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Formação

de proFessores:
tendências
e desaFios

antónio mouzinho
Francesca caena
Javier m. Valle
Título: Formação de professores: tendências e desafios
Autores: António Mouzinho, Francesca Caena, Javier M. Valle
Revisão: Isabel Branco
Tradução: Sara Nogueira e Sílvia Marques Lopes
Design e paginação: Guidesign
Colecção: Questões-Chave da Educação
Edição: Fundação Francisco Manuel dos Santos
1.ª edição: Outubro de 2015
© Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2015
Impressão: Guide Artes Gráficas, Lda.

ISBN: 978-989-8819-20-8

Os textos deste livro estão escritos respeitando


ou não as normas do Acordo Ortográfico,
consoante a opção dos autores.

fundação francisco manuel dos santos


Largo Monterroio Mascarenhas, n.º 1
1099-081 Lisboa
Telf: 21 00 15 800
ffms@ffms.pt
FORMAÇÃO
DE PROFESSORES:
TENDÊNCIAS
E DESAFIOS
António Mouzinho
Francesca Caena
Javier M. Valle
7 PREFÁCIO
Mónica Vieira

11 QUADROS DE COMPETÊNCIAS DE PROFESSORES


NO CONTEXTO EUROPEU: POLÍTICA ENQUANTO
DISCURSO E POLÍTICA ENQUANTO PRÁTICA
Francesca Caena

57 A FORMAÇÃO PARA A DOCÊNCIA:
UMA CONSTANTE INTERNA (E EXTERNA) DO
DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DOCENTE
Javier M. Valle e Jesús Manso

65 FORMAÇÃO PARA A DOCÊNCIA E O PRESTÍGIO


SOCIAL DA PROFISSÃO DE DOCENTE:
ALGUNS DESAJUSTES DO SISTEMA EDUCATIVO
ESPANHOL
Javier M. Valle

81 SOBRE TUDO O QUE NÃO TEM IMPORTÂNCIA –


E O QUE A TEM – PARA SE OBTER UMA AMOSTRA
DE PROFESSOR: UM TEXTO NÃO-ERUDITO SOBRE
QUESTÕES NÃO-CIENTÍFICAS, RELACIONADO
COM O PAPEL DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL
NA DOCÊNCIA
António Mouzinho
PREFÁCIO
Mónica Vieira

A formação de professores, seja inicial ou contínua, merece a aten-


ção de todos os que se interessam por educação. Muitas vezes apontada
como um problema subjacente aos resultados dos alunos, é importante
perceber como está actualmente organizada e que desafios se avizinham.
Em Portugal, estamos perante um enquadramento legislativo que,
mesmo sumário, traduz a importância atribuída à formação inicial de
professores, instituída como condição de entrada na profissão docente,
de qualidade de desempenho docente e de formação ao longo da vida.
Esta circunstância traduz certamente, à escala nacional, a preocupação de
melhorar a aprendizagem proporcionada pela escola, escrutinada regu-
larmente por provas internas e externas. Mas, traduz igualmente a euro-
peização de políticas educativas, entre as quais se destaca uma exímia
preparação dos professores, entendidos como cruciais para o sucesso
dos alunos e dos sistemas de ensino, com proveito para as sociedades.
Efectivamente, a afirmação de que “os professores e os formado-
res são os intervenientes mais fundamentais na estratégia global com
vista à sociedade do conhecimento e a uma economia fundamentada
no conhecimento” (Comissão Europeia, 2002) tem sido recorrente e
persistente nos discursos políticos. O consenso sobre a importância da

Prefácio

7
formação de professores encontra, no entanto, múltiplas dificuldades
de acerto no modo de concretizar essa formação, situação que nada
tem de novo ou de surpreendente.

A Fundação Francisco Manuel dos Santos procura contribuir para


o debate, trazendo, no âmbito do Mês da Educação, um conjunto de
reflexões sobre as tendências europeias na formação de professores e
as questões que se colocam.
Francesca Caena, professora da Universidade de Veneza, fala-nos
no seu texto “Quadros de competências de professores no contexto Europeu:
política enquanto discursos e política enquanto prática” reflectindo sobre
quais as competências, nas quais se incluem conhecimentos, aptidões
e atitudes, que todos os professores deveriam dominar, em contexto
europeu. A importância das normas profissionais (ou standards) para
todos os professores é salientada bem como a importância da formação
estar intimamente ligada às escolas – ao terreno educativo – e não só às
instituições de ensino superior.
Esta mesma preocupação é revelada por Javier M. Valle, professor
na Universidade Autónoma de Madrid, ao identificar os dez factores
essenciais na formação de professores. À definição clara das competên-
cias docentes essenciais e ligação à realidade escolar, o autor adiciona
como condições essenciais ao exercício da profissão, a selecção dos alu-
nos que pretendem entrar num curso de formação de professores e o
acesso à profissão docente após essa formação. A formação contínua,
a liderança pedagógica das escolas e o prestígio social da profissão são
também elementos de relevo.
Por fim, António Mouzinho, professor do Ensino Secundário,
escreve com base na sua reflexão pessoal sobre o processo de selecção,
formação, exercício e contratação. Para o autor, todo o processo deverá

Mónica Vieira

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conduzir à permanência na actividade docente com felicidade e realiza-
ção pessoal, o que constituirá um benefício para o aluno, para a escola
e, em última instancia, para o sistema de ensino.

Com esta publicação e conferência sobre formação de professo-


res, a Fundação Francisco Manuel dos Santos deseja lançar um debate
informado e plural sobre a importância desta formação e sobre os
diversos modelos possíveis.

Prefácio

9
QUADROS
DE COMPETÊNCIAS
DE PROFESSORES NO
CONTEXTO EUROPEU:
POLÍTICA ENQUANTO
DISCURSO E POLÍTICA
ENQUANTO PRÁTICA

Francesca Caena
QUADROS DE COMPETÊNCIAS
DE PROFESSORES NO CONTEXTO
EUROPEU: POLÍTICA ENQUANTO
DISCURSO E POLÍTICA
ENQUANTO PRÁTICA
European Journal of Education. Research, Development and Policy,
Vol. 49, No. 3, 2014, publicado por Wiley.1
© 2014 John Wiley & Sons Ltd

Francesca Caena

Introdução

Qual a definição actual do papel do quadro de competências de


professores nas políticas e debates educativos na Europa e a nível glo-
bal? Porque merece este tema um papel de destaque no discurso polí-
tico internacional? Qual a sua relação com outras áreas da política edu-
cativa? Quais as questões e os aspectos centrais das competências dos

1  Publicação original: Teacher Competence Frameworks in Europe:


policy-as-discourse and policy-as-practice, European Journal of Education.
Research, Development and Policy, Vol. 49, No. 3, 2014, published by Wiley.  

Quadros de competências de professores no contexto europeu

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professores e das normas profissionais de acordo com a investigação?
Existe um consenso quanto à definição das principais competências dos
professores? Poderão estas competências ser transversais às diferentes
culturas de educação e de ensino? Que denominadores comuns podem
identificar-se na diversidade de práticas políticas ao nível internacio-
nal? Como se pode traduzir tudo isso num sistema educativo capaz de
fazer a diferença – que vá para além das palavras ocas proferidas pelos
discursos políticos oficiais? Quais os principais aspectos e avanços a
destacar neste domínio político com base em contextos nacionais euro-
peus? É possível identificar padrões e retirar ensinamentos que possam
ser de interesse para os peritos em definição de políticas, para os diver-
sos intervenientes e para os responsáveis pela tomada de decisões?
Este artigo começa por descrever o cenário político europeu e glo-
bal, apresentando vários motivos para a necessidade de uma visão con-
vergente das políticas de ensino – a nível mundial – no que diz respeito
às competências e ao seu papel central na profissão docente. Assim, a
investigação procura encontrar denominadores comuns às diferentes
tradições culturais para o conceito de “competências de professores”,
bem como definir quais os principais conhecimentos abrangidos pelo
conceito, identificar as aptidões e as atitudes que deverão fazer parte
das competências dos professores, definir o papel das normas pro-
fissionais e identificar as principais características do conhecimento
especializado do professor. Em seguida, o artigo analisa as implicações
políticas da etapa crucial de implementação dos quadros de competên-
cias de professores a nível nacional – a transição do discurso político à
prática política. Apresenta-se ainda um quadro de análise comparativo
complementado por resumos de políticas e práticas adoptadas em dife-
rentes países. Por fim, o artigo identifica as várias implicações políticas
que importa observar.

Francesca Caena

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Panorama europeu: a política enquanto discurso

As políticas de ensino e de formação são cada vez mais encaradas


como um “bem global”, que fomenta a colaboração entre os países e a
adopção de medidas políticas com base em elementos concretos. Isto
tanto pode tornar a análise das políticas de ensino numa tarefa incri-
velmente simples como, pelo contrário, incrivelmente complexa. Se,
por um lado, a abundância de dados internacionais comparáveis per-
mite uma reflexão mais abrangente e aprofundada, por outro, a inter-
nacionalização da análise e desenvolvimento de políticas originou um
discurso internacional que é como um “verdete” que cobre os textos
políticos nacionais, e que, não raras vezes, pode encobrir a disparidade
com que estas políticas são implementadas. Assim, compreender as
políticas neste contexto pressupõe, frequentemente, uma capacidade
de descodificar a retórica internacional, assim como de analisar as ten-
dências empíricas e a dinâmica da mudança de políticas – tanto de
“políticas enquanto discurso” como de “políticas enquanto prática”
(Green, 2002). No entanto, as práticas políticas nos diferentes países
revelam um potencial inovador na tradução «glocal» das políticas euro-
peias e mundiais, exercendo um papel mediação entre as necessidades
e as limitações em diferentes níveis (Caena, 2014).
A ênfase colocada nas competências dos estudantes e dos profes-
sores tornou-se um tópico central no discurso das políticas educativas.
Os sistemas educativos estão sujeitos e suportam cada vez mais pres-
sões que os forçam a implementar reformas de ensino politicamente
convergentes, estabelecidas para uma melhor adaptação às mudanças
socioeconómicas, para se tornarem cada vez mais eficazes e eficien-
tes, para darem resposta a questões como a equidade, para correspon-
derem às necessidades do mercado de trabalho e para atenderem aos

Quadros de competências de professores no contexto europeu

15
impulsos de competitividade internacional. O discurso sobre a melho-
ria das reformas do ensino, cada vez mais suportado por provas con-
cretas, confere um papel de destaque à actuação dos professores para
se inverterem as tendências dos resultados dos estudantes e das esco-
las (Hattie, 2003; OCDE, 2013a; 2013b; 2013c). Isto geralmente não se
dissocia da questão da qualidade do ensino, da aprendizagem e das
escolas, o que coloca em evidência uma outra questão: a necessidade de
definir o que é preciso para ser e agir como um “bom” professor, capaz
de formar “bons” cidadãos do mundo.
As políticas da Comissão Europeia no âmbito da Estratégia de
Educação e Formação para 2020, e as visões comparativas da OCDE
quanto ao grau de instrução a alcançar a nível mundial focam-se cada
vez mais na transparência dos resultados para aumentar a mobilidade
profissional. Esta tendência política internacional coexiste, em contex-
tos nacionais, com práticas políticas e com um discurso geral sobre
currículos baseados em competências para as escolas, locais de traba-
lho e universidades, o que indica uma mudança radical de perspectivas.
O paradigma da “Aprendizagem ao Longo da Vida” destaca a
importância das oito principais competências necessárias para os
cidadãos europeus, colocando em primeiro plano a literacia digital e
as competências cívicas a par com as meta-competências: aprender a
aprender, adaptação às mudanças e gestão/ análise de grandes fluxos
de informação (Comissão Europeia, 2011).
As aptidões e atitudes de nível superior como a consciência crítica,
a autonomia e a auto-orientação, necessárias para prosperar na era do
“ponto.com”, estão entre as características mais procuradas pelos empre-
gadores, assim como o espírito de iniciativa, a capacidade de comunica-
ção e de trabalho em equipa, a resiliência, uma atitude de permanente
aprendizagem, a capacidade de resolução de problemas e o empenho.

Francesca Caena

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A  criatividade e a inovação também são consideradas aptidões funda-
mentais para a resolução de crises pessoais, sociais e laborais (OCDE,
2011). São necessários profissionais versáteis, com abertura de espírito,
com capacidade para gerar valor através da combinação de diferentes
conhecimentos, de aplicar conhecimentos de várias áreas a uma diver-
sidade de propósitos e de situações, de adquirir novas competências, de
construir relações e de assumir novos papéis (Schleicher, 2011).
As crescentes exigências quanto ao papel e às competências
dos professores são confirmadas pela investigação e pelas políticas e
incluem: capacidade de responder às necessidades de estudantes cada
vez mais díspares, valorização da educação, literacia e numeracia, capa-
cidade de utilizar dados de avaliação, capacidade de investigação e de
reflexão, cooperação com a equipa pedagógica e integração de tecnolo-
gias no exercício diário da profissão (Conway et al., 2009).
As capacidades especializadas para resolver problemas em matéria
de investigação e inovação, assim como competências adequadas para
gerir e alterar situações complexas e imprevisíveis figuram entre os
requisitos das qualificações de professores no Quadro Europeu de Qua-
lificações para o Ensino Superior (Descritores Dublin), que fixa as quali-
ficações dos professores no nível 7 (Comissão Europeia, 2011). No Espaço
Europeu do Ensino Superior (EEES), a abordagem do projecto TUNING
para implementar os programas de estudo do EEES define 15 compe-
tências, enquanto resultados de aprendizagem para a formação de pro-
fessores. Estão divididas em aptidões, consciência, conhecimentos e
interesse e incluem competências genéricas e transversais, como por
exemplo, competências de investigação e capacidades cognitivas para a
geração de conhecimento (González & Wagenaar, 2005).
Contudo, a publicação da Comissão intitulada «Education and Trai-
ning Monitor» (Monitor da Educação e da Formação), de Outubro de 2013,

Quadros de competências de professores no contexto europeu

17
(http://ec.europa.eu/education/library/publications/monitor13_en.pdf )
refere o envelhecimento da profissão docente, que revela um atraso na
utilização de recursos digitais de ensino/aprendizagem. Isto sublinha a
necessidade da criação de políticas eficazes para atrair, recrutar e formar
candidatos de qualidade e assegurar o seu desenvolvimento profissio-
nal contínuo. Também é necessário um desenvolvimento mais rápido e
difundido de Recursos Educativos Abertos e de Cursos em Linha Abertos
a Todos (MOOC) para acompanhar a disseminação ubíqua das tecnolo-
gias digitais nas interacções sociais, laborais e comerciais quotidianas.
Embora a maioria dos professores na Europa reconheça a importância
do uso das TIC na prática docente, apenas 20% dos estudantes parecem
ser ensinados por professores tecnologicamente confiantes e capazes de
acompanhar as dificuldades técnicas dos alunos.
“Uma vez que os professores são os agentes mais importantes,
ao nível das escolas, no respeita os resultados dos estudantes, é pro-
vável que o foco nesta classe profissional se traduza numa maior efi-
ciência dos sistemas de ensino”. (Comissão Europeia, 2012b, pp.60).
O  Documento de Trabalho «Apoio à profissão docente para a obten-
ção de melhores resultados de aprendizagem» (Supporting the Teaching
Professions for Better Learning Outcomes), que acompanha a comunica-
ção da Comissão «Repensar a educação», sublinha a importância de se
definirem e implementarem quadros que garantam práticas de ensino
eficazes e que dêem resposta às necessidades actuais dos alunos e da
sociedade. Isto é confirmado pela investigação na área do ensino e da
aprendizagem2 que identifica os vários processos, contextos e recursos

2  A opinião dominante sobre a natureza “situada” dos conhecimentos do


professor, considera que a aprendizagem e o ensino são mediados por lin-
guagens e contextos sociais específicos (Cochran-Smith, 2006; Lakoff, 2004).

Francesca Caena

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que poderão estar envolvidos no processo3 e recomenda que se repen-
sem meticulosamente os sistemas, as instituições e os programas de
ensino, para que o sistema educativo seja capaz de integrar um ensino
personalizado e abordar questões como a diversidade e a inclusão, ao
mesmo tempo que se adapta às mudanças sociais constantes (Comis-
são Europeia, 2012a; 2012b).
As diversas perspectivas, tanto a nível intracultural como a nível
intercultural, sobre as expectativas em relação aos professores podem
constituir um obstáculo à equidade e à qualidade do ensino nos diferen-
tes contextos escolares, assim como ao recrutamento, selecção e gastos
eficazes com professores. É necessária uma estratégia política consis-
tente e abrangente que concilie a escola com a formação dos professo-
res, que abranja todas as fases da carreira docente, que tenha em conta
os papéis de todos os intervenientes e que supere a disparidade de ini-
ciativas, tal como recomendam repetidamente várias instituições euro-
peias e grupos de interesse (Conselho Europeu e Comissão, Ministros,
grupos de trabalho de peritos). A Estratégia de Educação e Formação
para 2020 salienta a importância de uma prática reflexiva, da aprendi-
zagem contínua, da colaboração, da investigação e procura pela inovação
e da aposta no desenvolvimento das escolas enquanto requisitos míni-
mos do professor, além dos conhecimentos especializados e aptidões
pedagógicas (ensino de competências transversais, utilização das TIC e
ensino em turmas heterogéneas) (União Europeia, 2008; 2009).

3  O acto do ensino é cada vez mais concebido como um resultado de


negociações: as competências dos professores desenvolvem-se e são
organizadas através da interacção com os vários intervenientes e contextos
educativos, o que implica um intercâmbio entre as estruturas institucionais,
processos, relacionamentos e ferramentas de ensino em situações especí-
ficas (Engeström, 1999).

Quadros de competências de professores no contexto europeu

19
O Documento de Trabalho «Supporting the Teaching Profession»
(Apoio à profissão docente) dá conta do discurso político prévio da
Europa sobre os princípios para as competências e para a melhoria da
formação de professores (Comissão Europeia, 2005; União Europeia,
2007) e disponibiliza um guia com as principais medidas políticas
nacionais neste domínio, nomeadamente, a definição das competências
dos professores, a reformulação dos sistemas de recrutamento, a garan-
tia sistemática de apoio ao início de carreira, a análise da prestação dos
professores e um feedback regular sobre o desempenho dos professores
no curso do seu desenvolvimento profissional. O documento também
apresenta directrizes para o desenvolvimento de quadros de competên-
cias de professores, apresentando as principais competências de ensino
comuns a todas as escolas, grupos etários, contextos e disciplinas, desta-
cando a relevância das qualidades e dos valores individuais necessários
para um ensino eficiente (Comissão Europeia 2012a; 2012b).
No âmbito do Método Aberto de Coordenação4, a aprendizagem
entre pares5 do Grupo de Trabalho Temático de Especialistas «Professional

4  Uma governação de carácter intergovernamental na UE, baseada na


cooperação voluntária entre os Estados-Membros. Este sistema baseia-
-se em instrumentos jurídicos não vinculativos e na pressão de grupo
(directrizes, indicadores, avaliação comparativa, partilha das melhores
práticas), com a Comissão Europeia a definir a agenda política e a apoiar
os processos de implementação dos Estados-Membros, sobretudo no que
diz respeito às políticas de educação e formação que continuam a ser da
responsabilidade dos governos nacionais. www.eurofound.europa.eu/areas/
industrialrelations/dictionary/definitions/openmethodofcoordination.htm
5  As actividades de aprendizagem entre pares envolvem grupos de repre-
sentantes dos Estados-Membros (grupos de trabalho de especialistas) que
debatem temas específicos sobre os quais existe vontade de aprender mais
e partilham as experiências dos diferentes países (Lange & Alexiadou, 2007).

Francesca Caena

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Development of Teachers»6 (Desenvolvimento Profissional dos Professo-
res), entre 2010 e 2013 (baseado no trabalho do antigo Grupo «Teachers
and Trainers» (Professores e Formadores)) focou-se nas competências
dos professores: na sua definição e implementação ao longo da carreira
docente, no desenvolvimento profissional contínuo dos professores e
na importância dos formadores, da qualidade e da preparação e selec-
ção de professores. Este Grupo de Trabalho debateu ainda questões
que afectam directamente as competências dos professores (Comissão
Europeia, 2012c; 2013a; 2013b):
• o impacto dos mercados de trabalho multidimensionais na selec-
ção eficaz e nas políticas de recrutamento de professores (devido
à falta de professores e a desequilíbrios entre a procura e a oferta
consoante o contexto, género, disciplina e escola), e
• as estratégias políticas que sustentam a qualidade dos formadores
e a formação de professores, caracterizadas por regulamentações
heterogéneas e fragmentadas dentro e entre os Estados-Membros.

