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TEORIA UTERÁRlA E ESCRITA DA mSTÓRIA 23

por sua obra, que certamente só fará aumentar com o lançamento previsto para
1994, pela mesma editora, de Trapica of discourse.
A disponibilidade de Hayden White para entrar em contato com o Brasil e o
interesse que vem manifestando nestes dias em estreitar relaçõee com a comuni­
dade acadêmica brasileira acentuaram a impr"""ão original que tive em 1988,
quando o ouvi primeira vez na Universidade de Santa Cruz, California, de que
estava diante de 11m intelectual que é movido pela generosidade, pela inquietaç ão
e pelo projeto de deixar aberta e permanentemente d"""rUld a a atividade de
pesquisa, o artesanato intelectual.
Em nome dos pesquisadores e documentalistaa do CPDOC, abro esta OC8Sáo de
trabalho agradecendo ao professor Hayden White por ter tão pronta e delicadamen­
te aceitado o nosso convite.

Rio de Janeiro, 14 de setembro de 1993


Helena Bomeny
Pesquisadora do CP DOC
Professora da UERJ
Socióloga

m ensaio recente, Jacques Bar­ "história"; e que essa experiência, por


zun caracterizou-se a si próprio conseguinte, pode ser tão vária quanto
como ''um estudioso de história ... an­ os diferentes tipos de diacurso com que
terioJ'luente envolvido no estranho ri­ nos deparamos na própria história da
tual de ensiná-la" e acrescentou: "es­ escrita.
tranho, por�u,:, na verdade, ela só p0- Dentro dessa visão, a "história" é
de ser lida". E claro que ao falar em não apenas um objeto que podemos
"história" Barzun não estava se refe­ estudar e nosso estudo desse objeto,
rindo aos acontecimentos reais do pas­ mas também, e até mesmo antes de
sado, e sim ao aprendizado acumulado tudo, um certo tipo de relação com "o
de sua profISsão. Com essa breve ob­ passado" mediada por 11m tipo distinto
,

servação, contudo, ele nos lembra al­ de discurso escrito. E porque o discurso
gumas verdades que a moderna teoria histórico é atualizado em sua forma
da história vem regularmente tenden­ culturalmente significante como um ti­
do a esquecer: a saber, que a "história" po especifico de escrita que podemos
que é o tema de todo esse aprendizado considerar a importância da teoria li·
só é acessível por meio da linguagem; terária tanto para a teoria como para
que nossa experiência da história é a prática da historiografUl.
indissociável de nosso discurso sobre Antes, porém, de começaImos a dis­
ela; que esse discurso tem que ser es­ cutir a importãncia da teoria literária
crito antes de poder ser digerido como para a escrita da história, é preciso
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fazer algumas observações sobre o dis­ grafIa, mas também e especialmente


curso histórico e o tipo de conhecimen­ para a mosof", da história.
to com que ele lida. Em primeiro lugar, Essa caracterização do discurso his­
o discurso histórico só é possível quan­ tórico não quer dizer que os eventos, 85
do se pressupõe a existência do "passa­ pessoas, as instituições e 08 processos
do" como algo sobre que se pode falar do passado jamais existiram realmen­
de maneira significativa. Esta é a ra­ te. Ela não quer dizer que não podemos
zão pela qual os historiadores nOllllla ­ ter informações mais ou menos preci­
mente não se preocupam com a ques­ sas sobre essas entidades do passado.
tão metafísica de decidir se o passado E ela não significa que não podemos
realmente existe ou com a questão epis­ transfotlüar essas inforu18çóes em co­
temológica de defInir, se é que ele exis­ nhecimento pela aplicação dos vários
te, se podemos realmente conhecê-lo. A métodos desenvolvidos pelas diferen­
existência do passado é uma pressupo­ tes disciplinas que constituem a "ciên­
sição necessária do discurso histórico, cia" de uma época ou de uma cultura.
e o fato de podermos realmente escre­ Ela pretende, sim, enfatizar o fato de
ver histórias é uma prova sufIciente de que a infonnação sobre o passado não
que podemos conhecê-lo. é em si mesma especificamente histó­
Mas, em segundo lugar, o discurso rica, da mesma fonna como o conheci­
histórico, diferentemente do discurso mento baseado nesse tipo de informa­
científico, não preSBupõe que nosso co­ ção tampouco é em si mesmo especifi­
nhecimento da história derive de um camente histórico. Essa informação
método distinto para estudar os tipos poderia ser melhor chamada de "arqui­
de coisas que vêm a ser "passado" e não vística", na medida em que pode servir
'1llesente". Os eventos, as pessoas, as como objeto de qualquer disciplina
estruturas e os processos do passado simplesmente ao ser tomada como as­
podem ser tomados como objetos de sunto das práticas discursivas distin­
estudo por toda e qualquer disciplina tas dessa disciplirUl. Assim também, é
das ciências humanas e sociais e, de apenss ao serem transfoClnad08 em
fato, até mesmo por muitas das ciên­ assunto do discurso histórico que nos­
cias iLSicas. Na verdade, é apenas na sa informação e nosso conhecimento
medida em que são passado ou são sobre o passado podem ser considera­
efetivamente tratadas como tal que es­ dos ''históricos''.
sas entidades podem ser estudadas O discurso histórico não produz por­
historicamente; mas não é a sua condi­ tanto infol'lnação nova sobre o passa­
ção de passado que as torna históricas. do, já que a posse da informação sobre
Elas se tornam históricas apenas na o passado, tanto nova como velha, é
medida em que são representadas co­ uma pré-condição da composição de
mo assunto de um tipo de escrita espe­ um tal discurso. Tampouco pode-se di­
cifIcamente histórico. Barzun tem ra­ zer que ele fornece novo conhecimento
zão ao dizer que a história usó pode ser sobre o passado, na medida em que o
lida", mas ela só pode ser lida se for conhecimento é concebido como um
primeiro escrita. E é porque a história produto de um determinado método de
2
tem de ser escrita antes de poder ser investigação. O que o discurso histó­
lida (ou antes de poder ser dita, canta­ rico produz sáo interpret"fÕes de seja
da, dançada, representada ou mesmo qual for a informação ou o conhecimen­
mmada) que a teoria literária tem im­ to do passado de que o historiador dis­
portãncia, não apenas para a historio- põe. Essas interpretações podem ,,"su-
TEORIA UTERÁRlA E ESCRITA DA HISTÓRiA 25

mir numerosas formas, estendendo-se de seu assunto. A tradução desses dis­


da simples crônica ou lista de fatos até cursos numa {a.....a escrita produz um
''filosofias da história" altamente abs­ objeto distinto, o texto historiográfico,
tratas, mas o que todas elas têm em que por sua vez pode servir de assunto
comum é seu tratamento de um modo de uma reflexão filosófica ou critica.
na tiativo de representação como fun­ Daí as distinções, convencionais na
damentaI pera que 8e perceba seus moderna teoria da histâria, entre a
referentes como fenômenos distintiva­ realidade passada, que é o objeto de
mente ''histâricos''. Adaptando uma estudo do historiador; a historiografia,
frase famosa de Croce aos n0550S obje­ que é o discurso escrito do historiador
tivos, podemos dizer que onde não há sobre esse objeto; e a filosofia da histó­
narra tiva, não existe discurso distinti­ ria, que é o estudo das relações possí­
3
vamente histórico. veis entre esse objeto e esse discurso.
Percebo que ao caracterizar o dis­ Temos de ter em mente essas distin­
curso histârico como interpretação e a çóes se queremo. compreender 08 dife­
interpretação histârica como na...ati­. rentes tipos de importância que a teo­
vização, estou tomando posição num ria literária tem tanto pera a prática
debate sobre a natureza do conheci­ como pera a teoria da escrita histârica.
mento histórico que contrapõe "natIa­
tiva" e '�ria", à maneira de uma opo­
sição entre um pensamento que per­
manece em grande parte ''literário'' e I
até mesmo ''mítico'' e um pensamento
4
que é ou aspira a ser c.ientífico. Mas é A teoria literária tem importância
preciso sublinhar que estamos aqui tanto direta como indireta pera a com­
considerando a questão, não dos méto­ pl"eensão da escrita histórica. Direta,
dos de pesquisa que deveriam ser usa­ na medida em que elaborou, com base
dos pera investigar o pessado, e sim da na moderna teoria da linguagem, algu­
escrita da histâria, do tipo de discursos mas teorias gerais do discurso que po­
realmente produzidos pelos historia­ dem ser utilizadas pera analisar a es­
dores no curso da longa C8neira da crita histórica e pera identíficar seus
história como disciplina. E o fato é que aspectos especificamente ''literários''
a narl"ativa sempre foi e continua sen­ (ou seja, poéticos e retóricos). Na subs­
do o modo predominante da escrita da tituição da noção mais antiga, própria
história. O principal problema pera do século XIX, de "estilo", considerado
qualquer teoria da escrita da história, como o segredo do "escrever bem", pela
portanto, não é o da possibilidade ou noção de estrutura discursiva, a mo­
impossibilidade de uma abordagem derna teoria literária fornece novas
científica do estudo do pessado, mas concepções da própria literaridade. Es­
antes o de explicar a persistência da sas novas concepçõee permitem uma
nal'latíva na historioglaf18. Uma teo.. discriminação da relação entre a fOIma
ria do discurso histórico tem de tratar e o conteúdo do discurso histârico mais
da questão da função da nanatividade precisa do que era possível antes, com
na produção do texto histórico. base na idéia de que os fato<! consti­
Vamos começar, portanto, com o ine­ tuíam o "corJX>" do discurso histórico, e
gável fato histârico de que os discursos o estilo, sua uroupagem'\ mais ou me·
distintivamente históricos tipicamen­ nos atraente, mas de modo algum es­
te produzem interpretações nartativas sencial. 6 Hoje é possível reconhecer
26 ESTUDOS HISTÓRICOS - 1094/13

que no discurso realista, tanto quanto ser analisado como uma estrutura de
no discurso imaginário, a linguagem é lin�gem.
ao mesmo tempo fCnua e conteúdo, e E surpreendente que os filósofos da
que esse conteúdo lingüístico tem de história tenham demorado tanto a re­
ser computado entre os outros tipos de conhecer a importância da linguagem
conteúdos (Cactual, conceitual e gené­ para a compreensão do discurso histó­
rico) que fOnIlam o conteúdo geral do rico, especialmente desde que a filoso­
discurso como um todo. Esse reconhe­ fm moderna em geral fez da linguagem
cimento libera a crítica historiográfica um objeto central de interesse em seu
da fidelidade a um literalismo impos­ exame de outros departamentos da
sível e permite ao analista do discurso ciência. Esse lapso deveu-se em parte
histórico perceber em que medida esse ao fato de que os próprios historiadores
discurso constrói seu assunto no pró­ modernos tenderam a tratar sua lin­
prio proce:5S0 de falar sobre ele. Anoção guagem como um meio não-problemá­
do conteúdo da forma lingüística esba­ tico, transparente, tanto para a repre­
te a distinção entre discursos literais e sentação de eventos passados como pa­
figurativos e autoriza a busca e a aná­ ra a exp ressão de seu pensamento so­
lise da função dos elementos figurati­ bre esses eventos. Mas deveu-se tam­
bém ao fato de que os filósofos que
vos na prosa historiográfica tanto
tomaram o discurso histórico como seu
quanto na prosa ficcional.
objeto específico de análise tenderam a
A importância da moderna teoria li­
acreditar na possibilidade de deSBsso­
terária para a escrita histórica é indire­
eiar o conteúdo factual e conceitual de
ta na medida em que as concepções de
um discurso de sua fOl'lua "literária" e
linguagem, fala, escrita, discurso e tex­
lingüística, no intuito de afirmar seu
tualidade que a infOJlIlam pel'lllitem
valor-de-verdade e a natureza de sua
insights relativamente a alguns proble­
relação com a realidade. Assim, por
mas tradicionalmente colocados pela {v
exemplo, eles tipicamente trataram a
loso{1a da história, tais como a classifi­
nal'lativa menos como uma estrutura
cação dos gêneros do discurso histórico,
verbal do que como uma explicação do
a relação de uma representação históri­
tipo contar-estórias e consideraram a
ca com seus referentes, o status episte­
estória contada numa dada história
mológico das explicações históricas, e a
como uma estrutura de conceitos argu­
relação dos aspectos interpretativos mentativos, cujas partes mantinham
com os aspectos descritivos e explanató­ relações de natureza mais lógica (espe­
rios do discurso do historiador. Amoder­ cificamente silogística) do que lingüís­
na teoria literária ilumina todos esses tica. Tudo isso implicava que o conteú­
problemas dirigindo a atenção para do de um discurso histórico podia ser
aquilo que é bastante óbvio no discurso extraído de sua forma lingüística, ser­
histórico, mas não foi sistematicamente vido numa paráfrase condensada, pur­
levado em consideração até muito re­ gada de todos os elementos figurativos
centemente, ou seja, o fato de que a e tropológicos, e submetido a testes de
história é antes de mais nada um arte­ consistência lógica como argumento, e
fato verbal, produto de um tipo especial de adequação predicativa como um
de uso da linguagem. E isso sugere que, corpo de fato. Mas isso significava tam­
se o discurso histórico deve ser com­ bém ignorar o único "conteúdo" sem o
preendido como produtor de um tipo qual um discurso histórico jamais po­
distinto de conhecimento, ele deve antes deria existir: a linguagem.
,
TEORIA UTERARlA E ESCRITA DA HlSTORlA 27
'

