Sie sind auf Seite 1von 25

Cidadania tributária: o estatuto constitucional do

contribuinte

CIDADANIA TRIBUTÁRIA: O ESTATUTO CONSTITUCIONAL DO


CONTRIBUINTE
Tax citizenship: the taxpayer constitutional statute
Revista Tributária e de Finanças Públicas | vol. 123/2015 | p. 17 - 51 | Jul - Ago / 2015
DTR\2015\9810

Homero Chiaraba Gouveia


Mestre em Direito e Especialista em Direito Tributário pela Universidade Federal da
Bahia. Especialista em Democracia, República e Movimentos Sociais, pela Universidade
Federal de Minas Gerais. Professor de Direito Constitucional e Hermenêutica Jurídica na
Faculdade Ruy Barbosa. Filiado ao Programa de Pesquisas em Finanças Públicas, linha de
pesquisa em Regulação de Mercados e Políticas Setoriais. hgouveia@frb.edu.br;
homero.ius@gmail.com

Área do Direito: Constitucional; Tributário


Resumo: O presente trabalho tem por objetivo analisar o conceito de cidadania
tributária. Trata-se de uma pesquisa teórico exploratória mit-disciplinar que se propõe a
estudar o fenômeno jurídico tributário a partir e através da análise do discurso.
Propondo o referencial teórico a partir da dicotomia entre público e privado, constrói
uma concepção de cidadania a partir de uma proposta multidimensional de estudo.
Pautando-se de uma abordagem metodológica estabelecida a partir da hermenêutica
filosófica, explora as dimensões tributárias da cidadania, a partir do que se constrói o
conjunto de elementos discursivos que constituem o que se propõe como estatuto
constitucional do contribuinte.

Palavras-chave: Direito tributário - Cidadania - Constituição.


Abstract: This papper aims to analyze the concept of tax citizenship. A mit-disciplinary
theoretical exploratory research aims to study the tax legal phenomenon through
discourse analysis. Starting from the theoretical framework from the dichotomy between
public and private, builds a concept of citizenship from a multidimensional study
proposal. The paper follows a methodological approach set out from the philosophical
hermeneutics. Explores the tax dimensions of citizenship, from which builds the set of
discursive elements that make up what calls as constitutional status of the taxpayer.

Keywords: Tax law - Citizenship - Constitution.


Sumário:

1.Introdução - 2.A cidadania sob um aporte teórico discursivo - 3.Elementos de uma


cidadania tributária na Constituição Federal de 1988 - 4.Considerações finais -
5.Referências bibliográficas

1. Introdução

A cidadania é atividade do público por excelência. Não se há de falar em cidadania sem


polis, ou o espaço público onde aqueles tidos por cidadãos possam exercê-la.
Juridicamente a dicotomia entre público e privado aparece pela primeira vez no Digesto,
convergindo a partir daí diversas dicotomias tradicionais e recorrentes nas ciências
sociais: sociedade de iguais e sociedade de desiguais; lei e contrato; justiça comutativa
e justiça distributiva Bobbio (1987). Um segundo sentido pode ser atribuído a mesma
dicotomia, que diz respeito à oposição entre secreto e manifesto.

O privado traz uma ideia de privação de algo que falta, algo que não pode ser visto ou
ouvido; enquanto o público assume dupla significação, sendo aqui que emerge do íntimo
para compor a realidade aparente, e o próprio mundo de coisas que se interpõe entre as
pessoas, na medida em que é comum a todos Arendt (2007).

O processo de construção da modernidade é caracterizado por uma confusão entre o


Página 1
Cidadania tributária: o estatuto constitucional do
contribuinte

público e o privado a partir do surgimento da esfera social. Com o advento da


modernidade a noção de público enquanto poder público ganha um significado próprio
desta época, confundindo-se com a noção de estatal. Portanto é necessário estabelecer
uma distinção entre o público como poder estatal e público como o mundo de coisas que
se coloca entre os cidadãos da República.

Dentro da República contemporânea a esfera pública surge como um lugar de discussão


entre as diversas pessoas privadas, que dialogam para tratar de assuntos privados de
interesse comum Losekann (2009).

Com a elevação dos assuntos privados à esfera pública, caracterizada, sobretudo pela
elevação da economia a nível nacional, como ciência social por excelência Arendt (2007),
o privado subverte o público. O homem contemporâneo, fruto desta sublevação, é
privado de ouvir e ser ouvido. É parte de uma sociedade de massas onde o indivíduo,
prisioneiro da subjetividade, não é mais cidadão, mas passa a ser cliente. O
desenvolvimento da administração – próximo passo da economia – leva o mundo inteiro
a ser visto como uma vasta clientela, e o sentido das organizações torna-se satisfazer as
necessidades dos seus clientes para que estes sejam felizes Machado (2002). A esfera
pública Losekan (2009), é o sustentáculo de uma sociedade onde conceitos como a
felicidade coletiva, a política e a liberdade dão lugar ao consumo, ao hedonismo e ao
1
individualismo como sentido de realização pessoal.

A sociedade de massas hodierna não estabelece, como na antiga polis grega uma espaço
político, mas um espaço onde as necessidades comuns são discutidas. Com a confusão
estabelecida entre riqueza e propriedade estabelecida a partir da idade moderna Arendt
(2007) e dado ao eminente caráter garantidor de necessidades básicas que a
propriedade privada contém, acumular “riquezas limitadas” para suprir “necessidades
2
ilimitadas” passa a ser o problema comum discutido no âmbito público. Na sociedade de
massas onde sobreviver passa a ser o elementar, o mundo entre as pessoas perde a
força de mantê-las juntas, de relacioná-las e separá-las Arendt (2007).

A partir do Estado liberal a riqueza passa a ser colocada como condição de participação
na vida política. A polis e a res publica perdem seu caráter original de refúgio à futilidade
da vida humana, e enquanto espaço de iguais passa a ser controlado pela burguesia.

No Estado moderno ocorre uma confusão entre o fim do Estado e os valores da classe
burguesa erigidos a status legal pelas ordens constitucionais. O Estado serve a
interesses privados de grupos hegemônicos, e na esfera do social nasce a ideia de bem
comum, pelo qual deve o Estado zelar Souza (2009).

Este bem comum, que nada mais é do que a garantia de acumulação de riquezas,
representado pelo ideal de estado mínimo, se coloca como uma contradição, pois
garante também o efeito regressivo dos tributos, tão combatido pela justiça tributária. A
estrutura do Estado, enfim, acaba sendo a grande responsável pela espoliação da
propriedade privada dos menos abastados. Sem o mínimo existencial, não há esfera
pública que caracteriza a liberdade.

Evocando o princípio da supremacia do interesse público para impor os interesses do


administrador, o Estado burguês, pois, reconhece-se como um Estado desigual, na
medida de sua comemorada igualdade.

A ideia de um bem comum, por fim, encerra o surgimento de uma sociedade de massas,
onde a ação dá lugar à conformação. O direito positivo emerge de um anseio de
neutralidade, cujo efeito prático nada mais é do que decretar como universais os valores
e a noção de Homem da classe burguesa, decretando de uma vez a morte de deus – e
da política.

Admitir a emergência de uma esfera social no Estado moderno, que englobe as esferas
públicas e privada, não significa admitir seus esvaziamentos. Muito pelo contrário, no
Página 2
Cidadania tributária: o estatuto constitucional do
contribuinte

Brasil a esfera privada tem se afirmado desde os anos trinta sobre a esfera pública,
inclusive se utilizando desta. Isso significaria considerar os direitos humanos como mera
concessão das classes hegemônicas e negar um importante papel político que o direito
pode ter se utilizado como instrumento de afirmação da condição humana. Ao contrário,
3
tomando como base até mesmo as recentes discussões que tem tomado parte o STF,
evidencia-se a possibilidade da manutenção da esfera pública através da ação política de
todos os cidadãos. E ao invés de se falar em uma sociedade (que remete à ideia de
indivíduos com interesses que se agregam para atingir um determinado interesse
individual), deve a partir do renascimento da política se falar em uma comunidade, onde
diversos indivíduos constroem um aparato jurídico, econômico e estatal, para satisfazer
suas necessidades comuns enquanto seres humanos, para a partir daí exercer o mais
fundamental dos direitos: a liberdade.

Em tempos de consumo e coisificação do humano, é cada vez mais frequente


substituir-se o verbo ser, pelo verbo ter. Assim, cidadania, direitos, deveres, cada vez
mais tem sido entendido pelo senso comum como coisas que se tem, não que se faz.

A cidadania, no entanto, quando observada ao longo do tempo, apresenta-se como um


processo: implica em um agir do sujeito orientado no tempo, visando sempre uma
intervenção no mundo a partir de e em relação aos outros sujeitos. Aquele que é cidadão
ou exerce a cidadania nunca o é ou o faz isoladamente, mas sempre dentro de um
contexto onde o outro é confrontado com uma atitude de reconhecimento ou exclusão
Matos (2009, p. 10). Assim, não basta dizer que a cidadania é um processo: é um
processo de disputa.

Contudo essa percepção não encerra todas as nuances que o conceito de cidadania
encerra. Reis (1997, p. 12) identifica quatro aspectos mais ou menos comuns em
diferentes tradições teóricas: o aspecto histórico, o aspecto includente/excludente; uma
tensão permanente entre uma visão de cidadania como status e uma visão de cidadania
como identidade; e outra tensão entre a ideia de virtude cívica e direito ou
prerrogativas. Matos (2009) chama de cidadania multidimensional, ou conceito
multidimensional de cidadania.

O presente trabalho tem por escopo investigar o fenômeno da cidadania em sua


dimensão tributária. O que é? Quem são seus sujeitos? Como se delineia frente ao
ordenamento jurídico? Quais seus principais desafios e críticas?

Através de um estudo embasado na análise do discurso, pretende constituir-se o locus


da cidadania tributária no discurso jurídico. Por locus compreende-se o lugar do discurso,
ou seja, a posição valorativa, filosófico, ideológica e axiológica de onde o discurso
acontece.

Identificando argumentos no discurso jurídico, no texto constitucional e no embate


social, ao final do trabalho, pretende-se poder delinear uma cidadania tributária, como
um fenômeno social que se faz perceber através do estatuto constitucional do
contribuinte. Este, muito mais do que um conjunto de normas e valores constitucionais,
coloca-se como uma emergência, ou seja, um fenômeno cuja existência é mais ampla e
mais complexa do que a simples soma de suas partes.
2. A cidadania sob um aporte teórico discursivo

2.1 Uma concepção multidimensional de cidadania

Desde o debate travado após a Revolução Francesa e durante o processo de expansão


dos Estados Unidos – que viriam a influenciar fortemente os contornos da cidadania no
Brasil no século XIX Holston (2013) – até o paradigmático texto de T.S. Marshall (1967),
Cidadania, classe social e status – diversos são as abordagens e as dimensões através
das quais o fenômeno da cidadania é apreciado pelos discursos políticos, filosóficos, bem
como pelas ciências sociais.
Página 3
Cidadania tributária: o estatuto constitucional do
contribuinte

As diversas abordagens possíveis e já estabelecidas – ao menos desde a constituição do


Estado contemporâneo – leva à concepção de uma cidadania multidimensional. Isto
porque seria possível identificar ao menos quatro dimensões consideradas pelos
discursos político e social no debate acerca da cidadania. Tais dimensões se dariam em
torno da historicidade, da inclusão/exclusão de indivíduos, da relação indenitária
nacional e da disputa entre duas concepções normativas de Estado (uma republicana,
outra liberal) Reis (1997) Matos (2009).

