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MARCUS VINICIUS CÂMARA
Resumo
Abstract
*
Doutorando do Curso de Pós-Graduação em Psicologia da UFRJ. Este trabalho está vinculado à
pesquisa institucional intitulada “A Questão da Interação na Psicologia Clínica Contemporânea”
coordenada pela profa doutora Élida Sigelmann e foi apresentado no Congresso Encontro
Comemorativo do Centenário de Wilhelm Reich, promovido pela PUC/SP, em agosto de 1997.
2
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas,
e iguais também porque o
sangue
que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia.”
I - Introdução
técnica clínica. Portanto, o objeto de nosso estudo - o corpo - não pode ser
isolado dos demais componentes deste enquadre. Esta é uma das razões pelas
tempo, de temas polêmicos é que produzirá o espaço que será ocupado por
Reich.
1
Materialismo Dialético e Psicanálise, 1929/1983. *
*Nas obras citadas, a primeira data refere-se ao escrito ou à publicação originais, a segunda à
edição referida.
3
importância ao olhar o corpo e suas manifestações, o olhar para ver, o olhar
Parafraseando o autor, podemos dizer que enquanto Freud não olhava para ver,
Reich somente via porque olhava. No entanto, é exatamente neste ponto que
expressão corporal, não estaria Reich, por outro lado, atrelando a subjetividade
desta questão.
por ele como tendo um equivalente psíquico. Desse modo, ao mesmo tempo que
Reich integrava psique e soma, derivava estruturas dos traços de caráter que
com a questão social, é bem verdade que se pode notar, a partir do seu trabalho
aspectos sociais e psíquicos no ser humano, quer nos parecer que, sem dúvida,
2
História da Loucura, 1961/1995.
4
enfoques. Entretanto, como nos diz Foucault 5 , o corpo é também político e é
primordial (orgone) que nos circunda e nos constitui, ele inseriu o princípio
de corpo e, a partir dela, apontar direções para uma abordagem clínica que não
3
Foucault, M. 1963/1994.
4
A Função do Orgasmo, 1942/1984.
5
Vigiar e Punir, 1975/1996.
6
Idem.
7
Op. cit., 1942/1984.
8
Microfísica do Poder, 1979/1990.
5
fluir. O psicanalista, atento ao que era reportado, estava então sentado numa
Neste enquadre, a fala era o paciente e o paciente era a fala. Ao corpo, só restava
corpo e fala, entidades cindidas. O corpo não se apropriava da fala e esta não era
desvelado. Era o inconsciente “em si”, pois já existia, haveria de ser descoberto.
Tal era a tarefa do psicanalista. Além disso, este igualmente era a fala sem corpo.
Fala que interpretava, que não podia ser abalada por sensações corporais, afetos
9
La Biopatia del Cáncer, 1948/1985.
6
expressões corporais. O corpo, então, não existia. Não havia olhar para ele,
fala e escuta. Espelhos em que para se ver era preciso não olhar. Se
para compreendê-lo, agora esta atitude fora substituída pelo ver sem olhar. No
foi neste quadro que Reich se inseriu, assim como, foi esta conjunção de forças
quem rumou nesta direção. Foi exatamente esta ancoragem teórica que o fez
olhar para o corpo do paciente com outros olhos e produzir novos saberes a partir
10
Op. cit., 1961/1995.
11
A Revolução Sexual, 1945/1976.
12
Op. cit., 1929/1983.
7
Reich 13 passa então a perceber o corpo do paciente: sua forma de
agir, não só o que dizia, mas sobretudo, como dizia. Deslocava, desse modo, o
possuía uma manifestação psíquica que emergia como medo, assim como,
importante é que tanto o medo quanto a dor no peito eram, no fundo, o mesmo
processo - a angústia. O olhar de Reich via este corpo como um todo, como um
organismo. Neste sentido, sua intervenção torna-se atenta não só à fala, mas
também ao corpo. Assim corpo e fala, antes separados, tornam-se um; e o ver
algumas pistas que nos auxiliam no aprofundamento desta questão. Esta obra
13
Análise do Caráter, 1933/s/d.
8
mente aos limites do corpo? Ao perceber a fala como integrada ao corpo, não
constatável. Assim, naquele momento, parecia que o olhar para o corpo trazia a
do acontecimento, do imprevisível.
expressivos) e manipulação direta das tensões musculares, ele tentava fazer com
14
Foucault, M. Op. cit., 1963/1994.
15
Esta noção é empregada no texto: Foucault, M. Op. cit., 1961/1995.
16
Op. cit., 1942/1984.
