam evidentes as implicações de sua aborda- masculinas, favoreceriam uma visão de mundo
gem feminista da ciência – posição assumida global – que integraria dicotomias tais como
no prefácio da edição de 1992 –, o que contribui público e privado, trabalho manual e mental,
para uma atitude analítica diferencial em entre outras.
relação às falas das mulheres quando O trabalho de Martin tem o mérito de
comparada à análise do discurso médico. A evidenciar o modo como a cultura afeta as
autora investiga os depoimentos de mulheres construções médicas e de mulheres comuns.
sobre temas como a ‘síndrome pré-menstrual’, Porém, a alusão a uma experiência comum a
a menstruação, o parto e a menopausa. Porém, todas as mulheres remete, de modo paradoxal,
de modo distinto da análiseu e efetuada na a uma espécie de essência feminina calcada
primeira parte, busca ativamente os signos de no corpo. A afirmação de uma experiência
resistência à opressão contra a mulher. feminina comum parece associada ao fato de
O sentimento de raiva, por exemplo, um a pesquisadora não problematizar os pressu-
dos sintomas da ‘síndrome pré-menstrual’, é postos culturais que qualificam como ‘femininas’
concebido como uma manifestação da determinadas experiências corporais. Nesse
indignação das mulheres pela situação de sentido, o feminino acaba se vinculando muito
opressão vivenciada por elas. Para Martin, o rapidamente a um corpo específico e se torna
problema maior, nesse caso, residiria na uma espécie de substantivo, que, como tal, está
atribuição de uma causalidade física pelas indissociavelmente associado a esse corpo.
mulheres ao que seria resultante de um Essa questão conduz à reflexão sobre a
funcionamento social mais geral. A concepção de gênero implícita na obra de
conscientização da real significação dessa raiva Martin. Quanto a esse aspecto, é interessante
(a opressão vivida pelas mulheres) é defendida notar que a autora fala na realidade de ‘corpos

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de mulheres’, o que não parece equivaler, em de ser provocativa. Conforme Rohden salienta
última instância, à idéia de ‘corpos femininos’. na apresentação do livro de Martin, ao mesmo
Assim, chama a atenção o fato de que a autora tempo que a antropóloga americana trabalha
dialoga mais com indivíduos empíricos e menos nos marcos de um construcionismo social, não
com categorias analíticas e abstratas que deixa de conceder um valor particular à
classificam e ordenam os indivíduos em um experiência do corpo. Poucos cientistas sociais
espaço social. Tal ponto de vista parece facilitar tiveram a audácia de arriscar esse tipo de leitura,
a aproximação das mulheres a um corpo o que confere à obra um sentido de novidade,
comum, uma vez que Martin fala de seres que permanece até hoje, apesar de passados
empíricos, cuja classificação (em um corpo vinte anos desde a sua publicação.
feminino que se opõe a um outro, masculino) foi Notas
previamente estabelecida. 1
MARTIN, 2001.
Martin acaba positivando a experiência 2
Fabíola ROHDEN, 1998.
física do corpo, que serve, dessa forma, como
base comum às mulheres para a liberação da Referências bibliográficas
opressão social a que elas estariam submetidas. MARTIN, Emily. The Woman in the Body: A Cultural
Em certos momentos, a defesa da resistência e Analysis of Reproduction. Boston: Beacon
liberação da dominação masculina acaba se Press, 2001 [1987].
antecipando e conduzindo a própria ROHDEN, Fabíola. “O corpo fazendo a
interpretação dos dados, reafirmando-se, assim, diferença”. Mana, v. 4, n. 2, p. 127-141, 1998.
a premissa da opressão feminina.2
Mesmo considerando os riscos inerentes a Fernanda de Carvalho Vecchi Alzuguir
essa argumentação, a sua análise não deixa Instituto de Medicina Social/UERJ

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