6  A Comissão Europeia cria grupos de especialistas que têm a função


de prestar aconselhamento em matéria de propostas legislativas, iniciati-
vas políticas, implementação de legislação da UE, programas e políticas,
incluindo a coordenação e a cooperação entre os diferentes países e in-
tervenientes. Os grupos de especialistas são importantes fóruns de debate
que prestam um contributo valioso, a partir de várias fontes e intervenien-
tes, sob a forma de opiniões, recomendações e relatórios. O seu contributo
não é de carácter vinculativo para a Comissão, que mantém uma posição
independente quanto à forma como os especialistas levam os resulta-
dos em consideração. http://ec.europa.eu/transparency/regexpert/index.
cfm?do=faq.faq&aide=2

Quadros de competências de professores no contexto europeu

21
Quadros de competências de professores: a perspectiva
da investigação

Pode argumentar-se que a ênfase colocada nas competências (do


professor) nas políticas de ensino europeias resulta de um crescente
meta-discurso sobre uma “sociedade do conhecimento” e a “aprendi-
zagem ao longo da vida e em todos os seus domínios” (uma expres-
são genérica que indica mudança e convergência política, esbatendo as
fronteiras entre a aprendizagem formal e informal).
Os factores demográficos, económicos e culturais como o envelhe-
cimento da população, a reestruturação económica, que tem influência
na procura de aptidões, o pluralismo cultural e a diversidade de estilos
de vida tornaram esta mudança inevitável para os países desenvolvidos.
A ênfase recai sobre a eficiência e a redução de custos orçamentais para
a educação, com exigências cada vez maiores quanto às qualificações dos
profissionais do conhecimento, e às boas aptidões de base, de adaptação e
de colaboração dos trabalhadores menos qualificados de estabelecimentos
que assumem, cada vez mais, o papel de organismos de aprendizagem.
A transição para uma sociedade mais individualizada, com menos
coesão social, encoraja as pessoas a assumirem responsabilidade pelos
seus percursos de aprendizagem e a preservarem os seus postos de tra-
balho. Isto requer uma capacidade de respostas às necessidades indivi-
duais e ofertas formativas adequadas por parte das instituições. É por
isso que o objectivo de alcançar uma maior transparência e mobilidade
de competências, com o reconhecimento de estudos e experiências pré-
vias, tem tido um lugar de destaque na agenda europeia para a apren-
dizagem ao longo da vida.
O conhecimento adquirido a partir de fontes variadas, interactivas
e contínuas tornou-se no principal elemento de ligação dos sistemas
de governação contemporâneos, dando origem a um duplo desafio:

Francesca Caena

22
definir as bases dos conhecimentos profissionais específicos (alicerça-
das na investigação) e torná-las disponíveis e proveitosas em diferentes
contextos (Fazekas & Burns, 2011). O objectivo dos quadros de compe-
tências profissionais é responder a estes desafios. Um quadro pode ser
entendido como uma “estrutura” que contém descritores dos conheci-
mentos formais adquiridos (por exemplo, quadros de qualificações), ou
dos conhecimentos e aptidões aperfeiçoados ao longo da carreira (por
exemplo, quadros de competências de professores). Ambos os aspec-
tos podem ser complementares e integrados nas políticas e na prática.
A capacidade da profissão docente para definir, avaliar e certificar um
ensino de alta qualidade é fundamental não só para a aprendizagem dos
estudantes, mas também para a valorização da profissão – por exemplo,
através da estipulação de salários competitivos ou da criação de percur-
sos profissionais atractivos (Ingvarson & Rowe, 2007). Encontrar uma
definição comum das aptidões e conhecimentos profissionais, enquanto
quadro de orientação para a formação e desenvolvimento profissional dos
professores ao longo da carreira, tem sido uma das principais prioridades
internacionais no discurso da OCDE, ao longo de uma década, a par com
a definição de objectivos de aprendizagem claros para os estudantes e de
um consenso quanto ao conceito de ensino eficiente (OCDE, 2005).
Embora se identifiquem algumas tendências gerais, existe uma
grande diversidade nos programas escolares, modos de avaliação e sis-
temas de qualificações nos países europeus, que se deve às regulamen-
tações e culturas administrativas locais (Green, 2002). A  governação
no sector da educação e da formação é um indicador-chave para per-
ceber o funcionamento dos diferentes sistemas educativos, uma vez
que tem um impacto relevante nos respectivos processos e resultados.
A formação de professores, em particular, é um sistema definido pelo
seu contexto e está sujeito ao controlo institucional.

Quadros de competências de professores no contexto europeu

23
Tudo o que diz respeito à preparação e à prática docente será certa-
mente um tópico controverso, já que envolve ideologias subjacentes e
entra no terreno sensível das crenças e dos valores, no que diz respeito às
metas e objectivos escolares (Cochran-Smith, 2006). Conceptualizar o que
deverão os professores saber ou ser capazes de fazer pode variar consoante
a cultura política e educativa de cada país, gerando debates e tensões entre
as diferentes abordagens – por exemplo, entre os conceitos de Bildung
e de Ausbildung nas tradições teóricas continentais e  anglo-saxónicas.

Embora a literatura reconheça que não existe uma definição ope-


racional do termo “competência” (Kouwenhoven, 2009), parece haver
uma convergência para uma visão holística, dinâmica e orientada para os
processos daquilo que são as competências dos professores, baseada na
investigação, nas políticas em destaque e na aprendizagem entre pares.
No âmbito deste artigo, o conceito de competências (do professor) deve
ser entendido como uma combinação complexa de conhecimentos, apti-
dões, visão, valores, atitudes e vontade, que se traduzam em acções ade-
quadas e eficazes em contextos específicos (Deakin Crick, 2008).
“Hoje em dia, os professores precisam de competências que
lhes permitam adaptarem-se e inovarem constantemente. Isso inclui
uma atitude crítica e fundamentada para dar resposta aos objectivos
de resultados dos estudantes, a procura de novas evidências dentro e
fora da sala de aula e um diálogo profissional que lhes permita aper-
feiçoarem as suas próprias práticas (Comissão Europeia, 2013c, pp.22-
23). Isto prende-se com um conceito de ensino em que “…a teoria, a
prática e a capacidade de reflexão crítica se iluminam reciprocamente”
(CSEE, 2008, pp.26). Os professores têm de ter “conhecimentos pro-
fundos e aptidões para avaliar a aprendizagem dos alunos… e um vasto
repertório de práticas… que lhes permita aplicar diferentes estratégias

Francesca Caena

24
para alcançar diferentes propósitos” (Darling-Hammond, 2006, pp.5).
As suas escolhas devem ser “pragmaticamente sensatas” e adequadas
às metas de ensino e a necessidades específicas: os professores têm
de fazer escolhas e encontrar soluções de compromisso para situações
e estudantes específicos (Biesta, 2012). A  complexidade da docência
forma a definição básica das competências dos professores, indissociá-
veis dos seus contextos e integradas num sistema com múltiplos inter-
venientes e níveis de actividade.
Os seguintes requisitos-base das competências de professores
são transversais a diferentes culturas e tradições de ensino (Comissão
Europeia, 2013a; Feiman-Nemser, 2008; Williamson McDiarmid &
Clevenger-Bright, 2008):
• quadros de conhecimentos bem estruturados e organizados (para pro-
gramas escolares, teorias da educação, métodos de avaliação),
suportados por estratégias eficazes de gestão de conhecimentos;
• conhecimentos sólidos sobre o ensino de disciplinas específicas aliados
a competências digitais e a uma boa compreensão dos processos
de aprendizagem dos estudantes;
• técnicas e estratégias de ensino/gestão em contexto de sala de aula;
• boas capacidades de relacionamento interpessoal, colaboração,
investigação e reflexão no trabalho em comunidades escola-
res profissionais;
• uma atitude crítica em relação à prática profissional e à inovação,
baseada em diversos elementos: resultados dos estudantes, teo-
rias e diálogo profissional;
• atitudes positivas e empenho em matéria de desenvolvimento profis-
sional contínuo, colaboração, diversidade e inclusão; e
• conhecimento especializado adaptável – capacidade de adaptar planos
e práticas às necessidades dos diferentes estudantes e contextos.

Quadros de competências de professores no contexto europeu

25
Estes requisitos-base reflectem seis paradigmas gerais da docência,
que são aspectos integrados e complementares da profissão (Paquay &
Wagner, 2001; Schratz et al., 2007):
• o professor enquanto agente reflexivo – desenvolve um pensa-
mento e um discurso profissional sobre as questões de contexto
e as experiências;
• o professor enquanto especialista informado – quer sobre as suas
matérias, quer transversalmente, ao nível individual e institucional;
•
o professor enquanto especialista competente – com conheci-
mentos e uma actuação consciente, informada e profissional-
mente eficaz;
• o professor enquanto líder da sala de aula – com competências
adequadas para gerir a diversidade e garantir a inclusão;
• o professor enquanto agente social – orientado para o diálogo e
para a cooperação nos diversos contextos sociais e comunidades
profissionais; e
• o professor enquanto aprendente ao longo da vida – com a res-
ponsabilidade de formar e desenvolver conhecimentos através de
acções específicas em contextos específicos.

São necessários muitos anos, processos cognitivos elaborados,


práticas sólidas e um feedback de qualidade para que os professores
desenvolvam plenamente os seus conhecimentos especializados ao
longo da carreira. Esse processo implica os seguintes aspectos-chave:
• criação de rotinas – desenvolvimento de padrões de actuação e de
repertórios didácticos;
• conhecimento especializado no seu domínio e disciplina(s), que
permita o reconhecimento de padrões (situações recorrentes) no
contexto complexo de uma sala de aula;

Francesca Caena

26
• consciência das exigências sociais e das dinâmicas da sala de aula;
• compreensão dos problemas;
• flexibilidade e capacidade de improvisação; e
• análise crítica da sua própria profissão – quer no contexto escolar,
quer no contexto nacional, assim como no diálogo profissional
(Hagger & McIntyre, 2006; Comissão Europeia, 2011).

Um tópico de debate nos palcos políticos internacionais e nacionais


é a relação entre as competências dos professores e as normas profissio-
nais. Isto está frequentemente relacionado com a ênfase colocada nos
propósitos formativos e de responsabilização dos quadros de competên-
cias de professores, a nível de políticas e de práticas. A falta de consenso
relativamente às normas profissionais reflecte a ambivalência inerente
à profissão docente – o desfasamento entre os leigos, que encaram o
desempenho profissional em termos de resultados e os profissionais,
que analisam aquilo que se conseguiu alcançar numa situação, dentro
das limitações específicas de um dado contexto (Millman & Sykes, 1992).
Uma norma profissional descreve aquilo que se espera que os
professores saibam, compreendam e sejam capazes de fazer enquanto
profissionais especializados nas suas áreas (Comissão Europeia, 2011;
Ingvarson, 1998). Enquanto medidas de competência profissional, as
normas devem esclarecer o que medir, como reunir os elementos e o
que é considerado “desempenho”, e centrar-se na aprendizagem dos
alunos enquanto produto do ensino (Comissão Europeia, 2011). Geral-
mente, as normas profissionais estão ligadas a órgãos institucionais e a
medidas de garantia de qualidade, podendo focar-se num ou mais dos
seguintes aspectos (Kleinhenz & Ingvarson, 2007):
• facultar informações sobre a actuação e o comportamento do pro-
fessor aos interessados e aos grupos sociais;

Quadros de competências de professores no contexto europeu

27
• orientar a actuação dos intervenientes institucionais e profissionais;
• apresentar exemplos de qualidade profissional e de boas práticas
docentes em diferentes etapas da carreira do professor;
•
facultar medidas de gestão de relacionamentos no âmbito do
ensino, formação de professores e desenvolvimento profissional; e
• instituir regras de monitorização que serão verificadas por órgãos
institucionais e profissionais.

As normas profissionais podem legitimar a qualidade e os conhe-


cimentos profissionais, com a participação activa dos professores no
desenvolvimento e revisão das suas carreiras (Biesta, 2009; Darling-
-Hammond, 2000). Podem ser ferramentas poderosas para melho-
rar o conhecimento profissional, sobretudo se os professores tiverem
um papel activo e de auto-gestão da sua avaliação (Darling-Hammond,
2000). Por outro lado, uma avaliação baseada em normas e realizada
por agentes institucionais poderá correr o risco de se focar em compe-
tências individuais e em técnicas de ensino e nos resultados mensurá-
veis dos alunos, desvalorizando a natureza distribuída e partilhada das
competências dos professores (Conway et al., 2010).
Segundo os críticos da “cultura das normas”, uma vez que estas
podem levar à criação de relações lineares e casuais entre o comporta-
mento do professor e os resultados dos estudantes, o uso técnico das
normas profissionais, enquanto garantia de qualidade e de incentivo
de carreira, corre o risco de simplificar as complexidades inerentes ao
ensino e à aprendizagem, podendo constituir um entrave à postura crí-
tica dos professores quando procuram atender às necessidades especí-
ficas de um contexto ou criar e partilhar conhecimento nas comunida-
des profissionais (Ball, 2003; Olssen et al., 2004).

Francesca Caena

28
Podem identificar-se dois tipos de abordagens para a implementa-
ção das normas profissionais nos diferentes contextos nacionais. Uma
das abordagens centra-se na responsabilização, no controlo e na aferi-
ção do comportamento individual (por exemplo, as abordagens com
base em aptidões no Reino Unido e nos Estados Unidos da América)
e a outra centra-se no desenvolvimento, dando mais relevo aos códi-
gos de conduta e aos princípios do ensino orientadores da profissão
(por exemplo, as normas profissionais para professores na Escócia).
Os estudos transnacionais sobre a função e o impacto das normas para
a profissão docente revelam uma grande variação no seu uso, con-
soante os contextos e as responsabilidades em causa. As normas não
são uma garantia de qualidade, na medida em que “o problema” reside
na sua interpretação (Conway et al., 2010).

Implicações políticas: processos e resultados

A nível nacional, as iniciativas políticas para definir e imple-


mentar os quadros de competências de professores podem basear-se
em diversas fontes, tendo como denominadores comuns as tendên-
cias internacionais:
• compromissos internacionais inerentes ao Processo de Bolonha
relativamente às qualificações fixadas no Quadro Europeu de
Qualificações para o Ensino Superior;
• pressões competitivas internacionais resultantes de inquéritos
comparativos como o PISA e o TALIS;
• compromissos de reformas do ensino noutros domínios políti-
cos, como por exemplo, programas escolares e formação inicial
de professores; e

Quadros de competências de professores no contexto europeu

29
• pressão por parte de outros intervenientes (organizações profis-
sionais, instituições, grupos de interesse social) para se desenvol-
verem mecanismos de responsabilização e reformas eficazes no
sistema de ensino (Comissão Europeia, 2013a).

Os quadros de competências dos professores são reconhecidos


como uma importante influência para a promoção de um sistema de
ensino e formação eficaz:
• capaz de atender às necessidades de contextos específicos,
•
com uma visão contínua para o processo de formação  de
professores,
• flexível,
• capaz de tirar partido da aprendizagem colectiva através de ini-
ciativas de mentoria e de avaliação entre pares,
• capaz de articular recursos de aprendizagem, e
• capaz de integrar percursos flexíveis (Musset, 2010).

A mais-valia do processo de criação dos quadros de competências


de professores reside na compreensão, consciência e diálogo partilha-
dos entre todos os intervenientes, o que poderá contribuir para a criação
de um discurso comum e de um poderoso instrumento de reforço do
profissionalismo – identidade dos professores, compromisso, aprendi-
zagem, (auto-) avaliação e reflexão. No entanto, o propósito e a finali-
dade dos quadros de competências têm de ser acordados com clareza e
identificados previamente por todas as partes envolvidas, abordando a
questão da participação activa dos professores no processo, o que pode
variar consoante as culturas.
Do ponto de vista político, as principais implicações do desenvol-
vimento e definição dos quadros de competências de professores são

Francesca Caena

30
o envolvimento dos intervenientes e a coordenação de todo o sistema,
tanto na fase de desenvolvimento como na fase de implementação.
O desenvolvimento dos quadros de competências de professores requer
um compromisso político de longo prazo e clareza quanto aos papéis dos
vários intervenientes, calendários e processos, assim como ciclos itera-
tivos de preparação, discussão, monitorização e um feedback regular das
partes interessadas. Além da pilotagem e implementação de políticas,
são necessários processos de avaliação e balanços periódicos (Comissão
Europeia, 2012a). A clareza, a consistência e a simplicidade da redacção e
da linguagem utilizada são de extrema importância. Também é necessá-
ria uma abordagem orientada para a acção (por exemplo, grelhas de ava-
liação com declarações do tipo «é capaz de», exemplificando processos
de ensino concretos para alcançar os resultados pretendidos) de forma a
flexibilizar a satisfação das necessidades específicas de cada contexto e as
complexidades inerentes ao ensino (Conway et al., 2009).
O cenário demográfico de professores na Europa preconiza o
carácter prioritário da adopção dos quadros de competências para esti-
mular, avaliar e apoiar o desenvolvimento profissional dos professores
ao longo da carreira. As seguintes oportunidades, incentivos e requisi-
tos têm sido consideradas medidas potencialmente proveitosas:
• colmatar as necessidades em diferentes níveis do sistema;
• coordenar o percurso de aprendizagem dos professores;
• manter o diálogo entre os vários intervenientes;
• assegurar o tempo e os recursos necessários;
• proporcionar incentivos de carreira e incentivos financeiros;
• aplicar procedimentos de avaliação formativa ou sumativa ade-
quados às culturas locais; e
• garantir programas sistemáticos e contínuos para o desenvol-
vimento das competências dos professores após a formação

Quadros de competências de professores no contexto europeu

31
inicial, que podem incluir uma variedade de actividades formais
ou informais de desenvolvimento profissional contínuo (DPC)
(Comissão Europeia, 2013a).

Ainda assim, continua a verificar-se uma grande diversidade nas


características e no uso dos quadros de competências e das normas para
a profissão docente entre os Estados-Membros da UE, sobretudo no
que diz respeito à forma e à finalidade com que os quadros são usados
para a selecção e avaliação de professores ao longo da carreira profis-
sional, com os intervenientes e processos associados. Existem opiniões
diversificadas sobre o conceito de “profissionalismo dos professores”.
As normas profissionais são objecto de debate, no que respeita à sua
função predominante enquanto meio aprendizagem profissional ou
instrumento de garantia de qualidade, o que por sua vez está relacio-
nado com os níveis de controlo e com o grau de confiança na relação
entre os governos e a profissão docente. Por fim, o nível de integração
e de interconectividade dos quadros de competências de professores
com outras áreas políticas relevantes pode ser uma importante variável
na implementação de políticas, como por exemplo, a sua ligação com
os sistemas nacionais de qualificações, com o Quadro Europeu de Qua-
lificações ou com o Quadro de Qualificações para o Ensino Superior.

Resumos comparativos: do discurso político à prática

Na maioria dos países europeus, os quadros de competências


de professores existem no domínio da “política enquanto discurso”.
No  domínio da “política enquanto prática” o seu formato, nível de
desenvolvimento, valor, uso e reconhecimento – no que diz respeito
à formação de professores, desenvolvimento profissional e de carreira

Francesca Caena

32
e outras áreas políticas – diferem consideravelmente, tal como o papel
dos vários intervenientes (Eurydice, 2013).
Os quadros de competências de professores actuam sobretudo
como linhas de orientação (nacionais) para a formação inicial de profes-
sores, descrevendo as metas e os resultados pretendidos. Geralmente
encontram-se referências às oito principais competências europeias
nos quadros, que incluem conhecimentos das matérias e pedagógi-
cos, aptidões de avaliação, capacidade de trabalho em equipa, aptidões
sociais e interpessoais, consciência da questão da diversidade, aptidões
de investigação e aptidões organizacionais e de liderança.
O nível de precisão dos quadros também é variável: podem ser
mais genéricos, com enunciados de carácter mais geral ou áreas de
competência básicas (por exemplo, competências de avaliação), como
é o caso na Flandres, em França ou na Lituânia, ou podem ser listas
detalhadas de conhecimentos, aptidões e atitudes, com indicadores e
grelhas de avaliação com declarações do tipo «é capaz de», como na
Irlanda, nos Países Baixos ou na Escócia. Em alguns países, os qua-
dros são regulamentados pelas normas profissionais (por exemplo, na
Estónia, na Letónia, nos Países Baixos e na Escócia) podendo integrar o
desenvolvimento de carreira ou a avaliação de professores e distinguir
diferentes níveis de conhecimento especializado.
Os seguintes resumos comparativos procuram explorar as com-
plexidades da transição da “política enquanto discurso” para a “política
enquanto prática” no contexto europeu. Serão identificados pontos de
convergência e de afastamento entre países da Europa e analisadas as
implicações das diferentes abordagens políticas, tendo em conta algu-
mas variáveis como a gestão e o controlo de qualidade, os papéis e res-
ponsabilidades dos vários intervenientes, a implementação de políticas
e o estatuto da profissão docente.

