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José Lucas Cardoso

DIREITO CONSTITUCIONAL
Sumários de Direito Constitucional segundo as prelecções aos alunos do 1º ano
jurídico da Universidade Lusíada de Lisboa no 2.º semestre do ano lectivo 2016/2017
Texto para uso exclusivo dos alunos. Não dispensa a leitura das

indicações bibliográficas recomendadas.

Versão provisória. Não deve ser citado sem autorização expressa do autor.

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Parte I

Constitucionalismo e Constituição

1. Constitucionalismo
Bibliografia: J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição,
Coimbra, Livraria Almedina, 2003, Parte I e Parte II; JORGE BACELAR GOUVEIA, Manual de Direito
Constitucional, Coimbra, Livraria Almedina, 2013, Vol. I, Cap. I a IV, MANUEL AFONSO VAZ,
Direito Constitucional – O sistema constitucional português, Porto, Universidade Católica Editoria, 2015,
Introdução, e PAULO OTERO¸ Direito Constitucional Português, Livraria Almedina, Coimbra, 2010,
vol. I, Cap. I, secção 3.ª

1.1. O movimento constitucional

O constitucionalismo é um movimento político, social e cultural que, sobretudo

a partir de meados do séc. XVIII, questiona nos planos político, filosófico, jurídico,

social económico e cultural os esquemas tradicionais de domínio político e sugere uma

nova ordem política e social respeitadora da (i) pessoa humana como ser livre e racional

e enquadrada institucionalmente por (ii) novo modelo de ordenação do poder político.

A lição da História mostra que o constitucionalismo, também denominado

movimento constitucional, embora modelado pelas ideias comuns de (i) dignificar a

pessoa humana enquanto valor em si mesmo considerado e (ii) de limitação das

possibilidades de actuação da pessoa que exerce o poder, conheceu vários impulsos

política, económica, social e culturalmente distintos e geograficamente localizados.

1.2. Configurações específicas de alguns movimentos constitucionais

Neste contexto, é comum a alusão a vários constitucionalismos, ou movimentos

constitucionais, específicos sendo possível identificar as matrizes inglesa, americana e

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francesa com os movimentos propulsionados, respectivamente, pela Glorious

Revolution (1688), pela Guerra da independência das colónias inglesas no continente

americano e subsequente Declaração de Independência dos Estados Unidos da América

(1787) e pela Revolução Francesa (1789).

A característica especifica do constitucionalismo inglês reside na transfiguração

das suas instituições políticas numa linha de evolução na continuidade: a Magna Charta

(1215) e os sucessivos textos fundamentais do constitucionalismo inglês, Petiton of

Rights (1628), Habeas Corpus Act (1679), Bill of Rigths (1689), estão inseridos numa

linha simultaneamente de continuidade e de complementaridade.

Constitucionalismo americano: Bill of Rights of the good people of Virginia,

assim como as declarações proferidas pelos povos das demais colónias, às quais aquela

serviu de modelo (1776), Declaration of Independence of the United States of America

(4 de Julho de 1776).

Constitucionalismo francês: Déclaration de Droits de l’Homme et du Citoyen

(1789), Constituição de 1791 (monarquia constitucional), Constituição de 1793

(democracia jacobina), Constituição de 1795 (directório), Constituição de 1799

(consulado), Constituição de 1802 (consulado vitalício), Constituição de 1804

(império), Constituição de 1814 (monarquia limitada), Constituição de 1830 (monarquia

orleanista), Constituição de 1848 ((II) república presidencial), Constituição de 1852

(império) Constituição de 1870 (monarquia parlamentar), Constituição de 1875 ((III)

república parlamentar), Leis Fundamentais de Vichy de 1940 (regime presidencial /

ditatorial), Constituição de 1946 ((IV) república parlamentar), Constituição de 1958

((V) república presidencial).

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O constitucionalismo alemão configura uma experiência de constitucionalismo

da restauração, motivou a gestação de um sistema político denominado monarquia

limitada que assenta na conciliação de duas soberanias, a monárquica (coroa) e a

popular (povo, representado no e pelo parlamento), e a sua característica específica

consiste na busca congénita e permanente o equilíbrio entre o Estado e a Sociedade

Civil, mediante a outorga de Cartas Constitucionais.

1.3. A História Constitucional portuguesa

1.3.1. As Constituições monárquicas: 1822, 1826, 1838

1.3.1.1. A Constituição histórica

As Leis Fundamentais do Reino que limitavam a monarquia absoluta,

incorporavam (i) as (putativas) actas das Cortes de Lamego que estabeleciam a forma

monárquica de governo e regulavam a ordem de sucessão na coroa e ainda (ii) as leis

sobre a regência e tutoria na menoridade dos reis (1674), (iii) sobre o casamento dos

príncipes (1679) e (iv) sobre a sucessão na Coroa (1698).

A limitação da monarquia era ténue na medida em que as Leis Fundamentais do

Reino estavam circunscritas à regulação de alguns aspectos institucionais da Coroa, sem

reconhecer direitos dos súbditos e o seu efeito útil consistia em impedir o Rei de alterar

qualquer um dos assuntos mencionados sem o consentimento das Cortes.

1.3.1.2. A Constituição de 1822

Antecedentes: saída da corte para o Brasil; Revolução de 1820

Cortes Constituintes: a Junta provisional do Governo Supremo do Reino mandou

proceder à eleição dos deputados às Cortes Extraordinárias Constituintes.

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O texto constitucional consagrava direitos e deveres fundamentais típicos do

Estado liberal relacionados com a liberdade, a segurança e a propriedade v. g.,

consagrava a inviolabilidade do domicílio, as liberdades de expressão e de imprensa, o

direito de petição, o sigílio da correspondência, o direito de acesso a cargos públicos, a

igualdade perante a lei, a justiça criminal, pela proibição da prisão sem culpa formada e

pela abolição das penas cruéis e desumanas.

Quanto à legitimidade do poder político, consagrava a soberania nacional e

quanto à respectiva organização estabelecia um modelo tripartido de separação de

poderes que compreendia o legislativo (Cortes), executivo (Rei e Secretários de Estado)

e judicial (juízes). As Cortes eram compostas por uma única câmara, eleita por sufrágio

directo e universal (!) e em escrutínio secreto. O Rei, titular da Coroa, era designado por

sucessão hereditária na dinastia de Bragança, era competente para nomear e demitir

livremente os Secretários de Estado mas as Cortes podiam chamá-los para prestar

explicações.

Quanto à forma de Estado, estava consagrada uma união real: o Reino de

Portugal, dos Algarves e do Brasil.

A Constituição de 1822 sessou a sua vigência com a Vila-Francada (27 de Maio

de 1823), revolução absolutista impulsionada por D.ª Carlota Joaquina e por D. Miguel

e inspirada na intervenção da Santa Aliança em Espanha com objectivo de fazer cessar o

regime parlamentar iniciado com a Constituição de Cádis. Subsequentemente, D. João

VI, apesar de haver jurado a Constituição, assumiu a condução do sistema político como

rei absoluto. A Constituição de 1822 conheceu ainda uma segunda vigência entre 1936

e 1838 (cfr. infra)

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1.3.1.3. A Carta Constitucional de 1826

Surgiu o problema dinástico da sucessão de D. João VI.

A Carta Constitucional foi elaborada por D. Pedro IV, no Rio de Janeiro, e no

seu texto são evidentes as influências da Constituições Francesa de 1814 e Brasileira de

1824 e, em sede doutrinária, de BENJAMIN CONSTANT.

O texto constitucional consagrava direitos e deveres fundamentais dos

portugueses, seguindo a tradição liberal iniciada com a Constituição de 1822 mas

acrescentou-lhe alguns direitos sociais, v. g., os socorros públicos, a gratuitidade da

instrução primária, a garantia (institucional) da existência de escolas,…

Quanto à organização do poder político, os poderes do Estado estavam

quadripartidos em legislativo (Cortes), moderador (Rei), executivo (Rei e Ministros) e

judicial (juízes e jurados). O parlamento era bicameral, integrando as Cortes a Câmara

dos Pares e a Câmara dos deputados. A primeira era composta por pares hereditários e

por pares vitalícios, de nomeação régia e sem número fixo, enquanto a segunda era

eleita por sufrágio directo e censitário.

A Carta Constitucional conheceu três vigências: a (i) primeira entre 1826, com o

juramento do deputado Saldanha e 1828, quando D. Miguel convocou as Cortes à moda

antiga, a (ii) segunda iniciada em 1834, com a Paz de Évora Monte que colocou termo

às lutas liberais, e prolongou-se até 1836, quando os revolucionários setembristas

recolocaram em vigor a Constituição de 1822 (que conheceu assim uma segunda

vigência) e a (iii) terceira iniciada com o cabralismo (cfr. infra).

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1.3.1.4. A Constituição de 1838

A Constituição de 1838 é uma constituição pactícia porque negociada entre

cartistas e setembristas, foi aprovada em Cortes e submetida a sanção régia (influência

da Constituição francesa de 1830).

Quanto à organização do poder político, regressou à concepção tripartida dos

poderes do Estado. As Cortes eram compostas por duas Câmaras: dos Senadores e dos

Deputados, ambas eleitas por sufrágio directo e censitário.

A Constituição de 1838 vigorou até à Revolução de Costa Cabral (1842).

1.3.1.5. A terceira vigência da Carta Constitucional e os actos adicionais

1.3.1.5.1. O Acto Adicional de 1852

A Regeneração (1852) foi a causa da aprovação do Acto Adicional de 1852 que

veio permitir a conciliação entre cartistas e vintistas por introdução de algumas

cláusulas que representavam concessões a estes últimos.

Assim, foi consagrada a eleição directa dos deputados e o alargamento do

sufrágio, embora continuasse censitário.

As Cortes passarem a poder constituir comissões de inquérito para fiscalizar a

actividade da Administração pública.

A pena de morte foi abolida para crimes políticos.

1.3.1.5.2. O Acto Adicional de 1885

O Acto Adicional de 1885 foi impulsionado pelo Presidente do Ministério,

Fontes Pereira de Melo, com intuito de retirar essa arma eleitoral à oposição.

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Quanto à organização do poder político, a legislatura foi reduzida de quatro para

três anos. Ainda neste âmbito, foi suprimida a hereditariedade do pariato como modo de

designação dos titulares da câmara alta e o número de pares foi limitado a cem pares de

nomeação régia mais cinquenta eleitos pelos pares do reino entre si. O poder moderador

do Rei foi circunscrito pela regulação do direito de dissolução da Câmara dos

Deputados que passou a estar restringido aos casos em que o bem do Estado assim o

exigisse, ficando ainda o Rei impedido de exercer esta prerrogativa nos primeiros três

meses de nova legislatura após dissolução.

Quanto a direitos fundamentais, foram consagrados ex novo os direitos de

petição e de reunião.

1.3.1.5.3. O Acto Adicional de 1896

O Acto Adicional de 1896 foi aprovado ditatorialmente pelo Governo do Partido

Regenerador, presidido por Hintze Ribeiro (1895), e confirmado pelas Cortes após

reeleição destas.

As alterações incidiram todas sobre a organização do poder político. Assim, o

Acto Adicional de 1896 suprimiu os pares electivos, a Câmara dos pares passou a ser

composta apenas por pares por direito próprio que a título transitário continuariam a

existir e por (noventa) pares nomeados pelo Rei.

Autoriza os Ministros da Coroa a nomearem representantes para participarem

nos trabalhos das Comissões Parlamentares.

Os impasses no procedimento legislativo passam a ser resolvidos em reunião

conjunta das Câmaras, convocada a pedido de qualquer delas, suprimindo assim o poder

de arbitragem do Rei.

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O Rei foi compensado com a devolução do poder de dissolução livre da Câmara

dos Deputados.

1.3.1.5.4. O Acto Adicional de 1907

Quanto à composição do parlamento, os pares vitalícios (de nomeação régia)

passam a ser em número ilimitado.

Quanto à organização judiciária, foi consagrado um foro judicial especial (no

Supremo Tribunal de Justiça) para julgar os delitos cometidos pelos Ministros da Coroa.

1.3.2. A Constituição Republicana de 1911

Os antecedentes da Constituição Portuguesa de 1911 reportam-se ao movimento

republicano, nomeadamente à propaganda impulsionada por ocasião dos centenários de

Camões (1880) e de Pombal (1882) e pelo ultimato inglês (1890).

