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Procedimentos técnicos de tradução _ Uma proposta de reformulação

Rafael Lanzetti, Danielle Bessa, FabianaGuedes, Rosana de Freitas e Vinicius


Cruz de Moura

Resumo: Este artigo apresenta uma nova tabela de procedimentos técnicos


de tradução, recategorizada e ampliada, a partir das propostas de
Barbosa (1990) e de Lanzetti (2006). Nesta tabela, os procedimentos
foram categorizados de acordo com os paradigmas
schleiermacherianos de tradução estrangeirizadora e domesticadora
(2001ª e b). Com base nessa recategorização, redefinimos os
procedimentos técnicos de tradução e incluimos outros a partir da
análise de traduções selecionadas, feitas por alunos e profissionais de
tradução ao longo de dois anos, de 2006 a 2008.

Palavras-chave: tradução, procedimentos técnicos, Schleiermacher

Este artigo tem por objetivo apresentar uma proposta de reformulação,


recategorização e ampliação da tabela de procedimentos técnicos de
tradução compilada por Heloisa Barbosa em seu livro Procedimentos técnicos
de tradução: uma nova proposta de 1990.

Procedimentos técnicos de tradução são, segundo Barbosa (1990: 17),


“ações de cunho lingüístico e técnico praticadas por tradutores a fim de
realizar pragmaticamente o processo de tradução”. Em seu livro, Barbosa faz
um levantamento dos modelos de procedimentos tradutórios de Vinay-
Darbelnet (1977), Nida (1964 e 1966), Catford (1965), Vázquez-Ayora
(1977) e Newmark (1981). A partir desses modelos, Barbosa compila sua
própria proposta de como traduzir a partir de um quadro de categorização
dos procedimentos técnicos, pois, segundo a autora, “devido às
discrepâncias entre os modelos descritivos de procedimentos técnicos da
tradução e à divergência terminológica entre eles, é necessário propor-se
uma nova caracterização de tais procedimentos” (BARBOSA, 1990: 63). Esse
quadro é reproduzido a seguir:
Tabela 1: Proposta de categorização dos procedimentos técnicos da
tradução

Convergência do
sistema
Divergência do Divergência da
lingüístico, do Divergência do
sistema realidade
Estilo e da Estilo
lingüístico extralingüística
Realidade
Extralingüística

Tradução
palavra-por-
palavra

Tradução literal

Transposição

Modulação

Equivalência

Omissão VS
Explicitação

Compensação

Reconstrução

Melhorias

Transferência

Transferência
com explicação

Decalque

Explicação

Adaptação

(BARBOSA, 1990: 93)


No entanto, pode ser difícil estabelecer fronteiras entre os
procedimentos técnicos da tradução, uma vez que um procedimento pode
requerer outro, ser mesclado com um terceiro, ou mesmo ser conseqüência
de um quarto. Talvez, na atividade tradutória, alguns dos procedimentos e
estratégias que os sujeitos utilizam não façam parte dessas categorizações.
Algumas vezes, os procedimentos e estratégias podem aparecer acoplados
uns aos outros, e seria difícil dizer onde termina um e começa outro, ou qual
deles está numa posição superior na hierarquia de uma determinada ação.

A fim de ampliar o leque de procedimentos, recategorizá-los e defini-


los com mais especificidade, Lanzetti (2006) propõe uma nova tabela,
apresentada a seguir.

1.
1. Nova Tabela de Procedimentos Técnicos de Tradução

Lanzetti decidiu, a partir dos paradigmas tradutórios schleiermacherianos


(SCHLEIERMACHER, 2001b), dividir os procedimentos em duas categorias
principais – procedimentos estrangeirizadores e procedimentos
domesticadores. Os procedimentos estrangeirizadores aproximam o texto de
chegada do texto original através do recurso de manutenção de itens
lexicais, estruturas e estilo. Os procedimentos domesticadores afastam o
texto de chegada do texto original, aproximando a tradução das estruturas
linguísticas e da realidade extratextual da língua e da sociedade-alvo.

A seguir, apresentamos a tabela e descrevemos cada um dos procedimentos


categorizados:

Tabela 2: Procedimentos técnicos de tradução – Reformulação proposta por


Rafael Lanzetti (2006)

1. Categorias de procedimentos
1.
1. Estrangeirizadores
2. Domesticadores

1.
1. Procedimentos estrangeirizadores
1. Tradução palavra-por-palavra
2. Manutenção
1. de itens lexicais do texto-fonte (empréstimo)
1. sem aclimatação (empréstimo direto)
2. com aclimatação (aportuguesamento)
3. decalque
4. hibridismo
2. de estruturas sintáticas do texto-fonte
1. manutenção da ordem dos elementos
sintáticos
3. do estilo do texto-fonte
1.
1. manutenção do uso de sinais de
pontuação
2. manutenção do registro
3. manutenção do layout
4. manutenção do uso de voz passiva/voz
ativa
5. manutenção do uso de
coordenação/subordinação
6. manutenção do uso de marcadores do
discurso
7. manutenção do uso de referências
(endóforas/exóforas)
8. manutenção da adjetivação
9. manutenção da complexidade/fluidez
estilística
4. de itens culturais da cultura-fonte
2. Prodedimentos domesticadores
1. Domesticação do sistema linguístico
1. Transposição
2. Modulação
3. Equivalência
1. de expressões idiomáticas, ditados, provérbios
etc.
2. funcional
4. Sinonímia
5. Paráfrase
2. Domesticação do estilo
1. Omissão
2. Explicitação
3. Generalização (uso de hiperônimo)
4. Especificação (uso de hipônimo)
5. Compensação
1. Ibidem
2. Alibi
6. Reconstrução
1. sintática
2. semântica
7. Equivalência estilística (melhoria)
8. Mudança de registro
9. Mudança de complexidade/fluidez estilística
10. Adaptação
3. Domesticação da realidade extra-linguística
1. Transferência
2. Explicação
1. intratextual (entre parênteses, entre vírgulas
etc.)
2. pára-textual (notas do tradutor, prefácio etc.)
3. Ilustração

1.2 Descrição dos procedimentos estrangeirizadores

Os procedimentos estrangeirizadores são dois, a saber: tradução palavra-


por-palavra e manutenção.

A tradução palavra-por-palavra pressupõe que o texto de chegada terá o


mesmo número de palavras do texto original, obrigatoriamente na mesma
ordem sintática.

Ex.: She went to the supermarket yesterday.

Ela foi ao supermercado ontem.

Neste exemplo, embora o número de palavras não seja o mesmo na


tradução, por conta da contração da preposição e do artigo definido, o
procedimento empregado foi a tradução palavra-por-palavra. Esse
procedimento é utilizado todas as vezes em que o texto original não
apresenta nenhuma dificuldade tradutória lexical, estrutural ou cultural e sua
tradução pode ser feita sem nenhuma alteração lexical, sintática ou
extratextual. Embora a tradução palavra-por-palavra tenha ganhado
conotações pejorativas ao longo da evolução da teoria da tradução, esse
procedimento é utilizado em larga escala, principalmente em textos técnicos
por conta de sua simplicidade sintática e consequente universalização
estrutural.
A manutenção, denominada anteriormente por outros autores tradução
literal, é subdividida em quatro subcategorias: manutenção de itens lexicais
do texto-fonte, manutenção de estruturas sintáticas do texto-fonte,
manutenção do estilo do texto-fonte e manutenção de itens culturas da
cultura-fonte.

A manutenção de itens lexicais do texto-fonte, também conhecida


como empréstimo, ocorre quando o tradutor decide manter, no texto de
chegada, um item lexical da língua-fonte. O empréstimo pode ser feito sem
aclimatação ortográfica quando, por exemplo, o tradutor decide manter a
palavra feedback no texto de chegada em português; ou com aclimatação,
quando palavras estrangeiras adquirem nova forma ortográfica condizente
com o sistema fonético-ortográfico da língua de chegada. Ex.: New York >
Nova Iorque, whisky > uísque, football > futebol. O empréstimo pode ainda
ser feito por decalque, em que os morfemas formadores da palavra na
língua-fonte são traduzidos para a língua de chegada (ex.: skyscraper >
arranha-céus, hi-fi > alta fidelidade, science-fiction > ficção científica), e por
hibridismo, em que um neologismo é formado a partir de morfemas lexicais
de duas ou mais línguas diferentes (ex.: iceberg, do ing. ice, gelo + alem.
Berg, montanha; e agricultura, do gre. ager, campo + lat. cultura).

A manutenção de estruturas sintáticas do texto-fonte é utilizada


quando tais estruturas ou ordens sintáticas da língua-fonte coincidem com a
estrutura ou a ordem sintática da língua-alvo.

Ex.: Long time no see you!

Há quanto tempo não vejo você!

Neste exemplo, o número de palavras do texto-alvo não é o mesmo do


texto-fonte, portanto o procedimento não pode ser caracterizado como
tradução palavra-por-palavra. No entanto, a ordem estrutural permaneceu a
mesma. No texto-fonte temos [adj. adv. de tempo] + [adj. adv. de negação]
+ [verbo na 1ª pess. do sing.] + [obj. direto], exatamente a mesma
estrutura do texto de chegada.

No procedimento de manutenção do estilo do texto-fonte, podem ser


mantidos os sinais de pontuação do texto-fonte, o registro (formal, neutro,
informal), o layout (disposição gráfica dos elementos do texto na página), a
frequência de uso da voz passiva e/ou da voz ativa, o uso de coordenações
e/ou subordinações, o uso de marcadores do discurso (certo, agora, veja
bem, entende, quero dizer, dentre outros), o uso de referências dêiticas
(intratextuais, ou endóforas) através de pronomes dêiticos, sinonímia e
substituição lexical, e referências exóforas (cujos referentes não estejam
presentes no texto); o uso de adjetivação e a complexidade ou fluidez
estilística com que o texto-original tenha sido escrito.

Na manutenção de itens culturais da cultura-fonte, o tradutor decide


reproduzir o item cultural do texto-fonte no texto de chegada sem nenhuma
explicação ou explicitação. Isso ocorre principalmente quando o tradutor
julga que o item cultural presente no texto-fonte é compreensível ao
público-leitor do texto de chegada.

1.3 Descrição dos procedimentos domesticadores

1.3.1 Domesticação do sistema lingüístico

Os procedimentos de domesticação do sistema linguístico pressupõem


mudanças na estrutura do texto-fonte ao traduzi-lo à língua-alvo para que
se adeque à estrutura sintática e lexical da língua de chegada.

1.3.1.1 Transposição
Transposição é a mudança da ordem sintática de um ou dois
elementos sintáticos do texto-fonte. Ocorre por razões de obrigatoriedade
sintática ou pragmática da língua de chegada.

Ex. 1: Rick is a very tall man.

Rick é um homem muito alto.

Neste exemplo, o sintagma nominal [very tall] foi transposto da


posição anterior ao núcleo do sujeito no texto original para a posição
posterior ao núcleo do sujeito no texto de chegada. Aqui, a transposição é
pragmaticamente obrigatória, já que a sentença [Rick é um muito alto
homem] seria apragmática.

Ex. 2: German scientists discovered a new type of stem-cell on Friday.

Na sexta-feira, cientistas alemães descobriram um novo tipo de


célula-tronco.

Neste exemplo, a transposição do adjunto adverbial de tempo do fim


da sentença no texto-fonte para o início da sentença no texto-alvo não era
obrigatória. No entanto, a partir de observações de textos jornalísticos,
parece que, em português do Brasil, prefere-se colocar os adjuntos
adverbiais de tempo e lugar no início das sentenças, ao contrário do inglês
americano, em que os adjuntos adverbiais aparecem com mais frequência
no final das sentenças.

1.3.1.2 Modulação

A modulação ocorre quando a palavra do texto-fonte muda de classe


gramatical ao ser traduzida para a língua-alvo.

Ex. 1: Introducing the concept of gene.

Introdução ao conceito de gene.


Neste exemplo, a palavra [introducing], um verbo no gerúndio, é
modulada para um substantivo na língua de chegada.

A modulação também ocorre quando um verbo no gerúndio é


traduzido para o infinitivo ou vice-versa.

Ex. 2: Connecting the cables.

Como conectar os cabos.

1.3.1.3 Equivalência

O procedimento de equivalência é dividido em duas subcategorias –


equivalência de expressões idiomáticas, ditados e provérbios; e equivalência
funcional.

A equivalência de expressões idiomáticas, ditados e provérbios ocorre


quando há, na língua de chegada, uma expressão idiomática, ditado ou
provérbio com o mesmo valor semântico e que use os mesmos símbolos ou
alusões da expressão idiomática da língua-fonte.

Ex. 1: Not all that glitters is gold.

Nem tudo que reluz é ouro.

Ex. 2: Better late than never.

Antes tarde que nunca.

Ex. 3: Can you give me a hand?

Você pode me dar uma mão?

Nos dois primeiros exemplos, provérbios populares ingleses foram


traduzidos pelos correspondentes na língua portuguesa, que utilizam os
mesmos símbolos e possuem o mesmo valor semântico dos provérbios da
língua-fonte. No exemplo 3, a expressão idiomática [to give a hand] foi
traduzida pela sua correspondente em português, que utiliza igualmente o
mesmo referente [mão] e possui o mesmo valor semântico.

A equivalência funcional ocorre quando a expressão idiomática, provérbio ou


ditado da língua-fonte não possui correspondente na língua-alvo com os
mesmos símbolos e referentes, mas utiliza outros para chegar ao mesmo
valor semântico. Possuem, portanto, a mesma função semântica.

Ex. 4: The one who sleeps with dogs wakes up with fleas.

Quem se junta aos porcos, farelo come.

Ex. 5: The squeeky wheel gets the grease.

Quem não chora não mama.

No exemplo 4, o ditado popular foi traduzido por outro com a mesma


estrutura lógico-sintática, porém com outros referentes. No exemplo 5, o
ditado traduzido por equivalência funcional não possui a mesma estrutura
sintática, mas expressa o mesmo valor semântico-funcional.

1.3.1.4 Sinonímia

A sinonímia é utilizada quando o tradutor traduz um elemento lexical


do texto-fonte por um sinônimo na língua-alvo.

Ex. 1: My uncle used to play the accordion we he was young.

Meu tio tocava sanfona quando era jovem.

Neste exemplo, o tradutor decidiu utilizar um sinônimo para [accordion],


sanfona, no lugar de acordeon.

Ex. 2: Chelsea won the championship on the last round.

O Chelsea venceu o certame na última rodada.


Neste exemplo, o tradutor decidiu utilizar o sinônimo certame no lugar da
tradução imediata para championship, campeonato.

1.3.1.5 Paráfrase

A tradução por paráfrase ocorre quando o tradutor decide utilizar


estruturas mais longas e menos diretas para expressar, no texto-alvo,
elementos do texto-fonte. O eufemismo geralmente é construído a partir de
paráfrases.

Ex. 1: In my opinion, the President lied about the corruption scandal.

Na minha opinião, o presidente faltou com a verdade em relação


ao escândalo de corrupção.

Neste exemplo, o tradutor decidiu usar uma estrutura parafrástica


eufemística para expressar o verbo [to lie] do texto-fonte.

A paráfrase também ocorre quando uma estrutura sintática da língua-


fonte precisa ser traduzida por uma estrutura mais longa na língua-alvo.

Ex. 2: How proficient are you in Chinese?

Como você avalia seu grau de proficiência em chinês?

Aqui o tradutor utilizou uma estrutura parafrástica, portanto mais longa,


para expressar o mesmo valor semântico da estrutura sintética da língua-
fonte.

1.3.2 Domesticação do estilo

Os procedimentos de domesticação do estilo pressupõem mudanças na


estrutura estilística do texto-fonte para que se adeque à estrutura estilístico-
pragmática da língua-alvo.
1.3.2.1 Omissão

A omissão é utilizada quando o tradutor decide não traduzir para o texto-


alvo algum item lexical ou estrutura do texto-fonte.

Ex.: Capoeira, an interesting blend of dance and martial arts, is facing


gradual revival in Brazil.

A capoeira está passando por uma gradual revitalização no Brasil.

Aqui o tradutor decidiu omitir o aposto relacionado à capoeira no texto-alvo,


talvez por considerar que o público-leitor do texto traduzido não necessitava
da explicação dada no texto-fonte.

1.3.2.2 Explicitação

O procedimento de explicitação é utilizando quando o tradutor decide


acrescer ao texto-alvo alguma informação não expressa no texto-fonte.

Ex.: The IRS may collect over 2 billion dollars in taxes this year.

Este ano, a Receita americana deve arrecadar mais de 2 bilhões


de dólares em impostos.

Neste exemplo, o tradutor decidiu explicitar a informação de que se tratava


da Receita dos Estados Unidos, já que tal informação, subentendida no texto
original, daria a impressão, no texto-alvo, de que se tratava da Receita
Federal brasileira.

Ex. 2: Elite Squad was the Golden Bear Award-Winner in 2008.

O filme Tropa de Elite foi o vencedor do Urso de Ouro do Festival


de Cinema de Berlim em 2008.

Neste exemplo, o tradutor explicitou o item lexical filme e a informação de


que o prêmio foi concedido no Festival de Cinema de Berlim.
1.3.2.3 Generalização e especificação

Os procedimentos de generalização e especificação ocorrem quando o


tradutor utiliza, para traduzir um determinado item lexical do texto-fonte,
hiperônimos e hipônimos, respectivamente.

Ex. 1: When I opened the door, my palmtop was not there anymore.

Quando abri a porta, meu computador não estava mais lá.

Neste exemplbo, o tradutor utilizou generalização do termo palmtop, pois


usou o hiperônimo computador.

Ex. 2: The famous Brazilian “farofa” is made with fried flour and
sausages.

A famosa farofa brasileira é feita com farinha de mandioca e linguiça.

Aqui o tradutor decidiu especificar o tipo de farinha utilizada através de um


hipônimo, farinha de mandioca. O uso desse recurso pode ter ocorrido
porque o tradutor, de posse da informação que faltava no texto-fonte,
considerou que era seu dever incluí-la no texto-alvo.

1.3.2.4 Compensação

Compensação é a tentativa, por parte do tradutor, de utilizar o mesmo


recurso estilístico usado no texto-original, porém com referentes ou símbolos
diferentes. A compensação é ibidem quando ocorre no mesmo lugar
(parágrafo ou período) onde o recurso estilístico reproduzido do texto-
original se encontra; e alibi quando o tradutor, vendo-se impossibilitado de
reproduzir o mesmo recurso estilístico do texto-original no mesmo lugar em
que aparece, decide fazê-lo em outro parágrafo ou outro período do texto-
alvo. A compensação é utilizada geralmente quando há, no texto-fonte,
incidências de jogos de palavras, rimas e anedotas.
Ex.: “You sit here and car.”

“OK, what kind of car am I?”

“A 280-Zit.”

“Você fica aqui e finge que é um carro”

“Tá certo, e que tipo de carro eu sou?”

“Um Mercedes Classe A-cne.”

No diálogo acima, retirado de um filme de comédia americano, dois irmãos


estavam conversando sobre a promissora carreira de modelo de Kate, a
irmã. A menina queria treinar para o próximo trabalho que iria realizar, o de
modelo numa exposição de automóveis. Para tanto, ela pede que o irmão
finja ser um carro (…you sit here and car.), a fim de que possa fazer as
poses de modelo. O irmão adolescente pergunta a Kate que tipo de carro ele
seria, ao que ela responde 280-Zit, uma alusão ao Datsun 280Z, um carro
luxuoso conhecido do público norte-americano, acrescido do jogo de palavra
[Z  zit], uma alusão ao fato de o irmão ser um adolescente cheio de acnes.
Ao traduzir, o tradutor, vendo-se impossibilitado de usar o mesmo referente
para produzir o jogo de palavras, decidiu usar o Mercedes Classe-A, um
carro igualmente luxuoso e conhecido do público-leitor brasileiro, com o qual
poderia construir a polissemia utilizando a palavra acne, mantendo assim a
comicidade do texto original.

1.3.2.5 Reconstrução

O procedimento de reconstrução pressupõe mudanças na ordem


sintática e na estrutura estilística de toda a sentença (reconstrução sintática)
ou na estrutura lógico-semântica da sentença (reconstrução semântica) a
fim de manter o valor semântico do texto-fonte.
Ex. 1: We examined the patients after taking the prescribed medicine
and came to the conclusion that the substances utilized are
harmless.

Os pacientes foram examinados após tomarem a medicação


prescrita e chegou-se à conclusão de que as substâncias
utilizadas são inofensivas.

Neste exemplo, a voz ativa do texto-fonte foi reconstruída para a voz


passiva no texto-alvo.

Ex. 2: Specialists are convinced that the WTC Twins were demolished
rather than crashed down by the airplanes.

Os especialistas estão convencidos de que a causa da queda das


torres gêmeas foi implosão, e não a colisão com os aviões como
antes se pensava.

