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TEOLOGIA BÍBLICA DO ANTIGO TESTAMENTO

Curso – EBD-IPSV/2019
SUMÁRIO

PARTE I
1. “TEOLOGIA BÍBLICA” .................................................................................................... 4
1. Conceito; 2. Análise do conceito; 2.1. Estudo; 2.2. Revelação; 2.3. História

2. “ANTIGO TESTAMENTO” ............................................................................................. 12


1. A palavra “testamento”; 2. Pacto

PARTE II
3. ADÃO E EVA ...................................................................................................................... X
1. Revelação pré-redentora e pacto das obras; 2. A Queda; 3. Revelação redentora e pacto da graça

4. NOÉ ...................................................................................................................................... X
1. Revelação nas genealogias de Caim e de Sete; 2. A continuação da aliança em Noé; 3. Revelação na
descendência de Noé

5. ABRAÃO .............................................................................................................................. X

6. MOISÉS I ............................................................................................................................. X

7. MOISÉS II ........................................................................................................................... X

8. OS JUÍZES ........................................................................................................................... X

9. DAVI E SALOMÃO............................................................................................................ X

10. REVELAÇÃO NA HISTÓRIA DE ISRAEL E JUDÁ .................................................. X


11. REVELAÇÃO “SUBJETIVA”: OS LIVROS POÉTICOS .......................................... X

12. REVELAÇÃO PROFÉTICA ANTES DO EXÍLIO ...................................................... X

13. REVELAÇÃO PROFÉTICA DURANTE O EXÍLIO ................................................... X

14. REVELAÇÃO PROFÉTICA APÓS O EXÍLIO ............................................................ X


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“TEOLOGIA BÍBLICA”

1. Conceito

A teologia é definida, pela sua etimologia, como a ciência concernente a Deus (VOS:

2010, 13). Costuma-se dividir essa ciência em quatro disciplinas teóricas: exegética, histórica,

sistemática e prática.

Todas essas disciplinas têm o mesmo objetivo principal: levar-nos, a nós que as

estudamos, a amar a Deus com todo o nosso entendimento (Mc 12, 30); a nos transformar pela

renovação da nossa mente (Rm 12, 2); a submeter todo o nosso pensamento à obediência de

Cristo (2 Co 10, 5); a acrescentar conhecimento à nossa fé (2 Pe 1, 5).

Em suma, o objetivo principal das quatro disciplinas mencionadas é louvar a Deus com

o que nós, seres humanos, temos de mais próprio: a razão. Mas há também objetivos específicos,

que torna sua divisão conveniente. Para entender o conceito de “teologia bíblica”, convém

analisar brevemente cada uma desses objetivos.

O objetivo específico da teologia prática é aplicar as ideias teológicas à vida cotidiana,

às preocupações do presente. Ela pode se subdividir em teologia pastoral, homilética, educação

cristã e vida cristã. Textos clássicos dessa disciplina: Imitação de Cristo (Tomás de Kempis);

A Verdadeira Vida Cristã (João Calvino); Discipulado (Dietrich Bonhoeffer).

O objetivo específico da teologia sistemática é organizar as ideias teológicas em um

sistema ordenado, racional e coerente. Ela pode se subdividir em cristologia, eclesiologia,

pneumologia, entre outros. Três textos clássicos dessa disciplina: Suma Teológica (Tomás de

Aquino); Instituições da Religião Cristã (João Calvino); A Carta aos Romanos (Karl Barth).
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O objetivo específico da teologia histórica é compreender a origem e o desenvolvimento

histórico das ideias teológicas. Ela pode incluir a história da religião, a história da Igreja, a

história do pensamento cristão.

Finalmente, o objetivo específico da teologia exegética é estudar e interpretar a

Escritura. A teologia exegética compreende as seguintes disciplinas:

(1) a hermenêutica bíblica, ou estudo dos procedimentos de interpretação da Escritura;

(2) a filologia bíblica, que estuda as línguas em que a Bíblia foi escrita (aramaico,

hebraico, grego e latim);

(3) a introdução bíblica, que investiga a origem dos escritos, identidade dos escritores,

tempo e ocasião de composição, fontes etc.;

(4) a canônica, que estuda como e por que esses vários escritos foram reunidos em um

cânone;

(5) a “teologia bíblica”, que estuda a Escritura como o registro da revelação de Deus

na história.

