Os quatro anos de pesquisa sobre o trabalho voluntário envolveram várias
discussões com o orientador, com grupo de estudo e em sala de aula, além de diversas leituras, pesquisa documental, pesquisa de campo acompanhadas de algumas observações empíricas. Tudo isso leva a compreender que o trabalho voluntário é um fenômeno complexo que, cada vez mais, ganha espaço na sociedade, adentrando em diversos setores como o econômico, o político, o social, o cultural e o religioso. Contudo, apesar dessa sua expressividade na sociedade, pouco se tem explorado e problematizado o trabalho voluntário no campo científico. Para além dos objetivos propostos no trabalho, após esse percurso apreende-se que o trabalho voluntário precisa ser compreendido em várias dimensões. Precisa-se conhecer melhor o seu movimento histórico; o porquê de sua expansão; como está sendo inserido em diversos campos de trabalho; as razões de estar vinculado a crenças religiosas; as demandas que estão sendo atendidas, como e para quê; por que está vinculado uma Lei trabalhista esparsa e não na Constituição; por que se reproduz nas carências sociais e materiais, dentre outras observações analíticas que merecem ser trabalhadas em futuros estudos e pesquisas. A título de comentário final, percebe-se que o trabalho voluntário, no município de Passos, persiste com suas raízes cristãs no seu modo ser e existir apesar de, na atualidade, ser incorporado em ações vinculadas às políticas públicas, onde deveriam prevalecer a garantia e a efetivação dos direitos das pessoas, enquanto cidadãos. Portanto, a incorporação do trabalho voluntário para o desenvolvimento de ações vinculadas às políticas públicas não retira seu caráter caritativo cristão. Esse fato pode comprometer a prestação dos serviços socioassistenciais à população, que vivencia as expressões da questão social, ocorrendo retrocesso nas políticas públicas com a manutenção do assistencialismo tutelador que se expande na espoliação do trabalho. Há expressivo número de trabalhadores(as) voluntários(as), no município de Passos, inseridos nas instituições filantrópicas, vinculadas ao Conselho Municipal de Assistência Social, prestando serviços assistenciais à população que não é atendida pelas políticas públicas locais. E, esses trabalhadores(as) voluntários(as), em sua maioria formado por mulheres, casadas, com idade entre 50 a 69 anos, encontra-se na condição de aposentadas, com salários que variam entre 1 a 4 salários mínimos e possuem curso superior. Compreendem o trabalho voluntário como um misto de compaixão, solidariedade e responsabilidade; não recebem treinamento para a função; mas, sentem essa necessidade. Não identificam o trabalho voluntário com o trabalho assalariado, pois não acreditam que o voluntário pode retirar a vaga de um assalariado. Sentem que esse tipo de trabalho traz ganhos à vida pessoal e são reconhecidos por essa forma de trabalho. Constroem a ideia em torno do trabalho voluntário sob a necessidade de atender mais a interesses pessoais, geralmente ligados a satisfação, religiosidade e, também, a um tipo de aprendizado que se conquista. Atribuem a esse tipo de trabalho apenas coisas boas, tanto no ato de se doar como no ato de se receber algo em troca. São motivados por valores cristãos para o atendimento a alguma questão pessoal e por tradição familiar. Não conseguem descrever suas atribuições enquanto trabalhadores(ras) voluntários(as), dando a essa função adjetivos de cunho moral e messiânico. Por fim, os impactos sobre as comunidades ou população atendida por esse trabalho se mostram frágeis, com resultados pontuais. Enfim, não se percebe no trabalho voluntário realizado no município a migração da caridade para a cidadania, mas uma continuidade dos valores cristãos projetados nas ações de âmbito governamental realizadas com o apoio das instituições filantrópicas. Essa pesquisa de campo procurou responder como se encontra organizado o trabalho voluntário na prestação de serviços socioassistenciais no Município de Passos e a consciência construída em torno desse trabalho por parte quem o executa, tendo como referência a perspectiva histórico crítica, que possibilitou compreender o movimento histórico do trabalho voluntário no Brasil e sua ligação com a questão política e econômica atendendo a interesses múltiplos, sendo controlado pelo Estado e desenvolvido pela sociedade civil organizada. CONCLUSÃO
O objeto da tese, que trata do trabalho voluntário na perspectiva de
processo da caridade cristã à ação cidadã, revelou que a prática do trabalho voluntário é uma tendência em franca expansão para o atendimento das demandas sociais, substituindo/complementando players basilares, como o Estado e o setor empresarial privado, tangenciado por valores caritativos, morais e religiosos. Num primeiro momento, procedeu-se a realização de uma pesquisa de análise bibliométrica com o objetivo de identificar como o trabalho voluntário é tratado nas produções acadêmicas dos cursos de pós-graduação. Elegeu-se como fonte de dados a BDBTD, onde foi identificado que o tema é predominante, apenas, nas dissertações de mestrado, tendo as áreas da Administração e da Psicologia as que mais abordam o assunto. Esses dados juntos ao referencial teórico elaborado por meio de consulta a artigos publicados em revistas científicas e livros - tendo em vista as poucas publicações específicas sobre o tema -, deram suporte à realização do Exame de Qualificação. Em seguida, passou-se à revisão das Encíclicas Papais com o objetivo de identificar o incentivo para o desenvolvimento da caridade cristã, desenvolvido pela Igreja Católica e, à leitura de livros que tratassem do tema dentro dos programas governamentais até chegar a práxis com a pesquisa de campo. Desenvolvido esse percurso, consolidou-se o referencial teórico, observando-se que ainda não se saiu do constructo da condição caritativa no trabalho voluntário. Percebe-se que o trabalho voluntário é tema ainda pouco