Neste exemplo, o tradutor reconstruiu sintaticamente todo a oração


subordinada objetiva indireta, substantivando os verbos demolish e crash,
acrescentando o substantivo causa, o verbo-cópula ser e o predicativo do
sujeito, além de uma oração adverbial no final do período. Esse tipo de
construção mais nominalizada que verbalizada é muito comum em textos
jornalísticos no Brasil. No inglês, a tendência parece ser inversa – os jornais
em língua inglesa, de acordo com nossa observação, parecem preferir a
verbalização.

Ex. 4: The father arrived, hugged his daughter and kissed her in the
mouth.

Ao chegar, o pai deu um abraço em sua filha e a beijou na testa.

No exemplo 4, o tradutor decidiu reconstruir semanticamente o período e


substituiu o referente boca por testa. Ao ser indagado sobre o porquê da
escolha, o tradutor em questão afirmou que, no Brasil, é muito incomum um
pai dar um beijo na boca de sua filha de 15 anos e preferiu usar uma
estrutura semântica que não chamasse a atenção dos leitores, mais
“neutra”.

Ex. 5: Oh, your test was not bad at all, Alex.

Alex, sua prova está muito boa.

No exemplo 5, o tradutor decidiu reconstruir o vetor de sentido negativo do


texto-fonte e transformá-lo num texto-alvo com vetor de sentido positivo,
utilizando para tanto o procedimento de reconstrução semântica.

1.3.2.6 Equivalência estilística

A equivalência estilística, também conhecida como melhoria, é usada quando


o tradutor inclui no texto padrões retóricos relacionados com a tipologia
textual a qual o texto pertence. Esse recurso é utilizado geralmente para
explicitar características estilísticas da tipologia textual não presentes no
texto-fonte.

Ex.: The little girl said she was carrying a basket of food to her
grandmother.

A menininha disse que estava levando uma cesta de doces para


a vovozinha.

Neste exemplo, o tradutor utiliza o procedimento de equivalência estilística


para traduzir basket of food por cesta de doces e grandmother por
vovozinha. Após identificar que o texto-fonte pertence à tipologia textual
conto infantil, o tradutor decidiu explicitar, no texto-alvo, padrões retóricos
pertencentes a essa tipologia que não estavam explícitos no texto-fonte.

1.3.2.7 Mudança de registro


A mudança de registro ocorre quando o tradutor decide traduzir um
texto com registro informal para linguagem formal (ou neutra) ou vice-
versa.

Ex.: Hey, asshole, I’m going to bust your head all over this fucking
parking lot!

Ei, seu babaca, eu vou estourar seus miolos por toda essa droga
de estacionamento!

Neste exemplo, o tradutor evitou utilizar palavras ofensivas de baixo calão e


decidiu “neutralizar” o registro do texto. No entanto, essa decisão nem
sempre cabe ao tradutor. As agências de tradução que prestam serviços de
tradução para dublagem e legendagem de material áudio-visual, por
exemplo, possuem regras estritas de uso de palavras de baixo calão e
coloquialismos. Os tradutores que trabalham para tais agências precisam
seguir os manuais de estilo fornecidos pelas empresas.

1.3.2.8 Mudança de complexidade/fluidez estilística

O procedimento de mudança de complexidade/fluidez estilística é mais


amplo, e sua observação pressupõe a análise de todo o texto traduzido. A
mudança na complexidade estilística do texto é alcançada através do uso de
outros procedimentos tradutórios domesticadores do sistema linguístico, do
estilo e da realidade extralinguística. Esse procedimento é utilizado quando,
por alguma razão, o tradutor ou o cliente consideram que o texto original é
complexo ou simples demais estilística ou semanticamente e o público-leitor,
por essa razão, não o aceitaria naturalmente.

1.3.2.9 Adaptação

O procedimento de adaptação também só pode ser observado a partir


de uma análise de todo o texto traduzido e é alcançado através de outros
procedimentos descritos neste trabalho. A adaptação ocorre, por exemplo,
quando um texto originalmente escrito para o público adulto é traduzido
para ser publicado para o público infantil, ou quando o texto-fonte foi escrito
originalmente para o cinema e é traduzido para ser publicado como
romance. A adaptação pressupõe mudanças profundas no estilo do texto,
adaptando-o ao novo contexto editorial e/ou ao público ao qual se destinará
a tradução.

1.3.3 Domesticação da realidade extralinguística.

Os procedimentos de domesticação da realidade extralinguística


implicam mudanças ou substituições dos itens culturais e referências
exóforas presentes no texto-fonte.

1.3.3.1 Transferência

Transferência é a substituição de um item cultural do texto-fonte num


item cultural de mesma função no texto-alvo.

Ex. 1: Mount McKinley has the height of 135 Statues of Liberty.

O Monte McKinley possui a altura equivalente a 165 estátuas do


Cristo Redentor.

Neste exemplo, o tradutor decidiu substituir a referência à Estátua da


Liberdade por uma referência mais próxima do público-alvo, já que muito
mais brasileiros têm idéia aproximada da altura do monumento ao Cristo
Redentor que da Estátua da Liberdade novaiorquina.

Ex. 2: My daughter is going to throw a great party at her Sweet 16.

Minha filha vai dar uma grande festa nos seus 15 anos.
No exemplo 2, o tradutor decidiu substituir o referente à festa de debutantes
aos 16 anos nos EUA e Inglaterra pela referência à tradição latina de
celebrar o começo da idade adulta aos 15 anos.

Ex. 3: Jesus é o Cordeiro de Deus.

Jesus é a Foca de Deus. (tradução da Bíblia para a língua Ynuit)

No exemplo 3, os tradutores da Bíblia para a língua Ynuit dos esquimós


habitantes do Norte do Canadá e Groenlândia expressam sua preferência
pela domesticação através de transferência de itens culturais dos judeus
palestinos para itens conhecidos de fácil compreensão dos esquimós que
possuem as mesmas importância e função nas duas culturas.

1.3.3.2 Explicação

O procedimento de explicação é utilizado quando o tradutor


acrescenta, no texto-alvo, um aposto elucidando a composição ou função de
um determinado elemento da cultura a que pertence o texto-fonte. A
explicação pode vir entre parênteses ou entre vírgulas (explicação
intratextual), ou em nota de rodapé, nota do tradutor (NdT), nota de fim de
livro ou no prefácio (explicação paratextual). As edições da Bíblia para
estudo contêm muitas explicações paratextuais sobre termos-chave das
línguas dos originais para acrescentar elucidações sobre polissemias e
implicações não expressas pela tradução.

1.3.2.3 Ilustração

O procedimento de ilustração é utilizado quando o tradutor acrescenta ao


texto formas gráficas, ícones ou desenhos/fotos para tornar clara a tradução
do texto-fonte. Este procedimento é geralmente utilizado em manuais
técnicos, em que fotos dos aparelhos, botões, substâncias ou materiais
referidos no texto-fonte aparecem ao lado de seus referentes.
As descrições dos procedimentos técnicos de tradução independem de
qualquer julgamento quanto à legitimidade ou à adequação de uso. O
emprego de cada procedimento é altamente dependente do contexto
tradutório e das personagens envolvidas no contrato de tradução. Cabe aos
pesquisadores de tradução, principalmente aos que realizam pesquisas
cognitivas através de protocolos verbais e textuais, investigar como e por
que os procedimentos são utilizados nos mais diversos contextos
tradutórios, tanto em tradução técnica como em tradução literária.

Por fim, é possível dizer que as fronteiras entre os procedimentos não são
estáticas e por vezes podem se apresentar congruentes. Procedimentos de
transposição e reconstrução podem se confundir em determinadas situações,
os limites da adaptação e da mudança de registro podem não se apresentar
claros, os procedimentos de paráfrase e explicitação podem, em
determinados contextos, ser considerados congruentes, dentre muitos
outros problemas de análise detectados. Cabe ao pesquisador e ao crítico de
tradução estabelecer essas fronteiras onde a tabela aqui apresentada possui
hiatos.

Abstract: This article presents a new, recategorized and enlarged table of


translation procedures based on the previous works of Barbosa (1990) and
Lanzetti (2006). The procedures were categorized according to the
translation paradigms proposed by Schleiermacher (2001a & b), namely –
the foreignizing and domesticing translation paradigms. Based on this
recategorization, we redefine existing translation procedures and include
others as of the analysis of translations done by translators in training and
professional translators collected within the years of 2006 and 2008.

Key words: translation, translation procedures, Schleiermacher

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARBOSA, Heloisa Gonçalves. Procedimentos técnicos da tradução: uma


nova proposta. Campinas: Pontes, 1990
CATFORD, J. C. A linguistic theory of translation. Oxford: Oxford University,
1965

LANZETTI, Rafael. Domesticação e Estrangeirização nas Estratégias e


Procedimentos Tradutórios de Tradutores Aprendizes. Rio de Janeiro: UFRJ,
Faculdade de Letras. Dissertação de Mestrado do Programa Interdisciplinar
de Lingüística Aplicada, 2006

NEWMARK, Peter. Approaches to translation. Oxford: Pergamon, 1981

NIDA, Eugene. Toward a science of translating: with special reference to


principles and procedures involved in Bible translating. Leiden: Brill, 1964

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In: BROWER, Reuben A. On translation. Nova Iorque: Oxford University,
1966

SCHLEIERMACHER, Friedrich E. Über die verschiedenen Methoden des


Übersezens, 2001a. In: HEIDERMANN, Werner (org.) Antologia: Clássicos da
teoria da tradução. Vol. 1: alemão-português. Florianópolis: Editora UFSC, p.
27-86, 2001a

SCHLEIERMACHER, Friedrich E. Sobre os diferentes métodos de tradução.


Trad.: Margarete von Mühlen Poll, 2001b. In: HEIDERMANN, Werner (org.)
Antologia:

Clássicos da teoria da tradução. Vol. 1: alemão-português. Florianópolis:


Editora UFSC, p. 26-87, 2001

VÁZQUEZ-AYORA, G. Introducción a la traductología: curso básico de


traducción. Washington: Georgetown University, 1977

VINAY, J.-P. e DARBELNET, J. Stylistique comparée du français et de


l’anglais: méthode de traduction. Paris: Didier, 1977

 Edições
o Edição número 7 – 2009
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MÉTODOS EM TRADUÇÃO
TRADUÇÃO COMUNICATIVA
Tem como objectivo tornar a mensagem mais acessível ao destinatário.
A tradução, segundo este método, realiza-se na perspectiva do
destinatário. É, portanto, mais um ofício que uma arte.

Características mais relevantes:

- é melhor que o original, na medida em que ganha em força e clareza,


embora perca em estilo;

- permite corrigir ou melhorar o enunciado, dando esclarecimentos em


notas de rodapé.

- suprime ambiguidades ou faltas de clareza

- elimina repetições;

- elimina ou clarifica a gíria;

- normaliza o estilo do autor;

TRADUÇÃO SEMÂNTICA
Tem como objectivo recriar o texto respeitando o preciso sentido das
palavras. Este tipo de tradução preserva o estilo do autor.

Características mais marcantes:

- é inferior ao original, pois perde em clareza na transmissão da


mensagem;

- as correcções e aperfeiçoamentos são inadmissíveis;

- não requer adaptações culturais.

TRADUÇÃO INTERPRETATIVA

Tem como objectivo transmitir uma mensagem, após a apreensão


global do sentido. Permite reformulações, criando equivalentes
contextuais inéditos. Defende a tradução livre, desde que se respeitem as
intenções do texto de partida.

O texto é encarado como um todo (não se traduzem palavras, mas


um discurso determinado por uma situação, num contexto preciso).

A tradução é um acto de comunicação e de (re-) criação.

O sentido depende de factores linguísticos, extra-linguísticos e


situacionais, visto que o processo interpretativo se realiza ao nível da
língua em situação.

Este método pressupõe duas fases:


1. Interpretação global da mensagem;

2. (Re-)criação do texto na língua de chegada.

Na consecução desta 2a fase, dever-se-ão ter em conta os seguintes


aspectos:

- clareza de ideias;

- correcção ortográfica;

- pontuação;

- correcção gramatical;

- selecção adequada do vocabulário;

- nível de língua.

Vantagens deste método:

- os alunos associam palavras à intenção comunicativa;

- privilegia a espontaneidade, a capacidade comunicativa, mais do


que a correcção gramatical.

Inconvenientes deste método:

- dificuldades linguísticas grandes, quer na língua de partida, quer na


de chegada.

TRADUÇÃO COM BASE NA ANÁLISE DO DISCURSO


Tem como objectivo atender à globalidade do texto. Traduzir textos e
não palavras ou frases.

Principais conceitos:

- Coesão, isto é, a articulação entre as frases gramatical e lexicalmente;

- coerência, isto é, unidade nocional e lógica do texto.

Propriedades de um texto:

- estilo;

- intenção do texto;

- intenção do tradutor;

- tipo de texto;

- correcção formal e lexical;

- nível de língua;

- função da linguagem;

- pontuação;

- contexto epocal, situacional e referencial;

- sexo e idade do autor;


- situação do leitor;

- grau de formalidade/generalidade;

- características pragmáticas.

Conclusão:

Antes de escolher o método deve proceder-se à seguinte análise:

Tradução - Acto de comunicação

Contexto
Autor Destinatário situacional:

- Quem fala?

- A quem fala?

- Qual o objectivo?
- Qual o contexto?

TRADUÇÃO - DEFINIÇÕES
«A tradução boa é a que capta fielmente, a La traduction, c'est une succession
cem por cento, tudo exactamente como lá continuelle de prises de décision.
está, sem a preocupação do resultado
estético em Português, que nesses casos - En traduction écrite, 1'emploi du terme
pode não ser equivalente, nem se technique exact est un impératif.
aproximar do resultado estético na língua
original. (... traduzir) é conseguir um texto - La traduction de textes techniques ne se
equivalente; quando nos restringimos ramène pas exclusivement à la recherche
cegamente ao original, obtém-se um texto de correspondances pré-établies de termes
que diz o mesmo, talvez, mas que não está techniques.
dotado dos mesmos encantos orquestrais
que o original tem, portanto, não dá o - II n'y a pas une traduction idéale; il est
mesmo prazer na leitura.» très souvent possible d'exprimer un même
message de différentes façons.
(Expresso, 16-5-87)
- On ne traduit pas une succession de
mots, mais un message, des mots
successifs pris isolément qui le composent.

- On ne traduit pas pour comprendre, mais


on comprend pour traduire.
Faire que ce qui était énoncé dans une
- II y a 1'antériorité de la compréhension
langue le soit dans une autre, en tendant à
par rapport au passage à la langue
1'équivalence sémantique et expressive
d'arrivée.
des deux énoncés.
Fondement didactique de Ia traduction
Fondement didactique de Ia traduction
technique,
technique, Christine Durieux
Christine Durieux
Em nenhum caso, repetimos, será possível Podemos estabelecer, portanto, como regra
uma tradução sem objectivo bem definido fundamental da tradução a interpretação
e é este que, em todos os casos, determina que o receptor, dentro da sua situação,
a estratégia a adoptar para que tal deverá apreender da mensagem. Esta
objectivo seja obtido da melhor maneira teoria opõe-se frontalmente à tradicional
possível nas circunstâncias de chegada. tradução à letra.
Não é o texto de partida o factor
determinante, não o é a fidelidade a este, Esboço de Uma Teoria da Tradução, Hans
mas a "fidelidade" ao objectivo, à intenção Vermee
ao destino que se dá ao texto de chegada.
O factor central de cada tradução é o texto
de chegada.

Esboço de uma Teoria da Tradução, Hans


Vermeer
A tradução é pois a passagem de um texto
original, redigido numa língua de chegada.
Tem por fim dar a conhecer ao leitor o que
foi escrito numa língua estrangeira. Para
A tradução consiste em reproduzir na isso, o tradutor terá obviamente de
língua receptora a mensagem da língua de compreender para traduzir.
origem, por meio do equivalente mais
próximo e mais natural, primeiramente no Programa de Técnicas de Tradução, Ministério
que diz respeito ao sentido, em seguida no da Educação e Cultura, 10-10-79
que concerne ao estilo.
.
La traduçtion; théorie et méthode, C: Taber e E.
A. Nida, Londres, Ailiance Biblique
Universelle, 1971

PROPOSTA DE ACTIVIDADE

1- Ler atentamente os conceitos apresentados nos documentos

2- Deduzir as semelhanças e diferenças entre eles.

3- Apresentar as conclusões.

Tradutor e Intérprete

Natureza do Trabalho

Os tradutores e os intérpretes são os profissionais responsáveis pela transposição de textos


ou discursos de uma língua para outra, permitindo que pessoas que escrevem e falam em línguas
diferentes possam comunicar entre si. Apesar da maioria das pessoas julgar que ambos traduzem,
na realidade não é isso que acontece: em regra, enquanto o tradutor traduz textos escritos, o
intérprete interpreta discursos orais.

Os tradutores são os profissionais que traduzem textos de revistas, livros e documentos de


diferentes géneros, sejam estes de natureza literária, técnica ou científica. Para tal, lêem e
estudam o texto original, apreendem o seu sentido geral e, em seguida, procedem à sua tradução,
procurando respeitar com a máxima fidelidade possível as ideias e o pensamento nele presentes e
aplicando a terminologia mais correcta. Estes profissionais fazem também a tradução de
legendas de filmes, de peças de teatro, de desenhos animados e de programas audiovisuais, para
que estes possam ser sonorizados, dobrados ou legendados. Os tradutores que se dedicam à
legendagem de audiovisuais são também designados de marcadores de legendas.

Os intérpretes transpõem um discurso oral emitido numa língua para outra língua e funcionam
como elo de ligação entre pessoas que comunicam verbalmente entre si em idiomas diferentes.
As principais modalidades de interpretação existentes são a interpretação de acompanhamento, a
interpretação judicial e a interpretação de conferência. O intérprete de acompanhamento é o
profissional que, acompanhando determinada pessoa, interpreta em ambos os sentidos os
diálogos que esta estabelece com interlocutores que comunicam numa outra língua. A
interpretação judicial, por seu lado, é a interpretação que é realizada no âmbito de um julgamento
e a interpretação de conferência é a que tem lugar em reuniões multilíngues formais,
designadamente congressos, seminários, conferências, mesas-redondas, encontros ou jornadas.

Os intérpretes de conferência recorrem a dois métodos de trabalho distintos, consoante o tipo de


reunião: a interpretação consecutiva e a interpretação simultânea. A interpretação consecutiva é o
método mais adequado para as conversações que envolvem um número reduzido de idiomas e de
participantes, tais como pequenas reuniões técnicas entre especialistas. Nestes casos, o intérprete
de conferência encontra-se junto do orador, ouvindo a sua intervenção e tirando apontamentos;
em seguida, interpreta integralmente numa outra língua o discurso ocorrido, como se este fosse
seu (isto é, na primeira pessoa do singular). O modo simultâneo, por seu lado, é o método mais
adequado para encontros que envolvem um largo número de participantes, garantindo a
transposição quase imediata dos discursos orais. No modo simultâneo, a equipa de intérpretes
instala-se em cabinas (existem sempre, pelo menos, dois intérpretes por cada cabina), junto de
um microfone e com auscultadores, e ouve as intervenções faladas numa determinada língua,
transmitindo-as em outras línguas, ao ritmo a que são proferidas, para os ouvintes na sala. A
interpretação simultânea permite que os participantes num dado encontro multilíngue possam
ouvir e falar a sua própria língua durante toda a reunião.

Quer os tradutores quer os intérpretes necessitam de conhecer profundamente as línguas com as


quais trabalham, principalmente a sua própria língua. Conhecer a cultura dos países onde essas
línguas são faladas é também indispensável, nomeadamente no que se refere à sua actualidade
política, económica e social. É-lhes exigido, ainda, o respeito pelo sentido, estilo e espírito do
que traduzem ou interpretam. Os manuais técnicos, por exemplo, exigem ao tradutor o domínio
aprofundado de termos e expressões técnicas, sob pena de induzir em erro quem os lê. A
tradução de um poema requer um conhecimento profundo do seu autor, das respectivas obras e
da sua cultura: a linguagem poética baseia-se muito em imagens e metáforas e o tradutor tem que
saber reproduzi-las de forma perceptível e, simultaneamente, manter as suas características
literárias.