Após a Revolução de 1911, foi proclamada a República e, na sequência,

nomeado um governo provisório que governou em ditadura até à aprovação da nova

Constituição (19.Junho.1911).

O texto da Constituição de 1911, composto por apenas 87 artigos, foi o mais

curto das seis Constituições portuguesas.

Em sede de direitos fundamentais, a Constituição de 1911 respeitava a tradição

liberal portuguesa, plasmada nas Constituições de 1822 e de 1838, mas acrescenta

outros diretos decorrentes da ideologia republicana como a igualdade social que

implicou o fim dos privilégios de sangue, reconheceu expressamente a liberdade de

criação de escolas privadas, a liberdade de religião em consequência do Estado se

afirmar laico, o que implicou a neutralidade do ensino em matéria religiosa, e o direito

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de resistência. Ainda ano contexto das relações entre o cidadão e o Estado, foram

consagrados os deveres de frequentar o ensino primário elementar (escolaridade

obrigatoriedade) e de inscrição dos recém nascidos no registo civil.

Quanto à organização do poder político, os poderes de Estado estavam

tripartidos entre legislativo (Congresso da República), executivo (Ministério) e judicial

(tribunais). O Presidente da República era um órgão do Estado sem poderes efectivos

(cfr. infra).

O Congresso da República, de composição bicameral de acordo com a tradição

do constitucionalismo português, era integrado pela Câmara dos Deputados e pelo

Senado, ambas eleitas por sufrágio directo. O Senado era uma câmara alta territorial

(em contraste com as câmaras altas aristocráticas das constituições monárquicas) na

qual estavam representados os distritos administrativos da metrópole e as províncias

ultramarinas. A eleição como senador estava condicionada ao requisito mínimo de 25 de

anos de idade. O Congresso da República era titular de competência legislativa e ainda

de fiscalização do executivo. No contexto desta última, os Ministros eram obrigados a

comparecer perante as Câmaras para prestar esclarecimentos se convocados para tal.

O Presidente da República foi a causa da primeira questão controvertida nos

debates constituintes na medida em que foi questionada a própria existência do órgão.

No entanto, vingou a orientação no sentido da consagração de um Chefe de Estado,

órgão singular, por conveniência na representação (max. internacional) do Estado

português. O Presidente da República era eleito pelas câmaras do Congresso, reunidas

em sessão conjunta, para um mandato de quatro anos, sem possibilidade de reeleição

imediata. O Presidente da República era competente para promulgar e mandar publicar

as leis, sendo a promulgação um acto vinculado, isto é, que o Chefe de Estado deveria

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praticar obrigatoriamente ou, noutra fórmula, sem possibilidade de veto (como sanção

para o incumprimento deste dever, a Constituição de 1911 consagrava a convalidação

do diploma por promulgação tácita decorridos trinta dias). Os actos do Presidente da

República careciam, todos, de referenda ministerial.

O poder executivo estava confiado ao Ministério, também denominado no jargão

por Gabinete, chefiado pelo Presidente do Ministério e respondia politicamente perante

o Congresso, estando sujeito aos votos de confiança de censura deste último.

Quanto ao poder judicial, confiado aos tribunais, a Constituição de 1911

consagrou ex novo a competência destes órgãos de soberania para procederem à

fiscalização da constitucionalidade das leis do Congresso. O modelo de controlo então

consagrado foi a fiscalização judicial, concreta e difusa da constitucionalidade por

influência do constitucionalismo norte-americano.

A Constituição de 1911 foi objecto de duas revisões. A primeira, ocorrida em

1917, foi aprovada por decreto ditatorial do Governo, confirmado pelo Congresso (ao

tempo dissolvido) após eleições. A revisão constitucional de 1917 consagrou a eleição

do Presidente da República por sufrágio directo e universal e conferiu-lhe a chefia

(efectiva) do poder executivo. A mesma revisão constitucional alterou ainda a

composição do Senado que passou a incluir também representantes das corporações

profissionais, científicas e literárias.

A segunda revisão da Constituição de 1911 ocorreu entre 1919 e 1921, conferiu

ao Presidente da República o poder de dissolver as Câmaras do Congresso “quando

assim o exigissem os superiores interesses da Pátria e da República” e regulou

especificamente os poderes do Ministério quando as Câmaras estivessem dissolvidas

para evitar governos em ditadura.

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A Constituição de 1911 cessou a vigência com o golpe militar de 28 de Maio de

1926, embora nunca houvesse sido formalmente revogada e, em jeito de balanço,

poderemos dizer que o período em que vigorou esteve marcado pela instabilidade do

sistema político. Com efeito, em quinze anos sucederam-se oito Presidentes da

República e quarenta e quatro governos…

1.3.3. A Constituição Corporativa de 1933

Após o Golpe de Estado de 28 de Maio 1926, seguiu-se um período de ditadura

militar entre 1926 e 1933. Segundo alguns autores como MARCELLO CAETANO, a

eleição do Presidente da República, António Óscar de Fragoso Carmona, em 25 de

Março de 1928, conforme previsto em decreto ditatorial, correspondeu a um plebiscito

sobre a Revolução. O que pensar sobre este assunto?

O Acto Colonial, primeira lei constitucional do Estado Novo, foi aprovado, em

1930, sob a forma de decreto com força de lei sujeito a futura ratificação pela

Assembleia Constituinte.

O projecto de Constituição foi elaborado pelo Conselho Político Nacional

(órgão previsto em decreto ditatorial) a partir de um projecto da autoria do Ministro das

Finanças, António de Oliveira Salazar, que colheu inspiração: na (i) experiência da

ditadura militar quanto à dupla presidência, isto é, do Estado e do Conselho (de

Ministros), e quanto à competência legislativa do Governo, na (ii) Carta Constitucional

quanto aos poderes do Chefe de Estado, na (iii) Constituição da primeira república

alemã (1919) quanto às garantias institucionais e quanto ao sistema de governo, e nos

(iv) compromissos políticos do Governo da ditadura militar quanto ao regime

corporativo.

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O texto integral do projecto foi publicado em todos os jornais diários com

tiragem quer em Portugal continental, quer nas ilhas adjacentes, quer nas províncias

ultramarinas e, posteriormente, submetido a consulta popular (denominada referendo)

em 21 de Fevereiro de 1933. O voto foi obrigatório e a abstenção contou como voto

favorável (!), indícios que nos permitem quilificar esta consulta como plebiscitária.

O texto da Constituição de 1933 compreendia cento e quarenta e dois artigos,

sistematizados do seguinte modo: a Parte I, intitulada Das garantias fundamentais,

integrava os artigos 1.º a 70.º, enquanto a Parte II se ocupava Da organização política

do Estado e incorporava os artigos 71.º a 132.º, restando dez artigos em disposições

complementares. As garantias objecto da parte primeira da Constituição de 1933

assumiam a natureza jurídica de direitos fundamentais dos cidadãos (Título II) mas

sobretudo de garantias institucionais que concretizavam a existência de uma

comunidade unitária e corporativa, isto é, que estava modelada por um escopo

ideológico de valorização dos corpos sociais intermédios entre o Estado e a pessoa

humana, assim verificamos a consagração de garantias da nação portuguesa, da família,

das corporações morais e económicas, da ordem económica e social, da educação,

ensino e cultura nacional, das relações do Estado com a Igreja Católica e demais cultos,

do domínio público e privado do Estado.

A Constituição de 1933 era, prima facie, um texto constitucional amigo dos

direitos fundamentais. Com efeito, além de acolher o legado das Constituições liberais

em matéria de direitos da pessoa humana acrescentou ainda ex novo alguns direitos,

quer no plano da liberdade, quer no plano da solidariedade. Assim, no primeiro grupo

lograram reconhecimento com carácter inovador os direitos à vida, à integridade

pessoal, ao bom nome e à reputação, à instrução contraditória e ao processo criminal e

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à reparação efectiva de todas as lesões causadas por entidade pública (eventualmente

por sucedâneo pecuniário). Quanto ao segundo grupo, obtiveram acolhimento a

protecção da família, a associação do trabalho à empresa e o direito à educação.

Quanto às relações entre o Estado e a Igreja foi respeitada a separação mas o

princípio do Estado laico foi substituído pelo princípio da separação cooperante (v.g.

mediante a celebração de concordatas).

Contudo, a Constituição de 1933 estava modelada por uma concepção nominal

dos direitos fundamentais porque a prática política do Estado Novo era algo diversa,

não por violação da constituição mas com cobertura constitucional, porque o artigo 8.º,

§ 2.º, estabelecia que o exercício das liberdades de expressão do pensamento, de ensino,

de reunião e de associação carecia de regulação por lei. O preceito mencionado era

especialmente denso quanto à modelação prévia do conteúdo da lei reguladora da

liberdade de expressão na medida em que estabelecia que esta deveria “impedir

preventiva ou repressivamente a perversão da opinião pública na sua função de força

social e salvaguardar a integridade moral dos cidadãos”.

Ainda no contexto da Parte I da Constituição de 1933, avulta a garantia de uma

ordem económica e social corporativa que significa o abandono da matriz liberal das

Constituições anteriores e o reconhecimento do papel da Sociedade Civil no contexto da

comunidade estadual. Neste contexto, o direito-dever do Estado “coordenar e regular

superiormente a vida económica e social” (artigo 31.º) era a expressão máxima da

modelação do texto constitucional segundo uma ideologia corporativa que determinou,

na esfera económica, a consagração de mecanismos de condicionamento do mercado a

nível interno, nomeadamente pela incumbência de conseguir o menor preço e o maior

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salário compatíveis com a justa remuneração dos outros factores de produção (artigo

31.º/3) e de medidas proteccionistas no plano externo (artigo 30.º).

Quanto à organização do poder político, a Constituição de 1933 consagrava

como órgãos de soberania o Chefe do Estado, a Assembleia Nacional, o Governo e os

Tribunais (artigo 71.º).

O Chefe do Estado era o Presidente da República, eleito pela Nação, isto é, por

sufrágio directo dos cidadãos eleitores, para um mandato de sete anos (artigo 72.º) e

perante a Nação respondia directa e exclusivamente pelos actos praticados no exercício

das suas funções (artigo 78.º). A Constituição de 1933 estabelecia a inelegibilidade dos

Reis de Portugal e seus familiares até ao sexto grau para o cargo de Chefe do Estado

(artigo 74.º).

O Chefe do Estado era competente, nomeadamente, para dissolver a Assembleia

Nacional, “quando assim o exigissem os superiores interesses da Nação” (artigo 81.º/6),

para nomear o Presidente do Conselho de Ministros e os Ministros, assim como para os

demitir (artigo 81.º/1) e para promulgar e mandar publicar as leis e as resoluções da

Assembleia Nacional, assim como os decretos e regulamentos do Governo (artigo

81.º/9). As decisões do Chefe de Estado careciam de refenda ministerial com excepção

da (i) nomeação e demissão do Presidente do Conselho de Ministros, das (ii) mensagens

dirigidas à Assembleia Nacional e da (iii) mensagem de renúncia ao cargo (artigo 82.º).

A Assembleia Nacional era composta por noventa (90) deputados, eleitos por

sufrágio directo dos cidadãos eleitores, para uma legislatura de quatro anos (artigo 85.º).

A duração da sessão legislativa era de três meses (improrrogáveis) em cada ano civil,

com início em 10 de Janeiro (artigo 94.º).

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A Assembleia Nacional era o órgão competente, entre outros poderes do Estado,

para aprovar as leis, assim como para as interpretar, suspender e revogar (artigo 91.º/1).

À Assembleia Nacional estava ainda confiada a tarefa de vigiar pelo cumprimento da

Constituição e das leis (idem/2).

A Assembleia Nacional era coadjuvada no exercício das suas funções pela

Câmara Corporativa, “composta por representantes das autarquias e dos interesses

sociais”, isto é, de ordem administrativa, moral, cultural e económica. Contudo, a

composição precisa do órgão, o modo de designação dos seus titulares e a duração do

respectivo mandato estavam regulados por lei (artigo 102.º). A acção da Câmara

Corporativa estava circunscrita à tarefa de “relatar e dar parecer por escrito sobre todas

as propostas ou projectos de lei que fossem presentes à Assembleia Nacional, antes de

nesta ser iniciada a discussão” (artigo 103.º).