Quadros de competências de professores no contexto europeu

33
As variações regionais nos sistemas de educação e de formação
podem atribuir-se a factores como a história, os diferentes conceitos
de ensino e de cidadania, teorias de aprendizagem, tecnologias utili-
zadas nas escolas, culturas administrativas, custos e recursos disponí-
veis e sistemas de controlo de qualidade (Cummings, 2003). Porém,
os actuais processos de globalização, que fazem convergir ideologias,
política e economia, foram comparados a uma “tripla revolução” com
potencial para uma implementação de reformas no sistema de ensino
sem precedentes (Tatto, 2006). Num cenário de convergência global,
embora com variações regionais, os governos nacionais actuam como
mediadores com três funções essenciais de coordenação, nomeada-
mente, em matéria de legislação, representação e liderança. Os temas
e as instituições de ensino dependem do Estado, por razões curricula-
res, financeiras e jurídicas. Isso tanto pode gerar vulnerabilidade como
resistência às influências globais, resultando ou em conformidade ou
em divergência (Tatto, 2007).
Este resumo comparativo das tendências políticas dos Estados-
-Membros quanto às competências dos professores tem em conside-
ração as suas relações com a formação, qualificação, selecção, recruta-
mento e estatuto dos professores e com as características do mercado
de trabalho nos diferentes contextos nacionais. São também considera-
dos aspectos como a governação, as culturas de responsabilização e as
estratégias de implementação de cada país (Gordon et al., 2009; Michel
& Halász, 2011).
As diferenças regionais de governação do ensino podem incluir:
• tendência para uma administração centralizada ou descentra­
lizada; e
• consequentemente, um equilíbrio variável entre a autonomia/
confiança (em instituições de ensino/prestadores de serviços

Francesca Caena

34
educativos) e o controlo/carácter prescritivo (por parte das auto-
ridades educativas ou outros órgãos), por exemplo, dos processos
de avaliação, selecção e elaboração do currículo de formação ini-
cial de professores.

As culturas de responsabilização podem variar muito de país para


país no que diz respeito a:
• estruturas de controlo de qualidade internas/externas, papéis dos
intervenientes, ferramentas e procedimentos para a formação de
professores, modo de ensino e organização das escolas; e
• presença/ausência de órgãos e de norma profissionais e utiliza-
ção/revisão, ou não, dos quadros de competências de professores.

Os padrões de implementação de políticas também podem variar


entre os Estados-Membros, no que diz respeito a:
• fortes/fracas capacidades de implementação de políticas (utili-
zação de instrumentos políticos, compreensão de estratégias de
mudança e investimento no reforço de capacidades);
• diferentes estratégias de implementação (preferência por abor-
dagens políticas ascendentes/descendentes, sistemas agrupados,
colaboração/cooperação lateral, etc.);
• fortes/fracas sinergias políticas entre os diferentes subsistemas
de ensino:
– uma visão contínua para a formação e carreira dos professo-
res, contemplação da formação inicial de professores, uso dos
quadros de competências para orientar o apoio ao início de
carreira e o aperfeiçoamento profissional contínuo dos pro-
fessores e apreciação/avaliação dos mecanismos de controlo
de qualidade;

Quadros de competências de professores no contexto europeu

35
– diferentes níveis de consecução na articulação de metas, objec-
tivos, avaliação e apreciação do ensino e da formação;
– um forte/fraco apoio à inovação em matéria de políticas, exis-
tência de parcerias e redes, criação de pontes de ligação entre
as várias instituições; e
– um forte/fraco papel de liderança nas instituições de ensino.

Em essência, as forças centrípetas globais para a mudança alte-


raram o curso dos sistemas de ensino europeus em direcção a uma
autonomia institucional/local em termos de escolhas (por exemplo, no
que diz respeito a programas escolares e à selecção de professores), à
diversificação (de programas escolares e modos de ensino) e à flexibi-
lidade (na organização, no modo de ensino e nos currículos escolares,
na adaptação às necessidades regionais). Assim, a mudança geral na
regulamentação e na governação do ensino nos Estados-Membros da
UE reside na transferência da gestão central e directa de processos por
parte dos governos para uma maior delegação de controlo operacional
a outros níveis do sistema. Consequentemente, a actuação dos minis-
térios centrais em vários países é “orientado por metas e objectivos”.
A complexidade dos sistemas de ensino e de formação modernos dá
origem a processos de decisão mais próximos e atentos às necessidades
locais e, como tal, provavelmente mais eficientes (Green, 2002). A ten-
dência de descentralização dos sistemas educativos, no entanto, varia
muito de país para país, nomeadamente no que diz respeito a:
• delegação parcial de alguns poderes adicionais às instituições de
ensino/escolas, ainda que sujeitos ao controlo geral do Estado
em matéria de orçamento e recrutamento de professores (em
alguns países continentais ou mediterrânicos como a França, a
Alemanha e a Itália);

Francesca Caena

36
• delegação de poderes a regiões geográficas ou comunidades lin-
guísticas (por exemplo, Áustria, Bélgica, Espanha);
•
delegação de responsabilidades a municípios e regiões (por
exemplo, países nórdicos); e
• delegação de poderes administrativos e orçamentais a instituições
de ensino/escolas (por exemplo, Reino Unido, Países Baixos).

Verifica-se a mesma heterogeneidade entre os países quanto à res-


ponsabilização, ao controlo da qualidade do ensino e à formação de
professores. Devido às pressões internacionais da Estratégia de Educa-
ção e Formação para 2020 e do Processo de Bolonha, a formação ini-
cial de professores foi fixada no nível “universitário”, o que implicou
alguns desafios de execução devido às discrepâncias entre as qualifica-
ções nacionais dos professores e os requisitos gerais do ensino supe-
rior (culturas de ensino, de formação e escolares em contextos especí-
ficos) (Zgaga, 2013). As qualificações dos professores podem, portanto,
variar muito consoante o país e o ciclo escolar em causa, sendo o requi-
sito mais comum para professores do ensino secundário o grau de
mestre (Eurydice, 2013).
A selecção e recrutamento de professores são outras variáveis rele-
vantes nos quadros de competências, pela sua relação com o estatuto
do professor e com o mercado de trabalho. Com as tendências de des-
centralização na Europa, o estatuto do professor depende cada vez mais
da posição geográfica, sendo o recrutamento aberto da competência
das autoridades educativas ou escolas locais, o que frequentemente
acarreta problemas relacionados com oferta/permanência na carreira
dos professores. Apenas em alguns Estados-Membros (como a França
ou a Itália) o estatuto do professor continua a depender da sua car-
reira, o que geralmente envolve concursos muito competitivos sendo

Quadros de competências de professores no contexto europeu

37
a selecção feita a partir de um excedente de candidatos. Alguns paí-
ses dão conta de dificuldades no recrutamento de professores e criam
iniciativas políticas para atrair candidatos (por exemplo, a Flandres, a
Dinamarca, a Estónia, os Países Baixos, o Reino Unido); a docência é
vista como uma careira de prestígio em poucos países (Chipre, Espa-
nha, Finlândia, Irlanda).
Desta forma, a selecção de professores nos vários países parece
ser um processo fragmentado, adaptado à especificidade de cada con-
texto e à relação entre a procura e a oferta de emprego. Apenas em
alguns países (Estónia, Irlanda, Países Baixos, Inglaterra e Escócia)
existem relações explícitas entre a selecção de professores e os quadros
de competências ou as normas – por exemplo, com respeito à conclu-
são da formação inicial de professores, ao apoio no início de carreira
ou à prática escolar.
Os resultados de aprendizagem dos programas iniciais de forma-
ção de professores são estabelecidos em termos de competências, na
maioria dos países, de acordo com a legislação nacional e com os regu-
lamentos para a garantia de qualidade. A avaliação da formação inicial
de professores (processos e resultados) é obrigatória ou recomendada
na maior parte dos países; no entanto, a frequência, os procedimentos
e o propósito da avaliação podem variar muito entre os Estados-Mem-
bros. Os diferentes graus de autonomia das instituições universitárias,
garantidos pelos governos nacionais, podem variar entre uma grande
autonomia em alguns países (por exemplo, Áustria, Finlândia, França,
Letónia, Luxemburgo, Malta) e procedimentos de controlo mais rigoro-
sos noutros países (por exemplo, Chipre, Hungria, Lituânia, Noruega,
Polónia, Reino Unido) (Eurydice, 2006; 2013).
Assim, a garantia da qualidade na formação de professores pode
envolver processos que articulam a avaliação externa e a avaliação

Francesca Caena

38
interna (por exemplo, na Bélgica, na Flandres, na Finlândia, na Irlanda,
no Reino Unido) e o uso das normas de qualificações de professores
num conjunto de países (como a Bélgica, a Alemanha, a Lituânia, os
Países Baixos, Suécia e o Reino Unido). Pode basear-se em procedi-
mentos gerais de avaliação para o ensino superior, relacionados com
a acreditação ou renovação de programas. Em alguns países ainda,
órgãos profissionais como a Inspecção do Ensino Escolar ou os Con-
selhos de Educação participam no controlo de qualidade (por exemplo,
na Irlanda e na Escócia).
Quanto às estratégias de implementação, a literatura reconhece
que as capacidades dos Estados-Membros são assimétricas (Michel &
Halász, 2011). Os diferentes graus de compromisso político e de capa-
cidade de implementação podem ser determinantes para o sucesso
e para a celeridade da promulgação de políticas (ver figura 1). Isto é
mais provável em países com sistemas de responsabilização e de ino-
vação para o ensino nacional bem desenvolvidos – em que os objec-
tivos gerais para o desenvolvimento de competências e para a defini-
ção de normas, enquanto resultados de aprendizagem, são sustentados
por sinergias entre todos os subsistemas de ensino, com um misto de
acções descendentes e ascendentes e que envolvem intervenientes a
vários níveis (o Ministério, dirigentes e comunidades escolares, gru-
pos/associações profissionais ou de interesse). Uma visão contínua
para as competências dos professores, que conjuga a formação inicial
de professores, o apoio ao início de carreira e o desenvolvimento pro-
fissional contínuo, está cada vez mais presente nas reformas políticas
europeias, por exemplo, em países como a Áustria, a Irlanda, a Letónia
e a Suécia (Comissão Europeia, 2013a).

Quadros de competências de professores no contexto europeu

39
Figura 1. Modelo de implementação de políticas: o papel decisivo dos
quadros de competências de professores para um ensino baseado em
competências

Contributo político
Implementação de políticas

Capacidades
Compromisso político
de implementação

Definir metas e padrões Facultar um feedback


adequados para os adequado através
programas escolares de mecanismos de
apreciação e avaliação

Desenvolver as Delinear práticas escolares


competências dos através da inovação, apoio
professores através e desenvolvimento das
da formação e do DPC escolas e respectivos
dirigentes

Resultados das políticas

Ensino eficaz baseado em competências

Francesca Caena

40
Exemplos de políticas

Os exemplos paradigmáticos da Suécia, da Irlanda, dos Países Bai-


xos e da Escócia visam ilustrar diferentes etapas da elaboração de políti-
cas para os quadros de competências de professores, começando pelas
políticas desenvolvidas mais recentemente e terminando com as mais
antigas tradições neste domínio. Os papéis e as responsabilidades atri-
buídos aos principais intervenientes, a intervenção e o envolvimento
dos órgãos profissionais e aspectos relacionados com o recrutamento,
estatuto e permanência na carreira dos professores variam entre os
quatros países. Contudo, estes países possuem semelhanças notáveis
nas suas estratégias integradas e abrangentes de implementação, que
geralmente envolvem um misto de abordagens descendentes e ascen-
dentes e consultas estruturadas e regulares a outros intervenientes –
com o conceito subjacente de um continuum para a formação e apren-
dizagem dos professores. Outro aspecto interessante prende-se com
as pontuações destes países no mais recente inquérito PISA (2012).
Os Países Baixos e a Irlanda mantêm-se acima da média, embora com
resultados inferiores aos de 2009, a qualificação da Escócia situa-se
dentro da média e a posição da Suécia desceu significativamente, tanto
em termos de equidade como de desempenho (OCDE, 2013a).
Na Suécia, onde se prevê um aumento da escassez de professo-
res, a prioridade para a implementação de políticas para professores
é aumentar a qualidade destes profissionais no continuum da forma-
ção de professores, proporcionando-lhes oportunidades para aprofun-
darem o seu profissionalismo ao longo da carreira e reconhecendo o
seu papel central para a obtenção de bons resultados de aprendizagem.
Isto é facilitado pela oferta de quatro diplomas profissionais na fase de
formação inicial de professores, de acordo com os respectivos níveis

Quadros de competências de professores no contexto europeu

41
de ensino e especializações, com especificações precisas e relacionadas
com o quadro de competências enquanto resultados de aprendizagem.
A  Lei da Educação de 2010 «Top of the Class» (O melhor da turma),
seguindo os requisitos de Bolonha, introduziu uma reforma nacional
nos programas de formação inicial de professores em que se definem
três áreas curriculares – estudos da disciplina, estudos educacionais
(60 ECTS), e prática docente (30 ECTS). Com uma governação des-
centralizada, a formação inicial de professores, sob a alçada das insti-
tuições de ensino superior, é orientada por objectivos determinados a
nível central e por resultados de aprendizagem.
(https://webgate.ec.europa.eu/fpfis/mwikis/eurydice/index.php/
Sweden:Teachers_and_Education_Staff).
Aos professores que adquirem qualificações académicas adicio-
nais e que provam a excelência do seu ensino durante quatro anos são
oferecidas ainda outras possibilidades de progressão e de diferenciação
do percurso profissional, através de incentivos salariais ou de bolsas.
Esses perfis profissionais podem envolver responsabilidades adicio-
nais, como por exemplo, mentoria ou projectos de desenvolvimento
escolar. Além disso, os requisitos para o emprego permanente de pro-
fessores tornaram-se mais rigorosos desde Julho de 2012. Existe tam-
bém um sistema de registo para o emprego permanente de novos pro-
fessores, após a formação inicial e o apoio ao início de carreira, que
certifica que os professores têm competências de avaliação e de orien-
tação pedagógica adequadas. Este certificado pode ser anulado no caso
de o desempenho profissional ser insuficiente. A  legislação recente
também articula o sistema nacional de controlo de qualidade das ins-
tituições de ensino superior com incentivos para promover melhores
resultados de aprendizagem, aumentando a frequência das avaliações
de qualidade regulares, que são efectuadas pela agência nacional do

Francesca Caena

42
ensino superior (Comissão Europeia, 2013a). No  que diz respeito ao
perfil e requisitos de competências dos formadores de professores,
todos os formadores universitários de professores têm de ser doutora-
dos, havendo programas intensivos de apoio para professores que pre-
cisem de obter este grau de qualificação (Comissão Europeia, 2013b).
Na Irlanda, os professores têm estatutos e salários muito elevados,
a selecção durante a formação inicial de professores é altamente com-
petitiva e a maioria dos candidatos insere-se no quartil superior. Foi
desenvolvido um quadro de competências de professores com a inter-
venção, apoio e responsabilidade do Conselho Educativo. Esta orga-
nização profissional, criada em 2006, fomentou o debate e o planea-
mento estratégico para harmonizar a formação inicial de professores,
o apoio no início de carreira e o desenvolvimento profissional do ser-
viço docente. Encomendou também um estudo, em 2009, que suge-
riu uma reforma e recomendou uma maior coerência e integração da
formação de professores para promover uma aprendizagem eficaz ao
longo de toda a carreira (Conway et al., 2009).
O continuum da formação de professores na Irlanda centra-se em
cinco dimensões interligadas: o papel do professor, a qualidade do
ensino, o ciclo de vida profissional, a aprendizagem do professor e os
relacionamentos, salientando o aprofundamento, o profissionalismo
colaborativo e o trabalho interactivo dos professores, a necessidade de
existirem múltiplos percursos profissionais e o papel dos mecanismos
de apoio ao início de carreira. A implementação e revisão do quadro de
competências de professores foram geridas pelo Conselho Educativo,
com a participação activa e o envolvimento dos profissionais através de
fases iterativas de consulta (Comissão Europeia, 2013a).
O desenvolvimento das normas de competências para a fase de
entrada na carreira (requisitos para a obtenção de um registo pleno)

Quadros de competências de professores no contexto europeu

43
foi articulado com um código deontológico e com uma estratégia para
a revisão e acreditação de programas de ensino e de formação (ITE)
(recursos, processos e resultados). As directrizes de acreditação (revis-
tas em 2010, com o feedback de intervenientes relevantes) visaram esta-
belecer um número limitado de resultados (competências) para o pro-
grama de carácter geral, flexível e acessível, distintos dos resultados de
aprendizagem realizáveis, mensuráveis e avaliáveis dos estudantes (ali-
nhados com os requisitos de acreditação académica). Após a revisão,
os resultados de aprendizagem foram fixados no Nível 8 do Quadro
Nacional de Qualificações (QNQ); foram descritos em termos de conhe-
cimentos, aptidões e competências, e agrupados em categorias gerais
(por exemplo “comunicação e construção de relacionamentos”). (www.
gtcni.org.uk/userfiles/file/The_Reflective_Profession_3rd-edition.pdf).
Além disso, após uma revisão, os critérios para os formadores
de professores requerem agora que estes profissionais possuam uma
experiência de ensino específica e uma actividade de investigação rele-
vante. Estão a ser introduzidos requisitos semelhantes para mentores
escolares, que incluem competências interpessoais, empenho profis-
sional e elevados padrões de conduta e prática profissional (Comissão
Europeia, 2013b).
No sistema de governação descentralizado do ensino, nos Países
Baixos, há uma longa tradição do uso de quadros nacionais de com-
petências de professores, enquanto normas profissionais (o primeiro
quadro foi desenvolvido em 2004 e incluído na Lei de 2006), tendo-se
integrado uma base de conhecimentos complementar nos currículos
para a formação inicial de professores (que inclui requisitos específicos
e gerais) (www.kennisbasis.nl). As normas profissionais actuam como
um quadro de referência para os conselhos escolares, que estão a cargo
das políticas de recursos humanos e do desenvolvimento profissional

Francesca Caena

44
de professores, e também para as instituições de ensino superior, que
são responsáveis pela formação de professores, embora os sindicatos
e organismos profissionais também desempenhem um papel funda-
mental. Os quadros de competências estão sujeitos a processos de ava-
liação a cada seis anos: são criadas propostas de revisão, que envolvem
a profissão docente, com uma definição clara dos papéis e responsabi-
lidades dos vários intervenientes (Comissão Europeia, 2013a).
Os quadros identificam os requisitos básicos das competências dos
professores (qualidades interpessoais, organizacionais, pedagógicas,
ensino de matérias específicas) dividindo-as em três grandes aplicações:
na colaboração com os outros, no local de trabalho e a nível individual
(www.european-agency.org/country-information/netherlands/national-
overview/teacher-training-basic-e-specialist-teacher-training). Para cada
uma das sete competências principais, existe uma descrição dividida
em três níveis:
• os aspectos visíveis das competências (o que tem de ser alcan-
çado e de que forma);
• os requisitos das competências (atitudes profissionais, aptidões e
conhecimentos específicos); e
• indicadores que descrevam os processos de ensino concretos que
revelam as competências – isto é, o que o professor tem de ser
capaz de fazer – enquanto exemplos e linhas de orientação para
interpretar os requisitos das competências.

O recrutamento e o desenvolvimento profissional dos profes-


sores são geridos ao nível das escolas, enquanto os conteúdos curri-
culares da formação de professores são da responsabilidade das ins-
tituições de formação inicial de professores, em linha com os dois
quadros de referência (normas profissionais e base de conhecimentos).