Chega-se, assim, ao conceito de “teologia bíblica”, à luz de seu objetivo específico:

“Ramo da teologia exegética que liga com o processo de autorrevelação de Deus registrada na

Bíblia” (VOS, 2010:16). Mais simplesmente: “teologia bíblica” é o estudo da história da

revelação especial de Deus, ou ainda o estudo da revelação progressiva de Deus na história.

Quadro 1 – Posição da “Teologia Bíblica” entre as disciplinas teológicas

Prática

Teologia Sistemática

Histórica

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Exegética “Teologia Bíblica”

2. Análise do conceito

Então, “teologia bíblica” é o estudo da história da revelação especial de Deus, ou ainda

o estudo da revelação progressiva de Deus na história, ou, simplesmente: estudo da história da

revelação especial (VOS, 2010:27). Essa expressão é preferível a “teologia bíblica”, que é

muito abrangente (todas as quatro disciplinas teológicas são teologias bíblicas)

Devemos considerar agora, analiticamente, os três elementos que se destacam nesse

conceito, a saber: estudo, revelação e história.

2.1. Estudo

O estudo (palavra que envolve diversos exercícios intelectuais: leitura, memorização,

meditação etc.) faz parte do nosso culto diário a Deus. Como cristãos, somos instados a estudar

sem cessar (v. Mc 12, 30; Rm 12, 2; 2 Co 10, 5; 2 Pe 1, 5, todos já citados): estudar a Escritura,

porque ela é inspirada por Deus (2 Tm 3, 16); estudar a natureza, porque ela proclama a voz de

Deus (Sl 19); estudar o homem, porque ele foi criado à imagem e semelhança de Deus e porque

ele traz a norma da lei (Rm 1, 14-15) e a eternidade (Ec 3, 11) no coração.

Por isso, o estudo (atividade racional-discursiva, isto é, conduzida pela mente, pela

razão, pelo pensamento) – o estudo de Deus, da natureza e do homem – nos aproxima de Deus,

levando-nos servilmente à obediência, ao negar-se a si mesmo, à devoção, em uma palavra, ao

amor. Estudo e amor estão entrelaçados, como mostra a origem latina da palavra “estudo”:

studium significa a atitude de quem se dedica com afeição a alguma coisa; dito de outro modo,

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daquele que busca “de todo o coração” (Sl 119, 10; Jr 29, 13). Orígenes (Contra Celso, pref.,

3) percebeu isso, comentando Rm 8, 35-39:

Paulo, ao listar provas inúmeras que geralmente separam o homem do ‘amor de

Cristo’ e do ‘amor de Deus em Cristo Jesus’ [...] não incluiu o λόγος [discurso, razão,

pensamento] entre as causas de separação.

De certa forma, o estudo reúne os dois sentidos, grego e semítico, do termo

conhecimento:

De acordo com o primeiro [o sentido grego], ‘conhecer’ significa reproduzir a

realidade de uma coisa na consciência. A ideia bíblica e semítica é a de ter a realidade

de alguma coisa interligada com a experiência íntima de vida. Portanto, ‘conhecer’

pode significar ‘amar’, ‘separar em amor’, no idioma bíblico (VOS: 2010, 19-20).

O estudo nos aproxima do centro da vontade de Deus. O que nos afasta de Deus – aqui

como sempre – é a vaidade do nosso coração enganoso e desesperadamente corrupto (Ec 12,

12; Jr 17, 9) que nos leva a ter “mania por questões e contendas de palavras” (1 Tm 6, 4) – mas

essa mania é algo muito diferente do estudo.

2.2. Revelação

Foi dito que a teologia é uma ciência. A ciência pode ser dividida em dois tipos,

conforme ela se dirija a um objeto ou a um sujeito. Quando se dirige a um objeto, a ciência é

chamada ciência da natureza. Quando se dirige a um sujeito (o homem ou Deus), chama-se

ciência do espírito.

Conhecemos um objeto fazendo experimentos com ele. Tomo uma pedra na mão: sinto

sua textura, vejo a sua cor, meço seu peso e com base nisso formo um conhecimento sobre a

pedra. Outra coisa acontece nas ciências do espírito. Para conhecermos verdadeiramente um

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sujeito, ele precisa se revelar para nós. Só posso conhecer o que alguém pensa, por exemplo, se

ele expuser, comunicar, revelar seu pensamento, de forma oral ou escrita.