O primeiro autor a trazer a cidadania como um constructo de várias dimensões sociais


foi T.S. Marshal. Propondo-se a realizar uma narrativa histórica acerca da construção da
cidadania inglesa, o autor acaba construindo a primeira teorização sobre a cidadania
como um processo histórico, jurídico e social. Associando a cidadania a determinado
conjunto de direitos que os indivíduos assumiriam direta ou indiretamente perante o
Estado – estes sendo os direitos civis, sociais e políticos – o autor apresenta o processo
da constituição da cidadania inglesa concomitante ao processo de construção da
identidade nacional daquele país. Aponta, assim, duas decorrências deste processo: o
desenvolvimento próprio, em seu tempo específico, de cada um desses três conjuntos de
direitos; e as instituições que eram de caráter nacional e especializado não poderiam
pertencer tão intimamente à vida dos grupos sociais que elas serviam como aquelas que
eram locais ou de um caráter geral. Marshal (1967, p. 63-65). Em outras palavras, essas
três vertentes dos direitos da cidadania, os direitos civis, sociais e políticos, fundiam-se
em um só – e com a separação gradual das instituições – o Judiciário, o Parlamento e o
Sistema de Seguridade Social – tais direitos, que na Idade Média seriam restringidos aos
burgos, desenvolveram-se como um rol de direitos de caráter nacional.

Além da evidente historicidade e da vinculação jurídica, ainda define-se na obra em


comento a cidadania como um status concedido àqueles que são membros integrais de
uma comunidade. Todos aqueles que possuem o status são iguais com respeito aos
direitos e obrigações pertinente ao status Marshal (1967, p. 76).

E assim o autor contrapõe as ideias de cidadania – operada por uma igualdade jurídica –
e de classe social, cujo fundamento seria uma desigualdade entre os sujeitos. E aí
percebe-se já em Marshall um elemento essencial para compreender a cidadania como
um conceito sempre em disputa: a classe social, por outro, é um sistema de
desigualdade. E esta também, como a cidadania, pode estar baseada num conjunto de
ideais, crenças e valores Marshal (2009, p. 76). Ao reconhecer este conjunto de ideais,
crenças e valores, que podem fundamentar tanto a ideia de cidadania quanto a de classe
social dá abertura para dissociar a cidadania do jus naturalismo, assumindo que tanto os
direitos quanto a própria cidadania podem modificar-se ao longo do tempo, a partir dos
conflitos sociais, das mudanças estruturais dos meios de produção etc. A importância do
texto de Marshall situa-se por ter enunciado uma questão crucial na(s) teoria(s) da
cidadania: a da existência de tensão permanente e paradoxal entre forças opostas e
coexistentes. E completa a autora que para compreender o fenômeno da cidadania, é
absolutamente importante entender como foram (e continuam sendo) articuladas as
diferenças sociais, políticas entre o público e o privado Matos (2009).

Essa ideia de uma cidadania em camadas, em gerações de direitos, introduzida por


Marshall acabou por consolidar-se ao longo do século XX. Até hoje é possível ver que
praticamente todos os livros de Direito Constitucional – e até mesmo a própria
Constituição Federal – divide-se no capítulo dos direitos individuais; dos direitos políticos
e dos direitos sociais. A teoria jurídica costuma chamar tais direitos, respectivamente, de
direitos de primeira, segunda e terceira dimensão ou geração. Hoje já se fala em direitos
4
de quarta, quinta e sexta geração ou dimensão.

Sem negar a importância do texto de Marshall, é preciso ter a ressalva que os elementos
pontuados pelo autor sobre o desenvolvimento da cidadania na Inglaterra, muito antes
de poderem ser encarados como argumentos pela universalização dos processos de
construção da cidadania, provam justamente o contrário, quando se considerado
enquanto processos tão díspares como o norte-americano, o francês e o brasileiro, por
Página 4
Cidadania tributária: o estatuto constitucional do
contribuinte

exemplo:

O surgimento sequencial dos direitos sugere que a própria ideia de direitos, e, portanto,
a própria cidadania, é um fenômeno histórico. O ponto de chegada, a própria cidadania,
é um fenômeno histórico. O ponto de chegada, o ideal da cidadania plena, pode ser
semelhante, pelo menos na tradição ocidental dentro da qual nos movemos. Mas os
caminhos são distintos e nem sempre seguem linha reta. Pode haver também desvios e
retrocessos, não previstos por Marshall. O percurso inglês foi apenas um entre outros. A
França, a Alemanha, os Estados Unidos, cada país seguiu o seu próprio caminho. O
Brasil não é exceção, aqui não se aplica o modelo inglês. Ele nos serve apenas para
comparar por contraste… Como havia lógica na sequência inglesa, uma alteração dessa
lógica afeta a natureza da cidadania. Quando falamos de um cidadão inglês, ou
norte-americano, e de um cidadão brasileiro, não estamos falando exatamente da
mesma coisa (CARVALHO, 2012, p. 11-12).

A cidadania, portanto, pode ser compreendida enquanto um processo, submetido à


tensões e conflitos de interesses de uma dada sociedade, implicando em um agir do
sujeito visando sempre uma intervenção no mundo a partir de e em relação a outros
sujeitos. Aquele que é cidadão ou exerce a cidadania nunca o é ou o faz isoladamente,
mas sempre dentro de um contexto onde o outro será confrontado com uma atitude de
reconhecimento ou exclusão Matos (2009).

Compreender a cidadania enquanto um processo reforça a ideia de cidadania como um


fenômeno histórico. Contudo essa percepção não encerra todas as nuances que o
conceito de cidadania encerra. Reis (1997, p. 12) identifica quatro aspectos mais ou
menos comuns em diferentes tradições teóricas: o aspecto histórico, o aspecto
includente/excludente; uma tensão permanente entre uma visão de cidadania como
status e uma visão de cidadania como identidade; e outra tensão entre a ideia de virtude
cívica e direito ou prerrogativas. Matos (2009) chama de cidadania multidimensional, ou
conceito multidimensional de cidadania.

Adotamos assim no presente trabalho a ideia da cidadania como um fenômeno


multidimensional, histórico, político, jurídico e identitário. Considerando, contudo, que tal
abordagem pode gerar um outro problema.

Com o desenvolvimento de novos direitos humanos, voltados à proteção da coletividade,


de grupos étnicos, e sujeitos difusos, como o consumidor, o idoso, o jovem etc., hoje
também é possível se sobrepor dimensões da cidadania de acordo com seus sujeitos.
Assim poderia se falar em uma dimensão individual da cidadania; uma dimensão coletiva
e uma dimensão difusa.

A cidadania, enquanto status e processo pode ser exercida, por outra vista, pelos
sujeitos individuais; mas é possível se pensar na cidadania sendo exercida de forma
coletiva e até mesmo difusa. Por exemplo, quando determinados setores econômicos
tem reconhecido o direito de participar, por exemplo, da indicação para julgadores dos
órgãos de Conselho Fiscal, está-se diante de um exercício coletivo da cidadania, pois
aquele indivíduo que ocupa a função de julgador não o faz sob sua própria titularidade,
mas sob a titularidade da categoria que o indicou. Sua função é garantir que a categoria
tenha representatividade e direito de participar das decisões que lhe afetam, um dos
pilares da democracia liberal.

Quando, por outro lado, se observa a atuação de associações e outros grupos de


interesse representantes do empresariado e que, muitas vezes são até acompanhados
por sindicatos laborais, realizando ações de educação tributária, campanhas denunciando
a abusividade da carga tributária, pressionando setores do governo pela reforma
tributária, e até mesmo sendo convidado ou se habilitando para atuar como amicus
curiae em julgamentos de repercussão nacional, junto ao STF, está se observando o
exercício de uma cidadania difusa.
2.2 Cidadania como um locus do discurso jurídico
Página 5
Cidadania tributária: o estatuto constitucional do
contribuinte

Na Constituição Federal brasileira, a cidadania aparece logo no primeiro artigo, elencada


como um dos fundamentos da República. Por fundamentos da República, podemos
compreender a própria razão de ser do Estado brasileiro, o motivo de sua existência.
Todos aqueles pontos elencados no art. 1.º, portanto, devem ser compreendidos como o
ponto de partida hermenêutico para a orientação da interpretação e aplicação
sistemática da Constituição, e das normas legais.
5
No julgamento da ação direta de inconstitucionalidade 2.649 (ADIn 2.649), a Min.
Cármen Lúcia relaciona aos fundamentos da República brasileira o princípio da
solidariedade. Este seria acolhido pela Constituição de 1988 como um mandamento de
transformação e inclusão social. No julgamento desta ação constitucional, por fim, a
Corte entendeu que promover a cidadania das pessoas com deficiência física demanda
uma série de prestações do Estado (em harmonia com tratados e convenções
internacionais das quais o Brasil é signatário, inclusive). Dentre estas ações, no caso em
comento especificamente, seria – por parte das empresas de transporte público –
suportar o ônus da gratuidade de passagens a pessoas portadoras de deficiências:

“Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade: Associação Brasileira das Empresas de


Transporte Rodoviário Intermunicipal, Interestadual e Internacional de Passageiros –
Abrati. Constitucionalidade da Lei 8.899, de 29.07.1994, que concede passe livre às
pessoas portadoras de deficiência. Alegação de afronta aos princípios da ordem
econômica, da isonomia, da livre iniciativa e do direito de propriedade, além de ausência
de indicação de fonte de custeio (arts. 1.º, IV, 5.º, XXII, e 170 da CF/1988).
Improcedência. 1. A autora, Associação de associação de classe, teve sua legitimidade
para ajuizar Ação Direta de Inconstitucionalidade reconhecida a partir do julgamento do
Agravo Regimental na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.153, rel. Min. Celso de
Mello, DJ 09.09.2005. 2. Pertinência temática entre as finalidades da autora e a matéria
veiculada na lei questionada reconhecida. 3. Em 30.03.2007, o Brasil assinou, na sede
das Organizações das Nações Unidas, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência, bem como seu Protocolo Facultativo, comprometendo-se a implementar
medidas para dar efetividade ao que foi ajustado. 4. A Lei 8.899/1994 é parte das
políticas públicas para inserir os portadores de necessidades especiais na sociedade e
objetiva a igualdade de oportunidades e a humanização das relações sociais, em
cumprimento aos fundamentos da República de cidadania e dignidade da pessoa
humana, o que se concretiza pela definição de meios para que eles sejam alcançados. 5.
Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente.”