Quadros de competências de professores no contexto europeu

45
O desenvolvimento e preservação da qualidade dos docentes são enca-
rados como uma responsabilidade conjunta do governo, dos conselhos
escolares e dos professores, procurando alcançar-se um equilíbrio entre
os papéis e o envolvimento de cada uma das partes. O governo define,
através da legislação, quadros para as competências dos professores e
para o desenvolvimento profissional e o organismo de Inspecção ava-
lia a qualidade dos professores nas escolas. Os conselhos escolares são
responsáveis por apoiar, financiar, possibilitar e monitorizar o desen-
volvimento profissional dos professores, de quem se espera que actua-
lizem as suas competências através de um número acordado de activi-
dades de aprendizagem profissionais (Comissão Europeia, 2013a).
No que diz respeito aos formadores de professores, as normas pro-
fissionais (em vigor há mais de dez anos), a base de conhecimentos
profissionais (em vigor desde 2011) e o registo profissional são con-
siderados pelos governos e pelos empregadores como instrumentos
essenciais para garantir e promover a qualidade do ensino. A organi-
zação profissional VELON, que é um reconhecido e importante inter-
veniente nos diálogos nacionais das políticas para professores, é res-
ponsável pelo desenvolvimento e pela revisão cíclica destas normas.
No processo neerlandês de registo de formadores de professores (até
agora de carácter facultativo), as normas profissionais são encaradas
como referências para analisar os pontos fortes e os pontos fracos des-
tes profissionais, para elaborar um plano de aprendizagem/desenvolvi-
mento e para a criação de um portefólio, através do diálogo entre pares
(Comissão Europeia, 2013b).
As políticas de ensino actuais nos Países Baixos (Plano de Acção
de 2020 para Professores) têm como objectivo elevar o nível de qua-
lidade do ensino de “bom” a “excelente”, abordando as questões do
recrutamento e da permanência dos professores na carreira (através de

Francesca Caena

46
iniciativas políticas que visam atrair um leque mais alargado de candida-
tos), as condições de trabalho dos professores e a governação do ensino
(www.government.nl/documents-e-publications/reports/2013/02/27/
teaching-2020.html). As iniciativas incluem bolsas para o desenvolvi-
mento profissional dos professores (para qualificações universitárias
adicionais ou necessidades educativas especiais), uma maior diversifi-
cação laboral (em termos de postos de trabalho e de tabelas de venci-
mentos) e um registo do desenvolvimento profissional dos professores
(obrigatório a partir de 2017, que requer um DPC anual mínimo de
40 horas). Outras estratégias para garantir a qualidade dos professores
incluem planos de acção para melhorar as escolas, estudos secundá-
rios, formação profissional e o aumento do nível de exigência dos exa-
mes e da qualidade dos dirigentes escolares.
A Escócia tem uma longa tradição na aplicação de normas profis-
sionais para professores (introduzidas em 2000 e revistas em 2013),
integradas num sistema caracterizado pela actuação do Conselho Geral
de Educação (desde 1996) (www.gtcs.org.uk/standards/standards.
aspx). As etapas da carreira docente são descritas por quatro conjun-
tos de normas profissionais, com uma perspectiva formativa que se
centra mais na investigação, nas atitudes e nos valores (como a justiça
social) do que nas aptidões técnicas. As três primeiras dimensões do
quadro (valores profissionais e empenho pessoal; conhecimentos pro-
fissionais; aptidões e habilidades profissionais) são parte integrante da
quarta (processos profissionais). As  dimensões dividem-se em listas
com pontos específicos, que incluem exemplos de declarações do tipo
«é capaz de» para cada ponto listado nas quatro áreas do quadro.
O acordo de 2001 «A Teaching Profession for the 21st century» (Uma
profissão docente para o século XXI) introduziu o direito de todos os
professores a 35 horas anuais de DPC, um esquema de aprendizagem

Quadros de competências de professores no contexto europeu

47
profissional, um esquema de apoio ao início de carreira e uma revi-
são bietápica da formação de professores (www.scotland.gov.uk/
Resource/Doc/158413/0042924.pdf). O acordo envolveu a participação
do governo, de empregadores e de sindicatos, reflectindo um elevado
nível de confiança e de respeito entre todas as partes envolvidas. Tanto
as autoridades nacionais (incluindo organismos de inspecção) como as
autoridades educativas locais (Conselhos escoceses, que possuem um
certo nível de autonomia para a gestão de serviços educativos) apoia-
ram as comunidades de aprendizagem de professores na promoção
de uma mudança dos métodos de ensino e de avaliação, assim como
em projectos colaborativos entre escolas e universidades; a avaliação da
formação inicial de professores baseia-se mais na revisão pelos pares.
A  docência é encarada como uma profissão atractiva, havendo exce-
dente de candidatos, oportunidades de progressão na carreira e salários
razoavelmente elevados (Comissão Europeia/IBF, 2012d).
O sistema de apoio ao início de carreira, estabelecido em 2002,
contempla uma orientação estruturada e apoio contínuo aos professo-
res, que se estende além do período de apoio inicial. Foram introduzidas
opções de progressão de carreira com os programas para professores
diplomados (com grau de Mestre ou com qualificações profissionais) e
para posições de liderança. A implementação da medida escolar «Curri-
culum for Excellence» (Currículo para a Excelência), em 2010, aumentou
as responsabilidades dos professores, colocando ênfase na inter-rela-
ção entre a formação de professores, programas escolares e resultados
educacionais e permitindo uma maior liberdade na adaptação dos pro-
gramas escolares às necessidades dos estudantes, embora alinhados
com as directrizes gerais das políticas nacionais. Na Escócia, as políti-
cas para professores têm sido elogiadas pela sua abordagem orientada
para o desenvolvimento, centrada na aprendizagem dos professores e

Francesca Caena

48
não na utilização regulamentar das normas profissionais (Conway et
al., 2009; Menter et al., 2010).
Quanto à qualidade e ao desenvolvimento profissional da forma-
ção de professores, a criação de competências de investigação é uma
prioridade e um desafio contínuo para as universidades escocesas.
As abordagens colaborativas no AERS (Applied Educational Research
Scheme) e na SERA (Scottish Educational Research Association) são
valiosos exemplos dos avanços feitos nesta área (Menter et al., 2010).

Conclusão: matéria para reflexão

O papel predominante das políticas europeias numa área como a


educação, que é regulada pelo princípio da subsidiariedade, pode ser
considerado como um catalisador da mudança nacional e do empo-
deramento, criando oportunidades para que os governos dos Estados-
-Membros implementem reformas internas, que tenderão a desafiar as
instituições, os intervenientes e as práticas locais, estimulando o desen-
volvimento de políticas e a aprendizagem social nos diferentes países
(Michel & Halász, 2011). A  Estratégia de Educação e Formação para
2020 considera o desenvolvimento e o uso eficaz de quadros de com-
petências de professores, fundamental para a reforma das políticas de
ensino, devido à sua ligação com praticamente todas as principais áreas:
competências-chave para o ensino em contexto escolar, formação e
desenvolvimento profissional de professores, quadros de qualificações,
garantia de qualidade, eficácia e transparência no ensino e na formação.
No entanto, em matéria de políticas para professores, as dinâmicas
de adaptação e a resistência às pressões europeias produzem resultados
heterogéneos e diversificados nos vários países, onde os papéis, o equilí-
brio e a intervenção das principais instituições (ao nível macro e médio),

Quadros de competências de professores no contexto europeu

49
inseridas em estratégias políticas e culturas concretas, podem determi-
nar o ritmo e o sucesso da tradução do discurso para a prática política.
A ênfase nas competências dos professores pode ser vista como o
resultado de uma mudança de paradigma na Europa, que tem vindo a
focar-se nas competências que deverão fazer parte dos programas de
ensino. Contudo, o êxito da implementação de políticas e reformas
para as competências dos professores, implica a superação de numero-
sos obstáculos e requer mudanças culturais e comportamentais signi-
ficativas por parte dos principais intervenientes e instituições, nomea-
damente, universidades e outros prestadores de serviços de formação
de professores/desenvolvimento profissional, escolas enquanto locais
de ensino e aprendizagem dos professores, formadores de professores
e dirigentes escolares.
Para que se encontre um rumo político no terreno caótico, irregu-
lar e acidentado das competências e da formação de professores, poderá
ser útil identificar alguns pontos de referência. O primeiro tem que ver
com a aprendizagem para o desenvolvimento das competências dos
professores, na fase de formação inicial e posteriormente – que pode
ter lugar sobretudo no contexto escolar, embora requeira uma prepa-
ração criteriosa, reflexão, feedback adequado e um diálogo profissional
permanente com mentores experientes e formadores de professores.
Isto implica decisões políticas que definam a estrutura e o currículo da
formação inicial de professores e requer parcerias eficazes e estrutura-
das entre escolas e universidades, o intercâmbio e desenvolvimento de
conhecimentos e os conhecimentos especializados dos formadores de
professores, mentores e investigadores.
O segundo ponto de referência diz respeito à consistência da ava-
liação das competências dos professores em diferentes contextos, fun-
ções e etapas da carreira. Se a competência do professor é um conceito

Francesca Caena

50
dinâmico, que implica a mobilização de conhecimentos e de aptidões
em contextos específicos, então deverá ser avaliada na prática – na sala
de aula e no exercício da profissão. Isso deverá estar reflectido nos pro-
gramas de formação inicial de professores, nos trabalhos académicos
e na avaliação dos professores ao longo da carreira, ressaltando o papel
fundamental dos portefólios profissionais.
O terceiro ponto diz respeito ao reconhecimento da necessidade
de um continuum no processo de formação de professores, que requer
coesão e articulação entre as várias etapas do seu processo de apren-
dizagem e desenvolvimento. Numa conferência internacional recente
sobre a formação de professores, que teve lugar em Essen (Projecto
Nexus/Conferência de Reitores Alemães, Janeiro de 2014) (www.hrk-
-nexus.de/aktuelles/termine/education-e-training-for-european-pro-
fessores), expressou-se a opinião de que poderia ser mais fácil e eficaz
elaborar políticas mais focadas no desenvolvimento profissional con-
tínuo dos professores e não tanto na formação inicial de professores,
tendo em conta os vários desafios institucionais e cognitivos inerentes
ao processo de formação inicial de professores. Admitindo que esse
seria o caso, isso poderia significar uma oportunidade perdida para
que as universidades evoluíssem de torres de marfim para centros de
aprendizagem e catalisadores do conhecimento, criando sinergias ino-
vadoras com as escolas, enquanto comunidades profissionais.

Quadros de competências de professores no contexto europeu

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Francesca Caena é professora na área de Formação de


professores na Universidade Ca’ Foscari em Veneza.
É consultora do Grupo de Trabalho da Comissão Europeia para
a política escolar e formação de professores. Os seus interesses
de investigação situam-se nos estudos comparativos sobre
políticas europeias, formação inicial e contínua de professores
e aprendizagem online em comunidades profissionais. Foi
coordenadora de um projecto do Programa Erasmus cujo
objectivo foi desenvolver um curriculum de mestrado para
professores europeus, envolvendo oito universidades europeias.

Francesca Caena

56
A FORMAÇÃO
PARA A DOCÊNCIA:
UMA CONSTANTE
INTERNA (E EXTERNA)
DO DESENVOLVIMENTO
PROFISSIONAL
DOCENTE

Javier M. Valle
Jesús Manso
A FORMAÇÃO PARA A DOCÊNCIA:
UMA CONSTANTE INTERNA
(E EXTERNA) DO DESENVOLVIMENTO
PROFISSIONAL DOCENTE
Javier M. Valle
Jesús Manso7

A expressão Lifelong Learning constitui nos dias de hoje um para-


digma urgente no ensino contemporâneo. O  normal nestes tempos
de conhecimento “líquido” e “esférico” é considerar-se que a formação
não deve parar nos períodos em que se obtém uma determinada qua-
lificação, nem reduzir-se aos contextos de ensino formal. Desta forma,
há que formar-se interna e externamente, o que constitui o processo vital
de um profissional.

Muitas são as temáticas em debate quando se aborda “a ques-


tão docente”. O erro, frequentemente reiterado, é abordar soluções de

7  Grupo de Investigação sobre “Políticas Educativas Supranacionales”


da Universidade Autónoma de Madrid (UAM)

A formação para a docência

59
forma isolada e desconexa, quando, na nossa apresentação, “a ques-
tão docente” deve ser tratada como uma constante e abordar um vasto
número de factores com relações complexas entre si. Entre esses fac-
tores a ter em conta podem enumerar-se (para uma aproximação siste-
mática, apesar de insistir no artificioso da sua consideração indepen-
dente) os que constituem o seguinte decálogo:
1) Definição das competências profissionais dos docentes. Que
competências deve aplicar um docente no exercício da sua pro-
fissão (na sala de aula, na escola, com as famílias, com o meio
envolvente, com o conhecimento e a investigação…)? E… sempre
de acordo às mesmas:
2) Selecção dos futuros estudantes de profissões que qualificam
para o exercício da docência. Como deverá ser feita a selecção
adequada dos que querem ingressar nos programas de forma-
ção de qualificação para o exercício da docência (seja qual for o
modelo escolhido para esses programas)? É viável pensar-se em
provas de natureza diversa para o acesso aos estatutos de Pro-
fessor Ensino Básico e Professor do Ensino Secundário?
3) Formação “Inicial”. Como deve ser a formação para os que que-
rem exercer a docência, de forma a serem qualificados com as
competências adequadas, tendo em conta os distintos níveis e
disciplinas em que se materializa esta profissão na realidade do
sistema educativo? Dentro desta qualificação não podemos esque-
cer-nos de, pelo menos, três questões: 3.1) A formação disciplinar;
3.2) A formação pedagógica; 3.3) A formação prática (3.3.1. Com
uma reflexão sobre as escolas onde se aplicará a prática; 3.3.2.
Atendendo à formação de mentores dos estudantes em estágio).
4) Certificação de qualificações de profissionais docentes. Como
dar certificação a profissionais que possuam as competências

Javier M. Valle, Jesús Manso

60
exigidas para o exercício da docência? Deve existir alguma Enti-
dade Nacional de Acreditação de Docentes?
5) Acesso à profissão de docente. Como deverá ser o processo de
selecção dos candidatos para o desempenho de forma profissio-
nal do cargo de docente?
6) Indução profissional. Como criar um plano de indução, de
inserção nos contextos do exercício da profissão de docente,
que permita aos professores principiantes uma aprendizagem
de boas práticas?
7) A formação “permanente” ou contínua. Como articular uma
melhoria constante nas competências profissionais dos docen-
tes e um aperfeiçoamento dos graus de domínio dos desempe-
nhos latentes nessas competências…?
8) As condições profissionais e sociais no exercício da docência.
Como devem ser as condições para o exercício eficiente da pro-
fissão? O que deve constar no “Estatuto profissional do docente”?
9) A função directiva e a liderança pedagógica. Como deve ser a
formação dos responsáveis pela direcção das escolas e agru-
pamentos? Como ter acesso a cargos de tal responsabilidade?
Como fomentar a existência nas escolas e agrupamentos de
dinâmicas que originem uma liderança pedagógica e que pro-
movam, desta forma, um ensino inovador?
10) O prestígio e a consideração social dos docentes. Como recu-
perar a confiança nos nossos docentes e recuperar o prestígio
social desta profissão?

Todos estes factores, pelo menos, e de forma totalmente interligada,


deveriam fazer parte de uma política que aborde a “questão docente” a
partir de uma perspectiva verdadeiramente integral, holística.

A formação para a docência

61
O conceito de Lifelong Learning aplicado ao caso concreto dos pro-
fessores e o que se presume com “a vida” de “ser professor” é o que
aqui definiremos como “Lifelong Teacher´s Education”.
Através desta perspectiva integrante, nenhum dos factores ante-
riormente citados pode ser analisado de forma isolada…
Desde o primeiro momento em que o futuro docente se propõe
a sê-lo, deve estar consciente de que “ser” professor começa antes
mesmo de ingressar no programa de formação que o qualifica para o
exercício da docência. Deve estar consciente das competências profis-
sionais exigidas para o exercício da docência (que para tal devem ter
sido previamente estabelecidas – mediante um acordo a nível nacional
que tenha em conta os referentes de consenso nacionais sobre a temá-
tica-) e deve também conhecer o processo de selecção que o permitirá
ingressar em algum destes programas.
Obviamente, este processo de selecção deverá ter em conta essas
competências e incluir o plano de provas de natureza diversa para
poderem ser avaliadas. Não parece sensato basear-se na nota média
de final do Ensino Secundário, nem numa prova de conteúdos (como
parece estar a ser apresentado desde a arena do actual debate político,
que inclusivamente está a criar provas de ingresso nesta errante direc-
ção …) uma vez que as provas deverão dar a informação sobre as apti-
dões do aspirante a docente para que possa, com a formação adequada,
alcançar as competências necessárias e estabelecidas, tal como é feito
há algum tempo em vários países europeus.

Essas competências devem ser, por sua vez, o foco central dos pro-
gramas de formação que outorguem a qualificação adequada. Para formar
professores no cenário contemporâneo de aprendizagem por competên-
cias é necessário fazê-lo através do enfoque das competências. E no enfoque

Javier M. Valle, Jesús Manso

62
das competências, a vertente prática tem um papel fundamental. Alguns
documentos assinalam a importância de um equilíbrio entre a teoria e a
prática na formação inicial de professores. Equilíbrio esse que nos actuais
programas de formação do nosso país está longe de ser alcançado. Den-
tro da organização da vertente prática, é imprescindível uma boa selecção
dos centros educativos onde será posta em prática, bem como dos men-
tores para a sua supervisão. Nem todos os centros docentes servem como
modelo nem exemplo para um estudante em estágio; nem todos têm a
infra-estrutura organizativa nem os recursos humanos para apoiar o estu-
dante de forma adequada. Por outro lado, os orientadores destes estagiá-
rios nem sempre têm a formação que deveria ser exigida para tal (aliás, não
é exigida nenhuma condição especial para ser orientador de um estudante
em estágio). Para não falar do conteúdo dos estágios, que nem sempre
está bem definido, nem segue sequer uma linha orientadora que prepare
os futuros docentes a enfrentar as diversas situações, quer a diversidade de
alunos, ou grupos diferentes bem como os contextos variados…
Uma vez terminados os programas de formação, a certificação da
formação mediante uma qualificação deve ser feita de forma muito cui-
dadosa. O título que se outorga nos centros de formação para a docência
será suficiente para certificar uma qualificação? Será essa a adequada
para ser professor? É necessária uma profunda reflexão sobre esta
temática e um plano mais ajustado às necessidades reais da docência
dos dias de hoje para os processos de certificação dessa qualificação.
Outro factor determinante nesta constante Lifelong Teacher's Educa-
tion é a selecção de aqueles que, uma vez formados e com qualificação
acreditada, devem começar a trabalhar num cargo concreto de docente.
Mais uma vez, os processos de selecção devem garantir que o professor
demonstra ter as competências profissionais requeridas e que já foram
anteriormente mencionadas. Um sector muito amplo da docência não

A formação para a docência

63
considera adequados os processos actuais, reclamando uma mudança
dos mesmos e pede para que os processos sejam equiparados quer o
exercício da docência seja feito no sector privado ou no público.
Uma vez seleccionado para um posto concreto, a constante Lifelong
Teacher´s Education não deve parar. Seria bom que os centros educativos
contassem com planos de indução adequados para que os professores nos
primeiros anos da sua carreira e inseridos na realidade da sua profissão,
adquirissem as ferramentas necessárias para a desempenhar com um grau
de domínio cada vez maior. A constante melhoria do corpo docente tem de
ser promovida e avaliada.
Neste seguimento, a denominada formação contínua ou perma-
nente tem um papel fundamental desde os primeiros anos, sendo para
tal necessário estabelecer planos de formação para a docência, desde
uma perspectiva integrante e flexível que aborde os variados aspectos
que vão sendo exigidos em função das mudanças sociais e pedagógicas.
Relativamente a essa formação, existe para nós uma área muito
importante. Deveria existir uma formação para poder desempenhar
cargos directivos num centro educativo ou para promover a inovação
mediante a liderança pedagógica. Espanha não se destaca necessariamente
por ter uma determinada qualificação para os nossos directores nem por ter
sistemas para a sua selecção muito exigentes.

Para terminar, considerando todos estes factores, anteriormente


mencionados, como uma constante indiscutível, é provável que a car-
reira de docente mude a sua imagem actual para uma mais conforme à
sua transcendência no Estado contemporâneo, ganhando apoio social
e incrementando o seu prestígio.

Tem de se pôr mãos à obra!