Pela definição acima, a teologia é uma ciência do espírito. Porque ela se dirige a um

sujeito: Deus. Por consequência, só podemos conhecer a Deus na medida em que Deus se

revelar para nós. Paulo confirma essa conclusão, quando escreveu (1 Co 2, 9-12):

[...] Nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em coração

humano o que Deus tem preparado para aqueles que o amam. Mas Deus no-lo revelou

pelo Espírito. [...] Ora, nós não temos recebido o espírito do mundo, e sim o Espírito

que vem de Deus, para que conheçamos o que por Deus nos foi dado gratuitamente.

Assim, temos que a teologia se baseia em revelação. A revelação pode ser distinguida

em revelação geral e revelação especial.

“A revelação geral”, ensina Vos, “vem a todos em razão de que ela procede da natureza.

A revelação especial vem a um círculo limitado, em razão de que ela surge do âmbito da

sobrenaturalidade mediante uma autorrevelação de Deus (VOS, 2010:33). A revelação geral

abrange toda a criação. Deus se revela através da criação, a criação aponta para Deus. O

Salmista escreveu: “Por toda a terra se faz ouvir a sua voz” (Sl 19, 4). Toda a criação ecoa a

voz de Deus. Nesse sentido, não deveríamos nos espantar com o fato de um animal, a serpente,

ter falado no Éden. Deveríamos, sim, nos preocupar por não conseguirmos mais “ouvir” os

animais, as árvores, o mar, os astros: porque eles ecoam a voz de Deus. A propósito, Fílon

remetia essa “surdez” ao estado de pecado: “Nossas almas estão repletas de pecados e são

surdas” (Fíl. de Alex., Quest. Gên., q. 32).

A criação nos revela que existe um Deus; mas não nos revela quem é esse Deus, como

devemos adorá-Lo, o que Ele pensa. Para sabermos isso, foi necessária uma comunicação

sobrenatural de Deus para o homem. Deus falou, revelando-se pessoalmente, revelando suas

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intenções e propósitos. “Yahweh Deus iniciava a revelação falando ou comunicando sua

palavra a pessoas que ele tinha escolhido para falar com ele” (VAN GRONINGEN, 2006:16).

Convém observar que as duas formas de revelação são cumulativas, e não concorrentes.

Paulo sabia disso (At 17, 28). Calvino, quando distinguia a filosofia (revelação geral) e as

Escrituras (revelação especial), não fez nenhuma distinção quanto ao conteúdo, mas sim quanto

à organização e à exposição desse conteúdo. As Escrituras, diz Calvino, têm uma “ordem

própria”, uma “esplêndida precisão e uma certeza que supera todos os filósofos” e um “método

diferente (direto, simples e compreensível)” (Calv., A Verd. Vida Cristã., I, 3).

2.3. História

“A revelação não foi completada num único ato exaustivo, mas se desdobrou ao longo

de uma série de atos sucessivos” (VOS: 2010, 16). A revelação de Deus está incorporada na

História e avança conforme um movimento progressivo.

Consideremos a revelação messiânica. O Messias não foi revelado completamente desde

o princípio, mas Deus o revelou progressivamente em diversos momentos, por exemplo: a

semente da mulher que esmagará a cabeça da serpente (Gn 3, 15); a descendência de Abraão

na qual serão benditas todas as nações da terra (Gn 18, 18); as leis rituais acerca do sacrifício

expiatório (em Êxodo, Levítico e Deuteronômio); o descendente de Davi que reinará para

sempre (2Sm 7, 12-13); a profecia de Isaías acerca do homem de dores (Is 53); Jesus, o Cristo.

O exemplo é suficiente para percebermos a “considerável variedade e diferenciação”

(VOS: 2010, 19) da revelação de Deus na Bíblia. Em termos gerais, Deus se revelou no curso

de quinze mil anos, em diferentes pontos da Ásia Menor e da Europa, através de

aproximadamente cinquenta autores, em três idiomas distintos e muitas ênfases teológicas e

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temas. Parece impossível não concordar com Vos quando ele afirma que a verdade bíblica

carrega “uma multiformidade de aspectos”: “A verdade é inerentemente rica e complexa porque

Deus mesmo o é” (VOS, 2010: 19).

Mas não existe apenas variedade. Existe uma unidade por trás, que é a história do plano

redentor de Deus, com Jesus no centro.

