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Traduzida pela primeira vez para o por- ideário formado por elementos herdados do
tuguês, depois de quase quarenta anos da sua pensamento político e social ocidental coorde-
primeira publicação nos Estados Unidos, As nados pelo pensamento de oposição inglês
origens ideológicas da Revolução Ameri- originado da guerra civil inglesa.
cana é numa obra reveladora de um movimento Para testar essa hipótese, Bailyn serviu-se
no qual teoria e práxis, travando uma relação do instrumental da história do discurso e de uma
de mútua transformação, engrenaram o processo abordagem contextualista da história. Seguindo
revolucionário norte-americano. essa metodologia, o primeiro procedimento
Para Bernard Bailyn, o autor da obra, esse adotado pelo autor foi debruçar-se sobre um
processo estaria compreendido no período de- vasto conjunto de documentos históricos produ-
corrido entre 1763 e 1776, prelúdio da emanci- zidos durante 1763 e 1776, os panfletos norte-
pação e das primeiras constituições da América americanos. Dentre as inúmeras formas de
do Norte. Durante esse ínterim, ter-se-ia desen- expressão escrita utilizadas pelos colonos norte-
cadeado uma dinâmica revolucionária, na qual americanos nesse período, teriam sido publi-
a posição dos colonos em face da administração cados sobretudo panfletos, pois eles eram mais
inglesa teria transitado de um primeiro momento fáceis de serem produzidos e adquiridos, daí a
marcado pela reação defensiva a um segundo sua importância e riqueza como fonte primária.
momento caracterizado pela reação ofensiva, Esses documentos, sublinha Bailyn, continham,
esta última culminada na declaração da Inde- em sua maior parte, textos interpretativos e
pendência. O trajeto intelectual traçado pelos debates gerados em torno dos acontecimentos
atores locais entre esses dois momentos, aparen- da época, tais como a Lei do Selo, o Massacre
temente inerentes a qualquer processo revolu- de Boston, a Tea Party etc.
cionário, desvelaria uma relação entre apreensão Dada a perspectiva analítica assumida na
subjetiva dos acontecimentos, a formulação de obra, os sujeitos históricos considerados seriam
uma teoria política original e sua aplicação na os autores dos panfletos, aos quais o autor se
realidade. O autor deseja demonstrar que esse refere, desde o inicio da obra, pelo termo
caminho somente teria desembocado na concep- colonos. Essa expressão talvez pudesse ser
ção do liberalismo político e do modelo republi-
associada ao fato de que, tal como observa
cano baseado na democracia representativa e
Bailyn, os autores dos panfletos americanos não
na separação de poderes porque a realidade
eram escritores ou teóricos profissionais e,
singular do espaço norte-americano foi interpre-
dentre eles, os que teriam chegado mais próximo
tada, e logo transformada, com respaldo em um
desse profissionalismo seriam os tipógrafos,
mas, em geral, eram trabalhadores comuns,
* Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Sociologia
da Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara. E-mail:
comerciantes e proprietários limitados aos seus
janainac@fclar.unesp.br negócios.
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dividido entre poder e liberdade, e tal convicção preservar os direitos dos colonos. Segundo
serviria de base para todas as posteriores Bailyn, essa mudança na forma de conceber as
conclusões sobre a vida nas colônias norte- bases sociais da política implicou finalmente a
americanas, bem como sobre a controvérsia tendência realista do pensamento político
anglo-norte-americana. Para os colonos, o poder constitucional norte-americano.
tinha um caráter agressivo e uma tendência a
expandir-se ameaçando a liberdade, sua fronteira [...] Sendo-lhes negadas, pela urgência de
primeira. Tal fronteira era vista como um bem novos problemas, as satisfações de elaborar
inerente às sociedades onde o poder legítimo abstrações familiares os norte-americanos
era criado pelos acordos voluntários, e de inteira avançaram pouco a pouco em direção àquele
realismo duro e claro em termos de pensamento
responsabilidade dos que selavam tais acordos.
