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H
John Waters – O Papa do Trash AS
TR
Abbade, Mario (org.) DO
APA
1ª. Edição OP
Janeiro de 2012
ISBN 978-85-902293-4-6
Produção editorial e revisão:
Angélica Coutinho e Leonardo Luiz Ferreira
Projeto gráfico: Guilherme Lopes Moura
Todos os direitos reservados.
É proibida a reprodução deste livro com fins
comerciais sem prévia autorização dos organizadores.
CAIXA Cultural tem a satisfação de apresentar a a CAIXA, uma das empresas que mais investem em cultura no
mostra John Waters – O Papa do Trash que traz a Brasil, sente-se honrada em patrocinar mais essa ação cultural,
filmografia de um dos mais irreverentes cineas- contribuindo para estreitar os laços com a cultura norte-ameri-
tas norte-americanos. John Waters é considerado cana, bem como proporcionando mais uma mostra de qualida-
um dos precursores do cinema underground e da contracultu- de aos visitantes de seus espaços culturais.
ra, inovou a arte de filmar ao apresentar personagens excluídos,
CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
maltratados e pouco convencionais, buscando o retrato do lado
B da sociedade americana.
A mostra promove uma avaliação profunda e inédita da
obra do cineasta de Baltimore, permitindo ao público uma ex-
periência completa por meio da exibição de todos os seus lon-
gas-metragens. Propicia o contato com um dos nomes mais
relevantes da atualidade, em que toda sua versatilidade e sin-
gularidade poderão ser apreciadas.
O projeto, selecionado pelo Edital 2010 de Ocupação
dos Espaços da CAIXA Cultural, traz durante três semanas aos
espectadores do Rio de Janeiro um autor singular que deu voz
aos outsiders e influenciou dezenas de cineastas que envere-
daram por outros caminhos estimulados por suas produções.
Esta seleção de filmes, apesar de sua reconhecida qua-
lidade, tem ainda acesso restrito nas salas comerciais. Por isso,
r a J o h n W a ters -
Most a do Trash
O P a pabbade
po r m ar io

s vezes as pessoas me escrevem e dizem que eu escárnio chegaram ao seu patamar mais baixo, John Waters em-
dei a elas coragem para fazer algo que eu pro- purra ainda mais os limites, para bem longe do convencional.
vavelmente diria a elas para não fazer. Você tem No entanto, o diretor já esclareceu que o que faz é uma espé-
que lembrar: são fantasias. Eu escrevo roteiros, cie de justiça com a própria câmera: “Todos os meus filmes são
eu não faço essas coisas.” A declaração de John Waters pode muito morais.  O s oprimidos sempre vencem. As pessoas amargas
surpreender quem conhece o diretor americano por filmes ico- são punidas, e as pessoas que estão felizes com elas mesmas
noclastas como Pink Flamingos, ou mesmo títulos mais popula- ganham. São todos sobre guerras entre dois grupos de pessoas,
res como Hairspray. Underground, camp e trash são as palavras geralmente envolvendo moda, que significa padrões de condu-
mais associadas ao nome de Waters –­­ e deixam claro como o ta. É parte de uma campanha ao longo da vida contra as pessoas
cineasta costuma ser visto. lhe dizendo o que fazer com  o s seus próprios assuntos”.
O fato de esses rótulos serem tão facilmente pregados Waters é considerado um precursor, já serviu de obje-
em Waters pode até fazer com que fique difícil definir a que to de teses em diversas universidades no planeta. Seus filmes
gênero pertence sua obra. Mas um predicado é certo: a classe são representativos da produção norte-americana que vai de
média norte-americana nunca foi retratada de forma tão chas- encontro ao cinemão tradicional. Situações estapafúrdias que
queada como em seus filmes. O diretor descortina um lado da misturam violência e comédia são uma de suas marcas. Num
realidade que nunca é convidado para se sentar à mesma mesa primeiro momento, elas podem soar agressivas, mas essa im-
que o american dream. John Waters aborda um universo parti- pressão não resiste a um olhar mais crítico –­ e revelador de
cular, tido como inconcebível mesmo nos sonhos mais devas- que a tentativa de chocar tem como objetivo questionar con-
sos da maioria. Movido por um humor cáustico que serve de ceitos impostos. Não à toa, o que há de único em seus filmes
combustível aditivado, seu trator segue triturando tabus. E, fez com que obras suas emergissem do underground para cair
quando os fiscais do bom gosto avaliam que a imoralidade e o nas graças do mainstream.
Seus primeiros projetos guardam uma ousada paixão Robin Williams, em Uma Babá Quase Perfeita, de 1993) chegou também um apêndice com todos os longas de outros direto-
pelo grotesco. Há, em Waters, uma fascinação pelo choque en- ao posto de filme número um na América. Se você tem uma mu- res que tiveram como estrela Harry Glenn Milstead – a famosa
tre o sagrado e o profano. “Eu não me arrependo de nenhuma lher, amam te ver de drag.  Se você não tem: ‘Pervertido!’” e única Divine.
das selvagerias dos meus primórdios, tenho um verdadeiro ca- Ainda hoje, mesmo com todas as transformações sociais Passados 48 anos desde que John Waters empunhou
rinho com esse período. Mas eu acho que haveria algo de er- das últimas décadas, os filmes de John Waters continuam cho- sua primeira câmera de 8mm, o diretor continua com o mes-
rado se eu me comportasse daquele jeito agora. Você deve ter cando. Seus longas mais polêmicos – e responsáveis por inau- mo senso de humor e tiradas sarcásticas. Morando em Nob
suas crises de identidade quando é jovem, caso contrário, você gurar uma nova percepção – foram lançados no final dos anos Hill, São Francisco, num prédio que lembra o Temple Gardens
terá uma vida adulta infeliz”, já disse o cineasta. 60 e início dos 70. Cineastas como Jim Jarmusch (Estranhos no de sua Baltimore, Waters comentou recentemente: “Logo que
Depois de romper muitas barreiras, o eterno irreveren- Paraíso), Hal Hartley (Confiança) e David O. Russell (Três Reis) cheguei aqui, morava no meu carro, a cinco quarteirões de
te John Waters enveredou por uma fase com histórias um pou- já declararam o quanto a filmografia de Waters os influenciou onde estou agora. Apesar de ter uma vida melhor, eu continuo
co mais convencionais. Mas o foco de seus personagens nunca e foi importante para seus projetos. Muitos descobriram com o mesmo. Atualmente, pago mais caro pela mesma roupa, para
mudou: os excluídos, os maltratados, aqueles com comporta- ele que havia outras maneiras de se fazer cinema, diferentes continuar parecendo um sem-teto. Eu realmente não mudei.
mentos considerados desviantes. Waters deu voz aos outsiders, das usuais. Meu último filme (Clube dos Pervertidos) teve problemas com a
aos grupos sexuais acostumados a viver num limbo à margem Assistir aos filmes de Waters ­­– assim como ver suas censura. Não há diferenças. Eu era feliz antes e sou feliz agora”.
da sociedade. É a aceitação do diferente, do singular, o rompi- apresentações ao vivo, seus trabalhos de artes plásticas, ou
mento com os dogmas que dá o tom. Para além do star system, qualquer outra das formas de expressão que o diretor usa para
protagonistas fora dos padrões estéticos estrelam histórias que destilar sua verve – é uma maneira de entender um dos capí-
louvam o desigual. Seu ator/atriz assinatura, que protagoniza tulos mais interessantes da história do cinema e da cultura. A Mario Abbade é editor do site Almanaque Virtual  - parceiro do portal
UOL (almanaquevirtual.uol.com.br), colaborador do jornal Correio Brazi-
seus filmes, é um travesti obeso, conhecido pelo nome de Divi- mostra John Waters – O Papa do Trash reúne pela primeira vez
liense, do Blog do  Bonequinho do jornal O Globo e presidente da Asso-
ne. “Eu sempre tive que lutar para usar Divine em meus filmes. todos os longas dirigidos pelo cineasta, além de curtas e pro- ciação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro (ACCRJ), além de exercer
Ninguém nunca quis que eu fizesse isso. Ele teria ficado lou- duções em que ele exerceu as funções de roteirista, narrador, as funções de curador de mostras de cinema e ministrar cursos de exten-
co se visse que uma drag queen heterossexual (interpretada por são sobre a crítica cinematográfica.
apresentador ou intérprete de si mesmo. A programação tem
Waters Underground:
O Príncipe do Vômito Leonardo Luiz Ferreira 14
Loucos anos 70: Sabrina Tenório Luna
A Trilogia Trash 20
O Inesperado Sucesso Com
de Polyester a Cry-Baby ercial: Angélica Coutinho 26
Anos 1990:
O Descaso do Público Sergi
por John Waters
o Alpen dre
32
Anos 2000:
EpitáFio de Waters (?!!!) Eduardo Valente 38
Entrevista com
o cineasta John Waters
Rodrigo Fonseca e Curador ia da Mostra
46
A Hora do Showman Fernando Ceylão
TODOS COMEMOS Arnaldo Bloch
56
AQUELA MERDA 60 84 FilmografIa
Um divertido e trelha 62
mendo Tom Leão bibliogra

sumário
fIa 1
bom gosto nas tri s
A Bela e Bizarra Fernanda Teixe
00
Estética 66 ira discografIa 104
agradec
imentos
Mau gosto acessível: uma análise
dos livros, peças e roteiros 72 106
Daniel Ribas

Divine, a mulher mais


linda do mundo, ou quase 78
Raphae la Ximene scréditos 108
r s u n d e r g r ound: confeccionada em super 8. Desse manancial de ideias opostas Ao lidar com o chamado mau gosto e se aproximar de
wate ncipe do vômito
o p rarí do luiz ferreira
surge o autor iconoclasta John Waters, que recebe em seu ani- temas polêmicos, John Waters sofreu com a censura e teve
versário de 16 anos o empurrão necessário para a realização até cópias de seus filmes destruídas. Mas nunca nada saiu do
po r le o n
ao ganhar de presente de sua avó uma câmera 8mm. A univer- controle como em seus dois primeiros longas, Mondo Trasho
sidade passou a ser descartável em sua formação, Waters che- (1969) e Multiple Maniacs (1970). No primeiro, a equipe che-
ma simples e despretensiosa declaração faz com um mestre em criar truques para manipular a plateia e chamar gou a assistir a uma aula de cinema, mas não suportou a teo- gou a ser presa por conspiração e atentado ao pudor. Como
que se possa ter uma noção precisa do universo a atenção para seus projetos, como usar as cadeiras para dar ria. O que o diretor queria nesse momento era a prática, então tudo era feito de forma amadora, eles não tinham um diretor
cinematográfico de John Waters: “Eu era a úni- choques em cenas tensas. A porção artística e circense de puro reuniu os amigos e com quase nenhum orçamento começou a de locação e muito menos pediam autorização para as filma-
ca criança que não entendia por que a Dorothy entretenimento para as massas ganhava não só um admirador rodar os seus primeiros curtas, tão marginais e desconhecidos gens. Ao rodarem cenas com nudez nas ruas foram denuncia-
queria voltar para sua casa sem graça em preto e branco e dei- como também alguém que entendeu que poderia fazer filmes quanto seus dois primeiros longas. dos e tiveram que dar explicações não muito convincentes so-
xar o mundo mágico de Oz, que era colorido e repleto de leões para viver. O interesse se desenvolveu por filmes diferentes Todos os projetos de Waters são rodados em Baltimore, bre seus atos. “Depois de assistirem a esses filmes, as pessoas
gays.” A infância do diretor, que nasceu em 22 de abril de 1946, num período que o cinema chamado underground surgia com um local descrito pelo próprio como habitado por pessoas feias me perguntavam muito se eu estava drogado ou era uma es-
na cidade de Baltimore, realmente não foi das mais normais, força nos Estados Unidos. As referências são muitas e para e estranhas. Ao lado dos amigos, funda a Dreamland Pictures, pécie de junkie na vida real. E, realmente, eu só vivia drogado
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e desde cedo ele se aproximou do bizarro que tanto marcou a John Waters foram decisivas, sobretudo, na fase de sua obra cujo grupo de atores passa a se denominar Dreamlanders. Esses nesse período de experimentação. Hoje não tomo mais nada,
sua filmografia. A sua lembrança favorita dessa época foi ver entre os anos 60 e 70. Os trabalhos experimentais de Michael primeiros exercícios desenvolvem seu olhar ácido para a so- porque as drogas se tornaram algo tão retrô”, declarou certa
sangue de verdade no banco de trás de um carro destruído Snow (Wavelenght), Jonas Mekas (Lost, Lost, Lost) e Kenneth ciedade e uma observação aguçada do cotidiano. Os curtas não vez o realizador.
e, assim, poder fantasiar sobre batidas letais de automóveis. Anger (Scorpio Rising) atravessaram a fronteira entre van- foram vistos por muitas pessoas e foram exibidos em poucos Mondo Trasho se inicia com uma imagem transgresso-
Como ele mesmo diz em apresentações da comédia em pé guarda e narrativa cinematográfica. Ao lado de Andy Warhol lugares. A câmera está sempre na mão, e a narrativa se desen- ra dentro do contexto de sua realização: um carrasco trajan-
(stand-up comedy) sobre sua carreira, as suas influências sem- (Chelsea Girls), uma espécie de mentor espiritual para Waters, volve a partir de improviso, tendo como base o humor negro. do vestimentas antigas degolando pescoços de galinhas com
pre foram negativas: fã de vaudevilles, strippers e cabarés; do eles demonstraram que era possível fazer cinema e provocar Desses filmes, o destaque fica para The Diane Linkletter Story, um machado. Os créditos se desenrolam sobre uma imagem
capitão Hook que tentava acabar com o sonho de Peter Pan; e a plateia com baixos orçamentos e total desapego às cartilhas que foi rodado um dia após o suicídio da filha de Art Linkletter, de um lixão. E, logo em seu primeiro filme, o diretor assina o
da bruxa má de O Mágico de Oz. cinematográficas. um renomado apresentador de TV e rádio nos Estados Unidos. O seu nome antes do título, como se autoproclamasse um grande
O cinema o capturou a partir de uma visão inusitada: a A equação John Waters nasce da união dos experimen- curta é realizado de forma acidental como pretexto para testar autor. É certo que, nessa época, John Waters se promovia como
chegada num caixão do diretor William Castle (The Tingler) na tos do cinema underground com o fascínio pelo cinema de uma nova câmera e se transforma no primeiro trabalho de som o “Papa do Lixo” ou o “Príncipe do Vômito”, alcunhas que tra-
pré-estreia de um de seus filmes. Esse lado macabro fascinou terror dos anos 40 e 50 e os filmes pornôs proibidos roda- sincronizado de Waters. O cerne é a crítica às relações familia- duzem bem o espírito de sua obra. O longa se apresenta como
Waters, que passou a seguir com devoção a obra de Castle, dos clandestinamente, como a obra dos irmãos Kuchar, toda res que sugerem os motivos para o ato desesperado da filha. um exemplar da era do cinema mudo, sem diálogos e som
direto, e com trucagem na trilha sonora. Há um esmero parti- melhor se a duração fosse encurtada e houvesse a utilização ação, mesmo com movimentos de zoom que mais parecem uma
cular de Waters em articular a imagem e o som e, dessa forma, de cor. Ainda assim, Waters constrói momentos de interes- antiga filmagem de VHS familiar. Em meio a nudez, drogas,
conseguir imprimir uma espécie de leitura para seu trabalho, se, em especial no pastiche de filme de terror da operação da nonsense, Elvis Presley e Elizabeth Taylor, brotam duas gran-
com indicação de emoção e sentido das cenas por meio das le- moça, que recebe pés de galinha, e no desfecho apoteótico de des sequências que estão entre as mais lembradas por admira-
tras de canções antigas. Divine chafurdando na lama com porcos. dores da obra do diretor. Uma delas é uma cena de sexo dentro
A tênue linha apresentada pela trama de Mondo Trasho Já a sua segunda incursão na seara do longa-metragem, de uma igreja entre uma mulher e um travesti, no qual o terço
observa duas personagens: uma espécie de Marilyn Monroe que teve o custo módico de 5 mil dólares, desenvolve-se me- se transforma em instrumento de prazer, em paralelo com ima-
trash que vaga a esmo pela cidade até ser atacada por um lhor como narrativa cinematográfica, apesar de ainda apresen- gens da crucificação de Jesus Cristo – numa interpretação ico-
podólatra, numa sequência delirante e de longa duração; e tar muitos problemas técnicos e uma dificuldade de Waters em noclasta e bem particular do diretor. Na outra, há o estupro de
um travesti que atropela esta mesma moça ao ter a atenção estabelecer uma assinatura visual para seu trabalho. O roteiro Divine por uma lagosta gigante em seu sofá, como se Multiple
desviada por imaginar um caronista nu. É por intermédio des- apresenta um grupo de atores, que a princípio são de um circo Maniacs abandonasse todos os seus temas, entre eles a apro-
sas duas personagens que Waters faz uma grande colagem de de perversões, como maníacos, que roubam e matam seus es- ximação com o massacre perpetrado por Charles Manson e sua
citações com cortes soltos e uma descontinuidade proposi- pectadores. Os esquetes do início focam em perversões do ho- gangue, e se transformasse numa peça surrealista que nasce
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tal. Um filme marginal e subversivo rodado em preto e branco mem e fetiches estranhos, que geram tanta curiosidade quanto do inusitado encontro entre Salvador Dalí e o filme B de terror
com o custo simbólico de 2 mil dólares. O cineasta desafia a repulsa. E uma parcela dos fãs do diretor realmente é atraída americano. Exagero e delírio andando lado a lado com a marca
lógica cinematográfica e rompe com os mandamentos de uma para sua obra pelos mesmos motivos: olhar algo proibido, ain- sarcástica de John Waters. Uma gargalhada para todo o status
cartilha básica. O que importa é realizar no calor do momento, da que seja para rir ou falar mal para outras pessoas. A Waters quo da sociedade americana, que, em 1970, ainda estava longe
sem se preocupar com o resultado final ou a opinião de outras só interessa trabalhar com extremos, e a sua concepção de ci- de ser a última de um provocador nato.
pessoas. Guiados sob a égide do improviso, os temas de sua nema independente americano nos anos 70 é bem distinta do
filmografia começam a transparecer de forma clara, entre eles que está em voga nos dias de hoje.
o interesse exclusivo por personagens marginais, a crítica ao Em Multiple Maniacs, os ladrões roubam a burguesia e
preconceito da sociedade burguesa e a religião, em que peca- provocam repulsa com seus atos. O realizador desenha a cada Leonardo Luiz Ferreira é crítico de cinema e jornalista. Membro da As-
do e redenção caminham lado a lado. plano a sua visão de mundo, mesmo sem ainda saber como ci- sociação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro (ACCRJ), escreve atual-
mente no portal Almanaque Virtual (almanaquevirtual.uol.com.br) e no
Mondo Trasho soa delirante ainda hoje numa narrativa nematograficamente mostrá-la. Não há refinamento estético
site www.criticos.com.br. É codiretor do longa-metragem Chantal Aker-
que une diversos gêneros e abraça com orgulho a sua irre- e muito menos elaboração de cenas e decupagem, o que se vê man, De Cá (2010), que participou de 25 festivais nacionais e interna-
gularidade. O próprio diretor admite que o filme poderia ser na tela é o caos em que a câmera na mão tenta se aproximar da cionais, entre eles FIDMarseille, BAFICI e Viennale.
L o u c loosgai a n o s 7s0h: planeta por uma revista sensacionalista. O título se deve a fur- ocasionado pela aparição de um casal heterossexual que resol-

