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Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai

www.etnolinguistica.org

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Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai
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D EDALO
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publicação semestral
ano VI, n.º 11-12
junho-dezembro 1970

museu de arqueologia e etnologia


universidade de são paulo
são paulo, brasil
D édalo
R evist a de Arqueol ogia e Etnologia

Reda t ores:
Ulpiano T. B ezerra de Men eses, Diretor-Responsável
Haiga n uch Saria n, J. Marianno Carneiro da Cunha

Secretária de r edação: Marlene Suano


Secretária administra t iva: Maria Antonieta Locatelli

órgão ofici al do Museu de Arqueologia e E tnologia


da Universidade de São P aul o
Edifício dos Departamentos de Geografia e Hist ória
Cidade Universitária «Armando de Salles Oliveira»
Caixa Postal 8105
São P a ulo, Brasil

Pede-se permuta
P ídese canje
On demande l'échange
We ask for exchange
Man bittet um Austausch
Si richied e lo scambio

4
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NOTA DA REDA:ÇÃO

Para compensar prolongado atraso ' d evido. a entra·


ves econômicos - ora, felizmente, encaminhados para
solução satisfatória - DÉDALO publica, ao mesmo
tempo, duas teses de doutoramento, constituindo os
números IX-X e XI-XII. Dado o caráter de números
especiais, foram suprimidas as demais seções. Por outro
lado, assinalamos que a revista teve seu nome a lterado
em virtude de alteração no nome d o Museu, que passa
a chamar-se Museu de Arqueologia e E tn ologia, com a
entrada em vig or dos novos Estatutos da Universidade
de São Paulo.

5

Kara ndini, uo~so principal informante Jurúna

6
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Os índios J urúna
do Alto _X ingu

Adélia Engrácia de Oliveira


(Museu Paraense «E. Goeldi», Belém )

* . ••
/

7
A MEUS PAIS

A EDUARDO GALVÃO

8
SUMÁRIO

11 Introdução

15 1. Migraçiões Jurúna
44 11. Pôs to D·iauarum e População Jurúna
62 III. Cultura e Sociedade

63 a - Aldeia
' 75 b - Aparência - Indumentária e Adornos

1O 2 e - Atividades de Subsistência

12 7 d - Manufaturas

169 e - Divisão do Trabalho

173 f Propriedade

182 g Parentesco, Casamento e Família

2 14 h - Chefia na Aldeia

22 1
.1 Ciclo de Vida: alguns aspectos
. Idéias e Prática Religiosas
226 J

267 l Formas de Diversão

2 77 IV . A condição de Jurúna
281 Apêndice

283 .B ibliografia citada

9
INTRODUÇÃO

Em 19 64-65 , quando participávamos da tentativa


de organização d o D epartamen to de Antropologia da
Universidade de Brasília, nossa aten ção foi chamada para
os índios Jurúna, sôbre os quais h avia notícias contra-
ditórias: d e um la do a afirmação de sua extinção por
autores clássicos como Métraux e, de o utr o, as informa-
çôes dos Villas Boas dizendo da sua existência. 'Ê stes
ú ltimos, assim como Galvão, que t eve contactos com
ê les em 1950 e 1965, davam-nos informaç.õ es d e que os
1 Jurúna do Oiauarum vinham a ser os remanescen tes
de um grup o t riba l que em 1 91 6 , depois d e a lg um temp o
de subordina ção ao seringue iro Constantino, foram r efu-
g iar-se no Al to Xingu.
A região onde ê les se l ocalizam está nas proximi-
dades de 10-0 5 5J de latitude sul e 5 3'º20' d e long itude
oeste, zona essa de contact o entre o domínio nucle~r dos
cerrados ao sul e o domínio amazônico ao norte ( cf.
Ab' Sáber, 1967 : 46-8). Êsse contact o é complexo. Em
primeiro lugar, n ão é linear: - há interdigitação d e m ata
e cerr a do e os "dedos" são às vêzes a mputados, resul-
tando em ilhas de uma f o rmação d entro da outra. Em
segundo lugar, a mata p r edominante não é a típica mata
amazônica : é u' a mata "tampão", sêca, baixa (até
15 m, r aramente 20) , de árvores finas, com muito cipó.
O cerrad o da região é v igoroso.Como de costume ,
os cursos d' água pequenos são acompanh ados por pes-
tanas de buriti ("veredas") e os maiores por matas cilia-
res - estas não muito fartes.
O clima, apesar de t er água suficiente para suportar
mata, tem uma estação sêca bem definjda, q ue é o
inverno. janeiro, fevereiro e março são os meses em que
chove mais.

11
'Ü objetivo inicia l da pesquisa era realizar um estudo
das relações inter- tribais en tre os Jurúna e os outros g ru-
pos indígen as que se localizam na área d o Alto X ingu.
Os J urúna seriam o foco da pesquisa e o n osso fito
principal era verificar o a justamento dêstes índios e m
relação aos d e m ais g rupos ocupantes da "ár ea d o uluri".
O estudo se con centra r ia e m t ô rn o das re lacões emer-
~

gentes dos e fe itos cumulativos das compulsões econômi-


cas e socia is, o que imp lica ria numa abo rdagem tanto
sin cr ônica quanto diacrônica.
Ao m esmo tem.po que pretendíamos verificar êsse
ajustamento, procuraríamos fazer um levanta m e nto mi -
nucioso d a cultura Jurúna, face à carência d e dados na
bibliografia pertin ente a êsse g rupo, e cujo objetivo seria
a a n á lise d o contrast e entre essa sociedade e o quadro
cultural relativamente homogêneo que os g rupos t idos
com o xinguanos apr esentam.
Todavia, durante a pesquisa de campo, fixamos o
n osso interêsse n a visão da atual sociedad e e cultura
Jurúna, registrando-se, quanto possível, a situação do
passado, uma vez que ê les estão reduzidos numericamente
e em processo de d esorganização socia l e cultural. De
qualquer forma , porém, o estudo das r elações inter e
extra-triba is estaria presente, v isto q ue a cultura J urúna
refl e te essas r e laçiões, sôb re as quais há escassas n o tícias
d esde o século XVII. Acreditamos que os Jurúna, ape-
sar do pequeno número populacional, conseguiram man -
ter-se co mo g rupo trib a l por razões tais como: agressi-
vidade dos próprios J urúna, armas d e fogo por ê les co-
nh ecidas d esde o sécul o XVII, apoio de sering ueiros, um
marcad o "esprit de corps" e diferenças cultura is com os
outros g rupos.
A nossa finalidade seria, portanto, mostrar o que
significa ser Jrurúna nos dias atuais.
Como procedimento d e trabalho plane jamos um le-
van tamen to b ib liográfico e pesquisas de campo.
Para levanta r a bibliog rafia utilizamos bàsicamente
três fontes: Baldus (1954 e 1968), O 'Leary (1963) e
N im u end aju ( 19 48) . Servimo-n os dos dados accessíveis
sôbre os J u rúna, excetuando-se aquêles qu e n os p a rece-
ram precários ta is co mo: Cunha ( 1960) , F e rre ira Penna
(1885) e M orner (1959).
O levantam ento foi essen cia lmente r ealizado na sec-
ção d e obras raras da Biblioteca Nacional, no Arquivo
Nacional e na biblioteca do Museu Goeldi.
A s p esquisas d e campo for am realizadas em julho
d e 1965, julho a se tembro de 1966 e junho a agôsto
d e 196 7. A primeira d elas, diante d as dificulda d es d e
transporte até a a ldeia Jurúna, ficou r estrita aos índios
Kamayurá, Y awalap ití e aquêles q u e frequ e n tavam o
Pôs to L eonardo Villas Boas.
Na aldeia K amayurá pudemos obter dados re fer en -
tes ao contacto e ntre os j urúna e aq uê le g r upo tribal,

12
havendo utilizado como informante o índio Mariká que,
quando jove m, participou de hostilidades realizadas por
êsse grupo aos J urúna. 10 1btivemos então algumas narra-
tivas dos contactos hostís entre êsses dois grupos.
Na segunda, apesar de havermos tido também difi-
culdades com o transporte, pudemos chegar até o g rupo
J urúna que, nessa época, estava cindido em dois : o do
líder Ü 'a á e o do "capitão" Bibina. O primeiro dêles
estava em vias de dissolução. Nessa ocasião, além de
observações sôbre as atividades agrícolas, de caça, pesca
e coleta e sôbre a manufatura de u tilidades, fizemos o
levantame nto genealógico de tôdas as famílias nucleares
e conseguimos alguns dados sôbre a religiosidade e a
migração. Essa última foi facilitada por duas razões: -
1. 9 ) quando levantávamos as genealogias, êles em geral
nos diziam: - êsse foi roubado por T xukahamãe; êsse
outro foi morto por Kamayurá ; êsse por seringueiro;
aquêle, Suyá matou. Mais tarde, ordenando os dados,
pudemos fazer-lhes perguntas minuciosas a respeito. 2.9)
algumas das hostilidades e ntre os Jurúna e os Kamayurá
já eram do nosso conhecimento por causa das informa-
ções obtidas no ano precedente, com Mariká. Quando
os fatos históricos, tal como narram os Jurúna, já esta-
vam mais ou menos ordenados, fizemos a história de vida
dos dois indivíduos mais velhos do grupo : Káia e Bibina,
que nos relataram, através da avaliação de suas idades,
os fatos e os locais o nde se deram os acontecime,n tos.
Alguns outros relatos foram acrescentados nessa fase.
f. impo rtante salientarmos que a migração J urúna, do
fim do século passado até o encontro com os Villas Boas,
tal como nos foi narrada p.elos informantes, é uma ver -
I
são Jurúna. Outros índios, como os Suyá, possuem ou-
tras versões. Os dados J urúna, porém, conferem com
os obtidos com Mariká e com dois informa.ntes T rumái.
Na terceira viagem os Jurúna estavam reduzidos a
uma só aldeia - a de 'Bibina. Fizemos uma "checagem "
no material coletado no ano anterior, podendo então
organizar uma genealogia d e todo o g rupo, colhemos al-
guns mitos, acompanhamos os J urúna na derrubada da
mata e observamos novos preparos de alimentação.
Ap esar da dificuldade de comunicação pudemos
trabalhar com todos os indivíduos J urÚ.na: - homens
e mulheres, os quais, por todos os meios, facilitaram o
nosso trabalho em campo.
Dado o pequeno número populacional dos J urúna,
sugerimos a urgência de um estudo linguístico dêsses
índios, incluídos por Chestmír Loukotka na família tupi
sob a rubrica "línguas mescladas com Aruak" (citado
por Schaden, 1959: 135) , como tupi impuro por Ni-
muendaju ( 1948: 214) e como família Yurúna do
tronco tupi, por Rodrig ues ( 1964: 1O1-2 ) , que permi-
tisse melhor precisar do ponto de vista etno-linguístico
suas relações com g rupos afins como os Xipáya.

13
Êste traba lho foi origin almente apresentado como
dissertação de doutoramento em Antrop o logia à Facul-
dade d e Filosofia, Ciên cias e Letras d e Rio Claro (SP),
em d ezembro d e 1969 e é aqui publicado com a lgun s
cortes de mate rial que somente fornecia interêsse para
a d efesa da tese.
A b a n ca exa minadora foi constit1lÍda por F e rnand o
A ltenfelder Silva (Orientador), Carmem Sylvia Junquei-
ra de Barros Lima, Beatriz Muniz d e Souza, Cândid o
Procópio F erreira d e Camargo e Jo ão Baptista Borges
Pereira, aos quais agradeço a participação e sugestões
apresentad as.
P a ra a realização da pequisa e sua elaboração,
c ontei co m o auxílio d e instituições e pessoas a quem
expresso meu reconhecimento. Entre e las:
- C láudio , 0 rla ndo e Marina Villas .B oas, Paulo
1

Emílio Vanzolini, Carlos Moreira N eto, Cândid o Pro-


cópio F. d e Camargo, Mário F. Simões, P edro Agosti-
nho da Silva, J eann e Berrance de Castro, Expedito Ar-
naud, Paulo Singer, Frederico Gra e ff, F. M. Salzano,
Nivaldo Santiago, Paulo E . Barstch, Paulo Cavalcante,
Ro gê Arlê, Protásio Frikel, R uth Wallace, Maria J osé
Reis, R o b erto Cortez, Samuel Sá, Edson D iniz, minhas
irmãs - Z ilda de Oliveira, Vera Russo e H eloísa
Graeff - . Ana Rita Alves, Clara Galvão, Léa Diniz,
Guilherm e L eite, Cândido Sod ré, Lindalva R . F onseca,
lzaura G. Saburi, D a lila Gomes, Danie l F. Lopes, E lias
Melo e Fra nc isco B . da Silva.
- A Eduardo Galvão e F e rnand o Altenfelder
Silva, de modo especial, pelo apoio que me deram em
tôdas as etapas da pesquisa.
- À Universidad e de Brasília, pelo financiamento
da primeira pesquisa de campo realizada entre os índios
Kamayurá e Yawalapití (Rio Xingu - MT) , em 1965.
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado
de São Paulo (F APESP) que m e deu, como bolsista
junto à Cadeira de A ntropologia do Departamento de
Ciências Sociais da F acuidade d e Filosofia, C iências e
Letras de Rio Claro, d e 1966 a 1968, a oportunidade
de trab a lhar e m campo com os índios j urú na e rea lizar
pesquisa bibliográfica na Biblio teca Nacional e no Ar-
quivo Nacional.
- Ao Con selho Nacional d e P esquisas ( CNPq )
- [Museu Goeldi - , do qual sou b o lsista desde o se-
g undo semes tre de 1968, o que m e permi tiu co ncluir
a pesquisa bibliográfica e a redação d essa monografia
em Belém do P ará.
- Ao P arque Nacional d o Xingu (PNX), pelas
facilidades con cedidas durante a pesquisa d e ca mpo.

14
~-- -- -

I. MIG~Ç·oES JU RúNA

. "

Conta a trad ição mítica dos J urúna de Diauarum,


que êles . foram criados no Amazonas e, mais tarde, se
dir igiram ao Xingu. O relato abreviado do capitão
Bibina <1 ) , a êsse respeito, é o seguinte:
" Para fazer Jurúna, Cinaã <2 ) cortou pau no
mato e depois soprou, virando gente. Isso foi lá
muito embaixo do Xingu, lá onde tem um rio gran-
de que caraíba (:i ) chama de Amazonas. Tinha mui-
ta aldeia Jurúna. Aí acabou ter ra, rio ficou cheio,
mato sumiu, água foi subindo. Só f icou morro .
I Cinaã, então, levou Jurúna p'ro morro e deu comi-
da p'ra ê le, pois comida tinh a acabado. Mesmo
assim, muitos morreram de fome, outros se perde-
ram. Só quem estava perto de Cinaã é que não
morreu. Quando água acabou, Jurúna desceu. Pai
nosso desceu primeiro, na fre n te, para ensinar o ca-
minh o do Xingu. Vin ham p e lo mato. Jurúna foi
atrás; outro foi atrás. Cinaã já estava no Xingu,
esperand o Jurúna, quando nasceu uma criança no
grupo que vinha na fr en te. O " negócio de meni-
no " (4 ) foi deixado n o chão. O grup o que vinha
atrás estava com fome e, vendo o ''negócio de me-
nin o' ', pensou que fôsse tripa de bicho que o g rup o
da frente tinha matado. Aí assou e comeu. Quando
os dois grupos chegaram no rio Xingu, os que vi-
n h am atrás contaram aos da fre nte que haviam co-

(1) Bibina é o atual capjtão dos Jurúna de Diauarum. Nessa


introdução usamos resumidan1ente o que se poderia chamar
de «memória tribal », para confrontá-la com o registro his-
tórico.
(2) Cinaã é um herói cultural também referido em português
como Pai Nosso (cf. item j - Cap. III).
(3) Caraíba é a designação usada para os brasileiros em geral.
(4) «Negócio de m e nino» provàvelmente será a placenta e o
cordão umbelical.

15
'
mido a tripa que êles tinham deixado no mato. Aí
outro disse: - " Não, não era tripa de bicho não.
Isso era negócio de menino" . Então o g rupo que
tinha comido o " negócio de menino" ficou bra vo e
disse que não ia mais no rio, que ia voltar. Foi aí
que voltou muita gente para o rnato. Viro u índio
bravo lá no mato mesmo; ficou morando no Ama-
zonas. Outro ficou no Xing u. "
lf. aí, n as proximidades da foz do Xingu, que se tem
a primeira n o tícia de localização dos J t1rúna, datada de
162 5 <5 >, p or Bento Maciel Parente nos seguintes tê rmos:
. . . " la lsla que cae entre el braço P acajá, y
el braço Parnahyba (S) , ••• en que caen las Provín-
cias d e los Pacajares. Goanapús, Carag uatás, y Ju-
ruhu.nas . . . " ( 18 7 4 : 4 O) .
O cosmógrafo João T eyxeyra, em mapas d a tados
de 1640 e 1666, localiza uma Prouincia dos luru-vnas
ao sul da ilha central situada entre os rios Tocantins e
Amazonas (Adonias, 1963: 206, 208, 21 O e 212).
Os r egistros e xistentes sôbre os J urúna no d ecorrer
do século XVII, apesar de serem bastante escassos dão
idéia das tenta tivas que se fizeram para escravizá-los ou
aldeã-los, te nta tivas essas levadas a cabo por entradas
paulistas, exp e dições lusas e pelos mission á rios.
Segundo a crônica, a primeira te:!tativa com êxito,
de conversão dos J urúna, foi realiza da e m 16 5 5 p e lo
Padre Manoe l d e Souza e seu companheiro M anoe l Pires.
·Ê sses dois jesuítas, na distribuição das residências para
os missioná rios, fei ta em 165 5 pelo Sub-prior d a m1ssao,
Padre Antônio Vieira, foram enviados ao Xingu (Be ten-
dorf, 1910 : 89, 115 e 117) (7 )_
Diz Betendorf que Manoel de Souza seguiu a té :
P o r este tão b e llo e fecundo rio hc.bitam varias na-
ções de líng ua geral, como são os Jurunas e m umas,
Guayapis / e alguns Pacajás ... " ( 191 O: 1 15-6).
. . . "o rio dos Jurúnas (B) um d os m ais no-
m ead os em o Estado pelo rio do Xingú para d e n -
tro, d eclina ndo s ua bocaina p ara Este, vindo o rio
d o X ingú, chamado Parahyba, da banda d o S ul . ..
Aí chegan do, p udera m os padres o uvir dêsses índios
a tradicão na rra d a d os encontros tid os com:
~

(5) N imuendaju (1948: 218) dá como data o ano de 1626. Toda-


via, em pe·s quisa realizada, encontramos o ano de 16·25
como sendo aquêle em que Maciel Parente enviou ao rei
uma carta, tudo indicando ser esta a petição acompanhada
do Memorial onde se encontra o trecho em questão ( cf.
Pare nte, 1874: 43).
(6) O rio Parnah;yba é o atual Xingu (cf. Pare nte, 1874: 40)
e o Pacajá é o de Portel (cf. Nimuendaju, 1948: 218).
(7) Cf. ta mbém Barros (1746: 204), Southey (1817: 510), Adal-
bert (1849: 313) e S teinen (1942: 26-7).
(8) Nimuendaju (1948: 222) diz que o Iriri, na segunda me-
tade do séc ulo XVII, era conhecido como «rio dos Jurunas».
Cf. t ambém Kra uetler <1953: 56). F i g. 1

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MIGRAÇÕES JURUNA


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" trop as que vieram da capitania de S.
P au lo para os castiga r, como contou um delles aos
P ad res; dizia que tendo os P aulistas feito entrada
em terras d os Jurunas, para fa zerem m elhor n ego-
cio, se tinh am fortificado em uma ilh a de páu a
pique, não conhecendo o muito poder e valo r d os
indios, os quaes tendo disso noticia tocara m l ogo
muitas buzinas e moracira de tro mbe tas, para se
ajunta rem todos para gue rra, e juntos sahiram em
s uas canôas ligeiras, e correndo toda a ilha lhe de-
ram varios assaltos, e ultima m e nte, mina ndo a for -
tificação d e páu a pique, d er a m com e ll a em terra,
e com o m esmo ímpeto a rre m ett eram aos pobres
home ns e os mataram a tod os, sem escaparem mais
que dois, com dois índios que, pela obscuridade da
noite, se lançar a m entre as suas canôas, a nado, e
com a corrente do rio sahira m m uito lo n ge com
v ida, fican d o tudo qua nto trazia m em as m ãos des-
tes barbaros, que trouxeram d epois ao povoado a l-
gumas cousas b em conhecidas." (Bet end orf , 19 1O:
11 6) UJ) .
Por essa ocasião, p rovàvelme nte pouco antes d a ida
do Padre Manoel de Souza para aquêle sertão , João
Velho do Valle, que e ra o Capitão-Mór de Gurupá, fêz
aí uma entrada com três mil índios e cem n1osque te iros.
Os Jurún a que se h avia1n unid o a rdil o samente com ou-
tros g ru pos (a crônica n ão especifica o non1.e dos mes-
mos) , o rganizaram várias e mboscad as no mato e pud e -
ram , assim, defender-se. O capi tão-mór teve que bater
em retira da, perde nd o a lg umas pessoas, m o rtas pelos
J urúna e seus a liados. Dessa forma não pude ra m cau-
sar danos conside ráveis àquêles indígenas ('Be tendorf ,
19 10 : 11 6- 7) ( lO } .

•Quando os d ois m1ss1onários já citados ch egaram a


êsse local - rio d os J urún a - , co nseguiram fazer d es-
cer para o rio X ingu duas aldeias populosas d e j urún a,
"pond o uma em a m esma a ldêa d e Xin g u e a outra mais
abaixo em um sitio q u e chamam Maturú . . . " (Beten-
d o rf, 19 1O: 11 7) (l"t) . C om a prime ira expulsão d os mis-
sioná rios jesuítas do M aranhão , em 166 1, êste trabalho,
que fôr a iniciado com êxito, teve que ser interro mpido
(Betendorf, 1910 : 11 6) <1 2 >.
No d ocumento n .'° 416 da "coll ecção .S tudart", da-
tado d e 1690, h á re fer ência ao padre P edro Barboza,
missionário e v isita d or geral da missão do Maranhão du-
rante os a nos de 1656 a 1684. Seg undo as certid ões êle

(9) Cf. também Nimu e ndaju (1948: 218).


(10) Cf. t a mbém Nimu enda ju (1948: 218) e Galvão (1952: 469).
(11) Cf. t ambém Nimue ndaju (1948 : 218) e St eine n (1942: 27) .
Matur u, atua lme nte, é Porto d e M oz. Cf. Adalbert (1849,
m a p a do rio Xingu, entr e p. 96 e 97 ), Moraes (1860 : 506),
Spix e M a rtius (1938 : 162), Steine n (1942: 27 ), Nimuen-
daju, (1948: 218 e 222) e Bae n a (1969: 171).
(12) Cf. também Nimu e ndaju (1948: 218) e Steinen (1942: 27).

18
teria navegado o " Rio dos Juruinas na capitania do Pa-
rá" e entrado em contacto com os "Tacanhapes", "sendo
causa das pazes que selebrarão com os Tapuyas Juruinas
as quaes se conservarão athe o prezente .. . " (Studart,
1923: 21).
Em 1662 há a notícia dada por Heriarte de que;
''Doze legoas do Corupá para o poente está o
rio Paranaiba <1 3 ) • • • Está mui povoado de lndios
Guaiapes, Caraus, Juruunas, Cuanis, e outras muitas
naçoens" ( 18 7 4: 3 3). <14>
Heriarte confirma a existência de Jurúna no rio Xingu
mas não fornece elementos para a localização, neste rio,
dos índios em questão.
Entre os anos de 166 2 e 166 7, o capitão-mór de
Gurupá, acompanhado de uma tropa, foi mandado pelo
governador ao rio dos Jurúna com o objetivo de apresar
índios para depois escravizá-los. Nesta entrada não le-
varam nenhum padre porque a finalidade era ter um
bom lucro e os sacerdotes a isso se oporian1. Tiveram
como guias alguns J urúna das missõe s do Xingu. Che-
gados à primeira aldeia (a crônica não diz o número de
aldeias J urúna então existentes), apesar de bem recebi-
dos pelos índios, que desconheciam seus intentos.
. . . " logo houve desconcertos sobre as índias,
e como esses indios são mui cios os de suas mulhe-
res, começaram a ir-se enreminando. O cabo, em
vez de aquietar os soldados, era o que este respeito
I
dava o peior exemplo e causava mais escandalo,
açoitando duas indias Jurunas . . . " (Betendorf,
1910: 237).
Isto fêz com que os índios se arremetessem contra os
soldados e os matassem, escapando ape nas o cabo e mais
algu,n s poucos. Também conseguiram fugir alg uns índios
cristãos que estavam a vigiar as canoas. Nenhum escravo
foi obtido. A conseqüência de tal a ção foi que muitos
Jurúna que já haviam descido e estavam aldeados com
os padres resolveram retornar a suas terras (Betendorf,
191 o: 2 3 7-8) .
"muita gente nova, uns Jurunas, outros
Cacoanhapés de nação, os quaes, vendo as occa-
siões que lhes davam os brancos, se voltaram mui~
tos para suas terras, e outros poucos, tocados da.
graça do Céo, perseveraram até o fim." (Betendorf.,
19 1O·: 2 7S ) <16 >.
(13) O r io P aran aiba , a ssim como a denominação P a rnahyba,
é o rio Xingu. Cf . Heriarte (1847 : 76), Bet endorf (1910 : 35)
e Steinen (1942: 25).
(14) Cf. também Steinen (1942 : 25).
(15') Segundo Moraes (1860 : 506) ; Spix e Mar tius (1938: 162)
e Nimuendaju (1948: 217 e 222.), a m1ssao do Xing u foi
chamada Itacuruçá e , mais tarde, Veiros.

19
Ao r edor de 166 7 o padre Pero Luiz Gonsalves
conseguiu descer e reunir na missão do Baixo Xingu (i:í)
Em 1685 (Nimuendaju, 1948: 222) ou 1686
(Sou they, 18 19: 6 - 7) <17 ) a expedição predatória d e
Gonçalo (ou Gonçalves) Paes d e Arauj o da qual faziam
parte alguns Car avare (Kuruáya), dirigiu-se às terras dos
Geruna (j urú n a) e Taquanh apes (Tacunyap é), habitan-
tes das margens e das ilhas do X ingu e que desde há
tempos vivia m em bon s têrmos com os portuguêses. To -
davia êsses d ois g rupos tribais u niram-se e atraíram os
compone ntes da d ita expedição para uma emboscada,
infligindo g rand es perdas aos portuguêses. Um dêles foi
mo r to, trinta dos Caravar e (Kuruáya) tombaram e, ten -
do Gonçalo P aes sido seriamente fe rido, foi carregado
pelos índi os, enquanto que o r esto d o destacamento se
pôs e m fuga, formando um cor po conpacto e .. protegen-
do-os com suas armas de fogo. Dessa forma a ting iram
as terras dos Ca ravare (Kuruáya) , onde G onçalo Paes
d e A ra uj o pôd e curar-se. A razão dêsse ataqu e provà -
velmen te foi d evida à inimizade de J '..trúna e T acunyapé
aos Kuruáya. Animados por essa v itória, os Jurúna con -
duziram uma f1·ota d e mais d e trinta canoas, levando
como troféu, n o barco d o chefe, a cabeça d o português
que fôra morto e com a finalidade d e perp etrar ataques
aos "civiliza do s" (Southey, 181 9: 7) ( J H) _
Em 1691 ou 169 2 o padre J oão Maria Gorsony
havia conseguido com sucesso r e unir m ais uma vez índios
e ín dias de vári os grupos na alde ia do X in gu (Veiros)
mas, a inter venção do capitão-mór de Gurupá, Manoel
Guedes, alter ou tal projeto, com a m udan ça d e boa parte
dêsses índios p ara a a ld eia d e Maturu (Po rto de Moz) .
Êsse m esm o p a dre fêz uma tentativa d e descer novos
J urún a mas falhou porque, h avendo
. . . "mandad o seis embaix a d ores aos Jurunas,
nação pouco distante do Xin gú, par a se d escerem,
confo rme tinham já d a d o esperanças: porém, foram
traido res e m atar am os en viad os, os quaes tinham
id o a s uas terras com confiança de a migos, por te-
rem então parentes seus em a a ldêa de X ing u . Fi-
cou pois esta al d êa a lg um temp o desmantelada até
a pôr em seu estado. . . . . . o P adre Antonio Vaz,
tirand o eu o Padre J oão Maria . . " (Bete.ndorf,
1910: 490) (J!i) .

Existem in fo rmações mostrando que em 1694 o go -


vern a dor do M ara nhão passou a missão do X ing u para
as m ãos dos padres missionários Pied osos, tira ndo-a d os
J esuítas ( Betendorf, 191 O: 5 5 0 - 3). Todavia, provàvel-

{16) Cf. também Nimuenda ju (1948: 218 e 222).


{17) Cf. também Adalbert (1849: 314).
( 19) Cf. também Leit e (1943: 355) e Nimu endaju (1948: 218 e
222 ).
( 18) Cf. também Adalbert (1849: 314-5), Nimuendaju (1948:
218 e 222) e Galvão (1952 : 469) .
(19) Cf. também Leite (1943: 355) e N imue ndaju (1948: 218
e 222) .

20
m e nte em 169 5 , a quela m issão f oi n ovam e nte r e sti tuída
a o s missionários da Companhia d e J esu s, ficando os re~
v e rendos Piedosos com a a lde ia d e Maturu (Be te ndor f,
1910: 580-1).
No ano d e 1697, B a lthaza r Fur t a d o fôra descer
Jurú na do m a to quando encontrou índios j á a ldeados e
que na ocasião estavam dispe rsos e m b usca d e alime ntos.
Ocorria nes sa época uma e pid e mia d e varíol a e, com a
conseqüente falta de roç a , muitos morriam de fom e .
Levou-os para a capitania d e Cametá, porérn morre ram
quase .todos, senão todos ('B e t e ndorf, 1910: 629) . A
c rônica não especifica a origem tribal d ê sses Índios mas,
provàvelmente, entre ê les haveria Jur úna.
Em 1698 ou 1699 há uma infor mação algum tanto
ambígua, mas que de qualquer forma mostra que no fim
do século XVII, havia J urúna sob a proteção de missão ,
no baixo rio Xingu (Betendorf, 191 O: 35 e 11 7) .
Na reprodução do mapa do padre Samuel Fritz sô-
bre o "Grande Rio Maranon" , publicado em Quito e m
1707~ pelo padre Juan de Narvaes (Fritz, 1922, mapa
e ntre pp. 46- 7) os Jttrúna são localizados no Baixo Xingu
e, se é certo que o padre Fritz chamou o rio Xing u d e
Aoripana <20 ) , então, provàvelmente, o s Jurúna foram
por êle localizados no afluente do Xingu chamado Pa-
cajá, entre as terras dos Curivarés (Kuruáya) e dos Gua-
napú (.Anapu).
Dessa forma, os Jurúna, que quase um século antes
tinham sido registrados por Maciel Parente pràticamente
na foz do Xing u, já agora ( 1 700) sob as pressões de
o rdem secular ou clerical, haviam recuado subindo o rio,
embora ainda se encontrassem no Baixo X~ngu. E deve-
I
-se ressaltar que as expediçôes que efetuaram as men -
cionadas pressões não tinham sido bem sucedidas, con-
forme foi explanado. O receio d e novas tentativas de
apresamento , todavia, deve tê-los feito abandonar suas
posiçiões primitivas.
Pouco antes de 1 723 foi fundada pelos jesuítas a
aldeia de Santo Inácio de Aricari (Aricará, Aricá) que
e m 1 758 passou a chamar-se Souse l e em 1864 foi
t ransferida para a outra margem do Xingu, em frente,
passando a denominar-se Sousel-o-Novo. No ano de
1 736 alguns Jurúna foram a e la incorporados pelo padre
Luiz de Oliveira, o que foi muito b e m recebido , pois
e ram os Jurúna índios bravios e tidos como antropófa-
g os (21 ) . Todavia, face à incompree nsão demonstrada
pelo jesuíta, os Jurúna , seg undo a cró nica, resolveram
" embrenhar-se nas suas matas; e para
n ão irem se m matalotagem ajus taram fazel-a das
carnes do mesmo padre, d e um branco que estava
em sua companhia, e de alg uns T apujas mansos
que tinha comsigo.

(20) Cf. tam bém Steinen (1942: 25 ).


(21) Cf. Mor aes (1860: 506), Spix e M a r t ius (1938 : 162 ) e
Leite (1943 : 353-4) .

21
Houve porêm um que, com ser da mesma na-
ção, achou deformidade no intento dos mais, e
ocultamente avisou o missioná rio, que sem mais de-
J
.mora atou as d e villa Diogo com o dito branco e
·dois lndios mansos, por um atalho de t erra . .... .
E v endo os Juruna com a fu ga do padre estar des-
cob e rta a sua traição, receando que fosse a lg uma
tropa castigal-os, tambem se puzeram em ap ressa -
da fu ga" (Daniel, 1 841 : 1 73) <22 >.
Mais uma v ez, pois, falhou a tentativa de a ldear
Jurúna, fa lha essa devida à a gressividade d êsses índios,
e, sobretudo, ao caráter etnocêntrico que os missio nários
denotavam em suas ações.
Ao redor de 1 7 5 O o padre alemão Roque Hunderpt-
fundt, d a Co mpanhia de Jesus, deu ao padre José de
Moraes as seguintes info rmaç ões: "Subindo da boca deste
rio Xingú acima e m dis tancia d e trinta leg uas, está a
nação d os lndios Jurúnas, situada em quatro pequenas
aldeias que tem nas ilhas do m esmo rio " ( 1860: 5 04).
Disse ainda que 40 lég uas acima da foz do Xing u havia
algumas cachoeiras, sendo que, para p assá-las umas apre -
sentavam mais dificulda d es que as o utras. D 'e ssa forma ,
a distâ n cia entre a localização dos Jurúna e as p rimeiras
cachoeiras e ra de 1 O léguas ( Z:l) .
Por essa ocasião o padre José d e Moraes escrevia
que:
"os lndios da n ação Carajáuçu <24 ) que
algumas vezes se t e m visto n os Tocantins, tem vin-
d o a dar g ue rras aos Jurúnas, e são habitado res da-
que lles campos <2 5 ) , a inda q ue sem lugar certo por
serem Indios d e corso <26 )" (1860: 505).
P e las informações dadas por Adalbert ( 1849:
24 7-8) , vê-se que os Jurúna abandonaram êsse local
logo d epois, ainda n a metade d o c:éculo XVIII e se
dirigiram para acima das cachoeiras de Volta Grande
onde os jesuítas h aviam estabelecido a missão chamada
T avaquá ra ou T auaqué ra. Ao mesmo tempo foi cons-

(22) Cf. também Leite (1943: 354) e Galvão (1952: 469-70 n o-


t a 3).
(2"3) Nin1uendaju (1948: 218) faz referência a êsses dados mas
não especifica a época em que a s inforn1ações foram dadas
e nem o non1e de quem a s fornec e u ao padre J. de Moraes.
Cf. também Steinen (1942 : 27) e Leit e (1943: 355-6).
(24) A r espeito de «Carajá» veja-se a informação dada por
Nin1uendaju (1952: 427) en1 que êle diz terem sido os
Kayapó Setentrionais conh ecidos como «Carajás», no Pará,
até o ano de 1918. Cf. também Nimuendaju (1932: 552)
que, baseado no padr e Moraes, refere-se a êsse fato de
os Ka,yapó (identificados com os «.Karayá» do rio Ara-
guaía) serem inimigos dos Jurúna, co nhecidamente, desde
1750. Veja-se, ainda, Krauetler (1953: 41) e Simões (1963b:
82).
(25) ::f;sses campos, seg undo os Jurúna, fica vam a uma distân-
cia de 60 léguas de s uas terras, subindo o Xingu (cf.
Moraes, 1860: 505).
(26) índios de corso são índios que não têm morada fixa (cf.
Spix e Martius, 1938: 141).

22
truída uma estra d a que, ligand o o rio T ucur uí (Turicury )
ao rio Ana urahy (mais o u m enos n o local o nde h oj e
está A ltamira - C f. Ada lbert, 18 4 9, mapa do rio X ingu,
e ntre pp. 96- 7) , evitava tôd a a "Volta Grande" d o rio
X ingu e p e rmitia uma estre ita co nexão entre a quela mis-
são e So usel. T avaquára , ta mbém ch amada T auaquéra,
A na ue rá o u T acua na, localizava-se u m pouco acima d a
atua l c idade d e A lta mira e aí fo ram a ldeados índios J u-
r ún a e T acu nyapé. C o n tud o, essa m issão fo i d e c urta
duraçã o porque o jesuíta q ue a li residia não fo i b em su -
cedid o, perdend o a confiança d os Jurúna e exRspe ra ndo-
os com sua ex trema sev e rida d e. O missio ná rio fo i e ntão
m o rto pelos índios e o local a b a ndo n a d o <21 >.
E m 1 76 3 h á re gistro d e Jurúna e G uayapí na F re-
g uezia de Sousel (Nimuenda ju, 1948: 2 1 7). Eram, com
cer teza , remanescentes d os Jurúna qu e a í tinham sido
a ldeados.
A o re d o r d e 1 79 7 disse o padre J oão Danie l que
os Jurúna h a bitavam a s " m a tas d o rio X ing ú, c o usa de
1 5 dias d e v iagem " ( 18 41 : 1 7 2) e q ue e ram "suas
a llia d a s as n ações Acipoyas e C arnizes, tã o gue r reiras,
b a rba ras e a migas d e car ne humana co m o os Jurunas"
( 18 41 : 1 73 ). A liás, a respeit o dos A cipoya s ( X ipáya ) ,
dissera m -n os os informa ntes que "Xipáya é ín dio ig ua l
Jurúna" <2s ) e que, em bo ra inicialm e nte h o uvessem bri-
gado, d epois ficara m a migos, fazendo inte rcâmbio d e
m ulhe res. A ssim narrou Bib ina :
"Um ch e fe Jurúna muito d uro p ediu p a ra J u-
r úna não brigar mais com X ipáya. X ipáya era ig ua l
Jurúna, era m e lho r n ão brigar. A í tud o ficou a migo.
J urú na casou mulhe r X ipáya e X ipáya caso u m ulher
I Jurúna . ''
C omo a confirma r ta l fa to, Nimue n da ju ( 192 1- 2 :
394 e 1948: 235) diz q u e os J ur ún a v ivera m alter nad a-
m ente em p az e g uerra com os X ipáya, h avendo fina l-
m e nte rea liza d o uma al iança. Casa ram entre si e esta b e-
lecera m -se juntos no X ing u . E mbora n ão se saiba a data
em que essa a liança oco rre u , é prová v e l q ue tenha sido

( 27) Cf. t ambém Spix e Martius (1938: 162 n ot a VII) , Nimuen-


da ju (1948: 218 e 222) e Galvão (1952: 469).
(28) Brusque (1863: 17), afi rma que os Juaicipoias (Xipá;ya)
«tem os mesmos usos, e costumes dos índios Jurunas, aos
quaes muito se assem elhão ... » Coudreau (1897: 34) diz
que os «Achipayes seraient de la mêm e famille linguistique·
que les Juruna, avec lesquels ils se comprenclraie-nt assez
facilement. » Snethlage (1910: 60) afirma que a líng ua
dos Xipáya «é quasi a m esm a como a dos Jurunas . .. »
Nimuendaju (1930: 326) mostra que os Kuruáya chama-
vam os Jur úna e os Xipáya por uma m esm a denominação:
Parawa w ad. Vej a-se ainda a êsse respeito, Nimuenda ju
(1948: 218 e 219) . Também os Ka;yapó, segundo Nimuen-
daju (1948: 218 e 219), ch ama van1 os Jur úna e Xipâ'Ya
por uma só designação: N o-irén. Além dessas iniorm a -
ções, Nimuendaju (1948: 219) diz qu e «physically, cult-
urally, a nd linguistically, t he S hipa ya are the closest
relatives of th e Yu1·una, being in m a ny resp ects indist-
inguishable.)>

23
na segunda metade do século XIX, pois, em 1842, os
Xipáya ainda brigavam com os Jurúna (Adalbert, 1849:
278 e 303), enquanto que o mapa de Coud rea u (1897)
mostra maloca Xipáya e Jurúna juntas na cach oeira de
Jurucuá em Volta Grand e. Disse a inda Nimuendaju
( 1948: 235) que durante o século XV III os Kayapó
Setentri onais, co m seus ataques, obrigaram os J urúna a
procurar refúgio nas ilhas de pedras existentes nos rios
e, d essa forma , impediram até o comêço do século XX
que êles se comunicassem com os g rupos tribais do Alto
X in g u.
Na primeira metad e do século X J.X , as notícias qu e
se têm sôbr e os Jurúna , localizam-nos ainda no Baixo
Xingu.
Spix e Martius, em 1819, baseados em informações
alheias, disseram que havia hordas e1·rantes d e J urúna
"entre o Tocantins e o Tapajoz" ( 1938: 124) e , no
mapa do ''Rio Amazonas" por êles org anizado, coloca-
ram os Jurúna ( Juruunas) nas proximidades do r io Tu-
ricuri (um p o uco abaixo), aquê~e af luente do X ingu já
anteriormente referido. Mencionam, ainda, que os J u-
rúna, assim com o os Kuruáya e os Tacunyapé "são tri-
bus pouco populosas e falam línguas diversas ; mas, en-
tend endo -se por meio d a língua geral , vivem todos al -
deiados" ( 1938: 162 n ota V ll ). Essas a ldeias são aque-
las missões das quais se tratou em páginas anteriores.
Afirmam , também, que a antiga missão c hama da Tacua-
na (Tavaquára, Tauaquéra ou Anau~rá) q ue, como já
fo i visto, tinha sido abandonada, era, e m 18 19, um lugar
o nde "pousam os colhedores de cra·vo" ( 1938: 162
nota Vll).
Em 183 1 têm -se notícias d e a taq ues de Jurúna aci-
m a d e S ousel ( Niinuendaju, 1948: 2 18).
1

No ano de 1841 o pad re T orquato A ntônio d e


Souza, q ue e ra o sacerdote d e Sousel, restabeleceu a mis-
são d e Tavaquara e chamou -a de '' Missão da imperatriz"
(Adalbe rt, 1849: 2 4 7 e mapa). A respeito da forma
com o êsse padre conseguiu atrair os j urúna, Adalbert
disse o seguinte:
" His fri endly and conciliating mann er, to geth e r
with the rich presents of earth enware vessels, g lass,
b eads, too Is, etc. w hich h e ma de to the J urúnas
who occasionally visited Souze l, soon attracted
othe rs of th e tribe, and th e Padre succeede d in gain -
ing their confid e nce, and baptize d a larg e number.
Alth oug he h ad in this manner become known to
many of the lndians, he / deemed it prudent to have
a strong esco rt in passing the Estrada, o n paying
his first v isit to T avaquára, whe re h e collected
a round him abou t three hundred J urúnas, fotty of
w h om h e baptized. Thus was the work of co nver-
sion com m e nced (1849: 247-8) <2 n> ."

( 29 ) Cf. t ambém Nimu e nda ju (1948: 218) e G a lvão (1952: 469-


-70).

24
Quando Adalbert explorou a região em dezembro
de 1842 , a missão continuava de pé. Todavia, e la pa-
rece ter sido abandonada poucos ano<> depois. Em uma
das aldeias J urúna Adalbert ( 1849: 246) pôde obser-
var uma capela inacabada, o que atesta a presença da
a ção missionária e ntre aq uêles índios.
Por essa época o rr~ontante populacional Jurúna foi
calculado em c êrca d é 2000 (informação d ada p e lo pa-
d re T orquato que aco mpa nhou Adaibert na viagem;
Adalbert, 1 849: 3 1 7) (:rn) . Achavam-se espalhados por
nove aldeias situa das entre Tavaquá ra e um local dis tante
u ma hora de Piranhaquára, para cima (Adalbert, 1849:
o
2 4 4-3 9) (S"l >.
Apesar d e n ão haver a ld eia em Volta Grande, al-
g uns Jur'Ó.na reg ularmente vi sita,ram S ousel , onde troca-
vam produtos de sua indús tria manufa turada por facas,
machados e facões (Adalbe rt, 184 9: 3 l 7). Nessa oca-
sião êles viviam a lternadamente em paz e g uerra com
os Tacunyapé (Adalbe rt, 1849: 269) , sendo que a últi-
ma peleja entre êsse dois g rup os tribais havia-se dado
e m uma pequena ilha do Xingu, cêrca de um ano antes
da viagem de Adalbert. O motivo da m esma foi o terem
s uspeitado que uma ubá h ouvesse sido roubada pelos
T acunyapé. Êst es perderam dez índios, q-ue foram m or-
tos, saindo os Jurúna vitoriosos (Adalbert, 1849:
2 60) (:{:.!).
No ano de 184 2 os Ju rúna costumavam p assar par-
te do ano em briga com g rupos vizinhos, apesar de
naquela ocasião já n ão mais d e monstrarem o caráter be-
l icoso do fim do século XV ll (Adalbe rt, 1849: 259).
Segundo Adalbert:
I

... "th ey exact revenge only in cases of blood-


sh ed, an d seem to pre fe r living o n islands, where
they are comparatively secure against their en emies:
they are however w ell supplie d with weapons, chiefly
bows and arrows. . . .. ( 1849: 3 15).
D isse, ainda, que os Jurúna " are reckoned among the
" lndios mansos', or those who are n ei ther cannibals nor
bostile to the whites'' (1849 : 3 17) .
Nessa ocasião, os P eapai ( Piapáy) foram enun-
ciados como se nd o especia lme nte inimigos dos Ju-
rúna (entre êles havia um P eap a i cap turado numa incur-
são ; Adalbert, 1849: 278, 303 e 319) . R.e feriram-se
êles, ainda, aos Curinája (Adalbe rt, 1849: 285) , aos
C uriérai (Kuruáya ; Adalbe rt, 18 4 9: 3 1 9) , Axipai (Xi-
páya ; Adalbert, 1849: 2 78 e 303) , além dos T aco -
nhapez (Taconhapé ou T ucunyapé ) já ci tados. Êsses
tc:>dos eram considerados "indios mansos". Havia, po-
rém , os que ainda eram ca niba is como os Ticuapamoin

(30) Cf. também Nin1u endaju (1948: 218) e Ga lvão (1952: 470).
(31) Ci. t ambém N imuendaju (1948: 218).
(32) Cf. t ambém Nimu endaju <1948: 223).

25
(ou Tapui-uassu; Adalbert, 1849: 281 e 320) (33 ) e os
lmpindei (Adalbert, 1849: 320) (3 ") . Adalbert enu-
m e ra ainda dezesseis g rupos tribais, considerados extre-
mame nte hostis e canibais ( 1849: 3 20), mas não faz
referência expressa à inimizade dêles com os Jurúna <35 ) .
Encontramos um mapa (quadro) r eferente às mis-
sões indígenas da Província do Pará, em 30 de setembro
d e 1848, onde se lê, relativamente aos Jurúna, que:
"as aldeas que havião no Xingu estão extraviadas. Aban-
donou-os o Missionário que havia ali, e que pouco fez"
(Coelho, 1848, mapa 1 7). <=~ 6 )
No ano de 185 9 foi novamente te ntada pelo Go-
vêrno da Província do Pará a catequese das tribos acima
de Volta Grande, have ndo -se estabelecido frei Marcello
de Santa Catharina de Sena, a quem foi confiada a ta-
refa, junto ao rio Tucuruhy (Brusque, 1862: 18) (37 ) .
Nessa ocasião, o número de J urúna distribuído em três
aldeias, foi calculado em 23 5 (Brusque, 186 2 : 19) (ss) .
TABELA 1 - Sinopse das informa~ões sôbre os deslocamentos
dos Jurúna nos séculos XVII-XX (*)

FONTE ANO LOCALIZAÇÃO


-
Maciel Parente 1625 Ilha entre o Pacajá e o Xingu
Bete ndorf 1655 «Rio dos Jurúna» (lriri)
1

Betendorf ant es de 1655 «Rio dos .J urún a » (lriri)


Heriarte 1662 Foz do Xingu

Betendorf entre 1662 e «Rio dos Jurúna» (Iriri)


1667
Betendorf 1667 Missão do Baixo Xingu
Southey 1686 Margens e ilh as do Xingu
1

(33) Êsses índios er am tidos como os de estatura mais elevada


e como vivendo mais acin1a do Xingu.
(34) ::©sses índios eram considerados baixos e, segundo os Jurú-
na, «they live in the neighbourhood of Campos, where ...
they rear cattle and horses . .. » (Adal bert 1849: 320).
(35) Bibina referindo-se ao tempo e m que os Jurúna ocupa-
vam o Baixo Xing u menciona conflitos com os Mundu-
r ukú, Aukú ( ?) e Karuriá (dizem êles que êstes agora
«viraram caraíba»). Mundurukú e Aukú, de acôrdo com
êle, eran1 antropófagos. Nimuendaju (1929: 839), em um
vocabulário sôbre a língua dos Xipáya, a qual é semelhan-
te à dos Jurúna, coloca a denominação «Karuria (Kuruáia-
-Wort) » como correspondendo a Mundurukú. Também
Coudrea u ( 1897: 36) diz: « .. . ces Caruriás, d' apres t ou tes
1es probabilités, ne seraient autres que les Mundu:rucús».
Todavia, os Jurúna de Diauarum fazem diferenciações
entre Karuriá e Mundurukú.
(36) Em 1856 foi representado en1 Lisboa um «drama » de auto-
r ia de Francisco Gomes de An'lorim em que a personagem
principal é um índio Jurúna, sob o nome de Loure.1190·,
O Cedro Vermelho (1874).
(37) Cf. também Steinen (1942: 28) e Nimucndaju (1948: 218) .
(38) Cf. ta mbém Nimuendaju (1948: 218).

26
FONTE ANO L OCALIZAÇÃO
Betendorf 1691 ou 1692 Aldeia do Xingu
1

Betendorf 1697 «Jurunas do Matto»


-
Baixo Xingu - provàvelmente
Fritz 1707 no afluente do Xingu chama do
Pacajá
Leit e 1736 Aricari <Sousel)
Moraes 1750
- 30 léguas, Xingu acima

Adalbert m et a d e do séc. Missão T avaquára (pouco aci-


xvm ma de Altamira)
'

P e. Daniel 1797 Mat as do rio Xingu

Spix e Martius E ntre o T ocantins e o Tapajós


1819 proximidades do rio T.uricuri
T avaquára ( «Missão da Impe·
-
Adalbert 1841
1 ratriz»)

Adalbert 1842 9 ald eias entre Tavaquá ra e


Piranhaquára (1 h para cima)
Steinen e 1859 Acima de Volta Grande
Nimuendaju (Tucurui)
- Primeiras ilh as acima das ca-
Brusque 1863 1
choeiras do Xingu
Entre P edra Prêta (acima de
Piranhaquara - lat. 4-04Q'S.) e
Steinen 1884
um pouco abaixo da P edra
Sêca (la.t. 8°30'S.)
Ent re Praia Grande e P edra
Coudreau 1896 Sêca
Cachoeira Jurucuá
I Mesma faixa de Coudreau e
Snethlage 1909 Steinen
Nimuendaju 1910 Pouc0 abaixo d e P edra Sêca

Oliveira pouco depois Cachoeira von Martius


de 1910
1
Afluente da margem esquerda
Nimuendaju 1928 do Xingu, pouco acima da ca-
choeira von Martius
do início do Entre cachoeira von Martius e
Oliveira séc. XX até
proximidade da foz do
cêrca de
1948 Manitsauá (abaixo)

Chat eau briand Pouco abaixo da foz do


1948
Manitsauá
!-
Galvão
1
Um pouco acima do local
1950
anterior
Simões 1963 Proximidades do l\1anitsauã

Oliveira 1966 e
1967 Proxin1idades do l\lfanitsauá
~

( *) Na organização do mapa sôbre as migrações dos Jurúna


(séc. XVII ao X.X) incluímos apen as aquel as datas que
se referem a uma localização mais bem definida ou mais
sign:ificativa.

27
A p rimeira tentativa fracassou mas, a missão, embo r a
com pouco sucesso, fo i conservada até cêrca de 1880
(N im u e ndaju , 1948: 2 18).
Em dezembro de 1862 os A rara d o B aixo Xingu
{aí surgidos pela primeira vez em 185 3; Brusque, 1863:
2 1) {:HI) atacar am duas canoas d e Jurúna , ferindo a lguns
e matando d o is (Nimue nd aju, 1948: 223 ).
Br usque, em 1863, p rovàvelm ente baseado em in -
fo rmações de missionário, afirm a que os Ju r úna que es-
tavam localiza d os " nas primeiras ilhas acima d as cachoei-
ras do rio (Xin gu ) ", constitu íam um to ta l de 25 O indi-
v ídu os e estavam a lojados em ''vinte e tres palhoças m al
con s truidas" (Brusque, 1 863: 16) (·10 >. A razão de pro -
curare m abrigo em ilhas er a evitar ataques d e índios
. . .
1n1m1g os.
Informa-se e m 1872 que:
" Os Mundurucús, em suas lo n g iquas ex cur-
sôes, ch egam até as margens do X ing ú, e e n tr etem
relações d e paz e amisa d e com os Jurunas.
Estes d o min a m n o A lto Xing ú, como os Mun -
d urucús n o Alto T apa jós.
Aqu i se co nta d ' esses ge ntios o seguinte facto
curioso: N o verão os Pea.p a ias, qu e h a bitam o cen -
tro, appa r ecem á margem do Xing ú e, ao som d e
businas, d ão aos Jurunas um s ig nal co nve ncionado.
Os tuxáuas d ' esta tribu r eun e m e ntão todos os
seus g u erreiros, e atravessam a margem opposta,
o nd e os esper a m os P eapaias.
O J urun as, que já têm r e la ção e co mmercio
com a população do Baixo Xin g ú , vendem-lhe t er -
çad os; e, co rn o n ão os tem s uf ficientes para tod os,
r e dusem os que possue m a fra g m e ntos, que os Pea-
paias e mprega m para fazer seus a r cos.
F eito este esca mbo, dá -se um s ig nal e o s guer-
reiros das duas tribus, empunha ndo seus arcos e
flechas, alinham-se em arco d e cir cu lo, na p r a ia e
en tre elles tem lu gar um due llo de morte.
U m g u err eir o Juruna e outro Peapaia, desig-
nados pelos respectivos tuxáuas, sáem a cam po.
Com a m ão esquerda cada um dos dous g u er -
reiros retem pela cabelleira o seu co ntrario , empu-
nhando co m a dire ita um c urto e rijo tacápe.
Assim a justados, com eçam a dançar e cantar
ca n ções g u e rreiras, descr evend o círcu los sobre a
p r a ia, até que a um momento d ado os dous g uer-
r eiros d escarregam simultanea m e nte um g olpe ter-
r ível sobre seu inimigo.
Se um dos g uerre iros morre, a cabeça lh e é
imrnediatamente co rtada e arrebatada pelos con-
traries./

(39) Cf. t ambém Nimuendaju (1948 : 223). Segundo êsse autor,


os Jurúna chan1an1 os Arara de Asipá. A nós, porém , dis-
seram chamá-l os de Axihá e con t aram que êles brigavam
mutuame n te, abaixo da P edra Sêca.
( 40) Cf. também Nimuendaju (1948: 219).

28
Outro g ue rreiro d a mesma tribu to ma o seu
lug ar no to rneio e o combate recomeça com a s mes-
mas form a lidades.
O duello tem lugar tres vezes s uccessivas, e os
combatentes, que succumbem vão se ndo immediata-
m e nte substituidos por outros da mesma tribu.
Cada um exa 1ta sua coragem c om a mesma
altivez, como fasiam nas juxtas os antigos caval-
leiros.
No fim do 3. 0 combate os g uerreiros das duas
tribus dão uma descarga de flexas sobre os inimigos.
a modo de despedida ; cortam a cabeça dos mortos
contrarios e desapparecem.
O Juruna, que reg ressa á sua mal oca trazend o
uma cabeça de Peapaia é tratado com distincção ,
durante muitos dias recolhe-se a um lugar isolado,
não pronuncia uma só palavra, t o ma alimentos es-
tritamente necessarios para sustentar a v ida. Occu-
pa-se então em fazer fl exas, e quando cada flexa
está feita , o j uruna atira -a para as costas e os outros
guerreiros vêm apanhai -a na crença provavelmente
de que te m mais virtude do q ue as outras, e que
será mais feliz em suas g uerras e caçadas.
No fim do prazo determinado o vencedor é
pintado com signal particular e consid erado g ue r-
reiro privilegiado da tribu" (Miranda e Tocantins,
1872: 19- 20) .
Quando Steinen visitou a região d o Baixo e Médio
Xingu, em 1884, registrando mais um passo d a mig ração
1 Jurúna, a citada missão já não existia.
Os J utúna distribuídos por cinco aldeias e ranchos,
somavam entre 205 (Steine n , 194 7: 418) ( 11 > e 230
(Steinen, 1942: 280 e ss.) indivíduos, localizados e ntre
P e dra Prêta (acima de Piranhaquara - lat. 4°40'5.)
e um pouco abaixo da Pedra Sêca (lal. 8 °30'S) (Ste i-
nen, 1942: 281) <4 2 >.
Os padrões tradicionais da cultura d êsses índios fo -
ram pouco modificados, embora o convívio anterior com
os representantes da sociedade nacional já houvesse dei-
xado algumas marcas, seja no conhecimento do portu-
g uês e no uso d e roupas, por parte de alg uns, seja nas
n ecessidades, en tão experimentadas, do uso de armas
d e fo go e utensílios de uso diário. Is to, porém, não
chegara a produzir profundas alterações na cultura ori-
ginal e, agora , com as dificuldades oferecidas à navega -
ção pelo curso encachoeirad o do Xingu, os Jurúna esta-
vam mais ou menos a salvo das incursões realizadas
pelos brasileiros (Steinen, 194 2: 283 -320) (-t3 )

(41) Cf. também Nimuendaju (1948: 219).


(42 ) Cf. també m Nimue ndaju (1948: 219).
(43) Cf. t,ambé m N imu endaju (1948 : 219) e Galvão (1952: 470) .

29
Afirmaram ê les a Steinen que não conheciam ne-
nhum g rupo tribal do Alto Xing u ( 1942: 278) , (4 4 ) mas
que eram hostilizados por Karajá e Arara ( 1942: 2 78
e ss.}. Aliás, entre êles achavam-se prisioneiras duas
mulheres Karajá <45 ) e um homem Arara. Os Juruna,
como anos antes, ainda construíam suas aldeias sôbre ilhas,
a fim de evitar ataques dos grupos 1n1mig os. Referindo-
se a tal fato, disse S·t einen:

" As suas g u errilhas com o s carajás e, muito


antes ainda, com os tucunapé uas, mantidas, talvez,
desde tempos imemoriais explica o que os levou
a escolher tão sing ular localizaçã.o para suas mora-
das. É que a ssim procuram abrig ar-se de ataqu es
1

imprevistos'' ( 194 2 : 2 80).


Nessa ocasião, ainda, disse aquêl e viajante ter-se
"a impressão de que os iurunas, desde
algumas gerações, a fim de pre servarem a sua li-
berdade, estejam em vias de imig ra r para o alto
rio" (Steinen, 1942 : 281).

Há referência a uma habitação Jurúna " na ilha den -


tro do lago de Piranhaquara", em 1894:

. . . "cujo tuchaua chamava-se " Macaiary"


mas que era da tribo dos Arara, c o m os quais os
Juruna viviam em g rande amizad e . O número d e
g uerreiros era de 64 ; ao todo a maloca contava
142 pessoas" ( Kraue tler, 19 5 3 : 4 1) .
A previsão ou a impressão de Steine n sôbre a mi-
g ração J urúna em direção ao alto rio acabo u ocorrendo,
uma vez que, em 1896, quando Coudre au fêz a explora-
çã o do curso m é dio d êsse rio, os sering ueiros já haviam
inva dido a reg ião. A os Jurúna, po1·ta nto, só restava a
fuga em direção ao Alto Xingu. 'Ê les perfaziam, então,
um total de 15 O indivíduos ( Coudre au, 189 7: 3 3} <·16 )
e, co m exceção de um g rupo que hav ia procurado refú-
gio um pouco a lém d e Carreira Comprida e de outro
(p eque no) que vivia em Volta Grande, na Cachoeira
Jurucuá (Juruquá), liderados por Muratu ('J 7 ) , os res-

( 44) Cf. tam bém Galvão (1952 : 472).


(45) Além da i nformação q ue se deu na nota (24), iden tifi-
cando-se êsses men ciona dos Karajá aos Keyapó Set en-
t r ionais, t em-se a acrescenta r q ue t al dado esclareceu a
confusão feit a por Steinen, q ue parece identificá-los com
seus hom ón imos do Araguaia (Steinen, 1942: 278) e por
Coudreau, a o dizer q ue «l es Carajás des h abitants du Xin-
g u ne sont autres . . . que le s Botucuclos-Suyas . . . » ( Cou -
dreau, 1897 : 35). Cf. ainda n ota d a red ação da Rev. do
M useu P a ulist a in Galvão (1952: 471-2, n ot a 13) .
(46 ) Cf. t a m bém Nimu enda ju (1948: 219) .
(47) A respeito de Mura t u, C'o udreau (1897 : 141 not a 2) f or-
nece a seguin te explicação: «~'luratú: mulâtre, m ot d e l a
la n g ue portugaise, n1ulato, adopté pa r les indigenes q ui
l'on t légêr em ent mod ifié en muratú, expression qui, dans
leur esprit, peut s'appliq uer aussi bien à u n Indien de
co uleur fo ncée qu'à u n mulà t r e véritable.»

30
tantes estavam a trabalhar para serin gu e iros. Situação
precária p a ra quem fôra outrora grupo n umeroso e que,
cêrca de vinte a n os antes dis punha de . . . "pas moins
de 18 malocas, - celles des tuxáus Damaso, Muratú,
N unes, Curambé, Cancan, Tariendé, Tababacú, Tabaratá,
1

Tabão, Aribá, Macairi, Joaquim Pena, lgnacio, Dady,


Tamaricú, Acadá, Turiá, Pacharicú" (Coudreau, 1897:
3 3). Acêrca d e Muratu h á também referências forneci-
das por Kra u e tler. Segundo êle, Muratu foi "ch efe de
uma aldeia Juruna" (1953: 44) , que se localizava na
"ilha Murutá", a qua l "se e nc ontra e n tre dois gigantescos
saltos d'ág ua do Juruquá e Paquicamba". 1É provável
qu e essa localização inacessível h a ja sido escolhida por
causa da "defesa contra inimigos mais poderosos, os
Assurini e os Caiapós" ou "por ser uma região muito far-
ta de peixe e caça . ' · Essa te ria sido "a derradeira aldeia
em que os Juruna v iveram em conjunto , co nforme os
seus costumes. H avia outro aldeiamento m e no1·, n o lugar
chama do " D eserto", um pouco aba ixo da foz do Bacajá,
que , e ntreta nto, se dissolveu anteriormente àquele, de-
vido a um catarrão que dizimou os pobres silvícolas"
(1953 : 45) .
O territó rio Jurúna, em 1896, estendia -se d a Praia
Grande à Pedra Sêca (Coudreau, 1897 : 33) (48 >, coin-
cidindo essa localizaçã.o com a de Steinen. Nessa oca-
sião, ao tempo da viagem d e Coudreau, corria m rumores
de que v á ri os d êsses índios havia m aband o nado seus
patrões seringalistas e tinham-se unido aos índios "vaga-
bundos", par a partire m em " Cara ja sa das":
. . . "comme o n dit pittoresquement par ici,
f c 'est-à-dire qu' ils s'en vont e r ran t, cachan t leurs
a llées et venues, et cherchant à piller et à tuer pour
se ven ge r d es to rts imaginaires o u rée ls que les civi-
lisés ont eus à leur e ndroit' ' ( Coudreau, 189 7:
49) (49) .

Nessa época , a inda, os Jurúna estavam em relações


pacíficas com os índ ios Arara e Karuriá, ao passo que
as r elaçÕes h ostis com os ''Carajá" ( Kayapó ) continua-
1

vam. Segundo tradição corrente entre os índios, "Cara-


já" e Jurún a haviam, em ocasião bem próxima à v iagem
de Coudreau , efetuado trocas na Pedra S ê ca, p e rmane-
cendo cada um d e um lado e com a borduna na mão.
Depo is disso, muitas vêzes, os "Carajá" assa ltava m os
Jurúna quando êstes estavam d e r egresso (Cou d reau,
1897 : 22, 34, 36, 52-4, 59, 87-8 ) .
Krauetler além de fazer refe rê n cia a essas hos tilida-
des e ntre os Jurúna e "os chamados Carajá (deve-se
tratar certamente dos Caia pó) que êles chamavam
"TIUCAHAMI", fala também nas neg ociaç ões efetuadas
entre os dois grupos, quando se trocavam "ferros, facões
e machados' ' ( 19 5 3: 4 1) . Diz, ainda, que os

(48) Cf. t ambém Gal vão (1952 : 470).


(49) Cf. t a m b ém Galvão (1 952: 471 ) .

31
"Caraj á , muito traiç oei r o s como eram,
vier am depois a atacar os q u e trab a lhavam n u ma
r o ça d a t erra firm e. Numa outra ocasião , um J u-
runa co nseg uiu matar um Car a já (Caia p ó) . ·O nom e
d o h erói J u r u n a era "Pich anh á ". Levar a m o cad a -
ver d o inimjgo par a o ped ral. Lá, cor t a r am-lhe a
cab eça e e m seguid a levar am-na para a maloca o nde
as mulhe res a cozinha r a m a té ficar b em Jim po o
crâ nio. D essa f orma, limpo e enxuto, b o ta r a m -n o
numa cuia , tapar a m as cavida d e s d os o lh os com
a lgod ão e guardaram -n o p a r a o dia d a fes ta. Co m
os d e n tes fi ze r a m v o ltas p a r a se e n fei tare m.
Na n o ite maca bra d a festa, a m ais v e lha d as
índias da n ço u co m o cr.â n io d o inimig o d e n tro d a
cuia. Beb er a m muito cachiri, feito d e mandioca fe r -
m e ntada. Ficara m e mbria g a - / d o s. Nas p r imeiras
h o r as d o dia seguinte , os índio s C aiapó a tacaram
a m a loca d os j u runa , que a inda sofri a m as conse-
quê n cias n a r c óticas d a bebida embriagar.te . Muitos
J uruna fo r a m m o rtos. as cunhãs novas os Caia p ó
rap ta ra m . Ü'os poucos que escap a r a m , uma parte
s ubiu par a o Flor d' 0 uro no Alto X ing u e o u tr a
1

para a Pra ia G ra nde" (Kra u etl e r , 195 3 : 41 -2 ) .


A associação com se ring alistas tr o uxe al ter a ç ões n a
cultura indíg en a. G a lvão acr e dita ser possíve l
. . . " que o d ecr éscimo d e po pulação n ão seja
d evid o unicame nte ao exte rmínio pelas a rmas e
d oen ças, m as r e fli ta a integr a ção de índios aos p o-
voa d os e s eringais, ou s ej a , o a bando n o d a vida
triba l e assimilação d e indivíd uos e fa mílias à p o pu-
lação cab ocla tal co m o aco ntece u e1n muitas r egiões
d a A m azônia . . . A o se inten sificar o conta to e n -
tre J u runa e Brasil e iros, p arte dos p rimeiros ter á
se m escla d o e incor porado à p opulaçã o rural. A l-
g u ns g rupos r esis tiram a êsse p r ocesso, o q u e Cou-
dreau o b serva qua nd o m e n ciona os rum ores que
c o r r ia m a o t empo d e sua via g e m , d e "carajasa-
das" .. . (1 952: 471).
Em 1909 , S n e thla g e , q u e p e rco rre u o X ing u a té a
bôca d o lriri, o r ga nizou um m apa (1 9 10, a p ós p. 92)
o nd e co locou os Jurúna n a mesm a fa ixa ap o n ta d a p o r
S te inen e Coudreau. N essa o casião os Jurúna e s ta v a m em
b oas rel ações com os X ipáya, h avend o e la r egis tra do o
casam ento d e um elem e n to d êsse g rupo com u ma índia
J urúna , na fo z d o rio C uruá ( 19 1O: 64).
E m 19 1O um se rin g a lis ta es ta be leceu-se um pouco
a baixo d e P e d ra Sêca e os J urúna que a li estav am refu -
g ia d os caíra m s ob sua a uto ridade. T enta ram e scapar mas
fo r a m perseg uidos co m a rmas d e fo g o. Mais tard e, fu -
g ind o d o a ta q ue de Kayapó e imp e lid os pela pobreza,
parte dêles r e to rno u ( Nim u e nda j u , 19 4 8 : 2 19 ) .
Con ta ram-n os os in fo rma ntes J urún a d e Dia u a rum
( 1966 ), q u e , quand o fo r a m trab a lha r para sering ueiro s
n a P edra S ê ca, morre r a m m u itos J urúna d e d oen ças ad -

32
quiridas, tendo dito Bibina que " até parecia feitiç o".
Algumas mulheres, cujos maridos faleceram, casaram-se
com sering tJeiros e , segundo êsses mesmos infor.m~ntes;
aproveitando-se de uma ausência do seringalista que cha-
mam de. Constantino (:;o) , fugiram, tendo lá permanecido
as mulhe.r es que se haviam casado. T ai fato se deu. à
noite. Subiram o rio até alcançar a Cachoeira ( von Mar-
tius). A .í brigavam com os Kayapó e, por causa dessas
hostilidades) viviam em acampamentos, entre a Cachoei-
ra e Q Porori (51 ) . Foi aí qµe Constantino mandou
um mateiro ir buscá-los, havendo retornado apenas parte
dêles. Os outros ficaram, segundo os atuais informantes,
porque " tinham medo de doenças" .
Em 1916 (Nimuendaju, 1948: 219·) (5 z ) mais uma
vez voltaram ao Alto Xingu, onde f:>i encontrá-los em
1928 a Expedição Dyott e, em 1948, a .E.x pedição Ron-
cador Xingu (E. R. X.). Segundo Bibina, os qu.e fugi-
ram dos seringais foram enGontrar-se co1n os que haviam
ficad o no Porori. Alguns, porém, ainda permaneceram
com o serin~alista, havend.o os T xukahamãe, atualmente,
contado que ~'lá embaixo tem Jurúna com s~ringueiro ...
A expedição Dyott encontrou-os num afluente da mar-
gem esquerda do Xingu, um p.ouco acima da Ca.c hoeira
de Martius, c9ntando cêrca de 30 índ ios, enq uanto que
a E . R. X. já os encontroµ UJll pouco mais acima, bem
próximo à sua atual localização, na foz do Manitsauá.
Com o que escrevemos até a go;ra pode-se ver que
a deelaração f ~ita por Galvão, de que os "J uruna de
Diauarum constituem . . . os últimos rem,a nescentes tri-
bais daqueles grupos que Coudreau menciona como "va-
g<\bundos" ( 19 5 2: 4 71 ) , parece corresponder ao acon-
/ tecido.
Ouvindo dos índios o relato de Sl.la história, pude-
mos reconstruir o período intermediário entre o início do
século e o ano de 1948, de q.côrdo con'l a versã o Jurúna:
Quando os J urúna estavam aldeados nas proximi-
dades de Pedra S'êCa., mantinham relações amistosas .c om
os Suyá, q~e habitavam o Diauarum. Foram, nessa oca-
sião, convidados pelo chefe daquele g rQpo ttjbal par-a
se aliar num ataque aos Kamayutá, de quectn eram inimi-
gos há algum tempo. Os J urúna, a ceitando o convite,
foram encontrar-s.e com os Suyá no Diauar9m de onde
os dois grupos seguiram para o lpavu, ao encontro dos
Kamayurá, havendo êstes sido derrotados (53 ) . Cons.e-
guiratn os J urúna roubar algumas mu1heres e um menino
mas, no reg resso dessa incursão, quando chegaram ao
Diauarum, os Suyá, por sua vez, furtaram as mulheres
Kamayurá qu,e êles hawiam trazido. Os Jurúna só tive-
ram tempo de fugir levando apenas o garôto roubado
e urna mulhet Suyá - Ka:embti. Log o depois os J urúna

(50) Cf. t amoém Nimuend a ju {1952 : 432-:3).


(51 ) Localizaqão a tual dos Txukaha nTãe.
(52) Cf. t am bém Galvão (19~2 : 471) e Simões (1963b: 78) .
G53) OuvinJ.oS es;s,a mesma histórja de M ariká , quando estive-
m os entre os Ka:rnay,urá en1 julho de 1965.

33
resolveram vingatJse e subiram o Xingu. Conseguiram
matar alguns Suyá e trouxeram mais mulheres dêsse
gi:upo tribal.
Algum tempo em seguida, dois Jurúna que subi<;:lm
o rio foram mortos por Suyá nas proximidades do Diaua-
rum. Novamente foram os Jurúna brig ar com aquêles
índios, hav·e ndo causado várias mortes e o desloc.amento
dos mesmos para perto do Uavi (?), no Xingu, mais
acima, Dessa forma, ten.do sido aumentada a distância
entre êsses dois grupos tribais, as relações pacíficas ou
hostis que alternadamente mantinham, foram interrom-
pidas até qu,e , havendo os J urúna parado de brigar, os
Suyá voltaram à antiga localizaçã.o . Todavia, com a ida
daqu.ê les índios para o Poroti, êsses, temerosos de novos
ataques, subiram outra vez para perto do Uavi (?). Foi
nessa ocasião que um gn1po de Jurúna c.a iu novamente
sob o dom.í nio de Constantino Viana, enquanto outros que
haviam conseguido resistir permaneciam no Porori. Êstes
subiram o Xingu a pescar, quando , vendo rastros d e ín-
dios na areia, resolvera_rn averiguar. Estavam nas pro-
ximidades do futuro Pôsto Jacaré e as pegadas, confor-
me puderam constatar, eram de alguns Kamayurá que
moravam no lpavu. As relações entre 9s dois grupos
foram amistosas e os J urúna ficarain naquele local à
espera da ch.e gada de outros elementos do grupo Ka-
ínayurá. Êstes vieram acompanhados de T rumái, que
eram seus vizinhos. Voltaram os Jurúna com
quatro Kamayu.r á e dois T rumái, que iam en-i v1s1ta
à sua aldeia. E.n tre os primeiros havia um, Mariká, que
na época de nossa pesquisa ainda estava vivo, residindo
com os de seu grupo tribal na aldeia do lpavu, próximo
ao Pôsto Leonardo Villas Boas. Quando o grupo de
Jurúna que estava com o seringalista mencionado fugiu
e foi encontrar-se com os que estavam no Por·ori, lá
acharam os Kamayurá e os T ru.m ái.
·O utras visitas foram realizadas pelos Jurúna aos ci-
tados grupos, havendo ê·l es, numa dessas icJ,as e vindas,
parado no Morená ( 5 ·~) a fim de encontrar-se com os
Waurâ, que tinham sua aldeia num rio p·r óximo àquêle
local. Em seu regresso levaram consigo dois dêles. Logo
após receberam a visita de mais quatro Kamayurá, em
sua aldeia do Porori. ·it:stes permaneceram algum tempo,
tendo oportunidade de aprender a língua Jurúna~ Em
seguida, fugind0 de ataques dos índios T xukahamãe, os
Jurúna e seus visitantes Ka.m ayurá, Trumái e Wa.u rá, des-
loçaram-s.e para um local um pouco abaixo da atual
aldeia, próximo à foz do Manitsauá. D 1ecorrido um certo
tempo os T rurnái foram-se embora, tendo os Kamayurá,
na ocasião, feito intrigas dêsses índios aos J urúna. Di-
ziam os intrigantes que aqu.ê les índios eram .. feiticeiros"
e queriam matá-los. Isto fêz com que os Jurúna se enfu-

(54) Morená .é a confluência formadora do Xingu. E o local


par a onde convergem as águas dos rios Batovi, Culu.e ne
e Ronuro (cf. Leal Netto, 1955: 19'.3).