Assim como o princípio da solidariedade, outros princípios podem ser relacionados à


cidadania, à medida em que conflitos ocorram na atuação jurisdicional, no caso concreto.
Pode-se defender, por outro lado, que não obstante o art. 1.º da CF/1988 seja dotado de
validade jurídica, não encerra necessariamente um conjunto de princípios, tampouco
regras. Como se pode dizer, por exemplo de um “princípio democracia”, “princípio
cidadania”, “princípio soberania”. Analisando a situação de outra maneira, como poderia
se dar, por exemplo, um conflito entre a democracia a cidadania; ou entre a cidadania e
a soberania; democracia e valores sociais do trabalho. O que se defende aqui é que tais
conceitos não são princípio; muito embora carreguem alta carga valorativa, também não
são valores. Isto porque são conceitos muito amplos e abstratos, de forma que qualquer
tentativa de definí-los e delimitá-los diante do caso concreto, já pode ensejar em um
paradoxo inconciliável (definir um modelo normativo de democracia, por exemplo, não
constituiria automaticamente em uma negação do pluralismo político?).

Tais conceitos encerram verdades constitucionais Häberle (2008). Tais verdades, dada
sua amplitude de sentidos, colocam-se como quase que lugares comuns do discurso
jurídico. De acordo com o auditório para qual o discurso está sendo direcionado, este
lugar pode ainda assumir maior tessitura, ou uma determinada carga conceitual. Pode
ainda ser interpretado a partir de uma determinada dimensão social. Por exemplo, um
auditório composto por advogados militantes na área eleitoral tende a perceber a
cidadania, por exemplo, muito mais a partir de sua concepção processual; enquanto em
Página 6
Cidadania tributária: o estatuto constitucional do
contribuinte

um auditório majoritariamente tributarista, a dimensão estatutária irá se destacar. Em


um auditório onde se destaque a sociologia criminal, ou de teóricos críticos, a cidadania
enquanto um elemento de inclusão e exclusão será o mote do discurso. Por outro lado,
em recentes julgamentos de ampla repercussão no STF, observamos que a maior parte
da argumentação se dá em torno da concepção normativa de cidadania, disputado entre
argumentos liberais e republicanos, e até mesmo sobre a possibilidade de o Estado
delimitar o conceito de bom e de bem viver (discussões tipicamente travadas entre
liberais políticos e multiculturalistas. São exemplos destes últimos os casos “Cotas
Raciais” (ADIn 3314 e a ADIn 3379); “Células Tronco” (ADIn 3510); e “União
homoafetiva” (ADPF 132).

Por verdades constitucionais, não quer referir-se a conceitos rígidos e absolutos. Mas
axiomas consensualmente estabelecidos como ponto de partida para a vida republicana.
Tais axiomas refletem a mudança de paradigmas ocorrida ao longo do século XX, onde a
democracia deixou de ser um conceito quase que vazio para definir uma forma de
governo, para assumir a condição de gramática social da pós-modernidade Santos e
Avritzer (2002), onde valores associados à democracia passaram a pautar as relações
sociais e a própria constituição da identidade dos sujeitos:

“As propostas de Taylor e Honneth estão centradas na autorrealização e na identidade.


No cerne das preocupações deles, estão a formação do self e sua capacidade de manter
uma relação saudável consigo mesmo. Para ambos os filósofos, há uma gramática moral
que rege os conflitos sociais, levando sujeitos a contestar significados, valores e padrões
interativos desrespeitosos, visto negarem a possibilidade de autorrealização
(MENDONÇA, 2009, p. 145).”

Ao se pensar nos fundamentos da República brasileira, entre elas a cidadania, como


lugares do discurso jurídico, fala-se em conceitos abertos, verdadeiros topoi que servem
como interface entre o discurso jurídico propriamente dito e o discurso política, as
práticas sociais e até mesmo as culturas da sociedade brasileira. E esta mesmo são suas
funções. Ao elencar conceitos abertos e dinâmicos, dotados de historicidade, como os
fundamentos da República brasileira (a soberania do Estado moderno é diferente da
soberania do Estado contemporâneo; a cidadania francesa do século XVIII é diferente da
cidadania francesa do século XX, que é diferente da cidadania brasileira do século XXI),
a Constituição coloca-se na sociedade como uma obra inacabada (remetendo-se ao
apelo das escolas que buscam interseções entre o direito e a literatura).

A Constituição, enquanto um texto de tessitura aberta, está sujeito às mudanças sociais


e às modificações das culturas. Desta maneira, o texto constitucional sempre estará de
certa medida atualizado ao Zeitgeist da sociedade, estando ainda aberta ao fenômeno da
mutação constitucional e para a afirmação e reconhecimento de novos direitos
fundamentais, sem necessariamente que seu texto seja formal ou materialmente
alterado.
3. Elementos de uma cidadania tributária na Constituição Federal de 1988

3.1 O lugar da cidadania tributária no discurso jurídico

Uma vez delimitado a cidadania como um lugar do discurso, ou seja, um conceito de


ampla tessitura que abrange diversos topoi, resta agora localizar aquilo que podemos
chamar de cidadania tributária, dentro do discurso jurídico.

Ao se falar em cidadania tributária, o adjetivo “tributário” está delimitando os sentidos


de alcance do termo “cidadania”. Assim se pode compreender que a cidadania tributária,
enquanto um lugar do discurso jurídico, referir-se-á ao conjunto de princípios, regras e
valores ligados ao lugar da cidadania, mas identificados especificamente no âmbito das
relações jurídicas tributárias.

Por relações jurídicas tributárias pode-se entender as relações travadas entre o sujeito
Página 7
Cidadania tributária: o estatuto constitucional do
contribuinte

ativo estatal e o passivo contribuinte (Gouveia, 2008, p. 152).

A definição legal de tributo encontra-se no art. 3.º da Lei 5.172/1966, o Código


Tributário Nacional:

“Art. 3.º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela
se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada
mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”

Esta definição de tributo, extraída do Código Tributário Nacional brasileiro, ressalta cinco
aspectos do tributo: (a) pecuniaridade; (b) compulsoriedade; (c) não sancionatoridade;
(d) legalidade; (e) não discricionariedade.

Por pecuniaridade do tributo pode se entender sua dimensão monetária. O tributo


necessariamente deve ser expresso em moeda, não se admitindo no direito brasileiro o
tributo in natura ou in labore Machado (2010).

A compulsoriedade relaciona-se à natureza de sua obrigação. Não diz respeito


diretamente ao fato de sua obrigatoriedade (ou não excusabilidade) Machado (2010),
mas sim porque o fundamento da obrigação tributária não depende de declaração de
vontade dos sujeitos envolvidos, e sim de disposição legal Amaro (2010).

Já a não sancionatoridade quer dizer que o tributo não deve cumprir a função
sancionatória. Ou seja, não pode o tributo relacionar-se à sanção de qualquer ato ilícito.
Ou seja, a hipótese de incidência tributária não deve se dar sobre uma ilicitude Machado
(2010), o que não significa que renda auferida a partir de um ato ilícito, por exemplo,
não possa ser tributada. Sendo assim, não se é possível compreender multas enquanto
tributos.

A legalidade é uma qualidade necessária que o tributo apresenta de ter de ser positivado
antes de cobrança:

“Instituir tributo não é apenas dizer que ele fica criado, ou instituído. Sua criação
depende da definição da hipótese ou hipóteses em que o mesmo será devido, vale dizer,
da definição da hipótese de incidência, dos sujeitos, da obrigação correspondente, e
ainda da indicação precisa dos elementos necessários ao conhecimento do valor a ser
pago, vale dizer, da base de cálculo e da alíquota, bem como do prazo respectivo
(MACHADO, 2010, p. 66).”

A não discricionariedade está ligada à parte final do dispositivo ora em comento, e diz
respeito ao fato de que a atividade estatal que importa na cobrança do tributo não deve
ser exercida sob o prisma da discricionariedade. Em outras palavras, todo ato
administrativo que importe cobrança de tributos deve estar submetido à disciplina
normativa de direito positivo, seja de ordem constitucional, legal ou infralegal. O ato de
autoridade que vise a cobrança de tributos (ou à não cobrança) fora do expressamente
autorizado e determinado em lei, está sujeito à nulidade, podendo ser considerado uma
atividade arbitrária Machado (2010).

Cada um destes aspectos ora destacados da definição legal de tributo ensejam um


princípio jurídico correspondente. Assim pode se falar como amplamente reconhecido
pela comunidade jurídica em princípio da legalidade; princípio da anterioridade, princípio
da irretroatividade, vedação ao confisco, entre outros. Importante que tal constatação
não implica necessariamente que todos os princípios das relações jurídicas tributárias
estejam necessariamente ligados a um dos topoi destacados. Mas serve a indicar como a
análise discursiva pode ser apropriada à catalogação, identificação e correta organização
entre argumentos a fim de fornecer uma fundamentação das decisões judiciais clara e de
qualidade. Pressuposto essencial para conciliar o Estado de direito e a democracia
Maccormick (2008).

Mas esta definição legal de tributo nos serve, momentaneamente, para identificar um
Página 8
Cidadania tributária: o estatuto constitucional do
contribuinte

lugar no discurso jurídico relacionado ao que podemos identificar de cidadania tributária.


Se o art. 1.º da CF/1988, como já dito, representa um ponto de partida hermenêutico,
uma síntese da própria gramática social que possibilita as relações humanas pautadas
pelo respeito, reconhecimento e dignidade, esta definição legal de tributo, não obstante
as críticas que possa se fazer Amaro (2010) Machado (2010), demarca fronteiras
horizontais dento das quais um discurso sobre a cidadania tributária pode se
desenvolver.

Observe-se que aqui não se fala de uma relação de causa e efeito, tampouco se depende
uma ideia de verticalidade, mas de correlação. Determinados princípios podem ser
correlatos aos elementos de definição do tributo, quase como uma relação de contenção.

Tais fronteiras não são rígidas e estão sujeitas aos movimentos da história e às
transformações das culturas. Mas encerram um locus do discurso onde a comunidade de
juristas e outros sociais diretamente ligados à atividade tributária, tais como auditores
fiscais, empresariado, contadores etc., percebem e realizam a seleção dos sentidos da
cidadania tributária, elegendo aqueles que entendem justificados, razoáveis e, portanto,
verdadeiros; descartando aqueles que consideram injustificados e desarrazoados,
portanto incorretos Streck (2001).

Delimitar um lugar da cidadania tributária no discurso jurídico, portanto, significa


considerar, primeiramente o conceito cidadania, e toda a carga valorativa, principiológica
e conceitual que consiga se identifica. Em um segundo momento significa ainda, a partir
das noções básicas de relação jurídica tributária e tributo – consideradas dentro do
discurso jurídico – delinear suas fronteiras horizontais. Da intersecção destes dois
campos – [teoria da] cidadania e direito tributário – se obtém o que pode ser
conceituado como a cidadania tributária.

Este esforço de construção do campo conceitual, no entanto, não é o bastante.


Observe-se que, como discorrido anteriormente, os ditos fundamentos da República
brasileira, constantes no art. 1.º da CF/1988, precisam ser vistos dentro de uma visão
complexa e sistêmica.

Uma cidadania tributária precisa ser compreendida, portanto, primeiramente, a partir


das próprias noções dos cinco fundamentos da República: soberania, cidadania,
dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e pluralismo
jurídico. Esses fundamentos vão nortear as relações sociais na República brasileira,
instituindo uma determinada gramática social que contemple os projetos da
modernidade, e até mesmo a pós-modernidade.

Em seguida as noções gerais do direito tributário, como o conceito de tributo e a de


relação jurídica tributária. Mas não se pode deixar de considerar ainda o restante do
texto constitucional, notadamente o que se constitui no sistema constitucional tributário,
compreendido pelos arts. 145 e ss.