O Governo era composto pelo Presidente do Conselho de Ministros, pelos

Ministros e (eventualmente) pelos Sub-secretários de Estado, sendo o Presidente do

Conselho nomeado e demitido livremente pelo Chefe do Estado, enquanto os demais

membros do Governo eram também nomeados e demitidos pelo Chefe de Estado mas

sob proposta do Presidente do Conselho, a quem cabia referendar a decisão (artigo

106.º). Neste contexto, o Presidente do Conselho, que coordenava e dirigia a actividade

de todo o Governo, era politicamente responsável perante o Chefe do Estado, enquanto

os demais membros do Governo respondiam apenas perante o Presidente do Conselho

(artigo 107.º).

O governo desempenhava funções de natureza legislativa, mediante a aprovação

de decretos-lei, no uso de autorização legislativa ou em caso de urgência e necessidade

pública, e ainda as funções política e administrativa (artigo 108.º).

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Aos tribunais cabia exercer a função jurisdicional (artigo 115.º).

Considerando as características do sistema de governo, correspondia ao conceito

politicológico de sistema de governo representativo simples de chanceler pelos

seguintes motivos. Sistema de governo representativo simples na medida em que os

poderes do Estado estavam formalmente concentrados no Chefe do Estado, v. g., curta

duração da sessão legislativa, competência para dissolução da Assembleia Nacional,

responsabilidade política do Governo exclusivamente perante o Chefe do Estado.

Sistema de governo de chanceler porque a concentração de poderes no Chefe do Estado

era meramente formal porque efectivamente a unidade central de processamento do

sistema político era o Presidente do Conselho de Ministros, uma vez que, no plano

jurídico, os actos do Chefe do Estado careciam de referenda ministerial e o Governo era

titular de amplos poderes legislativo, enquanto no plano político, o Chefe da União

Nacional não se apresentava às eleições presidenciais mas reservava-se para as funções

de Presidente do Conselho.

Quanto aos procedimentos de revisão constitucional, o texto constitucional

consagrava um procedimento geral de revisão em cujos termos a Assembleia Nacional

podia rever a Constituição no prazo de dez anos (artigo 133.º). A Constituição poderia

no entanto ser revista no âmbito de um procedimento antecipado, cuja característica

específica residia no encurtamento do prazo de revisão para cinco anos, sendo neste

caso exigido o voto favorável de 2/3 dos Deputados para abertura do procedimento de

revisão (idem, §1.º). A Constituição poderia ainda ser revista no âmbito de um

procedimento urgente, isto é, desencadeado a qualquer momento, por iniciativa do

Chefe do Estado “quando o bem público imperiosamente o exigisse”, depois de ouvido

o Conselho de Estado (órgão consultivo do Chefe do Estado) e com a concordância do

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Governo determinar que a Assembleia Nacional a eleger assumisse poderes de revisão

constitucional em matéria referenciadas no decreto presidencial (artigo 134.º).

A Constituição de 1933 foi objecto de sucessivas revisões constitucionais.

Assim, a revisão constitucional de 1935 permitiu aperfeiçoar alguns institutos do

corporativismo económico e social, introduzir novas regras de funcionamento da

Assembleia Nacional, incorporar o Acto Colonial na Constituição formal e indexar o

ensino público aos “princípios da doutrina e moral cristãs, tradicionais da nação”.

O objecto da revisão constitucional de 1937 esteve circunscrito à alteração de

alguns aspectos do funcionamento da Câmara Corporativa, enquanto na revisão de

1938 foram alteradas algumas regras de funcionamento da Assembleia Nacional.

Aquando da revisão constitucional de 1945, o número de Deputados à

Assembleia Nacional foi aumentado para cento e vinte (120) mas, em compensação, as

competências legislativas do Governo foram alargadas na medida em que foi

dispensado o requisito da autorização prévia, assim como dispensado foi o pressuposto

da situação “de urgência e necessidade pública”. O Governo passou deste modo a ser

um órgão legislativo ordinário a par da Assembleia Nacional.

A revisão constitucional de 1951 foi o momento de consagração da liberdade

de trabalho e do direito de solidariedade à saúde pública e ainda de reforço das

competências (consultivas) da Câmara Corporativa e da incorporação do estatuto

político das províncias ultramarinas na Constituição formal.

A revisão constitucional de 1959 foi aquela que provocou maior impacto no

sistema político na medida em que foi alterado o procedimento de designação do Chefe

do Estado que deixou de ser eleito por sufrágio universal e directo para passar a ser

eleito por um colégio restrito, composto pelos Deputados à Assembleia Nacional e pelos

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Procuradores à Câmara Corporativa, em reunião conjunta. Ainda no contexto desta

revisão, o número de Deputados foi aumentado para cento e trinta (130).

A revisão constitucional de 1971 (primavera marcellista) foi momento de

reforço dos direitos das pessoas em sede de garantias do processo criminal e do recurso

contencioso de actos administrativos, do reconhecimento da religião católica como “a

religião tradicional da Nação Portuguesa” e da adopção da forma unitária de Estado.

1.3.4. A Constituição da República Portuguesa de 1976: a fase constituinte e as

revisões constitucionais

1.3.4.1. O procedimento constituinte

O procedimento constituinte conheceu o seu termo inicial com a Revolução de

25 de Abril de 1974, revolução empreendida pelos militares mas, diversamente do

sucedido com a generalidade das revoluções militares do séc. XX, com intuito de

devolver o poder ao povo a curto prazo (JORGE MIRANDA).

A Junta de Salvação Nacional veio sobrepor-se à Comissão Coordenadora do

Movimento das Forças Armadas que havia dirigido o processo revolucionário e

providenciou a aprovação de várias leis constitucionais destinadas a regular a vida

política portuguesa até à aprovação de uma nova Constituição. Neste contexto, importa

mencionar os seguintes diplomas pela sua relevância no desenvolvimento do

procedimento constituinte.

A Lei Constitucional n.º 3, de 14 de Maio de 1974, previa a eleição de uma

Assembleia Constituinte para elaborar uma nova Constituição Política e estabelecia

ainda que durante o período que mediava até à aprovação da mesma o poder seria

exercido pelos seguintes órgãos. O Presidente da República seria escolhido pela Junta

20
de Salvação Nacional de entre os seus membros. A Junta de Salvação Nacional seria

um órgão autoproclamado, portanto dotado de legitimidade revolucionária, composta

por sete (7) membros. O Conselho de Estado seria composto pelos sete membros da

Junta de Salvação Nacional, mais sete representantes das Forças Armadas, mais sete

civis nomeados pelo Presidente da República e estaria incumbido de exercer os poderes

constituintes até à eleição da assembleia, definir as linhas gerias da política do Governo

e aprovar os decretos-lei propostos por este. O Governo seria nomeado pelo Presidente

da República e ficaria incumbido das funções politica, legislativa e administrativa, com

excepção da administração militar porque os assuntos militares estavam confiados ao

Conselho de Chefes dos Estados-Maiores das Forças Armadas que seria competente

para aprovar decretos-lei, sendo ao respectivo chefe reconhecida categoria equiparada à

de Primeiro-Ministro.

O golpe de Estado de 28 de Setembro de 1974 configurou uma reversão no

procedimento constituinte por afastamento das elites dirigentes, nomeadamente dos

órgãos de soberania revolucionários, dos objectivos iniciais consagrados no Programa

do Movimento das Forças Armadas. Uma facção radical do Movimento das Forças

Armadas, dominada pelo Comando Operacional do Continente (COPCON) colocou

termo à tentativa de adopção de algumas medidas cesaristas pelo Presidente da

República em funções, General António Spínola, como v. g. a realização imediata de

uma eleição para o Presidente da República por sufrágio directo universal e secreto,

cujo decreto-lei não foi aprovado pelo Conselho de Estado. O Gerenal Spínola, sentindo

o golpe palaciano dos seus pares renunciou ao cargo de Presidente da Renúncia e a

Junta de Salvação Nacional, agora reduzida a três vogais, designou o General Francisco

21
da Costa Gomes, chefe do Estado Maior das Forças Armadas, para Presidente da

República interino.

As primeiras leis eleitorais (matéria constitucional por excelência) foram

positivadas nos Decretos-lei n.º 621-A/74 e 621-B/74, ambos de 15 de Novembro,

regulando o primeiro a capacidade eleitoral, activa e passiva, para as eleições de

deputados à Assembleia Constituinte e o recenseamento eleitoral, enquanto a segunda

estabelecia um conjunto de inelegibilidades, quer simultâneas (cidadãos que naquele

momento eram titulares de órgãos do poder político ou das forças armadas, quer

sucessivas (cidadãos que haviam exercido cargos públicos durante o Estado Novo).

A Lei Constitucional n.º 5, de 14 de Março de 1975, aprovada na sequência do

golpe militar de 11 de Março de 1975, que representou a vitória de uma facção mais

radical do Movimento das Forças Armadas vem institucionalizar a estrutura militar ao

nível dos órgãos de soberania. Assim, foi criado o Conselho da Revolução que

substituiu a Junta de Salvação Nacional, o Conselho de Estado, a Comissão

Coordenadora do Movimento das Forças Armadas e o Conselho de Chefes de Estado-

Maior e era composto por vinte e quatro (24) membros, passando a democracia

portuguesa a ficar na sombra de espadas (MAURICE DUVERGER).

O recém instituído Conselho da Revolução apressou-se a impor aos partidos

políticos candidatos às eleições para a Assembleia Constituinte condições para

aprovação da Constituição. As condições impostas pelo Conselho da Revolução foram

subscritas pelos partidos políticos num documento denominado Plataforma de Acordo

Constitucional (vulgo, Pacto MFA / Partidos Políticos) mediante o qual se

comprometeram a consagrar no texto constitucional (i) objectivos de ordem

programática no sentido da construção de uma sociedade socialista e um (ii) sistema de

22
organização do poder político que contemplasse (α) a continuidade do Conselho a

Revolução em funções até ao momento em que (no entendimento do próprio Conselho

da Revolução) estivessem consolidadas todas as conquistas revolucionárias, (β) a

existência de uma Assembleia do Movimento das Forças Armadas que representava as

bases militares, enquanto o Coelho da Revolução representaria as elites, e (γ) a eleição

do Presidente da República por um colégio eleitoral composto pela Assembleia

Legislativa (eleita democraticamente pelos cidadãos) e a Assembleia do Movimento das

Forças Armadas (composta por igual número de deputados que a Assembleia

Legislativa e cuja função se circunscreveria a esta competência eleitoral, assegurando

assim a eleição de um militar para o cago de Presidente da República).

A Assembleia Constituinte foi eleita em 25 de Abril de 1975, logrando eleger

deputados o Centro Democrático e Social (CDS), o Movimento Democrático Português

(MDP/CDE), o Partido Comunista Português (PCP), o Partido Socialista (PS), o Partido

Popular Democrático (PPD) e a União Democrática Popular (UDP). Os projectos de

Constituição apresentados pelos partidos políticos (todos os partidos representados na

Assembleia Constituinte apresentaram o seu projecto de Constituição) divergiam entre

si apenas em sede de direitos fundamentais e de organização económica, visto que as

disposições referentes à organização do poder político estavam condicionadas pelo

disposto no pacto celebrado com o MFA.

O golpe de 25 de Novembro de 1975 teve como antecessor o Documento dos

Nove, em cujos termos um grupo de nove oficiais das Forças Armadas, discordantes da

orientação governativa, declarou “recusar o modelo de sociedade socialista de tipo

europeu oriental”. O grupo dos nove saiu vencedor do golpe militar de 25 de Novembro

23
e os partidos políticos encontrar a conjuntura favorável para desencadear negociações

com vista à revisão do Pacto celebrado com o MFA.

A segunda Plataforma de Acordo Constitucional foi assinada em 26 de

Fevereiro de 1976 e previa as seguintes alterações à sua antecessora: (i) eleição do

Presidente da República por sufrágio universal, (ii) supressão da Assembleia do

Movimento das Forças Armadas, (iii) fixação da composição do Conselho da

Revolução e circunscrição das suas funções (neste contexto foi prevista a criação de

uma Comissão Constitucional incumbida de assessorar o Conselho da Revolução em

sede de apreciação da constitucionalidade), (iv) definição da responsabilidade política

do Governo, (v) supressão da reserva de iniciativa de revisão constitucional ao

Conselho da Revolução e (vi) fixação do período de transição em quatro anos.