Os intérpretes, por seu lado, devem ter uma certa espontaneidade de expressão, dado que a
linguagem oral é, normalmente, mais informal que a escrita. Assim, é-lhes necessário conhecer
expressões quotidianas e de gíria existentes nos idiomas que dominam e que grande parte das
pessoas utiliza quando fala. Devem ter, ainda, uma grande capacidade de concentração e de
memória, treino auditivo e rápida compreensão dos discursos orais, de forma a não perderem
nenhuma informação: nas conferências, por exemplo, a maioria das pessoas não se lembra que as
suas intervenções estão a ser interpretadas, falando muito rapidamente (sobretudo se estiverem a
ler). Como agravante, os intérpretes nunca têm a hipótese de voltar a ouvir o que foi dito. É
essencial, por isso, que também tenham excelentes faculdades de análise e de síntese, de forma a
que, preservando a continuidade e o sentido dos discursos orais, consigam manter o ritmo da
intervenção, sem perder informação.
Nos últimos anos, a inovação tecnológica tem trazido algumas modificações ao desempenho
destes profissionais. Os tradutores, por exemplo, viram as suas tarefas facilitadas com a ajuda do
computador: Graças a ele, é-lhes possível trabalhar o texto com mais facilidade e podem instalar
software de apoio à sua actividade, como programas informáticos de tradução, dicionários
electrónicos e bases de dados terminológicas. Este tipo de software é bastante útil nas traduções
de textos que utilizam expressões muito técnicas e cujas terminologias não são muito familiares
ao tradutor. O Serviço de Tradução da Comissão Europeia, por exemplo, é um grande utilizador
de ferramentas informáticas linguísticas para a tradução assistida por computador. As
ferramentas que usa vão desde a tradução automática até aos dicionários terminológicos,
passando pelos sistemas de memórias de tradução, os quais gerem uma base de dados de frases
traduzidas anteriormente. O desenvolvimento informático levou também ao aparecimento de
software específico para a tradução e marcação de legendas, permitindo que estas duas tarefas
possam ser realizadas simultaneamente.

Tradutor e Intérprete

ONDE PODEM TRABALHAR?

De uma forma geral, os tradutores podem trabalhar para editoras livreiras, centros de
documentação, gabinetes de tradução, empresas ligadas à actividade turística e ao comércio
internacional e organismos estatais. Normalmente, a actividade destes profissionais é exercida
individualmente e em regime liberal (como trabalhadores independentes). Existem, todavia,
tradutores por conta de outrém nas entidades acima referidas e outros que optam por trabalhar
em conjunto e montam empresas ou gabinetes, com vista a prestar serviços às organizações que
necessitam ocasionalmente de trabalhos de tradução. Nos últimos anos, estes gabinetes têm tido
uma procura crescente devido ao aparecimento das televisões privadas que necessitam de
especialistas para a legendagem de filmes, programas e espectáculos estrangeiros. Mais
recentemente, a televisão por cabo - com programas legendados em português - veio também
criar mais hipóteses de trabalho. No mercado de trabalho internacional, os nossos tradutores têm
algumas hipóteses de trabalho (ainda que reduzidas) nas grandes organizações internacionais
multilíngues que utilizam o português como língua de trabalho, entre as quais se destacam as
instituições comunitárias. Estas organizações, além de empregarem tradutores permanentes,
recorrem também a tradutores independentes externos.

Tal como os tradutores, os intérpretes são procurados tanto por organismos nacionais e
organizações internacionais como por outras entidades que necessitam de recorrer
ocasionalmente aos seus serviços. As suas hipóteses de trabalhar como trabalhadores por conta
de outrém no mercado nacional são, no entanto, muito mais difíceis, uma vez que praticamente
não existem entidades empregadoras nacionais que tenham intérpretes a tempo inteiro ao seu
serviço, sendo os intérpretes de conferência particularmente afectados por esta situação. Em
Portugal, os serviços dos intérpretes de conferência que trabalham como profissionais liberais
são procurados por instituições públicas e entidades privadas que organizam conferências
internacionais no país e no estrangeiro (empresas, ministérios, organizações e associações
patronais, sindicais e profissionais, etc.).
No mercado internacional, as oportunidades de trabalho dos intérpretes de conferência resumem-
se às organizações internacionais com sede no estrangeiro onde as suas línguas de trabalho são
necessárias. As organizações internacionais que têm o português como língua de trabalho não
são muitas, mas existem algumas que necessitam de intérpretes com o português como língua
passiva (língua a partir da qual interpretam para outros idiomas). De entre as potenciais entidades
empregadoras de intérpretes de conferência de língua portuguesa, destacam-se as instituições da
União Europeia, o Conselho da Europa e as instituições das Nações Unidas. Tal como acontece
com os tradutores, estas organizações recrutam os intérpretes de conferência mediante concurso.
Como também precisam de recorrer a serviços externos de interpretação, estas organizações
criam, ainda, possibilidades de trabalho aos intérpretes de conferência que trabalham como
independentes, regra geral, submetendo-os a um teste.

No nosso país, o acesso às actividades de tradução e de interpretação não está por enquanto
regulamentado, pelo que nada impede que pessoas sem a qualificação apropriada exerçam estas
actividades. De facto, quem necessita de serviços de tradução e de interpretação opta, por vezes,
por contratar pessoas que, apesar de saberem falar ou escrever correctamente na língua materna e
em línguas estrangeiras, não são competentes para assegurar o elevado nível de qualidade e rigor
destes serviços, pois não detêm as capacidades pessoais nem os conhecimentos técnicos e
linguísticos que são exigidos. Apesar do mercado de trabalho dos tradutores e dos intérpretes
especializados não estar saturado - existe procura de serviços de qualidade -, esta situação traz-
lhes dificuldades, pois têm de enfrentar uma mão-de-obra não qualificada que lhes retira algumas
oportunidades de trabalho.

Em Portugal, a localização geográfica destes profissionais centra-se nos grandes centros urbanos
(com destaque para Lisboa e Porto), pois é aí que existe maior necessidade dos seus serviços. No
plano internacional, a procura de tradutores e intérpretes de língua portuguesa localiza-se
principalmente em Bruxelas, dado que é nesta cidade belga que está situada a maioria das
instituições da União Europeia onde o português é uma das línguas oficiais de trabalho.

Tradutor e Intérprete

CURSOS
Os cursos superiores existentes na área da tradução e da interpretação são, nomeadamente, os
seguintes:

A- Ensino Público:

1- Bacharelato + Licenciatura

- Tradução
. Escola Superior de Educação de Faro da Universidade do Algarve

. Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico de Leiria

2- Bacharelato

- Tradução e Relações Internacionais

.Escola Superior de Educação de Castelo Branco do Instituto Politécnico de Castelo Branco

B- Ensino Particular e Cooperativo

1- Licenciaturas:

- Tradução

. Instituto Superior de Línguas e Administração (Lisboa e Leiria)

- Tradutores e Intérpretes

. Univ. Autónoma de Lisboa Luís de Camões

. Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (Lisboa)

- Tradução e Interpretação em Línguas Modernas

. Instituto Superior de Línguas e Administração (Santarém)

- Ciências da Tradução e Cultura Comparada

. Instituto Superior de Línguas e Administração (Vila Nova de Gaia)

2- Bacharelato + Licenciatura

- Tradução e Interpretação

. Instituto Superior de Assistentes e Intérpretes (Porto)

Fonte: Guia de Acesso ao ETradutor e Intérprete

COMPLEMENTO DE FORMAÇÃO
Apesar de incluírem matérias consideradas úteis para o exercício das actividades de
tradução e de interpretação, a opinião das associações profissionais que representam os
tradutores e os intérpretes de conferência é a de que, de uma forma geral, estes cursos precisam
de ser complementados com uma formação prática adequada às necessidades do mercado de
trabalho, aos requisitos impostos pelas organizações internacionais e à complexidade das funções
inerentes a estas profissões. De acordo com estas associações, quem queira ser um profissional
especializado em tradução e/ou interpretação deve complementar o máximo possível a sua
formação, nomeadamente através da frequência de intercâmbios universitários em países
estrangeiros e da realização de cursos de aperfeiçoamento, no país e no estrangeiro.

Em Portugal, e na área da tradução, além dos cursos acima referidos, existem, ainda, cursos em
Línguas e Literaturas Modernas, com opções curriculares em Tradução. Quem pretenda
aprofundar os seus conhecimentos técnicos e linguísticos tem ao seu dispor diversas formações
em Tradução (cursos de especialização, pós-graduações, mestrados, etc.), destinadas a
diplomados na área e/ou a tradutores profissionais. Além da formação académica, os estudantes e
os profissionais desta área devem recorrer também à auto-aprendizagem, procurando obter
conhecimentos por outras vias. Com esse objectivo, devem-se equipar com todos os meios
formativos auxiliares possíveis, designadamente livros e dicionários de consulta e de
investigação, bem como software de apoio a trabalhos de tradução.

A necessidade de complementar a formação académica também é comum aos intérpretes, mas é


na área da interpretação de conferência que ela é maior. De acordo com as associações
profissionais portuguesas que representam os intérpretes de conferência, a preparação académica
óptima para o exercício desta profissão consiste numa licenciatura seguida de uma pós-
graduação ou uma especialização em interpretação de conferência. Em Portugal, a única oferta
formativa que existe a este nível é o Curso de Especialização em Interpretação de Conferência,
ministrado pelo Instituto de Letras e Ciências Humanas da Universidade do Minho.

A escolha das línguas de trabalho deve ser muito bem pensada e feita de acordo com as
necessidades do mercado de trabalho e com o trajecto profissional que se pretende percorrer. Um
primeiro factor a ter em conta é que as oportunidades de trabalho são tanto maiores quanto maior
o número de línguas com as quais se trabalha: quem domine mais do que uma língua estrangeira
pode, à partida, aceitar mais trabalhos do que aquele que só conhece apenas uma língua
estrangeira. Por outro lado, deve-se procurar obter uma combinação linguística menos vulgar. Na
área da tradução, o mercado de trabalho está sobretudo saturado de profissionais que dominam
somente o inglês e/ou o francês, pelo que é aconselhável saber trabalhar com outras línguas. Na
área da interpretação, e apesar de alguma saturação, esta combinação linguística continua a ser a
mais procurada. Contudo, é conveniente - embora não seja indispensável - poder trabalhar com
duas línguas activas (línguas para as quais se interpreta) e dominar pelo menos mais uma
terceira, passiva.

No mercado de trabalho internacional, e sobretudo para quem deseje vir a ser intérprete de
conferência, a combinação linguística mais procurada nos intérpretes de língua portuguesa é o
inglês, o francês e uma terceira língua estrangeira menos habitual. Atendendo às necessidades
das instituições europeias, esta terceira língua pode ser o alemão, o dinamarquês, o neerlandês
(que compreende o holandês e o flamengo), o sueco, o grego ou o finlandês. No plano
internacional, em geral, existe também uma procura crescente de intérpretes que trabalhem com
as línguas faladas na Europa central e oriental (russo, polaco, checo, húngaro, etc.) e com aquelas
que registam uma crescente projecção internacional, tais como o árabe, o chinês ou o japonês.

Tendo em conta que são chamados a trabalhar sobre os mais diversos temas, é fundamental que
tanto os tradutores como os intérpretes desenvolvam, além das suas competências linguísticas, a
sua cultura geral. Os textos que traduzem ou os discursos que interpretam podem ser dedicados a
áreas tão diversas como economia, agricultura, direito, engenharia, informática ou medicina e é
importante que estes profissionais estejam familiarizados com a terminologia utilizada no âmbito
dessas matérias, de forma a compreenderem com facilidade o que é dito ou escrito e a
preservarem o seu sentido. É essencial, por isso, que tenham curiosidade intelectual, que
investiguem sobre o maior número possível de assuntos e procedam a uma actualização diária de
conhecimentos. As expressões e os termos técnico-científicos devem ser alvo de uma pesquisa
mais atenta, pois são muito específicos e não são utilizados na linguagem comum. Além disso, à
medida que o conhecimento científico vai evoluindo, é habitual surgirem novas palavras. Em
Portugal, as áreas de medicina, engenharia, economia e direito são aquelas em que existe uma
maior quantidade de trabalhos de tradução e de interpretação, pelo que o conhecimento da
linguagem utilizada nestas áreas pode constituir uma importante mais-valia no mercado de
trabalho.

nsino Superior - Candidatura/98TRADUTORES E INTÉRPRETES

Condições de Trabalho

Os tradutores desenvolvem habitualmente a sua actividade num gabinete, em casa ou nas


instalações da entidade contratante, onde reúnem os seus instrumentos de trabalho, tais como um
computador (preferencialmente com correio electrónico e Internet), modem, fax, livros,
dicionários e outros utensílios e documentação que considerem necessários à sua actividade
profissional. O seu ritmo de trabalho é flexível e a sua carga horária semanal é variável, dado que
estes profissionais gerem o seu tempo em função do número de trabalhos e dos prazos de
conclusão e entrega dos mesmos. Um dos aspectos que distingue claramente a sua actividade da
dos intérpretes é o facto de que, ao contrário destes, os tradutores dispõem de tempo suficiente
para proceder às consultas bibliográficas necessárias à obtenção de um texto final técnica e
linguisticamente correcto.

A actividade de interpretação, por seu lado, encontra-se associada a uma forte componente de
imprevisibilidade, o que obriga o intérprete a preocupar-se sobretudo com a mensagem essencial
do discurso transposto e não tanto com a sua transposição integral. Esse factor leva também a
que esta profissão seja muito exigente do ponto de vista físico e mental, pois o intérprete
necessita de estar altamente concentrado e de acompanhar o ritmo das intervenções, ouvindo e
falando ao mesmo tempo. Por esta razão, a resistência física e uma boa saúde constituem
requisitos importantes para quem pretenda exercer esta profissão. Ser intérprete significa, ainda,
estar disponível para se ausentar de casa, pois é uma profissão com um elevado índice de
mobilidade geográfica. Por outro lado, podem desenvolver a sua actividade nos mais diferentes
ambientes de trabalho: quando fazem interpretação consecutiva podem trabalhar ao ar livre,
enquanto na interpretação simultânea trabalham em cabinas (as quais devem reunir determinadas
condições técnicas e estar preparadas para acolher, pelo menos, duas pessoas).

A flexibilidade de horário dos intérpretes varia muito em função do tipo de serviço que prestam.
Uma equipa de intérpretes de conferência, por exemplo, pode ser chamada para trabalhar numa
conferência de imprensa com uma duração de apenas 45 minutos, no período da manhã, e ser
solicitada para interpretar uma delegação durante uma visita, no período da tarde. Em
conferência, os intérpretes possuem horários mais rígidos, acompanhando os ritmos das sessões
de trabalho (máximo 2 x 3,5 horas/dia), geralmente intervaladas com pausas para refeições e
café.

Tradutor e Intérprete
Remunerações

Os preços cobrados pelos tradutores são determinados em função do idioma (uns são mais bem
cotados que outros, consoante se tratem de línguas vivas ou línguas mortas) e do tipo de
linguagem que se está a traduzir (corrente, literária ou técnica). O pagamento total do serviço é
efectuado com base no número de linhas ou de páginas traduzidas. Os valores normalmente
cobrados por estes profissionais são os seguintes:

Tipo de Linguagem: Por página (30 linhas, 60 caracteres cada)

Literária Corrente: Técnica:


de 1.940$00 a 3.000$00 de 5.400$00 a 8.550$00 de 6.000$00 a 9.750$00

Fonte: Associação Portuguesa de Tradutores (APT)

Os preços cobrados nas traduções para legendagem variam entre os 2,50 € e os 5 € por cada
minuto de audiovisual televisivo. Caso se trate de legendagem para cinema, o valor pago varia
entre os 20 € e os 30 € por cada dez minutos. As revisões de textos obedecem à tabela de preços
praticada para as traduções. São ainda cobradas importâncias extraordinárias, quando os
trabalhos necessitam de ser executados e entregues num período inferior a 48 horas (+50%) e
quando se realizam traduções a partir de gravações (+30%). As retribuições dos tradutores com
vínculo à função pública (por exemplo, que trabalham em ministérios) são muito variáveis, pois
dependem da carreira e do escalão em que estão integrados. No mercado internacional, e embora
estes valores variem, os tradutores que prestam serviços externos às instituições comunitárias
podem ganhar cerca de 2000/2500 €. Caso sejam funcionários permanentes, o seu vencimento-
base em início de carreira ronda, normalmente, os 3500/4000 € mensais.
Tal como os tradutores, os intérpretes que trabalham nas instituições comunitárias são
normalmente bem remunerados. Os intérpretes de conferência independentes que são recrutados
pelas organizações internacionais para prestação de serviços são pagos segundo uma tabela de
honorários constante de acordos negociados pela Associação Internacional de Intérpretes de
Conferência (AIIC). Segundo essa tabela, recebem uma retribuição líquida na ordem dos
250/300 € por cada dia de trabalho, embora este valor varie ligeiramente consoante a experiência
profissional e a instituição a que se presta serviços. Além disso, recebem ajudas de custo para
fazer face às despesas de alojamento, transporte e alimentação.

No mercado nacional, a quase totalidade dos intérpretes é profissional independente, pelo que os
honorários cobrados variam mais. Os profissionais com maior experiência, porém, tendem a ter
como referência os honorários praticados pelas organizações internacionais, dependendo as
ajudas de custo dos valores negociados com o cliente. Apesar dos serviços prestados pelos
intérpretes poderem ser considerados caros, tal não significa que os seus rendimentos mensais
sejam elevados, pois as suas oportunidades de trabalho não surgem todos os dias - o mesmo
acontece com os tradutores.

Tradutor e Intérprete
Perspectivas

Actualmente, as profissões de tradutor e de intérprete desempenham um papel importante no


funcionamento das sociedades modernas, dado que estas necessitam cada vez mais de comunicar
entre si, em virtude de fenómenos generalizados como a internacionalização da economia, a
rapidez da circulação da informação pelo mundo ou o crescimento da concertação entre países
perante questões mundiais (como a defesa do ambiente ou o respeito pelos direitos humanos, por
exemplo). Neste contexto, o mercado de trabalho para os tradutores e intérpretes é bastante
variado e apresenta boas perspectivas, havendo uma série de possibilidades de trabalho a
considerar.

Contudo, as novas exigências do mercado de trabalho, aliadas ao crescente número de pessoas


que conhecem e utilizam línguas estrangeiras, têm conduzido a uma crescente especialização
destas profissões. Deste modo, quem inicia uma carreira de tradutor e/ou de intérprete deverá
contar com um mercado de trabalho exigente e cujo acesso não é garantido pelo mero
conhecimento de línguas estrangeiras. Deverá adquirir, por isso, técnicas especializadas em
tradução e/ou interpretação e é essencial que invista em conhecimentos técnicos e conhecimentos
gerais, através, por exemplo, de estágios curriculares e profissionais no país e no estrangeiro e de
um esforço constante na investigação e na auto-formação.

O domínio aprofundado de um maior número possível de línguas estrangeiras é, entre outros, um


trunfo importante que pode aumentar as hipóteses de trabalho. Apesar do inglês e do francês
continuarem a ser línguas bastante requisitadas, a oferta dos que trabalham com esses idiomas é
elevada, pelo que é aconselhável estudar outras línguas, nomeadamente as utilizadas
oficialmente na União Europeia, bem como as que se prevêem vir a sê-lo, com a integração de
novos membros comunitários.

BOM TRADUTOR É AQUELE QUE:

A- CONHECIMENTOS PRÉVIOS

1- Possui conhecimentos profundos da língua de partida e da língua de chegada;

2- Possui conhecimentos igualmente profundos da cultura e civilização dos países


considerados (parâmetros extra-linguísticos)

3- Tem uma cultura geral razoavelmente vasta;

4- Sabe documentar-se - (Pesquisa documental ou temática em livros especializados


(direito, política, sociologia…), obras de divulgação, catálogos, artigos de jornais
… ) e (Pesquisa terminológica na língua de origem e de chegada (bancos de dados
terminológicos que podem ser solicitados a outros tradutores))

5- Sabe manusear bem os dicionários: bilingues e unilingues

B- RECEPÇÃO DO TEXTO:

6 - Analisa o discurso: dados sobre o autor, o/os tema(s) tratado(s), a época da


redacção, as circunstâncias históricas, a intenção do autor, o público alvo, o tipo de
texto…

7- Analisa os aspectos linguísticos: traduz-se uma mensagem e não palavras (o


sentido e não as palavras) daí ser necessário:

- limitar e clarificar a situação descrita pelo autor;

- analisar o estilo e o nível ou níveis de língua;

- delimitar elementos de sentido (unidades de sentido);

- neutralizar as polissemias, pelo contexto ou situação;


C- PRODUÇÃO DO TEXTO

8- Toma decisões (o tradutor é um criador; tem de reformular uma mensagem de


um texto de partida numa linguagem inteligível, precisa, idiomática e inédita na
língua de chegada);

D- VERIFICAÇÃO/AVALIAÇÃO DA TRADUÇÃO:

9- Faz uma leitura em voz alta do texto de chegada a alguém que não conheça o texto
de partida (eliminação de interferências, ambiguidades …);

10- Compara traduções entre si e/ou em relação ao texto de partida (verifica o


funcionamento das duas línguas)

TRADUTORES E INTÉRPRETES

Existem várias entidades que podem fornecer informações adicionais sobre esta profissão,
nomeadamente:

Associação Portuguesa de Tradutores (APT), R. de Ceuta, 4-B, Gar. 5, 2795 Linda-a-Velha, Tlf.
(01) 4198255.

E-mail: apt@mail.telepac.pt Web site: http://www.apt.pt

Associação Profissional dos Intérpretes de Conferência de Portugal (APROFIC), Apartado 1117,


1053-001 Lisboa.