r i Tnr a tos, assassinatos e demais transgressões à lei cometidas e dá ve confrontar a personagem principal. Os dois são donos de
AT S ab r in a te n
po r
ó r io Lu a origem ao conflito da história. Ao saberem que esse título foi um salão de beleza e convencem Dawn a ser sua modelo en-
outorgado a Divine, o casal Connie e Raymond Marble decide quanto a desfiguram e a drogam, convencendo-a de que fazem
acabar com seu reinado, pois se consideram muito mais bizar- isso porque ela representa um novo padrão de beleza. Outra
ink Flamingos (1972), Problemas Femininos Os filmes inserem-se num momento em que os padrões ros do que ela. Em sua lista de crimes estão a venda de drogas personagem que enfrenta Dawn é Tia Ida. Vestida de sadoma-
(1974) e Desperate Living (1977) são considera- de beleza e comportamento da sociedade americana, repre- para crianças e o sequestro de moças que pedem carona na soquista, ela tenta convencer o sobrinho de que as relações he-
dos os três filmes da trilogia trash de John Wa- sentados pela perfeição do casal Kennedy e pela figura femi- estrada para que sejam aprisionadas em seu porão, fertiliza- terossexuais condenam todos à mediocridade de uma vida sem
ters na década de 70. Essa denominação se deu nina de Marilyn Monroe, começam a derrocar, e a confusão en- das por seu mordomo Channing e tenham seus filhos vendi- graça e sabota o casamento dos dois de todas as maneiras.
principalmente pelo forte teor escatológico e pornográfico tre feminino e masculino desponta. Como pensar em algo belo dos para casais de lésbicas. A esse time são adicionados Mama O terceiro filme da trilogia, Desperate Living, não conta
presente nos longas e que seria aliviado nas obras posterio- quando todos os padrões são desconstruídos? E como pensar Eddie, mãe de Divine, uma senhora idosa e gorda que é viciada com Divine no elenco, porém atores como Mink Stole, Edith
res. Os filmes apresentam características comuns em relação na transgressão quando ela não apresenta mais tanto efeito? em ovos e vive com a filha num trailer. E ainda o Homem dos Massey e Mary Vivian Pearce, presentes nos filmes anterio-
ao tema central, pois funcionam como uma crítica ao cinema Para pensar esses filmes e esse novo esteticismo, utili- Ovos, que aparece diariamente para vender diversos tipos de res, interpretam personagens centrais na narrativa. A histó-
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clássico hollywoodiano e à sociedade como um todo, questio- zaremos a estética camp, conforme definida por Susan Son- ovos para a senhora, seu filho Crackers e sua amiga Cotton. ria inicia-se num universo burguês americano e acaba com
nando as formações familiares baseadas na heterossexualidade tag, como uma das bases de análise. O camp pretendia pensar O filme, repleto de cenas agressivas, contém passagens esse sonho nos primeiros minutos, quando Peggy, a senhora
e na atenção a padrões estéticos e comportamentais normati- o mundo como uma experiência consistentemente estética. antológicas do cinema trash, tais como a cena em que Crackers burguesa e louca interpretada por Mink, mata o marido e foge
vos. Além disso, questionam as formas de poder e controle nas De acordo com Sontag “representa a vitória do ‘estilo’ sobre o faz sexo com uma espiã dos Marble, com uma galinha entre os com a empregada negra Griselda. No caminho, elas encontram
quais se baseia essa sociedade, tais como a instituição escolar. conteúdo, da ‘estética’ sobre a ‘moralidade’, da ironia sobre a dois, e mata a ave esmagada durante o ato, ou a cena do aniversá- um policial bizarro que toma e veste as suas calcinhas e indica
Nos três filmes percebemos uma necessidade de su- tragédia” (SONTAG, 1987, p. 332). rio de Divine na qual um dos personagens “canta” pelo ânus. que elas fujam para Mortvile, um local que abriga criminosos
peração das críticas em voga até os anos 1960, tentando dar Essas características estão presentes em Divine, traves- Em Problemas Femininos, o centro do universo conti- e párias da sociedade. O universo que abriga as personagens
mais atenção às micropolíticas representacionais e colocando ti de 130 kg, interpretado por Harris Glen Milstead, que por nua sendo Divine, porém agora ela é uma mulher que repre- é o da fábula. Os bons caminhos e a salvação, porém, não são
a ironia como posicionamento político central. Dessa forma, meio da confusão que gera entre personagem e vida real nos senta um papel. Dawn Davemport é uma adolescente que foge representados pela Rainha Carlota, personagem de Edith Mas-
percebemos a superação da construção argumentativa basea- faz lembrar a passagem em que Sontag afirma que, no camp, de casa na noite de Natal, após ter seus sapatos de salto alto sey que julga e controla todos os habitantes do local com leis
da em dualidades. As representações culturais se ampliam e a ser é representar um papel. Em Pink Flamingos, Divine é Di- negados pelos pais, e, depois de pegar uma carona, engravida baseadas em sua própria vontade.
classe social e o posicionamento político nacional tornam-se vine, mas usa o codinome de Babs Johnson para se esconder de um ator representado por ela mesma em sua versão mas- Esse resumo dos filmes demonstra o perfil linear pre-
insuficientes para representar os grupos. da polícia, após ter sido intitulada a pessoa mais bizarra do culina. O filme, assim como Pink Flamingos, tem seu clímax sente nas histórias e a conformidade com estruturas narrativas
associadas ao cinema clássico. Além desse perfil, percebemos que lhe trai constantemente.
uma narrativa estruturada na apresentação dos personagens, A esse momento de desconstrução acrescentamos a
do espaço de ação, antagonistas, clímax e resolução. Essa es- frivolidade presente nas preocupações dos personagens. Nada
trutura, herdada de Griffith (diretor do clássico O Nascimento sério ou politicamente construtivo se apresenta nessas críti-
de uma Nação) e estudada por teóricos como David Bordwell, cas, e, talvez por isso, Waters sinta-se à vontade em utilizar a
estaria baseada na familiaridade gerada no público, que, por narrativa linear tão criticada por outros cineastas a partir dos
meio da repetição de padrões, responderia mais facilmente à anos 1960. Mas como não entender a ironia do tema e da for-
expectativa dos produtores. Esses padrões, porém, se baseiam ma também como crítica? E que transformações podem estar
não apenas em características como as demonstradas e na uti- presentes na forma, e será, de fato, que isso é tão importan-
lização de determinados planos, trilha sonora pontual e em te? O que era inadmissível numa época passa a ser sinal de
elementos que situariam melhor o público dentro do espaço transgressão nas demais e vice-versa. Como provar que algo
fílmico. A essa ordem está associada também a representação resiste ao tempo? Por meio do título de “filme mais bizarro do
de padrões sociais e de enredos e finais em que o bem e o mal mundo” que foi dado a Pink Flamingos há 40 anos e que ain-

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e o belo e o feio estão bem definidos e podem ser resumidos à da resiste? Ou por meio da cena em que Divine, no momento
já desconstruída família perfeita. atriz e não mais personagem, come cocô de poodle e olha para
Mas esse momento é de desconstrução, e não de tenta- a câmera quase vomitando de nojo? Não sei se alguma dessas
tiva de aceitação. O ser aceito, na trilogia de Waters, é o que provas tem de fato valor, mas o que me conforta é voltar a esses
os personagens menos desejam. Eles desejam ter um pênis, personagens e ainda me surpreender com o que vi tantas vezes.
como a personagem lésbica de Desperate Living, o título de
pessoas mais bizarras do mundo, como o Casal Marble em Pink
Flamingos, ou que o sobrinho se transforme em homossexual
para fugir à mediocridade da vida em família, como o dese-
ja Tia Ida, em Problemas Femininos. Aderir a padrões significa Sabrina Tenório Luna é bolsista pela Facepe, mestre em comunicação
pela Universidade Federal de Pernambuco e doutoranda em comunicação
frustração, e isso é expresso na forma como Dawn Davemport
também pela UFPE. Além de pesquisadora, também desenvolve trabalhos
se comporta na vida em família. Como mãe, gera uma filha in- na área de produção cultural, focada principalmente na produção de
suportável e que detesta, e como mulher, sofre com um marido festivais de cinema e distribuição cinematográfica.
c e s s o C o m ercial:
o Su
O I n e slpyeersatde r a C r y - B a b y
não se encaixam nos padrões da cultura ocidental. – ele acaba sendo preso por atacar mulheres nas ruas pisando
E tudo o que remete ao corpo está impresso na tela por em seus pés. É importante notar que, em termos de estrutura
d e P o outinho
po r an g é li c a c
Waters desde a primeira escolha tendo Divine como sua atriz- narrativa, John Waters segue o padrão clássico de apresenta-
modelo. E, se ela estava lá em Pink Flamingos como a “pessoa ção de personagens nas primeiras cenas do filme para, enfim,
mais asquerosa viva”, reaparece em Polyester, produção de estabelecer os conflitos. E assim como Lu Lu puxou ao pai em
oi a “trasheira” que pôs John Waters nas telas do nojo e remetendo aos fluidos do corpo. Mas nunca nada tão 300 mil dólares, como uma dona de casa cristã, preocupada seu interesse por sexo, Dexter tem tudo a ver com a mãe, cujo
cinema norte-americano. Ele e os Dreamlanders, extremo quanto Divine comendo fezes. com a família. Uma paródia de um gênero popular nos anos principal sentido é o olfato – em várias cenas, Francine iden-
elenco e equipe técnico-artística saídos, em O que está em questão é o tabu do corpo e, nesse pon- 50-60, conhecido como women’s pictures, cuja personagem tifica situações pelo cheiro. E, afinal, o olfato é um elemento
sua maioria, da Baltimore de Waters, iniciaram to, estamos falando da pesquisa, de 1979, de José Carlos Ro- central é a dona de casa suburbana de meia idade entediada à que pode remeter ao prazer ou à rejeição. E, se o espectador
uma produção pra lá de exótica e dirigida, inicialmente, a um drigues, fruto de sua dissertação de mestrado em Antropologia espera de um homem jovem para revolucionar sua vida. com uma cartela de odorama nas mãos espera sentir cheiros
público bem reduzido. E, desde as primeiras produções, lá Social apresentada na Universidade Federal do Rio de Janeiro. O filme inicia-se com um prólogo no qual o Dr. Arnold agradáveis como o da rosa, experimento número 1 do Dr. Ar-
estava a forma irônica, debochada e demolidora com que o Ao discutir o “nojo do corpo”, o autor aponta a diferença en- Quakenshaw apresenta o odorama, uma cartela de cheiros que nold, em breve enfrentará o odor que o marido de Francine
diretor olhava para a sua cidadezinha cheia de preconceitos tre o normal e o patológico, o sagrado e o profano, o puro e o somos orientados a usar a cada momento em que um núme- exala à noite sob o edredom… Nada agradável!
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e barreiras sociais. Por outro lado, costuma-se dizer que, impuro como um conjunto de conceitos definidos a partir da ro aparecer na tela. Ele nos alerta que os cheiros podem ser Mas o que está em questão em Polyester é a saga da in-
com a trilogia composta por Polyester (1981), Hairspray mesma dicotomia que se estabelece entre Natureza e Cultura. agradáveis, mas também repulsivos. Logo após, temos a cena gênua Francine, que tem de enfrentar a traição do marido que
(1988) e Cry-Baby (1990), John Waters rompeu a barreira da E Rodrigues afirma: “Uma coisa nojenta é sempre uma coisa de abertura com imagens sobre a cidade de Baltimore e a en- a abandona, do filho que acaba na cadeia e da filha que quer
rejeição e entrou para o mercado conquistando sucesso de que cruza indevidamente uma linha demarcatória, estabele- trada numa casa na qual vamos encontrar Divine de calça e fazer um aborto.   F rancine tem apenas como aliada a amiga
crítica e público. Podemos supor que foi necessária uma certa cendo-se em um lugar impróprio e deslocado do sistema de sutiã se arrumando ao som de uma canção que diz “Polyester, Cuddles Kovinsky e, depois de enfrentar um período de alcoo-
domesticação de temas e dos impulsos de seus personagens ordenação. A reação do nojo é uma reação de proteção contra this is your life, Francine…”. Aí está a apresentação de nossa lismo, tem de volta seus filhos, que abandonam os vícios e se
sempre contrários às leis dos bons costumes. No entanto, o a transgressão da ordem”. E, afinal, não é disso que John Wa- heroína, Francine Fishpaw, casada com o dono de um cinema tornam artistas. Mais um lance de ironia de Waters: a aceitação
diretor mantém, ainda que discretamente, elementos que ters fala? O desvio e a norma compõem a dicotomia principal que, em seguida, enfrenta um protesto da vizinhança em fren- da sociedade se dá à medida que a perversão de pisar em pés
remontam a cenas escatológicas vistas no seu seminal Pink de suas histórias. O desvio, tão fundamental para que a ordem te à sua casa por conta da programação de filmes pornôs que femininos ou o ímpeto sexual são transformados na arte de pin-
Flamingos. Na “trilogia do sucesso” não vamos ver transas alcance significação, está presente desde a escolha de suas exibe. Mas Elmer Fishpaw defende-se numa entrevista para TV tar quadros que retratam o objeto da obsessão ou de fazer arte-
envolvendo galinhas, bifes temperados entre as pernas, mães heroínas e seus heróis, protagonistas com os quais acabamos com a clássica frase norte-americana: “This is a free country!” sanato. Ou seja, é fundamental se adaptar para ser considerado
fazendo sexo oral com filhos ou ânus “falantes”, mas ainda nos identificando e que são justamente os gordos, os feios, os Conhecemos também os filhos de Francine: a ninfomaníaca Lu artista e ser aceito. E este era o caminho que Waters começava
estará em cena aquilo que afeta os sentidos provocando drogados e os criminosos – aqueles cujas preferências sexuais Lu e o cheirador de produtos de limpeza e podólatra Dexter a trilhar, mas sem deixar de debochar de si mesmo e do sistema
industrial que impõe a domesticação para reconhecer a arte. espreme uma enorme espinha em plano-detalhe no rosto da enquanto Hairspray havia sido um filme de baixo orçamento, Cry-Baby, o próprio Waters afirma que não há cenas gratuitas.
Sim, Francine tinha sua família recomposta, mas cai nas filha. Para os não iniciados, a sequência pode causar um estra- algo em torno de 2 milhões de dólares. Agora existia mais Em suas palavras: “Não é um filme tão mordaz, embora a garo-
mãos de um suposto galã que é amante de sua mãe – ambos nhamento e até parecer gratuita, mas para os “johnwatermaní- dinheiro, mas também uma pressão maior. Em busca de um ta ingênua beba um balde de lágrimas”. 
apenas pretendiam se aproveitar dos ganhos que a mulher acos” soa como uma assinatura. filme com censura para 17 anos, algumas palavras haviam Realmente, não é mordaz, mas ali está mais uma assi-
poderia ter com o divórcio. Muitos morrem no final, de tiro ou E, mais uma vez, Baltimore está lá. A cidadezinha pro- de ser cortadas, o que gerou uma cômica cena dos jovens natura. Aquilo que sai do corpo não deve ser a ele devolvido
atropelados - o marido, a amante, o galã e a mãe de Franci- vinciana e seus preconceitos de classe ou de cor, além, é claro, delinquentes diante do juiz. Como só era possível usar a sob a pena de provocar nojo, rejeição. No entanto, lágrimas
ne -, para que ela possa ter de volta uma família, nos padrões de uma encenação e interpretação extremada,  t eatral dos ato- palavra “fuck” uma única vez, optou-se por um diálogo em que são fluidos do corpo humano que a sociedade reconhece como
aceitáveis em Baltimore. Bom, mas e o nojo? Além da “pega- res, dando o tom da comédia e revelando mais do que realismo se utilizava “apitos sonoros” para evitar a palavra. dignos. Mas o interessante é lembrar que sempre que uma
dinha” do odorama – o próprio Waters debocha ao comentar – estamos diante de uma leitura debochada dos costumes. Não – Que (apito), dá pra me tirar daqui? ­– diz a filha. lágrima corria dos olhos de Cry-Baby, a equipe do filme dizia
nos extras do DVD que o público “paga para cheirar merda” –, é à toa que Hairspray, por conta de sua história original, tenha – O que significa (apito), Hector? – pergunta a mãe que era o gozo do rapaz… E a menina bebeu um copo de lágri-
o diretor “assina” uma cena com Francine, em seus tempos de virado um musical de sucesso na Broadway e tenha recebido um para o pai. mas?! Ah, esse John Waters...
alcoolismo, vomitando dentro de sua própria bolsa enquanto remake cinematográfico, sob a direção de Adam Shankman, em – É apenas uma palavra sem sentido que Wanda usa
espera a amiga Cuddles experimentar um vestido. 2007, com John Travolta no papel que pertenceu a Divine. para parecer adulta.