1.3.4.2. A revisão constitucional de 1982

A Assembleia da República estava investida de poderes de revisão

constitucional desde 15 de Outubro de 1980 (cfr. artigos 286.º/1 e 299.º/1 do texto

inicial da Constituição). O termo inicial do procedimento de revisão constitucional foi o

projecto da Associação Social Democrata Independente (ASDI) apresentado em 23 de

Abril de 1981 (entretanto retirado por a ASDI haver subscrito o projecto da FRS), enquanto a

votação final global, realizada em 12 de Agosto de 1982, foi o seu termo final. Além

deste partido, apresentaram projectos de revisão constitucional, a Aliança Democrática

(AD), a Frente Republicana e Socialista (FRS), o Movimento Democrático Português

(MDP/CDE) e o Partido Comunista Português (PCP).

Verificam-se duas tendências opostas quanto ao equilíbrio de forças entre os

órgãos de soberania no âmbito dos quatro projectos de revisão constitucional

24
apresentados (e não retirados). Assim, por um lado, os projectos da AD e da FRS

propunham, ainda que em moldes diferentes, uma atenuação da componente

presidencial do sistema de governo. A causa próxima desta posição residiu em motivos

de ordem conjuntural: o General Ramalho Eanes havia sido adversário eleitoral da AD

nas eleições presidenciais e, embora houvesse sido apoiado pelo PS, não lograra o apoio

pessoal do Dr. Mário Soares… Por outro lado, os projectos de revisão constitucional do

MDP/CDE e do PC defendiam a conveniência política de reforçar a posição do então

Presidente da República em prejuízo da maioria parlamentar existente ao momento.

A parte da Constituição mais alterada nesta revisão constitucional foi a Parte III,

respeitante à organização do poder político, com a extinção do Conselho da Revolução

e a consequente redistribuição das suas competências pelos demais órgãos de soberania.

Neste contexto, (i) as competências do Conselho da Revolução como conselho do

Presidente da República foram confiadas ao então instituído Conselho de Estado (órgão

constitucional mas não órgão de soberania) e à Assembleia da República (autorizar e

confirmar a declaração do estado de sítio e do Estado de emergência, testemunhar a tomada de posse do

Presidente da República, promover o processo de acusação contra o PR por crimes praticados no

exercício das suas funções). Por seu turno, as (ii) competências políticas e legislativas em

matéria militar foram distribuídas pelo próprio PR (presidir ao Conselho Superior de Defesa

Nacional e nomear e exonerar as altas chefias militares, embora neste último caso, sob proposta do

Governo), pela Assembleia da República (aprovar as leis e as convenções internacionais em

matéria militar) e pelo Governo (dirigir a Administração militar). Por último, (iii) as

competências de fiscalização da constitucionalidade foram confiadas a um novel órgão

de soberania, o Tribunal Constitucional.

As relações entre os vários órgãos de soberania ficaram configuradas do seguinte

modo: o PR que anteriormente necessitava do acordo do Conselho da Revolução para

25
dissolver a AR, passou poder exercer livremente essa competência (o parecer do CE não

é vinculativo) com sujeição apenas aos limites temporais e circunstanciais mas, em

contra-partida, o Governo (aparentemente) deixa de estar dependente da confiança

política do PR.

Considerando este novo quadro de relações institucionais importa averiguar se o

sistema de governo português continuou semi-presidencial (ou misto parlamentar-

presidencial?): JORGE MIRANDA e MARCELO REBELO DE SOUSA entendem que

sim, enquanto ANDRÉ GONÇALVES PEREIRA sustenta que o sistema de governo

passou a parlamentar (cfr. infra).

1.3.4.3. A revisão constitucional de 1989

A Assembleia da República estava investida de poderes de revisão

constitucional a partir de 30 de Setembro de 1987 (cfr. artigo 286.º). O procedimento de

revisão constitucional decorreu entre 17 de Outubro de 1987 (apresentação do projecto

do CDS) e 8 de Julho de 1989 (votação final global da Lei Constitucional n.º 1/89).

Contudo, o impulso decisivo para a revisão constitucional foi dado com o acordo de

Revisão Constitucional celebrado entre Partido Social Democrata (PPD/PSD) e Partido

Socialista (PS) celebrado em 14 de Outubro de 1988.

A parte da Constituição mais alterada nesta revisão constitucional foi a Parte II,

denominada organização económica porque havia necessidade de alterar a matriz

colectivista das estruturas de produção por força dos compromissos a que o Estado

português se havia vinculado aquando da adesão à então Comunidade Económica

Europeia. Assim, na sequência do acordado entre PPD/PSD e PS, foi (i) abolido o

princípio da irreversibilidade das nacionalizações e (ii) consagrada a obrigatoriedade de

26
aprovação de uma lei-quadro das privatizações vinculada a princípios consagrados em

norma constitucional transitória, foram (iii) redefinidos os sectores de propriedade dos

melos de produção, (iv) a regulação do planeamento da economia foi simplificada em

conformidade com o princípio da economia de mercado, deixando a Constituição de

mencionar a força jurídica dos planos na medida em que estes passaram a estar

articulados com o programa do Governo, foi criado o (v) Conselho Económico e Social

e por último (vi) o título referente à reforma agrária foi substituído por outro de maior

abrangência, denominado política agrícola, comercial e industrial.

Além destas matérias, importa ainda destacar na Parte III da Constituição a

criação da (i) Alta Autoridade para a Comunicação Social, a consagração do instituto

do (ii) referendo a nível nacional, a (iii) redução do número de deputado para um

intervalo entre 230, mínimo, e 250, máximo, a criação de um novo tipo de leis, as (iv)

leis orgânicas e o acolhimento de (v) instrumentos e formas não jurisdicionais de

composição de conflitos.

1.3.4.4. A revisão constitucional de 1992

A revisão constitucional de 1992 foi uma revisão extraordinária destinada a

permitir a ratificação do Acto Único Europeu pelo Estado português e por esse motivo

foi minimalista. Assim, em sede de relações internacionais, passou a (i) consentir o

exercício em comum de poderes soberanos (artigo 7.º/6). Por outro lado, em matéria de

organização económica, foram (ii) alteradas as competências do Banco de Portugal por

forma a permitir a sua integração no Sistema Europeu de Bancos Centrais e,

posteriormente, a adesão de Portugal à moeda única (artigo 105.º) e, por último, foram

27
alterados os prazos para a revisão constitucional ordinária (artigo 284.º/1) com intuito

de não atrasar a revisão constitucional ordinária seguinte.

1.3.4.5. A revisão constitucional de 1997

As alterações introduzidas aquando da revisão constitucional de 1997 estiveram

dispersas pelas quatro partes da Constituição sem se centrarem em qualquer núcleo

(diversamente do sucedido nas duas revisões ordinárias anteriores). Neste contexto,

importa mencionar: (i) a consagração de novos direitos fundamentais, v. g., direito geral

de personalidade e introdução de limites à manipulação genética, e (ii) aperfeiçoamento

de regras para o exercício dos mesmos, (iii) alargamento do direito de voto na eleição

presidencial aos emigrantes, (iv) consagração da iniciativa legislativa e referendária

popular e alargamento do nucelo de matérias susceptíveis de serem objecto de

referendo, (v) reforço das competências da Assembleia da República no âmbito da

integração europeia, (vi) supressão parcial do regime jurídico dos planos económicos,

(vii) flexibilização do sistema de governo municipal (remetido para lei ordinária…) e

(viii) desconstitucionalização do serviço militar obrigatório (continuou obrigatório por

força da lei ordinária).

1.3.4.6. A revisão constitucional de 2001

A revisão constitucional de 2001 foi uma revisão extraordinária destinada a

permitir a ratificação do (i) Estatuto do Tribunal Penal Internacional (cfr. artigo 7.º/7);

contudo foram introduzidas outras alterações como a (ii) consagração do Português

como língua oficial (artigo 11.º, n.º 3), o (iii) alargamento dos direitos políticos dos

cidadãos dos Estados de língua portuguesa e a (iv) permissão do sindicalismo policial

28
(sem que no entanto que haja sido reconhecido o direito à greve às forças militares nem

sequer militarizadas).

1.3.4.7. A revisão constitucional de 2004

A revisão constitucional de 2004 permitiu a (i) regulação das relações entre o

Direito português e o Direito da União Europeia (artigo 8.º/3 e 4), a (ii) (re)regulação da

liberdade de imprensa com a extinção da Alta Autoridade para a Comunicação Social e

a imposição ao legislador ordinário do dever de criação de uma a Entidade Reguladora

da Comunicação Social incumbida de assegurar os objectivos definidos na Constituição

em sede de meios de comunicação social (artigo 39.º), a (iii) limitação republicana do

exercício de cargos públicos (artigo 118.º/2) e o (iv) alargamento dos poderes das

regiões autónomas (artigo 226.º e ss.).

1.3.4.8. A revisão constitucional de 2005

A revisão constitucional de 2005 foi uma revisão constitucional extraordinária

destinada a permitir a submissão a referendo dos tratados a que o Estado português se

vincular no âmbito da construção europeia (artigo 295.º).

29
30
2. Constituição

Bibliografia: J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição,


Coimbra, Parte I; J. BACELAR GOUVEIA, Manual de Direito Constitucional, Vol. I, Cap. V a IX;
MANUEL AFONSO VAZ, Direito Constitucional – O sistema constitucional português, Introdução,
MANUEL AFONSO VAZ, Teoria da Constituição – O que é a Constituição, hoje?, Porto, Universidade
Católica Editora, 2015, Introdução e Cap. I e II, e PAULO OTERO¸ Direito Constitucional Português,
vol. I, Livraria Almedina, Coimbra, 2010, Cap. I, secção 2.ª

2.1. Constituição e Direito Constitucional

O que é uma Constituição? A resposta a este quesito afigura-se essencial, na

medida em que toda a gente, em todos os locais, fala acerca da Constituição mas, no

entanto, não consegue identificar a essência do conceito (FERDINAND LASSALE)

A Constituição no sentido moderno do termo consiste numa ideia de ordenação

sistemática e racional da comunidade humana consubstanciada num documento escrito

em cujos termos estão (i) reconhecidos os direitos fundamentais da pessoa humana e

está (ii) consagrado um modelo de organização do poder político, nomeadamente a

fundação, o fundamento e o fundamental da sua acção e limites.

O Direito Constitucional, como conjunto de normas jurídicas incidentes sobre a

matéria constitucional é, de igual modo, com bastante frequência, mesmo no contexto

escolar, definido em termos insuficientes ou mesmo incorretos (JEAN RIVERO), pelo

importa aclarar os contornos materiais deste ramo de Direito.

Assim, o Direito Constitucional, ramo de Direito público positivado numa

Constituição, define (conceito de Direito Constitucional) a fundação, o fundamento e o

fundamental do Estado de Direito democrático. O artigo 16.º Déclaration de Droits de

l’Homme et du Citoyen configura como núcleos históricos da matéria constitucional

(conteúdo ou quintessência do Direito Constitucional), os (i) direitos fundamentais da

31
pessoa humana e (ii) organização do poder político (segundo um modelo que

contemple a separação de poderes).

2.2. Constituição, Sociedade e Estado

Uma das dúvidas metódicas do constitucionalismo consiste em saber se a

Constituição se reporta preferencialmente à Sociedade (Comunidade humana) ou ao

Estado (Comunidade organizada). Assim, num primeiro momento (subsequente às

revoluções liberais), o pensamento de autores liberais como JOHN LOCKE, CHARLES

DE MONTESQUIEU, ou J. J. ROUSSEAU encontrou acolhimento no artigo 16.º da

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão que estabelece o seguinte:

“sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos, nem estabelecida a

separação dos poderes não tem Constituição”.

Já num segundo momento do constitucionalismo (a partir do início do séc. XIX),

assistimos, por um lado, a uma evolução do conceito na medida em que a Lei

Fundamental passou a “constituir”, isto é, a Constituição Americana criou ex-novo os

Estados Unidos da América, enquanto a Constituição Francesa criou o Estado-Nação

dos franceses e, por outro lado, o Estado Liberal (de legalidade) foi estruturado com

alicerce no binómio Estado / Sociedade (civil), cujos termos são considerados por

natureza antagónicos e, neste contexto, o Direito público estava reportado ao Estado,

enquanto o Direito privado estava reportado à Sociedade.

O momento actual é de amadurecimento e, em certo sentido, de reforma das

instituições jurídicas e políticas da modernidade (que os autores vêem denominando por

pós-modernidade) e é tempo de conciliação entre a concepção originária ou societária e

a concepção tardio-liberal ou estatista de Constituição (cfr. infra).