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“ANTIGO TESTAMENTO”

1. A palavra “testamento”

Costumamos utilizar as expressões “Antigo Testamento”, “Novo Testamento”. Elas,

porém, não são rigorosamente bíblicas: os autores bíblicos não a utilizaram. Na verdade, sua

origem é posterior. Elas apareceram pela primeira vez em um livro de Tertuliano, intitulado

Contra Marcião e escrito apenas no século III d.C.

Naquele tempo, alguns grupos cristãos (os marcionitas) e gnósticos rejeitavam os textos

sagrados hebraicos. Para combater essa visão Tertuliano escreveu seu livro, defendendo que o

cânone judaico e o cânone cristão formam parte de uma única palavra divina “dividida nos dois

testamentos da Lei e do Evangelho [duobus testamentis legis et evangelii]” (Tert. Contr. Marc.

III, 14).

O próprio Tertuliano sente necessário, por duas vezes, mostrar como o leitor deve

entender a palavra testamentum, que emprega nesse contexto. Em uma passagem (Contr. Marc.

IV, 1), ele fala em “instrumentos” (instrumenti), e em outra (Contr. Marc. V, 4) ele fala em

“duas revelações” (duae ostensiones). Já falamos sobre revelação. Sobre instrumento, podemos

nos lembrar que Tertuliano tinha formação jurídica: no meio forense de seu tempo,

instrumentum significava “documento oficial” ou “peças de um processo” (GAFFIOT,

1934:834). Podemos concluir, então, que, quando usou a palavra “testamento”, Tertuliano tinha

em mente algo como um processo cujas peças vão sendo reveladas. O processo, no caso, seria

a redenção do homem por Deus, após a Queda, e as peças, a Lei e o Evangelho.

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Tertuliano tem alguma razão, mas o termo que emprega é inadequado, como se verá

adiante. De fato, “testamento” intenta traduzir duas palavras: berith e diathéke, que significam

mais propriamente, segundo os estudiosos, um “pacto” ou uma “aliança”. O que chamamos de

“Antigo Testamento” e “Novo Testamento” são, na verdade, dois pactos, “dos quais um é muito

mais superior do que o outro” (VOS, 2010:41).

2. Pacto

Vimos, no capítulo anterior, que a revelação especial de Deus está incorporada na

História e se desenvolve segundo um movimento progressivo. É o estudo dessa história da

revelação que chamamos de “Teologia Bíblica”. Podemos agora dizer que a forma como Deus

se revela sobrenaturalmente ao homem são os pactos.

Por isso podemos dizer que a “Teologia Bíblica” estuda a história da revelação especial

e, por isso, abrange os pactos feitos por Deus com os homens.

Ao longo da História, “Deus entrou repetidamente em relações pactuais com homens

particulares” (ROBERTSON, 1980:3) e também com a criação (Gn 9, 10, 12, 17; Jr 33, 20-21,

25-26). O que é um pacto?

Em primeiro lugar, pacto tem a ver com relacionamento. Veremos que, no princípio,

Deus criou um relacionamento com o gênero humano: este é o tempo da revelação pré-

redentora ou pacto das obras. Na Queda, porém, o gênero humano se escondeu de Deus. No

período do pós-Queda – que se chama o tempo da revelação redentora ou pacto da graça –,

Deus reestabeleceu o relacionamento original por meio de repetidos pactos com homens

particulares, desde Adão até Cristo.

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Por outras palavras, pacto tem a ver com religião, no sentido verdadeiro da palavra:

religare, isto é, religar, reestabelecer uma ligação perdida. “Religião significa um intercurso

pessoal entre Deus e o homem [...] uma comunhão face a face, como entre amigos” (VOS,

2010: 36-37).

Em segundo lugar, pacto tem a ver com um relacionamento específico: trata-se de um

vínculo de sangue. Simbolicamente, isso quer dizer que um pacto é um compromisso da vida

inteira. Pois o sangue simboliza a vida (Lv 17, 11). É isso que indica a própria expressão

hebraica para “celebrar um pacto” que soava, literalmente, “cortar um pacto” (ROBERTSON,

1980:8), remetendo ao ato sacrificial de cortar animais (comparar Gn 15 com Jr 34, 18). Esses

símbolos querem dizer que que não há pacto (vínculo) sem sangue (vida), e não há sangue sem

morte (do sacrifício expiatório).

Já se pode ver em que a palavra testamentum, proposta por Tertuliano, é equivocada.