Javier M. Valle, Jesús Manso

64
FORMAÇÃO PARA A DOCÊNCIA
E O PRESTÍGIO SOCIAL
DA PROFISSÃO DE DOCENTE:
ALGUNS DESAJUSTES DO SISTEMA
EDUCATIVO ESPANHOL
Javier M. Valle8

O fim do ano académico de 2013-14 foi adornado com a apresen-


tação em Junho, do Relatório TALIS-2013 (OCDE, 2014), o Inquérito
Internacional sobre Ensino e Aprendizagem que, promovido pela
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, ofe-
rece uma panorâmica internacional para as percepções dos docentes de
33 países de todo o mundo nas diversas questões que os afetam.
Este relatório, de grande impacto mediático, devolve a questão
docente à actualidade do debate educativo espanhol. Dos variados
aspectos que costumam ser abordados nesse debate, escolhi focar-me
brevemente em dois, pois considero existirem alguns desajustes que

8  Coordenador do Grupo de Investigação sobre “Políticas Educativas


Supranacionales” da UAM

A formação para a docência

65
necessitam de uma maior e urgente atenção. Trata-se da formação para
a docência (inicial, permanente e para a liderança) e do prestígio social
da profissão de docente. Para além disso, são dois aspectos nos quais
encontro certas conexões. Ambos encerram uma complexa problemá-
tica entre os que se dedicam ao ensino no sistema educativo espanhol,
criando uma “zona escura” sobre a qual nunca se vislumbra a luz sufi-
ciente para melhorar de verdade a qualidade da nossa docência; factor
chave da qualidade global do nível educativo de um país segundo o con-
senso de organismos nacionais.
Por um lado, ouve-se falar que os nossos professores carecem da
formação inicial suficiente e inclusivamente são apresentadas propos-
tas para tornar mais rígidas as condições de acesso à qualificação para a
docência no Ensino Básico e Ensino Secundário (Álvarez y Silió, 2014).
Por outro lado, os directores de centros educativos espanhóis conside-
ram que a profissão de docente não está bem valorizada na nossa socie-
dade (INEE, 2014 a:4) o que nos permite assumir que o valor dado
pela sociedade à profissão de professor não é o merecido. Talvez ambos
os aspectos tenham uma certa conexão e formem o binómio que, no
nosso sistema educativo, deveria ser melhor ajustado.
Relativamente à Formação Inicial para a Docência, se bem que
as mudanças derivadas ao Processo de Bolonha tenham possibilitado
ampliar os estudos de um Bacharelato (3 anos) para uma Licenciatura
(de 4), com planos de estudo que dão mais ênfase à prática, continuam
ainda a estar muito carregados de aspectos relativos à psicologia (espe-
cialmente psicologia evolutiva e da educação) mantendo graves défices
na formação pedagógica, como por exemplo, no que diz respeito à aten-
ção pela diversidade, aos recursos para abordar com êxito a diversidade
cultural através de um foco intercultural, às necessidades para a gestão
dos centros educativos e a liderança pedagógica, ou a transmitir uma

Javier M. Valle

66
imprescindível dimensão europeia e internacional, imperativa num
contexto globalizado como o actual9.
A reforma levou também a mudanças no sistema de formação dos
professores do Ensino Básico e Secundário, mas na minha perspectiva,
as mudanças foram insuficientes, tendo sido desperdiçada uma grande
oportunidade. É evidente que o antigo Certificado de Aptidão Profissional
(CAP)10 não oferecia garantias mínimas de uma formação inicial de
qualidade. O  novo Máster de Formación de Profesorado de Secundaria
pretende melhorar a formação11. Contudo, o modelo não se alterou radi-
calmente12, e continua a ser insuficiente. Em Espanha, onde se segue o
modelo denominado “consecutivo”13, os professores do Ensino Básico e
Secundário acedem à sua formação pedagógica, à sua qualificação pro-
fissional como docentes, depois de terem o título de Licenciado numa

9  Ao examinar-se os planos de estudo relativos aos Cursos para


a docência, na maioria das universidades, disciplinas como “Educação
intercultural”, “Liderança escolar”, “Atenção a pessoas com incapacidades na
sala de aula”, “Educação Comparada”, “Educação Internacional”, “Educação
Europeia” se constam do programa, costumam ser de carácter opcional.
10  O CAP surge do desenvolvimento da Lei Geral de Educação de 1970
(MEC, 1970).
11  Uma brilhante e exaustiva análise sobre a nova qualificação para
a docência foi feita recentemente por Manso (2012).
12  A nova qualificação para a docência é, sem dúvida, uma profunda
melhoria do CAP. Mas o modelo estrutural da Formación Inicial del
Profesorado de Secundaria não muda uma vez que se exige uma
certificação prévia numa área de conhecimento que se complementa com
uma formação posterior em questões pedagógicas.
13  A Rede de Informação sobre Educação na Europa (EURYDICE)
publicou uma obra onde os modelos de formação inicial para a docência
estão bem definidos e explicados (EURYDICE, 2003).

A formação para a docência

67
área de conhecimento (física, línguas e literatura, filosofia, matemá-
tica…). Os países que seguem o modelo “simultâneo”, desde o início do
Curso formam os estudantes para serem professores de uma disciplina
ou disciplinas numa área de conhecimento concreta. A vantagem do
modelo “consecutivo” é dotar os docentes de um vasto conhecimento
da sua disciplina mas não fornece excessivas competências pedagógi-
cas, extremamente necessárias no Ensino Básico e Secundário, sobre-
tudo nas salas de aula dos nossos dias: interculturais, diversas, com
tecnologias educativas complexas…
Nos países de modelo “simultâneo” (como o exemplo da Alema-
nha ou Suécia), desde o início do curso que se pretende adquirir o título
concreto de professor numa determinada área, estudando os conteú-
dos disciplinares dessa área, mas apenas os necessários para o pro-
grama do ensino básico e secundário. Caso se pretenda estudar mais
conteúdos disciplinares, o curso que se deve seguir é o da própria disci-
plina correspondente. Mas para ser professor de uma disciplina, enve-
reda-se pelo curso de professor da mesma disciplina.
Nos modelos como o nosso, consecutivos, a disciplina é o subs-
tantivo, sendo a condição de ser professor o qualificativo. Em suma, no
nosso modelo, formamos “gente que sabe muito sobre algo e ensina
esse algo”. Nos modelos “simultâneos”, o ser professor é o substantivo,
sendo o adicional, o qualificativo, a disciplina que se ensina. Nestes
modelos somos “professor de algo” e não “alguém que sabe de algo e
se dedica a ensinar sobre o que sabe”.
A vantagem do modelo “simultâneo” está na boa formação peda-
gógica e na suficiente formação disciplinar. A desvantagem do nosso
modelo “consecutivo” está na insuficiente formação pedagógica compa-
rativamente com a formação disciplinar. De facto, e segundo os dados
do relatório espanhol sobre TALIS realizado pelo Instituto Nacional de

Javier M. Valle

68
Evaluación Educativa, em Espanha, quase 1 em cada 10 professores não
se sente preparado no que diz respeito à formação pedagógica (INEE,
2014 c:  22);contudo, relativamente à formação disciplinar, 99% dos
nossos professores sentem-se muito bem preparados (INEE, 2014
c: 22). Mas tendo em conta um estudo sobre os dados do TALIS o nível
de percepção de autoeficácia dos professores espanhóis encontra-se
abaixo da média da OCDE (Egido, López-Martín, Manso y Valle, 2014:
13-37). Seria interessante contrastar a hipótese da escassa preparação
em matérias pedagógicas, assinalada por quase 10% dos professores
espanhóis, como uma variável que possa estar por detrás desta baixa
percepção de autoeficácia…
Por outro lado, a seleção dos futuros professores não se vê como
suficientemente exigente. Assim como a área da Saúde, outro elemento
chave nas políticas públicas mais básicas de uma sociedade moderna,
a seleção para os estudos para a docência deveria exigir as notas mais
altas de acesso. Podemos ver o exemplo da Finlândia, onde se exige
uma média de 9 para ingressar nos estudos para a docência (apenas
um em cada quatro candidatos consegue vaga) (Melgarejo, 2006).
Esta “impressão” de que é necessário haver uma maior exigência
no acesso à formação inicial dos nossos futuros professores é forta-
lecida por alguns dados que surgem de inquéritos feitos à sociedade.
Assim como por exemplo, um recente relatório da Fundación Europea
Sociedad y Educación (FESE) sobre El prestigio de la percepción docente.
Percepción y realidad, que assinala:

73% dos inquiridos está de acordo com a ideia de que o acesso à carreira
de Docente deva ser tão exigente como o acesso à Medicina. Também
uma ampla maioria (68%) vê de forma favorável uma formação específica
para os professores, no lugar do modelo actual (FESE, 2013: 158).

A formação para a docência

69
No que diz respeito à Formação Inicial para a Docência existe outro
tema que o nosso país tem vindo a descuidar: a necessidade de formar
os professores para os cargos directivos e de gestão dos centros edu-
cativos bem como a formação em liderança pedagógica. Para que um
centro educativo funcione adequadamente, não é suficiente que seja
gerido por um professor; deve estar nas mãos de um professor com
preparação para tal cargo e qualificação que lhe outorgue as competên-
cias necessárias em liderança pedagógica, gestão de recursos huma-
nos, administração de recursos materiais e financeiros, para que possa
gerir uma estrutura tão complexa como os centros educativos dos nos-
sos dias (com tecnologia educativa, diversidade cultural, inclusão de
pessoas com dificuldades… etc).

No capítulo referente à direção dos centros e à formação dos direc-


tores das escolas, o relatório TALIS é claro ao referir:

In the same way that the knowledge and skills students obtain from their
schooling is influenced by the quality of the preparation and the conduct of
teachers, the quality of a nation’s schools relies heavily upon the preparation
and conduct of its school leaders (OCDE, 2014: 65)14.

Assim, no que diz respeito à formação dos directores escolares,


a figura 3.6 do mesmo relatório ilustra que a Espanha ocupa o quarto

14  Da mesma forma que o conhecimento e as capacidades que os


alunos obtêm durante a sua formação dependem da qualidade e conduta
dos seus professores, a qualidade das escolas de um país baseia-se
em grande parte na preparação e no desempenho dos que exercem a
liderança escolar. [tradução].

Javier M. Valle

70
lugar no défice na formação de liderança pedagógica dos seus directo-
res escolares (OCDE, 2014: 69).
O nosso próprio INEE (Instituto Nacional de Evaluación Educativa)
o expressa claramente:

uma proporção significativa dos directores não recebeu nunca forma-


ção para a administração ou direção de centros educativos nem em lide-
rança pedagógica. A  falta de formação em liderança é especialmente
notória em Espanha, onde 4 em cada 10 directores afirma não ter rece-
bido essa formação (INEE, 2014 a: 4).

Desta forma, a meu ver, é necessário que exista no nosso país uma
qualificação oficial, criada exclusivamente para a gestão de centros esco-
lares e que seja um requisito sem o qual não se possa exercer a dire-
ção de centros escolares. É o caso do Reino Unido, onde é requerida
a certificação de National Professional Qualification for Headship como
requisito prévio para ser Director de um centro escolar (EURYDICE,
2009: 189).
Contudo, não é apenas a Formação Inicial para a Docência que
precisa de reformas. É também necessário reformular de forma ade-
quada a Formação Permanente, elemento fundamental do desenvolvi-
mento profissional do docente. Continuando com o relatório TALIS, a
análise feita a Espanha deteta um grave desajuste estrutural:

TALIS data suggest that the problem of not receiving enough incentives
for participating in professional development is a substantial issue for
teachers in Italy (83%), Portugal (85%) and Spain (80%) (Table 4.14).
This is important because participation rates in professional develop-
ment are below average in Spain and at average in Portugal (Table 4.6).

A formação para a docência

71
(…) This should be of special concern from a policy perspective in these
countries (OECD, 2014: 112)15.

O próprio INEE faz uma leitura dos dados do relatório TALIS con-
vergente com os temas apresentados e é contundente ao reconhecer
que quatro em cada cinco professores acreditam que não há incentivos
que fomentem a participação em atividades de desenvolvimento profis-
sional (INEE, 2014 b: 3).
O último dos desafios referentes à Formação para a Docência, deriva
da importância da indução na profissão, entendida como o período prá-
tico durante a formação inicial e os primeiros anos de carreira. Muitos
estudos assinalam esse período de indução como crítico para formar um
“bom professor”16 e o mesmo foi feito pela própria Comissão Europeia

15  Os dados do relatório TALIS sugerem que para os professores de


Itália (83%), Portugal (85%) e Espanha (80%) é um problema substancial
não receber incentivos suficientes para se envolverem em actividades
de desenvolvimento profissional (Tabela 4.14). Sendo importante pois os
valores de participação em actividades de desenvolvimento profissional
estão abaixo da média em Espanha e na média em Portugal (Tabela 4.6).
(…) Estes dados, exigem uma especial preocupação das políticas
educativas desses países. [tradução].
16  Por exemplo, o Consejo General de Colegios de Doctores y
Licenciados, em cooperação com o Instituto Superior de Formación
del Profesorado e a Agencia Nacional de Evaluación de la Calidad y
Acreditación, impulsionou um estudo intitulado "La dimensión práctica
en la formación inicial del profesorado de secundaria: orientaciones para
el reconocimiento de centros de buenas prácticas", cujo objectivo era
analisar os factores de qualidade na dimensão prática da formação e
experiência iniciais do futuro professor. Apresentado a 24 de junho de
2009 na sede do Consejo Escolar del Estado, oferece um interessante

Javier M. Valle

72
(UE, 2010). Esta indução profissional não é suficientemente cuidada no
nosso país. Tal como nos apresenta o relatório TALIS de forma explícita:

In some countries, most teachers work in schools that don’t have a formal
induction programme. This is the case in Brazil, Mexico, Poland, Portugal
and Spain, where between 70% and 80% of teachers work in schools that do
not have an induction programme (OECD, 2014: 89)17.

Portanto, é preciso melhorar o processo de indução de jovens pro-


fessores em Espanha, começando por uma boa selecção dos centros
educativos onde os futuros docentes irão estagiar. Nem todos os cen-
tros são bons exemplos no processo de inserção de futuros professores
na cultura escolar, devendo ser selecionados aqueles em que se reco-
nheçam “boas práticas”. Também seria recomendável que os professo-
res em estágio curricular, ou em início de carreira, fossem orientados
por mentores (aos quais não seria descabido oferecer uma formação
adequada, incentivos diversos…etc.) para que realmente tenham a
capacidade de guiar os jovens professores no processo de inserção.
Todos esses défices na formação espanhola de docentes (inicial e
permanente) precisam de atenção urgente. No meu entender, podem
estar também, por detrás da percepção que se tem sobre o prestígio da
profissão de professor.

repertório de possíveis medidas para melhorar estas questões. O estudo


está disponível em: http://www.consejogeneralcdl.es/images/Dimension_
practica_formacion_inicial.pdf
17  Em alguns países, a maioria dos professores trabalham em escolas
sem qualquer programa formal de indução. É o caso de Brasil, Espanha,
México, Polónia e Portugal, onde entre 70% a 80% dos professores
trabalham em centros educativos onde não existe tal programa de indução.

A formação para a docência

73
Em Espanha, menos de 10% dos professores pensa que a sua pro-
fissão é bem valorizada (INEE, 2014 c: 137). O que é especialmente pro-
blemático para o nosso país, em comparação com os outros participan-
tes no relatório TALIS, uma vez que nesse assunto, a média da OCDE é
de 28% e há países com percentagens de 59% (Finlândia) ou mesmo de
66% (Coreia); Abaixo dos nossos níveis apenas se encontram a Suécia
e França (5%) e a Eslováquia (4%) (INEE, 2014 c: 137). É curioso saber
que França é um dos paradigmas do modelo “concorrente” de forma-
ção de professores (assim como Espanha) e que a Finlândia, ao contrá-
rio, representa um dos bons exemplos do modelo “simultâneo”. Já foi
referido que segundo o estudo de FESE, parece existir no nosso país
uma maioria que concorda que se exija o mesmo quer seja para ingres-
sar nos estudos da medicina quer na docência e também defende a sua
posição a favor da mudança da formação de professores para o modelo
“consecutivo” (FESE, 2013: 158).
Todavia, é de realçar que a negativa percepção que os professo-
res têm sobre o prestígio que a sociedade lhes dá está desajustada em
relação à percepção que a sociedade tem sobre o prestígio dos seus pro-
fessores… Mas não totalmente desajustada! Segundo o estudo FESE,
sobre uma lista de profissões, as respostas dos inquiridos colocam os
professores de Ensino Básico e Secundário nos lugares 21 e 22, abaixo
de médicos, bombeiros, pilotos, arquitectos, químicos, físicos, engenhei-
ros, biólogos, dentistas, assessores financeiros, enfermeiros, farmacêu-
ticos, notários, técnicos de laboratório, economistas… (FESE, 2013: 17).
Para além disso, segundo o INEE (INEE, 2014 c: 137), um inquérito do
CIS de 2013 indica que 54% dos inquiridos respondeu que a profissão
de docente tem bastante ou muito prestígio social – o que significa que
46% da população não pensa assim…– mas, apesar destes dados, ape-
nas 6,5% escolheria para os seus filhos a profissão de professor…

Javier M. Valle

74
O desajuste é mais visível quando se observa que “Numa escala
de 1 a 5, os inquiridos atribuem aos professores um prestígio de 3,7, ao
passo que os próprios se atribuem um prestígio de 2,3 mas gostariam
de ter de 4,5” (FESE, 2013: 19).
As ligações entre a formação dos nossos professores e a conside-
ração do seu prestígio são reforçadas com o dado que nos indica que
81,2% dos inquiridos considera que um maior prestígio da profissão
atrairia melhores candidatos (FESE, 2013: 11). Dito de outra forma, a
sociedade reconhece que o aparente escasso prestígio social da profissão
alimenta a existência de candidatos “medianos”, o que nos leva de novo
à questão da importância de uma melhor seleção dos candidatos para
iniciar os estudos para a docência.
Outro dado interessante refere-se a 78% dos inquiridos que apoia
o argumento de que se aumentasse o prestígio dos professores melho­
rariam os resultados do nosso sistema educativo (FESE, 2013:  11).
E evidentemente, segundo relatórios internacionais, os resultados do
sistema melhoram quando o corpo docente é de qualidade, o que é
conseguido, em grande parte, ao selecionar muito bem os candidatos
a futuros docentes bem como com uma formação o mais exigente pos-
sível, não só relativamente à disciplina que irão lecionar mas também
nas questões pedagógicas e de liderança.
Esta última questão, a da liderança, interliga-se com outra que se
refere à autoridade dos docentes. Uma melhor formação em liderança
poderia talvez melhorar a autoridade dos docentes, perante os pais dos
alunos e os próprios alunos. Infelizmente, parece que Espanha apre-
senta alguns problemas em relação a situações ligadas à autoridade,
como por exemplo manter o bom funcionamento das aulas sem inter-
rupções frequentes. Segundo o TALIS (INEE, 2014 c: 129) Espanha está
acima da média dos países da OCDE na percentagem de professores

A formação para a docência

75
que considera as suas aulas muito barulhentas (40% frente a 25%), que
perdem bastante tempo devido a interrupções da aula por parte dos
alunos (42% frente a 30%) e que quando a aula começa têm de espe-
rar muito tempo para que os alunos fiquem em silêncio (42% frente a
30%). Ao contrário, Espanha está abaixo da média na opinião dos pro-
fessores que estimam que os alunos procuram criar um ambiente agra-
dável à aprendizagem (60% frente al 70%).
Para a sociedade, parece óbvia a ligação entre o prestígio social
e a autoridade do professor. Para 77,2% dos inquiridos, uma maior
prestígio dos professores aumentaria a sua autoridade (FESE, 2013: 11).
Na minha opinião, uma leitura cruzada de todos os dados que
foram detalhados neste artigo e que basicamente pôs em diálogo os do
estudo TALIS (referente à percepção dos docentes) com os do estudo da
FESE (referentes à percepção da sociedade sobre os docentes), permite
observar ligações entre “formação para a docência / prestígio profis-
sional docente / qualidade educativa”. Na minha modesta perspectiva,
uma melhoria na formação inicial para a docência melhoraria a ima-
gem que os professores têm de si bem como a imagem que a sociedade
tem sobre eles; e portanto, o prestígio social dos professores aumenta-
ria. Para além disso, professores melhor formados e que se sintam mais
reconhecidos e apoiados pela sociedade desempenhariam o seu traba-
lho, sem dúvida, com maiores níveis de eficiência e talvez, originassem
uma real melhoria no rendimento escolar dos nossos alunos que, sem
querer ser alarmista, mas de forma pública, se distancia do rendimento
que seria esperado num país com o nosso nível social e económico,
segundo relatórios internacionais como PISA (Programa Internacional
de Avaliação de Alunos).
E esse melhor rendimento aumentaria, por sua vez, o prestígio
da profissão.

Javier M. Valle

76
Abordar, então, de forma integrada, a realidade encerrada por este
triângulo (“formação para a docência / prestígio profissional docente
/ qualidade educativa”) representa hoje, talvez, um dos desafios mais
urgentes da política educativa espanhola.
Um desafio que parece não receber a responsabilidade política que
merece. Talvez ajudasse o tão esperado Estatuto Professional Docente,
anunciado há anos por diferentes administrações educativas (de vários
partidos políticos) mas que nenhuma foi capaz de pôr em prática.
Oxalá chegue em breve.