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Se Polyester foi o primeiro filme de grande distribui- Em 1990, John Waters ficou diante de uma produção A mãe se dirige ao juiz e diz:
ção de Waters, Hairspray foi o seu maior êxito comercial, com de dimensão inédita em seu currículo: Cry-Baby, interpretado – Meritíssimo, podemos levar Wanda para a porra da
o início da carreira de Ricky Lake, como Tracy Turnblad, e a por um juvenil Johnny Depp, já ídolo adolescente na época, casa?
despedida de Divine, como Edna Turnblad. Mais uma vez, a devido ao sucesso do seriado Anjos da Lei (“21 Jump Street”). Detalhe: a mãe da cena era Patrícia Hearst, filha do
família está no centro da questão, mas em conflito. A tradicio- O diretor retoma os anos 50 de Baltimore e a divisão de magnata das comunicações, que ao ser sequestrada passou
nal é composta por mulheres magras e louras, contra a subur- jovens entre Drapes – farrapos – e – Squares – os caretas. para o lado de seu algoz. Aliás, o elenco era uma atração à par-
bana de gordinhas gentis e talentosas sem preconceito racial. Mas havia uma Carrapo – metade careta e metade farrapo. É te... Atraiu até a polícia durante as filmagens.
Hairspray ainda não é, propriamente, um musical. É um filme Allison Vernon-Willians (Amy Locane), que inicia um romance Bem, mesmo diante das limitações censoras e agracia-
com música que coloca em cena a disputa pela participação com Cry-Baby, uma espécie de Romeu e Julieta suburbano do pelo robusto orçamento, John Waters praticou suas subver- Angélica Coutinho é doutora em Literatura com pesquisa na área de
num programa televisivo. De narrativa tradicional, nele Waters inspirada em filmes de Elvis Presley e musicais como sões e manteve sua equipe técnica original dos Dreamlanders narrativa cinematográfica e televisiva. Atualmente, trabalha como Es-
pecialista em Regulação Cinematográfica na Ancine. É autora de “Todas
deixa de lado qualquer escatologia e investe num filme extre- Grease (1978). Esse foi um momento especial na carreira de – como Pat Moran na seleção do elenco, Vincent Peranio como
as Lúcias do mundo”, sobre adaptação, e de “Malandragem Facinha”.
mamente palatável, com uma única cena que remete aos flui- Waters. Pela primeira vez, ele foi disputado por produtores desenhista de produção e Van Smith no figurino. Mas tudo Também adaptou, produziu e dirigiu o curta-metragem “Frágeis afetos”,
dos do corpo: a mãe de Amber Van Tussle em certo momento e teve em mãos um orçamento de 11 milhões de dólares, muito palatável. Cenas de estranhamento? Bom, no DVD de do conto de João Gilberto Noll.
9 0 : O D e s c a s o dros
1
A n o si c 9 r J o hn Wate
no ridículo: corta da cena de um filme de terror exibida em

l o
P ú b alpendrep o vídeo e assistida pela mãe com o filho, em que um coração
é arrancado de uma vítima e causa um banho de sangue na
po r s é r g io
tela, para a mãe apresentando a “almôndega perfeita”, toda
coberta por molho de tomate, à mesa do jantar. Uma sucessão
bastante comum a ideia de que o cinema de americano. Há, em ambos, uma tentativa de entender a mente
de planos dignos de Fassbinder (ver corte para o moedor de
John Waters decaiu na década de 1990. De fato, doentia do suburbano que habita os Estados Unidos, suas am-
carne em Roleta Chinesa).
após Hairspray e Cry-Baby, seus dois únicos fil- bições e costumes, além da hipocrisia que reina na sociedade
Mamãe é de Morte desenvolve-se de maneira comple-
mes que saíram do gueto da cinefilia radical e americana. O amadurecimento do estilo possibilitou a Waters,
tamente inesperada, e as inversões de valores que Waters
se tornaram objetos de culto para descolados, o público foi se como já possibilitava a Dante desde Piranha (1978), criticar o
opera valem tanto ou mais que as transgressões de seus fil-
desinteressando gradativamente por seu trabalho. Mas isso american way of life de dentro.
mes mais celebrados dos anos 1970. Waters brinca com para-
não tem nada a ver com a qualidade de seus filmes. O motivo Com esse amadurecimento surge Mamãe é de Morte
noias já existentes na época, como a da reciclagem e a do po-
do desinteresse é outro desses mistérios que rondam a recep- (1994), possivelmente, seu melhor filme, e, anos depois, Pecker
liticamente correto (pragas de nossos dias). Talvez, por isso, o

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tividade das obras de arte e que, vez por outra, transformam (1998), tido por muitos como o ponto mais problemático de sua
filme seja tão atual.
diretores medíocres na coqueluche do momento e bons dire- carreira. O que explica, em parte, o desinteresse de boa parte
Kathleen Turner dá um show como a mãe assassina e
tores em vítimas do descaso. John Waters é um deles. de seu público e seu atual e lastimável ostracismo. Explica, mas
sem freios morais. No limite do vulgar, como convém ao dire-
Muitos dizem que seu cinema se domesticou, que ficou não justifica, pois é natural um passo para trás nesses casos,
tor, ela constrói uma personagem fascinante em seus modos
mais comportado e bem menos explosivo. É verdade. Mas essa ainda mais durante um processo de abandono de seu público.
violentos, surpreendente em sua ânsia de viver com total li-
domesticação, longe de representar uma entressafra criati- A protagonista de Mamãe é de Morte, Beverly (Kathleen
berdade. É um furacão no subúrbio, a transgressão explícita
va, reflete o desejo de apurar o foco de suas investidas contra Turner em seu melhor papel no cinema), assemelha-se à Gena
no seio da sociedade conservadora americana. Sam Waterston,
a sociedade contemporânea. Suas loucuras habituais podem Rowlands de Uma Mulher Sob Influência, só que muito mais
ótimo ator que fez filmes com Woody Allen e, agora, brilha na
chocar até mais do que antes, pois estão inseridas num con- desmiolada e perigosa, o que faz com que o filme de John Wa-
série “Law and Order”, é o contraponto perfeito à loucura de
texto menos livre. Tornam-se inesperadas. ters seja também uma espécie de John Cassavetes, após altas
Turner. Certinho, típico funcionário da engrenagem americana,
Nos anos 1990, o cinema de John Waters tem mais doses de ácido lisérgico. Tem como algo assim ser ruim?
cioso dos filhos e da vida familiar, defensor dos bons costu-
sintonia com Joe Dante (outro grande diretor vitimado pelo Em dado momento, Waters realiza satisfatoriamente
mes e da pena de morte, é um personagem que representa
descaso nos últimos anos) do que com qualquer outro cineasta aquilo que só os bons cineastas conseguem fazer sem cair
tudo contra o qual o cinema de John Waters sempre lutou: a
institucionalização do “viver, trabalhar, morrer” como meta de
uma sociedade sadia. A mamãe serial killer é um presente para
essa atriz à época esquecida. Pena que poucos entenderam.
Comparado a Mamãe é de Morte, Pecker parece uma
travessura adolescente desengonçada. Os acontecimentos, em
sua maior parte, são desvairados como nos anos 1970, mas
polidos por uma alegria estéril e uma produção mais cuidado-
sa. O filme se alonga desnecessariamente, fazendo seus 87 mi-
nutos de duração parecerem duas horas. Edward Furlong está
longe do registro intimista de Fuga Para Odessa, o primeiro
filme de James Gray, e Martha Plimpton é uma pálida sombra
daquela garota talentosa de O Peso de um Passado (de Sidney
Lumet, 1988) e A Outra (de Woody Allen, 1988).

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Mas Pecker está bem longe de ser desprezível. Tem uma
série de boas sacadas: a garotinha viciada em doces e vista, no
final, tentando aspirar um legume como o faria um usuário de
cocaína; a doce vovó com sua estátua falante da Virgem Ma-
ria (impostura ou milagre?); o amigo ladrão que está sempre
conquistando duas mulheres ao mesmo tempo; a “tiração” de
sarro com a intelectualidade nova-iorquina, fora a provocação
barata, mas divertida, de colocar pelos pubianos femininos em
primeiro plano. Sérgio Alpendre é crítico de cinema, jornalista, professor e pesquisador.
São momentos como esses que encontramos nos filmes Fundou e editou a Revista Paisà. Foi redator da Contracampo por dez
anos. Já colaborou com os cadernos Mais e Ilustrada, da Folha de São
de Waters, mesmo nos menores, e que comprovam o talento des-
Paulo, com as revistas Bravo, Foco e MOVIE, além de outros veículos.
se cineasta para explorar o lado podre da sociedade americana. Atualmente é colaborador da Folha de São Paulo e do UOL e editor da
Revista Interlúdio (www.revistainterludio.com.br).
A n o s f2i0o0d 0: t e rs (?!!!)
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E pediutarádo valente
po r

s planos que abrem Cecil Bem Demente, apre- modos e da exaltação aos valores fora das normas que sempre
sentando os créditos do filme nas marquises marcaram sua carreira. De fato, se podemos dizer que quase
de velhos cinemas da Baltimore natal (e eterna todos os filmes realizados por ele têm o peso de autênticos ma-
locação) de John Waters, talvez nos ajudem, re- nifestos por uma cultura das bordas e pelas pulsões desviantes
trospectivamente, a entender a trajetória bastante incerta que do ser humano (e da sociedade), seus dois filmes mais recentes economiza golpes de ficção prevendo hipóteses dantescas que ele é quase comportado perto de Clube dos Pervertidos,
a obra do diretor percorreu desde o ano 2000, no qual o filme apenas seguem firmes no mesmo caminho. como um “director’s cut” de Patch Adams ou uma continuação uma ode de Waters à sexualidade desviante e ao impulso se-
foi lançado. Antes de surgirem os nomes dos atores e técnicos Cecil Bem Demente é exemplar desde seus primeiros de Forrest Gump (Gump Again). xual como motor subterrâneo de uma sociedade hipócrita e
do filme, as marquises estão sempre ocupadas por letreiros planos, mencionados no primeiro parágrafo. A partir daí, na No elenco, Melanie Griffith se diverte bastante inter- profundamente recalcada. Por meio da personagem da mãe de

