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Por fim foi proferida sentença de onde consta: “Em face do exposto, julgo a presente
acção procedente, por provada, e, em consequência, condeno a ré “B…, S.A.” a
pagar à autora C… a quantia de €13.500,00 (treze mil e quinhentos euros) a título de
capital em dívida, acrescida de juros de mora às taxas comerciais sucessivamente
em vigor desde o dia 09 de Julho de 2017 até efectivo e integral pagamento, de
€40,00 (quarenta euros) a título de despesas de cobrança, bem como o montante
de €153,00 (cento e cinquenta e três euros) de taxa de justiça paga pela
apresentação do requerimento de injunção, absolvendo-a do demais peticionado
(…)”.
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Inconformada com tal decisão, dela veio a ré recorrer de apelação pedindo que a
mesma seja revogada e substituída por outra que absolva a apelante do pedido.
A apelante juntou aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes e
conclusões:
1) Houve erro no julgamento da matéria de facto sob o ponto 5) porquanto face aos
documentos juntos com a contestação como doc. 1 e 2, uma vez que nestes se refere
dois valores e nos factos provados foi dado um outro valor.
2) As declarações de parte da autora poderiam ser valoradas nos termos em que o
foram, de forma a dar como provado o ponto 5), muito pelo contrário, as cartas enviadas
pela ré à autora em contradição entre si e com o que a autora disse em audiência de
julgamento só servem para descredibilizar o seu depoimento.
3) Existe uma contradição entre os factos dados como provados sob o n.º 1) com o n.º 3)
porquanto do facto provado sob o n.º 3) resulta que a ré procurou a autora para que esta
promovesse, através de trabalho espiritual, a venda de apartamentos, e a actividade da
autora dada como provada no ponto 1) é medicinas naturais alternativas e espirituais que
nada têm a ver com a venda de imóveis.
4) Face aos factos dados como provados não se pode configurar que o alegado
contrato celebrado entre a autora e a ré seja um contrato de prestação de serviços
tal como vem definido no art.º 1154.º do Código Civil.
5) O negócio em questão nos presentes autos, porque de natureza espiritual, é
fisicamente impossível e, por isso, nulo nos termos do art.º 280.º, n.º 1 do Cód. Civil.
6) O negócio em causa terá de ser considerado legalmente impossível, porque não tem
cobertura legal no nosso ordenamento jurídico sendo também contrário à lei e aos
bons costumes, devendo também por isso ser declarado nulo nos termos do
disposto no art.º 280.º e 271.º do Código Civil.
7) O negócio jurídico em causa no momento da sua constituição era indeterminado e
não podia ser determinável no futuro em função dos contornos negociais gizados
pelas partes.
8) Não se alcança como é que se pode determinar, inicialmente ou até posteriormente, o
objecto do negócio, ou seja, que este ou aquele imóvel foram vendidos em virtude da
mediação espiritual, que foram os banhos e as raízes, os preparados e as rezas que
abriram os caminhos da sorte e fizeram com que fossem concretizadas as vendas.
9) Da matéria dada como provada não resulta que aquando da celebração do negócio
tenha sido fixado qualquer critério susceptível de permitir a concretização da prestação
debitória.
10) Na verdade da matéria dada como provada não se consegue aferir quantos imóveis
estavam para venda, quantos foram vendidos depois do alegado contrato e qual o valor
devido pela ré à autora por cada imóvel que eventualmente fosse vendido por intermédio
dos seus trabalhos, não se conseguindo também saber quando é que o contrato teve
início e por que período, como vulgarmente acontece nos contratos de prestação de
serviços e nos contratos de mediação.
11) Ninguém consegue ou pode determinar que este ou aqueles imóveis foram vendidos
em virtude das rezas banhos e abertura dos caminhos da sorte e se algum foi vendido
por essa influência espiritual, mais vulgarmente conhecida por bruxaria, o que não se
admite, quais e quantos foram vendidos através dessa influência/mediação? E qual o
valor devido por cada um?