Durante o próprio período em que Febvre ou Tawney, podem"" muitas


esse modelo de argumentação predo­ vezes estar pensando em seu status
minou entre os analistas do discurso como exemplares de um estilo bem-su­
histórico, filósofos como Quine, Searle, cedido de ...crita. M .... ao designarmos
Goodman e Rorty mostravam dificul­ eua obra como "literária" não a esta­
dade em distinguir o que era dito do mos exatamente removendo do domí..
como era dito are mesmo nos discursos nio da produção de conhecimento, e
das ciências fisic8S, quanto mais em sim indicando, simplesmente, até que
um discurso não-forlllalizado como a ponto se pode considerar que a própria
história,6 Seu trabalho confilmava literaturá habita esse domínio, na me­
aquilo que havia sido uma pr.... uposi­ dida em que ela também nos fornece
ção fundadora dos lingüistas, a saber, modelos semelhantes de pensamento
que a linguagem nunca é um conjunto interpretativo. O discurso literário po­
de "formas" vazias esperando para se­ de diferir do discurso histórico devido
rem preenchidas com um ((conteúdo" a seus referentes básicos, concebidos
factual e conceitual ou para serem co­ mais como eventos "imaginários" do
nectadas a referentes pré-existentes que c1"eaÍB", mas os dois tipos de discur­
no mundo, mas está ela própria no so sáo mais parecidos do que diferentes
mundo como uma "coisa" entre outras em virtude do fato de que amb"" ope­
e já é cal'legada de conteúdos figurati­ ram a linguagem de tal maneira que
vos, tropológicos e genéricos antes de qualquer distinção clara entre sua for­
ser atualizada numa enunciação qual­ ma discursiva e sou conteúdo interpre­
quer, 1Udo isso implicava que 88 pró­ tativo penllsnece impossível.
prias distinções entre a escrita imagi­ E por razões como eeta que devemos
,

nativa e realista e entre o discurso rejeitar, rever ou discutir as teoriae


ficcional e factual, em cuja b88e a es­ mais antigas do discurso histórico, ba­
crita historiográfica havia sido anali­ seadaa na idéia de mimese ou de mode­
sada desde a sua separação da retóri­ lo. Uma história é, como diz Ankersmit,
ca, no início do século XIX,7 tinham de menos um retrato destinado a pareoer
ser refOtIlluladas e reconceitualizadas. com os objetos de que fala, ou um modelo
De fato, o exame mais superficial da "atado ao passado por oertas regras de
linguagem de escritos históricos con­ tradução", do que "uma complexa estru­
cretos teria revelado que o conteúdo do tura lingüística especificamente cons­
discurso historiográfico é indistinguí­ truida com o pro�ito de mostnu uma
vel de sua forUla discursiva. Confil'll18- parte do passado".8 Deese ponto de vis­
o o fato de que 88 obraa clássic88 da ta, o discurso histórico não deve ser
historiografia continuaram a ser valo­ comparado a um retrato que n06 penui­
rizadaa por suas qualidades '1iterá­ te ver mais claramente um objeto que
rias" muito depois de sua informação de outra fonna pel'maneceria vago,
ter·se tornado ultrapassada e de se ter apreendido de modo impreciso. Tam­
atribuído às suas explicações o status pouco é ele uma representação de um
de lugares-<:omulll5 do momento cultu- procedimento explicativo destinado fi­
ral em que foram escritas, E verdade nalmente a fornecer uma resposta defi­
o

que, ao falarmos da natureza '1iterá­ nitiva ao problema do "que realmente


ria" de clássicos da historiografia como aconteceu" em um deteIminado domí­
os escritos por Heródoto, Tácito, Guic· nio do passado. Ao contrário, para lIsar
ciardini, Gibbon, Michelet, Tocquevil­ uma formulação populariiada por E. H.
le, Burckhardt, Mommsen, Huizinga, Gombrich em seus ... tudos sobre o re-
28 ESTUDOS HISTÓRICOS - 1994113

aliamo pictórico ocidental, o discurso nhecer a realidade ou deecievê-la, mas


histórico é menos a combinação de uma antes como um tipo especial de uso da
imagem ou modelo com alguma "reali­ linguagem que, como a fala metafórica,
dade" extrínseca do que afeiturade uma a linguagem simbólica e a repre­
imagem verbal, uma "coisa" discursiva sentação alegórica, sempre significa
que interfere na nossa percepção de seu mais do que literalmente diz, diz algo
referente putativo mesmo enquanto fi­ diferente do que parece significar, e só
xa n085ll atenção nele e o ilumina.9 revela algumas coisas sobre o mundo ao
Paul Ricoeur afu'mou que um texto P"'7" de esconder outras tanta...
historiográfico relaciona-se com seu re­ E a natureza metafórica dos gran­
ferente da mesllla maneira como o veíe des clássicos da historiografIa que ex­
cuIa de uma metáfora relaciona-se com plica por que nenhum deles jamais "en­
seu conteúdo. Desse ponto de vista, um caixotou" um problema histórico defi­
discurso histórico é uma espécie de me­ nitivamente, mas antes sempre udes_
táfora ampliada - a definição tradicio­ tampou" ul,Ila perspectiva sobre? pas­
nal de alegoria -e por conseguinte deve sado que inspira mais estudo. E este
ser visto como pertencente à ordem da fato que nos autoriza a classíficar o
fala figurativa, tanto quanto às ordens discurso histórico primordialmente co­
das falas literal e técnica. lO Esta é a mo interpretação, mais do que como
razão por que o discurso histórico, assim uma explicação ou descrição, e sobre­
como o discurso literário ou a linguagem tudo como um tipo de escrita que, em
figurativa em geral, tipicamente parece vez de apaziguar nossa vontade de sa­
ser, como diz Ankersmit, mais "denso e ber, nos estimula a cada vez mais pes­
opaco" do que ralo e transparente, e quisa, cada vez mais discurso, cada vez
resiste tanto à paráfrase como à análise mais escrita. Como diz Ankersmit:
apenas por conceitos lógioos.u Assim
como o discurso poético, tal como foi Os grandes liVIOS no campo da histó­
caracterizado por Jakobson, o discurso ria da historiografIa, as obras de
histórico é ''intensional'', ou seja, é siste-. Ranke, de 1bcqueville, Burckhardt,
maticamente tanto intra como extra­ Huizinga, Meinecke ou Braudel, náo
referencial. Essa intensionalidade dota põem um fim ao debate histórico, náo
o discurso histórico de uma qualidade nos dão a sensação de que agora fi­
de "coisa" semelhante à da enunciação nalmente sabemos como se coisas
poética, e esta é a razão por que qual­ realmente eram no passado, e de que
quer tentativa para compreender como a clareza foi fInalmente atingida. Ao
o discurso histórico trabalha a fim de contrário: esses liVI06 provaram ser
produzir um efeito-conhecimento deve os mais poderosos estimuladores da
se basear, não numa análise epistemo­ produção de mau. escritos - seu efeito
lógica da relação da "mente" do historia­ é portanto afastar-nos do passado,
dor com um '1nundo" passado, mas an· em lugar de colocá-lo sobre uma es­
tas num estudo científico da relação das pécie de pedestal num museu histo­
coisas produzidas pela e na linguagem riográfico de modo que possamos
com outras espécies de coisas que com· inspecioná-lo de todas as perspecti­
preendem Q realidade comum. Em re­ vas possíveis,12
sumo, o discurso histórico não deveria
ser considerado primordialmente como Nada disso implica que náo devemos
um caso especial dos ''trabalhos de nos- distinguir a atividade da pesquisa his­
80S mentes" em seus esforços para co- tórica (o estudo pelo historiador de um
TEORIA LITERÁRIA E ESCRITA DA HISTÓRIA 29

arquivo contendo informações !!Obre o Sendo assim, a análise lógica deve


passado) da atividade da escrita histó­ ser acrescida da análise tropológica, se
rica (a composição pelo historiador de queremoe ter as categoriAS analíticas
um discurso e sua tradução numa f 01'1119 � necessáriAS à compreeMÃo de como o
...
crita). Na fase de pesquisa do seu discurBO histórico produz seus efeitos­
trabalho, os historiadoree ...tão empe­ conhecimento caracteristicos. Se, quan­
nhadoe em descobrir a verdade !!Obre o do visto da perspectiva do lógico, o <fus­
passado e em rocuperar informações CUT80 histórico típico deve ser conside­
esquecidas, ou suprimidas, ou obscura rado como tendo a estrutura mais de um
cicias, e, é claro, extrair delas todo o entimema do que de um verdadeiro si­
sentido que puderem. Ma- entre ess. logismo, é porque variações mais tropi­
fase de pmqui.. , que na verdade não se COR do que lógicas presidem tanto sua

pode distinguir da atividade de um jor­ atribuição, a uma série de eventos, da


nalista ou um detetive, e a conclusão de coerência estrutural de uma fOl"fil8 de
umA história escrita, é prEciso realizar enredo quanto sua atribuição, a um con­
várias operações transfol'lnadoras im­ junto de fatos, de seja qual for o sentido
portantes, nas quais o aspec to figurati­ que se supõe que ele possua. Realmente,
vo do pensamento do historiador é mais é apenas pela operação trópica, e MO
intensificado do que diminuído. pela dedução lógica, que qualquer con­
Na passagem do estudo de um ar­ junto dos tipos de eventos pal!6adoe que
quivo para a composição de um discur- gostariamos de chamar de "históricos"
80 e para a sua tradução numa fOI'ma pode eer (primeiro) representado como
escrita, os historiadores têm de empre· tendo a ordem de uma crônica; (segun­
gar as mesmas eetratêgias da figura­ do) tran.sformado pelo "enredamento"
ção lingtiística utilizadas por escrito­ numa estória oom as fases identificáveis
ree imaginativos para dotar seus dis­ de começo, meio e frm; e (terceiro) cana­
cursos daquelee tipos de significados tiruCdo como o a88unto de quaisquer
latentes, secundários ou conotativos argumentos formais que possam ser
que requererão que suas obras não só aduzidos para estabelecer seu "sentido"
sejam recebidas como mensagens, mas - cognitivo, ético, ou estético, conforme
sejam lidas como estruturas simbóli­ o ca!!O. Essas abduções tropológicae
cas 13 O significado latente, secundá­ oconem na composição de todo discurso
rio ou conotativo contido no discurso histórico, atê m...mo daqueles que, ca­
histórico é a sua interpretação dos mo na moderna historiografia ...trutu­
eventos que constituem seu conteúdo ralista, evitam contar estórias e tentam
manifesto. O tipo de interpretação tipi­ limitarse a análises estatísticas de ins­
camente produzido pelo discurso histó­ tituições e de processos ecológicos e et­
rico é o que dá àquilo que de outra nológicos de longo prazo, efetivamente
Slncrorucos.
• • •