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que anunciam ou o fechamento daqueles cinemas (“Sunday medida em que desenvolve a narrativa do sequestro de uma pretando a estrela cheia de frescuras que logo se identifica família “assexuada” que descobre a ninfomaníaca que carre-
Church”, diz um deles) ou sua ocupação por filmes bastante estrela hollywoodiana por uma trupe de cineastas altamen- com seus sequestradores (uma espécie de piada interna com ga dentro de si a partir de um acidente (segundo o filme, uma
diferentes dos que Waters realiza (a primeira marquise mos- te independentes e underground, Waters vai aproveitar cada a vida de uma das atrizes-fetiche de Waters, Patricia Hearst, pancada na cabeça é apenas o que todos precisamos para li-
tra um cinema com várias salas, em que todas exibem ou Star chance para, ao mesmo tempo em que faz uma elegia aos seus presente aqui também), e Stephen Dorff incorpora o cineasta bertar os libertinos dentro de nós), Waters constrói uma fauna
Wars ou Star Trek – num lembrete quase retrô sobre as origens heróis cinematográficos (surgem tatuados nos corpos da equi- insano (a partir de quem também não se economizam piadas de bizarrice crescente, sempre com um olhar absolutamente
do fenômeno do blockbuster, que viria a varrer das telas lon- pe de filmagem os nomes de um verdadeiro “dream team”: dos com todo o universo do cinema independente). Além deles, e favorável a figuras tão improváveis como um personagem vi-
gas como os de John Waters). entronados Preminger, Fassbinder, Fuller, Warhol e Peckinpah de várias aparições de membros da trupe costumeira do dire- ciado por deixar seus excrementos em locais públicos ou um
Se pensarmos assim, talvez não seja exagero (embora tor- aos malditos Anger, William Castle e Hershell Gordon Lewis, tor, é notável ainda a presença de alguns atores que se desta- policial que se veste de bebê.
cendo para estarmos errados) pensarmos em Cecil Bem Demen- passando pelos contemporâneos Spike Lee, Lynch e Almo- cariam ao longo da década seguinte, chegando a improváveis Embora tenha um fio narrativo, em que a personagem
te e Clube dos Pervertidos (2004) quase como um epitáfio do dóvar), soltar bomba atrás de bomba nos mandamentos do (a julgar por suas presenças aqui) indicações ao Oscar, como é principal (Tracey Ullman) é “disputada” entre o grupo de per-
cinema de Waters – mas, se assim for, não se pode negar que ele cinemão mainstream. Ao mesmo tempo em que personagens o caso de Michael Shannon e Maggie Gyllenhall. vertidos/iluminados liderados por Ray Ray (Johnny Knoxville)
caiu atirando. Sim, porque seus dois filmes realizados na década entoam slogans contrários aos estúdios e instituições como Se Cecil Bem Demente confronta diretamente o bom e a patrulha moralista que sua sogra, Big Ethel, lidera, o filme
não deixam nada a desejar em termos da contestação, dos maus a MPAA (Motion Picture Association of America), Waters não gosto de um certo cinema, ainda assim pode-se considerar remete aos trabalhos iniciais de Waters pela maneira como,
claramente, o enredo apenas serve de desculpa para que ele Outra faceta que Waters tem exercido é a de artista Esta última série revela uma faceta importante da vida
encene o máximo de cenas francamente libertárias/ofensivas plástico, tendo exposições organizadas em instituições como de Waters: sua cinefilia. Waters é um desses cineastas que as-
(depende de quem olha), criando seguidas gags no limite do o New Museum, em Nova York, ou a Gagosian Gallery, em Los sistem a muitos filmes, e para quem a história do cinema foi
mau gosto mais frontal (como a dança no asilo de velhinhos) Angeles. Seus trabalhos, como não poderiam deixar de ser, são extremamente importante na sua formação. De fato, ele tem
e personagens tão improváveis como a filha dotada de seios marcados por um humor rascante e se aproximam da chamada sido convidado com alguma frequência para fazer curadorias
maiores que qualquer musa de Russ Meyer (interpretada com “arte conceitual”. Waters publicou ainda, em 2010, o livro Role especiais de filmes para alguns festivais, e em entrevistas
gosto por uma Selma Blair sem qualquer vergonha). Models, no qual revê sua própria carreira e interesses a partir costuma mostrar estar bastante antenado com o que tem sido
Essa falta de vontade de compactuar de maneira algu- da vida de uma série de personalidades e figuras históricas – produzido pelo cinema (embora ele sempre destaque que só
ma com um cinema mais comercial, segundo as regras atuais, sempre por um ângulo nada convencional. assiste a filmes no cinema, jamais em DVD ou na internet). Al-
certamente colaborou para que Clube dos Pervertidos tenha Para além de seus trabalhos nessas áreas, Waters tem guns dos seus favoritos nos últimos anos variaram de traba-
sido o último filme que Waters conseguiu realizar até agora. se utilizado bastante da sua persona marcante, facilmente lhos de circulação mais restrita, como os dos cineastas Jacques
Ao longo dos anos seguintes, ele chegou a desenvolver o ro- reconhecível, e tem sido figura fácil como convidado com Nolot, Guy Maddin e Jonathan Caouette, aos filmes da série
teiro de um filme que se prometia “infantil” (difícil prever o participações marcantes em talk shows, além de presença es- Grindhouse, de Tarantino e Rodriguez, ou àqueles adaptados
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que isso significa na cartilha de Waters), chamado Fruitcake, sencial em todo tipo de documentário que se dedica a discutir da série de TV Jackass (Waters diz que o trabalho feito ali por
mas o projeto acabou não saindo do papel porque a compa- a arte e o cinema underground americanos. Talvez o mais co- Johnny Knoxville e sua turma o faz lembrar do potencial de
nhia independente que pagou para que ele escrevesse o rotei- nhecido realizado no período recente seja This Film is Not Yet choque que seus filmes buscavam).
ro faliu sem conseguir levantar o financiamento. No entanto, Rated, longa de Kirby Dick que passou pelo Festival de Sun- Em qualquer um destes trabalhos, assim como nas
se já completa longos sete anos sem filmar um novo longa, Wa- dance em 2006, contando a história do sistema de classifica- adaptações que Hairspray e Cry-Baby tiveram para teatro (e, no
ters está longe de estar inativo, e tem se envolvido com as mais ção etária da MPAA e suas arbitrariedades. Além disso, Waters caso do primeiro, também uma refilmagem de enorme suces-
diferentes frentes de atuação no meio artístico americano. foi apresentador de pelo menos duas séries de TV. Numa de- so), John Waters se percebe dando continuidade à sua carreira.
A principal delas é uma série de apresentações teatrais las ('Til Death Do Us Part) ele interpretava uma figura ficcio- Ele diz sentir vontade de voltar a filmar, mas, ao mesmo tem-
que ele realiza, numa mistura de one-man show e teatro de nal, o “Groom Reaper”, para narrar reencenações de histórias po, sente que escrever, trabalhar nas artes plásticas ou teatro Formado em cinema pela UFF, Eduardo Valente é crítico de cinema e
vaudeville. Seus dois espetáculos mais bem-sucedidos nessa de casamentos que terminaram em crimes. Na outra, aparecia o completa e faz com que esteja seguindo adiante da mesma realizador, tendo dirigido três curtas (Um Sol Alaranjado, Castanho e O

área são This Filthy World (que foi registrado em audiovisual como ele mesmo, apresentando uma sessão de filmes sob o maneira – talvez incorporando até novos públicos. Na briga de Monstro) e um longa (No Meu Lugar), todos exibidos em diferentes seções
do Festival de Cannes, entre outros festivais. Foi editor das revistas de
no ano de 2006) e o anual A John Water’s Christmas, em que título de “John Waters Presents Films That Will Corrupt You” vida inteira que tem enfrentado para tentar “desencaretar” um
cinema Contracampo (1998-2005) e Cinética (2006-2010). Atualmente é
ironiza as tradições das festas natalinas. (“Filmes que Vão Te Corromper”). pouco o mundo, Waters com certeza nunca descansou. o assessor internacional da Ancine (Agência Nacional do Cinema).
t r e v i s t a c om o ers realmente ganhei um monte de dinheiro. E esse filme de 2007 engordam aos montes. Baltimore é cheia dessas ex-gostosas.

En hn Wat
c i n e a sFotnasecJao Curadoria da Mos
ficou bacana. Foi feito a partir do musical da Broadway inspira- No original, Edna foi vivida pelo ator Harris Glen Milstead
tr a
do no meu Hairspray, e John Travolta criou uma interpretação (1945-1988), o travesti Divine, uma espécie de atriz assinatura
e pe la
po r R o d r ig o interessante para a protagonista. Ele deu à personagem Edna do senhor. Ele faz falta?
Turnblad a sensualidade das ex-gostosas que, com o tempo, Quando morreu, Divine estava em Los Angeles para
epois do sucesso no cinemão, o 3-D foi adotado ser normais: casar, ter filhos, ter o direito de fazer parte das
por diretores respeitados como Wim Wenders, Forças Armadas... Antes, ser gay era ter a liberdade de não ter
Martin Scorsese, Francis Ford Coppola e Bernardo filhos, não casar e não entrar para o Exército. Mas, no mundo
Bertolucci. O que o senhor acha dessa tecnologia? homossexual, há regras demais também. Então, quando falo
John Waters: Acho que o 3-D serve para filme pornô. sobre homossexualidade, não faço da maneira que se encaixa
Queria que as velhas estrelas pornôs que ainda estão vivas no jeito gay, aquele considerado correto. Por outro lado, em
fizessem um filme: Galinha Velha É Que Faz Comida Boa. Mas termos de produção cultural, tem quem ache que, só porque
gostei muito de Avatar. Nos Estados Unidos, não há dinheiro um filme é gay, é bom. O que faz um filme ser bom não é isso:
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para filmes independentes, então, o melhor mesmo é se con- é a direção. Não importa se é homo ou heterossexual.
centrar em grandes espetáculos como esse de James Came- O senhor diz que os gays hoje buscam ser normais. O se-
ron, que é um exemplo de algo em que Hollywood é imbatível: nhor é uma pessoa normal?
a dominação global a partir do audiovisual, que vai tomando Mais do que as pessoas pensam que sou. Eu recebo car-
conta de todo o mercado exibidor. tas de gente dizendo que dei coragem a elas para fazer coisas
O que, do cinema americano atual, lhe agrada? que eu, na verdade, diria a elas para não fazer. Há quem ache
Todd Solondz (Bem-Vindo à Casa de Bonecas). Fora que eu sou subversivo, mas, para mim, subversivo é Hairspray
isso, a produção americana não tem tido a minha preferência. ter se tornado um sucesso em festas infantis. Além da drag
O mais interessante tem vindo do cinema que é feito fora dos queen que é a estrela do longa, outra drag conquistou os Esta-
Estados Unidos. dos Unidos, a de Robin Williams em Uma Babá Quase Perfeita,
Como o senhor avalia a evolução da cultura gay nos que chegou a ser o filme número um do país.
últimos anos? O que o senhor achou da versão de 2007 de Hairspray?
A mudança mais bizarra é que os gays de hoje querem Hairspray foi a única coisa na minha vida com que eu
gravar o seriado Um Amor de Família (Married with Children), do espírito de Pink Flamingos, mais do que qualquer outra
como um tio gay. Ele teria sido o primeiro personagem gay coisa. De certo modo, Jackass é o único filme feito no espírito
num programa muito popular de TV. Poderia ter sido um enor- de Pink Flamingos e dos meus filmes dos primórdios. Johnny
me sucesso. Ele saiu, teve um ótimo jantar, depois simples- Knoxville está fazendo seus filmes muito como nós fazíamos
mente caiu morto enquanto dormia. Conheci Divine com uns os nossos quando éramos garotos.
17 anos, e, quando morreu, ele tinha 43. É muito triste ver um O que acha de quem quer chocar?
amigo morrer tão jovem. Fiquei tão abalado que desisti da Acho que não funciona. O fato de se esforçar para isso
ideia de usar travestis nos meus filmes. A cada ano que passa já é demais, mas há os que não tentam: já são assim na vida
de sua morte, Divine recebe mais elogios. É incrível. Gostaria real. É o mesmo que acontece com a beleza. As pessoas que
que fizessem um filme mostrando que a Divine era um bom são mais sexy não sabem que são sexy.
ator e não o personagem que comia cocô em Pink Flamingos: O senhor disse que seu último filme, Clube dos Per-
aquilo foi um golpe publicitário nosso para promover o filme. vertidos, de 2004, teve problemas com a censura. Esta é uma
Como o senhor vê Pink Flamingos, de 1972, hoje? preocupação?

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Eu   n ão me arrependo de nada do que fiz de selvagem Na época de Pink Flamingos, o filme foi feito para tirar
no início, mas acharia um problema se fizesse as mesmas coi- sarro de leis de censura daquele período.  M as o pior é que ago-
sas hoje. Eu não acho que Pink Flamingos seja o meu melhor ra temos que enfrentar os censores liberais, não mais os estú-
filme, mas sei que é aquele pelo qual sou lembrado.  O longa pidos. Eles são mais espertos. Ficou mais difícil.
prestou um serviço ao trash e, para minha surpresa, até hoje O senhor tem uma audiência fiel? Ou o seu público mudou?
eu me deparo com jovens que reagem ao filme com a mesma O meu público é jovem. Por isso mudou, sim. Mas o meu
estupefação com que ele foi recebido pela primeira vez.  E me público do início também me acompanha, só que não tanto:
orgulho disso. com o tempo, as pessoas vão deixando de frequentar as coisas.
E sobre o que chamou de golpe de marketing, o persona- Seu público original achou, com o tempo e a inclusão na
gem que comia cocô? sua filmografia de produções como Hairspray, que o senhor foi
Se eu não tivesse feito aquela cena em que Divine abandonando o underground?
comeu cocô de cachorro, Johnny Knoxville teria feito isso em Eu já quis fazer filme beatnik, underground, mid-
Jackass.  O s filmes da série são o que existe de mais próximo night movies, filmes independentes... Até filme estranho em
Hollywood eu fiz. E acabei fazendo também tudo isso junto, atividades. E sobre as suas apresentações ao vivo? O senhor tem
como em Cecil Bem Demente. Mas são todos sérios, de certa um repertório de espetáculos de stand-up comedy?
forma, porque, para mim, o humor é o caminho para você mu- Tenho o This Filthy World, com várias versões: gay, para
dar a opinião das pessoas.  É como você consegue levar as pes- convenções, de Baltimore, de arte...  Faço meus vaudevilles des-
soas até o seu ponto de vista. O humor é a única coisa que me de os anos 60.
faz julgar se eu gosto de uma pessoa ou não. Já que o nome do espetáculo do senhor é esse, qual foi a
O senhor disse que não há dinheiro para as produções in- coisa mais imunda que o senhor já fez?
dependentes nos Estados Unidos, e seu último filme é de 2004. É Uma vez votei nos republicanos para a presidência.
difícil conseguir filmar hoje em dia? Cry-Baby custou US$ 11 milhões e rendeu apenas US$ 8,5
As pessoas leem o roteiro de um dos meus projetos, milhões nas bilheterias, mas é considerado um sucesso.
Fruitcake, e adoram, mas hoje eu, como todo o cinema inde- É de longe o meu filme mais visto. Se não fosse ele, eu
pendente americano, enfrento o problema da recessão. Só há não chegaria a dar uma entrevista para o Brasil. Um dos moti-
jovens fazendo filmes com celular e câmeras digitais com or- vos do sucesso do filme é Johnny Depp, inigualável.
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çamentos que não chegam a US$ 5 mil, ou os blockbusters de O senhor trabalhou também com outros astros, como
mais de US$ 150 milhões, que, por causa da força da publi- Bill Murray.
cidade, têm retorno garantido. Hoje você é altamente afe- Sim, trabalhei com Bill Murray. Ele canta, sem créditos,
tado pelo que acontece na economia. Não há filmes de US$ na trilha sonora de Polyester.
5 milhões, US$ 7 milhões. Eu poderia fazer um longa para o Acompanha o cinema brasileiro?
YouTube, mas como pagaria a equipe e o elenco? Se eu pudes- Quando assisti a Pixote, tive a sensação de que o filme
se escolher, faria filmes em Technicolor, em CinemaScope. Mas mudou a minha vida. E também gostei dos principais filmes do
tenho certeza de que meu próximo filme será em digital, por- Brasil lançados nos Estados Unidos.
Rodrigo Fonseca é jornalista, produtor editorial e escritor. Atualmente é
que é mais barato.  S empre haverá garotos por aí fazendo filmes O senhor gostou do Brasil, em sua visita de 2000? repórter do Segundo Caderno do jornal O GLOBO e professor da Escola
criativos. Mas, também, porque todo mundo pode fazer, há mais Sim, foi muito divertido, me levaram a algumas boates Livre de Cinema de Nova Iguaçu. É autor dos livros “Como era triste a Chi-
nesa de Godard” (romance, 2011), “5+5 - Os melhores filmes brasileiros
filmes ruins. E as crianças de hoje estão perfeitamente felizes bem bizarras. Gostei muito do Rio de Janeiro, que merece toda
em bilheteria e crítica” (2007; coautoria de Luiz Carlos Merten e Carlos
em ver longas como Lawrence da Arábia em seus iPhones. a boa fama que tem.
Diegues) e “Meu compadre cinema - Sonhos, saudades e sucessos de Nel-
Além de cineasta, o senhor escreve livros, entre outras son Pereira dos Santos” (2005). 
mudar aquele cabelo? Aquilo dá o maior trabalho antes de sair mais familiares que a América tem. Hairspray já foi encenado

howman
de casa. Ou usar uma roupa que não seja camisa branca aboto- ali em forma de musical, e agora eles se preparam para lançar