32
2.3. Constituição e Estado de Direito Democrático

A dúvida metódica suscitada revelou a existência de outro conceito do

movimento constitucional, o Estado, pelo que será legítimo o quesito: que coisa é o

Estado (GOMES CANOTILHO)?

Neste contexto, o Estado consiste num modelo histórico de organização das

comunidades humanas, caracterizado pela (i) cidadania, pela (ii) territorialidade e pela

(iii) soberania. Consiste especificamente no modelo historicamente emergente da Paz de

Westefália, que consubstanciou o armistício da Guerra dos Trinta Anos, e conheceu um

primeiro momento de Estado absoluto, em que o poder político (dos monarcas

europeus) estava imune ao Direito, antes de ser transmutado, por acção das revoluções

liberais, num Estado Constitucional, isto é, num Estado com as qualidades (GOMES

CANTOTILHO) de Estado de Direito e de Estado Democrático.

O conceito de Estado de Direito, à semelhança do sucedido com o movimento

constitucional, foi concebido e gerado em várias latitudes: Rule of Law, Etat légal e

Rechetsstaat. As características basilares do Rule of Law (Reino Unido e Estados

Unidos da América) são (i) o due process, (ii) a superioridade das leis e dos costumes

(common law) sobre o poder régio e (iii) a subordinação do executivo ao parlamento.

A pedra de toque do Etat légal, por seu turno, consiste na estruturação de uma

ordem jurídica hierarquizada da cúpula para a base do seguinte modo: Déclaration de

Droits de L’Homme et du Citoyen (fonte de Direito supra e pré constitucional),

Constituição e Lei de modo a que as fontes de Direito situadas num escalão superior

desta cadeia hierárquica limitam progressivamente as fontes situadas num escalão

inferior e consequentemente o poder de actuação dos seus autores.

33
A premissa do Rechetsstaat, por último, reporta-se à (i) limitação do Estado

(monarca) pelo Direito (parlamento) com fundamento teórico no reconhecimento de

uma dualidade de soberanias própria do constitucionalismo da restauração.

O conceito de Estado democrático, por seu turno, identifica uma ordem de

domínio legitimada pelo povo, no sentido de conjunto dos cidadãos, que configura o

princípio da soberania popular.

A conciliação entre as duas componentes do Estado constitucional é possível e

desejável na medida em que o princípio do Estado democrático define a titularidade do

poder político, enquanto o Estado de Direito define o modo de actuação e os limites do

titular do poder. Concretizando, a democracia responde à questão de saber quem deve

exercer o poder político, enquanto o liberalismo responde à questão de saber como pode

actuar, e dentro de que limites, a pessoa que exerce o poder (ORTEGA Y GASSET).

2.4. As normas e os princípios constitucionais

As normas constitucionais, como qualquer norma jurídica, por definição, são

comandos gerais e abstractos, enquanto os princípios constitucionais compreendem

um grau de abstracção e de generalidade ainda mais elevado. Os princípios configuram

assim enunciados constitucionais mais concentrados (ou menos densos) que as normas.

As normas constitucionais são passíveis de classificação, quanto ao (i) objecto,

em normas (α) substantivas, aquelas que estabelecem modelos organizatórios,

procedimentos decisórios e direitos e deveres das pessoas, e normas (β) adjectivas, que

são a garantia do cumprimento das primeiras, nomeadamente pelos órgãos do poder

politico. Sendo que no âmbito das primeiras importa ainda distinguir entre normas (1) organizatórias ou

de organização (que definem a formação, a composição e a competência dos órgãos do poder político),

(2) normas procedimentais ou formais (que definem a tramitação dos procedimentos decisórios e a forma

34
que as decisões finais carecem revestir) e (3) normas materiais (que definem o conteúdo das relações

jurídico-políticas).

As normas constitucionais são passíveis de classificação, por outro lado, quanto

à sua (ii) relação com o tempo, em (α) normas preceptivas, aquelas que acolhem

adquiridos constitucionais, e (β) normas programáticas, aquelas que tem natureza

prospectiva, isto é que estabelecem a ligação entre o presente e o futuro mediante a

definição de programas de transformação da Sociedade, nos domínios económico, social

e cultural. Sendo que no âmbito do primeiro termo importa ainda distinguir, em razão da sua eficácia,

as (1) normas exequíveis por si mesmas das (2) normas não exequíveis por si mesmas.

Quanto à respectiva natureza jurídica, para os autores jusnaturalistas os

princípios constitucionais são princípios de Direito Natural acolhidos no texto

constitucional, enquanto para os autores positivistas os princípios constitucionais

resultam de um processo de generalização ou concentração das normas jurídicas e por

isso dotados de um âmbito mais alargado. O que pensar sobre este assunto?

Quanto à sua relevância, encontramos na doutrina as teses da (i) irrelevância, da

(ii) relevância indirecta e da (iii) normatividade plena. A Constituição da República

Portuguesa acolhe a tese da normatividade plena nos termos dos artigos 204.º e 277.º/1.

2.5. A interpretação das normas constitucionais

i) a interpretação das normas constitucionais segue os cânones gerais da

hermenêutica jurídica,

ii) as especificidades da interpretação da Constituição:

α) princípio da unidade da Constituição: a interpretação de cada preceito

deve atender à lógica global da Constituição,

35
β) princípio da interpretação de harmonia com a Declaração Universal

dos Direitos Humanos (artigo 16.º, n.º 2, CRP),

γ) princípio da concordância prática: é necessário harmonizar os

princípios constitucionais por forma a maximizar cada um deles com o mínimo

sacrifício dos restantes,

δ) princípio da correcção funcional: respeito pelo equilíbrio de poderes,

ε) princípio da eficácia integrada: é necessário atender aos objectivos de

integração social e unidade política que suprajazem à Ordem Constitucional,

ζ) princípio da máxima efectividade: rejeitar os entendimentos

empobrecedores da normatividade constitucional.

iii) interpretação constitucional v. interpretação conforme à Constituição,

2.6. Classificação de Constituições

i) Quanto às fontes do Direito Constitucional, podemos distinguir entre

Constituição em sentido material, Constituição em sentido formal e Constituição em

sentido documental; as hipóteses de coincidência entre estes dois últimos sentidos de Constituição são

as seguintes: (i) CF = CD, (ii) CF = várias CD simultâneas (v.g. Constituição francesa de 1875) ou

sucessivas (v.g. aditamentos e emendas à Constituição americana) e (iii) CF = CD + normas recebidas

formalmente (v.g., CRP).

ii) Quanto à concordância das normas constitucionais com a realidade dos factos

é possível distinguir entre Constituições normativas, Constituições nominais e

Constituições semânticas (KARL LOEWENSTEIN).

iii) Quanto à relação do poder político com a Sociedade Civil, é comum

distinguir-se entre Constituições estatutárias (orgânicas ou processuais) e Constituições

programáticas.

36
iv) Quanto ao quantum de ideologias que acolhe, podemos distinguir entre

Constituições simples e Constituições compromissórias.

v) Quanto à possibilidade de modificação, existem Constituições rígidas e

Constituições flexíveis; neste contexto, a rigidez constitucional assegura a estabilidade do

ordenamento jurídico, enquanto a flexibilidade assegura a respectiva dinâmica (quando necessária).

37
38
Parte II

A Constituição da República Portuguesa de 1976

3. A sistematização e os princípios fundamentais


Bibliografia: J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição,
Coimbra, Parte III, Títulos 1 e 2; JORGE BACELAR GOUVEIA, Manual de Direito Constitucional,
Vol. II, Cap. X, e PAULO OTERO¸ Direito Constitucional Português, vol. I, Coimbra, 2010, Cap. I,
secção 1.ª

3.1. A sistematização da Constituição da República Portuguesa

Princípios fundamentais (artigos 1.º a 11.º; exprimem a ideologia constitucional,

FRANCISCO LUCAS PIRES, Teoria da Constituição de 1976 – A transição dualista), seguidos de

Partes I a IV, sistematizadas em razão da matéria, respectivamente Direitos e deveres

fundamentais (artigos 12.º a 79.º), Organização económica (80.º a 79.º), Organização

do poder político (108.º a 276.º) e Garantia e revisão da Constituição (277.º a 289.º) e

ainda Disposições finais e transitórias (290.º a 296.º).

3.2. Os princípios constitucionais

3.2.1. Quanto à pessoa humana e à sua relação com o poder político

3.2.1.1. O princípio da dignidade humana

“O Estado constitucional realiza a dignidade humana fazendo dos cidadãos

sujeitos da sua actuação” (PETER HÄBERLE, El Estado Constitucional, p. 171).

39
3.2.1.2. O princípio da liberdade

A liberdade de um homem “consiste [na possibilidade de] fazer tudo o que ele

considere conveniente para garantir a sua própria preservação, bem como a dos outros,

dentro dos limites autorizados pela lei natural” (JOHN LOCKE, Dois tratados de direito civil, p.

317; cfr. ainda artigo 4.º DDHC) ou, noutra formulação, consiste “[n]a autonomia da razão

pessoal existente em cada ser humano e a sua inviolabilidade na regência da sua própria

conduta social. Equivale à autodeterminação da pessoa na sociedade” (A. BARBOSA DE

MELO, Democracia e Utopia, p. 18).

3.2.1.3. O princípio da solidariedade

A solidariedade que etimologicamente significa interdependência de interesses,

neste contexto exprime “o sentido essencialmente dialógico e convivente do ser humano

e prescreve a [comunhão] de todas as pessoas no gozo das vantagens e na partilha dos

riscos produzidos pela vida em comunidade” (A. BARBOSA DE MELO, Democracia e Utopia,

p. 18) e representa “o desejável ponto de equilíbrio entre a caridade cristã e a

fraternidade revolucionária” (MARIO GIUSEPPE LOSANO, La cuestión social y el solidarismo

francés: actualidade de una antigua doctrina, p. 19).

3.2.2. Quanto à titularidade e ao exercício do poder político

3.2.2.1. O princípio da soberania nacional

Soberania popular ou soberania nacional?

40
3.2.2.2. O princípio democrático

A democracia, na definição clássica de Aristóteles, consiste no governo de todos

por todos. Assim, o princípio democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição da

República Portuguesa, implica a existência de uma relação de identidade entre o titular

da soberania, isto é, o povo (cfr. artigos 1.º, 2.º e 3.º, 1.ª parte; democracia pressupõe

soberania popular), e aquele que o exerce (cfr. idem, 2.ª parte). Neste contexto, a

soberania pode ser exercida pelo próprio povo (democracia directa), pelos seus

representantes (democracia representativa, cfr. artigo 10.º) ou pelos representantes com

a intervenção do povo em algumas decisões (democracia participativa, cfr. artigo 2.º in

fine e 10.º, n.º 1).

O princípio democrático, tal como consagrado na Constituição da República

Portuguesa, compreende o pluralismo de expressão (cfr. artigo 2.º e infra, Estado de

Direito v. Democracia).

3.2.3.3. O princípio republicano

Res publica (coisa comum)

3.2.3.4. O princípio do Estado de Direito

Juridicidade, constitucionalidade, direitos humanos, separação de poderes.

3.2.3. Quanto à organização do poder político

3.2.3.1. O princípio do Estado unitário

41
3.2.3.2. O princípio do reconhecimento das autonomias locais e regionais

3.2.3.3. O princípio da subsidiariedade

O Estado é unitário e respeita o regime de autonomia político-administrativa das regiões

autónomas, o princípio da subsidiariedade, a autonomia da administração local e a descentralização

democrática da administração pública (artigo 6.º/1) mas sem prejuízo da necessária eficácia e da unidade

de acção da Administração pública (artigo 267.º/2), portanto enquadrado por uma ideia de equilíbrio

eficiente (VIEIRA DE ANDRADE) entre a actuação do Estado e das entidades autónomas.

3.2.4. Quanto às relações internacionais do Estado Português

3.2.4.1. O princípio da integração europeia

3.2.4.2. O princípio da cooperação internacional

42
4. A organização do poder político
Bibliografia: J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição,
Coimbra, Parte III, Título IV; JORGE BACELAR GOUVEIA, Manual de Direito Constitucional,
Coimbra, Livraria Almedina, 2013, Vol. II, Cap. XII, § 44.º, e MANUEL AFONSO VAZ, Direito
Constitucional – O sistema constitucional português, Cap. I, e PAULO OTERO¸ Direito Constitucional
Português, vol. II, Cap. II.