político que alcançaria sua realização uma
Segundo Bailyn, o debate entre os líderes década mais tarde na formação do governo
da revolução acerca desse tema teria gerado, nacional e encontraria sua expressão clássica
por um lado, a certeza de que, por trás de toda em The federalist. No processo, a moderna
cena política, existiam determinados mecanismos doutrina americana da separação de poderes
que distribuíam e controlavam o poder e, por seria elaborada e o conceito de democracia
outro lado, a confiança de que a Constituição transformado. (Bailyn, 2003, p. 266-267)
inglesa representava esses mecanismos ao
confinar os poderes da realeza, da nobreza e Bailyn observa que, em 1774, pela primeira
dos comuns em esferas de governo distintas. vez os panfletos teriam expressado que o
No entanto, a unidade territorial e social momento de concretizar a predestinação dos
relevada nesse raciocínio era a Inglaterra, logo, norte-americanos como povo escolhido final-
quando se considerou o império de comunidades mente tinha chegado. Ao não aceitar a idéia de
formado pela metrópole e suas colônias, divisão da soberania proposta pelos colonos para
concluiu-se que os dispositivos do direito inglês que, dessa forma, lograssem representatividade
não asseguravam a igualdade e a liberdade, pois política, a Inglaterra veria sucumbir seu status
os norte-americanos não podiam eleger seus de metrópole quando evocada a soberania de
representantes no Parlamento da Inglaterra. uma vez por todas na América em 1776.
Sendo assim, a divisão de poder parecia aos Por fim, como resultado dos procedimentos
colonos ultrapassar a linha limítrofe dos direitos metodológicos adotados pelo autor na análise
naturais do homem. do processo revolucionário norte-americano, são
Portanto, se esse Parlamento não zelava apresentados ao leitor os fatos históricos que
por tais direitos, estava posta em xeque a eram absorvidos e criados pelos colonos, ao
legitimidade de sua jurisdição na América. mesmo tempo em que se demonstra, com base
Localmente, isso lançaria uma centelha de no material empírico, como eles formulavam, e
desobediência, engrenando o que Bailyn chamou reformulavam, sua maneira de pensar a política
de “a lógica da rebelião”. e a sociedade.
No bojo dessa lógica, conceitos como Em As origens ideológicas da Revolu-
representação, consenso, constituições, direitos ção Americana, o leitor toma contato com uma
e soberania seriam, por fim, questionados, forma de explanação que o leva a seguir todos
modificados e refinados, segundo o autor. Essas os caminhos e meandros percorridos pelas
transformações teriam impelido os líderes da reflexões e vivências geradas de 1763 a 1776
revolução a exigirem amplas reformas institu- entre os colonos e, por conseguinte, é convencido
cionais no sentido de preservar os direitos natu- intimamente da idéia de que o processo revolu-
rais do homem, mas a administração inglesa cionário norte-americano seria caracterizado
jamais cederia nesse aspecto. mais por uma luta ideológica, constitucional e
Assim, teria ficado evidente que o cerne política e menos por uma luta entre grupos
da controvérsia anglo-norte americana não dizia sociais com o fim de mudar a organização da
respeito à divisão social, mas, sim, a como o sociedade. Tal afirmação parece ser central na
funcionamento dos ramos de governo poderia obra, pois ela permite atribuir significado e certa
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a ser criada nas colônias inglesas, nas palavras espaço da caverna, e isso talvez não o permita
do autor, os colonos “não abandonaram a ampliar-se e ajustar-se a outras paisagens
caverna [...] eles a reformaram” [...], pois “o modificando-se e garantindo ao mesmo tempo
passado teria que ser sepultado e não rejeitado sua eficácia. É um pensamento idiossincrático,
[...]” (Bailyn, 2003, p. 330) e o que pode acontecer quando esse aspecto
não é relevado é que outros territórios, outras
Foi assim que os federalistas corrigiram a realidades sejam vistas também como obstáculos
caverna [...], modernizaram-na [...], demons- que necessitam ser remodelados. Nesse caso,
traram onde estavam os obstáculos [...] e assim não haveria, além das fronteiras apresentadas
podemos avançar dando voltas e bater as asas
pelas paredes da caverna, lugares onde a
em vôos curtos, descer e nos elevar em cursos
perfeitos através do ar mais negro. Nesse
ideologia liberal norte-americana pudesse
espírito nós também – na mais feliz intelecção ajustar-se através de uma simbiose com
– podemos continuar a corrigir a caverna. elementos locais, mas, sim, e talvez somente,
(Bailyn, 2003, p. 332) “corrigir”.
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