34
recessem e resolvessem partir para lu tar. Munidos de
carabinas obtidas em seus contactos com seringueiros e
acompanhados dos W aurá e Kamayurá que com êles es-
tavam residindo , dirigiram-se aos T rumái que, naquela
época, estavam aldeados em Anariá, local que fica um
pouco acima do Morená, segundo os informantes. O ata-
que ( (lfl ) se deu de madrugada, tendo sido mortos pelos
J urúna dois T rumái, um dêles o chefe, e dois Kamayurá
que por lá se encontravam, sendo tal fato desconheci-
do dos assaltantes. Dizem os informantes que êsses dois
Kamayurá foram assassinados porque era noite e os Ju-
rúna não puderam ver a quem estavam matando mas
que, na realidade, a intenção não era essa. Além das
mortes causadas, roubaram dois rapazinhos e três mu-
lheres (uma com filho criança). Um dêsses rapazes,
ch amado Aloari, mais tarde reg ressou a sua aldeia, junta-
mente com uma das mulheres e o filho. Aliás, Quain
(Murphy & Quain, 1955: 14, 3 1 e 34) , quando de seu
trabalho em 1938, faz referência ao fato de Aloari ter
estado cativo entre os jurúna. Uma das mulheres, Pahái,
foi casada com um J urúna que a inda h oje está v ivo e
se chama Káia (é o e lemento mais velho existente entre
os remanescentes do Diauarum). O outro rapaz, Ukahá,
casou-se com muther Jurúna, havendo sido morto, mais
tarde, pelos Suyá, juntamente com sua mãe (uma das
mulheres roubadas) e um filho , garôto ainda. tÊsse epi-
sódio será narrado posteriormente. Dois filhos de Ukahá
(um homem e uma mulher) ainda hoje vivem entre os
Jurúna. Voltaram todos para a aldeia próxima ao Manit-
sauá e foi então que os Kamayurá, desejosos de vingar
seus parentes mortos na aldeia T run1ái, idealizaram um
1 ardil a fim de atrair os Jurúna a um local onde pudessem
matá-los. Convidar am êsses índios para ir com ê les vi-
sitar os Makairí (5 a) , que moravam " b em lá em cima" e
cujo chefe era " caraíba". Iriam ganhar muitos presentes
e o "caraíba" daria munição aos Jurúna. Todavia, os
Waurá, sabendo de tôda a manobra, avisaram a seus
hospedeiros que os Kamayurá estavan1 mentindo e que
a intenção dêles era matá-los. Nessa altura dos aconteci-
mentos, Mariká interviu, dizendo que os Kamayurá eram
bons e conseguiu, por fim, que a lg uns Jurúna os acom-
panhassem. Foram também os Waurá que lá estavam.
Subiram o Xingu e acamparam no rio T uatnari, onde
Mariká lhes disse que esperassem, pois, irian1 à a ldeia
do lpavu buscar comida, beiju, para levar na viagem aos
Makairí. Conforme disseram, foram até o lpavu, levan-
do consigo os Waurá, aí os deixando. Quando regres-
saram, ao invés d e trazer comida trouxeram mais Ka-
mayurá. entre os quais alguns meninos. Os Jurúna, que

(55) Maríká, então particjpante do ataque, contou-nos um fato


semelhante, o qual ainda foi confirmado por um índio
Trumái (Sa1ku).
(56) Segundo os informantes, há quem fale Bakairí, em vez de
Maikairi mas, Jurúna, não. Sendo assim, os Makairí devem
ser os mesmos Bakairí.
estavam de sobreaviso , traziam consigo carabinas, as
quais tinha m despertado a cobiça dos Kamayurá. f.stes
manda ra m aos m e ninos que pedissem as armas para dar
uma o lhada. Ao tê-las nas mãos, correram para f o ra
do acampamento e as entregaram aos Kamayurá que os
aguardavam. Uma vez feito isso os J urúna fo ram agar-
rados por a lg uns d e seus inimigos, enquanto os outros
lhes desferia m g o lpe mortal na nuca. Enquanto isso, os
J urúna restantes, na a lde ia, estavam a esperar o reg resso
dos que havia m subid o . Como demorassem, um Ka-
mayurá, que com ê les ficara, resolve u subir para averi-
g uar o que acontecera. Voltou algum temp o d epois e
mentiu dizendo que os outros que a inda n ão ha via m re-
g ressado estavam nos Makairí. Sob em, então, mais dois
Jurúna e vão a té os Kamayurá, onde êstes lhes afirma-
ram que seus parentes ainda não h aviam r eto rna d o da
visita ao ch e fe "caraíba". Voltam êsses Jurúna trazendo
consigo uma a dolescente Kamayurá ( Kafianaku), que foi
induzida a ir, com promessas dos Kamayurá que a tra-
riam de volta assim que todos os Jurúna acabassem .
Essa ado lescente acabou não conseguindo mais volta r a
sua a ld eia, caso u-se duas vêzes nos J urúna e teve vários
filhos, q uatro dos quais ainda estavam vivos na época
da r ealização d a p esq uisa.
Quase em seguida, oito Jurúna (entre os qua is o
pai e o irmão d e Bibina, o atual capitão) e m a is dois
Kamayurá dirigiram-se ao lpavu para espera r o reg resso
dos outros, que já estavam tardando d em a is . Na a lde ia,
além dos Jurúna resta ntes, haviam ficado quatro K a-
mayurá. Um dêstes, uma mulher chamada Kaiuçuká,
avisou àq ue les que ficaram que os Kamayurá iriam ma -
tar os J urún a que h aviam acabado de sair, assim como
já haviam matado os que estavam sendo esperados. E
foi o que se d eu . Assim que chegaram ao lpavu, os
Kamayurá lhes pediram para fazer flechas e foram ch e-
gando perto, com a desculpa de v ê-los trabalhar. Os
Jurúna, a b sorvidos em sua tarefa, foram agarrados p o r
a lg uns K a mayurá, enquanto outros lhes subtraíam as ca-
rabinas que estavam encostadas ao peito e os matavam
da mesma forma q ue haviam feito com o g rupo trucidado
anteriormente. ( 57 ) Os Jurúna restantes, sabedo res já de
tôda a tragédia , não r evidaram de ime diato e, durante
uma tempo rada, se a b s tiveram de ir aos Kamayurá.
Êstes, também, não praticaram mais nenhum assalto
àquêles.

(57) Mar.Lká também nos relatou êsse fato na m esma sequência


cronológica e de forma semelhante. Todavia, num Ms de
Cláudio Villas Boas, pudemos ler tal narrativa em ordem
cronológica inversa: primeiro os Kamayurá mandaram os
Jurúna fazer flechas e os mataran1; depois é que assassi-
naram o segundo grupo no Tuat uari, havendo os Jurúna
sido convidados para uma J)escaria. Também, segundo êsse
serta ni sta, a motivação que levou a tais mortes foi a
ambição pelas armas de f ogo dos 3urúna. Galvão (1952:
47 2) dá ligeira nota a respeito de uma das duas embos-
cadas.

36
Durante êsse período, os S uyá , às escondidas, v i-
nham sempre ver os Jurún a na roça. Foi e ntão que o
chefe J urúna, M a rikauá , resolveu ir com outros h omen s
à a ldeia Suyá, a fim de conversar com ê les para que
ficassem amigos e n ão brigassem mais. Os Suyá que co-
mo já se v iu, moravam no Uavi (alto rio Suiá-missu?)
e cons tituíam um g rupo numeroso, receberam os J urúna
muito bem, tendo êstes, ao r egressar, trazido três Suyá
como v1s1ta ntes. Nesse meio tempo os j urúna que que-
ria m ir buscar taquari para fazer fl echa, numa cachoeira
próxima ao Uavi, foram convidados pelos Suyá para, em
primeiro lugar, ir a s ua a lde ia buscar comida. Foram
todos os J urúna, não ficando ninguém na localidade pró-
xima ao rio M anitsauá. ·C h egados ao lugar de d estino,
a rma ram o acampamento do outro lado do rio, e m
fre nte à aldeia dos Suyá. IÊstes, e ntão, chamaram seus
visit a ntes para tomar mingau de mandioca ralada. F o-
ram todos os h o mens adultos, só fica nd o n o acampa-
men to um velho ( pai d e Káia) , com mulheres e crianças.
Os J urúna foram pela m an hã e, à tarde, ante um assalto
de seus_ hospedeiros, já h avia alguns .m ortos. Aloari (o
T 'r umái) , que tinha ido à a ldeia, atirou-se n' água e , aos
g ritos, àvisou aos q ue estavam acampados e m frente que
os Suyá est avam a matar os Jurúna. E nqua nto contava
isso, os Suyá, q u e haviam ficado junto aos Jurúna no
acampamento, assasinaram o pai d e Káia, o que fêz m u-
lheres e crianças entrarem e m pânico. Foram mortos os
três homens mais velhos (ns) , ficando os o utros que a inda
e ra m moços, seg undo os inforn-iantes, para serem cria -
d os e, mais tarde , mortos. As mulheres e cria n ças foram
levadas à a ldeia. Os casais foram separados. Como os
1 J urúna ficassem livres entre os seus opressores, Marikauá
con seguiu fu gir, escondendo-se no mato e, à noite, rou-
bando uma ca noa Suyá, foi pedir a uxílio ao seringa lista
Cons tantino Viana, na Pedra Sêca. Disseram os infor-
m a ntes que M arikauá e Consta ntino conversaram n os se-
g u intes t êrmos:
" índio vai acabar nós, lá em cima. Aí Cons-
tantino disse: Cadê carabina que dei p' ra vocês?
Aí Jurúna disse : - Suyá roubo u nossa carabina;
tôda criança e mulher tá junto com Suyá."
Depois disso, Constantin o , suprindo M a rikauá d e armas
e munição, mandou alguns de seus aju dantes acompa-
nhá-lo, compondo uma frota de 4 canoas. ( fi !J) Logo que
Marikauá fu g iu, mais quatro Jurúna também consegui-
ram escapar, h avendo d ois d ê les ido parar em sua roça.

(58) Segund o três informantes Jurúna: - Bisaká, Karandini


e B'i bina - só há Jurúna jôvem porque os Suyá m a taram
os mais velhos.
(59) A ver são dada por Nimue ndaju (1952: 433,) acêrca dêsse
episódio difere um pouco da que foi aqui narrada. Se-
g undo aquêle estudioso, os Jurúna f oram à aldeia S uyá
con:i o f ito de roubar crianças. Lanna (1967-68: 38) dá
ligeira n o ta a respe1to d êssé a ssalto de exterminio. Ve ja-se
também Simões ( 1963a : 24-5) e Simões (1963b: 86) .

37
Quando os sering ueiros, v indo das proximida d es de P e-
dra Sêca, por lá passaram, pensando que os dois fôssem
S uyá, mataram-nos. A filha de um dêsses dois é a espôsa
de Bibina. O s outros dois ( Káia e Xub é), encontrando-
se com a citada fr ota no X ing u, quand o flutuavam em
c ima de um pau, agregaram-se à expedição. Chegaram
à a lde ia Suyá pela noite, porém só atacaram de madru-
gada. Ois Suyá, ao ouvirem tiro, p egaram a lg umas mu-
lheres e crianças, entr e as q uais Xõi e Bibina e as leva-
ram para o mato. Aloari, que já e ra m ocinh o , também
estava entr e êsses. Muitos S uyá foram m o rtos, as casas
incendiadas e os a tacantes conseguiram reaver cêrca d e
sete Jurú na. Os outros ficaram. O grupo d e Jurúna li-
vres seguiu com os ajudantes d e Constantino, p e rmane-
cendo entre êles uma curta t emporada. Com as cruelda-
des praticadas por aquêles ditos "civilizados", êles fu g i-
ram ( <>o ) e foram localizar-se um pouco abaixo da aldeia
a nterior, n um lugar o nde h á uma lag oa grande. Nessa
ocasião, munidos de armas de fogo, fizeram mais quatro
incursões aos Suyá, havendo conseguido reaver Xõi e
sua mãe e tendo matado mais alguns de seus inimigos,
sobreviventes do massacre. Receando n ovos ataques, os
p risioneiros Jurúna ('Bibina, um seu irmão e sua mãe,
Xaduná, T utuná e o u tros) foram levados aos Kamayurá
pelos Suyá <<> 1 >. Ü 's T rumái, prisioneiros de Jurúna e
que, n a ocasião, eram também prisioneiros d os Sruyá,
foram levados a sua a ldeia. Algumas mulheres e crian-
ças Jurúna já haviam morrido entre os S uyá e , segund o
os informan tes, a razão disso fôra "feitiçaria ' ' daquêle
g rup o. Outros, aind a , permaneceram por lá.
Êsses fatos devem ter-se passad o no período ante-
rior a 1940, pois n essa época Nimuenda ju ( 1952 : 433)
apresentou um R elatório ao S. P . 1., onde narra a ajuda
dada pelos seringueiros aos Jurúna e o ataque aos Suyá.
Também, já em 1938, Quain (Murph:r & Quain, 1955:
: 14, 3 1 e 34) registrara a presença de Aloari entre
os T rumái, após ter ficado como prisioneiro dos Jurú-
n a (llZ) . Logo depois os K amayurá atacam os Trumái e
roubam a lg uns elementos dêsse grupo tribal, entre os
quais Ukahá, sua mãe, Tamãkáiu e Lituari (Nituari).
Ê ste último ainda vive e ntre os poucos T rumái atualmen-
te existen tes e é o capitão dos mesmos. Em seguida,
morre o irmão de Bibina e os Jurúna gue es tavam como
prisioneiros dos Kamayurá suspeitaram que houvesse sido
"feitiçaria" por parte dêsses índios. Assim, temendo que
o mesmo lhes acontecesse, tentaram a fuga. Conseguem

(60) Contam os informantes, que Constantino ficara muito bra-


vo con1 os Jurúna, porque «boi de seringueira» havia
bebido água de m a ndioca venenosa r alada por êles e
morrera.
(61) A versã o dada por Galvão (1952: 472) é de que a aldeia
S uyá t eria sido «ata cada e saqueada pelos Kam~yurá. »
(62) Em período pouco anterior a êsse - 1931 - os Bakairí
e os Kalapálo fizeram m enção a uma pr ová vel localiza-
çã o de Jurúna, para Pet rullo (1932 : 145) .

38
tal objetivo Bibina, sua mãe e o T rumá i chamado Ukahá,
também com sua m ãe .Xaduná, T utuná e um outro cha-
mado Xaradá ficaram. Os Jurúna, que por êsses tempos
estava m vive ndo em acampamento, haviam-se deslocado
para baixo do Porori e foi aí que Bibina e os demais os
encontraram. Marikauá, pouco a ntes da fu ga dos citados
indivíduos, tentara ir brigar com os Kamayurá, mas fra~
cassara nessa tentativa. Todavia, assim que os fu gitivos
chegaram, ê le subiu novamente o Xing u com a finalidade
de r esga tar seu filho (Xaradá) e de matar aquêles que
o mantinham prisioneiro (<;a) . Foi até o Moren á, onde põe
fogo , o que fê1z com que os K a mayurá, v endo fuma ça,
para lá se dirigissem. Após uma série de entabulações
e de promessas feitas pelos Jurúna aos Kamayurá, de
que dariam colar de contas (obtidas c om os seringuei-
ros) , caso tro uxesse m Xaradá, o resgate é efetuado mas,
como pagamento, êles recebem uma chuva de tiros e
de fl echas. Morre ram quase todos os que haviam tra-
zido o filho de M a rikauá, com exceção d e a lguns Ka-
mayurá que conseguiram fugir e de um T rumá i que com
ê les estava, Tamãkáiu, e que foi levado para o aca mpa-
mento Jurúna, loca lizado outra vez perto d e uma lag oa
e próximo à atual aldeia . Xaduná e T utuná ainda p&r-
.
man eceram com seus 1n1m1g os.
Novamente os Jurúna começaram a ser espionados
pelos Suyá e, de uma feita, resolveram segui -los. .F oram
e ncontrá-los no Diauarum, onde tinham ido ap.::lnhar
piqui. Estavam acampados. Entre ê les achava-se, pri-
sioneiro ainda, uma filha de M arikauá . Êste pediu que
lh' a d evolvessem , no que foi atendido. Contudo, mata-
ram com borduna o índio que foi entregá-la. Ante seus
I g ritos os Suyá fug iram. Os Jurúna voltaram e, durante
um certo tempo, viveram errantes entre o Porori e a
C acho eira, em face dos ataques perpetrado s p el os T xuka-
hamãe. Alg uns d ê les foram roubados por êsses índios
e Marikauá foi morto na Cachoe ira.
Morto Marikauá, os Jurúna que estavam sem c omi-
da, subiram o Xing u e se dirigiram ao Diauarum a fim
de apanhar piqui. Já estavam lá havia a lg uns dias
quando os Suyá que moravam acima do Uavi (?) foram
atacá-los. 1f.sse fat o deve ter ocorrido há cêrca d e vinte
anos a trás. Ukahá (o T rumái), sua mãe e um dos filhos,
foram mortos; sua espôsa e um outro filho (Bisaká),
conseguiram escapar. Aliás, Bisaká, que fu gira com o
pai para o meio d o rio, numa canoa, após a morte de
Ukahá pulou n' água e enfrentou sozinho alguns dos Suyá
que o perseg uiam, conseguind o afugen tá-los. Essa cir-
cunstâ ncia teve a seu favor o fato de que os outros Jurúna
se .aproximaram atraíd.os pelos gritos, provocando a fuga
daquê les índios. D 'e pois disso permaneceram uns dias
ainda no Dia uarum.

(63) Êsse fato também nos foi narrado por Mariká, em 1965,
obedecendo à n1esma orden1 cronológica apresentada pelos
Jurúna.

39
Em seguida os Jurúna estiveram vagando para baixo
e para cima, até que fizeram uma aldeia num local pró-
ximo à atual, de Bibina (quase na foz do rio Manitsauá
- abaixo) (<H ) e estavam numa praia bem perto dêsse
lugar, pois receavam ataque dos Txuka hamãe, quando
os irmãos Villas Boas os encontraram <65 >.
De acôrdo com os registros feitos por C hateaubriand
(1954: 5 4 , 68, 80, 82 e 58) e Sick (1958: 130-4) <66 ),
os quais são bastante semelhantes ao relato que nos fize-
ram os Jurúna, o encon tro dêsses índios com aquêles ser-
tanistas, age ntes da Expedição Roncador X ingu (E.R.X.),
deu-se da seguinte maneira: Em 1948 quando os irmãos
ViJlas Boas, descendo o Xingu, atingiram o rio Manit-
sauá (que pretendiam subir para depois transpor o divi-
sor Xingu-Tapajós e atingir o Teles Pires) , encontraram
uma ilha de areia onde viram índios que fugiram com a
aproximação dos e lementos da expedição. H avendo-se
estragado o motor do barco êles tiveram que regressar
mas, em princípios de janeiro do ano de 194 9, retorna-
ram a êsse local e aí encontraram cêrca de 45 índios que,
gritando sem cessar, novamente fugiram. Os Villas Boas,
porém, acompanhados de Xaduná ( u7 ) (o J urúna que,
quando menino, fôra roubado por Suyá e depois fôra
parar nos Kamayurá), continuaram ava11çando e se apro -
ximando de um barranco para onde ê les se haviam pre-
cipitado. Alguns fugiram para a mata, permanecendo
ali apenas dois: Xubé (ou Jubé) e seu filho Pauaidê.
Atualmente êsses dois indivíduos já estão mortos. Com
a maior aproximação dos dois sertanistas e de Xaduná,
o índio mais velho (Xubé) também correu para o mato,
só ficando no barranco, de arco em punho, o índio mais
moço. Nessa a ltura dos acontecimentos Xaduná se dirige
a Pauaidê na língua Jurúna, o que fêz com que aquêle
índio se tornasse mais amistoso. Os Villas Boas, então,
reiniciaram o avanço e, ao chegarem ao barranco, deram-
lhes presentes, assim como a mais dois h omens que se
aproximaram. Eram êles os Jurúna remanescentes do
Diauarum. Como ninguém mais surgisse, deixaram ou-
tros presentes e voltaram no dia seguinte onde puderam
estabelecer relações co m todos.

(64) Quando a E. R. X. chegou ao Diauarum, em 1947, os


Jurúna já habitavam êsse local. Os Villas Boas, porém ,
não conseguiram entrar em contacto com êles (Simões,
1963a: 22). Cf. Cláudio e Orlando Villas Boas (1955: 79-80),
Galvão (1949: 31) , Lima (1950b: 369 nota 2), Galvão (1952:
469), Ribeiro (1957: 75), Malcher (1958: 32), Sick (1958 :
133), Galvão (1960: 28), Malcher (1964: 124), L anna, (1967-
-68: 37) e Oliveira ( 1968: 1).
(65) Sôbre tôda essa história Jurúna narrada pelos informa n-
t es, cf. uma nota prévia publicada por Oliveira (1968:
6-11) .
(66) Cf. t ambém Simões (1963a: 22-3).
(67) Chateaubria nd (1954: 80 e 82) e Sick (1958: 130-1) r efe-
rem-se a êsse indivíduo como se chamando Tamaku e
Xatuná. A informação acima é de Jurúna. Trata-se d a
mesma pessoa.

40
Alguns dêsses índios sabiam português e, no longo
contacto com a população brasileira em sqa migração do
Amazonas para o Alto Xingu, foram entrando na posse
de instrum.e ntos de ferro. Também as armas de fogo já
lhes eram conhecidas, sendo que por ocasião dêsse con-
tacto com os Villas, alguns dêles :?Ossuíam carabinas
Winchester, calibre 44.
Como se pôde ver até o mome nto, foi assim que
grupos tribais que, na época da viagem de Steinen, eram
desconhecidos dos Jurúna, passaram a S'e:r o alvo de suas
hostilidades, numa luta pela sobrevivência. Todavia,
hostilizavam em grande parte porque eram também hos-
tilizados. E foi ptovàvelrhente graças ao uso de armas
de fogq. que êles conseguiram manter.-se como grupo
tribal (Gs ) .
Logo após o encontro dos Jurúna e os irn1ãos Villas
Boas deu-se o seguinte fato: até aquela oca.sião vivic;lm
na aldeia Kamayurá os dois aludidos Jurúna roubadós
pelos Suyá e para lá trasladados: Xaduná e T utuná.
Após o contacto com a E. R. X . os dois foram levacl.o.s
de volta p a ra sua antiga aldéia, junto aos seus parentes.
Os jurúna, porém, receberam.-nos com desconfiança e,
êles que na outra aldeia ocupava m posição de destaque ,
a fim. de compensar tal situação, faziam intrigas sôbre
os Kamayurá. !Êstes, sabedores das mesmas, a meaçaram
matá-los, o que p.ão aconteceu porque os próprios Jurúna
disso se in,c umbi:ram. Dizem os infor1nantes que Xaduná
e T utuná foram mortos porque:
. . . " sabiam feitiço que Kamayurá tinha en.-
sinado. f:les botaram feitiço na casa e todo mundo
I
ficou doente. Merre u pai de Da.á, morreu m.ã e de
Bisaká, mãe de Xubahú, morreu mulher T rumái de
Káia e mais um índio.''
A ,irtda segundo. os informantes Jurúna, os dois foram
mortos no Manitsauá, local onde faziam e fé;\zem r:oça.
Pressentindo o fim que os aguardava, ê'1es e as respecti-
vas espôsas ( Kamayurá, sendo que Xaduná também ha...
via...se casado co m uma Jurúna) foram até a roça para
em seguida fugir. Foram obstados, porém, por Daá,
Pauaidê e .Bisaká . Depois que X.aduná e T utuná foram
mortos a bordunadas 1 as mulheres J urúna também qui.-
seram matar, por afogamento, as mulheres Kamayurá.
Foram impedidas em tal a ção pelos homens do g:rupo
e pelos \/,ilias Boas que as levaram de volta para a
aldeia Kamayurá. ( IHl )

(68 ) Cf. também Simões (1963b: 78) .


(69) Fato relatado por informantes Jurú na em 1966. Cf. tam-
bém Lima ( 1949 : 24), Galvão (1952 : 472-3 e 1953: 37 nota
64).
( 70) Daâ liderou a té 1966 un1 grupo de Jurúna que habitava
acüna da aldeia B ibina.
(71) Informação dada por K arandini e B.isaká. Cf. t ambém Si-
mões (196,S a: 21).

41
Por essa ocasião os J urúna se deslocaram um pouco
mais para cima, na atual localização. E já aí estavam
quando C láudio levou Daá C7 o) para visitar os Kayabí no
rio Teles Pires. Em 19 5 3, com a vinda dos Kayabí para
o rio Arraias C71 ) , começou a haver contactos entre os
dois g rupos, o que deu origem a casamentos inter-tribais.
Ainda em 19 5 3 os irmãos Villas Boas conseguiram
a atração e pacificação dos temidos Kayapó-Txuka-
hamãe <12 >, sendo que os encontros entre aquêles serta-
nistas e êsses índios, estavam-se dando desde 1949. Os
Jurúna, estiveran1 sempre presentes nos contactos havi-
dos. Por essa ocasião, como disse um informante J urúna,
~,uririn "casou pouquinho com mulher T xukahamãe". Des-
de então, as relações entre Jurúna e T xukahamãe têm-se
dado de forma pacífica.
No ano de 1950, quando se estava inte nsificando
a ronda dos T xukahamâe ao redor do Pôsto D'iauarun1
e principalmente da aldeia dos Jurúna, êstes, por me-
dida de precaução, mudaram-se para Gma ilha de areia
que havia e m frente. Galvão que estêve entre ê les nesse
ano , conferiu-lhes uma população de 3 7 indivíduos (Gal-
vão, 1952: 469).
Mais tarde, ao redor de 19 5 3, por ocasião da atra-
ção dos T xukahamãe, houve alguns J urúna qu e deixaram
a a ldeia na atua l localização (os outros aí fica ram) e
mudaram -se para um local no rio Manitsauá. Logo de-
pois, porém, vo ltaram à aldeia do Xingu.
Em 1954 Leal Netto ( 195 5: 196-7) dá notícia de
uma outra aldeia, 1 5 minutos abaixo da atual. Esta
parece tratar-se da que Bibina chama de " aldeia antiga",
a qual já foi referida anteriormente e onde, na ocasião,
ê!es p a r eciam ter roça. Nessa éJJ).oca êle registrou a pre-
sença de dois T xukahamãe entre os j urúna.
Em 195 9 (Galvão e Simô-es, 1965: 2 e Lanna, 1967:
: 68) os Villas Boas conseguiram realizar a atração dos
Suyá e, seg undo os J urúna, êles próprios exerceram um
papel relevante nessa missão. Dizem os infor1nantes que
o grupo Jurúna saiu para procurar Suyá e buscar taquari.
Trouxeram taquari mas não encontraram seus antig os ini-
mig os. Conta Karandini que êles foram à procura dos
Suyá porque queriam vê- los e porque "Cláudio e Orlando
disseram para Jurúna aman sar Suyá, para Jurúna não
brigar mais com Suyá.'' Pouco depois, Bisaká, Karan-
dini e Daá, com as respectivas mulheres, mais um filho
de Karandini ( Báxide), Axinxin e uma mulher Suyá, ou-
trora roubada por Jurúna, resolveram sair à procura dos
Suyá, novamente, e encontraram-nos acima do Uavi (?),
no rio Kukateti (nomenclatura Suyá). O encontro foi
amistoso, embora as mulheres tivessem corrido para o
mato. Deram-se presentes e os Jurúna trouxeram con-

(72 ) Para detalhes cf. Villas Boas (1955 : 79-88) . P ormen ores
dêsse contacto n os foram narrados por B-isaká q ue, em
1953, por oca sião dos últimos e ncontr os, ficou entre os
T xukaha m ãe durante un1a certa tem porada. Narra ção
idêntica à dos Villas Boas. Cf. também Ribeiro (1962 : 43) .

42
sigo um Suyá (Tàmiçoti) que depois foi Levado à sua
aldeia pelos Villas Boas. Ü 1s Suyá acabaram vindo todos
para o Diauarum, havendo alguns J uruna ido buscá-1os.
E, desde então, êsses dois grupos estão em fase de rela-
ções pacíficas, tendo-se registrado entre .ê les casamentos
em âmb.ito inter-tribal.
Em 196 1 f~Ji criado o Par que Nacional d.o Xíngu
(P. N .X.), que abrange uma área de 22 000 km 2 e
mantém dois Postos na região: o Pôsto Leonardo Villàs
Boas e. o Pôsto Diauarum. O;s grupos componentes da
"área do Alto Xingu" (Galvão, 1960: 16 e 28-9), in-
clusive os intrusivos, ficaram com a posse de suas terras
asseguradas e com assistência que lhes permite preservar
seus padrões culturais. Aí, pelo menos, êles estarão a
salvo das frentes de expansão da sociedade nacional (7 3 )
e o pro·c esso de integraç ão a essa sócieda:de, que êles
dever.ã o sofrer, poderá ser feito de forma racional.
Nesse ano, também, os Jurúna separaram-se em duas
aldeias. O motivo parece ter sido o da discórdia entre
famílias (S.imões, 1963a: 2 3 e Oliv·e ira, 1968: 1 ) . Fi-
caram divididos enti:e aldeia de Daá (localizada à mar-
gem direita do 'X ingu, cêrca de 1 h e 30" de barco a
m.otor, do Pôsto Diauarum) e aldeia de Bibina (locali-
záda meia hora da foz do Manitsauá, à marge1n esquerda
do X:ingu). .No ano de 1963' os Jurúna foram visitados
por Si-m ões que registrou um total d e 16 pessoas na
aldeia de Daá, estando os mesmos a ocupar l}ma ilha de
1

areia em frente à aldeia, por causa do receio de índios


hostís e desconhecidos que andavam rondando a região
(Simões, 1963a: 22 -3). Para a aldeia de Bibina êle deu
um total de 30 indivíduos, estando êsses índios também
' alojados numa ilha em frente, pela mesma razão que os
anteriores.
Em seguida os T rumái deslocam-se das proximida-
des do Pôsto Leonardo Víllas Boas para o Pôsto Diaua-
tum e são recebidos amistos.a mente pelos Jurúna, haven-
do-se tegistr.ado casamentos entre indivíduos componen-
tes dos dois grupos. Mais tarde, hõ primeiro semestre
de 1967, havendo os j urúna, por suspeita de "feitiçaria",
matado um índio T rurTu:ii, essas uniC.es foram desfeitas em
razão das tensões criadas.
Quando de nossa: primeira visita em 1966, perdu-
rava a divisão em duas aldeias "mas já se podia sentir
que Daá estava per:denclo a liderança de seu grupo"
( 0liveira, 1968: 1 ) . Nessa ocasião os Jurúna perfaziam
1

um total de 54 indivíduos. Em 1967, quando lá esti-


vemos nu:rna segunda vez, pudemos "observar o retôrno,
à aldeia .B ibina, das· famílias que compunham a aldeia .d e
Daá, com exceção de uma que lá permaneceu, misturan-
do-se a um grupo Kayabí que escolh·e u aquêle local para/
faz,e r roça.'' (;Oliveira, 1968: 1-2). Havia, então, um
total de 5 8 Jurúna.

(73) A r espeit o da atuação das frentes d e expansão da sociedade


na~cional veja-se Ribeiro (1957: 21-31) .

43
II. PôSTO DIAUARUM E POPULAÇÃO JURúNA

Pôsto Diauarum

Na reg1ao dos formadores do rio Xingu, no Estado


de Mato Grosso, foi criado em 14 de abril de 196 1 o
Parque Nacional do Xingu ( P. N. X . ) , pelo Decreto n. 0
50.455 e reg ulamentado pelo de n. º 5 1 .084 de 3 1 de
julho d e 1961. Êste Parque, cujos l~mites formam um
poiígono irregular, possui uma área aproximada de
22 000 km 2 e tem por objet ivo não só assegurar aos gru-
pos tribais da região a posse da terra que ocupam, g a -
rantindo-lhes a assistência médica, social e educacional
necessárias à sua sobrevivência física e cultural, mas tam-
bém supervisionar as atividades turísticas e cie ntíficas,
evitando quaisquer prejuízos aos grupos indígenas.
A fim de realizar as atribuições que lhe competem,
o P. N. X. mantém dois Postos de assistência e atraç ão
de grupos indíg enas: o Pôsto Leonardo Vil la s Boas e o
P ôsto Diauarum.
O primeiro dêles está situado à margem e squerda
do ribeirão Tuatuari, um pouco acima do limite meri-
dional do P . N. X . e assiste aos índios Awetí, Kalapálo,
Kamayurá P>, Kuikúro, Matipúhy, Mehináku, Nahukwa,
Waurá e Y awalapití.
O Pôsto Diauarum, por sua vez, localiza-se no rio
Xingu, pouco abaixo da foz do Suiá-missu. Sua área
de influência abrange os índios Jurúna, Kayabí, Suyá,
T rumái e T xukahamãe. f.ste Pôsto foi estabelecido pelos
irmãos Villas Boas em fins de 1948, quando da atração
dos índios Jurúna. Visava também servir de ponto de
apoio para incursões de pacificação dos índios Suyá e
T xukahamãe. Anos mais tarde veio a servir como ponto

(1) Cf . Barros Lima (1967) que apres entou uma t ese de douto-
ramento à Faculdade de F ilosofia, Ciências e Let ras de Rio
Claro-S. P ., versando sôbre as r elações entre os Kamayurá
e o P arque Nacional do Xingu (Pôsto Leon a rdo Villas Boas) .

44
de fixação dos Kayabí1 atraídos do Teles Pires para o
Xingu. Foi estabelecido em antigo sítio d e a ldeia Suyá
e, em períodos diversos, tem abrigado uma população
mista formada pelos índios que estão sob sua área de
influência.
Constitui-se de um quadrilátero d e casas c om dois
eixos paralelos ao barranco do Xingu e com um pomar
em que se inclui u' a maioria de frutas exóticas: laranjei-
ras, mangueiras de enxertia e limoeiros, ao lado de outras
nativas como pequizeiros e buritis. A maior parte dessas
á rvores frutíferas forma o centro da "praça" , que é cir-
cundada pelas habitações. No lado da mata , parale la-
mente ao rio, há uma pista de aviação, com cêrca de
1 000 m de comprimento por 40 m de larg ura , em terra
batida.
O Pôsto tem como principais instalações uma cozi-
nha-refeitório, residência do chefe d o Pôsto , almoxari-
fado e sala d e rádio-comunicações, um ranchão de hos-
pedagem , uma oficina e uma farmácia-enfermaria. Essas
dependências são servidas por água e ncanada e rêde elé-
trica. São construídas em pau a pique e cobertas com
alumínio ou palha, sendo o piso d e terra b a tida. As
demais construções, em madeira e palha, servem de re-
sidência aos grupos visitantes, havendo uma certa com-
partimentação na sua distribuição, segundo os grupos de
visitação mais assídua: Kayabí, Jurúna e Suyá. Os T ru-
mái, emigrados do Alto Xingu, foram por alguns anos
residentes fixos.
Os serviços de manutenção são realizados por índios
recrutados entre os vários grupos e d e fixação mais per-
manente. Quando lá estivemos, em 196 7, havia um tra-
' balhador Jurúna, dois T rumái e cêrca de 5 Kayabí. Afora
o chefe do Pôsto e a enfermeira, não existiam, em 196 7,
como no Pôsto Leonardo, outros servidores além da-
quêles recrutados entre os índios. Embora atualmente não
haja trabalhadores "civilizados" no Pôsto, tal fato ocorreu
por ocasião de sua construção, com pessoal da Fundação
Brasil Central (F. B. C .) . Os trabalhadores indígenas
atendem à cozinha, conservação da pista, motores e em-
barcações. A farmácia fica aos cuidados d e Cláudio
Villas Boas ou de auxiliares temporários. Os doentes
mais graves são transferidos para o Pôsto Leonardo.
Com muito menor freqüência do que aquêle, o Pôsto
Diauarum recebe e hospeda equipes médicas, cientistas e
pessoal militar em treinamento .
.o serviço de rádio mantém comunicação diária com
o Pôsto Leonardo, sendo as emergências atendidas por
avião. O tempo de vôo regula em cêrca de 40 minutos
entre os dois Posto~. Em geral êsses vôos se fazem com
avião do P.N.X .. Os vôos da F.A.B. (Fôrça Aérea
Brasileira) são irregulares. A comunicação entre um
Pôsto e outro também é feita por via fluvial, pelo Xingu.
A carga pesada costuma ser transportada em batelões,
com motor de pôpa, que gastam cêrca de 24 h em tal
percurso.

45
~ -
O Pôsto exerce as funcões de m e diador d as relacões
inter-tribais; fiscalizador das relações entre índios e "civi-
lizados"; provedor e doad o r de materiais, ou sej a, de
n ecessidad es a dquiridas no contacto com os "caraíbas'';
garantidor das te rras indígenas; preservador da flor a e
faun a e centro de assistência médico-sanitá ria. Com o
m e diador d as relações entre os Jurúna e os demais índios
da á r ea, o Pôsto procura evitar choques, contornand o
as situaç-ões quando se faz necessária a s ua intervenção.
Com o fiscalizador das relações entre índios e "civiliza-
~

dos" ê le só permite a e ntrada de pessoas previamente


cred en ciadas por uma instituição científica. Além d e zelar
pelo patrimônio cultural indígena, o Pôsto procura im-
p edir a dissemin ação de doenças contagiosas e a promis-
cuidade sexual entre índios e "civilizados". Como pro-
vedor e d oado r d e materiais êle supre n ec essidades de
sal, munição, cobertores, mosquiteiros e outras. Como
elemento que garante a posse efetiva das terras indíge-
nas e preserva a flora e a fauna da á rea impedindo a
e ntrada de caçadores, coletores e garimpeiros, o P ôsto
mantém um mínimo de condições essenciais à sobrevi-
vência d o índio. Finalmente, ao dar uma assistê ncia
m édico-sanitá ria p ern1anente, preser va a higidez d essa
população. P o r exemplo, quando um J urún a percebe
que somente os cuidados de um xamã não são suficie ntes
para curá -lo, ê le se desloca para o P ôsto Oiauarum o nde
te rá tra tamento. Dependendo da g ravidade do caso ê les
são removidos para o Pôsto Leonardo ou mesmo para
um centro d e maior recurso como Aragarças, Rio ou
São P aulo . Periodicamente os Jurúna recebem a visita
do Serviço de Unidades Sanitárias Aéreas (S. U. S. A.).
Com o co rolário dessas fun ções, o P ôsto Oia uarum
exerce um papel de contenção de tensões, uma v ez que,
como acreditamos, com a posse de suas t e rras assegu -
radas , tend o preservadas a flora e a fauna, r ecebend o
assistência m éd ica, social e educativa e cessando as h os-
tilidades a b e r tas inter e extra-tribais, os jurúna puderam
entra r numa fase de "pacificidade", ficando contidas as
tensõ es. Essa " p acificidade", portanto, parece prender-
se ao fa to d e que com ela os Jurúna conseguem s uprir
uma série d e n ecessidades já adquiridas anteriormente
em seus contactos com agentes diferen çados da socie-
dade n acio na l e, agora, a mpliadas no contacto com a
Expedição R oncad o r Xingu - Parque Nacional do Xingu.
É send o "pacífico" que o índio Jurúna consegue arma d e
fo go, munição, roupa, anzol, enxada, ancinho, foice, ma-
chado, remé dio, apetrechos de uso doméstico, sal, cara-
melos, r o up as e outras utilidades que, aos poucos, vão-se
tornando indispensáveis à sua vida. É sendo "pacífico",
ainda, que ê le pode se colocar sob a proteção d e um
órgão oficial e assim evitar os ataques ternidos, seja por
parte d e outros índios, seja de elementos ditos civilizados.
A credita mos, ainda, que embora as hostilidades não
se tenham mais manifestado como acontecia poucos a nos
a ntes, elas exis t em en'1 estado latente. Dir-se-á, pois, que Fig. 2

46
GRUPOS TRIBAIS
-
REGIAO DO ALTO XINGU - 196-1
Fonte: Cláudio Villos Boas

- 10

TXUKAHAMAE
-

•KAYABI Rio Auaia·_t-\·\ sv.


0 P DIAUARUM .

/KAYABI•

e slt/. .
•KAYABI
KAYABI ª -M1ssu

- 12
'
• eMATIPUHY
l llt.ll"'

~RÁ e eKALAFnLO
e _ 9(] P. LEONARDO
TXIKIC e HINAKU
'AWALAP1TI

AWETI
ti
e •
KUIKURO

~ ~
~
·O

o
~ 2
--·
Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai
www.etnolinguistica.org 47
os J urúna estão contid os. Essa c onte nçã0 por a lgum as
vê'z es fa lhou, como no caso dos d o is Jurún a, T utuná e
Xaduná, mo r tos pelos pró prios J urúna qua nd o dos p ri -
m e iros con tac tos com os V illas Boas. Outra ocasião e m
que h ouve uma vasão d e h ostilida d e contida deu -se, p e lo
q ue contaram , há m u it o p ouco te m po e as v ít imas foram
d ois seringueiros qu e se d irigira m à a ld e ia J urún a pa ra pe-
dir farinha. Esta lhes foi n egad a com a justificativa d e q u e
não a tinham. Com o a mbos tivessem demonstrado d es-
contentamen to, a lguns J ur ún t.., pretexta n do acompanhá-
los até o Pôst o O iaua rum, mataram-n os e m uma p ra ia.
N o p rimeiro sem estre d e 196 7 també m ocorreu um
extrav asamen to de tensã o. O fa to se deu pouco a ntes
d e chegarmos à a ldeia Jurúna. Dessa vez m atara m u m
índi o T rumá i q ue era casado com duas m ulhe r es J urún a :
Kal ue nê, a q u em todos chamavam d e f eiticeiro, la d rão
e pregniçoso. A lé m d êst es fatos concret os, ouvimos d e
índio Jurún a e de T r umái, que "se C lá udio fôr embora,
índio vai b rigar d e novo. lndio qua nd o fica bravo, b r i-
ga". Afirm a ram também os j urú na que, se os seringue i-
ros to rna re m a inva dir suas terras novam e n te, ê les os
m a ta rão <2 >.
P od e-se dizer , segund o os fat os ex postos, q ue os
J urún a estão acomodados, por conveniência, a uma si-
tuação de r elações p acíficas. A exp e r iência h istórica com
faces d ife rençadas d a socie dade n acional -missionários,
par tic ipan tes d e tropas d e r esga te e seringueiros, e ntre as
mais conh ecidas, levaram-nos a ser r eceptivos à a tuação
d o P ôsto. D epo is d e h avere m sido m assacrados e ex p lo-
rados po r "cara íbas" (dos quais os m a is r ecen tes são os
seringueiros ) , en contt:ara m uma situação fa v o rável à sua
sobreviv~ncia , o q ue os fê z acolher o que é o fe recid o
pelo P ôs to : gara ntia da te rra, provimento d e m a t eria l e
assis tê ncia médico-sanitária. Abrandadas as rivalida d es,
contidas as h ostilida d es e estabelecid o u m condic io n a-
m e n to d e relações permissíveis ou d e t olerân cia e ntre os
vários g rupos, a través da influên cia e mediação d o Pôsto
D iauarum, podem os Jurúna viv er ho je um c lima d e
m a io r tra nqüilida d e e se gurança . Sua sociedad e e cultura
n ão estão d ire ta o u ime dia ta m ente a m eaçad as por com -
pulsões externas. O seu e quipa m e nto tradicion a l de so-
brevivência para a caça , a pesca e a agricultura, é acres-
centad o d e imple m entos mais efe tivor., d e plástico o u
m etal, fo rnecidos pelo P ôst o e seu uso se equilib ra com
o d e m a nufaturas t ra dicio n a is c o mo o a rco, as fl echas e
a rmadilh0s. À indume ntá ria, às rêdes d e dormir e ao
vasilha m e de barr o junta m -se os d e nossa procedên cia.
E m outros aspectos, como a termino logia de p a r entes-
co, em.h o r a a intrusã o d e têrmos como "cunha d o " e
outros, é p re fe re ncia l o uso dos de sua pró pria tra dição.
Não sofr em um a imposição de idé ias re ligiosas o u a "tra-

(2) Por ocasião da morte de Kaluenê, os Kayabi mataram um


outro índio Trumâi que residia na aldeia Suyâ. Segundo
o informante Bisaká, os índios Txukahamãe e Kayabí tam-
bém mataram serin gueiros.

48
ducão" de seu conceito de heróis ou divindades em tê r-
~

mos n ossos. E, sobretudo, não lhes é imposto um con -


front o entre a sua e a nossa sociedade e a conseqüente
aceitação de valores. Assim, o ser Jurúna a inda é real-
mente uma opção. E ser Jurúna sig nifica participar de
determinadas a tividades econômicas, sociais e religiosas
conforme se m ostrará num capítulo posterior.
Na verdade, os Jurúna, reduzidos nume ricamen te
com o estão, tê m como melhor alternativa continuar a
ser índios. E demonstram ter co nsciência de tal fato .
Sendo índios, julgam t er um tratamen to especial. N essas
condições, mata r outro índio o u o "civilizado" ainda é
para ê les um e lemento d e prestígio e não um crime. Além
disso, têm a g arantia d a ocupação de suas terras e a
assistência do Pôsto Diauarum.

População (3 )

Uma aná lise demográfica dos J urúna implica numa


conceituação da expressão pop'u lação Jurúna, que aqui
será e ntendida como o montante d e indivíduos que resi-
dem nos limites das duas aldeias, conhecidas como Ju-
rúna, localizadas nas proximidades do P ôs to D'i auarum e
que participam de um a mesma o rganização sócio-eco-
A •

nom1ca.
A primeira notícia conhecida sôbre o contingente
populacional d êste g rup o (2000 indivíduos) data de
184 2 e foi indicada por Adalbert ( 1849: 31 7). Trata-
se de uma estimativa que lhe foi fornecida pelo padre
T orquato Antonio de Souza, sacerdote d e Souzel e mis-
sionário da região que e ntão estava send o v isita da por
• aquê;le viajante . Como estirnati'\·a, é provável que não
corresponda à realidade e mbora p ossa aproximar-se. Por
esta época d everia haver muitos Jurúna inco rporados à
sociedade nacional e não constantes dêsse total. Depre-
ende-se tal situação do fato de que, em período anterior,
por volta de 1782 ou 1 788, há unia observação de
Bae n a, 1839 : 1 1, que diz o seguinte:
"A índole m o ra l destes Sylvicclas afiança a
sua facil aggregação á Sociedade dos Paraenses, e
uma prestanç a semelhante a dos Muras, dos Mon-
durucús, d os J urunas, e d os Purupurús, os quaes
todos sacaõ dos m a t os as drogas,_ trabalhaõ nas sal-
gaçoens dos peixes, e na ex tracção d o azeite dos
o vos de Tartaruga, e prestaõ-se á esquipação das
canoas dos Mercantes."
També m Spix e Martius, 1938: 124, referiram-se a índios
Jurúna habitando Porto d e Moz em 18 19. E o próprio
Adalbert, 1849 : 2 7 S, menciona o fato d e que era fre-
qüe nte índios "civilizados" prestare m o serviço milita r.
Não faz uma r e ferência expressa aos Jurúna mas é pro-
(3) Cf. Oliveira e S alzano (196.9 ).

49
vável que isto acontecesse <'1 ) . .L\lém da incorporação à
sociedade envolvente, muitos Jurúna devem ter morrido
por efeito de contaminação em doe n ças que lhes eram
desconhecidas antes do primeiro contac to com os colo-
nos (5 ) . Ü 'e ssa forma, tendo-se como certa a observação
de Adalbert sôbre o montante populacional em 184 2, é
bem provável que em é poca anterior a esta os Jurúna
constituíssem um g rupo bas tante grande, cujo número não
excedesse a casa dos 2000. De 184 2 até 1967, passan-
do pouco mais de um século, a situaç ão se alterou con-
forme poderá ser visto na Ta.bela 2 (1>) .
Uma a nálise desta ta bela demons tra que d e 1 84 2
a 1928, n a mig ração e fetuada do 'Baixo para o Alto
Xingu, houve uma redução do número de aldeias e de-
créscimo acentuado da população, o qual poderá ser
explicado não só pelo extermínio através de armas e
por epidemias ocasionadas pelo contacto com elementos
alienígenas m as também por emig ração, ou seja, pela
"passagem" de Jurúna para a sociedade nacional, con -
forme já referira Galvão ( 19 S 2: 4 71 ) ( 7 ) . Em trabalho
anterior (Oliveira, 1968: 6) m C!stramos que os infor-
mantes Jurúna eram unâ nimes ao afirmar que quando
fugiram dos seringais " lá embaixo, na P e dra Sêca" , mui-
tos J urúna fica ram e lá se encontram (descendentes pro-
v àvelmente), "se a doença não acabou com todos ê les".
A precariedade dos dad os expostos impede uma e xpli-
cação plausíve l para o aumento populac ional efetuado d e
1928 para 1948-49. É possível que a referência numé-
1

rica do ano d e 1928 não corresponda à realidade. J á


a partir d e 19 48- 49, após o encontro com os irmãos
Villas Boas (Chateaubriand, 195 4: 5 4 e 80) os dados
apresentados foram coletados de forma mais sistemática
e demonstram melhor a situação de fato . Entre 1948-49
e 1950, logo após o reinício de conta cto com a fre nte
n acional, r egistra-se uma queda que os informantes atri-
buem a " feitiço" (cf. Cap. 1) . A partir de então n o ta-

(4) Para uma indicação geral do processo de incorporação do


índio à sociedade nacio nal, vejam -se os trabalhos sôbre a
Amazónia, de R eis (1940: 13, 14, 24, 36, 37, 42, 43, 48, 49,
54, 55, 56, 57, 105-6, 108-9 e 129; 1944: lü-1, 12, 13, 15, 23,
41 e 53; 1956a : 36, 43 e 44; 1956b: 6-11 e 13; 1965a: 15;
1965b: 20 e 51-2). Galvão, baseando-se em Reis, t ambém
aborda êsse proble1na (cf. 1964: 330-J).
(5) Sôbre os efeitos de contan1in ação e depopulação entre ou-
t ros grupos indígenas veja-se Ribeiro (1956 : 3-17) .
(6) As inforn1ações contidas nessa Tabela jã fora1n m enciona-
das no Cap. 1 e em um trabalho publicado previamente
(Oliveira, 1968: 2 nota 1), embora com alterações nos dados
referentes aos anos de 1966 e 1967, devidas a modificações
na forma de abordar o universo populacional Jurúna, que
tanto n un1 trabalho quanto nout ro fora1n devidamente de-
fillidos.
(7) De acôrdo com êsse autor, «no estudo dé acult uração de
grupcs indígenas um dos fatôres geralmente relegados a
segundo plano é a «passagem» de indivíduos tribais para
a sociedade cabocla, brasileira. Atribui-se o decréscimo em
n úmero exclusiva mente à dizimação per violência ou à
introdu ção de doenças contagiosas» (Galvão, 1952: 471).

50
...

TABELA 2 - A l>O{)ulação Jurúna através elos tempos

FONTE DATA I POPULAÇÃO LOCALIZAÇÃO

1
Adalbert (1849: 317) 1842 2000 19 aldeias - Baixo
Xingu
Brusque (1862: 19)
-
1859
-
235 (*) 3 aldeias - Baixo
-
Xin gu

Brusque (1863: 16) 1863 1 250 1X - Baixo Xingu
'
Steinen (1942: 280, 5 aldeias e 3 ran-
298, 301, 306, 309, 1884 230 ou 205 chos - Médio
311-3 e 418) Xingu
Coudreau (1897: 33) 1896 150 X - Mé<;lio Xingu
Nimuendaju (1948:
219) 1928 30 X - Alto Xingu
Simões (1963a: 22) 1948 1 aldeia - Alto
1949 45 Xingu
Galvão (1952: 469 ) 1950 37 1 aldeia - Alto
Xingu
- -
Simões (1963a : 23) 1963 46 2 aldeias - Alto
Xingu
-
Oliveira, notas de 1966 54 2 aldeias - Alto
campo Xingu
Oliveira, notas de 2 al deias, em vias
campo ( *~') 58 de 1 - Alto
Xingu

( ...º'') No relatório d e Brusque (1862 : 19) há uma contradição


quanto ao total da população Jurúna. Afirma êle, inicial -
mente, que o total de indivíduos pertencentes a cinco gru-
pos tribais, entre os quais se incluem os J urúna, era ava-
liado «em 3.000 almas». Logo depois d:iz que, dos cinco
grupos designados, «a nação Jurnna é a mais numerosa,
sendo sua população calculada em 3. 000 almas». Face a
essa contradição, que pode ser devida a um êrro tipogrã-
fico, preferimos utilizar o montante populacional atribuído
a três aldeias Jurúna: 235 indivíduos.
...." )
(>... Outros aut ores, como Malche r (1958: 34 nota 6) , R ibeiro
(1957 : 75) e Kiet7.man (1967: 28), sem experiên cia direta
na área, forn ecem, respectiva mente, os seguint es dados:
30, 50 a 100 e 60 in divíduos.

se um incremento d e mog ráfico, o que difere d os a lto-


-xin guanos, cuja população to ta l sofreu um decréscimo
de 1947 a 1963 (cf. Galvão & Simões, 1966: 45).
O aumento populacional que parece estar-se verifi-
cando e ntre os Jur úna provàvelmente t em suas causas
nas condições. mantidas pelo P. N . X. e, especiJicamen-
te, nas do Pôsto Diauarum (S ) . 'Ê ste tem possib ilitado e

(8) Os Jurúna e os grupos do Alto Xingu recebe1n a mesma


assistência do P. N. X. Entre êsses últimos, uma das cau-
sas do decréscimo poderia s er atribuída às epidemias (sa-
rampo, gripe - ver Mota, 1955: 131-41). Com relação
aos Jurúna não se têm informações dessas ocorrências.

51
incen tiva d o ta l a umento populacional a tra v és d e: 1.0 )
manutenção a rtific ia l d e uma situação d e contacto inter -
mitente (9 ), assegurando aos índios " um ritmo m a is len to
d e m ud anças, que n ã o ameace su a sobrevivên cia . .. "
( Ribeiro, 1 9 5 7 : 1 4 ) . - 2 .0 ) ce:=;sação d as incursões h os-
tis, causad o ras d e m o rtes, que se v e rificavam e ntre os
Jurún a e os K a mayurá, e ntre os Jurúna e os T rumá i e
e ntre os J urúna e os T x uka hamãe, com a p acificação dês-
tes g r upos. - 3. 0 ) assistênc ia médica d a d a pelo P ôst o,
pod end o-se, agora, contro lar m o léstias que lhes era m fa-
ta is ( cf. Galvão & Simões, 1966: 4 6 ). - 4 . 0 ) impedi-
m e nto da ação r ecru t a dora d os seringueiros, os qua is
f or a m respon sáveis p eio extermínio d e m u itos Jur ú na (J O) .
- 5 .0 ) a p osse d e terras a sseguradas com a c riação d o
P . N . X. Esta garantia do terr itó rio triba l, liv ra nd o-os
d e u ma série d e compulsões, parece ser um e le m e n to
fun dam e ntal n o d esej o de um incremento populacional,
por parte d os Jurúna (Olive ira, 1968: 3).
,Ê sse aparente a ument o demográfico fo i possib ilita d o
n ão só pelas condições m a ntid as pelo P ôsto D ia uarum,
m as parece ta mbém ser d evido a o piocesso d <.: acomo d a -
ção à socie d a d e n acio nal.
Os 5 8 indivíd uos m e ncio nados n a tabela 2 com o o
m o n tan te populacio na l d o g rupo Jurúna e m 196 7, apre -
senta m uma co mp osição por sexo, ida d e e si tua ção qua nto
ao casam e n to, q ue se a cha e xplicita d a n a ta b e la 3 <11 ) .

(9) Para uma definição de contacto intermitente, veja-se


Ribeiro (1957: 11-2) .
(10) Sôbre êst e fato há um depoimento de Nimuendaju n o qual
êle r elata un1 massacre dêstes índios, ocorrido em 1915:
«l!:ste Constantino Viana merece algumas palavras: con-
tando hoje uns 60 e tantos anos, é, h á 30 anos, o último
morador no Alto Xingu. Dur an te êsse ten1po, por diver-
sas vêzes, teve contato com ín dios, em consequência do
que êle próprio se convencebl do seu papel de «amansador
dos bichos». Pode-se dizer mesn10 que tem prazer neste
mister. As suas prin1eiras vítimas foram aquê.Jes míseros
restos dos Yuruna, dan tes tão numerosos, que tinham fu-
gido a té acima da Cachoeira de lVIartins. Constantino
mandou buscá-los por un1 m a teiro, trip ulou logo uma em-
barcação grande com 15 canoeiros Yuruna e desceu a Alta-
mira, onde 13 dêles mor reram miseràvelment e: eu mesmo
assisti esta tr agédia em 1915. Quando os que haviam fi-
cado no barracão souberant o que acontecera, o seu velho
ch efe Máma fu giu com o resto ria acin1a, levando uma
canoa de Constantino. Ê ste perseguiu os fugitivos, alcan-
çou-os e m assacrou-os. Debaixo das gargalhadas dos seus
cabras êle mesmo me contou esta façanha.» (1952: 432).
(11) Na elaboração dessa tabela consideramos como perten-
cente à categoria de solteiros, aquêles indivíduos que na
época da pesquisa, em julho de 1967, não se achavam liga-
dos por laços maritais a nenhuma outra pessoa. Como
casados foram incluídas as pessoas que no momento da
pesquisa viviam maritalm ente com indivíduos do outro
sexo, con1 os quais possuíam direitos e deveres. Na catego-
ria intitulada separados for am colocadas as pessoas que já
haviam sido casadas e q ue, na ocasião da pesquisa, haven-
do-se desfeita a união, ach avam-se sós. E, finalmente, por
viúvos entendem-se aquêles indivíduos que na época da
pesquisa já haviam sido casados e que tiveram s uas uniões
desfeitas pela morte do outro cônjuge.

52
TABELA 3 - População estimada dos Juríma do Diauarum, segun<lo sexo, classes
de idade e situação quanto ao casamento - .i ulho d e 1967 ( *)

Homens M u 1h e r e s
1
--
Classes 1 Total
T otal
de pa- T otal 1 S e- dos
Sol- Ca- Sol- Ca- de
idade Viú- de pa- Viú-
tei- sa- ra-
vos ho-
t ei- sa-
ra- vas mu- dois
(em an os) ros dos dos ras das lhe- sexos
mens das
res
- 1

1

0 - 4 7 - - - 7 6 - - - 6 13
5-9 5 - 1
- - 5 5 - - - 5 10
10 - 14 3 - - - 3 - 3 - 1 4 1

7
15 - 19 1 - - - 1 - 1 - 1 2 3
20 - 24 - 4 - - 4 - 3 - - 3 7
25 - 29 - 4 - - 4 - 2 - - 2 6
30 - 34 - 2 - - 2 - 2 1 1

- 3 5
35 - 39 - 1 - - 1 - 2 - - 2 3
40 - 44 - - - - - - - - - - -
45 - 49 - - - - - - 1 - - 1 1
50 - 54 - 1 - - 1 - - - - - 1
55 - 59 - 1 - - 1 - - - - - 1
60 e + - 1 - - 1 - - - - - 1
• '
total 16 14 - - 30 11 14 1 2 1 28 1 58

(*) Êstes dados diferem dos a presentados por Nutels (1968: 69), que os coletou no
mesmo ano que nós, em:
a) - totais: Nutels: 49
Oliveira: 58
b) - as classes etárias ordenad as pela Autora, com exceção da r eferente a 15-19
anos, possuem tôdas um m aior número de pessoas do que as apresentadas
por Nutel s. Todavia, somando-se essa classe (15-19) com a anterior (10-14),
em ambos os levantamentos, o r esultado é o mesmo : 10. É provável que
essas discrepâncias reflitam uma difer ença de avaliação de idade, do t otal
de indivíduos computad os, da definição do que seja população Jurúna e
do t empo de obser vação que para nós durou cêrca de seis meses.

A idade das pessoas incluídas nos d iferentes seg-


mentos etários que compõem a tabela 3 e que entrarão
em tôdas as análises posteriores foi estimada C12 ) por nós
através de observação direta, informação dos índios e
de Cláudio Villas :B oas que vem tendo contacto com os
Jurúna há vinte anos. ·Ê ste sertanista foi de grande im-
portância na avaliação da idade dos indivíduos mais
velhos do grupo.
Uma análise dos dados que compõem essa tabela
revela um relativo equilíbrio entre os sexos, sendo que
a população total é composta por 5 1, 8 % de elementos
do sexo masculino e 48, 2 % do feminino. Dêstes ho~

(12) Procuramos dirninuir a imprecisão n ecessàriamente exis-


tente neste tipo de estimativa incluindo os indivíduos em
classes etárias.
mens dois são imig rantes que, em respe ito à. regra d e
matril ocalidade que vigora na área do Pôsto Diaua-
rum (J s ), passaram a fazer parte do contingente popula-
cional d a a ldeia Jurúna através de casamento com mu-
lheres do grup o em questão.
Nota-se, a inda, que a partir da classe d e idade de
1 O- 14 anos, tôdas as mulheres do g rupo já se ach am
casadas, havendo duas viúvas e uma separada. O m esmo
não ocorre com os homens, que se casam a partir dos
20 anos. A s conseqüências de uma tal situa ção é que
existe um home m já adolescente e outros entrando na
adolescência sem perspectivas imediatas de casam en to ou
que, num futur o próximo, só terão tneninas co mo espô-
sas. As duas viúvas são vedadas ao adolescente por se-
rem filhas d e irmãs do mesmo, enquanto que a mulhe r
separada é uma de suas irmãs, o que impede qualquer
re lação marital e ntre arnbos. Também as três mulheres
que agora, depois d e haverem sido casadas, se e n con -
tram sem m a rido, estão sem perspectivas d e um novo
casam e nto com indivíduos do g rupo . Is t o leva tanto o
homem quanto a mulher a desejar p rocurar e le m e ntos
do sexo oposto fo ra da aldeia. Contribuem para tal fato
as pro ibições r e lativas a casamentos com pritnos parale-
los. E n ão pode ser esquecido que os atuais Jurúna ~o
D iauarum estão ligados por laç os de parentesco muito
próximos. Casando-se num âmbito inter-tribal, p or cau sa
da matrilocalidade os homens Jurúna terão que deixar
s ua aldeia e ir v iv er na de suas espôsas. Já as mulheres,
ao contrário, atrairão seus maridos para o local d e suas
residências. Ante a perspectiva de perdere m seus ho -
m en s, p or falta de mulheres com quem possam casar
dentro d o próprio g rupo, os Jurúna, cuja vontade d e
crescer para n ão desaparecer como entidade triba l pa-
rece ser bastante g rande, passaram a valoriza r muito o
nascimento de uma menina. O s informantes j urúna di-
ziam que "o bom é ter filha mulher". O d esejo d e
sobreviver com o grup o leva a uma valorização d e filhos
do sexo feminino porque pelas regras de residên cia, pelo
casamento as mulheres atrairão mais h o m ens para o
grup o . E êst es homens são de g rande valia ao coop era-
rem com os sogros não só nas a tividades de subsis tência
mas em tôdas as requeridas.
A re la ção d e parentesco aproximado, as proibições
d e consangüin ida d e quanto ao casamento e a r egra d e
residê ncia m a trilocal, levam à conclusão de que em
breve , e parece que isto já está ocorre ndo, h averá um
intercâmbio d e homens entre os nascidos na a ld eia Ju-
rúna e nas de outros índios, com a consequente vinda
d e elementos a lien ígenas do sexo masculino para o g rupo

(13) Observamos durante as pesquisas que os grupos compo-


nentes da área do Di auar um são matr ilocais.

54
60e+
55-59

50 ~54

45-49
''
40-44
35-39

30-34

25 "29
.

/
1
20-24
15-19:
.

10-14
.

5-9
Fig. 3 - Pirâmide a., 0-4
idade e de sexo pa-ra a '

popul~ão Jur(tna, em
julho de 1967. MULHERES
HOMENS

Jurúna e com a saída de homens Jurúna para outras


aldeias (14 ) .
Os dados c,ontidos. na tabela 3 per mitem a constru-
ção de uma pirâmide de idade e de sexo ond e podere- 1

i mos observar melhor as características dos perfis de


idade.
Embora não possamos fazer uma análise detalhada
desta pirâmide, porque a natureza dos dados não a per-
lJlÍte, acreditamos ser poss.jvel verificar que ela de~ota :
1•() )
uma relativa baixa longevid?-de pelo conJin-
gente dos últimos segmentos etários.
2. 10 ) uma tend~ncia potencial de cresci1nento de-
mo,gráfico que, se n.ã 0 fôr perturbado por outras causas,
darã à pirâmide, dentro de a lg umas ger-ações, um perfil
regular. A percentag;,em de indivíduos de 9· anos para
baixo, sendo da orelem àe 39,6 % parece indicativa de
uma p.opula ção em condições de cres.c imento. Outra indi-
caç~o dêste fato fica evideneiacl.a soman.do-se o contin-
gente das três primeiras subdivisões da base cujo total
contém 5 l,8 % da população global. Ü 's outros 48,2 %
fic.aII1 assim distribuídos entre as classes de idade resta.n t es.

(14) Em julho de 1967 havia na aldéia Jurúna dóis homens


Kayabí casados com mulhere:s daquela alde ia~ enquanto
que três elementos do sexo masculino, n ascidos no grupo
Jurúna, a chavam-se fora: dois dêles casai:los com mulhét·es
Suyá e vivendo n e.s sa aldeia, enquant 0 que um outro estava
ca satló com uma mulher :Kama,yutá e morava no Pôstb
Díauarum., onde prestavà servi~ós.
TABELA 4 - Distribuição de freqüência do 11ú1n ero de filhos
nascidos vivos das mulheres Jurúna - julho de 1967

N:· de f ilhos N.º de mulheres Total de filhos


(a) (b) (e) = (a) X (b)

9 1 9
7 1 7
5 3 15
3 2 6
2 1 2
1 3 3

1: (b) -- 11 ,,...., (e) - 42

TABELA 5 - Distribuição dos filhos nascidos vivos segu ndo as classes etárias das
mães em julho d e 1967 e segundo a idade das mães na época dêsses eventos.
\

Classe
etária
l Número de filhos segundo as
classes etárias das mães na
N.º de
filhos
Média
de filho
por
Especifica - época dos nascimentos
das ção das nascidos mulher
mães em vivos em
mães
julho --- por cada
de 1967 10-14 20-24 25-29 mulher classe
15-19 30-34
etária
1

20 - 24 a - 1 1 - - - 1
b
e
-- 1
2 1
-
-
-
-
-
-
1
2 .
1,3
1 •
25 - 29 d 1 1 2 1(*) ' - 5
3
e - - 1 - 1
- 1
1
30 - 34 f - 1 2 1 1 ' 5
g - 1 1 1 - 3 3,7
h - 1 - 2 - 3
35 - 39 i - 3(**)
2 ('" ~·.. ... )
1 1 2 7 8
j 2 1
'
~.· ~.
- 3 2 9
1

40 - 44 - - 1 - - - i
1
í
- - -
1
45 - 49 1 - 1 3 1(*) 1 - 5 5
T otal de 1
1
filhos - 3 14 10 10 1
1
1
5 42
T otal de
m ães 11 - - - - 1
1
- -

(*) Já eram mortos em julho de 1967.


(**) Dois, d êstes três, já eram mortos em julho de 1967.
(***) Um dêstes dois, em julho de 1967, achava-se fora do P . N. X . em tratamen to.

56
3. 0 ) um relativo equilíbrio entre os sexos e nas
próprias faixas de idade da base.
A fertilidade <15 ) das mulheres Jurúna será estudada
através dos dados contidos nas tabelas 4, 5, 6 e 7.
O ·s valôres tabulados da tabela 4 permitem que se
tire uma média aritmética que indica 3,8 filhos em média
para cada mulher de mais de 20 anos. Tôdas as mu-
lheres nesta categoria já tiveram filhos nascidos vivos.
Compare-se esta média com dados acessíveis para outros
grupos tribais. e indicados na tabela 6.
As notas existentes na tabela 5 sôbre o número de
mortes verificadas entre os 4 2 nascidos vivos de mu-
lheres ainda vivas indicam que elas foram em. pequena
escala, sendo 4, das quais 2 etn indivíduos com menos
de 1 ano, outra em u1n com idade entre 15 e 19 anos e
a outra em indivíduo cuja idade não conseguimos estimar.
Levando-se em conta a precariedade d.os dados que só
foram baseados na memória dos informantes, a mortali-
dade <16 > aferida entre êsses 4 2 indivíduos foi da ordem
de 9, 5 % . E 90, 5 % sobreviveram. Essa informação,
cuja base já foi apontada como precária, difere radical-
mente da fornecida para os Kuikúro, cuja taxa de mor-
talidade "eleva-se a 5 6, 4 % , já que das 109 crianças
sobreviveram apenas 46" (Ribeiro, 1956: 28). Uma
possível baixa mortalidade entre os Jurúna atuais poderá
ser atribuída ao cessamento de hostilidades inter-tribais
e ao atendimento médico do P. N. X. que em tempos
passados era inexistente.
A tabela 5 também fornece dados ilustrativos para
mostrar a fertilidade de cada seg mento etário. As 1 1
mulheres que já eram mães em julho de 196 7, conforme
se pode ver nas tabelas 4 e 5, tiveram o início de sua
fertilidade distribuído entre as classes de 1O- 14 anos,
15-19 anos e 20-24 anos, de acôrdo com o que está
explicitado - na tabela 5.
·A tabela 5 evidencia ainda que:
1. 0 )A fertilidade começa cêdo no grupo Jurúna,
-

encontrando-se duas mulheres na faixa de 1O- 14 anos


como a faixa inicial. Entretanto, em julho de 196 7, não
havia nenhum elemento do sexo feminino compreendido
entre os 1O e os 19 anos que já houvesse iniciado o seu
período de fertilidade, embora casada. f.ste último dado,
que se acha evidenciado na tabela 5 parece ser devido
ao fato de que uma das 4 mulheres compreendidas na
faixa dos 1O aos 14 anos ( cf. tabela 3) é ainda impú-
bere e se acha ligada ao indivíduo mais v<'lho da aldeia.
Uma outra está viúva e, dentro do grupo J urúna, não

(15) Segundo Salzano e Freire-Maia, «a fertilidade potencial,


que representa a capacidade biológica para se reproduzir,
é comumente referida como «fecundidade», e nquanto se
reserva a palavra «fertilidade» para a expressão dessa ca-
pacidade biológica» (1967: 48).

57
TABELA 6 - Núme ro m é clio ele filh os por mãe e m 4 grupos
indígenas brasileiros

Média de filhos
Grupo tribal por mãe Fonte

Bororo 3,3 Baldus, 1937: 12-4


(1934)
Xavante Salzano e Freire-Maia,
(1952-64) (*)
3,3 1967: 52
Kaingang Salzano e Freire-Maia,
(1957-1963) (*) 4,8 1967: 52
1

Jurúna
3,8 Oliveira (**)
(1967)

( *) Informações pessoais de Salzano.


(**) Dados obtidos en1 pesquisa de campo.

há ning uém com quem possa unir-se por causa das proi-
bições matrimoniais inerentes à organização social dos
mesmos. A s o utras duas casaram-se pouco antes d e julho
de 196 7 e, desta forma, ainda têm possibilidades d e
virem a te r filhos antes dos 15 anos. Quanto às duas
incluídas n a c lasse de 15 a ·19 anos, uma delas ach ava-se
g rávida, e nquanto que a outra estava viúva e tamb ém
sem ter com quem se casar dentro do g rupo.
2 .'º ) - Os dados indicam que a maior parte das
mulheres ( 8 em 11), já mães, tiveram o início d e sua
fertilidade no segmento que vai de 15 a 19 ê1nos, sendo
êste o d e m a io r freqüência.
Do g rupo de 1 1 inulheres já m ães apenas
3.0 ) -

uma in1c1ou seu período fértil no segm e nto d e 2 O a


2 4 anos.
4 ..o ) - O maior número de filhos - 9 - é e ncon -
trado numa mulher que começou a tê-los e ntre 1O e 14
anos e que conta atualmente 35-39 anos, portanto ainda
em pleno período fértil.
Outra forma de se ava!iar a fertilidade é a relação
criança / mulhe r <17 ) que pode ser vista na ta b e la 7 onde
os Jurúna apresentam-na maior que a de populações
regionais d a Amazônia.
O espaçamento de filho para cad.a uma das 8 mu-
lheres que já o tiveram mais de uma vez pode ser visto

(16) Não trabalhamos com índices de mortalidade porque não


possuíamos dados suficientes para est abelecê-los.
(17) Para se calcular a r el ação cria nças/ mulheres divide-se o
número de crianças de 0-4 anos pelo número de mulheres
compreendido n a faixa et ária de 15-49 an os.

58
TABELA 7 - Relaçã.o crian ças/mulheres em um grupo tribal
e em três estado~ do Brasil

Grupo tribal e R elação


Estados crianças/mulheres F onte

Jurúna (1967) 1,00 Oliveira ( *)


Amazonas (1960) 0,83 Recenseamento - 1960
P ará (1960) 0,76 Recenseamento - 1960
Acre (1960) 0,92 Recenseamento - 1960

(*) Dados obtidos em campo.