12) O negócio aqui em análise é indeterminado e indeterminável e, por isso, nulo
nos termos do disposto no art.º 280.º, n.º 1 do Código Civil.
13) A Lei n.º 15/2013 que regula a mediação imobiliária, no seu artigo 40.º refere que a
escritura pública ou o documento particular que titule negócio sobre imóvel deve
mencionar se o mesmo foi objecto de mediação imobiliária e dos autos não consta nem
foi alegado nem a autora juntou aos autos qualquer escritura donde conste que o
contrato teve a sua intermediação.
14) Os serviços de mediação imobiliária espiritual que a autora se propôs prestar à ré,
extravasa completamente da actividade que foi dada como provada e que é medicinas
naturais, alternativas e espirituais
15) Da matéria dada como provada nos pontos 3) trabalho espiritual; 4) rezas e banhos
fornecer as raízes; 9) preparados e rezas “abrisse os caminhos da sorte”, facilmente se
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alcança que não existe qualquer objecto negocial relacionado com a actividade da autora
e que foi dada como provada, e que tais actividades vulgarmente designadas de
bruxaria, são contrárias à lei e à ordem pública, ou ofensiva dos bons costumes e
por isso em violação do disposto no art.º 271.º do Código Civil, que também fere de
nulidade tais negócios.
16) Sendo as custas do processo a cargo da autora e ré na proporção do decaimento, as
mesmas terão que ter por base para o seu cálculo as taxas pagas pela autora e pela ré,
das quais fazem parte a taxa paga pela autora com a entrada da injunção e o
complemento quando o processo foi à distribuição.
17) Não pode a decisão no nosso modesto entender condenar no pagamento de uma
parte da taxa de justiça e depois dizer que as custas são na proporção do decaimento,
ou seja, as custas na proporção do decaimento terão que ter por base o montante de
todas as custas pagas no processo.
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Não há contra - alegações.
II – Da 1.ª instância chegam-nos provados os seguintes factos:
1) A autora dedica-se à actividade de medicinas naturais, alternativas e espirituais.
(artigo 1.º)
2) A ré, por seu lado, dedica-se à actividade de construção civil. (artigo 2.º)
3) A ré procurou a autora para que esta promovesse, através de trabalho espiritual,
a venda de apartamentos no condomínio fechado da …. (artigos 3.º e 4.º)
4) Para tal, entregou-lhe a listagem dos referidos imóveis, para que a autora, com
as suas rezas e banhos, conseguisse obter o sucesso nas referidas vendas. (artigo
5.º)
5) O valor indicado de €15.000,00 foi aceite pela ré, tendo a autora iniciado os seus
trabalhos. (artigo 6.º)
6) A autora, no âmbito da sua actividade e conforme solicitado pela ré, forneceu ao
legal representante da ré as raízes para que ele tomasse, recebeu-o diversas vezes
em consulta, no seu gabinete; (artigo 7.º)
7) Dirigiu-se, por diversas vezes, ao empreendimento, onde realizou várias
cerimónias espirituais, pagou e rezou as competentes missas. (artigo 8.º)
8) Tudo de acordo com o solicitado pelo legal representante da ré, na medida em
que já tinha o empreendimento há vários anos à venda e não o conseguia vender.
(artigo 9.º)
9) O legal representante da ré indicou o nome do vendedor no local, Miguel, para
que a autora, com os seus preparados e rezas, “abrisse os caminhos da sorte”.