Pois berith e diathéke são pactos, e um pacto “não é um testamento. Um pacto é um vínculo de

sangue. Ele envolve compromissos com consequências de vida e morte” (ROBERTSON,

1980:14).

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ADÃO E EVA

1. O pacto da criação

Moisés, inspirado pelo Espírito Santo, registrou a primeira revelação que Deus fez si

mesmo em Gn 1 e 2.

Na Criação, Deus revelou ordem: “Deus não é Deus de desordem” (1Co 14, 33). Deus

criou o universo com ordem. Na língua grega, isso fica bem evidente: a palavra para “universo”

– kósmos, de onde vem “cosmo” – significa também “ordem”. Universo e ordem eram

expressados com a mesma palavra.

Ordem significa razão: “No princípio era o lógos” (Jo 1, 1), isto é, a razão. Deus criou

o mundo de forma racional. Isso significa, pelo menos, duas coisas.

Em primeiro lugar, método. Deus criou o cosmo partindo da realidade mais elementar

(a luz) até chegar a realidade mais complexa (o gênero humano). Podemos ver, no texto, que

“as necessidades básicas para cada estágio criado foram produzidas em primeiro lugar”: o Sol

e a Lua para a vegetação, a vegetação para os animais, os animais para o gênero humano.

Em segundo lugar, sistema. Cada parte do cosmo tem uma função no todo. Deus

estabeleceu propósitos para todas as coisas no cosmo, sendo o principal glorificar Seu nome, e

todas as coisas, antes da Queda, eram capazes de cumprir esses propósitos, isto é, serem

excelentes dentro do que Deus queria para elas: é por isso que tudo era “muito bom” (Gn 1, 31,

v. VAN GRONINGEN, 2006:23).

O gênero humano é uma parte do cosmo, logo, ele tem um propósito estabelecido por

Deus dentro do todo. Mas, mais do que uma parte do cosmo, o gênero humano é também
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“imagem e semelhança” de Deus. Isso significa um propósito diferenciado (e, portanto, uma

responsabilidade diferenciada) dentro da Criação. Ademais, antes da Queda, o gênero humano

era capaz de cumprir esse propósito diferenciado; pois ele também era “muito bom”, ele

também era capaz de ser excelente dentro do propósito que Deus queria para ele.

Qual é esse propósito diferenciado? Deus o revela nas seguintes passagens.

1. Gn 1, 26. Também disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa
semelhança.

Primeiro, Deus revela quem o adam é. Essas são as primeiras palavras de Deus relativas

ao adam. O gênero humano é imagem e semelhança de Deus. Seu propósito é refletir, revelar,

imitar Deus. E, antes da Queda, o gênero humano era capaz de cumprir com excelência esse

propósito.

Mas o que significa imitar Deus? Gn 1-2 não revela expressamente nenhum atributo ou

virtude que possa ser imitado. Entretanto, como vimos, o texto revela um Deus de ordem. Imitar

Deus pode significar, então, imitar a sua ordem: “Tudo, porém, seja feito com decência e

ordem” (1Co 14, 40), isto é, com razão. Além disso, algumas virtudes de Deus na Criação foram

reveladas posteriormente (VAN GRONINGEN, 2006:25). Por exemplo, diz o salmista (Sl 104,

24): “Que variedade, Senhor, nas tuas obras! Todas, com sabedoria, as fizeste”. Imitar Deus

significa, então, imitar sua sabedoria.

2. Gn 2, 15. Tomou, pois, o Senhor Deus ao homem e o colocou no jardim do Éden para o
cultivar e guardar.

Deus revelou ao adam o que ele deve fazer: cultivar e guardar a sua Criação, com ordem

e sabedoria. E, como sabemos, antes da Queda o adam era capaz de cumprir esse propósito com

excelência.

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Para o cumprimento desse fim, Deus estabeleceu o meio necessário: o domínio sobre a

Criação (Gn 1, 26-30). O texto mostra que o poder dado ao homem só existe em função do

dever que lhe foi atribuído: cuidar do cosmo com ordem e sabedoria. Isso não significa, porém,

que Deus “deixou de se interessar” pela Criação. Pelo contrário, o texto nos revela um Deus

interessado na administração da Criação pelo adam: Deus levou os seres viventes ao homem,

“para ver como este lhes chamaria” (Gn 2, 19). Além disso, Gn 3, 8 nos diz que Deus “andava

no jardim pela viração do dia”.