COlma permaneceria apenas uma série


de eventos cronologicamente ordena­ Por que caracterizar essas abduçães
dos a coerência formal do tipo de es­ como tropológicAs?
truturas-de-enredo encontradas na fic­ Porque, em primeiro lugar, enquan­
ção nanativa. A atribuição a uma crô­ to 06 eventoe OCOtlem no tempo, 08
nica de eventos de uma estrutura-de­ códigos cronológicos usadoe para orde­
enredo, que eu chamo de operação de ná-los em unidades temporais especí­
"e nredamento", é feita por meio de têc­ ficas são especificoe-de-cada-cultura, e
nicas discursivas que são de natureza não naturais; e, além disso , devem ser
mais tropológica do que lógica. preenchidos com seus conteúdoe espe-
30 ESTUDOS HISTÓRICOS- ID94/13

cíficos pelo historiador se ele pretende E, em telceiro lugar, qualquer que


constituí-los comofases de um processo seja o argumento que um historiador
contínuo de desenvolvimento históri­ possa avançar explicitamente para ex­
co. A constituição de uma crônica como plicar o significado dos eventoe contidos
um coqjunto de eventoe que pode for­ na crônica, ele se referirá tanto ao enre·
necer os elementoe de uma estória é do usado para moldar a Cl'Ônica num
uma operação de natureza mais poéti­ tipo particular de estória quanto aos
ca do que científica. ÜI3 eventoe podem eventoe em si. Isso significa que o argu­
ser "dados", mas suas funções como mento de um disCU1'6O histórico é em
elementoe de uma estória lhes são im­ última anãlise uma ficção de segunda­
postas - e são impostas por técnicas mão, uma ficção de uma ficção ou uma
discursivas de natureza mais tropoló­ ficção do fazer ficção, que tem com o
gica do que lógica. enredo a mesma relação que este tem
Em segundo lugar, a transfol'mação com a crônica. Tipicamente, a uexplica.
de uma c,ônica de eventos em uma as· ção" será a estória com os eventos dei·
tória (ou em conjuntoe de estória.) re xados de fora e apenas seu conteúdo
quer uma escolha entre vários tipos de conceitual �'fatoe" de um lado e "conec­
tivos" de enredo do outro) oferecido co­
estrutura5.oe..,nredo fornecidas pela
mo material pera a manipulação lógica
tradição cultural do historiador. E em­
(ou, mais tecnicamente, nomológica.o8-
bora a convenção possa limitar a �
dutiva).
lha à série de tipos de estrutura5.oeen­
O diecurso histórico estruturalista
redo adequados à repmsentação dos ti­
consegue o efeito de produzir um relató­
pos de eventoe tratados, essa escolha é
rio "científico"mais pelo movimento bo­
no mínimo relativamente livre. Não há
pológico de desenredar conjuntoe de
nenhuma nec_idade, lógica ou natu­
eventoe históricos previamente enreda­
ral, governando a decisão de colocar em
dos do que pelo fornecimento de qual­
um enredo uma dada seqüência de
quer coisa semelhante ao tipo de com­
eventos como umA tragédia e não como
preensão da história que as ciências
uma comédia ou um romance. Existi·
[",icao fornecem para a compreensão da
riam eventoe intrinsecamente trágicos,
natureza. Paul Ricoeur mostrou, em
ou depende da perspectiva na qual eles
seu recente Temps et récit, como a escola
são vistos? Enredar eventos reais como
dos Anna/ps teve primeiro de construir
uma estória de tipo específico (ou como estruturas discursivas nsuativas em
uma mistura de estórias de tipos espe­ seus relatórios sobre o passado, a fim de
cíficos) é operar tropicamente esses pellllitir que eles passassem por relató­
eventoe. Isto acontece porque as estó­ rios especificamente históricos, antes de
rias não são vividas; não existe uma despojá-los dessa na"atividade a fim de
estória ''real''. As estórias são contadas passá-los adiante como análises "cientí­
ou escritas, não encontradas. E quanto 14
fic8s". Na reflexão historiográfics, ao
à noção de uma estória 'verdadeira", ela que parece, o tratamento científico dos
é virtualmente uma contradição em ter­ materiais históricos é tornado possível
mos. Thda.s as histórias são ficções. O na base de uma virada tropológica nem
que significa, é claro, que elas só podem mais, nem-devemoe acrescentar-me·
ser ''verdadeiras'' num sentido metafó-. nos justificável no campo científico do
rico e no sentido em que uma figura de que aquela que torna possível um trata­
linguagem pode ser verdadeira. Esse mento "literário" deeseB mWIDos mate·
'\rerdadeiro" seria suficiente? r18lS.
• •
TEORIA UTERÁRl A E ESCRITA DA HISTÓRIA 31

Os estudos históricos nunca tive­ nível de generalização para ôutro, de


ram uma revolução copernicana seme­ uma fase de uma seqüência para outra,
lhante à que fundou as ciências IlSicas. de uma descrição para uma análise ou
E apenas o prestígio das próprias ciên, vice-versa, de uma figura para um fun
,

..

cias fl'Sic9s, do ou de um evento para o seu contexto,


prover a humanidade moderna de um das convenções de um gênero pera outro
controle sobre' dentro de um únioo discurso, e AAAim
sonhado, que inspira o esfo,>" em apli­ por diante. &..as viradas podem ser
car seus princípios de descrição, análi­ guvernadas por regra.s fOllllAis de expo­
se e explicação à históris. Mas até que sição lógiea, projeção matemática, infe­
uma revolução copernicana OCOl'l8, OB rência e5tatística, convenções genéricas
estudos históricos pelmaneceráo um ou oratóriAS (PrópriAS do contarestó­
campo de investigação no qual a esco, rias, da disputa legal, do dehate político
lha de um método para investigar o e assim por diante), mas em geral elas
passado e de um modo de discurso para consistem em violaÇÓ€<J dessas regias.17
escrever sobre ele pel"manecerá livre, e Em discuraos complexos como os encon­
não submetida a constrangimento. Na trados na historioglafia ou, na verdade,
historiografia, o discurso sempre foi, e em qualquer das ciênciAS humanas , a.e:
tudo indica que continuará a ser, in­ reg""" de fOllnação do discurso não es­
ve.ntador de regias, tanto quanto go­ táo fIXadas. Diferentemente das transi­
vernado por regias. Em qualquer dis­ ções de um discurso forjjializado, que
ciplina científica, você só pode fazer são governadas por reglBs explícitas de
novas regras fazendo tropos, ou se des­ seleção e combirmção, as viradas de
viando, das velhas regras, mas na his­ qualquer discurso não-fol'jjislizado e a
toriografia você só pode aplicar as ve­ ordem de sua 000 1'1ência não são predi­
lhas regras por meio de táticas tropo­ zíveis antes de sua atualização numa
lógicas. Isso não implica que a historio­ enunciação específica. Esta é a razão
glsim tradicional seja inerentemente por que os esforços para construir uma
não-verdadeira, mas apenas que suas lógica ou mesmo uma gJamática da nar­
verdades são de dois tipos: de um lado rativa fracassaram. Mas as viradas po­
factuais, e de outro figurativas. dem ser identíficadas e classíficadas ca­
mo tipos, e podem-se estabelecer pa­
drões genéricos de 5U9S ordens típicas
de ocorrência em discursos específicos.
11 A classíficação dos tropos da lingua­
gem, da fala e do discurso pel'manece
A tropologia não é, é claro, uma teoris um projeto incompleto (e em princípio
da linguagem, mas antes um feixe mais incompletável) da lingüística figurati­
ou menos sistematizado de noções sobre va, da semiótica, da neo-retórica e da
a linguagem figurativa que deriva da crítica desconstrutiva. Entratanto, os
" . 6
retó·
fIca ncoe RS'UC8.1 Ela' .lornece as· quatro tipos gerais de tropos identifi­
sim uma perspectiva sobre a linguagem cados pela teoria retórica neoclãssica
a pertir da qual se pode analisar os parecem ser básicos: metáfora (basea­
elementos, níveis e procedimentos com­ da no princípio da similitude), metoní­
binstórios de discursos não-formaliza­ mia (baseada no princípio da contigüi­
dos e, especislmente, praglnãticos.16 A dade), sinédoque (base ada na identifi­
tropologia concentra sua atenção nas cação de partes de uma coisa como
"viradas" de um discurso: virada de um pertencendo a um todo), e ironia (ba-
32 ESTIlOOS HISTÓruCOS - I094J13

8
seada na oposição).1 Considerados co­ que eles descubram a verdade, apresen­
mo as estruturas básicas da figuração, tem novos fatos e ofereçam novas inter­
esses quatro tropos nos fornecem cate­ pretações dos fatos. ''De fato", concede
gorias pora identificar 08 modos de ele, ''para serem chamados de historia­
vincular uma ordem de polavras a uma dOI,,", eles têm de voltar (volvere) sua
ordem de pensamentos (por exemplo, investigação para alguma forma de his­
"maçã" a "tentação'� no eixo poradig­ tória. Mas SUA8 histórias têm de eer
.2
mático de uma enunciação, e uma fMe histórias verdadeiras.' 1 Apenas a ver­
de um diecurso à!s Caeee snteMo]C6 e dade dos fatos e, presumivelmente, a
posteriOles (por exemplo, parágrafos plausibilidade das interpretações con­
ou capítulos "transicionais'� no eixo tam; a fOima lingüística. e o modo gené­
sintagmático. A predominância de um rico como elas são aplC6Cntadas, a dic­
modo de associar polavras e pensa­ ção e a retórica do discu1'l5O. não têm a
mentos uns com 08 outros ao longo de menor importância.
todo um discurso noe pennite caracte­ Me importa, sim. se os eventoe eão
rizar a estrutura do discurso como um apresentad os como partes de um todo
todo em termos tropológicos. As estru­ (com um significado nâo apreensível em
turas tropológicas da metáfora, da me­ nenhuma das partes tomadas indivi­
tonímia, da sinédoque e da ironía (e o dualmente), à maneira de um realista
que eu considero, seguindo Frye, como platónico, ou se um todo é apresentado
seus tipos de enredos COnespondente&: como nada ma ia que a 80ma de B\lAS
Romance, Tragédia, Comédia e Sátira) diversas partes constituintes, à manei­
nos fornecem uma classificação muito rade um nominalista. Isso importa para
mais refinada dos tipos de discursos o tipo de verdade que se pode esperar
históricos do que aquela baseada na derivar de um estudo de qualquer con­
distinção convencional entre replC junto de fatos. E tenho confIAnça que
sentaçõee "lineares" e "cíclicas" do pro­ mesmo Momigliano admitiria que a es­
cesso histórico. 19 Elas tembém nos colha de um estilo farsesco de repre­
pelmitem ver mais claramente ae ma­ eentação de alguns tipos de eventos his­
neiras pelas quais o discurso histórico tóricos constituiria, não apenas um tra­
se parece com e de fato converge para ço de mau gosto, mA" também uma
a narrativa líccional, tanto nas estra­ distorção da verdade a eles ligada. O
tégias que usa para dotar os eventos de mesmo se pode dizer da escolha de um
signíficados como n08 tipos de verdade modo irônico de repIesentação. Um mo­
com que lida. do de representação como a ironia é um
Mas pode-se muito bem perguntar,
, conteúdo do discurso no qual ele é usa­
e daí? Como diz Arnaldo Momigliano: do, e não apenas uma fOnua - como
"Por que eu deveria me preocupar se um qualquer pessoa que já ouviu observa­
historiador prefere apresentar a parte ções irônicas sabe muito bem. Quando
pelo todo em vez do todo pela parte? falo com ou sobre alguém ou alguma
Mmal, nâo me importa se um historia­ coisa de um modo irônico, estou fazendo
dor escolheu escrever num estilo épico mais do que apenAS revestir minhas
ou introduzir falas (discorsL) em s"as observações de um estilo mordaz. Estou
JlB.ttaÇÕE!6. Não tenho nenhuma razão dizendo a seu respeito maia coisas e
para preferir historiadores sinedóticos coisas diferentes do que pareço estar
a historiadores irônicos ou vice-vel"­ afIrmando no nível literal da minha fa­
sa.'.20 Na visão de Momigliano, os úni­ Ia. O mesmo acontece com um discurso
cos requisitos para os historiadores são histórico enunciado num modo predo-
TEORIA UTERARIA E ESCRITA DA HlSTORlA
• •