(artigo 10.º)
10) Mais indicou possíveis compradores que estavam indecisos, para que a autora,
dentro da sua espiritualidade, conseguisse desbloquear tal indecisão. (artigo 11.º)
11) O que a autora fez. (artigo 12.º)
12) A ré conseguiu vender quase todos os imóveis. (artigo 13.º)
13) A ré não pagou à autora a totalidade do preço; (artigo 15.º)
14) Não obstante as diversas interpelações feitas telefonicamente pela autora, a
última através de carta registada que constitui o documento junto a fls. 21 cujo teor
aqui se dá por integralmente reproduzido. (artigo 17.º)
15) A sociedade requerida tinha imóveis para vender num empreendimento sito na
… (artigo 20.º)
16) Como os imóveis não se estavam a vender, o Administrador da requerida, D…,
desabafou tal situação com um amigo, E…, tendo-lhe este referido que conhecia
uma vidente que o poderia ajudar. (artigo 21.º)
17) Na sequência dessa conversa, D…, (…) disse ao amigo que falasse com a
requerente e marcasse uma consulta com a mesma. (artigo 23.º)
18) Na sequência dessa marcação, deslocaram-se os dois à cidade de Penafiel, ao
consultório da requerente, tendo entrado para a consulta apenas D…. (artigo 24.º)
19) Nessa consulta, a requerente disse ao D… que seriam necessárias (…) visitas
ao empreendimento...; (artigo 25.º)
20) Combinaram tais visitas para o final do mês de Novembro de 2015, tendo-se a
requerente deslocado ao empreendimento na …; (artigo 26.º)
21) Das (…) vezes que a requerente se deslocou ao empreendimento, D… esteve
presente...; (artigo 27.º)
22) Tempos mais tarde, a requerente apareceu na sede da requerida a solicitar que
lhe fossem pagas mais quantias...; (artigo 33.º)
23) A requerente, por intermédio da sua mandatária, enviou, em 10 de Fevereiro de
2017, a D… a carta que constitui o documento junto sob o n.º 1 com a oposição
cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. (artigo 35.º)
24) Em 16 de Junho de 2017, por intermédio da sua mandatária, a requerente
enviou à requerida a carta e os documentos juntos sob os n.ºs 2, 3 e 4 com a
oposição cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. (artigo 36.º)
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III – Como é sabido o objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs
5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do C.P.Civil), para além do que é de conhecimento
oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é
delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
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Ora, visto o teor das alegações da apelante são questões a apreciar no presente recurso:
1.ª - Da impugnação da decisão da matéria de facto.
2.ª – Da qualificação e alegada nulidade do negócio celebrado.
3.ª – Da alegada contradição entre a condenação no pagamento da taxa de justiça da
injunção e a condenação em custas da acção.
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Por via da presente acção a autora demandou a ré para que esta fosse condenada no
pagamento do preço dos serviços que lhe prestou, no âmbito de acordo negocial havido
entre ambas tendo como objecto a prestação desses mesmos serviços, e porque apesar
de ter emitido e enviado à ré as respectivas facturas, esta até hoje não as liquidou.
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A 1.ª instância veio a julgar a acção procedente e, em consequência, condenou a ré a
pagar à autora a quantia de €13.500,00, acrescida de juros de mora às taxas comerciais
sucessivamente em vigor desde o dia 9.07.2017 e até efectivo e integral pagamento, de
€40,00 a título de despesas de cobrança, bem como o montante de €153,00 de taxa de
justiça paga pela apresentação do requerimento de injunção.
Para tanto, considerou-se, além do mais, que: ”(…) as relações estabelecidas entre
autora e ré, que resultaram provadas, situam-se no âmbito de um contrato de prestação
de serviços. Provou-se que a autora, no desenvolvimento da sua actividade de medicinas
naturais, alternativas e espirituais, prestou à ré, que se dedica à actividade de construção
civil, tais serviços.
(…)
Provou-se ainda que, por conta do preço que foi acordado, apenas está em dívida a
quantia de €13.500,00 a título de capital por ter sido esse o montante que a autora
indicou à ré, por carta, que estaria em dívida, sendo que não se provou que ao preço
acordado ainda acresceria o IVA, pelo que este está contido no preço.