TABELA 8 - Espaçamento entre os nascimentos <le um filho


:e outro, para cada mulher e o tempo médio dos mesmos

Especifica ção Espaçamento Tempo


das mães (em anos) médio

c 2 2
d 4- 3- 2-- 3 3
f 3-2- 5-4 3,5
/
g 9- 2 5,5
h 8- 3 5,5
i 2- 2- 3- 5-4-2 3
j 2 - 2 - 3- 7- 1- 2 - 3 - 2 2,75
l 3-2-2-2 2,25

na tabela 8 e a distribuição da freqüência d os espaça-


mentos na tabela 9 e na fig. 4. A distribuição de fre-
qüência dos espaçamentos possui os seguintes paràme-
tros centrais: moda - 2 anos; mediana - 3 anos; média
- 3,2 anos e, como limites extremos de variação: 1 e
9 anos. A maioria dos espaçamentos, entre 2 e 3 anos,
compreende 7 r % ( cf. tabela 9) do total. :f.ste fato po-
derá estar relacionado à prática do aleitamento, que cos-
tuma prolongar-se por cêrca de 2 anos, o que poderia
diminuir a fertilidade da mulher de 1 a 2 anos após um
nascimento. Tais espaçamentos indicam que a população
está-se reproduzindo com razoá·v el velocidade. Por ou-
tro lado, outros fatores cuja importância não pode ser
avaliada precisamente, poderão influir na d emora mais
prolongada dos espaçamentos. São êles:

59
TABELA 9 - Freqiiência do mesm o tempo de espaçam ento
e as r espectivas percentagens

E spaçamento %
Freqüên cia sôbre o total
(em an os) de espaços
J_
-~- -
1 1 3%
2 14 45 %
3 8 26 %
4 3 10%
5 2 7%
6 - -
7 1 3%
8 1 3%
9 1 3%

total 31 100%

Frequência
14
J
13

12

11 •

10

8 •

(j - 2 3 4 5 6 7 8 9 F ig-. 4 - Dis tribu i ção


ele fre qüên cia dos es-
Espaçamentos ( em anos) p açam entos.

60
1. 0 ) provocação de abôrto (is ) ;

2. º ) - eventual uso de anti-concepcionais prepa-


rados à base de uma determinada planta. Apenas um
informante referiu-se especificamente ao fato.
A composição quanto à filiação tribal do grupo
atual de indivíduos que se consideram Jurúna poderá ser
vista na figura 3 5 do Cap. III. A observação dessa
carta genealógica leva à conclusão de que os remanes-
centes J urúna do D'iauarum, com exceção de apenas um
- Káia - são todos descendentes de casame ntos inter-
-tribais realizados entre índios J urúna e índios Xipáya,
T aconhapé ou T acunyapé, Suyá, Kamayurá e T rumái. E ,
mais recentemente, há os descendentes- dos c asamentos
entre os dois homens Kayabí com mulheres que já faziam
parte do grupo. Apesar dessa ascendência miscigenada
em que além de outros grupos também indígenas pro-
vàvelmente devem ter entrado indivíduos de origem · eu-
ropéia ou africana (cf. Cap. I) a atual população Jurúna
participa de um padrão cultural con1um que aqui será
chamado de cultura Jurúna o que faz com que Jurúna
seja definido neste trabalho como urn conceito cultural.
Entenda-se, porém, que essa oultura Jurúna, embora so-
brecarregada de elementos tradicionais, sofreu mudanças
em virtude dos contactos com a frente indígena e nacio-
nal que, entretanto, não a descaracterizaram. E, como
tal, a população Jurúna só pode ser entendida dentro
de seu contexto cultural que a distingue dos den1ais gru-
.
pos x1nguanos.

...

( 18) Não conseg uimos maiores detalhes, como por exen1plo


o número dos abor tos praticados pelas mulheres e a téc-
nica empregada, q ue é referida com o sendo a compr essã o
do ventre.

61
111. CULTURA E SOCIEDADE

Após três séculos de contactos com elementos de



outros grupos tribais e da sociedade nacional, tenham
sido êles missionários, participantes de tropas de resgate,
seringueiros, etnólogos, sertanistas, médicos e outros visi-
tantes ocasionais, a cultura e a sociedade Jurúna sofre-
ram pressões de ordem econômica, biótica e social. I

Uma vez que os dados refe:rentes à cultura Jurúna


em épocas passadas são escassos e que o pequeno nú-
mero dos atuais remanescentes não oferece informantes
que possibilitem uma visão clara da situação anterior,
pensamos que, se somarmos os dados por nós obtidos
em campo, com os da bibliografia histórica existente e
accessível, poderemos dar uma amostra da cultura e da
sociedade Jurúna, as quais apresentam tanto caracterís-
ticas tradicionais como as comuns a o utros grupos tribais
e mesmo à sociedade nacional. Não obstante às influên-
cias sofridas pela aquisição de novos objetos e possivel-
mente de novos padrões de comportamento, os Jurúna
ainda mantêm uma identificação tribal, conforme se po-
derá verificar no presente capítulo. Apesar dessa identi-
ficação tribal e de uma auto-suficiência que ainda não foi
perdida, as necessidades já adquiridas fazem ..::om que os
Jurúna dependam bastante de nossa sociedade, repre-
sentada pelo Pôsto Diauarum, o qual , no mornento, é o
ponto central de tôda uma área de influê ncia. Êsse Pôsto,
entretanto, representa uma agência extremamente quali-
ficada no sentido de filtrar, trans1nitir e estimular emprés-
timos de nossa cultura.
Pretendemos, nesse capítulo, dar uma idéia da for-
ma pela qual a cultura e a sociedade jurúna se manifes- Fig. 5 - Rio Xing·u:
tavam em tempos atrás e a sua fisionomia atual. Simul- aldeia Bibina.

62
tâneamente serão mostrados alguns pontos característicos
de semelhanças e diferenças existentes entre ela e a alto -
-xinguana, dada a possível mútua influência que uma
exerce sôbre a outra.

a ALDEIA

A aldeia Bibina em 1966 e 1967

Confo-rme pôde ser visto no Cap. 1, a aldeia Jurúna,


cujo capitão (i) é Bibina, foi estabelecida em sua atual
localização num período relativamente recente, cêrca de
20 anos. A antiga ficava um pouco mais abaixo.
Em épocas passadas os J urúna erguiam suas aldeias
preferentemente em ilhas, a fim de ficar mais a salvo das
incursoes levadas a cabo por grupos que, então, lhes
eram hostis. Hoje, sob a influência do P. N. X., pare-
cem ter perdido o antigo receio ( cf. Adalbert, 1849:
31 5; Moraes, 1860: 5 04; Brusque, 1863: 16; Steinen,
1942: 2 79, 280, 298, 301 , 302 e 305; Nimuendaju,
1948: 2 2 7; Chateaubriand, 1954: 68, 80 e 82).
-
As casas que compoem o agrupamento por nos ,
visitado foram construídas num barranco de 9,50 m (Z)

(1) Usamos aqui o têrmo português: capitão, que é comu-


mente empregado para indicar o chefe da aldeia. O uso
de tal tern1inologia é corrente entre os grupos do Alto
Xingu.
(2) Dado fornecido pessoalmente por Mário F. Simões. Medida
realizada durante a vazante, en1 julho de 1966.

63
de altura, situado na margem esque rda do Xing u , logo
abaixo do rio Manitsauá e distante cêrca de 1h30' a
motor ( 12 HP) da aldeia Daá (descendo o rio) e
2h4 5' do Pôsto Oiauarum (descendo o rio) ( 3 ) .
Essa localização ripária da ald eia permite a seus
habitantes não só facilidades para a p esca m a s também
para o abastecimento d e água. E é das matas que ladeiam
o rio que êsses índios obtêm a lenha para a combustão.
O rio Xing u é, até o momen to, a ú nica via de comu-
nicação dos J urúna com outros grupos tribais e com o
Pôsto Diauarum. Na aldeia existe um campo d e pouso
inacabado. Futuramente é provável que, junto com as
canoas, o s aviões constituam um transporte que ligará
os Jurúna a o Pôsto Diauarum e outros locais exteriores.
A dis posição das casas na alde ia Bibina não indica
uma forma específica. Em 1966 ela obedecia a um eixo
vertical ao rio (do lad o direito d e quem está de costas
para o rio) , composto por três moradias em estilo cabo-
cio e um g alinheiro co m teto de 4 águas, um chiqueiro
de uma água construído num eixo paralelo ao a nterior
e uma grande habitação dentro do modêlo tradicional,
paralela ao rio e entre o s dois e~xos ve rticais. Em 196 7
êsse chique iro já não existia e f ôra a crescentado ao con-
junto um a brig o de cons trução precá ria, erguido entre a
casa tradicional e uma das habita ç-ões de 4 á gua s, fican-
do, pois, paralelo ao rio Xingu.
O terre iro fronteiro às casas é li;.npo d e v egetação,
exceto por uns pés de mamão, urucu, uma mang ueira e
um piquize iro. Logo a trás da casa tradicional, que se
poderia chamar de 1nalocão <4 >, há uw.a peque na plan-
tação de piquis e , urn pouco mais a lém, fica o c ampo
de pouso que possui uma pista com 300 m de c ompri-
mento por 30 m de larg ura aproximadamente . Posterior
a êste exis tem algumas roças que em 1966 es tavam co-
meçando a ser abandonadas por sere m velhas e, que em
196 7, já não eram mais utilizadas. Para se cheg ar a
estas roça s que são em número de três, há duas picadas
que cortam a mata.
Bem em frente à aldeia fica o pôrto Jurúna , que é
de fácil acesso. Em geral nêle est3o a tracadas 4-5 canoas.
Ainda defronte a essa povoação e ao pÔrto há, durante
a estação sêca, um banco de areia que fica quase no meio
do rio. iÉ utilizado para pubar mandioca, para enterrar

(3) Em um a viagem q ue fizemos com os Jurúna, num a ubá


por êles co nstruí da, su bindo o r io em direção ao Pôsto
Diauarum, gastamos cêr ca de 15 h . consecut ivas. Apesar
da viagem a remo ser demor ada, a creditamos que o per-
curso pudesse ser feito em m e nos t empo se os índios não
parassem m uitas vêzes para ca çar e pescar.
(4) Segun do Stradelli, cita do por Ba ldus & Willems (1939 : 146),
maloca é «a cas a de r esidência fixa , onde o indígena vive
en1 comum sob a égide do dono da ca sa, e que re une sob
o seu teto mais de uma família ». Aqu i cha m amos a ca sa
trad icional de m alocão porque a lém de ser a única a se
e nqua d rar, em 1966, den t ro da definição citada, era a
maior h a bitação da aldeia.

64
Fig. 6 - Aldeia banana verde a fim de con servá -la e µara as correrias e
Bibina: n Htloca
tradic ion a l.
brincadeiras das crianças. Seg undo os informantes, oca-
sionalmente, durante o verão, são con struídos tapiris nessa
ilha. Não tivemos oportunidade d e v ê-los. Apenas a
estrutura de um dêles pôde ser observada, demonstrando
que êsse tipo de hab itação possui duas águas e é cons-
truído com troncos de pindaíba e f ô lha de ina já.
O diâmetro dêsse conjunto é cêrca de 150 m.,
ultrapassando i.::m pouco o camp o de pouso e iniciando·
se no barranco que leva ao pôrto.
O malocão está a 60 m aproximadamente do rio
Xingu e situa-se quase n o centro da aldeia ( 5 ) . Construí-
do no formato tradicional, é a maior habitação da aldeia,
possuindo 12 m d e largura por 4, 5 m de comprimento
e 4 m de altura, apro xima d amente. Não possui divisões
internas. Su_a armação é com 1)osta por varas flexíveis
fincadas no chão de te rra batida e que se curvam em
direção à cumeeira, formando o único suporte para a
cobertura. Não há dis tinção e ntre teto e parede. A fim
de s ustentar as varas, há 7 es te ios rolic os centrais, 8 fron -
~

tais, 2 laterais (lado dire ito, apen as - de costas para


o rio) e 7 na parte post erior d a casa. Êsses esteios são
sustentados horizontalmente p o r travessas que, em geral,
servem para a armação d e jiraus.
Essa casa é along ada, d e planta elíptica, com os
lados menores arre dond a dos ( cf. Oliveira, 1968: 13).
Na parte anterior e central do r a ncho e em cada um dos
lados mencionados há uma abertura. Adalbert que des-
c reve uma casa semelhante a esta, vista por êle em 1842,
refere-se apenas às duas portas la te rais. Não faz menção
à central (1849: 249-50). A cobertura é feita com pai,.

(5) Dados fornecidos pessoaln1ente por l\tlário F . Simões. Vejaft


-se nota 2.

65
mas de inajá e com an1arrilhos d e cipó ou e nvira. Steinen,
1942: 301, menciona essa modalidade de cobertura entre
os Jurúna.
As outras habitações, apesar de terem um ta manho
variado, enquadram-se d e ntro d e um modêlo que fog e
do tradicional. Nimuendaju também faz referência a
dois tipos de moradia s e ntre os Jurúna, sendo um dêles
o original. O outro é semelhante mas não igual ao atual
( c f. Nimuendaju, 1948: 2 2 7) (o )_ As três casas que
estão dentro dessa segunda categoria já sofreram altera -
ções provocadas pelo contacto num âmbito extra-tribal.
Seg undo os informantes, são cópias das moradias exis-
tentes no Pôsto Diz.uarum ( cf. Oliveira, 1968: 13) .
Possuem uma planta retang ular com cobertura de 4 águas
ou melhor, de 2 águas e tacaniça, composta de armação
independe nte que repousa sôb1·e paredes elevadas do
chão. Sem jane las, sem divisões inte rn as e com uma
porta ( 7 ) . A cobertura, co mo n a modalidad e anterior,
também é feita com palmas de inajá amarradas c om en-
vira nos troncos de pindaíba qae constituem o teto. A
estrutura dessas casas é formada por d ois esteios prin-
cipais que dão altura e sustentação à cumeeira e outros
que serve m de suporte aos beirais. N esses esteios são
feitos cortes em V na extre midade superio r a fim de rece-
ber as travessas que irão sustentá -los. Entre as travessas
laterais e a cobe rtura costuma1n ser construídos jiraus.
As paredes, form a das p or troncos fincados no chão, pos-
suem uma altura pouco menor que a cumeeira. A porta,
que difere da parede por ser de troncos mais finos ( am-
bas, porém, são de pindaíba), é firmada à parede, na

(6) Outro autor, W. Schmidt faz referência à moradia Jurúna,


mas com dados tão precários que é impossível uma compa-
ração. 'í :le fala apenas em habitação quadrangular, «com
cobertura de 2 águas» (1942: 109).
( 7) Sôbre a ocorrência das duas modalidades de habita ções
descritas para os Jurúna, em outros grupos tribais, veja-
-se o trabalho de Faria (1951).

Aldeia Bibina:
F ig. ·1 -
maloca tradicional.

66
Fig. 8 - Alcle ia Uibina:
ctisa «mocle rna».

extremidade de um dos lados frontais da casa por duas


tiras de couro de anta prêsas com pregos de metal. Fica
ligeiramente acima do solo, apoiada num pedé'.ÇO de pau
colocado horizontalme nte no chio.
Dessas três habitações, a conhecida por casa de Ka-
randini possui 3 , S m de larg ura por 5 m de cornprimento
e 3,5 m de altura (cumeeira) aproximadamente. A ou-
tra casa, o rancho onde se faz farinha, possui S, 5 m de
largura, por 4 m de comprimento e 3,8 m de altura
(cumeeira) aproximadamente. IÊste rancho, apesar de
ter uma estrutura semelhante à das outras duas moradias,
I
difere um pouco por não ser todo fechado. Na parte
fronteira dessa casa, os troncos que formam a parede só
vão até a metade do comprimento entre o solo e a
cobertura. Além disso, o teto da frente da casa é mais
curto que o da parte trase ira e a entrada, ao invés de
lateral, fica mais ou menos no centro da parte dianteira
da habitação. Não h á uma porta fixa. A entrada é cons-
tituída apenas por uma abertura que Yai do teto ao chão
de terra batida. Quando os Jurúna desejam fechá-la
para impedir a passagem de algum anirnal, costumam
utilizar-se de um p e daço d e zinco existente na aldeia.
A terceira morada, a casa d e K a uaxin, possui 4 , 5 m
de largura por 4 m d e comprimento e 3,5 m de altura
( cumeeira) , aproximadamente.
A casa de Karandini fica na extremidade superior do
eixo referido anteriormente , e nquanto que a de Kauaxin
constitui a base, próxima ao rio. O rancho de fazer fa-
rinha situa-se entre uma e outra habitação. O galinheiro
foge um pouco da r e ta d o eixo, ficando mais para o lado
direito de quem está d e costas para o rio e constitui o
ápice do mesmo. Tem uma estrutura semelhante à das
três casas mencio nadas, é bem menor que elas e sua
construção é bastante precária. O chiqueiro, cuja exis-

67
tência só fo i o b servada em 1966, era um abrigo tamb é m
precário, fo rma d o por uma água que descia inclina d a até
quase o solo e que era amparada superiorme nte numa
vara h orizontal sustentada nas extremidades :por forqui -
lhas. A parte infe rior dêsse teto ficava apoiada e m p a us
que c ons tituíam a parede, a qual só era fechaàa n a face
posterior d o chiqu eiro, no encontro com o te t o. Como
os paus que a fo rmava m eram todos do m esmo ta m a nho,
a cobertura, sendo inc linada, fazia com que a parede
fôsse ficando cad a vez mais abe:::ta à medida que se apr o-
xima va da p a rte fr o ntal. Aí na frente havia uma a b e r-
tura loca lizad a na parte mediana e que permitia a e n tra-
da e saída livre dos suínos. A cobertura d o chique iro,
como em t ôdas as construções descritas, e ra realizada
com palmas de inajá e amarrilhos de envira ou cip ó.
Em 196 7, com a mudança para a aldeia Bibina dos
Jurúna que estavam residindo na aldeia Daá, houve n e-
cessidade não só d e uma ampliaç ão do número d as h a bi-
tações m as também de altera9ões quanto às localizações
das famílias.
Quando lá ch egamos, em junho do refe rido ano, o
capitão Bibina e parte de seu g rupo familia r havia-se
transferido d o malocão, onde morava, para o ranch o d e
faze r farinha. Com & nossa vinda, provocam os também
uma mudança, d eslocando Bibina e sua família do ra nch o
para um a brigo construído em menos de uma sem a n a,
cooperativamente, por alguns homens da aldeia. Ê.sse
abrigo, que fo i improvisado entre o malocão e a casa
de K arandini, possuía uma armação de base quadrang u -
lar com cob e rtura de palmas de inajá que se e n costavam
no chão e se apoiavam na parte superior aos este ios e
travessas d a a rmação, o que lhe dava uma pro j eção semi-
-circular.
Em 1966 o malocão era habitado por três fa mílias
extensas, repartidas d e forma bastante organizada pelo
seu interio r. Uma d elas alojava-se no centro da habita-
ção, enquanto que as outras duas se distribuíam cad a
qual por uma d as extremidades da casa. Eram ao todo
3 3 indivídu os.
Em 196 7, com o retôrno à aldeia ·B ibina d os Jurúna
que moravam na aldeia Oaá, houve o d esloca m ento,
p a ra outras casas, de duas famílias que habitava m o m a-
locão, ced e nd o o lugar aos que chegavam. O n úmero d e
pessoas lá reside ntes ficou reduzido a 2 5, tota l compos to
por uma família extensa e duas nucleares.
A população das outras moradas, e m 1966, e ra a
seguinte: casa d e Karandini: 6 pessoas, constituindo uma
família nuclear e casa de Kauaxin: 4 pessoas que, ta mbém,
formavam uma família nuclear. já en1 196 7 êsses to ta is
haviam sido a lte rado s. A casa de Karandin i p assou a
abriga r 8 pessoas, sendo as 6 anteriores, mais uma me-
nina recém-nascida e um rapaz que, casando--se com a
filha do casal, lá fôra morar, un1a vez que a matrilocali-
dade é a r egra d e r esidência que vig ora na aldeia. A
população da casa d e Kauaxin passou a ser d e 13 pessoas,

68
- -

uma vez que, para lá, mudaram -se duas famí!ias nuclea-
res. Uma dessas duas famílias costumava frequentemente
dormir ao ar livre por causa da dificuldade de aloja-
rnento que reinava no interior dessa habitação, relativa-
mente pequena (vejam-se as rnedidas fornecidas ante-
riormente).
O abrigo atrás mencionado era habitado, conforme
já foi dito, pelo capitão Bibina e parte de seu grupo
familiar, composto por 7 indivíduos. Isto também ocor-
reu em 196 7.
Dentro das habitaçC.es não há qualquer divisão apa-
rente entre as áreas ocupadas pelas famílias. Todavia,
é bem fácil perceber-se uma organização interna que
parece obedecer a padrões definidos. Cada grupo fami-
liar dispõe do espaço que lhe pertence, da seguinte for-
ma: em geral um dos lados dessa área é ocupado pelas
rêdes que são amarradas aos esteios ou, quando êstes
são em número reduzido para a quantidade de rêdes
existentes, em paus colocados expressamente para êsse
fim. O outro lado fica livre para o fogo. Quando êsse
lanço da casa é relativamente pequeno para o número
de pessoas que o coabitam, as rêdes ocupam tôda a sua
extensão, enquanto que o fogo é colocado entre as mes-
mas. 0 bservamos que o casal dormia nun1a só rêde,
1

exceto aquêles que possuíam filhos recém-nascidos ou


que ainda estavam sendo amamentados. Nesse caso, a
mulher dormia numa rêde com o bebé, enquanto que o

Ifig·. 9 - Al(leia Bibina.:


inte rior <le maloca (foto
Galvão).

69
-··-- -- - ··-·
~..... .

,< •

•. t ·...

. ; . ;.
. "
~~ ..J~cit~.,;;~:'
'

marido ficava noutra, com um dos filhos menores. Ou- Fig. 10 - Alde ia
Bibina: cozinha. no
tras vêzes, dormiam numa só rêde os d o is esposos e mais terreiro (foto
uma criança até cêrca de cinco anos de idade. A rêde Galvão).
dos filhos era amarrada ao lado da dos pais. A filha,
quando casava, trazia o marido para junto de si, enquan-
to que o filho, ao lig ar-se a uma mulher , aba ndonava a
área pertinente ao seu g rupo far.:iiliar e ia residir na do
sogro. Era muito comum verem-se dois irmãos, do mes-
mo sexo ou não, com menos de 1 O anos, dormirem
juntos. A maior parte dessas rêdes a inda é de fabrica-
ção Jurúna. Poucas são provenientes de indústrias alie-
nígenas. Muitas delas são envolvidas por mosquiteiros
obtidos direta ou indiretamente dos "caraíbas".
·O fo gão Jurúna pode possuir uma ou duas bocas,
dependendo de ser formado por três ou quatro pedras
colocadas sôbre o chão de terra batida. Verificamos,
durante a sêca, que era comum a mulher Jurúna cozinhar
fora de casa, no terreiro.
Dentro da área de cada família notamos que nas
travessas que sustentam os esteios era m justapostas algu-
mas varas, longitudinalmente, form ando jiraus que têm
a função d e um celeiro. Aí são armazenados produtos
diversos, e ntre os quais farinha d e mandioca, coberta
com fôlhas dentro de cestos de inajá e banana envolvida
em plástico ou qualquer outra cobertura disponível, por
causa das formigas e baratas que costumam infestar a

70
maloca. Nessa armação de varas ainda são guardados
vasilhames, instrumentos musicais, de caça e de pesca,
assim como qualquer outro obje to. Os jiraus também
podem ser erguidos a cêrca de 0,50- 1,00 m do solo,
sendo aí colocadas algumas cabaças, peneiras (Jurúna),
caldeirões, canecas e bacias d e alumínio, assim como
panelas e cestos de fabricação nativa. H á, ainda, jiraus
em forma de prateleiras, geraln1ente duas ou três. Para
a armação dessa modalidade, fincam-se quatro varas no
chão, faze ndo-se nas m esmas um corte e m V n a extre-
midade superior, que servem para apoiar ou tros quatro
paus colocados lateralmente, suportando <lois d ê les al-
g umas varas justapostas de form a iong itudinal. Abaixo
d essa prateleira, formando outra, são amarrados horizon -
talmente, nos paus verticais, quatro troncos, sôbre os
quais se colocam, tarnbém longitudinalme nte, outras va-
ras, que formarão a 2.:). e a 3. ~ prateleiras. Também
n esses jiraus são g uardados comidas e objetos de uso
doméstico ou particular.
Esparramados pelo chão, a o redor d e tôda a área,
notamos a ocorrência d~ remos, bordunas, facões, cestos,
p eneiras, côcho, esteiras, panelas de barro ou de alumí-
nio, bancos (zoomorfos ou não) , balaios contendo algo-
dão, pilões, garrafas com á g ua, bacias de alumínio cheias
de polvilho, latas vazias e raladores (improvisados de
um pedaç o de madeira e de lata fura<la).
As travessas horizontais que sustentam os esteios da
casa são também aproveitadas para g ua rdar as flechas,
os arcos, os feixes de taquara para f~echas, alguns ins-
trumentos musicais e para pendurar sacolas, panelas de
, alumínio, roupas e penas que posteriorme nt·.'! serão em-
pregadas na confecç ão de adornos.
Apesar da escassez dos d a dos, n ') tamos tanto em
Adalbert quanto e m Steinen, uma descrição do interior
das habitaçiões Jurúna que se assemelha à dos dias atuais
(cf. Adalbert, 1849: 250-1, 285, 297 e Steinen, 1942:
283, 298-9, 309, 315 ( g ravura) e 320) (s) .
'Ü S espaços dentro das moradias, organizados da
maneira descrita, e ram distribuídos pelos grupos familia-
res de forma bastante equitativa , sendo que a área de
cada família era utilizada com relativa exclusividade por
seus membros. Relativa, porque, em ca~o de necessidade,
o fogão de um g rupo familiar podia ser usado por um
indivíduo de outro g rupo, o mesmo ocorrendo em outras
situações, como o preparo de caxiri e a teceiagem.
O terreiro que confronta as casas t em uma forma
quadrangular e parece possuir uma divisão imaginária:
cada parte assim dividida pertence a um g rupo familiar

(8) À época de Steinen j á eram bastante evidentes os sinais


de u m contacto extra -tribal, o q ual podia ser visto nos
obje tos existentes den t r o das casas : «Tornam-se cada vez
mais fortes os sinais de civili zação. Assim vêem-se uma
mala batida a cobre, pólvora fina, um t a mbor de fôlha de
l at a de con feitaria, cachimbinhos de fuma r , uma panela
com o desenho de uma cruz» (1942: 309).

71
q ue a utiliza para a con strução d e jiraus o nde se g·uardam
principalmen te a limentos - m a ndioca, ban:-\n a, amen -
doim, cará, batata doc e e m a m ã o - os q ua is ficam aí
m a is a salvo d as bara tas que infestam as m alocas. A inda
para evitar o estrago causad o pelas Sara tas e fo r migas,
os J urú na costumam a r mazenar milh o , ra ízes e sem e ntes
p ara o p lan tio, colocand o-os e m cestos ou deixan do o
milh o liv re e pend urando -os em uma a rmaçã o composta
de d uas varas fi ncadas no chão e atravessadas n a par te
su p erio r por u m t ronco. E ssa a rma ção costuma ser
constr uíd a no terreiro, o q ue não imped e, por~m. que
êsse a r mazenam ento seja fe ito n as próprias v igas de s us-
ten tação das m a locas.
·O b servamos, em 1967, que os três côf'.'.h os u tiliza-
d os p a ra conter o ca:x.i ri, largame nte con sumid o po r êsses
índios, estava m colocados no terreiro, o q ue e ntretan t o
n ão ocorr eu e m 1966. Nessa oc a sião, êsses côch os acha -
vam-se d e n tro do m a locão. Também S te inen pôd e ob-
ser var , n o interior da casa , o côcho ou a can oa o n de se
coloca o caxir i ( 194 2 : 3 14 ).
Quand o não h á ch uvas, as ativ ida d es cotidia n as,
ta is como o p reparo d o algodão para a fia ção, o tra b a lho
com a m and ioca, a manufatura d e cestos, arcos, f lech as,
o p rep a r o e o consum o de a limen tos, as a tividades fes-
tivas, o g ra nd e con sumo de caxiri e as conversas m as-
culi nas são levadas a cabo nesse terreiro. J á n o verão,
quand o as c h uvas caem pesadamente e , às vêzes, por
dias inin te rruptos, tornam-se irr1possíveis tais atividad es
uo a r livre. Passam en tão a realizar-se dentro das ma -
locas. A liás, isto fo i verificad o p o r Steinen, e m 1884.
A êsse respeito ê le disse o seguin t e :
"Estávam os agra dav elmen te ubrig ados n um
d os ranch os, e n q uanto lá f ó ra c hovia. A "boa mu -
lher'' cozinh ava, o utra t e cia uns fios n a sem i-escuri-
d ão e vários h omen s conversa vam à luz de um ga-
lhozinh o e nvolv ido em alg odão e embeb ido em
gordura" ( 1942: 3 1 1) .
I'Jesse terreiro, aind a, costumam andar à sôlta, cães,
p o rcos, ga linh as, 1n u tum e ja cu. T ambém h á m a cacos,
mas não soltos. F icarn presos a troncos d e árvores.
Adalb er t em sua narraç ão fa z refe rê n cia a c.ã.es e maca-
cos, existen tes na a ldeia J u r úna ( 1849 : 246 e 279). J á
Stein en pôd e obser var, tanto n o terreiro q uan to de n tro
d as casas, a p resença d e a ra ras, p a pagaios, socós, gali-
nh as, galos, gansos, p a tos, cães, macacos e tartaruguinhas
( 194 2 : 2 79, 298, 30 1 e 306). E Nimu en daju fa la em
cães e galinh.a s, a lém d e outras aves e a nim ais não do -
m és ticos, possuíd os pelos Jurúna (194 8 : 226) .
P a ra que êsse p á tio se conserve iimpo tanto da v e-
getação rasteira q uan to dos detritos ali jogados, o ch e fe
d e cad a g rupo fa miliar recebe o concurso d e seus agre-
gad os nessa atividad e . Cada família limpa a par te q ue
lhe cab e, fazen do uso d e a n cin h o, enxad as, f ôlhas d e
palm eira e uma vassoura formada por um tro n co d e p in-

72
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F ig-. 11 - Aldt>in daíba e uma f ô lha de buriti, a qua { es tá amarrada ao


Bibin a : ,jira n s
(foto Ga lYão ) . tronco p o r meio de t iras d e envira. Esta vassoura, que
parece ser uma imita ção da d o "caraíba", é de uso r e -
cente, segundo os in fo rmantes. Antigamente êles utili-
zava m um pau para a limpeza. Também o asseio das
I casas é feito com essa vassour a e com a fôlha de pal-
meira. A limpeza do terreiro é um a tarefa atr;buída mais
aos homens do que às mulhe res. O inverso sucede com
o asseio das casas. Era mu ito comum verem-se os h o -
mens empregados naquela ativid ade, quase que co tidia-
namente. Toda via, uma ocasião em que os j urún a s e
demora r am algum te mpo no Pôsto Dia u arun.1 e o m a to
cresceu, observamos q u e a s mul h e res colocaran1 fogo n essa
vegetaçã o, que invad ia o terreir o e , em segu ida, limp a -
ram-no com o instrumental já r eferido .
A vida em comum levada pelos h a b itantes d essa
a ldeia e o s fort es la ços de co nsang üinidade que os u nem ,
criam como conseqüê n cia uma s olidariedade, ou melhor,
um esprit de corps a ce ntuado, q u e se nota n a s açoes co-
tidianas ou esporádicas de seus membros.

A aldeia Dai en1 1966 e 1967

Quando passamos p ela a ld eia Daá, em sete mbro


de 1966, ela se ach ava comple tamente vazia Seus h a -
bitantes haviam-se d e slocado para o P ôs to Oiaua rum,
a fim de se submeter{..m a testes médicos. E , em 1967,
essa aldeia estava d esfei ta. Os seus integrantes, com

73
exceção de um J urúna chamado Káia, sua filha, seu
genro que é Kayabí, seu neto e sua es pôsa, fi~ha de seu
genro com outra J urúna já falecida (Oliveira, 1968: 2),
haviam-se mudado p a ra a aldeia Bibina. N o que havia
sido a alde ia Daá restava apenas essa famíHa mencio-
nada, coabitando com um g rup o de índios Kayabí que,
tomando conta da ald e ia, resolveu fazer roça nesse local.
Tais fatos impediram um estudo mais portnenorizado
dêsse agrupamento, embora os dados possuídos possam
dar uma idéia da e x-aldeia Daá.
Co mo a d e Bibina, ela se situa em um barranco
também no rio Xingu, somente que localizado na mar-
gem direita dêste rio, um pouco acima do Manitsauá.
E la está m a is próxima do Pôsto Diauarum que a de Bi-
bina, cêrca de 1h20' a motor ( 12 HP) , descendo o rio.
É formada por um conjunto de três casas, se1n intenção
aparente d e forma. Duas d e las são utilizadas para habi-
tação, enquanto que a terceira é um rancho de fabricar
farinha, de trabalhar com a mandioca. Nen~yuma delas
foi c o nstruída dentro do modêlo tradicional. Têm tôdas
um aspecto acaboclado, sendo, provàvelmente, cópias
das existentes no Pôsto Diauarum. A estrutura dessas
casas é semelhante às das existe ntes na aldeia Bibina,
excetuando-se o mal ocão tra dici o nal. Também a orga-
nização inte rna dessas moradias se ide ntifica com a da
outra aldeia. E pelo terreiro, igualmente limpo de vege-
tação, há jiraus. O pôrto fica bem em frente ao agrupa-
mento e não há, como na o utra, um campo de pouso.
A limpeza das h a bitaç ões e do terreiro se fazia da mes-
ma maneira já d escrita para a ou tra loca lidade de J urúna.
Por ocasião da pesquisa em 1966 essa aldeia com-
preendia 11 pessoas. Daá, que era o seu líder, havia-se
desligado d e sua mulher, que reg ressara à casa do pai,
na aldeia Bibina, e se deslocara para o Pôsto Diauarum.
Em 196 7 os habitantes dêsse grupo Jurúna estavam redu-
zidos a 5 indivíduos, uma vez que o restante se mudara
para a aldeia Bibina, conforme já foi explanado. E se-
g undo indicavam as visitas freqüentes de Káia e sua n1u-
lher a essa aldeia ( Bibina), é provável que também êles
se hajam transferido para lá. Apesar da dissensão, os
moradores do ex-g rupo Daá costumavam ir assiduamente
ao grupo Bibina. E, segundo os informantes, havia fes-
tas que requeriam a presença de ambos os g rupos. T am-
bém Káia, sendo um tipo de pajé específico, e ra algumas
vêzes chamado pelos seus parentes do outro 2grupamen -
to. !Êsses fatos podem. provàvelmente, ser explicados pelo
pequeno número da população Jurúna que exercia uma
pressão no sentido d e unir seus integrantes, apesar da
divisão, quando o conjunto dos mes1nos era necessário
para a realização de d eterminadas festas e para a e fetua -
ção d e certas pajelan ças. Dessa forma, o desequilíbrio
demog ráfico para o funcionamento de determinadas ati-
vidades, causado pela c isão do g rupo Jurúna, parece ter
sido responsável, em parte pelo menos, pelo reag rupa -
mento ocorrido em 196 7.

74
A aldeia J urúna, que n os dias atuais ainda guarda
traços do passado, n ão se assem e lha às xinguanas <9 >. En-
quanto que à aldeia J urúna fa lta. um a forma específica,
a dos índios que h abitam as cab eceiras d os fo rmadores
do rio Xingu são cornpostas por casas dispostas em c ír-
culo, formato êsse que é um tra ç o característico da á rea.
Também o tipo d e habita ção d ife r e. Apesar da casa xin-
g uana possuir uma planta elíp tica, ser coberta de sapé, sem
distinção de teto -parede, ela s e diferen cia d a habitação
tradicional Jurúna pelo maior a rredondamento da co-
bertura e projeç.ão de uma d as águas sôbre a outra.
Além disso, enquanto a a ld e ia J u rún a é composta essen-
cialmente por casas que fogem do modêlo tradicional, o
mesmo não ocorre nas a ld e ias xinguanas em que as casas,
em g eral. obedecem ao pad r ão . tradicional. E m ambos
os tipos de aldeia o pátio é co nse rvado limpo de vege-
tação . Toda via, êsse pátio v em a inda a ser um elemento
de diferenciação porque , n o s xin g uanos, é geralme nte
marcado pela existência de uma sepultura central, por
uma casa das flautas e p ela presen ça de uma g aiola cô-
nica para gavião-r ea l, traç o s ê sses inexis tentes na aldeia
~ ,
juruna.

b - APARÊNCIA - INDUMENTÁRIA E ADORNOS

A vestimen ta di á ria , nos dias atuais, consiste, para


os homens adultos, no uso de calças, shorts, n1acacão e
camisas de algodão. Quando a t e mperatura está muito
elevada, deixam o torso nu. Por baixo das calças ou do
short, há quem use um cin to d e miçangas ou apenas um
I
cordel, o qual não é retira d o n em quando vão banhar-se.
Quase todos usam braça d eiras e, alguns, colares. Os
adolescentes trajam-se da mesma forma que o s mais v e-
lhos, enquanto que a 1naioria d os m eninos costuma andar
inteiramente sem roupas até o s 1O anos, aproximada-
mente. 1Êstes raramente se e nfeitam, a não ser em oca-
siões festivas. J á os garotinhos d e m e nos de 5 anos de
idade costumam também a ndar nus, mas é comum usa-
rem colar, cinto, braçadeiras, jarreteira, torno zeleira e
pulseira. Quando fa z fri o, essas crianças se protegem
com camisas que, muitas v êzes, são as do próprio pai.
As mulheres adultas tanto podem trajar uma saia,
deixando o colo nu, como vestid0s, saias e blusas de algo-
dão. Em qualquer caso, porém , e las usam por baixo
dessas roupas uma o utra saia e , por baixo ainda, um
cordel ou um cinto d e miçangas. As mães que possuem
filhos pequenos costumam carr egá-los a tiracolo, usando
uma tipóia de algod ão. E las se enfeitam com jarreteiras
e braçadeiras, havendo também as que usam colares, cur-
tos ou longos. As adolesce ntes vestem-se de Íorma idên-

(9) Para un1a descrição das caract erísticas atuais das aldeias
xinguanas veja-se Lima (1950a : 5-7 ) , Galvão (1953: 14,
17-9) , Carneir o & Dole (1956-57: 171-3 ) e Galvão & Si-
mões (1966: 41 ) .

75
t ica mas, em geral, enfeitam-se mais com colares e mes-
mo pulseiras. Embora não haja uso generalizado, obser-
vamos que duas jovens vestiam calças, p o r elas mesmo
confeccionadas. M e :1inas entre 5 e 1O anos de idade
podiam andar nuas pelo pátio da ald eia, mas isto era
raro de acontecer. O comum era vê-la s d e saia apenas,
o que não impedia, porém , o uso de vestidos. As meno -
res de 5 anos podiam também trajar-se co m vestidos ou
saias, mas geralmente permaneciam nuas e bastante en-
fe itadas com miçan gas. As mulheres, d e qualquer idade,
andam descalç as.
Ambos os sexos costumam usar na fron te, junto à
raiz do cabelo, um pequeno chumaço vermelho feito com
o a rilo da sororoca.
Quando estivemos com os Jurúna, em 1966, havia
três homens adultos, um a d o lesc-=nte e três mE.ninos que
usavam os cabelos compridos e repartid os ao meio, de
forma semelhan te ao das mulheres. Já n uma segunda
visita, em 196 7, o adolescente e mais dois dos três me-
ninos hav iam-n os cor tado da mesma maneira que os
demais h omens, is to é-, apar a d o na al tura das orelhas.
Tanto os h omens como as mulhe r es, depilam as so-
brancelhas e os cílio$.
Em dias festivos a v estimenta é mais e lal:>orada. A s
m eninas e as adol escentes se enfeitam mais do que os /
rapazes e os adultos. Os Jurúna de ambos os 5exos, além
d os traj es e adornos costumeiros, pin tam-se c om urucu
e jenipapo, enfeitam o cabelo com penas d e pat o e o
prendem n a nuca com miçangas, u sam co lares, brincos
e en fe ites nos braços e pernas . Os hol!lens rematam seus
a dornos cobrindo o peito com penas d e pato, colocand o
diademas de penas e enfe ites d e palha de ina já na ca-
beça, e nqua nto que as mulheres, princ ipalmente as ado-
lescentes e as criancas, costumam colocar ornatos d e mi-
çang as ao lad o d o c humaço vermelho da s ororoca, na
fronte, e usar pulseiras d e miç angas. As cria n ças, meni-
nos ou meninas, completam seus enfe ites, nesses dias,
usando cintos de miça n gas. E , por ocasião somente d e
uma cerimônia, u ma festa para os m o r tos, o pajé usa
um m a nto confeccionado c om algodão e penas.
'Ü 's solteiros, os casados ou os viúvos que ultrapas-
saram o prazo d e luto, vestem-se da mesma maneira.
Não h á nenhum distin tivo especial em seus trajes. A s
roupas, o corte de cabelo, a d epila ção e os 0rnamentos
também não diferenciam um x amã de um "capitão" de
aldeia, assim corno êstes de um chefe de família ou de
um simples membro da mesma. Com relação a jovens
e indiv íduos mais velhos, doentes ou sãos, esta distinção,
por ém, se faz presen le. Segundo os informantes, as pes-
soas com mais de 40 anos, aproximadamente, não po-
dem prender o cabelo na nuca e n em usar advtnos, com
exceção de um ou dois colares. Dizem ê les que gente
velha n ão usa braçadeira, nern torno zele ira o u joelheira,
porque estas não apertam mais. "É tud o mole". Quando

76
1
• 'tq t tOJS:;

Fig. 12 - Aldeia Bibina:


manto de pajé para o
i - á nãi kariá.

se acham enfermos, os Jurúna também tiram os adornos


acima referid os "porque não é bom p'ro doente".
Ao b anh arem-se, as roupas e grand e parte d os e n -
feites são tirados. P e rma n ecem aquêles que são cola d os
com resina d e pau, os cordéis usad os a baixo da cin tura
por ambos os sexos e o s ornamentos d os braç.os, joelhos
e tornozelos. A exibição do corpo nv não parece ser
motivo de v e rg onha, pois o casal em g eral toma b a nho
junto, no pôrto que fica em fr ente à a lde ia. O pu d o r
parece manifestar-se apenas em presença do " civilizado".
Todavia, segundo um informante, " J urúna n ão tem ver-
g onha de ficar pelado junto de "caraíba" . ·É les se b a-
nham quando levantam e, outra vez, cêrca d e 1 h da
tarde. Por vêzes tomam a inda outro banho ao entar-
decer, o que aco ntece quando tra nspiram e se s uj am
muito após a realização d e d etermina d os afazer es. As
crianças, e ntre tanto, passam g rande parte d o dia nas
águas do rio Xingu, e m brincad€.iras. A lg umas v êzes os
J urúna pegam a raiz d e um arbusto a q ue chamam de
uinhamá ipacã e tiram lascas da mesma com uma faca,
as quais são colocadas numa cuia e espremidas com as
mãos. M ex endo -se essa m istur?.., fo rma -se uma espuma
ch e irosa, que passam no cabelo e no corpo e à qua l cha-
mam de "sabão de Jurúna". Essa espuma, entretanto, dura

77
apenas e nquanto está na água. Ao se passar nos lugares já
mencio nados, e la acaba, permanecendo apen as um ch eiro
gos toso que não desaparece mesmo após se en xaguarem.
Os Jurúna também já co nh ecem o uso do sabon ete que,
a liás, gostam mui to de receber como presente. Depois
do banho, os trajes são colocados em cima do corpo
ainda molhado.
H á mais de um século a trás, quando estêve com os
Jurún a em 184 2, A d :llbert (1849: 244 , 246, 253, 26 1,
27 1, 301 e 302) encontrou uma situação di.,1ersa, pois,
ao la d o d e indivíduos que já trajavam calças, camisas
e boné, h avia outros que andavam nus. Todavia, mes-
mo aqu ê les que se vestiam, podiam a q ualquer momento
tirar suas roupas, n ão importando a presença de estra-
nhos. As mulheres, nessa época, vestiam saias que e ram
por e las tecidas. Disse ainda aq~Jêle antor:
"T'h e women wear a kind of apron or tanga,
ch eck ered g rey an d brown, something like a Scotch
kilt, which they contrive to fasten round th eir waists
without eith er tying or pinning They make this
apron of colo ure d co tton , on a kind of embroidery-
frame: young girls, who are not of a ge, go naked"
( 184 9: 2 5 3).
Os homens usavam um cinturão bem largo, de contas,
ao redor da cintura (Adalbert, 1849 : 25 2) .
J á em 1863, Brusque, referindo-se ao al~odão, d isse
que as mulheres fazia m com o mesmo "exc~llente fio,
·com que urdem . . . cintas, de que usaõ.'' Estas cintas
seriam, provàvelmente, as tradicionais saias femininas.
Com re lação ao sexo masculino, êle afirmou que os " h o-
mens a ndaõ completamente nus" (Brusq ue, 1863: 16) .
Alguns a nos mais tarde, em 1884, Steinen ( 194 2: 2 78.
282, 299, 309, 310 e 312) observou uma situação se-
m elh a nte tanto para os homens quanto para as mulheres,
com a dife rença apenas de que além das saias, as "mu-
lheres, entretanto, usavam um pano de avental importa-
do " (Steinen, 19 4 2 : 299). Por outro lado, porém, o
sexo feminino continuava a envolver "os quadris com um
pano cinzento tecid o por êle, q ue vai a té quasi aos pés,
ficando n egligentemente entreaberto num d os lados ... "
(Steinen, 1942: 282) . Conforme g ravuras (Steinen,
1886 : 26 1 e S. 266), as mulheres usavam uma espécie
de xale. O uso da roupa cujo padrão era de o rigem
européia parecia ser um e lemento de prest ígio e os h o-
mens podiam usá -la o u não, alternativamen te. Conta
Steinen que ao chegar na aldeia do Nunes, "lá dentro
das casas os h omens procuram, às pressas, botar a calça"
( 194 2: 3 12). Conta, também, que o asp ecto do ''elho
Nunes "era bastante desajeitado no terno em que estava
vestid o ... " Ainda por essa ocasião, além de um cinto
o u cinturão de contas preferentemente azuis (Steinen,
1942 : 282, 30 7 e 314), notou que os h omens Jurúna
usavam um estôjo peniano feito de palha (Steinen,
1940: 236- 7 e 19 4 2: 314) . .W. Schmit (1942: 74),

78
baseando-se em Steinen, fala no uso do estôjo peniano
por parte dos J urúna.
Coudreau ( 1897: 86) , quando percorreu o l\tlédio
Xingu, encontrou a lg uns Jurúna na altura da Cachoeira
de Pedra Sêca, vestidos de farrapos.
Dizem os informantes, que por ocasião do contacto
com os Villas Boas, as mulheres Jurúna trajavam-se com
uma saia do mesmo estilo que aquela já descrita por
Adalbert e Steinen e usavam sob as mesmas, na altura
dos quadrís, um cordel ou um cinto de miça ngas, en-
quanto os homens andavam nus, exceto pelo estôjo pe-
niano e, por vêzes, um cinto, que tanto podia ser de
contas, miçangas, o que já fôra observado também por
Adalbert e Steinen, quanto de algodão tecido pelas mu-
lheres. O cinto de contas referido por Adalbert ( 1849:
2 5 2) era de propriedade masculina e possuia cêrca de
1O cm de largura ( "three to four inches"). Steinen ( 194 2:
282) corrobora a observação anterior mas diz que o
cinturão possuía "16 cm de larg ura" ( 194 2: 3 14). Ni-
muendaju (1948: 229), parece que reunindo os dois
dados anteriores, afirmou que os homens, crianças ou
adultos, "wore a very tig ht beaded belt preferably blue,
from 4 to 6 inches ( 1O to 16 cm) ''V'ide". Os atuais
Jurúna falam que num passado recente, nas festas , quan -
do possuíam muita miçan ga, faziam uma espf..cie de co-
lête que ia do peito até os quadris e que era usado por
ambos os sexos, o que contraria, evidentemente, as infor-
mações dos autores anteriores. As mulheres, em geral,
usavam-no sob as saias, enquanto que os homens não
trajavam qualquer roupa, a não ser um estôjo peniano
feito da palha da palmeira inajá. Atualmente êle caiu
1 em desuso mas Galvão ( 1952: 4 74) e Sick ( 1958: 131)
ainda registraram o seu uso.
Em 195 O os homens já estavam a vestir-·se dentro
do padrão atual, enquanto que as mulheres usavam suas
saias características, tradicionais, cujo t ecido formava
"um padrão de g regas ou de faixas" (Galvão, 19 5 2:
4 7 4) . Nesse particular, ambos os sexos se distinguem
dos xinguanos. Entre êstes, os homens anda1n nus, em-

ças e camisas, -
bora esporàdicamente haja alg uns que vestem shorts, cal-
. macacao, uma camisa. apenas ou somente
'

uma calça ou short. Os homens não se utilizam do estôjo


peniano e um elemento habitual de sua indurnentária "é
o cinto de missangas ou de contas cilíndricas de fabrica-
ção nativa .. . ", além de um cinto composto de "peque-
nos discos . . . obtidos da concha de um caramujo ter-
restre" (Galvão, 195 3: 1 7). Em dias festivos, costu-
mam amarrar faixas de fios de algodão na cintura, obti-
dos no Pôsto Leonardo ou trabalhados pelas mulheres.
Estas usam uma peça bastante sumária, o uluri, que é
"uma minúscula tang a triang ular feita de liber, que se
prende à cintura por um cinto de fios de buriti" (Galvão,
19 5 3 : 16). Há também aquelas que, vez por outra, tra-
jam vestidos ou saias, o que não as impede, porém, d e
andar sem roupas quando desejam.

79
Os Jurúna de a mbos os sexos, nos dias atl.'; a is, fazem
amplo uso de trajes em nosso estilo, mas continuam a
usar, sob os m esmos, o cordel ou o cinto d e miçangas
que em geral é composto d e uma só volta. O cin to de
a lgod ão, t ecido pelas mulheres e usado só pelos h omen s,
caiu em desuso. Os meninos Jurúna, que a ndam nus,
costuma m e nfeitar-se q uase se mpre em dias f e5tivos, com
cintos d e m içan gas d e duas a cinco vo ltas. o~ m enores
usam -nos mais co nsta n temente. O mesmo oco rre com
as m en inas. Estas, a inda, amarram, por vêzes, um bar-
bante ao redor dos quadrís, de forma idêntica à d e s uas
-
maes.
A s roupas dêsses índios são extre1namente simples
e h á assim co m o que uma espécie de padronização visto
que, sendo obtidas em sua grande m a ioria n o Pôsto
Oiauarum, os t ecidos de uns e de outros silo bastante
sem elhantes. Também o corte é ig ual. Não h á enfeites.
A mulher Jurún a, em geral, é quem faz a '.restimenta.
A costura é feita à mão. As agulhas e linhas dos "caraí-
bas" são materiais m uito procurados. Todav ia, muitas
vêzes ê les recebem r o upas já feitas. Além d e obter seus
trajes no Pôsto ganham-nos de visitantes ocasio n a is ou
e fe tuam escambos com outros índios, com os T xukaha-
mãe q uase sem p re. Os trajes em gera l são t rocados por
n1iça ngas. u· a mulher que poss uía m a is d e um v estid o,
o btido com aquêles Kayapó, afirmou que os mesmos, por
sua vez, h aviam con seguido tais roupas com seringueiros.
Durante uma festa para os mortos (i - ánãi kariá)
o pajé usa um manto (abeatá) semelhante ao que foi
referido por S te ine n ( 194 2 : 3 16) numa cerimôn ia por
êle assis tida e ntre êsses índios, e ao que foi descrito por
Nimuendaju como sendo o traje do xa1oã dura nte a festa
dos mortos (i-ánãi kariá) dos Xipáya (r..Jimue ndaju,
19 2 1-22 : 3 74 e 1948 : 242). Nimuenda ju, a liás, em seu
trabalho, já m e ncionara a identidade d e detalhes e ntre
a cerimônia assis tida por Steinen e a que er<.i. realizada
p elos Xipáya. Adalbert ( 1849 : 303) fêz re fe rê ncia a
um "feather - cloak " que era de propriedade d e um pajé.
Como os Jurúna não fabricavar.1 m ant os só d e pen as,
segund o um info rmante, é provável que Adalbe rt quises-
se referir-se ao traje usado n a fes ta d e mortos p e lo xamã
e m en cio nado por S teinen e N imuendajn, a lém d e obser-
vado por nós. .t :st e manto é c onfeccio n ado essenc ia l-
mente com a lgo dão e pen as e cobre o pajé desde a ca-
beça a té os pés. Sua fabricação exige um trabalho ta nto
masculin o quanto fe minino. O corpo des ta veate, que é
uma espécie d e capa, é retangular e composto por fios
de a lgo d ão que caem verticalmente e que são unidos un s
aos outros por inte rmédio de fios colocados h o rizo n tal-
mente, numa distância variável mas que não ultrapassa
1O cm. Estas fie iras são cobertas por chumaços d e a lgo-
dão branco e acha m -se prêsas, na parte superior, a uma
espécie d e coifa também tôda coberta de a lgodão e mo-
d e la d a por duas varetas de talo da palmeira ina já, fl e-
xíveis, e q u e formam o círculo que segura o manto na

80
Fig. 13 •Ide ·• ~t
.'"1 n·tbina:
crianc as Ju1·úna.

Fig. 14 Al<leia Si bina :


m e nino Jurúna (foto
Gal vfto) .

Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai 81


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cabeça. Palhas de ~najá são c osturadas n estas varetas
pelo lado in tern o e na parte externa. T ambém circun-
dand o a cabeça, são colocadas duas fieiras sup e r postas
d e pen as; a que fica atrás, de papagaio e a que fica
na fren te, d e m utum. Frontal m ente, cobrindo os
olhos, pende m 4 pingentes formad os por pedaços d e
cana brava, cobertos e m parte por a lgo d ão e p ossuindo
n a extre mid a d e penas neg ras do p escoço d o mutum. A
parte inferi or do m a nto é d ebrua d a por penas caudais,
branca e pre ta, ta mbém d o mutum, as quais c h egam a
atingir os pés. Esta vestimenta não é e nco ntrada entre
os índios q ue comp·Õem a chamada área do _t\lto X ing u.
Quanto aos cab elos, Adalbe rt, por ocasião de sua
visita, n otou qu e os homens e as mulh eres j •.:rÚn a c ostu-
m avam d e ixá-los cair sôltos sôbre os 0 1nbros. A lg umas
v êzes, qua ndo v ia javam, tinham por hábito a m arrá- los
n a nuca ou fazer com os mesmos longos ra Los ( A d a l-
b ert, 1849: 25 1, 252, 25 4 e 30 2 ). ·Ê.s te a utor não se
referiu expressamente ao uso do botão d e soror oca no
in ício d o repartido dos cab elos, por parte d êsses índios,
m as diz qu e n a raiz de seus ca belos " was fRste n ed the
fi g ure of a small re d heart" ( l 84 9: 2 7 5). Obser vou,
t a m bém , o g ra nde cuid ado que aos m esmos e ra disp en-
sado, sendo que às mulheres cabia a ta refa d e p e ntear
o s h o m en s e de a plicar óleo de pal m eira em seus cabelos
(1849: 24 8 e 2 77). Disse a inda que e ra: "strange that,
with a ll the a ttention these lndians bestow on the ir h a ir,
they seldom w ear a ny kind of h eaddress. We saw a t
T avaq uára only one lndian with an o r n a m e nt o f this kind ,
- a wreath of g reen parrots' fe athers in his h a ir, which
gave him a m ore savage and stra n ge appearance" ( 184 9:
25 2) .
Em outro local, a que se refere como a casa d e
Martinho, pôde observar "some handsome h ead-dresses
of parrots' feath ers, much more splendid tha n any w e
had yet seen'' ( 184 9 : 2 78). As mulheres fo ra m r e la-
tadas como ja m a is usando ornamentos d e p enas em seus
cabe los ( 1849 : 25 4 ). S·t einen, 4 2 anos d epois, teve a
sua atenção ch ama d a para "o fato d e qu e o cabelo dos
iurunas n ão e ra d e un1 preto intenso, mas d e r e flexos cas-
t a nhos. O cabelo d e a lg umas c rianças e ra até castanh o
e scuro" ( 19 4 2: 3 13) <1 0 >. Como seu a ntecesso r, ê le ob-
servou que os homens possuíam os cab e los compridos
(1 9 4 2 : 28 1 e 299). J á n essa época, porém. m enciona
o enfeite da fr o n te com o arilo da sororoca ( 194 2 : 2 8 1 ,
e 3 14) . Por o utro lado, c ontinuavam a ser as mulhe res
quem penteav a m os homens, repartindo o cab elo dos
m esm os e "trança ndo-o e enrola ndo-o a trás • . . ·O pen -
tead o das mulheres é ig ual ao dos h omens, só q u e e las
não usa m trançá-lo, apenas o enrolarn, quando n ão o
deixa m sôlto, num coq ue frouxo" ( 194 2: 28 1). Qua nto
a enfe ites da cabeça ou dos cabelos êle se re fere a "coifas
só d e p e n as verdes" (194 2 : 283) e a "uma comprida

(10) A côr clara dos cabelos parece indicar já uma miscigenação.

82
--
borla de missangas a zues e brancas" , que estava depen-
durada na trança d e um h o m em e era usada durante
uma festa. O cabelo d êsse home m esta va cheio de óleo
( 194 2 : 314) , mas o auto r n ã o e specificou sl!a orig em.
R e feriu-se, a inda, a um diad e m a d e p enas que ficava do -
brado para trás ( 1942: 3 16). Nimue ndaj u , a lém de
fornecer quase que êss es m esmos d a dos, amplia um pouco
mais as informações s ôbre a qu estão :
" Yuruna, Shipaya, a nd Curuaya men ' s hair
hun g loose a lm os t t o t h e ir w a is t , ex cept wh en wome n
parted it for them, making a pig ta il whi~h they tie d
with a g ray twis t o f fib ers . On their foreheads,
where the hair-part sta rte d . th ere was a small cir-
cular red spot m a d e with th e pollen / o f sororoca
( Ravenala guianensis) . . . The women also parted
their h air in the middle, -l llo'w Ín6· it to hang loose
behind or ty ing it in a loos e knot . . . T he Yuruna
made bea utiful h e a ddresses o f green fe a thers an d
diadems of p arro t a nd m acaw feathers c ')vered with
small b lack fe ather s at th e b~se. T h e feath e rs were
fasten e d b etw e e n t wo bam boo ho ops h eld to g ether
by an e lastic n e t a b o u t a n inch w ide ( 19 48 : 22 8-9).
Galv ão (1 9 5 2 : 474) e S ick (1 9 58: 13 1) tam bém
obse r v aram o uso do cab e lo con1p rido por p a r te dos Ju-
rúna . O primeiro faz r e fe r ê n c ia a 0 e n fei te realizado com
" um chumaço d e s ororoca, colo ri<l o d e ·vermelh o " ( 195 2 :
4 74).
Dessa form a, to dos os au t or.es anteriores mostraram
que os J urúna, d e arnbos os sex o s, &té há b e m pouco
tempo atrás poss uíam o s cab e lo s c ompridos. Hoje em
1 dia, conform e já dissem os, a s mulhe r es continuam a dei-
xá-los longos, enquanto qu e a maior parte dos h omens
aderiu ao corte em qu e ê les são <i p a rados n a a ltura das
orelhas. O cabelo usad o assim curto, p ela maioria do
sexo masculino , foi tan t o um tra ço recebido dos "caraí-
b a s" , quanto dos xing uan os. Ês ~es ú ltimos c ortam o ca-
b e lo em uma linha ci rcu lar , b e n1 acima das orelhas. Se-
g undo Galv ão , e ntre os índi os d o A lto X ing u , uma " p e-
que na ton sura circula r , à m o d a d e frade , d isting ue o s
h omens adulto s dos j ove ns" ( l 9 5 3: 16). N ão obser-
vamos t a l fato entre o s Jurún a . A s n>ulheres do g rupo
aq u i enfocado n ã o parec e m t er s ofrido in fluê ncia a liení-
g ena. Embora usem o s cab e los long o $ e repa rtidos ao
meio, diferem num p o n to d as m u lhe r<::s xing uanas, que
os usam também comp rid os, m as a p a r a dos na fronte, em
linha reta e sob a form a d e franja, acima dos olhos
(Galvão, 1952 : 474 e 195 3: 16).
Os cabelos quando co rta d os, o .;;ão com tesouras
provenientes dos "caraíbas" e a t a r e fa é sernpre realizada
por outra pessoa. Já os h o m en s g ue o s usa 1n compridos
deixam-nos cair sôbre o s o mbros e nunca os aparam, o
mesmo acontecendo com as mulh e r es. Esta s, ainda, pren-
dem-nos na nuca, s o b a form a d e c oques frouxos ou por
um cor dão que dá v á rias v o ltas e m espiral (cêrca de

83
6 cm d e comprime nto), formando um rabo cuj as pontas
caem sôbre as costas. Apesar de n ão t er sido observado,
disse um índio, que não só as xnulheres, m as ambos os
sexos, p o d e m prender os cabelos nas nucas com os fios
d e a lgod ão já mencionados ou mes m o com miçan gas.
Isto, porém, é realizado apenas em dias fes tivos. Co ntam
os inf o rma ntes, ainda, que seu s an tepassados não corta-
vam os cabelos e que os mesmos não c resciam a lé m da
c in tura. Os Jurún a continuam a cuida r muito b e m de
seus cabelos, penteando-os dià r iament e e untando -os
com óleo da palmeira inajá {o que ainda é uma ta r efa
feminina ) , e catando os piolhos {o que é fe ito por a mbos
os e.exos). Os piolhos e m geral são c o mid os por quem
os mata, sendo que os esposos costumam •.:.atá- los uns
no s outros.
O chumaço vermelho feito com o a ril o d a bana-
neira bra va e colocado na fronte, b em no local onde se
inicia o repartido do cabelo, ainda continua a ser um
adôrn o ta nto fe m inino quanto n1asculino. O processo
para a colocação d êsse chumaç o, qu e m a is parece uma
fl or, é o seguinte : 1. 0 ) repar tiç5 o ao meio do cabelo
da p essoa que deverá ser adornada, p o r um e le m en to d o
sexo fe minino. Essa tarefa é semure reali zada, n os dias
a tuais, com um pente d e "caraíha" . 2. º ) aplica ç ão do
ó leo de inajá n o cabelo e com maio r acuid ade no que
fica r ente à testa. 3. º ) colocação de resina bem no m e io
da front e , no local onde será pôs to o a rilo da sororoca.
4 . º ) distribuição d êsse a rilo de forma circu l ~ r. em cin1a
d a resin a já m e nciona da, elemento d e fixaç ão do m esm o.
Qua ndo· êsse chumaço cai, r estando muito pouc o do a d ô r-
n o, as mul h er es Jurúna costuma1n passa r óle o de ina já
em cima do local onde estava colocado, a fi m d e re tirar
a r esina que p e rmaneceu. O óleo serve para amaciar o
cabe lo endurecido pela resina.
Uns e nfe ites de miç angas, que possuem a form a de
um tride nte ou de uma borla, costumam ser usados em
dias festivos pelas mulheres {môrmente as c ri a nças e as
a d olescen tes ), n a test a, junto ao ch umaço feito co m o
arilo da sororoca, coiceando-se urr. de cad a lado d o cita-
d o chumaco. Para a fo rmacão d êsses adornos, combi-
J ~

na m -se, quase sempre, miçangas g rand es com pequenas,


brancas co m azuis esct~ro ou azuis claro com azuis escuro.
Para fixá- los, a s mulheres J urúna pega m um pouco d o
cabelo d a pessoa que será ad o rnada e o dobr c'l m sôb re o
enfeite d e miçangas, e nrolan do -o, e m seguida . com bar-
bante bem fininho. P a ra a fabricação dêsses ornatos, cuj a
tarefa é fem inina, a técnica consist e unicamente e m enfia r
as miçangas e m cordéis.
1
Üs cab e los são enfeitados, n1-sses dias especia is, com
p en as d e pato, brancas e pequenas. Elas são colocad as
a trás do chumaço vermelho feito com o arilo d a sororoca,
bem no m e io da cab eça, no repartido do cabelo. Ü 'b se r-
vamos êste t ipo de adôrno apenas em mulheres. Toda-
v ia, segundo um informante, os homen s também fazem
uso d o m esmo. Disse, ainda, qu~ quando os Jurúna têm

84
muita pena de pato, branca e pequena, costumam enfeitar
todo o cabelo com elas e não apenas a linha do repar-
tido. Para a fixação dessas penas emprega-se a resina e
a tarefa é feminina. Os homens usam, ainda nessas oca-
siões, como adornos de cabeça, alguns diademas de pe-
nas, uma espécie de coroa feita com o trançado de 4 fo-
líolos da fôlha da palmeira inaj á ou tiras de palha de
inajá que são simplesmente amarradas na cabeça. Os
diademas observados eram sen1pre verticais <11 ) e, de
acôrdo com a sua constituição plumária, apresentavam-se
nas seguintes modalidades:

1. 0 ) -alinhamento de penas assentadas num cordel-


-base, possuindo no centro uma pena long a da cauda da
arara vermelha, que se sobress"ti dentre às demais, e
tendo, em cada lado, respectivamente, 6 penas amarelas,
caudais, de rei congo, seguidas de 24 penas caudais ver-
des e multicores de papagaio. Essas p e nas sobrepõem-se
parcialmente e são mantidas juntas e num mesmo plano
por intermédio de um fio que a s enlaça na parte poste-
rior. ·O cordel onde os canhões das penas estão coloca-
dos prolonga-se para a amarração.

2. 0 ) - fieira de penas assentadati nun1 cordel-base, pos-


suindo no centro uma pena caudal vermelha, de arara,
que se sobressai dentre às demais, e ten<lo no lado esquer-
do, consecutivamente, 1 pena caudal multicor de papa-
gaio, 13 penas caudais, amarelas, de r ei congo e 1 7 penas
caudais verdes e multicores, ta m bém d.e papagaio. Do
lado direito, a partir da pena longa da a rara, foram colo-
/ cadas 1 pena caudal multicor de papagaio, 14 penas cau-
dais, amarelas, de rei congo e 15 p enas caudais verdes e
.1 multicores de papagaio. Essas penas, da m esma forma
que o diadema anterior, sobrepõen1-se parcialmente e são
mantidas juntas e num mesmo rlano por intermédio de
um fio, que as enlaça na parte posterior. Na base da
parte anterior, é colocad.a ao longo de todo êste alinha-
mento, superposta, uma outra fíeira constituída somente
de penas pretas, peque nas, tiradas do p escoço do mutum.
Elas são amarradas num barbante fino, à pdrte; em se-
guida, êsse barbante é pregado e m cima da costura que
une as penas do diadema. O c o rdel que as ;1ssenta tam-
bém se prolong a em ambos os lados.

3:0 ) fieira de penas assentadas nurr1 cordei-base, ten-


-

do no meio duas penas caudais, azuis , de arara canindé,


amarelas no reverso, que se sobressaern d e ntre às demais
e são ladeadas, consecutiva e respectivamente, por 3 pe-
nas brancas de pato, 3 azuis de .arara, 3 brancas de pato,
2 azuis de arara, 3 b:rancas de pato, 3 azuis de arara, 3
brancas de pato e 4 azuis de arara. Ambos os lados
são iguais. Como os dois diade1nas anteriores, as penas

(11) Observamos, q uanto a êste tipo de adôrno de cabeça, a


mesma nomenclatura seguida por Berta G. Ribeiro (1957:
81).

85
dêste são mantidas ju:ntas e num mesmo plano, por inter-
médio de um fio que as enlaça na pafte posterior. Tam-
bém as penas se sobrep õem parcialmente e o barbant e
no qual são colocadas pro longa-se nas duas extremida-
des, a ting ind o o comprimento n~cessário par a amarrar a
p eça quando é usada.

4. 0 ) - base retangular, alongada, fl exível, de palha de


buriti, tra n çada em diagonal e possuindo as duas extre-
midades amarradas, cada uma delas, por um cordão fino.
Nessas pontas é inserido um ~ordão m ais grosso que
serve para prender o diadema na cabeça. A emplumação
é feita externamente com penas vermelhas, peitorais, d e
arara cang a, atadas uma às outrê!s com linh as de a lgod ão
e, posteriormente, costuradas na base de palha. Na parte
central dêsse dia dema há pontos sobressalentes que po-
d em variar de um a três e que são form ados por lascas
de taquara finas e que alcançam o tamanho d eseja d o,
chegando até a 8 cm aproximadamente. E~ta lasca de
taquar a é enfiada n o trançado da base e d o brada, sendo
amarrada com fios de algodã.o. A fixação d e penas dorsais
de mutum, de penas peitorais de periquito e de penas
peitorais de arara verm elha, faz-se através de a m a rração
n esses s up o rtes. São sempre colocadas 2 pe1~as de cada
uma dessas aves, uma na parte dianteira da lasca de ta-
quara e outr a na parte traseira. A pena de mutum fica
na base, vindo acima d e la a de periq~.iito e , em seg uid a,
a de arara vermelha, que nem sempre se faz p r esente .
Quando h á mais de uma parte sobressalente, colocam-se
e ntre e las, h orizontalmente, dois pedaços de taquara, tam-
bém, um n a frente e outro atrás, amarrados nos pontos
de junção por barbantes bem finos.
·O s três p rime iros diademas, obedecem à mesma téc-
nica de fabricação, o u seja, são todos fo rmados por fiei-
ras d e penas assentadas num cordel-base e podem ser
usados diretamente ãmarrados na cabeça ou armados
sôbre uma coroa d e talas trançadas - o que não chega-
mos a observar. O s Kamayurá, Yawalapiti, Waurá e
outros utilizam també m diademas semelhan tes aos aqui
descritos, sendo porém geralmente usados sôh re a borda
superior da co r oa d e palha tranç~da, a qual é a inda co-
b erta em tôda a sua extensão frontal por uma faixa d e
penas pequenas (provàvelmente peitorais ou d orsais), ne-
gras e vermelhas. Às vêzes essa c oroa de ta las tran çad as
é usada pelos xinguanos sem qualquer cobertura de pe-
nas. Os xinguanos, ainda, costumam fazer uso de coifas
que, segundo Berta Ribeiro ( 19 S 7: 7 6), são formadas
por uma "base r e ticular de fibra de bu riti, d e malhas es-
paçadas, em forma de touca. ·É emplumada com penas
brancas de gar ça (Camerodius alba) a tadas em molhos
de duas, com um atilho especial, nos intervalos dos n ós,
cobrindo dois têrços da superfície ext erna da touca"
( 19 5 7 : 7 6). Além dêsses enfeites, os índios compon en-
tes d a á rea do Alto X ingu costumam, em dias festivos,
utilizar-se de pasta vermelha do urucu para pintar os

86
cabelos. Fazem ainda, em cima dessa pasta, desenhos
variados em prêto e branco. Já os Jurúna, não se ador-
nam com essas pinturas no cabelo.
O 4. 0 tipo de diadema observado na aldeia de Bi-
bina, é encontrado d e forma semelhante entre os T xuka-
hamãe. Aliás, dois hom ens J urúna - T eninin e Suririn -
possuíam êste adôrno , trocado com aquêles índios. Se-
g undo os informantes, " Jurúna sempre fêz assim". Dizem,
ainda, t erem sido êles que e nsinaram cs T xukahamãe a
fazer esta espécie de enfeite de cabeça. Não tivemos oca-
sião de comprovar êste fato.
As indicaç.ões de Ada lbert, Steincn e N imuendaju
acêrca de adornos d e cabeça, foram muito precárias, o
que impede uma avaliação de mudanças eventualmente
ocorridas. Todavia, embora não tives$em sido observa-
dos, na atualidade, os ornamentos por êles indicados, é
provável que os Jurúna ainda os façam. A composição,
a diversificação e o número de ;:ienas empregadas nesses
en feites parece depender muito das posses plumárias de
cada um.
Os brincos, ou seja, os adornos d a s orelhas, consti-
tuem outra forma de ornatos da cabeça . Num passado
não muito distante os Jurúna costumavam enfeitar as ore-
lhas tanto com penas como com dentes de índios mortos,
pertencentes a grupos inimigos. Isto é afirmado não só
pelos informantes atuais, como também por Adalbert
(1849: 252 e 278) e Nimuendaju (1948: 236). O pri-
meiro dêstes dois autores conta, ainda, que tais dentes
eram fixados numa taquara fina ( 1849: 2 5 2 e 2 78) e
que muitos d ê les " had been taken from Peapais slain in
I battle ... " ( 1849: 2 78). Hoje em dia êste tipo de
adôrno n ão é mais confeccionado, o que pode ser expli-
cado em funç ão da relativa paci~icidade a que chegaram,
o que os fêz perder alguns de seus hábitos ligados à
guerra. Os ornamentos de penas auricuiares, não só a g ora
como em tempos mais remotos, são indicativos de tôda
a pobreza e a simplicdade da arte plumária entre os
Jurúna. Êsses brincos podem atravessa r perpendicular~
mente a orelha, cujo lóbulo é perfurado em ambos os
sexos, ou ser colocados de forma a ficar dep endurados.
Dentre os do 1. 0 tipo, observarr1os os se g uintes:

1.0 ) -uma pena caudal de arara vermelha, fincada em


cada uma das orelhas. Esta esp-écie de brinco parece ser
bastante valorizada pelos índios Jurúna e só é usada pelo
sexo masculino. Adalbert ( 1849: 2 5 2 e 2 78) e Steinen
( 1942 ~ 283 -314) fizeram referência a êsse adôrno. Penas
caudais de outras aves também são usadas dessa forma
só pelos h omens.
2. 0 ) - uma pena caudal de arara v ermelh a encastoada
numa taquara ben1 fina. O ponto de junção dêsses dois
elemen tos fica oculto e circundado por uma roseta <12 ) de

(12) A respeito de emplumação em roset a veja-se Berta Ribeiro


(1957: 66-73).

87
penas pretas, peque nas, tiradas do pescoço de mutum.
Essas penas são unidas à taquara por linha branca, se-
g uindo -se, nessa mesrna haste, um enfeite feito primeira -
m ente com linha verm.e lha e depois com linh a preta, am-
b os e nrolados em espi ra l. Essas linhas tanto podem ser
m anufaturadas p e la mulher Jurúna , quanto ser oriundas
de indústrias nacionais. A descrição fe ita p o r Nimuen-
daju parece indicar essa mesma modalidade de brinco.
Diz ê le : " Ordinarily, they wore nothing in their ears but
for festivais they inserted a long re d macaw tail feath er ,
with small feathers h a n ging from its p :>int a nd surround -
ing th e base" ( 1948 : 2 30). Os Xipáya e ::>s Kuruáya
também usavam êste ornato auricular, que era e é uma
propriedade masculina.
3. 0 ) - uma pena caudal verde e multicor de papagaio,
fincada numa orelha o u e m ambas. P ode se r usada tanto
por crianças c omo p o r adulto , de ambos os sexos.