H o r a d o
A fernando ceylão S ada até o topo e calça cáqui. Waters está nesse grupo, lutando Cry-Baby. A primeira, aliás, acabou virando um longa com John
po r há décadas para não cortar aquele bigodinho de filme antigo, Travolta no papel que antes fora da travesti Divine. Pergunta-
sempre de ternos três botões e gel puxando o cabelo para trás. do sobre o fato, o antes chamado Rei da Sordidez respondeu:
empre apreciei o mau gosto. Eventualmente com gosto são Andy Warhol e John Waters. E vou além – sacando Mas nossos heróis do cinema nem sempre conseguem di- “Isso foi a coisa mais maligna que eu já fiz. A classe média
certa ironia, claro, mas muitas vezes com uma teorias improváveis – dizendo que o amado cineasta espanhol nheiro para filmar. O Woody Allen mesmo virou guia de turismo americana vai a Hairspray e acaba vendo dois gays cantando
identificação honesta. Gente brigando em pro- se inspirou muito no universo do bizarro cineasta de Baltimo- pela Europa. E fazer um show num teatro é algo bem mais viável canções de amor. Eles aplaudem e saem dali encorajando seus
gramas de tevê, sangue jorrando de garganta es- re. Diria até que em Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos, que rodar um longa. Senso crítico debochado e persona bem filhos de 15 anos a namorarem negões. Se eu fiz algo perver-
faqueada, roupas estampadas, book da Sonora, dentes de ouro, essa era uma de suas maiores fontes, se não a maior. definida e trabalhada convergirem para um stand-up comedy era so, foi isso”. Diria que essa declaração é a síntese de o que es-
BBB, papéis de parede coloridos, enfeites de mesa exagerados, Waters é articulado e divertido. Dê uma “youtubada” um caminho natural para o rei do filthy. Essas são as grandes perar do espetáculo solo de John Waters.
grupos musicais juvenis, doces muito doces, Claudia Leitte nele e veja suas entrevistas tão ou mais divertidas que seus bases do bom comediante do gênero: sua visão de mundo e sua E o show é bom? Hum... Não... Nem é. Como quase todo
com dois “T”s, McNuggets, Susana Vieira e tudo o mais de que filmes. Aliás, como todos os artistas supracitados. É preciso persona. Fora que: tem coisa mais cafona que stand-up comedy, one man show baseado apenas em observações, sem outros
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pega bem não gostar. Implico com quem, por exemplo, não ser muito inteligente e seguro de tal inteligência para saber afinal? Tem. Até tem. Mas, vindo de onde eu vim, achei que essa artifícios do mundo da performance, é ligeiramente chato. Mas
consegue apreciar um belo plano simplesmente por ele estar que mau gosto não pega. E ele sempre foi um observador críti- seria uma divertida questão polemicazinha. eu gostei. Porque, às vezes, é assim que as coisas são. Ah, e eu
num filme de ação ou terror na mesma medida que implico co da sociedade americana... E eu odeio quando começo a usar Tecnicamente, o que John Waters faz não é stand-up. É amo Caetano.
com quem se sente obrigado a gostar do pior filme do Almo- sentenças vulgares como “sempre foi um observador crítico da um one man show. Mas, como tudo que é para ser engraçado e
dóvar, só porque sabe que temos aval crítico para amar Almo- sociedade americana”, mas é isso! Um combatente debochado tem só uma pessoa sobre o palco, no nosso tempo, no Brasil, é
dóvar. E eu gosto de Almodóvar, que fique claro. E acho que da contracultura. Os hippies estavam cansados dos padrões, chamado assim, chamemos assim. Stand-up virou uma palavra
ele (não vou escrever o nome pela quarta vez em duas linhas) e ele, precocemente, já se cansara dos hippies. Um ataque ao como express ou lounge... Pega bem usar. O ideal seria alguém
concordaria comigo que o camp e o kitsch sempre foram boas ataque. Ser contra o contra. Já entenderam, né? Eu não preci- fazer logo um Express stand-up e apresentar num lounge.
matérias-primas para obras de arte. Tarantino também con- so ficar falando como o Caetano em algumas letras. “Contra o Sobre o palco, o antes chamado “papa do lixo” coloca
cordaria com isso. O fotógrafo David Lachapelle é outro. Assim contra” foi muito “avesso do avesso”, eu sei... sua vida e suas obsessões em texto. Cultura pop americana, Fernando Ceylão é ator e redator na rede Globo. Atuou recentemente no
longa-metragem O Homem do Futuro e está em cartaz com o show “Co-
como o artista plástico Jef Koons (que foi casado com a Ciccio- Alguns diretores investem na própria imagem quase basicamente. Michael Jackson, claro. Esse tipo de coisa. Cada
média no Título”. Foi o primeiro brasileiro a fazer show de stand-up, mas
lina!). São muitos. Mas, dentro do meu campo de interesses, com tanta paixão quanto investem no trabalho. Ou você acha vez mais confortável no mainstream, o antes chamado Príncipe odeia stand-up comedy. Em 2010 lançou o livro “Cabeça de Gordo”. Apre-
as duas pessoas que inauguram a apropriação devida do mau que o David Lynch nunca sentiu uma vontade tremenda de do Vômito vem tomando conta da Broadway, um dos lugares senta no YouTube o talk show “Formato Clássico”.
Sim, a coisa pode ficar séria num filme de John Waters

o d o s c o m e mos para, instantes depois, evidenciar-se, reafirmativamente, como


t a
a qarunaledloablomche r d
produção de quinto orçamento e, em nova reviravolta, emocio-
nar com a poética da câmera, fazendo ressoar, transfigurados,
po r
ares europeus à Nouvelle Vague.
final de Pink Flamingos todo mundo sabe, mes- com o casal Connie e Raymond a primazia do florescente sub- Na malha textual, o jogo de ultrajes parodiados da boa
mo quem não viu: Divine come merda fresca de mundo, microcosmo alegórico das perversões “formais” do sociedade, e ditos em cadência de leitura para a necessária
cachorro, cospe metade e lambe os beiços. establishment. Já em 2012 (ano para o qual se anuncia o fim) o ênfase satírica, é a grande delícia de um retrato tão pueril
Este “happening”, para muitos, é o ponto direito aos vícios da alma e da carne é tornado um bem supre- quanto agudo do underground, numa era em que ele ainda ti-
focal do filme, com todo trocadilho possível. Motivo para as- mo: perversão é diversão, perversidade é diversidade. nha um lugar de guerrilha, de resistência.
sistir, desistir, detestar, gostar. O resto não importa: os restos Mas não pensem os incautos que Pink Flamingos se esgo- Pois hoje a transgressão formal, discursiva ou ideoló-
foram digeridos por um ator, sem efeitos especiais, e nisto re- ta na cena final: o espetáculo do cu cantante, com seu bico san- gica na arte é dificilmente discernível, e, de qualquer forma, a
side o fim, no sentido mais escatológico da palavra, o excre- guíneo, não há de se apagar da memória, tampouco construções emissão crítica é um coral polifônico que distribui e redistri-
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mencial e teo-filosófico (escatologia = estudo especulativo cinemáticas mais delicadas, como o singelo trailer cor-de-rosa bui rótulos ao sabor do momento.
sobre o destino final do mundo.) onde vive clandestinamente esta família Adams da putaria. É reconfortante descobrir que Divine, hoje residindo
A merda, é certo, sempre está, em todo caso, no fim da O carinho de Divine pela mãe louca recitativa é tocante em algum ponto interessante entre o céu e o inferno, ainda é
cadeia, mesmo quando reingerida voluntariamente ou à força. e supera sua hiperbólica figura: os hipócritas moralistas – ob- capaz de chocar. É possível que, retomando o leitmotiv do fil-
Falta saber se o mundo, no final, vai ser expelido assim, como servem bem – raramente tratam bem seus velhos, menos ainda me, ela continue a ser, a despeito da digitália, a criatura mais
um bostalhão perfeitamente lógico. quando loucos. Eles os escondem e os insultam. A ética es- genuinamente perversa da Terra.
Nada tão atual, portanto, que Pink Flamingos, esta joia sencial de Divine, pederasta assassina incestuosa, transcende
early-70s do pornodesbunde. Aquela merda de cachorro é a qualquer caricatura.
mesma que comemos hoje, reciclada, refinada, acelerada no Mas voltemos ao hardcore. Outras imagens hão de perma- Jornalista e escritor, Arnaldo Bloch é repórter do jornal O Globo, no qual
ciberventilador como um paintbrush em pinks, azuis espec- necer: o steak vermelho absorvendo a salmoura da genitália drag; tem uma coluna semanal e edita a sessão Logo/A página Móvel. Ele co-
meçou sua carreira na Revista Manchete, da qual foi repórter, redator e
trais, ruivos extremos, cada um no seu quadrado, ou melhor, os linguições atados à piroca mole de Raymond; mas também a
correspondente em Paris. Pela Companhia das Letras, publicou a saga fa-
no cubo da sua própria perversão. beleza pungente do incêndio no trailer vazio, culminando na che- miliar “Os Irmãos Karamabloch” (2008) e o romance “Talk Show” (2001)
Em 1972 – os EUA sob a era Nixon –, Divine disputa gada da família e na desolação em ápices de tragédia grega. e, pela Nova Fronteira, a ficção “Amanhã a Loucura” (1998).
i d o e t r e m endo a black man”, de AKIM; “Happy birthday, Jesus”, de Little Cin-

U m d igvo ert nas trilhas dy, e “Here comes Fatty Claus”, de Rudolph & Gang; e o camp

b otom sto “A date with John Waters”, com músicas românticas, no limite
do brega, incluindo a improvável “Johnny, are you queer?”, já
po r m le ão
que Waters é homossexual assumido, bem antes de isso ser
uentin Tarantino ficou tão conhecido por seus “(How much) is that doggie in the window”, de Patti Page, que “moda”, tendo até participado de um notório episódio dos
filmes (um amálgama do cinema exploitation sonoriza a mais “famosa” cena do cinema lixo, quando Divine Simpsons sobre o tema “sair do armário”.
dos últimos 40 anos) quanto pelas trilhas sono- come cocô de cachorro. Dá um clima inesperado à cena. No fim das contas, o proclamado Mestre do Mau Gosto
ras que monta, no capricho, para eles, desen- É fato que Waters jamais reuniu tantas músicas inusi- tem um bom gosto tremendo quando se trata de selecionar as
terrando músicas obscuras que acabam virando sucessos no tadas quanto o fez para a trilha de Pink Flamingos , mas o seu músicas para as trilhas de seus filmes...
mainstream. Mas, muito antes das famosas trilhas do “Taran- bom (?!) gosto nesse quesito, aliado ao seu conhecimento do
ta”, tão esperadas quanto seus filmes, um outro cineasta ame- rock básico americano – até daqueles que você não tem cora-
ricano especialista no lado B e sujo do cinema, John Waters, já gem de confessar que conhece e gosta –, deu nas divertidas

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desenvolvia algo parecido. (e dançantes) trilhas para Hairspray, repleta de músicas que
É notável, por exemplo, a qualidade/esquisitice da deram nomes às danças mais esdrúxulas da humanidade, como
seleção da trilha de seu mais famoso filme, Pink Flamingos o mash potato e as danças da barata e do inseto; e Cry-Baby (o
(1972), que, vista hoje, até parece de Tarantino: mistura rocks seu primeiro filme por um grande estúdio, com Johnny Depp!),
para lá de alternativos, temas instrumentais, black e soul mu- com uma seleção incrível de rockabillies que nem os fãs de
sic, surf rock e elementos vindos das raízes e do underground Elvis sabiam que existiam. Algo que se manteve até em seus tí-
da música pop americana que até mesmo os ditos especia- tulos recentes, como Clube dos Pervertidos, com mais rocks no
listas em rock e pop desconhecem ou mesmo nunca ouviram estilo “prazer culpado”.
falar. Nesse filme, a música é tão importante ou ultrajante Além das trilhas em si, o camarada do bigodinho fino
quanto seus personagens bizarros e trama absurda. Tanto que (que, nas horas vagas, também é fotógrafo de arte, já com vá-
Tom Leão editou por 20 anos a coluna de cultura pop Rio Fanzine, no
fica para sempre na memória auditiva de quem vê o longa o rias exposições no currículo) também compilou dois discos
jornal O Globo. Também é crítico de música e cinema. Atualmente é co-
tema “Surfin’bird”, dos Trashmen, na memorável cena da festa temáticos: “A John Water´s Christmas”, com as canções de mentarista de cultura do programa Estúdio I, da Globonews, e escreve no
no trailer de Babs (Divine). Inesquecível. Ou a quase infantil Natal mais kitsch e horrendas já feitas, como “Santa Claus is seu blog pessoal: Na Cova do Leão (www.nacovadoleao.blogspot.com)
ética
do baixíssimo orçamento com que os filmes eram realizados,

i z a r r a E s t
e l a e ixBeira
fator relevante na visualidade dessas produções, é possível
AB
f e r n an d a te
po r
enxergar além e ver claramente as escolhas estéticas feitas
por Waters. Por trás das polêmicas e da vontade de chocar o
público, o cineasta desenvolve uma profunda crítica à socie-
tilizar simplesmente o termo “trash” a fim de profissionais, definiu bastante a linguagem e a direção que os dade americana, à mediocridade e à hipocrisia, dirigida prin-
classificar os filmes de John Waters seria muito filmes de Waters tomaram e teve fundamental influência no cipalmente à classe média e seu utópico american way of life,
pouco para definir o escopo de sua obra. Waters tipo de imagem e visualidade que marcariam sua obra. A trupe, sempre acompanhada de uma boa dose de humor para ajudar
praticamente reinventou a definição do “trash” que incluía nomes como Mink Stole, Mary Vivian Pearce, Edith os espectadores a digeri-la.
ou, pelo menos, trouxe muito mais personalidade a essa clas- Massey e David Lochary, se tornou o elenco fixo dos filmes do Pink Flamingos é o ápice e o grande marco dessa estéti-
sificação. O diretor desenvolveu um peculiar estilo narrativo e diretor. É ainda nessa época que Waters dá início a sua parce- ca grotesca, ao mesmo tempo crítica e desafiadora, criada pelo
visual pelo qual ficou conhecido desde suas primeiras incur- ria com Divine, que marcaria definitivamente sua carreira. diretor, uma espécie de épico do “mau gosto”. Seus dois filmes
sões no cinema. Já em Mondo Trasho e Multiple Maniacs, filma- Mas foi em 1972 que John Waters realizou, já em cores, seguintes, Problemas Femininos e Desperate Living seguem o
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dos ainda em preto e branco, é possível ver diversos embriões o que possivelmente seja sua obra-prima, Pink Flamingos. Foi mesmo caminho dos trabalhos anteriores, explorando temas
da estética que marcaria toda a sua cinematografia. Já estão nele que Waters consolidou e também popularizou sua estéti- similares e utilizando o mesmo elenco, aprimorando cada vez
lá alguns dos temas preferidos por Waters, bem como diversas ca e a linguagem que elevariam o termo “trash” a uma nova ca- mais suas escolhas estéticas, mas pegando ligeiramente mais
excentricidades, polêmicas e bizarrices que o diretor voltaria a tegoria, transformando rapidamente o filme em cult. Em mais leve com os espectadores no que diz respeito ao conteúdo
explorar posteriormente em outros filmes. Mas, acima de tudo, uma história um tanto quanto absurda, a personagem de Di- das cenas. Waters consolida seu estilo de uma vez por todas,
já se fazia presente um dos principais elementos que ajuda- vine, uma drag obesa, disputa com seus concorrentes o título construindo o que poderia se classificar como um visual punk
riam a moldar a visualidade de seus filmes: o elenco. O ainda que se poderia traduzir como o de “pessoa viva mais desprezí- kitsch, uma ode ao brega e ao mau gosto, criando a chamada
iniciante diretor escolheu algumas figuras que eram seus ami- vel”. Desafiando tabus sexuais e religiosos, mostrando nudez “feiúra bonita”, ou o que o próprio Waters classificaria como
gos em sua cidade natal e que compartilhavam interesses e o e escatologia, Waters utiliza, de modo excepcional, o excesso “bom mau gosto”. Em Desperate Living, os exageros visuais es-
mesmo ímpeto crítico que ele, para encarnar os caricatos per- de cores e texturas, figurinos chamativos e maquiagem exa- tão ainda mais presentes, adicionando um tom barroco à mis-
sonagens de suas histórias. A escolha por esse grupo, que era gerada para criar uma estética baseada no “mau gosto”, mas tura já conhecida anteriormente.
formado por pessoas de aparência um tanto quanto estranha que caiu como uma luva no universo surreal e bizarro que ele Com orçamentos consideravelmente maiores do que os
e que não possuíam nenhum tipo de treinamento como atores cria para contextualizar seus personagens excêntricos. Apesar filmes iniciais, John Waters entra num novo estágio de sua
carreira, com uma melhor estrutura de produção e filmes cada do Trash”, se mantendo fiel aos seus temas e obsessões, bem
vez mais bem realizados tecnicamente, mas sem deixar de como à linguagem e à estética visual marcante de seus pri-
lado sua estética e seus temas. meiros trabalhos, que foram ao longo dos anos aprimoradas e
Em 1981, ele realiza Polyester, que acrescentou um um pouco suavizadas, mas sem nunca abandonar o tom ácido
novo elemento sensorial a essa estética, um equivalente ao e crítico presente em todos os seus filmes, e mais claramente
3-D atual, incluindo o olfato do espectador na experiência em obras como Cecil Bem Demente, em que Waters se rebela
cinematográfica. Durante a sessão, o público recebia uma car- contra a mediocridade reinante nas produções de Hollywood.
tela chamada odorama, com números de 1 a 10, e os raspava John Waters manteve-se, ao longo dos seus mais de 40 anos
para sentir um cheiro (que podia ser bom ou ruim) correspon- de carreira, como um autêntico representante da contracultu-
dente às cenas, conforme a numeração piscava no canto da ra, fiel às suas origens artísticas e politicamente incorretas.
tela. Além deste recurso extra, inspirado num similar utilizado
anteriormente num filme de William Castle, John Waters ho-
menageia ainda com Polyester outro cineasta importante em