(…)
Atendendo ao tipo de serviços contratualizado não pode exigir-se que a autora
demonstre o nexo causal entre a sua actuação e a venda dos apartamentos, sendo que
não resultou demonstrado que a ré tenha contratado os serviços de uma imobiliária
apenas após o alegado insucesso da actuação da autora, até porque se demonstrou que
o trabalho desta recaiu também sobre o agente imobiliário, sendo certo que ficou
demonstrado que os imóveis se venderam na sua quase totalidade após a intervenção
da autora e a ré não logrou demonstrar qualquer outro facto que justifique que as vendas
tenham ocorrido, sendo que foi o facto de não conseguir vender os apartamentos que
justificou a contratação da autora.
Os princípios da autonomia da vontade e da liberdade contratual encontram-se
plasmados no art.º 405.º do Cód. Civil, dispondo o art.º 406.º do mesmo diploma que os
contratos devem ser pontualmente cumpridos, ou seja, não só devem ser cumpridos a
tempo, mas também “exactamente” ou “ponto por ponto”, no sentido de a prestação
dever ser efectuada integralmente, conforme o convencionado.
(…)
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A autora provou, ainda, o não pagamento da totalidade do preço devido pela prestação
de tais serviços.
(…)
No caso, a ré não logrou provar qualquer facto do qual se retire que a falta de
cumprimento não se deve a culpa sua.
(…)
Resulta da matéria de facto provada que a ré, por carta que lhe foi dirigida, foi interpelada
com cópia das facturas, para pagar em 5 dias, sendo tal carta registada e a data do
registo de 29 de Junho de 2017, presumindo-se, por conseguinte, que foi recebida em 03
de Julho de 2017, pelo que a mora verifica-se a partir do dia 09 de Julho de 2017, uma
vez que não ficou provado o prazo que a autora alegava ter sido acordado para o
pagamento do preço.
Não foram alegados factos que sustentem o pedido de condenação da ré no pagamento
da quantia de €125,00 a título de despesas de cobrança da dívida, o que, todavia, não
prejudica a atribuição da indemnização prevista no art.º 7.º do Decreto-Lei n.º
62/2013.05.10.
À autora é ainda devido o valor correspondente à taxa de justiça paga pela entrada do
requerimento de injunção em juízo e o montante de €40,00 a título de indemnização
pelos custos suportados com a cobrança da dívida – cfr. art.º 12.º, n.º 1 do Decreto-Lei
n.º 269/98.09.01 e art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 62/2013.05.10.(…)”.
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1.2. – Contradição entre factos julgados provados.
Defende de seguida a ré/apelante que existe contradição entre factos julgados provados
em 1.ª instância, designadamente entre os factos elencados sob o n.ºs 1 e 3. Para tanto,
alegou o seguinte: “(…)Existe também uma contradição entre os factos dados como
provados sob o nº 1 com o nº 3 porquanto se do facto provado sob o nº 3) resulta que a
ré procurou a autora para que esta promovesse, através de trabalho espiritual, a venda
de apartamentos, tal actividade, parece-nos evidente que extravasa do âmbito da sua
actividade de medicinas naturais, alternativas e espirituais, que foi dada como provada
no ponto 1), ou seja, as medicinas naturais alternativas e espirituais nada têm a ver com
a venda de imóveis (…)”.
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Ora a 1.ª instância julgou provado, além do mais, que:
“1. A autora dedica-se à actividade de medicinas naturais, alternativas e
espirituais.
3. A ré procurou a autora para que esta promovesse, através de trabalho espiritual,
a venda de apartamentos no condomínio fechado da …”.