4.1. Aspectos gerais sobre o regime constitucional dos órgãos do poder político

O povo, no sentido de conjunto dos cidadãos que consubstanciam o elemento

subjectivo do Estado é o titular do poder político (cfr. artigos 3.º/1 e 108.º CRP) que no

entanto (apenas) o exerce nos termos previstos na Constituição (cfr. artigos 10.º/1 e

108.º CRP), nomeadamente nos termos estabelecidos nas normas consagradas na

respectiva Parte III.

4.2. Os órgãos de soberania

São órgãos de soberania do Estado Português o Presidente da República, a

Assembleia da República, o Governo e os Tribunais (elenco dos órgãos de soberania

definido no artigo 110.º/1 CRP).

O texto constitucional estabelece uma reserva de Constituição quanto à definição

da formação, da composição, da competência e do funcionamento dos órgãos de

soberania (cfr. artigo 110.º/2). Solução que implica uma reserva do legislador

constituinte na configuração do sistema institucional e, em última análise, do modelo

constitucional de separação e de interdependência dos poderes de Estado cujos

mecanismos constitucionalmente estalecidos (v.g., quanto à separação, as reservas de

competência política e legislativa, e quanto à interdependência, as moções de censura, a

dissolução, o veto,…) os poderes constituídos, isto é, político, legislativo, executivo e

43
judicial, estão vinculados a respeitar escrupulosamente. (artigo 111.º/1). Neste contexto,

a Constituição estabelece ainda um princípio de indisponibilidade da competência

(artigo 111.º/2) na medida em que a competência constitucionalmente confiada a um

órgão de soberania é a consequência da separação de poderes definida pelo poder

constituinte e a alineação da mesma para além dos casos (excepcionais) expressamente

previstos alteraria a respectiva configuração.

A separação de poderes, além das dimensões orgânica e funcional que lhe são

inerentes, necessita estar constitucional e legalmente assegurada como uma separação

pessoal de poderes de modo a impedir que o mesmo homem integre dois poderes do

Estado (CHARLES DE MONSTESQUIEU). Superada a estratificação da Sociedade

Civil (cfr. artigo 12.º/1 CRP) que, ainda segundo CHARLES DE MONSTESQUIEU,

constituía o critério adequado a delimitar os grupos sociais adequados a ocupar os

diversos órgãos do Estado (isto é, o Rei deveria ocupar o poder executivo, enquanto a Nobreza e o

Povo ocupariam as duas câmaras do poder legislativo e os tribunais seriam um pouvoir neutre (!) de

modo a assegurar que o homem que faz a lei não a aplica ao caso concreto ), as incompatibilidades e

impedimentos dos titulares dos cargos políticos e dos altos cargos públicos (cfr. artigo

154.º CRP e Regime Jurídico de Incompatibilidades e Impedimentos dos Titulares de

Cargos Políticos e Altos Cargos Públicos, aprovado pela Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto, com

sucessivas alterações, a última das quais pela Lei Orgânica n.º 1/2011, de 30 de Novembro ) constituem

um mecanismo adequado a assegurar a separação pessoal de poderes.

4.2.2. O Presidente da República: eleição e estatuto

O Presidente da República representa a República Portuguesa, garante a

independência nacional, a unidade do Estado e o regular funcionamento das

44
instituições democráticas e é, por inerência, Comandante Supremo das Foças Armadas

(definição do órgão consagrada no artigo 120.º CRP).

O Presidente da República é eleito por sufrágio universal directo e secreto

(artigo 121.º/1, 1.ª parte), reconhecendo a Constituição capacidade eleitoral activa aos

cidadãos portugueses residentes e recenseados no território nacional (idem, 2.ª parte) e

ainda, desde a revisão constitucional de 1997, os emigrantes mas, neste caso, nos termos

definidos na lei que para efeitos de reconhecimento de capacidade eleitoral activa

deverá atender à existência de laços de efectiva ligação à comunidade nacional (idem,

3.ª parte, e ainda n.º 2). A solução legal em vigor vai no sentido da cidadania portuguesa

e da inscrição no recenseamento eleitoral no estrangeiro serem os requisitos necessários

e suficientes para o reconhecimento de capacidade eleitoral activa ao emigrante (cfr.

artigos 1.º/1 e 1.º-B da Lei eleitoral para o Presidente da República, aprovada pelo

Decreto-Lei n.º 319-A/76, de 3 de Maio, com sucessivas alterações, a última das quais pela Lei n.º 72-

A/2015, de 23 de Julho).

A capacidade eleitoral passiva, por seu turno, é reconhecida apenas aos

cidadãos eleitores, portugueses de origem, maiores de 35 anos (artigo 122.º). A regra

consagrada pelo legislador constituinte no artigo 122.º é a única excepção ao princípio

da universalidade dos direitos fundamentais (cfr. artigo 12.º/1 CRP), justificada pela

particularidade de ser um órgão de soberania com composição singular e portanto ser

exigida aos candidatos maturidade mais elevada que aquela que é exigida em geral aos

titulares dos cargos políticos.

Como aspectos referentes às candidaturas presidenciais importa referir, por um

lado, que o Presidente da República é reelegível por uma única vez (consecutiva) (cfr.

artigo 123.º/1) e, por outro lado, que as candidaturas são apresentadas pelos próprios

candidatos, carecem de subscrição por um número de proponentes entre os 7500 e os

45
15000 cidadãos eleitores (artigo 124.º/1), regra que encerra uma cláusula militar

implícita (ANDRÉ GONÇALVES PEREIRA), e são apresentadas perante o Tribunal

Constitucional até 30 dias antes da data marcada para o acto eleitoral (idem, 2).

O sistema eleitoral, isto é, o conjunto de regras de conversão dos votos em

mandatos, consagrado na Constituição para a eleição presidencial é o sistema

maioritário de maioria absoluta (artigo 126.º/1), com recurso a uma eventual segunda

volta entre os dois candidatos mais votados (idem, 3) no caso de nenhum dos candidatos

obter esta maioria na primeira volta (idem, 2). As regras que consagram o sistema

eleitoral para a eleição presidencial configuram uma excepção ao princípio geral de

direito eleitoral da representação proporcional (cfr. artigo 113.º/5) por força da

composição singular deste órgão de soberania.

O Presidente da República eleito toma posse perante a Assembleia da República

e deve prestar a seguinte declaração de compromisso: Juro por minha honra

desempenhar fielmente as funções em que fico investido e defender, cumprir e fazer

cumprir a Constituição da República Portuguesa (cfr. artigo 127.º CRP).

As competências do Presidente da República, que se circunscrevem apenas à

função política do Estado, estão definidas na Constituição segundo um critério que

distingue entre (i) competência quanto a outros órgãos (artigo 133.º), (ii) competência

para a prática de actos próprios (artigo 134.º) (iii) competência nas relações

internacionais (artigo 135.º), embora se nos afigure mais consistente cientificamente a classificação

doutrinária entre poderes próprios, poderes partilhados e poderes de controlo (GOMES CANOTILHO e

VITAL MOREIRA). A Constituição não permite a ampliação das competências

presidenciais por acto legislativo (diversamente das soluções consagradas para a

Assembleia da República e para o Governo).

46
O Presidente da República é por inerência Presidente do Conselho de Estado

(cfr. artigo 133.º/a) CRP) que a Constituição define como “o órgão de político de

consulta do Presidente da República” (artigo 141.º) e que incorpora na sua composição

ainda o (i) Presidente da Assembleia da República, o Primeiro-Ministro, o Presidente do

Tribunal Constitucional, o Provedor de Justiça, os Presidentes dos Governos Regionais

(que são membros designados por inerência simultânea, cfr. artigo 142.º/a) a e)), (ii) os

antigos Presidentes da República eleitos na vigência da Constituição (designados por

inerência sucessiva, cfr. idem f)), (iii) cinco cidadãos nomeados pelo Presidente (cfr.

idem g)) e ainda (iv) cinco cidadãos eleitos pela Assembleia da República (cfr. idem h)).

O Conselho de Estado é titular apenas de competência consultiva, havendo a distinguir

as competências de consulta obrigatória (cfr. artigo 145.º/a) a d)) das competências de

consulta facultativa (cfr. artigo 145.º/e)).

O Presidente da República é ainda por inerência Presidente do Conselho

Superior de Defesa Nacional (cfr. artigo 133.º/o) CRP) que é o órgão de consulta do

Presidente para os assuntos relativos à defesa nacional e à organização, funcionamento e

disciplina das Forças Armadas (cfr. artigo 274.º/2 CRP) e cuja definição a Constituição

remete para a Lei da Defesa Nacional com a ressalva de integrar membros eleitos pela

Assembleia da República (idem, 1).

4.2.3. A Assembleia da República: formação, composição, competência e

funcionamento

A Assembleia da República é a assembleia representativa de todos os cidadãos

portugueses (definição do órgão consagrada no artigo 147.º CRP).

47
A Assembleia da República é composta por 230 deputados. Ao arrepio da

reserva de Constituição quanto à definição da formação, da composição, da

competência e do funcionamento dos órgãos de soberania (cfr. artigo 110.º/2), o texto

não define a composição da Assembleia da República, ao invés limita-se a estabelecer

os limites, mínimo e máximo, de deputados dentro dos quais o legislador ordinário

deverá fixar o número exacto de deputados. A redacção deste preceito é consequência

da ausência de acordo entre os partidos políticos (PPD/PSD e PS) aquando da revisão

constitucional de 1997. Actualmente (desde a redacção introduzida nos termos da Lei n.º 18/90,

de 24 de Julho), o artigo 13.º/1 da Lei eleitoral para a Assembleia da República (aprovada

pela Lei n.º 14/79, de 16 Maio, com sucessivas alterações, a última das quais pela Lei Orgânica n.º

10/2015, de 14 de Agosto) estabelece que este órgão de soberania é composto por 230

deputados.

Os deputados são eleitos por círculos eleitorais geograficamente definidos na

Lei eleitoral para a Assembleia da República (cfr. artigo 149.º/1/1.ª parte CRP) que por

sua vez actualmente estabelece que o território eleitoral está dividido, para efeito de

eleição dos deputados à Assembleia da República, em círculos eleitorais,

correspondendo a cada um deles um colégio eleitoral (artigo 12.º/1 LEAR), que os

círculos eleitorais do território do continente coincidem com as áreas dos distritos

administrativos, são designados pelo mesmo nome e têm como sede as suas capitais

(idem, 2) e ainda que há um círculo eleitoral na Região Autónoma da Madeira e outro

círculo eleitoral na Região Autónoma dos Açores, designados por estes nomes e com

sede, respetivamente, no Funchal e em Ponta Delgada (idem, 3) e, por último, que os

eleitores residentes fora do território nacional são agrupados em dois círculos eleitorais,

um abrangendo todo o território dos Estados europeus e outro o dos Estados do resto do

mundo, ambos com sede em Lisboa (idem, 4). A decisão legislativa de fazer coincidir os

48
círculos eleitorais com uma divisão administrativa pré-existente acolhe um bom

princípio da Ciência Política destinado a evitar o gerrymandering, isto é, a manipulação

dos limites dos círculos eleitorais com vista a favorecer um partido ou lista

concorrentes. O número de deputados a eleger por cada círculo eleitoral do território

nacional é proporcional ao número de cidadãos eleitores nele recenseados (cfr. artigo

149.º/2 CRP e Mapa Oficial n.º 2-A/2015 da Comissão Nacional de Eleições, pub. in

DR I, de 10.Agosto.2015).

A Constituição abre ao legislador (desde a revisão constitucional de 1997) a

possibilidade de consagrar os seguintes modelos de organização dos círculos

eleitorais: (i) um círculo eleitoral nacional único (representação proporcional integral),

(ii) vários círculos eleitorais plurinominais ou ainda (iii) um modelo que contemple a

existência simultânea de círculos uninominais e plurinominais, desde que esteja

assegurada a respectiva complementaridade por forma a assegurar o princípio da

representação proporcional e o método da média mais alta de Hondt na conversão dos

votos em mandatos (cfr. artigo 149.º/1).

O sistema eleitoral para eleição dos deputados à Assembleia da República é,

assim, o sistema da representação proporcional (cfr. artigos 113.º/5 e artigo 149.º/1), de

acordo as regras do método da média mais alta de Hondt (cfr. artigo 149.º/1/in fine) e

com proibição de cláusulas barreira (cfr. artigo 10.º/1, que consagra o princípio do voto

igual, e 152.º/1, ambos CRP).