3. Gn 2, 16-17. E o Senhor Deus lhe deu esta ordem: De toda árvore do jardim comerás
livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque, no dia
em que dela comeres, certamente morrerás.

Deus revelou ao adam o que ele não deve fazer: ele estava proibido de comer de toda a

árvore do Éden, exceto da árvore do conhecimento do bem e do mal. E, como portadores da

imagem de Deus, ele tinha o potencial para cumprir essa proibição com excelência (VAN

GRONINGEN, 2006:28)

2. A Queda

Até então, Deus, os seres humanos e o cosmo estavam “no nível mais alto de comunhão

espiritual” (VOS, 2010:35).

Vimos que o homem foi feito à imagem de Deus e considerado “muito bom”, isto é,

capaz de imitar e refletir Deus com excelência. Apesar disso, quando o princípio da tentação e

do pecado foi revelado (simbolizados na serpente), ele caiu. Com a Queda, a comunhão entre

Deus, o homem e o cosmo foi quebrada (embora não irreparavelmente).

Quebra da comunhão entre o homem e Deus. Esse distanciamento foi progressivo (Gn

3, 7-10). Primeiro, houve o abrir dos olhos e a percepção da nudez. Se a nudez tem a ver com

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vergonha (VOS, 2010:58), então o abrir dos olhos pode ter relação com o reconhecimento do

erro cometido. Em seguida, o sentimento de medo diante da voz de Deus. Finalmente a fuga:

“Esconderam-se da presença do Senhor Deus”.

Quebra da comunhão entre o homem e o cosmo. A terra se torna maldita por causa do

homem (Gn 3, 17). “Com a entrada do pecado, a estrutura de revelação natural em si é

perturbada” (VOS, 2010:34). O homem deixa de conseguir ver, com a antiga clareza, a

assinatura de Deus na natureza.

Em 1955, C. S. Lewis publicou O Sobrinho do Mago, primeiro livro das Crônicas de

Nárnia. Um dos personagens, o tio André, retrata o homem após a Queda, alheio a Deus e ao

cosmo:

Assim que o Leão começou a cantar, ainda em meio à escuridão, tio André percebeu
que o barulho era uma canção, e não gostou nada [...]. Quando o sol nasceu e viu que
o cantor era um leão (“um mero leão”, como disse para si mesmo), fez tudo para
convencer-se de que não havia canto algum, mas apenas rugidos, como fazem os leões
em nosso mundo. “Devo ter imaginado que o Leão cantava; é porque estou com os
nervos descontrolados. Alguém já ouviu um leão cantar?” Quanto mais belo o canto,
mais tio André imaginava ouvir rugidos [...]. Quando afinal o Leão falou e disse
“Nárnia, desperte”, o tio não ouviu palavras; ouviu somente um rosnado. Quando os
bichos responderam, ouviu latidos, uivos, zurros, miados (LEWIS, Cr. Nár., I, p. 69).

3. O pacto da redenção

Quebrada a antiga comunhão por causa do homem, Deus passa a agir para restabelecê-

la. Essa reaproximação salvífica de Deus acrescenta ao pacto da criação uma nova dimensão: o

pacto da redenção (do homem e do cosmo) (VAN GRONINGEN, 2006:31). Ele é revelado na

promessa de que a “semente da mulher” haverá de ferir a cabeça da serpente e sofrer desta uma

ferida no calcanhar (Gn 3, 15).

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Com essa promessa, Deus revelava a essência do pacto da redenção: a libertação do

pecado (Satanás golpeado mortalmente) pelo Filho do Homem (Jesus crucificado e ressurreto).

Mas esses detalhes só seriam revelados mais tarde. Na revelação especial do Antigo

Testamento, mais especificamente na revelação especial do Gênesis, mais especificamente na

revelação dada a Adão e Eva, essa promessa ainda está muito pouco definida.

Não estamos autorizados a buscar uma referência exclusiva ao Messias aqui, como se
somente ele estivesse sendo indicado pela expressão “semente da mulher”. A
revelação do Antigo Testamento trata do conceito de um Messias pessoal de modo
bem gradual. Era suficiente para o homem caído saber que, por meio do poder e graça
divinos, Deus traria vitória contra a serpente do meio da raça humana. A fé poderia
descansar nisso. O objeto da fé deles era muito menos definido do que o nosso, uma
vez que conhecemos o Messias pessoal (VOS, 2010:62).