E-mail: aproficportugal@hotmail.com e aiicportugal@hotmail.com

Associação Portuguesa. de Intérpretes de Conferência (APIC), Apartado 12091, 1057 Lisboa


Codex.

Sindicato Nacional da Actividade Turística, Tradutores e Intérpretes (SNATTI), R. do Telhal, 4 -


3.º Esq.º, 1150 Lisboa, Tlf. (01) 3467170/3423298.
Associação Internationale des Interprètes de Conférence (AIIC), 10, Avenue de Sécheron, Ch -
1202 Genève, Suisse, Tlf. (00.41.22) 9081540,

E-mail: aiic@compuserve.com Web site: http://www.aiic.net

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EM QUADRINHOS: O DESAFIO PARA


TRADUTORES-MARAVILHA
Eduardo de Carvalho Cassimiro
1
Resumo: O objetivo deste trabalho é estabelecer uma relação entre as
variantes lingüísticas e as identidades dos personagens, mediante a tradução
— para o português — da história em quadrinhos ―The Challenge of the
Gods Begins‖, cuja protagonista é a super-heroína Mulher--Maravilha. Os
trabalhos de Preti (1982), Cortiano (1991), Passarelli (1995), Bakhtin
(1997), Eguti (1999), Sayão (2001), Arrojo (2002), Barbosa (2004),
Cassimiro (2004), Gusman (2005) e outros constituem a fundamentação
teórica dos autores. Os resultados parecem demonstrar que o apoio teórico
(oriundo dos estudos de sociolingüística, gêneros textuais, histórias em
quadrinhos, teorias e procedimentos técnicos de tradução e língua
portuguesa) pode contribuir para o aprimoramento da percepção de como as
variantes lingüísticas e imagéticas são usadas na construção da identidade
dos personagens.
Palavras-chave: tradução, história em quadrinhos, variante lingüística,
identidade, Mulher-Maravilha.
Abstract: This paper aims at establishing a relation between linguistic
variation and character identity through the translation — into Portuguese —
of the comic book story ―The Challenge of the Gods Begins‖, starred by
superheroine Wonder Woman. The authors‘ theoretical bases are the studies
by Preti (1982), Cortiano (1991), Passarelli (1995), Bakhtin (1997), Eguti
(1999), Sayão (2001), Arrojo (2002), Barbosa (2004), Cassimiro (2004),
Gusman (2005) and other scholars. The evidence seems to warrant the
conclusion that the theoretical support (on sociolinguistics, genres, comics,
translation theory and technical procedures) may help university students
refine their skills in discerning to what extent images and linguistic
variations can contribute to the establishment of a character‘s identity in
comics.
Keywords: translation, comics, linguistic variation, identity, Wonder
Woman.
1 Graduando do Curso de Letras, Tradutores Intérpretes.

Page 2
1
INTRODUÇÃO
Este trabalho, que tem como tema As identidades e as variantes lingüísticas nas
HQs, consiste na tradução de trechos da história em quadrinhos ―The Challenge of the Gods
Begins‖, cuja protagonista é a super-heroína Mulher-Maravilha. A análise da caracterização
dos personagens considera as variantes lingüísticas e imagéticas que compõem a aludida
aventura quadrinhística e apresenta a justificativa das opções tradutórias.
O referencial teórico utilizado — que abrange estudos de sociolingüística,
estilística, teoria e procedimentos técnicos de tradução, histórias em quadrinhos, gêneros
textuais e língua portuguesa — vem dos trabalhos de Preti (1982), Cortiano (1991), Passarelli
(1995), Bakhtin (1997), Eguti (1999), Sayão (2001), Arrojo (2002), Barbosa (2004),
Cassimiro (2004), Gusman (2005) e outros.
O trabalho está dividido em dois capítulos: o primeiro, dedicado à
contextualização, à fundamentação teórica e à apresentação da tradução sugerida; e o
segundo, a algumas justificativas das decisões tradutórias do autor.
1 - Tem Início o Desafio ao Tradutor
1.1 — As ―encarnações‖ da Mulher-Maravilha
A Detective Comics, mais conhecida como DC Comics, é, de acordo com o site
Wikipedia2, uma editora norte-americana que figura entre as duas maiores do mundo — no
que diz respeito à publicação de histórias em quadrinhos de super-heróis — e detentora dos
direitos autorais de ícones como Super-Homem, Mulher-Maravilha, Batman, Lanterna Verde,
Novos Titãs, Legião de Super-Heróis e muitos outros.3
O Universo DC é um ambiente fictício e compartilhado em que ocorre a
esmagadora maioria das histórias publicadas pela DC Comics e compõe-se de seres cujas
características e superpoderes são os mais diversificados: voam, são capazes de erguer
incontáveis toneladas, suportam muito mais que tiros de canhão ou explosões nucleares,
2Enciclopédia virtual, cujo endereço é www.wikipedia.org. (Acesso em 10/10/05.)
3A única concorrente à sua altura é a editora Marvel Comics, cujos personagens mais famosos são Capitão
América, Thor, X-Men, Hulk, Homem-Aranha, Demolidor, Homem de Ferro e outros.

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2
dentre tantos outros feitos admiráveis. Constam de seus cenários lugares reais como a
Califórnia, Nova Iorque e o Brasil, além de inúmeros outros, fictícios, como o planeta
Krypton, a cidade submersa de Atlântida, a Ilha Paraíso, a cidade de Gotham e até um Monte
Olimpo peculiar. Diversos dos seus eventos históricos correspondem aos ocorridos no mundo
real, mas nem todos.
Essa mistura de superpoderes com mundo real, confirma Gusman (2005, p. 7),
levou a editora a criar, em seus 70 anos, literalmente milhares de personagens que
conquistaram gerações de admiradores em todo o planeta. Pode-se, portanto, incluir entre as
façanhas dos heróis a notável repercussão que têm, já faz muito tempo, em vários outros
meios de comunicação, expressão e entretenimento, ou seja, de manifestação cultural, além
das aventuras impressas4.
É nesse contexto que se destaca a Mulher-Maravilha, que Cassimiro (2004, p. 55)
define como
[uma] super-heroína, originária da Ilha Paraíso, filha da rainha Hipólita — logo,
princesa das amazonas —, agraciada pelos deuses gregos (do Olimpo) com
superpoderes, que veio ao mundo dos homens como embaixadora da mensagem de
paz fundamentada na filosofia olimpiana. Chama-se Diana, também conhecida como
Diana de Themyscira ou Princesa Diana de Themyscira, e é dotada de
incomensurável força sobre-humana, do poder de vôo, de supervelocidade e
invulnerabilidade; exímia guerreira (treinada em todos os antigos métodos gregos de
combate corpo a corpo), capaz de desviar e rechaçar qualquer tipo de projétil ou raio
(inclusive relâmpagos) com seus indestrutíveis braceletes de prata e possuidora do
inquebrável Laço da Verdade (forjado do cinturão da deusa Gaia), o qual compele
todo aquele que por ele é envolvido a dizer a verdade. [A personagem] é sinônimo
de perfeição (também por causa da sua inigualável beleza física), independência e
supremacia feminina. [É a] maior e mais poderosa super-heroína dos quadrinhos (na
mesma categoria do Super-Homem). Essa campeã dos deuses olimpianos é ainda
chamada de a Princesa Amazona.
O autor (op. cit.) explica que, referente à semântica e ao estilo, necessário se faz
este destaque: há, por exemplo, vários níveis de força sobre--humana no Universo DC. Esse é
um dos parâmetros que ajudam a determinar qual personagem é ―páreo‖ para outro. Por isso,
naquele glossário, nas notas enciclopédicas de personagens como Super-Homem e Mulher-
Maravilha, o substantivo força é duplamente adjetivado (incomensurável força sobre-humana
e incomensurável força sobre-humana, respectivamente). Por ser a força deles sobre-humana,
poderia parecer desnecessário ou redundante o uso de mais um adjetivo, mas, diante do
exposto, entendemos que não seja.
4Até Gilberto Gil, que compôs Super-Homem, A Canção, fez, na letra, uma nítida referência a um trecho de
Super-Homem, O Filme (ou Super-Homem I): “Quem sabe o Super-Homem venha nos restituir a glória,
mudando, como um deus, o curso da História, por causa da mulher?”

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3
Moretti e Barroso (1991, p. 3) acrescentam que a Princesa Amazona foi criada,
em 1941, pelo renomado psicólogo William Moulton Marston (1893–1947) — que usou o
pseudônimo de Charles Moulton — para expressar as suas teorias sobre o relacionamento
entre homem e mulher. Vale ressaltar que foi o idealizador da personagem quem aperfeiçoou
o sistema de testes para o detector de mentiras. O primeiro ilustrador (desenhista) da super-
heroína foi H. G. Peters.
Rimmels (1996, p. 49) afirma que, a respeito da criação da Mulher-Maravilha,
Marston escreveu isto: ―As fortes qualidades do sexo feminino têm sido menosprezadas. A
solução óbvia é criar uma personagem feminina com toda a força de um super-homem, mas
com o fascínio de uma bela mulher.‖
Na década de 1970, fez muito sucesso, em todo o mundo, o seriado live action
―Mulher-Maravilha‖ (Wonder Woman) — desenvolvido exclusivamente para a televisão e
estrelado por Lynda Carter. Num dos seus episódios — pertencente à primeira temporada,
intitulado ―A Última Nota de Dois Dólares‖ —, o major Steve Trevor5 refere-se à
protagonista com estas palavras: ―Ela é um assombro: forte, destemida e cheia de compaixão!
Todas as virtudes da feminilidade, sem nenhum dos vícios.‖
O fato de várias versões da origem da princesa amazona terem sido contadas nas
histórias em quadrinhos, nos desenhos animados e até mesmo nessa série televisiva é
confirmado por Moretti e Barroso (1991, p. 3), que também reconhecem como a versão
―definitiva‖ daquela que é considerada a maior super-heroína de todos os tempos a sua
reformulação — proposta, em 1987, pelo argumentista e desenhista George Pérez. É
exatamente uma história dessa última ―encarnação‖ da Mulher-Maravilha que nos serve de
objeto de estudo neste trabalho.
5Segundo o site Wikipedia, o personagem fictício era um oficial do serviço secreto norte-americano por quem a
versão original da super-heroína nutria uma paixão platônica. No seriado televisivo, foi interpretado por Lyle
Waggoner.
Estátua (esculpida por Tim Bruckner) baseada na ―nova‖ Mulher-Maravilha, de George Pérez

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4
Acima, algumas das várias ―encarnações‖ quadrinhísticas da Mulher-Maravilha
Versão original da Mulher-
-Maravilha, no traço de H.
G. Peters (1941)
Versão da Mulher-Maravilha constante do Guia de Estilo da DC
Comics (de 1982)
A nova Mulher-Maravilha, de
George Pérez: mais poderosa, e
nada de salto alto! (1987)
Versão da Mulher-Maravilha da Era de Bronze dos quadrinhos
(1978)

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5
Acima, as principais ―encarnações‖ televisivas da Mulher-Maravilha
Lynda Carter, no papel da
super-heroína, em cena da
primeira temporada do
seriado Mulher-Maravilha
(1976)
Lynda Carter, no papel da Princesa
Amazona, trajando o uniforme escolhido
para a segunda e a terceira temporadas
do seriado, as quais foram intituladas As
Novas Aventuras da Mulher-Maravilha
(1977-1979)
A Mulher-Maravilha do desenho animado Superamigos
(1973-1984)
A Mulher-Maravilha do
(recente) desenho animado
Liga da Justiça
(2005)

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6
Em entrevista a Mangels (1987, p. 99–101), Pérez referiu-se especificamente a
―The Challenge of the Gods Begins‖, afirmando tratar-se da primeira parte de um arco de
histórias no qual Diana teve de provar por que ela é tão necessária ao mundo dos homens
quanto as amazonas são essenciais à sobrevivência da humanidade. Nessa seqüência de
aventuras, ficou esclarecido aquilo que era imprescindível para a consolidação da origem da
―nova‖ Mulher-Maravilha, de modo que, ao final, definiram-se estes detalhes: quem ela é,
quem era a Diana de quem a jovem amazona herdou esse nome, por que usa um uniforme
inspirado na bandeira norte--americana, o que a torna tão ímpar (e não apenas mais uma
super-heroína) e qual é a sua missão na Terra.
Ainda à luz dessa entrevista concedida pelo aclamado George Pérez, tais histórias
encadeadas chamariam a atenção quanto ao aspecto visual, uma vez que, nelas, a protagonista
se depararia com criaturas da mitologia olimpiana, inclusive, é óbvio, os deuses. O
argumentista (op. cit.) salientou que teve de ler muitos livros e artigos sobre mitologia, dos
quais vários eram relacionados às histórias em quadrinhos. Baseou-se mormente na tese
Wonder Woman from an Amazon Mythology Perspective, de John Palmer, em que este
almejou estabelecer a consonância da Mulher-Maravilha com parte da mitologia grega, a fim
de que os mitos ―funcionassem‖ na revista WONDER WOMAN.
Na aludida matéria, Pérez também admitiu que grande parte desse último
referencial teórico serviu de esteio para a sua recriação da extraordinária super-heroína,
permitindo-lhe não só evitar conflitos com o mito das amazonas consolidado em outras
aventuras quadrinhísticas por autores daquela época, como também não entrar em
contradição com as lendas formadas muitos anos antes de o artista ter de trabalhar com essas
mulheres. A pesquisa ajudou-o a arquitetar um meio perspicaz de manter as suas amazonas
―fiéis‖ às origens mitológicas ao mesmo tempo em que guardavam algumas peculiaridades.
Eram, por conseguinte, as amazonas da DC, com raízes mitológicas baseadas nas histórias
escritas por Hesíodo e outros, porém suficientemente independentes, de forma que ele (op.
cit.) pudesse criar as suas aventuras sem estar irrestritamente condicionado àqueles mitos. Por
fim, quanto aos deuses, Pérez teve de redesenhá-los, pois queria que a revista recebesse um
tratamento visual diferente: decidiu ―construir‖ novos deuses porque queria que fossem os da
Mulher-Maravilha, exclusivamente, ao contrário do que acontecia com os deuses das histórias
dos Novos Titãs. Cassimiro (2004, p. 54) define Novos Titãs como um grupo de jovens heróis
— com base de operações em Nova Iorque — que constitui uma força formidável em prol da
justiça. Os seus membros mais famosos são Asa Noturna, Moça-Maravilha, Estelar, Mutano,
Ravena e Ciborgue, entre outros.

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7
Acima, os deuses olimpianos de George Pérez (no traço de Phil Jimenez):
1) Possêidon; 2) Zeus; 3) Hades; 4) Dionísio; 5) Apolo; 6) Hera; 7) Héstia; 8) Hermes;
9) Afrodite; 10) Ártemis; 11) Atena; 12) Deméter; 13 Héracles.
Ao lado, os ascendentes dos deuses do
Olimpo, os Titãs da mitologia (no
traço de José Luis García-López):
1) Oceano; 2) Cronos; 3) Téia; 4)
Hipérion; 5) Ceo; 6) Febe; 7) Réia; 8)
Crio; 9) Mnemósine; 10) Têmis; 11)
Iápeto; 12) Tétis.

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8
Entendemos que todas as considerações acima sejam fundamentais para que
possamos dar conta de uma tradução que faça viver os personagens, conservando as suas
marcas identitárias. Passamos, a seguir, à abordagem das principais características das
histórias em quadrinhos, consideradas um gênero textual.
1.2 — As histórias em quadrinhos como gênero textual
Bakhtin (1997, p. 280) define gêneros textuais como tipos relativamente estáveis
de enunciados estruturados a partir de três aspectos gerais de caracterização: o conteúdo (ou a
seleção de temas), o estilo (ou a escolha dos recursos lingüísticos) e a construção
composicional (que compreende as formas de organização do texto). O teórico do dialogismo
(op. cit.) concebe que haja tanto gêneros mais estereotipados quanto mais criativos,
maleáveis, plásticos (p. 301).
Diante do que exporemos a partir do próximo parágrafo, cremos ser lícito afirmar
que as histórias em quadrinhos enquadram-se nessa segunda categoria: a de gêneros textuais
mais criativos.
Guimarães (2003) conceitua história em quadrinho como
a forma de expressão artística que tenta representar um movimento por meio do
registro de imagens estáticas [...], não se [restringindo], nessa caracterização, o tipo
de superfície empregado, o material usado para o registro nem o grau de tecnologia
disponível [...], [englobando] manifestações das áreas de pintura, fotografia
(principalmente a fotonovela), desenho de humor (como a charge, o cartum, a
caricatura e a ideografia).
O estudioso (op. cit.) também delimita os principais elementos desse gênero
textual: o primeiro é o próprio desenho, com sua função narrativa, ou seja, sua tentativa de
representar um movimento, incluindo o cinético (linhas de ação que procuram representar até
mesmo a trajetória de objetos em movimento); o segundo, o encadeamento de diversas
imagens, procurando representar uma ação que se desenrola num período mais longo (isto é,
uma realidade visual cujo espaço tridimensional é representado numa superfície plana e
dinâmica, enquanto se encena o movimento por intermédio de uma seqüência de imagens
estáticas); o terceiro, a utilização de texto escrito, como aspecto de representação da dimensão
sonora (ou de um pensamento), no meio da imagem, próximo ao personagem que o emite (ou
atribuído a um narrador); e o quarto, o uso de onomatopéia, que, para o autor (op. cit.), é a
representação gráfica da adaptação — para os fonemas da língua falada — de sons da

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9
natureza não reproduzidos pelo aparelho vocal humano. Para Guimarães (2003), prevalece nas
histórias em quadrinhos a integração do texto escrito à imagem (pictórica).
Tais noções são corroboradas por Eguti (1999), que recomenda a leitura da
história em quadrinhos como um só visual, percebendo-se que a imagem predomina sobre o
texto, muito embora o conceito de história narrada seja ampliado e desenvolvido pelas
palavras, as quais, tanto por seu significado quanto por seu aspecto gráfico e visual,
complementam a arquitetura da composição de cada quadro.
A importância da imagem, ou melhor, dos desenhos nas histórias em quadrinhos é
tão inegável que muitos aficionados admitem perder o interesse na leitura quando o traço do
desenhista não os atrai. Há, por exemplo, artistas que contrariam acintosamente as premissas
mais elementares de alguns personagens. A Mulher-Maravilha, freqüentemente, é vítima
deles. Ela, que é definida como uma jovem mulher de beleza extraordinária, ímpar, acaba, não
raro, sendo retratada como uma matrona, o que irrita os seus fãs.
Quanto aos recursos lingüísticos, a autora (op. cit.) também reforça que os
grafemas, os sinais diacríticos, os ideogramas e os sinais de pontuação são muito utilizados,
ao lado dos balões, que, por sua vez, além de servirem de contorno aos diálogos, expressam
idéias, emoções, sentimentos por meio dos mais diversos tipos de traçado.
No que concerne aos usos de sinais, gostaríamos de dar destaque a dois: o das
reticências (...), que, conforme pudemos depreender, especialmente da leitura de ―The
Challenge of the Gods Begins‖, são usadas para marcar hesitação (na fala ou no pensamento
de um personagem ou narrador) e o de dois hífens seguidos (--), para denotar quebra ou
interrupção na seqüência linear da fala ou do pensamento (também de um personagem ou
narrador), sem que haja, contudo, hesitação do emissor do enunciado.
Em tempo, não poderíamos deixar de dar destaque à seguinte afirmação da autora
(op. cit.), que se presta a estabelecer ao menos uma das relações existentes entre as variantes
lingüísticas e as identidades nas histórias em quadrinhos: ―O vocabulário utilizado deve ser
adequado às personagens, de forma a conferir-lhes a veracidade e a naturalidade da
conversação.‖
1.3 — A tradução e os seus enquadres
No artigo ―Do you dig comics?‖, Cortiano (1991, p. 39–41) refere-se à tradução
de histórias em quadrinhos, no Brasil, como produto adulterado, mutilado, podre e justifica
tão desastroso resultado alegando que os tradutores brasileiros são pobres, mal pagos,