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sua formação, emulando recursos estéticos dos melodramas de
Douglas Sirk (Palavras ao Vento).
Com o sucesso alcançado com esse trabalho, Waters
atinge um público mais abrangente e começa a ser visto com
um potencial um pouco mais comercial, realizando a seguir
Hairspray, um musical ambientado nos anos 60, usando e abu-
sando da estética da época, principalmente no que diz respei-
to aos penteados característicos. Filmado com um orçamento
maior e com uma linha mais aprazível ao público e, portanto, Fernanda Teixeira é formada em Cinema e pós-graduada em Direção de
mais vendável, mas sem deixar de lado o teor crítico de sua Arte. Como diretora, já realizou quatro curtas-metragens, entre eles A Es-
pera, que fez parte da competição da Semana da Crítica no Festival de
obra, Hairspray obteve enorme sucesso.
Cannes 2008. Trabalha ainda como diretora de arte, cenógrafa, produ-
Apesar de orçamentos maiores em produções recen- tora de arte, montadora e como produtora executiva, realizando projetos
tes, o cineasta não abandonou a honrosa alcunha de “Papa por meio de sua empresa, a Buendía Filmes.
a c e s :
s í v e lo
o s t o
M a u gn á l i s e d o s l i v r s ,
como tema de obras de arte. O livro, que é uma transcrição do

u m a as e r o t e i r o s
diálogo entre os dois, contém reproduções de pinturas, foto-

p e ç al Russell Ribas
grafias e registros de happenings de teor sexual. Embora sem o
humor característico, os elementos favoritos de Waters, como
po r D an ie
imagens escatológicas e chocantes, estão presentes. Também
ohn Waters é tão eclético quanto prolífico. Em- por conter Flamingos Forever, a sequência nunca realizada de num tom mais sério, a publicação John Waters: Place Space é
bora mais conhecido como cineasta fora dos Pink Flamingos. Os textos são bem detalhados na descrição de uma série de fotos de sua casa em Baltimore. A edição mostra
EUA, ele também possui uma carreira de sucesso cena e da bizarrice, conservando o teor de contracultura pre- quartos em que o refinado e o trash convivem em harmonia.
como escritor, artista plástico, ator e celebrida- sente nas produções cinematográficas. É uma leitura fluida e Ao lado de poltronas e móveis conservadores, pode-se avistar
de. Desde Hairspray, Waters tem explorado sua persona pecu- hilária, devido ao absurdo e escatologia das cenas. comida falsa (frangos, frutas, doces) espalhada pelos cômodos.
liar, de fala mansa e afiada, expondo colocações sofisticadas e Num tom autobiográfico, Waters publicou Crackpot – the Waters também lançou livros dedicados somente a seu
acessíveis sobre assuntos do gosto mais duvidoso possível. obsessions of John Waters e Shock Value – a tasteful book about trabalho fotográfico. John Waters: Change of Life, de Marvin
Além de ser um convidado frequente de talk shows, bad taste. Em ambos os livros, o autor alterna perfis (como os Heiferman, consiste em fotografias de bastidores de seus pri-
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Waters disserta sobre sua trajetória e visão de mundo no mo- de membros de sua trupe de atores, como Edith Massey) com meiros filmes, além de rascunhos. Já Director’s Cut e Unwatch-
nólogo This Filthy World. Num misto de stand-up com peça de entrevistas com personalidades, como o diretor de exploitation ble são registros de filmagens e fotos feitas por Waters, como
teatro tradicional, ele consegue a proeza de ser charmoso en- Russ Meyer e a atriz Pia Zadora, e crônicas sobre sua vida, como montagens a partir de quadros de filmes antigos e camp, capas
quanto fala sobre práticas sexuais extremas como fisting (en- num capítulo em que descreve sua obsessão por julgamentos de revistas, bonecos e até questionários. Nesses dois traba-
fiar o punho dentro do ânus de uma pessoa) ou sugerindo que de crimes violentos e o grupo de pessoas que cruza o país atrás lhos seu lado mais sofisticado é evidenciado, com sua inter-
fazer sexo oral em professores seria uma medida para melho- de tribunais e sua convivência com seus pais. Há também textos pretação da cultura pop dialogando perfeitamente com a arte
rar a educação no país. dedicados às filmagens. Enquanto Crackpot enfoca suas opi- contemporânea. Sendo mais específico, a ressignificação de
De seus livros, talvez os mais convencionais (no senti- niões sobre sociedade e cultura, citando filmes que conside- objetos considerados descartáveis num contexto artístico.
do de uma obra de autoria de um cineasta, não pelo conteúdo) ra prazeres culpados e dicas inusitadas para jovens cineastas, Seu último trabalho publicado foi Role Models, um li-
sejam Trash Trio: Three Screenplays: Pink Flamingos, Desperate Shock Value segue mais por uma linha autobiográfica. vro de perfis de figuras admiradas pelo cineasta. Consideradas
Living, Flamingos Forever e Hairspray, Female Trouble and Mul- Além do conteúdo mais comercial, Waters também sur- pelo autor como responsáveis em moldar sua personalidade,
tiple Maniacs: Three More Screenplays. Tratam-se de publica- ge em livros dedicados à arte contemporânea. Em Art – A Sex os retratados são indivíduos que levaram existências extremas.
ções de roteiros de seus filmes iniciais. O primeiro se destaca Book, ele e o crítico de arte Bruce Hainley discutem sobre sexo Trata-se de uma coleção eclética de pessoas, do dramaturgo
Tennessee Williams e o cantor romântico Johnny Mathis a strip-
pers lésbicas de Baltimore e pornógrafos gays. Waters os des-
creve de forma bem-humorada e sentimental, transmitindo ao
leitor o carinho que sente por seus “modelos de vida”.
Segundo os críticos Carolyn Kellog, do Los Angeles
Times, e Tom Carson, do The New York Times, Role Models se-
dimenta a nova fase de Waters. O “Papa do Lixo” abrandou o
tom de seu discurso, embora utilize o mesmo material e man-
tenha o olhar sagaz para convenções sociais. O que era pura e
simplesmente chocante se tornou mais ácido e satírico. Waters
deseja alcançar as pessoas em lugar de enojá-las, mas sem
mudar de estilo ou opiniões. Com os livros, o diretor se mostra
ainda mais acessível e conserva a paradoxal situação de ter

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encontrado seu lugar na sociedade que tanto ironiza. Em suma,
ele demonstra que é possível ser diferente e ainda ser aceito.
Uma posição estranha e única, que deve provocar em Waters
um sorriso, ao mesmo tempo, afetuoso e de escárnio.

Daniel Russell Ribas nasceu em 1983. Criado no Rio de Janeiro e apaixo-


nado por Copacabana. Formou-se em Jornalismo na PUC-Rio. Já escreveu
roteiros e contos. É crítico de cinema do portal Almanaque Virtual (alma-
naquevirtual.uol.com.br). É sócio-editor da Editora Oito e Meio. Participou
das antologias “Clube da Leitura: Modo de Usar, vol. 1”, “Caneta Lente Pin-
cel” e do catálogo da mostra “David Lynch: O Lado Sombrio da Alma”
u l h e r m a i s linda
, a m ou quase
namorado. O problema é que Diane existiu, e havia realmente

Divine
d o m u n d o ,s
se matado no início de 1969, levando a exibição do curta a ser
proibida. Em seguida, Waters realizou seu primeiro longa-me-
ene
po r R ap h ae la X im tragem, Mondo Trasho. Nele, Divine deveria dirigir pela cidade
vestido como uma loira fatal e acabava atropelando um caro-
odo grande diretor tem os seus atores preferi- sociedade de Baltimore, Glenn foi acusado até de assassinato, e, neiro. Porém, sempre querendo testar os limites, Waters colo-
dos para atuar em seus filmes. A maioria prefere quando isso foi esclarecido, decidiu que estava na hora de mos- cou um rapaz nu para andar pela estrada, o que era proibido
“musas”, atrizes que podem ou não embelezar trar àquela sociedade preconceituosa do que era capaz. em Maryland, causando a prisão dele e de quase todo elenco.
a tela, mas que, com toda certeza, enriquecem Foi então, por volta dos anos 1960, que Glenn conheceu Divine foi mais esperto e fugiu dirigindo em alta velocidade.
mais ainda suas obras. Claro que um diretor nem um pouco con- o jovem John Waters, que já realizava alguns curtas com temáti- Aliás, problemas com a polícia e a lei eram constantes na vida
vencional como John Waters não poderia ter uma musa conven- cas controversas. Ele o convidou a participar do curta-metragem de Divine. Sem dinheiro, ele decidiu vender todos os móveis
cional. A favorita de Waters era Divine, um transformista que Roman Candles (1966), no qual Glenn finalmente se tornaria Di- de seu apartamento, que, na verdade, pertenciam à dona do
estrelou dez filmes do diretor, entre 1966 e 1988, ano em que vine, nome dado pelo próprio Waters. A amizade entre Waters imóvel. Para não ser preso, Divine foi passar um tempo em São

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morreu. Nasceu como Harris Glenn Milstead, no ano de 1945, e Divine era perfeita. Ambos foram criados em Baltimore e sa- Francisco, uma cidade bem mais aberta ao homossexualismo,
em Baltimore, Maryland, nos Estados Unidos, mesmo local onde biam que, se não unissem forças para rir e criticar aquele mun- que possuía toda uma cultura gay pulsante, completamente
nasceu Waters e onde grande parte de seus filmes acontece. do onde foram criados, não sobreviveriam. Divine e Waters, pronta para receber alguém como ele.
Glenn, como todos o chamavam, era filho único de uma além dos amigos David Lochary, Mary Vivian Pearce e Mink De volta a Baltimore, Divine estava pronto para ousar abraçou a ideia do amigo sem olhar para trás. O estilo destruti-
família de boa posição social, que frequentava a igreja Batis- Stole, formavam o grupo Dreamlanders, que, além de Roman cada vez mais ao lado do amigo Waters, que decidiu ultrapas- vo de Waters e o carisma de Divine eram a combinação perfeita,
ta com um estilo de vida conservador. Foi criado num bairro de Candles, também realizaram Eat Your Makeup (1968), no qual sar os limites do que era possível mostrar num filme e sabia tornando ambos cultuados em todo o mundo pelo público que
classe média alta, no subúrbio de Baltimore, e sofreu durante Divine se vestia como Jackie Kennedy, sequestrava modelos e que Divine era o parceiro perfeito para ver até onde ele pode- curtia o cinema independente, principalmente os filmes “trash”.
sua vida escolar por causa de seu peso acima do normal e seu as obrigava a comer suas maquiagens. ria ir. Lady Divine surgiu em Multiple Maniacs, de 1970, como O problema era a vida dupla que Divine levava para despistar
jeito feminino. Sem nunca conseguir se “ajustar”, Glenn desco- Divine e Waters eram os reis do underground de Balti- a apresentadora de um show em que pessoas mostravam suas seus pais. Ela estava começando a pesar, com muitos problemas
briu com 15 anos sua preferência sexual por meninos e meni- more. Em 1969, Waters levou seu humor negro ao último nível perversões. O filme chamou a atenção do público para Waters financeiros e alguns pequenos escândalos que ele não con-
nas, além do seu fascínio pelo universo feminino, que o levou a ao realizar o curta The Diane Linkletter Story. Como sempre, e Divine, mas foi Pink Flamingos que os consagrou, elevan- seguia controlar. Assim, ele voltou a São Francisco, ao lado de
trabalhar como cabeleireiro e logo como transformista, perso- Divine comprou a ideia e topou ser Diane, uma moça que usa- do Divine ao status de diva-mor do underground. Para Waters, Mink Stole, e criaram o grupo The Cockettes, que apresentava
nificando a atriz Elizabeth Taylor. Malvisto por grande parte da va LSD e acabava se matando por não poder ficar com seu o filme era uma ode ao mau gosto, e Divine, mais uma vez, shows de variedades, sempre com Divine como estrela.
A partir de então, Divine passou a dividir seu tempo en- como a prostituta Rosie Velez. Na segunda vez sem Waters, em bizarros, Divine era educado e muito querido, uma pessoa que
tre os filmes de Waters e o teatro. Depois de voltar a Baltimo- Trouble in Mind, de Alan Rudolph, Divine atuava como um ho- conseguiu superar todos os preconceitos e fazer piada daque-
re para trabalhar em Problemas Femininos, de 1974, Divine foi mem no papel do gangster Hilly Blue. les que o execravam e que, no fim, brilhou exatamente por
para Nova York atuar na peça Woman Behind Bars, que contou Hairspray foi o presente de Waters para Divine. No nunca esconder quem era.
com uma excelente temporada naquela cidade, mas não con- filme, ele interpretava Edna Turnblad, a mãe da personagem
seguiu ter sucesso em Londres, onde foi montada em seguida. principal, e Arvin Hodgepile. Hairspray obteve um sucesso
Divine escreveu e atuou na peça The Neon Woman, na qual ele enorme dentro das carreiras de Waters e Divine, que, infeliz-
interpretava o dono de um strip club nos anos 1960. Enorme mente, não pôde usufruir muito dele, já que acabou morren-
sucesso da Broadway, a peça também acabou sendo lançada do no mesmo ano em decorrência de uma apneia. Hairspray
em vídeo no início da década de 1980. tornou-se a maior homenagem de Waters ao seu grande amigo,
Por fim, Divine chegou aos anos 1980, sua década, a já que quase 20 anos depois, quando o filme se tornou um mu-
que viveu mais intensamente e em que mais brilhou, atuando sical da Broadway, Edna ainda era interpretada por um homem,
em vários segmentos artísticos. Ele tornou-se fenômeno dos assim como em sua nova versão para o cinema, realizada em
80

81
clubes gays, onde criava performances inesquecíveis e ainda 2007, que contou com John Travolta como Edna Turnblad. Ape-
atuava como “Disco Diva”, quando lançou músicas com títulos sar de ser o filme mais emblemático dos últimos anos de Divi-
inusitados como “Born to be cheap” e “Native love (Step by ne, seu último trabalho foi na produção Out of The Dark, dirigi-
step)”. Continuou seu trabalho em teatros, sem nunca deixar do por Michael Schroeder, um thriller sobre um serial killer que
de atuar nos filmes de Waters. Em 1981, outro enorme sucesso matava moças que trabalhavam num telessexo.
surgiu na carreira de Divine, Polyester, no qual a crítica ao es- Divine nunca teve vergonha de sua vida, orgulhava-se
tilo de vida perfeito de Baltimore era o ponto central. Divine de tudo que conseguiu realizar. Nunca se autodenominou tran-
era a dona de casa Francine Fishpaw, casada com o dono de sexual. Sempre deixou claro que era um homem que gostava
um cinema que só exibia filmes pornôs e mãe de dois adoles- de homens e de se vestir de mulher. Sua amizade com Waters
centes insuportáveis. Pela primeira vez, em 1985, Divine era era especial no sentido de que um complementava o outro,
convidado para participar de um filme que não era dirigido por já que Divine topava tudo o que Waters lhe propunha. Nun-
Raphaela Ximenes é jornalista, formada pela Facha, e pós-graduada em
John Waters, Lust in Dust, de Paul Bartel, uma comédia faroes- ca escondeu sua preferência sexual, deixando claro todos os
Jornalismo Cultural. Atualmente, trabalha como repórter no portal Alma-
te que falava sobre a corrida do ouro e contava com Divine seus relacionamentos amorosos. Apesar de seus personagens naque Virtual (almanaquevirtual.uol.com.br)
filmografia
c o m o d ir e to
r:

Hag in a Black Leather Jacket Divine, David Lochary, Mona Montgomery e Mary Vivian Pearce.
(idem) de John Waters (EUA, 1964). Com Mona Montgomery e Comédia. Sinopse: Primeiro filme de John Waters em 16 milí-
Mary Vivian Pearce. metros. Uma babá demente que sequestra jovens garotas e as
Comédia. Sinopse: O casamento de um homem negro e uma obriga a posar até a morte na frente de seus namorados e seus
menina branca, com um membro da Ku Klux Klan realizando a amigos. Nunca foi lançado comercialmente. 45 minutos.
cerimônia. Primeiro filme de John Waters, feito em 8mm.
17 minutos. Mondo Trasho
(idem) de John Waters (EUA, 1969). Com Mary Vivian Pearce,
86

Roman Candles Divine, David Lochary, Mink Stole e Pat Moran.