Referências
ÁLVAREZ, P. e SILIÓ, E. (2014): Cualquier titulado no vale para ser maestro. El país,
24 de abril de 2014.
EGIDO, I., LÓPEZ-MARTÍN, E., MANSO, J. e VALLE, J.M. (2014): Factores deter-
minantes de la auto-eficacia docente en los países de la Unión Europea. Un
análisis a partir de los resultados de TALIS-2013. Em INEE, TALIS-2013: Estu-
dio Internacional de la Enseñanza y el Aprendizaje. Análisis secundario, pp. 13-37.
Madrid: INEE.
EURYDICE (2003): La profesión docente en Europa: Perfil, tendencias y problemática.
Bruxelas: EURYDICE.
EURYDICE (2009): Key Data on Education in Europe. Bruxelas: EURYDICE.
FESE / Fundación Botín (2013): El prestigio de la profesión docente. Percepción y realidad.
Madrid: FESE / Fundación Botín.
INEE (2014 a): TALIS-2013, Estudio Internacional sobre la Enseñanza y el Aprendi-
zaje – Informe Español. Educainee, nº 33, junho de 2014, p. 1.
INEE (2014 b): TALIS-2013, Estudio Internacional sobre la Enseñanza y el Aprendi-
zaje – Informe Español. Educainee, nº 34, junho de 2014, p. 1.
INEE (2014 c): TALIS 2013. Estudio Internacional de la Enseñanza y el Aprendizaje.
Informe español. Madrid: INEE

A formação para a docência

77
MANSO (2012): La formación inicial del profesorado de Educación Secundaria: Análisis y
valoración del modelo de la LOE. Tese de Doutoramento. Universidad Autónoma
de Madrid.
MEC (1970): Ley 14/1970, General de Educación y Financiamiento de la Reforma
Educativa. Boletín Oficial del Estado de 6 de agosto de 1970.
MELGAREJO, J. (2006): “La selección y formación del profesorado. Clave para com-
prender el excelente nivel de competencia lectora de los alumnos finlandeses”.
Revista de Educación, nº extraordinário, pp. 237-262.
OECD (2014): TALIS 2013 Results. An International Perspective on Teaching and Lear-
ning. Teaching and Learning International Survey. OECD Publishing.
UE (2010): European Commission report on “Developing coherent and system-wide induc-
tion programmes for beginning teaching staff – a handbook for policymakers”, SEC
(2010) 538 final.

Javier M. Valle é doutorado em Educação pela UNED


e premiado com o Extraordinary PhD Award e o primeiro lugar
do prémio nacional para Tese de Doutoramento em Educação
Comparada “Pedro Roselló”. Professor na área de Teoria
e História da Educação na Escola de Formação de Professores
da Universidade Autónoma de Madrid. Especialista em Política
Educativa de Instituições Supranacionais (maioritariamente
na União Europeia). Actualmente, lidera o grupo de investigação
sobre Políticas Supranacionais de Educação na Universidade
Autónoma de Madrid e é director da revista científica “Journal
of Supranational Policies of Education”.
É consultor externo da Unidade espanhola da EURYDICE
na Comissão Europeia. É ainda membro da TEAM-EUROPA
(grupo de especialistas da União Europeia), da Comissão
executiva da Sociedade Espanhola de Educação Comparada
e co-director da “Spanish Journal of Comparative Education”.

Javier M. Valle

78
SOBRE TUDO O QUE
NÃO TEM IMPORTÂNCIA
– E O QUE A TEM
– PARA SE OBTER
UMA AMOSTRA
DE PROFESSOR

António Mouzinho
SOBRE TUDO O QUE NÃO TEM
IMPORTÂNCIA – E O QUE A TEM –
PARA SE OBTER UMA AMOSTRA
DE PROFESSOR: UM TEXTO
NÃO-ERUDITO SOBRE QUESTÕES
NÃO-CIENTÍFICAS, RELACIONADO
COM O PAPEL DA FORMAÇÃO
PROFISSIONAL NA DOCÊNCIA
António Mouzinho

Como divulgo aqui reflexões pessoais, abro com um esclareci-


mento: já tive a oportunidade de afirmar que o termo «ciências da edu-
cação» foi inventado como um pretexto para justificar a utilização das
aspas. É um artifício semântico, um contrassenso útil que dá particular
relevo, e inegável brilho, ao pequeno sinal de pontuação.
Não tenho nenhum tipo de preconceito, dito isto, quanto aos estu-
dos de psicologia das várias idades do crescimento, ou de pedagogia
aplicada às várias fases da aprendizagem. São domínios de especulação
de utilidade evidente e reconhecida, e o meu preconceito é reservado

Sobre tudo o que não tem importância — e o que a tem — para se obter uma amostra de professor

81
ao uso do termo «ciências» em domínios que não correspondem exa-
tamente à definição usual de «ciência» – e não cabem, assim sendo,
no seu espaço. Não deixo de fazer, como leigo, leituras de ingressão
por relatos de avanços da psicologia cognitiva. Encontrei imensa infor-
mação útil em obras de divulgação de vários aspetos da neurociência
e da cognição, de interesse imediato para o ensino: é o caso de Stanis-
las Dehaene, sobre a forma como lidamos com os números e sobre
a aprendizagem da leitura. (The Number Sense: How the Mind Creates
Mathematics e Reading in the brain: The New Science of How We Read –
nestes casos estamos mesmo a lidar com deduções e linguagem típicas
da Ciência, e aplicações relativamente recentes que tiram partido do
processo conhecido por imagens por ressonância magnética.) Mas o
que me parece aqui importante é transmitir uma perspetiva que se me
afigura correta da abordagem que faço a estes campos: tento ser sério,
mas não me ocorre produzir qualquer raciocínio científico.
Um dos males do nosso tempo não é a ausência de teses cientí-
ficas em todos os domínios; é, pelo contrário, a presença de teses que
se querem científicas em domínios que o não são. É, por exemplo, a
omnipresença de gente que se apoia em dados com tratamento mate-
mático para lidar com assuntos de uma complexidade que transcende
as contas – por mais corretas que elas sejam – e extrai disso consequên-
cias práticas; ou, mais perfeito ainda, não se apoia em dados de espécie
alguma, mas apenas em preconceitos ideológicos: dou como exemplo
muitas políticas de ensino, numa variedade suficiente de países para
percebermos que estamos acompanhados na asneira. A Ciência é uma
esfera de atividade onde se trabalha com causas e efeitos segundo um
princípio relativamente simples: as afirmações têm um caráter contin-
gente, e o que torna algo científico é a possibilidade de ser refutável – e
não a aparência de ser verdadeiro. As políticas de ensino do ocidente

António Mouzinho

82
desde há 100 anos (estou, para não incorrer em exageros, a abreviar)
têm, em nome da fé, consistentemente produzido erros em quantidade
quase tão significativa como bons resultados.
Professor do Ensino Secundário Público com cerca de 43 anos de
carreira, fui brindado com uma parte substancial das reformas que
o Estado entendeu empreender naquilo que corresponde particular-
mente ao 3.º ciclo do Ensino Básico e ao Secundário, desde o final do
Estado Novo (inclusive: comecei em 72). Fui objeto da formação – e for-
matação – correspondente ao que se designou, durante anos, por «está-
gio pedagógico». Conheci modelos anteriores – narrados pela geração
que me precedeu: sou filho de dois professores do Secundário, ambos
de Letras, ambos dos quadros do Ensino Técnico até 1974 – e conheci
modelos mais recentes, quer porque com eles coabitei na escola onde
tenho estado colocado, quer porque deles tive notícia.
Devo acrescentar, à laia de complemento de apresentação, que
acumulei a profissão de professor com a de arquiteto – esta, como pro-
fissional liberal. É da formação de arquiteto que me advém a necessária
habilitação para a docência, o que resulta no quadro seguinte: tenho ori-
gem numa área de mestria, para exercer uma profissão a mestrear; isto
é, segui dois percursos profissionais que têm como motor pedagógico
a prática assente na tradição oficinal, na passagem de «boas» rotinas
de mestre para discípulo, na permanente adaptação de um conjunto de
conhecimentos organizados em rede a outro conjunto de situações em
constante mutação. Isto aplica-se ao modo de operar dos arquitetos, e
igualmente ao dos professores, quer no âmbito duma turma, quer no
encontro com cada um dos indivíduos que a compõem.
Em suma: não tenho, por detrás dos meus procedimentos pro-
fissionais, um corpo de regras teóricas que me indique, com exati-
dão, como lidar com cada realidade concreta. Não aplico um algoritmo

Sobre tudo o que não tem importância — e o que a tem — para se obter uma amostra de professor

83
simples, linear, a cada manifestação dessa realidade. Ao invés, adquiri
estratégias de aproximação às circunstâncias que se me apresentam:
na modelação do espaço, como na de um ambiente de transmissão
de conhecimentos, estou a interagir com seres humanos num qua-
dro complexo, e a aproximação acaba por ter essência semelhante, e
semelhante aparência.
O tempo ensinou-me a gerir com considerável humildade o meu
dia-a-dia como técnico, em ambas as profissões, e fico perplexo com
a facilidade com que se produz, pelos círculos de opinião, afirmações
taxativas sobre questões muito ricas de conteúdo e de caráter muito
sensível: o ensino e a formação dos seus mestres não é assunto que
se dê bem com apreciações pouco prudentes. De resto, sabemos que
muitas decisões que estiveram na base de reformas do ensino nos ditos
últimos 100 anos sofreram desse mal: avaliaram pouco, teorizaram no
ar, produziram decisões levianas e – sempre em nome da moderni-
dade – não se libertaram, feitas as contas, duma atitude que só pode ser
designada por… setecentista.
Quando, há já uns anos, fiz uma passagem pelo extinto Gabinete
de Avaliação Educacional (Gave para os amigos), fui recrutado para
coordenar as equipas das várias reformas do ensino da Geometria Des-
critiva, e acabei incumbido das equipas responsáveis por dois grupos
de provas de exame: essas, e também as de História da Arte (foi acres-
centada, no meu último ano de trabalho no Gabinete, a História da Cul-
tura e das Artes). Dei-me conta, na coordenação do processo do fabrico
de itens e dos respetivos critérios de classificação, da dificuldade em
comunicar de forma eficaz com todo o conjunto de professores classi-
ficadores: estes têm diferentes proveniências académicas, e diferentes
formações profissionais. Com a passagem do tempo, e a multiplicação
das instituições e das variantes de formação, o fenómeno acentuou-se.

António Mouzinho

84
Se isto acontece em muitos dos grupos do ensino português, torna-se
particularmente presente na minha área, não adiantando pensar que
ao lidar com dois profissionais que ensinem as mesmas disciplinas
numa escola pública estamos a referir duas pessoas que estarão, aca-
demicamente, em sintonia. Dei por mim, então, a pensar, juntamente
com os autores que constituíam as equipas, como poderia transmitir-se
um critério de classificação que fosse entendido por todos os interve-
nientes de forma aproximadamente igual (e, já agora, que correspon-
desse ao nosso próprio entendimento: dos autores da prova, e o meu
…). Ainda hoje não sei o que poderá ser exatamente, a menos que con-
sideremos interpor neste procedimento uma via de formação profissio-
nal que transforme especialistas gerados por escolas diferentes em pro-
fessores igualmente qualificados duma determinada disciplina, através
dum percurso unificador.
Tenciono aqui refletir sobre um conjunto de questões: a vocação, a
seleção de candidatos a professores, a formação profissional, a forma-
ção em exercício. Igualmente tenciono mencionar o tempo que passa,
a atualização dos conhecimentos e das práticas usadas no dia-a-dia da
profissão de docente. Tenciono restringir todas estas apreciações ao
estrito universo da escola pública que, não sendo único, não só é de
grandes dimensões como é o que, verdadeiramente, nos importa defi-
nir e alimentar. Uma escola privada fará sempre o que bem entender,
limitando-se a solicitar do nosso Estado, ou de uma rede de forma-
ção internacional, um qualquer estatuto de acreditação. Ora, defendo
como solução geral para qualquer país a predominância de uma escola
pública de qualidade como motor da aquisição de conhecimentos e
competências e, finalmente, de inclusão social.

Sobre tudo o que não tem importância — e o que a tem — para se obter uma amostra de professor

85
Quantos de nós não pensámos exercer uma profissão mirabolante?
Essa escolha tem esta coisa magnífica que é ser um campo imenso, aberto
a todas as explorações. A  cada concretização pessoal cabe essa outra
coisa, igualmente magnífica, que é ser um teste às ideias de exploração
menos apoiadas. Não é conhecido um método para diagnosticar profis-
sões num jovem, embora seja possível determinar domínios de eleição,
gostos, proficiências variadas, que é isso que a abordagem das técnicas
de orientação profissional faz, desejavelmente de forma reservada, em
regra sugerindo áreas dignas de reparo, possibilidades de atividade.
A atual tendência nas instituições de prosseguimento de estu-
dos (universidades e institutos superiores) é para circunscrever cam-
pos, absorvendo vocações. Um estudante, por razões que são lá dele,
com frequência nebulosas, junta algum gosto pela literatura com um
impulso pelo estímulo à leitura junto de gente jovem – podemos ter
desenhado, aqui, dois traços principais de um candidato à profissão de
professor de línguas e literatura – e recebe acolhimento numa facul-
dade de Letras. Que vai a instituição fazer-lhe? Em princípio, se tudo
for nitidamente declarado, pô-lo a seguir um curso vocacional, uma
via de ensino. E se for parar a um instituto politécnico, o mesmo lhe
acontece, pelo que frequentará algum curso de uma escola superior de
educação. Digamos que o estudante faz todo o seu caminho, chegando
ao termo do mestrado com excelentes notas, e considera-se professor.
Admitindo que obtém colocação, é, então, confrontado com turmas de
verdade, numa escola de verdade, e reconhece que se enganou. Afinal
aquilo não era bem o que imaginava, as técnicas aprendidas em cadei-
ras de pedagogia não merecem o grato reconhecimento do seu público,
os garotos surgem como um grupo hostil e irritante e boa parte do que
lhe é pedido parece enfadonho. Basicamente, gosta de ler e de conver-
sar sobre isso. Que poderá fazer para arrepiar caminho?

António Mouzinho

86
Pode refazer tudo, pouco mais ou menos…
Isto, que não é solução para a maioria dos jovens adultos no pri-
meiro emprego, é um dos problemas que minam o ensino: por detrás
dum técnico recém-graduado podem existir todas as qualificações, mas
faltar a vocação. As  alternativas são pesadas, particularmente as que
obrigam a reponderar custos de vida, organização e projetos familia-
res; enfim: a reconsiderar formas de sobrevivência digna e feliz nessa
fase da existência.
Perdeu-se um percurso profissional adequado, e não se ganhou
um professor.
A organização da formação no nosso país processa-se, geralmente,
numa estrutura de árvore, o que significa que no fim de cada percurso
não há alternativas. É aquilo – ou regressar atrás e fazer algo seme-
lhante, noutra estrutura formativa idêntica.
Ora, como sabemos, os psicólogos que se ocupam de orientação
profissional detetam inclinações, domínios de competência, determi-
nam vias, mas não arriscam a frase final: «meu caro, inscreva-se no Ins-
tituto Politécnico de Lisboa, na Escola Superior de Tecnologia da Saúde,
onde encontrará o curso de Radiações Aplicadas às Tecnologias da Saúde
– que é a sua cara.» A orientação profissional não é feita assim, embora
possa ser uma ajuda preciosa, se – como sabem os referidos psicólogos –
for manipulada com pinças, visto que o assunto é escaldante.
Então, parece prudente, no que à formação de professores diz res-
peito, que o processo de determinação da vocação seja mais substan-
cial do que um mero repente aos 18 anos. Parece avisado protelá-lo, não
parando a aprendizagem, não diminuindo o ritmo de criação de uma
especialidade profissional, mas mantendo as portas abertas a opções.
Que pretendo dizer com isto? Que as pessoas podem e devem
seguir cursos de formação em domínios que as interessam – ou, de

Sobre tudo o que não tem importância — e o que a tem — para se obter uma amostra de professor

87
preferência, apaixonam –, mas tendo sempre em vista um leque de saí-
das profissionais, de opções de vida, tão grande e aberto quanto possível.
Todo o ensino em Portugal precisa de uma séria revisão curricular.
As tentativas a que temos vindo a assistir nos últimos anos, por parte
de vários ministros de diferentes governos, não estão perto, sequer, de
satisfazer: guiando-se por circunstâncias do discurso político ou ideo-
lógico, alimentaram slogans, mais do que necessidades pedagógicas,
produzindo perturbações, enganos sortidos na opinião pública, um fre-
nesi de renovação de manuais escolares e maior opacidade no sistema
de ensino. Essa revisão do plano nem é assim tão importante nos pro-
gramas das disciplinas principais, que vão mantendo alguma eficácia;
onde parece ser importante rever, é nos requisitos para obter creditações
finais: que curricula consideramos adequados a uma formação básica ou
secundária, que flexibilidade tem a composição curricular, com quan-
tos ciclos é que devemos lidar, como serão feitas as transições de ciclo,
será possível criar condições para regionalizar, como iremos lidar com
as idades dos alunos, como deveremos lidar com os alunos pontual-
mente muito mais lentos e com os muito mais rápidos, e por aí adiante:
sabemos que isto é uma matéria complexa com que a sociedade ociden-
tal lida de formas muito diversas, e nem sempre muito eficazes. Reto-
mando a analogia de Christopher Alexander, um arquiteto matemático,
os vários ministérios do Ocidente tendem a pensar e projetar em árvore,
e o mundo escolar troca-lhes as voltas porque é uma semirretícula.
Ora, essa revisão tarda e, entretanto, há mais que fazer: produzir
adultos informados e com competências técnicas variadas. Não podemos
encurralá-los em finais de primeiro percurso de formação profissional,
numa opção medíocre. Nada aconselha, por conseguinte, à criação, após
a escolaridade obrigatória, de cursos orientados para a docência. Mesmo
que só na altura do mestrado. Uma tradição das nossas faculdades de

António Mouzinho

88
letras, por exemplo, faz com que todas as pessoas que não se sintam
inclinadas a produzir estudos sobre literatura ou linguística, ou não
encarem uma carreira de tradutores ou intérpretes, optem por um
caminho óbvio: a via de ensino. São professores? Muitos, não, por mais
cadeiras de pedagogia que integrem no curriculum.
É, então, o quê, ser professor? É ter um entusiasmo real pela trans-
missão do conhecimento, juntamente com o conjunto das caracterís-
ticas que são, não úteis, mas essenciais, na aula: gosto pelo público de
determinadas idades, firmeza de caráter, tolerância, sentido de justiça,
aliança entre o espírito proselitista e perfeccionismo; e, bem entendido,
o pensamento organizado sobre a matéria tratada – cultura adequada
na área em questão, e noutras úteis (tantas mais quanto mais recuado
o ciclo escolar) –, servido por boa expressão oral.
Creio que há um erro grave na hierarquia destas coisas: coloca-se a
profissão de professor ao nível das outras profissões, e faz-se disso um
mestrado. Ora não se é professor como se é engenheiro, ou ator, ou far-
macêutico, ou historiador. É-se professor para se ensinar os futuros pro-
fissionais disto ou daquilo, o que, só por si, pressupõe a formação… nisto
ou naquilo. O mercado de professores deve, naturalmente, ser abastecido
pelos profissionais já formados em algo. Pelos mestres das formações ou
das atividades que compõem o mundo profissional de qualquer nação.
É entre os profissionais já formados que devemos encontrar os
futuros docentes.
Recentemente tive, a propósito de um livro meu contendo um pro-
jeto educativo para o ensino nacional, uma troca de impressões com
uma colega do 1.º ciclo do Ensino Básico que não concordou comigo
em vários pontos; em particular, com a necessidade de partir duma
licenciatura para estabelecer a base de formação de um «professor
primário»: achava que o perfil por mim desenhado para estes colegas

Sobre tudo o que não tem importância — e o que a tem — para se obter uma amostra de professor

89
transvasava as necessidades. Ora, a troca de argumentos foi interes-
sante, mas continuo a pensar que é do prazer de trabalhar com deter-
minadas idades das crianças que deve nascer a inclinação para este ou
para aquele grau de ensino, e não de uma formação telegrafada por um
instituto superior de educação. A monodocência, aconselhada por tudo
o que sabemos das idades em causa, pode ter correspondência, justa-
mente, num lote de qualificações que não são encontradas no comum
dos professores. No  dito livrinho, definia o perfil do professor do 1.º
ciclo, justamente, como agregando as exigências mais variadas; vou
citar-me: «[…] não faz qualquer sentido, sabendo o que se sabe hoje, inven-
tar umas escolas à parte da universidade onde se formam – com critérios,
nalguns casos, nebulosos – jovens que não são fortíssimos em Matemática e
Português e não falam um par de línguas estrangeiras, não desenham, não
cantam nem dançam, não percebem patavina de música, não têm um gosto
afirmado pela leitura, e pelas ciências, e pela História, não praticam des-
porto – mas estudaram Piaget, e sabem ensinar a ler por um método global
tirado à sorte, na sala de aula, com palhinhas.
Pobres professores; pobres alunos.
[…]».
Também tenho «professoras primárias» como familiares próxi-
mas, e sei que acabaram por adquirir, ao longo da vida, algumas qua-
lificações que sentiam que a formação não lhes dera. Aquilo que me
contavam e o que eu via do trabalho de preparação corrente das aulas
era, por vezes, duma complexidade, na multitarefa que lhes era exi-
gida pela monodocência, que me deixava boquiaberto. É evidente para
mim que não estamos a falar de profissionais menores e, também por
isso, temos toda a vantagem em procurá-los no mesmo meio que todos
os outros, embora com critérios muito específicos no que respeita
à multidisciplinaridade.