4 .0 ) - duas penas cauda is mul ticores, de papagaio, uma


e ncastoa da na o utra e enfia das no orifício do lóbulo da
orelha, sem qualquer intermediário. U sad o p e los homens.

5. 0 ) - ponta de uma pena de mutum, branca e preta,


inserida em rol et e d e taquara, b e m p equeno, <1Ue se acha
fincado n o orifício d a o relha. Penas de outras aves não
iden tificadas també m costumam ser enfiad as n e ssa taqua-
rinha, colocada na pP.rfuração ;:turicular. Sã o utilizadas
ape nas pelos h ome n s.
Dizem os info r mantes, que a.iém d a. pena caudal de
papagaio, as mulhere s costumam adornar s11as orelhas
com uma pena p equen a de a rara verm e lha . Não obse r-
vamos tal fato. Com relaçã o às que se colocam d epen -
duradas, vimos apenas serem 1sadas, pelos homens, a s
1

caudais, brancas, d e pat o ou as listradas de gavião.


Falamos em linhas anteriores, q ue os ló bulos d as
o relhas dêsse s índios, e m ambos os sexos, são perfurados.
T a i fato, entretanto, fo i anotado por Stein en ( 1942:
281) e Nimuenda ju (1948: 2 30) apen as em homens.
Seg undo Karandini, informante Jurúna~ ê les fazem o
orifício a uricular quando ainda são b cbês. A tarefa é
feminina. Uma pessoa segura a orelha da criança, en-
quanto que o utra a fura com uma a g ul h a. Em seguida
é colocado no orifício um pedaço d e barbar-te tingid o
de urucu, a fim d e que não se feche. A esp essura dêsse
fio de algo dão to rn a -se maior ;sradativã.m e nte, conforme
o orifício vai aumen tando, até chegar ao p o nto ótimo
que parece ser, aproximadamente, d e 1/ 2 cm de diâ -
metro. Segundo o info rmante, quando os Jurúna antigos
não possuíam agulhas, perfuravam o lóbulo da orelha
l'.o m um osso d e macaco, cuja ponta e ra afinada com
faca (instrumento que êles já possuem há muitos anos ) .
Os brincos característicos d os xing uanos diferem
bast~nte dos aqui expos t os. Berta Ribeir o assim descreve
um p a r oriundo dos Kamayurá:

88
"Brincos em form a d ~ botão de plumas, com-
preendendo amarelas e vermelhas do papo de tu -
cano (Rhamphastus sp . ) e neg ras de mutum (Crax
sp.) , dispostas em camadas sucessivas, que se em-
bricam umas às outras, d e ixando visível apenas uma
orla das plumas ama r e las da primeira camada.
O supor t e d as p lumas consiste num rolete ôco
de canabrav a , em cuja extre mida de livre é engas-
tada uma lasca d e made ira, a g u çada na ponta, para
penetrar no orifício do lóbulo da orelha. Frequente-
mente é usado s ôbre o pav ilhão auricular" ( 19 S 7:
: 89 e fig. 4 2). if:ste brinco é usado só pelos
homens.
Com relação ao tronco, 03 J urúna costu mam orna-
mentá-lo com penas, com c o lares e c om cintos. Sôbre
êste último tipo de enfeite já falamos ao abordarmos as
vestes dêsses índios.
A aplicaç ão de p en a s pei to rais, brancas, de pato,
é um adôrno usado ap e n a s p e lo sexo masculino. N ã o
foi visto por nós e não há r e fer ência a o mesmo na lite-
ratura existente mas, s eg und o o s info rmantes, era em-
pregado no passado e ainda o é agora Para a sua con-
fecção, as plumas bra ncas são fixadas no peito d o s ho -
mens, com breu, fa z end o-se arr a njos ~em inte nçã o s im-
bólica, puramente form a is. A finalidad e ~ unicamente o
desejo de embelezar-s e . Os xing uan cs não se valem
dessa modalidade d e adôrno .
Quando os Jurúna viviam em lutas com se us inimi-
gos, costumavam cortar a ca b e ça dos que er~m mortos
I e extrair-lhes os dentes, c om o s quais confeccionavam
tanto colares quanto brinco s. Essa informaç ão além de
fornecida pelos atuais Jurúna , encontra-se ta mbém na
bibliografia. Conta Kra u e tl er qae, de certa f eita, os J u-
rúna mataram um K a yapó , cortara m-lhe a ca beça , que
foi cozida, e , com o s dente s, " fi ze ram v o ltas p ara se en-
fe itarem" ( -1953: 41 ) .
Adalbert, que e m 18 4 2 já observar a a existência
de contas de vidro e ntre os Jurúna, n o to u ta mbém q u e
êles as utilizavam em c olares d e h o m ens e de mulheres.
Os do sexo masculin o e r a m colocados rente a o p escoç o
( 1849: 2 5 2). As mulhe r es, segundo foi relatado, usa -
vam não apenas contas mas ta mbém s ementes e cascas
d e nozes e parece que ê les e ra m colocados rente ao pes-
coç o e ao longo do colo :

"The lndian ladies are loade d with necklaces,


and if they cannot procure g lass-beads, they are
content with string s o f seeds instead, of a grey co-
lour and the size of a pea; or they string together
nutshells, to which the y ascribe medicinal / pro-
perties . . . Th ey s eem to take g reater pleasure in
adorning their little children than themselves, deck-
ing them out with a profusion of beads and finery"
(1849: 253-4).

89
Não v imos colares de sementes e, aos confeccio n a dos
com cascas de côco, segundo as índias, não é a tribuída
nenhuma propriedade medicinal. São apenas e nfeites.
Adalbert ( 1849: 304) mencionou, a inda, colares de
d entes d e o n ça e de macaco, ambos referidos, na atuali-
dade, p e los Jurúna. Alg uns anos após a v iagem d e
Adalbert, S te ine n notou que as miçanzas e ram profusa-
mente usad as. Afirmou que o " m el hor ad ô rno d os iuru -
nas são as "missan gas" . Homens e m ul h eres !\Sam g r os-
sos co lares no pescoço, as crianças de peito estão m esmo
carrega d as d e enfeite no pescoço" ( 194 2: 2 82 ). Fala,
ainda, em co lares de pérolas, contas, ntilizad os por am-
b os os sexos ( 19 4 2 : 301, 302 e 314) e num co la r , usado
por t.:m h omem, numa festa, constituído por "uma c h ave
presa a um cordão" e que caía no p eito ( 19 4 2 : 3 14) .
1 .ôdas essas modalidades de colares são e n con tradas ain -
da h o je em dia. Nimuen daju n '.'.1rra que tanto o h omem
quanto a mulhe r " fr o m early childhood wore strings o f
h eavy beads around their necks and b andoleer-style, cr os-
sing in front a nd behind. Necklaces were mad e of w o rk-
ed peccary teeth " ( 1948: 229). T ambém atu a lment e
se vêem colares que atravessam do ombro à cintura, a
tiracolo ( estilo bandoleira), cruzando na frente e atrás,
usado principa lmente pelas crianças e u nicamente p e las
mulheres, o q u e dive rge da observa:;Z.o d aquele au to r.
F o r am v istos, na a tua lidade, colares d e d entes de macaco
e de onça mas n ão os de queixada. É prováT:el, por ém,
que a inda os fa çam.
As difere ntes fo rmas de colares observadas durante
a pesquisa, po d em ser agrupadas segundo as seguintes
varie d ades :
1.'º ) - Colar composto por un1a volta d e um cordel de
algod ão , ten do como pingente 1-2 O'.l 3 d en tes d e onça.
2. 0 ) - Colar forma do por uma volta de um cordel de
a lgod ão, possuin do como p ing ente moedas velhas, de
a lumínio, que podem variar d e 2 cruzeiros a 50 centavos.
3. 0 ) - Colar formad o por moedas velhas, de a lumínio,
pendentes de um cordão de miçangas.
4 .0 ) - Colar co m posto por um vol ta de um cor -
del de a lgo dão , te ndo como pingentes 1-2 o u 3 fig uras
de tatu, trabalha d as na casca do côco da palmeira tucum .
5. 0 ) - Colar usado nas costas, comprido, formado por
uma volta d e miçan gas, tendo como pingen tes dois car-
tuchos d e bala calibre 44 .
6. 0 ) - Cola r usado no peito, comprido, f armado por
uma vo lta de miçan g as e podendo t er como pendurica-
lho um al finete de fra lda, um ..::haveiro o u uma imagem
d e J esus C risto.
7. º ) - Cola r composto pelo enfileiramento de dentes
d e macaco que possuem intercalada entre cad a um d ê les,
uma miçanga g ra nde, azul bem escuro.

90
8. 0 ) - Colar f ormado só por dentes de onças, unidos
uns aos outros por um fio de algodão. Não chegamos
a observar ta l adôrno. A informação foi dada por um
Jurúna. Segundo ê le, h oje em dia está muito difícil con-
seguir uma quantidade s uficie nte de d entes de onça p ara
formar um colar.

9. 0 ) - Colar composto p o r uma volta, comprida , de


corrente.

10:0 ) Colar formado por lHTia -volta de miçangas


-

brancas, tamanho m édio, usado rente ao pescoço, pos-


suindo na parte cen tral 12 a lia n ças feitas com a casca d e
côco tucum e 1 feita com a casca de côco inajá. Estas
alianças são colocadas sôbre as miçan gas. Elas não estão
fixadas, são móveis.

11 :º ) - C o lar com posto por 1 7 voltas de miçan gas


azuis, tamanho pequeno, as quais formam um rôlo grosso,
r e torcido e que possui na parte central S aJianças d e
tucum.

17. .º ) - Colar formado por 5 , 6 e até 16 voltas rle


miçangas pequenas. usado r e nte ao pescoço, podendo
essas voltas ser colocadas umas sôb re as outras ou s e r
r.J.roladas umas nas c utras.
13 . 0 ) Colar formado por 1 a 4 voltas cte miçang as
-

g randes, usado r e nte ao pescoço, colocando-se uma volta


sôbre a outra ou formando um r ô lo grosso, retorcido.
14. 0 ) Colar de miça n gas, pregadas umas nas outras
-

1 com um fio de algodão e formando como que uma pala.


C hegam a ter 5-6 fileiras. As v ê zes são pregadas umas
após as outras, form and o uma fie ira h o rizontal e, outras
vêzes, losangos.
15 :º ) - Colar de miç.an g a s, tr.~halhado , formando lo -
sangos, com penduricalhos de contas maiores, nas pontas.
Em geral as miçan gas que formam êstes p enduricalhos
são de côres diferentes das que comp õem os losan gos.
16. 0 ) -Colar d e uma vo lta d e miçangas, que atravessa
do ombro até quase a cintura , a tiracolo. colocando-se
uma em cada lado , o q u e implica num cruzamento n a
fre nte e outro atrás.
1 7. 0 ) - Colar d e uma vo lta de miçangas que atravessa
do ombro até quase a cintura, a tiraco lo, colocado de
um lado apenas.
18.ro ) - Colar de 1 a 2 voltas, de miçangas pequenas,
médias ou grandes, de vários ta manhos, desde o que é
colocado rente ao p escoç o a té o que ultrapassa a cintura.
Êsses vários colares, d e tamanhos diversos, são amarra -
dos nas pontas com fi os de a lg odão. Combinam em
geral as seguintes côres: azu l c la ro, azul escuro, azul tur-
quesa, amarelo, branco e vermelho. Essas d i 1:ersas vol-
tas, amarradas com um barbante numa d as extremidades
são usadas como se f ôsse um cola r só.

91
19. 0 ) Colar d e contas de vidro bem g randes (não
-

são miçangas), podendo ser usado em 1 volta só, caindo


sôbre o peito ou em v árias voltas, bem r ente .:to pescoço.
20. 0 ) Colar comprido que atinge a cintura, formado
-

por uma volta só de miçangas g randes, ver n1elhas, cada


uma delas intercalada por 1 ou p or 3 miça ngas pequen as,
.
azuis.
2 1.0 ) -Cola r que cai sôbre o peito, comprido, forma -
do por uma volta d e miçangas, as quais podem ser d e
tamanho ou d e côr ·variada. Ern g era} , poré m, são mi-
ça ngas de tamanho médio e são usados simultâneame nte
vários d êsses cola res, dep e ndendo o seu número das pos-
ses de miçan gas de cada indivíduo.
V emos, por essa especificação, que os adornos de
pescoço, en tre os Jurúna , foram influenciados po r artig os
importados. N a a lde ia d e Bihino., o número d êsses a d o r-
n os, fe itos com mate rial trabalhado p e lo p r óprio índ io ,
, . - . .,
e m uito pequeno em compara ç ao com os a r tigos Jª rece-
bidos pron tos. Is to 2 eve ter ocorrido desd e o a d v e nto ,
em maiores quantid ades, d e produtos p rov e nientes d e
indústrias dos "caraíbas". T oda v ia, n ã o chegam a p e rder
tôdas as caracterís ticas tradicion?.is. Ain da há o s q ue sã o
combinação do a ntig o e d o a tual , assim com o persiste r.n
os colares formados só por dentes de animais e p o r fi gu-
ras feitas com casca de c ôco. A per furaç ã o d ~sses dentes
é fe ita p e los h o m e n s com pontas de t esoura, de a rame s
previamente a p ontad os, d e facas b em po nte ~ g udas o u
de pregos afiados. Os fur os, são obtidos por rotaç ão .
O traba lho d e e nfiar as p eças num cordã o é ta refa femi-
nina. Para esculpir as fig uras d e tatu em cascas d e côco
tucum, os h omens Jurúna primeiramente fu ram esses côcos
com um dos instrumentos acima m encionados. Em se-
g uida, com o a uxílio d e um arame, reinov e m tôda a
p ôlpa branca que h á por dentro. D·epois é só talhar a
figura d o anim a l com faca ou canivete. P ara se fazere m
as alian ças de tucum ou de inajá o processo é idê ntico.
Também são as mulheres que a s enfiam em cordão, o
mesm o acontecend o com a s miçanga s.
Os cola res feitos de dentes de mac a co são utilizados
por ambos os sexos, e nquanto q ue o s de onç.1 só o são
pelos h o m ens e os e sculpidos em casca de côco só p e las
mulheres. Ambos os sexos usam miçangas m as, enquan-
to que as m ulheres podem e nfeitar-se tanto com os co-
lares d e tipo g argantilha quanto com os longos, que che -
gam a a tin gir a cintura, os homens só fazem uso dos
colocados rentes ou bem próximo ao pescoço. Ambos
podem adornar-se com os que possuem penduricalho.
O s x ing uanos fazem uso de um colar que n ão é
utilizado pelos j urúna. Trata-se de um ornato composto
de peças brancas, retangulares, feitas d e conchas de cara-
mujo (Lévi-Strauss, ·1 948: 328 e Galvão , 1953: 17 ) .
u· a mulher Jurúna, entretanto, possui un1 co!a r d e mi-
ç angas bra ncas cujo formato imita o d e conchas, obtido

92
com um índio Kalapálo que, aliás, junto con1 os Kuikúro ,
são os fabricantes dos mesmos. Lévi-Strauss ( 1948: 3 28)
fala, ainda, em colares formado3 por garras de jaguar,
usados pelos xinguanos e que não foram vistos entre os
índios aqui enfocados. Ambos os grupos, p o rém, estão
a fazer uso de colares de miçangas. Entre o s do Alto
Xingu êles parecem ser característicos das mulheres.
Os membros superiores são adornados i:.elos Jurúna
com braçadeiras, que são d e uso tanto femi n ino quanto
masculino, e com pulseiras, usadas não só p e las mulhe-
res, preferentemente as adolesce ntes e as cria!lças, mas
também por meninos . de tenra 1dade. O sexo feminino
ainda tem por hábito enfeitar alguns dedos com anéis.
As jarreteiras e as tornozeleiras, por outro lado, consti-
tuem os ornatos dos membros inferiores, em a mbos os
sexos. <1 3 ) Nenhuma dessas peças é usada pe!os indiví-
duos mais idosos, com mais de 40 anos. Adalbert, quando
de sua estada entre os Jurúna, referiu-se ap e nas às bra-
çadeiras e às tornozeleiras, q ue diz serem <le alg odão
vermelho e que eram usadas pelos dois sexos, sendo inclu-
sive consideradas um presente de bastante valor ( 1849:
2 5 2 e 2 5 4). Fala, ainda, no uso, pelas mulheres, de "broad
armlets, ma de of black wood ... " ( 184 9: 2 5 4). Steinen
(1942: 28 2, 313 e 314) e Nimuenda ju (1948: 229)
falam também nas jarreteiras, a lém de dare m informes
sôbre as braçadeiras e as tornoze leiras. E stas últimas,
segundo S,teinen, eram usadas por mulheres e homens, en-
quanto que os adornos dos joe lho s parecem ter sido veri-
ficados apenas no sexo masculino. Para N imuendaju,
entretanto, só os homens é que se ornavam com êsses
três tipos de enfeites. Ambos, p o rém, são a cozdes quanto
aos ornatos dos braços e dos tornozelos possu}rem cêrca
I
de 5 a 6 cm de larg ura e serem tecidos e m algo dão pelas
mulheres. Tamb ém concordam quanto ao fato de as
joelheiras serem faixas mais es treitas e de, ·em dias de
festas, as tornozeleiras pode ren1 ser de mi~angas. Na
atualidade, pelo que observamos, qualquer um dêsses
adornos pgde ser de algodão ou de miçangas , d ependen-
do das posses individuais. Nem sempre essas três moda-
lidac:les de enfeites são usadas concomitantemente e, ape-
sar de os de miçangas serem encontrados com maior
freqüência nos dias festivos, é comum vê-los também
em uso cotidiano, principalmente pelas meninas.
Sôbre a fabricação das braçadeiras, jarreteiras e
tornozeleiras de algodão, há informações pormenorizadas
no item d dêste capítulo (Fiação e Tecelagem). Cabe
dizer aqui apenas o seguinte: hodiernamente os Jurúna
só estão usando, tecidas, as braçadeiras, embora afirmem
que os ornatos dos joelhos e tornozelos também possam
tecer-se. Mas o que observamos é que êsses dois últimos
tipos de enfeites são constituídos apenas por um cordão
( 13) Para os ornatos dos membros, com exceção dos anéis, uti-
lizamos a n1esma nomenclatura empregada por Berta Ri-
beiro (1957: 95-7) con1 r elação a adornos plun1ários, en1-
bora os Jur úna não os fa çam de penas.

93
que d á alg umas voltas nos mencionados pontos d e a rti-
c ulação. Para a conf ecção dêsses adornos, em miçan gas,
a técnica co nsis te apenas em enfiar essas contas, b em
miúdas, num barbante fino, formando com as rnesmas
um cordel qu e é enrolado no ante-braço, um pouco abaix o
dos j oelhos o u ligeiramente acima dos tornozelos; cad a
uma das voltas que formarão essas faixas são em geral
unidas umas às o utras, num dete rminado ponto, por uma
laçada feita co m linha de algodão. Essa tare fa , e m um
caso ou n o utro, é sempre fe minina.
Por razões que n ão conseguimos apurar, m as que
provàvelme nte pod e rão ser de o rigem estética o u re ligio -
sa, as braça d eiras são sempre vermelhas, quer sejam d e
algodão ou d e miçangas. As de algodão não são d e " red
cotton", co nfo rme disse Adalbert ( 1849: 2 5 2 ) , mas sim
tin gidas com tintura de urucu. As jarrete iras, por sua
vez, jamais são d essa côr. ·Quando confeccionadas com
fios d e a lg odão e las são sempre brancas e, qua nd o fe itas
com miçang as, podem ser brancas ou azuis (bem escuro,
quase prêto ). M as, segundo um informante, "branca é
mais bom". Já as tornozeleiras, como as bra ça d eiras,
são sempre verm e lhas, quer sejam confeccionad a s com
fios d e a lgo d ão ou com cordéis de miç angas.
H o je e m dia , ai nda , os e nfeites dos braços e dos
t ornozelos n ão p ossuem m a is cêrca d e 5 a 6 cm d e la r-
g ura, co nforme foi indicado p o r Steinen e N imue nd a ju
e que já fo i visto e m linhas atrás. São ago ra mais ou
menos d o m esmo taman ho que as jarrete iras. Não ultra-
passam 3 cm d e la rg ura.
Quanto às pulseiras, que não foram re la ta das p o r
nenhum d os autores re feridos, podem ser fabricadas ta m -
bém com miçangas, quando são usadas exclusivam ente
pelas mulhe res o u com um fio de algodão onde são colo -
cados penduricalhos formados por figas d e plás tico e m
t ôda a v o lta, por 7 o u 8 botões colocados uns sôbre os
outros, v erticalmente, e por uma casca de côco d e inajá .
E ssa m odalida d e vimos empregada apenas no a d ô rno d e
meninos c uja idade variava de 1 a 5 anos. O h omem
~ó coloca pulseira quando criança e, mesmo assim, e la
não pode ser de miçangas. As pulseiras, usadas pelas
môças e m e ninas, q uase sempre em ocasi·õ es festivas, ch e -
ga m a possuir a té 2 5 voltas (quando de miç angas p eq ue -
nas ) , a tingind o cêrca d e 7-8 cm de altura. A fa b ricação
das pulseiras d e miçan gas segue o mesmo processo e m -
pregado na dos outros ornatos dos m e mbros. Essas con -
tas, a gora em ta m a nho m édio ou pequeno, são enfia das
num corde l, com o qual se dão várias voltas nos pulsos,
cada uma delas laça d a uma na outra, com uma linha d e
algodão, seguindo uma direção inclinada. A cô r das
miçan gas, e ntão e mpregadas e observadas p o r nós, é
sempre azul, podendo a tonalidade ser escura ou c la ra,
ou, ainda, uma combinação de ambas. Disse um infor-
mante, e ntreta nto, que quem quiser pode empre gar mi-
çangas v erm e lhas n a confecção de pulseiras. Para a fa-
bricação das usadas pelas crianças do sexo masculino,

94
Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai
www.etnolinguistica.org

Fig·. 1 5 - - Al<l ~ia. Bibina:


mô('a. J ·urúna. (foto
Ga l vã o ) .

basta enfiar o pingente que se tiver, em um barbante .


Essa tarefa, como nos casos anteriores, continua a ser
feminina. ·O trabalho realizado pelo homem foi tornar
1 ôco o fruto da palmeira tucum, que serviu de pingente

em uma das pulseiras observadas. Os demais pingentes


tinham sido todos obtidos com os "caraíbas"
·O s an~is, usados em vários dedos, têm o feitio de
aliança e sao fabricados com a casca de côco tucum ou
inajá. O seu uso parece ser essencialmente feminino,
enquanto que o trabalho é masculino. Essas alianças são
da mesma modalidade que as colocadas em colares e,
por1sso, a fabricação é a mesma. Também são usados
anéis dêsse tipo, provenientes dos "caraíbas" e fabricados
,
em metal. Essa última forma e encontrada entre os habi-
tantes da área dos formadores do Xingu.
.
Com relaç ão, porém, aos adornos dos braços, JOe-
lhos e tornozelos, há diferenca entre os xing uanos e os
~

Jurúna. Para aquêles índios, êsses enfeites são peculia-


res ao sexo masculino. As ·braçadeiras nao são de fios
tecidos mas apenas enrolados nos braços, numa larga
.
faixa. '.É característico dêles, ainda, colocar por cima
dessas faixas de algodão outra braçadeira formada de
penas, a qual pode ser usada também isoladamente. O·s
joelhos, apesar de serem enfeitados com fios de algodão,
nao o sao numa faixa estreita colocada abaixo daquela
articulação, mas sim numa faixa ampla que vai desde

95
acima até a baixo. P ara os to rnozelos, os o rnatos mais
comuns são "grossas tornoze le iras feitas d e faixas d e em -
bira" (Galvão, 1 9 5 3 : 1 7) , onde às vêzes se colocam
sinos, r ecebidos dos .. caraíb as". Aparecem, ainda, como
variantes d e torn ozeleiras, larga s faixas d e fios d e algodão.
A lém d esta ornamentação , os Jurún a antigos faziam
uma tatuagem no meio da face, descendo uma linha preta
da testa a t é o queixo e circundand o a b ôca, o que lh es
vale u o nome de " bôca preta" (Betendorf, 19 1 O: 1 16;
Barros, 1746: 20 4 ; D aniel, 1841: 17 2; Southey 18 17:
5 1O; A d albe rt, 1 849: 3 1 3-4 ; Leite, 194 3 : 3 5 3; Nimuen-
daju, 1948: 2 18 e 229; Galvão, 1952: 4 74 e Oliveira,
1 968 : 1 7 ). Trata-se de uma d esig nação tu p i-guarani
(yuru ou juru = bôca e •u na = preta). O padre Beten-
dorf ( l 9 1 O: 1 1 6) , em sua Chronica, escrita n o século
XVI I, não se re feriu ao tê rmo tatuagem mas a existê ncia,
en tão, d êste processo de pintura, acha -se implícita em
s uas palavras :
.. são os Jurunas, que significa - de b oca
preta, porque fazem um risco d e larg ura d e quatro
d edos, começando d a testa até a boca, com certos
d entes de animaes, dando-lhe juntamente unturas
com certos summos de alg umas h ervas, de modo
que fica de côr roxa; e este risco ou listrão roxo
trazem, por divisa dos mais índios, impresso em seu
proprio ros to, a trazem até as m ulh e res ... ''
Êsse padre cronista, mostra não só o processo da tatua-
gem mas também o seu uso p or ambos os sexos. O
padre André de Barros (1746: 20 4 - 5) diz que essa
fa ixa preta d is ting uia o stat.us dos indivíduos, uma vez
que "os mais nobres" usavam a lista mais larga e os
" principais" d as a ldeias podiam chegar a te r o rosto in-
teiramente p intad o de negro. Já n o século XV III, no
ano de 1 75 9, o padre José d e Moraes, baseado em
informações do padre Roque Hund e r ptfun dt, diz que
os j urúna se diferenciavam
"das mais naçc·es, exceptuando os J aci-
poyas, que tem os m esmos signaes com hurna cinta
pre ta, que fo rmão da testa at~ a ponta d a barba
d e la rg ura / de tres ded os, tudo feito a ferro e
san gue e t inta p reta de janipapo, e os mais a bali-
sados se disting uem com dous riscos pretos p e las
faces e queixos menos largos que o sig na l da testa"
( 1860: 504 -5 ).
Também êsse a utor, além de indica r o processamento
da tatuagem, mostra que a mesma servia para uma dis-
tinção d e status. Daniel, em sua obra escrita p e lo ano
d e 1 79 7, re te re -se a essa marca do g rupo J urúna,
dize ndo:
"l 'em outro distinctivo das mais nações, indi-
cado no seu n ome d e Jurunas, que é terem as boccas
pretas, porque Jurú quer dizer b occa, e una significa
preta. A lê m das boccas pretas, t ambém o são as

96
barbas e meio rosto ou me.i as faces: f.azem este ·s eu
distinctivo, quando meninos, com tinta bem preta,
e sabem embutil-a ou introduzil-a / na carne com'
tanta arte que nunca se tira nem perde a sua viveza
até a morte, parecendo natural e nada artificial.
Pois de tal modo se tem intricado e co-naturalisado
na carne, que não é possivel tirar-se, por mais esfre-
g a ç ões que lhe façam e remedios que appliquem;
e o que mais é, que ainda que se esfole a pelle,
como já tem feito alg uns, que tem descido dos
matos para o christianismo, por se verem envergo-
nhados entre os mais, sempre a bocca e faces per-
severam neg ras" ( 1841 : 1 72).

Por esta afirmativa t e m -se conhecimento de que a tatua-


gem era realizada na infância, e de que, já nos fins do
século XVIII, as resultantes do contacto com elementos
não indígenas começavam a se fazer sentir. Southey tam-
bém sem mencionar expressamente o têrmo tatuag em,
indica que ela era existente entre os Jurúna, e dá outras
informações como: " ... the nobler the person the broa-
der was the line, and the Chiefs had the whole face
blackened" ( 181 7: 5 1O). iÊstes dados, como os do pa-
dre Barros e do padre Moraes, indicam uma diferencia-
ção dentro do próprio grupo. Quando Adalbert, no fim
da primeira metade do século XIX, estê ve com êsses
índios, já nem todos se tatuavam: "among the inhabi-
tants of Tavaquára only one young Jurúna was tattoed,
who looked just as if he had on a pair of open-worked
mittens . .. " ( 1 849: 2 S3). Em outro local por êle visi-
tado, obse rvou, sem fazer menção à palavra tatuag em,
l o seo-uinte
o ·•
:1 "Several of the men had a vertical, dark-blue /
•/ stripe across their fa ce, commencing at the root of
their long, black hair, where was fastened the fi-
gure of a small red heart; the line descended hence,
an inch_ or inch and half broad, across the high
for e head, the ·well-formed nose and mouth, t o be-
low the chin" ( 1849: 2 74-S).
Adalbert ( 1 849: 3 1 3 - 4), ainda em seu livro, faz
referência aos informes de Southey, já enfocados anteriot -
mente. A partir dessa ocasião não mais encontramos, na
bibliog rafia c o nsultada, nenhuma indicação de tatuagem,
sendo provável que ela haja caído em d esuso na segunda
metade do sé culo XIX <14 ) .
·O s atuais Jurúna do Diauarum dizem que nenhum
dêles chegou a ver êsse processo d e pintura mas que,
seg undo contaram os mais velhos, era traçada com um
espinho de tucum , com dentes de peixes ou d e animais,
uma linha reta que ia da testa a té abaixo do queixo, pró-

(14) Nimuendaju (1948: 229-30) fa z en1 seu t r a balho un1 resumo


do u so e das características da ta tuagem , com referências
bibliogr áficas expr essas a penas ao padre Moraes e a Andr é
de Barros. . ,

97
ximo ao pescoço. Essa linha contornava os lábios, tam-
bém. Ao se faze r o traçado, a pele e r a cortada e o san-
g u e fluia, sendo e ntão a êle misturada uma tinta obtida
pela união de lascas de determinada casca de pau com
água e carvão. As informações agora a dquiridas com
r elação ao eleme nto tintorial diferem um pouco das for-
n ecidas pelas fontes bibliográficas, principalmente das re -
la ta d as pelo padre J osé de Moraes, que faz referência ao
jenipapo. O s Jurúna, entretanto, n egaram terminante-
m ente que a tinta obtida com essa fruta servisse para êsse
tipo de pintura. É provável que essa diferença de expli-
cação seja encontrada em fun ção o u d e um a perfeiçoa-
mento de técnica ou d e uma obser vação precipitada do
cronista ou, ainda, n a distorção d e um fato, causada p ela
transmissão oral, d e geração em geração.
Presentemente, nos dias festiv os, ê les costumam
o rnar-se com pinturas faciais de urucu (vermelhas), cujo
preparo já foi r e la ta do , e com pinturas corporais à base
de tinta de jenipapo (preta). S egundo os informantes,
tanto os homens quanto as mulheres fazem uso do urucu
para passar n o r osto sem a preoc upação de representar
qualquer motivo , e nqua nto que a tintura de jenipapo é
esfragada no ros to, peito, braços, pernas e coxas com
o u sem uma inte n ção de formar um desenho. 0 s m e ni-
~
1

n os, que andam nus, se quiserem podem pintar-se inteira-


m ente de prêto. Observamos essas r egras somente entre
os indivíduos do sexo masculino. O e le mento feminino
limitava-se a pinta r os braç os, as p e rnas e a s coxas com
a tinta de jenipapo.
Há mais d e um século atrás, A dalbe rt observou que
os Jurúna formav am "a g roup of d ark -coloured, friedly-
-loo king people, m en, women and children ... " ( 1849:
2 44) . Viu, também de um índio, que "his legs also were
painted, a nd seemed as if cased in stockings of a similar
kind, reaching to the kn ee" ( 1 849 : 2 5 3). As informa-
ções são bas tante precárias mas indica m que ê les rea liza-
vam pinturas corp o r a is. Referên~ias ao co lorido verme -
lho n ão foram fe itas. Também Steinen n ão o mencionou .
.A s notas dêste último autor contêm apen as indicaçiões
de uma pintura preta, que era utiliza d a por ambos os
sexos. As mulheres faziam "um risco v e rtical preto no
centro do corpo" (Steinen, 1942: 281) e costumavam
ter .. os antebraços e as canelas pintadas com tinta preta
·d e genipa po e, por baixo do joelho, n a barriga da perna
uma superfície redonda, o rnada de círcul os concêntricos.
U m a risca latera l prolongava-se até a frente da coxa,
pintada em form a d e disco " ( 194 2 : 2 82). Havia mu-
lh er es, ainda, que usavam fazer um "desenho na parte
infe rior da perna ... sendo que os pés levam ligeira pin-
tura em toda b eirada, e nos calcanhares" ( 1 94 2: 3 O6) .
Os home ns podiam exibir-se com d esenh os no pescoço
e n o peito (1942: 30 1, 306 e 313), ter "as pernas em
b aixo e o antebraço caiados de pre to" ( 1942: 301) e
apr esentar .. um belo d esenho na parte inferior da perna
. . . Um menino usava dois riscos pretos entre a boca

98
e a orelha, b e m assim co mo m anchas n egras e riscos late-
rais entre as pernas" ( 1942: 306). Havia, ainda, os que
se faziam "notar pela pintura d a coxa, isto é , uma lista
late ral até à faixa, / debaixo d o joelho. O resto da su-
p e rfície da coxa tinha uma série de meios círculos"
( 19 4 2: 3 1 3 -4). Galvão ( 19 5 2: 4 74), b aseando-se nu-
m a g ravura estampada em Ste ine n ( 194 2: 306) a firma
que os jurúna tatuavam as p ernas. Entretanto, n enhum
dos autores a nteriores mencionou tal fato, expressamente.
M esmo Steinen só fal a e m pintura. E os atuais informan-
tes não se referiram à tatuagem na perna. Galvão ( 1952:
4 74) , por o utro lado , quando d e sua visita em 1950,
pôde ver que os Jurúna " pintava m o corpo com urucu. "
Também Sick ( 1958:· 131) menciona tal ocorrência. Am-
bos, porém, não fazem referência aos d esenhos fe itos
com o sumo de jenipapo. A s pinturas o bservadas por
Steine n têm a lg uns pontos d e semelhança com as que
v erificamos em 1966 e 196 7. Os desenh os agora vistos,
usa dos pelos homens, podem apresentar-se sob a forma
d e traços feitos sem qua lquer significado, ta nto n o peito
quanto no rosto, pode m ser peque nos pingos desenhados
em t ôda a face e que representa m onça, podem ser li-
nhas ondula tó rias (meios círculos) traçadas no peito, nas
pernas e nas c oxas, re presentando cobras, e pode m ser
um enegrecimento tota l dos braços, do peito, do rosto e
d as pernas. Observamos, ta mbé m , que um garôto com
cêrca de 4 a nos de ida d e tinha o rosto pintado com dois
traços que ia m da b ôca até a orelha, d a mesma fo rma
d escrita por St einen. O desenho, cuja inten ção simbólica
é a representação de uma cobra é sempre feito p elo sexo
fe minino, em geral co m uma vareta ou mesmo com os
t d edos. Os d e mais são r ealizados pelos próprios h o mens.
Quanto às mulheres, n otamos que elas enegreciam todo
o braço o u faziam a linha ondulatória, que simbolica-
m ente é uma cobra, nas pernas e nas coxas. Havia algu-
m as, também, que fa ziam dese nhos de losan gos na bar-
riga da perna. Entre os xinguanos, as pinturas corporais
usadas pelos h o mens em ocasiões festivas, são mais bem
e laboradas d o que as d os Jurúna. São fei tas "à b ase de
urucum (vermelho) , genipapo (preto ) , fuligem de car-
vão (preto) e tabatinga (branca ) . .. " (Galvão, 1 9 5 3:
16). As mulheres d o Alto Xingu "limitam-se ao uso do
urucum ; os d esenhos são mais sóbrios que os usados pelos
homens. F o ra de ocasiões c erimoniais, a p in tura / femi-
nina consiste a penas em esfregar urucum pelo corpo e
p ernas, e uma camada mais viva no r osto" (Ga lvão,
elaboradas d o que as dos Jurúna. São feitas "à base de
19 5 3 : 16- 7) .
Quando os Jurúna não estavam h abit uados ao uso
freqüente d e roupas, costumavam aplicar um óleo v ege-
tal em tod o o corpo, o que servia para proteger a pele
das picadas d os mosq uitos (Adalbert, 184 9 : 2 48 e 2 7 7;
Steine n, 194 2: 281 e Nimuenda ju, 1948 : 229). IÊste
óleo, feito com o frut o da palme ira inajá, é empregado
mormente p a ra passar n os cabelos, conforme já se disse

99
anteriormente, tendo por finalidade a proteç ão dos mes-
mos contra os raios solares e, algumas vê{zes, é ta mbém
empregado durante uma atividade festiva, como base
para o urucu (a respeito de sua fabricaç ão veja-se o
item sôbre coleta). Os xinguanos, assim como os Ju-
rúna, também fazem uso de um óleo, com a diferença
apenas de que ê le é " obtido da cocção do fruto de piqui
em á g ua ... " (Galvão, 1953: 1 7) e não do côco de
inajá. Para os xing uanos, ainda, ê le "é o solvente e base
dourucum, fuligemetabatinga" (Galvão, 1953: 1 7).
A depilação, que foi praticada por ambos os sexos
no passado, ocorre, também, nos dias atuais. A observa-
çao de Adalbert a êste respeito foi a seguinte:
''The men for the most part have no beards,
as they p luck out a ll the hairs, the "Pagés" ( con-
jurors and physicians) being the only exception,
and these have but slight traces of a beard. The
women go so far as to pluck out their eyebrows and
eyelashes" ( 1 849: 2 5 2).
Esta informação parece não vigorar hoje em dia. Um
adolescente, com cêrca de 16 anos de idade, insistiu muito

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Fig. 16 - Ho1nem Jurúna


: ( foto GaJvã.o ) .

100 Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai


www.etnolinguistica.org
junto à pesquisadora para que esta lhe desse um aparelho
d e gilete a fim de que êle pudesse raspar o rosto , espe-
rando com isso que lhe nascessem pelos d e barba. E , seu
desejo era apenas motivado por um senso estético. Não
era pajé e nem sabia se algum dia o seria. Também não
são as mulh eres as únicas a depilarem as sobrancelhas e
os cílios. Ambos os sexos praticam ta l operação. Stei-
n e n ( 194 2: 28 1) forneceu dados bastante escassos sôbre
esta questão e parece haver-se enganado ao afirmar que
os Jurúna raspavam as sobrancelhas e os cabelos das
fontes. f.stes índios não costumam praticar a depilação
raspando os pelos, mas sim arrancando-os. Steinen, po-
rém, diz, por outro lado, que os cabelos dos cílios e r am
colocados sôbre um fio d e tucum e em seguida afastados
de uma só vez (,Steinen, 1940: 217 e 218 e 1942: 281).
,Ê ste fato teve uma comprovação atual, embora o fio e m -
pregado não fôsse de tucum e sim de macaúba. Galvão
acrescenta a êstes dados o de que os " h omens juruna n ão
depilam o pubis ... '' ( 19 5 2 : 4 7 4). També m Sick ( 19 5 8:
1 3 1 ) menciona o fato de os J urúna não arrancarem os
pelos corporais, querendo r e ferir-se certamente à região
pubiana. Seg undo os informa ntes de agora, as mulheres,
tal como os homens, não praticam a depilação do púbis.
Atualmente, além dos cílios e das sobrancelhas, as axilas
também são depiladas. Todavia, enquanto que os dois
primeiros tipo s de pelos são arrancados por todos os
indivíduos do grupo, o mesmo não acontece com os da-
quela cavidade. Segundo êles, tirar os pelos das axilas
dói muito. A operação de depilar, e ntre os Jurúna do
Diauarum, é feita de duas formas:

I 1:0 ) - polvilham o indicador e o polegar com um pouco


de cinza que nte, que age como d esengo rdurante e per-
mite que a ponta dos d edos fique menos escorregadia,
facilitando o trabalho d e arrancar os fios de cabelo. Os
a lto -xinguanos empregam ês te mesmo processo (Gal-
vão, 19 5 3: 1 6).
2. 0 ) - é a mesma operação já descrita por Steinen,
apenas com a diferença, conforme já exp lanamos, de que
o fio emprega do não era de tucum mas s im de macaúba.
Pegam uma f ô lha dessa palmeira e tiram fibras, para,
em seguida, pegarem um fio, que é dobrado e enrolado
sôbre o pêlo que se deseja arrancar. Em geral saem
vários de uma só vez.
As informações obtidas com r elação ao passado e
à é poca atual evidencia m que a aparência, a indumentá-
ria e os adornos dos Jurúna sofreram mudanças ocasio-
nadas pelo contacto cumulativo d êsses indivíduos com
elementos integrantes de faces diferenciadas da sociedade
nacional, e mesmo com outros índios. Estas mudanças,
porém, não foram suficientes para causar uma descaracte-
rização total n este setor de vestes e ornatos. A aparên-
cia dos Jurúna, ainda atualmente, é um dos elementos
que permite continuar a distingui-los como Jurúna. 1

1o1
e - A TIVJ.DADES DE SUBSISTiÊNCIA

A subsistência J urúna é garan tida pela prática da


h o r ticultura, caça, pesca e coleta.
As necessidades diárias de cada um são providas
em g era l p elo seu g rupo doméstico, embora a a ldeia,
muitas vêzes, funcione como uma unidade econômica.
A co ncentração das produções essenciais à sobrevivência
J urún a está dividida e ntre a família n uclear, a famíl ia
exten sa e a a ld eia. As utilidades produzidas são para
consumo próprio , não havendo excedentes que possibi-
litem inte rcâmbios reg ulares entre os diversos g rupos da
área ou mesmo fora dela.

A Hortioultura e o Preparo dos Produtos Cultivados

A base da subsistência atual dos J urúna r epousa


na a g ricultura de derrubada e queima da mata, para o
cultivo de plantas como a mandioca, a macaxeira, o milho,
a batata doce, o cará, o mangarito, a abóbora , a fava ou
o feijão , o mamão, a cana-de-açúcar, a melancia, a ba-
n ana , o abacaxi, o amendoim, a pimenta, o fumo, o a lg o -
dão , a cabaça , o urucu, o g engibre e o açafrão.
O processo do trabalho agrícola indíg ena, pela apli-
cação da '' técnica de roça", em q ue se escolhe um t erre-
n o, derruba-se a mata que e m seguida é queimada, pra-
tica-se a coivara, cava-se, planta-se e replanta -se, já foi
bastante es tudado <1 5 ) e n ão há necessidade de r e peti-lo
com g randes detalhes nessas páginas. Pela literatura
exist ente sôbre os g rup os xinguanos e por observação
n ossa quando da esta da entre os Kamayurá, Yawalapití
e T rumái, podemos afirmar que os Jurúna compartilham
êsse traç o d e sua cultura com o s grupos da área do Alto
Xing u (iu) .
Dadas as técnicas de horticultura que exig em terr e -
n os de m a ta , os "dedos' ' o u as ilhas de florestas situados
nas v izinhanç a s e marg ens d os rios são os locais esco-
lhid os p e los Jurúna para a roça. Quando lá estivemos,
elas se situavam n o rio Manitsauá. Duas famílias, por
serem mais numerosa s, possuíam roça n ão s ó n a q ue la
localização mas também em um sítio atr ás do campo d e
pouso que ex is te na a ld eia Bibina. A lg uns, cujas roça s
no Manitsau á, já velhas, estavam a produzir muito pouco ,
faziam novas no rio X ing u, entre a aldeia Bibina e a f oz
do M a nitsauá .
Ad a lb ert ( 1849 : 300) quando visitou o s J urún a,
em 184 2, p er cebe u em Piranhaquara, que as casas e ram
rodeadas por p lantações. J á Brusque afirmo u qu e ao r e-

(15) Com r ef erê ncia a gru pos tribais brasileiros, u m d os tra-


bal hos mais det a lha dos é o d e F rikel (1959). Cf. t a mbém
Galvão (1963).
(16) A êsse respeito veja-se, d e p referên cia, Ga lvão (1953),
Mu rphy & Q uain (1955), Carn eiro & Dole (1956-7 ), Car-
neiro (1956 e 1961), e Barros L in1a (1967) .

102
dor das habitações Jurúna " n e nhuma lavoura existe. Cul-
tivão , porém, alguns terrenos em uma ou o utra m a rgem
do rio ... ' ' ( 1 863 : 16).
A r oça Jurúna é aberta em redondo e tem cê rca d e
200 m de diâm e tro. E la deve durar em média de t rês
a cinco anos, sendo ainda aprove itada por mais d ois a nos
para a lguns produtos, como cana-d e-açúcar, m amão e
banan a.
A esco lha d o local é feita pelos membros d e um
g r upo d oméstico. Por medidas de precaução selec ionam
áreas próximas umas das outras, nas vizinhanças da al-
d eia. Além do fator proximidade, a procura do local
para a r oça é o rienta da pela m a ior limpeza d a á r ea. É
n ecessário que não h a ja muita raiz nem cipó. Após a
escolha começa a fase do roçado, ou seja, da derrubada
d e uma parcela da m a ta, feita uma vez cessadas as chu-
vas, ger a lmente em m a io ou junho. Prolonga-se até
setembro ou outubro, quando a queima é realiza da. O
plantio, após a coivara, é efetuado quando come çam as
primeiras c huvas. Dizem os info rman tes que, quando o
local já está limp o da vegetação rasteira, ê les podem
pla ntar, e n tre as á r vores, um pouco de mandioca, b a n ana
e car á . D epois da queima, terminam o p la ntio.
E nquanto que a fase inicia l do roçado é realizada
p e los membros do g rupo d oméstico que escolheram o
local, o tra balho final de derrubada d a mata, a queima

'' r
Fig. 17 - .4ld.e ia Bibina:
v olta da roça. L

103
e a coiva ra posterior são realizados coletivame nte pelos
homens adultos do g rupo. O plantio, o replantio , a con-
servação e a colhe ita, são tarefas efetuadas pelos m em -
bros da família nuclear o u extensa. Quando chega a
fase do plantio, o home m cava os buracos, e nq uan to a
mulhe r planta. Essa cooperação entre os sexos ta mbé m
se nota p o r ocasião da colheita.
A d erruba da da mata, o plantio e a colheita, a tual -
m ente, são fe itos com instrumentos de fe rro obtidos no
contac to co m e le mentos da sociedade naciona l. No pas-
sado utilizavam machados de pedra e pau d e cavar. <17 )
As sementes para o plantio são armazen a das em cabaças
e vidros. Excetua-se o milho , que é selecion ado segundo
a variedade e g uardado para o plantio amarrado e m
feixes que são pendurados nas vigas dos tetos das casas.
Segundo os informantes, o moço Jurúna, q uando
solte iro, costuma faz e r roça junto à do pai, "para aj ud a r
mãe" . D ep o is, quando casa, em geral continua com a
sua r oça e ajuda o sôgro também. •Q uando ês te faz nova
roça, t orna a fazer uma para si, junto à dêl e. Mais tarde,
já com filhos, é que ê le vai desligar s ua roça da do sôgro ,
embo ra continue a dar-lhe ajuda. Por outro lado, o
sôgr o o auxilia também.
Qua ndo a fas tadas da aldeia, as roças costumam p os-
suir uma ca bana d e duas águas, coberta de fôlha d e inajá,
e com um cercado de troncos de á rvore nos d o is la do s,
usado como paiol para g uardar o milho. Serve d e abrigo
para o so l ou ch uva e é o recanto onde d o rmem e pre-
param as r e fe ições quando estão em pleno tra balho
agrícola.
Dos produtos cultivados pelos J urúna, o s eleme ntos
principa is d e sua a limentação são a mandioca e a maca-
xeira. Elas são p lantadas cruzando-se dois p e d a ços d e
maniva sôbr e outros dois.
A m and ioca apresenta-se com duas varie d ad es: a)
mandioca brava, doce, que possui muita água - U ãuaru;
b) mandi oca brava, não doce - Maiacá. Cada uma
dessas variedades, por sua vez, apresenta -se com varia -
ções cujos n o m es e características principais, segun do os
info rmantes, são os seguintes:

a) Uãuaru: - Uãuaru e Tun-ã U ãuaru.


1 Uãuaru. É fin a e comprida.

2 Tun-ã U ãuar u (mandio c a d e anta ) . É b em


g rossa.

b) Maiacá: - Afuá Maiacá, Püriopaneninha Maiacá,


lm1p in Maiacá, Mai püri Maiacá, F'UÜ Maiacá.
1

(17) Dizem os infor1nantes que o n1achado de pedra se consti-


tuía de uma pedra, trabalhada com areia e oulra pedra,
jnserida na extren1idade de un1 pedaço de n1ad eira e amar-
r ada com embira. O pau de cavar era um bast ão a fil a do
numa das extren1idades con1 o n1achado de pedra.

104
A macaxeira (macaxirá) apresenta-se com duas va -
riedades, com raiz de casca escura e clara.
Da U,ãua~u se faz muito ming au , tira-se um pouco
de polvilho e se faz pouca m assa de beiju. D e a côrdo
com os J urúna, "Uãuaru é bom para fazer ming au
(Uãuarutxá) ." Da Maiacá se faz bas tante caxiri e farinha,
tira-se o polvilho e s e prepa ra a massa de mandioca para
o beiju. Da Macaxirá ê les faz e m um caxiri d e forma
diferente do anterior, fa rinh a e mingau . Também se tira
polvilho e massa para beiju.
Além dessas varieda d es, os Jurúna plantam outras :
uma prove niente dos a lto xin g uanos, a qual tem a
fôlha g rande e que os Jurúna chamam som ente d e
Maiacá.
duas provenientes d os Kayabí: Kajabí Uãuaru e Ka-
jabí Maiacá. A primeira é boa para fazer mingau.
Não dá polvilho. Da segunda fazem caxiri e farinha.
uma proveniente dos Suyá: Pelu Uã·uaru, que é boa
para tirar ming au.

O produto mais comum d a mandioca vem a ser a


farinha, prato obriga t ó rio nas r e fe ições. f. assim que se
vê peixe comido com farinha , amendoim com farinha,
garapa tomada com farinha , caça com farinha , etc. Neste
particular os J urúna dife r em dos g rupos xinguanos, por-
que as principais formas e m que êstes consomem a man -
dioca não dizem r espeito à farinha mas sim ao b eij u e a
um mingau em que e la é mistura da com água.
Adalbert (184 9 : 318-9), Steinen (1942: 285, 306
e 307) e Nimuendaju (1948: 226 ) fazem referê ncia a
êsse produto básico da a lime ntação Jurúna, mas enquanto
que o primeiro descreve o seu processamento, os outros
dois apenas referiram-se a ê le . Steinen acrescenta que
essa farinha de mandioca er a "amarela de ovo" ( 1942:
: 3 06). Tal fato nos foi r e latado pelos atuais informan-
tes, embora não ch egássemos a observá-lo. Dizem, a in -
da, que além da gema do ôvo, misturam óleo de inajá
à farinha para que esta fiqu e co m uma colo raç ão a mare-
la da. Seg undo Adalbe r t, os habitantes de Tavaqua ra fa-
bricavam a farinha d e mandi oca d e duas fo rmas . Para
o preparo da prime ira , a farinha d ' água , as raízes da man-
dioca eram co locadas a pubar a té que começassem a
a podrecer. A casca e r a e ntão removida e a mandioca
espremida c o m as mãos e co loca da num r ecipiente onde
houvesse um dispositiv o qu e permitisse o escoamento d a
á g ua. E.m s eguida, essas r a ízes eram postas a secar.
Quando estavam totalme nte e ndurecidas, eram esfarela-
das com os dedos e depois torradas e m grandes cabaças
até se transformare m e m g r ãos g r aúdos. Já o segundo
tipo, a farinha sêca, obedecia ao seg uinte preparo: a
mandioca recém-colhida e ra limpa e r a spada em um rala -
dor, em lugar do qual usava-se um pedaço de pau cober to
de espinhos. A p o lp a da mand ioca , então o btida, era

105
colocada num tipiti <1 8 ) a fim de extrair-se o sumo v en e -
noso. D e pois que essa m assa ou polpa estava b em d esa-
g uada, e ra retirada do tipiti e t o rrada d a m esm a fo rma
utilizad a para a farinha d ' água. Disse ainda Adalbert,
que e ra comum mis turar-se 2 / 3 de farinha d 'água a 1 / 3
d e farinha sêca.
Dura nte n ossa pesq uisa observamos um processa-
m e nto semel h a nte para a obtenção de fa rinha (açá ). Os
atuais Jurúna u til izam também dois processos para o
preparo da m assa d e mandioca: o d e pubá-la e o d e
rala r a ra iz para extração da polpa. No p rocesso d e

(18) P ara um a d efiniçã o do que seja t ipiti veja-se o item


sôbre cest aria.

Fig·. 18 - Alde ia Bibina.:


pre n s agem d e mandioca no
tipi ti (foto Gal vão ) .

106
pubar, as raízes de mandioca são colocadas em cêstos de
carregar e transporta das para uma coroa localizada bem
em frente à a ldeia Bibina, onde se constrói uma barreira
para a água não levar a mandioca que aí é depositada
e deixada em imersão cêrca de três dias. Algumas vêzes
a raiz da mandioca é posta a pubar no fundo d e canoas
cheias d' água. Depois d êsse p eríodo de 3 a 4 dias, a
casca se desprende com facilidade e as mulheres, após
tirá-la, libertam com as mãos as fibras dessas raízes. Em
seguida, elas são amassadas també m manualmente e de-
pois levadas ao tipiti a fim d e ser extraído o tucupi. De-
pois que se retira essa massa do tipiti, ela é passada numa
peneira e em seguida torrada. A farinha resultante pode
ser mais fina ou mais g rossa, dependendo da torração.
Esta, atualmente, é efetuada numa chapa de ferro, que
foi doada aos índios pelo Pôs to Ü'iauarum, e que é de
propriedade coletiva da aldeia. Nesse trabalho , a mu-
lher é sempre auxiliada pelo homem. H á na aldeia um
rancho especial para a torração da farinha m as, como n o
momento da pesquisa ê le nos servisse d e r esidência, os
Jurúna transferiram o local d e realização d esta tarefa
para o pátio. O instrume nto usado para mexer a farinha
geralmente é um remo. No processo de ralar, a man-
dioca após ser colhida é d escascada pelas mulheres com
uma concha, com um facão ou com uma colher. Êste
trabalho é r ealizado numa canoa e , depois de pronto, os
tubérculos, já limp os, são passados num ralador que é
uma improvisação de uma tábua e um pedaço de lata
tôda furada, a ela superposta. O ralo descrito por Adal -
bert não foi observado por nós, o que não impede o seu
uso atual. Muitas vêzes h á a coexistência de tracos ,. tra-
' dicionais e atuais. O ·s índios do Alto Xingu também uti-
lizam a concha, a co lher ou o facão para tirar a casca
da m andioca, assim como um ralador igual ao mencio-
nado por Adalbert. Após ser ralada num côcho ou num
tacho, a massa r esul tante é lava da com água sôbre uma
peneira de fo rma quadrang ular, que se acha apoiada no
próprio côcho ou num caldeirão de alumínio e onde é
recolhido o líquido que e ntão esco rre. No fu ndo da va-
silha fica depos itado o po lv ilh o. O bagaço que está em
c ima da peneira, depois d e espremido com a mão pelas
mulheres, é colocado para secar e m canoas ou cochos
velhos que se acham no terreiro, sôbre jiraus. En1 geral
localizam-se ao lado da habitação d e quem é considerado
seu dono. Geralmente dois dias depois, u 'a massa pub a
é misturada a essa ralada e posta para secar. As propor-
çôes usadas depend em d e se querer uma farinha mais ou
menos azêda. Feita essa mistura, ela é deixada a secar
por mais um dia e depois é colocada n o tipiti. O· resto
do processo p ara a fabric ação da farinha é id êntico ao
descrito para a mandioca puba. Somente que a então
obtida é mais fina que a a nterio r.
Para fabricar a farinha de macaxeira usa-se um pro-
cesso semelhante. Puba-se a macaxeira e tira-se-lhe a
casca, misturando -a com a massa de mandioca (Uãuaru)

107
ralada. D eixa-se secar ao sol por um ou dois dias e
depois passa-se n o tipiti, na peneira e, fin a lme nte, t o rra-
-se. Sempre misturam. "Fica m a is b o m misturad o".
A farinha é armazenada em cês tos de imbé ou d e
inajá, forra d os com fô lhas largas que servem também d e
cobertura. São prêsas n a par te s up erior com tiras de
e mbira a marradas na borda do cêsto.
Ou tro pro duto da massa d e mandioca que é quase
tão essencial à die ta Ju:rúna quanto a farinha, é o beiju
( aparu). N e nhum dos autores consultados a ê le se re fe-
re, com exce; ão de A d albert ( 18 4 9: 3 19) q ue fa la em
tap ioca, sem fazer alusão ao b eiju. Para o fabrico dêsse
al imento são necessários o polvilho e o baga ço da man-
dioca ralada e sêca ao sol em fo rma de pão. O polvi-
lho, obtido pela decantação do líquido que escorre ao
se lavar na pen eira a massa de mandioca ra la da, é arr u-
m a do tamb ém em forma d e pães e colocado ao sol para
secar. Q ua n do há o p reparo d o beiju êsses pães são esfa-
relados e o polvilho, e ntão, é m is turad o à massa d o ba-
gaço e d e p ois pene irado. Em seguida é assado numa
chapa q ue p ode ser aquela d e ferro doad a pelo Pôsto
Diauarum ou e ntão fa bricada d e a rg ila pela mulh e r Ju-
rúna. Se por a caso a quê le pão de m assa d e mandioca
estive r m uito d uro, é soca do um pouco no pilão a ntes
de ser misturado ao polvilho. i..- azem também beiju só
d e p o lvilho, o mesmo ocorrend o com os grupos a lto-
xing ua n os. Pen eiram o polvilho e levam -n o ao fo go.
H á, ainda, uma outra fo rma d e se fazer o b eiju ou aparu
e que é a seguinte : pega-se a mandioca puba, passa-se
no tip iti, pene ira-se a m assa sêca obtida e soca-se no
pilão até v irar u' a m assa pas tosa e elástica. Esta é levada
ao fo go p ara assar, em cima de fôl has d e bananeira ,
colocadas, p o r sua vez, no c hapadão de fe rro já men-
cionado.
Ain d a da massa d e mandioca (Maiacá) se prepara
uma b ebida fermentad a que é la rgam e n te u tilizada pelos
Jurúna e não fabricada n o AI to X ingu. O preparo da
mesma, conhecida p o r caxiri, f oi d escrito por Ad a lbert
(1849: 309), St e ine n (1 942: 283, 307 e 3 14 ) e N i-
muendaju ( 19 48: 23 6 ) . 1f.sses três estudiosos são aco r-
d es quanto à informação d e que o caxiri e ra fe r mentado
com m a ssa d e mandioca mas tigada pelas mulhe res. S tei-
nen acrescenta a êsse dad o o fato d e lhe t erem servido
essa bebida mistura da com banana, numa das a lde ias
visitadas por ê le, informação essa r eforçada po r Nimuen-
daj u, que chama o caxiri de malicha ('in) . D iz Steinen
que em ou tra a ld e ia Jurú na h avia caldo de caxiri (sem
banan a) numa canoa colocada sôbre um jirau e coberta
de fôlhas d e b a n ane ira, em cima d a s quais estavam a lg u-
mas cuias. Nimuen daju co rrobora t a is informes, deixan do
de lad o apenas a questão das cuias.

( 1 9) Disseram -nos os J urúna que, q uando há mu ito caxir i, êles


cha mam de maritxá (n1alicha de Ni m uendaju ) e, quando
h á pouca quan t idade, chamam d e yakuhá.

108

-
..

Fig. 19 - Aldeia Bibina,:


d escasca d a mandioc a.

Em 1966-6 7 observamos, tal qual Adalbert, Stei-


nen e Nimuendaju, a fermenta ção do caxiri pelo pro-
1 cesso de mastigação da massa de mandioca. P'a ra pre-
pará-lo pega-se a massa da mandioca puba (esta não
deve estar azêda e sim mole) que já foi passada no
tipiti, mas não na peneira, e coloca-se para torrar. A
torração é feita de forma idêntica à já descrita para a
farinha. Descascar a mandioca puba e tirar-lhe as fibras
é uma atividade cooperativa em que a dona do caxiri
recebe ajuda do g rupo de mulheres da aldeia. Já no
uso do tipiti essa ajuda é m ais restrita, vinculada em
geral ao parentesco mais próximo, normalmente à filha.
Dá-se o mesmo com a torração, t endo apenas como dife-
rença o fato de qu~ n essa fas e do preparo do caxiri quem
a juda a mulher, em geral, é o hom em - o marido ou,
na sua falta, o pai. Após ser torrada, a farinha resul-
tante, de g rãos muito g rossos, é colocada num côcho ao
qual, em seguida, é desp e jado um pouco d' água. Depois
disso, a mulher que está prepa rando o caxiri pega algu-
mas batatas doce, lava-as se m tirar-lhes a casca e co-
loca-as no côcho onde a b ebida está sendo fabricada .
Em seguida essas batatas são raladas numa bacia. D 'e -
pois a mulher amassa manualm e nte um pouco de fari -
nha já amolecida e coloca numa panela. Pega outro
tanto e mistura à batata doce ralada, na bacia. Segundo

109
um informante Jurúna , essa divisão da massa de man-
dioca torrada, a fim de colocá-la e m mais de um lugar,
deve-se ao fato de ser o côcho, onde o cax1r1 estava
sendo preparado, muito p equeno e não dar para tudo.
Realizada a dis tribuição , ela comprime com a mão o
resto da massa de mandioca torrada que está no côcho
e puxa tudo para um lad o ; o outro lado, que está vazio,
ela enche d'ág ua. Essa massa então é misturada n'ág ua
cheg ando quase a dissolve r-se. Em seg uida , uma das mu-
lheres pega um pouco daquela farinha amolecida que
tinha sido posta na panela e mistura-a com a do côcho
que está com á g ua. Para a g ir dessa forma, ela tira dêsse
côcho um pouc o d ' água já misturada com a massa e
coloca num caldeirão. D epois, jog a água na panela que
contém o resto da farinha do caxiri, misturando água e
farinha, procurando assim dissolver a massa. Em seg ui-
da, a dona do caxiri mistura a batata doce ralada nos
três r ecipientes que continham líquido: calde irão, côcho
e panela. 0 a gente da fermentação, que é a farinha tor -
1

rada de caxiri, mastigada e cuspida numa cuia pela mu-


lher que fabric a a bebida, é colocado nessa fase do pre-
paro, quando a massa d e mandioca já está desmanchada
na á g ua e pronta para ser passada numa pene ira redon -
da a fim de ser tirada aquela que não cheg ou a se
dissolve r totalme nte. Feito isso, o caldo é levado para
um côcho maior. Nessa tarefa a mulher é ajudada pelo
espôso, pai ou filho. O s vasilhames utilizados na fabri -
cação do caxiri variam em função dos perte nces da fa-
mília e da quantidade produzida. O process o , porém, é
sempre o mesm o : desmanchar n'ág ua a farinha torrada
do caxiri e misturar massa d e caxiri mastigada e cuspida,
além d e batata doce ralada . O caldo geralme nte é d a do
como ming au p a ra as cria nças, log o após ter sido coado
e ainda não fermentado. Depois que o côcho já está
cheio d êsse caldo coado, ê le é tamp a do com uma este ira
trançada de fôlh a de inaj &. As v ê zes também pode ser
coberto por fô lhas de bananeira, postas sôbre paus que
atravessam o côcho em sentido horizontal e e m cima das
quais os Jurúna c olocam r e mos como suporte. Em ger a l
uma noite é o suficiente para que ê sse caxiri fique fe r -
mentado e possa ser b e bido. Por vêzes, quando essa
bebida é prepara da em quantidade bastante g rande , a
mulher Jurúna torra a massa de mandioca e, com uma
parte d e la, pre p a ra o c a xiri em p o r ção sufic iente p a ra
encher um ou d o is cochos. Com o que sobra da farinha
torrada elas en ch e m dois ou três c es tos de c a rregar e, na
falta d ê les, um tacho. Guardam-nos, sem c obri-lo s, n o
rancho próprio d e fazer fa rinha. Só são postos a fe r -
mentar quando um dos r ecipientes que contém a bebida
já foi todo abso rvido. Is to, porém, só acontece quando
há fes ta e o caxiri é requ erido em g rande escala. Toda -
via, essa farinh a torrada e que foi armazenada, depois
de um certo tempo fica dura. A fim de amol ecê-la, colo-
cam-na para cozinhar um pouco. D epois, por um perío-
do d e cê rca d e 3 h , êsse caxiri é deixado a amolecer

11 o
já com a batata doce ralada. Mais tarde as mulheres lhe
acrescentam água e massa de caxiri mastig ada e cuspida,
procuram dissolvê-lo e passam na peneira o caldo resul-
tante. Aí então é colocado a fermentar.
·O uso do caxiri, para o Jurúna, é quase que diário.
Se não há festa, ê;le é preparado em pequena quantidade
(yakuhá) por cada família nuclear. Normalmente, quan-
do pronto, êsse yakuhá é procurado por indivíduos de
outras famílias. Assim, há um rodízio constante de
cax1ri.
É de notar, também, que essa bebida já começa a
ser difundida para outros grupos que habitam as cerca-
nias do Pôsto Oiauarum. De acôrdo com Lanna ( 196 7:
: 69) o caxiri foi introduzido recentemente no grupo
Suyá por um índio J urúna.
Observamos outra modalidad e de preparo do cax1r1,
especificamente do yakuhá, devida, talvez, a problemas
de armazenamento da mandioca puba. Ela é colocada
ao sol para secar. Fica dura. A mulher Jurúna peg a
esta mandioca, não lhe tira a casca, e soca-a no pilão.
Depois passa-a na peneira arredondada, adicionando
água para obter o caldo. O bag aço que fica err1 cima
da peneira é socado novamente no pilão e, em seguida,
tornado a passar na peneira, só que agora com o pró-
prio caldo já obtido. O líquido resultante é colocado
numa panela e levado ao fogo para cozinhar. Coze até
ficar grosso. Aí é colo cado em um ou dois caldeirões,
dependendo da quantidade. A mulher rala dentro dêles

Fig. .20 - Aldeia Bibina:


pre 1•aro ela bebida «Ca x iri »
(foto Galvão ).

111
batata doce com casca. Depois, acrescenta m ais um
pouco d ' á g ua, ral a mais batata e deixa d escansar a fim
d e que esfrie . Esfriand o, cosp e -lhe batata doce masti-
ga d a sem casca. Geralmente colocam-se uma ou duas
bata tas m astigadas, para cada caldeirão de tamanho
grande. Ê le é passado n a peneira e está pronto. É colo -
cado num côcho pequeno. As crianças gostam muito d e
toma r êsse caldo quando a inda não fo i ferm e ntado.
A cr escentam, às vêzes, a êsse caxiri, car á cozido e pilado,
a fim de que o yakuhá fique m a is forte. O cará pilado
é p assado na peneira com a própria á gua do caxiri d e
m andioca. Às v êzes o processo que acaba de ser des-
crito é executado com a seguinte variante: pega-se a
m an dioca puba sêca ao sol e a ntes de socá-la n o pilão
ela é deixa da um pouco n a água, num côcho. Esta água
posteriormente é aproveitada para fazer o yakuhá, apesar
de que mais água é a crescentada. A mandioca também
é pilada com casca e o r esto da fabricação da bebida
é idêntica à relatada ante rio rmente.
O caxiri ( yakuhá) pre para do com a macaxeira
(macaxirá) tem o seguinte processamento : pegam a ma -
caxeira, d escascam-na e co rtam -na em p edaços, que são
postos a cozinhar. Porte rio rmente ê les são pilados e pas-
sad os na peneir a, com águ a. Para fermentar, a rnulher
m astig a p e daços d e macaxeira cozida e cospe-os no lí- 1
quido. Essa bebida é sempre preparada em pequena
qua ntidad e.
A ind a da mandioca (u,ã uaru) a mulh er jurúna pre-
para um mingau d a quêl e cald o que escorre quando ela
lava na p e n e ira a mandi oca ralada e comprimid a com
as mãos. IÊsse caldo é somente cozido e o mingau está
pro nto. A lg umas vêzes misturam-lhe banana da terra
ou b a tata doce com casca. A b a n a na e a batata, depois
d e cozidas no pró prio caldo, são amassadas com uma
cabaça pequena. Segundo Ad a lbe rt ( 1849: 3 19), o
mingau er a preparado mis turand o -se farinha com águ a
quente e sal. T a mbém os g rupos xin guanos utilizam o
caldo da mandioca ralada para fazer mingau.
A m acaxeira, c ujo u so é muito m e nor qu e o da
mandioca brava, também pode ser comida assada sôbre
brasas, coberta d e c inzas o u cozida. Para assar , a casca
é d eixada. Para cozer, é tirada.
A m a ndioca é assim o centro da atividade agrícola
d os Jurúna. Na aldeia g e r a lme nte h avia caxiri e em
quase tudo que os vimos comer h avia fa rinha ou beiju.
A importância d essa raiz foi notada at~ quando iam à
r oça. Sempre q ue saíam com a fina lid ade de ir às plan-
tações, diziam q u e iam buscar mandioca, mesmo qu e
trouxessem também bana r.a, amendoim e outros pro dutos.
Entre as outras plantas cultivadas pelos J urúna, o
milh o destaca-se como e lem e nto importante da dieta ali-
m e nta r. F'oi no tado por Brusque ( 186 2: 19) , Steinen
( 19 4 2: 283 e 306), Nimuendaju (1948: 225) e Gal -
vão ( 19 5 2 : 4 7 5).

11 2
Ü'e acôrdo com os info r man tes (uma vez que nada
p ud emos observar a êsse respeito ) , ê les pla n tam as se-
g uintes variedades de milho (macaxi): Takun macaxi,
Macaxi sonrinrin, Macaxi aun-in-un-in, Kamayurá macaxi
( e mprés timo dos K a m ayurá ) , Kayabí macaxi (dos K ay a-
bí) , Macaxi xinxin ( milho d e pipoca, in troduzido pelos
V illas Boas ) e T~mpandá ( introduzid o pelos Villas
Boas ) .
Essas variedades d e milh o são con sumidas assad as,.
cozidas ou sob a f o rma d e b e iju e caxiri. Para cozer,
tiram-lhe a palha. Essa m a n eira d e consumo é men os
fre qüente que a assad a. Para assar colocam a e spiga
a inda com palha sô bre o f og o, dire tamente. Qua ndo
começa a espocar e la é retira.d a , tiram-lhe a palha e
colocam-na sôbre a s brasas até que e la esteja assada.
O beiju pode ser fe ito com o milho verde ou sêc o.
Quando v e rde, é ra la d o e p assad o n o pilã o. Em seg uida
p ega -se uma f ôlha d e b a n an eira e c obre -se a massa obti-
d a n o pilão, coloca ndo -a para assar numa chapa, de
cerâmica ou d e ferro. Qua n do o milho está sêco, é so -
cado no pilão e p assad o na p e ne ira. Em seguida adic io-
nam-lhe um pouc o d ' á g ua, d epois coloc am-no para a ssar
en volto numa fô lha d e b a n a n eira.
Para fazer caxiri ( yakuhá e maritxá) o milho verde
é ral a do , passa d o n a p en e ira co m água e c ozido. A fim
d e fermentar, colocam n esse minga u c ozido um pouco d e
milho assado ou b e iju d e milho m astigado e , em seguida,
tornam a passar na p en e ira , p o r causa da m a ssa mastig ada
que está dentro. E s tá pro nto. D e pois disso é só deixar
fermentar. O caxiri ta mbé m pod e ser preparado com
r milho sêco. É soca d o n o pilão, passado na peneira com
água e cozido. P a ra ferme nta r a dicio nam-lhe batata doce
mastigada. Depois disso to rna m a p assar na peneira.
Alg umas vêzes ê les fazem caxiri de mandioca num
dia e , no outro, misturam -lhe caxiri d e m ilho (verde ou
sêco) .
O milho t a mbé m pod e rá ser p re para do junta mente
co m macaco o u p e ixe: pega-se o milho v erde, q ue é
ralado , pilado e adiciona d o ao cald o em que e stão c ozi-
nha ndo macaco o u p e ixe. T a mbé m o milho sêco poderá
ser acrescentado a êsse cald o , som e nte que, ao invé s d e
ser ra lado e pila d o , é socad o n o pilão e p assa do n a
.
p eneira.
Galvão qua n <lo estev e n a a lde ia Bibina em 19 65 ,
o bserv ou que a s m ulheres Jurún a fa zia m um mingau d e
milho verde que e ra ra la d o e d epois espremido no tipiti,
antes de ser pôs to a cozinha r. Do milho sêco pre p a ra-
vam uma farinha, send o os g rãos p ila d os e torrados na
ch a p a . Essa fari nh a t o rra d a també m c os tumava ser m as-
tiga da para servir d e fe rme nto ao caxiri <20 ) .
O cará (auaã) é ta m b é m um e lem e nto imp o r tante
n a dieta alime nta r d os J ur ú na. N a b ibliografia compul-

(20) Not as de campo cedid as por Ga lvão.

113
sada só encontramos referências a êsse produto em Stei-
nen ( 194 2 : 283) e Nimue ndaju ( 1948: 22 5). Plantam
três v a riedad es: Auaá, Auaáu, e Kajabí meuaá ( emprés-
tim o dos Kaj abí) .
O cará é cons umido cozido, assado ou co mo cax1ri.
Para cozinhar o cará n ão lhe tira m a casca. Alg umas
vêzes colocam êsse cará cozido numa cuia, a dicionand o -
lhe g a rapa. Para assar co!ocam -n o com a casca sôbr e
brasas e cobrem-no com cinzas ou terra. O prepar o do
caxiri pode r eq u erer ou não uma atividade cooperativa,
depe nd endo d a quantidade a ser produzida. P ega-se o
cará, tira-se-lhe a casca com uma faca o u facã o num
côcho cheio d ' água, corta-se o m esmo em pedaços pe-
quen os e dep o is coloca-se para cozinhar. Quando es tá
pron to deixa-se esfriar num outro vasilhame, geralme nte
um côcho pequeno. Q uando frio , ê le é pila do e p e n ei-
rado, adiciona nd o-se águ a. Nesta fase do preparo, a
fim de fermentá-lo, a mulher Jurúna mastiga alguns pe-
daços de cará cozido que s ão cusp idos no côcho onde
êle está send o fe ito. Às vêzes êsse caxiri é mistura d o
ao de mandioca. O peneiramento pode ou não se d a r
com o próprio caldo d o caxiri d e mandioca.
Mangarito (maláiú) - sôbre êsse produto não há
r e ferê n c ias bibliog ráficas. Plantam só uma variedade que
é consumida assada ou cozida.
Batata doce (atáõ) - são cultivadas as seguintes
varieda d es: atáõ au:n-in-un-in, atáõ idüca, atáõ culuáluá,
1

atáõ maradjá e kajabí mi atáõ ( empréstimo d os Kaj a bí) .