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desprestigiados, esforçados incompetentes e despreparados (até mesmo os que, à época,
prestavam serviços à Editora Abril). O crítico (op. cit.) ainda apresenta alguns exemplos de
traduções desse gênero textual que implicam redução, corte e simplificação do texto e das
imagens originais, o que considera mutilação. Por fim, discute outras poucas traduções de
histórias em quadrinhos e diz admitir o direito de autoria do bom tradutor (a quem considera
também um artista), contanto que este não ―machuque‖ o original.
A leitura desse artigo, a despeito do tom contundente, serviu-nos de alerta quanto
ao limite entre adaptar e mutilar um texto e, portanto, quanto ao modo pelo qual traduziríamos
―The Challenge of the Gods Begins‖. A verdade é que, mediante a leitura de outros artigos
sobre esse tipo de tradução, já não tínhamos como negar a forte impressão de que o público-
alvo de histórias em quadrinhos permanece na expectativa de ser o destinatário de traduções
fidelíssimas, literais [segundo o conceito de Barbosa (2004, p. 65–66)].
A opinião de Passarelli (1995), no nosso entendimento, não destoa dos pareceres
dos estudiosos até aqui mencionados, já que ele (op. cit.) entende que até mesmo a
modificação de uma cor, na adaptação brasileira de uma história em quadrinhos norte-
americana, por exemplo, pode modificar o sentido da mensagem transmitida. No que se refere
à tradução desse gênero textual, Passarelli (1995) parece filiar-se à corrente doutrinária
defendida por Theodor (1976, p. 120–121), para quem, em obediência aos ditames do público
leitor, ―o tradutor deve possuir [sic!] perceptividade especial, que lhe permita captar as
preferências do ambiente para o qual traduz e constatar quais são as peculiaridades do autor a
ser traduzido que se afinem a esses gostos‖.
Enfim, exigem-se do tradutor superpoderes, porém, apesar de o seu trabalho ser
um desafio, ele não pode depender da ajuda dos deuses.
Discordamos dessa afirmação do autor (op. cit.) porque esse modo de conceber a
tradução remete-nos à missão impossível de Pierre de Menard, um homem de letras —
francês —, da primeira metade do século XX, cujos trabalhos, segundo Arrojo (2002, p.14),
têm muito em comum com as teorias tradicionais de tradução, pois esse personagem borgiano
concebe o texto como um objeto de contornos perfeitamente determináveis, acreditando,
portanto, que seja possível reproduzir totalmente, em outra língua, as idéias, o estilo e a
naturalidade de um texto ―original‖.
Filiamo-nos à teoria de tradução de Arrojo (2002), que rejeita as concepções
tradicionais, logocêntricas do que seja traduzir e propõe o conceito de texto-palimpsesto:

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... o ―palimpsesto‖ passa a ser o texto que se apaga, em cada comunidade cultural e
em cada época, para dar lugar a outra escritura (ou interpretação, ou leitura, ou
tradução) do ―mesmo‖ texto (...), [que] não pode ser um conjunto de significados
estáveis e imóveis, para sempre ―depositados‖ nas palavras (...) O que temos, o que
é possível ter, são suas muitas leituras, suas muitas interpretações – seus muitos
―palimpsestos‖. (p. 23–24)
... o texto/ palimpsesto não é um receptáculo de conteúdos estáveis e mantidos sob
controle, que podem ser repetidos na íntegra. (p. 38)
Consideramos conveniente destacar mais duas afirmações da teórica (op. cit.):
... é impossível resgatar integralmente as intenções e o universo de um autor,
exatamente porque essas intenções e esse universo serão sempre, inevitavelmente,
nossa visão daquilo que possam ter sido. (p. 40)
... como sugeriu o teórico francês Roland Barthes, qualquer texto, por pertencer à
linguagem, pode ser lido sem a ―aprovação‖ de seu autor, que pode apenas ―visitar‖
seu texto, como um ―convidado‖, e não como um pai soberano e controlador dos
destinos de sua criação. (p. 40)
Ao contrário do que se pode alegar, essa corrente privilegia a noção de tradução
ética e não encoraja o tradutor — como leitor e intérprete do texto--palimpsesto — a fazer
deste o que bem entender, pois impõe ao profissional de tradução muita responsabilidade no
que tange à sua formação (isto é, o domínio das línguas com as quais trabalha), ao público-
alvo do produto de seu trabalho e à própria tradução (como intermediadora da produção de
significados).
Arrojo (2002, p. 45) ainda assevera que ―quando um leitor ‗produz‘ um texto, a
sua interpretação não pode ser exclusivamente sua, da mesma forma que o escritor não pode
ser o autor do texto que escreve‖. Nesse sentido, os poderes dos tradutores estarão sempre
sobredeterminados pela sua posição de intermediários no mundo dos homens, no qual:
aceitaremos e celebraremos aquelas traduções que julgamos ―fiéis‖ às nossas
próprias [sic!] concepções textuais e teóricas, e rejeitaremos aquelas de cujos
pressupostos não compartilhamos. (p. 45) (...) As traduções, como nós e tudo o que
nos cerca, não podem deixar de ser mortais. (p. 45)

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2- O Tradutor entre Línguas e Mundos
2.1 – O tratamento dos personagens
De acordo com Crystal (2000, p. 264), variante lingüística é uma expressão usada
―na Sociolingüística e na Estilística para indicar qualquer sistema de expressão lingüística
cujo uso seja dependente de variáveis de situação‖. Contudo, o modo pelo qual são reunidas
essas variantes vai depender do que cada pesquisador entende por dialeto, registro e mesmo
língua. Para alguns sociolingüistas, continua Crystal, ―variante tem definição mais restrita: um
tipo de linguagem distintiva dependente da situação — um tipo de língua especializada dentro
de um dialeto‖. (p. 264)
Apoiando-se na definição de dialeto proposta por Halliday, Preti (1982, p. 25)
acrescenta que, no interior de uma comunidade lingüística, grupos diferentes falam diferentes
dialetos. Nesse caso, um dialeto é uma variedade de uma língua. Portanto, para o erudito (op.
cit.), ―embora não se possa ter a pretensão de que os dialetos sociais sejam claramente
distintos (como são, mais freqüentemente, os dialetos geográficos), ainda assim é possível
estabelecer pelo menos duas variedades.‖
Ao mencionar essas duas variantes lingüísticas de natureza social, Preti (1982, p.
26) introduz os dialetos culto e popular, definindo-os da seguinte forma: o primeiro é aquele
eleito pela comunidade como o que goza de mais prestígio, refletindo um índice de cultura a
que todos pretendem (ou deveriam pretender) chegar. O segundo, menos prestigiado
socialmente, é o mais aberto às transformações da linguagem oral do povo.
O teórico (op. cit.) ainda caracteriza esses dois dialetos sociais do ponto de vista
de suas estruturas morfossintáticas, apontando algumas diferenças mais comumente neles
observadas em português (p. 27–28): o dialeto culto apresenta, por exemplo, indicação precisa
das marcas de gênero, número e pessoa; uso de todas as pessoas gramaticais do verbo, com
exceção, talvez, da 2.ª do plural, relegada, praticamente, à linguagem dos discursos e sermões;
emprego de todos os tempos e modos verbais; correlação verbal entre tempos e modos;
coordenação e subordinação, ou seja, riqueza de construção sintática, etc. O dialeto popular,
por seu turno, caracteriza-se pela economia nas marcas de gênero, número e pessoa; redução
das pessoas gramaticais do verbo, isto é, mistura da 2.ª com a 3.ª pessoa, no singular; redução
dos tempos de conjugação verbal e de certas pessoas (por exemplo, a perda quase total do
futuro do presente e do pretérito-mais-que-perfeito — no indicativo —, do presente do
subjuntivo e do infinitivo pessoal); falta de correlação verbal entre os tempos; redução do

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13
processo subordinativo em benefício da frase simples e da coordenação; ou seja, uma
simplificação gramatical da frase e o emprego dos pronomes pessoais retos como objetos.
Do ponto de vista lexical, Preti (1982, p. 28) assevera ser muito difícil estabelecer
distinções mais nítidas entre os dialetos culto e popular além destas: naquele, há mais
variedade vocabular, mais precisão no emprego dos termos e mais incidência de vocábulos
técnicos; neste, predomina um vocabulário restrito, de uso muito amplo nos mais diversos
sentidos, muitas vezes abusivo na gíria e nos recursos enfáticos (como os termos obscenos). O
sociolingüista (op. cit.) também afirma que o dialeto social culto, em razão das características
apontadas anteriormente, prende-se mais às regras da gramática normativa, que é deveras
conservadora, de modo que a linguagem culta poderia atingir graus de extrema elaboração
que a tornariam preciosa, fora da realidade falada.
Embora o texto de ―The Challenge of the Gods Begins‖ seja escrito em língua
inglesa, cremos que algumas dessas características referentes às variantes lingüísticas em
língua portuguesa favorecem a nossa conclusão de que não há de se falar que dele constem
variantes lingüísticas, uma vez que a sua linguagem enquadra-se inteiramente no registro
culto (e o tom chega mesmo a ser solene).
É impossível, todavia, deixar de notar uma diferenciação no que se refere ao
tratamento (por meio da utilização dos pronomes ―você‖ e ―tu‖), o que nos permite
estabelecer uma correlação entre a variação no uso da linguagem e as identidades dos
personagens. Quando as amazonas falam entre si, usam sempre ―você‖ (mesmo quando uma
delas se dirige à sua rainha ou à sua princesa). De idêntico modo, os deuses, quando falam
entre si, usam ―você‖ (ainda que uma divindade ―menor‖ dirija-se a Zeus). Para a nossa
surpresa, quando as amazonas dirigem-se aos deuses (inclusive Zeus), também usam o
pronome de tratamento ―você‖. Somente quando as divindades mitológicas se dirigem às
amazonas, nota-se a adoção de ―tu‖.
Sayão (2001, p. 72–75) — hebraísta, responsável pela Bíblia Poliglota (da Editora
Vida Nova) e autor de NVI: a Bíblia do século XXI6 — traz a seguinte contribuição
(concernente ao uso dos pronomes) ao nosso estudo:
Uma das peculiaridades da NVI é o uso que faz dos pronomes.
Algumas pessoas podem ficar confusas ao descobrir que na NVI
6A obra é uma introdução à Nova Versão Internacional (NVI) da Bíblia, na qual o autor afirma que essa
tradução das Sagradas Escrituras norteou-se por uma ―necessidade fundamental de buscar uma tradução que,
além de ser fiel à intenção autoral dos escritores bíblicos, [fosse] também acessível ao leitor contemporâneo‖.

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encontrarão os pronomes tu, você, senhor, vós e vocês. Por que essa
diversidade?
Em primeiro lugar, deve ser dito que a NVI reconhece a diversidade
pronominal do português de hoje. O uso mais comum e crescente é o
do pronome você(s). Por isso, a NVI o utiliza como forma comum
de tratamento entre iguais. Todavia, ninguém fala com Deus
usando a forma você. Por isso, a NVI prefere manter tu nesse caso
e nos outros contextos definidos por deferência. (Grifo nosso)
Naturalmente, o contexto é o que determina o uso dos pronomes.
Vejamos os exemplos:
Mateus 26.63,64
Mas Jesus permaneceu em silêncio.
O sumo sacerdote lhe disse: ―Exijo que você jure pelo Deus vivo: se
você é o Cristo, o Filho de Deus, diga-nos‖.
―Tu mesmo o disseste‖, respondeu Jesus. ―Mas eu digo a todos vós:
Chegará o dia em que vereis o Filho do homem assentado à direita do
Poderoso e vindo sobre as nuvens do céu.‖
Obs.: Jesus é chamado de você aqui porque está sendo tratado como
criminoso. O contexto é de respeito. Jesus, porém, trata os líderes
religiosos com deferência, expressa por meio de tu e de vós.
Atos 25.26
No entanto, não tenho nada definido a respeito dele para escrever a
Sua Majestade. Por isso, eu o trouxe diante dos senhores, e
especialmente diante de ti, rei Agripa, de forma que, feita esta
investigação, eu tenha algo para escrever.
Obs.: Diante de Agripa, Festo e Berenice, Paulo os trata
respeitosamente por senhores. O rei Agripa é tratado por tu (ti).
João 4.9,10
A mulher samaritana lhe perguntou: ―Como o senhor, sendo judeu,
pede a mim, uma samaritana, água para beber?‖ (Pois os judeus não se
dão bem com os samaritanos.)
Jesus lhe respondeu: ―Se você conhecesse o dom de Deus e quem lhe
está pedindo água, você lhe teria pedido e ele lhe teria dado água
viva‖.
Obs.: A samaritana chama Jesus de senhor, devido à diferença social
entre eles. Jesus a chama de você, por idêntica razão.

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Não temos a intenção de igualar as divindades da mitologia helênica da Mulher-
Maravilha ao Deus bíblico; cumpre-nos, outrossim, admitir que ficamos surpresos com a
constatação de que, em ―The Challenge of the Gods Begins‖, o critério de uso pronominal é
inverso ao da NVI: haja vista que as divindades usam ―tu‖ somente quando se dirigem às
amazonas, e estas, ao se dirigirem àquelas, tratam-nas por ―você(s)‖. Talvez George Pérez
tenha optado por conferir prestígio à identidade superior dos deuses do panteão do Monte
Olimpo, frisando o distanciamento, a hierarquia entre estes e as amazonas por intermédio da
construção do discurso dos olimpianos a partir desta possibilidade da variante social culta: a
de, como bem advertiu Preti (1982, p. 33), atingir graus de extrema elaboração que podem
torná-la preciosa, muito acima da realidade falada. Até porque o inglês usado pelo escritor no
discurso dos deuses é o — assim chamado — Middle English, típico, por exemplo, dos textos
shakespearianos.
É mister consignar que o uso pronominal adotado pelo autor do original foi
respeitado na nossa tradução.
2.2 – A tradução e as identidades em variação: apresentação da história em quadrinhos
(na língua de partida) e da sua tradução em português (a língua de chegada)
―The Challenge of the Gods Begins‖, foi originalmente publicada pela DC Comics
no número 10 da revista WONDER WOMAN, em novembro de 1987. A aventura contida nessa
edição é, por conseguinte, a décima após a reformulação da Mulher-Maravilha, por George
Pérez, em fevereiro daquele ano.
O enredo é este: por ter derrotado Ares, o deus da guerra, a princesa Diana acabou
atraindo para si a atenção dos demais deuses (habitantes do Monte Olimpo), já que tal façanha
não pudera ser cumprida nem mesmo por essas divindades. Zeus não ficou apenas
impressionado com o feito da amazona, mas também a cobiçou e decidiu abordá-la, a fim de
consumar seu intento libidinoso. Sentindo-se aviltado pelo repúdio da jovem, o rei dos
olimpianos sentenciou: ela seria submetida a um desafio que consistia em enfrentar, no
Tártaro7, todos os trabalhos8 que lhe fossem acrescidos por cada um dos deuses daquele
panteão, sob o risco de sobrevirem-lhe conseqüências diametralmente opostas: se Diana se
saísse bem, livraria as suas irmãs amazonas e a sua terra natal, a Ilha Paraíso, da maldição
7 Cassimiro (2004, p. 42) define o termo como o inferno grego.
8 Tais desafios nos remeteram aos lendários doze trabalhos de Hércules (ou Héracles, na terminologia grega).

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milenar de serem as guardiãs do Portal do Destino9 e provaria ser, como se cogitava,
verdadeiramente equiparável aos próprios deuses; caso falhasse, traria sobre todas as
amazonas e a sua amada ilha a condenação ao aniquilamento sumário. Corajosamente, a
super-heroína aceitou o desafio e partiu rumo ao seu destino, deparando-se com Cótus, cuja
vida foi ceifada por ela, e, por fim, com a Hidra de Sete Cabeças, mas o embate com essa
criatura ficou para a edição seguinte.
Ao longo da história, a protagonista interage com as amazonas (incluindo sua
mãe, a rainha Hipólita), os deuses e criaturas da mitologia grega (como Cótus e a Hidra de
Sete Cabeças). Vale lembrar que, a despeito das aparições de seres milenares, o tempo da
narrativa é o presente.
Também vemos pertinência no reforço de que o arco de histórias iniciado na
edição de número 10 de WONDER WOMAN e encerrado na de número 14 (isto é, o conjunto de
trabalhos ou desafios superados pela princesa amazona) serviu ao propósito de seu autor,
George Pérez, de consolidar a posição de preeminência da Mulher-Maravilha não somente em
relação ao Universo DC como também perante todo o cenário das histórias em quadrinhos (de
super-heróis).
Como o nosso objetivo é relacionar as variações lingüísticas às identidades dos
personagens, escolhemos três cenas. A primeira tem início no quinto quadrinho da página 4 e
termina no último da página 5 da edição mencionada. Nela, há apenas a interação entre
amazonas. A segunda, na qual a protagonista interage com as suas irmãs amazonas, inclusive
Hipólita (sua rainha e mãe), corresponde a toda a página 11. A terceira se inicia no primeiro
quadrinho da página 12 e se estende até o último da página 14. Nela, a Mulher--Maravilha
interage com os deuses do Olimpo.
9
Cassimiro (2004, p. 42) define o termo como a entrada para o Tártaro, localizada no subsolo da Ilha Paraíso,
lacrada e vigiada pelas amazonas.

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A ―nova‖ Mulher-Maravilha no traço de José Luis García-López

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Cena n.º 1 (1.ª parte)

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Cena n.º 1 (2.ª parte)

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Cena n.º 2

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Cena n.º 3 (1.ª parte)

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Cena n.º 3 (2.ª parte)
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Cena n.º 3 (3.ª parte)

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Resta-nos agora, tão-somente, cumprir o dever de expor a nossa opção tradutória
para as três cenas acima. Antes, porém, julgamos mais oportuno explicitar qual foi o título
português que escolhemos dar à história ―The Challenge of the Gods Begins‖, que é este:
―Tem Início o Desafio Imposto pelos Deuses‖.
No nosso entendimento, traduzir ―challenge of the gods‖ por ―desafio dos deuses‖
não é uma boa opção, apesar da literalidade, pois não esclarece (de maneira inequívoca) se os
deuses são os desafiados ou os desafiadores. Considerando o contexto — ou seja, a íntegra
dessa aventura quadrinhística que nos serviu de texto na língua de partida —, principalmente
a irrefutável ausência de intenção da jovem amazona de desacatar, aviltar ou — por que não
dizer? — desafiar os seus deuses, defendemos a justificativa de que a melhor opção de
tradução para o seu título é a que propusemos no parágrafo anterior.
Abaixo está, enfim, a nossa tradução das cenas supracitadas:
A arte de George Pérez
para a Princesa Amazona

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Cena n.º 1 (1.ª parte)

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Cena n.º 1 (2.ª parte)

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Cena n.º 2

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Cena n.º 3 (1.ª parte)

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Cena n.º 3 (2.ª parte)

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Cena n.º 3 (3.ª parte)

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3 - respondendo ao desafio: os (E)Feitos Tradutórios
Por almejarmos o estabelecimento de coerência metodológica, restringimo-nos,
nesta porção do trabalho, aos conceitos propostos por Barbosa (2004, p. 63–77) para a
caracterização dos procedimentos técnicos de pontos — que não são muitos — da nossa
tradução (selecionados para serem justificados).
Conduzimos a nossa prática tradutória procurando dar atenção não somente ao
que se diz, mas também a como se diz nas duas línguas: a de partida e a de chegada.
Esforçamo-nos para que isso se refletisse na nossa reescritura, em português, de ―The
Challenge of the Gods Begins‖, que, como já dissemos, intitulamos ―Tem Início o Desafio
Imposto pelos Deuses‖.
É importante esclarecer que não nos sentimos pressionados a ―enxugar‖ o nosso
texto — pela tão alardeada limitação de espaço para a inserção da tradução — porque, já na
década de 1970, a Editora Ebal resolvia esse ―problema‖ por intermédio da utilização de fonte
menor, o que, a nosso ver, não prejudicava a integridade da obra. Queremos, portanto,
enriquecer este trabalho com um exemplo do que acabamos de afirmar:

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Passarelli (1995) chama a atenção para o fato de não haver um critério coeso e
coerente, ou seja, padronizado no que diz respeito aos nomes dos personagens nas traduções
de histórias em quadrinhos.
Segundo o estudioso (op. cit.), não se convencionou, no Brasil, a manutenção dos
nomes em inglês ou em português. Sendo assim, decidimos aclimatar o nome próprio
―Phillipus‖ para ―Filípus‖, levando em consideração a possibilidade de facilitação — ao leitor
brasileiro — da pronúncia.

