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2018
A presente análise abarca o texto “Instrução pastoral sobre superstições populares: De
Correctione Rusticorum”, um sermão produzido por Martinho de Braga no noroeste da
Península Ibérica a pedido do Bispo Polêmio. Tal obra é comumente datada como proveniente
de meados do século VI, se inserindo, portanto, num contexto medieval. O autor, Martinho de
Braga, nasceu na Panónia, onde atualmente se situa o território reconhecido como a Hungria,
recebeu educação bizantina e, em função do segmento ortodoxo, dedicou-se à contribuição da
propagação da fé cristã, sendo reconhecido principalmente por suas práticas pastorais.
"À sua fonte primordial, o rico e variegado manancial constituído pela Bíblia,
impunha-se a característica fundamental de todo e qualquer texto: o sentido que
encerra não é unívoco, mas múltiplo e diversificado em suas possibilidades de
interpretação". (DA MOTTA BASTOS, Mário Jorge. Assim na terra como no céu:
paganismo, cristianismo, senhores e camponeses na Alta Idade Média Ibérica
(séculos IV-VIII), 2013, cap. III, pág. 117)
"Eis que é a Escritura Sagrada que o diz, e é bem verdade assim, pois que os demónios
tantas vezes persuadem os homens na sua infelicidade através do piar das aves que,
por coisas frívolas e vãs perdem a fé de Cristo, e, sem se aperceberem, caem no abismo
da sua morte". (MARTINHO DE BRAGA. De Correctione Rusticorum. p. 115).
No que tange a heresia, percebe-se que o autor não utiliza diretamente do conceito na
fonte – bem como não se obtém um conceito delimitado de heresia, mas é possível perceber na
construção do argumento que as práticas repudiadas e tratadas como crimes, heresias como as
superstições, vão estar entre o que deveria ser destruído naquele período. Outra questão é o
embate com o arianismo, que se trata de um exemplo do repúdio de elementos que saíam de
dentro da própria Igreja.
Nessa medida, a questão da veneração demoníaca, retomada várias vezes dentro da fala
de Martinho de Braga, se torna ponto chave para a compreensão do seu objetivo. Dentro dessa
questão, se destaca a concepção do Diabo como anjo caído, como é explicitado na fonte:
"Um de entre eles, que, por ser o primeiro de todos, fora feito arcanjo, ao ver-se em
tamanha glória, não prestou honra a Deus, seu criador, mas proclamou-se igual a Ele;
foi por causa desta arrogância que, juntamente com outros anjos que lhe deram
assentimento, foi derribado daquele assento celestial para o firmamento que fica
debaixo do céu; e ele que antes era arcanjo perdeu a luz da sua glória e tornou-se em
diabo tenebroso e horrível. (MARTINHO DE BRAGA. De Correctione
Rusticorum. p. 107 e 109).
"Então o diabo e os seus ministros, os demónios, que tinham sido lançados fora do
céu, vendo que os homens, na sua ignorância, haviam abandonado o seu Criador e
andavam errantes pelas criaturas, começaram aparecer-lhes em diversas formas, a
falar com eles e a reclamar-lhes que lhes oferecessem sacrifícios no cimo dos montes
e florestas frondosas e lhes prestassem culto como a Deus, disfarçando-se com nomes
de homens criminosos, que tinham passado a sua vida em toda a sorte de crimes e
delitos” (MARTINHO DE BRAGA. De Correctione Rusticorum. p. 111).
Portanto, é com a trajetória discursiva dos fatores demoníacos que se busca a mudança,
tentando inserir o batismo como ritual principal e como função pragmática da busca pela
conversão. O sermão se inicia com a narrativa acerca da origem e criação e se encerra com a
concepção do juízo final, no qual a salvação depende apenas da vontade individual de manter-
se na graça divina. Logo, a tentativa de inserção da moral cristã dentro do universo mental
desses povos rústicos, objetivando a globalização da hierarquia eclesiástica, acaba esbarrando
em diversos problemas enfrentados pela Igreja no século VI. Existe, entre outras coisas, o
choque dos elementos cristãos com a tradição de vivência das regiões pagãs. Martinho de Braga,
nesse contexto, escreve uma espécie de convite, no qual a prática pastoral consolida um
chamado de interrupção das práticas pagãs para seguir no caminho da salvação.
"Cabe-vos a vós agora pensar e procurar como cada um a quanto recebeu irá
apresentá-lo com juros quando o senhor vier no dia de juízo. Rogamos, pois, à
clemência do Senhor, que vos proteja de todo o mal e vos faça dignos companheiros
dos seus santos anjos, no seu reino. Isso vos conceda Aquele que vive e reina pelos
séculos dos séculos. Amen." (MARTINHO DE BRAGA. De Correctione
Rusticorum. p. 125).
Referências Bibliográficas
a. Fonte
b. Bibliografia
DA MOTTA BASTOS, Mário Jorge. Assim na terra como no céu: paganismo, cristianismo,
senhores e camponeses na Alta Idade Média Ibérica (séculos IV-VIII). EDUSP, 2013.
STOCK, Brian. The implications of literacy. Written language and models of interpretation in
the Eleventh and Twelfth Centuries. New Jersey: Princeton University Press, 1983.