A batata do ce é con su m ida assada, cozida, m isturada no
caxiri de maiacá (mandioca ) ou no mingau de ·uãuaru
(ma ndioca) e sob a forma de yakuhá. P a r a assar êles
u tilizam dois processos: 1.º ) - co locam a batata co m
casca na brasa, coberta d e cinzas. 2:0 ) - põem uma
pedra no fo go e cobrem-na com f ôlha d e banane ira;
em seguida colocam aí a batata d oce , cobrem-na ta m -
bém com f ô lha de bana n e ira e j ogam terra por cima a
fim de que asse melh or. Para fazer yakuhá de batata
doce (não fazem maritxá) pegam a batata e cozinham-
na com casca, socam n o pilão sem r e tirar a casca, des-
m a n cham com água, inclusive aq u ela e m que a b atata
foi cozida e m astigam pedaços de batata do ce cozida,
devo lvendo -os ao caldo, a fim d e ferm enta r. E m se-
guida, peneiram e deixam ferm e nta r. Costumam tam-
bém bebê-lo sem esperar pela fe rmentação. Referê n c ias
à b a tata, na bibliog rafia consultada, só foram encontra-
das e m Nimuendaju ( 19 48: 225) e G a lvão ( 1952 :
: 475).
Abóbora ( culuá) - só há uma variedade. Apesar
de n ã o h avermos encontrado qua lq uer r eferência a e la
nas fontes· bibliográficas, dizem os Jurúna que antiga-
m ente tinham abóbora e que, p o r ocasião da fuga dos
sering ueiros, perderam as semen tes, ficand o sem plantá -la

1 14
Fig. 21 - A lde i a durante um certo t empo, até que os índios T xukahamãe
Bibi 1ut:1>rc 1>a r o deram-lhes as que agora p la ntam. Consomem a abóbora
do milho c om
i·alador ('foto cozida, sem casca e com casca, em pedaços. Comem-na
Gal vã.o ) . assada, em cima de brasas, também com casca e em p e -
daços. Costumam misturar abóbora com gordura de
macaco. Dizem ê les que retiram a g ordura da á gua em
que estão cozinhando o macaco e misturam com a
a bóbora. Fazem t ambém yakuhá de abóbora (maritxá
não) , cujo preparo é ig ual ao já d escrito para outros

11 5
produtos: a abóbora é cortada em p edaços, sem tirar-
lhes a casca, e cozida. Em seguida é passada no pilão,
com a casca mesmo. Para desfaze r a massa pilada utili-
zam á g ua natural e o próprio caldo em que foi c ozida.
Depois disso ela é p e n e irada. P a ra fermenta r, a s mu-
lheres m astig am e co spem pedaç os de abóbora c ozida
no vasilha m e onde es tá sendo prep a ra do o yakuhá.
Feij ão (poiú) - só plantam uma vari e d a d e que
dizem ser de Jurúna. As sementes são pequena s e de
coloração marrom b e m c laro, quase creme. f. cons umido
cozido, com ou sem pime nta. Pode ser preparado puro ou
mistu.r ad o com peixe, a nta, macac o , queixada, mutum,
jacu e m acuc o . Comem-no com farinha . IÊste alimento não
é muito re quisitado p e los Jurúna p o rque o seu p reparo
é demora d o . Referê n cia bibliog rá fic a , a êlie, só foi en-
contrada e m Brusque ( 1862: 19) .
Fava (poiú la hihi) - os Jurúna planta m duas va-
riedades d e fava: uma que dizem ser de jurúna e outra
proveniente dos Kayabí - Kajabí mi poiú. Seu preparo
e consumo é igual a o do feijão, sendo que, p a ra cozi-
nhar, ê les tiram as seme ntes da ca sca.
Pime nta (ain) - plantam duas variedades : uma pe-
quena (aio xinxin.), que é oriundo d os "caraíbas" e o utra
graúda e a rredondada (ain-ulahihi), que é própria dos
J urúna, segundo os informantes. Em geral são cultiva-
das no próprio terreno que circunda a aldeia e são em-
pregadas como tempê ro para o p eixe a ssado ou cozido
e para a caça cozida. Pode ser utilizada de fo rma inte-
g ral ou pilada. Para pilar, tanto faz que a pimenta
esteja v e rd e , madura ou sêca, preferindo-se, porém, a
primeira forma. Atua lmente já estão pilando pimenta
com sal, sendo o produto resultante g uardado em caba-
ças, vidros o u panelas. A pimenta é c onsumida em dose
bem e lev a da e o seu uso foi regis trado por Adalbert
(1849: 318), Ste inen (1942: 307) e Nimue ndaju
(1948: 225).
Bana na (pacuá) - o consumo da banana é bas tante
g rande. Na bibliog rafia consultada só e ncontramos refe-
rê ncias em Adalbert ( 1849: 245 , 300 e 318) e Steinen
(1942: 280, 283 , 285 , 299, 307 e 310). Hoje e m dia
os Jurúna plantam a s seguintes varie dades: :p acuá não-
hihi (bana n a da terra o u banana comprida), pacuá aurirá
(aulirá) (banana maçã ) , takurari mi pacuá (banana
d ' á gua) , pacuá õ xinxin (ba nana S. T o mé) , pacuá sonrin-
ri:n (bana na roxa) , aoberahá (bana na marmelo) e cãím
cãím. T ôd as e ssas varie d a d e s são cons umidas cruas o u sob
a forma d e b ebida. Esta última m o d a lidade some nte se
d á quand o a b a nana está bem madura. Ela é a m assada
com á g ua em cima d e uma peneira. Tornam o caldo
resultante. A pacuá não-hihi, poré m , sofre prepa ros es-
pec1a1s. C r ua , ela p o d e ser adicio n a da ao mingau de
mandioca e ser cozida c om peixe , qua ndo então p re pa-

116
ram-no sem pimenta. Depois de cozido, o peixe é
comido separadamente, com farinha e pimenta pi-
lada, enquanto que a banana sofr e ainda o se-
guinte processamento: é socada no pilão até virar u'a
massa. Quando está nesse ponto misturam-lhe um pouco
de caldo de peixe e da banana e mexem bastante, dentro
do próprio pilão. Em seguida é retirada e colocada no
vasilhame onde resta peixe cozido e cald o. Tornam a
mexer e só depois ela é consumida. Essa variedade,
ainda, pode ser preparada sob a forma de bebida: cozi-
nham a banana e deixam esfriar, peneirando em seguid a.
Dizem os informantes que para fazer a bebida de banana
da terra é necessário cozinhá-la, o que não acontec e com
as outras variedades, por ser "mais dura" que as demais.
A pacuá nãohihi também é consumida assada: sôbre
brasas e coberta com cinza ou terra. Cos tumam, ainda,
socá-la no pilão, depois de assada , para ser comida com
peixe moqueado. Esta forma de preparo pode ser rea-
lizada com a banana da terra verde ou madura. Sendo
verde, depois de assada ela é c0 locada em água fria, a
1

fim de que a casca saia com facilidade. Em ger a l os


cachos são colhidos quando ainda estão verdes e arma-
zenados em jiraus, dentro ou fora das h abitações, cober-
tos por plást icos doados pelo Pôsto Diauarum. A finali-
dade dessa cobertura é evitar o estrago causado pelas
baratas. Êsses cach os, pela n1esma razão anterior, cos-
tumam ser pendurados nas vigas do teto ou enterrados
na areia das coroas que se situam em frente à a ldeia.
A cobertura e o enterramen to contribuem também para
que a banana amadure ça mc:1is rápido.
1Cana-de-açúcar ( paô paô) - - dizem os informantes que
a cana-de-açúcar "parece que foi dada p'ra Jurúna faz
muito tempo , por caraíba lá de baixo". Nimuendaju
( 1948: 2 2 5) e Galvão ( 19 52: 4 7 5) mencionaram o seu
cultivo por parte dêsses índios. E.la pode ser consumida
pelo simples processo de mastigar rolêtes e sugá-los ou
sob a forma de garapa que é obtida da seg uinte maneira:
com um pedaço de pau batem na cana-de-açúcar mais
madura até que seja fácil extrair o líquid o, o que é con-
seguido torcendo-se a cana, amolecida pelas batidas. Às
vêzes deixam a cana na água cêrca de dois dias, para
amolecer mais e para ter mais á g ua, mais garapa. Quase
sempre depois que tiram a garapa, a ela misturam ba-
nana da terra verde, ralada, e levam ao fogo para cozer.
Comem também garapa com farinha e com cará.
Amendoim ( cuí) - o cultivo do amendoim, por
parte dos Jurúna, não foi registrado pelos autores ante-
riores. Hoj e em dia plantam três variedades: cuí xinxin,
cuíulahihi, Kajabí mi cuí (empréstimo dos Kayabí). É
consumido cru ou torrado, mas quase sempre com fari-
nha ou beiju. Para torrar podem ou não tirar a casca.
Os Jurúna também cultivam abacaxi ( õtõ.), mamão
(iumpanhumpá) e melancia (ualaxí o u uaraxí), que podem

11 7
se.r colhidos e comidos, quando maduros, sem que haja
r.d g urr1 processo esp ecial de preparo para o seu consumo,
excetuando-se o mamão que, além de cru, p o de ser con-
sumido assado. D essas três frutas só a mel ancia foi re-
gistrada n a bibliografia compulsada, por Adalbert ( 1849:
: 300). Plantam duas variedades de abacaxi: õtõ ( di-
zem os info rmantes que é a bacaxi d e J urúna), caraíba õtõ
( cultivo introduzido pelos Vil las Boas). Cultivam duas
variedades de mamão: iumpanhumpá e iumpá alahihi
(introduzido pelos Villas Boas) . Plantam cinco varieda-
des de m e lancia : ualaxi un-in- un-in, ualaxi, uãuaruaru,
1

caraíba ualaxi e ualaxi übürá sonrinrin.


H á outra planta de uso m edicinal, o gen gibre ( curna-
ratáiá adiá adiá), que é c ultivada pelos Jurúna. Segun-
do os informantes é utilizada para curar disenteria, sob
forma de chá ou misturado com garapa de cana, mistura
essa que é cozida. Ingere m-no quente o u frio.
Ü'os produtos cultiva dos pelos Jurúna resta m en-
c ionar aquêles que não são com estíveis : o algodão, a
cabaça, o fumo, o urucu e o açafrão.
Sôbre o algodão ( macuá) se tê.m notícias dadas
p elos jesuítas desde o século XVII (Betendorf, 191 O:
116). Adalbert (1849: 300) , Brusque (1863: 16) , Stei-
n e n (1942: 282 e 316), Nimuendaju (1948:· 225 ) e
Galvão ( 19 5 2 : 4 7 5), no correr dos séculos XIX e XX,
corroboraram a informação acêrca dessa planta dada
por Betendorf e há três sécul os atrás.

A s plan tações d e algo dão são realizadas na roça, o


que n ão impede que sejam cultivados alg uns pés no pátio
da alde ia. É d o tipo arbustivo e se apresenta com duas
1

Pareceu-nos que cada família nucl ear cultivava uma ve-


castor avermelha da (camin-amamaouá). D epo is de co-
lhido, é levado da roça para a aldeia e m cestos de fa-
bricação Jur'úna, que tanto pode m ser d e fôlha d e inajá,
quanto de imbé. É colocado sôbre esteiras, também de
inajá, e m jiraus exis ten tes no pátio. O traba lho com o
algodão é uma tarefa que cabe à mulher e será abor-
dado posteriormente.
A cabaça (xáá), já referida por Nimuendaju ( 1948:
: 225 ), é cultivada n a roça. Ela apresenta mais de uma
variedade e pode t er o formato d e uma pera, asseme-
lh a r-se à ab óbora e ser alongada ou ovalada. Pode, tam-
bém, te r v á rios tamanhos. As m enores são chamadas
d e uaá, enquanto que as demais são conhecidas por xaá.
Pareceu-nos que cada família nuclear cultivava uma va-
rie dade diferente. Dessas cabacas se fazem vasilhames.
~

Sôbre o seu preparo, que requer atividade tanto femi-


nina quanto masculina, se tratará mais adiante.
A presença de fumo (.pãtímá) entre os Jurúna já
fôra mencio nada por Steinen ( 194 2 : 299) e Nimuen-
daju (1948: 214, 225 e 238). Atualmente, apesar de
cultivá-lo, ê les preferem o fumo de corda ou os "cigar-

118
ros de caraíba", que lhes são doados por brasileiros e
especificamente pelo Pôsto Diaua rum . Segundo Nimuen-
daju, "th e Yuruna smoked tobacco in cig arettes rolled
in the thin skin of the taurí ( Couratari sp.)" ( 1948: 238)
a firmativa esta já feita por Steinen ( 19 4 2: 309). Atual-
mente, conforme pudemos observa1, enr o lam o fumo por
êles preparado em pedaços de papel. Is to não significa,
entretanto, que n ão continuem a usar a entrecasca da
árvor e denominada tauari, como envoltório dos cigarros.
A palha de milho o u a fôlha sêca de fum o também são
empregadas para en rolar o fumo. C ultivam duas varie -
d ades, uma que dizem ser dêles m esmos, e a outra intro-
duzida pelos Villas Boas. Para prepará-lo, arrancam as
fôlhas, amarram-nas com embira e colocam-nas ao so l.
Conforme vai secando, vão apertand o a e mbira, até que
seque completame nte . O fumo é usado por indivíduos
d e ambos os sexos, havendo quem prefira o cachimbo
ao cigarro. Não h á fumo especial para o pajé dura nte
a s atividades xamanísticas.
O urucu ( uãcáhá), que é uma p lanta cultivada na
roça e na aldeia, f o i registrado por Nimuendaju ( 1948 :
: 226). Plantam duas variedades: uãcápí (amarelad o )
e uãcáhá (verme lho ). Dos frutos d o urucueiro se obtém
uma pasta, que é utilizada como substância tintorial, fi-
cando o seu preparo adstrito às mulheres. Estas, para
o btê-la, descascam as cápsulas e tiram as sementes, colo -
cand o -as de m ô lh o dura nte um dia. D epo is, são p assa-
das n a peneira e levadas a o fo go, o nde p ermanecem
cêrca de dois dias. f.sse processo é d emorado porque
a mulher Jurúna alternadamente tira e põe no fogo a
, panela que contém o urucu. Quando êst e vira uma esp é-
c ie de pasta, é co locado com a a juda de uma concha,
ainda quente, sôbr e um pano que está numa cabaça e
n o qual será en volv ido posteriorme nte. O urucu, q uand o
esfria, endurece e a d q uire uma to nalida d e amarelada ou
vermelha escura bem carregada, dependendo da varie -
d a d e. O de côr a marelada só é usad o p elas mulheres.
Pintam o corpo com ê le. Não o utilizam para passar em
fios de algodão. O vermelho é usa do pelos dois sexos,
de preferência para tingir braçade iras. Empregam-no,
a inda, para pintar o rosto quand o h á festa de caxiri.
Notamos, també m , que uma mulhe r passara urucu v er -
melho numa capivara e, ao 'pergu ntarmos a razão disto, ,
souhemos que e la assim agira para matar os piolhos do
animal.
Açafrão ( cumaratáiá) - esta p lanta, que possui
propriedades tintoria is, é usada p a ra pintar corpo d e
crianç a pequena e para tingir fios d e a lgodão, os qua is
se tornam amarelos. Na primeira modalidade, basta ra-
lar a raiz e dep ois espremê-la manua lme nte. Passam o
caldo resultante . Para fazer a tintura amarela d os fios
de algodão, co letam um pau ama r elo (coperihihi) que
é r aspado. Tais raspas são piladas e, em seguida, adi-
ciona-se água ao pilão. Depois disso o açafrão é rala d o

119·
aí dentro. Mexem e t o rna m a pilar. O líquid o é e ntão
despejad o numa v asilha onde colocam, de m ô lh o, os
fios de algodão que se quer tingir, o que leva c ê rca de
dois a três dias.
O piqui (piá), é outra planta cultivada, cujos frutos
possuem uma importâ nc ia estaciona i na alimentaç ão Ju-
rúna. Não h á referê n cias anteriores sôbre a mesma.
Sabe-se, porém, que h á cêrca de 2 5 anos atrás, ao invés
de ser cultivada, era coletada. E a sua coleta se reali-
zava n o Oiauarum, onde havia g ra ndes plantações. Os
Suyá também procuravam êsse local pelo mesmo motivo,
tendo-se dado, aí, um choque entre êsses dois g rupos,
co nforme já foi visto. Atualmente os J urúna plantaram
algumas dessas árvores na própria a lde ia. Na época das
chuvas, constituem um a limento d e relativa importância.
Foram plantadas com caroço do Oiauarum. As frutas
amadurecem de outubro a dezembro. Uma vez tiradas
as suas cascas g rossas e verdes e las são cozidas com os
caroços. Comem só a polpa, que é bastante gordurosa.
Os caroços depois são colocados para secar e em seguida
são extraídas as sementes que há por dentro dêles, as
quais são socadas e comidas com fa rinha. Os J urúna
costumam a rmazenar grandes quantidad es da polpa do
piqui que foi cozido. Enchem com e las alguns cestos
que, após serem cobertos com fôlhas, são colocados
n' água. Segundo um informante, "se não cobrir b em ,
peixe come". Segundo ê le, ainda, "quando Jurúna quer
comer, vai lá e pega; depois tonar a cobrir b em. Dura
duas luas". :f.sse piqui cozido, para ser consumido, é
misturado a farinha e água. Podem comer a polpa
crua. No Alto Xingu também se costuma conser-
var piqui dessa mesma forma. Todavia, os xing uanos
preparam um líquido que é obtido ao se acrescentar
água a uma pasta feita com a polpa dessa fruta, já cozida
e deixad a em repouso até ficar levemente ácida. Esta
bebida é usada por êles e m ocasiões cerimonia is. J á os
Jurúna além de não u sarem qualque r preparado do piqui
em cerimônias, também não a preparam para uso comum.

Pesca e Caça

Essas duas formas d e atividades constituem um


refôrço à dieta alime nta r dos índios Jurúna, sendo a
primeira de maior importância que a segunda. E.n tre os
alto-xinguanos, a pesca é mais e laborada do que entre
os Jurúna e a caça, por sua vez, é mais atenuada.
Em 1662 Heriarte já dizia q ue o rio P aran a iba
(Xingu) era " mui abunda nte de mantimentos, caça e p es-
ca, que h e o natural sustento dos lndios ... '' ( 18 7 4 :
: 33) . Quando Adalbert ( 1849: 318) visitou a região
e m 184 2, também noto u que a caça e a pesca faziam
parte da refeição Jurúna. iÊle não fala sôbre as espécies
de peixes consumidos, mas indica que o tapir (anta), a
capivara, o tigre (onça), o veado e certos pássaros, eram

120
''' .
.'
algumas caças abatidas por êsses índios. Informa, ainda,
que êles caçavam acompanhados de cães ( 1849: 299,
301, 306 ss). Em 1884, S teinen afirmou que os Jurúna
"desprezam em geral a piranha, o bagadú e o pintado"
( 1842: 289). Todavia, se por um lado êle mostrou os
p e ixes desprezados, por outro não deu indicação d e quais
as espécies que apreciavam. Referiu-se apenas ao acará
(cascudo) (1842: 307), ao pacu "e um peixe que de-
nominavam pariá" ( 1842: 3 1O). Quanto à caça, Stei-
nen apenas mencionou uma ave, o mutum ( 1842: 299).
Em trabalho publicado em 1948, Nimuendaju diz o se-
g uinte: " the Yuruna, thoug h expert canoemen, did little
fishing and , dreading to go inland, did little hunting"
( 1948: 226). Para Galvão, em 1950, os Jurúna suple-
mentavam "a dieta com a pesca e a caça ... " ( 1952:
: 4 7 5), fato que ainda ocorre nos dias atuais. D 1e acôrdo
com os informantes, êles p escam no período da sêca tu-
cunaré, curimatá, bicudo, traíra, trairão , matrinchã, p acu,
pintado, piranha, acará, arraia, poraquê, pirarara. Já na
época das chuvas, a pesca é mais rara e são apanha dos
apenas os seguintes peixes : matrinchã, pacu, curimatá,
piranha e poraquê. Dizem ê les que "o resto sumiu tudo".
Falam também que "Jurúna antigo" não comia piranha
porque senão vomitaria com sangue. Hoje em dia essa
restrição caiu em descrédito. A pirarara, que no passado
era rejeitada, continua a sê-lo. Comem muito pouco.
Dizem êles que a carne é ruim, o cheiro é ruim e se
Jurúna comer , " tem dor d e barriga e vomita". O pin-
tado, tal qual a piranha, no passado não era consumido
porque senão o índio vomitava e tinha dor de barriga.
Atualmente é comido havendo restrição apenas para a
' mulher e o homem com filho recém-n ascido.
De acôrd o com êsses m esmos informantes, seja na
época das chuvas, seja no período da sêca , êles abatem
caças como o mutum, o jacubim, o macaco, a anta, a
queixada, o porco do mato , a paca e o veado ( êste ani-
mal não é muito apreciado porque, segundo êles, a carne
não é boa). Alegou Karandini que êles não se alimen-
tam de carne de capivara e jacaré porque são ruins.
Entretanto, se são preparadas por "caraíba", êles as co-
mem porque "caraíba mistura coisa, dá g ôsto".
Atualmente a pesca se pratica não apenas com o
timbó, o arco e a flecha, mas também com anzol e fio
de nylon que lhes são cedidos pelo Pôsto ou por visi-
tantes ocasionais. As fle chas utilizadas não possuem pe-
nas na extremidade e têm as pontas preferencialmente
de espeques d e madeira, além das farpeadas ou dentea-
das unilateralme nte. São empregadas durante todo o
ano, enquanto que a pesca com timbó só se verifica no
período de ch eia, em lagos pequenos. A caça, por sua
v ez, é realizada com o auxílio de armas de fogo, prefe-
r e ntemente as de calibre 2 2 ou também com arco e fle-
c ha, que geralmente são utilizados para matar aves. O
uso de armas de fogo, pelo que se pode depreen r1.::r dos
r egistros existentes, é do conhecimento dos ! ·..arúna d esde

12 1
o século XVII, quando entraram em contacto com uma
bandeira paulista e com tropas de r esgat e. 'B rusque, em
1863, a firmou que êles, apesar de usarem arco e flecha ,
"sab e m servir-se das a rmas de fo go" ( 1863: 16) . Stei-
n e n , quando de sua viagem, pôde o b serv a r um Jurúna
que voltava da caça e que trazia consigo um polvorinho
e uma espingarda antiga (1942: 306 e 307). Também
Coudreau ( 189 7: 14 2) notou a presen ça de rifles entre
ê les. As flechas empreg a das na caça diferem das de pes-
car principalmente por terem uma emplumação arqueada
na extremidade. P a r a a caça de animais como a anta'
e paca, em geral ê les se valem d e cães, o que não ocorre
quando caçam a ves. Para pegar m acuco, por exemplo,
êles o atraem com o pio característico d essa a ve ._.
0 1s indivíduos que saem a pescar n ão são apenas o s
homens adultos m as tamb é m adolesce ntes e crianças do
sexo masculino. Estas o u acompanham os pais ou saem
e m companhia de o utras crianças d e su a idade, conse-
g uindo trazer pacuzinh os e mesmo piranhas grandes.
Observamos meninos de aparentemente 4 -5 anos que pas-
savam horas, silenciosos, numa ten tativa de p egar os
peixinhos que ficavam nas proximidades d as p edras exis-
tentes no rio e que margeiam a escarpa o nde se localiza
a aldeia. E muitas v êzes conseguiam. T a mbém homens
adultos e adolescentes saem para caçar. Crianças, até
1 O a nos, às vêzes conseguem pegar paca com seus arcos
e flechas. As m en o r es, o máximo que podem fazer é
t entar apanhar, com suas armas infantís, pássaros de
porte bem pequeno qu e sobrevoam a aldeia. Vimos ho-
m ens sairem para a caça ou pesca, sozinhos ou acompa-
nhados não só dos filh os, mas também d e indivíduos per-
te n centes à sua família extensa.
Em geral êles vão pescar ou caçar (aves de prefe-
rê n cia ) , de madrugad a, mas isto pode ocorrer a qualquer
h o r a do dia. Por v êzes saem de casa ao anoitecer, com
a mulher e os filh os, e acampam em uma praia, come-
ça ndo a pescar p e la m a drug ada. Enquanto que a pesca
é sempre realizada inte n cionalmente, a caça pode ocorrer
por acaso. íÉ um macaco prêto que se ap r o xima da aldeia
o u uma anta que é avistada numa viagem pelo rio,
quando regressam ou seguem para as roças, quando vão
à procura de imbé ou inajá, etc. Por essa razão, é difícil
h a v e r caça na aldeia, ficando o suprime nto de proteína
adstrito em g rand e parte à pesca. Raro é o dia em que
ninguém sai a pescar. Só vimos is to acontec er quando
havia fes ta de caxiri ou por ocasião da caça de um ani-
m a l de g rande p o rte, como anta ou queixada, as quais
podiam perfeitamente s upl ementar a dieta Jurúna pelo
espaço de uns poucos dias. IÉ comum os genros pesca-
rem e caçarem p a r a os sogros.
Pareceu-nos que os homens adultos se revezavam
n a tarefa de trazer peixe que seria comido por todo o
g rupo pois cada v ez er a um que assim a g ia. Afora isso,
quase que diàriame nte ê les saíam a p escar para sua famí-
lia nuclear. S empre que um Jurúna volta da pesca êle

122
vem na frente, trazendo as flechas, o arco, as linhas de
pescar e os remos. Depois sua espôsa vai até a canoa e
traz os peixes. Se por acaso foi com êle, vem atrás
trazendo -os.
O peixe pode ser preparado de duas maneiras: as-
sado (moqueado ou em espêto) e cozido com bastante
pimenta, que é o único condimento usado, a não ser que
êles tenham conseguido sal no Pôsto. Ambas as formas
são comidas com farinha ou beiju. Por vêzes, do peixe
cozido com pimenta fazem pirão, adicionando farinha
enquanto se processa o cozimento. Essas modalidades
de preparar o peixe são conhecidas pelos grupos que cons-
tituem a "área do uluri". Usam êles, também, uma espé-
cie de sal C:21 ) obtido da cinza de plantas aquáticas quei-
madas e cuja fabricação não é realizada pelos Jµrúna.
Adalbert ( 1849: 24 5) refere-se ao peixe moqueado e
Steinen ( 194 2: 30 7) fala no peixe cozido com muita
pimenta. Quando há peixe pequeno, o pacuzinho por
exemplo, êles o fritam . A gordura pode ser obtida com
o Pôsto ou então quando m:atam porcos (também doa-
ção do Pôsto), que criam na aldeia e só raramente o
fazem. Os peixes são levados ao fogo tendo-se-lhes ti-
rado as vísceras e mesmo as escamas, no caso de fritá-
los, o que não ocorre quando são cozidos ou assados,
excetuando-se o curimatá e o matrinchã. Nestes dois
últimos o descamamento é realizado para cozer, uma vez
que as escamas são muito duras. Normalmente é o ho-
mem quem limpa o peixe e a mulher quem o prepara no
fogo, podendo ambos, entretanto, fazei· uma e outra coisa.
Em geral o pescado é moqueado quando a quantidade
de peixe traz.ido é bastante grande. Para fazê-lo, arma-
/ se um moquém (:zz ) no pátio, ao lado da habitação de
" quem p~scou e todo o grupo de família extensa dessa
p 'e ssoa agita-se no sentido de assar o peixe. Depois de
pronto, parte dêle é comido em grupo por todos os
indivíduos da aldeia, formando-se um círculo, no centro
do qual colocam o peixe e a farinha ou o beiju, que são
levados por cada um de seus membros. O resto do peixe
assim preparado é armazenado e comido aos poucos. Se
por acaso endurece um pouco, cozinham-no. Se está
mais duro, é socado no pilão juntamente com pimenta
e depois comido com farinha. Se o peixe a ser moqueado
possui muita gordura, colocam farinha e sal em sua "bar-
riga". Além de moquear, costumam assar o peixe colo-
cando-o em um espêto que é assentado entre duas das
três pedras que formam um fogão (:z 3 ) . 1Quando se cozi-
nha o peixe não é necessário que haja grande quanti-
dade. Se isto acontece, porém, é preparado numa pa-

(21) Para uma descrição do processo de fabricar o sal de


cinzas, veja-se Sick (1949: 381-90).
(22) O moquém Jurúna é uma armação composta por quatro
forquilhas, colocadas paralelamente, duas a duas.
( 23) Nimuendaju a firma que tanto os Jurúna quanto os Xipáya
«cooked in posts set on three stones over the fire» (1948:
226).

123
nela Jurúna, maior que a de "caraíba" e, depois de
pronto, também é comido e m grupo, geralmente no pátio.
O peixe é retirado da vasilha onde está colocado com o
auxílio de uma concha. Steinen ( 194 2: 30 7) e Nimuen-
daju ( 1948: 226) já se haviam refe rido a êsse costume
Jurúna de comer o pescado cozido, dispostos em círculo.
Essa prática pode ser levada a cabo tanto pela manhã,
como a tarde. Se de manhã, ocorre sempre entre 8h30'
e 1Oh e, se à tarde, entre 16h30' e 18 h. Tanto o peixe
moqueado quanto o cozido podem ser preparados com
banana da te rra, conforme já se viu anteriormente.
A caça pode ser cozida ou assada. Steinen viu os
Jurúna fazerem " uma sopa de mutum sem sal ... onde
nadavam pedaços de banana e uma cabeça de pássaro"
( 194 2: 2 99). '0 bservamos um preparado semelhante,
1

faltando os pedaços de banana. Pacas e macacos peque-


nos também são cozinhados. Espécies maiores de ani-
mais apesar de serem cozidas, são preferentemente assa-
das no moquém ou numa vara colocada sôbre o fogo,
o que é uma forma d e conservar a carne. Adalbe rt diz
ter comido g uariba, "cooked à l'lndienne on a stick over
the fire ... " ( 1849: 2 5 5). Observamos os seguintes
preparados de caças:
Ave: tiram-lhes as penas, chamuscam a penugem
e assam ou cozinham, após retirarem as vísceras. Dessas,
comem apenas o coração e a moela. Deixam a cabeça
e os pés. Retalham a ave apenas para cozer. Em
geral, quando é difícil arrancar as penas, como no caso
do pato, ê les fervem água e merg ulham aí a ave, reti-
rando-a em seguida. Não há necessidade de chamuscar
a penugem. "Pato já está limpo".
Anta: é retalhada com facão e machado. Em se-
guida tiram-lhe as vísceras e o couro de algumas partes.
[Êste só permanece na cabeça e nos pernís. Uma peque-
na porção, que é picada em pedaços miúdos, é posta a
cozinhar, enquanto que a maior parte é moqueada. Com
as tripas êles fazem ling uiças, que são postas a moquear
também. Comem o fígado, rins e coração, que pode ser
cozido ou moqueado. Colocam também porções de car-
ne salgada, a secar ao sol, preparado êsse que lh es foi
transmitido pelos "caraíbas". Quando a carne m oquea-
da fica dura, ê les socam no pilão ou cozinham-na. Co-
mem-na sempre com farinha. Para o preparo da anta
há a participação de tôda a aldeia. Ü'e certa feita T eninin
chegou ao anoitecer, anunciando haver matado uma anta.
Foi uma algazarra e uma alegria geral na aldeia. Logo
depois, os h omens adultos pegaram uma canoa e foram
buscá-la. Ela havia sido morta em local do Xingu que
fica um pouco abaixo da aldeia. Voltaram já de noite.
No outro dia, pela manhã, os homens, as mulhe res e as
crianças m a iores puseram-se a lidar com o animal. Todos
g anharam o seu quinhão. Enquanto um cozinhava pe-
daços, outro assava um pernil com o couro, num jirau,
dentro da casa e, outros, ainda, ocupavam-se em e ncher

124
tripas com pedacinhos d e carne d e anta, havendo a ntes
salgado êsses mesmos p edaços. F aziam de form a id ên-
tica a nossa ling uiça. As tripas, dep o is de cheias, e ram
a marradas co m uma fibra. Depois da carne tôda r eta-
lha da, armaram um im en so moquém n o pátio da a ldeia
on d e colocaram as carnes, com couro ou sem co uro e,
também, as tripas já r e feridas. Mes m o a que estava sen-
d o assada d e ntro de casa foi colocada n esse m oq uém.
A carne foi d e ixada aí cêrca de 12h. Até que acabasse,
. , .
n 1nguem saiu a pescar.
Queixada: Em oútra ocasião, durante a tard e , a p a -
r eceram queixadas desgarra das da vara, no mato que
circunda a a lde ia. Todos os homens a dultos saíram para
caçá -las. Levaram os cães, espingardas, arco e flechas.
Trouxeram três porcos amarrados com cipó, cada um
num pau, pelos pés. Colocaram fo g o num mato e aí
j ogaram os porcos, a fim de queimar o pêlo g rosso, após
o que rasparam o couro e lavaram -n o. Só então fo ram
r etalhados. D 'e p ois, seg uiu-se o mesmo preparo já rela-
tado para a a nta, excetu a ndo-se apenas o fato d e não
fazerem lin g uiça.
Macaco: O processo d e preparo e con sumo é seme-
lhante ao d a qu e ixada e d a anta, somente que o cozinham
o u moqueiam inteirame nte com o couro.
Paca: O preparo é semelhante ao das outras caças,
apesar de que o pêlo é r etirado com águ a quente , estando
a paca colocada numa esteira. As outras fases do pre-
paro são semelhantes às já descritas.
Assim como acontece com a pesca, norma lmente
quem limpa a caça e a r etalha é o h o mem e quem a
prepara, seja cozida ou moqueada, é a mulher. Isto,
e ntretanto, n ão é uma regra ríg ida e pode fàcilmente ser
quebrada. O homem gera lmente ajuda a assar.

Coleta
A coleta, que é uma tarefa tanto masculina qua nto
feminina, t em um papel pequeno na dieta Jurúna. Colhem
m e l, frutos s ilvestres, man g aba, côcos e jenipapo e reco -
lhem ovos d e tracajá e saúva. O m esmo se dá com os
g rupos alto-xinguanos.
Para tirar o mel, o h o mem Jurúna corta a á rvore
o nd e se encontra o favo . Da cêra faze m o seg uinte pre-
parado: lavam o favo, que em seguida é d e rre tido.
Quando isto oco rre, adicio nam-lhe carvão de fund o de
panela. Ao esfria r tem-se o que chamam de cêra preta.
Dizem os informantes que só utilizam a cêra de três va-
r iedades de a b el has, as quais denomina m de: unrUin-uilá,
perumãuilá e aiuá. O d as outras "não presta".
Com r e la ção aos côcos, c olhem preferentemente os
d e inajá, tucum e macaúba , que são comidos crus. O de
inajá, contudo, recebe outr os preparos. Quando está
maduro, d e ixa m -no secar ao sol, a fim de r e tirar a amên -
doa. Depois que ajuntam uma quantid a d e razoável des -

125
sas amêndoas, ê les as pilam com farinha. Podem tam-
bém co nsumi-las sem socá-las no pilão. Quando o côco
de inajá está verde, êles o cozinham antes de retirar-lhe
as amêndoas. Faze m isso porque senão "ela fica grudada
e não sai'' . Comem também a polpa cozida. Steinen
(1942: 283 e 299) e Nimuendaju (1948: 226) referi-
ram-se à coleta de frutos da palmeira por parte dos
Jurúna. Do inajá, ainda, preparam um ól e o. Fazem-no
tanto com o côco maduro quanto verde. O óleo feito
com o côco maduro e sêco ao sol, tem o seguinte pre-
paro: quebram o côco, retiram as amêndoas, lavam-nas,
torram-nas, pilam-nas e peneiram-nas. Depois, deixam
essa massa de môlho durante cêrca de três dias. Nova-
mente a massa vai ao pilão e é batida com movimentos
de quem bate massa de bolo. Isso dura cêrca de 1/ 2 dia.
Fica u' a massa branca que é cozida. Depois de um certo
tempo, quando o óleo sobe, é retirado com uma cuia
pequena. Como nesse retirar sempre vem um pouco
d' água, a mulher Jurúna, que o prepara, sopra o óleo
dessa cuia para uma outra vasilha. Após essa apuração,
êle é fervido. Nessa fase, colocam-lhe um pouco de urucu,
a fim de dar-lhe uma tonalidade alaranjada. Está pronto.
Embora só houvessemos observado essa modalidade de
preparo, contou-nos um informante que o óleo de inajá
pode ser retirado com a água fria. Ao invés de cozinha-
rem a massa branca, êles a deixam de môlho até que o '
óleo se aglomere na s uperfície. Só então é cozido, com
o urucu. O óleo feito com o côco verde e cozido tem o
mesmo preparo do fabricado com o côco maduro e sêco
ao sol, com exceção de que as amêndoas não são torra-
das, uma vez que o côco só fôra cozido. Depois de
pronto, êss e óleo é guardado em vidros ou em cabaças,
com chumaços de algodão. Adalbert ( 1849: 248 e 2 7 7)
e Nimuendaju ( 1948: 229) mencionam o uso da cabaça
como recipiente para g uardar óleo vegetal.
O jenip~po é empregado mais para a fabricação de
tintas do que consumido como alimento. Ü 's Jurúna não
apreciam a fruta. ·O homem o coleta e a mulher prepara
a tinta, que obedece ao seguinte processo, de a côrdo
com os informantes: pega-se o jenipapo verde, rala-se e
espreme-se a massa. O suco que escorre é levado ao
fogo apenas para esquentar. Dizem êles que não pode
ferver. Depois, êsse líquido é deixado em repouso por
um dia. Aí está pronto para ser utilizado. Antes disso,
logo que esfria, também pode ser usado. Mas, afirmam
êles, .. depois de um dia fica mais prêto". Essa tinta é
empregada para pintura corporal.
Por ocasião da desova do tracajá <24 ) , de fins de
julho a setembro, é fácil disting uir o seu rastro na areia

(24) O t racajá, além dos ovos que fornece, é ainda apreciado


como alimento, sendo em geral assado vivo no próprio
casco. Os J urúna costumam sair à noite para pegá-lo, o
que é realizado con1 flechas, anzol ou con1 a s mãos. Stein en
( 1942: 302 e 310) e Nimuendaju (1948: 226) deram notas
sôbre o mesmo.

126
das coroas, sendo os ninhos localizados sem dificuldade.
Alguns ovos são aferventados e em seguida engolidos
com um pouco de farinha. Outros são cozidos e arma-
zenados para os dias subseqüen tes. Stein en mostra que
e m outubro os Jurúna estavam a cozer "ovos de tartaru-
ga, q uase inteiramente chôcos" ( 1942: 303). Os em-
briões também eram comidos e apreciad os (Steinen,
194 2 : 310 e Nimuendaju, 1948: 226).
As saúvas são apanhadas no mato quan do começam
as chuvas. 1Êles as torram e comem com farinha e beiju,
depois de tirar-lhes o ferrão , as asas e as patas.
D'izem os informantes, que extraem palmito (inajá
o u tucum), o qual é consumido cru ou cozido. Não c he-
gamos, porém, a observar tal consumo.

d - · MANUFATURAS

Na atualidade, a cu ltura Jurúna apresenta traços


próp rios e tradicionais, coexistindo com o utros obtidos
no contacto com brasile iros e que estão sub stitu indo os
anteriores. Apesar d e obterem rêd es e panelas n o Pôsto
Oiauarum, as mulheres continuam a tecer rêdes e a fabri -
car cerâmica. Os homens, por seu turno, ganham a rmas
e munição, mas ainda fazem arcos e flechas. A obten -
ção d&sses artigos, que a g ora lhes são necessários, não
assume uma faceta come rcial. O Pôsto faz doação dêles
na medida em que os J urúna têm necessidade dos mes-
mos e na medida em que êle próprio possui m e ios para
tai-.. Afora isso, alguns e lementos., por vêzes, prestam
serviço ao Pôsto. Dessa forma, os Jurúna conseguem
instrumentos e artefatos no Pôsto Diaua rum, além de
manufaturarem objetos com matérias primas obtidas em
seu habitat. Essas manufaturas são realizadas pelas téc-
nicas de fiação e tecelagem, cer.âmica e cestaria, a lém
dos trabalhos executados em madeira, das armas, dos
vasilhames de cabaca e cuia e dos instrumen tos musicais.
~

Armas

Apesar da introdução de armas de fogo, os arcos


e as flechas continuam a ser , na atualida de, os instru-
mentos de caça e pesca. A borduna parece ter caído em
desuso.
Embora se possa inferir pelos r e latos de Betendorf
que os Jurúna já conheciam armas de fo g o desde o pe-
ríodo imediato à ocupação portuguêsa no vale amazô-
nico, no século XVII, r eferências à sua utilização são
feitas a partir de Brusque ( 1863: 16) , continuando com
Steinen (1942: 298, 306, 307, 308 e 309 ) e Coudreau
(1897: 142).

• 1 127
Os a rcos descritos por Adalbert possuiam cêrca d e
2, 13 m de comprimento: "they are made ·/ of a tough,
heavy wood , brown or black, slightly rounde d on the
outside, and edged or smooth on the inne r side ... "
( 1849: 315 -6). Além de ter obse rvado arcos d e tona-
lidades pre ta ou marrom, êle viu " a third , coloured
brown a nd white .. . " {Adalbert, 1849: 2 77) . Algum
tempo mais tarde Steinen descreve o arco j urúna de
forma semelhante à anotada por Adalbert. Diz ê le que
os "arcos d as flechas têm 4 lados, de côr p a rdo -escura ,
com pouco mais de 2 ms de comprimento" { 19 42 : 283).
W. Schmidt n ão só afirma que o arco Jurúna era dotado
"em cada ex tremidade de uma ponta onde se enrola a
corda, ... " ( 194 2: 38), como fornece também duas
informações para o corte transversal dos arcos Jurúna
as quais, apesar de não serem idênticas, não d eixam. de
se assem e lhar. Primeiramente diz que os Jurúna pos-
suem uma forma d e arco chato, "com a secção completa
ou approximadamente quadrangular" ( 1942: 36) e d e-
pois, que ê les "conhecem o corte transversal r e -1/ cta ng u -
lar ... " { 19 42: 213-4). Esta última assertiva ta mbém
foi fe ita por Nimuendaju, que além dela contribuiu com
outros e le m e ntos descritivos: "The Yuruna bow was of
black wood, r ectang ular in cross section, over 6 1/ 2 feet
{ 2 m) long , a nd notched at the ends to hold the cordoú
(1948: 232 ).
Em 1966 e 196 7 observamos que os Jurúna faziam
uso d e arcos fabricados tanto de madeira clara quanto
de mad e ira b e m escura, quase prêta. Não vimos os de
tonalidade marrom e branca, conforme r elato d e Ada l-
bert, exposto anteriormente. ·O s escuros possue m , a inda
atualme nte, cêrca de 2 m de comprimento, secção r e tan-
gular e com e nta lhes para a corda nas duas extremidades.
São simples, geralmente sem adornos. :Ê stes parecem
ocorrer apenas nos arcos infantis e são feitos pró ximo ao
tôpo, com enrolamento de fios de algodão v erme lho e
pingentes d e tufos de algodão. O ·s mais claros dife r em
dos anteriores a penas quanto ao tamanho e r esist ê ncia
da madeira; são um pouco menores e mais fracos do que
os pretos. A f o rma é a mesma. O material utilizado na
confecção d o arco escuro é o lenho das palme iras d eno -
minadas tucum e siriva, enquanto que o arco branco é
feito d e m a d e ira tirada do ipê amarelo, também cha-
mado pau d ' arco. Para a fabricação dêsses arcos cortam
o lenho com o machado de ferro, rachando -o d e com -
prido e, depois, cortando-o no tamanho d eseja d o. Para
trabalhá -los usam facas ou facC.es de aço, lixa e g rosa,
adquiridos no Pôsto Diauarum. Em tempos m a is r e mo-
tos o corte e r a feito com o machado de pedra e o a lisa-
mento com pedras. Quando as extremidades do a rco
ficam um p o uco ou muito curvas, os J urúna costumam
untá-las co m óleo de inajá e levá-las ao fo go com a
finalida d e d e poder moldá-las, tornando -as r etas. Para
o encordoamento utilizam-se fibras de uma bromeliácea.
A fabricação d as co rdas obedece ao seguinte processo:

128
1. º) fôlhas daquela planta são postas a secar ; 2. 0 ) as
f ôlhas já sêcas são desfiadas com o auxílio de um facão e
3. 0 ) três destas fôlhas desfiadas são e nroladas uma na
outra, form ando assim a corda para o arco. O tamanho
d o diâmetro desta corda varia de cinco a sete mm. O
material usado atual mente para a confecção de co rdas
difere do que foi d escrito p o r Adalbert. Seg und o êle,
" the strings are formed of the bast of trees ... " ( 1849:
: 316). f. possível que Adalbert haj a com etid o um êrro
d e observacão. ~

A fabricação do arco é uma tarefa realizada pelos


h o mens, sendo a su a utilização e propriedade também
masculina.
Segundo Galvão ( 19 5 2 : 4 7 4) os a rcos dos Jurúna
e dos xinguanos " diferem ape n as quanto ao materia l usa-
do". H á outros pontos d e d essemelhança : 1. º ) a secção
tra n sversal dos arcos xing uanos send o " circular o u elí-
tica" (Galvão e Sim,õ es, 1966 : 41) dife re da usad a pelos
Jurúna, que é retangular; 2. 0 ) o m aterial empregado
na fabricação das cordas é dife rente. Os índios q ue ha-
bitam a á rea dos formadores d o X ing u costumam confec-
cion á-los com fibras de tucum (L Strauss, 19 48: 335 ),
sendo esta tarefa levada a cabo pelas mulheres e não
pelos home ns, como acontece e ntre os Jurúna; 3. 0 ) os
g rupos tupis do Alto X ingu, segundo L. Strauss, costu-
m a m adornar a h as te do a rco " by wrapping the center
with cotton. " (L. Stra uss, 19 48: 33 5 ) . O ·s Jurúna não
fazem uso d a palheta ou propulsor d e flechas que é en-
c o ntrado e ntre os xinguanos, "som ente na prática de um
d esporto - o j o g o do iawari. " (Galvão, 1953:
: 14) (25) .
1
As flechas Jurúna, segundo Ada lb ert, "are made
of light ree ds, about six feet lo n g including the points,
a nd gen e ra lly winged with macaws' feathers : .. . "
( 1 849: 3 16 ) . As pontas d essas flechas podiam apre-
sentar-se de forma diferente, conforme o fim a que se
d estinassem. Havia flechas para a g u erra, cujas pontas
foram d escritas d e forma um tanto ambíg ua mas que su-
g e rem o tipo lanceolado ("some h ave flat, two -e d g ed
points"), de madeira co m 5 3, 3 cm de comprime nto e
3, 4 cm d e larg ura ; havia uma outra ponta, seme lhante
à anterior, com um comp rim ento que variava de 16, 5 cm
a 20,3 cm por 1, 9 cm d e larg ura e que era frequente-
mente envenenada, se ndo usad a para caçar antas e on-
ças; havia dois tipos de flechas para p assarinhar, um dos
q uais p ossuía uma ponta d e madeira, arredondada, com
5 5, 9 cm d e comprimento e t endo na parte infe rio r uma
bola de m adeira ôca, sibilante, enquanto que na parte
sup erior es tava fixado um osso aguçado. O outro tipo
era forma d o por uma vareta, com · 43,2 cm d e compri-
mento. A 5. <i. e a 6. IJ. espécie d e flech as e ram usad as para
matar peixe, possuindo uma d e las uma ponta sem e lhante

(25) A r espeito do u so do propulsor entre os xinguanos, ve ja-se


Galvão (1950: 353-68) .

129
ao 4. 0 tipo apontado, diferindo apenas por ter na parte
sup erior da vareta um osso que servia de farpa, fixado
em um outro osso. A outra espécie era parecida com
a ante rio r mas não· possuía emplumação, a ponta media
5 5, 9 cm de comprimento e a cana era mais g r ossa que
as d em ais (Adalbert, 18 4 9: 3 16- 7) <26 ) . Steinen foi bas-
tante breve em sua descrição, havendo dito que as fl e-
chas eram " de "cambaiuva", que é / uma canazinha leve
e dura, adornadas de penas b o nitas e coloridas e d e
ossos pontudos, ou de lâminas de " bambú" ( 194 2:
: 283-4). Coudreau informa apenas que os "Jurunas
remo n taient le F'réchal diz jours pour arriver aux roseaux
à fleches' ' ( 1 8 9 7: 5 3), sem fornecer outra espécie d e
dad os, enquanto que Max Schmidt ( 194 2a: 2 49) e
Nimuendaju ( 1948: 2 3 2) afirmam que as flec has eram
feitas d e camaiuva . '!Êste último autor, 'W . Schmidt
( 194 2 : 4 3 e 4 5) e Galvão ( 195 2: 4 7 4) dizem que a
e mplumação era tangencial.
Em 196 7, o bservamos que nas flechas analisadas
havia muitos pontos comuns aos descritos anteriormente,
excetuando-se o d esaparecimento das pontas u t ilizada s
em guerra. De acôrdo com os informantes as pontas não
são envenenadas. Há ainda a ser ressalvado o fato d e
que Adalbert não diferenciou as pontas das varetas o
que explicará, em parte pelo menos, as dife r en ças d e
medidas encontradas por aquêle a utor e as que foram /
obtidas p o r nós e que serão mostradas mais adiante.
Agora, como antes, as flechas possuem hastes que são
feitas de taquari. T ê m um co mprimento que varia d e
2 rn para 1, 60 m incluindo h a ste, vareta e ponta e a
emplumação é arqueada (tangencial de Meyer) <21 >.
As pontas d as flechas, conforme já observara Adal-
bert, apresentam-se atualmente em materiais variáveis e
em formas e tamanhos diversos. As lanceoladas e as
denteadas duplas ou unilaterais costumam ser empreg a-
das para a caça d e a nimais de porte maior como onças,
porcos do mato, queixadas e antas. As farpeadas, as
denteadas unilateralmente, tendo a parte inferior prêsa
a um côco d e tucum, e as de espeques de made ira (é a
própria v areta que termina e m ponta afinada), podem
ser usadas tanto para a caça d e aves e animais pequenos,
quanto para a pesca. Nesta última modalidade, a flecha
não é emplumada. Há também outro tip o de ponta -
rombuda - não observada por aquêle autor e usada
para passarinhar. O tipo lanceolado é feito de taquara
ou bambu, trabalhado com facão, e seu tamanho varia
de 50 a 20 cm aproximadamente de comprimento por
2,5 a 1,5 cm de larg ura. Essas medidas são semelhantes
ao tipo " two e d ged points" referido por Adalbert ( 1849:

(26) No original inglês, as medidas são dadas em pés e pole-


gadas.
(27) Usamos a classificação adotada pela Divisão de Antropo-
logia do Museu Goeldi, organizada por Mário F erreira
Simões.

130
: 316). O farpead o, que pode ser t a nto em osso de
macaco ou an ta, quanto de prego de f erro, med e cêrca
de 6 cm d e comprimento. P'a ra afinar e modelar o osso
empregam facas e facões, enquanto que a lima é usada
com êste m esmo fim, para os pregos. Ê:s tes são conside-
rados p elos Jurúna as m e lhores pontas d e fl echa para
pescar peixe g rande. Adalbe rt não viu esta espécie, mas
mencionou as farpas de osso, que t ambém foram suge-
ridas por Steinen . As pontas de madeira (não iden tifi-
cada ) , denteadas unilateralme nte possuem c êrca de 29 ,5
cm d e comprimento e são constituídas p e la próp ria va-
r e ta , a qual a travessa uin côco d e tucum perfurado (um
assobio) . Êst e tipo d e ponta d e fl echa dife re do descrito
por A dalbert quanto ao tama nho , por n ã o possuir fixado
n a extremidade superior nenhum osso e por ser d e nte ado
em um d os la dos. Para trabalhá-las os Jurúna fazem
uso de facas e facões. Os espeques d e madeira (não
ide n tificada) são lascados e aguçados com um facão e
possuem aproximada mente d e 5 O a 2 5 cm d e compri-
m e nto, m e dida que não difere da apresentada por Adal-
b ert e abo rdada em linhas atrás. A ponta rombuda, que
n ão foi m e n cio nada por n e nhum autor a nterior, é feita
com a casca do côco tucum, após t er sido retirada com
um a rame o u com um pau tôda a polpa branca que há
por dentro. As flechas que possuem êsse tip o d e ponta
são d e nominadas d e assobio. Para furar o côco os Ju-
rúna empregam n a atualidade uma faca de ponta agu-
çada ou uma tesoura . Quando não possuíam ta is ins-
trumentos, faziam u so de d ente de trairão.
As vare tas p ossuem um formato cilíndrico e são fa-
bricadas de madeira. As facas e os facões são os ins-
/ trumentos e mpregados em sua confeccão. Suas d imen-
~

sões variam de 2 a 4 3 cm. Em geral para moldar uma


v a re ta, a fim de torná-la bem r e ta, o s Jurúna costumam
aq uecê-la, operação que deixa a mad eira mais fácil d e
ser trabalhada. A parte inferior é embutida n a parte
distal da haste, enquanto que a superior serve para a
fixação d as pontas, quando n ão é a própria. E sta última
parte, nas flechas de pontas farpeadas, costuma ser ador-
nada com r esina de jatobá misturada a urucu , vermelha,
numa extensão de 2 , 5 a 4 cm, a partir da extremidade
para baixo, em local onde se fixa a farpa.
As h astes, cujo tamanho varia d e 1, 60 ma 1, 25 m ,
possuem entalhes que introduzirão a flecha na corda do
a rco, para o lançamento. Alg umas v êzes êsses entalhes
são enfeitados lateralme nte c o m tufos d e penas, em; ge-
ral de arara, gavião, jacu e mutum, ou com fios de
a lg odão.
Feixes de taquari ou de cana de ubá, que pos terior-
mente serão empregados n a confecção de hastes para as
flechas, costumam ser g uardados em cima de jiraus. Se-
g und o um informante Jurúna, as canas de ubá por êle
possuídas h aviam sido recebidas dos Kamayurá , que fa-
z em flechas dêste material e não de taquari. O presen-
t eamento se dera durante uma estada dêste índio no

13 1
Pôsto Leonardo, quand o voltava d e um tratamento em
Aragarças.
A emplumação sendo a rqueada e te ndo apenas as
extremidades prêsas por amarração, difere d a xinguana
que é "costurada à has te" (Galvão, 1953: 14 - C f.
também Galvão & Simões, 1966: 41) . H á, porém, al -
g uns Jurúna que estão a fa zer fl echas com uma emplu-
mação costurada e levemente arqueada, tipo êste apre -
endido no contacto com os g rupos component es da área
do A lto X ingu. A s meias-penas empregadas como g uias
costumam ser tiradas de aves como a arara (vermelha,
azu l ou a mare la), mutum, jacu, pato, jaburu , cabeça-sêca,
mergulhão, gavião, p apagaio e gar ça.
A técnica d e armar uma flecha obedece ao seguinte
processamento: fur a -se a extremidade distal da cana brava
ou do taquari e insere-se n esta cavidade a vareta, fixan -
do-a com cêra <28 >. Alg umas vêzes, uma tira de envira
castanho c laro ou escuro é enrolad a na haste j u nto ao
ponto de fixação da vareta, numa exten são que variava
de 13 a 1 O cm n as fl ech as por nós o b servadas. A fun ção
dessas t iras é tanto adornar quanto ajudar a fixação da
va r e ta na h aste. Outras vêzes, ao invés d e envira, os
J urúna fazem uso de amarrilhos de fios de algodão te -
cid os pelas mulheres ou oriundos de indús trias alieníge-
nas, os quais são enrolados sôbre cêra. Vimos esta se-
gunda fo rma somente nas flechas cuj as pontas eram a
própria vareta. A fim de fixar as pontas farpeadas em-
p r egam -se cêra e amarrilhos de fios d e a lgodão , enq ua nto
que as denteadas unilater a lmente são prêsas apenas com
cêra, o mesmo ocorrendo com a ponta ro mbuda. P a r a
prender as extremida d es das meias-penas ê les as colocam
em diagonal e as amarr a m com fios, qu e podem ser ma-
nufatura dos p elas mulhe res J urúna ou obtidos no P 'ô sto
Diauarum. Freqüentemente êst es amarri lhos são cober-
t os com cêra preta ou coloridos de v e rme lho (tinta pro -
venien te de indústria nacional). Pode m também prolon-
g a r -se a té o e nta lhe e servir com o e lemento de fixação
para os tufos de penas que o enfeitam.
Verificamos que os J urúna jamais saíam dos limites
da alde ia sem os seus a rcos e fl ech as, cuj o manejo é
apren dido d esd e a mais tenra idade. Uma das brinca-
d e iras mais comun s, entre os m eninos, é a tirar flechas
em pássaros, lagartos, e o utros animais de pequeno porte
que cruzam o pátio, ou e m peixes. Quando gar otos, o s J u-
rún a ga nham seus arcos e fl ech as dos pais. Mais tarde ,
já a dolescentes, começa m a fab ricá-los.
As bordunas fora m mencionadas n a literatura per-
tinente por Adalbe rt (1849: 278), S tei nen (1942: 282
e 284) , W. Schmidt (1942: 26), Nimue ndaju (1948 :
232) e Sick (1 958: 132). ·O p enúltimo au tor e o pri-
m eiro dêles fa lam apenas e m armas dêste tipo prove-
nientes d e outros g rup os tribais. Não fazem r eferê n cia
a um tacape j urú n a, trad icional na cultura d êsses índios.

(28) Para o pr epa ro da cêra ve ja -se o item sôbre coleta.

132
Adalbert especifica que ob teve "a large war-club, made
of black wood deeply g rooved , which the · owne r had
t a k en in battle from an Axipai" , enquan to que Nimuen-
daju afirma que os " cudgels found in th e possession of
the Y·u runa were apparently of Cayapó o rigin. " Steinen
( 19 4 2 : 284) r e fe re-se a tacapes que diz serem d os Ka-
raj á (índios que, conforme já se viu, seria m na v erdad e
o s Kayap ó), e fo rnece, também, sôbre a borduna, um
d ado bastante vago e porisso mesmo insuficiente para
um esclarecime nto da s ua origem: se um e lemento da cul-
tura em q uestão ou da d e outro g rup o tribal. Diz êle
que um índio já velho "costumava ir por toda parte com
o seu t acape, como se fosse uma b engala ... '' ( 1 94 2:
282). A escassez de informações também é encontrada
em W. Schmidt, que baseo u sua análise das clavas Jurúna
em material existente no Museu de Viena. Segundo êle,
elas eram " redondas (estriadas ou lisas) ... " e sua pre-
sença também era encontrada e ntre os Kamayurá, g rupo
xinguano (para êste último g rup o ê le usou d e material
exist e nte n o Museu de B erlim). Sick m e nciona b o rdunas
com formato de espada.
O·bser va mos bordunas do m esmo tipo r eferido por
Sick. Apresentam uma fo rma d e es pada, podendo ter
a ponta ch a nfrada ou afinada. M edem 1, 20 m d e com-
primento po r 11 cm da m a ior larg ura, aproximadamente,
e são feitas do le nho d a siriva ou d o ip ê amarelo. A
empunhadura é p e quena e m p r oporção ao r esta nte d o
corpo, do qual se destaca por intermédio de d ois enta-
lhes: possui cêrca de 1 / 7 a 1/ 11 do tamanho total e
t em formato um pouco al o ngado , com uma face ligeira -
m e nte achatada e a outra arredondada. O diâm e tro cen-
tra l é menor que o das ex tremidades. O corpo da bor-
duna, na parte que fica rente à empunhadura, é d e secção
elipsoid a l, passando g rad ativame nte para uma superfície
de quatro faces, com secção losangular, que se vai a lar-
gando aos poucos até terminar em ponta ch anfrada ou
que, após ter ating ido a la rg ura máxima vai-se afinand o
até que as quatro faces convirjam num vértice.
Estas a rmas podem apresentar-se com ou sem ador-
nos, sendo as do último tipo as m a is comuns. Em 196 7,
pude mos v e r, entre as b o rdunas e nfeitadas, as seguintes
modalidades:
1.'0 ) a p onta afinada e cêrca d e 1 / 5 d o corpo da bor-
duna, n a parte que ficava rente à empunhadura, eram
n egros. A porção que mediava ês tes d ois extremos pos-
suía desenhos de labirin to, também em prêto. A em-
punha dura e ra simples, sem ornatos.
2. º ) 2 / 3 da empunhadura eram enfeitados, havendo
r espectivamente, de cima para b a ixo, envoltório de en-
vira coberta por cêra preta, envoltório de algodão côr
d e maravilha, produto de indústria a lie níg ena, envo l-
tóri o de e nvira coberta por cêra preta e envoltório d e
fio branco. O corpo era ornado na parte que ficava pró-
xima à pont~, por dois envoltórios de linhas v ermelhas

13 3
(produto extra-trib a l) que ladeava um e nvoltório de
envira com cêra preta por cima e dos la d os. A ponta
afinada, estava intei ramente e n egrecida por tinta p reta.
3. º ) quase m etade do corpo da borduna, na parte cen -
tral, era coberto com um trançado de taquarinha branca
' e d e imbé castanho escuro. ·Ê ste trançado é vertical-
h orizon tal, forma d esen hos d e losang os ou de tiras em
d iagonal, salientados pela côr escura do imbé e é ladeado
por fios d e algodão cobertos com cêra preta.
As bordunas v is tas em 196 7, e ram quase t ôdas pe-
quenas. Observamos apen as a fabricação de uma. P ara
o seu fabrico, que é uma t arefa mascu lina, talha-se a
madeira com um machado ou facão, acabando-se de
modelar com uma g r osa e uma lima. Em tempos mais
r emotos usava-se o machado de pedra para corta r e uma
outra pedra para afin a r e a lisar.

Cestaria

A técnica de cestaria ou o tra n çado compreende a


manufatura d e cês tos, peneiras, tipitis, esteiras e abana-
dores de fogo. A fô lha da palmeira in a já, o talo do
buriti e o imbé são as matérias-prima utilizadas n a fabri-
cação dêstes objetos.
Adalbert, Steine n , Nimuendaju e Galvão fizeram
referên cias à cestaria Jurúna, sem contud o e ntrar em
detalhes. Adalbert notou a existência de cêstos, esteiras
e tipitis (1849: 250 ss). Enquanto que sôb re os dois
primeiros êle apenas faz menção, já sôbre o tipiti êle diz
q ue é " ... a long cylinder, of platted palm-leaves ...
from six to seven feet long and a f ew inches in dia m e-
ter ... ' ' ( 1849: 3 18). Steinen fala apen as nos cêstos,
"os qua is têm a fórma cilíndrica com b eiras" ( 19 4 2:
3 12). Nimuendaju refere-se às esteiras, "woven of p a lm
leaves" e aos cestos "with oval lids made of "uauaçu"
fiber ... " (1948: 228). Galvão cita o tipiti, " tubo
cilíndrico, flexível, feito d e tra n çad o .. . ' ' ( 1 9 5 2 : 4 7 5).
Ê stes autores não fi ze ram a lusã o às peneiras e aos aba-
nos m as, segundo os informantes, ê les sempre existiram.
A peneira, aliás, assim como quase todos os produtos d a
cesta ria , está ligad a ao complexo da mandioca.
Ü's cêstos, presentemente, são con feccionados com
as três espécies d e matérias primas já mencionadas. Os
m anu faturados com a fô lha da palme ira inajá apresen-
tam-se em quatro modalidades, sendo d o is dêles bas-
tante semelhantes e ntr e si. Ambos são trançados em
dia gonal e têlm form a cilíndrica mas, enquanto que um
d ê les possui a b ôca levem e nte extrovertida e o fundo
ch ato, o outro tem a bôca bastante extrovertida e o
fundo levemente arredondado. Para a fabriça ção dêstes
cêst os, pega -se uma fô lha nova de palmeira inajá, tiram-
se a lg uns folíolos, formando um espaço d e 3 em 3 o u
d e 4 em 4. Em seg uida, divide-se long itudinalmente
esta f ôlha em dois segmentos, que são dobrados e colo-

134
cados em direção oposta, a fim de se poder trançar.
Dessa fo rma, o trançado, em diago nal, é inic iado pela
bôca, q ue é formada pelas duas secçôes d a fôlh a d e
ina já, sendo que a s m esmas d ão duas voltas num sentido
e duas noutro . O cêsto, que tem a bôca levemen te extro-
vertida , em geral é usado para carre ga r man dioca e
quase sempre possui uma faixa d e e mbira, em forma d e
a lça, colocada junto à sua bôca e que permitirá ao ho-
mem ou à mulher levar êste cêst o e m suas cos tas. Usam -
no, também, para carregar outros produtos, além de
uten sílios domésticos, durante a s via gens. A terceira
modalidade serve para g uardar várias coisas e não possui
a a lça d e embira. Há, a inda, outra espécie d e cêsto, que
mais parec e um a bôlsa, ta mbérr1 f eito co m uma f ôl ha d e
p a lme ira inajá. A g ora, porém, esta não é cortada long i-
tu dinalmente e sim colocada num sentid o vertical a fim
d e que se proced a aÓ trançado, ta mbém em dia g o nal.
O cêsto a dquire um formato retang ular e o seu arremate
f orma uma a lça. Serve para g uardar a m endoim o u a lgo-
dão recém-colhido e é muito fácil de ser co nfeccionado.
A quarta variedad e asse melha-se a uma sacola. Sua bôca
é formada por quatro pedaç os de fô lha d a palmeira,
superpostós e colocados os dois prime iros em direção
co n trária aos ou tros d ois. São colocados d e forma a
se cruzarem no tra n çado que é em di agonal. Os folíolos
a rrancados para se proceder a o tra b a lho são de três ou
quatro num espaço d e 3-8 deixados.
Ü 's cêstos trabalhados com as talas d a casca d o
imbé possu e m um trança d o a berto , em hexa g onal e se
apr esentam e m duas formas: uma de con e truncado e
a outra m a is ou m enos esfé rica, assemelhando-se a um
I v aso d e bôj o largo e b ôca estreita. Ambos possue m o
fundo chato e é aí que se inicia o t ra balho d e confecção.
A bôca dos dois é circular, sendo a de um estreita e a
do outro larga. P'a ra reforçar esta bôca, colocam-se vá-
rias talas reunidas. A fim d e confecciona r estas modali-
d a des de cês tos, p ega -se a casca do imbé que é raspada
ta nto na p-arte int-=:rna quanto lateral (interna mente para
diminuir-lhe a espessura e lateralme nte para reduzi -la ao
tamanho d esejado). F eito is to , com eça-se o trançado
p ela b ase. Tanto um quanto outro, são utilizados para
g uardar algodão. O que tem a forma d e cone truncado
é também e mpregado para g uarda r farinha, sendo pri-
m eiro e nvol to por uma folhagem.
H á, ainda, um outro tipo de cêsto, usad o para g uar-
d a r miudezas e que é confeccionado com t a las d e pal-
m e ira buriti, tiradas com o a uxílio de um fa cão e tam'."
bém raspadas tanto na parte interna qua nto na externa.
A raspação te m a mesma finalidade já expos ta no caso
da tala do imbé. Êle se apresenta em tamanhos variá-
v e is, p ossui a bôca arre donda da e o fundo chato, leve-
mente quadrangula r. Seu trançado é em diag onal e co-
m eça pela b ase. Na b ôca circular,a fim d e ser reforçada,
colocam-se dois arcos de m a deira flexíve l, cujos diâ me-
tros excedem a base quadrang ular, sendo um externa-

135
mente e outro internamente. .Ê stes arcos são amarrados
ao arremate com fios d e alg odão. Al g uns têm d esenhos
em forma de losangos, os q uais são salientados por causa
d e p in tura em p r êto das talas d e bu riti.
Verificam os qu e na aldeia Bib ina a lém d os cêstos
n o estilo J urún a h avia um , T xukahamãe, que era uma
espécie d e b ôlsa e, um o utro , de carregar mandio ca , em
estil o a lto -xing u a n o. iÊste foi manu fa turado p e lo capitão
da a ldeia que disse te r aprendid o a técnica d e ~ ua fa -
bricação com os K amayurá . É manufaturado com ta las
d e buriti ou c ipó (?), possui uma b ase retang ul ar e o
trançado , qu e é v ertical-horizontal, começa pelo fundo.
Êste tra nç ado g eralmente procura form a r um d esenh o
que é salientado p ela pintura em prê to d e a lg umas talas
do buriti. Para o bter a forma retang ular, ês te tran çado
é apoiado numa a rmação de made ira. N a bôca d o cêsto
é aplicado, também, um arco de madeira flexível, cujo
diâ m e tro exce d e a base.
A s p e ne iras, que pod em ser quadradas ou r edo ndas,
t êm o trança d o vertical-horizontal. A p e n e ira quad ra d a
é confeccionada com talas d e buriti, enq ua nto que a re -
d ond a é manufa turada com uma fibra ( sem e lha nte à
taquara) q u e n ão se con seguiu dis ting uir. A primeira
d elas é ge ralmente usad a para se passar a massa d e man -
dioca que é retirada do tipiti e, depois disto, t o rrada,
quando se d eseja fa ze r farinha. Pode ser utilizada tam-
bém para se lavar o p roduto da mandioca ralada , quan-
d o se quer o bte r polv ilho . O seg undo tipo é emp re ga do
quase semp re para coar o caxiri antes d êste ser post o a
ferm e ntar. Toda via, na medida das n ecessidades, e las
podem ter o utros u sos. A peneira r e dond a p ossui e m
geral d esenhos salie nta d os pela pintura em prê to d as
fibras e p e la variação no padrão da trama, o m esmo não
acontecendo co m a quadrada~ Tais d esenh os form am
losangos ou tiras em diag onal e podem ser feitos n a pe-
neira tôda o u apenas numa faixa d e a pro ximadame nte
! / 3 d a p e n e ira. Formam também uma cruz que é fe ita
em losangos e tiras em diag onal. P ara pin tar as t a las d o
buriti de prêto os J urúna u sam uma tinta d e pau, aver-
m elhada ( cf. cerâmica), mis turada com carvã o d e fund o
de panela. Na fabricação das peneiras qua dra das as ta las
são curvadas sôbre uma borda dupla de varas que e xce-
dem seu ta manho e têm a finalidade de ser vir d e apo io
quando êle é colocado sôbre um outro vasilhame. A d e
tip o redondo te m as bordas reforç adas com um a rco d e
mad eira fl ex ível. ·Ü 's xing uanos possue m um tip o d e pe-
neira qua drada sem e lhante à dos J urúna.
Exis tem , tanto e ntre os alto xinguanos qua n to e ntre
os Jurúna, uns cêstos redondos e chatos, cuja confecção
é sem e lhan te à da peneira, variando apenas o sistema d e
trançar, pois n ão se deixam espaço entre as talas. T am-
bém o tran çado é vertical-horizontal. Não con seguimos
disting uir o nom e da fibra com que são confeccionados.
N os dois g r upos tribais ê les são utilizados p a ra g uardar
miudezas.

136
I

Fig. 22 - Aldei a Bibina:


«CaJ>itrto» Bibina tra n çan-
clo um cêsto <l•e buriti.

O s tipitis têm a forma cilíndrica, são tubos relativa-


mente longos, fl exíveis e co m o trançado em diagonal.
Êste trançado se pro lo n g a n as extremidades, formando
a lças, sendo que uma d e las fica aberta p orque é nesta
abertura que se encherá o tub o com a massa da mandioca
brava que deverá ser esp r emid a. É aí que começa o
trançado. Para a confecção d os tipitis, atualmente, usam-
se talas de buriti. D·ura nte a manufatura, essas talas são
molhadas quando estão muito sêcas. Alguns têm dese-
nhos salientados pela pintura em prêto de parte das talas,
outros não. Tais pinturas são fe itas com a mesma tinta
empregada nas talas das pen eiras r e dondas. O · efeito
ornamental de alguns d ê les é também obtido pela va-
riação no padrão da trama d o trançado. E.ntre os alto
xinguanos, o tipiti n ão é usado. Em seu lugar empregam
a esteira chamada tuavi, f eita d e t alos d e buriti amar-
rados com cordéis.

13 7
As esteiras são manufaturadas com dois segmentos.
colocados em direção contrá ria, da fôlh a de palmeira
inajá lo ngi tudina lmente seccio na d a. T êm um formato
retang ular e o seu trançado é em diagonal. Alg umas
vêzes fazem duas esteiras que são juntadas na h ora de
arrematar ficando uma esteira maior. Servem para co-
brir caxiri, para se colocar sôbre u m jirau a fi m d e reter
algodão ou amend oim, como cobertura para frutas e como
guarda -sol.
Os abanos também são confeccionados com a fô lha
da palmeira inajá que foi lo n g itudina lmen te secciona da.
Cortam-se seis segment os d essa secção longitudinal, que
são sobrepos tos d e forma a ficarem coloca dos em dire-
çiões oposta s: 3 para um lado e 3 para o ou tro. O tran-
çado, então, se p rocessa e m diagonal, que vai afina ndo
em triâ ng ulo. Para tal , os excedentes são corta dos e ca-
muflados g radativam ente. Usa -se para abana r o fog o.
Ao contrário do que acontece com a tecelagem e
com a cerâmica dos J urúna, que h á a nos v êm send o subs-
tituídas, em parte, por e le mentos cedidos p e los brasile i-
ros, a cestaria, por estar ligada ao co m plexo da mandi oca,
ainda não foi s u perada. É a m esma de sempre.

Fiação e Tecelagem

As mulheres J urúna são famosas d esde o século


XVII pela habilida d e com que fiam o a lgo dão. Disse
Betendorf, que e las eram
. . . " d extras ao ex tremo em o of ficio de fiar
a lgod ão, torcendo o fio ás avessas com no tavel
a rteficio e limpeza, d e sorte que fica fino como o
cab e llo d a cabeça" ( 19 1 O: 116) (:29 )
Apesar de já estar começand o a se difundir e ntre
êles o uso d e rê des de "caraíba", pentes de "caraíba" e
roupas d e "car aíba", as mulheres a inda trabalham com
o algodão a fim d e fiá- lo e torná-lo cordé is que serão
empregados n a fabricação de rêdes, tipóias, pentes, bra-
çadeiras, tornoze leiras e jarreteiras. H á pouco tempo,
quando os irmãos V illas Boas entra ra m em contacto com
ê les, as mulhe res também te ciam, com êsses fios, saias
para elas, cintos para os h o mens e cobertas. Ü 's cordéis,
a inda, são u sad os c omo fios para flechas, para amarrar
cabe lo e outras utilidad es.
E nquanto que e ntre os Jurúna a tecelagem é uma
técnica, entre os xinguanos ela é q uase inexistente e,
segundo Galvão, os " artigos obed ecem às técnicas de
fiação frouxa o u d e am a rração'' ( 19 S3 : 1 S ) .
Para ser fia d o, o a lgo dão precisa antes ser prepa-
rado. E as m ulhe res o fazem da seg uinte form a : limpam-
no, primeiramente, tirando a terra e outros materiais
estranh os. Em seguida as sementes são subtraíd as e o
algodão é d esfiado um pouco p ela mão d e quem o tra-

(29) Cf. também Nimue n da ju (1S48: 230) .