Este complexo constitucional que importa uma série de normas, regras e garantias ao
contribuinte em relação à atividade tributária do Estado, é o que pode ser chamado de
estatuto constitucional do contribuinte Santos (2012).

A partir deste lugar jurídico da cidadania, ou seja, os direitos, deveres e garantias dos
sujeitos individuais e coletivos, direcionados sob o prisma do sistema constitucional
tributário, ou mais especificamente sob o que se concebe por estatuto constitucional do
contribuinte, constitui-se a cidadania tributária.

Pode se definir a cidadania tributária como sendo um lugar do discurso jurídico onde se
dá o debate acerca da participação do cidadão nos espaços de gestão da coisa pública;
mas ainda onde se dá o embate de forças sociais para, através de normas jurídicas,
delimitar estratégias de inclusão e exclusão sociais através da atividade tributária; diz
respeito ainda a um status jurídico, neste caso o status de contribuinte; e por fim onde
Página 9
Cidadania tributária: o estatuto constitucional do
contribuinte

se dá o debate jusfilosófico em torno de modelos normativos de democracia para o


entendimento das relações tributárias e a função social do tributo na sociedade.
3.2 A ordem tributária na Constituição Federal de 1988 e sua legitimação pela cidadania

Durante o processo constituinte, a Comissão do Sistema Tributário, Orçamento e


Finanças (CSTOF) ficou responsável pela elaboração do anteprojeto do título que
posteriormente viria a ser conhecido pelo mesmo nome, no texto final. A CSTOF foi
presidida pelo deputado Francisco Dornelles (PFL/RJ), sendo seu relator o deputado José
Serra (PMDB/SP). Das cinquenta e oito vagas, a maioria esmagadora fora ocupada pelo
PMDB (31), seguido por PFL (14), PDS (4), PDT (3), PTB (2), PT (2), PL (1) e PDC (1). A
CSTOF ainda fora dividida em três subcomissões, respectivamente: do sistema
tributário, do orçamento e finanças e da ordem econômica. Segundo esta disposição
também fora realizada a sistematização final do anteprojeto, seguido posteriormente
pela carta.

Sobre o Sistema Tributário Nacional, é interessante acompanhar as fundamentações


apresentadas pela Comissão:

“No campo tributário, o Anteprojeto procura combinar os critérios fundamentais de:

a) descentralização e fortalecimento da autonomia dos Estados e Municípios;

b) atenuação e fortalecimento da autonomia dos Estados e Municípios;

c) maior justiça fiscal e proteção ao contribuinte;

d) simplificação e adequação da tributação às necessidades de modernização do sistema


produtivo;

e) garantia de um mínimo de uniformidade nacional ao sistema, nos seus princípios


básicos, mediante a preservação da figura da lei complementar em matéria tributária
(Brasil, 1986).”

A análise do texto mostra que os constituintes tinham duas preocupações principais:


diminuir a complexidade do sistema tributário (algo que hodiernamente, após vinte e
cinco anos, ainda parece improvável de ser realizado); e promover a justiça fiscal:

“A justiça fiscal se expressa através do princípio de maior progressividade dos impostos,


cuja concretização deve caber à lei complementar e ordinária. À Constituição não cabe
fixar alíquotas ou mesmo promover a ampliação da abrangência do Imposto de Renda,
tão necessária para atenuar a regressividade social da carga tributária. A maior proteção
ao contribuinte deve se expressar de forma transparente na limitação dos empréstimos
compulsórios, a de calamidade pública; na sujeição das contribuições sociais e de
intervenção no domínio econômico aos princípios da legalidade e da anterioridade; na
proibição de privilégios fiscais a certas categorias profissionais; na maior proteção contra
mudanças bruscas na tributação e na limitação dos privilégios fiscais a certas categorias
profissionais; na maior proteção contra mudanças bruscas na tributação e na limitação
dos privilégios processuais da Fazenda em detrimento do contribuinte. A possibilidade de
seletividade do novo ICMS e a previsão do imposto sobre transmissão causa mortis
sobre doações reforçam o potencial da progressividade do sistema proposto (BRASIL,
1987, p. 4).”

A ideia de cidadania tributária, dentro do contexto constitucional, está atrelada à noção


de justiça fiscal, ou justiça tributária. Para se compreender a justiça fiscal ou justiça
tributária é necessário se considerar dois tópicos da questão tributária.

O primeiro diz respeito, como citado na exposição de motivos do anteprojeto


constitucional, à progressividade e regressividade dos tributos. A regressividade
tributária é fenômeno que se manifesta na ordem capitalista, que caracteriza-se pela
maior distribuição dos custos sociais do Estado sobre as classes menos favorecias,
Página 10
Cidadania tributária: o estatuto constitucional do
contribuinte

atingindo assim o princípio da equidade no Estado democrático liberal Pintos-Payeras


(2008).

A progressividade é medida que visa mitigar a regressividade, impondo uma divisão


equânime do custeio social através da determinação de que a alíquota do imposto deve
ser maior na medida em que seja maior o montante da renda tributável – vale dizer a
base de cálculo do imposto (Machado, 2010, p. 337).

Mas a progressividade por si só não é elemento que garanta a justiça fiscal. Esta importa
também uma grande dose de decisão política. Nada vale a desoneração da carga
tributária dos tributos indiretos, ou da aplicação de alíquotas progressivas de tributos
diretos, se não há a decisão de direcionar os gastos e recursos públicos equanimemente.
Porque, afinal, favorecer determinados grupos na alocação de despesas estatais é outra
maneira de efetivar a regressividade tributária Rodrigues (2010). A capacidade
contributiva encontra-se positivada na Constituição Federal no parágrafo primeiro do art.
145 da CF/1988. Já a extrafiscalidade encontra-se difusamente no texto constitucional. É
exemplo o art. 146, d, que determina tratamento diferenciado e favorecido para
microempresas e empresas de pequeno porte.

Ao lado da capacidade contributiva, da justiça fiscal e da extrafiscalidade do tributo é


necessário ainda se observar o conjunto de regras e princípios constitucionais que
importam nas limitações ao poder de tributar do Estado. Tais regras encontram-se na
seção II do título referente ao Sistema Tributário Nacional configurando-se como um
conjunto de normas que servem a impor limites ao poder de cobrar tributos do Estado, a
fim de resguardar determinados valores, incentivar determinadas atividades, ou ainda
proteger outros direitos fundamentais:

“Por meio do estudo dos princípios gerais e tributários se verifica a forma como a Carta
Magna separou os casos em que cabe a cobrança de tributos e que pessoas são
obrigadas ao pagamento dos tributos, mas, por outro lado, ofereceu imunidades àqueles
que possuem as características necessárias para receber o direito a estes benefícios.
Desta forma, a cobrança de tributos sofre limitações impostas pelo texto constitucional
como forma de impedir abusos na cobrança de tributos, como também oferecer garantia
a certos entes para que possam oferecer suas atividades sem que haja embaraço no seu
funcionamento. O Serviço Social Autônomo, como pessoa jurídica de direito privado,
trabalha em colaboração com o Estado e detém direito à imunidade tributária concedida
às entidades de assistência social (HIROKAWA, 2014, p. 1).”

Assim as limitações ao poder de tributar compreendem a imunidade, as proibições de


possíveis utilização de tributos para estabelecer desigualdades e privilégios, além de
princípios vinculados à ideia de segurança jurídica Torres (2005). As limitações
constitucionais ao poder de tributar do Estado são fronteiras rígidas que têm o condão
de regular a relação de poder entre Estado e cidadão, visto que a relação tributária é,
acima de tudo, uma relação de poder Sabbag (2013). E enquanto relação de poder,
dentro de um Estado democrático de direito, deve estar contida e delimitada por rígidas
e claras regras de exercício do poder.

Até o momento, no entanto, foi dada ênfase a condutas negativas do Estado na


conceituação de uma cidadania tributária. E a tradição liberal individualista costuma
impor maior importância a esta dimensão individual. Contudo não se olvide, até mesmo
como já foi dito anteriormente, que além da mera condição – ou dimensionalidade
individualista liberal da tradicional cidadania republicana – há de se falar ainda em uma
dimensão coletiva e (por que não?) e ainda uma dimensão difusa da cidadania
democrática republicana.

Desta forma, dentro dos critérios já discorridos no capítulo I, para a delimitação de um


campo conceitual de uma possível cidadania tributária brasileira, é preciso se perguntar
também: não é possível falar-se em uma dimensão coletiva e uma dimensão difusa da
cidadania tributária? Não apenas a capacidade contributiva é elemento que norteia a
Página 11
Cidadania tributária: o estatuto constitucional do
contribuinte

justiça tributária:

“É entretanto, errôneo pretender reduzir a justiça tributária ao princípio da capacidade


contributiva. Nem a igualdade, nem a justiça tributária se reduzem aos limites da
capacidade contributiva. Nem assim o sistema tributário. Fenômenos como a
extrafiscalidade (em que a necessidade e o mérito são critérios de comparação a
informar o princípio da igualdade, havendo, nos incentivos, benefícios a contribuintes
dotados de grande capacidade contributiva), a praticidade, a comodidade e o combate à
evasão fiscal informam o sistema e atenuam o relevante papel cumprido pela capacidade
econômica (BALEEIRO, 2003, p. 679-678).”

A extrafiscalidade, enquanto conceito diretamente ligado à justiça tributária, cumpre o


condão de reforçar a função social do tributo como instrumento estatal de efetivação da
Constituição Gouvêa (2006). Assim como também o Sistema Tributário Nacional não é
uma verdade em si mesmo, mas relaciona-se e coaduna-se com os demais sistemas
constitucionais. A atividade tributária não é um fim em si mesmo, isto é, não é objetivo
do Estado auferir lucro. O art. 3.º da CF/1988, que cabe introduzir no debate, define
como objetivos fundamentais da República brasileira:

“Art. 3.º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II – garantir o desenvolvimento nacional;

III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e


regionais;

IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação.”

Tendo em vista o presente dispositivo, há de se falar então que em última instância, a


atividade tributária do Estado deve servir ao custeio da persecução de tais objetivos
fundamentais da República. Mas dois dos objetivos fundamentais da República em
especial são mais diretamente relacionados com o direito tributário, tendo implicações
diretas na tentativa de delineação da cidadania tributária.

São estes “garantir o desenvolvimento nacional”, e “erradicar a pobreza e a


marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais:

“A Constituição Federal indica a garantia ao desenvolvimento nacional como um objetivo


cardeal da República. Por seu lado, uma forma de manifestação do desenvolvimento
nacional é a expansão econômica, isto é, a elevação dos níveis da economia para
patamares de renda cada vez melhores. Para haver crescimento, a riqueza do país deve
evoluir mais do que o aumento de sua população (GOUVEIA, 2008, p. 155).”

Estes dois objetivos específicos se destacam porque, em ambos os casos, o tributo não é
apenas fonte de arrecadação de recursos, mas instrumento direto através do qual o
Estado pode atuar para perseguir seus fins.

Os efeitos da extrafiscalidade do tributo se fazem perceber desde as grandes políticas de


incentivo fiscal até nos mais particulares atos da autoridade administrativa, sendo que
até os procedimentos escolhidos pelo fisco para o lançamento do tributo, em
determinadas situações – como na atividade micro empresarial – pode se constituir
como um incentivo ou como um desestímulo à atividade empresarial Gouvêa (2006).