É certo que preceitua o art.º 615.º, n.º 1, al. c), do C.P.Civil que a sentença é nula quando
ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. E hoje,
como é sabido, a sentença contém tanto a decisão sobre a matéria de direito como a
decisão sobre a matéria de facto, cfr. art.º 607.º, n.º4 do C.P.Civil. Esta circunstância não
justifica a aplicação, sem mais, do regime do artigo 615.º à parte da sentença relativa à
decisão sobre a matéria de fato, até porque a invocação dos vícios que a esta decisão
dizem respeito é feita nos termos do art.º 640.º, cfr. José Lebre de Freitas e Isabel
Alexandre, in “Código de Processo Civil, Anotado”, vol. 2.º, pág. 734. A decisão a que se
refere aquela alínea c) é, de qualquer modo, inquestionavelmente a decisão final da
sentença e não os seus fundamentos de facto.
Mas perante os factos postos em causa pela ré/apelante, é manifesto, sem necessidade
de outros considerandos, que não lhe assiste qualquer razão, já que se não vislumbra a
propagada contradição. Pois que se não vislumbra qualquer desarmonia lógica ou falta
de coerência fáctica entre aqueles dois factos, já que é perfeitamente inteligível ou
compreensível que o dito trabalho espiritual que a ré pediu que a autora realizasse em
seu proveito, se enquadra na actividade de medicinas naturais, alternativas e espirituais
a que esta se dedica.
Assim, improcedem as respectivas conclusões da apelante.
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2.ªquestão - Da qualificação e alegada nulidade do negócio celebrado.
2.1. – Da qualificação do contrato.
Defende de seguida a ré apelante que “O art.º 1154º do Código Civil define o contrato de
prestação de serviços como “Aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à
outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.”
Face aos factos dados como provados não se pode configurar que o alegado contrato
celebrado entre a autora e a ré seja um contrato de prestação de serviços tal como vem
definido no art.º 1154º do Código Civil. Na verdade o que resultou provado é que a autora
terá prestado trabalho espiritual para a promoção de venda de apartamentos no
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condomínio fechado da … – cfr. ponto 3 dos factos provados. Ora, não se pode confundir
trabalho intelectual com trabalho espiritual, sendo certo que este último tipo de trabalho,
se é que assim se lhe pode chamar, não encontra acolhimento no nosso ordenamento
jurídico” (sic).
*
Resulta da sentença recorrida que a 1.ª instância qualificou o contrato em apreço nos
autos como um contrato de prestação de serviços, dizendo para tanto que: “(…) as
relações estabelecidas entre autora e ré, que resultaram provadas, situam-se no âmbito
de um contrato de prestação de serviços. Provou-se que a autora, no desenvolvimento
da sua actividade de medicinas naturais, alternativas e espirituais, prestou à ré, que se
dedica à actividade de construção civil, tais serviços (…).
(…)
Atendendo ao tipo de serviços contratualizado não pode exigir-se que a autora
demonstre o nexo causal entre a sua actuação e a venda dos apartamentos, sendo que
não resultou demonstrado que a ré tenha contratado os serviços de uma imobiliária
apenas após o alegado insucesso da actuação da autora, até porque se demonstrou que
o trabalho desta recaiu também sobre o agente imobiliário, sendo certo que ficou
demonstrado que os imóveis se venderam na sua quase totalidade após a intervenção
da autora e a ré não logrou demonstrar qualquer outro facto que justifique que as vendas
tenham ocorrido, sendo que foi o facto de não conseguir vender os apartamentos que
justificou a contratação da autora.
Os princípios da autonomia da vontade e da liberdade contratual encontram-se
plasmados no art.º 405.º do Cód. Civil, dispondo o art.º 406.º do mesmo diploma que os
contratos devem ser pontualmente cumpridos, ou seja, não só devem ser cumpridos a
tempo, mas também “exactamente” ou “ponto por ponto”, no sentido de a prestação
dever ser efectuada integralmente, conforme o convencionado (…)”.
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Vejamos.