138
balha, até formar uma espécie . de rod ela que em geral é
um pouco maior que a b ô ca de u m a xícara de chá. Às
vêzes, porém, pode chegar a ser do tamanho de um pires
grande. Observamos que para esticar aind a mais êsse
a lg odão, uma mulher pegou duas dessas rodelas e unin-
do-as com as próprias mãos, colocou sôbre elas uma va-
reta relativamente comprida, d e taquari. Depois bateu
essa vareta (sôbre as duas rodelas) no braç o , até que o
alg odão estivesse bem esticado e em seguida retirou,
paulatinamente, os filamentos que constituíam as bordas
d o mesmo. Um pedaç o d êsse filamento foi novamente
bem esticado, a g ora com as mãos e, depois , amarrado
na ponta · do fuso, o qual foi g irado, enrolando-se a fibra
na coxa , até formar um pedacinho de fio. Ê ste, então,
foi atado próximo ao disco existente no fus o e deu-se
lug ar, em seguida, à fiação. ·O processo usad o é torcer
os filamentos ou as fibras do algodão em suas coxas; os
fios reunem-se no fuso, o qual gira por torção manual.
Para rodar o fuso , alg umas mulheres costuma m apoiá-lo
numa peça de_ madeira, zoomorfa, que possui uma cavi-
dade na parte central e onde é inserida a b ase do m esmo.
Para transformar-se em rêdes, saias, cintos, tipóias, sa-
colas e cobertas, êsses fios são tecidos. E, para tecê-los,
usa-se um tear. Ada lbert, Steinen e Nimuendaju fizeram
referências ao tear Jurúna. O primeiro dêles m e nciona
apenas a "large . woo den frame" (Adalbert, 1 849: 3 1 7),
enquanto os outros dois ampliam um pouco mais a infor-
mação. Steinen fala numa armação de "duas varas atra-
vessadas", medindo "2 m de largura por 3 de altura".
O algo dão, " que consistia num fio infinitamente emen-
dado", estava dependurado nessas duas varas atraves-
sadas e a tecelagem se realizava pelo entrecruzamento
de dois fios (.Steinen, 1942: 299). Nimuendaju (1948:
: 23 1 ) dá as mesmas indicaçõ es d e S·teinen, especifican-
do apenas que a armação era de bambu. Adalbert
( 1849: 246 ss.) ainda notou que as manufaturas de algo-
dão eram as rêdes, as saias, as tipóias , as braçadeiras e
as jarreteir'as, enquanto que Steinen estampou mulheres
usando xales ( 1886: 261 e S. 2 66) e mencionou as
braçadeiras, tornozeleiras, saias e rêdes ( 1942: 282, 283
e 306). Nimuendaju (1948: 228 e 229) acrescenta a
êsses dados anteriores a fabricação de cintos masculinos
e de jarreteiras.
Apesar das informações escassas dadas pelos auto-
res mencionados, o tear que observamos parece ser do
mesmo tipo que aquêle descrito em 1884 por Steinen.
Consta de dois paus colocados horizontalmente sôbre dois
outros que estão fincados no chão. Entre os paus que
estão em sentido horizontal e sôbre os dois fincados, são
postos verticalmente mais dois. Prendem uns nos outros
com embira. Ê sse tear j urúna assume sempre a forma
de um retângulo, cujas medidas unicamente no lugar onde
se tece , são as seguintes: Para uma rêde de môça: 2,30
X 1,20 m; para uma rêde de pessoa idosa: 1,65 X 0,90
m; para uma rêde de criança: 1, 20 X O, 85 m e, para

139
,

F i g. 23 - A lde ia Bibina:
f i aeã o d e alg·o d ii o.

uma tip óia : 65 X 70 cm. E m ger a l, é a m arra do , com


e nvira, numa das v ig as q u e formam o teto. 0 tear fica
1

ligeira mente inclina d o. Pode , ainda, te r a extremida de


super ior a marrad a e m jirau co nstruíd o e ntr e as v igas do
t e to. O tea r dos a lto-x ing ua n os é con s tituído apena s por
d o is pos tes fincado s p a ra le la mente. A urdidura é hori-
z o n tal, e nq ua n to que a d o s Ju rúna é vertica l.
E m seus tear es a s m ulheres Jurú n a fa bricav am c o -
b ertas, r êd es, saias, cin tos m asculinos, sacolas e tip ó ias.
H o je e m dia, limitam-se a fa zer r ê d es e tipóias. 0 tecido
1

é fech a do, todo d e a lgo d ão. Em ger a l form a m d es e nhos


d e losang o s. A s r ê d es n ã o têm punh o. T a mbém o s
a lto -xing u a n os confeccio nam rê des sem p unho, m as s eus
t eci d os fo rmam uma fia ção frouxa , com in ter valos e ge-
r a lme nte são co ns tituídos p o r fibras de b u riti e a lg odão.
P odem fa zê-las, po ré m , c o m punho e s ó d e a lg o d ã o.

140
Notamos na aldeia Bibina que as rr1ulheres estavam a
fazer r ê d e no estilo xing uano , variand o apenas o mate-
ria l, uma v ez que tanto para a trama como p a ra a urdi-
dura elas empregavam o algodão. O tear era igual.
A s braçad eiras são tecidas no próprio braç o da p es-
s oa ou fo r a d ê le . A atividade é feminina. Para tecer
n o braço, a mulhe r faz uso d e um prego com pon ta
afilada. Serve d e agulha. Para tecer fora do braço e la
usa um pedaço de pau cujo di â metro é a medida do
braço da pessoa e m questão. D ependend o de suas posses
ela poder á fazer uso de uma garrafa. O ·bserva mos u ma
delas a tecer braçadeira t.)m t ôrno de uma garrafa d e
São Ra fael (vinho).
As to rnoze leiras e as jarreteiras n ão são tecida s.
São constituídas por fios que se enrolam nos tornozelos
o u na região abaixo dos joelhos.
Os pentes também são objetos em que s e emprega
a tecelag em, uma vez que são co nstituídos por talos da
fô lha da palme ira inaj á ou de cana brava unidos por
fios d e algodão tecid o s de forma a fazer d esenhos va-
riados d e losang os.
Para ting ir o fio do algodão costumam usar o pre-
parado de açafrão, já descrito, tintas n acio nais à base
de a nilina e uma outra, preta, que, de acôrd o com os
info rmantes, fabricam da seguinte mane ira: pegam argila
escura (pumecarã) e m is turam c om fôlhas do tronco de
uma árvore qu e cham am de sarã. Depois de d eixar e ssa
m istura em imersão na á g ua, ela es tá pronta. Basta c olo-
car o fio de algod ão aí d e ntro c êrca d e três dia s, segund o
dizem.

I
Cerâmica (3 o )

Apesar d a presença d as cuias, produção n a tiva , e


d os vasilhames de meta l e plás tic o, obtidos no Pôsto
Diauarum, os Jurúna fazem bastante uso d e vasos d e
ce r â mica, os qua is se ap r esentam simples e d ecorad os:
pintados e com a plicados preferencialmente zoomorfos.
A técn ica de fabricação é conh ecida por ambos o s
sexos; t o davia são as mulheres a s fabri ca ntes. A partici-
paçã o dos homens resi d e na coleta do material e no en -
saio da m odelagem d e pequenos v asos e m forma de
canoa.
O b arr o é co lhid o preferencialmen te durante a s ê ca
em locais e m qu e a arg ila apr esen ta uma textura consi-
derada própria para o fabrico. É armazenado em bola s
dentro d e cês to s de palha de in a já ou outro r ecipiente
d isponíve l. Nessas ocasiões coleta-se também a casca
silicosa d e uma árv ore, geralme nte conhecida pela d en o -
minação d e caraipé o u caripé. Essa casca após sêca e
queimada, é socada em pilão, pe n eirada e adic ionada

(30) Ê ste a specto da tecnologia Jur úna já foi obje to de um


t r a ba lho da A. (Ol iveira & Galvão, 1969), sendo o presen te
tex to uma sua adaptação.

141
ao barro como têmpera. Quando termin a essa mistura,
d e colo ração acinzen tada, começa a fase de d a r forma
ao vaso. Aliás, as mulhe res costumam ser tre inadas n este
mis ter d esde muito cêdo. No tamos que uma brincade ira
u sual e n tre as menin as de 4 -5 anos e ra fabricar vasilha-
m es imitando o trabalho d as mães. Só na adolescência,
porém, é qu e elas começam realmente a dominar a
, .
tecn1ca.
D e um bloco de barro temperado, t ira-se uma por-
ção a longada, ou melhor, um rô lo, com o qual se começa
a constituir a b ase, continuando-se o processo da justa-
posição d êsses rol os até levantar as p a r edes n o formato
d esejado. f. a técn ica d o enrolame nto em espiral. H á
um tipo de vasilha me q ue possui o fo rmato de um barco
e que t em a sua fabr icação diversa da agora e xposta.
Para manufaturá- lo, faz-se com a argila um r ôlo d a d i-
mensão em que se deseja o o bjeto que representa uma
ubá. Em seguida, marcam-se as duas extremidades, pÔp<:.
e proa, e faz-se o contô rno da p eça, que é ovalado, com
uma faca. A parte contorn a da é e ntão escavada e o
b a rr o exced e nte é retirado , obedecend o-se ao d e! inea-
m ento d o barco. T e rmina-se de modeiar manualmente.
As fases seguintes são idênticas para a s p eç as fabricadas
com uma ou o utra técnica. Para a lisar as paredes e a
borda, usa-se um pedaç o d e cabaça. F e ito isso o vaso é
d eixado a seca r na sombra, dentro de casa. No d ia se-
g uinte, quando o barro está apenas um pouco endurecido,
faz-se a raspagem d a sup erfície com a ajuda de uma
concha, p edaço de cabaça ou faca. Os aplicados que
dão a forma zoomorfa ao vasilhame, após terem sid o
modelados são colocados nesta fase. Em seg uida a peça
é novamente posta a secar na sombra e, no dia ime diato ,
·e la é a lisada mais uma vez, empregando-se d esta feita
primeiramente um seixo e depois a p a rte dorsal d e uma
palha d e milho . Após esta operação o vasilhame está
pronto p ara ser queima d o, processo que é r ealizado a lg u -
mas h o ras d epois, d e pendendo d e estar o o b jeto e m
condições d e ser cozido. O cozimento da cerâmica pode
ser feit o dentro ou fo ra d e casa, sendo o vaso levado ao
fo go sôb re três pedras. Aí êle é revirado p eriodica-
mente e a combustão é alimentada al g umas vêzes, até
que a p eça fique queimada, quando então a d quire uma
côr ocre c la ro. O fo g o é deixado apagar n aturalmen te
e, quando o vasilha me esfria, começa a fase da p intura.
Para pinta r o u d esenha r, a mulh er Jurúna faz uso d e
tintas v ermelha, pre ta e branca, cujos preparos são os
seguintes :

Tinta vermelha: há duas espécies.


Uma d elas é fabricada colocando-se em infusão, na
á g ua, as lascas avermelhadas de madeira d e uma á r vore
cuja espécie não pudemos determinar (o n o m e Jurúna
dessa m adeira é idziuí). Depois de alg um te mpo estas

142
Fig. 24 - Aldeia lascas são espremidas manualmente, caindo o líquido na
Bibina:
f tear para r êúc própria vasilha com águ a o nd e estavam imersas. Em
(foto Galvão ). seguida, êste líquid o é p assado numa peneira, a fim d e
serem eliminados os corpos sólidos que por acaso exis-
tam. A solução que escorre tem uma coloração e consis-
tê ncia que, segundo um in formante, parece "sang ue de
gente". Aí está pronta par a ser utilizada em pinturas.
E nquanto que a coleta da madeira é realizada pelo ho -
mem, a tarefa d e fabri car esta tinta pode ser levada a
cabo por ambos os sexos. A outra modalidade é feita
pela mistura de sementes de a lgo dão piladas, ao pó que
se desprende de um torrão de t erra de coloração ver-
melha. O caroço do a lgodão depois de socado é colo-
cado na água e, em seguida, esp r e mido com as mãos em
cima de uma pedra lisa, semelhan te a um cascalho, aonde
f ôra previamente raspa d o, o torrão de terra. A mistura

143
Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai
www.etnolinguistica.org

F iA-. 25 - A.Ideia Bib ina:


mode lagem de i>ane la
( f oto Galvão ) .

dá uma tinta vermelha, bem carregada. Tanto os ho - _/


encontrada nos barrancos do rio Xingu mas, em geral, ---...
soment e as mulheres preparam a tintura.
Tinta Preta: é feita de uma forma semelhante à
segunda m ".:'dalidade d e tinta vermelha. Varia apenas
uma das matérias-prima e mpregadas. S ua fabricação,
que é uma tarefa inteira mente feminina , o bedece ao se-
guinte= 1. º ) pegam-se caroç os de a lgo d ão que também
são pilados e colocados numa vasilha co m água; 2. 9 )
essa massa de semente de algodão torna a ser socada e
posta no mesmo v asilhame com água; 3 . 9) depois, en-
quanto a referida massa fica em rep 0 uso, a mulher Ju-
rúna leva algumas f ôlhas num foao brando, até amole-
cê-las; 4.9) essas fôlhas são an1assadas e mergulhadas
n a água dos caroç os pilados; 5 .9) em seguida elas são
esp remidas manualme nte e passadas no fundo de uma

144
panela cheia de carvão; 6. 9 ) · torna-se a espremê-las na
[ mens quanto as mulheres podem colhêr esta terra que é
solução da semente de algodão, obtendo-se um líquido
negro; 7.C? ) mexe-se e a tinta está pronta.

Tinta Branca: o seu preparo é igual ao da tinta


preta. T 'odavia, ao invés de carvão, as mulheres, que a
fabricam, misturam ao caroço de algodão uma argila
muito fina e branca que se encontra na beira do rio
Xingu.

Os desenhos, tarefa feminina, são feitos com as


tintas preta e branca, enquanto a pintura que serve de
base aos mesmos é vermelha. Podem ter uma significa-
ção simbólica ou representar apenas o traçado de uma
forma, cujo sentido seria unicamente estético. Dentro
da primeira espécie enquadram-se faixas contínuas, com
s inuosidades que, segundo os informantes, representam
cobras e são fei tas com a tinta preta. ·O tamanho dessas
faixas, dependendo d a dimensão da vasilha, varia de
0 , 5 a 1,8 cm. Ainda dentro d essa categoria há um
traço em forma d e cruz que, segundo um informante, é
a represen tação .. de gent e" . if.sse traço também é feito
com a tinta preta. As que, de acôrdo com os Jurúna,
não possuem s ig nificado especial podem apresentar-se
tanto em neg ro quanto em branco. Quando neg ras, cons-
tituem-se de dois ou três traç os verticais ou lig eiramente
inclinados, paralelos. Também podem apresentar-se
apenas como uma faixa horizontal ou vertical, em prêto.
Há, ainda, outra forma semelhante a labirinto. Quando
I brancas, são constituídas por pontos que lade iam as pin-
turas em prêto, formando uma faixa interrompida. Para
pintar a cerâmica de vermelho, antes d e serem feitos os
delineamentos nas outras côres, usam-se ambas as espé-
cies dessa tonalidade. Em primeiro lugar passa-se, com
um pouco- de algodão, o segundo tipo descrito e, em
seguida, também com algodão, a tinta feita com as lascas
de madeira. Pode-se utilizar ainda, ao invés das duas
tinturas vermelhas, apenas a obtida pela infusão das las-
cas de pau. Há, també m, entre os vasilhames observa-
d 'o s, aquêles que se apresentavam sem coloração. O ins-
trumental de pintura usado para se fazer os desenhos
em prêto ou branco costuma ser uma vareta bem fina e
pequena que, dependendo da forma requerida, poderá
ter ou não um chumaço de algodão na ponta.

Formas da cerâmica jurúna

As peças de cerâmica possuem três formas básicas


(A - B - C) que podem apresentar variações. Os
vasos incluídos nessas três categorias podem oferecer di-
mensões bem diversas.

·145
F o rma A

O •b ser vam os quatro espécies, que variam d esd e um


formato levemente quadra ng ular, até o mais arredo ndado.
São elas <:~ 1 ) :
1.9) ·Base: - lev e m ente arre d o nda da, quase pla na.
Borda : - le v e m e nte extrovertida.
Bo jo: - lev e m e nte qua dra ng ular, tendendo
para o esfé rico. ·
Bôca: - con strita.
(Ve ja-se fig . 26 : 1 - Aldeia Bibina - L a rg. m á x . :
2 9, 5 cm ; a i t. m á x . : 2 3 , 1 c m) .
2.9) Base : - a rredondada.
Borda: - leve m ente extrov ertida.
'B ôjo: - esfé rico.
Bôca : - con strita.
(Ve ja -se fig . 2 6 : 2 - C ol. M . P .E.G . n. 9 106 7 5
la rg. máx. 2 2, 2 cm; alt. m á x. 14, 2 cm) .
· 3.9) Base : - arre dondada.
Borda: - levemente ex trovertida.
Bôj o : - esférico.
Bôca: - co nstrita.
·Ê s te vaso difere do a nte rior p o r p ossuir o o mbro e m
declive. (Ve ja-se fig . 26: 3 - Ald eia 'Bibina
- la rg . máx. 3 4 cm ; a lt. máx. 31 cm) .
4 .9) Base : - plana.
Borda: - leve m ente extrovertida.
,Bô jo : - esférico.
Bôca : - constrita .
(Ve ja -se fig . 26: 4 - Col. M. P.E. G. n.9 11 685
la rg . máx. 1 7,8 c m ; alt. máx. 14, 4 cm ) .

Forma B

D·e n tr o d essa categ o ria observa m os cinco espécies


d e vasos, que variam d esd e aquê les que não possuem
b o rda, até aq uê les cuja b o rda é m a io r , e m altura, que
o b ôjo.
As fig uras representad as, d o n .9 5 ao 9 d a rão m e-
lho r u m a idé ia dessas d ifer e nças.
5.9) Base : - p la n a.
D o is a plicad os bifurcados na borda, coloca-
dos e m posiçã o diametralmente oposta.
Bôjo : - care n a d o .
Bôca: - co nstrita.
(Ve ja-se fig . 27: 5 - Col. M. P .E .G. n. 9 5529
la rg . m á x . 25, 3 cm; alt. m á x. 7, 5 cm).

(31) A terminologia empregada na d escrição das forma s da


cerâmica Jurúna obedece, na medida do possível, à T e rmi-
nologia arqueológica brasileira para c e râmica, Chmyz, e d.,
1966.

146
6.9) Base: - levemente arredondada.
Borda: - levemente extrovertida.
Bôjo: - carenado.
'Bôca: - constrita.
(Veja-se fig. 27: 6 - Col. M.P.E.C. n.<? 5554
larg. máx. 28,8 cm; alt. máx. 9, 1 cm).
7. <? )
Base: - levemente plana.
Borda: - levemente extrovertida.
Bôjo: - carenado.
Bôca: - constrita.
(Veja-se fig. 27: 7 - Col. M.P.E.C. n. 9 10674 -
larg. máx. 29, 1 cm; alt. máx. 8,6 cm).
8. 9 )Base: - levemente arredondada, podendo
algumas vêzes ser plana.
Borda: - levemente extrovertida.
Bôjo: - carenado.
Bôca: - constrita.
(Veja-se fig. 2 7: 8 - Col. M.P.E.C. n.9 11822 -
larg. máx. 32 , 3 cm; alt. máx. 16,5 cm).

1 3

Fig. 26 - C erâi:nica:
f<>rma A 2 4

147
9. 9) Base : - arre dondada.
Borda: - levemente extrovertida e com a l-
tura semelhante ou maior que o bôjo.
Bôjo : - carenado.
'B ôca : - constrita o u ampliada.
,
(Ve ja-se fig . 2 7: - Ald eia Bibina larg. max.
14, 1 cm.; alt. máx. 8, 2 cm) .

F orma C

Den tro d esta categoria observamos apenas duas es-


pécies, semelha ntes a tij e las, d iferençando-se p e lo fa to
de uma possuir quatro aplicad os colocados dois a dois,
para le lamente, e m posição diametra lmente oposta.
1Ü. 9) Base: arredond ada.
Bôjo: meia calota.
Bôca: amplia da.
(Veja-se fig. 28: 10 - Col. M.P.E.. G. n. 9 5555
larg . m áx. 2 5 cm; a l t. m áx. 8 , 5 cm).

5 6

8 9 F ig. 2 7 - Cerâmica:
forma B.

148
11.9) Base: - arredondada.
Quatro aplicados na borda, colocados dois a
dois, paralelamente, em posição diame-
tralmente oposta.
Bôjo: - meia-calota.
Bôca: - ampliada.
(Veja-se fig. 2 8: 11 Aldeia Bibina - larg.
máx. 14 cm; alt. máx. 6 cm).
As formas descritas podem apresentar-se, na atua-
lidade, sem qualquer pintura ou des.e nho, coloridas de
vermelho, pintadas e desenhadas, com aplicados zoomor-
fos sem pintura ou desenho, com colorido vermelho e
aplicados zoomorfos e, ainda, com pintura, desenho e
aplicados zoomorfos.

,:

Fig. 28 - Cerâmica: 10 11
forma e.

Essas características da cerâmica Jurúna diferem das


informaçC.es dadas por Nimuendaju e Galvão ( sz ). O pri-
/ meiro afirma:
"Yur-una pottery was simple (fig. 26, b, d) ,
without painted or plastic decorations, except for
the occasional addition of two small excrescences
on diametrically opposite sides of the vessel edge.
The principal f orm, used to hold water and. fer-
mented drinks, is a round jar with a short neck"
(Nimuendaju, 1948: 23 1) .
Galvão ( 1 9 5 2 : 4 7 4) reitera a informação dada por seu
predecessor, de que as panelas Jurúna "não possuem
qualquer decoração, exceto por depress•Ões digitais nas
bordas". Por outro lado, informa que êsses índios "fa-
bricam vasos de fundo arredondado, lados extrovertidos
com estreitamento na parte superior para formar a bor-
da", dados êsses que são semelhantes aos das formas
observadas em 196 7. Nas peças aqui descritas não foram
encontradas as "depressões digitais nas bordas".

(32) Steinen (1942: 310) também faz r eferência à cerân1ica


Jurúna, mas de uma forma tão sumária, que seus dados
pouco revelam. Diz apenas que o fqrmato das panelas
«permite que as mesmas sejam inteiramente envoltas pelas
chamas até a extremidade, que se alarga un1 pouco para
fóra, in1pedindo que as chamas envolvam a panela tôda».

149
Ap esar da falta de mençã o aos vasos dec orados, n a
b ib liografia compulsada, acr e ditamos que os mes1nos fa -
çam parte da trad ição c ultu ra l J urúna, um a vez q ue ,
segundo os informantes, os J ur úna sempre fizeram pa-
nelas zoomorfas e d esenha d a s. Não aprend eram a sua
fab ricação com outro g rupo tribal m as sim com s ua en-
tidade criador a: Cinaã.
D as qua tro modalidades d e pan elas que se enqua-
d ram na Forma A, os n úmeros 1, 3 e 4 costumam apre-
sen ta r-se apenas com uma coloração aver melhada. O va-
silhame n. 9 2, po ré m , costuma ser a d orn a d o ex terna-
men te, no bôjo, com p intura vermelha e d esenhos em
p rê to e branco sôbre o colo rid o ver melh o. A b o rda é
in teiramente p in tada de prê to, sendo ladeada com p o n -
tilh a d o b ranco no lábio e no ombro. Observamos, taJil-
bém, que é possível êste vaso apresentar-se apen as com
a colo ra ção ver melha e, ain da, sob a fo rma zoomo rfa,
q uand o pode assumir três asp ectos:
J .9) - base te trá p o d a, sendo ador nad o e xtern a mente,
n o b ô jo, o q ual con s titui o cor po do animal, com p intura
v erm elha e d esenh os em prêto e b ranco. A borda é pin-
ta d a d e prê to, send o ladeada com p on t os bra n cos n o
o m b ro e n o lábio. A cabeça e o ra bo d o animal rep re-
sen tado ( anta, capiv ara o u v eado ) , são a plicados dia- ,
m etra lmente o p ostos. Os q uatro pés ta mbé m são a pli-
cados. A cab eça e o ra b o p o d em o u não ser p intados
d e p rê to e branco. O·s pés são apen as coloridos de
vermelho.
2.9) - esta m odalidade di fere d a ante rio r p o r q ue, ao
invés d e o bôj o da pa ne la co nstituir também o corpo
d o a nima l, o vasilhc.m e est á coioca d o sôbre as costas
d e u m ta m a n d u á. f: ador nad o externamente tanto n o
bôjo d a pan e la qua n to n o co rp o d o a nima l, com pintu-
ra v e rmel ha e d esenhos e m prêto e bra n co. A borda
do vaso é in teira m ente pintada de prêt o, sendo la d ead a
com pon tos bra ncos n o lábio e no o mbro .
3.'0 ) - vasilhame di-zoomorfo, co m b ase tetrápoda e
fo rma d o por três vasos su per postos. A d o rnado ext erna -
m e n te , no bôjo , com pin tura verme lha e desenhos em
prê to e branco . A b o rda, co mo n as mod a lidades ante-
riores, é p in tad a de prêto, send o la d ead a com p ontos
b ra nc os no o mbro e no lábio. O vaso q u e fica n a p a r te
in fe rior , ser v indo de supo r te aos outros do is, p ossui dois
ap licad os de cabeça e rabo d e a n imal : uma capiv ara e
um v ead o e q uatr o aplicad os de p atas q ue f orm a m a
base.
D as cinco variedad es d e vasilhames q ue se in cluem
na Forma B, somen te os núm e ros 6 e 9 p a recem apre -
sen tar-se com d esenhos a lé m d a p intura v ermel ha . Os
d em a is são c oloridos ape n as com o cora nte v e ge ta l ave r-
m elhado ou, e ntão, c o m as duas espécies de t intas ver-
melhas já d escri tas. O vaso n .9 6, a lé m de p oder ser

150
simplesmente colorido de v e rmelho, pode, também, ter
a borda enegrecida e ladeada no lábio e no ombro com
uma faixa descontínua, d e pontos brancos. Já o n. 9 9,
conforme observação nossa, costu ma ser pintado interna
J e externamente com tintura v e rmelha, sendo a borda
adornada com d esenhos em p rêto e branco, tanto do
lado externo quanto interno.
Os dois vasos, semelhantes a tijelas, que se enqua-
dram na Forma C, apresentam-se sem qualque r colora-
ção ou desenho.
Além d os vasilhames incluído s nas três for mas até
ag ora descritas, os Jurúna fabricam mais três modalida-
d es d e ce r â m ica que, por sua vez, não d e ix am de en -
quadrar-se dentro das fo.r ma A e C: - 1.9) - um
assador, de forma p lano circula r e borda expandida ou
direta, levem ente eievada. S·em q ualquer decoração. -
2 .9) - vasilhame q ue tem a fun ção d e colher, em for-
mato de ubá, com b ase levemente arredonda da ou t e trá-
poda, pouca profundidade e bôj o em forma d e meia-
calota. Adornado com pintura vermelha e desenhos em
prêto e branco, tanto interna quanto exte rnamente, apre-
senta-se de vários tamanhos, embora todos peq uenos,
relativamente aos outros vasos. - 3. 9 - cachimbo, com
fornilho esférico e piteira cilíndrica, curta ( 3, 5 cm de
comprimento por 1 cm d e diâ metro) . O fornilho possui
3,5 cm de diâ metro na parte mais larg a e 2,5 cm na
bôca, que é constrita. Sem adôrno, colorido apenas de
vermelho.

Utilizacão das Pecas de C erâmica


~ ~

I
O emprêgo dêsses vasos de cerâmica é essencial-
mente doméstico. Os zoomorf os, segundo os inf orman-
tes, são usados para o caxiri. Quando fabricadas em
tamanho pequeno, essas peças são usadas como brin-
quedos.
De tôdas as variedades observadas, vimos apenas
as represe ntadas nos números 1, 5, 8 e 1O serem levadas
ao fogo. Eram utilizadas para a cozinha em g eral. T am-
bém o assador era empreg ado na torração de farinha de
mandioca, amendoim, para assar beijus e para preparar
tinta. Os outros vasilhames, principalmente os de
Forma A costumam ser usados para o caxiri ou outro
Jíquido. As Formas B e C são empregadas, g eralmente,
p ara servir o peixe já cozinhado, farinha ou pimenta.
As formas descritas neste trabalho não representam,
certamente, todo o inventário cerâmico dos J urúna, ape-
nas o resíduo de uma tradição mais rica que sobreviveu
ao processo deculturativo resultante do contacto com a
sociedade nacional e dos percalços de uma migração de
1 5 00 quilômetros para subir o rio Xingu. A persistência
das formas atuais e a sua utilização cotidiana, competin-
do com a difusão de vasilhames de outro material · (me-
tal ou plástico) é de ressaltar quando se avalia no con-

15 1
junto da cultura e da sociedade Jurúna o desgaste que
resultou das pressões aculturativas e das relações dêsse
g rupo com a sociedade nacional e com outros g rupos
indígenas, levando-o à beira da extinção física. Quando
comparada com a cerâ mica de seus atuais vizinhos, os
Suyá e os Trumái C33 ) das proximidades do Pôsto Diaua-
rum , ou com aquela d e grupos mais ao sul e de con-
tacto esporádico como os Kamayurá e Kalapálo, a de
m a nufatura J urúna identifica-se por um estilo próprio,
nas formas, na d ecoração e na t êmpera.
As formas domina ntes no Alto Xingu, derivam es-
sencialmente de um tipo de vaso de bôjo cilíndrico, em
que a altura é cêrca d e 1/ 3 de largura, fundo plano cir-
cular, bordas extrove rtidas e bôca aproximada ao diâ-
m e tro . .Banho vermelho ou branco bufo p a ra a superfície
externa e geralmente prê to para a interna. Os desenhos
são a plicados em prê to, vermelho ou branco, usando-se
preferencialmente o motivo " merexu" d escrito por Stei-
n e n ( 194 O: 3 3 2 ss), uma composição d e triâng ulos ou
losangos. Uma v a riante é apresentada por v asos d o
m esmo tipo ou com s ugestão zoomorfa obtida por apli-
cados às bordas: miniaturados. Esse estilo difundido
universalmente entre os g rupos do Alto Xingu e que tem
seu foco d e irradiação e ntre os Waurá e Mehináku (Lima,
1 9 5 O: 1 O ss. ), foi ta mbém absorvido p e los Suyá. Para
a tê mpera do barro u sa-se o cauixi, um espong iário d e
água doce.
O caráter recente e a forma h os til dos primeiros
contactos entre os Jurúna e os índios do Alto Xin g u terão
sido, e ntre outros, fatôres impeditivos d e uma fusão ou
mútua influência de estilos. Ao mesmo te mpo , êsse estilo
cerámico, ao lad o d e outros aspectos culturais, funciona
como marca difere nciadora, cuja conservação nos parece
resultar de um esfôrço consciente de auto -afirmação tribal
( O liveira & Galvão, 1969 : 2- 1 5).

Vasilhames de cabaça e cuia

Da cabaça e d a cuia são feitos vasilhames que, no


presente, estão sendo substituídos por objetos proveni-
e ntes de indústrias d o "caraíbas". Conforme a varie-
dade da cabaça tê m -se v asilhas periformes, a longadas ou
ovaladas e semelhantes a uma abóbora. J á os vasilhames
que se ob têm cortando a c uia ao meio, são g eralmente
a rredondados ou a longados. O tamanho é variado. As
m enores são d enominadas de uaá enquanto que as de-
mais são conhecidas por xaá.

(33) A cerâmica Trumãi provém do Alto Xingu. A dos Suyá


é de fabricaçã.o local, seguindo porém o modêlo alto-
-xinguano. Os Txukahamãe, grupo Kayapó em contacto
permanente com os Jurúna, e os Kayabí, originários do
rio T el es P ires e ocupantes recent es da ãrea do Diauarum,
n ão possuem atualmente qualquer forma d e cerâmica
própria.

152
Adalbe rt, q uando d e sua v iagem , observou que ca-
baças arredondadas e r am u tiliza d as para g uardar ó leo
de palmeira ( 1849: 2 4 8 e 2 7 7). Sem haver definid o
a forma da vasilha êle também notou que as cabaças
podia m conter a lime ntos ( 18 4 9: 2 S6) e , quando g r a n -
d es, serviam para r e ter "a yell owish liquid made of
mandioca, which the Padre told us was poisonous"
( 1849: 29 7). s ,teinen referiu -se som e nte a ··uma pe-
quena cuia de ó leo, redonda e amarela" ( 194 2: 283),
e nquanto que Nimue nda ju citou o fat o de as cuias conte-
rem farinha d e m andioca ( 19 4 8: 2 26) e servirem para
g uardar um óleo vegetal ( 19 48: 2 29), sendo essas últi-
mas pequenas e arredondadas, o que está de acôrdo com
o relato de seus a ntecessores.
Dêsses frutos p odem obter -se não só "cuias" ( 3 '1) mas
também outros vasilhames que são caracterizados por
um orifício latera l ou n a extremidad e superior e que ·são
chamados de iáha p elos Jurún a . Cada uma dessas d uas
formas possui uma fin a lidade diversa. As cuias são
usad as para b eber água, mingau ou caxiri, para se co lo-
car farinh a, amendo im ou qualquer o utra espécie d e a li-
mento, enq uanto que o o utro tipo (iáha) serve para
g u a rdar a lg odão, ó leo d e inajá, fa rinha e a lguns o bjetos,
como r ecip ie ntes para água, tin ta ou o utro líquid o e para
criar filhotes d e pássar os. As de menor tamanho, ova-
la das ( uaá), servem geralmente como colher ou como
brinquedo para cria n ça. Às vêzes um pedaço d e cabaça
( curá-curá) é usad o para m exer a farinha que está send o
torrada.
A confecção d êsses ute nsílios é r ealizada pelas mu-
I lheres e sua propriedad e é d e ambos os sexos.
A cuia e a o utra espécie de vasilhame ( iáha) sao
preparadas d a seguin te man e ira:

1. 9 )'Querendo-se uma "cuia " corta-se a cabaça ou a


cuia ao meio com uma faca. Desejando-se o outro tip o
de vasilhame faz -se um o rifício n o lado superio r d a
cabaça ou e ntão n uma das extremidades da cuia, t a m -
bém com uma faca o u uma tesoura.
r
.
2.<? )Em seguid a, os fr u tos co r tad os ao meio ou fura-
,
dos são imersos n a agua a fim d e que a p olpa e as
sementes amol eçam.

3. 9 ) D•e pois de uns três dias m ais ou menos, a polpa


e as sementes já amolecid as são r etiradas com uma con-
cha, com um pedaço d e pau o u com as mãos.

4. 9 ) Em seguida são a lisados tanto internamente quanto


na borda com uma d e terminada pedra e, dep ois, são
postos a secar ao sol.

(34) Tan to se conhece por cuia o frut o da cu1e1ra, quant o o


do cabaceiro cortado pelo meio ao comprido.

153
5.C? ) Quando secos, as partes a n teriormen te aplan adas
são colo ridas com tin ta preta, e nq uanto que o lado ex-
tern o é pintado co m tin ta vermelh a. Por vêzes são
feitos a lg uns d esenh os em prê to, com forma de labirinto ,
po r cima dessa tintura avermelhada.
A tinta preta, que a lém d e servir d e o rnato para
o vasilhame parece torn á- lo mais durável e impermeabi-
lizado é obtida p e la mistura da casca queimada (carvão)
de uma determinada á r v ore ( uríha) à p rimeira esp écie
de tinta descrita n o ítem sôbr e Cerâ mica . E é ta mbém
essa m esma tin tura averme lhada que costuma ser pas-
sada no la do extern o da cab aça.
Ambos os sexos podem fabricar essas tintas mas
só as mulheres as usam.
Ü's dese nhos, com fo r ma semelhante a labirinto,
são r ealizad os também com aquela tinta p reta cujo pro-
cesso de fabricação e uso foi d escrito n o ítem sôbre
Cerâmica.
Durante as p esqu isas que efetu a mos e m 1966 e
196 7 vimos apena s d e senh os pintad os e n ão g ravados.
E ntretanto, Ad a lbe rt e N imuendaju fizeram refe rê ncia
expressa à g ravação. S·t e ine n também se re fere à o rna -
mentação mas n ão explicita se era g ravação ou pintura.
Fala apenas em uma cuia que "tinha um desenho d e
linhas g r egas, d e côr prê ta" ( 1942: 283 ).
Assim como os j urúna, os xing uanos, a lém d as con-
ch as e dos uten sílios de metal, louca o u vidro obtido
~

com os " caraíbas", fa zem largo uso de vasilha mes d e


cabaça e cuia, o que já fôra registrado d esd e a v ia gem
d e Steinen ( 1940: 296- 7 e 34 2-3 ) .

Trabalhos em m.a deira

Cs trab alh o s em made ira dos Jurúna, na a tua lid ade,


assim como no passado, restringem -se ao fabrico d e ubás,
remos, côchos, b a ncos, pilões, m ãos d e p ilão, pás d e
to rra r farinha ou vira r beiju, colh eres d e pa u, espátulas
para a tecelagem, fusos, s uportes d e fuso , brinquedos,
arcos e b ordunas. 1f:s tes dois últimos já foram abordados
na p a rte referente às a rmas.
Desde o ano d e 1686 há notícias sôbre o barco
Jurúna, apesar d e n ão ser especificado o seu tipo ( 35 ) .
J á as ubás ou as can oas fabricadas d e um só tronco d e
madeira resis tente à água são m e nc ionadas como um
e lemento de sua cu ltura, d esde o século passado. Adal-
b er t ( 1849: 262, 263 e 306) foi o primeiro a fazê-lo ,
referindo-se apenas a s ua existência. E m 1863, Brusque
a firmou que os Jurún a "para seu transporte usão das
canôas de casca de páo denominadas - Ubás "
( 1863: 16). J á Ste inen , em 1884, d á um pouco mais
d e detalhes, dizendo qu e a

(35) Cf . Southey (1819: 7), Adalbert (1849: 315) e Nimue n daju


(1948 : 218) .

154
t•

Fig-. 29 - Aldeia " ubá" nao é uma canoa de casca e sim


Hibina :
canoas no pôrto
de um tronco de cedro, que é escavado a fogo e
(foto Galvã o ). COlU O auxílio do machado. Nas canoas maiores
cabiam fàcilmente 1O pessoas, sem carga. "

Afirma, ainda, que elas eram:


I " em parte, recobertas de ...Japa, "
que e
,
'
uma esteira grosseira, ou de ordens de folhas de
,.
palmeiras superpostas, a fim de proteger a carga
(1942: 284).

Coudreau, em sua viagem no ano de 1896, percebeu


que os Jurúna costumavam se dirigir ao "Jgarapé Grande
,das Uhás", que ficava próximo à "Cachoeirá do Uchadá",
a fim de fazer tais canoas, "les arbres pour cet office y
étant nombreux" ( 1897: 63). Quain, em 1938, obser-
vou que entre os Trumái havia:

... "one small dugout 1n the village which


belonged to Aloari. Aloari had been a Yuruna
captive, and it was undoubtedly during this expe-
r1ence that he had learned to make this type craft
(Murphy & Quain, 1955: 34).

Dessa maneira, embora de forma indireta, forneceu no-


tícias da ubá. Em 1948, Nimuendaju deu as mesmas infor-
mações de Steinen, acrescentando que as ubás eram bem
adaptadas às cachoeiras, que a "cross section is U-shaped,
and there is a sort of rectangular platform at bow stern"
e que as canoas "are punted by means of poles and

155
steered by a paddle ... " ( 1948: 230). Lima ( 1950b:
: 369, nota 2 ) , Galvão (1952: 474), Sick (1958: 132)
e Oliveira ( 1968: 1 5 e 18) falaram na existência da
ubá entre os Jurúna, tipo êsse inteiramente diferente das
canoas utilizadas pelos alto-xinguanos, as quais são feitas
com a casca do jatobá (aG) .
Em 1 966 observamos que os J urúna não só utili-
zavam o m esmo tipo de canoa descrito por Steinen e
os outros a utores citados, como também estão introdu-
zindo o seu uso entre os demais grupos da área. Aliás,
êste processo aculturativo que já fôra nota do por Qua in
entre os Trumá i e por Schultz (1961 -2 : 327-8) e Lanna
( 196 7-8: 44) entre os Suyá ( 37 ), estendeu-se também
aos Kayabí e aos T xukahamãe, portanto a tod os os g ru -
pos tribais residentes nas imediaç0es do Pôsto Diauarum.
Além d êst es, quando estivemos entre os Kamayurá, nas
proximidades do Pôsto Leonardo Villas Boas, em 1965,
perceb em os que ao lado da canoa de casca d e jatobá
havia també m a canoa de tronco escavado, tipo J urúna,
cuja fabricação fôra ensinada por Mariká, o K amayurá
que, em te mpos p assados, esteve prisione iro entre os
Jurúna. Segund o informaç-5es de Mariká, os Kalap.;Jo
e os Kuikúro já estavam a fazer canoa de tronco, h a -
v e ndo aprendido a fabricá-las com os K a m ay urá. Os
M e hiná ku e os Waurá, por sua vez, já haviam começa d o
a aprender sua m a nufatura. A canoa d e casca parece
estar caindo e m desuso e a ubá tende a tomar o seu
lugar e m tôd a a á rea , visto ser mais resistente.
A s canoas de tronco exigem no seu fabrico a co-
operação dos m embros de um g rupo familiar exten so e
são manufa tura das, a inda presentemente, d e acôrdo com
a técnica tradicional: escolha da madeira, esgalha m e nto
do tronco, escav ação do tronco com machado e enxó e
esculpime nto d a form a externa da proa também co m
enxó e machado. Não utilizam o fogo, como a lg uns
g rupos a m azónicos, cujo processo d e fabricação d a ubá
é sem e lhante a êsse.
Di zem os informantes que, quando h a bitavam as
proximidades d e von Martius, ê les faziam canoas d e
cedro, uma vez que essa madeira é abundante por lá.
A gora estão a fabricá -las de lantim ou . landi, por ser
mais resis tente e por influência de Cláudio Villas Boas.
O cedro também continua a ser utilizado. As ubás ma-
nufatura d as com uma ou outra madeira duram cê rca de
8 anos. A peroba também é utilizada como matéria-
.
-prima.
Quando vai trabalhar uma canoa, todo o grupo do -
méstico se dirige para o local onde há madeira. Acampa
e tem que seguir . -
. restriçoes . porque senao '' o
sexuais, -
tronco rach a". Pode, entretanto, comer qualque r ali-

(36) P ara det alhes sôbre a canoa de casca de jatobá, cf. Lima
(1950b).
(37) Cf. também, no caso dos Suyá, Schaden (1965: 73).

156
mento. A fabricação de uma canoa dura em média dois
meses e em geral é realizada durante a época da sêca.
Os tamanhos variam na seguinte proporçao:
Bôca - 68 cm a 44 cm.
'
f
Pontal - 48 cm a 4 7 cm.
Comprimento 8,60 a 7,00 m.
A popa e a proa das ubás têm largura suficiente
para que um homem ou uma mulher, um adulto ou
uma criança, possam ficar de pé e manejar um vara pau,
ou melhor, uma zinga, com a qual impelem a canoa,
dando -lhe a direção necessária. Quem rema, em geral,
vai dentro do barco. Quando fazem uma viagem rela-
tivamente longa, cuja duração incluirá a hora em que o
sol está mais forte, os jurúna, algumas vêzes, fazem uso
do japá já mencionado por Steinen.
Além de ser o único meio de transporte utilizado
por êsses índios, a ubá serve como recipiente onde se
descasca a mandioca puba ou fresca e onde se coloca
esta mesma raiz para pubar.
1Quando a madeira da canoa fend e, usam o seguinte
,
processo de calafetagem: emborcam a ubá na agua e,
com a ajuda da ponta de uma faca, enfiam alg odão na
rachadura, colocando em seg u ida cê r a de abelha por
.
cima.
Os remos, assim como os barcos Jurúna, têrn explí-
. cações mitológicas para a sua orig em. Referências aos
,
mesmos so foram encontradas a partir de Adalbert, que
anotou sua presença nas aldeias que visitou ( 1849: 2 5 7,
I
263 e 285). Steinen e Nimuendaju são dois outros
autores que, além de mencionarem estas peças de madei-
,:;
Fig. 30 - Canoa ra, d e ram alguns detalhes sôbre elas. Para o primeiro
Juri1na. dêles, os remos Jurúna possuíam:

15 7
"uma fórma de muleta chanfrada. Rema-
se com uma das mãos na "mul e ta" , enquanto a
outra segura o cabo. A pá do remo é semelhante
a uma folha de árvore, que dentro d água exige
força. Encontrei até um exemplar com dese nhos
d e linhas simples. (Cabo - 62 cm; pá - 83 cms
de comprimento)" (1942: 284) .
J á Nimuendaju, afirma que os re mos Jurúna possuíam
1,4 5 m de comprimento e que seus cabos
. . . "which ends in a somewhat convex cross
bar, measures 2 feet ( 62 cm); the bia de widens
toward the blunt end, and sometimes bears the
painted maze design" ( 1948: 230).
Presentemente, os remos são confeccionad os de
uma peça única de madeira, preferentemente o lantim,
o cedro ou o tarumã. Possuem pás com três formas di-
versas: a) alongada, retang ular de lados paralelos, com
a ponta afilada e levemente curvada converg indo para
um vértice; b) espatulada e c) ovalada ou arredon-
dada. Esta última mod a lidade constitui um empréstimo
c ultural dos Kayabí. O cabo é ro liço com cêrca d e 3 cm
de diâmetro e comprimento variado. A "mule ta" asse-
melha-se a uma pirâ mide invertida e chanfrada. As
medidas dos exempl ares que o b servam os foram em mé-
dias as seguintes:
Forma a
Pá largura: 1O, 5 cm.
comprimento: 27,5 cm.
Cabo comprimento: 30 cm.
Forma b
Pá larg ura: 8 cm na parte mais estreita,
1O, 5 cm na parte mais larga.
comprimento: 18 cm.
Cabo - comprimento : 19 cm.
Forma c
P ,á diâmetro: 1O cm.
Cabo comprimento : 1 9 cm.
Os rem os são também utilizados como pá para se
cavar buraco na areia, dentro d' água, a fim de aí se
colocar mandioca para puba r; são utilizados para mexer
a farinha ou caxiri que está sendo torrado e utilizados
como pêso que se coloca sôbre as fôlhas de bananeira
q ue cobrem o côcho onde o caxiri está sendo fermentado .
Os remos dos alto-xinguanos assemelham-se, e m
parte, aos d os J urúna porque possuem um cabo curto
e em forma de muleta, sendo que a pá é longa e de
lados paralelos.
O côcho, que tê m o formato d e uma canoa, é fa -
bricado com a mesma variedad e de madeira e mpregada

158
n a confecção da ubá e p e lo m esm o processo. Os esp~­
cimes existentes na a ldeia Bibina possuíam as seg uintes
medidas:
Comp rim e nto: 2, 4 5 m 1, 7 2 m - 1,29 m -
1,02 m.
Bôca : 55 cm - 52 cm - 4 5 cm - 43 cm.
Pontal: 38 cm - 4 0 cm - 30 cm - 30 cm.
É o lugar o nde se coloca o caxiri para ferm e ntar,
o nde se lava a m andioca e o nd e se rala essa raiz, o
milho ou a b atata doce.
O único a uto r a faze r referê ncia expressa ao côcho
foi Adalbert. Disse ê le, que numa d e terminada ca b a n a,
havia g randes " troug hs form e d o f the hollow trunks of
trees" ( 1849: 297).
lnexis te e ntre os a lto-xing uanos.
Os bancos, que a ntigamente eram talha d os d e uma
única peça d e mad e ira, após o con tac to dos Jurúna com
e le mentos d a socie dade nacional, passaram a ser fa brica-
dos com mais d e uma peça, send o as respectivas partes
unid as com pre gos. Isto não imped e, entre tanto, que
a tualmente seja m co nfeccionados, ta mbém, da forma
tradicional.
S omen te Ada lb e rt e Nimue n daju m encionaram a
e xistê ncia de b a n cos e ntre os J urún a. Enqua nto que o
primeiro a utor fa la em p equenos b ancos d e m a d eira, fei-
tos d e uma única p eça (Ad a lbert, 18 4 9 : 2 4 5 , 25 1 e 304) ,
Nimuenda ju d escrev e " bench es cu t o u t of one p iece of
woo d ... , with a circula r or oval seat an d two sid es fo rm-
ing legs ... " ( 19 4 8; 22 8).
Na atualidade, os bancos se apresentam nas se-
g uintes m odalidades :
- banco zoomorfo (onça , tracajá) ou não , d e uma
d o onç a. O a ssento possui dois lados a rredondad os e
d ois retos. Pod e ser uma p eça única ou não.
- b anco n ão zoomorf o , d e uma p eça só, c o m d ois
pés. O assento é arred ondado n os lados onde estão os
• pés e reto n os o utros d ois .
,
- b anco zoomorfo, co m quatro pes, representan -
só peç a d e m adeira, com d ois pés e com assen to a rre-
dondado.
Êsse s b a n cos são fab rica dos com u ' a madeira que
chamam d e a lmescão ( n ão ide ntificada ). São trabalha -
d os com machado e fa cão.
Os a lto-xin g uanos também possuem bancos simp les
o u zoomorf os, esculpidos em um a única peça de made ira.
Todavia, e nqua nto que os b a ncos Jurúna não levam
qualque r pin tura ou d esenho, ê les os fazem sem d ese-
n hos e com d esenhos em bra nco, ver melh o e prê to .
A lém disso, os bancos dos índios d a área dos formado-
res do Xing u são em geral o rnitomorfos.

159
Os pilões com suas respectivas mãos, as pás de
torrar beiju, as colheres de pau, os fusos e seus s uportes,
não tiveram qualquer referência na literatura compul-
sada. Já o pente para a tecelagem e os brinquedos (al-
guns dêles provà velmente serão supo1 tes de fuso) apa-
receram sob a forma d e desenhos no trabalho de Ni-
muendaju ( 1948: 240- 1) .
O pilão possui a forma de uma ampulheta com a
cintura b em larga. O buraco é bastante fundo . É fabri -
cado com a mad eira sambaíba (lixe ira) pelo seguinte
processo: corta-se o pau com o machado, raspa-se com
facão, inic ia-se o trabalho de cavar o buraco com o
machado e termina com fo go. D·e pois que está q ueimado,
lava m -n o.
A mão-de-pilão é um tronco roliço, talhado com o
auxílio de machado e facão.
A pá de torrar beiju é feita com a madeira do landi.
Possui forma trapezoidal. A fabricação é masculina e o
uso é feminino. Ü'S xing uanos fabricam uma pá d e virar
beiju talhada em made ira, com um formato semi-cir-
cular (me ia lua) ou d e pássaro. É ornamentada com
d esenhos em branco, prêto e vermelho, com motivos geo-
métricos, p refe rentem ente losangos.

As colheres de pau têm o formato de um a bo rduna ,


em m iniatura, só que são mais finas. São talhadas com
facão e faca. Servem p a ra mexe r caxiri e peixe.

Os fusos são peç as de formato roliço , que se estrei-


tam na extremidade superior e possuem uma ro da n a
parte infer ior. São fabricados com madeira de pau
d' a rco e da palmeira tucum e talha dos com o auxílio de
facas e fa cões. A r oda do fuso é lavrada com facas e
pode ser de madeira de pau d 'arco ou de osso d e tracajá.
Seu eixo varia em função do taman ho e do pêso da roda.
Em tempos passados, quando faziam a roda d e fuso de
pau d ' arco, utilizavam-se de um m a chado de pedra, en-
quanto que a de osso de tracaj á era raspada com pedra.
Os fusos xinguanos assemelham-se aos dos jurúna .

Cs suportes de f.uso assemelham-se aos bancos zo -


omorf os só que são m en ores e não têm pés. São acha-
tados e possuem uma cavidade no m eio da parte supe-
rior onde o fuso é inserido para fiar o a lgodão. Atual-
mente êles talham êstes supo rtes com facas e facõ es. A
cavidade é feita com fo go. R e presentam não só onças
e tracaj ás, mas também um bicho que, segundo os infor-
mantes, era g rand e e vivia n 'água ( é provàvel que seja
um auã - cf. íte m j). A madeira geralmente empre-
gad a na fabricação é o la ndi. Não observamos a exis-
tência d êste objeto entre os xinguanos.

Os pen,t es para a tecelagem, presentemente, têm


um formato diferente d aquêle que foi apresentado p or
Nimuendaju em desenho. Cs a tuais são fabricados d e

160
--

tucum ou de pau d ' arco e têm a forma de uma ampu-


Jheta, enquanto que os antigos assemelham-se a uma
cunha. São talhados com facas e faoões.
Ü 's brinquedos são fabricados com a madeira Jandi
e por intermédio de facas e facões. Podem ter não só
as formas de capivara ou paca, tatu e pássaro, já apre-
sentadas por Nimuendaju mas também ser representações
de onças e jacarés. Além dêsses brinquedos zoomorfos,
êles ainda fazem pilões pequenos e bonecas. Estas, pro-
vàvelmente, são imitações das que lhes foram doadas
pelos brasileiros.
Com madeira e lata os Jurúna, atualmente, fazem
ralos. A lata é apoiada sôbre um pau e, em seguida, é
furada e m círculo, iniciando-se êsse trabalho pela parte
central. Ü'S furos também poderão ser feitos em linha
reta. Depois essa lata é pregada, nas quatro extremi-
dades, em um outro pedaço de madeira. Em épocas
passadas os ralos eram fabricados com espinhos de buriti
enfiados em madeira, sendo as pontas dos mesmos pre-
viamente afinadas. Essa forma de ralo é semelhante à
dos atuais alto xinguanos.

Instrumentos musicais

Os instrumentos musicais dos Jurúna, observados


por nós e referidos na bibliografia consultada, limitam-se
àquêles de sôpro, de percussão e de fricção (as ) .
Os de sôpro podem ser classificados em flautas, bu-
zinas, trombetas, clarinetas, apitos e outros, cuja inclusão
dentro de uma dessas categorias torna-se dificultada pela
I
precariedade dos dados existentes na literatura.
Referências às flautas foram encontradas em Adal-
bert, que mencionou a existência de " ... Pan' s-pipe,
formed of thin reeds of various sizes ... " ( 1849: 2 7 6)
e de "a pipe ... made from the bone of a slain enemy,
a Curinája__. .. " ( 1849: 285). Alguns anos mais tarde
Steinen observou a existência de flautas de Pan ( 1 886:
: 259) <39 ) e de flautas duplas (4 0) (1942: 316) . Ni-
muendaju, como Adalbert e Steinen, referiu-se à flauta
de Pane à flauta de osso (1948: 236 e 238) <41 >. En-

(38) Estas categorias sã o sugeridas por Izikow itz, 1935, cuja


classificação, entretanto, nã o foi seguida in tegra lmente no
presente trabalho.
(39) O texto em a lemão fa z r eferê ncia a «kle ine Pansflõten»
(Steine n, 1886: 259 ), traduzido no por tug uês por «peque-
nas flautas de pa stor es» (Steinen, 1942: 306) , o que t oda-
via nã o corresponde ao original, uma vez q ue a tradução
correta seria «pequena f lauta de P a n».
(40) Durante a realizaçã o de uma festa , Stei nen (19'4 2: 316)
vi u «dois soprador es de flauta q ue se man tinham bem
juntos um do outro. As suas flautas achavam-se ligadas
por um f io e e ran1. sopradas duplame nte, emitindo-se os
mesmos cur iosos sons ... ».
( 41 ) Além desta s informações de primeir a m ã o, encontra m -se
r eferências às flautas Jurúna em Izikow itz que , primeiro,
baseando-se em coleção existente no Museum f ür Voliker-
kunde, Berlin1, refer e-se a «transverse flutes» (19,35 : 277)

161'
quanto esta última caiu em desuso, a flauta de Pan (biia
xinxin) continuou a ser e mpregada. O bse rvamos, também,
a utilização de uma flauta (i-ánãi büa) que parece asse-
melhar-se àquela flauta dupla mencionada por Steinen.
Além destas os Jurúna costumam fabricar, na atualidade,
mais dois outros tip os : um que chamam de auã parin e
outro conhecido p or arapadigá parin. As flautas atual -
m ente manufaturadas pelos Jurúna são tôdas feitas d e
taboca. Os homens, que as fabricam , utilizam um ins-
trumental de ferro, cortante, na sua confecção.
A flauta de P a n (biia xinxin), que é geralmente to -
cada numa festa d eno minada Kwatahá de abiá, ou quan -
d o há muito caxiri, pode ser composta por 2, 3 ou 4
tubos de taboca, d e ta manhos diferentes, fechados numa
extremidade e abertos na outra. Ês tes tubos são amar-
rados uns aos outros com um barba nte que envolve
cada um dêles, cêrca de 2,5 cm d a embocadura. O com-
prime nto, num ins trume nto formado por 4, observado
por nós em julho d e 1967, era o seguinte: 26 cm, 22 cm,
1 9, 8 cm e 1 7, 5 cm, e nquanto qu e o diâmetro era de
1 cm. Vários outros possuíam m edidas que se aprox i-
m a vam d estas.
A i-,áinãi biia é comumente usada durante a realiza-
ção de uma festa para o espírito dos mortos (i-ánãi
kariá) . Assemelha-se à flauta de Pan d escrita anterior-
m ente, diferindo apenas pelo fato d e ser t ocada por dois
executantes ao invés de um apenas. É formada por 3
tubos de taboca, cuja descrição é ig ua l à do instrumento
precedent e, sendo que 2 dêles são tocad os por um indi-
víduo, enquanto que o 3.<?, que está amarrado aos outros
dois por um barbante, a uma distância d e cêrca de 60 cm,
é soprado por um segundo homem. Esta flauta parece
ide ntificar-se com a observada por Steinen durante a
r ealização de uma festa ( cf. nota 4 O).
A a uã parin não tem nenhum uso específic o. Pode
ser t ocada a qualqu er momento. É composta por um
gomo de ta boca, f echad o em ambas as extremidades,
sem adôrno e p ossuindo , em geral, cê:rca d e 5 3 cm de
comprimento por 2, 5 cm de diâmetro. lf.ste instrumento
pode ter dois ou três registros. A embocadura é lateral.
A flauta conhecida como arapadigá parin ~ um ins-
trumento que foi fa bricado com a intenção de imitar o
canto de um passarinho que provàvelmente será a ando-
rinha. Como a precedente, é tocada d e acôrdo com a
vontade de seu dono. E la é feita de um gomo de taboca,
sem adôrno, fechado na extremidade próxima à embo-
cadura, que é lateral e aberto na outra, onde há 3 r e-
gistros regularmente dis tantes entre si. Possui cêrca d e
39 cm de comprimento por 1, 2 cm d e diâ metro.

e, depois, baseando-se em Kletke, fala na flauta de Pan


(1935: 407 ) . Também W. Schmidt (1942: 75-6), a poiando-
-se tanto em coleções do Museu de Viena q uanto em
S teinen, faz m e nção a grandes flautas ou pífanos. Refere-
-se, a inda, ba seando-se em Steinen , n a fl a uta de P an (1942:
105-6) .

162
O s J urún a se refere m à flauta arapadigá como sen -
d o o "caminho do passarinho". Dizem que isto era em
Alta mira, onde havia se ring ue iro.
A oco rrên cia de buzinas e ntre os Jurúna f oi o b ser-
vad a tanto p o r Adalbe rt quanto por N imuenda ju. O
primeiro fala e m " . . . the large lnd ian w a r-and hunting-
-h o rn . .. " (1849 : 287) , sem dar, poré m, elem e ntos
d escritivos. R e fere-se també m , a um instrumento co m -
posto por:
.. "a g ourd, with a reed a fo ot long fixe d
into it, / serving a s a m o uthpiece, fr o m which w e re
suspende d different o rna ments fast ened by white
strings . . . " ( 1849: 2 76- 7).
N imuenda ju ( 1948: 23 8) faz m en ção a b uzin as fa-
bricadas d e cab a ça e d e b a m bu g rosso com a d o rnos d e
penas, sendo q u e alg umas d êste úl timo t ip o p ossuia m
uma caixa d e r essonâ n cia fe ita de cab a ça ou d e c râ nio
h um a no.
Contara m -n os os info rma ntes que, em épocas pas-
sa das, quand o p ratica vam muitas inc ursões contra ou tros
g r upos triba is, os Jurúna tinham o h á bito d e cortar a
cab eça do in imigo morto, tira r a massa e nce fá lica e, com
êsse cr.â nio, fa ze r uma caixa de resson â n cia para uma
buzina fabricad a de taboca. Tal info rmação corro b ora
aq ue la dada p o r Nimuend a ju. Ésses ins trumentos e ra m
m a nufatura d os p e los h o m e ns e cos tumavam ser po r ê les
usad os em dias festivos.
Atualme nte as buzinas c ontinua m a ser fabricadas
e usadas somente pelos h o m e ns. São fe itas de uma ca-
b a ça alongada e piriforme <'12 ) , não se tendo o b ser vad o
a e xist ência d a quelas que p ossuía m uma caixa d e resso-
n â n cia. P a ra a sua fabricação e mprega-se, c omo n o
caso das f lautas, um instru mento d e fe rro, co r tan te.
Quando já m a nufaturadas elas possuem cêrca de 40 cm
d e comprime nto, têm a e mb ocadura la te ra l n a par te
m a is fina e o o rifício que regula a saíd a e a a ltura d o
so m na p a rte central d a extremida d e mais esp êssa. A
êsse tipo d e b uz ina o s J urún a chamam de kamahu. Se-
g undo um inform a nte, h á q uem colo que uma t aqua ra
para soprar na embocadura. Não n o ta mos, p o r ém , ta l
v a riante, d urante as p esquisa s efe tua d as em 1966 e
19 6 7.
A s trombetas foram re fe ridas p o r N imuendaju que
fa la não s o m e nte em
. . . "a great w ooden trumpet (pari-t a d a d a )
used a t drinking sprees with la teral ope ning for
blowing a nd a bamboo re ed fr o m S. 7 to 6 . 1 fe e t
(17 5 t o 187 cm) in le ng th" (1 9 48: 238) ,

(42) O pr eparo da ca ba ça é feito de acôrdo com o que foi


descrito no item sôbre vasilhames de cabaça e cuia.

163
mas também em " bone trumpets" ( 1948: 2 14) (43 ). Diz,
ainda, que os cr ânios dos inimigos mortos "served as
resonators for th eir war trumpets" ( 1948 : 236) . T o d a-
via, no contexto d êste trabalho , os instrumentos dessa
modali dade foram classificados como b uzinas.
Na época da pesquisa observamos apenas t1 ombe-
tas fabricadas de taboca e conhecidas por duru. Possuem
geralme nte 50 cm de comprime nto por 6 cm de diâme-
tro aproximadamente e têm uma extremidade tota lme nt e
aberta, enquanto que a outra é parcialmente fechada,
possu indo um furo d e cêrca de 1, 5 cm de di.âmetro na
parte media n a, para formar a embocadura. Êste instru-
mento costuma ser tocado sômente durante a realização
de uma festa que se denomina .Duru Kariá. Sua manu-
fatura é adstrita ao homem que é considerado o dono
dessa festa. Quando a taboca se fend e, a parte rachada
1

é amarrada com tiras de imbé o u de embira.


Sôbre a clarineta não encontramos nenhum dado
objetivo e descritivo na bibliografia consultada. E, du-
rante a estada n a aldeia, notamos apenas a ocorrência
de um tipo que os Jurúna d e nominam de purionxinxin «11 ) .
Êst e instrumento é tocado numa espécie de orquestra
formada por sete músicos, durante a realização de uma
festa conh ecida por purionxinxin kariá. Cada exemplar de
clarineta que compõe o citado conjunto, possui um tama-
nho diferente, o que implica n uma variação da altura
d o som.
O p urionxinxin é conf eccionado pe lo h omem, com a
1

a juda de um instrumental de ferro , cortante . Seu uso,


também é restrito ao sexo masculino. A palheta é feita
de um bambu que t em cêrca de 8 cm de comprimento
por O, 5 cm de diâmetro, podendo variar ligeiramente
êste tamanh o confo rme a dimensão do instrumen to no
qual é inserido. Possui uma extremidade aberta e a
outra fechada pelo nó, send o que um corte longitudinal
é feito a partir desta ponta fech ada até perto da que

(43) Izikowitz, apoiando-se em col eção existente n o Museum


für Võlkerkunde, Berlim, fala em trombeta Jurúna fa-
bricada de bambu (1935: 245) e de madeira (1935: 246).
Refe r e-se, também, baseando-se em Steinen, em trom-
betas de córtex (1935: 247 ). E fundamentado em cole-
ções tanto do 1\1useum für Võlkerkunde, Viena, quanto
do Museum für Võlkerkunde, Berlim, êle faz referência
a trombetas complexas, feitas de bambu e com caixas de
ressonância de cabaça (1935: 251). E stas últimas são
classificadas no presente trabalho como buzinas e não
como· trombetas.
(44) Segundo observação do n1aestro Nivaldo Santiago, da
Universidade Federal do Pará, é provável que êste ins-
trume nto seja um oboé e não un1a clarineta. Esta infor-
mação se baseia no fato de que o princípio que r ege a
sua construção ser similar, senão idêntico, ao m esmo prin-
cípio· do oboé, caracterizado pelo uso da palheta dupla
enquanto que a clarineta se distingue pela palheta sim-
ples. Aqui, todavia, foi utilizada a classifica ção de Iziko-
witz (1935: 255-65 ) .

164
está aberta. O corpo da clarineta é feito d e uma secção
de taboca cujas m edidas, nos sete exemplares observa-
dos, encontram-se na tabela 1O.
TABELA 10 - l\'ledidas das clarinetas obse rvadas em 1967

N. 0 de ordem Comprimento Diâmetro


da clarinet a (em cm) (em cm )

1. Q 48 3,1
2.Q 47,5 3,2
3.<> 47 5 3,1
'
4.Q 40 2

5.<> 39 2
6.Q 32,2 1,8
7." 24,1 1,9

Essa secção de taboca é aberta n as duas extremi-


dades. A uma distância quase ig ual à do comprimento
da palheta d e ixa-se uma divisão de gomo ond e se faz
uma perfuração com diâmetro igual ao diâ metro externo
da palheta, a fim de encaixá-la. Isto é realizado introdu-
zindo -se, com pequena pressão, a extremidade aberta da
palheta no furo feit o n o gomo. A embocadura da cla -
rineta fica n a ponta onde está a palheta.
Quanto a apitos, o bservamos apenas a existência de
uma espécie, fabricada de ta boca. É chamada p e los Ju -
r:úna de büa lahihi e assemelha-se a um dos tubos que
compõem a flauta biia x inxin ou a i-ánãi biia. Poss ui cêrca
""
de 2 5 cm d e comprime nto por 1 cm de diâ metro , sendo
fech a do numa extremida de e aberto na outra, por o nde
se sopra. N ão tem qualquer outro orifício e costuma ser
usa do durante as bebedeiras de caxiri. 'É fabri cado e
empregado somente pelos h omens. Como a conteceu
co m a clarineta não e n contramos, sôbre os apitos, ne-
nhum dado objetivo n a literatura pertin ente e consultada.
Steinen e a lguns informan tes Jurún a a tuais fizeram
referência a instrume ntos de sôpro que , por fa lta de
m a io res d e talhes, não puderam ser incluídos nas catego-
rias já mencionadas. Steinen reg istrou a presença de
" flauta, em cuja extremidade assentava uma cuia" ( 19 4 2:
: 30 1 ) e de o utros instrumento s que também ch amou de
flautas e que enumerou da seg uinte forma:
" há um tipo comprido, a " panetadada"
( 1, 7 5 m) que sol ta uns sons a bafados de trombeta,
outro que é um pequen o fago te <-15 ) d estinado à arte
das mulhe res ... " ( 1942: 306).
(45) Nimuendaju (1948: 238): «. .. Von den St einen's «bas-
soon perhaps corresponding t o the Ship.aya «takari» (Karl
G. Izikowitz's «toré clarinet») ... » Nota da A.

165
Mencionou, ainda, um instrumento que primeiro deno-
minou de clarim e em seguida pareceu referir-se ao mes-
mo como sendo a já citada panetádada <46 > ( 1942:
: 3 14-6).
Alguns informantes J urúna, em 1 96 7, lembravam-
-se que em tempos remotos seus antepassados fabrica-
vam alguns instrumentos cujas técnicas de manufatura
atualmente se acham perdidas. Entre êstes se encontram
o maritá, o txáendá e o tiutibü. Bibina, o capitão da
aldeia, afirmou que se tratava de flautas. Todavia, os
únicos detalhes por êle recordados, permitem apenas in-
corporá-los dentro da categoria de instrumentos de sôpro,
sem uma classificação mais específica. O depoimento
de Bibina a êsse respeito foi o seguint~:

Existe uma kariá (festa) para maritá, uma


para txáendá e uma para tiutibü. · Todavia, Jurúna
atual não sabe fazer estas "flaut'as". .
Só homem
antigo sabia. Por aqui não há taquara e seu uso
perdeu-se. A taquara usada é parecida com a de
- . . . . - . ,
aua par1n e com a p ur1onx1nx1n, mas nao sei como e.
1

Não há, entre os Jurúna, ninguém que saiba tocá-la


também. Nem fazê-la."

Perdeu-se, portanto, o seu uso. Os Jurúna atuais sabem


da sua existência através do relato de pessoas que agorà
já são mortas. Segundo êsse informante, maritá seria
mais ou menos do mesmo tamanho que o p urionxinxin, 1

txaendá seria maior e tiutibü também seria mais ou me -


nos do tamanho de purionxinxin.

Há ainda um outro instrumento chamado puriaraê


que é fabricado e usado apenas pelos homens. É toca·do
durante a realização de uma festa conhecida por puriaraê
kariá e não pôde $er visto por nós por não existir na
aldeia, o que era unia conseq·üência da falta de taquara
ou taboca na área de localização atual. Mas afirmam os
Jurúna que o puriaraê é uma º'flauta" grande e, pelo
tamanho indicado deve possuir 1, 5 O m de comprimento.
Segundo êles, é a maior "flauta" que possuem. :É pro-
vável que êsse instrumento seja o mesmo referido como
panetádada por Steinen ( 1942: 306 e 314) ou como
pari-tadada por Nimuendaju ( 1948: 238) ('-' 7 ) . Por ou-
tro lado, afirmavam qne "o p uriaraê é igual ao purionxin-
1

xin, só que é maior". Ficamos, pois, com dificuldade de


incluí-lo dentro de um dos tipos abordados anteriormen-

(46) Par a maiores detalhes sôbre a penetãdada veja-se a des-


crição feita por Steinen (1942: 314) assim como a estampa
que há em seu livro (1886: S. 266) . .E provável que essa
panetá.dada seja o mesmo instrumento referido como
pari-tadada por Nimuendaju (1948: 238) e incluído entre
a s t r ombetas.
<47) Os informantes Jurúna disseram-nos que desconheciam
os t êrmos panetádada e pari-tadada e que instrumento
de sôpr o grande êles só conheciam o puriara.ê.

166
te. A precariedade de elementos descritivos não impede,
porém, que possamos classificá-lo com um instrumento
de sôpro.
O maracá foi o único instrumento de percussão ano-
tado entre os Jurúna tanto agora como há alguns anos
passados. Sôbre êle há referências bibliográfica de Stei-
nen e Nimuendaju (4 S ). O primeiro observou a presença
de "maracás enfeitados de penas de arara" ( 194 2: 306),
o mesmo ocorrendo com o segundo que, além da infor-
mação anterior, acrescenta a de que as penas, caudais,
eram colocadas "at the tip", sendo êsses maracás feitos
de cabaça (Nimuendaju, 1948: 238). Na atualidade
soubemos que os maracás Jurúna são fabricados não só
de cabaça mas também com a carapaça do tracajá. !Êste
último é utilizado como brinquedo. Não conseguimos
averiguar a utilização do primeiro tipo, mas parece ser
usado como chocalho para entreter criança e para ativi-
dades xamanísticas.
Durante a permanência na aldeia não tivemos opor-
tunidade de presenciar nenhuma das duas espécies. Sou-
bemos da sua existência através de informantes, que con-
taram o seguinte: Para se fazer um maracá ( 1uiuá) de
cabaça, tarefa realizada em conjunto por homens e mu-
lheres, pega-se uma variedade desta fruta e despoja-se
o miolo ( ,f 9 ) , colocando-se pedras miúdas, grãos de mi-
lho, ou miçangas no interior, a fim de produzir o som.
Nesta cabaça são feitos dois orifícios, um em cada extre-
midade. Num dêles é colocado uma taquara fina e de
comprimento reduzido que constituirá a ponta. No outro
f é embutido uma taquara com dimensões maiores que a
anterior e que formará o cabo. Tanto êste como aquêle
são prêsos à cabaça com cêra prêta ( 5 o). Segundo os
informantes, êsse instrumento é ornamentado com fio de
algodão vermelho, tinto de urucu, que cruza a cabaça.
Para o fabrico do maracá ( uiuá) de carapaça de
tracajá utiliza-se o casco vazio de um filhote. No inte-
rior s'ão colocados, como no instrumento anterior, grãos
de milho, pedrinhas ou miçangas que chocalham quando
agitados. Nas cavidades onde estavam as patas são pos-
tos tufos de algodão em geral tintos de vermelho, presos
com cêra prêta e cuja finalidade é a simbolização das
referidas patas. Nos buracos referentes à cabeça e ao
rabo são introduzidos pedaços de taquara que constitui-
rão a ponta e o cabo respectivamente. São também pre-

( 48) Alén1 das inforn1ações dadas por êstes dois autores há


um regístro feito por Izikowitz (1935: 127) que, basean-
do-se em Steinen, fala na presença de «Gourd Rattle
(Maracá) », entre os Jurúna.
( 49) Para a técnica de preparar a cabaça veJa-se o item sô-
bre vasilhames de cabaç.a e cuia.
(50) Para o preparo da cêra veja-se o item sôbre ooleta.