Os efeitos sociais do tributo vão além da atividade empresarial, refletindo nas relações
trabalhistas, consumeristas, comerciais, científicas, educacionais. Podendo ainda
interferir no aumento ou redução dos negócios formais Gouveia (2008). Assim pode se
falar em um direito ao desenvolvimento nacional, que se impõe como objetivo
Página 12
Cidadania tributária: o estatuto constitucional do
contribuinte

fundamental à atividade tributária estatal Gouveia (2008).

Reforçando, no entanto, que assim como a cidadania tomada em seu topos generalista,
destaca-se pela multidimensionalidade, manifestando-se enquanto processo individual,
mas também coletivo e difuso, a cidadania tributária também pode ser identificada a
partir dessas dimensionalidades coletiva e também difusa. O direito ao desenvolvimento
nacional se coloca como direito transindividual Gouveia (2008), representando um
aspecto desta cidadania difusa.

Por fim cabe falar ainda de mais um topos da cidadania que importa na delimitação do
campo conceitual que representa o lugar da cidadania coletiva no discurso jurídico. É o
lugar dos deveres fundamentais.

O dever prima facie relacionado à atividade tributária é o próprio pagamento de tributos:

“a ideia de instituir tributos inscreve-se na proposta de um financiamento pela sociedade


dos fins a serem cumpridos pelo Estado. Trata-se, portanto, o dever de pagar tributo
como uma obrigação jurídica compulsória – não porque decorrente de uma sanção a ato
ilícito, e sim porque advinda da necessária cooperação da sociedade –, que deve
respeitar certas limitações impostas pela ordem jurídica – geralmente de ordem
constitucional, e, especialmente, em relação à possibilidade de o sujeito passivo poder
arcar com essa imposição sem que tenha prejudicado seu mínimo existencial –, a fim de
que se financie a manutenção da atividade estatal e, principalmente e através de um
maior investimento, sejam concretizados e efetivados os direitos fundamentais das
pessoas (SIQUEIRA, 2010, p. 111).”

Mas este não seria o único dever associado à atividade tributária. A vida em coletividade,
associado à ideia de Democracia procedimental, importa em um dever de zelar da coisa
pública. Este dever importa em pagar os tributos, evitando a sonegação. Mas também de
fiscalizar os agentes públicos responsáveis por realizar a fiscalização tributária. Tal
participação ativa da sociedade em zelar pela coisa pública é essencial para evitar
transformar situações como a realidade de corrupção sistêmica, por exemplo, revelada
recentemente no âmbito dos tributos municipais na cidade de São Paulo Bonduki (2013).

A participação, que se insere como direito na ordem democrática, não deixa de ser
também um dever dos concidadãos que coabitam um Estado. Este dever de participação
é exercido, em matéria tributária, por exemplo, nos conselhos de contribuinte.
Tomando-se o caso do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, este órgão é
composto por representantes do Fisco e dos contribuintes, sendo os contribuintes
escolhidos da seguinte maneira:

“Encerrada essa etapa, as listas tríplices são encaminhadas ao Comitê de Seleção de


Conselheiros, vinculado à Secretaria Executiva do Ministério da Fazenda. Este Comitê é
composto por representante do CARF, indicado por seu Presidente, que presidirá o
Comitê; da Secretaria da Receita Federal do Brasil, indicado pelo Secretário da Receita
Federal do Brasil; da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, indicado por seu
Procurador-Geral; das confederações representativas das categorias econômicas de nível
nacional, que poderão indicar profissional com notório conhecimento de direito tributário
ou de contabilidade; e da sociedade civil, designado pelo Ministro de Estado da Fazenda
(MONTEIRO e CAMPOS, 2011).”

A paridade nos órgãos julgadores de recurso fiscal é uma forma de exercício ativo de
cidadania tributária coletiva. Isto porque, aqueles indicados por suas categorias
econômicas ocupam espaço nas turmas julgadoras a fim de garantir que as decisões
sejam tomadas com justiça, não favorecendo ao Fisco. Se, enquanto indivíduos, tem o
dever de exercer a atividade com zelo e dedicação, enquanto representantes da
coletividade, têm o condão de julgar com lhaneza e clareza, com a obrigação ainda de
denunciar a ocorrência de arranjo sistemático do Fisco a fim de burlar a justiça tributária
e aumentar a arrecadação ilegalmente.
Página 13
Cidadania tributária: o estatuto constitucional do
contribuinte

Para identificar o sujeito da cidadania tributária, ou seja, aquele sujeito que goza
reconhecimento enquanto membro da polis, tendo seus direitos de ser ouvido, participar,
fiscalizar, reclamar a tutela estatal etc., cabe partir do conceito de sujeito passivo da
relação tributária.

Não há dúvidas que o cidadão normativo brasileiro é titular também de uma cidadania
tributária:

“(…) depreende-se que a posição do Estatuto do Contribuinte no sistema normativo


brasileiro situa-se no seio da própria Constituição Federal, no âmbito que a mesma
reserva para os direitos fundamentais, o que resulta tanto da natureza de suas normas
(que configuram limitações ao poder Estado para a proteção da esfera jurídica dos
contribuintes) quanto de sua origem histórica e processo de sedimentação, nos moldes
do que foi exposto linhas acima. O Estatuto, portanto, ocupa posição da mais elevada
estatura dentro do ordenamento pátrio (SANTOS, 2012, p. 42).”

Uma vez que o contribuinte é o principal destinatário dos direitos e garantias


fundamentais relacionados à relação tributária, não há dúvida que este é o sujeito
fundamental da cidadania tributária. Contudo resta perguntar: apenas os contribuintes
gozam de cidadania tributária? E todos os contribuintes gozam de cidadania tributária?
Com relação à primeira reflexão resta se perguntar se apenas os contribuintes são
destinatários dos direitos e garantias de direito tributário. Aqueles sujeitos protegidos
constitucionalmente pela imunidade, por exemplo, não seriam estes detentores de
cidadania tributária?

Uma vez que o conjunto de normas de direitos fundamentais que preenchem o lugar da
cidadania tributária, como já discorrido acima, têm três escopos principais: proteger o
cidadão da tributação indevida; permitir a participação do cidadão nos assuntos públicos
relacionados ao tributo; direcionar a atividade estatal no sentido de cumprir as políticas
públicas constitucionais; pode se dizer, pois, que aqueles que não são contribuintes
também gozam de cidadania tributária. Mas uma outra questão é mais importante:
apenas o contribuinte pessoa física pode usufruir a cidadania tributária?

Uma vez que a jurisprudência pátria reconhece que as pessoas jurídicas podem ser,
havendo compatibilidade com a natureza do direito, titulares de direitos fundamentais
Salet (2010); além de que existem normas de políticas públicas especificamente
voltadas para pessoas jurídicas no texto constitucional (como a já discorrida política do
art. 146, d, porque não admitir a pessoa jurídica também como detentora de uma
cidadania tributária.

Além do mais, como falado anteriormente, uma das características da pós-modernidade


é o reconhecimento de novos sujeitos de direitos em dimensões de existência diferente
dos indivíduos, como comunidades, sujeitos coletivos etc. Assim, da mesma maneira que
se pode falar em uma dimensão individual e coletiva da cidadania, pode-se reconhecer
sujeitos individuais e sujeitos coletivos como exercitadores de cidadania:

“A cidadania individual pressupõe a liberdade e a autonomia dos indivíduos num sistema


de mercado, de livre jogo da competição, em que todos sejam respeitados e tenham
garantias mínimas para a livre manifestação de suas opiniões – basicamente pelo voto –
e da autorrealização de suas potencialidades. A cidadania individual pressupõe ainda um
ente mediador que atue como árbitro na sociedade e reponha, sempre que se fizer
necessário, o lugar dos indivíduos no conjunto social. Este é o Estado, o poder público.
Portanto, na cidadania individual, o que se destaca é a dimensão civil da luta pelos
direitos civis e políticos (Gohn, 2011, 195).”

São sujeitos todos aqueles que possuem alguma forma de interesse na relação
tributária. Seja por ser contribuinte, ou por ter sido arrastado ilegitimamente para uma
relação tributária. Como seria o caso de uma igreja que recebesse um auto de infração
sobre a renda obtida por meio de doações para o ministério da fé.
Página 14
Cidadania tributária: o estatuto constitucional do
contribuinte

Contudo há de se ressaltar que a dimensão individual da cidadania não se confunde


necessariamente com a natureza individual do sujeito, mas sim se o interesse
relacionado a determinada situação é individual. Assim, uma empresa, insurgindo-se
sobre alguma condição abusiva para seu ingresso em programa de refinanciamento e
anistia de dívida tributária, através de mandado de segurança, apesar de se tratar de
uma organização, está exercendo seus direitos no âmbito da individualidade.

Para diferenciar a cidadania individual da cidadania coletiva é importante frisar que:

“a cidadania coletiva privilegia a dimensão sociocultural, reivindica direitos sob a forma


da concessão de bens e serviços, e não apenas a inscrição desses direitos em lei;
reivindica espaços sociopolíticos sem que para isto tenha de se homogeneizar e perder
sua identidade cultural Gohn (2011, p. 196).”

Assim os mesmos sujeitos individuais, ou até mesmo sujeitos coletivamente


identificados, como movimentos sociais, coletivos, sindicatos etc., estão no âmbito da
cidadania coletiva tributária quando, por exemplo, exercem o princípio da paridade nos
órgãos julgadores de processo administrativo tributário. Ali, a cidadania em exercício é
coletiva, pois os juízes indicados pelas categorias, ainda que nomeados em última
instância pelo Poder Público, estão garantindo a paridade e a justiça nas decisões
administrativas.

Inovamos ainda no presente trabalho no sentido de indicar a existência de uma


dimensão difusa da cidadania. Esta se daria quando o exercício ou a titularidade de um
determinado direito não é individualizável ou limitável a um determinado grupo
identificável.

A cidadania tributária dentro do contexto constitucional brasileiro pode ser localizada no


campo dos direitos fundamentais, constituindo de liberdades, garantias, direitos
políticos, sociais e difusos. Abrange ainda os limites ao poder de tributar do Estado e o
respeito à capacidade contributiva do contribuinte. Pode ser exercida individualmente,
coletivamente, ou ainda importar a defesa de interesses difusos, por indivíduos,
Ministério Público, Defensoria, associações civis e outros sujeitos coletivos, como
movimentos sociais, coletivos, conferências etc. Pode caracterizar-se ainda por uma
posição defensiva dos direitos fundamentais – basicamente o conjunto de ações
jurídicas, políticas e sociais que o sujeito de direitos dispõe para insurgir-se contra a
atividade tributária que se configure abusiva no caso concreto; ou pode assumir uma
posição ativa, importando a participação direta ou indireta do atores políticos da
sociedade (individuais ou coletivos) na gestão da coisa pública, bem como
representando-se nos conselhos fiscais, defendo em juízo os direitos coletivos e difusos,
participando da construção de políticas públicas na área tributária e fiscalizando a
atuação dos agentes tributários.
3.3 O estatuto constitucional do contribuinte brasileiro como o locus da cidadania
tributária

Na dissertação intitulada “O estatuto do contribuinte no estado social”, Luciano Roberto


Bandeira Santos qualifica os direitos relacionados ao estatuto do contribuinte como um
complexo de normas de direitos fundamentais:

“No bojo do Estatuto, podem ser identificados, pelo menos, três tipos de normas:
aquelas que protegem o contribuinte, em sua relação com o Estado, limitando o poder
tributário (direitos e garantias do contribuinte); aquelas que dirigem o Estado,
determinando que a tributação atinja determinadas finalidades (prestação dos direitos
sociais e função redistributiva); e aquela que constitui o dever de pagar tributo,
viabilizando as finalidades antes mencionadas. Não apenas as primeiras, mas todas
estas normas são essenciais para a efetivação da dignidade humana (SANTOS, 2012, p.
45).”