Atentos os factos assentes nos autos nenhum reparo há a fazer ao enquadramento
jurídico dos mesmos, designadamente quanto à qualificação do contrato celebrado entre
a autora e a ré, como de contrato de prestação de serviços, cfr. art.º 1154.º do C.Civil, por
força do qual a autora que se dedica à actividade de medicinas naturais, alternativas e
espirituais, se obrigou perante a ré, e a pedido desta, a promover, através de trabalho
espiritual, a venda de apartamentos que possuía para venda há vários anos e que não
conseguia vender, sitos no condomínio fechado da …, mediante o pagamento de uma
quantia total de €15.000,00. Para tanto, além do mais, a autora obrigou-se e recebeu, por
diversas vezes em consulta, no seu gabinete, o legal representante da ré, forneceu a
este raízes para ele tomar e ainda se dirigiu por diversas vezes ao referido
empreendimento, onde realizou várias cerimónias espirituais, e ainda pagou e rezou as
competentes missas.
Com efeito, conforme resulta do preceituado no art.º 1154.º do C.Civil, estamos perante
um contrato de prestação de serviços quando “uma das partes se obriga a proporcionar à
outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”.
“In casu” trata-se de um contrato de prestação de serviços atípico, porquanto não se
enquadra numa das três modalidades identificadas no art.º 1155.º do C.Civil - mandato,
depósito e empreitada -, nem se encontra regulado especialmente, ao qual são
aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições sobre o mandato, tal como
determina o art.º 1156.º do C.Civil.
O contrato de prestação de serviços atípico abrange, deste modo, uma enorme
variedade de vínculos jurídicos, sendo que no domínio do direito contratual vigoram os
princípios da liberdade contratual e da autonomia privada, pelo que, conforme dispõe o
art.º 405.º n.º 1, do C.Civil, “dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar
livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste
código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver”.
Assim, como resulta do citado preceito legal, “o princípio da liberdade contratual se
desdobra em vários aspectos, a saber:
a) a possibilidade de as partes contratarem ou não contratarem, como melhor lhes
aprouver;
b) a faculdade de, contratando, escolher cada uma delas, livremente, o outro contraente;
c) a possibilidade de, na regulamentação convencional dos seus interesses, se afastarem
dos contratos típicos ou paradigmáticos disciplinados na lei (celebrando contratos
atípicos) ou de incluírem em qualquer destes contratos paradigmáticos cláusulas
divergentes da regulamentação supletiva contida no Código Civil”, cfr. Pires de Lima e
Antunes de Varela, in “Código Civil Anotado”, Vol. I, pág. 355.
Destarte, por não vermos motivo para discordar do entendimento alcançado em 1.ª
instância, assentamos nessa qualificação jurídica e na aplicação das disposições do
mandato ao presente contrato, com as devidas adaptações, por força do disposto no art.º
1156.º C. Civil, sendo ainda um contrato bilateral e oneroso, porquanto a ré se
comprometeu a pagar à autora, pela realização dos serviços acordados, a quantia total
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já determinado. Importa é que, nesse momento, ele possa ser determinável no futuro e
atempadamente em função dos contornos negociais gizados pelas partes a essa data.
Sendo que a determinabilidade subsequente terá de advir da existência de um critério
objectivo, legal ou negocial, que permita estabelecê-la, ou seja, que permita fixar ou
estabelecer o conteúdo da prestação ou demarcar/individualizar o seu objecto e,
respectivos termos e limites, cfr. Acs. do STJ de 20.01.2000, de 11.05.2000 e de
06.12.2011, todos in www.dgsi.pt.
Atentos os factos provados nos autos, é evidente que o objecto do contrato celebrado
entre autora e ré foi determinado à ocasião da conclusão daquele acordo de vontades,
consistindo no fornecimento de ervas por parte da autora ao legal representante da ré,
para ele as tomar; idas da autora ao empreendimento imobiliário em causa, e aí realizar
cerimónias espirituais, pagar e rezar as competentes missas.
Finalmente também é também para nós evidente que o objecto do contrato celebrado
entre autora e ré não é ofensivo dos bons costumes, pois que não nos parece atentar
contra as regras da moral vigente na nossa sociedade.