33

minantemente irônioo, e com 06 outr{)8 sentido das experiências por que essas
mod"" de enunciação que posso empre­ famílias p8Maram. No caso citado, tra­
gar para falar seja lá do que for. ta-se de experiênciAS antes de mais na­
O mesmo tipo de reep08ta pode ser da e acima de tudo políticas, e uma das
dado a historiadores e filóeof"" da histó­ maneiras de lhes dar sentido é penspr
ria que rejeitam a análise retórica d"" sobre elas "historicamente". Ma. 6V3e
texroe históricos sob a alegação da que pensamento tende tanto mais a ser tnS­
ela llO5 desvia das questões mAjs sérias pico, discursivo e ficcional (no sentido de
com as quais 58 deveria preocupar 11ma '�maginário'� na medida em que ele é
crítica politicamente comprometida ou politicamente engajado ou ideologica­
socialmente engajada. Em ensaio re mente motivado. Não existe uma p08i­
cente, Gene Bell-Villada, um crítico da ção "superior", nem mesmo a marxista,
literatura latino-americana historica­ que não seja igualmente trápica, di"'lJr­
mente autoconsciente, escreve: siva e ficcional. Ocotl" uma pane da
consciência histórica quando se eequece
Enquanto isso diante de um panora­
,
que a 'iJlistórm", no sentido tanto de
ma sociopolítico interno que começa eventoe como de relatórioe de eventoe,
a parecer vagamente "latino--smeri· não acontece apenas, e sim é feita. Mais
cano", somado a alguns "regimes que isso devemos acroocentar, é feita
,

amigos" sul-american08 que se coma doe dois lados das barricadas, e tão efe­
portam de maneira crescentemente tivamente por um lado quanto pelo ou­
nazista, a única resposta que o ues_ tro.
tablishment crítico" dos Estados Bell-Vulada sabe perfeitamente
Unidos oferece são seus elaboradoe bem disso, e suas próprias observações
esquemas paraliterárioe, 15'188 guer­ sobre o sentido de história que impreg­
ras à referencialidade e suas prega­ na a obra doe escritores modernoe lati­
ções de que "História é Ficção, Tropo no-americanoe deixa ÍSBo claro. Dese­
e Discurso". As famílias de vários jaria ele dizer que as obras desses au­
milhares de vítimas d"" pelotões da tores não nos ensinam sobre a história
morte salvadorenhoe talvez alimen­ real porque são ficções? Ou que, sendo
tem ol\.bUl pensamentoe sobre a his- ficções sobre ahistária, elas estão isen­
· 22
tóna. tas de tropismoe e di...ursivídade? Os
romances deMes autore!! são menos
Não tenho dúvida de que as famm•• verdadeiros por serem ficcionais? São
mencionadas neste trecho lealmente eles menos ficcionais por serem histó­
têm sobre a história outltXS pensamen­ ricoe? Poderia qualquer história ser
toe que náo o de que ela consiste em tão verdadeira quanto eMes romances
"Ficção, Tropo e Discurso"-se équeelaa sem fazer uso do tipo de tropos poéticos
se dão o trabalbo de pensar sobre a encontradoe na obra de Vargas Lloea,
''história'' de todo. Elas seriam tão bobas Carpentier, Danoso e Cortazar?
quanto o profeesor Bell-Villada aparen­
temente pensa que eu sou se até mesmo
"alimentassem" essee pensamentos.
Mas este não é realmente o ponto em 111
questão. A "história" que estamos discu­
tindo é aquela que toma fOl'ma na lin­ Apresentei em outros traballioe ar­
guagem, na emoção, no pensamento e gumentoe em defesa das p08ições esbo­
no discurso, na tentativa de extrair um çadas acima e demonstrações, sob a
34 ESTUDOS HISTÓRICOS - 1994/13

forma de explicações extensivas de tex­ é apresentado são tropológicas, e não


toe historiográficos especificos, de sua lógicas ou racionalmente deliberati­
possível utilidade para a compreensão vas, o discurso histórico é privado de
daquilo que a composi�ão de um dis­ suas pretensões de verdade e relegado
curso histórico envolve. 3 Não tentarei ao domÍlÚo fantasioso da ficção. Esses
recapitular aqui os detalhes desses ar­ dois argumentos são freqüentemente
gumentos por falta de espaço, mas tal­ fundidos e expressos de modo mais
vez seja útil sumariar alguns tipos de conciso na afirlllação de que a teoria
objeções levantadas pelos críticos das faz da historiografia pouco ma is que
posições aqui apresentadas. São qua­ um exercício retórico e por isso mesmo
tro as objeções gerais. mina a pretensão da história de forne­
Aprimeira objeção à teoria é que ela cer verdades sobre e conhecimento dos
parece nos comprometer com o deter­ seus objetos de estudo.
minismo lingüístico ou, o que vem a A segunda objeção geral é dirigida
dar no mesmo na cabeça de alguns contra a teoria da natureza tropológica
críticos, com o relativismo lingüístico. da linguagem e suas implicações para o
Nessa teoria, argumenta·se, o histo· discurso histórico. A teoria tropológica
riador parece ser um prisioneiro do da linguagem parece dissolver a distin­
modo lingüístico no qual ele ilÚcial­ ção entre fala figurativa e literal, fazen­
mente descreve ou caracteriza seu ob­ do da última um C"SO especial da pri­
jeto de estudo: ele só pode ver o que a meira. A teoria vê a linguagem literal
sua linguagem lhe permite conceitua­ como um conjunto de usos figurativos
lizar. Essa circunstância parece esta­ que foram regularizados e estabelecidos
belecer limites ao que pode ser apren­ como fala literal ulÚcamente por con­
dido no processo de investigar a evi­ venção. O que é literal num momento do
dência e não leva em conta o fato de que desenvolvimento de uma comurúdade
05 historiadores inegavelmente mu­ lingüística pode assim tornar-se figura­
dam sua percepção das coisas no curso tivo em outro momento e vice-versa, de
de sua pesquisa e revêem suas concep­ modo que o significado de um dado dis­
ções dos significados dessas coisas na curso pode mudar ao sabor de qualquer
reflexão sobre a evidência. mudança nas regIas para se determi­
Uma objeção similar, baseada nas nar o que conta como fala literal e o que
mesmas alegações gerais, é levantada conta como metáfora. ISBO parece dar
em relação ao relatório escrito do his­ autoridade para se determinar 08 signi­
toriador sobre suas descobertas. A teo­ ficados dos discursos, não nAS intenções
ria tropológica do discurso histórico de seus autores nem naquilo que 05
parece obscurecer o fato de que uma textos por eles escritos dizem manifes­
obra histórica é um relaiório dos fatos tamente, mas nos leitores ou MS comu­
descobertos na pesquisa, das crenças nidades leitoras, que têm pel'missão pa­
do historiador quanto à verdade desses ra fazer deles o que quiserem ou o que
fatos, e da melhor argumentação que as convenções ordinárias que governam
ele pode imaginar a respeito das cau­ a distinção entre fala literal e figurativa
sas, do significado ou da importância peJ"mitirem. Assim, parece que, na te0-
dessas verdades para a compreensão ria tropológica da linguagem, não pode­
do campo de ocorrências que ele estu­ ríamos mais apelar para "os fatos" a fim
dou. Ao sugerir que as conexões entre de justificar ou criticar qualquer inter­
os vários elementos, níveis e dimen­ pretação da realidade. O que poderia


sões do discurso no qual o argumento contar como um fato seria infinitamente
TEORIA LITERÁRIA E ESCRITA DA HISTÓRIA 35

revisível, na medida em que a noção do (predicativas), fátiC2s (comunicativas) e


que conta como uma afu'Wação literal e expressivas (autorais).24 Como se pre
do que oonta como uma afUlllação me­ tande que um discurso histórico seja
tafórica mudasse. Em 8uma, a teoria primordialmente referencial, expressi­
tropológica da linguagem e do discurso vo (do pensamento racional de seu autor
se choca com a própria concepção de sobre seus referentes) e comunicativo, a
factualidade, e especialmente com as teoria tropológica do discurso trata a
pretensões dos historiadores relativas à história de maneira imprópria, como se
verdade Cactusl, não apenas de suas ela fosse apenas uma ficção. Com isso,
afumaçãee sobre eventos particulares, a "realidade" de seus referentes é nega­
mas de seu discurso como um todo. Se da, e substitulda pelo que Barthes irliu­
uma declaração factual não é apenas riosamente chamou de "o efeito-realida­
uma proposição existencial singular de",26 uma construção puramente retó­
emitida na linguagem literal, mas tal rica. Mas como os objetos do estudo
proposição mais as convençóes implíci­ histórico são (ou eram) objetos reais, e
tas para determinar o que deve contar os historiadores pretendem fazer refe­
como literal e o que deve contar como rencias precisas a eles e declaraçãee
figurativo nessa proposição, então essas verdadeiras a seu respeito, a eJisão da
declarações não podem mais ser toma­ distinção entre a função referencial e as
das por seu valor nominal. Como o pa­ outras funções do discurso coloca em
pel-moeda, elas só podem ser cobradas questão a existência da própria realida­
pela taxa vigente de seu valor em moeda de e a própria possibilidade de uma
literal. Como ..",.,. taxa estã sempre flu­ representação especificamente ')ealis­
tuando, nunca se pode saber onde se ta" dela.
está pisando em relação aos "fatos da Se a teoria tropológica da linguagem
realidade". A teoria tropológica da lin­ e do discurso parece minar a pretensão
guagem, então, ameaça a pretensão se­ do historiador de lidar com fatos liga­
cular da história de tratar de fatos, e dos a objetos reais particulares, ela é
portanto seu stahuJ como uma discipli- ainda mais ameaçadora para a preten­
.
na emplrlC8. são de lidar com fatos de natureza mais
,

A terceira objeção geral à teoria tlv­ geral, coletiva ou procesaual. Isto acon­
pológica da linguagem e do discurso em tece especialmente em relação à noção
sua relação com o discurso histórico vol­ de que o conto contado pelo historiador
ta·se para suas implicaçãee com relação natlativo é uma estória uverdadeira",
à natureza dos objetos estudados pelos e não "inventada". 'Verdadeira" é en·
historiadores. A teoria parece implicar tendida aqui como conforme ao "que
que esses objetos não são encontrados realmente aconteceu", enquanto o uque
no mundo real (mesmo se esse mundo realmente aconteceu" é considerado
real for um mundo plesado), mas MO como tendo sido uma fOl'ma de vida
antes construções da linguagem, obje­ humana, individual ou coletiva, com o
tos espectrais e irreais, poética ou reto­ contorno e a estrutura de uma estória.
ricamente "inventados" e cuja existên­ A teoria tropológica, ao sugerir que
cia se lt!l5tringe aos liVIW. A teoria, nu­ uma estória só pode ser uma constru­
ma palavra, enfatiza as funções poéti­ ção de linguagem e um fato do discur­
CAS (auto-referentes), conativas (afeti­ so, parece minar a legitimidade das
vas) e sobretudo meta\ingüisticas (codi­ pretensões à verdade do modo tradicio­
ficadoras) do discurso histórico às ex­ nal do discurso histórico, a narJativa.
pensas de SUAS funções referenciais Assim, enquanto parece dissolver as
36 ESTUDOS HISTÓRICOS - 1994/13

pretensões do historiador científico à necessárias, e sua utilidade para a


cientificidade, a teoria tropológica do compreel15ão do diacurso histórico,
discurso histórico também dissolve a Bem�nseqüência. Deve ser assinala­
tradicional pretensão do historiador do, contudo, que as teorias tropológicas
natlstivo a ter fornecido urna estória do diacurso não exatamente dissolvem
que é verdadeira, e não imaginária. essas distinções, e sim as reconceitua­
Finalmente, uma quarta objeção ao lizam. Enquanto a teoria crítica tradi­
uso da teoria tropológica da linguagem cional vê as dimensões literal e figura­
para a análiae do discurso histórico tiva, ficcional e factual, referencial e
volta-se para a questão de suas impli­ intensional da linguagem como alter­
cações para o status epistêmico do pró­ nativas opostas, e mesmo mutuamen­
prio diacurso do crítico historiogrãfico. te excludentes, de todo discurso sério,
Se todo discurso é fictício, figurativo, a moderna teoria da linguagem e da
imaginativo, poético-retórico, se ele in­ literatura tende a vê-las como os pólos
venta seus assuntos, ao invés de encon­ de um contínuo lingüístico entre 05
trá-los no mundo real, se ele só-deve ser quais a fala deve se mover na articula­
tomado figurativamente, e assim por ção de todo e qualquer discurso, seja
diante, como a teoria tropológica pare­ ele sério ou frívolo. Na medida em que
ce sugerir, isto também não valeria esse movimento dentro do discurso é
para o discurso do tropologista? Como ele mesmo por natureza tropológico,
pode o crítico tropológico levar seu pró­ precisamos de uma teoria tropológica
prio discurso a sério ou esperar que para guiar sua análise.
outros o façam? Não seria a própria Quanto às objeções em si, as seguin­
tropologia uma ficção, e as afi.mações tes respostas podem Ber dadas:
feitas com base' nela apenas ficções das Primeiro, não há nada na teoria tro­
ficções que ela pretende encontrar por pológica que implique detel"lninismo
toda parte? Em resumo, a teoria tropo­ ou relativismo lingüistico. A tropologia
lógica da linguagem parece tornar im­ é uma teoria do discurso, não da mente
possível uma crítica cognitiva mente ou da consciência. Embora assuma que
responsável, e como tal mina a própria a figuração não pode ser evitada no
atividade da crítica. discurso, a teoria, longe de implicar o
determinismo lingüístico, procura for­
necer o conhecimento necessário para
uma escolha livre entre diferentes es­
IV tratégias de figuração. Ela tampouco
sugere, como Whorf, que a percepção é
Essas objeções pareceráo mais ou determinada pela linguagem e que a
menos constrangedoras conforme o verdade de um discurso é relativa à
grau de confiança que se tenha nas linguagem na qual ele foi escrito. Como
distinções convencionais entre fala li­ uma teoria do diacurso, a tropologia
teral e figurativa, discurso referencial tem muito a dizer sobre representação,
e não-referencial, prosa factual e ficcio­ mas nada a declarar sobre percepção.
nal, o conteúdo e a fOl"ma de um dado Em segundo lugar, a tropologia não
tipo de discurso, e assim por diante. nega a existência de entidades extra­
Onde essa confiança for grande, as for­ discursivas ou nossa capecidade de nos
mulações alternativas das diatinções referillnos a elas ou representá-ias na
oferecidas pela moderna teoria da lin­ fala. Ela não sugere que "tudo" é lingua­
guagem e da literatura parecerão des- gem, fala, discurso ou texto, mas apenas
TEORIA UTERÁRlA E ESCRITA DA HISTÓRIA 37