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Os substantivos próprios ―Themyscira‖ e ―Acantha‖, entretanto, foram mantidos
exatamente como constavam do texto na língua de partida porque, a nosso ver, por não existir
em português um fonema que corresponda ao ―th‖, esses nomes acabariam, de qualquer
forma, sendo pronunciados com o som de ―t‖ pelo leitor deste país, que já está acostumado a
nomes como Thiago (ou Tiago) e Thales (ou Tales). Esse é um caso de transferência.
No terceiro quadrinho da segunda cena (a qual corresponde à página 12 de
WONDER WOMAN n.º 10), preferimos fazer com que a rainha Hipólita dissesse ―... antes mesmo
de os deuses concederem o sopro de vida àquela argila...‖ em vez de ―... antes de os deuses
soprarem vida naquela argila...‖ simplesmente porque, para nós, a modulação (a primeira
opção) soou mais coerente com o discurso mais elaborado de uma rainha do que a tradução
literal (a segunda opção).
Na mesma cena, no quadrinho seguinte, o oráculo, no original, emprega, de
acordo com Martins (2003, p. 102), uma metonímia: ―... o caldeirão borbulha...‖. Demos
preferência, no nosso texto, por uma questão de estilo, a uma linguagem mais denotativa: ―...
o conteúdo do caldeirão borbulha...‖.
Na terceira cena (isto é, nas páginas 13 e 14 de WONDER WOMAN n.º 10), verifica-
se a utilização, pelos deuses, do termo ―lord‖ em sinal de deferência a Zeus. Embora haja
tradutores brasileiros da ―nona arte‖ que adotem ―lorde‖, isto é, a tradução literal, decidimos
substituí-la ora por ―soberano‖ ora por ―nobre‖. Apesar de ―lorde‖ ser um título de nobreza na
Inglaterra (e significar ―senhor‖), no Brasil, contudo, há um uso informal (um regionalismo)
para o termo, que, nessa acepção, significa ―bacana‖, ―vistoso‖, ―elegante‖. Consideramos,
então, mais sensato escolher termos que, em português, conferissem a Zeus, inequivocamente,
a nobreza salientada pelas demais divindades helênicas.
Não poderíamos deixar de mencionar o nosso uso de mesóclise, a fim de denotar
o discurso incomum, erudito e preciosista dos deuses (especialmente quando se dirigem às
amazonas). Diríamos que essa foi a nossa adaptação de um registro da língua inglesa tido
como arcaico.
Por fim, queremos também realçar a parcimônia com que empregamos os
pronomes pessoais retos, intencionando levar o leitor a deduzir os sujeitos por meio da
desinência verbal. Esse é o tipo de omissão que, entendemos, confere mais valor à linguagem
empregada na reescritura do texto na língua de chegada.

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CONCLUSÃO
A história em quadrinhos é um gênero textual que se caracteriza essencialmente
pela integração de imagem e palavra escrita. Embora o desenho predomine, é o texto o que
amplia o conceito de história narrada e se presta, dentre outras funções, à construção das
identidades dos personagens por meio do dialeto por eles usado.
No processo de tradução de ―The Challenge of the Gods Begins‖, pudemos
constatar que, ao lado dos desenhos (elaborados e detalhistas) de George Pérez — o
responsável pelo argumento e pela arte —, foi o texto o que revelou peculiaridades relativas
às identidades de senhores e servas, por exemplo.
Essa história foi inteiramente escrita no dialeto social culto, num tom que chega a
ser solene. Não há, portanto, por que falar, nesse caso, em oposição entre as variantes
lingüísticas culta e popular. Outrossim, pela forma de tratamento dos personagens, ou melhor,
pelo seu uso pronominal, estabeleceu-se a relação de diferença hierárquica (de dominação e
submissão) entre eles.
Diante do exposto, concluímos que o referencial teórico utilizado — que abrange
estudos de sociolingüística, estilística, teoria e procedimentos técnicos de tradução, histórias
em quadrinhos, gêneros textuais e língua portuguesa — contribuiu tanto para que
alcançássemos os nossos objetivos (de relacionar o uso da linguagem à identidade das
personagens) quanto para que exercêssemos o pensamento crítico.
Muito embora o trabalho do tradutor possa ter sido, neste caso, restrito a manter-
se no portal, ficamos, na verdade, entre dois desafios: o do texto de partida, que pede tradução
e o de chegada, cujo destino depende dos leitores.
REFERÊNCIAS
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2002.
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
BARBOSA, Heloísa Gonçalves. Procedimentos técnicos da tradução: uma nova proposta.
Campinas, SP: Pontes, 2004.

Page 36
35
CASSIMIRO, Eduardo de Carvalho. Glossário bilíngüe do Universo DC Comics. 2004. 59 p.
Trabalho não publicado, apresentado como requisito parcial para a aprovação na disciplina
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Inglês / Português), UNIBERO, São Paulo, SP, 2004.
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Autor: Eduardo de Carvalho Cassimiro
Orientadora: Professora Doutora Viviane Veras

variedades de empréstimos

Varieties of loan translations

Francis Henrik Aubert

USP

RESUMO

Na tradução de termos culturalmente marcados, um procedimento


freqüente é o empréstimo, que remete ao co-texto ou a outros recursos
a depreensão do sentido. Aparentemente, o empréstimo constituiria o
procedimento mais simples, representando uma espécie de nível zero de
interferência da operação tradutória. Um exame detalhado de um corpus
de traduções do português brasileiro para o inglês americano sugere, no
entanto, que o uso do empréstimo pode ser bastante complexo,
envolvendo um conjunto de decisões tradutórias bastante distantes do
nível zero do ato tradutório.

Palavras-chave: Tradução; Empréstimo; Lingüística contrastiva.

ABSTRACT

In translating culturally marked terms, a frequent procedure is the loan,


which leaves the apprehension of meaning to the co-text or other
sources. At a first glance, the loan would seem to be the simplest
procedure, standing as a sort of zero degree of interference of the
translational operation. A detailed examination of a corpus of
translations from Brazilian Portuguese into American English suggests,
however, that the loan procedure may be indeed fairly complex,
involving a spectrum of translation decisions far removed from any zero
degree of the translational act.

Key-words: Translation; Loan; Contrastive linguistics.

0. Introdução

O empréstimo de termos e expressões entre as línguas e as culturas é


um procedimento provavelmente tão antigo quanto o contato entre
povos de idiomas ou falares distintos. O empréstimo deixa traços nos
substratos e, principalmente, nos superestratos descritos pela ciência
filológica. O empréstimo, em suas diversas matizes, enriquece as línguas
ou as desfigura, a depender do ponto de vista cultural assumido e da
correlação – momentânea ou duradoura – das forças de dominação e de
resistência em confronto e a depender, ainda, do recorte sincrônico
assumido. O destino dos empréstimos, em qualquer momento dado, é
sempre incerto: ou desaparecem, substituídos por soluções
vernaculares; ou passam por transformações, quer de significante, quer
de significado, e, deste modo, deixam de lado seu caráter de
empréstimo para tornarem-se parte integrante do universo cultural que
os acolheu. Já vernaculizados, podem vir a tornar-se novos
empréstimos, agora em terceiras línguas.1

Como locus privilegiado de contato lingüístico cultural, a tradução – ou,


mais precisamente, os textos traduzidos – podem conter e, a mais das
vezes, de fato contêm, explícitas ou veladas, formas lexicais, sintáticas e
mesmo conceptuais originariamente emprestadas de outra língua e/ou
de outra cultura. É pela tradução que o estrangeirismo, de qualquer tipo,
via de regra faz a sua primeira incursão. A questão do empréstimo
assume, pois, aspectos lingüísticos, sociolingüísticos, culturais,
sincrônicos e diacrônicos, oferecendo, pois, um amplo campo de
pesquisa e de reflexão. Dentro desta perspectiva geral, o presente
estudo tem por objetivo esmiuçar, no âmbito da tradução, as formas
lexicais assumidas pelo empréstimo e o seu peso no quadro geral dos
diversos procedimentos disponíveis à operação tradutória.

1. A conceituação do empréstimo

Vinay e Darbelnet (1958) concebem o empréstimo como sendo "a


própria negação da tradução". Em tese, o termo, expressão ou frase do
original aparece intacto, não traduzido, no texto em língua-meta (LM).
Procedimento freqüentemente condenável, pode, no entanto, sempre na
visão de Vinay, apresentar "a vantagem de enriquecer a LM com uma
utilidade lexical concreta de fácil manejo."

Wills (1982:100), comentando a proposta de Vinay e Darbelnet,


questiona a inclusão do empréstimo em um sistema classificatório de
procedimentos de tradução:

"(...) The inclusion of emprunt in the classification system


would seem out of place, since a direct borrowing which
has been lexically adapted to a Target Language, at least
in terms of spelling and pronunciation, cannot be called a
translation procedure in the narrower sense of the word,
even if more liberal standards are applied."

Nesta visão, portanto, o empréstimo seria tão marginal ao processo


tradutório a ponto de poder ser ignorado enquanto procedimento (ainda
que não como fenômeno lingüístico tout court).

Newmark (1981) denomina o fenômeno como transferência, abarcando,


sob o conceito, também as expansões explicativas (notas, glossários e
explicações diluídas no texto) que freqüentemente acompanham o termo
transferido ou emprestado.

Adotando de Newmark o designativo transferência, entendida como a


introdução de material textual da Língua Fonte (LF) no texto em LM,
Barbosa (1990) subcategoriza a transferência nas diversas formas que
pode assumir: 1) estrangeirismo (empréstimo senso estrito); 2)
estrangeirismo transliterado (decalque grafo-fonológico); 3)
estrangeirismo aclimatado (decalque lexical e/ou morfossintático); 4)
estrangeirismo + uma explicação de seu significado (ou seja, o
empréstimo acompanhado de explicitação).2

Para Vinay e Darbelnet, o empréstimo é o procedimento mais fácil para


o tradutor. Barbosa (1990:100), com muita propriedade, discorda:
"Não acredito ... que o empréstimo seja um procedimento
tão fácil assim. Ele é usado quando há uma divergência
tão grande entre as línguas, entre as realidades
extralingüísticas expressas por meio delas, que falta a
uma itens lexicais possuídos pela outra para designar
objetos ou exprimir conceitos desconhecidos pela
primeira, o que representa grande dificuldade para o
tradutor e obstáculo para a tradução (cf. Alves, 1983) e
compreensão do TLT por seu leitor."

Observam-se, em síntese, duas principais linhas de pensamento acerca


do empréstimo na tradução. Uma primeira sugere tratar-se de um
procedimento menor, circunstancial, fácil, uma "mera cópia", talvez
sequer merecedor de figurar entre os procedimentos tradutórios no
sentido estrito do termo. Representaria um fenômeno possível na
tradução, em certas circunstâncias limitadas, mas de baixo interesse
geral, exceto para o enriquecimento do vocabulário técnico das
linguagens de especialidade (terminologia). No limite, dependendo do
ponto-de-vista, poderia constituir elemento de risco cultural, sendo, por
conseguinte, melhor evitados do que praticados.

Em oposição a essa linha, levanta-se uma segunda abordagem,


entendendo o empréstimo como um verdadeiro procedimento de
tradução, não como mera cópia,3 e que pode apresentar-se de formas
variadas, inclusive em combinação com outros procedimentos. Esta
hipótese interpretativa também contém um desdobramento para a
política cultural. Assim, ainda que nem sempre destacada
explicitamente, a abordagem proposta por Venuti (1995) redunda em
valorizar o empréstimo, juntamente com os decalques sintáticos, lexicais
e semânticos, como ferramenta tradutória que dá vida a uma opção
deliberada de política cultural. Adotando uma linha de reflexão que
remonta, no que tange à tradução, a Schleiermacher (1813), Venuti
defende, na relação tradutória que se estabelece entre culturas
periféricas e culturas centrais, uma opção deliberadamente
"estrangeirizadora" (foreignizing), com vistas a evitar o apagamento da
alteridade, tida como conveniente para a cultura central, dominante,
mas, na essência, desvantajosa – posto que empobrecedora – para
ambas as partes.

Estudos de natureza quantitativa sobre corpora de textos traduzidos


confirmam a baixa freqüência do empréstimo como recurso tradutório.
Em Alves (1983), um estudo baseado em corpus bilíngüe inglês 
português de textos de ciências humanas, indicou uma ocorrência nula
(0%), tomando como unidade de contagem a palavra. Em Darin (1986),
um trabalho similar sobre texto antropológico-literário, a ocorrência
encontrada não excedeu 1%. Em um outro estudo, tendo por variável a
tipologia textual (Zanotto, 1983), para uma ocorrência geral de 2,54 %
de empréstimos, constatou-se, nos textos corporativos, uma incidência
um pouco maior, da ordem de 3,7%, e de 2,7% em textos literários. Em
ambos os casos, frise-se, o peso maior dos empréstimos é representado
pelos nomes próprios: topônimos, antropônimos e diversas razões
sociais. Configurando-se, embora, como traço pertinente dos textos
corporativos, a relevância quantitativa do empréstimo ainda é, em
comparação com os demais procedimentos, bastante modesta. E nem
poderia ser de outro modo, posto que uma incidência mais elevada
certamente acarretaria dificuldades talvez intransponíveis de legibilidade
do texto traduzido, e representaria, na prática, aí sim, uma efetiva
renúncia ao traduzir.

O fato do empréstimo ser – e provavelmente dever ser – de baixa


freqüência não significa, porém, que se trate de um fenômeno tradutório
marginal ou secundário; nem, por ser, na aparência, mera "cópia" do
original, menos crucial para o processo e para o produto tradutórios.

2. A complexidade do empréstimo

Mesmo à observação empírica, os empréstimos se mostram menos


simples e transparentes do que se poderia supor.

No "front" puramente interno do português brasileiro, é notório o quanto


já se procedeu a uma verdadeira antropofagia lexical em relação às
línguas estrangeiras em geral (e ao inglês em particular), como ilustrado
pelo uso de shopping em lugar de mall, office boy em lugar de
messenger, "X", derivado de cheese, como sinônimo de lanche e não
mais apenas como lanche com fatia de queijo (Aubert, 2001). Na
linguagem de especialidade da informática, por muitos anos tida como
exemplo claro de uma verdadeira invasão de anglicismos, o HD (hard
disk) já enfrenta a competição de disco rígido (e o termo Winchester
parece ter caído de vez em desuso). Nos antropônimos e, em particular,
nos topônimos, convivem, lado a lado, tradições distintas, resultando em
múltiplas variantes: Pequim, Peking e Beijing; New York, Nova Iorque e
o curioso – mas atualmente mais difundido híbrido – Nova York. O
monarca britânico decapitado em 1649, é conhecido como Carlos I, mas
o atual Príncipe de Gales é sempre identificado como Charles.
Inversamente, campus e campi, embora ainda as formas mais usuais,
vêm paulatinamente sendo substituídos por câmpus, invariável,
seguindo o paradigma de lápis.

Na tradução, campo de confronto imediato entre as estruturas e os usos


lingüísticos e culturais, a situação não há de ser menos complexa. A
subcategorização proposta por Barbosa (vide acima) já aponta nessa
direção. Para obter uma melhor compreensão do fenômeno em sua
efetiva amplitude, porém, faz-se necessário empreender uma
investigação baseada em corpus real. Com esse objetivo em vista, e
considerando que os aspectos quantitativos poderiam vir a ter relevância
pelo menos comparável aos qualitativos-taxionômicos, foram
selecionadas duas obras representativas e, de forma direta ou indireta,
descritivas da cultura brasileira: os dois primeiros capítulos ("A Terra" e
"O Homem") de Os Sertões, de Euclides da Cunha, e a totalidade do
romance Teresa Batista Cansada de Guerra, de Jorge Amado. Em cada
um, foram assinalados todos os termos e expressões que, de algum
modo, referem-se expressamente à realidade extra-lingüística brasileira
(ecológica, da cultura material, social ou ideológica – vide Nida, 1945),
incluindo-se, nesse levantamento, todas as recorrências dos mesmos
termos e expressões, totalizando 962 ocorrências. A seguir, buscou-se
localizar, nas respectivas traduções (vide Referências Bibliográficas), a
equivalência tradutória oferecida para cada termo culturalmente
marcado.

A priori, a natureza especial dos marcadores lingüísticos das


especificidades culturais da LF sugere que são quatro as opções básicas
de tradução: a omissão (evitando-se a dificuldade), o empréstimo
(utilizando o co-texto como recurso suplementar), a explicitação
explícita (recurso à paráfrase) ou implícita (diluição de alguns traços
semânticos relevantes ao longo do texto), ou, ainda, a adaptação, este
último procedimento redundando em um processo de aculturação. O
quadro que se segue sintetiza os resultados encontrados para o corpus
em tela:

O quadro acima é revelador a mais de um título. Como já foi indicado,


na análise de traduções efetuada sobre seqüências textuais, o
empréstimo comparece com um índice de freqüência bastante baixo (em
média, próximo a 1,0 %, podendo ser igual a 0% em determinados
textos), e nem poderia ser de outro modo. Quando porém, destacamos
os marcadores lingüísticos das especificidades culturais da Língua-Fonte
(LF), a participação do empréstimo torna-se extremamente significativa,
como também ocorre com a adaptação. A explicitação constitui o
terceiro procedimento mais freqüente. Esta constatação é corroborada
pelos resultados relatados em Corrêa (1998), que, para um corpus
composto de três romances de Jorge Amado, apresenta, em média, as
seguintes freqüências:

Em que pesem algumas discrepâncias com o estudo aqui relatado (vide


nota 6, infra), constata-se a persistência de tendências que validam as
observações feitas no presente trabalho. Com efeito, no conjunto de
textos analisados por Corrêa, os empréstimos, as adaptações e as
explicitações predominam sobre os demais procedimentos. A tradução
literal, embora também se faça presente, novamente fica
significativamente abaixo dos demais, praticamente em posição
equivalente à da omissão.

O estudo de Corrêa permite, ainda, fazer duas ilações acerca do


empréstimo. Nesta análise, o empréstimo claramente predomina sobre
os demais procedimentos. No caso específico de Tenda dos Milagres, a
natureza do texto, em grande parte um "guia cultural" que convida o
leitor a iniciar-se nos mistérios do universo soteropolitano, torna
especialmente freqüente o uso, no texto original, de marcas lingüísticas
da especificidade cultural, quer em termos de ocorrências de cada
termo, quer pela variedade de termos. Neste aspecto, aproxima-se de
Os Sertões, cujos dois primeiros capítulos têm precisamente por função
familiarizar o leitor com o universo do sertão nordestino. Confrontando-
se os dados dos Quadros I e II, percebe-se uma correlação qualitativa
entre a natureza dos textos – descritivo-informativo acerca de culturas e
regiões peculiares – e o peso significativamente maior do empréstimo
em suas respectivas traduções. Mais precisamente, a tipologia textual,
redundando em um número absoluto maior de marcas culturais, parece
induzir a um número relativo maior de empréstimos. 7
Um segundo aspecto que se depreende de Corrêa diz respeito à margem
de opção do tradutor. Considerando que Dona Flor e Seus Dois Maridos e
Teresa Batista Cansada de Guerra têm entre si, do ponto de vista das
marcas culturais textualizadas, uma organização e um peso bastante
similares, poder-se-ia esperar um comportamento tradutório bastante
similar. Não é o que ocorre. Em ambas as traduções, a ocorrência de
empréstimos é elevada, mas em Teresa Batista os empréstimos superam
as modulações e adaptações (o outro extremo da escala de
procedimentos), enquanto que em Dona Flor estes procedimentos
indiretos predominam sobre aqueles. Tal fato reforça a hipótese
levantada desde o início, a de que o empréstimo, tanto quanto os
demais procedimentos, exige uma intervenção ativa do tradutor,
estando, portanto, sujeito, em grande medida, à liberdade individual de
cada tradutor. A tendência estatística, de elevado número de
empréstimos, é exatamente isso, uma tendência, não um automatismo
do processo tradutório. A tipologia textual configura uma probabilidade
comportamental, não uma essência da interação interlingual.

Finalmente, cabe observar que ambos os estudos indicam que a evasão


ao obstáculo tradutório, teoricamente uma das quatro opções básicas
abertas ao tradutor, constitui, efetivamente, um recurso utilizado, de
forma bastante modesta (entre 5 e 6% das ocorrências). Ainda, a
omissão pontual não representa, necessariamente, uma omissão textual.
Com efeito, em Rebellion in the Backlands, por exemplo, o termo sertão
(no singular ou no plural) foi omitido em um total de 3 ocorrências,
ocorrendo, no entanto, sob outras formas (principalmente adaptações)
em um total de 72 ocorrências ao longo dos dois primeiros capítulos da
obra.

Pode surpreender, nos dois estudos em discussão, a ocorrência – é bem


verdade que relativamente modesta – da tradução literal. Em tese, se o
termo é exclusivo da cultura fonte, a tradução literal seria impossível. No
caso presente, as traduções literais apresentam-se, na realidade, como
variantes do decalque (no caso, decalque semântico, não de sentido),
como o termo caldeirões traduzido como "cauldrons" (inclusive com as
aspas substituindo o itálico constante do original).