Pelo que, sem necessidade de outros considerandos, o contrato “sui generis” em apreço
nos autos, fundado na autonomia da vontade ou a liberdade negocial de autora e ré, não
se vislumbra inquinado do vício da nulidade.
Improcedem as respectivas conclusões da apelante.
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3.ªquestão – Da alegada contradição entre a condenação no pagamento da taxa de
justiça da injunção e a condenação em custas da acção.
A este propósito consta da decisão recorrida: ”(…) À autora é ainda devido o valor
correspondente à taxa de justiça paga pela entrada do requerimento de injunção em
juízo, e o montante de €40,00, a título de indemnização pelos custos suportados com a
cobrança da dívida – cfr. art.º 12.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 269/98 de 09.01 e art.º 7.º do
Decreto-Lei n.º 62/2013 de 05.10.
D) Responsabilidade pelas custas
As custas da presente acção são da responsabilidade da autora e da ré, na proporção do
decaimento que se fixa em 19% para a primeira e em 81% para a segunda - cfr. art.º
527.º, n.ºs 1 e 2 do C.P.Civil”.
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Defende a apelante, por fim, que tendo sido fixado na sentença recorrida que as custas
do processo ficavam a cargo de autora e ré, na proporção do decaimento, as mesmas
terão que ter por base, para o seu cálculo, as taxas pagas pela autora e pela ré, das
quais fazem parte a taxa paga pela autora com a entrada da injunção e o complemento
quando o processo foi à distribuição.
Mas não lhe assiste razão.
Senão vejamos.
No seu requerimento injuntivo, a autora peticionou da ré, além do mais, o pagamento da
quantia de €153,00, a título de taxa de justiça paga. E na verdade, por força do disposto
no n.º1 do art.º 12.º do DL n.º 269/98, de 1.09, a ré foi, além do mais, notificada para
pagar à autora a quantia pedida, acrescida da taxa de justiça por ela paga (€153,00), ou
para deduzir oposição ao pedido injuntivo.
Pois que preceitua o n.º2 do art.º 10.º do DL n.º 269/98, de 1.09, que o requerente de
injunção deve indicar no respectivo requerimento, além do mais, a taxa de justiça paga.
Ora, por força do disposto no n.º4 do art.º 7.º do RCP (Regulamento das Custas
Processuais) a taxa de justiça devida pelo procedimento de injunção é determinada de
acordo com a tabela II, que faz parte integrante do presente Regulamento.
E segundo o n.º6 deste último citado preceito legal, nos procedimentos de injunção, que
sigam como acção, é devido o pagamento de taxa de justiça pelo autor e pelo réu, no
prazo de 10 dias a contar da data da distribuição, nos termos gerais do presente
Regulamento, descontando-se, no caso do autor, o valor pago nos termos do disposto no
n.º 4.
Quer isto dizer que, no valor da taxa de justiça devida, “in casu” pela autora aquando da
transmutação do requerimento injuntivo em acção foi descontado o valor de €153,00 que
pagou de taxa de justiça aquando da entrada do seu requerimento injuntivo no Balcão
Nacional de Injunções.
Logo, manifesto é de concluir que assiste razão à apelante, não havendo lugar à sua
condenação no pagamento da taxa de justiça paga pela autora aquando da interposição
do requerimento injuntivo, devendo revogar-se o segmento da decisão recorrida que
condenou a ré no pagamento do montante de €153,00, de taxa de justiça paga pela
apresentação do requerimento de injunção.
Procedem as respectivas conclusões da apelante.
*
IV – Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação,
parcialmente, procedente e em consequência altera-se a decisão recorrida, por forma a
que dela passe tão só a constar – “condena-se a ré “B…, S.A.” a pagar à autora C… a
quantia de €13.500,00 (treze mil e quinhentos euros) a título de capital em dívida,
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4/19/2019 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
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