que a referencialidade e a repre possibilidade de que a fala figurativa


sentação lingül.stica MO AMuntoe muito poesa ser tão verdadeira à eua maneira
mais complicados do que as antigas no­ quanto a fala literal.
ções literalisw da linguagem e do dis­ Em quarto lugar, a teoria tropológi­
curso entendiAm. A tropologia ""blinha ca náo destrói a diferença entre fato e
a função metalingürstica, mais do que ficção, mas rederme as relações entre
referencial, de um discurso porque estã o. doU. dentro de qualquer discurso. Se
mais preocupada com 08 códigoe do que não existem 'Tatos brutos", mas apenas
com as mensagens contingente.. que evento.. sob diferente.. descrições, a
possem ser transmitidas por meio de factualidade torna-se questão dos pro­
usos específiC08 dB88B8 códigoe. Na me­ tocolos descritivos usados para trans­
dida em que OS códigoe são eles próprios, formar eventoe em fatos. As descrições
por direito nato, conteúdos-mensagens, figurativas de eventos reais são náo
ela expande a própria noção de mensa­ menos "factuais" do que literalisw,
gem e nos alerta para o aspecto perfor­ são apenas factuaÍs - ou, diria eu, "fac­
mance, 8S15im como para o epecto c0- tológicAs" - de maneira diferente. A
municativo, do discurso. teoria tropológica implica que náo de­
Em terceiro lugar, a tese de que todo vemoe confundir "fatos" com "eventos".
di""urso é por estrutura tropológico ""­ Os eventos acontecem, os fato.. são
gere realmente que o mesmo possa ser constituídos pela descrição lingüística.
dito do próprio discurso do tropologista. O modo da linguagem usado para cons­
Mss ÍMo implica apenas que a análise tituir os fatos pode ser formalizado e
tropológica deve ser elaborada com a governado por regIas como nos discur­
,

plena const:iência de seu próprio aspecto sos científicos e tradicionais; pode Ber
figurativo. Longe de implicar que a aná­ relativamente livre, como em todo du.­
lise tropológica seja um jogo frivolo, a curso literário ''modernista''; ou pode
teoria tropológica implica que devemos ser uma combinação de práticas du.­
repensar a própria distinção entre dis­ cursivas formalizadas e livres. No se·
curso sério e não-8ério. Quando os críti­ gundo e no terceiro casos, a tropologia
cos tropológicos analisam a estrutura oferece uma perspectiva melhor para a
tropológica de um texto, eles estão fa­ teoria da invenção discursiva do que 08
lando sobre fatos fato.. de linguagem,
-
modelos lógico ou gramático de discur­
de discurso e de textualidade - lI,esmo sividade. E desde que a historiografia
se estão falando numa linguagem que em geral tendeu e ainda tende a per­
sabem ser tão figurativa quanto literal. manecer uma combinação de práticas
Eles estão se referindo a coisas que discursivas governadas por regias com
percebem ou acreditam perceber no tex­ práticas livres, a tropologia tem espe­
to, mesmo se estão se referindo tanto na cial relevância para o esforço de com­
maneira indireta da fala figurativa preendê·la.
quanto na maneira direta da fala litera­ A tropologia é especialmente útil pa­
lista. Deve então seu discurso ser levado ra a análise da historiograflB nanati­
lia sério", como "realmente significando" va, porque a história nanativa é um
o que diz? E claro que sim, mas apenaR

modo de discurso no qual as relações


desde que ''seriedade'' náo seja equipa­ entre o que uma dada cultura conside­
rada a estreiteza literal-mental, '\oigni­ ra como verdades literais e 88 verdades
ficado" náo seja identificado unicamen­ figurativas expressas em SilOS ficções
te com significado literal, e "lealmente" características, os tipos de estórias que
náo seja entendido como exclusão da ela conta sobre si mesma e sobre os
38 ESnJOOS HISTÓRICOS IO�/13
-

outros. podem ser testadas. Nas nana­ filósofos e historiadores. sobre a questão
tivas históricas, as fOl'l119S�de--enredo do �ível status da hiatória como ciên­
dominantes utilizadas por uma cultu­ cia.26 A questão da narrativa foi levan­
ra para "imaginar" os diferente. tipos tada neesa discussão, rnae primordial­
de significado (trágico. cômico. épico. mente em tellU08 de sua adequação ao
farsesco etc.) que uma forma de vida objetivo e aos propósitos do discurso
distintivamente humana pode ter são cientifico. Um lado. nesse debate. sus­
testadas contra a informação e o co­ tentava que. se os estudos históricos
nhecimento sobre as formas especifi­ fossem ser transfOJ"lI1Rd06 numa ciên­
cas que a vida humana teve no passado. cia, o modo nanativo do discurso, sendo
Nesee processo, não apenas as formas por natureza manifestamente ''literá­
passadas de vida humana são dotadas rio", era ineesencial para o estudo e a
dos tipos de significado encontrados escrita da história. O outro considerava
nas formas de ficção produzidas por que a nanativa era não apenas um
uma dada cultura, mas 08 gXB\l8 de modo de discurso. mas também. e o que
"verdade" e ''realismo'' dessas formas é mais importante. um modo especifico
de ficção em relação aos fatos da reali­ de explicação. Embora a explicação nar­
dade histórica e ao nosso conhecimento rativa diferisse do modo de explicação
histórico dessa realidade podem ser (nomológico-dedutivo) dominante nas
medidos. Essa relação entre a inter­ ciências flSicas, ela não devia ser consi­
pretação histórica e a representação derada inferior a ele. era especialmente
literária diz respeito não apenas a seu adequada à representação dos eventos
interesse mútuo em estruturas-de-en­ históricos em cont.aste com 05 naturais,
redo genéricas. mas também ao modo e poderia portanto ser usada com per­
nal'lativo de discurso que elas parti­ feita propriedade para a explicação de
lham mutuamente. eventos especificamente históricos. Es­
se debate especifico se encenou em al­
gum momento da década de 1970. da
maneira como se pode esperar que um
v debate filosófico se encene: com um
compromisso. Foi decidido. por consen­
E porque o discurso histórico utiliza so geral. que a nal'lativa era adequada­
,

estruturas de produção-de-significado mente usada na historiografia para al­


encontradas em sua fOl'ma mais pura guns propósitos. mAs não para outws.
nas ficções literárias que a moderna Mas tão logo foi aparentemente re­
teoria literária. especialmente em suas solvida. a questão foi reaberta pela ex­
versões orientadas para as concepções plosão na cena crítica de umA outra
tropológicas da linguagem. discurso e disclJMão que vinha ee arutando em
textualidade. é imediatamente rele­ outro reduto e que tinha a ver com o
vante para a teoria contemporánea da "conteúdo" implícito do discurso nal'la·
escrita da história. Ela se relaciona tivo em geral. Enquanto a antiga dis­
diretamente com um dos debates mais puta se centrara na relação do discurso
importantes da teoria histórica con­ na tiativo com o conhecimento científi­
temporánea: aquele sobre o status co. a nova enfatizava a relação da nar­
epistémico da nanatividade. rativa com o mito e a ideologia. Assim.
Esse debate se ergue contra o pano por exemplo. Barthes sustentava que
de fundo de uma discussão de quarenta a própria na.,atividade era o conteúdo
anos. iniciada na década de 1940. entre efetivo do ''mito moderno" (com o que
39
, ,

TEORIA UTERARlA E ESCRJTA DA HJSTORtA

ele queria dizer "ideologia'1, Kristeva constitui a tentativa mais abrangente


(seguindo AlthllB6er) acusava a nana­ de sintetizar o pensamento ocidental
tividade de ser o instrumento por meio moderno sobre a história, Temps et récit,
do qual a sociedade produziu o "sujeito" anunciou uma verdadeira metaf'lSica da
auto-Dpressivo e complacente a partir nanativa e uma defesa de sua adequa­
do "indivíduo" originariamente auw. ção, não apenas à representação histó­
nomo. Derrida citava a nal" ]ativa como rica, mas também à representação das
o privilegiado "gênero da lei", 4'otard "estruturas de temporalidade" funda­
28
atribuia a "condição pés-modernista" mentais,
ao colapso de um "conhecimento nar­ Obviamente, esse debate envolveu
rativo" de natureza puramente Ucoetu_ algo mais do que uma questão de "fOIma
meira", E, maÍB recentemente, Sande literária", Com exceção daqueles histo­
Cohen representou a consciência nar­ riadores proflSS ionais que a viam como
rativa como a encarnação de um modo um cosmético pam um conhecimento
de pensar puramente "reativo" e "de­ demasiado árido para ser tomado puro
sintelectivo" e como o principal empe­ p:>r uma audiência leiga, a 1l8nstiva
cilho a um pensamento "crítico" e ''teó- estava sendo tmtada como muito mais
. 27
rICO" nas ClenC18S
·.. · . umanas.
h do que um meio' de transmitir mensa­
Ao mesmo tempo, porém, os defenso­ gens que poderiam ser transmitidas
res da narl'atividade não ficaram au­ igualmente bem por oulIas técnicas dis­
sentes, Alguns historiadores iroportan­ CUrsiVB5. Ao contrário, a na.,ativa esta­
tes, como Laurence Stone, Dominick va sendo tratada como se fosse uma
LaCapra, James Henretta e Bernard mensagem por direito nato, uma men­
Bailyn, recentemente sublinharam a sagem com seu próprio referente e um
desejabilidade, se não a necessidade, da significado muito diferente daquilo que
narrativa como um antídoto para o ela aparenta apenas ·�conter". Porexem­
alheamento dos leitores leigos, afasta­ pio, Jameson fala da nal'lativa como
dos pela abstração e falta de intiroidade "uma instãncia central da mente huma­
da historiografia "técnica", Alguns Alv na e um modo de pensar tão cabalmente
nalistes temíveis, mais destacadamente legítimo como o do pensamento abstra­
29
Leroy Ledurie e Le Golf, não apenas to", Lyotard e McIntyre, embora de
chegaram a admitir a desejabilidade da perspectivas ideológicas diametral­
nalTativa para a representação de cer­ mente opostas, referem-se à função so­
tos tipos de fenômenos históricos, como cial da nallativa como o suporte básico
realmente cometeram atos explícitos de de qualquer '�egitirnação" efetiva do co­
nanatividade historiográfica, Entre os nhecimento e da autoridade ético-políti­
teóricos literários, Frederic Jameson ca, 30 E Ricoeur sustenta que a narrati­
tentou reenergizar o marxismo subli­ va, longe de ser apenas uma fOima, é a
nhando seu status, menos como uma manifestação na linguagem de uma ex­
ciência do que como uma �'nanativa ' periência de tem�ralidade distintiva-
3
mestra" da história que poderia forne­ mente humana, Tudo isso em oposi­
cer tanto uma compreensão do passado ção à idéia, proposta pelos desconstru­
como 85 bases necessárias para a espe­ tores hostis da nanativa como Barthes,
rança de transcender as ''necessidades Kristeva, Derrida e Cohen, de que a
alienantes" de uma história vivida como nallativa é o resíduo ainda não dissol­
uma estória de opressão de classe, E vido da consciência mítica no pensa­
finalmente, vindo do reduto da herme­ mento moderno, Em uma palavra, lon­
nêutica ftlosófica, Paul Ricoeur, no que ge de ser considerada apenas urna for-
40 ESTUDOS HISTÓRICOS -199(,113

IDO, a DBnativa vem sendo crescente­ na linguagem hi..tórica quando quere


mente reconhecida como um modo dis­ mos falar sobre continuidades, transi­
cursivo cl.\Ío conteúdo é a sua forma .