A Constituição reconhece capacidade eleitoral activa aos cidadãos portugueses,

maiores de 18 anos (cfr. artigo 49.º/1) e capacidade eleitoral passiva, por regra, a todos

os cidadãos portugueses eleitores (artigo 150.º). Neste contexto, a ordem jurídica portuguesa

consagra as inelegibilidades, em termos gerais, do Presidente da República, dos magistrados, dos

militares e dos elementos das forças militarizadas e ainda dos membros da Comissão Nacional de

49
Eleições (cfr. artigos 150.º CRP e 5.º LEAR) e, em termos especiais, dos diretores e chefes de repartições

de finanças, assim como dos ministros de qualquer religião ou culto com poderes de jurisdição, pelo

círculo onde exerçam a sua actividade (artigos 150.º CRP e 6.º/1 LEAR), e ainda dos cidadãos

portugueses que tenham outra nacionalidade pelo círculo eleitoral que abranger o território do Estado

dessa nacionalidade (artigos 150.º CRP e 6.º/2 LEAR).

A apresentação de candidaturas está reservada (em regime de monopólio) aos

partidos políticos que, no entanto, podem concorrer isoladamente ou em coligação e

pode ainda incluir cidadãos independentes nas suas listas (cfr. artigo 151.º/1 CRP).

Os deputados estão investidos num mandato meramente representativo (não

imperativo), na medida em que representando também eleitores que não contribuíram

para a sua eleição, isto é, de outros círculos eleitorais, não é legítimo que estes últimos

possam dispor dos seus mandatos (cfr. artigo 152.º/2 CRP).

O mandato dos Deputados inicia-se com a primeira reunião da Assembleia da

República após eleições e cessa com a primeira reunião após as eleições subsequentes

(cfr. artigo 153.º/1 CRP). Assim, os deputados não tomam posse (no sentido técnico-

jurídico do conceito) porque a posse é um momento solene que atesta o início de

funções dos titulares de cargos públicos designados por nomeação que é conferida pelo

órgão nomeante.

Os deputados que forem nomeados membros do Governo não podem exercer o

mandato até à cessação destas funções (cfr. artigo 154.º/1 CRP) e estão ainda sujeitos às

demais incompatibilidades e impedimentos previstos da lei (idem, 2 e 3). Neste contexto,

importa mencionar o dever de exercer o mandato em regime de exclusividade (cfr. supra 4.2. e ainda

artigos 1.º/1 e 4.º/1 do Regime Jurídico de Incompatibilidades e Impedimentos dos Titulares de Cargos

Políticos e Altos Cargos Públicos e 20.º e 21.º do Estatuto dos Deputados, aprovado pela Lei nº 7/93, de

1 de Março, com sucessivas alterações, a última das quais pela Lei n.º 16/2009, de 1 de Abril).

50
Os deputados dispõem a título individual de poderes de acção e de intevenção

no âmbito dos procedimentos decisórios da Assembleia da República (cfr. artigo 156.º

CRP e artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República).

Os deputados gozam das imunidades de (i) não respondem civil, criminal ou

disciplinarmente pelos votos e opiniões que emitirem no exercício das suas funções (cfr.

artigo 157.º/1 CRP), de (ii) não serem ouvidos como declarantes nem como arguidos

sem autorização da Assembleia da República (idem, 2), de (iii) não serem detidos ou

presos sem autorização da Assembleia da República e, no caso de acusação definitiva

em procedimento criminal (idem, 3), da (iv) de necessidade de suspensão do mandato

pela Assembleia da República para seguimento dos termos do processo (idem, 4).

As imunidades parlamentares servem para proteger o Parlamento, como órgão

de soberania, perante os poderes executivo e judicial, ou para protecção dos deputados

individualmente?

A Assembleia da República é titular de competências próprias das funções

legislativa e política do Estado. Assim, quanto às primeiras, a Assembleia é titular de

uma ampla competência legislativa que abrange todas as matérias que as maiorias

parlamentares entenderem como credoras de regulação por acto legislativo (cfr. artigo

161.º/c) CRP), salvo as reservadas pela Constituição ao Governo (cfr. infra) e beneficia

ainda de reserva de competência legislativa nas matérias que o legislador constituinte

qualificou como mais importantes no âmbito do Estado de Direito Democrático e que

por esse motivo devem ser aprovadas mediante um debate público (princípio do Estado

de Direito) e plural (princípio democrático) (cfr. artigos 164.º (reserva absoluta) e 165.º

(reserva relativa) CRP). Quanto às segundas, a Assembleia é titular de competências

51
políticas strictu sensu (cfr. artigo 161.º), de competência de fiscalização (artigo 162.º,

169.º e 227.º/4, in fine) e de competência quanto a outros órgãos (artigo 163.º).

Quanto à organização e funcionamento da Assembleia da República importa

mencionar os conceitos de legislatura (171.º CRP), de sessão legislativa (174.º/1), de

período normal de funcionamento (idem, 2).

Ainda neste contexto, importa recordar que o órgão de soberania a Assembleia

da República é um órgão colegial, isto é, composto por um número plural de membros,

e, desse modo, os respectivos trabalhos estão subordinados às regras constitucionais da

(i) publicidade das reuniões (regra que vincula apenas os órgãos colegiais com a natureza de

Assembleia), do (ii) quórum para deliberação e da (iii) aprovação das decisões

(supletivamente) pela pluralidade dos votos, também demonizada doutrinariamente por

maioria relativa (cfr. artigo 116.º). A Assembleia da República é ainda um órgão

complexo, isto é, que comporta vários órgãos (no sentido restrito de centros de decisão)

internos, a saber: o (i) Presidente da Assembleia da República (artigos 175.º/b) e 176.º/1

CRP e 16.º e ss. RegAR), a (ii) Mesa da Assembleia da República (artigos 175.º/b) CRP

e 22.º e ss. RegAR), a (iii) Comissão Permanente (artigo 179.º CRP e 39.º e ss. RegAR),

as (iv) Comissões Parlamentares que podem configurar um dos seguintes (três) tipos,

(α) comissões especializadas permanentes (artigos 178.º/1 CRP e 29.º e ss. e 34.º e ss. RegAR),

(β) comissões eventuais de inquérito (artigos 178.º/1, 4 e 5 CRP e 29.º e ss., 37.º e ss, 234.º e 237.º

RegAR) e (δ) outras comissões eventuais (v.g., protocolo) (artigos 178.º/1 CRP e 29.º e ss. e

34.º e ss. RegAR), os (v) Grupos Parlamentares (artigos 180.ºCRP e 6.º e ss. RegAR) e a

(vi) Conferência de líderes dos Grupos Parlamentares (artigo 20.º RegAR).

A estrutura organizacional do poder político comporta órgãos parlamentares

independentes, isto é, de órgãos do Estado que estão institucionalmente colocados na

52
órbita do Parlamento porque incumbidos de funções do Estado que na tradição liberal

europeia estavam a cargo deste órgão de soberania mas que foram entretanto confiadas

a órgãos seus sucedâneos incumbidos de funções especializadas, como v. g. o controlo

sobre o Governo e a Administração pública em geral.

Assim, o Provedor de Justiça que o texto constitucional define como um órgão

do Estado independente, eleito pela Assembleia da República por maioria de 2/3 dos

deputados (cfr. artigo 23.º/1 CRP; cfr. ainda artigos 1.º a 19.º do Estatuto do Provedor

de Justiça, aprovado pela Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, com sucessivas alterações, a última das quais pela

Lei n.º 17/2013, de 18 de Fevereiro), ao qual os cidadãos poderão apresentar queixa pela

acção (ou omissão das autoridades públicas) mas cujos poderes se circunscrevem à

emissão de recomendações aos órgãos competentes com vista à reparação de

ilegalidades e de injustiças (idem, 1).

O Provedor de Justiça desempenha uma acção relevante na defesa dos direitos

fundamentais e dos interesses legítimos dos cidadãos e das pessoas colectivas mas, no

contexto desta actividade, colabora com o Parlamento na tarefa de fiscalização do

Governo e da Administração pública na medida em está vinculado ao dever de enviar

anualmente à Assembleia da República um relatório da sua actividade (cfr. artigo 23.º

EPJ) e a partir do conhecimento dos factos constantes do mesmo este órgão de

soberania poderá, se assim o entender, desencadear as competências de fiscalização que

a Constituição lhe confere (max. 162.º CRP).

O Conselho das Finanças Públicas é outro órgãos parlamentar independente

incumbido da avaliação independente sobre a consistência, cumprimento e

sustentabilidade da política orçamental, promovendo ao mesmo tempo a sua

transparência, de modo a contribuir para a qualidade da democracia e das decisões de

53
política económica e para o reforço da credibilidade financeira do Estado (cfr. artigo 4.º

dos Estatutos do Conselho das Finanças Públicas, aprovados pela Lei n.º 54/2011, de 19 de

Outubro, com as alterações introduzidas pelo artigo 187.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro) mas

com funções meramente consultivas (cfr. artigo 6.º idem).

4.2.4. O Governo: função, estrutura, formação, responsabilidade e competência

O Governo é o órgão de condução da política geral do país e o órgão superior

da Administração Pública (definição do órgão consagrada no artigo 182.º CRP).

O Governo é composto pelo Primeiro-Ministro, pelos (demais) Ministros, pelos

Secretários e Subsecretários de Estado e (eventualmente) pelo(s) Vice-Primeiro(s)-

Ministro(s), em número, com as denominações particulares e com a responsabilidade de

prosseguir as atribuições do Estado definidas em Decreto-Lei ou em Decreto de

nomeação dos repectivos titulares (artigo 183.º CRP).

Os membros do Governo são designados por um procedimento complexo que

comporta as seguintes fases: (i) nomeação pelo Presidente da República (artigo 187.º

CRP), (ii) apresentação do Programa do Governo à Assembleia da República (artigo

188.º) e (iii) apreciação do mesmo (artigo 192.º) no termo do qual o Governo necessita

obter, pelo menos, a não desconfiança política expressa da Assembleia da República,

consubstanciada numa moção de rejeição do seu programa aprovada por maioria

absoluta dos deputados em efectividade de funções (artigo 192.º/4).

O Governo é também um órgão colegial e complexo que comporta no seu

interior os seguintes órgãos internos: (i) o Conselho de Ministros (cfr. artigos 184.º/1

CRP e 200.º/1), (ii) o Primeiro-Ministro (artigo 201.º/1), (iii) os Ministros (incluindo

o(s) eventuais Vice-Primeiro(s)-Ministro(s), cfr. artigo 201.º/2), (iii) os Secretários e os

54
Subsecretários de Estado (cuja competência não está constitucionalmente garantida e portanto

apenas consagrada em Decreto-Lei ou em Decreto de nomeação dos repectivos titulares) e ainda,

eventualmente, (iv) os Conselhos de Ministros especializados em razão da matéria

(artigo 184.º/2 e 202.º/2) e (v) a Reunião de Secretários de Estado (artigo 1.º/2 do Regime de

Organização e Funcionamento do XXI Governo Constitucional, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 251-

A/2015, de 17 de Dezembro).

O Governo (colegialmente) é titular de competência política (cfr. artigo 197.º

CRP), de competência legislativa (artigo 198.º) e de competência administrativa (artigo

198.º), enquanto os membros do Governo (individualmente) são titulares (apenas) de

competências políticas e administrativas (artigo 200.º).

4.2.5. Os tribunais, em especial o Tribunal Constitucional

4.2.6. O sistema de Governo

4.3. Outros órgãos do Estado

4.4. As Regiões Autónomas

4.4.1. A autonomia política e legislativa regional

4.4.2. Os órgãos de governo próprio das regiões autónomas

4.4.3. O representante da República

55
5. A actividade legislativa do Estado e das regiões autónomas
Bibliografia: J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição,
Coimbra, Parte III, Título 5, Cap. 1 a 7 e 10; JORGE BACELAR GOUVEIA, Manual de Direito
Constitucional, Coimbra, Livraria Almedina, 2013, Vol. II, Cap. XII, § 45.º a 47.º, e MANUEL AFONSO
VAZ, Direito Constitucional – O sistema constitucional português, Cap. II.

5.1. A actividade legislativa

A actividade legislativa do Estado: a função legislativa no contexto das funções

do Estado soberano.

O conceito de lei; a lei como conceito polissémico na CRP.