9
o supliciam, sujeitam-no a trabalhos, obrigam-no
sujeito susceptível aos apelos fascistas 19 ; por outro lado, mais tarde, no seu
biologização do corpo.
têm uma profunda relação com os múltiplos significados da palavra corpo. Esta,
por exemplo, se refere não somente ao corpo material, mas a inúmeros fluxos de
o homem-animal que existe por trás das fachadas referentes a distintas posições
sociais hierárquicas. Esta cisão entre o seu, digamos assim, trabalho social -
17
Op. cit., 1975/1996, p. 28.
18
Op. cit., 1945/1976.
19
Psicologia de Massas do Fascismo, 1934/1988.
20
Foucault, M. As Palavras e as Coisas, 1966/1995.
10
melhores instrumentos de questionamento e transformação sociais. Reich
corrigido nas posturas, nos hábitos; disciplinado; moldado para ser dócil e útil;
enfim, esquadrinhado.
provocou uma ruptura. A primeira foi clarificada pelo desdobramento das noções
21
Op. cit., 1948/1985.
22
Op. cit., 1934/1988.
23
Reich, W. Ether, God and Devil and Cosmic Superimposition, 1951/1979.
11
torna possível outra leitura, além daquelas constituídas pelas ciências
universo.
percurso, emergem questões como: Do que são constituídas estas redes sociais
que promovem os saberes sobre os corpos? Estes, por sua vez, também, não
poder. No entanto, a análise sobre esta matéria e sua relação com o corpo
tema correlato: a sexualidade. Esta é incitada nos corpos que são estimulados;
saber e poder. Para Foucault 25 , a exaltação dos corpos não deixa de ser um
24
Arqueologia do Saber, 1969/1995.
25
História da Sexualidade I: a vontade de saber, 1976/1988.
12
Entretanto, o esquadrinhamento dos corpos vem de longa data.
Na Grécia antiga, por exemplo, segundo Foucault 26 , havia uma preocupação com
valorizado e tido como o amor verdadeiro. Tal forma utilitária de lidar com o
corpo era associada com o cuidado de si. O cuidado de si era o cuidado com a
alma.
fazer com que o corpo fosse além de suas necessidades. Eram os efeitos das
deveria dominar os desejos que faziam desconhecer a sóbria lei do corpo. A alma
26
História da Sexualidade II: o uso dos prazeres, 1984/1994.
27
História da Sexualidade III: o cuidado de si, 1984/1985.
13
contemporaneidade que alguns pontos, até aqui referidos, devem merecer mais
nós podemos indagar se deve ser a fluidez da energia orgônica, contida nos
psicanálise.
que o produzem. Neste caso o objeto primordial de estudo não constitui a psique,
dos limites, das bordas do sistema e que guardam certa autonomia do Estado -
28
Op. cit., 1979/1990, p. 146.
29
Op. cit., 1979/1990.
14
III - Conclusão
sujeito - aqui visto como ator/autor cujo lugar e enunciação não foram
determinados basicamente por ele, mas por uma imbricação de forças sociais,
das relações de saber/poder, das redes sociais, enfim, das forças institucionais.
interrogar as redes sociais que criam o lugar deste paciente. Desse modo, não
que o olho humano nos permite, mas ao mesmo tempo, partir do que ele nos
prejuízo para a liberdade que a concepção de devir possui. Por outro lado, a
30
Idem.
15
de um approach reichiano revigorado por questionamentos sócio-institucionais
maquínico. Este não só está ligado à subjetividade humana, mas aos fluxos de
terapeuta.
31
Revolução Molecular: pulsações políticas do desejo, 1977/1987.
16
A asseveração precedente é revestida de uma ingenuidade
forma, é reducionista o ponto de vista energético que elege o orgone como força
pode ser o elo que reconhecerá que a subjetividade é sempre coletiva. Assim,
abordagem clínica.
sutis de controle sobre o corpo. Agora ele é menos punido e mais disciplinado,
prontamente: do corpo.
não deve ser visto como um objeto ou sujeito em si, mas como ocupante de um
lugar aberto pela rede de poder/saber. Esta sim torna-se o principal objeto de
32
Op. cit., 1975/1996.
17
Nietzsche, em contraposição aos interesses de Marx pelas relações de
onde se pode tentar novas práticas, maior democratização das relações de poder
e auto-gestão.
desenvolvida por Wilhelm Reich. Em que pese sabermos que muitas questões
sempre aberto a atravessamentos das redes sociais. É esta configuração que deve
IV - Referências Bibliográficas
33
Op. cit., 1979/1990.
18
FOUCAULT, Michel. Arqueologia do Saber. Rio de Janeiro:
Universitária, 1994.
Fontes, 1988.