167
sos com cêra preta. Por v ê zes, ao in vés da ponta d e
ta qua ra , os Jurúna r eco ns tituem a cab e ça d o tracajá ,
a inda com cê r a .
Não pude m o s o b servar o ins trume n t o de fricção
m anu fa turado p e los J u r ú n a, por ca u sa d e su a c a rência.
M as dizem os info r man tes que êles costumam fabricá-lo
na a tualidade e que s em pre o fabricar am. Todavia n ã o
e n contra m o s n a bibliog r a fia c onsulta d a q u a lquer refe -
rên cia ao m esm o. T r a ta -se, s e g und o K a r a ndini, de u ma
car apaça vazia de u m tr acajá g rand e , a qua l te m a c a vi-
d a d e , o nde era a cabeça , to ta lmente r ecoberta com cêra,
permanecendo aberto s os lug ares p ert in e ntes às patas e
ao r a b o . Ê fa bricad o e usado pelo h o m e m que, para
obt er o s om, seg u r a ê sse in strume nto com o braço es-
q u erdo, a poiando-o n o peito e passand o a mão dire ita
n o local onde h á cêr a. Para ser t ocad o não há n ecessi-
dad e d e nenhum a c o n tecimen to esp ecia l mas c os tuma
ser pre fe r entem ente util izado quan do h á a bundância d e
caxir i. É conh ecido por kuiü parin (fuü parin? ) .

Seg undo a tra dição trib a l, as fo ntes d e a pre nd izado


d êsses instrumentos foram div e rsificad a s. O uso da biia
xinxin teria sido e ns in ado p e los índios Xipáya, a fa brica-
ç ão da i-.án,ã i biia t er ia sid o a prendid a po r u m pajé, e m
so nho, a tra v és d e u m i-ánãi. A auã parin, a P'Urio·n xinxin,
o maritá, o txáendá, o tiutibü e o puriaraê teriam sido en - /
sin a d os p o r u m auã, e nq u a nto q u e a manufa tura da duru
f oi ensina da p or Cinaã <5 1 ) . Os d e m ais fora m fe itos p o r
j urú n a m esm o. "Jurú n a fêz p orque q uis fazer " , segund o
a s palavras de u m info rmante.
O instrumento d e músic a Jurúna, com exceção d a
fl auta d e P an, d ifere d o xing uano pela a usê n cia d e :
1.9) fl a utas d en o minadas p elos K amayurá d e jakui <52 ) ;
2.9) fl au tas conhec idas p o r u~uá (r.:i) ta m b é m e ntre os
K a mayur á e que s ão tocadas simultâ n eamente p or d o is
indiv íd u os ; 3.9) zu nido r es <5 1 ) ; 4 .9) u m instr u m ento
de p e rcussão constitu íd o por uma ta b oca que é b atida n o
ch ão o u sôbr e u m p e daço d e p au , d uran te a execução
da dan ça do Tauarauanã <55 ) ; 5.<? ) tor nozele iras ch oca-
lha n tes confeccionad a s com cascos d e v ea d o o u cascas

(51 ) Acêrca de i-ánã i, aüã e Cinaã, veja-se o it em sôbre idé ias


e prá ticas r eligiosas (j ) .
(52) Par a u ma descrição dêst e instrumen to e de sua fa brica-
ção veja -se Ga lvão (1953: 15 nota 32).
(53) Sôbr e o a prendi zado, pr opriedades e descr ição desse flau t a
veja -se S ilva (lV1s, 1966: 62-3, 89-90). S t einen (1940 : 420 e
1942 : 206-7 ) não apenas se refer iu a êsse inst r umento
com o também o descreveu.
(54) Os zunid or es d escr it os por Steine n (1940 : 420-2) são do
m esmo tipo e ncon trado atualmente.
(55) Quando da visita de Steinen, o com passo dessa dança era
m arcado por percussão no solo a través das batidas d e
un1a ca baça «com forma d e garrafa» (Steinen , 1940 :
420). Ve ja-se, t ambém , prancha VI II (Steinen, 1940: entre
128 e 129).

168
de nozes sêcas <56 ) . Difere, também pela variaç ão do
tipo das flautas e dos maracás fabricados de cabaça ou
filhotes de tracajá. As flautas xinguanas, ao invés de
embocadura lateral possuem-na na parte terminal de uma
das extremidades (flauta reta), sendo a mesma parcial-
m e nte coberta de cêra preta. Já o maracá dos habitan-
tes da região dos formadores do Xingu diferencia-se do
J urúna por não ser prêso ao cabo com cêra.
Ainda com relacão a diferencas entre os instrumen-
~ ~

tos musicais dos Jurúna e dos xinguanos, há uma nota de


Galvão ( 19 5 2: 4 7 5) que menciona variaçôes quanto aos
ornamentos. Todavia, não possuímos dados para u' a
' m elhor especificação dessas dive rsidades.

e - DIVISÃO DO TRABALHO

Ao tratarmos das atividades de subsistência, das


manufaturas e da indumentária e adornos, abordamos,
embora de forma implícita, a questão da divisão do tra-
balho entre os Jurúna. Pretendemos, a gora, dar uma
visão mais ampla dessa questão.
'Ü nível tecnológ ic o dêsses índios, limitando a capa-
cidade de produção, não permite a liberação de indiví-
duos das tarefas produtivas habituais para as de e specia-
lização, do que resulta uma divisão simples do trabalho.
Com maior ou menor habilidade, dentro dessa divisão
do trabalho, pràticamente t o dos os indivíduos suprem
êles mesmos suas nece ssidades. Os implementos ma-
nuais utilizados não exigem o trabalho de especialistas
,..
no seu empreg o.
A oportunidade de especialização também está limi-
tada pelo p e queno tamanho da população Jurúna, o que
faz com que todos os indivíduos do m esmo sexo e de
idade aproximada conheçam as tarefas executadas pelo
grupo. Êsses trabalhos são levados a cabo, obedece ndo-
-se a uma divisão de trabalho que, além de simples, é
bastante flexível. Qualquer homem e qualquer 1nulher
é capaz de realizar as tarefas tradicionalmente atribuídas
a seu sexo. Em geral, os trabalhos femininos são conhe-
cidos pelos homens, embora não os pratiquem, e vice-
-versa. O mais comum de acontecer, porém, é verem-se
os indivíduos de um sexo empenhados em ajudar os
indivíduos do outro sexo, quando as tarefas são bastante
pesadas, cansativas ou quando há o fator doença.

(56) Steinen, ao tempo de sua via gem , observou a existência


tan to dêsses instrumentos, m anufatu rados com «cascas de
frutos» e com «Sem entes de piquí partidas a o meio»
quanto de outros fabricados «de conchas e cascas de noz,
pende ntes de borl as de algodão prêsas a cordéis levados
ao pescoço, bem como o m olho de conchas do «maka-
nari» do peixe dos Bakairí» (1940: 419).

169
Atualmente os Jurúna estabelecem a seguinte d ivi-
sao de tra balho por sexo:

TABELA 11 - Atividades m asculinas e fen1ininas

Sexo
Atividad es
M F
-

Roça:

Derrubada da mata . . . . . . . . . . . . . . . . . +
Coivara +
Queimada .. ......... . .. . . .... .. . .. . +
P la n tio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . + +
Colheita . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. + +
Ca,ç a .. . . .. ........... . . ... .. . ......... +
P esca . .... .. . . ....... .. . ..... ... ... ... . +
Coleta . ..... ..... .. ... ... ..... . . . .... .. + +
Preparo ele alimentos:

Mandioca:

Transporte .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . + +
Pubação . . .. .. . .. . .. . . .. . . . .... . . . . + + '
Descascamen to e t iragem d e f ibras .. +
Uso do tipiti ........... . ... . ....... . +
Ralamento ...................... . . . +
Beiju .. . . . .... . .... . ............ . . . +
Farinha .. . . . .. . ... . .. . . .. .. . .. .. .. . + +
Caxiri . . .. ... . . . . . . .. . .. . .. . . . . . . .. . +
Mingau . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. .
+
Cozer +
Assar + +
Cuiclaclo com o fogo .......... .. ...... . . + +
Corte d e lenha . . . . . . . . . . . . . .. . .. . .. .. . +
Construç,ão das ha bitações .... . ...... . .. . +
Limpeza do terreiro + +
Limpeza das casas + +
Mod elagem de cerâmica .... . .... .. .... . +
F iaç,ão e tecelagem .. . .... ........ . ... . +
Cestaria +
Trabalhos em madeira .............. ... . +
Confecção de pentes .................... +
Ar1nas +
Ut.ensílios de caba~,a e cuia .. .. ........ . +
lnstrun1entos musicais +

170
Aclornos:

Diademas de penas .. . . . .......... . +


Brincos ...... ... .. . ... . ... · ·. · · · · · · +
Preparo de dentes de a nimais e de
côcos para contas de colares ..... . +
E nfiamen to de colares ... . .... .. ... . +
Ber loques para pulseiras . .......... . +
Pulseiras .. . ... . .. . ...... ..... . ... . +
Anéis de côco ... ........ . ... .... . . . +
Fixação de penas brancas no cabelo .. +
Colocação de arilo da sororoca . .... . +
E nfeites da fro nte . .. . . .. . . .... .... . +
Pin tura corporal ... .. . ... . .. . .... . . + +
Preparo do óleo de inajá . . .... ..... . .. . +
Preparo ele cêra ele abelha +
Preparo d e tintas:

Urucu ..... . .. . . . . . ... . . . .... ... ... . +


J enipapo . ...... . .. . . ... ... .. .. .... . +
Tinta verm elha de madeira ..... .. . . + +
Tinta vermelha de torrão de terra +
Tinta prêta para madeira ou cerâmica +
Tinta prêta para cabaça e cuia ... .. . + +
Tin ta bra n ca . . . . .. .. .. . .. . . . . . .... . +
Costura . .. .. . . . . .. . ...... .. ....... ... . . +
Confecção do manto elo pajé . .. . .. .... . . + +
Penteado .......... .. . . ...... .... ... . . . . +
Aplicação ele óleo d e inajá ao cabelo . .. . +
Cata ele piolho .. . .............. . .. . .. . . + +
Preparo d e sabão Jurúna . . . ... . . . . .... . +
I Cuidado com a s cria.nças ....... . .. .. .. . . +
Práticas n1edicinais e pajela.n ça . . . . . . . . . +
Transporte cl'água e de uten sílios ... .... . + +

Segundo os informantes Jurúna, as regras d e divisão


do trabalh o, e m temp os passados, eram mais rígidas.
A atual divisão difere da antiga, n a questão do trans-
porte dos produtos e utensílios, na a ção de carregar a
água e na fabricação da farinha, qu e eram tarefas femi-
ninas. H o je em dia êsses serviços podem ser co nside-
rados comuns aos dois sexos, porque a ajuda que o
homem dá à mulher é bastante grand e. A mudança é
justificada p ela aquisição de ins trumentos dos "caraí-
bas" tais como o machado e o facã o d e ferro, a e nxada,
o ancinho, etc. que vie ram diminuir o trabalho mascu-
lino. Ao transportar á g ua, o homem justifica o se u pro-
c edimento pela afirmativa de que "o barranco é muito
alto para mulher; aí homem ajuda".
Observamos que, apesar de os J urúna afirmarem
uma divisão do trabalho como a aqui exposta, existe,
em alguns casos, um auxílio mútuo e m tarefas pertinen-

171
tes a um sexo ou outro. Foi assim que vimos um homem
usar tipiti, a fim de que sua mulher pudesse cuidar do
filho pequeno ou então, ao contrário, notamo s o utro
homem embalar um nenen e entretê-lo com o chocalho,
e nquanto sua espôsa trabalhava com a mandioca . T am-
bém observamos um h omem ensinand o a mulher a fazer
cesta de fô lha da p a lmeira inajá, para g uardar a lgod ão.
Ê le ainda ajudou a espôsa a separar fios tecidos d e algo-
dão, que estavam dispostos no tear. Também a m ulh er
pode coope rar com o marido no preparo da roça. O
padrão ideal, portanto, é a lterado n a prática.
É possível que a atual flexibilida d e dessa d ivisão
d o trabalho , que no passado, segundo os informantes,
teria sid o mais rígida, seja explicada e m fun ção do de-
se nvolvime n to histórico das tradiç ões que ordenam a
1

vida d êsse g rupo tribal. (" 7 )


A div isão do trabal ho baseada no sexo, e ntre os
Jurúna, a presenta pontos de semelhanças e de diferenças
com os grupos alto xinguanos, embora, nestes últimos,
seja mais r ígida. A s semelhanças devem-se ao fato de
que o traba lho com o algodão, a tecelagem, a cerâmica
e o cuidado com as cria n ças são ta r e fas femininas nas
duas culturas mencionadas, enquanto que a d e rru bada
da mata, o preparo da r o ça, a manufa tura de armas, de
ins trumentos musicais, d e a dornos p lumários, d e pentes,
os trabalhos em madeira, a pesca, a caça, a cons trução I
das habita ç ões, o corte d e lenha p ara o fogo, a coleta
d e maté rias-prima, a cesta ria, as prá ticas medicina is e a
pajelança são trabalhos pertinentes aos homens, tanto
entre os j urú n a quanto entre os xinguanos. As diferen-
ças ex ist em com relação ao fato d e que, entre êst es ú lti-
mos, a fabricação das cordas com fibras de palmeira é
uma tarefa fe minina e n ão masculina. Já o prepa r o dos
a limentos em geral , com exceção do peixe e do macaco
moq ueado , a a ção d e carregar águ a para abastecer a
casa , trabalhar com a mandioca e transpo rtar os produtos
e utensílios em geral, são t a refas fe mininas para os a lto-
xinguan os e nquanto que e ntre os Jurúna são atividades
realizadas pelos dois sexos <53 ) . Apesar de não fazer fa-
rinha ou caxiri, a mulher xinguana prepara a massa de
mandioca e n ão recebe a aj uda m asculina para tal. Cor -
respondentemente à manufatura de roupas pelas mulheres
J urúna , as xin g uanas fabricam o uluri, peça tria n gular
de entrecasca de árvore, que é a única v este usada pelas
mulheres. Ü s' homens xin g uanos, por sua vez, fazem
cintos com fios de a lg o d ão trabalha d os pelas mulheres

(57) Her skovi tz tem o seguinte ponto de vista: «. . . las for-


m as específicas qu e la división sexua l del traba jo adopt a
en determinadas tribus debe ponerse siempre en r elación
con el desarrollo histórico del cuerpo especial de tra dicio-
nes por m eio del cua l orden a su vida un pueblo dado»
(1954 : 125 ) .
(58) Para uma enumeração da divisã o do trabalho por sexo
nas atividades com u ns de subsistênc ia, e ntre os Kuikúro,
um dos grupos xinguan os, veja -se Carneiro & Dole
(1956-7 : 182-3).

1 72
ou doados pelo Pôsto Leonardo, e conchas de carumujo,
o mesmo não ocorrendo entre os homens J urúna, entre
os quais o cinto caiu em desuso. Atualmente êles ves-
tem calças ou shorts, recebidos do Pôsto Diauarum ou
manufaturados pelas mulheres e não por êles próprios.
A realização dessa tarefa por parte do sexo feminino,
entre os Jurúna, é provável que seja uma imitaçã o dos
brasileiros, os quais foram os agentes dessa aprendizagem.
Devemos ressaltar que a mulher Jurúna não fabrica o
tecido com que faz as roupas mas sim que o recebe de
elementos da sociedade nacional, especificamente do
Pôsto Diauarum. Os xinguanos andam geralmente nus
mas jâ se difunde o uso de roupas de nossa fabricação.

O que pudemos observar com relaç ão à divisão do


trabalho por idade foi muito pouco mas, em ess-ência,
foi o seguinte: quando crianças, os J urúna participam
de forma mínima nas atividades económicas. Não fazem
quase nenhum serviço. Ajudam os pais na coleta de
frutos ou de ovos de tartaruga . E nquanto os m e ninos,
por causa da divisão sexual do trabalho, já começ am
a participar de atividades que futuramente lhes serão
atribuídas, tais como a busca de lenha para o fogo ou
a limpeza do pátio, as meninas iniciam desde muito cêdo
o seu aprendizado e a sua participaç ão nas lidas domés-
ticas, especialmente no cuidado com os irmãos menores.
À medida que crescem, a ajuda dos jovens nas ativida-
des diárias dos pais ou dos parentes de seus grupos do-
mésticos se torna maior. Isto é uma forma de preparar
as crianças para a vida adulta e, no caso particular das
meninas, de incorporá-las à sua família extensa matri-
/ local, da qual só sairão em casos excepcionais. Compa-
rando-se os Jurúna com os xinguanos, verifica-se, tam··
bém, que entre êstes, conforme disse Carneiro para os
Kuikúro, a participação crescente dos jovens nas ativi-
dades paternas diárias, "no es solamente una convenien-
cia para los adultos, sino que también sirve para prepa-
rar a los nifíos para sus posteriores actividades" ( Car-
neiro & Dole, 1956-7: 183) . Já adultos, todos traba-
lham, inclusive o "capitão", sendo a preguiça fator de
desprestígio. Entre os componentes do grupo :Bibina to-
dos eram diligentes e davam cabo de suas tarefas .

f - PROPRIEDADE C59 )

A divisão de bens entre os Jurúna é pensada num


plano ideal, sem chegar a concretizar-se totalmente na
realidade. O particular e o coletivo acabam quase por
se confundir, dadas as estreitas relações de parentesco
entre os indivíduos. Isto leva a dificuldades na defini-
ção do conceito de propriedade entre os Jurúna.

(59) «Prop riedade» n este t rabalho é u tilizado como un1 con-


ceito flexível que ser á explicitado seg undo a situação
e os indivíduos envolvidos.

1 73
Foi possível distinguir quatro categorias de proprie-
dade, embora algumas vêzes elas existissem mais num
plano ideal do que real: J .9) bens possuídos por um
só indivíduo; 2.9) bens pertencentes ao casal; 3.<? ) bens
possuídos por um grupo familiar e 4.9) bens perten-
centes ao grupo Jurúna como um todo (aldeia Bibina).

1.9) Propriedade individual

Apesar de se atribuírem "donos" aos bens, êstes,


mesmo quando considerados propriedade privada, cos-
tumam, em geral, ser usados coletivamente. Exceção
a êste fato eram os conhecimentos sôbre pajelança. Mas
a regra que vigorava era a seguinte: ser proprietário de
um bem não queria dizer que dêle se tivesse uso exclu-
sivo. A a ção de possuir algo não impedia um comparti-
lhamento dêsse bem por parte dos demais membros da
aldeia. Todavia, era sempre o dono quem dava, quem
repartia. P'o r exemplo, quando havia caxiri, esperava-se
que o proprietário o distribuísse uma primeira vez e
depois dissesse: - "você pode beber caxiri" - para
que os demais membros comunitários passassem a tomá-
lo livremente, para isto bastando apenas o que,rer tomar
caxiri. Ü'utro exemplo pôde ser observado durante a /
realização de uma festa. O dono da mesma comandava
a pescaria, a caça, o preparo de beiju e do caxiri, mas
havia uma participação coletiva do grupo nessas tarefas.
Para uma exemplificação dos bens enquadrados
nessa 1. l). categoria especificada, tomamos como amos-
tra indivíduos casados, solteiros ou viúvos, de ambos
os sexos, e pertencentes a classes etárias diversas. Nessa
amostragem não foram levados em consideração outros
papéis como por exemplo capitão e pajé porque a dife-
renciação dos mesmos, na época atual, não parece cons-
tituir um distintivo económico entre os Jurúna, ou me-
lhor, não implica uma diferenciação de posses. A exceção
notada foi no caso do "capitão" dos Jurúna que era tido
como o único proprietário da aldeia e do território tribal.
A amostra é representativa do universo populacio-
nal que habita a aldeia. As diferenças encontradas rela-
cionam-se a u' a maior ou menor quantidade de objetos
possuídos ou mesmo a uma carência daquêles menos
essenciais para o uso cotidiano. Essa maior ou menor
quantidade de bens possuídos por uns e outros Jurúna
parece decorrer, na atualidade, de um contacto n1ais ou
menos assíduo com o Pôsto Diauarum, local onde há
maiores probabilidades de se entrar em comunicação com
os "caraíbas" e com índios de outros grupos tribais.
Também é preciso levar em conta que a quantidade de
bens possuídos é relativa à situação social do indivíduo:
solteiro ou casado, com filhos ou sem filhos.
A análise dos objetos especificados nas listas obtidas
como amostra do universo abordado, além de indicar

174
as propriedades pertine ntes a indivíduos de um e o utro
sexo, em situações e idades dife rentes, mostra também
que:
t
A) - Tôda a terra triba l, incluindo a aldeia, é
considerada propriedade do capitão. Sôbre esta ques-
tão, todavia, algumas explicações se fazem necessárias,
a co meçar pela definição d o que cons titui o território
Jurún a . A s matas vizinhas à al deia (localizada no rio
Xingu, próxima à foz do Manitsauá), e que vão desde
as proximidades do rio Arraias, antigo local Kaya bí, até
os arredores do Libe rdade, reg ião de correrias K ayapó;
a própria a ld e ia ; as praias, as ilhas, as lagoas e os iga-
rapés existentes no trecho já referido form a m, na atuali-
dade, o que se entende por território triba l Jurúna ( g ru -
po Bibina). Essa d e limitação parece ser mais nominal
d o que de fato, uma vez que a expansão territo ria l pa-
rece ditada pelas necessidades d e sobrevivência do grupo,
d esd e que não entrem e m conflitos com outros e pela
sua capacida d e de cobertura d a á r ea. D·e ntro dêsse ter-
ritório, a mata não d esbravada, a mata sem cortar, ape-
sar de considerada propriedade do cap itão, pode ter e
tem os seus recursos naturais explorados sem restrição
p or qualquer indivíduo da aldeia. Com r elação à pro-
priedade d a terra tribal os J urúna se assemelham aos
Kuikúro ( c f. Dole in Carneiro & Dole, 1956-5 7: 190- 1)
e diferem e m parte dos T rumái e Kamayurá, un1a vez
que entre êstes a terra e os recu rsos naturais são consi-
d erados do g rupo como um tod o (cf. Murphy & Quain,
195 5 : 40- 1 e Barros Lima, M s 196 7: 41) . Caçar, co-
le tar ervas, frutos selvagens e mel, apanha r lenha e ma-
d e ira para a fabricação de obj etos diversos, são ativida-
d es que culminarão na apropriação de bens indiv iduais
e que podem ser leva d as a cabo nessas t erras, cuj a utili-
zação é, em realidade, comum à sociedade J urún a. Além
disso, a m ata sem cortar encontra-se à disposição de
qualquer membro da a ldeia que desej e cultivá-!a. 0 tre-
1

cho escolhido para a derrubada, queima e o plan tio pos-


t erio r, passa então a ser considerado propriedade do
casal nuclear que a usufruirá até o esgotamento, quando
é abandonada. A capoeira resultante volta a ser domí-
nio público até que , após readquirir as qua lidades ante-
riores, é nova mente escolhida por outro g rupo dom éstico ·
e passa a ser, outra v ez , propriedade particular de uma
fa mília nuclear. 0 trabalho com a terra e seu uso são,
1

portanto, os fatôres que garan tem a posse particular de


um b em que na realidade é coletivo . D essa fo rma, o
que se pôde observar é que a mata não desbravada é
coletiva até o momento em que pelo traba lho e uso passa
a ser particular, volta ndo depois, pelo d esgaste e aban-
dono , a ser novamente coletiva e assim co nsecutivamente.
A a ldeia também é considerada p elos info rmantes, como
propriedade do capitão, o mesmo ocorrendo entre os
Kuikúro ( c f. Dole in Carneiro & Dole, 1956-57 : 190).
Todavia, as casas que a compõem são d e propriedade

1 75
individual do homem que a ocupa e que é seu chefe ou,
então, constituem propriedade de um g rupo familiar, o
que é a regra em vigor entre os Kamayurá (Barros
Lima, Ms. 196 7: 4 2 ) . As praias, ilhas, lag oas e ig arapés
incluídos na definição do território Jurúna são bens que
podem ser usufruídos pelos diferentes membros do gru-
po, sejam êles home ns ou mulheres, crianças ou adultos.
Êsse uso coletivo de recursos naturais também ocorre
entre os Kamayurá (.Barros Lima, M s. 196 7: 41). Cole-
tar ovos de tracajá, fazer barreira para pubar mandioca,
e nterrar banana v e rde na areia para uma conservação e
a madurecimento mais rápido, apanhar filhote de pássa-
ros, pegar tracajá e pescar, são atividades permitidas a
todos que queiram fazer uso dessas propriedades. Os
produtos do trabalho agrícola, pesca e caça, segundo
alguns informantes p ertencem à mulher e, segundo outros,
ao casal. Quando há fartura dêsses produtos, costuma
haver uma distribuição para os demais indivíduos ~Jurúna.
Todos ganham seu quinhão.

B) - Grande parte dos bens possuídos é de ori-


gem não Jurúna. São produtos obtidos direta ou indi-
retamente com elementos integrantes da sociedade na -
cional e, ainda, com outros grupos tribais. Ü's forneci - '
mentos feitos pelo chefe do Pôsto Diauarum; os presen-
tes ocasionais dados por índios de outro grupo tribal e
m esmo de um J urúna para outro ; as trocas inter-tribais,
as com "civilizados" ou mesmo as internas e o furto
(que só foi observado nos níveis inter e extra-tribal) são
as formas existentes para que um indivíduo se torne pro-
prietário de um b e m cuja origem não é e ncontrada den-
tro da própria aldeia. Os fornecimentos realizados por
Cláudio Villas Boas, encarregado do Pôsto Diauarum,
suprem os J urúna de roupas, munição, sal, ferramentas
e outros produtos que passaram a fazer parte das suas
n ecessidades. 1 ?.sses fornecimento s são feitos anual ou
periodicamente, para cada família nuclear, o que con-
tribui para a proprie dade individual de um bem aliení-
gena. Como exemplo de presentes dados ocasionalmente
por índios de outro g rupo tribal há o caso de u' a mulher
J urúna, Tibi, que afirma haver ganhado uma panela dos
Waurá, sem que houvesse retribuído com nada. Um
presente apenas. Todavia, as explicações dadas pela in-
formante não satisfazem. É provável que Tibi haja rece-
bido a panela Waurá como presente por uma relação
extra-marital ou por causa do prestígio de seu ex-marido,
Daá, que era então o líder de uma aldeia, por um ser-
viço prestado ou por um motivo d esconhecido. Outros
g rupos ainda costumam presentear os J urúna para ga-
nhar prestígio junto a êles ou porque esperam retribui-
ção mais tarde. Karandini, por exemplo, quando se
encontrava no Pôsto Leonardo, foi presenteado pelos
Kamayurá con1 4 fl echas. Também de certa feita ga-
nhou uma sacola dos T xukahamãe. O inverso, por sua
vez, é verdadeiro. Tivemos ocasião de observar uma

176
doação de bananas e beijus feita pelos Jurúna a um
Kayabí e sua mulher ( Prepori e Carolina). Como exem-
plo, de presentes feitos por um J urúna a outro e que
são responsáveis também pela posse de bens alienígenas,
há o caso de Nãfiã que ganhou de seu cunhado e irmão
classificatório um boné de couro vermelho.
A êsse respeito, tem-se que levar em conta que a
aldeia Jurúna funciona na realidade como uma ampla
família extensa, o que faz com que as relaçôes d e con-
sangüinidade influam nas relações inter-pessoais. E é
comum, entre êles, darem-se presentes, o que g era uma
reciprocidade em tal modo de atuar. As trocas inter-
-tribais são informais e, pelo menos na atualidade, pa-
recem ser levadas a cabo em peque na escala. Entre os
J urúna não há nenhuma instituiç ão que regule essa moda-
lidade de troca, como acontece, por exemplo, entre os
xinguanos ( cf. Galvão, 1 9 5 3: 1 1 ; Dole in Carneiro &
Dole, 1956- 57: 193 ; Dole, 1956- 58: 129 e Barros Lima,
Ms. 1967: 20- 1 e 5 2- 4). As únicas informaç ões que
conseguimos obter acêrca dêsse escambo, realizado sem
a interferência d o Pôs to, foram as seguintes:
l .c:> ) - Tibi obteve um mosquiteiro e um vestido com
uma índia T xukahamãe que havia conseguido êsses pro-
dutos com os seringueiros. Em troca do mosquiteiro,
Tibi deu uma jarreteira de miçangas, e em troca do ves-
tido, deu um colar de uma volta só, também de miçan-
gas. Tibi, ainda , permutou uma panela zoomorfa por
um colar de miçang as de uma volta só, com uma mulher
Trumái.
2. c:> ) -
1
T eninin, um rapaz, possui um r e mo que trocou
com T xukahamãe por outro remo e um diadema de
$ penas peitorais vermelhas, de arara, também trocado com
T xukahamãe (elemento de troca desconhecido).

3. 9 ) - Suririn tem um diadema de penas peitorais ver-


melhas, de arara, trocado com um T xukahamãe ( elemen-
to de troca desconhecido) .

4. 9 ) - Bibina possui uma flecha Kamayurá obtida com


um índio dêsse grupo tribal em troca de uma flecha
J urúna e um quepe vermelho trocado com um índio
Txukahamãe (que o obtivera de um " civilizado ") por
um colar de contas.

5. 9 ) - Xõi possui um cêsto obtido com os Txukahamãe.


Não conseguimos descobrir o elemento de troca.

6. 9 ) - Karandini obteve suas flechas Txukahamãe tro-


cando-as por bananas e farinha. As flechas Kayabí fo-
ram trocadas por flechas Jurúna.
7.9 ) - Xõtã possui um cêsto Kayabí que foi trocado
por um banco jurúna e um colar Kalapálo, de miçangas
brancas, que foi permutado por uma canoa. Ambas as
permutas foram realizadas pelo marido da mesma. A

177
canoa fo i trocada com o Kalapálo n ão só pelo co lar mas
também por um g arrafão de "caraíba" que na época da
pesquisa já não mais existia.
8.9 - Nãfiã conseg uiu suas botinas em escambo com
um índi o l ºxukahamãe, havendo dado em tro ca um colar
de miçan g as.
9.9) - Kurun-mã possui um mosquiteiro que sua mãe
obteve de um T xuka h a mãe por 5 colares compridos, de
.
m1çangas pequenas.
Apesar da escassez dos exemplos obtidos sôbre as
trocas de b e ns entre os Jurúna e o utros g rupos tribais,
pudemos notar que as mesmas vêm-se dando n ão só com
índios que habitam a área do P ôsto Diauarum ( Kayabí,
Trumái (llo) e Txukahamãe), como também com alguns
que h abitam as cercanias do Pôs to Leonardo ( K a la pálo
e K amayurá). A s permutas d e bens, portanto, estão
sendo r ea lizadas apenas no âmbito do P.N.X. e su a efe-
tivação costuma ocorre r quando um g rupo pass a pela
aldeia do outro ou quando se encontram num o u noutro
Pôsto. E a relação, como já se disse, é informal.
Dos g rupos m e n cionados, os T xukahamãe parecem
ser aquêles com que m os Jurúna realiz~m trocas mais
freqüentes, apesar d e as relações entre os dois ain da na
atualidade serem t ensas. 1f.sse fa t o talvez seja explicado
pela localização d a a ldeia T xuka h a mãe que fica abaixo
da Jurú n a e que obriga os prime iros a passar e m pelos
segund os t ô da vez que se dirigem ao Pôsto. Co mo a
viagem é long a , a aldeia Jurúna, via de reg ra, ~ ponto
de p a r ada para os T xukahamãe, que a lg umas v êzes apro-
veitam essa ocorrê n cia para obte r farinha, bannna ou
outro alimento qua lque r de que n ecessitem, além de obje-
tos de uso pessoal. E os contactos no Pôsto Diauarum
também prop iciam os intercâmbios d e bens.
Os Suyá, por o utro lado, apesar de vez p o r o utra
se avis ta r em com os J urúna, não aparecem n os exem-
plos referidos. Todavia, é prová vel que e m bora rara-
mente, a lg umas trocas ocorram e ntre os dois g rupos,
uma vez que casamentos entre êles já se estão verificand o.
A s especificações de trocas r ealizadas em n ível in-
ter-triba l demonstra m também que:
a) - Os escambos têm-se d a do com pro du tos na -
tivos con tra produtos nativos, com produtos n a tivos con-
tra produtos indus tria lizados e com produtos industrial i ·
zados contra produtos industrializados. D essa forma, a
troca inte r -tribal favorece não só a difusão d e o bj et os
indígen as mas também de produtos nacionais o u estran-
g eiros. 1E::stes últimos vão, portanto, parar em mãos dos

( 60) Ao final da pesquisa, em 1967, os Trumái, após a morte


perpetrada contra dois de seus membros, estavam em
vias de n1udar-se para o Pôsto Leonardo ou para um
loca l próxin10 aos Suyá. P arece que prese ntemen~e há
indivíduos daquele grupo em a mbos os locais, além de
uma fan1ília nuclear que perma neceu no Diauarum.

!1 78
Jurúna não só pelo contacto com os "civilizados" , mas
também por troca intermediá ria com outros índios.
b) - As trocas podem ser efetuadas entre objetos
da mesma utilidade <61 > e entre objetos de usos dife-
rentes mas que tenham valor eqüivalente. Nessas condi-
ções, conforme pode ser visto em a lguns dos exemplos
dados, um bem poderá ser trocado por dois ou mais bens.
O importante é que ambas as partes fiquem satisfeitas
com a permuta.
e) - A expressão do valor parece ser dada pela
escassez, tempo de trabalho requerido para fabricar o
objeto, utilidade ou necessidad e do bem que se quer tro-
car e prestígio que êle dá . iÉ bastante provável que ocor-
ram flutuações de valor dos produtos face às condiç·Ões
de escassez e abundância.
d) - Os bens essenciais à sobrevivência do g rupo,
como ferramentas e armas de fog o, não parecem ser
trocados fora da aldeia.
e) - A miçanga parece ser o elemento de troca
mais utilizado pelos Jurúna, o que supõe um excesso dessa
propriedade por parte d e a lg uns, mormente daqueles que
têm tido um maior contac to com e lementos "civilizados".
f) - ·O proprietário atual de um bem nem sempre
é aquêle que realizou a troca. Veja-se, por exemplo, os
casos 7 .9 e 9. 9. No prime ir o , as permutas foram efetua-
das pelo marido da mulhe r em questão e, no segundo,
u' a mãe realizou o escambo para a filha.
g) - A troca é feita por homens e mulheres indi-
ferentemente.
As permutas com "civilizados", ou melhor, com
indivíduos integ rantes d a sociedade nacional , ou mesmo
provenientes de países estran geiros, têm-se dado esporà-
dicamente com pesquisadores, n-iédicos, aviadores, jorna-
listas, agentes do g ovêrno e outros visitantes ocasionais.
Êsses indivíduos estabelecem c om o índio duas es pécies
de troca: uma, realizada com o intuito de adquirir obje-
tos que lhes recordem a viagem , que sirvam de adornos
para suas casas ou que farão parte de coleções de mu-
seus, e a outra, num sentido d e troca de serviço. Incluem-
se neste caso as m ercadorias que são distribuídas ao
índio pela hospitalidade dada, por haver-se submetido
a exames médicos, por haver acompanhado um visitante
e por outras modalidade d e a ção que, do ponto de vista
indígena , são sempre serviç os que ê.le está prestando ao
"caraíba" e que exigem uma recompensa. :tsse tipo de
contacto com o "civilizado" leva ao índio uma série de

(61) Os Jurúna costumam trocar, por exen1plo, um r emo de


sua fabricação por outr o de fabricação Kayabí, pelo pres-
tígio que o objeto importado confer e, pela sua qualidade
em técnica ou estética considerada superior, pela sim ples
oportunidade de trocar e estabelecer r elações.

179
objetos de origem não J urúna: pilhas, mun1çao, espe-
lhos, sabão, roupas, caramelos, sal, iinhas, agulhas, gile-
tes, facas, etc., que atualmente fazem parte da proprie-
dade particular de cada um. .
Um equipamento tecnológico limitado e as condi-
ções informais e esporádicas em que se realizam os es-
cambos entre os Jurúna e outras populações ("civiliza-
das" ou indígenas) são fatores que parecem desrnotivar
uma produção excedente de bens que servissem para a
troca. Via de regra, permutam-se os bens de uso. Há
ocasiões, porém, em que o objeto é manufaturado com
o objetivo específico de servir para troca. São produtos
previamente encomendados.
As trocas efetuadas podem deixar o índio J urúna
com falta do objeto em questão, o que não lhe causará
dificuldades, uma vez que êle poderá utilizar o de outros
indivíduos até que novamente produza o que permutou.
Há ainda uma outra categoria de troca que algumas
vêzes também poderá ser responsável pela posse indivi-
dual de um bem proveniente de outro ·grupo tribal ou
da sociedade nacional, segundo os informantes, mas que
não chegou a ser verificado por nós . Trata-se das per-
mutas internas. Essas trocas, entre os Jurúna, parecem,
na realidade, anular-se pelo empréstimo, pelo uso muitas,. .
vêzes quase que indiscriminado de um objeto conside-
rado propriedade particular. É provável que êsse Jso
coletivo de uma posse dita particular obedeça a determi-
nadas regras que, entretanto, não chegaram a ser capta-
das por nós.
O furto, que segundo os dados disponíveis ocorre
somente em nível inter e extra-tribal, não é olhado com
bons olhos pela sociedade J urúna. Todavia, aquêle que
furtou não é censurado pelos demais. S·e gundo um in-
formante, "Jurúna não briga com outro Jurúna". Durante
a estada na aldeia só tomamos conhecimento de dois
furtos: o primeiro realizado por um Jurúna contra um
Kamayurá e o segundo de um Jurúna contra um "caraí-
ba", do qual subtraiu munição. A situação entre os
Kuikúro é um pouco diferente, uma vez que Dole obser-
vou que êles "están siempre dispuestos a robar de los
extranjeros, . .. " (Carneiro & Dole, 1956-5 7: 194).

C) - Apesar do número relativamente elevado de


produtos alienígenas, a propriedade individual Jurúna
ainda se constitui, em parte, de produtos nativos.
D) - itsses produtos nativos, de acôrdo com o
que pode ser confrontado no item sôbre divisão do tra-
balho e excluindo-se a troca e o presenteamento, nem
sempre são propriedades daqueles que os fabricam. Por
exemplo, o tipiti, as peneiras, os cestos, os fusos, o pilão
e os pentes, são confeccionados pelo homem, enquanto
que a posse dos mesmos é dada às mulheres.
E) - Os bens possuídos individualmente são em
número relativamente reduzido, o que facilita, numa po-

180
pulação pequena como a Jurúna, a identificação dos ob-
1etos pertinentes a cada componente do grupo.
F) - Os casais estão providos, em geral, de rou-
pas e de um instrumental próprio para o trabalho da
roça, para cozinhar, pescar e caçar, para coser e fabricar
artefatos de penas, madeira e tecelagem.
G) Não só os objetos materiais mas também
os de outra natureza tais como os conhecimentos de pa-
jelança, podem ser considerados propriedades indivi-
duais.
Ainda entre os bens individuais e não constantes
das listas, os cães e os porcos existentes na aldeia foram
dados como pertencentes aos homens, enquanto que as
galinhas eram relatadas como propriedade das mulheres.
Já a criação de pássaros, macacos e capivaras eram pos-
ses imputadas tanto a um sexo quanto ao outro.
A produção de bens individuais que, como já dis-
semos, parece não possuir excedentes é, entretanto, não
apenas suficiente para manter os que são ativos na pro-
dução mas também para sustentar as crianças, os doentes
e os velhos que não mais têm condições de trabalhar.

2.9) Propriedade do casal


A roça foi indicada pelos informantes como sendo
o único bem que pertencia ao casal.
A aplicação de trabalho no trecho da m a ta que
será usado para o cultivo é a forma, conforme já expla-
namos anteriormente, pela qual a roça se torna uma pro-
priedade particular.
1
·O tamanho poderá variar em função do número
"' de pessoas que a usufruirão e , se o chefe da família
nuclear for também o chefe de uma família extensa, êle
receberá a cooperação dos membros de seu grupo · no
preparo da mesma (ez) , embora a roça seja considerada
propriedade apenas do casal.

3. 9) Propriedade de um grupo familiar


A informação dada por Bibina de que a casa onde
residia com Xubahú, Dudiga e suas famílias, era um de
seus bens individuais não se ajusta à que ouvimos dêsses
dois indivíduos. Segundo êles, a moradia é propriedade
dos que nela empregaram trabalho, dos que nela residem.
Propriedade, enfim, de um grupo familiar.
A casa, entretanto, foi construída sob a liderança
de Bibina. D 'a í talvez, a informação que forneceu.

4. 9) Propriedad·e do grupo J.u nína (aldeia Bibina)


Nesta categoria se inclui apenas um bem, fornecido
por Cláudio Villas Boas. Trata-se de uma chapa de

(62) Sôbre o preparo e área da roça veja-se o item sôbre


horticultura (e).

181
.
ferro quad rangular, utilizada para a torração de farinha
e mesmo para fazer b e iju. Seu uso é regulado pelas ne-
cessidades de cada um.

O conjunto d essas 4 categorias de b ens indica que


os Jurúna consideram suas proprie d a des como essencial -
mente particulares. Mas, apesar d e um objeto ser consi-
derado pertencente a um determina do indivíduo, êle é,
muitas vêzes, usado coletivamente , o que se d á mais fre-
qüente m e nte com o instrumental ligado à produção.
S ôbr e a herança dos bens nada pudemos observar,
uma vez que não ocorreram mortes. Os dados obtidos
nesse sentido são precários, exce to pelo que afirn1aram
os informantes, d e que tanto n o passado como agora,
quando uma pessoa m o rre a sua casa é derruba d a e seus
pertences costumam ser enterrados juntos com o morto.
Desta forma a transmissão da propriedade é e ntão rea-
lizada sómente através da troca e dos presentes.
Situação semelhante foi observad a por Quain entre
os Trumá i, em 1938 (Murphy & Quain, 195 5: 4 2 ). Já
entre os Kuikúro, Dole, pôde notar que a herança, com
algumas exceções,

... " passa generalmente al hijo mayor dei


mismo sexo que el proprietario. Si no hay hijo
v arón sobrevivie nte la hija puede hereda r la pro-
prie d a d que ordinariamente corresponde a un hom-
bre" (Carneiro & Dole, 1956-5 7: 191 ).

g - PARENTESCO, CASAMENTO E FAMILIA <s3 >

O estudo do parentesco entre os Jurúna fo i extre-


mamente dificultado por êle existir em um g rau consan-
g uíneo tão elevado, (<H ) que a impressão primeira foi a
de que a aldeia fun cionava como uma única e ampla
família extensa, onde tôdas as relações inter-p essoais se-
riam d a o rdem d e pais/ filhos ; irmãos / irmãs; irmãos/
irmãos ; irmãs/ irmãs; marido/mulher; genro / sogro(a);
nora:/ sog r o (a); avô( ó ) / neto(a) e cunhado(a) /cunha-
do(a). ·O utras, como por exemplo tio(a) / sobrinho(a),
pareciam inexistentes, uma vez que a criança, aparente-
mente, tra tava todos os adultos d e uma só forma. E.ra
como se, para elas, só houvesse pais e avós.

(63) Ê sse item, com lige iras alterações, foi publicado nos Bo-
letins do Museu Goeldi (Oliveira, 1970).
(64) O coeficiente de endocruzamento ou o «inbreeding coef-
ficie nt» encontrado entre os J urúna endógamos é dos
mais eleva dos : 0,022, devido à alta percentagem de con-
sangüinidade obser vada nos casamentos. (Oliveira .& Sal-
zano, 1969: 211).

182
Um convívio mais íntimo com êsses índios e o
levantamento d e genealogias e da terminologia de paren-
tesco mostrara m, entre tanto, que embora por vêzes o
sistema não seja operante, ê le ainda exis te na tra dição
grupal. Dizem os informa ntes que os designativos de
parentesco sempre foram os que ê les conhecem e usam
n a atualidade .
Para v e rificarmos êsse fato e a fim de facilitar a
compreensão do sistema, elaboramos duas tabelas ( ns.
12 e 13) . A primeira, que é forma da pela lista dos
têrmos de parentesco, r e fer e-se à nome nclatura obtida
e m 196 7, h avendo-se colocado os d esig nativos Jurúna
seguidos pela esp ecificação dos casos em que ocorre m.
A segunda foi fe ita com base nos dados da anterior, de
notas de campo cedidas por Galvão e do material co-
lhido na bibliog rafia compulsada. Para que a compa-
ração pudesse fornecer e le m e ntos que servissem para
uma a ná lise d essa n ome n clatura num passado embora
recente, tivemos que orde n a r o materia l por categorias
d e paren tesco, isto é , a g rupando-se aquêles que signifi#
cavam avô (pa i do pai, pai da mãe), a vó (mãe do pai
e mãe da mãe ) , pai, mãe, tio (irmão do pai, irmão da
mãe ) etc., uma vez que a documentação obtida é fra g-
mentária e com exceção da fornecida por Galvão, utiliza
a nomenclatura ocidental. O critério para a e laboração
dessa 2. r:i tabe la d ifere, poi;.tanto, da primeira.

TABELA 12 - T ê rmos de Pa.r e ntesco ('6.5)

1. aamã

I - pai do pai (h.f. m . f.)


- pai da mãe (h. f. m.f.)
- irmão do pai do pai (h . f . m .f. )
- irmão da m ãe do pai (h . f . m .f . )
- irmão d o pai da mãe (h . f . m .f . )
- irmão da mãe da mãe (h . f. m.f.)

~ .

2. a-a1

- m ãe do pai (h . f . m .f .)
- m ãe da mãe (h. f . m. f .)
- irmã do pai do p ai (h. f . m . f.)
- irmã da mae do pai
~

(h. f . . m.f.)
'
- irmã do pai d a mãe (h.f. . m .f .)
'
- irmã da m ãe da mãe (h . f . . m . f.)
'

(65) E sta lista foi g rafada de acôrdo com a pronúncia por-


tuguêsa utilizando-se símbolos fonéticos especiais apenas
para os seguintes casos:
1) vogal média, fechada, a nterior, arredondada: o (som
aproximado).
2) oclusiva médio-vel ar surda: k.
3) fricativa gl ot a l surda: h .

183
3. pãa (GG)

- pa i (h . f . ; m . f.)
- irmão do pai (h . f . ; m . f.)
- padrasto (h . f. ; m . f . )
- mar ido da irmã da mãe (h . f . ; m . f .)

4. incliã

- m ãe (h . f . ; m . f . )
- irmã d a mãe (hf. ; m . f. )
- m adrasta (h . f. ; m . f . )
- espôsa do irmão do pa i ( h . f. m .f . )

5. aapá

- irmã o da m ã e (h . f .)

6. cliá

- irmão da m ãe (m . f . )

7. uaidá (cn)

- ir mã do pa i (h.f . )

8. u aci

- irmã d o pai (m . f .)

9. uurahá

- irmão mais velho (h. f. )


- filho (mais velho do que Ego) do irmão do pa i (h. f.)
- filho (mais velho do que Ego) d a irmã d a m ã e (h. f . )
- irmã mais velha (m.f.)
- filha (mais velha do que Ego) do irm ão do pai (m . f . )
- filha (mais velha do que E go) da irmã da mãe (m . f .)

10 . u idzá
- irmão m a is n ovo (h. f.)
- fi lho (m ais n ovo do que Ego) do irmão do pai (h . f .)
- filho (mais n ovo do que E go) da irmã da m ãe (h . f .)
- irmã mais nova (m. f . )
- filha (ma is nova do que Ego) do irmão do p ai (m . f .)
- filh a (mais n ova d o que Ego) da irmã da m ã.e (m . f.)

(66) Há quem chame o pai biológico de baaba, t êrrno voca-


tivo.
(67) Segundo os Jurúna, o prefixo u é um morfema que
indica posse para a p rimeira pessoa, o que foi corrobo-
rado por informação pessoal d e Galvão. Também Nimu-
endaju (1923-4: 840), em análise sôbre os Xipâ;ya, língua
tida como sem elhan te à dos Jurúna (cf. n ota 28 do Cap.
1) , indica o u como possessivo. Já a s informações de
Coudreau (1897 : 181) a respeito dos Jurúna diferem das
expostas e par ecem um tanto precárias.

184
10 . uidzá

- irmão (m . f .)
- filho do irmão d o pai (m . f . )
- filho da irmã da m ãe (m . f . )

12 . uaimbi (6 )

- irmã (h.f.)
- filha do irmão d o p ai (h . f . )
- filha da irmã da mãe (h . f . )

12. uaibi (•68)

- filho da irmã d o p a i (h. f.)


- filho do irmão d a m ãe (h . f . )
- filho do irmão da esp ôsa (h . f. )

14. udzalá

- filha da irmã do pai (h .f . )


- filha do irmão da m ãe (h. f .)
- filha do ir m ã o da espôsa (h . f .)
- fi lho da irmã do p a i (m . f.)
- filho do irmão d a m ãe (m . f . )

15. ociuá

- filha da ir m ã d o pai (m . f . )
- filha do irmão da m ãe (m . f.)

16 . ulapuká

I - filho (h.f.)
- filho do irmão (h . f. )
- filho do filho do irmão do p ai (h . f .)
- filho do f ilho da irmã do p a i (h. f . )
- filho da filha da irmã do p ai (h. f .)
- filho do filho d a irmã da mãe (h . f .)
- filho do filho do irmão da mãe (h .f . )
- filh o da filha do irmã o da m ãe <h . f . )
- filho da irmã da espôsa ( h . f. )

17. umãbiá (69 )

- filho (m . f .)
- fi lho da irmã (m . f.)
- filho da filh a d o irmão do pai (m . f .)
- filho da filha d a irmã do p ai (m . f.)
- filho do filho da irmã d o pai (m . f . )
- filho da filha da irmã da mãe (m . f . )
- filho do filho do irmão da m ãe (m . f.)
- filho da f ilha do irmão da mãe (m.f . )

(68) Há o emprêgo d e iurahá para mais velha e idzá p ara


mais nova, o que é relativo.
(69) Em geral a filha é cham ada por ídia <= mulher) e o
f ilho pelo n ome própr io.

185
- filh o do irmão do marido (m . f . )
- filh a (m .f . )
- filh a da irmã (m . f . )
- filha da filha do irmão do pai (m . f . )
- filh a da filha da irmã do pai (m . f . )
- filha do filho da irmã do pai (m . f . )
- filha da filha da irmã da mãe ( m . f . )
- filh a do filho do irmão da mãe (m. f . )
- filh a da filha do irmão da m ãe (m. f.)
- filha do ir.mão do p a i m , f.) .

18 . uaiá
·~

- filha (h .f . )
- filha do irmão (h . f . )
- filha do filho do irmão do pai (h . f.)
- filha da filha da irmã do pai (h . f.)
- filha do filho da irmã do pai (h . f . )
- filh a do filho da irmã da mãe ( h . f . )
- filh a do filho do irmão da mãe (h. f . )
- filha da filha do irmão da mãe (h . f.)
- filha d a irmã da espôsa ( h . f . )

19 . uahá (7 0 )

- filho da irmã (h . f . ) I
- filho da filha do irmão do pai (h . f.)
- filho da filha d a irmã da mãe (h . f . )
- inarido da irmã do pai (h . f . )
- marido da irmã (h . f .)
- marido da filha da irmã do pai (h . f.)
- marido da filha do irmão do pai (h. f . )
- marido da filha do irmão da mãe (h. f . )
- marido da filha da irmã da m ãe (h . f . )
- marido da irmã da espôsa (h . f . )
- irmão da espôsa (h . f.)
- marido da filha da irmã (h. f.)
- marido da filha do irmão ( h . f. )
- m arido da filha (h. f . )
- m arido da filha da irmã da espôsa ( h. f . )
- marido da filha do irmão da esp ôsa ( h . f . )
- espôsa do irmão da mãe (m . f.)
- irmã do marido (m . f . )
espôsa do irmão do marido (m. f.)
- espôsa do filho da irmã do pai (m . f . )
- espôsa do filho do irmão da mãe (m. f .)
- espôsa do filho do irmão do pai (m. f . )
- espôsa do filho da irmã da mãe (m. f.)
- espôsa do irmão Cm . f. )
- espôsa do filho (m.f . )
espôsa do filho da irmã (m. f.)

(70) Houve um informante (Bisaká), descendente de Trumái,


que empregou o têrmo ümã como sinónimo de uahá. J!:le
usava os dois concomitantemente, com exceção do filho da
irmã, que chamava de uahá.

186
- espôsa do fil ho do irm ã o (m . f. )
- espôsa do filh o do irm ão d o m a rido (m . f .)
- espôsa do fil ho da irm ã do m a r ido ( m . f . )

20 . onumá

- fil ho do irmão (m . f . )
- f ilh o do filho do irmã o d o pa i (m . f . )
- filho do filh o d a irmã da mãe ( m . f . )
- filh o da ir m ã do m a rido (m . f . )

21 . uia.to

- filha da ir m ã (h . f. )
- filha da filh a d o ir m ão do p a i (h . f . )
- filha da filh a da irm ã d a m ãe ( h. f . )

22 . umãbiatO

- filha do ir m ã o (m . f . )
- filh a do fi lho do irm ão d o p a i (m . f . )
- filha do filho da ir m ã d a mãe ( m . f. )
- filha da irmã do m arido ( m . f . )

23 . umitama

filh os(as) dos fil hos(as ) e t odos os indivíduos de a m bos


os sex os p erten centes à segu n da g er ação descendente
(h . f .)

24 . umiki

- filhos ( as) dos filhos(as) e t od os os indivíduos de ambos


I
os sexos 'pertencentes à segunda geração des<'endente
(m . f . )

25. uãniã

- espôsa

26. umená

- marido

27 . uãuiá

- espôsa do irmão ( h . f.)


- irmã da espôsa (h . f . )
- espôsa do irmão da esp ôsa (h . f . )
- espôsa do irmão d a m ãe (h . f .)
- espôsa do filho d o ir m ão do pai (h . f . )
- espôsa do filho da irmã d a m ãe (h . f . )
- espôsa do filho d a irmã (h . f. )
- espôsa do filho d o irmão da espôsa (h . f.)
- espôsa d o filho da ir m ã do p a i (h . f. )
- espôsa do filho do irmão da m ãe ( h . f.)
- marido da irmã (m . f . )
- irmão do m arido (m . f . )

187
- marido da irmã do marido (m . f. )
- marido da irmã do pai (rri.f . )
- marido da filha do irmão (m.f .)
- marido da filha da irmã do marido (m . f . )
- marido da filha da irmã do pai (m . f . )
- -
marido da filha do irmão da mae (m.f.)
- m arido da fi lha do irmão do pai (m . f . )
- marido da filha da irmã da mãe (m.f.)

23. uanie ntupá (71)

- pai da espôsa

29. ume n entupá

- pai do marido

30. uaniendjá

- mãe da espôsa

31 . um e n endjá (71)

- m ãe do marido

32 . ulapukaniã

- espôsa d o filho (h . f . )
- espôsa do filho do irmão (h. f .)
- espôsa do filho da irmã da espôsa ( h . f .)

33 . umãbiamená

- marido da fil ha (m . f .)
- marido da filha da irmã ( m . f . )
- marido d a filha do irmão d o m arido (m . ·f .)

34 . uaiá apeaká (11)

- marido d a filha (h . f.)


- marido da f ilha do irmão (h . f . )
- marido da filha da irmã da espôsa (h . f . )

35 . umãbiáuai (71)

- espôsa do filho (m . f. )
- espôsa do filho da irmã (m . f .)
'
- espôsa d o filho do irmão do m arido (m . f . )

O exame tanto da tabela 12 quanto das fig uras 31 ,


32 , 33 e 34, indica que:

(71) l!:sses têrmos também costumavam ser substituídos pelos


informantes, por uahá.

188
a) - a nomenclatura de pare ntesco Jurúna atribui
designativos eqüivalentes aos parentes tanto do lado ma-
terno quanto paterno, o que é indicativo de bi-laterali-
dade do sistema.
b) - os designativos em questão classificam to d os
os parentes em cinco geraç ões, abrang endo desde os pais
dos pais até os filhos d os filhos ( i z)
e) - na segunda g e ração ascendente é utilizado o
critério de sexo para o indivíduo designado m a s não
para a pessoa que fala; h á uma fusão de terminologia,
uma vez que o pai do pai e a m ãe do pai r ecebem os
mesmos d esignativos que o pai da mãe ( aamã) e a mãe
da mãe (a-ái) além d e h aver a extensão do têrmo aamã
para o irmão do pai do pai, irmão d a mãe do pai, irmão
do pai da m ãe e irmão d a mãe da mãe e do tê r n10 a-ái
para a irmã do pai do pai, irmã da m ãe do p a i, irmã
do pai d a mãe e irmã d a mãe da mãe. Dessa forma,
portan to, os têrmos aamã e a-ái são ap licados tanto a
parentes r eais como classificatórios.
d) - a primeira g eração asce ndente é d o tipo
fusão bifurcada ( i 3 ) . Sendo assim, o irmão do pai é
classificado como pai (pãa) e a irmã d a mãe con10 m ãe
(indiã), enquanto que o irmão da mãe e a irmã d o pai
são desig n ados por tê rm os distintos de pãa e in.d iã. O
designativo pãa é ainda este ndido p ara padrasto e mari-
do da irmã da mãe, enquanto que o têrmo indiã é exte n-
sivo à madrasta e espôsa do irmão do pai. Nessa gera -
ção, como na anterior, o c ritério de sexo é utilizado
para o indivíduo designad o, mas não para a pessoa que
• fala, apenas n o caso dos têr1nos .p ãa e indiã, o mesmo não
ocorrendo para os vocábulos que d esig n a m o ir1não da
mãe e a irmã do pai. Nestes dois casos, o ho me m e a
mulher, qua ndo falam, e mpregam uma terminol ogia que
varia de acôrdo com o sexo do indivíduo que fala. H á
um têrmo vocativo: baaba, e mpregado a penas para cha-
mar o pai bio lóg ico. Enquanto que os designativos p.ã a
e indiã são aplicados classificatoriamente, os têrmos aapá,
diá, uaidá e uaci são d en otativos.
e) - n a g eração d e Ego a termino logia empregada
é do tipo lroquês (Murdock, 1960: 223). Os primos
paralelos são e quiparados aos siblings, o mesmo não ocor-
rendo aos primos cruzados, que recebem d esigna tivos
diferentes d a quê les d os irmãos.
Nessa geração , os indivíduos que se tratam com o
irmãos e irmãs (reais e c lassificatórios), disting u em, de
acôrdo com o sexo, os m a is velhos (ou mais velhas) dos

(72) Os três indivíduos mais velhos do gr upo r econheceram essas


cinco gerações de pare ntes embor a não nominassem a
todos, o que parece ser ex plicado pelo fato de não pr o-
nunciarem o nome de uma pessoa m or ta.
(73) Êsse tipo se enquadra no esquema (D) de Kirchoff e
L awie (cf. L owie, 1950: 63).

189
(EGO MASCULINO)

15
l
14 14 15 15
l
14 15 14 14
-b 15 15
l 14

8 6 7 9
6 7

4 5 1 3 1 EGO 3 1 4 5
2 2 2

10 11 10 11 10 11 12 13 10 11 10 11 12 13 10 11 12 13 10 11 10 .11

- - 16 - -..

1- uurohá 5-udzoló 9 - oopó 13 -uiotõ


2- uidzó 6- pÕo 10- ulopukÓ 14- oomõ
3- UOÍbi 7- ÍdiÕ 11 - uoió 15-o -ói
4 · umã 8- uoido 12- uohá 16- umitomo

F ig. 31 - ParenteScQ
mais novos (ou mais novas). Sendo assim, se E go for
con sa11güb1-eo (Ego
homem, haverá distinção e ntre o irmão mais velho ( uura- m asculino) .
há) e o mais novo ( uidzá), enquanto que as irmãs serão
desig nadas por um único têrmo ( uaimbi). Se Ego for
mulher, ocorrerá o co ntrário; eqüivalentemente: uurahá
será usado para a irmã m a is velha, uidzá para a irmã
mais môça enquanto que para irmão h averá um só t êrmo,
uadidj.a, o qua l d ifere de ·u aimbi. D e acôrdo com os info r -
mantes, quando E g o é homem , poder á h aver o emprêgo
do têrmo iurahá para designar a irmã mais velha ( uaimbi
iurahá) qu e Ego e idzá para a m ais môça ( uaimbi idzá )
do que Ego. Não con seguimos obter uma informação
semelhante para o caso de uadidja mas é provável que
ocorra.
O vocábulo udzalá, dependend o do sexo d e quem
fala, poderá ser empreg ado para desig nar o primo cru-
zad o (Ego feminino) o u a prima cru zad a (Ego mascu-
lino). O mesmo n ão ocorre com os têrmos ociuá, que
desig na somente a prima cruzada quando o E g o é femi-
nino e umã, que é o têrmo de r eferência para primo cru-
zado quando E go é masculino. f.sse ú ltimo vocábulo é

190
(EGO FEMININO)

14
1
'13 13 14 14
1 13 14 13 13 14 14
1
13

6 7 9
8
6 7

EGO 3 3 4 5
5 1 L 1
2 2 2

10 10 10 10 11 10 10 11 12 10 10 10 10 11 12 10 10 10 10 10 10.-

+--- 15 - -

1 - uodidjo 6- pÕo 11 - onumá


2- uidzÓ 7- Íd1Õ 12- umÕbioto
3 - uurohó 8-uoc1 13- oomõ
4 - udzoló 9-diÓ 14 0 - 01
..
5 - ociuÓ 10 · umõbió 15 · um1Kt
I

.Fig. 32 - Pare ntesco estendido também para o filho d o irmão da e spôsa, en-
c onsa.ngüíneo (Ego
f e minino ).
quanto que a palavra udzalá é extensiva à filh a d o irmão
d a espôsa.
Tôda a terminolog ia empregad a n essa geraçao pro-, -
pria é aplicada classificatóriamente.
f) - n a primeira geração descendente é usad o o
critério d e sexo p a ra a p essoa que fala e, quando Ego
é mascu lino, para a pessoa designada. O m esmo não
ocorre com a mulher que utiliza apenas um têrmo ( umã-
biá) para r e fe rir-se tanto ao filho quanto à filha. É pre-
cis o notar, porém, que em geral e la ch a ma a filha d e
ídia, que significa mulh er, enquanto que o filh o é cha-
mado pelo n o me próprio.
A terminologia e mpregada é do tipo fusão bifur-
cada: os filh os dos siblings de Ego e primos cruzados do
mesmo sexo são referidos pelos m esmos têrmos com que
Ego designa seus próprios filhos, o que não ocorre co m
os filhos d os irmãos e primos do sexo oposto, ex cep tuan-
do-se o s filh os da prima cr uzada ( udzalá) quando Ego
é homem ou os filhos d o primo cruzad o ( udzalá) quan -
do Ego é mulher. Em ambos os casos, ê les também são

19 1
-'°
N

( EGO MASCULINO)

=O~=O
3 2
~=O ~=ó
8 9
6 =0 6 =Ó
8 9 f"
~.-= o 6 = ó
10 9 9 11
l=o
12 3
!'i=
2 13
(2) (2) (2) (2) (3)

1-uõniã 6 - pão 10· ulopukó


~~
....

- · l1Q

..-.. tQ
t!j (.Q
2 ·uahó 7- l diã 11 - uaió

3· uÕuió 8 · ulapukanlo 12 - Gmã


~,
4·uaniétupó 9·uaiá opeakó 13-udzalá
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( EGO FEMININO )
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3

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e 3 2 9 10 12 1t 10 12 11 12 11 3 2
(3) (3)
( 3)

1-umeno
• -
5 -umenedJo
. 9-umãbloto
-
2-uoulo
,
6-Ídiã 10-umãbló

- 3 -uohá 7-pãa 11- umãbiomená


\.N J 4 -umenêtupó 8-onumó 12-umÕbióuoi
designados pelos mesmos tê.rmos com que E go chama
os seus filhos. Tal fat o parece ocorrer porque o casa-
m e nto com udzalá vem a ser o ideal, o preferido, para
cad a indivíduo. P'otencialmente, pois, os filhos d e um (a)
udzalá ta mbém são filhos de que m fala . Ocorre, ainda,
a extensão das palavras uaiá e ulapuká para a filha e o
filho , respectivame nte, da irmã da espôsa (idealmente
ela deverá també m ser udzalá d e Ego) e do vocábulo
umãbiá para os filhos d o irmão do marido (idealmente,
como n o caso anterior, êste também é udzalá de E go).
O s tê rmos umãbiá e umãbiato, referidos pela mu-
lher e eqüivalente mente a filho (a) e sobrinha, parecem
tra tar-se de uma composição d a palavra umã, que é um
têrmo e mpregado pelo homem quando nomeia o primo
cruzado. Todavia, por dificuldades de comunicação com
os informantes, não conseguimos obter detalhes lin g uís-
ticos que e lucidassem o fa to.
O filho da irmã recebe por parte de Ego masculino
um desig n a tivo de parent e afim : 1u ahá, o que parece ser
explicado pelo fato d o indivíduo ser inc luído no g rupo
tribal d o pai.
O s designativos onurn1á e umãbiato são estendidos,
respectivamente, ao filho e à filha da irmã do m arido.
, g) - n a segunda geração descende nte é aplicado
o -critério de sexo para a pessoa que fa la mas não p a ra
o indivíduo d esig nado. Há uma fusão de terminologia,
uma vez que os filhos e as filhas dos filhos recebem os
mesmos designativos que os filhos e as filhas d as filhas.
Tais têrmos, umitama (Ego masculino) e umiki (Ego
fe minino) , são extensivos a t o d os o s indivíduos perten-
centes a essa geração.
h) - além das r e ferências já feitas ao p a rentesco
afim, ocorre ainda o seg uinte: dois tê rmos elementares,
uahá e uãuia, são usados inversamente pelo homem e
p e la mulher. T a nto um quanto outro parecem possuir
um significado de parente afim, em gera l, com exceção
d os casos em que há a extensão de t êrmos de pare ntesco
consan gü íneo p a ra o afim, tais como : indiã, pãa, ulapuká,
uaiá, umãbiá, umã, udzalá, onumá e umãbiato, j .á m en-
ciona dos anteriormente. O vocábulo uahá é usado p elo
homem para d esig nar o afim masculino, enquanto que
a palavra uãiuiá designa o afim f eminino. Reciprocame n -
te a mulher utiliza o têrmo uãuiá para re ferir-se aos afins
m asculinos e o d esignativo uahá para m e ncionar os afins
femininos. O marido ( omená) e a espôsa (1uãniã), t o-
d avia, n ão recebem o d esig nativo uãuiá mas sim têrmos
específicos.
H á, ainda, na primeira geração tanto ascende nte
qua nto d escendente, graus de parentesco que podem ser
d esig nad os por um têrmo descritivo além do ele mentar
já citado, a mbos de referência. Quando E go é mascu-
lino, êle vai desig nar o pai da espôsa por uanientupá ( têr-
mo descritivo = pai d a espôsa) podendo també m refe-
rir-se a ê le como uahá ( t êrmo elementar). Quanto à

194
mãe da espôsa , porém, os informantes referiram-se ape-
nas por um têrmo d escritivo: uaniendjá ( = mãe da espô-
sa ) . També m o marido da filha poderá ser re ferido
tanto p o r uaiá apeaká ( têrmo descritivo = marido da
• filha) quanto por uahá ( têrmo e lementa r). Já a espôsa
do filho será chamada apenas por ulapukaniã ( têrmo
descritivo = espôsa do filho) . É provável que Ego mas-
culino não c hame sua sogra n em sua n ora pelo v ocábulo
e lementar: uãuiá, como nos demais casos de afins femi-
ninos, uma vez que o homem pode ter relações extra-
-maritais com a uãuiá, não participando a mãe da espôsa
e nem a mulher d o filho, embora sejam afins, d essa regra .
A união tanto com uma qua nto com a o utra é conside-
rada incestuosa. Uma situação semelhante ocorre com
o E go feminino, exceptuando-se apenas o fa to de que
e nquanto o homem trata os filhos d o irmão d a espôsa
como primos cruzados e afins simul tâneamente, a mulher
designa os filhos d a irmã do marido como sobrinho s
(filhos d o irmão), não aparecendo a simultaneida de de
um t êrmo a fim, o que parece indicativo de uma proibi-
ção entre uniões com sobrinhos.

i) - d o is tê rmos de parentesco: 'U mã e udzalá


desig nam parentes e m gerações dife re ntes, sendo essa
variação indicativa de consanguinidade ou afin idade.
Excluimos os têrmos uahá e uãuiá que aparecem em três
gerações (Ego - primeira ascen d ente e prime ira des-
ce ndente) porque, como já dissemos, ê les parecem indi-
car a relação de afinida de.
Para a e laboração da tabela 13, que inclui informa -
ções sôbre a termin olog ia d e parentesco dos J urúna e
dos Xipáya (74 ) , utilizamos, no primeiro caso, as nossas
n otas d e campo e as de Galvão e os dados publicados
de Nimuendaju (1932: 583 -4) , Coudreau (1897: 168)
e Steinen ( 1886: 362) . Com re lação aos Xipáya a
única fonte compulsada, conhecida e disponível fo i Ni -
muendaju ( 19 29 :t 840 - 1 ) .
Coletamos n osso materia l em 1966 com a colabo-
ração de 14 informantes, 1O h o mens e 4 mulheres. Gal-
vão obteve seus d ados em 1965 com o a uxílio d e 5 in-
formantes e Nimuendaju, com re lação aos Jurúna, cole-
tou seu vocabulário e m 191 6 com o g rupo dêsses índios
que vivia em Altamira e em 19 1 7 com um índio Arara
que morava e m Santa Júlia, n o lriri e que, crescendo
e ntre os Jurúna, falava a líng ua dos m esmos. As infor-
maç.ões por ê le fo rnecidas estão com um asterisco ( Ni-
muendaju, 19 32: 58 1) . Coudreau obteve sua nomen-
clatura n a viagem realizada em 1896 e, conforme pode
ser visto no caso d e ou ( = u) , acomodou a ortografia
à pronúncia franc esa. Já Steinen, que coletou seu ma-
t erial em 1884, forn ece tão pequen o núme ro d e desig na-

(74) A inclusão dos Xipáyá nessa tabela comparativa deve-se


ao fato de, como já dissemos mais de uma vez nesse tra-
balho, serem as duas línguas semelhantes (cf. nota 28 do
Cap. 1) .

195
tivos d e p a rentesco que s uas info rmações são pràtica-
m e nte d esprovidas de importância para o tipo d e estudo
em questão.
Com r elação a o s Xipáya, não há datas n o trabalho
d e onde foram compila d os os d a dos, m a s sim r e ferência
.a u m o utro, a cêr ca da língua X ipáya o n de Nimuenda ju
{ 192 3 -2 4 : 836) indica os anos de 19 16- 19 19 como as
·d a tas em que co letou o materia l sôbre essa líng ua.
As fontes bib liog r á fica s apresenta m sérias la cunas
d e vidas à frag m e n tação d as informações, o qu e gera limi-
tações qua nto à e xa tidão dos d a d os. D e qualque r forma,
p o ré m , er a êsse o únic o r ecurso de que podíamos disp o r
p a ra uma te ntativ a de conhecime nto d a te rmin o logia d e
par e n tesco num p er íodo d e pouco m a is de m e io sé cul o
a nterior ao aborda do n este traba lho.
Uma v ez que Nimue ndaju , C oudreau e S te inen, ao
especif icare m ca tegorias de p arentesco c omo a vô (ó) ,
p a i, mãe, irmão ( ã ) , sobrinho ( a ) , filho ( a ), etc., levara m
e m c on ta, quand o obtiver a m seus dad os, o c rité rio de
geração e o de sex o d a pessoa d esig nada, m as com
r a ríssimas exceções n ão indica r a m o sexo da p essoa que
fa la (75 ) e nem sempre descre v e ram o tipo d e r e lações
colaterais ( com o por exempl o se o sobrinho é fi lh o d a
irmã o u d o irmão de Ego, o q ue entre a lg umas socied a-
d es prim itivas costuma ser uma norma de dife re nciaçã9
termin o ló g ica ) , ao o r ganizarmos essa ta bela a d o tamos
a seguin te orie n tação : co mo p ossuíssem os a m a io r so m a
d e t ê rmos de par e ntesco, havendo sido usad os como b ase
d e traba lh o tod os os crit~rio s especificad o s e podendo
e m m uitos casos v a lermo- n os d o m aterial ob tid o p o r
G a lvão, os desig nativos comp·ulsados n as fo ntes biblio-
g rá ficas fo ram co lo ca d os, qua ndo semelhantes aos cole-
tad os em 1966, no mesm o caso o btido p o r n ós. Qua n do
não havia essa p ossibilida de e m g era l p o rque o têrmo
e ra descritivo ao invés de ele m e ntar, o u então, provà -
velme n te, v oca tivo em lugar d e referên c ia, a briu-se u ma
nota d e rodap é pa ra dife renciar. T o d avia, tod os os de-
sig nativos fo ram c olocad os d e n tro d a categoria de pa-
ren tesco d e vida, h o uvesse ou n ão possibilidade de v eri-
ficar se o E g o e r a m asculino ou fe minin o.
C o laboraram p a r a u' a m e lh o r o rganização d a tabe la
certas especifica ções f ei tas por Nimue nda ju tanto p a r a
o fa la r Jurúna qua nto par a o X ipáy a . N o primeiro caso
ê le a p o nta dife r e nça s n os tê rmos re la tivos a irmão m a is
velho e mais n ovo e a tia p ate rna e m a t erna, sem indicar
o sexo da pessoa que fala . Qua nto aos Xipáya êle já
fo rn ece m a iores d e ta lhes: a lé m de esp ecifica r, com o no
(75) A es pecificação do sexo de quem fala só foi observada e m
três casos, todos êles relativos aos J urúna: 1.Q) Nlmuen-
daj u indica a palavra n1arido falada t anto pelo h on1em
q uanto pela mulher - 2. 9 ) Coudreau diferencia a s expres-
sões «n1eu filh o» e «minha filha» quando ambos $ãO r efe- 'l'ab el a 13 - Tennino log ia
ridos pelos indivíduos de um sexo ou do o utro - e 3.<:> ) el e paren tesco, r el acionada
Coudreau, ai nda, mostra como a irmã chama seu irmão üs fontes, p a r a um i;>er ío<lo
e vice-versa. (}e cêrea el e 80 a n os.