ções e integiações. E fazemos ieeo na
E claro que da perspectiva da teoria linguagem literária quando queremos
literária tradicional, a noçÃo de que a escrever romanOEs natlativ08, poema"
fOl.,IA de um djscW'80 poderia ser UID de ou peças.
seus conteúdos teria que ser tratada ou VISta dessa perspectiva, a nai"iativa
como um paradoxo ou como \Im mist& não é exatamente nem uma dL.torção
rio. No entanto, da peisp:!ctiva aberta daquela "realidade" que nos é dada em
pela teoria tropológica, não haveria na­ percepção (o "mito" de Barthes) nem
da de paradoxal ou mL.terioao com tal uma manifestação epifânica de uma
noção. Esse conteúdo de uma forma de instância metallSica do ser (as "estru_
di..curso seria de natureza lingüística e turas de temporalidade" de Ricoeur), e
consL.tiria na estrutura de seu tropo sim o aparecimento na fOfillA discursi­
dominante, o tropo que serve como pa­ va de uma das possibilidades tropoló­
radigma na linguagem para a repre­ gicas do uso da linguagem. Encarando
sentação de coL.as como partes de todos a questão desta forma, podemos come­
identificáveL.. Dentro desta visão, a çar a apreciar em que medida progt'a­
narrativa pxle ser caracterizada como mas destinad08 a apagar a IlBriativi­
um tipo de di..curao no qual a sinédoque dade do discurso "sério" ou a elevá-la
funciona como o tropo dominante para ao status de uma exprE68ão do Ser, ou
"9malT8.l"" (grego: siMdoque; latim: su­ do Tempo, ou da Historicidade, são
bintellectio) "'" partes de uma totalida­ igualmente equivocados. A nailativa é
de, apreendida como estando di..persa um universal cultural porque a lingua­
por urnA série temporal, num todo, se­ gem é um universal humano. Não po­
32 FAse
gundo o modo da identificação. demos apagá-Ia do discurso, "",sim co­
modo do di..curso pode ser diferenciado mo não podemos declarar o próprio
daqueles nos quais "", partes de um todo dL.curao fora-da-exi.otência. A nanati­
aparente se relacionam umas com as va pode ser a própria alma do mito,
outras por semelhança (metáfora), con­ mas isto porque o mito é uma forma de
tigüidade (metonímia) ou oposição (iro­ dL.curso lingüístico, não porque a nar­
nia ou cataOlese). Não há nada de espe­ rativa seja inerentemente mítica. O
cialmente metailSico com a repre mesmo pode ser di to da relação da
sentação de coisas di..cretas, sejam elas nanativa com a ficção literária. Algu­
pessoas individuaL., instituições sociais mas ficções literárias são enunciadas
ou conjuntos de eventos, como unidades num modo nal"lativo, mas isto não sig­
CUjOB aspectos são identificáveis como nifica que todas as na1"1ativas sejam
atributos dos todos de que elas fazem ficções literárias. Significa que as nar­
parte. Fazemos isso na fala ordinária rativas mítica e literária são ambas
(seja o que for que isto quer dizer) o figurações lingüísticas.
tempo todo. Fazemos isso na linguagem O mesmo se aplica igualmente à
filosófica quando, seguindo Aristóteles, relação da nariativa com os discursos
Leibniz, Hegel, James, Whitehead e De­ históricos (e, por extensão, com todos
wey, queremO/! indicar e refletir sobre os di..cursos "realL.tas"). Uma repre­
aqueles aspectos da realidade que pare­ sentação histórica pode ser enunciada
cem ser mais orgânicos do que mecanÚ5- no modo de uma nallativa porque a
ticos em sua estrutura e modo de desen­ natureza tropológica da linguagem
volvimento e articulação. Fazemos isso abre essa possibilidade. Por conse-
TEORIA UTERÁRlA E ESCRITA DA HISTÓRIA 41

guinte, é absurdo supor que, porque a expressão nece ssária na literatura


um discurso histórico é enunciado no da""
.. descoberta, não apenas porque
modo de uma nall'atiV8, ele tem de ser ele tomou a "realidade histórica" como
mítico, ficcional, substancialmente seu "conteúdo", mss também porque ele
imaginário, ou de alguma maneira desenvolveu a habilidade inerentemen­
"não-realista" naquilo que ele nos diz te "dialética" da COI'II,a nal'lstiva para a
sobre " mundo. Supor isso é ceder a um representação de qualquer realidade de
tipo de pensamento que resulta na natureza especificamente ''histórica''. O
crença na mágica contagi05a ou na cul­ abandono da nanatividade nOI'IIIal pe-
pa por associação. Se o mito, a ficção 105 escritoras modernistas, por conse­
literária e a historiografia tradicional guinte, foi a expressão no nível da fOIIna
utilizam o modo narrativo de discurso, da rejeição da "realidade histórica" no
é porque todos eles são formas de uso nível do conteúdo. E desde que o Caseis­
da linguagem. Isto em si não nos diz mo se baseou numa rejeição semelhante
nada sobre sua verdade - e menos ain­ da realidade histórica e numa fuga para
da sobre seu '''realismo'' na medida em
I soluções polítiCAS puramente 'TOl'Jllalis·
que essa noção é sempre cultu ralmen­ taa" para contradições BociaiB "leais", o
te determinada e varia de cultura para modernismo poderia ser visto como a
cultura. De qualquer rornia, será que expressão na literatura do fascismo na
alguém acredita seriamente que o mito I lca. 34
poI't'
e a ficção literária não se refiram ao Este debate no interior da modema
mundo real, não digam verdades sobre teoria literária sobre a natureza do mo­
ele e não forneçam um conhecimento dernismo literário - um debate que foi
útil a seu respeito? ampliado para abranger também o põe­
A questão da relação entre nanativa modernismo -recapitula muit05 d05 ar­
e história recebeu atenção especial na gument05 de um debate anterior no in­
teoria literária recente porque é central terior das ciências humanas precipitado
36
para um problema crucial da história pela chamada "crise do historicismo".
literária, o da relação do modernismo Essa crise se manifestou numa desespe­
literário com o realismo literário. A rança geral de jamais se alcançar """"
transição do realismo para o modernis­ "ciência objetiva da história"buscada no
mo parece, para muitos intérpretes, ter século XIX como um antídoto para a
acarretado o repúdio tanto da forma da ideologia no pensamento social e políti­
narrativa quanto de qualquer intele5Se co. Ela foi marcada pelo i1úcio, na. ciên­
pela wresentação da "realidade histó­ cias humanas, do relativismo moral e
rica". Para os intérpretes marxistas, epistemológico, do pluralismo crítico e
especialmente, um repúdio parece ter do ecletismo metodológico. Sob muit05
sido função do outro. Assim, prosse­ aspectos, a crise Coi catlsada pelo próprio
guem eles, o realismo do romance clás­ sucesso d05 estudos históricos tradicio­
sico do século XIX fói o resultado da nais, rankeanos, em mapear a diversi·
descoberta de que a "realidade social" dade política, social e cultural não ape­
era de natureza ''histórica''. A descober­ nas da história humana em geral, mas
ta da natureza histórica da realidade daqueles valOles éticos, ideais estéticos
social foi a descoberta de que a ''socieda­ e estruturas cognitivas que suposta­
de" não era apenas, e nem mesmo pri­ mente fizeram a natureza humana qua­
mordialmente, tradição, consenso e con­ litativamente diferente de suas contra­
tinuidade, 11l9.3 também conflito, revo­ partidas "animais", O conhecimento
lução e mudança. O romance realista foi histórico pareceu confinnsr a idéia de
42 ESTIJOOS HlSTÓRlCOS - 190<iU

que, se a cultura distinguia os seles raramente parecem convergir ou fun­


humanos dos animais, as formas de cul­ dir-se, é porque cada um deles tende a
tura eram irúmitamente variáveis, e tomar como explanans o que o outro
tanto o conhecimento como 08 valOles trata como explanandum.
eram específicos de cada cultura e não Assim, por exemplo, o debate sobre
"universais'". Além disso, pareceu que o o modernismo no campo dos estudos
próprio conhecimento histórico, longe literários sustenta, sob a égide de uma
de ser a chave para a compreensão da noção compartilhada tanto por moder­
natureza humana, pxieria ser apenas nistas como por antimodernistas, que
um preconceito particular da civilização a '1Ustória" oferece uma base neutra de
ocidental moderna. Daí a terse sentido ''fatos'' a que se pode apelar para a
a neress idade de novas ciências da 50-­ caracterização do que é realmente o
ciedade e da cultura que seriam genui­ modernismo, daquilo em que consiste
namente universalistas em esoopo e sua verdadeira significação social ou
orientação, absolutamente livtes de cultural e de qual é realmente sua fun­
qualquer laço com 05 valotes 'de qual­ ção ideológica. Isto ocorre especial­
quer cultura específica e programatica­ mente quando 08 críticos marxistas,
mente a-históriCAS em SUB abordagem seguros na convicção de que o marxis­
do estudo dos fenômenos sociais e cultu- mo é a ciência da história prometida
ralS.

pelo século XIX propõem-se revelar o


,

O neoJXlSitivismo e o estruturalismo verdadeiro conteúdo ideológico e signi­


foram as fOIm as assumidas pelas no­ ficação histórica do modernismo consi­
vas ciências previstas. Foram ofereci­ derado como um estilo de época. Da
dos como alternativas a um ''historieis­ mesma fOl'ma, o debate sobre o status
mo" superdifundido nas ciências hu­ da história nalTativa tradicional no in­
manas em geral e 806 estudos históri­ terior da teoria da história parte da
cos tradicionais em particular. O que suposição, partilhada tanto por anti
estava em questão nos estudos históri­ como por pró�nal'iativistas, de que a
cos espec ificamente era a possibilidade nauativa é uma fOnna de discurso C'li.
de uma abordagem do estudo da histó­ terário", que a literatura lida com
ria livre das ilusôes do ''realismo" do eventos "imaginários" mais que "re­
século XIX em todas as suas fouuas, ais", e que, por conseguinte, os estudos
tanto literárias como filosóficas, cientí­ h istóricos têm ou de se despojar da
fico-sociais ou historiográficas. nanativa ou de usá-la apenas para
Sob muitos aspectos, portanto, os tornar os "detalhes" da realidade his­
debates contemporáneos no interior tórica "interessantes" para um público
das ciências humanas sobre a relação leitor de outra forma desatento. Os
da historiografIa tradicional com suas críticos literários recorrem à história
alternativas "científiCAS" se asseme­ como um corpo de fatos não problemá­
lham aos debates COr!entes no campo tico para a solução de problemas na
dos estudos literários sobre a relação teoria literária, enquanto os teóricos
do realismo literário com o modernis­ da história apelam para aquilo que
mo literário - e não por acaso, já que o imaginam ser uma noção não proble­
que está em pauta nos dois casos é a mática da relação da "literatura" com
questão da adequação de uma dada a "realidade" para situar a questão da
fOl'lna de discurso, a nanstiva, à rep­ função da narrativa no discurso histó­
resentação de um dado conteúdo, "re­ rico. Assim acontece na maioria das
alidade histórica". Se os dois debates discussões teóricas' qualquer campo
TEORIA lJTERARIA E ESCRITA DA HISTORIA 43
• •