António Mouzinho

90
Se considerarmos este ponto de partida, percebemos que acabá-
mos por descartar todos os estudos de psicologia aplicada e de pedago-
gia que fazem atualmente parte da formação inicial de professores no
quadro de um mestrado de ensino. Voltarei ao assunto mais adiante.
Importa neste momento situar, exemplificando, o nosso finalista que
envereda por uma profissão: acabou um mestrado em Química, começa
vida numa área laboratorial que não o satisfaz por completo; quer expe-
rimentar o ensino e, do que conhece, acha que o Secundário lhe dará
um contacto estimulante com «adolescentes velhos». É o momento
de se candidatar à docência. Primeira diferença relativamente ao que
agora se faz: os seus conhecimentos científicos são, evidentemente,
adequados a qualquer percurso na especialidade, pelo que não está
num beco sem saída. O que deverá, então, reservar-lhe o mercado do
ensino?: uma estrutura do Estado que lhe receba a candidatura e, por
um processo estabelecido, o entreviste, certifique as suas qualificações
académicas e, eventualmente, profissionais; o insira numa bolsa que
corresponda às necessidades do país na área do ensino da Química e
verifique, pelos processos que considere mais adequados, através de
testes de expressão escrita e oral, vocacionais entre outros, se existe um
perfil discernível; e, logo, a possibilidade de encarar uma candidatura
para frequentar o estágio profissional que poderá levar à docência. Se
sim, o candidato será sujeito a uma triagem que tenha em considera-
ção a relação entre a oferta de candidatos e as necessidades do ensino
público. A ser escolhido, está no caminho do estágio remunerado.
Só a partir deste momento deveriam começar as preocupações
com a formação pedagógica, que faria corpo com as atividades letivas.
Penso que uma formação com exercício é um modelo correto: se levar
em linha de conta a minha experiência (final dos anos 70), que foi
um padrão mais ou menos seguido noutros períodos, quer anteriores,

Sobre tudo o que não tem importância — e o que a tem — para se obter uma amostra de professor

91
quer subsequentes, a estrutura pode ser organizada em torno duma
personagem central, o orientador de estágio (noutros tempos, deu pelo
nome de metodólogo, e incluiu professores ilustres como Rómulo de
Carvalho; embora nem todos, obviamente…). Essa personagem é de
suma importância, visto que reúne dois papéis: o de exemplo e trans-
missor de métodos de trabalho docente e de avaliação, que incluem
as didáticas específicas de cada disciplina; e o de avaliador, no final do
processo de estágio. As  didáticas podem ser várias, e muito diferen-
tes: pense-se num pintor que queira fazer também carreira como pro-
fessor, reunindo sob o mesmo chapéu disciplinas como o Desenho, a
Geometria Descritiva e a História da Cultura e das Artes, e far-se-á uma
ideia da diversidade que podem tomar.
O estágio nunca foi, que me lembre, encarado a frio como aquilo
que é: uma pós-graduação. Muitas experiências e estórias que acom-
panham os períodos de estágio revelam percursos aventurosos, com
peripécias variadas, e o teor geral é, depois de empurrado o pedregulho
de Sísifo montanha acima, o da conquista do Graal (os meus professo-
res de História que me perdoem a mistela). Não obstante, é uma mera
pós-graduação, e como tal deve ser encarada: em termos de duração, de
exigência e de avaliação. Tal como existiu, durante largos anos, terá dei-
xado bastante más memórias, pelo que pode parecer peregrina a ideia
de retomar o assunto. Sabemos como o estágio surgia, em regra, como
uma imposição controladora, oposta, por vezes, àquilo que os estagiá-
rios consideravam correto – frequentes vezes ao fim de um ror de anos
de ensino. Era condição para adquirir um posto de trabalho seguro e
com a localização pretendida, executada em tempo recorde, com exi-
gências absurdas de leituras e relatórios, e penalizações várias para
quem não cumprisse todas as regras. O todo, coroado por uma classifi-
cação que era, por vezes, discutível, e que ficava como um estigma para

António Mouzinho

92
o resto da vida. Ora, é claro que se a formação de professores for regu-
lada no acesso, através de critérios de adequação do candidato à tarefa,
e o estágio terminar com sucesso, não existe qualquer razão para que o
final do processo não seja: «Professor».
Mas, vejamos: naturalmente, a experiência incluirá as várias
modalidades de presença em aula que os referidos estágios compreen-
diam: aulas assistidas nas turmas do orientador; aulas dadas às turmas
do orientador; aulas assistidas em turmas de colegas de estágio; aulas
assistidas pelo orientador e pelos colegas nas próprias turmas. É neces-
sário que as didáticas constituam o essencial deste plano de forma-
ção, pelo aspeto preciosamente prático de que normalmente se reves-
tem. É necessário complementar todo o dito plano de atividade com o
conjunto de conhecimentos de pedagogia e de métodos de avaliação
que poderão cimentar o exercício num todo operacional. É, finalmente,
fundamental colocar o professor que daqui resulta num período expe-
rimental de primeiro contrato docente, chame-se-lhe provisório, ou
outra coisa parecida, findo o qual será sujeito à avaliação final, sob a
forma de relatório e entrevista, e um resultado: a aceitação.
A confirmar-se o contrato, entrará para os quadros do ensino
público, onde fará carreira, em condições normais, até onde lhe aprou-
ver. Em condições usuais, não haverá, ao longo da vida, qualquer neces-
sidade de reavaliação. O conjunto de talento e conhecimentos que lhe
facultaram, ao longo de um percurso de escalada trabalhoso, exigente,
o lugar de professor, não se diluem com o tempo. Antes se apuram.
A prática diária, o trabalho com os alunos, constituem uma provocação
permanente e, se de alguma alteração de cenário podemos suspeitar,
é do alargar de premissas de atuação com o passar de cada turma, de
cada ano. Se os profissionais não forem sistematicamente chumbados
com rotinas de trabalho administrativo de candente inutilidade – mas

Sobre tudo o que não tem importância — e o que a tem — para se obter uma amostra de professor

93
que consomem tempo e energia –, têm todas as condições para se man-
terem bastante interessados em leituras e estudos na sua área, a que
adicionarão congressos e atividades de formação complementar que
vão surgindo ao longo da carreira, em particular se não tiverem um
caráter obrigatório, humilhantemente obrigatório. As atuais condições
foram facilitando a atividade de centros de formação de professores
que orbitam em torno de agrupamentos de escolas, tendo como espe-
cialização o fabrico de cursos creditados cujo interesse é variável, já
que nem sempre será considerado pertinente. Vão tendo a frequência
dos docentes da área que, rotineiramente, adquirem os pontos exigidos
pelas normas de progressão em vigor (numa carreira cuja progressão
está, de resto, congelada há muitos anos).
Vivemos rodeados de afirmações tontas, que caíram do céu aos
trambolhões mercê da adaptação de todos os ritmos profissionais à
norma da empresa «moderna»: que só tem sucesso, só cresce, só evo-
lui positivamente, pressiona quem lá trabalha e reúne, avalia, é prag-
mática e tem, como meta razoável, maiores dividendos para os acionis-
tas, sucesso na bolsa de valores e o infinito – distribuído em latinhas de
spray, além de difundido no ar condicionado. Uma das maiores tontices
produzidas é a seguinte: se os funcionários de qualquer empresa são
regularmente avaliados, porque haverão os professores de escapar a
essa obrigação? Um início de resposta, é este: porque são professores, e
o seu objetivo não é o lucro. Porque o sucesso, quando estamos a medir
a qualidade da formação de jovens, vai ser avaliado pelo sistema com
algum tempo, e não anualmente, mesmo que com base em exames.
Dois anos letivos são duas coisas diferentes, e é impossível regular a
qualidade docente por dados desse teor. A consistência num professor
depende de outras variáveis, e há escassas razões para pensar que um
bom profissional, que o Estado contrate por um processo de seleção tão

António Mouzinho

94
exigente como aquele que referi, possa vir a ter um colapso de compe-
tência que não se prenda com razões de saúde.
Todos os bons professores que conheci (em cerca de 23 anos de
frequência de instituições de ensino como discente, em que encava-
lito 43 de docência, conheci muitos) tinham como principal caracterís-
tica o seguinte: gostavam de ensinar, e nunca abrandaram; pelo contrá-
rio, refinaram com o passar dos anos. Sabemos, para dar um exemplo,
como deixou o ensino Rómulo de Carvalho: ficou desgostoso com o
destino da instituição onde lecionava, após a revolução: a escola estava
simplesmente parada e alunos de diferentes facções lutavam dentro
e fora de reuniões constantes; gastou a paciência com a ineficácia e a
interposição de práticas intrusivas no dia-a-dia escolar, como relata nas
Memórias. Posso garantir, no entanto, que era um homem paciente.
Mas não estava interessado em debater, sem termo à vista, a neces-
sidade dessas guerras, feitas em nome de princípios nebulosos por
rapaziada que, contas redondas, vivia bastante razoavelmente e não se
interessava pela revolução um palmo para além do folclore. Assim, far-
tou-se da falta de condições para produzir trabalho de qualidade como
professor de Física e Química. Tinha a possibilidade legal de se aposen-
tar. Pediu a reforma.
As provas de avaliação que o atual ministro interpôs na contrata-
ção de professores, que deslizam entre a literacia básica, o teste de inte-
ligência e o domínio dos conteúdos, revelam-se em sintonia com o res-
tante processo de acesso à carreira: pífias. Pretendem triar, na entrada
para a carreira, as pessoas licenciadas ou mestradas mas que afinal não
sabem usar a língua materna nem fazer contas, revelam-se incapazes
de lidar com resolução de problemas do tipo daqueles que surgem em
testes de QI e no PISA e, de resto, também não dominam os conteú-
dos da matéria em que obtiveram um diploma. E o que é mais inaudito

Sobre tudo o que não tem importância — e o que a tem — para se obter uma amostra de professor

95
é que há reprovações, e o ministério fica contente, porque provou que
está a proceder com prudência secular. Aparentemente, descobriu terra
no meio da tormenta, algo que faz inveja ao Gama. O desespero dos
candidatos só encontra paralelo no desespero dos professores sem vín-
culo a uma escola: não fazem a mais remota ideia do que os espera, e
sentem-se chegados ao fim de um percurso que não tem outra saída
que não seja o ensino – sem perspetiva de ensinar. As qualidades pes-
soais e profissionais destas pessoas nem sequer importam para o juízo
em tal contexto: é o contexto que não faz qualquer espécie de sentido.
Quem governa mal refugia-se em habilidades e metáforas escolhi-
das com pouco critério, e não é aplicando códigos do mundo empresa-
rial ao ensino público (obrigatório) de um país decente que alguém fica
mais esclarecido quanto ao que importa. E também não é formando
pessoas numa não-profissão que é ser «ensinante» que resolvemos
a preparação para a vida dos «aprendentes». Ensina-se algo. É a esse
algo que devemos ir buscar professores, que serão os profissionais com
inclinação e engenho que hão de ser reconhecidos, apoiados, desenvol-
vidos, aproveitados.
Tudo o que o Estado tem de aprender a fazer é a cativar talentos de
profissão definida, não é estar a injetar cadeiras pedagógicas em rapa-
rigas e rapazes que ainda não sabem grande coisa. Tomar uma pes-
soa talentosa e pô-la em contacto com turmas, com acompanhamento,
com interação, com reflexão permanente e oportuna, e com doses
substanciais de informação e discussão didática, é esse o âmago da for-
mação de professores. Quaisquer estudos gerais de pedagogia devem
subordinar-se a este propósito, e a questão magna da avaliação deve
constar do curriculum do estágio, e acompanhar o que de mais recente
se sabe sobre o assunto. Sabe-se, por exemplo, que a velha divisão entre
avaliações diagnóstica, formativa e sumativa, sofre dos males de todas

António Mouzinho

96
as taxonomias: a partir de um certo grau de aproximação começam a
ter vida própria, e fazem os utilizadores perder a distância, a noção
de que apenas são uma forma conveniente e simplificada de abordar
o assunto, e tornam-se matéria de fé, com a respetiva corte de segui-
dores, sacerdotes, boas práticas, pecados e anátemas. A pós-graduação
deve perspetivar essas coisas.
A duração do estágio deve ser variável, tal como a de qualquer
outro curso. Deverá poder fazer-se em regime exclusivo – horário com-
pleto, etc. – ou em meio tempo, a par de qualquer outra atividade.
A lógica daquilo que aqui proponho é a de que os professores tenham
uma formação para uma profissão, ou sejam mesmo profissionais com
atividade e curriculum. Por outras palavras: mestrado em qualquer área,
ou competência curricularmente reconhecida num «mester». Será avi-
sado mantê-los em contacto com essa profissão, se assim o desejarem.
Como será fundamental adaptar o tempo do estágio à carga estabe-
lecida à partida, compreendendo isto as caraterísticas das disciplinas
a ensinar, mas igualmente a quantidade de disciplinas de áreas dife-
rentes. Se olharmos de novo para o leque de disciplinas incluído na
área dos professores de Artes, encontramos no mesmo saco ciências,
humanidades e arte, e um lote de técnicas sortidas que tornam pesado
o trabalho com didáticas tão singulares. O estágio pedagógico que fre-
quentei, e que durou um ano, ocupou-se, essencialmente, da didática
da Geometria Descritiva, já que a História da Arte ainda não estava
na paisagem e o Desenho… autorregulava-se. Partia-se dum princípio
algo discutível: como todos os estagiários tinham a mesma proveniên-
cia (as Belas-Artes de Lisboa ou do Porto), a carga horária de Desenho e
afins que traziam de qualquer das escolas davam-lhes, no entender do
orientador pedagógico, uma boa base de proficiência na metodologia
do ensino dessa disciplina. Sabiam, por muito ter visto praticar. Mas,

Sobre tudo o que não tem importância — e o que a tem — para se obter uma amostra de professor

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enfim: parece razoável que um pintor queira ensinar, exclusivamente,
Desenho – e não esteja interessado em fazer qualquer outra área de
profissionalização. O estágio deve poder adaptar-se ao desígnio do esta-
giário; é esse todo o espírito que informa este texto. Se não aprovo a
entrega do ensino por uma nação, e como política de base, ao mer-
cado privado – entre outras razões, pela componente de lucro que aí é
introduzida na questão –, já sou francamente adepto da «liberalização»
de várias práticas dentro da estrutura pública: é duma cegueira fácil
de demonstrar a recusa em contratar com condições variáveis (uma
só disciplina; meio-tempo, ou tempo parcial; em acumulação), quando
a bolsa de professores compreende essas necessidades e, por conse-
guinte, situações. Bem sei: a ausência de equiparação à generalidade
da função pública torna a questão espinhosa a ambos, governo e sin-
dicatos… Mas ser funcionário público nunca foi um desejo dos profes-
sores, se isso obrigasse a usos estranhos à profissão; esta, vale por si, e
merece uma gaveta própria.
Uma outra abordagem, no entanto, torna relevante a menção do
caso particular do meu estágio: havia alguma uniformidade, à época, na
formação ministrada aos profissionais que davam entrada no ensino.
Entre faculdades e institutos era conhecido aquilo com que podia contar-
-se, e era previsível uma linguagem comum dentro duma reunião de
professores. Isso já não é o caso, muitas vezes, nos tempos que correm.
Por si só, não constitui estranheza ou inconveniente: os cursos têm a
estrutura interna que têm. No entanto, qualquer coisa que seja feita com
apoio em formações dissemelhantes tem, forçosamente, de levar isso
em conta, o que indica que os estágios deverão ser flexíveis a este ponto,
e os orientadores de estágio terão de estar preparados para tal. Volto aqui
a uma questão que mencionei previamente, de passagem: é a formação
de professores, através do exemplo e do trabalho centrado nas didáticas,

António Mouzinho

98
que poderá pôr diferentes especialistas, de diferentes formações, a pos-
suírem algo comum: uma forma idêntica de encarar a matéria a dar.
Pode parecer-se, este arrazoado, com o estabelecer de fundamen-
tos para despessoalizar o trabalho docente. Isso seria – a ser, sequer,
tentado – um feito impossível: nada há de tão pessoal como a rela-
ção humana (dir-se-ia, em memória de La Palisse); é esse o âmago da
relação de um professor com os alunos, e o que afinal aqui afirmo é
o seguinte: diferentes mestres, com diferentes formações académicas,
interagindo de diferentes formas e com diferentes meios com os alu-
nos, podem dar o mesmíssimo programa, com as mesmíssimas tónicas
(e metas, se quiserem), entender sem variações de monta uma tarefa
de avaliação e serem, no que aos conteúdos diz respeito, intermutáveis
quanto baste. É precisamente esta equivalência que o «estágio» pode
assegurar, ao concentrar uma parte importante do trabalho no exercí-
cio da execução do programa, nas estratégias de relação entre diferen-
tes anos de lecionação e as suas diferentes partes, em formas harmo-
niosas de as distribuir nos períodos letivos, nas pontes que podem ser
estabelecidas – pelo professor presente na aula – com outras áreas do
conhecimento, e em formas eficazes de abordar cada ponto da matéria.
É, justamente, em complemento deste trabalho diário, desta for-
mação profissional, que facilmente se pode entender um segundo
grande tópico do estágio: a avaliação.
Convém, aqui, estabelecer princípios de abordagem claros: existe
por aí muita mistificação à volta deste assunto, e posições irredutíveis
em torno de estilos de avaliação que, em si, não são nem bons, nem
maus. Há uns bons anos a ferrugem começou a acumular-se em torno
de dois polos férreos: o polo da avaliação formativa e o polo da avalia-
ção sumativa. Apesar de ferrugenta, esta conversa continua a percor-
rer as escolas, a ser objeto de palestras sectárias, a provocar debates

Sobre tudo o que não tem importância — e o que a tem — para se obter uma amostra de professor

99
acalorados e a enfadar muitos profissionais que lidam com essas coisas
com o pragmatismo e a flexibilidade que elas exigem, e recusam tornar
taxativas ou controversas práticas que são todas, muito simplesmente,
úteis. Os únicos pecados que podem constar numa prática de avalia-
ção revelam-se nos processos defeituosos; na avaliação mal construída.
É importante que a formação ensine como se articulam as peças numa
máquina dessas de tal forma que cumpra o objetivo de ser reveladora
dos conhecimentos dos alunos – não no sentido de os catalogar e seriar,
mas para exibirem os conhecimentos que têm e, sobretudo, aquilo que
não aprenderam, porque é aí que deve concentrar-se a atenção de toda
a gente: professor, aluno, encarregado de educação.
Considero que é possível ensinar meninos, classificá-los e dar-
-lhes diplomas, sem recurso a testes externos de âmbito global: exames
nacionais sobre toda a matéria de um ciclo de estudos. Tenho sobre
esse assunto uma opinião firme, reforçada pelos resultados satisfató-
rios de casos conhecidos, como o do ensino finlandês, bem documen-
tado por Pasi Sahlberg. Mas, por outro lado, reconheço que é verdade
que, se um aluno é conhecedor seguro de determinada matéria, não
lhe será difícil prestar provas de lápis e papel, ou práticas, ou outras,
sobre essa matéria. Com sucesso e sem traumas. E também penso que
o ensino finlandês tem uma posição discutível em relação ao assunto
porque, ao longo da vida, acontecem situações em que uma pessoa é
sujeita a «exames» de tipos variados, e não vejo porque não poderá a
Escola fornecer-lhe uma introdução a tal prática.
O que atualmente se usa não deixa de ter aspetos perversos; por
exemplo, a forma como se utiliza a literatura na avaliação em língua
materna. Quase toda a vida li, e vi ler quem me rodeava (familiares,
amigos), alguns 30, 40 ou 50 livros por ano. Apesar de sermos geral-
mente alérgicos a leituras obrigatórias, sabíamos, por outro lado, o que