Além disso, ao se dirigir a Adão e Eva após a Queda, Deus lhes revelou mais de suas

virtudes, além daquelas que revelara na sua atividade criadora (i.e., ordem e sabedoria) (VAN

GRONINGEN, 2006:30).

Deus revelou sua onisciência. Deus sabia o que os seres humanos haviam feito antes

que eles o confessassem (Gn 3, 11).

Deus revelou sua justiça por meio das maldições dirigidas à serpente, à mulher, ao

homem e à terra (Gn 3, 14-19).

Deus revelou sua graça. Os seres humanos não foram punidos com morte física e castigo

eterno (Gn 2, 17), a terra não foi consumida. Ao contrário, a continuidade da vida foi assegurada

e a terra continuou a produzir fruto.

O pacto da redenção, que começa a ser revelado, vem assegurar (e não substituir) o pacto

da criação já revelado (VAN GRONINGEN, 2006:31-32). Vimos que, no princípio, Deus, os

seres humanos e o cosmo estavam em comunhão. A Queda introduziu uma discórdia invencível.

O pacto de redenção é o agir de Deus para restaurar a antiga comunhão entre si e sua Criação.

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Pela redenção, Deus torna possível ao homem e ao cosmo, de novo (“eis que tudo se fez novo...”

2 Co 5, 17) cumprirem com excelência os propósitos que lhe foram designados desde a criação

do mundo. Essa renovação do pacto da criação se concluirá no esmagamento do calcanhar da

serpente pela semente da mulher. Nós, hoje, sabemos o que isso significa:

[...] porque aprouve a Deus que, nele [Cristo], residisse toda a plenitude e que,
havendo feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio dele, reconciliasse consigo
mesmo todas as coisas, quer sobre a terra, quer nos céus (Cl 1, 9-20)

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NOÉ

1. A revelação nas genealogias de Caim e Sete

Os dois aspectos essenciais da aliança redentora são a maldição e a graça (VAN

GRONINGEN, 2006:35). Maldição e graça são reveladas quando Deus se dirige à serpente, à

mulher e ao homem após a Queda (Gn 3, 14-19). Maldição e graça são reveladas também na

linhagem de Adão e Eva.

A linhagem a partir de Caim revela a maldição, a progressão do mal e do pecado. Deus

não deixou de revelar a sua graça comum (“ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons, e derrama

chuva sobre justos e injustos”, Mt 5, 45): a descendência de Caim cultivou a pecuária (Gn 4,

20), a música (Gn 4, 21) a técnica (Gn 4, 22). Mas os homens haviam se esquecido de Deus e

do pecado.

A linhagem a partir de Sete revela a graça. As Escrituras revelam que foi a partir de

Enos, filho de Sete, que “se começou a invocar o nome do Senhor” (Gn 4, 26). Seu descendente

Enoque, cinco gerações depois, “andou com Deus” (Gn 5, 22) e, sobre sua morte, as Escrituras

revelam que “já não era, porque Deus o tomou para si” (Gn 5, 24). O descendente de Enoque,

Lameque, duas gerações mais tarde, mantinha a lembrança da maldição sobre Adão e sobre a

terra. Pois de seu filho, Noé, ele disse: “Este nos consolará dos nossos trabalhos e das fadigas

de nossas mãos, nesta terra que o Senhor amaldiçoou” (Gn 5, 29). As Escrituras revelam que

Noé era “homem justo e íntegro” e que “andava com Deus” (Gn 6, 9).

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Podemos ver que a linhagem na qual se revelou a maldição (Caim) foi também a

linhagem do esquecimento de Deus e do pecado. De outro lado, a linhagem na qual se revelou

a graça (Sete) manteve a lembrança de Deus e do pecado.

Houve assimilação entre as duas linhagens, a de Sete na de Caim (Gn 6, 2) e,

consequentemente, a maldade do homem se multiplicou (Gn 6, 5). Não apenas a maldade do

homem se multiplicou, como também a corrupção da terra aumentou (Gn 6, 11-13). Desde o

princípio a terra (adamá em hebraico) esteve vinculada ao homem (adam): o homem vem da

terra e torna à terra (Gn 3, 19); o homem é colocado na terra para cultivá-la (Gn 2, 15); a terra

– em uma grande medida – é o resultado da atividade do homem (Gn 2, 19). Antes da Queda,

esse vínculo entre o homem e a terra era para a vida (dam, “sangue”, onde está a vida: Lv 17,

11). Após a Queda, esse vínculo é para a morte: toda a terra foi amaldiçoada por causa do

homem (Gn 3, 17). Quanto pior o homem, pior a terra. Até que Deus “se arrependeu” de haver

feito o homem (Gn 6, 5) e decidiu destruir o homem e, junto com ele, toda a terra (Gn 6, 13).