dado de conhecimento tem de pressu­ poderemoe oome",r a perceber a signi­


por a adequação das prática. de pelo ficação da moderna teoria literária para
menos um outro campo a fim de pros­ a oompreensão do que está envolvido
seguir em seu movimento. noe nossoe próprios esforços para teori­
Mas a moderna teoria literária abre zar a escrita da história. Uma das im­
uma perspectiva sobre a escrita da his­ plicações ma;'" importantes é que não
tória mais abrangente do que as ima­ poderemoe mais ver o texto historiográ­
ginadas pelos participantes do debate fico como um continente não-problemá­
sobre a natureza do discurso natlativo, tico e neutro de um oonteúdo suposta­
de um lado, e aqueles engajados no mente daClo em sua inteireza por uma
debate sobre a natureza do conheci­ "realidade" quejaz além de seus limites.
mento histórico, de outro. O dis<:urso Não precisamos ir táo longe quanto
histórico (eu:> oposição à investigação Barthes estava querendo ir naquela
histórica) é um caso especial do discur­ época ao dividir o '�xto" nas duas pos­
so em geral. Conseqüentemente, os sibilidades do '1eitor" e do "escritor", e
teóricos do discurso histórico não po­ ao sustentar que a primeira era apenas
dem se permitir ignorar as teorias ge­ um NlSQ especial, disfarçado, da última
rais do discurso que foram desenvolvi­
- especialmente na medida em que a
das dentro da moderna teoria literária
utilidade heurística da noção de ''texto''
com base em novas concepções da lin­
deriva de sua função mais de designar
guagem, da fala e da textualidade, as
um novo problema para a pesquisa do
quais pel'luitem refotlnulaçõeB das no­
que de servir de solução para um pro­
çóes tradicionais de literalidade, refe­
blema antigo. Gostariamos, contudo, de
rência, autoria, público e códigos. Não
explorar em que medida a escrita histó­
porque a moderna teoria literária for­
rica serve como lugar privilegiado do
nece respostas definitivas às questões
texto do '1eitor" e fornece um paradigma
levantadas por essas novas concepções
de todos os discursos putativamente
da linguagem, da fala e da textualida­
'�listas".
de, mas antes porque, ao contrário, ela
reproblematizou uma área de investi­ O próprio Barthes o sugeriu num
gação que, pelo menos na teoria da ensaio intitulado "O discurso da histó­
história, durante muito tempo havia ria" (1970). Ali ele destaca como a his­
sido tratada como não apresentando toriograf18 científica contemporánea
nada de problemático. desistiu da busca do ''real'' em beneficio
da tarefa mais modesta, e afinal mais
Em ensaio publicado em Commun�
"realista", de simplesmente tornar a
catiens em 1972, Barthes sugeria que o
tipo de trabalho interdisciplinar exigido história '�nteligível". Naquele ponto do

pelas modernas ciências humanas re­ desenvolvimento de sua próprias teo­

queria não tanto o uso de váriAS disci­ rias da discursividade, Barthes pensa­
plinas estabelecidas para a anãlise de va que isso acarretava o abandono da
um objeto de estudo tradicionalmente (Iestrutura narrativa". Ele pensava
definido, como a invenção de um novo que, plrque a na.rtativa havia sido "de_
objeto que não pertenceria a qualquer senvolvida dentro do caldeirão da fic­
disciplina estabelecida em particular.36 ção (nos mitos e nas primeiras epo­
Barthes oferecia "o texto", em sua con­ péias)", ela era por conseguinte ineren­
ceitualização moderna, lingüístico-6e­ temente inadequada para servir corno
miótica, como esse objeto. Se acompa­ tio sinal e a prova da realidade" em
37
nhal'lll05 as implicações dessa sugestão, quaIquer d·ISCUrsO.
44 ESTUDOS HISTORlCOS - 1994/1S

Na visão de Barthes, a moderna his­ mar de "moderna" comprova a relevân­


tória científica, com o que ele queria cia do modernismo literário para um
dizer a historiografia estruturalista do discurso histórico moderno.
tipo Annales, se assemelhava ao mo­ Comprova também, diria eu, a rele­
dernismo literário em virtude de seu vância da moderna teoria literária pa­
interesse pelo '�nteligível", mais do que ra a nossa compreensão das questões
pelo "real". Mas 8e assim é, segue-se que estão sendo debatidas entre os teó­
que a história "estruturalista" não é ricos do pensamento, da pesquisa e da
mais realista do que a história tradicio­ escrita da história. Não apenas porque
naL Além disso, se é mais uma questão a moderna teoria literária é sob muitos
de '�nteligível" do que de "real", B nar· aspectos elaborada a partir da necessi­
rativa é uma instrumentalidade dis­ dade de dar sentido ao modernismo
cursiva tão efetiva para produzi-lo literário, determinando sua especifici­
quanto o modo dissertivo preferido por dade histórica e sua significação como
toda historiografia científica. movimento cultural, e inventando
Contudo, a sugestão de Barthes, de uma prática crítica adequada a seu
semelhanças entre a história estrutu­ objeto de estudo, mas também, e acima
ralista e o modernismo literário, tem de tudo, porque a moderna teoria lite­
implicações para a nossa compreensão rária tem necessariamente de Ber uma
do que estã envolvido em sua aparente teoria da história, da consciência his­
hostilidade comum ao discurso na 1'1a­ tórica, do discurso histórico e da escrita
tivo. Digo "aparente" porque hoje é pos­ da história.
sível reconhecer que o modernismo li­
terário não rejeitou tanto a narrativi­
dade, a historicidade ou mesmo o "re­
alismo", e sim explorou os limites de Notas
suas fonnas peculiarmente século-XIX
e expôs a mútua cumplicidade dessas 1. Jacques Barzun, "Tile critic, the pu­
fonnas nas práticas discursivas domi­ blic, the past" , Salmaguudi, 68-69 (outono
nantes da cultura da alta burguesia. 1985-inverno 1986), 206.
Nesse processo, o modernismo literá­ 2. Paul Veyne escreve: "Não existe mé­
rio revelou possibilidades novas ou es­ todo da história porque a história não faz
quecidas do próprio discurso narrati­ exigências; contanto que se relatem coisas
vo, potencialidades para tornar '�nteli­ verdadeiras, ela fica satisfeita. Ela só pro­
gíveis" as experiências especificamen­ cura a verdade, e russo não é uma ciência,
te modernas de tempo, de consciência que procura a exatidão. Ela não impõe
histórica e de realidade social. O mo­ normas; nenhuma regra do jogo a subten­
dernismo literário não repudiou o dis­ de, nada lhe é inaceitável. Esta é a carac­
terística mais original do gênero
curso narrativo, mas descobriu nele
histórico." Wl'iting history: essay ou episte­
um conteúdo, lingüístico e tropológico,
mology, traduzido por Mina Moore-Rinvo­
adequado à representação de dimen­
lucri (Middletown, 1984), 12.
sões da vida histórica só implicitamen­
3. Benedetto Croce, Primi snggi, 3° ed.
te percebidas no realismo do século
(Bari, 1951), 38. Fiz o levantamento do de­
XIX tanto literário como histórico. A
,
bate sobre o status da narrativa na historio­
adequação do "conteúdo da fotIua" do grafia em ''I'he question of narrative in
modernismo literário para a repre­ contemporary historical theory", Hi3tol'y
sentação da forrnae do conteúdo do tipo w.d 7YU'.OI'Y, XXIII, 1 (1984), 1-33. Grande
de vida histórica que desejamos cha- parte do meu proprio trabalho de teoria rus-
TEORiA UTERARIA E ESCRITA DA HtSTORlA 45
• •

toriográfic:a trata d-zsB qucstão: MetaJt.is­ plantou o discurso oratório, assim oomo a
tol'y: the historieal im.agiturtioll in t/&e nine­ prática da "perita" e da "filologia" suplan­
f"""th celltury (Baltimore, 1973); Th" tropic8 tou a retórica oomo ciência geral da lingua­
ofdiscolU'8e: es""Ys ill cultural criticu.m (Bal­ gem. O problema te6rico da efLnita da
timore, 1978); e TI", COII"",t of ti", foro.: história tomou-se então a :P pe;6cação da
lIarratiue CÜ8COUl'8e alld /oisl<>rical repre­ relação da história com a "literatura", mas
seJltotion (Baltimore, 1986). Eeses trabalhos como a literatura era nonnalmente pensa­
constituem o pano de fundo deste enseio e da oomo um produto misterioso da " criativi­
por isso não os citarei repetidamente. dade p:>ética". não havia solução possível
4. Ver Christopher Nom.., ''NalTative para o problema. Quanto à relação da histó­
theory or theory-as·narrative: the politics of ria com a filologia, íCCOnhec:ia-e8 geralmen­
'p>St-modem'reasnn", em Tlle oontest of la­ te que a filologia era simplesmente "o
..: philosophy ClI,d tlleOry afI.er clooollS­
culti método histórioo" aplicedo ao estudo dos
tructior, (Londrw e Nova York, 1985), cepo l. fenômenos lingüístit))s. Mas como "o méto­
do histórico" }X)r sua vez era visto como
5. Thntei tratar deSSB questão no ensaio simplesmente "o método filológico" aplicado
'The problem of .tyle in realistic repre­
ao estudo do registro histórioo (documen­
sentation: Marx and Flaubert", em The
tal), o problema do método permanecia pre­
concept of style, org. por Berel Lang (phi­
so DUm círculo tautológico do qual não havia
ladelphia, 1979), 213.229. Mas sugiro ver saída. Ver meu ensaio "Rethoric and his­
também o brilhante livro de Stephen
tory", em Hayden White e Frsnk E. Manuel,
Bann, The clothillg of C/io: a study of ti..
T/IeOM ofhu.I<>/':y: C/al'k Memorial Library
representation ofhistoly in nit&.eteenth cen­
Papers (Los Angeles, 1978), e Lionel Gess­
tllry Britain and France (Cambridge,
man ''History and literatura: reproduction
1984), • sua soberba resenha por Linda
or signification", em The writi.ng of history:
Orr em Hiswry ClI,d Theory, XXIV, 3
lilerary (orm8 and historical under­
(1985), 307-325.
standi1lg, org. por Robert H. Canary •
6. O melhor resumo da importância do Henry Kozicki (Madison, 1978). Para lima
trebalho desses filósofos para a teoria do eXJXl8ição da "filologia" oomo pseudCH::iên�
texto histórico é '1'he dilemma af contem­ eia, ver Hana Aarsleff, F'rom Locke I<> 8a"8-
porary Anglo·Americen philosophy of his­ ,1U": essi1!fS 011 ti", st>,dy of /allgltage alld

tory", d. F. R. Ankersmit, que serve oomo i1ltellectruJ /oisl<>ry (Minneapolis, 1982),


inltoduçáo para Hisl<>ry ClI.d Throry, Bei­ 27S-92. Para 11m exemplo típioo do modo
hefl; 23 (1986). Mas o. leitor" também como a historiografia era tratada na retóri­
podem lucrar com o estudo do livro de ca do século XVIII, ver 88 observações pers�
Ankersmit, Nan·ative logic: a SeJ1!aJ,tic picezes do iqjustamente difamado Hugh
analysis aftlU! historion's language (Haia, Blair, Lect>u-es in ret/w/'ic w.d belles- lelt1es
Baston, Londres, 1983), que ooloce a dis­ [1783] (Carbondale and Edwardsville,
cussáo da nanativa histórica em bases 1965), lI, 246-89.
inteiramente novas e diferentes de todas 8. Ankersmit, wrhe dilemma ofcontem·
as disCllMÓes anteriores.
porary Anglo-American philosophy ofbis­
7. Antes do irúeio do século XIX, a histo­ tory" , op. cito
riografia era vista oomo um ramo do discur�
9. E. H. Gombrich, Ar� ClI.d iUusiOl': a
50 oratório e um assunto próprio da teoria
8tudy in th" psycIwlogy of picl<>rial rapra­
da retórice. No entanto, ela foi separada da
Belllatja,! (Londrw e Nova York, 1960). Ver
retórica ao longo do século XIX em oonse­
meu ensaio '-nte cultura of criticism", em
qüência do movimento para tornar os estu­
Liberaliolls: n,elll e8SCl)'S an lhe humanitietl
dos históricoe mais científicoa. O duplo
i,! revollltion, org. por 1hab Hassan (Midle­
ataque à retórica, dos poetas românticos, de
town, 1971), cepo 4.
um lado, e da filoeofia positiviste, de outro,

levou ao desprezo geral da retórica }X)r toda 10. Discuto as teorias de Ricoeur em
a alta cultura ocidental. A "literatura" su- '"Ihe metaphysics ofnarrativity: time and
46 ES11JOOS HISTÓRlOOS - 11Xl4/13

symbol in Riroeur'e philosophy ofhistorY', historiadolC8 mais O'Jnscientes doe aspectos


em meu livro TI&e coute".t ofthe {orm. &3te técnicos da argumentação. O que ele de·
texto é uma versão revista e ampliada de monstrava era a virtua\ impoeeibilidade de
tlma Usenha do TIme lUul lUU7'ative de se es"'t!verum disC\1l1K) históriOl sem O'Jme­
Ricoeur, originariamente publicada com o ter um monte de falácias lógicas. Isso queria
título "l'he rule of narrativity: symbolic dizer que os trabalhos doe historiador. que
5

disoourse and the experiences af time in O'Jntêm um grande m'lmero de falácias lógi·
Riooeur'a thought", em A la l'echel'cJU! dll

cas deveriam ser jogados fora? E óbvio que


sens! In search. of mewung, org. por Theo­ não, o que era preciso era uma análise retó·
dore F. Geraeta (Ottawa, 1985), 287·299. rica desse tipo de trabalho. A '1ógica" do
11. Anke1"8mit, op. cito c\iscurso histónO'J
. · é ''retónca
· ...