Página 15
Cidadania tributária: o estatuto constitucional do
contribuinte

Assim o estatuto do contribuinte na Constituição Federal não se refere exatamente a um


conjunto formal de normas, mas antes uma construção doutrinária.

O constitucionalismo do século XX trouxe novas perspectivas quanto à eficácia das


Cartas Fundamentais. O conjunto de estruturas históricas, filosóficas e teóricas firmou,
em termos práticos, a consolidação das manifestações neoconstitucionais. O primeiro
consolida a Constituição no centro de todo o sistema, a qual irradia seus valores para
todo o ordenamento jurídico. Isso revela, em tese, a eficácia do constitucionalismo no
contexto político e social do Estado brasileiro e à aproximação do direito com a ética, a
moral e a justiça, os quais estavam distantes em virtude do engessamento do
positivismo jurídico. A fluidez e a força normativa constitucional, além de estarem
prontificados a concretizarem-se na sociedade, exigem os seus exercícios pelo Executivo,
Legislativo e Judiciário.

O período do pós-guerra é marcado na Europa por uma redefinição da teoria do direito.


Esgotado o modelo jusnaturalista e desgastado pelo nazismo o positivismo jurídico,
estabelece-se uma reaproximação entre o Direito e a Filosofia. As Constituições
paulatinamente adquirem um espaço diferenciado nas sociedades. As disposições
constitucionais não mais são vistas como compromissos políticos e passam a exercer
força normativa nos ordenamentos jurídicos. A própria concepção de Direitos
Fundamentais cambia-se do status negativus no Estado liberal (normas que limitam a
atuação do Estado), para status positivus no Estado social (normas que orientam a ação
do Estado) Gomes (2011). A partir do neoconstitucionalismo tem-se o processo de
constitucionalização do direito. Vale dizer, as normas jurídicas passam a ser
interpretadas conforme a Constituição.

A doutrina assevera a importância do primeiro fenômeno através do seguinte


ensinamento:

“o neoconstitucionalismo ou novo direito constitucional, na acepção aqui desenvolvida,


identifica um conjunto amplo de transformações ocorridas no Estado e no direito
constitucional, em meio às quais podem ser assinadas, (i) como marco histórico, a
formação do Estado constitucional de direito, cuja consolidação se deu ao longo das
décadas finais do século XX; (ii) como marco filosófico, o pós-positivismo, com a
centralidade dos direitos fundamentais e a reaproximação entre Direito e ética; e (iii)
como marco teórico, o conjunto de mudanças que incluem a forma normativa da
Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de uma nova
dogmática da interpretação constitucional. Desse conjunto de fenômenos resultou um
processo extenso e profundo de constitucionalização do Direito (BARROSO, 1999, p.
123).”

Dentro deste novo paradigma a Constituição adquire densidade normativa, e deixa de


ser vista como um produto estanque no tempo. Sujeito, não somente seu texto, mas sua
interpretação aos movimentos da história e da cultura, o próprio conceito de constituição
não só dotado de formalidade, como de materialidade Salet (2010).

A atividade de aplicar o direito passa a ser entendida, em decorrência da recepção da


6
viragem linguística Streck (2005), como um processo também criativo. Assim a
Constituição nunca pode ser, portanto, um conceito pronto e acabado. Sempre se renova
e se amplia.

O estatuto do contribuinte nasce do esforço hermenêutico contínuo dos tribunais para


aplicar as normas de direito tributário:

“O exposto atesta por que a doutrina e a jurisprudência, ao examinarem o tema relativo


às limitações ao poder de tributar, circunscrevem-se, em regra, à investigação do seu
sentido negativo: proibição de instituição de tributos por meio de instrumentos diversos
da lei etc. Ora, restringindo-se a interpretação à descrição de algo previamente
constituído, não havia outro caminho senão fixar-se ao elemento exterior da Constituição
Página 16
Cidadania tributária: o estatuto constitucional do
contribuinte

por meio da análise das normas expressas constantes do “Sistema Tributário”, deixando
de lado a construção da significação positiva das limitações mediante investigação dos
princípios enquanto normas que instituem finalidades a serem atingidas (dignidade
humana, liberdade, propriedade) e dos princípios e postulados que determinam como os
encargos tributários deverão ser divididos (princípio da igualdade) ou qual estrutura
deverá ser observada no processo de aplicação (postulado ou princípio hermenêutico da
proporcionalidade) (ÁVILA, 2008).”

Pode-se dizer, portanto, que o estatuto constitucional do contribuinte surge em


decorrência da própria cidadania. Primeiramente porque os direitos encerrados por este
conjunto de normas de direitos fundamentais contidos na Constituição, decorre de um
intenso processo de participação social, quando da constituinte.

Em segundo lugar, a construção contínua e atual dos tribunais que enseja o


entendimento de um estatuto constitucional do contribuinte, se existe, é porque os
contribuintes estão exercendo seus direitos relacionados à cidadania e à cidadania
tributária. Estão demandando em juízo, utilizando das vias processuais, questionando os
órgãos do Judiciário, pressionando e participando ativamente da interpretação/aplicação
do direito. É o conjunto das decisões que daí decorrem que se compreende
juridicamente os limites fáticos do poder de tributar do Estado.
3.4 A (desejável?) positivação do estatuto do contribuinte

Tramita no Congresso Nacional o PL 2557/2011, que institui o Código de Defesa do


Contribuinte brasileiro, criando ainda o Conselho Federal de Defesa do Contribuinte, de
autoria do Deputado Laércio Oliveira do Partido Republicano de Sergipe.

A última movimentação que consta até o fechamento deste trabalho, no sítio oficial da
Câmara dos Deputados, data de 29.05.2014, aguardando aprovação do parecer do
relator. O projeto já fora – consta ainda – aprovado na Comissão de Trabalho, de
Administração e Serviço Público; restando ainda ser encaminhado para a Comissão de
Constituição e Justiça e de Cidadania. Sendo aprovado por esta última Comissão, então
o projeto será encaminhado para votação na plenária da Casa. Consta de 19 artigos,
com base em um Código do Contribuinte que já existe no Estado de São Paulo.

Resta a pergunta. Tal positivação é desejável?

Em seus 19 artigos, o Código do Contribuinte pouco inova. Nos arts. 1.º a 3.º
simplesmente faz remissão (incompleta) a conceitos da Constituição Federal e do Código
Tributário Nacional, localizando a lei dentro de diversos sistemas constitucionais, e
definindo contribuinte. Não acrescenta, em sua definição legal, no art. 3.º a figura do
responsável ou sujeito passivo indireto.

Nos arts. 6.º a 13.º elenca uma série de direitos e deveres dos contribuintes e do fisco,
mas apenas propondo comandos normativos que mais se aproximam do senso comum
do que buscando solucionar algum problema prático da atualidade.

Por exemplo, entre os direitos do contribuinte, o art. 4.º, XV, declara: a faculdade de se
comunicar com seu advogado ou entidade de classe quando sofrer ação fiscal, sem
prejuízo da continuidade desta. Na atual ordem democrática, seria difícil defender algo
contrário a isto, de forma que tal disposição se torna quase que um pleonasmo legal.
Assim também declara como garantia do contribuinte (art. 5.º, IV) a obediência aos
princípios do contraditório, da ampla defesa, e a participação paritária nos órgãos de
julgamento.

Algumas questões que são extremante atuais e que de fato demandariam uma atitude
legislativa com a máxima urgência, são ignoradas pelo projeto de lei. Uma é a situação
recorrente e abusiva em que o Fisco federal, ao emitir Certidões da Dívida Ativa, age
com má-fé objetiva, agregando créditos prescritos junto a créditos vigentes; ou ainda,
outra prática de abuso no poder de tributar, comum em todas as instâncias federativas,
Página 17
Cidadania tributária: o estatuto constitucional do
contribuinte

em que a Fazenda oferece o parcelamento da dívida ativa, contudo condiciona tal


parcelamento à confissão de créditos já prescritos. Outra questão ignorada pelo projeto,
mas de extrema relevância, é a questão da legitimidade para a repetição de indébito dos
tributos indiretos.

A única inovação efetivamente concreta do Projeto de Lei é a proposta de criação do


Conselho Federal de Defesa do Contribuinte.

Os conselhos fazem o papel de instituições onde a verticalidade das instituições


governamentais se encontra com a horizontalidade dos atuais paradigmas democráticos.
Assim os conselhos conseguem contornar e evitar as políticas públicas realizadas com
base em extensa burocratização e evitam a tecnocracia governamental. Atuam junto às
instâncias representativas como instâncias de democracia quase diretas, onde entidades
sociais podem fiscalizar, opinar e construir propostas de políticas públicas, que através
das comissões temáticas do congresso, podem vir a influenciar efetivamente o processo
legislativo.

A melhoria da qualidade democrática promovida pelos conselhos leva à maior


legitimidade do poder legislativo, aumentando a estabilidade democrática e política e
melhorando a confiança nas instituições democráticas e republicanas, seja por parte da
população, seja por parte do mercado, o que favorece a estabilidade econômica.

Assim a democracia, através dos conselhos, e as políticas públicas elaboradas pelo


Legislativo, gozam de cada vez mais legitimidade, seja em face da legitimação pelo
carisma, seja pela legitimação procedimental.

Os conselhos também exercem importante papel fiscalizando as políticas públicas e o


próprio trabalho dos legisladores. Se tornam arenas institucionalizadas de participação
popular na democracia representativa, proporcionando um ideal equilíbrio entre a
representação e a participação.

Esta é a seguinte proposta de constituição do Conselho Federal de Defesa do


Contribuinte:

“Art. 15. Integram o Codecon:

I – o Congresso Nacional;

II – a Confederação Nacional do Comércio;

III – a Confederação Nacional da Indústria;

IV – a Confederação Nacional das Instituições Financeiras;

V – a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil;

VI – a Confederação Nacional do Turismo;

VII – a Confederação Nacional dos Transportes;

VIII – o Serviço Nacional de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – Sebrae;

IX – a Ordem dos Advogados do Brasil;

X – o Conselho Federal de Contabilidade;

XI – o Ministério da Fazenda;

XII – a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional;

XIII – o Ministério da Justiça;

Página 18
Cidadania tributária: o estatuto constitucional do
contribuinte

XIV – o Ministério da Defesa;

XV – a Casa Civil.”