Mas “Noé achou graça diante do Senhor” (Gn 6, 8).

2. A continuação da aliança

Nesse contexto, Deus revelou que sua aliança com a criação e a aliança redentora com

Adão seriam mantidas, inabaláveis e firmemente, com Noé. A tradução correta de Gn 6, 18 é:

“Farei continuar a minha aliança contigo” (VAN GRONINGEN, 2006:33). Noé seria “agente

da salvação e vida continuada para o ser humano e animais” (VAN GRONINGEN, 2006:34).

Deus revelou maldição e graça. A maldição foi revelada pela morte no dilúvio. A graça

foi revelada pela a continuação da sua aliança com Noé, seus descendentes e todos os animais

(Gn 9, 9-17).

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Após o dilúvio, Deus estabeleceu dois pactos: um com Noé e seus descendentes (Gn 9,

1-7), outro com Noé, seus descendentes “e com todos os seres viventes” (Gn 9, 10-17).

Com Noé e seus descendentes, Deus estabeleceu o seguinte: (1) eles deviam se

multiplicar; (2) ser-lhes-iam entregues nas mãos todos os animais, os quais terão pavor e medo

deles; (3) eles poderiam se alimentar de todo animal, sem o sangue; (4) eles receberam proteção

contra o derramamento de sangue e responsabilidade pelo sangue derramado. Se compararmos

com o pacto estabelecido com Adão (Gn 1, 28-30), podemos perceber o seguinte:

Pacto com Adão (Gn 1, 28-30) Pacto com Noé e seus descendentes (Gn 9, 1-7)

Multiplicar e encher a terra Multiplicar e encher a terra

Dominação sobre os animais Dominação sobre os animais, que sentirão pavor e medo

Mantimento são as ervas Mantimento são os animais, sem sangue

Por fim, com Noé, seus descendentes e todos os seres viventes, Deus estabeleceu a

promessa de não destruir toda a carne e a terra por águas de dilúvio.

3. Revelação na descendência de Noé

O texto revelado nos diz que Noé teve três filhos: Cam, Jafé e Sem. Noé profetizou a

respeito deles após o episódio da embriaguez: maldição, no caso do filho de Cam, Canaã;

bênção, no caso de Jafé e de Sem.

Pelo texto (Gn 9, 25-27), Canaã seria servo de Jafé e de Sem, Jafé seria engrandecido e

Deus habitaria nas tendas de Sem.

A bênção dada a Sem é particularmente pertinente. Através dela, Deus revelou que, após

a morte de Noé, iria perpetuar sua aliança com Sem e sua geração, os semitas. “Por intermédio

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de Sem a aliança de Yahweh Deus seria perpetuada para todo o sempre. Assim, Yahweh Deus

revelou que Sem continuaria a linhagem dos pais do pacto” (VAN GRONINGEN, 2006:36).

Os capítulos 10 e 11 do Gênesis demonstram a comprovação das profecias de Noé na

História.

Dos descendentes de Jafé (Gn 10, 1-5), o filho que seria engrandecido, se disse que

“repartiram entre si as ilhas das nações nas suas terras” (Gn 10, 5).

Os descendentes de Cam (Gn 10, 6-14), sem contar Canaã, edificaram, entre outras, as

cidades de Babel e Nínive – ambas associadas ao pecado – e foram os pais dos filisteus (Gn 10,

10, 11 e 14). Canaã, especificamente, é o pai das famílias dos cananeus, que seriam mais tarde

expulsos pelos descendentes de Sem.

Finalmente, da descendência de Sem veio Abraão (Gn 11, 27-32).

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ABRAÃO

Abraão era caldeu. O texto revelado (Gn 11, 31) nos diz que Tera, pai de Abraão, saiu

da cidade caldeia de Ur com destino à terra de Canaã, levando consigo seu filho Abraão, sua

nora Sara e seu neto Ló. Mas Tera não completou a viagem, estabelecendo-se antes em Harã,

cidade do pai de Ló, onde morreu. Nessa cidade, após a morte de Tera, Deus chamou Abraão.

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