12. Idem, ib. 18. A tropologia é a tarefa inacabada da


13. Roland Barthes, TI", fashion system, lingüística modema, e especialmente da lin·
traduzido por Matthew Ward e Richard Ho· güística semiótica. Para alguns teóricos, ela
ward (Nova York, 1983), 230·232. é um problema secundário da análise do
14. Paul Ricceur, 'lIme lU!d narrative, discurso, para outros, um problema primor·
traduzido por Kathleen McI,auglúin e Da­ dia!. Para Jakobson, Benveniste, Kenneth
vid Pellauer (Chicago, 1984), lI, 208-225. Burke, Lausberg, Bloom, De Man, Derrida,
o grupo MIL da Universidade de Liége, Pe­
15. Sigo o exemplo de Valesio ao tentar
relman, 1bdorov, Barthes e por aí afora, ela
estabelecer o emprego de ''retórica'' como
era um problema primordial. Eu comecei
indicando o estudo teórico do discurso, por
O'Jm ViO'J, oontinuei Olm Nief:.zsche (''Geschi.
analogia oom "poética" oomo indicando o
chte der Griechischen Beredsamkeit", em
estudo te6rioo da pce9ia. Ver Paolo Valesio,
Niet.. ch Ú Werke, Bel. XVIII, Dritte Abtei­
Noualltlqtla: rel/wriu as a exmtemporary
tlUlOry (Bloomington, 1980), capo l. I ung. Bel. n. PhilolDgica, herausgegeben von
Otto Crusius. [Leipzig, 19121, 201-267), daí
16. Mas a n0858 tropologia é útil para a
fui para Kenneth Burke (especialmente TI",
análise não apenas de discursos não-for­
grammar afmotives [Berkeley e Los Ange­
malizados, como também de discursos for­
I.., 19691, Apêndice D, "Four master tro­
malizados. Os discursos fonnalizados são
pes", 503-519), e daí para os autores
simplesmente aqueles nos quais os léxicos,
mencionados acima. A teoria retórica tradi­
as gl'amáticas e as sintaxes foram aberta
cional derivada do período clássico tende a
e sistel1mticcu"e"le formalizados, ao invés
ver a tropologia como a teoria das figuras da
de oculta e assistematicamente tropologi.
fala e do pensamento, enquanto os autores
zados. Esta é a razão por que os discursos
que cito a vêem Olmo a base de uma teoria
formalizados não requerem o mesmo tipo
do discurso. Para qualquer pessoa interes·
de análise que 08 não·formalizados. Ver o
sada na base paicológica da tropologia é
trabalho do grupo da Universidade de lo­
wa dedicado ao estudo da retórica das ciên· crucial o ensaio de Freud sobre o prcxesso
cias, sociais e naturais. AB atas da primordial de pensamento em 'Th.e dream·
coruerência do grupo sobre 'The rethoric of work", capítulo VI de TILe i"lRlpreJ.alion of
the human sciences", de 28 a 31 de março dl'eams . Ali Freud reinventa os tropas sob a
de 1984, foram publicadas porThe Univer­ fonna dos quatro mecanismos que eJe iden·
sity ofWisconsin Press. tifica O'Jmo operativos na transfonnação dos
pensamentos do sonho nos O'Jnteúdos do
17. Alguns anos atrás, David Hackett
sonho: condensação, deslocamento, simboli·
Fischer publicou um trabalho intitulado
zação e revisão secundária.
Hislori(m's fállllries: toward tlte logic o{his.
rorical tlwllght (Nova York, 1970), que cata­ 19. Defendo longamente esta posição
logava todos os vários tipos de falácias que em meus livros MeJ.(Jtislory e '[}-opic.8 of
podiam ser encontrados nos discursos dos rliscoul'se.. Muitos críticos não gostam dela.
historiadoles, do mais téuuco ao mais espe· Ver RiO'Jeur, nme, oud ucu'/"aJive, 1, 161·
culativo. O objetivo de Fischer era tornar os 168i e Sande Cohen, HisloriceJ. CJl.llu,.e: O"
TEORIA UTERÁRlA E ESCRITA DA HISTÓRIA 47

t"e recoding af C1n. academic discipline Past and Present, 5 (nov 1979), 3-24; Ja­
(Berkeley e Los Angeles, 1986), 81. mes Henretta, ''Social history as live<! and
20. Arnaldo Momigliano, "La retorica writtentt, American Historical Review, 84
deUa storia e la atoria della retorica", Sui (1979), 1293-1322; Bernard Bailyn, "'Ibe
fondamenti della ato/ia antica ('furim, challenge ofmodern hi8toriography",Ame­
1984), 486. Este texto é lima crítica do meu rkan HiBtorica1 Review, 87 (1982), 1-24;
trabalho, basicamente hOBti.l masjusta. Não Emma nuel Leroy Ladurie, The tenitory of
vou analisar a retórica do proprio discurso tlle hiatorian, traduzido por Ben e Sian
de Momigliano, mas se Cosee fazê-lo, talvez Reynolds (Chicago, 1979), ll1f.; e Domi­
comei"88se pelo título deste ensaio. nick LaCapra, History and criticism (Itha­
ca • Londres, 1985), capo 1. Diga-ee que o
21. Idem, ib.
livro de LaCapra é mais uma defesa da
22. Gene H. Bell-Vt1lada, "Criticism historiografia retórica do que da historio­
and the .tete (political and otherwise) of grafia narrativa per se.
the Americas". em Criticism in lhe u,l.iver­
29. Ver Fredric Jameson, "Foreword"
sity: 1}'iquartel'ly Series on CriticisT,." OJ,d
em Lyotard, op. cit., xi. The political Im.­
Cltlfure, nO 1 (Evanston, 1985), 143.
co1l.8cious: naJ'ratiue as a socially symbolic
23. Ver nota 3. act (lthaca, 1981), de Jameson, é uma de­
24. Sobre as funções da si tuação de fala, fesa extensa, fundamentada e JXXlerosa
ver Roman Jakobson, "Closing statement: dessa visão.
linguistiC5 and poetics", em Style iu. lwi.­
30. Ver Christopher N orris, 'Thilo­
gltage, org. por Thomas A. Sebeok (Cam­
sophy as a kind of nauative: Rorty on
bridge, 1978), 350-358.
postmodern liberal culture", em op. cit.
25. Roland Barthes, ''Le discours de
31. "Considero que a temporalidade é
l'histoire" e ''L'effet de réel", em Le brois­
aquela estrutura da existência que alcança
sement ck la leu'glte (Pari., 1984), 153-174.
a linguagem na narratividade, e que a nar­
26. Esse debate foi exaustivamente le­ ratividade é a estrutura da linguagem que
vantado por Ricoeur, TIme and It.Q1,,.a#ue, I I
tem na temporalidada seu referente último.
capo 4, mas ver também Anketsmit, op. cito Sua relação é portanto recíproca." Paul Ri­
27. Ver Barthes, op. cit.; Julia Kristeva, coeur, '�arrative time", Clitical /llqllil'y, 7,
'The novel as polylogue". em Desire in 1 (outono 1980), 169.
langlLage: a semiotic approacA to literalure 32. Sinto não poder desenvolver mais
and art, traduzido por Thomas Gora, Alice extensamente aqui esta noção. Se eu tives­
Jardine e Leon S. Roudiez (Nova York, se espaço, diria mais ou menos o seguinte:
1980), capo 7; Jean-François Lyotard, Tile em geral se concorda que a narrativa his­
postmodern cOlldition: a report 011 k"ow· tórica produz conhecimento-corno-com­
ledge, traduzido por GeofT Bennington e preensão através daquilo que W. H. Walsh,
Brian Massumi (Minneapolis, 1984); Jac­ já em 1951, chamava de "coligação". Ver
ques Derrida, f'Ibe law of genren, Critical seu Philosaphy af histol'y: cu, intl'oouction
bUl'ti/y, 7, 1 (outono 1980), p. 55-82; Co­ (Nova York, 1960), 59-66. Louis O. Mink
hen, op. cit., introdução, capo I, conclusâo. tomou essa noção e a desenvolveu em sua
A questão da nallativa na escrita históri­ concepção do modo llconfiguracional" de
ca é discutida em Pietro Rossi, org., La pensar, que ele identifica com a compreen­
teDlia cklla storiografiaoggi (Milão, 1983), são histórica (em contraste com os modos
com colaborações de Danto, Mommsen, "teórico" e "categorial"). Ver especialmente
Furet, KoseUeck, Dray, Winch .t alia. Ver seu "History and fiction as modes of com­
também o provocativo estudo de Jean Pier­ prehension", New Litel'Q1y Histoly, 1, 3
re Faye, Théorie du récit· inb'oouction aux (primavera 1970), 541-558. Ricoeur usa a
'1eul{Joges totalitaireJj (Paris, 1972).
"
noção de Ilconfiguração" como a peça cen­
28. Laurence Stone, "The revival ofnar­ tral de sua defesa da narrativa como wn
rative: reflections on the old new historytt, "enredamento" tanto na historiografia
48 ESTUDOS HISTÓRICOS 1994/13
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quanto na escrita ficcional. Ver TIme and é interpretado como uma fase do desenvol­
nl1l7'ative , II cap. 2; e o volume 11 desta vimento do realismo na qual a Uhistória" ê
obra, que tem o subtítulo de 'The configu. reprimida. Sobre o tópico do realismo na
ration Df time in fictional narrative", Tal crítica moderna, ver Renê Wellek, "The
oomo analisadas por esses teóriOO8, as ope­ concept of realism in literary 8cholarship",
rações de llcoligação" e "configuração" (e o em Concepts of criticism (New Haven e
uenredamento" de Riooeur) parecem ser Londres, 1967), 222-255.
exatamente aquilo que a "sinédoque" im­ 34. Este é o tema explícito do Pables of
plica, ou seja, o ato tropológico de "agarzar
, aggT'ession: II!Yndham Lewis. ti", mockr­
junto", E claro que a relaçáo da sinédoque nist as faseist (Berkeley/I"" Angeles/Lon­
com a simbolização é manifesta : você só dras, 1979), de Fredric Jameson.
JXlde "agarrar juntoU o que já foi antes
35. Existe uma vasta literatura sobre o
"atlemessado juntd'. Sobre a figura da
assWlto, mas todo o desenvolvimento tan­
einédoque, ver Heinrich Lausberg, l-Iand­
to do historicismo quanto do debate sobre
buc" der literarischen Rhetorik (Munique,
eJe foi levantado com autoridade por Georg
1960), seções 572-577.
Iggers, The Gerrnan conception. of histo,)':
33. A formulação clássica é a de Erich
the national traditiOl< ofhistorical t/wught
Auerbach, Mimesis: the representation af
from l[erder to the pl'esent (Midd.letown,
reality in Weste17' literatllre, traduzido por
1968).
Willard R. Trask (princeton, 1968), capo
17-18. 'lbdo o trabalho de Georg Lukacks 36. Roland Barthes, "Jeunes cher­
sobre o realismo na literatura do século cheurs", Communications, 19 (1972), 1-5.
XIX é impregnado dessa mesma idéia, mas 37. Barthes, uLe discours de l'histoire",
para uma consulta breve relativa à nana­ em Le bruissement de la lcu'Clle , 166.
tiva, ver seu UNaaate ar describe'r' em
Wiiter and critic, and otltel' e8sqys, traduzi­
do por Arthur D. Kahn (Nova York, 1971),
110-148. Fredric Jameson desenvolve ain­ Nota: Este texto foi enviado para publi­
da mais a acusação Jukacksiana em The cação JX> r Hayden White. A tradução é de
political unCOnsCiOllS, onde o modernismo Dora Rocha.

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