Observa-se que a representatividade da sociedade é bastante limitada na proposta. Das


15 cadeiras previstas, seis são ocupadas por atores institucionais, uma pela Ordem dos
Advogados do Brasil, uma pelo Conselho Federal de Contabilidade, e cinco atores
coletivos relacionados do grande capital. A única cadeira ocupada por um ator que tem
algum contato direto com o pequeno e micro empreendedor talvez seja o Sebrae, o que
não significa dizer, no entanto, que este grupo de fato será representado no Conselho.

Como já explicitado, tal disposição vai de encontro aos princípios da justiça fiscal. Isto
porque, a ordem constitucional tributária brasileira tem como preocupação mitigar ao
máximo a regressividade. Esta tem diversas maneiras de se expressar, e a distribuição
desigual de bens e direitos pela estrutura básica da sociedade, é uma delas.

Além do mais, setores como economia criativa, economia solidária e agricultura familiar
são também preteridos pelo projeto de lei. Assim como seria desejável também a
participação do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas – Ipea; e também de
entidades ligadas à Defesa do Consumidor. Assim como o processo de escolha e
nomeação – realizado pelo administrador, sem qualquer vinculação com o desejo dos
representados, e sem qualquer autonomia destes para exercer accountability societal
sobre seus representantes, prejudica a qualidade democrática da proposta.

Resta a pergunta: será desejável tal proposta de positivação, que, antes de inovar em
suas propostas jurídicas e desenhos institucionais, harmonize-se mais com uma
sistemática exclusivista, que a do próprio texto constitucional – e portanto, o estatuto
constitucional do contribuinte, parece propor a transformação? E tais direitos e garantias
do contribuinte, uma vez que possam ser considerados enquanto elementos de uma
cidadania tributária, como podem ser pensados de maneira tão dissociada dos cidadãos
– que acabam sendo os maiores contribuintes de fato, através dos tributos indiretos?

A própria propositura do projeto parece ter sido realizada sem qualquer consulta popular
– ao menos tal informação não consta nem na justificativa do projeto, nem no sítio da
Câmara dos Deputados.

Ao invés de tal esforço político, para promulgar uma lei que reforce a atual lógica
tributária brasileira, complexa, desigual, ainda regressiva e excessiva; o país demanda
uma séria e profunda reforma tributária, para abandonar este último e pesado resquício
da Ditadura Militar que é o Código Tributário Nacional. Adotar uma legislação mais clara,
direta e objetiva, desonerando a carga tributária e aplicando os recursos arrecadados
com eficiência, em harmonia com os fundamentos da cidadania, democracia e
desenvolvimento nacional, já seria mais que suficiente para promover uma profunda
transformação social na economia, no direito tributário e na própria visão distorcida que
a população em geral mantém em relação aos tributos.
4. Considerações finais

O que é cidadania? Esta pergunta sugere tantas respostas quanto os campos do saber
que se propõem a respondê-la. É possível se pensar na cidadania partindo, ao menos,
dos vieses histórico, político, social ou jurídico. As várias possibilidades de constituição
de um saber em torno da cidadania não implicam, contudo, que o saber se dê sobre
diversos fenômenos, mas sim, vários saberes que se constituem a partir do mesmo
fenômeno tido como cidadania.

A cidadania brasileira marca-se historicamente por um ideário elitista, onde a noção de


igualdade de status de cidadão e a isonomia perante à lei serviu à manutenção de uma
sociedade materialmente desigual. Já na fase republicana, especificamente no período
Vargas, a gênese do sistema educacional brasileiro e dos direitos sociais refletem tal
ideário. Instituindo diferentes tipos de educação para diferentes camadas de cidadãos e
Página 19
Cidadania tributária: o estatuto constitucional do
contribuinte

identificando diferentes classes e grupos sociais por seu conjunto de direitos legalmente
reconhecidos.

Mas tal lógica começa a ser transformada a partir da Constituição Federal de 1988, onde
a intensa participação popular proporcionou um texto com alta carga valorativa e
festejada qualidade democrática.

O Sistema Nacional Tributário não foge a este contexto. Elaborado por comissão
específica, contou com a participação popular de diversos setores, dentre empresariado,
setores produtivos etc.

O resultado se vê em um complexo normativo pautado pela proteção do cidadão contra


o abuso do poder de tributar do Estado; norteado pela ideia de justiça tributária,
implementando uma série de mecanismos para mitigar a regressividade tributária.

Mas a justiça tributária, ou a positivação constitucional não são suficientes em si para


garantir a efetividade dos direitos fundamentais. Isto porque a cidadania não é
substância, e sim processo. Direitos só se efetivam exercendo-os.

Diante do complexo de normas de direitos fundamentais, alguns diretamente


relacionados à atividade tributária, como o princípio da capacidade contributiva, as
imunidades tributárias constitucionais, os princípios da legalidade, do não confisco; além
de outros que, por seu caráter sistêmico e geral, se aplicam a todas relações da vida,
como os direitos e garantias individuais; a busca constante da efetivação da
Constituição, seja pela busca do provimento judicial; seja pela participação e fiscalização
nas instâncias de governo; representam o exercício da cidadania tributária.

Através de tal exercício o Judiciário é instado, constantemente, a interpretar,


reinterpretar, ampliando, delimitando e realizando a mutação constitucional dos
institutos. Tal movimento acaba delineando as fronteiras dos limites do poder de tributar
do Estado.

O estatuto constitucional do contribuinte emerge desta atividade social e jurídica, onde a


tensão entre o Fisco, na busca por maiores arrecadações; e os cidadãos, visando
proteger o que lhe entende por direito é, por vezes aliviada, por vezes intensificada pela
atuação do Judiciário.

Compreendido por um complexo de normas de direitos fundamentais, mas enquanto


construto social e jurídico, sendo mais do que a simples aglutinação de tais normas
dentro de um sistema argumentativo, o estatuto constitucional do contribuinte é uma
emergência que se dá como o próprio campo conceitual da cidadania tributária.

O estatuto constitucional do contribuinte, portanto, coloca-se como um grande lugar do


discurso jurídico e social, onde diversos topoi emergem da atividade interpretativa e da
aplicação da norma pelos juízes; mas não apenas, compreendendo ainda conjuntos de
políticas públicas e argumentos de política que norteiam mais do que a atividade
jurisdicional, também o processo de elaboração de políticas públicas nacionais, que
tenham como escopo direto e indireto a atividade tributária.

O tributo, assim, é importante elemento de cidadania. Seja porque sua justa cobrança
mitiga a contradição insuperável do sistema capitalista, qual seja, a liberdade efetivada
apenas mediante a propriedade; mas está ameaçada constantemente pela contínua
concentração de renda.

O tributo também se coloca como importante instrumento de cidadania quando utilizado


pelo Estado, dentro do paradigma de desenvolvimento nacional, um dos fundamentos
constitucionais da República brasileira, a fim de promover políticas de incentivo à
produção de riquezas e à atividade econômica.

Encarar os direitos fundamentais sob uma perspectiva política dentro do Estado social
implica admitir que cabe a este garantir a manutenção da esfera privada à todos os
Página 20
Cidadania tributária: o estatuto constitucional do
contribuinte

cidadãos para que esses vejam-se livres, e assim participar da esfera política. Os direitos
fundamentais – como fundamento, Gründrecht – exercem esse papel: de definir o que é
esta esfera privada que serve de base à liberdade do indivíduo. Este, livre de suas
necessidades, tem o dever de construir o público exercendo a atividade humana por
excelência: criando. Inovando na arte, na ciência, na tecnologia, na política, na
elaboração de novos direitos fundamentais, garantindo a continuidade e a dinamização,
não mais da polis nem da res publica, mas hoje, da comunidade planetária. E o que
permite ao ente que é primata e consome para satisfazer suas necessidades básicas no
oikon, ser o humano que cria e constrói suas obras para o mundo, é algo que por estar
no limiar entre o público e o privado existe em um Estado dual de direito e dever:
trata-se da cidadania.
5. Referências bibliográficas

ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008.

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário filosófico. 3. ed. Martins Fontes: São Paulo, 2007.

AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

ARENDT, Hannah. A condição humana. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios – Da definição à aplicabilidade dos princípios


jurídicos. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

______. Estatuto do contribuinte: conteúdo e alcance. Revista Eletrônica de Direito


Administrativo Econômico. n. 12. nov.-dez.-jan., 2008. Salvador. Disponível em:
[www.direitodoestado.com/revista/REDAE-12-NOVEMBRO-2007-HUMBERTO%20AVILA.pdf].
Acesso em: 10.05.2014.

______. Repensando o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular.


In: Sarmento, Daniel (org.). Interesses públicos versus interesses privados:
desconstruindo o princípio de supremacia do interesse público. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2005.

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3.


ed. São Paulo: Melhoramentos, 2010.

______. Curso de Direito Administrativo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

BARROSO, Luiz Roberto Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito, 2005.


Disponível em:
[http://jus.com.br/revista/texto/7547/neoconstitucionalismo-e-constitucionalizacao-do-direito].
Acesso em 20.05.2014.

______. Interpretação e aplicação da Constituição. 3. ed. São Paulo: Saraiva. 1999.


Binenboim, Gustavo. Da supremacia do interesse público ao dever de proporcionalidade:
um novo paradigma para o direito administrativo. In: Sarmento, Daniel (org.).
Interesses públicos versus interesses privados: desconstruindo o princípio de supremacia
do interesse público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Apresentação de
Celso Lafer. Nova ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

______. Estado, governo e sociedade; por uma teoria geral da política. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1987.

BONDUKI, Nabil. Haddad e o combate às máfias de SP. A administração municipal


precisa ser passada a limpo para que recupere junto à população a credibilidade
necessária. Carta Capital. Publicação eletrônica, 22.11.2013. Disponível em:
[www.cartacapital.com.br/politica/haddad-e-o-combate-as-mafias-de-sp-8496.html].
Página 21
Cidadania tributária: o estatuto constitucional do
contribuinte

Acesso em: 17.06.2014.

BRASIL. Assembleia Nacional Constituinte. Comissão do sistema tributário, orçamento e


finanças. Relatório e anteprojeto da comissão, 1987. Disponível em:
[www.camara.gov.br/internet/constituicao20anos/DocumentosAvulsos/vol-145.pdf].
Acesso em: 02.03.2014.

______. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei 2557/2011, de autoria do Deputado


Laercio Oliveira (PR/SE). Institui o Código de Defesa do Contribuinte Brasileiro.

BRANDÃO, Lucas Coelho. Os movimentos sociais e a Assembleia Nacional Constituinte de


1987-1988: entre a política institucional e a participação popular. 2011. Dissertação
(Mestrado em Sociologia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, USP. São
Paulo, 2012. Disponível em:
[www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8132/tde-16082012-125217]. Acesso em:
20.07.2014.

BULOS, Uadi Lammêgo. Mutação constitucional. São Paulo: Saraiva, 1997.

CARVALHO SANTOS, J. M. de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 1. ed. Rio de


Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. vol. 1.

CABRAL, Gilda. Lobby do batom. In: Brasil. Câmara dos Deputados. Constituição 20 anos
– Estado, democracia e participação popular: cadernos e textos. Brasília: Edições
Câmara, 2009.

GOHN, Maria da Gloria Marcondes. História dos movimentos e lutas sociais: a construção
da cidadania dos brasileiros. São Paulo: Loyola, 2011.