O pluralismo de fontes de Direito com valor legislativo ou equivalente no

Estado contemporâneo em contraposição ao monopólio de produção legislativa do

parlamento no Estado Liberal em consequência, por um lado, de (i) fenómenos de

globalização ((α) Direito internacional directamente aplicável no espaço geográfico do

Estado e (β) Direito da União Europeia) e, por outro lado, de (ii) fenómenos de

autonomia legislativa de comunidades infra estaduais de âmbito territorial (decretos

legislativos regionais).

A lei constitucional em especial e as relações entre esta e as demais fontes

normativas vigentes no mesmo espaço geográfico: a Constituição como (i) expressão

originária da soberania do povo (artigo 3.º, n.º 1, CRP), como (ii) fundamento de

validade das leis e das demais fontes normativas de produção interna, quer por entidades

públicas (idem, n.º 2 e 3), quer por entidades privadas que interagem no espaço estadual

(artigo 56.º, n.º 4, da CRP), (iii) como critério (artigo 8.º, n.º 2) e (iv) como limite (idem,

n.º 4, CRP) de vigência do Direito Internacional no território do Estado português.

56
5.2. Os princípios constitucionais sobre a produção normativa

Os princípios constitucionais sobre a produção normativa pelos órgãos do

Estado e das comunidades infra estaduais titulares de autonomia legislativa são:

i) o princípio da competência para a produção normativa, em especial

legislativa (genérica: artigo 110.º, n.º 2; Assembleia da República: artigos 161.º, c),

164.º e 165.º; Governo: artigo 198.º, n.ºs 1 e 2, e Assembleias Legislativas das Regiões

Autónomas: artigos 112.º, n.º 4, 227.º, n.º 1, a), e 228.º, n.º 1, CRP),

ii) o princípio da regulação da produção normativa dos actos de escalões

inferiores pelas fontes de escalão superior; em especial o princípio da tipicidade

constitucional dos actos legislativos (artigo 112.º, n.º 1 e n.º 5, 1.ª parte, CRP),

iii) os princípios sobre o relacionamento entre as fontes normativas:

α) o princípio da produção escalonada das normas jurídicas (hierarquia) que

determina a superioridade dos actos legislativos sobre os demais actos normativos (v. g.

regulamentares; artigo 112.º, n.º 5, 2.ª parte, CRP),

β) o princípio da paridade entre lei e decreto-lei (artigo 112.º n.º 2, 1.ª parte,

CRP), com excepção dos actos legislativos sujeitos a uma relação de superioridade /

subordinação relativamente a outros actos legislativos (idem, 2.ª parte) e das leis com

valor reforçado (idem, n.º 3) e

δ) o princípio da supletividade da aplicação dos actos legislativos emanados dos

órgãos de soberania (i. é, lei e decreto-lei) no território das Regiões Autónomas (artigos

112.º, n.º 4, e 228.º, n.º 2, CRP).

57
5.3. As leis; algumas categorias de leis tipificadas na CRP: leis que beneficiam de

uma posição de superioridade relativamente a outros actos legislativos e leis

ordinárias com valor reforçado

a) leis que beneficiam de uma relação de superioridade ou primazia

perante outros actos legislativos:

i) lei de autorização legislativa,

ii) lei de bases,

b) leis ordinárias com valor reforçado:

Uma lei goza de valor reforçado em relação a outra(s) lei(s), ou a outro(s) acto(s)

legislativo(s), sempre que revestir aptidão para derrogar este(s) último(s) sem que por

ele(s) seja susceptível de ser derrogada (GOMES CANOTILHO, 783). Se compulsando

a CRP, verificamos a qualificação das seguintes categorias de actos legislativos como

leis com valor reforçado:

i) leis orgânicas,

A CRP estabelece uma reserva de lei orgânica, isto é, carecem ser reguladas

sobre a forma de lei orgânica, as seguintes matérias: as (i) eleições dos titulares dos

órgãos de soberania, dos deputados às Assembleias Legislativas das regiões autónomas,

dos presidentes os órgãos executivos das autarquias locais, bem como as demais

eleições a realizar por sufrágio directo e universal, o (ii) regime jurídico dos referendos,

a (iii) organização, o funcionamento e o processo do Tribunal Constitucional, a (iv)

organização da defesa nacional, o (v) regime do estado de sítio e do estado de

emergência, a (vi) aquisição, perda e reaquisição da cidadania portuguesa, as (vii)

associações e partidos políticos, o (viii) regime do sistema de informações da República

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e do segredo de Estado, o (ix) regime das finanças das regiões autónomas e a (x) criação

de regiões administrativas no continente (artigo 166.º/2),

ii) leis que carecem de aprovação por maioria de 2/3,

A CRP estabelece que (i) a lei sobre a organização, funcionamento e

competência da Entidade Reguladora da Comunicação Social, (ii) as leis que

estabelecem limites à renovação sucessiva de mandatos dos titulares dos cargos

públicos, (iii) a lei que regula o exercício do direito de voto dos cidadãos portugueses

residentes no estrangeiro nas eleições presidenciais, (iv) as leis eleitorais que estabelece

o número (exacto) de deputados à Assembleia da República, que configuram os círculos

eleitorais para a Assembleia da República e que regulam as eleições dos órgãos das

autarquias locais, (v) as leis que restringem o exercício de direitos por militares e

agentes militarizados dos quadros permanentes, bem como por agente das forças de

segurança e (vi) as disposições dos estatutos político-administrativos das regiões

autónomas que enunciam as matérias que integram a respectiva autonomia legislativa,

carecem de aprovação por maioria de 2/3 (artigo 168.º/6),

iii) leis que constituem pressuposto normativo necessário de outras leis e

Além de hipóteses eventualmente mencionadas em categorias anteriores, a lei de

enquadramento do orçamento do Estado (artigo 106.º/1), as leis estatutárias das regiões

autónomas (artigo 112.º/4, 227.º/1 e 228.º/1), a lei das finanças regionais (artigo 229.º/3)

e a lei-quadro das privatizações (artigo 293.º/1), configuram leis que nos termos da

CRP constituem pressuposto normativo necessário de aprovação de outras leis ou

de outros actos legislativos.

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iv) leis que devem ser respeitadas por outras leis.

A CRP consagra v. g. os seguintes casos de leis que devem ser respeitadas por

outras leis e pelos demais actos legislativos: a lei do orçamento deve respeitar as

obrigações decorrentes de outras leis (artigo 105.º/2) mas, em contra-partida, os actos

legislativos não podem implicar aumento das despesas ou diminuição das receitas

estabelecidas na lei do orçamento do Estado (artigo 167.º/2 e 3), enquanto as leis da

Assembleia da República e os decretos-lei do Governo devem respeitar os direitos das

regiões autónomas previstos nomeadamente nos seus estatutos político-administrativos

(artigo 281.º/1/g)/2.ª parte).

5.4. Os decretos-lei

5.5. Os decretos legislativos regionais

5.7. O procedimento legislativo

5.7.1. O procedimento legislativo parlamentar

5.7.2. O procedimento legislativo governamental

5.8. A apreciação parlamentar de decretos-lei e de decretos legislativos regionais

Antecedentes: ratificação legislativa; Constituição de 1933, projecto de

constituição do PPD (1975) e versão inicial da CRP.

O instrumento da apreciação parlamentar de decretos-lei como configurado nos

termos do artigo 169.º CRP, em termos de natureza jurídico-política, não consiste numa

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fase complementar do procedimento legislativo do Governo mas numa competência de

controlo político (à posteriori) da Assembleia da República sobre a actividade

legislativa do Governo.

A apreciação parlamentar pode incidir (objecto imediato) sobre todos os

decretos-lei (artigo 169.º/1), com excepção daqueles que regulam a organização e o

funcionamento do Governo (idem), pode ser requerida por iniciativa de 10 deputados

(idem), no prazo de 30 dias após a publicação do decreto-lei no Diário da República

(idem) e pode ter por finalidade (objecto mediato) a alteração ou cessação da vigência

do decreto-lei (idem). A Assembleia da República pode suspender a vigência dos

decretos-lei autorizados até decisão final (idem, 2).

Os procedimentos de apreciação parlamentar de decretos-lei gozam de

prioridade sobre os procedimentos legislativos ordinários (artigo 169.º/6).

A Assembleia da República pode ainda apreciar os decretos legislativos

regionais autorizados (artigo 227.º/4/2.ª parte), sendo aplicáveis ao respectivo

procedimento as regras da apreciação parlamentar de decretos-lei (idem).

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62
6. A actividade política do Estado
Bibliografia: J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição,
Coimbra, Parte III, Título V, Cap. 8 e 9; JORGE BACELAR GOUVEIA, Manual de Direito
Constitucional, Coimbra, Livraria Almedina, 2013, Vol. II, Cap. XII, § 45.º

6.1. A actividade política do Estado

6.2. O referendo nacional

6.3. A auto-organização dos órgãos colegiais: os regimentos

6.4. As resoluções

6.5. O acompanhamento parlamentar da actividade governativa

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64
7. A defesa da Constituição: a fiscalização da

constitucionalidade e da legalidade
Bibliografia: J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição,
Coimbra, Parte III, Título 6; JORGE BACELAR GOUVEIA, Manual de Direito Constitucional,
Coimbra, Livraria Almedina, 2013, Vol. II, Cap. XIII, e MANUEL AFONSO VAZ, Direito
Constitucional – O sistema constitucional português, Cap. III.

7.1. A fiscalização da constitucionalidade como elemento do sistema de checks and

balances

7.2. Os modelos de fiscalização da constitucionalidade

Controlo da constitucionalidade quanto aos sujeitos: político (Chefe de Estado

ou Parlamento) ou jurisdicional (tribunais, nomeadamente Tribunal Constitucional).

7.3. A fiscalização da constitucionalidade no Direito Constitucional português

7.4. Os processos de fiscalização da constitucionalidade e da legalidade

7.4.1. A fiscalização preventiva

7.4.2. A fiscalização concreta

7.4.3. A fiscalização abstracta

7.4.4. A fiscalização da inconstitucionalidade por omissão

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8. A defesa da Constituição: a revisão constitucional
Bibliografia: J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição,
Coimbra, Parte III, Título 7, Cap. 1; JORGE BACELAR GOUVEIA, Manual de Direito Constitucional,
Vol. II, Cap. VI, §26, e MANUEL AFONSO VAZ, Teoria da Constituição – O que é a Constituição,
hoje?, Cap. III.

8.1. O Poder constituinte: natureza e caracterização

O poder constituinte é um poder, lógica e cronologicamente, anterior à

Constituição que legitima o seu titular a elaborar e aprovar a Constituição.

Segundo EMMANUEL DE SIEYÈS, seu mentor, o poder constituinte reveste as

seguintes características: é um (i) poder inicial porque não existe outro que lhe sirva de

fundamento, é um (ii) poder autónomo porque só a este cabe decidir se, como e quando

elaborar a Constituição e é um (iii) poder omnipotente porque não conhece limites

(mencionar as reservas quanto a esta última característica).

Quanto ao titular do poder constituinte, historicamente é possível observar a

existência das teorias (i) teocráticas (direito divino), (ii) monarquias (direito próprio do

monarca), (iii) contratualistas (direito simultaneamente da nação ou do povo e do

monarca) e (iv) democráticas (direito do povo, mencionar as teorias da soberania

nacional e da soberania popular).

Quanto ao respectivo exercício, ainda numa perspectiva histórica é possível

observar o exercício do poder constituinte de modo (i) autocrático (totalitário ou

ditatorial) e de modo (ii) democrático (directo, representativo ou participativo).

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8.2. O Poder constituinte e o poder de revisão constitucional

Será que importa distinguir poder constituinte originário de um poder

constituinte derivado? A posição adoptada é a negativa, o poder constituinte (derivado)

é a soberania do povo que se renova constante e perpetuamente.

8.3. Os limites à revisão constitucional; conceito e espécies: orgânicos, temporais,

formais, materiais e circunstanciais

Os limites à revisão constitucional podem ser (i) orgânicos, (ii) procedimentais

ou formais, (iii) temporais, (iv) materiais e (v) circunstanciais.

8.4. A relevância jurídica dos limites materiais em especial

Quanto à natureza jurídica dos limites materiais à revisão constitucional, a

doutrina divide-se entre as teses (i) da irrelevância (MARCELLO CAETANO), (ii) dos

limites imanentes (AFONSO QUEIRÓ), (iii) da eficácia relativa (JORGE MIRANDA)

e (iv) da eficácia absoluta GOMES CANOTILHO).

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