(idem) de John Waters (EUA, 1966). Com Divine, David Lochary, Comédia. Sinopse: O primeiro longa-metragem dirigido por
Mona Montgomery, Pat Moran, Mary Vivian Pearce e Mink Stole. John Waters. Filmado em preto e branco com um custo de ape-
Comédia. Sinopse: O segundo filme de John Waters, rodado nas 2 mil dólares. Conta a história de uma mulher em um dia
em 8mm, e com Divine, pela primeira vez. Essencialmente, uma muito ruim. Primeiro, ela é abordada no parque por um feti-
colagem sem enredo de incidentes aleatórios envolvendo sexo, chista de pés. Quando ela foge, é atropelada por um carro. O
drogas, religião e “O Mágico de Oz”. Com uma trilha sonora ale- motorista é o travesti Divine, que perde o controle do carro,
atória que mistura propagandas de rádio, rock’n’roll e confe- enquanto olha um homem nu pedindo carona à beira da estra-
rências de imprensa com a mãe de Lee Harvey Oswald. Nunca da. As duas resolvem furtar algumas roupas para vestir sua ví-
foi lançado comercialmente. 40 minutos. tima. Infelizmente, as mulheres são raptadas por um médico
louco. Waters conta uma história sem diálogo usando a trilha
Eat your Makeup sonora de rock para avançar o enredo. 95 minutos.
(idem) de John Waters (EUA, 1968). Com Lizzy Temple Black,
The Diane Linkletter Story tam o título da “Pessoa Mais Asquerosa Viva”. Tem cenas cul-
(idem) de John Waters (EUA, 1970). Com David Lochary, Mary tuadas de personagens tendo prazer com galinhas, lambendo
Vivian Pearce e Divine. móveis, comendo fezes de cachorro, ânus falante, entre outras
Comédia. Improvisação baseada no caso real do suicídio de bizarrices. Filme responsável por dar a coroa de Rei do Mau
Diane, filha de Art Linkletter, celebridade da TV. Sr. e Sra. Link- Gosto para John Waters. O primeiro longa da denominada trilo-
letter confrontam o comportamento de sua filha, que inclui gia trash de Waters. 93 minutos.
drogas e o namoro com um canalha chamado Jim, o que resulta
em seu suicídio, sob a influência de LSD. O filme foi feito para Problemas Femininos
testar uma nova câmera com sincronia de som que seria utiliza- (Female Trouble) de John Waters (EUA, 1974). Com Divine, Da-
da em “Multiple Maniacs”. 10 minutos. vid Lochary, Mary Vivian Pearce, Mink Stole e Edith Massey.
Comédia. Sinopse: Conta a história de Dawn Davenport, uma
Multiple Maniacs adorável adolescente que foge de casa para uma vida de hedo-
(idem) de John Waters (EUA, 1970). Com Divine, David Lochary, nismo irresponsável só porque ela não conseguiu um sapato de

89
Mary Vivian Pearce, Mink Stole, Cookie Mueller e Edith Massey. salto para o Natal. Segundo filme da trilogia trash de John Wa-
Comédia. Sinopse: Divine comanda um circo de pervertidos ters. 92 minutos.
que na verdade é uma fachada para um grupo de sequestrado-
res psicóticos, sendo que Lady Divine é a mais cruel e depra- Desperate Living
vada de todos. Porém, sua vida muda depois que ela é estupra- (idem) de John Waters (EUA, 1977). Com Liz Renay, Mink Stole,
da por uma lagosta gigante. Primeiro trabalho de Edith Massey Susan Lowe, Edith Massey e Mary Vivian Pearce.
com John Waters. O filme é um tributo ao filme cult “2000 Ma- Comédia. Sinopse: Uma rica dona de casa mata o marido com
niacs” (1964), de Herschell Gordon Lewis. 90 minutos. a ajuda de sua obesa empregada doméstica. As duas fogem,
indo parar em Mortville, uma cidade que proporciona um refú-
Pink Flamingos gio para criminosos. Elas resolvem morar com uma ex-lutadora
(idem) de John Waters (EUA, 1972). Com Divine, David Lochary, lésbica e seu amante assassino. Suas vidas mudam após conhe-
Mary Vivian Pearce, Mink Stole e Edith Massey. cer a tirânica rainha Carlotta, regente de Mortville. Terceira par-
Comédia. Sinopse: Conta a história de duas famílias que dispu- te da trilogia trash de John Waters. Único filme feito por John
Waters sem a presença de Divine, antes da morte do ator em Waters que ganhou uma distribuição do mainstream. Os atores
1988. Divine estava excursionando com seu show e não teve de seu grupo, Dreamlanders, interpretaram pequenos papéis
data em sua agenda para participar do filme. Este também foi o em comparação às produções anteriores. 86 minutos.
primeiro filme de Waters sem David Lochary, que sangrou até
a morte depois de acidentalmente ferir-se aplicando PCP (Fen- Hairspray
ciclidina), droga também chamada de angel dust (pó de anjo). (idem) de John Waters (EUA, 1988). Com Ricki Lake, Divine, De-
É um pó branco transparente ou um líquido amarelado, que foi borah Harry, Sonny Bono, Ruth Brown, Jerry Stiller, Mink Stole,
criado para ser um anestésico, tanto para uso humano quan- Pia Zadora e Ric Ocasek.
to veterinário. Era vendido até 1965, quando as pessoas come- Comédia. Sinopse: A adolescente Tracy Turnblad consegue al-
çaram a ingerir com efeitos diferentes. Nos anos 70, se tornou cançar seu sonho de tornar-se uma regular no Corny Collins
uma droga de rua, porém nunca foi muito popular. 90 minutos. Dance Show. Agora, uma herói adolescente, ela começa a usar
sua fama para falar para as causas em que acredita, acima de
Polyester tudo a integração racial. Ao fazer isso, ela ganha a ira de Am-
90

(idem) de John Waters (EUA, 1981). Com Divine, Tab Hunter, ber Von Tussle, a ex-estrela do show. “Hairspray” teve um su-
Edith Massey, David Samson e Mink Stole. cesso moderado com uma renda de 8 milhões de dólares. No
Comédia. Sinopse: Francine Fishpaw é uma dona de casa de entanto, conseguiu atrair um público maior em vídeo domésti-
classe média alta nos arredores de Baltimore. Infelizmente para co no início de 1990 e se tornou um filme cultuado. Em 2002,
essa “boa mulher cristã”, o dinheiro para sustentar seu estilo “Hairspray” foi adaptado para um musical da Broadway de mes-
de vida vem do teatro pornô de seu marido. O filme é uma sáti- mo nome, que ganhou oito prêmios Tony, incluindo o de Me-
ra da vida suburbana envolvendo o divórcio, o aborto, o adulté- lhor Musical em 2003. A segunda versão do filme, uma adapta-
rio, o alcoolismo, o fetichismo do pé, e a direita religiosa. Wa- ção do musical, foi lançada em 20 de julho de 2007, com John
ters apresenta um artifício chamado “Odorama”, pelo qual os Travolta fazendo o papel interpretado por Divine no filme de
telespectadores poderiam cheirar o que aparecia na tela atra- Waters. 92 minutos.
vés de um cartão distribuído antes da sessão. O cartão foi ins-
pirado no filme “Scent of Mystery” (1960) de Jack Cardiff, outra
influência de Waters. “Polyester” foi o primeiro dos filmes de
Cry-Baby nhos. Filmes de Russ Meyer, Otto Preminger, William Castle e neastas, profissionais como Otto Preminger, Andy Warhol, Her-
(idem) de John Waters (EUA, 1990). Com Johnny Depp, Amy Loca- Herschell Gordon Lewis, influências no trabalho de Waters, são shell Gordon Lewis, Sam Peckinpah, Spike Lee, David Lynch,
ne, Iggy Pop, Ricki Lake, Traci Lords, Troy Donahue e Mink Stole. mostrados nos aparelhos de televisão. Foi exibido fora da com- William Castle e Kenneth Anger. Há diversas referências a esses
Comédia. Sinopse: Num típico subúrbio americano dos anos petição no Festival de Cannes de 1994. 95 minutos. cineastas ao longo do filme também, como o polêmico diretor
50, os garotos são programados para levar uma vida normal, italiano Pier Paolo Pasolini. 87 minutos.
sem aventuras, enquanto as garotas são educadas para se casar O Preço da Fama
e constituir família. Até que surge Cry-Baby , o sonho de todas (Pecker) de John Waters (EUA, 1998). Com Edward Furlong, Clube dos Pervertidos
as meninas e o pesadelo de todos os pais. Ele é jovem, rebelde, Christina Ricci, Mink Stole, Lili Palmer, Patricia Hearst e Mary (A Dirty Shame) de John Waters (EUA, 2004). Com Tracey Ull-
bonito, aventureiro, roqueiro e motoqueiro. Uma perdição que Vivian Pearce. man, Johnny Knoxville, Selma Blair, Chris Isaak, Mink Stole e
vai fazer de tudo para levar a bela Alisson para o mau caminho. Comédia. Sinopse: Um empregado de uma lanchonete torna- Patricia Hearst.
O filme é uma paródia dos filmes de Elvis Presley, “Juventude se uma sensação da noite para o dia, quando as fotografias Comédia. Sinopse: Sylvia é uma mulher na casa dos quarenta,
Transviada” e “Grease”. Johnny Depp na época era apenas um de sua família estranha tornam-se a última moda no mundo de sem autoestima e sexualmente reprimida que detesta sexo. Ela
dos jovens atores do seriado “Anjos da Lei”. 91 minutos. arte. O filme examina a chegada da fama e fortuna na vida de se recusa a ter relações sexuais com o marido. Ela, juntamente

93
um fotógrafo amador. 87 minutos. com sua mãe, lidera um grupo que promove um rally da decên-
Mamãe É de Morte cia. Após uma queda e um galo na cabeça, Sylvia começa a sentir
(Serial Mom) de John Waters (EUA, 1994). Com Kathleen Tur- Cecil Bem Demente impulsos selvagens e anseios sexuais que não consegue contro-
ner, Sam Waterston, Ricki Lake, Matthew Lillard, Mink Stole e (Cecil B. DeMented) de John Waters (EUA, 2000). Com Melanie lar. Ela acaba seguindo o viciado em sexo e terapeuta sexual Ray
Traci Lords. Griffith, Stephen Dorff, Alicia Witt, Larry Gilliard Jr., Maggie Ray Perkins, tornando-se seu um dos seus apóstolos do sexo em
Comédia. Sinopse: Beverly Stuphin é o mais puro retrato da Gyllenhaal, Ricki Lake e Mink Stole. uma viagem de prazer e orgasmo. 89 minutos.
mãe adorável, carinhosa e perfeita. Seu marido o dentista Eu- Comédia. Sinopse: Cineasta lunático que, junto com sua gan-
gene, seus filhos Misty e Chip completam a cena de uma fe- gue fanática por cinema, sequestra Honey Whitlock, a deusa
liz família de classe média, que se choca ao saber que uma de número “1” de Hollywood, para forçá-la a atuar em seu filme
suas vizinhas está recebendo telefonemas obscenos. O que terrorista underground. O filme é ligeiramente baseado no rap-
eles não imaginam é que a “querida e doce” mamãe tem uma to da milionária Patty Hearst em 1974, que depois simpatizou
forma pouco convencional de cuidar dos assuntos familiares. com a causa defendida por seus sequestradores. Todos os se-
Ela mata todos aqueles que se atrevem a cruzar seus cami- guidores de Cecil no filme possuem tatuagens de diversos ci-
gico. O filme oferece uma mensagem séria sobre as consequên-
Ar tísticas Relevantes:
Outras Manifestações cias da adulteração da natureza. 73 minutos.

Divine Trash Midnight Movies – From the Margin to the Mainstream


(idem) de Steve Yeager (EUA, 1998). Com John Waters, Ste- (idem) de Stuart Samuels (EUA, 2005). Com John Waters, David
ve Buscemi, Mink Stole, Hershell Gordon Lewis,. Jim Jarmusch, Lynch, Roger Ebert, George Romero, Richard O’ Brien e Alejan-
Mary Vivian Pearce, Hal Hartley, George Kuchar e Mike Kurchar. dro Jodorowsky.
Documentário. Sinopse: Documentário sobre o cineasta John Documentário. Sinopse: Entre 1970 e 1977, seis filmes de baixo
Waters, o pioneiro da sessão à meia-noite. Intercaladas com orçamento mostrado à meia-noite transformaram a forma de fa-
uma entrevista de 1972 com Waters, têm imagens de seus pri- zer e assistir a filmes: “El Topo”, “A Noite dos Mortos-Vivos”, “Pink
meiros filmes e entrevistas recentes com os seus pais, seu ir- Flamingos”, “Balada Sangrenta”, “Rocky Horror Picture Show” e
mão, a mãe de Divine, atores e equipe, outros diretores, crí- “Eraserhead”. O documentário conta as histórias por trás dos fil-
ticos de cinema, curador de mostras, psicólogos e o último mes que desafiavam a América mainstream para mudar o mundo
94

censor de Maryland. Também tem cenas raras de Waters fazen- do cinema para sempre. Com clipes raros, imagens de arquivo e
do seus primeiros filmes. Vencedor de Melhor Documentário no entrevistas com diretores e os distribuidores. 86 minutos.
Festival de Sundance de 1998. 97 minutos.
O Mundo Imundo de John Waters
Plagues & Pleasures on the Salton Sea (John Waters: The Filthy World) de Jeff Garlin (EUA, 2006). Com
(idem) de Chris Metzler e Jeff Springer (EUA, 2004). Com John John Waters.
Waters e Sonny Bono. Documentário. Sinopse: No Harry DeJour Playhouse, em Nova
Documentário. Sinopse: Este premiado documentário narrado York, John Waters protagoniza um monólogo, um relato auto-
por John Waters dá detalhes da ascensão e da queda do Mar Sal- biográfico, sobre o desenvolvimento de seu trabalho. Ele conta
ton, localizado a poucos minutos da área urbana do sul da Cali- histórias e anedotas sobre seu passado, sua carreira e seus
fórnia. Sobre seu auge como a “Califórnia Azul”, onde velejado- filmes. Um retrato do seu mundo pessoal, com todos os seus
res e os Beach Boys cantaram sobre esse paraíso que atualmente fascínios e obsessões. 86 minutos.
está em estado de decomposição, um esquecido desastre ecoló-
‘Til Death Do Us Part Documentário. Sinopse: Um olhar cronológico sobre filmes de
(idem) de Jeff Lieberman (EUA, 2006). Com John Waters. gays e lésbicas nos Estados Unidos, de 1947 a 2005. De Ken-
Comédia. Sinopse: John Waters atua como apresentador e nar- neth Anger “Fireworks” a “O Segredo de Brokeback Mountain”.
rador, interpretando The Groom Reaper (O Ceifador de Noivos As imagens abordam vários movimentos pioneiros: filmes expe-
na tradução literal) nesse seriado televisivo em que a primei- rimentais, filmes indie, o sexo na tela, amantes lésbicas, filmes
ra e única temporada teve 13 episódios com 22 minutos cada: sobre aids, o surgimento da comédia romântica, filmes sobre
1) Funeral Parlor Murder, 2) Storage Unit Murder, 3) The Airpla- transexuais e a diversidade em culturas diferentes até os dra-
ne Murder, 4) Car Keys Murder, 5) Time Capsule Murder, 6) The mas em Hollywood. 82 minutos.
Strip Clube Murder, 7) The Clown Case, 8) The Pond Scum Murder,
9) The Bog Murder, 10) Murder Mystery Weekend, 11) The In-Law Hairspray – Em Busca da Fama
Murders, 12) The Beauty Queen Murder e 13) A Christmas Mur- (Hairspray) de Adam Shankman (EUA, 2007). Com John Travol-
der. São histórias inspiradas em crimes verdadeiros envolven- ta, Michelle Pfeiffer, Christopher Walken, Amanda Bynes, Ja-
do casais cuja felicidade conjugal termina em assassinato. Wa- mes Marsden, Queen Latifah, Zac Efron e Nikki Blonsky.