GOMES, C. P. B. A eficácia dos direitos sociais. In: LIMA, Fernando Rister de Souza;
PORT, Otávio Henrique Martins; LIMA DE OLIVEIRA, Rafael Sérgio (coords.). Poder
Judiciário, direitos sociais e racionalidade jurídica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.

GOUVEIA, Humberto. Limites à atividade tributária e o desenvolvimento nacional:


dignidade da pessoa humana e capacidade contributiva. Porto Alegre: Fabris, Sergio
Antonio Fabris Ed., 2008.

GOUVÊA, Marcus de Freitas. A extrafiscalidade no direito tributário. Belo Horizonte: Del


Rey, 2006.

HIGA, Célia Kikumi Hirokawa. Limitação do poder de tributar. Artigo (especialização).


Instituto Brasiliense de Direito Público. Brasília, 2013. Disponível em:
[http://dspace.idp.edu.br:8080/xmlui/handle/123456789/1382]. Acesso em:
23.07.2014.

HABERMAS, Jurgen, Três modelos normativos de democracia. A inclusão do outro. São


Paulo: Ed. Loyola, 2004.

______. Lutas pelo reconhecimento no estado constitucional democrático, traduzido por


Shierry Weber Nicholsen. In: TAYLOR, Charles et al. Multiculturalismo: examinando a
política de reconhecimento. Lisboa: Piaget, 1998.

HÄBERLE, Peter. Os problemas da verdade no estado constitucional. Trad. Urbano


Carvelli. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2008.

HERKENHOFF, João Baptista. ABC da cidadania. 4. ed. rev. e ampl. Vitória: Espírito
Santo. Secretaria Municipal de Cidadania e Direitos Humanos, 2013.

HOLSTON, James. Cidadania insurgente: disjunções da democracia e da modernidade no


Brasil. São Paulo: Cia. das letras, 2013.

LIMA, George Marmelstein. Críticas à teoria das gerações (ou mesmo dimensões) dos
Página 22
Cidadania tributária: o estatuto constitucional do
contribuinte

direitos fundamentais. Documento digital, 2003. Disponível em:


[http://jus.com.br/artigos/4666/criticas-a-teoria-das-geracoes-ou-mesmo-dimensoes-dos-direitos-funda
Acesso em: 02.07.2014.

MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional. Brasília: Editora IDP, 2012.

VASAK, Karel. Human Rights: A Thirty-Year Struggle: the Sustained Efforts to give Force
of law to the Universal Declaration of Human Rights. Unesco. Unesco Courier. Paris:
United Nations Educational, Scientific, and Cultural Organization, nov. 1977.

MARSHALL, Thomas Humphrey. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar,
1967.

MATOS, Marlise. Cidadania porque, quando, para quê e para quem? Desafios
contemporâneos ao Estado e à democracia inclusiva. In: MATOS, Marlise; LINO, Nilma;
DAYRELL, Juarez. Cidadania e a luta por direitos humanos, sociais, econômicos, culturais
e ambientais. Belo Horizonte, UFMG, 2009 (texto do Programa de Formação de
Conselheiros Nacionais).

MENDONÇA, Paulo Roberto Soares. A tópica e o Supremo Tribunal Federal. 1. ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 2003. vol. 1.

MORIN, E. A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 18. ed. Rio
de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.

LOSEKANN, Cristiana. A esfera pública habermasiana, seus principais críticos e as


possibilidades do uso deste conceito no contexto brasileiro. Pelotas: Pensamento Plural
[04], jan.-jun. 2009.

LOUREIRO, Isabel. Hebert Marcuse – A relação entre a teoria e prática. In: ______;
MUSSE, R. (orgs.). Capítulos do marxismo ocidental. São Paulo: Fundação Editora da
Unesp, 1998. (Prismas).

MACCORMICK, Neil. Retórica e o estado de direito. Trad. Conrado Hübner Mendes. Rio
de Janeiro: Elsevier, 2008.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 31. ed. rev. atual. e ampliada. São
Paulo: Malheiros, 2010.

MACHADO, Nilton José. Cidadania e educação. 4. ed. São Paulo: Escrituras, 2002.

RODRIGUES, Marcelo Porto. Justiça fiscal é uma decisão política – No campo da


arrecadação e aplicação dos recursos públicos se trava uma das mais persistentes lutas
entre as classes. Aqueles mais agraciados na distribuição desse montante são
justamente os mais articulados para empurrar a conta para os outros. Le Mond
Diplomatic. Publicação eletrônica, em 01.12.2010. Disponível em:
[www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=829]. Acesso em: 03.04.2014.

MARANHÃO, Ney Stany Morais. A afirmação histórica dos direitos fundamentais: a


questão das dimensões ou gerações de direitos. Documento digital, 2009. Disponível
em:
[www.anamatra.org.br/index.php/artigos/a-afirmacao-historica-dos-direitos-fundamentais-a-questao-da
Acesso em: 02.07.2014.

MENDONÇA, Ricardo Fabrino. Dimensão intersubjetiva da autorrealização: em defesa da


teoria do reconhecimento. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 24, n. 70, p.
143-154. 2009.

MONTEIRO, Eduardo Martins Neiva; CAMPOS, Hélio Silvio Ourem. Conselho


Administrativo de Recursos Fiscais – CARF. Âmbito jurídico. Rio Grande, XIV, n. 93, out.
2011. Disponível em:
Página 23
Cidadania tributária: o estatuto constitucional do
contribuinte

[http://ambito-juridico.com.br/site/index.php?artigo_id=10510&n_link=revista_artigos_leitura].
Acesso em: ago. 2014.

PERELMAN, Chaïm; OLBRECHTS-TYTECA, Lucie (Clb). Tratado da argumentação: a nova


retórica. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

PATEMAN, Carole. O contrato sexual. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.

PINTOS-PAYERAs, José Adrian. A carga tributária no Brasil: um modelo para análise dos
impactos das políticas tributárias na arrecadação e distribuição. Brasília: ESAF, 2008.
Monografia premiada com o primeiro lugar no XIII Prêmio Tesouro Nacional, 2008.
Orçamentos e sistemas de informação sobre a administração financeira pública. Londrina
(PR).

REIS, Elisa. Cidadania: história, teoria e utopia. Este texto é a transcrição da palestra
proferida com este título no seminário internacional Justiça e Cidadania, realizado no Rio
de Janeiro nos dias 10 e 11.09.1997.

RODRIGUES, Solange Rebeca. Judicialização: possível caminho à efetivação do direito à


saúde no Brasil?. Revista Jurídica da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo,
vol. 2, p. 193-218, 2012.

SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

SADER, Eder. Capítulo IV: movimentos sociais. In: ______. Quando novos personagens
entram em cena: experiências, falas e lutas dos trabalhadores da Grande São Paulo
(1970-1980). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

SANTOS, Boaventura de Sousa; AVRITZER, Leonardo. Para ampliar a cânone


democrático. In: ______. Democratizar a democracia: os caminhos da democracia
participativa. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2002.

SANTOS, Luciano Roberto Bandeira. O estatuto do contribuinte no estado social.


Dissertação de mestrado. Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade
Federal da Bahia. Defendido em novembro de 2012.

SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Cidadania e justiça: a política social na ordem


brasileira. Rio de Janeiro: Campus, 1979.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria dos direitos
fundamentais na perspectiva constitucional. 10. ed. rev., atual. e ampl. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2009.

SIQUEIRA, Julio Pinheiro Faro Homem de. Constituição, economia e desenvolvimento.


Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional. n. 1. p. 111-133. Curitiba,
ago.-dez. 2009. Disponível em: [www.abdconst.com.br/revista/ARTIGO%206.pdf].
Acesso em: 01.01.2014.

SOUZA, Jessé de. A atualidade de Weber no Brasil – A noção de “patrimonialismo”


continua a orientar parte significativa da reflexão sociológica nacional. No entanto, é
preciso fundamentar um novo paradigma à luz da própria crítica weberiana. Revista Cult.
jul. 2009. Disponível em: [revistacult.uol.
com.br/home/2010/03/a-atualidade-de-max-weber-no-brasil]. Acesso em: 10.07.2014.

STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da
construção de direito. 3. ed. rev. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.

TORRES, Ricardo Lobo. A segurança jurídica e as limitações constitucionais ao poder de


tributar. Revista Eletrônica de Direito do Estado. n. 4. out.-nov.-dez. 2005. Salvador.
Disponível em:
[www.direitodoestado.com/revista/REDE-4-OUTUBRO-2005-RICARDO%20TORRES.PDF].
Página 24
Cidadania tributária: o estatuto constitucional do
contribuinte

VIEHWEG, Theodor. Tópica e jurisprudência. Brasília: Departamento de Imprensa


Nacional, 1979.

1 “Como então conciliar o interesse dos indivíduos e o interesse geral? Não se trata de
reduzir a felicidade ao consumo e ao ócio, conforme faz o hedonismo…” Loureiro (1998).

2 Este é o famoso dilema das ciências econômicas: mediar a relação entre riquezas
limitadas para necessidades ilimitadas.

3 Com a popularização das redes sociais e da Internet de banda larga, e a interação


entre as novas mídias e os meios de comunicação de massa, o debate que antecede e o
controle social posterior das decisões do Judiciário e nos atos do Legislativo parecem
resgatar a política na construção do espaço público, cogitando-se inclusive na ideia de
uma democracia digital e em possíveis direitos fundamentais que possam decorrer
desta.

4 A teoria da Gerações de Direitos Fundamentais foi levantada pelo jurista tcheco Karel
Vasak, na conferêcia A Thirty-Year Struggle: the Sustained Efforts to give Force of law to
the Universal Declaration of Human Rights, em 1977, na cidade de Estrasburgo, França
onde não há nenhuma referência direta ao texto Marshall. Contudo não há de se negar
uma proximidade grande entre as concepções de gerações de direitos fundamentais e as
dimensões dos direitos da cidadania, por trazerem consigo ambas as concepções o
reconhecimento de uma historicidade intrínseca dos direitos. A teoria geracional dos
direitos fundamentais por fim ganhou corpo após ser defendida e desenvolvida por
Noberto Bobbio. Atualmente, contudo, esta ideia de gerações de direitos tem sido
criticada, por carregar consigo uma impressão que os direitos fundamentais posteriores
sucedem os anteriores. Então começou-se a formular a ideia de dimensões de direitos –
aproximando-se mais à concepção de Marshall. Ver Lima (2003) e Maranhão (2009).

5 ADIn 2.649/ DF, rel. Min. Carmen Lúcia. Trata da arguição de inconstitucionalidade da
Lei 8.899/1994, que concede passe livre às pessoas portadoras de deficiência no sistema
de transporte coletivo interestadual.

6 Através do ensinamento de Humberto Ávila (2005, p. 24), consolida-se o


entendimento de que os espíritos neoconstitucionais e neoprocessuais não podem ser
interpretados como mera regra, pois a “(…) atividade do intérprete – quer julgador, quer
cientista – não consiste em meramente descrever o significado previamente existente
dos dispositivos. Sua atividade consiste em construir esses significados. Em razão disso,
também não é plausível aceitar a ideia de que a aplicação do Direito envolve uma
atividade de subsunção entre conceitos prontos antes mesmo do processo de aplicação.”

Página 25

Das könnte Ihnen auch gefallen