Os dados sintetizados no Quadro I indicam, ainda, que o empréstimo


pode co-ocorrer com outros procedimentos tradutórios. Veja-se, por
exemplo:

Embora raros (e encontrados quase que exclusivamente em um dos


textos, sugerindo, portanto, tratar-se de marca idioletal de tradutor),
essas combinações de procedimentos são reveladoras do esforço
tradutório empreendido, do desenrolar de um processo decisório na
busca da aproximação possível com a língua/cultura meta. De especial
relevância é a combinação de empréstimo com explicitação,
procedimento que assume quer a forma de aposto (sintaticamente
explícito ou velado sob o manto de um sintagma nominal, ou pela
aposição do próprio empréstimo), quer como nota de rodapé.8
Excepcionalmente, ocorre a relação inversa, com o empréstimo em
rodapé apoiando um outro procedimento aplicado no corpo do texto.
Veja-se, por exemplo:

Observe-se, a propósito, que o empréstimo pode ser uma das várias


soluções utilizadas para a tradução de um mesmo termo, ao longo do
texto traduzido. Assim, por exemplo, o substantivo sertanejo vem
traduzido, no decorrer dos dois primeiros capítulos de Os
Sertões/Rebellion in the Backlands e em Teresa Batista como:
o que é indicativo claro ser o empréstimo não uma estratégia isolada, e
sim parte integrante de um conjunto de recursos mobilizados pelo
tradutor para a superação da barreira posta pelas realidades extra-
lingüísticas discrepantes, sem incorrer no risco oposto, de "apagar" a
alteridade cultural preexistente.9

A situação é, porém, ainda mais complexa. Para além das combinatórias


de procedimentos, ocorrem também alterações de outras ordens. Não
raro, acrescenta-se ao empréstimo uma marca gráfica (aspas ou itálico
ou, mesmo, ambos), como já vimos acima. Ocasionalmente, ocorre o
contrário, e um termo original destacado perde a marca gráfica
distintiva, como em campos gerais, reproduzido na tradução de Os
Sertões como campos gerais. Por vezes, podem ocorrer alterações
gráficas (reduplicação de consoantes, a introdução do dígrafo "ss" em
substituição ao "ç" ou outras alterações aparentemente aleatórias –
introdução ou eliminação de acentos), como em cajuís traduzido como
cajuys, juás convertido em joaz, "sabará-buçu" reproduzido como
"sabará-bussú", etc.10

Uma outra variante dos empréstimos é de natureza mais propriamente


lexical. Em circunstâncias ainda a serem melhor esclarecidas, o tradutor
opta por efetuar uma espécie de empréstimo indireto; ou seja, não se
vale do termo constante do original, mas insere um outro termo da LF
ou, ainda, um termo de uma terceira língua (no caso da relação
tradutória português  inglês, essa terceira língua é, mais
freqüentemente, a castelhana). Assim, por exemplo, em Teresa Batista o
termo gafieira aparece traduzido como samba e, em Rebellion in the
Backlands, araquã é vertido como jacu e mestiço como mestizo. O
Quadro III apresenta os dados quantitativos registrados para estes dois
casos, em confronto com o total de empréstimos simples (ou seja, não
combinados com outros procedimentos).
As alterações de grafismo e de ortografia, bem como os empréstimos
indiretos, ocorrem em ambas as traduções, denotando, portanto,
constituírem sub-procedimentos gerais (vide, porém, nota 10). A
multiplicidade e a flutuação das soluções dadas para o grafismo,
evidente em Rebellion in the Backlands, pode estar indicando uma
dificuldade de estabelecer uma norma de conduta para os empréstimos,
norma essa que já aparece estabilizada em Teresa Batista, com o uso
exclusivo do itálico como marcador gráfico de empréstimo. Seja como
for, na média são 40% das ocorrências de empréstimos simples (em
Teresa Batista, acima de 60%) vêm graficamente assinalados como tais.
Os empréstimos indiretos são raros em Teresa Batista, ao contrário do
que ocorre em Rebellion in the Backlands, em que representam quase
17% das ocorrências de empréstimos simples. O corpus é insuficiente
para determinar se tal fato se deve meramente aos idioletos dos
respectivos tradutores, ou se há fatores vinculados à diacronia da
relação entre a cultura americana e a cultura brasileira que possam
justificar a redução em praticamente 2/3 das ocorrências desta
modalidade de empréstimo. Resta, de todo modo, o procedimento em si,
de interesse qualitativo evidente. Principalmente em Teresa Batista, o
que parece ocorrer é um recurso a termos da LF supostamente de
conhecimento mais geral na cultura de recepção, e/ou um processo de
atualização. Observe-se os cinco casos registrados:

em que mesmo o termo mulatto por mameluco – estritamente falando,


um erro – parece atender ao propósito de manutenção de "cor local"
pelo empréstimo, recorrendo a um sentido mais genérico (indivíduo de
etnia mista), ainda que sacrificando o sentido estrito (indivíduo com
ascendência mista branco + índio em oposição a branco + negro).

3. Considerações finais

Os dados e as reflexões tecidas no que precede constituem indicativos


claros de que o empréstimo, enquanto procedimento de tradução,
reveste-se de elevado grau de complexidade e apresenta facetas
bastante diversas. Nas múltiplas variantes registradas, formais, indiretas
(intra e interlinguais) e em combinação com outros procedimentos, o
corpus analisado apresentou um total de 37 realizações distintas. Ainda
que bom número destas venham a ser tidas como representativas de
uma etapa experimental na lide com a tradução de termos culturalmente
marcados (hipótese levantada para a grande flutuação observada em
Rebellion in the Backlands), e, portanto, em tese, não produtivas na
atualidade, restam pelo menos uma dezena de subprocedimentos
tradutórios envolvendo o empréstimo como elemento central ou
acessório.

O presente estudo e, em grau mais abrangente, o trabalho de Corrêa


(1998), indicam, ainda, que o empréstimo – tanto, é de intuir, quanto
qualquer outro procedimento do ato tradutório – não pode ser avaliado
apenas pontualmente, no entorno co-textual imediato de sua ocorrência.
Para além de sua dimensão frástica, há uma dimensão textual na qual o
empréstimo se insere e no âmbito do qual, em grande parte, se justifica
e se torna eficaz como solução tradutória. O relato de pesquisa ora
apresentado tem, portanto, um caráter sobretudo exploratório: aos
dados quantitativos e distribucionais caberá acrescer, além de novos
dados, envolvendo outras tipologias textuais, outros pares de idiomas e
outras direções tradutórias, investigações de ordem qualitativa, nas
dimensões semântica, pragmática e textual e, muito possivelmente,
investigações de ordem diacrônica.

De todo modo, evidencia-se, desde já, o fato do empréstimo, ao


contrário do sugerido por Vinay e Darbelnet (1958) e do que afirma Wills
(1982) e confirmando a suspeita de Barbosa (1990), não constituir um
procedimento "fácil" do traduzir. Tanto quanto o indicado por Fregonezi
(1984) para a transposição, o empréstimo se desdobra em diversas
opções formais, estilísticas e pragmáticas, ora se impondo como solução
única (obrigatória), necessitando de outros elementos de apoio inseridos
na urdidura do texto traduzido, ora transparecendo como opção
deliberada, buscada pelo tradutor para gerar determinados efeitos na
tradução. Parece poder servir, paralela e simultaneamente, tanto à
perspectiva assimilativa (comunicativa, domesticadora) quanto à
abordagem matricial (semântica, estrangeirizadora). Nesta constatação
de sua complexidade, convida desde já a novas investigações.

REFERÊNCIAS

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proposto por Vinay & Darbelnet. Dissertação de mestrado. São Paulo:
PUCSP. [ Links ]

AMADO, J. 1972. Teresa Batista cansada de guerra. São Paulo: Martins.


Tradução norte-americana de Shelby, B. 1975. Teresa Batista home
from the wars. Nova York: Alfred A. Knopf. [ Links ]

AUBERT, F. H. 1998. Modalidades de tradução: teoria e resultados.


TradTerm 5(1). São Paulo: CITRAT/FFLCH-USP: 99-128. [ Links ]

AUBERT, F.H. 2001. Preconceitos lingüísticos subjacentes ao Projeto de


Lei n.º 1676/99. In: URBANO, H. et al. Dino Preti e seus temas:
oralidade, literatura, mídia e ensino. São Paulo: Cortez. [ Links ]

BARBOSA, H. G. 1990. Procedimentos técnicos da tradução: uma nova


proposta. Campinas: Pontes. [ Links ]

CORRÊA, R. H. M. A. 1998. Barreiras culturais da tradução: Um estudo


de obras de Jorge Amado traduzidas para o inglês. Tese de doutorado.
São Paulo: FFLCH-USP. [ Links ]

CUNHA, E. 1902. Os sertões. 24a ed. 1956. Rio de Janeiro: Francisco


Alves. Tradução norte-americana de Putnam, S. 1944. Rebellion in the
backlands. Chicago: UCP. [ Links ]
DARIN, L. 1986. Translation modalities in the comparison of English and
Portuguese – Analysis of excerpts taken from C. Castañeda's novel "The
Teachings of D. Juan" or "A Erva do Diabo". Dissertação de mestrado.
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FREGONEZI, D. E. 1984. A tradução: uma abordagem lingüística. Tese


de doutorado. Araraquara, UNESP. [ Links ]

NEWMARK, P. 1981. Approaches to translation. Oxford:


Pergamon. [ Links ]

NIDA, E. 1945. Linguistics and ethnology in translation problems. Word


1.2.:194-208. [ Links ]

SCHLEIRMACHER, F. 1813. Über die verschiedenen Methoden des


Übersetzens. In Störig, H. J. 1973. Das Problem des Übersetzens.
Stuttgart. [ Links ]

VENUTI, L. 1995. The translator's invisibility – a history of translation.


Londres/Nova York: Routledge. [ Links ]

VINAY, J. P. & DarbELNET, J. 1958. Stylistique comparée du français et


de l'anglais. Paris: Didier. [ Links ]

WILLS, W. 1982. The science of translation: problems and methods.


Tübingen: Gunter Narr. [ Links ]

ZANOTTO, P. 1993. Tipos de texto e modalidades de tradução. Tese de


doutorado. São Paulo: USP. [ Links ]

Recebido em fevereiro de 2002

E-mail: fhaubert@usp.br
1 Este último caso é ilustrado na linguagem atual da informática, em que
deletar, tido e havido como anglicismo, remonta, na realidade, ao verbo
latino delere. Da mesma origem latina é o termo vernacular delir.
2 Comentários parentéticos deste autor.
3 Sugeri alhures (Aubert, 1998) que o empréstimo não se confunde com
a transcrição, esta sim, uma cópia real, sem interferência do tradutor, e
que ocorre sempre que o original contiver um elemento lingüístico-
conceptual ou cultural comum à LF e à LM (como, p. ex., uma fórmula
química ou algébrica) ou específica de uma terceira língua (como, p. ex.,
um termo em alemão constante de um original francês traduzido para o
português e mantido em sua forma germânica na tradução).
4 Este quadro constitui uma reorganização da Tabela 7 constante de
Aubert (1998).
5 Dados extraídos de Corrêa (1998) e reorganizados de modo a
possibilitar paralelo com o Quadro I.
6 As discrepâncias observadas na distribuição das modalidades em
Teresa Batista entre os Quadros I e II devem-se a procedimentos
operacionais e descritivos não totalmente coincidentes (vide, p. ex., os
respectivos valores encontrados para a omissão). Embora tal não-
coincidência seja, inevitavelmente, impeditiva de um tratamento
quantitativo mais elaborado em base comparativa, a tendência geral
resta confirmada, conforme comentado no corpo deste trabalho.
7 Esta afirmação é reforçada pelo fato de Dona Flor e Seus Dois Maridos
e Tenda dos Milagres terem sido ambos vertidos para o inglês pela
mesma tradutora, B. Shelby. Neste ponto, portanto, o idioleto de
tradutor pesa menos do que a tipologia textual. Vide, no entanto, os
comentários desenvolvidos no parágrafo seguinte.
8 A nota de rodapé, freqüente em Os Sertões, inexiste em Teresa
Batista, o que se explica pelas respectivas tipologias textuais.
9 O emprego do empréstimo paralelamente a outros recursos (em
especial, a explicitação, a adaptação e, ocasionalmente, a tradução
literal) ao longo do texto requer uma abordagem longitudinal que foge
ao escopo do presente trabalho. Para um primeiro estudo com tal
abordagem, vide Corrêa (1998).
10 Considerando a data de publicação de Rebellion in the Backlands
(1944), é muito provável que o tradutor S. Putnam tenha utilizado como
texto fonte uma edição ainda em ortografia tradicional. Nesta hipótese,
as alterações gráficas observadas seriam enganosas, o desvio, se
houver, estando antes nas edições brasileiras pós-reformas ortográficas.
A hipótese é reforçada pelo índice sensivelmente menor de alterações
gráficas observadas em Teresa Batista Home from the Wars. Resta, de
todo modo, a constatação de que a alteração na grafia constitui um dos
subtipos de empréstimo.

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O Brazil de Paule Marshall e o nosso Brazil: um olhar intermediado


pela tradução
By Diego do Nascimento Rodrigues Flores
Universidade Federal do Espírito Santo
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Resumo: O trabalho pretende tratar de questões que foram levantadas durante a tradução
do conto Brazil, de Paule Marshall, em especial aquelas que mais diretamente afetariam as
escolhas feitas pelo tradutor na sua prática transcriatória. Pretende-se também refletir
sobre a importância do tradutor na manutenção da vida de um texto literário e na busca de
uma identidade cultural através da tradução durante a sua luta entre a fidelidade e a
traição.
Palavras-chave: tradução, crítica, fidelidade.

Abstract: The paper intends to discuss some of the questions aroused while translating
Paule Marshall’s Brazil, especially those which more directly affected the choices made by
the translator in his transcreative practice. It is also intended to discuss the importance of
the translator in the maintenance of the life of a literary text, and in the quest for a cultural
identity through translation in his fight for fidelity and against betrayal.
Key-words: translation, criticism, fidelity.
1. O Brazil de Paule Marshall

Paule Marshall, juntamente com outras escritoras como Toni Morrison e Gayl Jones, faz
parte de uma geração de escritoras cujo trabalho está marcado por narrativas que retratam
a aflição e amargura lado a lado com a musicalidade e a alegria, que assim denunciam as
emoções conflitantes e a mistura de cores do continente americano. (COSER: 1995, 3)
“Brazil”, última das quatro novelas de Paule Marshall, foi publicada em 1961, no livro
intitulado Soul Clap Hands and Sing, que em suas quatro novelas (“Barbados”, “Brooklyn”,
“British Guiana” e “Brazil”) dramatiza muitos dos temas que estão presentes em toda a obra
de Marshall: a realidade pós-colonial de uma apartheid social acentuada em convívio com a
multiplicidade de cores e raças. (COSER: 1995, 28)
Jogando com o conceito de identidade e integridade em um meio em que a divisão de
classes salta aos olhos juntamente com as diferenças regionais e o hibridismo de cores
(COSER: 1995, 31), “Brazil” conta a história de Caliban, comediante negro e velho, prestes
a se aposentar e que, depois de 35 anos de carreira, parte em busca do seu eu antes de se
tornar Caliban, quando ainda era somente o Heitor Baptista Guimarães que saíra do interior
de Minas Gerais para tentar a vida no Rio de Janeiro. Ao fim de sua busca, descobre que
aquele Heitor não existe mais, foi esquecido, e que a sua realidade agora passa a ser
somente Caliban. Enfurecido por causa do seu apagamento, resolve vingar-se jogando toda
a sua raiva em cima de Miranda, loira alta e exuberante, imigrante como ele, e que também
é sua companheira de palco, por acreditar que ela e seu apartamento reluzente simbolizam
o próprio Rio, em seu eterno contraste entre negro e branco. Sua vingança, contudo, não
trará de volta o Heitor perdido e Caliban estará fadado a aceitar seu novo eu do qual se
esforçou tanto para se livrar. (COSER: 1995, 33)
Não é difícil imaginar a relevância de Caliban para todos os latino-americanos. Roberto
Fernández Retamar, líder cultural cubano, afirma ser Caliban a melhor metáfora possível
para a “nossa América”, considerando-se que nesta figura está inserida tanto a exploração
perpetrada pelos brancos colonizadores como a possibilidade de uma afirmação de um
pluralismo étnico através de uma inversão de poderes que favoreça as classes oprimidas. E
uma forma de dar continuidade a esta luta é através da escrita de mulheres como Marshall
que se fazem da língua do colonizador para rever a história do continente americano,
denunciando as condições criadas e estimuladas pelo colonialismo. (COSER: 1995, 34)
Assim, da mesma forma que a leitura dos textos destas autoras torna-se necessária para
que se mantenha viva essa chama de subversão, também a tradução das mesmas torna-se
necessária, e esta por sua vez certamente contribuirá para a sobrevivência destes textos na
medida em que o tradutor traz para o seu povo algo que vem de fora, mas que, quando
adentra a sua linguagem, deixa de ser algo estrangeiro e passa a fazer parte do corpo
cultural daquele povo.
Como afirma Silviano Santiago: “Falar, escrever, significa: falar contra, escrever
contra”.(SANTIAGO: 2000, 19). Assinalo, agora, que também traduzir o que está escrito
será um ato subversivo, de revolta, de insatisfação, e que precisa ser exercido, pois a
tradução será não uma simples atividade de cópia ou transporte lingüístico, mas uma
operação transformacional, que dará nova vida ao texto literário ao abrir os horizontes do
mesmo para novas possibilidades de leitura e, portanto de novos questionamentos que, por
sua vez, servirão para a consolidação de uma identidade cultural.

2. O tradutor e o texto literário: algumas considerações

Aceitar traduzir um texto literário, contudo, quase certamente trará momentos de


angústia para aquele que se aventura por estes caminhos. Uma das várias possíveis razões
para este sentimento vem do fato do tradutor estar trabalhando com a criação poética de
outrem, com algo que não lhe pertence, e que possivelmente é um texto já de certa forma
consagrado e também de, antes disso, estar tentando trazer esta criação poética que não
lhe pertence para uma outra língua. Estando o tradutor ciente das dificuldades lingüísticas
que certamente irá encontrar, não é difícil imaginar como ele venha a se sentir.
Contudo, não são só as dificuldades lingüísticas que contribuirão para a angústia do
tradutor. A mesma também poderá aumentar dependendo da forma como o tradutor se
posiciona frente ao texto literário. Caso o tradutor ainda esteje preso À noção de que a
verdadeira e única literatura é, como diz Antoine Compagnon, constituída “pelos escritores
que melhor encarnam o espírito de uma nação” (COMPAGNON: 2001, 33), e que essa
literatura é composta de obras únicas e ao mesmo tempo universais, então sua angústia só
tenderá a aumentar.
Partindo agora do geral para o particular, poderíamos pensar também na figura do autor,
essa figura tão comumente endeusada pelo senso comum, como mais um contribuinte para
o mal-estar do tradutor. Como fica o tradutor frente a essa figura quase divina e
aparentemente tão inacessível? Segundo definição do Dicionário Aurélio, o autor é aquele
que é a causa principal ou a origem de alguma coisa, o inventor, descobridor, criador. O
tradutor, por sua vez, segundo definição do mesmo dicionário, é simplesmente aquele que
traduz, ou seja, aquele que transpõe, que translada de uma língua para outra, que revela,
que explica (FERREIRA: 1999, __). Nessa sua tarefa segundo a definição acima, pode-se
chegar À conclusão de que nada há de criativo na atividade tradutória. O tradutor deve
simplesmente trazer o autor e a sua obra para a cultura para a qual se traduz, como se
carregasse um peso em suas costas tal qual um burro de carga, e que devido a esse
trabalho árduo e que supostamente nada tem de criativo merece menos reconhecimento.
Ao tradutor caberia somente buscar a intenção do autor, que Compagnon define como
sendo “[...]o critério pedagógico ou acadêmico tradicional para estabelecer-se o sentido
literário[...]” (COMPAGNON: 2001, 49). Uma vez que este sentido tenha sido achado, basta
sobre reproduzi-lo segundo as regras da língua-alvo.
Entretanto, para que se chegue a este sentido, o tradutor precisa ser antes de tudo um
leitor. E, na posição de um leitor, o tradutor se vê cara a cara com o dilema da
interpretação, uma vez que neste momento a característica polissêmica do texto literário
mostrará suas garras. Acredito ser essa uma hora decisiva para um tradutor, uma vez que
os tradutores menos experientes, conforme propõe Susan Bassnet, “freqüentemente
começarão a traduzir um texto que ainda não tenham lido ou que tenham lido apenas uma
vez” [1] (BASSNET: 2002, 110, tradução nossa), principalmente se estes tradutores
acreditarem que basta traduzir o que está escrito e que então a suposta “intenção do autor”
surgirá no texto da tradução.
Bassnet, todavia, afirma que o tradutor:

[...] não deve ser tentado pela escola que pretende determinar as intenções originais de um autor com base em
um texto fechado sobre si mesmo. O tradutor não pode ser o autor do texto-fonte, mas como autor do texto
traduzido ele tem uma responsabilidade clara para com os leitores de sua tradução. [2] (BASSNET: 2002, 30,
tradução nossa, grifo do autor)

Da mesma forma, Bassnet também afirma o tradutor não pode simplesmente tentar criar
um texto legível na língua-alvo sem levar em consideração a interação que existe entre as
orações e que dará forma ao texto como um todo (BASSNET: 2002, 115). A interpretação
tem que fazer parte da prática do tradutor, e não é possível traduzir uma oração, como
afirma Eugene Nida, sem se interpretar o seu significado dado que não existe
correspondência exata entre os vocábulos das línguas com as quais o tradutor trabalha
(NIDA: 1996, 7). Em se tratando de um texto literário, tal interpretação assumirá o caráter
de uma tomada de posição frente À obra – a qual dificilmente irá coincidir com a suposta
intenção do autor – e que mudará de tradutor para tradutor.
Seguindo os conselhos de Bassnet para se chegar a uma boa tradução, o tradutor
precisa, antes de qualquer coisa, conhecer o objeto com o qual trabalha: o objeto literário.
Jean-Paul Sartre, citado por Compagnon, define este objeto como sendo “[...]um estranho
pião que só existe em movimento[...]” e que “[...]Para fazê-lo surgir é preciso um ato
concreto que se chama leitura e ele só dura enquanto a leitura pode durar[...].”
(COMPAGNON: 2001, 148). Assim, é o tradutor/leitor que dará vida ao texto em seu
processo hermenêutico. E, uma vez que o tradutor é inevitavelmente um leitor, ele leva
consigo o que faz parte de sua identidade: seus valores e preconceitos.
Compagnon afirma que a nossa leitura é sempre impregnada pelas nossas expectativas e
o que acontece durante a nossa leitura nos leva a estar sempre reformulando as nossas
expectativas e reinterpretando o que já lemos no texto sobre o qual nos debruçamos agora
e sobre os quais nos debruçamos anteriormente (COMPAGNON: 2001, 148). A conclusão a
que Compagnon chega parece responder a pergunta sobre se é possível ou não traduzir. Ele
afirma que “O objeto literário autêntico é a própria interação do texto com o leitor”; dessa
afirmação podemos também concluir que a tradução de uma obra literária, uma vez que
seja aceita pelos que a lêem também como uma obra literária, nada deixa a desejar em
relação ao original.
Deixa ainda menos a desejar se entendermos a questão da originalidade conforme
proposta por Edward Said, que nos aconselha a encará-la não como primeiras instâncias de
um fenômeno, mas como duplicação, paralelismo, simetria, paródia, repetição, ecos do
mesmo e que por isso quem escreve pensaria menos em escrever de forma original do que
em reescrever o que já foi escrito (SAID: 1983, 135).