97
ters faz o mesmo papel de Alfred Hitchcock no seriado “Alfred Comédia. Sinopse: 1962. O sonho de todo adolescente é apa-
Hitchcock Apresenta”. Cada episódio dessa série sombria e di- recer no “The Corny Collins Show”, o programa de dança mais
vertida tem um final feliz no estilo dos filmes de John Waters, famoso da TV. Tracy Turnblad é uma jovem gordinha que tem
com o cônjuge culpado sendo pego de uma forma que ele /ela paixão pela dança. Ao fazer um teste ela impressiona os juí-
nunca esperava. Foi filmado no Canadá e estreou na TV cana- zes e, desta forma, conquista um lugar no programa. Logo ela
dense em março de 2007, terminando a temporada em maio do alcança o sucesso, ameaçando o reinado de Amber Von Tuss-
mesmo ano. 286 minutos. le no programa. As duas passam também a disputar o amor de
Link Larkin, enquanto duelam pela coroa de Miss Auto Show.
Fabulous! The Story of Queer Cinema No entanto os conceitos de Tracy mudam quando ela descobre
(idem) de Lisa Ades e Lesli Klainberg (EUA, 2006). Com Randy o preconceito racial existente na TV, decidindo usar sua fama
Barbato, Dan Bucatinsky, Alan Cumming, Todd Haynes, Ang para promover a integração. 117 minutos.
Lee, Ian McKellen, John Cameron Mitchell, Gus Van Sant e
John Waters.
para Divine (Harris Glenn Milstead), que já havia estrelado um Rosie Velez, uma cantora pervertida, se unem a Marguerita Ven-
Material Extra:
revival de outra peça de Eyen: “Women behind bars” (Mulheres tura, a proprietária do saloon, paixões em fogo e ganância de-
Com Edith Massey: atrás das grades). Teve a direção de Ron Link, colaborador de senfreada viram a cidade de pernas para o ar. 84 minutos.
longa data de Eyen. A peça foi encenada na Hurrah Discothe-
Love Letter to Edie que, boate localizada no Upper West Side de Manhattan. O es- Vidas em Conflito
(idem) de Robert Maier (EUA, 1975). Com Edith Massey, Delo- petáculo começou em 16 de abril de 1978 e teve 84 apresen- (Trouble in Mind) de Alan Rudolph (EUA, 1985). Com Kris Kristo-
res Delux, Pat Moran, Mink Stole e John Waters. tações, terminando em 15 de julho de 1978. 100 minutos. fferson, Keith Carradine, Lori Singer, Geneviève Bujold e Divine.
Curta/Documentário. Sinopse: Um documentário sobre a atriz Drama. Sinopse: O casal Coop e Georgia chega a Rain City, com
Edith Massey, no qual ela fala sobre sua vida e sua carreira no Divine uma criança, à procura de uma oportunidade, sem saber que a
cinema. 14 minutos. (idem) de Malcolm Whitehead (EUA, 1983). Com Divine. cidade por eles escolhida é dominada por um homem inescru-
Musical/Show. Sinopse: Ultrajante, bizarra, audaciosa, provocado- puloso, que vive da exploração do sexo e das drogas. Uma ci-
Outros projetos só com Divine: ra. E talentosa? Sim, Divine é uma performer completa. Foi nos fil- dade de crimes e ambições. 111 minutos.
mes de John Waters que ela praticamente surgiu, fazendo papéis

99
98

The Neon Woman hilários. Divine (nome real de Harris Glenn Milstead) foi ator, can- Out of the Dark
(idem) de Ron Link (EUA, 1980). Com Divine, Helen Hanft, tor e dragqueen. No início dos anos 80, sua carreira na música deu (idem) de Michael Schroeder (EUA, 1989). Com Cameron Dye,
Brenda Bergman, William Duff-Griffin, Maria Duval, Sweet um salto, por ela não ter concorrentes. Sua vulgaridade no palco a Karen Black, Bud Cort, Divine e Geoffrey Lewis.
William Edgar, Lee Corbet, Debra Greenfield, Hope Stansbury e tornou única e original. Neste DVD, dois shows históricos e raros Comédia/Terror. Sinopse: Thriller sobre psicopata que elimina
George Patterson. no lendário Hacienda Club, em 1983. 75 minutos. sistematicamente atraentes mulheres que trabalham num te-
Comédia. Sinopse: É a única gravação ao vivo do espetáculo lessexo. Último filme de Divine. 89 minutos.
off-Broadway com o mesmo título, com Divine no papel princi- A Louca Corrida do Ouro
pal de uma proprietária de um clube de strip que enfrenta mui- (Lust in the Dust) de Paul Bartel (EUA, 1985). Com Tab Hunter,
tos problemas. Para apimentar a coisa, há uma subtrama com Divine, Geoffrey Lewis, Henry Silva e George Romero.
uma gêmea maligna de Divine. O espetáculo foi escrito por Comédia. Sinopse: A febre do ouro atingiu a cidade de Chile
Tom Eyen. A peça é um mistério de assassinato ultrajante que Verde no oeste selvagem, onde vaqueiros de vida dura e mu-
acontece num decadente night club de Baltimore, administrado lheres de vida fácil e sangue quente lutam pela riqueza dou-
por uma stripper aposentada (Divine). Foi escrita especialmente rada. Porém, quando Abel Wood, um pistoleiro misterioso, e
bibliografia várias figuras abstratas possuem conceitos de erotismo. Têm
176 ilustrações. Editora: Thames & Hudson. 208 páginas.

John Waters: Change of Life (2004)


Publicado por ocasião de sua primeira grande exposição num
John Waters: Unwatchable (2006)
Nesta publicação, Waters demonstra o método pelo qual cons-
trói cada trabalho como se estivesse fazendo um guia pesso-
al, de modo que seus instantâneos, fotografias e anotações ma-
nuscritas indiquem uma composição. Com esse projeto, Waters
Trash Trio: Three Screenplays : Pink Flamingos, Despe- Por Robert Pela. Editora: Alyson Books. 240 páginas. museu, com seus trabalhos fotográficos feitos ao longo da últi- continua suas investigações sobre a história do cinema e da
rate Living, Flamingos Forever (1996) ma década. Também apresenta fotografias de seus filmes raros política contemporânea. Nem o mundo da arte, as celebrida-
Contém os roteiros de Pink Flamingos, Desperate Living e Fla- Crackpot: The Obsessions of John Waters (2003) e os objetos de sua coleção pessoal. As imagens refletem seu des, os políticos ou o próprio Waters são poupados. Por John
mingos Forever (segundo Waters, sequência que nunca foi fil- Reedição da coleção de Waters de 1986, de resenhas e fascínio fotográfico por imagens, os meios de comunicação de Waters e Brenda Richardson. Editora: Marianne Boesky Gallery,
mada porque, na época em que foi escrita, muitos do elenco opiniões, publicada originalmente na revista Rolling Stone, massa e as expressões da cultura popular americana. Por Mar- New York/de Pury & Luxembourg, Zurich. 96 páginas.
original tinham morrido). O livro ainda tem duas introdu- além de outras publicações. A doçura de sua perversidade está vin Heiferman, Gary Indiana e Lisa Phillips. Editora: Harry N.
ções escritas por ele: uma de 1988 e outra de 1996. Editora: em cada página. Discutindo a biografia de Pia Zadora (“Pia Abrams. 144 páginas. John Waters Place Space (2008)
Thunder’s Mouth Press. 258 páginas. Zadora é o meu tipo de estrela de cinema. Ela tem cujones”) ou Reunião de fotos de sua casa, sua coleção de coisas estra-
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101
o sucesso de Hairspray na Broadway (“A verdadeira razão por Shock Value: A Tasteful Book About Bad Taste (2005) nhas, sua compilação pornô, sua literatura, entre outras curio-
Director’s Cut (1997) que eu estou rezando para que Hairspray seja um sucesso é Biografia escrita por John Waters, que abrange a sua amiza- sidades. Por Todd Oldham e Cindy Sherman. Editora: Ammo
John Waters redirige filmes de arte esquecidos, melodramas que, finalmente, a menina gorda e o travesti serão as estrelas de com a sua musa e atriz principal, Divine. Conta detalhes de Books. 64 páginas.
obscuros e seus próprios filmes com ensaios fotográficos feitos do show”). Waters apresenta todo lixo envolvendo o culto à como Waters fez seus primeiros filmes, histórias do círculo de
por meio de story boards e stills. O resultado demonstra a visão celebridade. Editora: Scribner. 224 páginas. amigos, entre outras curiosidades. Complementando o texto, Role Models (2011)
cômica e absurda que Waters tem sobre a vida. São imagens tem dezenas de fotografias antigas de Waters e seus comanda- O livro é um hino sobre a inspiração subversiva que irá deli-
tão hilárias quanto seus filmes. Têm 165 fotos. Editora: Scalo Art: A Sex Book (2003) dos. Editora: Running Press. 256 páginas. ciar, divertir, enriquecer e horrorizar os leitores . A obra consis-
Publishers. 287 páginas. John Waters e o aclamado crítico de arte Bruce Hainley ofere- te de um autorretrato contado por meio de perfis íntimos so-
cem uma visão única, provocadora e pessoal sobre a interpreta- Hairspray, Female Trouble, and Multiple Maniacs: bre as personalidades favoritas de John Waters, que vão desde
Filthy: The Weird World of John Waters (2002) ção sexual na arte contemporânea. O livro analisa a arte produ- Three More Screenplays (2005) o famoso ao desconhecido. O intrépido cineasta convida os lei-
O crítico Robert Pela examina a vida Waters e seu impacto so- zida por Andy Warhol, Larry Clark, Richard Kern, Sarah Lucas, Cy Contém os roteiros de Hairspray, Female Trouble e Multiple tores a apreciar algumas das figuras que o ajudaram a formar a
bre nossa cultura. O livro conduz os acontecimentos em ordem Twombly, Lily van der Stokker, Vincent Fecteau, Karen Kilimnik Maniacs. O livro ainda possui uma introdução escrita por John sua própria marca de felicidade neurótica. O livro apresenta re-
cronológica e tem entrevistas com os fãs bizarros de Waters. e Paul McCarthy, entre outros. Waters e Hainley sugerem que Waters. Editora: Running Press. 224 páginas. flexões sobre Johnny Mathis (cantor), Rei Kawakubo (fundadora
da grife Comme Des Garçons), Patty McCormack (atriz), Tennes-
sobre a divine:
see Williams, Lionel Shriver e Ivy Compton-Burnett (escrito-
res), a mártir Santa Catarina de Sena, Denton Welch (romancis- Not Simply Divine (1994)
ta inglês), Leslie van Houten (ex-seguidora do insano Charles Biografia completa e com fotos sobre o travesti Divine, atriz as-
Manson), Zorro (stripper lésbica), Cy Twombly (artista) e Bobby sinatura dos filmes de John Waters. Por Bernard Jay. Editora:
Garcia e David Hurles (pornógrafos). Do sublime ao extremo, Fireside. 240 páginas.
a publicação é um convite pessoal para uma das mentes mais
originais, perversas e hilariantes do nosso tempo. Por John Wa- My Son Divine (2001)
ters. Editora Farrar, Straus and Giroux. 320 páginas. Biografia escrita por Frances Milstead, mãe do travesti Divine
(Glenn Harris Millstead), com a colaboração dos cineastas Ste-
Low Budget Hell: Making Underground Movies with ve Yeager e Kevin Heffernan , responsáveis pelo documentário
John Waters (2011) “Divine trash”. O livro revela um lado desconhecido da perfor-
Conta a história das ultrajantes décadas de 70 e 80, em que cada mática Drag Queen. Frances fala sobre a infância de seu filho, o

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regra foi quebrada em um mundo louco e hilariante de sexo, dro- longo afastamento e a reconciliação carinhosa pouco antes de
gas, rock’n’roll, e de baixo orçamento produzindo cinema. Em sua sua morte. Um depoimento sincero e afetuoso sobre as diver-
viagem pelo universo underground, Maier conta como Johnny sas fases da vida de Glenn: garoto angelical que cantava num
Depp, Ricki Lake, Andy Warhol, Jack Palance, Tab Hunter, Divine, coral, adolescente problemático e adulto interpretando um po-
Bill Murray, Sonny Bono, os Irmãos Coen, Jean-Michel Basquait, lêmico travesti em filmes e shows. Tem fotos nunca antes pu-
The Ramones e Blondie, entre outros, embarcaram nessa jornada. blicadas. Por Frances Milstead, Steve Yeager e Kevin Heffer-
Por Robert Maier: roteirista e produtor que trabalhou por quinze nan. Editora Alyson Books. 192 páginas.
anos com John Waters nos filmes Problemas Femininos, Despe-
rate Living, Polyester, Hairspray e Cry-Baby. Além de ter traba-
lhado com uma dúzia de outros cineastas de baixo orçamentro em
Nova York e Baltimore. Editora Full Page Publishing. 346 páginas.
discografia
ra s
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em se us fil os po r el e:
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A John Waters Christmas (2004)


Coletânea de músicas natalinas que incluem gravações açuca-
radas e horripilantes. Parece um disco anti-Natal pela escolha
de certas canções politicamente incorretas. Gravadora: Water-
104

tower Music.

A Date with John Waters (2007)


Segundo o próprio Waters, essa coletânea tem “músicas ro-
mânticas com o objetivo de seduzir”. Obviamente as escolhas
procuram ironizar essa definição. A maioria das pessoas não
tentaria seduzir alguém com certas canções que estão nessa
compilação. O disco alterna romance e mau gosto. Waters pro-
meteu lançar uma outra coletânea com um título antagônico :
“Breaking up with John Waters”. Gravadora: Watertower Music.
agradecimentos
Agradecimentos Especiais: Catharina Attema Isa Carvalho Marcio Lima Rita Ribeiro
John Waters Cavi Borges Isabela Leão Marcos Azevedo Roberto Martins
Susan Allenback Celio Faria Junior Isabella Martins Maria Claudia Esteves Siméia Godoy
César Silva Isabelle Cabral Margarida Maria Lira Gomes Silvia Oroz
Agradecimentos: Cezar Alarcon Jal Guerreiro Mariana Altenbernd Simon Sutton
Ailenn Filederson Charles Torres Jennifer Bartlett Mayara Castro Suellen Felix
Alene Bristol Christina Zuardi Jim Brehm Miguel Machado Tatiana Alves
Aleques Eiterer Christopher Metzler João Vinícius Saraiva Nelson Macedo Terence Wilbour
106

Aline Cântia Daniela Barbosa José Arruda Júnior Nigel Harris Thays Bonjour
Almerita Sousa Deise Santos José Ferreira Gomes Paradise Video Valeria Ramos 
Alessandra Duboc Erica Iootty José Luiz da Páscoa Pinto Paul Garrison Vanda Vasconcellos
Alexandre Lino Etiene Duque Julia Taranto Paula Gastaud Victor Tamm
Ana Moura Fábio Lima Kelvin Jones Paulo Passini Yves Moura
Anderson Thalles Felipe Corrêa Larissa Levy Patrick Killigian
Andrea Amorim Felipe Travassos Lucas Moura Pedro Coelho
Arndt Roskens Felipe Trotta Lucia Teixeira Pedro Piu
Bill Nelson Geraldine Higgins Luiz Eduardo Sousa Peter Langs
Bruno Bezerra Guenter Backes Luiz Moura Philippa Rogers
Cabbet Araujo Guilherme Tristão Marcela de Oliveira Rafael Amaral
Calex Castro Hugo Casarini Marcelo Mendes Raphael Jessouroun
Carla Barbosa Ilda Santiago Marcelo Nogueira Richard Suttons
Créditos
CURADORIA WEBDESIGNER, EDITOR DO SITE OFICIAL & REDES SOCIAIS
Mario Abbade Maurício Borges
COORDENAÇÃO GERAL VINHETA
Breno Lira Gomes Fernanda Teixeira
PRODUÇÃO EXECUTIVA ASSESSORIA DE IMPRENSA
Miguel Fornaciari Liliam Hargreaves
PRODUÇÃO REGISTRO EM VÍDEO/MAKING OF
Ana Florença Cineteatro Produções – Alexandre Lino
Gabriel Bortolini REGISTRO FOTOGRÁFICO
MONITORIA Gabriela Magnani
Eduardo Roza IMPRESSÃO MATERIAL GRÁFICO
Natália Bittencourt Gráfica Stamppa
COORDENAÇÃO EDITORIAL & PRODUÇÃO DO CATÁLOGO LEGENDAGEM ELETRÔNICA
Angélica Coutinho Casarini Produções
Leonardo Luiz Ferreira PROJEÇÃO DIGITAL
Caixa Cultural Rio de Janeiro
PROJETO GRÁFICO Projecine Cinema 1 e 2
Av. Almirante Barroso, 25, Centro, Rio de Janeiro
Guilherme Lopes Moura 21 2544-4080
TRADUÇÃO, REVISÃO & EDIÇÃO DE TEXTOS
www.caixa.gov.br/caixacultural
Angélica Coutinho www.mostrajohnwaters.com.br
Leonardo Luiz Ferreira Facebook: Mostra John Waters

Mario Abbade Verifique a classificação indicativa por filme no local.


produção apoio gastronômico

Rua Conselheiro Saraiva, 39, Centro Rua Senador Dantas, 117, loja E, Centro
Rio de Janeiro Rio de Janeiro
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ISBN 978-85-902293-4-6
venda proibida

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