explorado nas pesquisas acadêmicas, e que as áreas, que por sua natureza, deveriam se ater de forma crítica sobre essa questão - como a Sociologia-, são as que menos têm contribuindo com pesquisas e análises. Atualmente, as áreas da Administração e da Psicologia são as áreas que se dedicam sobre a temática, construindo conhecimento que, na maioria das vezes, ajudam a fomentar essa prática sem, contudo, colocá-la em questionamento. Assim, a ação caritativa religiosa ganha novas funcionalidades no trabalho voluntário, que ultrapassam as instituições filantrópicas, atingindo questões ligadas ao bem-estar por parte de quem a realiza até a criação de estratégias para organização e desempenho desse voluntariado em ambientes privados. O desenvolvimento do trabalho voluntário como ação caritativa ganha projeção nas Cartas Papais, sendo a Igreja Católica importante influenciadora dessa prática, ocupando espaços na sociedade, deixados pelo Estado no atendimento à população empobrecida e, ao mesmo tempo, impondo a sua moral conservadora cristã. Esse envolvimento da Igreja rendeu-lhe certo controle sobre a sociedade e estreita relação com o Estado. Nesse misto de caridade e solidariedade vai se materializando o trabalho voluntário, que passa a ocupar espaços na agenda política e econômica. Assim, o trabalho voluntário passa a fazer parte das estratégias governamentais para o atendimento a grande massa de desprovidos dos mínimos sociais, chegando ao ponto de ser regulamentado juridicamente e incentivado por meio de ações que valorizem o desenvolvimento dessa prática. Entretanto, esse aparato em torno do trabalho voluntário é questionável e duvidoso, a partir do momento em que se aprofunda, de forma crítica, suas reais funcionalidades. Todavia, é no plano econômico que o trabalho voluntário ganha terreno para se expandir, e encontra sustentação nos incentivos ficais para o desenvolvimento de ações de responsabilidade social, que contam com a formação de um novo tipo de voluntariado: aquele que se sensibiliza com a ação, não apenas movido pelos ideais religiosos, mas pelas perspectivas de ganhos à vida pessoal e profissional. Tem-se, também, as parcerias entre o público e o privado que são mediadas pelas instituições filantrópicas e ONG’s que recebem subsídios do governo para realização de atividades de cunho assistencial. Verifica-se um terreno fértil para a proliferação dessa prática, que passa a ser regida sobre a lógica do poder econômico e, ao mesmo tempo, que cresce essa ação, aumenta- se os problemas advindos das expressões da questão social. O trabalho voluntário, na esteira do Serviço Social, vem ocupando espaços nas políticas públicas. Essa tendência deve-se ao fato do Assistente Social ser um profissional que tem como objeto de seu trabalho as expressões da questão social e o trabalho voluntário ser uma criação do sistema para a perpetuação do assistencialismo caritativo junto a grande massa de desprovidos dos mínimos sociais. Essa ligação do voluntariado com as políticas públicas surgiu no governo Vargas e vem sendo reafirmado nos governos subsequentes, atendendo os excluídos com o uso de mão de obra (de)salariada e, na maioria das vezes, não qualificada para tal função, fazendo com que as pessoas recebedoras desse serviço perpetuem-se na condição de tutelamento e subalternização. Em consequência, põe-se em risco as conquistas da assistência social como política pública, onde a assistência é dever do Estado e direito do cidadão, além de corroborar para a refilantropização no campo da prestação de serviços assistenciais, com estimulo à participação de entidades privadas a iniciativas do voluntariado, fortalecendo os interesses privados na implementação dos serviços sociais, afetando o seu caráter público. Esse quadro desarticula as possibilidades de atuação do assistente social, no sentido de contribuir para assegurar e ampliar os direitos sociais já obtidos constitucionalmente, afetando qualquer tentativa de possibilidade emancipatória cidadã. Chega-se à conclusão que: • se perpetuam os valores cristãos na prática do trabalho voluntário, que essa prática é mais uma forma de espoliação do trabalho nos atuais espaços em que se amplia; • que há continuada (re)filantropização das demandas sociais com o incentivo do trabalho voluntário; • que o trabalho voluntário vai se reinventando numa cidadania mascarada, ou seja, é compreender a premente necessidade de se aprofundar sobre outros elementos, que dão dinamicidade a esse tema na contemporaneidade; • e, as pesquisas acadêmicas são um recurso indispensável para a compreensão das múltiplas formas de manifestação e inserção do trabalho voluntário na sociedade, precisando que se propicie e provoque reflexões a respeito. Reconhecer esses óbices é uma forma de construir conhecimento, não no sentido restrito de negativar essa prática, que na maioria das vezes é realizada pelo sentimento humanitário das pessoas, mas sob a ótica de politizar essa ação num processo de desalienação das circunstâncias, que envolvem o trabalho voluntário, edificando assertivas no rumo à efetivação da cidadania. Para responder a tal desafio, a comunidade acadêmica carece estabelecer interlocução entre os conhecimentos produzidos junto aos trabalhadores sociais e ao voluntariado, para que tenham consciência de suas participações e posições em relação às ações, que visam atender os excluídos sociais. No campo jurídico é importante que se reconheça o trabalho voluntário, não como caridade ou, como ação civil para justificar o exercício de uma atividade não remunerada, é importante reconhecê-lo como trabalho que necessita de contrapartida, de benefícios comuns a qualquer trabalhador como: vale transporte, vale lanche, cursos de capacitação e outras iniciativas qualitativas. Enfim, promover o reconhecimento desta categoria de trabalho, através do reconhecimento, de sorte a que cidadanizar essa ação e recuperar o compromisso emancipatório das políticas sociais.