3. Concepções de tradução: (in)visibilidade do tradutor

Octavio Paz abre seu livro Traducción: literatura y literalidad com as seguintes
considerações:

Aprender a falar é aprender a traduzir; quando uma criança pergunta À sua mãe o significado desta ou daquela
palavra, o que realmente lhe pede é que traduza para sua linguagem o termo desconhecido [...]. [3] (PAZ: 1990,
9, tradução nossa)

Deduz-se daí que, segundo Paz, a tradução está sempre presente em nossas vidas, e em
especial em momentos tão cruciais quanto o é o da formação do nosso primeiro sistema
lingüístico. Contudo, esta é somente uma das espécies de tradução, definida por Roman
Jakobson como tradução intralingual e que segundo ele “consiste na interpretação dos
signos verbais por meio de outros signos da mesma língua” (JAKOBSON: 1995, 64).
Portanto, se partirmos do pressuposto de que as palavras são fruto do grupo cultural do
qual pertencem uma vez que só tem sentido quando usadas por aquele grupo ao mesmo
tempo em que dão forma Àquele grupo, podemos pensar que a identidade do falante de
uma língua é limitada pela própria língua, com o que Paz concorda ao afirmar que

[...] as línguas que nos servem para comunicarmos também nos prendem em uma rede invisível de sons e
significados, de modo que as nações são prisioneiras das línguas que falam [...].[4] (PAZ: 1990, 12, tradução
nossa)
Retomando o que dissemos acima sobre a subjetividade do tradutor estar presente
durante o processo hermenêutico do texto literário, nos perguntamos se também esta
mesma subjetividade, formada nos moldes de uma determinada cultura, por seguinte de
uma língua, não estará presente também no seu discurso no momento em que estiver
reescrevendo na língua-alvo a obra que traduz.
Quanto a isso, Solange Mittmann responde afirmando que há duas concepções de
tradução que tomarão posições diversas quanto À questão acima. À primeira concepção
chama de tradicional, sob a qual alinha as idéias de três teóricos: Eugene A. Nida, Erwin
Theodor e Paulo Rónai, dentre os quais diz haver uma idealização do original onde o sentido
pretendido pelo autor é transparente e alcançável. Cabe ao tradutor, dentro desta
concepção, simplesmente o transporte deste sentido, não sendo aceitável qualquer tipo de
interferência da subjetividade do mesmo, figurando entre suas obrigações o seu próprio
apagamento em favor da transparência do autor original.[5] À segunda concepção chama
de contestadora, sob a qual coloca Francis H. Aubert, Rosemary Arrojo, Lawrence Venuti e
Theo Hermans, a quem atribui uma visão que expressa que o sentido já não é mais
determinado pelas intenções do autor, sendo antes disso uma imagem criada pelo próprio
tradutor, imagem essa determinada por diversos fatores externos e onde o tradutor tem um
papel ativo sobre o que produz e que justamente por isso a sua presença se faz óbvia por
todo texto (MITTMAN: 2003, 33).[6]
Durante a tradução de Brasil, fiquei um tanto dividido entre as duas concepções
brevemente expostas acima, o que veremos mais detalhadamente na análise que faremos
de alguns trechos da referida tradução logo a seguir.

4. O nosso Brasil: algumas pedras no caminho

Proponho, nesta parte do trabalho, tratar das pedras encontradas no caminho percorrido
em busca da recriação do conto de Marshall em nossa língua. Não será possível aqui,
infelizmente, tratar de cada uma delas devido ao espaço limitado que temos para a
apresentação do caminho percorrido. Tomo a liberdade, portanto, de escolher aquelas que
para mim são mais representativas por se tratarem de dúvidas que insistiram em
permanecer comigo por mais tempo.
O primeiro parágrafo, certamente, foi o que mais pareceu resistir À tradução. Era como
se travasse uma luta corporal com o texto e o sentimento que tive durante a tradução do
mesmo era o de que a derrota parecia estar cada vez mais próxima. Traduzi-o por teimosia
e por vários momentos fui obrigado a encará-lo novamente, como se o mesmo pedisse por
uma revanche.
Desta batalha, cito, por exemplo, a primeira linha traduzida inicialmente como “Três
trompetes, dois saxofones, um só trombone; um piano, bateria e um violino grave”. No
texto de Marshall, este violino grave na verdade trata-se de um bass fiddle. Minha primeira
opção de procedimento de tradução para este termo foi o que Heloísa Barbosa chama de
tradução literal, que segundo a autora “corresponde À mais difundida a respeito da
tradução” (BARBOSA: 1990, 65) e que consiste na manutenção da fidelidade semântica
estrita, repeitando-se, contudo, as normas gramaticais da língua da tradução.
Dessa forma, a tradução a que se chegou foi violino grave. Entretanto, o termo não
parecia apropriado, uma vez que não parecia estar em harmonia com os outros
instrumentos de uma banda que se apresentava num local chamado Casa Samba. Depois de
pesquisar em vários dicionários, cheguei ao Random House Unabridged Dictionary, para o
qual bass fiddle é um sinônimo de double bass, que por sua vez é definido como

O maior instrumento da família do violino, que tem três ou, geralmente, quatro cordas, posicionado verticalmente
ao chão quando tocado.
Também chamado bass fiddle, bass viol, contrabass, string bass.[7] (colocar referência, tradução nossa).

Depois, recorri ao Collins English Dictionary que define o mesmo instrumento como

Instrumento de cordas, o maior e mais grave membro da família dos violinos. Alcance: quase três oitavas acima
de mi, no espaço entre a quarta e a quinta linha suplementar abaixo da pauta grave. Na música clássica, é
geralmente tocado com arco, mas é muito comum no jazz e nas orquestras de dança, onde é quase sempre
tocado pizicato. Nome informal: bass fiddle.[8] (colocar referência, tradução nossa).

Após analisar cuidadosamente as entradas acima, decidi ser melhor traduzi-lo por
contrabaixo, por levar em consideração que este termo é um dos possíveis sinônimos para
bass fiddle. Acredito que a autora, ao retratar a Casa Samba, tinha em mente na verdade
uma espécie de Jazz Bar, devido À natureza dos instrumentos que cita, o que é confirmado
pela citação acima que afirma que aquele tipo de instrumento, apesar de ser usado na
música clássica, também é muito comum no jazz. Por mais relutante que eu seja em
relação Às perdas, preciso admitir que se perde, contudo, naquela tradução, a carga de
informalidade do nome bass fiddle ao traduzi-lo por contrabaixo.
Tratemos agora de uma outra pedra que encontrei pelo caminho. No Brazil de Marshall,
onde se lê “He had been Everyman” (MARSHALL:1961, 135), minha primeira opção de
tradução foi “Ele fora João Ninguém”. O Collins English Dictionary define o termo Everyman
como

1. peça medieval inglesa na qual a figura central representa a humanidade, cujo destino terreno é dramatizado
do ponto de vista cristão.
2. (geralmente em letras minúsculas) pessoa inferior; homem comum.[9] (colocar referência, tradução nossa).
Quando ainda estava trabalhando na tradução, apenas conhecia a última parte da
definição acima, o que me induziu ao erro de traduzir Everyman por João Ninguém. Depois
de ter tomado consciência do erro, parti em busca de uma outra solução, que foi encontrada
por acaso. A saída encontrada foi Todo-Mundo, vocábulo presente em Lingüística e
Comunicação de Roman Jakobson, obra traduzida por Izidoro Blikstein e José Paulo Paes
(JAKOBSON: 1995, 64). Contudo, foi preciso adicionar uma nota de rodapé explicando ao
leitor da tradução a alusão que Marshall faz À moralidade alegórica medieval inglesa, já que
não se deseja que este detalhe passe desapercebido.
Outra dúvida presente no meu caminho em busca da tradução foi sobre o que fazer em
relação ao mal uso que Marshall faz da língua portuguese em seu conto. Um desses erros, e
que se repete através do texto, pode ser visto na página 141: “[...] Henriques, who also
served as Caliban’s valet, entered with the cup of café Sinho he always brought him after
the last show”.(MARSHALL: 1988, 141)
Dentre os procedimentos apresentados por Heloísa Barbosa está o que ela chama de
melhorias, que “consistem em não se repetirem na tradução os erros de fato ou outros tipos
de erro cometidos na TLO” (BARBOSA: 1990, 70). Este foi o procedimento adotado para
todas as ocorrências de erros como o acima citado, traduzido como “...Henriques, que
também servia de camareiro de Caliban, entrou com a xícara de café que sempre lhe trazia
após o último show”.
Um outro exemplo está no nome de uma das personagens da novela. Na página 172,
lemos a seguinte fala de Caliban: “Go home, Luiz” (MARSHALL: 1988, 172). Se analisada
fora do contexto em que a fala ocorre, aparentemente não haveria nada de errado com o
nome Luiz. Mas quando tomamos conhecimento de que Luiz é uma garota, empregada de
Miranda, o problema fica evidente, já que este não seria um nome normalmente dado a
uma garota. Uma possível explicação para o erro da autora é o som do nome Luiz, que
quando pronunciado lembra em muito o nome inglês Louise, que é feminino. Decidiu-se,
então, por corrigir o nome para Luiza, e por fazer uma nota de rodapé indicando o que
ocorre no texto em inglês.
Contudo, apesar do português nem sempre estar correto no texto de Marshall, o uso que
ela faz do mesmo dá um ar de estrangeirismo e exoticidade ao seu texto, perdido ao ser
traduzido para o português, ao que o tradutor tem que se contentar com a tentativa de
recriar este efeito indicando ao leitor, em notas de rodapé, os trechos que estavam em
português no original.
Devo ressaltar também que, durante a tradução de “Brazil” a preocupação com a
manutenção da pontuação do texto original. Marshall, ao contrário do que é de costume na
língua inglesa, utiliza períodos longos. Contudo, a reconstrução de períodos, que segundo
Heloísa Barbosa “consiste em redividir ou reagrupar os períodos e orações do original ao
passá-los para a LT” (BARBOSA: 1990, 70), teve que ser adotada no texto traduzido. A
“fluência” do texto, que para Ana Cristina César “é uma necessidade óbvia” (CéSAR: 1988,
96), foi alterada sempre que a manutenção da pontuação acabasse por produzir um efeito
indesejável. Vejamos, por exemplo, a seguinte passagem em que Marshall descreve
Miranda:

[…] She was a startlingly tall, long limbed woman with white skin that appeared luminous in the spotlight and
blond hair piled like whipped cream above a face that was just beginning to slacken with age and was all the
more handsome and arresting because of this […]. (MARSHALL: 1988, 132)

Este é um período consideravelmente longo para os padrões da língua inglesa no qual


percebe-se o uso de apenas uma vírgula para separar os adjetivos atribuídos a Miranda.
Vejamos agora como ficou a tradução do mesmo trecho:

Ela era uma mulher surpreendentemente alta, de membros longos, com uma pele branca que parecia luminosa
ao holofote, com um cabelo loiro amontoado como creme chantilly sobre uma face que estava começando a se
apagar com a idade e que, justamente por isso, era ainda mais bela e cativante.

Apesar de não ter sido necessário dividir o período de Marshall em períodos menores, a
alteração da pontuação durante a tradução adiciona certas pausas que não estavam no
texto original. Ana Cristina César afirma que

[...] em prosa, o ritmo não é mensurável e depende diretamente da sintaxe e do conteúdo; pode, então,
acontecer que a consciência de ritmo que o texto nos transmite se evapore, capitulando perante o interesse pela
trama do livro [...]. (CéSAR: 1988, 97)

Em tradução, perde-se por um lado, quando precisamos alterar o ritmo, o movimento, do


texto original. Por outro lado, se ganha um novo texto, um novo original, com
características próprias e que fala a nossa própria língua e que por isso torna-se nosso. O
capitular de que Ana Cristina César fala, portanto, parece não caber, pois o que passamos a
ter em mãos não é um texto rendido, que cedeu mediante sua incapacidade de imitar a sua
fonte, mas um texto que dá um passo além de sua fonte, um passo para dentro de novas
possibilidades que fazem dele um texto novo que precisa ser lido como um original. Retomo
aqui a posição assumida por Edward Said, para quem a originalidade tem que ser perda,
caso contrário não passará de repetição (SAID: 1983, 132); se a tradução pudesse ser
simplesmente repetição, seria estéril. Deste modo, toda perda que ocorre na tradução
termina por contribuir simplesmente para a originalidade da mesma.
5. Tradução: fidelidade ou liberdade? A voz do latino

Proponho aqui algumas palavras finais sobre o eterno dilema da fidelidade pelo qual todo
tradutor inevitavelmente passa e do qual dificilmente, creio, será capaz de se livrar.
Preocupação constante durante a tradução de Brasil, minha posição frente a esse dilema
sofreu profundas alterações já que na busca pela fidelidade ao texto de Marshall, chegou-se
de fato, o que parece agora ter sido inevitável, a um novo texto, produto de uma luta entre
a fidelidade e a liberdade criativa.
Falar de liberdade criativa, no entanto, quanto se fala de tradução pode parecer absurdo.
Pergunto se é possível, contudo, falar de liberdade criativa no continente latino americano
quando se fala em autoria de obras inéditas. Eduardo Coutinho cita Edward Said, para quem
os escritores estariam ligados À história de suas sociedades, influenciando e sendo
influenciados pela mesma e pela experiência social. (COUTINHO: 2003, 91) Desta forma,
toda originalidade possível estaria de certo modo pré-determinada pelo tempo de sua
criação.
Igualmente, para Friedrich Nietzsche, existem traduções honestas, fiéis digamos, que
resultaram em falsificações, vulgarizações do original, porque não puderam reproduzir seu
tempo ousado e alegre (NIETZSCHE: 2003, 35). Daí conclui-se que para se chegar a uma
boa tradução deve-se pensar menos em honestidade e mais em ousadia, em tomada de
posição consciente.
Esta tomada de posição consciente torna-se ainda mais importante na medida em que,
como afirma John Milton, “a tradução torna-se uma das maneiras principais de introduzir
novos modelos em uma dada literatura” (MILTON: 1998, 35). O diálogo com Walter
Benjamin aqui parece claro, pois para o pensador “[...] A obra de tradução [...] imprime
marcas não menos profundas na história [...].” (BENJAMIN: 2001, 205). Assim, a
responsabilidade do tradutor vai muito além da sua responsabilidade para com o texto À
sua frente. A obra criada pelo tradutor poderá servir para alterar a forma como se escreve
dentro de sua própria cultura, pois ela será um elemento novo servindo de porta-voz de
novas possibilidades poéticas.
Fidelidade absoluta ao texto, portanto, torna-se, além de impossível, indesejável. Da
mesma forma que, segundo Rosemary Arrojo, não é possível fazer a leitura de qualquer
texto sem projetar nesta leitura tudo aquilo que nos constitui como leitores e membros de
uma comunidade (ARROJO: 1993, 19), também não é possível, nem desejável o total
apagamento do tradutor. Não desejável na medida em que, uma vez que a presença do
tradutor, figura responsável pela apropriação não passiva ou obediente, mas antropofágica,
do que vem de fora, torna-se evidente, as chances de que o mesmo ganhe um status
diferente do status marginalizado que ocupa só tendem a aumentar.
Como afirmei anteriormente, durante o processo tradutório de Brasil, estive muito
dividido pela questão da fidelidade, e que o resultado desta luta foi um novo texto. Resalvo,
no entanto, que este novo texto de que falo foi mais um produto de uma posição ainda
bastante conservadora a respeito da tradução, de uma fase ainda embrionária da minha
formação como tradutor, do que a de uma posição mais ousada, a qual afirmo agora ser
necessário assumir. Deste processo ficou a reflexão, cuja formulação espero perdurar
enquanto me for permitido, sobre a tarefa do tradutor.
Para Walter Benjamin, a tarefa do tradutor é a de “[...] liberar a liberar a língua do
cativeiro da obra por meio da recriação [...].” (BENJAMIN: 2001, 211). Ouso afirmar agora,
uma vez percorrido o caminho que trilhei durante a tradução de Brasil, que a tarefa do
tradutor latino-americano, oriundo de uma sociedade injustamente estigmatizada pela falta
de uma tradição autóctone, passa a ser, portanto, a de fazer uso do que Homi Bhabha,
teórico do Pós-Colonialismo citado por Coutinho, chama de mimicry: a apropriação criativa,
“mistura ambivalente de deferência e desobediência” (apud COUTINHO: 2003, 93). Usemos
então a língua colonial contra o colonialismo, sejamos o Caliban shakespeariano que repele
Miranda dizendo: “Ensinaste-me tua língua, e o que ganho com isso é saber praguejar”[10]
(SHAKESPEARE: 1995, 39, tradução nossa).

[1] “ will frequently start to translate a text they have not previously read or that they have
read only once some time earlier” (BASSNET: 2002, 110)

[2] should not be tempted by the school that pretends to determine the original intentions
of an author on the basis of a self-contained text. The translator cannot be the author of the
SL text, but as the author of the TL text has a clear moral responsibility to the TL readers

[3] Aprender a hablar es aprender a traducir; cuando el niño pregunta a su madre por el
significado de esta o aquella palabra, lo que realmente le pide es que traduzca a su leguaje
el término desconocido.

[4] las lenguas que nos sirven para comunicarnos también nos encierran en una malla
invisible de sonidos y significados, de modo que las naciones son prisioneras de las lenguas
que hablan.

[5] Não devemos nos esquecer, porém, que estas idéias foram publicadas há pelo menos
duas décadas atrás (Nida é citado com base em um livro seu publicado em 1964), conforme
consta em bibliografia apresentada pela autora, e que por isso é provável que os mesmos
autores apresentem hoje posições diversas das citadas acima.

[6] Mais uma vez chamo À atenção aqui o fato dos autores que Mittmann alinha sob a
denominação de concepção contestadora tiveram os trabalhos citados publicados durante a
década de 90. Mesmo Eugene Nida, citado como pertencente À uma concepção tradicional
de tradução, adota uma posição divergente da tradicional em um artigo publicado em 1996.
Cf. NIDA, E. Translation: possible and impossible. In: ROSE, Marilyn Gaddis (Ed.).
Translation horizons beyond the boundaries of translation spectrum. Binghamton:
Suny, 1996.

[7] the largest instrument of the violin family, having three or, usually, four strings, rested
vertically on the floor when played. Also called bass fiddle, bass viol, contrabass, string
bass.

[8] A stringed instrument, the largest and lowest member of the violin family. Range:
almost three octaves upwards from E in the space between the fourth and fifth leger lines
below the bass staff. It is normally bowed in classical music, but is very common in jazz or
dance band, where it is practically always played pizzicato. Informal name: bass fiddle.

[9] 1. a medieval English morality play in which the central figure represents mankind,
whose earthly destiny is dramatized from the Christian viewpoint. 2 (often not capital) the
ordinary person; common men.

[10] You taught me language, and my profit on’t is, I know how to curse

Bibliografia

ARROJO, Rosemary. Tradução, desconstrução e psicanálise. Rio de Janeiro: Imago Ed.,


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TRADUTOR. In: FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio Século XXI.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira: 1999. colocar página.

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