António Mouzinho

100
dizer, os meus colegas e eu, quando interrogados sobre a interpreta-
ção de uma passagem desconhecida que nos proporcionassem num
teste. Os testes que fiz na escola e os exames nacionais não estavam
construídos sobre um pequeno leque de obras que eram objeto de tra-
tamento especializado, levando à compra de livros habilidosos escritos
por peritos na dissecção: uma espécie de médicos legistas da literatura,
que exercem a atividade em todo o mundo ocidental (a França é um dos
expoentes do género) e, com pompa e circunstância, divulgam o alfa e o
ómega da exegese literária, obra a obra, papeleta de farmácia a papeleta
de farmácia, empurrando para fora do universo habitável tudo quanto
escapa à suas análises. Não é essa a competência que queremos desen-
volver nos nossos miúdos: a de decorar inutilidades sobre heterónimos
para, na prática, serem inábeis a reconhecê-los pela leitura… À memória
cabe um papel importantíssimo na aprendizagem, mas não para «empi-
nar» exegetas: talvez para decorar a tabuada. E isso, sim, é bom que o
estagiário discirna: é às capacidades interpretativas que deve ser reser-
vado o discurso do aluno que reage a um item de resposta aberta; nessa
qualidade deve ser avaliado e, ulteriormente, interpelado. O professor
tem esse papel, porque é essa a responsabilidade do ensino.
É necessário, feitas as contas, que a profissionalização familiarize
o candidato a mestre com toda a variedade de abordagens que pode
ser feita aos conhecimentos dos alunos, desde o mais simples questio-
namento oral de circunstância, ao teste com itens de resposta aberta.
Igualmente se impõe que sejam conhecidas boas experiências de todas
as tipologias, e resultados com significado de estudos sérios sobre a
matéria, dos quais a aprendizagem através dos testes é apenas um
exemplo: aí se aprende como os testes de vocação sumativa são, afinal…
sumamente formativos. A  Fundação Francisco Manuel dos Santos
promoveu, em 2011, uma excelente conferência (com correspondente

Sobre tudo o que não tem importância — e o que a tem — para se obter uma amostra de professor

101
livrinho de acompanhamento), subordinada ao tema Em causa: apren-
der a aprender. Além da palestra que ilustrava o tema e foi intitulada
pela professora de Psicologia, Lynne Reder, (na representação de uma
equipa da Universidade de Carnegie Melon) «Aplicações da psicologia
cognitiva à educação e suas deturpações», quem lá esteve pôde tam-
bém ouvir Paula Carneiro, da Universidade de Lisboa; a sua interven-
ção, «Promovendo a aprendizagem através dos testes», relatava um tra-
balho desenvolvido na Universidade que, tanto quanto sei, continua
desconhecido no ensino público. Talvez aqui se encontre um tema que
merece fazer parte importante duma operação de limpeza e atualiza-
ção, e se encontre espaço para tratar, com o possível rigor científico,
capítulos relevantes de psicologia cognitiva, e do papel da memória na
nossa vida e na nossa formação – sem omissões, e sem preconceitos
com origens fumosas. O que corre ainda nas escolas é a mais bafienta
cartilha construtivista: não aquilo que são as suas virtudes – das quais o
despertar de atenção para o autoritarismo absurdo de algumas práticas
é um dos pontos fortes –, mas o seu dogma, acompanhado com crença
não menos absurda por um conjunto estrategicamente situado de pro-
sélitos. Também aqui convém conhecer o que se faz bem «lá fora», para
não imitar, com atraso, as experiências que falharam nos E.U.A., ou em
França, Inglaterra ou na Suécia – o que parece ser o paradigma dos nos-
sos governantes, aconselhados por gente tão superficial na abordagem
destas matérias como eles parecem ser. Por exemplo: o Vestibular, no
Brasil, dispõe de provas de escolha múltipla – no acesso à universidade,
para os estudos de História – que deixam abalada qualquer crítica ime-
diata, pouco circunstanciada, generalista e imprudente.
É o Mundo que conforma a Escola, e é a Escola que determina o
Mundo. Não acredito, apoiado nos meus 40 e tal anos de ensino, na
premência da maioria das atualizações que são ditas prementes. Posso

António Mouzinho

102
estrear os exemplos com um fenómeno recente, a reforma da escrita
que dá pelo nome interessante de «acordo ortográfico» (acordo?): ela
terá inúmeras virtudes, mas não deixa de ter esta qualidade, que é –
ser inútil. De resto, e como é patente, utilizo-a; as razões são estrita-
mente funcionais, já que devo usá-la nas minhas aulas. Não lhe vejo
virtudes que sobrelevem os inconvenientes, mas a questão nem é essa:
tirando o mercado editorial, em particular as editoras escolares, quem
ganhou com a urgência? Isto afeta todas as conversas sobre educação,
ao ponto de provocar paragens graves no raciocínio de pessoas que
normalmente param para pensar, mas não param de pensar. Não obs-
tante, a voz corrente, dentro e fora das escolas, martela algo deste teor:
o Mundo, hoje, sofre mudanças tão rapidamente que a Escola é obri-
gada a fazer essa mesma corrida; e o universo dos alunos está tão per-
meado pela tecnologia que a Escola tem de acompanhar, ou enfrenta
o risco duplo de perder o «desafio tecnológico» e os próprios alunos,
versados nessas tecnologias e com hábitos novos.
Por outras palavras: o Mundo, hoje, sofre mudanças tão rapida-
mente, que a Escola pode dar-se ao desplante – por estar entretida a cor-
rer atrás da tecnologia – de não criar uma inteligência crítica, uma sen-
sibilidade aguda e o domínio da abstração, que são aquilo que permite
à elite da humanidade o exercício desse processo de mudança. Ora, se
não sinto na pele o mesmo que um contemporâneo de Bach, passo, no
entanto, horas a ouvi-lo. O que se passava na cabeça de Bach é impor-
tante para mim, e não tenho a menor dúvida que é importante para os
meus alunos, assim eles consigam perceber o que pensava Bach (falo
da música, como será evidente). Rendermo-nos ao tempo do iPod e
sucedâneos, carregados com conteúdos manhosos em MP3, e desistir
de formar musicalmente os garotos, não é boa ideia, porque desvalo-
riza-os, que é a última coisa que podemos desejar. O ensino precisa de

Sobre tudo o que não tem importância — e o que a tem — para se obter uma amostra de professor

103
dar Newton, que é a condição para entender Einstein. E, mais tarde,
Einstein, que é a condição para acompanhar o tempo. Eça não é, de
facto, fácil de entender pelos novos jovens, porque entre o 1.º ciclo e
o fim da escolaridade perderam algo que parecia adquirido, que era o
gosto pela leitura. Não é utilizando as «novas tecnologias» (estão na
minha escola há 25 anos: já são velhas, e ainda ninguém deu por isso)
que se ganha o Eça; é gostando de ler: aí, cedo ou tarde, surge o Eça.
Aquilo de que precisam os nossos professores é de conhecimentos e
entusiasmos superiores, e não do último grito do manual escolar inte-
rativo, ou do auxiliar eletrónico ainda mais interativo. Ou da última
moda da pedagogia ou da avaliação, com aquele terrível cheiro a armá-
rio fechado que conhecem de sobejo as pessoas que leram Rousseau e
não gostaram por aí além. (E leram Jacques Rancière e não acharam as
conclusões generalizáveis.)
De facto, se nos debruçarmos um pouco sobre o que é esse apa-
rente avanço do Mundo sobre a Escola, concluímos o seguinte: não é
o que consta por aí. Isso é assim quer na opinião pública, muito alar-
mada pela mudança rápida de formas de comunicar e pelo que sobre o
assunto propalam televisões e jornais, quer nos círculos da política, mui-
tas vezes ignorantes dos assuntos que abordam, porque pretendem ter
voz sobre tudo. Também, enfim, no próprio meio escolar, aturdido pela
celeridade com que os alunos tiveram acesso a redes sociais, wikipédia, e
por SMS aos outros alunos, digitando num pingue-pongue feroz e ins-
tantâneo, com uma linguagem abreviada e cheia de erros, mas eficaz.
No entanto, em que é que, verdadeiramente, as novas tecnologias trazem
avanço e mudanças substantivas? Em nada: os jovens são meros utiliza-
dores de dispositivos eletrónicos cuja essência desconhecem, caem nas
armadilhas informáticas mais elementares, não conseguem ter critério
na escolha da informação a que acedem. Não acrescentam ao domínio

António Mouzinho

104
rudimentar da língua materna o menor conhecimento de qualquer lin-
guagem de programação. Têm uma ideia geralmente vaga do sistema
operativo que usam, dos utilitários com que trabalham (processador de
texto, folha de cálculo ou as temíveis bases de dados), programas de dese-
nho por computador, e por aí adiante. É a esta ignorância generalizada
que a Escola deve adaptar-se? Qualquer professor com alguma proficiên-
cia no processador de texto preferido bate aos pontos um aluno que o usa
irregularmente como mais um gadget. E as Ciências, e as Humanidades;
e o ensino das Línguas; e as Artes, e a Música? E tudo aquilo sobre o que
incide a ideia vaga de progresso: exige adaptações curriculares urgentes?
Para percebermos os Balcãs, ou o átomo, temos de reformular tudo com
base na última notícia da Lusa ou o último artigo da Science?
Há um enorme exagero na necessidade de atualização, em parti-
cular se considerarmos que a escolaridade obrigatória apenas cobre os
ensinos Básico e Secundário. E não consigo, deveras, entender de que
atualização significativa necessita um pobre professor de Matemática
para explicar – a uma turma de miúdos – como se monta um sistema
de duas equações a duas incógnitas que, no Básico, cobre necessidades
mais prementes do que o último grito nas teorias do caos.
Aquilo de que precisam professores selecionados e preparados,
como sugeri mais atrás, não é de se atualizarem permanentemente,
sendo sujeitos a avaliações periódicas a ver se não perderam brilho:
o que importa é que sejam acompanhados por planos de trabalho
bem concebidos, e melhor enquadrados materialmente (em instala-
ções, gratuidade real do sistema para qualquer estudante, tarefas de
complemento, estrutura geral de estudo). Os  planos de trabalho dão
pelo nome de programas; em parte, é para saber geri-los que é feita
a profissionalização. Tudo aquilo que seja um projeto aliciante deve
ser acrescentado à rotina a título de projeto, em paralelo, com grupos

Sobre tudo o que não tem importância — e o que a tem — para se obter uma amostra de professor

105
experimentais e grupos testemunha, com a prudência que requerem
as cobaias do costume: os alunos. Tive, nos 6.º e 7.º anos do liceu, o
privilégio de frequentar uma turma de Matemática Moderna. Era o fim
dos anos 60 (começou em 1966, se não estou em erro), com um pro-
grama experimental de Sebastião e Silva para o qual era solicitada, na
matrícula, uma palavrinha de anuência dos encarregados de educação.
O  programa, que foi um dos mais extensos (ou o mais extenso) que
passou no nosso Secundário – sendo, inclusivamente, objeto do reforço
de uma hora semanal –, acrescentava todas as novidades ao conteúdo
do programa clássico, que continuava a ser ministrado simples, sob a
forma tradicional, noutras turmas, noutras escolas. Esta estória teve
um final feliz, em matéria de formação, porque somou; não subtraiu,
nem trocou algo conhecido por uma teoria qualquer.
Da avaliação e seleção prévias de professores deverão constar a
análise dos próprios resultados escolares, evidentemente, mas também
de hábitos de leitura e de cultura, de aspetos pessoais de realização pes-
soal ou profissional, de todas as coisas que são consideradas periféricas
mas que não podem sê-lo quando se pretende investir numa formação
profissional que está tão ligada a um perfil de carreira. É importante
determinar se a pessoa é boa comunicadora, claro, mas também se
parece ser persistente, ter «garra», e se se apresenta como detentora
de uma apreciável satisfação na vida; ou seja, como alguém com ten-
dência para a benevolência exigente, sentindo satisfação a entregar-se a
outros e conseguindo resultados palpáveis na transmissão de conheci-
mentos. Aquilo que qualquer professor adequado consegue é simples:
constrói bases de sucesso na aprendizagem e está atento. Tão atento
que não lhe escapa, sistematicamente, aquilo onde falha, e persiste na
revisão dos próprios processos, só repetindo experiências bem sucedi-
das e modificando todas as abordagens que o deixam insatisfeito. Isto

António Mouzinho

106
é, invariavelmente, uma experiência de vida; e tem, não menos invaria-
velmente, reflexo nos resultados escolares.
Tem outra caraterística, esse professor adequado: autoalimenta-se
sem necessidade de planos de formação artificiais. Não é pensável que
uma pessoa – que exerce esta profissão e tem traços do género daque-
les que foram referidos – precise de uma rotina de formações genéricas
como as que por aí pululam. Gera, e gere, as suas próprias exigências:
de reformulação de processos didáticos, bem entendido, mas igual-
mente de leituras feitas, do acompanhamento de palestras sobre assun-
tos que lhe parecem relevantes, da frequência de espetáculos, e dos
escapes que lhe surgirem como interessantes ou, porque não, necessá-
rios. Assim a profissão não surja acompanhada de horários mal feitos,
de obrigações administrativas desnecessárias, de exigências despropor-
cionadas na carga letiva, de toda uma ganga de critérios de unicidade
com o conjunto de funcionários públicos: será sempre um imenso dis-
parate na gestão nacional dos recursos. Todos os professores que man-
têm um desejável nível de exigência quanto à qualidade do trabalho
corrente precisam de tempo para o realizar, e esse tempo depende da
disponibilidade oferecida pelas condições gerais de funcionamento do
sistema. Complique-se o horário com o acréscimo de atos administra-
tivos absurdos, modificações curriculares inúteis e apressadas, ações
de formação destituídas de interesse mas obrigatórias, e obtém-se um
funcionário atrapalhado com a gestão diária do tempo. É o que de pior
se pode oferecer a um profissional do ensino.
Uma recente formação de professores classificadores de provas
de exames nacionais – aguardada com as melhores expectativas por
parte dos formandos –, conseguiu juntar, a um núcleo de práticas per-
feitamente planeado e útil que se centrava na matéria específica, um
temível lote de inanidades pedagógicas. Estas eram constituídas por

Sobre tudo o que não tem importância — e o que a tem — para se obter uma amostra de professor

107
textozinhos de alma construtivista com qualidade científica invariável,
e utilidade prática invariável: ambas discutíveis, para dizer o mínimo.
E  eram acompanhadas pela exigência de uma espécie de leituras de
férias, e da produção de trabalhinhos de casa – refletindo a sua digestão
– que deixavam boa parte dos formandos verdadeiramente furibundos
com a perda de tempo que lhes era proposta, numa altura inconve-
niente do ano letivo. Se a parte da formação que dizia respeito à clas-
sificação de provas de exame, especificamente, pareceu a quase todos
informativa e niveladora de critérios, já tudo o resto constituía exata-
mente aquilo de que a formação em exercício menos precisa: perda de
tempo de quem tem, de facto, mais que fazer.
Este foi um exemplo perfeito de como se pode alienar o entusiasmo
natural de quem gosta da sua ocupação, tratando-o com a indelicadeza
que é dar gato por lebre em matéria de formação, e enchendo-lhe a vida
de inutilidades que apenas consomem tempo precioso. A dignidade dos
nossos professores é, possivelmente, um dos maiores trunfos de que
dispõe o país, e nenhuma tutela pode dar-se ao luxo de desvalorizá-la.
A qualidade da formação dos nossos mestres é condição maior de estabi-
lidade e da utilidade do ensino público; estas, por seu lado, de qualquer
ideia de inclusão social que possamos, como nação, alimentar.
Quando é que a carreira de um professor que fez este percurso de
candidatura, formação, e vínculo, precisa de ser reavaliada? Quando
algo corre mal. E somente neste caso.
Todas as experiências profissionais que não resultam são acompa-
nhadas de um grande incómodo. Se possível, devem deixar em aberto
outras alternativas quando, de facto, se conclui que há um capítulo da
vida que precisa de ser encerrado. É aqui que a formação genérica do
profissional que muda de rumo se revela valiosa: tem por detrás uma
qualificação que o torna apto, precisamente, para as mesmas atividades

António Mouzinho

108
exercidas pelos colegas que não enveredaram pelo ensino, numa área
pela qual tem interesse – que, nalguns casos, até poderá estar a exer-
cer em paralelo. Isto contrasta com as carreiras de todos aqueles que,
após uma graduação na via de ensino, se encontram num limbo relati-
vamente à profissão de professores, sem alternativa profissional com-
patível com os estudos menos especializados que fizeram na sua área.
As soluções à vista são, em regra, um emprego não qualificado ou um
retorno à especialização, um recuo e um recomeço do plano de estu-
dos, numa idade em que poderiam estar a estabilizar na vida, e a esta-
belecer estruturas adultas de família.
Algo que o sistema estanque que vigora não contempla, é a mudança
simples de grau de ensino. A verdade é que foi gerado por um acumular
de opções falsamente elitistas que, em 1974, por exemplo, ainda distin-
guia os professores do Ensino Técnico daqueles outros que lecionavam
no Ensino Liceal. Ora, se pusermos a tónica da formação nas didáticas,
segue-se o seguinte: um profissional que se sinta tentado a trabalhar
numa diferente faixa etária de alunos, em qualquer altura da sua vida,
poderá ver essa passagem apoiada pelo Estado, com correspondente
formação em exercício, e um segundo processo mais simplificado do
que o primeiro, embora com todas as necessárias abordagens da espe-
cialização num novo ciclo escolar.
O plano geral de um processo correto de seleção, formação, exer-
cício sem vínculo e contratação, tem como objetivo a longa duração.
A permanência nesta atividade com felicidade, com realização pessoal,
constitui-se em benefício para o ensino, quer dizer, para os alunos. Daí
os pressupostos, daí a exigência. Daí os cuidados em verificar – logo
desde o início do processo – que bons profissionais de qualquer área
não vêm a encalhar numa atividade menos desejada, transformando-
-se em medíocres mestres, infelizes com o seu destino. Daí, também,

Sobre tudo o que não tem importância — e o que a tem — para se obter uma amostra de professor

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os cuidados em verificar que não é de entre os estudantes universitá-
rios menos dotados ou menos ambiciosos que estamos a recrutar o
nosso corpo docente, como por vezes parece acontecer: as provas que
são infligidas atualmente aos candidatos à docência serão surpreen-
dentes e dignas de crítica pelo espírito com que são concebidas, pela
adequação, e pela oportunidade tardia; mas, temos de conceder – como
afirmei lá atrás: há quem chumbe!
Todo o nosso interesse, como país, é que haja quem – com distin-
ção – passe.

Relação das leituras mencionadas no texto,


por ordem de entrada:
DEHAENE, Stanislas – The Number Sense. 2.ª ed. New York: Oxford University Press,
2011. Também em edição Kindle
DEHAENE, Stanislas – Reading in the Brain: The Science and Evolution of a Human
Invention. New York: Viking Penguin, 2009. Tb. ed. Kindle
ALEXANDER, Christopher – A City Is Not a Tree. http://www.bp.ntu.edu.tw/wp-con-
tent/uploads/2011/12/06-Alexander-A-city-is-not-a-tree.pdf
MOUZINHO, António J. M. – Da educação dos príncipes: uma proposta de projeto edu-
cativo para o ensino público português no século 21. Lisboa: Gradiva, 2015
CARVALHO, Rómulo de – Rómulo de Carvalho [Memórias]. Lisboa: Fund. Calouste
Gulbenkian, 2010
SAHLBERG, Pasi – Finnish Lessons: What Can the World Learn from Educational
Change in Finland?. New York & London: Teachers College, Columbia Univer-
sity, 2010. Tb. ed. Kindle (2.ª ed. 2015)
REDER, Lynn M. [et al.] – Em Causa: Aprender a Aprender. Lisboa: Fund. Francisco
Manuel dos Santos, 2011
ROUSSEAU, Jean-Jacques – Emílio, ou Da educação. Várias edições, em várias lín-
guas. Tb. ed. Kindle (domín. públ.)
RANCIÈRE, Jacques – Le maître ignorant. Paris: Éd. 10/18, 2004. Tb. ed. Kindle

António Mouzinho

110
António Mouzinho é professor do grupo 600 (Artes Visuais)
do ensino secundário público há 42 anos; arquiteto, mestre
em História da Arte, atualmente ensina, sobretudo, a disciplina
de Geometria Descritiva.

Sobre tudo o que não tem importância — e o que a tem — para se obter uma amostra de professor

111
“O êxito da implementação de políticas e reformas para
as competências dos professores, implica a superação de numerosos
obstáculos e requer mudanças culturais e comportamentais
significativas por parte dos principais intervenientes e instituições”
Francesca caena, Universidade de Veneza

“Não parece sensato basear-se [o acesso a cursos de formação


de professores] na nota média de final do Ensino Secundário,
nem numa prova de conteúdos”
Javier m. Valle, Universidade Autónoma de Madrid

Quando é que a carreira de um professor que fez este percurso


de candidatura, formação, e vínculo, precisa de ser reavaliada?
Quando algo corre mal. E somente neste caso.
antónio mouzinho, Escola Secundária de Sintra

outros títulos da colecção “Questões-chave da educação”


em 2010 em 2011
• O valor de educar, o valor de instruir • Em causa: aprender a aprender
• Fazer contas ajuda a pensar? • Aprender uma segunda língua
• Como se aprende a ler? • O valor do ensino experimental
em 2012 em 2013
• A avaliação dos alunos • Ensino profissional
• As novas escolas • Indisciplina na escola
• As novas tecnologias em 2015
em 2014 • A escola e o desempenho dos alunos
• A inclusão nas escolas
• Acesso ao ensino superior

Uma edição: Com o apoio:

ISBN 978-989-8819-20-8

9 789898 819208

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