196
- -
Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai
www.etnolinguistica.org

TABELA 13 - TERMINOLOGIA DE PARENTESCO RELACIONADA .ÀS. FONTES NUM PERíODO


.
QUE ABRANGE CÊRCA DE 80 ANOS

JURúNA XIPAYA

-
Tern1i-
Coletores e ano
da Coleta
Oli veira, Galvão, Nimuendaju Coudreau Steinen Nimuendaju
1966 1965 1916 e 1917 . 1896 1884 1916 - 1919
nologia
~~~~~~~~--~- ,__~~~~~~~+--~~~~~~~+-~~~~~~'!--~~~~--l~~~~-'!-~~~~~~~

pai do pai , .,
pai da mãe a ama aama i-áma". * ama iama
mãe do pai , . ,. ., .
mae da mãe a-ai aai a-aye iai
-~~-+~~~~~~-+-~~~~~-4--~~~~+-~~~~~~~
, .
pai paa, baaba pãa, bába pã * oupan papa u pa, pa-pa
mae ídiã indjã wicá, dyã *, dia11 dyá u dja, djã
idyá *
irmão da mae ( h . f.) aapá udjaizá u-dya-iza * u uêti adjídja,
u djáwi
irmão do pai (11. f.) pãa paa u-paíza * opanar1a ( l ) u paipaza
irmão da mãe (m.f.) -diá
irmão do pai (m.f.) paa pãa
irmã do pai (h.f.) uaidá
ídiã
uaidá (upaimbí)
indjã
u-pa-embí =~
u-dya-embí *
-
irmã da mãe (h. f.)
irmã do pai ( m . f . ) uaci
idiã
-
indjã
- ouassé
irmã da mãe (m.f.)
irmão mais velho ( h.f.) uurahá urahá u-izá, u-úrapa * ouyapa awia, surapa
irmão mais novo ( h.f.) uidzá wizá u-esá síyi nanan izá upá ( t ) u izã
irmão (m. f. ) uadidja uadídja - ouadidia
---~~~~--~~~--~~-~~--l'--~~------',__~~-----1-~~~-~--=-----~':----~~~-~.

irmã (h. f.) uaibi uaimbí uaibi *, uebí ouaimbi wandjí, ui


irmã mais vell1a (m.f .) uurahá
Irmã mais nova [m.f.)7 uiâzá
filho da irmã do pa1
(h. f. ) ümã u-ahá u-mã* uma -
filho do irmão da mãe '
(h . f.)
filho da irmã do pai
(m.f .) udzalá u-za-za, *
filho do irmão da mãe
(m.f .)
filho do irmão do pai -
mais velho do que Ego
filho da irmã da mãe -
(h. f.)
uurahá -
mais velho do que Ego
(h.f.)
filho do irmão do pai -
mais novo do que Ego

filho da irmã da mãe -


(h. f. ) uidzá - -
mais novo do que Ego
(h. f . )
filho do irmão do pai
filho da irmã da mãe
( rr1 . f . ) uadidja - - - -
(m.f.)
filha da irmã do pai
filha do irmão ,da mãe
(h.f.) udzalá u -za-zá * - - u záza
(h. f.)
,,..tilha.-da-tRnã do pa~.~~·--1---~-----'--l-~~~--~~-1-~~~-~·~--r--~-~-r-~---i-~-~----~
(n1.f.) ,

filha do irmão da mãe


ociua -
(in.f.)
filha do irmão do pai
filha da ir mã da mãe
(h. f .) uaíbi -
(h. f.)
filha d·o ir1não do pai -
mais velha do que Ego
(m.f .) uur~há
filha da irn1ã da mãe -
mais velha do que Ego
(m. f.)
filha do irmão do pai -
mais nova do que Ego
(m.f . ) uidzá
filha da irmã da mãe -
mais nova do que Ego
(m. f . ) 1
---···~~------+---~--~~-~--~--------1--~ -----lr--------t-------+------~-~
,
filho ( h .f .) ulapuká ulapyká u-yapíga * yapougana uyapuga u iapíka
filho (m. f.) umãbiá - u-mambía * mamboua mambía
- ---~----~--+---------i-~---·----+-~~-~~--+----~--4-~--~+--------

f ilha ( h. f.) uaiá uaía u-aía * tayá pugá ( 1 ) u azía


filha (n1. f. ) umãbiá - u-mambía * mamboua mambía
··· · -- - - - - -- - --+--- - -- -- - + - -- -- -- ---1-- -- - -- - - -1-- - -- --+-- - -- t -- -- ----
filho do irmão (h. f.) ulapuká ulapyká - u iapika
filho da irn1ã ( h.f . ) uahá uahá ,( ) - u apá
filho -
do irmao (m .f.) onuma, 1 -
u-ma * ( 1 ) oudzala 1 · - '
filho da irmã (m. f. ) umãbiá - _ ndaia ( 1 )
1
filha do irmão (h. f.)
filha da irm ã ( h. f.)
uaiá
uiato
uaiá
- ----- -~u.,,.1a:.
-
* . 1,
. t e, __ izaza

__ _ - u i atL__,_-_
- .

filha do irn1ão (m. f. ) umãbiato 1inouma(1) - -


filha da irmã ( m. f.) umãbiá
------------1--------------------+----~~-~~------+----~-----~--
1
-
f ilho do filho ( h. f.) umitama - u mitáma
filho da filha ( 11. f . )
filho do filho ( r11 . f . )
umitama
urnik+
- u initáma
u nikí
filho da filha . (n1 . f . ) umik+
~---~~---~r-~-------;·~--------1 ~~-- ---~-1--~--~~-~---+--------
- u nikí
filha
filha
do
da
filho
filha
( 11 . f . )
(h . f . )
umitama
umitama
-
filha do fill10 (m .f . ) u mik+
filha da, filha (m . f . ) umiki
afins masc . (h . f .) uahá u-apá * --- -- u apa
afins masc. ( n1 . f . ) uauiá - - - - u é ~ia
--------~---r-----~~-t----~----+-~-- -----11--------+-~~---t-·------~

afins fem. (h . f. ) -u auiá uãewiá - - - u epia


afins fem . t m .f . ) uahá - - - - u apa
-·-·---------+------------- -----1-------+-------->----~------- -

marido (h . f ) apeaká - apíaga


m arido {m . f ) umená um1ná u-mená * mena - ména ( 2 )
-r , · 1
espôsa ( h. f' .) uãi1iã uan1a u-a nía ~, i-oué - anía ( 2 )
- -~--1-~-~-~~~-1-------~--+--------l-~---- -+-----4-~-~~---

pai da espôsa ( h. t . ) uaniêtupá uanítl1pá u -anie t u pa * -- - u anía tupa


pai do m arido ( m r .) umenêt upá - - --· - u ména tupa
'
mãe da espôsa (h. f . ) u anied já aníndja , u-anie ndya ::'. u anía ndj a
mãe do marido (m .f.) ·u menedjá - u ména ndja
espôsa do filho (h ..f.)
espôsa do fill10 (m.f. )
ulapu kaniã
uahá ou
- u iapíl{a 'nía
umãbiáuai u mambía 'nia
~· ----------r~----~----r--~~----t---- -~~~-r-~~~~-t---~---1~--~~---

ma rido da filh a ( h .f. ) uahá ou uaiá


apeaká . ,
u azia mena
marido da filha ( n1.f.) umãbiamená u mambía ména
( 1 ) - Todos êsses casos estão dentro da categoria de parentesco devida, embora não co nseguísso;mos inferir $e a terminologia
indicava o parentesco pelo lado paterno ou n1aterno e se Ego era masculino ou feminino .

e .2 } - t:sses tê rmos foram inferidos pela descrição das palavras sogro, sogra. genro e nora, dados pelo próprio autor .
' caso anterior, as palavras referentes a irmão mais velho
e mais novo, indica os têrmos para tio paterno e ma-
terno (ao contrário do caso Jurúna, onde a es pecifica-
ç ão f ôra feita para o vocábulo tia), fornece dois têrmos
para sobrinho: uapá e uiaipíka (mein Sohn = meu filho),
sendo que o segundo, igualando-se ao desig nativo para
filho, é um têrmo classificatório, e mostra que a palavra
uapá é sobrinho enquanto que uãpa é afim em g eral, o
que ocorria de forma semelhante em 1966 para os Ju-
rúna, u1na vez que tanto o sobrinho (filho da irmã quan-
do Ego era masculino) quanto os parentes masculinos
afins eram chamados por uahá ( p e h podem se r usados
indiferentemente porque provàvelmente estão em varia-
ção livre). Faz, ainda , referência ao uso de u en/3ia para
meu cunhado e minha cunhada (mein Schwager, meine
Schwagerin) que ocorre hoje em dia para os Jurúna como
uã·u iá, sendo que o uso é inverso p a ra o Ego masculino
ou feminino, conforme já foi demonstrado anteriormen-
te. Nimuendaju, porém, não fêz tal especificação. De
qualquer forma, entretanto, êles cooperaram indireta-
mente na colocação dos designativos nas categ orias de-
vidas, utilizando-se o critério já referido.
T arríl:Jém Coudreau especifica diferenciações na ter-
minologia referida para o irmão mais velho e o mais
.
Jovem.
É .interessante notar que os denominativos compi-
lados na bibliografia, em sua maioria se encaixam den-
tro da categoria de E.g o masculino. IÉ quase certo que
os informantes dos autores citados fôssem homens em
g eral, porque, mesmo durante as pesquisas realizadas em
1966 e 196 7, e ram êles os informantes· por excelê)lcia,
uma vez que as mulheres ficavam extremamente retraí-
das e, em geral, não g ostavam de falar. Todavia, du-
rante as liba9ões de caxiri, o que aliás era fre qüente,
elas ficavam mais expansivas, cheg ando alg umas a arra-
nhar o português e "fofocar" d e forma tal, que nos per-
mitia penetr-ar em problemas de p a rentesco.
Ao fazermos a análise da tabela 13 devemos levar
em conta dois fatos: l .9 ) algumas alterações ortográ-
ficas são devidas não só à procedência diversa de quen1
obteve o material mas também às diferenças de percep-
ção de quem anotou, e à diversidade de pronúncia .por
parte dos informantes ; 2. º ) ocorre às v ê zes o uso de,
têrmos descritivos, aos invés d e elementares.
Observando-se êstes fatores verificamos que apesar
das informações fragmentárias de Nimuendaju, Coudreau
e Steinen serem insuficientes para uma visão de conjunto,
por não terem sido mais exaustivos na averig uação ter-
minológica, se fizermos a extensão dos designativos de
parentesco para os casos onde ' ocorre na atualidade
(uma vez que a extensão dos têtmos é comum acontecer
em sociedades ditas prim1tivas e ocorria nos J urúna em
1966) , poderemos ·notar que ,não houve altetação digna
de nota no período abordado , ' o tjue ieqüivale a dizer

' ' ' ' 197


que·. a termino logia de parentesco continua a exis tir na
tradição t riba l e, d o fim do século passado p a ra a época
a t ual, não p a r ece ter havido influê ncia notá v e l d e con -
tac t os extern os. IÉ provàvel, pois, que não h a jam ocor-
rido m o dificações sig nificativas na e strutura d o sis tem a ,
e mbo ra exis ta m a lg umas incongruências com o n os casos
de:
- upá, re fe rido por Steinen ( 1886 : 36 2 ) com o sig ni-
ficando irmão ( Bruder). Todavia, com as inf o r n1ações
que possuimos, êsse têrmo sig nifica " meu p a i". ,É p os-
sàvel q ue te nha h a vido um eng ano por p a r te d o a uto r,
face à escassez dos dados que forn ec e . j
- u-ma*, indicad o , no caso Jurúna, por Nimu enda ju 1
( 1932 : 584) c omo sig nificando meu sobrinho (me in
Neffe ) , e nqu a nto que Nimuendaj u (com re lação a os Xi-
' p á ya), G a lvão e n Çs, conseguimos o têrmo ,u ahá-u apá
p a ra m e nc io n a r sobrinho (Galvão e nós obtive m os a es-
p ecificação d êste têrmo para o filho da irmã d e E go
masculino ) .
- oudzala, re ferido como sobrinho por Coudreau
( 189 7: 168) . ·Ê ste vocábulo coletado p o r n ós e rr1 1966
e també m p or N imue ndaju em 1916 e 191 7, e ra r e ferido
para primo ( a ) cruzado (a). Aconte ce, p o ré m , q ue na
atualida d e, q ua ndo Ego é masculino, co s tuma ch a m a r a
sobrinha p o r a finida d e ( filha do irmão da espôsa ) d e
udzalá.
A s in fo rma ções dos autores citados se com p le m e n -
ta m e o pró prio fa to d e Nimuendaju have r a n o tado dois
tê rmos p ara sobrinho, sendo que um d ê les é uma exte n-
são d a pala vra filho , e de haverem sido fe itas n os casos
já cita d os as diferencia ç ões terminológ icas d e acôrdo
com o sex o d a p essoa que fala, são pontos p ositivos p a ra
a observa ção regis trada, ou melhor, são indicaçõ es da
exte nsão d a termin o logia e do uso tanto d o c ritério de
sexo do indiv íd uo que fa la quanto do indivíduo d esig n a d o.
A ceita ndo -se a a firmação d e Lévi-Strauss d e que:
... "como os fonemas, os têrm os d e par en -
tesco são elem e ntos de sig nifica ção ; com o ê les, só
adquirem esta sig n ificação sob a c o ndição de se
integr a re m em sis te mas . .. " ( 196 7 : 48)
e levando-se e m co nta nã o só o qu e pudem os obse rva r
em 1966 e 196 7 qua nto à s relações inter-pessoais d os
Jurúna, m as ta mbé m a persistência de uma te rmino log ia
de p a re n tesco n a tra diço do g ru po, ch egam os à con clu -
são d e que a lg uns d esig nativos perdera m seu sig nificad o
o u e n tão se a d a pta ra m à situação atua l, o qu e é m a is
prová v e l. E mb o ra existam na tradição , confo rme foi
mostrado n a tabela 13, êles não mais estão integra dos
no . sistem a que d e fa to vigora na atualidad e, uma vez
que os d esig n a tivos de parentesco não re fle te m as a titu-
des fa milia res q ue s upomos que a ê les d ev e ria m co rres-
ponde r. A im pressão que tiv emos e m 1966 e 196 7 foi
a d e que as n o rmas de procedimento exis tia m un ica-
mente e m d o is pla nos: o dos mais jovens para os m a is

198
velhos e vice-versa, ou seja, o dos adultos e seus filhos
- o que nos leva à constatação de que entre os rema-
nescentes J urúna do Diauarum o sistema terminológico
não corresponde exatamente ao sistema de atitudes <1 6 >
ou vice-versa. Não há , por exemplo, uma atitude dife-
renciada para os filhos da irmã ou os filhos do irmão,
sendo Ego masculino ou feminino , o mesmo oc'.Jrrendo
com relação a tio paterno e materno, tia materna e pa-
terna, que em regra geral recebem o mesmo tratamento
que o pai e a mãe respectivamente. Os indivíduos de
uma geraçao têm com relação a todos os da g eração
ascendente uma atitude semelhante, senão idêntica, le-
1 vando -se em conta a diferenciacão de sexo. O mesmo
~

ocorre com relação aos da geração descendente. Assim,


por exemplo, um garôto deve obediência não só a seus
pais como aos tios pate rnos e maternos. Uma adoles-
cente é chamada a cuidar não só de seu irn1ão menor
como também de um primo pequeno, sem fazer distin-
ção de siblings, o que todavia ocorre na terminologia.
Também o filho da irmã de Ego masculino, apesar de
ser designado como um afim, recebe o mesmo trata-
mento dado concomitantemente a filhos e sobrinhos.
) Acreditamos que essa problemática atual possa ser
' explicada em fun ção do estudo diacrônico do grupo.
Apesar da grande miscigenação (veja-se a figura 3 5)
houve um momento em que, com o g rande núrr1ero de
mortes causadas pelas brigas com os índios Kamayurá,
Suyá e Txukahamãe, os Jurúna viviam errantes da ca-
choeira de von Martius p a ra cima, fugindo de contactos
inter-tribais. Dessa forma, com o isolamento, êles teriam
l1 passado a não respeitar as reg ras que prescreviam ou
1 regulavam os casamentos endogâmicos e uniram-se, evi-
tando apenas o casame nto e ntre irmãos, pais e filhos,
tios (as) e sobrinhos (as) r eais, o que deu como conse-
qüência a alta consang uinidade apresentada em 1966 e
que faz com que êles se sintam (e sejam realmente) uma
família única, onde a solidariedade é um traço essencial.
Além da diferenciação terminológica exposta, e que
é inerente ao sistema, os Jurúna estão começando a fazer
uso de têrmos do vernáculo português, tais como cunha-
do, tio, sobrinho, primo e n e to, embora quase nunca
sejam empregados nas categorias de parentesco d evidas,
o que aliás é explicado pelas dife renças entre um sistema
e outro. A incorporação d êsses vocá bulos, que está ob-
tendo grande penetração entre os indivíduos mais jovens,
não parece possuir maior significação estrutural, uma vez
que êles não chegam a constituir uma extensão real da
terminologia de parentesco . São apenas um aprendizado
a mais obtido no contacto com elementos da sociedade
nacional e que não chegando ainda a se integrar no sis-
tema, nada alteraram.
As explanações anteriores nos levam a concluir que:

(76) Veja-se Lévi-Strauss (1967: 53-68) , a respeito dessas duas


ordens de sistema.

199
- O p a re n tesco entre os Jurúna, como o corre e n1 ger a l
nas s ociedad es " primitivas", fun ciona como um r egul a-
dor d o comporta men to <77 ) individual, fa mília } e socia l.
- O p a r e n tesco v e m a ser o princípio b ásico d e a tri-
buição d e status n a socie dade j urúna, s eg uid o p elos d e
sexo e id a d e, ta l com o o corria entre os T u pina mbá ( F er -
n a ndes, 1963: 3 15).
Com r elação a o ca samento <18 >, n ã o se h avend o n o-
ta d o a exist ê n cia d e metades ou clãs, êst e é r egulamen -
tad o n a b ase d a filiação a um grupo d e p a r entesco bi-
lateral e d a co nseqüe nte utilização da te rmino logia esp e-
cífica. N as uniões primárias os parceiros são procurados
entre os p a r e n tes c onsang uíneos enquanto que n os casa-
mentos secundá r ios dos viúvos e dos indivíduos sep a ra-
dos, os cô njuges são buscados preferente m e nte e ntre o s
pare ntes a fins.
D essa f o rma, a endo gamia que entre êsses índios
fic a circ unscrita às uniõ es dentro do g rupo d e p a r e ntesco,
vem a ser u m a exigência dos costumes matrimonia is d es-
sa so c ie d a d e, d esd e que não surjam limitações d e m ogr á-
fica s p a r a a c onsecu ção dêsse princípio. Ocorrend o tais
entra v es a ex ogam ia é praticada num cará te r circu ns ta n -
cial e n ão ins tituc io nal. O espôso ou a esp ôsa p assar á
a s er procura d o primeiramente entre aquê les indivíduos
que vive m n a ald eia Jurúna, participando a tiva m e nte
do padrão cul tura l que a li vigora mas c o m os q uais n ã o
s e está ligad o con san g uineamente. N a falta d êsse o p a r -
ce iro conjugal ser á buscado em outros g rupos tribais.
D e acôrd o com o que pudemos obs erv ar, os cas a -
m entos r ea lizad os c o m indivíduos pertencentes ao g rupo
Jurúna assume m um caráter obrigatório quando h á com
quem se unir , por duas razões: 1.9) tenta tiva d e c on-
servação d a cultura e d a sociedade que êles dizem Jurúna
e 2.9) n ecessida d e d e auto-afirmação triba l. E m con -
versas ê les ch egar a m inclusive a dar a impressã o d e que
possu íam co nsciê n c ia das mudanç a s a carretadas p e los
processos aculturativos.
No ta m os, a inda, que o s princípios p a ra a seleção
dos cônjuges n o â mbito da endog amia, exis tia m de uma
forma n a tradição e se manifestavam de outra na r ea-
lid a d e.
D e acôrdo com os informantes, id ealmente há d ois
t ipos d e r egr as p a r a as uniões primárias : a s que indicam
as fo rmas d e casam e ntos proibidos e a s r e la t ivas aos
ca sam entos o brigatórios, sem possibilida d es inte r mediá-
rias. Sendo assim, do ponto de vis ta d a tra dição co-

(77 ) Sôbre essa probl emática cf. Lowie (1950: 59).


(78) No prese nte t rabalho a ceitaremos a conclusão de Lowie
(1950: 87) de que : «Marria ge a nd fam il:y are comp.Jemen -
tary concept s : marr iage is a n instit ution; family, the asso-
ciation that embodies t he institution. Both are rooted in
sex, but cannot be understood merely from the poin t of
view of sexual relations. The later are a matter of sheer
biology; marriage and family are the cultural super struc-
ture upon a biol ogical foundatio n».

200
TABELA 14 - CATEGORIA DE PARENTESCO DOS CÔN JUGES QUE SÃO RELACIONADOS POR UMA OU M.A.IS
ROTAS DE CONSANG üINIDADE

Número de rotas de 3 4 8
1 rota 2 rotas 6 rotas
consangüinidade rotas rotas rotas
Categoria
de Parentesco· 33x80 j 40x4 l J '!ox11 J ~7x3e l52x53 j 56x57. j 68x691 72x73 l 73x74 l59x60 ls4xss ls6x87 l 87x88 l94x9 5
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primos
paralelos 3" ger. ++
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Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai


www.etnolinguistica.org
nhecida pelos atuais remanescentes Jurúna do Diauarum,
o homem não pode casar-se com indiã (mãe, irmã da
mãe) , uaidá (irmã do pai) , uaimbi (irmã, filha do irmão
1

do pai e filha da irmã da mãe), uaiá (filha, filha do


irmão e filha dos primos cruzados) e u:iato (filha da
irmã), enquanto que a mulher fica proibida de se unir
a pãa (pai, irmao do pai), diá (irmão da mãe), uadidja
(irmão, filho do irmão do pai e filho da irmã da mãe),
umãbiá (filho, filho da irmã e filho dos primos cruza-
dos) e onumá (filho do irmão). Com relação ao matri-
mônios que se poderão chamar de compulsórios, tanto
a mulher quanto o homem são obrigados a casar-se com
udzalá (primos cruzados, isto é, filho ou filha da irmã
do pai ou do irmão da mãe).
Com relação aos casamentos dos viúvos e dos indi-
víduos separados, as regulamentações que autorizam a
união são tão limitativas quanto as dos primários. · Elas
têm um caráter prescritivo, uma vez que tanto un$ quan -
to os outros deverão preferencialmente e sucessivamente
se unir, conforme o sexo, à irmã da espôsa ou ao irmão
do marido (em ambos os casos a designaçao recebida
é uãuiá). Todavia, por ocasião da pesquisa em 1966
e 1 96 7, o sistema não operava tal qual acaba de ser
descrito mas sim conforme se verá em seguida.
O levantamento das genealogias individuais e do
grupo mostrou que, levando-se em conta todos os tipos
de uni·Ões em que pelo menos um dos cônjuges estava
vivo na época citada, será possível estudar-se urn total
de 2 1 monogâmicas e 2 poligínicas. Das m~nogâmicas,
1 3 são endog.âmicas e 8 foram realizadas entre indiví-
duos não relacionados biologicamente, o que dá uma
percentagem de 61, 9 % para o primeiro tipo e 38, 1 %
para o segundo. Das duas uniôes poligínicas, uma foi
efetuada entre um indivíduo que era relacionado biolo-
gicamente com uma das espôsas e não aparentado com
a outra. A segunda deu-se entre um T rumái que não
era relacionado consanguineamente a nenhuma das duas
espôsas J urlina.
Para facilitar a análise dos casamentos endog.âmi-
cos elaboramos a tabela n.'0 14, que sintetiza elementos
contidos nas 14 uniões cujos cônjuges estavam relacio-
nados por uma ou mais rotas biológicas ou consanguíneas.
De posse das indicações contidas nessa tabela e
das fornecidas pelos J urúna, chegamos à conclusão de
que, como a obrigatoriedade do casamento com deter-
minados indivíduos dentro da aldeia pode ser limitada
por problemas de ordem demográfica (por exemplo a
existência ou não de indivíduos com quem se deve casar
num grupo pequeno) , surgem arranjos que dão como
conseqüência regras que regu.lam as uniões obedecendo
a uma ordem implícita. Em primeiro lugar, os cônjuges
são esc,o lhidos na categoria tida corno a de ·u nião ·prefe-
rencial. Dentro dela estão incluídos os casamentos com
udzalá, ou seja, com primos cruzados (indivíduos per-
tencentes à mesma geração). Nesse tipo de união não

203
há escolha preferíve l o u necessária. Os cônjuges pode-
rão ser procurados tanto entre os filhos (as) da irmã
do pai quanto do irmão da mãe e nem sempre o casa-
m e nto entre êles representa uma união d e primos em
1.9 g rau. Uma vez que , de acôrdo com a tabela, os
casamentos entre u.dzaliá são realizados com parentes err1
3.::i e 4."' geração, além da 2.\ essas uni·ões podem-se
dar também entre primos em 2. C? e 3.9 g rau. Dessa
man eira, pelo sistema d e relação classificatória, os casa-
m e ntos entre primos cruzados não necessitam de um
g rau de parentesco muito próximo. Na impossibilidade
de um parceiro conjug al dentro dessa cla~se, êle será
procurado naquela d e uniões permitidas. Aí se incluem
as seguintes relações: aamã x ·u mitama, ·p ãa x uaiá, umã-
biá x Ín·d iã, diá x •u iato e on·u m.á x uaidá, quando se trata
d e parentesco classificatório e a partir da 2.~' geração,
embora a tabela demonstre que no g rupo J uruna, em
196 7 , as três últimas r ela9ões mencionadas só ocorreram
a partir da 3. ~ geração. Como podemos ver, tais uniões
se dão entre indivíduos que pertencem a gerações dife-
r e ntes. Ainda como casamento permitido verifica-se a
união de primos paralelos a partir da 3.f.l geração, o que
significa casamento e ntre pessoas incluídas na mesma ge-
ração e com aparentamento distante, sendo que quanto
maior for essa distância, mais lícitas serão consideradas
as uniões. Caso também não haja ning uém nessa cate-
goria, os que desejam se casar vão buscar o seu par na
de ·u niões toleradas ( i 9 ), que compreende apenas os rela-
cion a mentos de primos paralelos em 1.9 g rau , ou seja,
na 2. <.L geração. São uni ões entre indivíduos pertencentes
à mesma geração e com aparentamento próximo. Aí não
sendo encontrado um espôso ou espôsa, êsses passarão
a ser procurados fora do grupo de parentesco consan-
g uíneo, uma vez que qualquer união abaixo dessa classe
é considerada incestuosa e, portanto, proibida.
Diante de tais fatos e levando-se e m conta a his-
tó ria do grupo Jurúna, por mais precários que sejam
os dados obtidos a êsse res peito, concluimos que a estru-
tura do sistema não é ríg ida mas sim suficientemente fle-
xível para acomodar-se a situações novas., permitindo
arra njos que podem v a riar de um momento para outro,
o que não implica num desconhecime nto do modêlo
tradicional.
Conforme pode ser visto ainda na tabela 14, entre
os 14 casamentos e ndog âmicos existiam 1 1 pares (so) de

(79) No contexto dêste trabalho entendemos por união prefe-


r e ncial aquela categoria de casamento em que o cônjuge
é escolhido com prioridade. Tem um caráter de obriga-
toriedade. Uniã& pe r1niti<la será aque.Ja em que o casa-
mento apesar de não ser preferencial é considerado lícito
pelo grupo. E união tole rada será a forma de casamento
que fugindo das regras pr eferenciais e permissíveis é des-
culpada pelo gru po e consentida tàcita m e nte.
(80) L evando-se em co nta que êsses 11 pares de cônjuges estão
computados en t r e aquêles tipos de casame ntos en1 que
pelo me nos um dos esposos estava vivo em 1967, é preciso

204
cônjuges que estavam lig ados por linhas de pare ntesco
múltiplas. Em um dêsses casamentos, o s esposos chega-
vam a s e r relacionados por 8 rotas dife rentes de con-
sang üinidade. Os outros 1O casais apresentavam os se-
g uintes números d e relacio namento s: 6 eram aparenta-
dos por 2 rotas diferentes de consangüinidade, 1 por 3 ,
1 por 4 e 2 por 6. Nesses casos, além do vocábulo
afim usado pelos e sposos, em geral êles se designam por
dois ou três têrmos do parentesco consangüíne o mais
próximo que pode rão ser usados simultâneamente ou
com alternativas. Com relação aos parentes do parceiro
conjugal, o vocábulo afim tende a ser ig norado , uma vez
que o cônjug e e s eus pare ntes são também ligados bio-
log icamente ao E g o. Prevalece, portanto, a terminologia
do parente sco consangüíne o mais aproximado. Exceção
a essa reg ra é o vocábulo udzalá (primo cruzado) que é
usado com primazia, uma vez que camufla a s demais
relaç ões por abrir possibilidades para o casamento.
Com relação à s uniões monogàmicas realizadas entre
indivíduos não relacionados biolog icamente, uma se deu
entre dois jurúna que viviam na aldeia participando da
m esma org anização sócio-econômica e sete foram efetua-
das num nível inter-tribal.
Quanto aos casamentos polig ínicos, um d ê les tam-
bém foi realizado em âmbito inter -tribal , sendo a s duas
mulheres Jurúna e o home m pertencente ao g rupo T ru -
mái, enquanto que no outro uma das dua s esp ôsas não
se relacionava consangüineamente ao marido, embora
vivesse na aldeia Jurúna e tivesse uma participaçã o ativa
naquela s ociedade.
Na primeira forma d e casamento monogâmico en-
quadra-se a união n. 9 44 x 45 ( casamento de un1a mu-
lhe r descendente de Kamayurá e Jurúna, o qual por sua
vez descende de união e ntre J urúna e Suyá, com um
homem d escendente de Xipáya e Trumá i).
No segundo tipo d e casame nto monogâmico , deve -
-se levar e m conta que: duas uniões f o ram r ea lizadas
entre .um índio Jurúna (n.9 33 - desce ndente ambila -
teral de Jurúna) e duas mulheres, ambas já fale cidas em
1966, sendo uma delas Kamayurá e a outra Suyá. Essa s
uniê"es não se e fe tuaram simultâ neamente e a ligação
com a Suyá foi extra-marital ( s i ) .

sal ientar q ue em d ua s dessa s uniões (40 X 41 - 87 X 88)


a s mulhe res j á e ram fa lecidas, em um a ou tr a (73 X 74)
o cô njuge n1asc ulino é quem est ava m orto e num a dela s
(70 X 71 ) o ca sa l a chava-se sepa r aào.
(81) Segundo informa ções dêsse indivíd uo n. 9 33, obtida con1
o auxílio de un1 intérprete, êle também se t eria ligado
poliginicame nte a un1a mulher .Kamayurá e out ra Trumá i,
além de uma união com uma índia Su:yá. T ôda s a s três
já e ra m m or tas em 1966. Com o os dados obtidos sôbr e
essas liga ções são imprecisos, ser ão r egistrados no present e
trabalh o a pe na s com efeito info rmativo. Soubemos, tam-
bém , de forma impr ecisa , que o n. 9 74 t e ria tido uma liga -
ção muito breve com um a índia Txuka hamãe e o n .9 48
com un1a S u yá.

20 5
- duas uniões se realizaram entre um índio Kayabí
(n. <? 50) e duas mulheres Jurúna, não simultâneamente
(n.<? 49 e 51). Com a morte de sua primeira mulher
(n9 49), êle casou-se com uma irmã da mesma. Ambas
possuíam uma só mãe (n.<? 21), que era Kamayurá, e
pai diverso. 'Ü da n. 9 49 descendia de Jurúna e Suyá
enquanto que o da n. <? 5 1 é Káia ( n. <? 3 3) , o único rema-
nescente Jurúna do Diauarum que possuía pai e mãe
descendentes de indivíduos considerados J urúna.
- uma união se deu entre um Jurúna (n. <? 45) des-
cendente de T rumái, Xipáya e J urúna e uma índia
Kayabí (n.<? 46), de quem se separou para casar com
uma J urúna, descendente de J urúna, Kamayurá e Suyá,
à qual não estava relacionado biologicamente ( n. <? 44).
Uma menina que nasceu do primeiro casamento foi cria-
da por uma irmã (n.<? 38) do n.<? 45 , mulher do chefe
da aldeia.
- uma união ( 4 7 x 48) se realizou entre um índio
Kayabí e uma J urúna descendente de Trumái, Xipáya e
Jurúna. Êsse Kayabí dirigiu-se para o grupo Jurúna
quando era adolescente por causa de problemas gerados
na sua aldeia de origem pelo fato de ser órfão. Uma vez
lá, foi adotado pelo atual capitão da aldeia e sua espôsa
( 3 7 x 38). Socialmente êle ficou equiparado ao parente
consangüíneo. Essa adoção parece haver ocorrido em
função da necessidade social de reter o homem na aldeia
e de estender as relações de parentesco para indivíduos
fora do g rupo consangüíneo, aumentando, dessa forma,
o número de parentes.
- uma união (95 x 96) ocorreu entre um índio Ju-
rúna, descendente de Xipáya, Jurúna, Kamayurá e Suyá
e uma índia T rumái, de quem se separou para casar com
uma J urúna, descendente de J urúna, T aconhapé e Xi-
páya, à qual estava re lacionado por 8 rotas de consan-
güinidade. A dissolução do primeiro matrimônio foi efe-
tuada log o após a morte de um Trumái (n. <? 106 da carta
genealógica) perpetrada pelos Jurúna. Temendo repre-
sália e por ordem do capitão Bibina, seg undo os infor-
mantes, ê le qu e residia entre os Trumái voltou para seu
grupo.
Uma das duas uniões poligínicas, conforme já apon-
tamos, ocorreu entre um índio T rumái ( n. <? 1 O6) e duas
mulheres J urúna - irmãs classificatórias - uma delas
(n.<? 107) descendente de Jurúna, Xipáya, Suyá e Ka-
mayurá, enquanto que a outra (n. <? 105) descendia de
Jurúna, Xipáya, Suyá e Taconhapé. lÊ.sse casamento rea-
lizado em 1966, foi de curta duração , uma vez que
cêrca de um ano depois, talvez m e nos, Kaluenê, o T ru-
mái, foi morto pelos Jurúna. Dizem êsses últimos que
êle era fe iticeiro e vivia brigando. Um dia, havendo
batido em uma de suas duas espôsas, Neõ, filha de Daá,
êste levou-a de volta para a aldeia Bibina. Kaluenê re-
solveu buscá-la e acabou indo parar na roça dos Jurúna
situada no rio Manitsauá. Houve aí uma discussão em

206
que Kaluenê teria chamado os Jurúna d e "bicho feio",
ameaçando fazer feitiçaria para matá-los, assim que le-
vasse Neõ. Os Jurúna que estavam na roça tiraram-lhe
a arma e mataram-no batendo com uma foice em sua
nuca. Tal fato acabou por criar um clima d e tensão
entre os dois grupos. Acreditamos, entretanto, que a
causa de tudo foi o e s tar êste índio se recusando a ir
morar na aldeia Jurúna, onde deveria ficar por causa
da regra de residência matrilocal. Deve-se salientar,
para efeito explicativo apenas, que tanto o s Jurúna quan-
to os T rumái são grupos numericamente reduzidos, os
seg undos mais do que os primeiros. E sempre relutam
em perder qualquer de seus membros.
O outro casamento poligâmico já estava desfeito
em 1 966 pela morte da espôsa, que era aparentada con-
sangüineamente ao marido. Essa mulher havia sido es-
colhida em primeiro lugar e só alg um tempo depois,
quando ainda era viva, é que seu marido se unira à
segunda companheira, a qual descendia de índios Xipáya,
J urúna e T rumái e com quem êle não possuía re laciona-
mento biológico. l.f.sse homem , por sua vez, d escendia
de Jurúna e Suyá.
A respeito das uniões dos viúvos, os casos anota-
dos na carta g enealóg ica indicam que o sistema tradi-
cional vig orava na época da pesquisa, uma vez que o
sororato e o levirato haviam sido praticados com caráter
pre ferencial. Não surgiram problemas demográficos que
impelissem à constituição d e arranjos, como a c onteceu
com relação aos casamentos primários. São incluídos
dentro d essas reg ras apenas os indivíduos que ficaram
viúvos de uni·õ es realizadas com pessoas que participavam
da sociedade Jurúna e excluídos aquê les de ligações inter-
tribais porque não se enquadravam nas normas do levi-
rato e sororato. Nesses casos, o idea l é que êles se casem
secundàriamente com indivíduos que façam parte do gru -
po Jurúna desde que não haja ra zões demog rá ficas e
socia is para impedir tal fato .
Uma situação seme lhante ocorre com os indivíduos
separados. O novo c ô njuge será procurado inicialmente
entre os parentes afins, ou melhor, entre as irmãs da
espôsa ou entre os irmãos do marido. Surgindo qual -
quer obstáculo para a re alização d êsse princípio, a esco-
lha será feita nos mesmos moldes das uniões primárias.
Se a regra ideal do grupo foi efetuada no primeiro
matrimônio, ou seja, se o cônjuge e ra primo(a) cruza-
do (a) de Ego, o casamento secundário se rá pre ferente-
mente realizado com um indivíduo que, além de ser
parente afim, é também parente consangüíneo e, nova-
mente, a norma ideal estará se ndo cumprida pois a nova
união será também entre primos cruzados .
Apesa r do conjunto das ligações maritais que ob-
servamos em 1966-6 7 indicar u' a maior ocorrê ncia de
casamentos endog âmicos do que aquêles realizados fora
do g rupo consangüíneo, a situação no p e ríodo a nterior
foi diversa. Não havendo d e ntro do grupo triba l par-

207
ceiro a quem se unir maritalmente, fôsse êle um parente
ou não, por causa dos problemas demográficos gerados
pelas mortes pro vocadas essencialme nte por seringueiros
e índios Kayapó, os Jurúna se casaram por um lado com
descend entes d e Taconhapé e Xipáya, grupos com os
quais ê les estava m em contacto amistoso e, por outro,
com índios Suyá, T rumái e Kamayurá, a quem eram hos-
tís. Essas últimas u niões foram realizadas com indivíduos
que er a m rapta dos de suas aldeias. Não havia preferê n -
cia por sexo nessas ligaçõs em níve l inter-tribal uma vez
que a situação d e emergência em que o grupo se achava
não permitia tal fato. O problema essencial era casar-se
para que a sociedade J urúna n ão desaparecesse. De
acôrdo com o que se nota na figura 35, os casamentos
efetuados nessa base no período a nterior ao das uniões
observadas por ocasião da pesquisa, envolviam duas mu-
lheres (uma Suyá e a outra Kamayurá) e dois home ns
(um Xipáya e o utro T aconhapé) d e outros g rupos tri -
bais. Também um casal em que os dois parceiros eram
de fora (T rumái) foi responsável por descende ntes atuais.
Nos dias d e hoje ê les preferem que a união inter -
-triba l se dê d o ponto d e vista da mulher Jurúna c a sando
com homem d e outro g rupo, por causa da r egra de ma -
trilocalidade que ali vigo ra. Idealme nte êles tentam r eter
seus homens n a aldeia, o que n a prática n e m sempre
acontece, por causa das já tão fal a das limitações d emo -
gráficas e sociais.
O conjunto dos casamentos Jurúna que conseg ui-
mos levantar e que estão indicados na carta genealóg ica
mostra, també m , que, tanto as uni ôes do presente , quanto
do período anterior foram predominantemente monogâ-
.
m1cas.
A polig inia, que segundo os informantes era ace ita
no passado, não ocorre n a atualidade por falta de gente
com quem casar (1< 2 >. Dize m êles que , se houvesse muita
mulher, quem quisesse poderia praticar a polig inia, a qua l
não assume n ecessàriamerite o caráter sorora l, mas q\1.e
deve ser realizada prefe r entemente com mulheres aparen -
tadas entre s i.
No grupo J urúna , como em o utros, funcionam ain -
da como limitações para a possibilidade d e um homem
possuir mais d e uma espôsa, o fato da regra de residê n -
cia ser matril ocal e do genro te r que pres tar serviço ao
sogro durante mais de um ano após o casame nto. Toda-
via, se um home m pra ticar a poliginia sororal, sendo
as espôsas irmãs consangüíneas e não classifica tórias,
essa q uestão não constituirá impecilho.
Essa form a de casamento - poligínico - foi r egis-
trada no século passado por Ada lbe rt ( 1849: 253, 258
e 31 7) e Steinen ( 1942: 281 e 282 ). D e acôrdo com

(82) Co nforme já mostran1os, registrou-se um caso de poliginia


e ntre um homem Trumái e duas mulheres Jurúna. Tais
indivíduos, porém, não residiam na aldeia Bibina e sim na
Trumái, e m 1966. E, em 1967, por ocasião da pesquisa ,
tal união já se havia desfeito.

208
o primeiro dêsses autores, "while the Jurúnas are i'n
general satisfied with one wife, the "Tuxáva" has usually
several" ( 1849: 2 5 3). T 'a l fato não foi confir mado
durante a ocasião da pesquisa. Diz ainda Adalbert, que
"some have severa} 'w ives, and they occasionally transfer
them either temporarily or altogether f1·om one to ano-
ther" ( 1849: 3 1 7). Steinen, por sua vez, afirma que
o tuxaua possuía três mulheres. Os casos mencionados
pelos informantes em 1966-6 7 tratavam-se ape nas de
duas espôsas embora êles dissessem que se podia ter
.
mais.
No século atual as informações sôbre poliginia fo -
ram fornecidas por Nimuendaju - que se refere à inci-
dência de "little polygyny" ( 1948: 214) e ao fato de
"a man having up to three wives" ( 1948: 234) - , por
Galvão ( 1952: 4 75) e por Oliveira ( 1968: 19).
Não conseguimos detalhes sôbre as relações pré-
-maritais, mas parece ser permitido um período de expe-
rimentação cuja finalidade seria a adaptação pessoal.
Tais ligações se realizariam com os indivíduos que são
os esposos em potencial, preferentemente os udzalá.
Escolhida a companheira conjugal, o homem Jurúna
deverá estabelecer relacões com sua família a fim de
~

poder casar-se. iÊle terá que fazer o pedido a todos os


' parentes primários e alguns secundários, ou seja, os avós.
Essa forma de obter a espôsa difere da relatada por
Adalbert ( 1849: 2 5 2-3), segundo o qual a noiva de-
veria ser pedida ao pai, sendo que a permissão dela ou
de sua mãe não entrava na questão. Antes do pai dar
o consentimento, o rapaz tinha que se submeter' a provas
de habilidade e coragem. Constituíam exceção a essa
1
regra os chefes e os pajés. Ü 'e ssa forma, se aceitarmos
a afirmação de Adalbert, veremos que do século pas-
sado para o atual ocorreram mudanças quanto à forma
de um homem obter uma mulher como sua companheira
conjugal, o que poderá ser explicado não só pelos con-
tactos tidos ,com elementos de fora como também pela
rarefação demográfica que diminuiu as possibilidades de
casam,ento e extinguiu conseqüentemente as provas re-
queridas ao noivo.
Permitida a união, o homem deixa o seu grupo fa-
miliar e vai para o da mulher, deitando-se na rêde dela.
Daí por diante êle passará a prestar serviços ao sogro
e a cooperar econômicamente com essa unidade. Essa
cooperação, após o nascimento dos filhos, passará de
integral a parcial, uma vez que êle deverá, com primazia,
suprir a sua família de procriação. Quando se trata de
uma união em nível inter-tribal o pai adquirirá novos
trabalhadores não só para o seu grupo familiar como tam-
bém para a aldeia. As relações dêsse homem com os
demais membros do novo grupo familiar para onde se
dirigiu são sempre solidárias e primárias, não ocorrendo
a evitação entre genro e sogro e entre cunhados.
Não há limite de idade para o casamento e os
cônjuges não deverão ser necessàriamente de idade apro-

209
ximada ou da mesma geração, o que aliás está indicado
nas regras relativas às possibilidades de casarr1ento e
nas figuras 3 5 e 36. Por exemplo, uma pessoa com mais
de 50 anos poderá unir-se a uma outra impúbere. Du-
rante a pesquisa observamos um dêsses casamentos. O
homem, que possuía entre 60 e 65 anos, uniu-se a uma
menina impúbere com cêrca de 1O- 1 1 anos. Segundo
os informantes, êles fazem isso porque assim "homem
cria mulher e mulher gosta mais do marido" . Morrendo
o companheiro ela poderá casar-se com um jovem. Ha-
via ainda no grupo um casal cujo homem possuía cêrca
de 23 anos e a mulher era impúbere, com aproximada-
mente 12 anos. Idealmente, nesse tipo de casamento o
marido não deve manter relações sexuais com a menina
até que essa atinja a puberdade mas , na prática, o espôso
não aguarda tal período. IÊle a inicia sexualmente tão
logo se casam. Essa jovem costuma receber muita aten-
ção e a juda das outras mulheres do grupo, nos serv iços
domésticos.
Conforme já mostramos no ítem a .do presente
Capítulo, a aldeia Bibina em 1966 era composta por três
famílias extensas e duas nucleares de residência autônoma
( cf. rígura 36)' havendo essa situação sido alterada em
196 7 com o retôrno de alguns Jurúna da aldeia Daá.
Computamos, então, três famílias extensas e cinco nu-
cleares, totais que foram utilizados apenas para mos- I
trarmos a composição de cada habitação, uma vez que
funcionalmente continuavam a existir as três famílias ex-
tensas anteriores, embora nem todos os familiares resi-
dissem na mesma casa, acrescidas agora com mais alguns
membros; uma das nucleares passou a extensa com o casa-
mento de uma das filhas; a outra persistiu e mais u1na
nuclear passou a existir com a vinda dêsses mencionados
Jurúna.
F'eita a ressalva, julgamos necessário indicar a for-
mação de um tipo e outro de família .
A ·n uclear como em geral é definida, constitui-se
de pais e filhos. E ssa categoria de grupo familiar fun-
ciona como uma unidade econômica, que todavia não
subsis te de forma independente, uma vez que costuma
receber cooperação do grupo Jurúna como um todo.
A extensa é formada pela agregação de mais de
uma família nuclear, ou seja, pela ampliação de uma
família nuclear original com o casamento de suas filhas.
As relaçôes econômicas e sociais que ligam seus mem-
bros fazem com que êsse grupo fa miliar se distinga como
uma unidade. Os parentes consang·üíneos, afins ou por
adoção que constituem essa unidade doméstica, poderão
ou não residir na mesma morada. O essencial é que êles
partilham, com prioridade, de atividades cooperativas,
e que se submetm à autoridade de um chefe, reconheci-
do explicitamente como tal, pela natureza dos laços de
parentesco que o vincula aos demais membros do grupo
familiar.

210
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Como acontece com a família nuclear, a extensa
ta mbém possui uma autonomia relativa. A cooperação
que vigora entre os indivíduos da aldeia a tinge êsse tipo
d e família.
De acôrdo com o que pudemos observar, a família
nuclear isolada, com o unidade econômica, parece existir
apenas como uma forma de transição para a família ex-
tensa. Nos casos estudados ela só ocorreu pela falta
dos pais (especificamente do pai) da mulher. Tal fato
leva à conclusão de que a forma básica da família é a
exte nsa, o que não impede que os Jurúna vinculados
e ntre si por laços co mo o de espôso e espôsa ou pais e
filhos consangüíneos (ou adotivos) fun c io nassem como
a unidade econômica básica.
Notando-se, como indicam as fi guras 35 e 36, que
todos os habitantes da aldeia Bibina em 196 7 eram apa-
rentados por laços consangüíneos, afins ou de adoção,
o que parecia gerar uma g rande solidariedade que se
m a nifestava em atividades econômicas cooperativas, em
divisão de alimentos quan do havia exced e nte ou escas-
sez, e m empréstimo do instrumenta l d e trabalho, em
amparo aos velhos, órfãos e viúvos, na não repreensão
e, e nfim, nas relações sempre amistosas, concluímos que,
na verdade, a alde ia funcionava como se f ôsse un1 amplo
g rupo familiar, ou seja, um grupo local, definindo-o
como uma comunida d e d e parentesco r eal.
O tipo de r elação económica e social vigente entre
os indivíduos J urúna e que acaba de ser descrito, indica
que a aldeia parece formar uma só unidade, cuja impor-
t â ncia estrutural seria maior do que a d as famílias exten-
sas ou nucleares, encaradas agora como sub-grupos. O
g rupo local seria o e lo de união dessas sub-unidades que
se completam e , como tal , o único a subsistir quando por-
ventura surge algum problema interno, como o da cisão
ocorrida em 196 1.
Tal como acontece com os solteiros, os indivíduos
casados poderão manter r e lações extra-maritais preferen-
temente com os (as) udzalá ou seja, primos cruzados.
f.-lhes permitido també m tal tipo d e rel ação com os (as)
uãuiá. Foi com relutâ ncia que os J urúna deram tal in-
formação e, mesmo depois, alguns home ns chegaram a
dizer que apesar dessa permissão social, "êles não tra-
balham outra mulher", a não ser a espôsa. Inversamen-
t e, as mulheres d eram a mesma informação. Geralmente,
quando vão ao Pôsto Oiauarum, · costumam ter relações
com indivíduos d e o utros g rupos tribais, o que não pa-
rece ser bem aceito pela sociedade J urúna. Algumas
vêzes, quando tal fato é descoberto , o cônjuge que se
sente traído provoca a ruptura do casal. Quando o
homem é o causador da separação, ê le ter á que deixar
o g rupo familiar d a espôsa. Sendo esta última a culpada
da ruptura, será o h omem, ainda, qu em abandonará o
g rupo familiar da mulhe r , em respeito à regra de matri-
localidad e .

212
Os filhos dos casais que se separam poderão ficar
com o homem ou a mulhe r, dependendo de arranjos fa-
miliares ou mesmo tribais n o caso de uma união inter-
-triba l.
Daá, que p a r ece ter s id o o p rincipal causad or da
cisão ocorrida em 196 1, t eve um caso amoroso c o m uma
índia Kamay urá que estava e ntre os T rumái, o que fêz
sua espôsa, Tibi, aband o ná -lo e vol tar para a casa de
seu pai, Xubahú, na a lde ia Bibina, com todos os seus
pertences e dois filhos, um menino e uma garôta ( s 3 ) .
Nessa ocasião, julho d e 1966, é poca de nossa p ! imeir a
visita àquela aldeia, Daá, que se e ncontrava no Pôs to
Diauarum, fê z tudo para reaver os filhos. E m 196 7,
quando retornamos à área, Daá já havia conseg uicio seu
intento e residia com a Kamayurá no Pôsto D'iauaru1n,
havendo nascid o uma m e nina d essa união. Sua a ldeia
estava pràticamente d esfe ita, conforme já foi descrito.
Com Tibi, além da garôta, ficou também a filha que era
casada com Kaluenê, o índio Trumái morto pelos Jurúna.
A matrilocalidade, que pode ser observada nas fi-
guras 3 5 e 36 e que já foi ta ntas vêzes referida nesse
trabalho, n ão se e n contra r e latada na bibliografia. D e
acôrdo com uma s uposição levanta d a por Galvão ( 19 5 2 :
4 75), os Jurúna seriam patrilocais, em 1950. No en-
tanto, de acôrdo com os informantes, a r egra d e res i-
d ê ncia no casamen t o foi sempre ma trilocal ( cf. Olive ira,
1968: 20) .
Nimuendaju ( 194 8: 2 14 e 2 3 3) levantou a hipó -
tese de que a a ld e ia Jurúna possuía uma organização
patrilinear. O que pudemos o b ter durante o trabalho de
I ca1npo indica que, se por um lado o sistema terrninoló-
g ico era bi-lateral, a filiação tribal e ra dada pelo grupo
do pai (cf. fi guras 35 e 36 ).
O fato de êsses índios con siderarem parentes tan to
os d escendentes d o lado paterno q uanto m aterno, se1n
nenhuma dis tinção marcada, n ão exclui a possibilidade
de que , fa~e às condições inter-tribais, êles queiram id en -
tificar-se como J u rúna e resolvam tal questão isolando
determinados indivíduos a través de uma única linha, n o
caso paterno. O problema, portanto, parece ser de adap -
tação à situação atual que estão vivendo com os g rup os
não só alto-xinguanos mas ta mbém os emigrad os recen-
tes para a área d o P ôst o Diauarum.
A comparação do s is te ma d e parentesco d os g rup os
chamados xing uanos com o dos Jurúna, indica que h á
pontos de semelhança e diferenciação en tre um e outro.
A terminolog ia de pa r e ntesco dos xing uanos, con-
forme mostro u Galvão ( 19 5 3 : 2 8) para os grupos da
área em geral e d e acôrdo com o que indicou Carneiro
( 19 5 6 -5 8: 13 6) para os Kuikúro e m particular, possui
traç os dos tipos D a k ota- lroquês e d o Havaiano, uma vez

(83) A outra filha do casa1 , Neõ, por essa época estava casada
com o Trumái chamado Kalue nê.

2 13
que não só os primos paralelos mas também os cruzados
são e quipa ra dos aos siblings. Tal fato, como já abor-
damos, não ocorre entre os j urúna.
A pesar dos primos cruzados e paralelos não serem
disting uidos t erminolõgicamente, o casamento entre os
primeiros é permitido e, de acôrdo com Galvão, provà-
velmente será a forma ideal, enquanto que e ntre os se-
gundos o m esmo não ocorre (Galvão, 19 5 3 : 2 8 e Car-
neiro, 19 5 6 -5 8: 136). Uma situação semelhante se veri-
fica na sociedad e J urúna.
Num e n outro grupo a poliginia é praticada, assim
como o levirato e o sororato (Galvão, 19 5 3: 29 e Dole
in Carneiro and Dole, 1 9 5 6-5 7: 1 96), a família exte nsa
é a forma b ásica de organização familiar (Galvão, 1 9 5 3:
33), o parentesco é reconhecido tanto por via paterna
quanto m a terna (cf. Galvão, 1953: 27, Dole in Carneiro
and Dole, 1956-5 7: 196 e Carneiro, 1956-5 8: 136) e
em ambos os grupos não há linhagens, metades ou clãs
(Carneiro, 1956-5 8: 135).
A matrilocalidade entre os xinguanos é temporária.
o que não se dá com os Jurúna e, tal como ocorre entre
êsses últimos, também os xinguanos, d e acôrdo com Gal-
vão, "consideram desejável o casamento de um homem
adulto com uma menina impúbere" ( 19 5 3: 30).

h - CHEFIA DA ALDEIA

As informações sôbre a chefia Jurúna, fornecidas


a partir de Adalbert - 184 2 - indicam qu e :
a) - a lém do chefe de cada aldeamento, parece ter
havido um ch e fe supremo do grupo que vivia em T ava-
quara na época da viagem de Adalbert ( 1849: 2 5 8 e
301) e em Piranhaquara, de acôrdo com Nimuendaju
( 19 48 : 2 34 ) . (84 )
Segundo Adalbert ( 1849: 258-9) os Jurúna esta-
vam acostumados a prestar obediência a um chefe geral,
cargo transmitido hereditàriamente. Todavia, por oca-
sião da visita e m 184 2, um impasse havia sido ocasio-
nado pelo seguinte : quando falecera o último dêsses
chefes, seu filho e ra "menor", o que suscitou várias ten-
tativas d e impedi-lo de assumir a chefia. O Govêrno

(84) Adalbert (1849: 258) afirma: «Not only was h e t he chief


over the s ix or eight families, with a population of fort.y
to sixty persons, who resided a t the settlement of Tava-
q ua r a, but in addition to this he had put forward his
pretensions, supported by the Brazilian Government, to
the dig nity of Cazique of all the Jurúna ». J á Nimuendaju
(1948: 234) sem referir-se à fonte bibliogrâfica de onde
obteve sua informação diz: «Until shortly before Von den
Steinen's expedition there seems to have been a supreme
chief of the tribe, ·who lived at Piranhaquara.» Brusque
1863: 16), sem fornecer maiores d etalhes, afirma que os
Jurúna que se localizavam nas primeiras ilhas acima das
cachoeiras do Xingu estavam «subordinados a um tuchaua
de nome Jauárá».

214
Brasileiro (s:;) aproveitando-se dêsse fato nomeou o chefe
de 1·avaquara como chefe geral dos Jurúna. o ·s demais
índios não deram muita importância ao fato, urna vez
que aquêle que era o verdadeiro herdeiro do cargo, na
ocasião já se achava com 18 anos. Ê le era o preferido
dos Jurúna, o que gerou indiferença com relação ao
outro. Nessa época já se caracterizava, assim, a inter-
ferência de agências da sociedade nacional no processo
sucessório de uma chefia tribal.
b) - o chefe comum aos vários agrupamentos, em
relação à influê,ncia possuída pelos chefes de cada aldeia,
não exercia grande autoridade ( "any great authority"),
de acôrdo com Adalbert ( 1849: 2 5 9) .
c) - o chefe da aldeia possuía como prerrogativa
o fato de ser representante de seus membros junto às
negociações efetuadas com os brancos e com outros gru-
pos tribais (Adalbert, 1849: 259).
d) - o chefe de um aldeamento não podia inter-
ferir em quest•Ões domésticas, uma vez que as mesmas
ficavam sob o contrôle do pai de família (Adalbert,
1849: 259).
e) - o líder na guerra não era o chefe da aldeia
mas sim um pajé. :Ê ste era consultado sôbre a melhor
maneira de levar a cabo uma incursão hostil. Assumia
o comando e guiava os guerreiros para o lugar que jul-
gava ser o mais próprio para o fim desejado. Sua auto-
ridade, porém, terminava aí. Cada um lutava por si
(Adalbert, 1849: 259. Cf. também Nimuendaju, 1948:
1 233).

f) muitas vêzes, uma só pessoa acumulava as


funções de chefe e pajé ( Adalbert, 1849: 2 60).
g) - um homem quando pretendia casar-se, tinha
que submete:r-se a provas de habilidade e coragem re-
queridas pelo futuro sogro, tais como: matar uma onça,
uma anta ou trazer como troféu o dente de um inimigo
morto. Todavia, os chefes e pajés "are the only excep-
tion to this rule, as every father considers himself for-
tunate to have so distinguished a suitor for his daughter' s
hand ... " (i\dalbert, 1849: 2 5 3).
h) - em geral os Jurúna possuíam uma só espôsa
- mas "the "Tuxáva" has usually several" (Adalbert,
1849: 2 5 3). Steinen, como a confirmar tal fato, diz que
o "tuchaua (em tu pi: tuxaua = chefe, cacique) José pos-
suía, conforme alegava, 3 mulheres" ( 194 2: 282).
i) - a chefia era transmitida de pai para filho
(Nimuendaju, 1948: 233; Galvão, 1952: 475 e Oliveira,
1968: 19).
(85 ) A ação do Govêrno Brasilejr o junto à s populações indí-
genas, na época , era exercic;la através de diretor es de
índios, que co ntrol avam área s r egionais.

215
--~)-~rl~JÊsses traços que evidenciam uma organização polí-
ti~a . mais ,efetiva no passado, não ccorrem nos dias de
hoje. O ·s Jurúna de agora, extremamente aparentados,
reduzidos a um número pequeno e vivendo em contactos
primários uns com os outros, acham-se integrados dentro
de um princípio de cooperação, o que faz com que a
chefia seja antes um problema de relações pessoais do
que de organização política.
Os fatores apontados como causa da cooperação
entre êsses índios acham-se interiigados. O parentesco
parece ser o elemento principal de coesão dos Jurúna.
A ordem social dentro da aldeia é mantida pelos direitos
e deveres que os Jurúna possuem uns com os outros, face
aos laços de consangüinidade que entre êles existe e não
por uma autoridade coatora. As relações de statu.s ba-
seadas no parentesco são as mantenedoras do equilíbrio
dentro do grupo. Os própriqs informantes dizem que
"Jurúna não briga com outro · Jurúna, nem fica brabo.
É tudo parente. Um tem que ajudar outro." Observa-
mos que, quando uma criança chorava por manha, ou
quando alguém praticava um ato não aprovado social-
mente, ninguém interferia. Não verificamos nenhum caso
de furto ou de morte dentro do grupo, causado por ele-
mento do próprio grupo. P'

Enquanto a conduta ' dentro da aldeia é governada 1


pelos vínculos de consangüinidade, o ordenamento das
relações entre os Jurúna e outros grupos tribais é reali-
zado por meio de laços matrimoniais, trocas esporádicas
e mesmo hostilidade's como a morte do T rumái chamado
Kaluenê. E cada um parece agir por si, salvo no caso
de casamentos, quando é preciso o consentimento dos
pais e, às vêzes, de outros parentes. Nessas relações com
as comunidades yizinhas os J urúna sempre procura1n afir-
mar -se como um' g rupo autônomo.
Já as relações entre os J urúna e os brasileiros ou
estrangeiros . são controladas pelo P. N. X. que mantém
nas cercanias da aldeia o Pôsto Diauarum. Dentro da
aldeia, de u~a certa f ~rma, o Pôsto também controla,
uma vez que o atual chefe foi apontado pelos dirigeHtes
do P. N . X.
O chefe ou "capitão" é antes um coordenador do
que governador. E não é um especialista que vive de
seu prestígio e liderança. Não parece possuir qualquer
regalia. Como qualquer outro homem J urúna, êle tra-
balha, constrói casa, pesca, faz cestaria, canoas, remos
e como é um dos indivíduos mais velhos do grupo, trans-
mite aos jovens as estórias e canções tradicionais, que
ainda recorda, de seu povo.
Apesar de existirem, em 1966, duas aldeias, o que
indica que a coesão baseada no parentesco pode ser que-
brada temporàriamente, cada uma delas possuía um chefe
fictício. Não observamos, além do chefe de cada aldea -
mento, um único para os dois grupos, como parece ter
acontecido no passado. Com o desmembramento do gru-

216
po de Daá e o seu r etôrn o à aldeia de Bibina, êste con-
tinuou a ser o único che fe. IÊle é reconhecidamente, ape-
sar de imp ôsto, o "capitão" dos Jurúna. Todavia Bibina
não age como tal mas sim como se fôsse o líder de uma
g rande família extensa, uma vez que está ligado por
laços de parentesco a todos os Jurú na lá r esid entes.
Mas não é 'B ibina sozinho quem coord ena os trabalhos
coletivos, as festas ou cerimônias. Tais decisões são dis-
cutidas conjuntamente p e los cabeças de cada fan1ília. Há
portanto, idealmente, dois tipos d e chefia dentro da so-
ciedade Jurúna: a chefia da aldeia e a chefia d o g rupo
doméstico. Na realidade, porém, são êsses últimos que
unidos por um forte apar entamento agem conjuntamente
n o sentido de que o g rupo se mante nha coeso e possa
sobreviver. São êles que coordenam as atividades eco-
nômicas dos participantes de sua família, fazen do com
que a m esma possa ser suprida não só d e alimentos ne-
cessários à sua sobrevivên cia mas também d o ins trumen-
tal agrícola necessário à produção. Também são ê les
quem provêm o suprimento de manufaturas que muitas
vêzes têm relação com a produção d e a limentos : tipitis,
arcos, flechas, cêstos e canoas, além dos bancos e obje-
tos de a d orn os. São êles, ainda, que coorden am os tra-
b a lhos d os indivíduos d e seu g rup o. Mas nunca inter-
ferem na produção d e obje tos de uso particular, e mb ora
possam ser chamados a opinar. Os vínculos entre êsse
tipo de chefe e seus familiares não se faz na base d e uma
imposição mas sim d e um relaciona m e nto d e status de
pai para filho, de avô para neto, de sog ro para genro e
.
v ice-versa.
As r e laçõ es entre êsses cabeças, sendo d e paren-
J
tesco consan g üíneo ( cf. fi g. 3 7), fa7.e m com que haja
uma solidarie dade gru pa l, não se h avendo notado, du-
rante a pesquisa, atitudes de rivalidade entr e os m es-
mos (ss ) . Êles parecem mais preocupados e m m a nte r a
coesão m a nifesta do g rup o e o seu não desaparecimento
físico do que lutar cada um por um prestígio pessoal
maior do que o outro. Não observamos tensão e ntre os
próprios h a bitantes d a a ld eia mas s im com r elação a

(86 ) Apesar da cisão ocor r ida en1 1961 face a desent endimentos
internos, os dois gru pos r esultantes não eram rivais entre
si. Tomavan1 parte e m cerimônias conjuntas o que, aliás,
era n ecessário por ca usa da pressão den:iográfica e coope-
ravam entre si. Um grupo n ão prete ndia sobrepor-se ao
outro e, con10 já dissemos anteriormente, êles acabaram
por reunir-se novame nte.

Â. = Mortos
Fig. 37 - Diagrama !:::,,, =Vivos
o
d as r e la(,'Ões de pare n -
t esco e ntre os cabe('as b  = Foro do aldeia l:libino
d e família extens~i. o - b -c - d : lndiccçõo dos 4 cabeços de
e d famíl ia extenso.

2 17
g rupos d e fora, tais como, principa lme nte, os T rumái a
quem acusam de feiticeiros e os T xukahamãe com quem
muito brigara m até o contacto com os Villas Boas.
O "capitão" Bibina, a pontado como chefe da al-
d eia, na prática a ge como um m e dia dor das r e lações
e ntre os d emais j urúna e o Pôsto. Nem sempre, porém,
isso se dá. Muitas vêzes, indivíduos dêsse grupo entram
em contac to c om os Vill as Boas ou co m os "caraíbas"
sem que ê le interfira. Essa função provável é semelhante
à relatada por Adalbe rt e exposta e m linhas atrás. Tam-
bém Bibina, como já observara Ada lbert para os c hefes,
em 1842, não pode interferir em q u estões p ertinentes
ao chefe d e família.
Como na atualida d e os Jurúna se acham contidos
com relação a outros grupos, não pudemos observar a
quem pertencia a lidera n ça na guerra que, segundo Adal-
b ert, cabia ao pajé.
A gora , como no p assado, um só homem pode acu-
mular as funções de chefia e paj elança. Bibina se en-
quadra nessa situação.
Na atualidade n ão se observam provas de habilidade
e coragem, antigamente requeridas para o casamento.
O fa to da poliginia , em tempos anteriores, ficar res-
trita aos ch e fes, não corresponde aos relatos forn ecidos I
a tualmente pelos informantes. Há casos registra dos de
poliginia, num passado r ecente, com indivíduos que não
e ram chefes.
Quanto à chefia n o minal, segundo os informa ntes,
é transmitida de pai para filho.
Levanta ndo-se a gen ealogia dos cinco últimos che-
fes ( cf. fig. 38) vê-se que apesar da transmissão de pai
para filho ser a regra ideal, ela n em sempre pode ser
realizada p o r causa dos e ntraves à s ucessão que s urgem
com a falta de filho o u menorid a d e do mesmo. E a
situação d ernográfica d o g rupo parece importante nesse
tipo de sucessão.
O diagram a da fig . 38 indica que o 2. 9 dos cinco
últimos "capitães" cuja gen ealogia conseguimos obter (s7 ) ,
sucedeu n ão ao pai mas sim a seu irmão que fôra morto
numa d as h ostilidades com os índios Kamayurá . f.sse
segundo chefe, cujo nome era 1Marikauá, o Jurúna que
foi pedir a uxílio aos sering u eiros p ara salvar seu g rupo
d os Suyá, teve o filho : Xaradá - que seria seu sucessor,
ro ubado pelos índios T xukahamãe. Quando Marikauá
foi morto, ta mbém pelos T xukahamãe, os Jurúna, segun-
do os informa ntes, estavam reduzidos a um número bas-
tante pequeno, por ca usa das mortes ocasionadas durante
as brigas com os Kamayurá, Suyá e T xukahamãe. Não
havendo n em irmão n e m filho p ara s ucedê-lo, o n ovo
chefe, provàvelmente escolhido por ser o de maio r lide-
(87) Os dados levantados e expostos na fig. 38 foram obtidos
por informações dos a tuais Jurúna. Tal genealogia deve
representar um perí odo aproximado de 40 anos.

218
-· -·
Fig. 38 - Diagrama.
da genealogia dos cin-

3ºT 1º 2º
co últimos «Capitfa.es»
Jurúna.
Á
4º 5º

rança no grupo, foi Xubé, que era tio classificatório da


mulher de Marikauá. E, com a morte de Xubé, sucedeu-
-lhe seu filho Pawaidê. Quando êste, por sua vez, fale-
ceu, o novo chefe deveria ser seu irmão chamado Suririn.
De acôrdo com Cláudio Villas Boas, Suririn não podia
ficar com tal cargo por ser muito môço. Sendo assim,
por influência dos Villas Boas, o novo "capitão", que
aliás é o atual, passou a ser Bibina (ss) uma vez que êle
era mais velho e possuía maior capacidade de liderança.
Êsse chefe fictício ou nominal vem a ser, por extensão,
irmão classificatório do anterior e sobrinho tanto do J.9
quanto do 2. 9 chefe. Havendo-se perguntado a Karan-
dini, filho mais velho de Bibina, se êle sucederia ao pai,
,
quem sera o cap1tao.
.-
respondeu que, quando seu pai morrer, êle não sabe

Levando-se em conta as informações do passado e


as obtidas na atualidade vê-se que a transmissão da che-
fia deixou de ser unilinear para assumir outras formas.
1 Essa flexibilidade dos mecanismos de transmissão
da chefia entre os J urúna advém da organização da pró-
pria sociedade Jurúna. Aquela provável rigidez que se
depreende da informação bibliográfica foi perdida face
às compulsações sofridas em três séculos de contacto cony
os "civilizados". O número demográfico reduzido e a
intervenção dos Villas Boas parecem ser nesses últimos
anos, as causas principais da alteração do processo su-
, .
cesso rio.
Confrontando-se o problema de chefia entre os Ju-
rúna e alguns grupos da área dos formadores do Xingu,
área onde os Jurúna constituem um grupo intrusivo re-
cente, chega-se à conclusão de que há semelhanças e
diferenças entre um e outros.
Tal como acontece nos Jurúna , os xinguanos

... "não possuem uma instituição de chefia/


ou autoridade fortemente centralizada. As próprias
regras que determinam a sucessão ou transmissão

(88) Quando Daá e· seus seguidores, entre os quais Suriri, sepa-


raram-se do grupo de Bibina, Daá passou a ser o líder de
seu grupo. Daá, p-0r sua vez, é irmão classificatório de
P awaidê e Suririn, uma vez que é filho de um irmão con-
sangüíneo d e Xubé.

219
d o status de capitão (chefes de g rupos familiares e
ch e fes d a a ld eia ) nos pareceram frouxas'' (Ga lvão,
1953: 20- 1) .

E , de acôrdo com Ü 'o le, " the Kuikuru r ecognize o n e o f


the ir m embers as hea dman; but the present head m a n is
a leader in title o nly" ( 1966 : 73). Todavia, e nquanto
a coesão d o g rupo J urúna é mantida p e la solida rie dade
gera d a pelas re lações de consangüinidade, o mesmo não
parece ocorre r entre alguns dos g rupos a lto-xing uanos.
Entre os K a m ayurá, por exemplo, apesar d as casas se
relacio n arem por "vínculos de parentesco", a coesão do
g rupo só é nítida quando êles se defrontam con1 o utros
g rupos d a á rea. Entre os próprios membros da aldeia
existem "focos d e conflito e competição aberta" (Barros
Lima, M s 196 7 : 6 7) . Já entre os Kuikúro f oram d esen -
v o lvidos mecanismos a lternativos que asseguram a co-
operação e a coexis tência pacífica. Entre êsses rnecanis-
nos ressaltam os seguintes: a) - a feitiçaria, o u nlelh or,
a necessidad e que o indivíduo tem d e n ão ser consid e-
ra do fe iticeiro, uma vez que assim aco ntecend o poderá
ser m o r to. f.st e processo de seleção e limina aquêles indi-
v íduos anti-sociais e que não g ostam d e cooperar. T a l
fa to implica que o indivíduo Kuikúro cultive uma perso-
na lidade a m igável, que seja generoso e que goste d e
coop erar q ua ndo se reque r tal atividade (Dole, 1966 :
: 7 4 -5) ; b) - a adivinhação de culpas, p elo xamã, o
que indica que, e mbora não se possam fazer acusaç-ões,
o xamã com seu poder sobrenatural poderá fazer u1na
acusação pública (Dole, 1966: 75 -6 ) ; c ) - formas
menores de sanções tais como escarificação d e mulheres
e crianças que são consideradas ladras o u preguiçosas,
violação de mulheres por um grupo de home n s quando
e las olham as fla utas secretas que lhes são vedadas, quei-
.
xas e mexe ricos p a ra os que recusarn cooperar, para os
que não gos tam de emprestar ou dar suas coisas e para
os muito mexeriqueiros ( Dole, 1966: 76- 7). E confo r -
me ocorre e m parte na sociedade j urúna, n o g r upo
Kamayurá:

. "o líde r d a aldeia tem a uto ridade lim itad a,


e depende estreita mente do apoio dos d e m a is che-
fes d e g rup os domés ticos. Essa d ependência se
este nde ainda ao Pôsto que , entre o utras coisas,
pode lh e f o rnecer novas expressões d e " riq ueza" e
novos canais de projeção pessoal'' (Barros Lima,
M s 1967 : 73) .

Afirma m os acima que tal fato ocorre em parte e n ão


in totum no g rupo Jurúna, uma vez que o "capitão"
Bibina n ão parece possuir qualquer autoridade sôbre o
seu grupo. ,.f.le é somente um chefe nominal.
A s semelha nças exis tentes entre os J urúna e os a lto-
-xing ua n os focalizados podem ser compreendidas à luz
d e uma simp lificação da organiza ção política face aos

220
distúrbios demográficos e soc1a1s causados pelo contacto
, com o "civilizado", sendo provável que o maior o u me-
nor g rau dêsse contacto g e r e as diferen ças.

i - CICLO DE VIDA

Foram poucas as inf ormações obtidas acêrca da


g ravidez, nascimento, puberdade e morte <8 9 ). P~ escas-
sez dos dad os, porém, não invalida a sua inclusão n est e
trabalho por causa do ineditismo dos m esmos e d e seu
interêsse para os estudiosos do assunto.

- '
Gravidez

Durante êsse período tanto o marido quanto a


espôsa devem tomar medidas proteto r as, o que impe dirá
o ocasionamento de mal efícios ao fet o. O comporta-
m e nto de ambos é imp ortante para que a gestação se
verifique sem influências malígnas.
1Êles não têm restrições alimentares, ao contrário
dos Kamayurá ( Oberg, 19 5 3 : 61), trabalha m err1 qual-
quer atividad e mas têm que evitar r e lações sexuais com
o cô njuge ou qualquer outro indivíduo, de acôrdo com
os informantes. Essa regra, como outras já mencionadas
neste trabalho, parece existir apenas num plano id ea l.
A realidade se mostra diferente do que a firmam. P'e lo
que pudemos observar dura nte a e stada na aldeia é pro-
vável que assim como ocorre entre os T enetehára
(Wag ley & Galvão, 1961 : 71-2) , o con tacto sexual é
evitado por alguns dias logo após a d escoberta da gra-
videz, sendo r eassumido até que a mulhe r perceba que
sua gestação está bem adia ntada. 'É e ntão novamente
s uspenso até que a criança co mece a a ndar. Toda via,
de acôrdo com o informante Karandini, durante todo
êsse período os pais do nascituro terão que ficar em absti-
nência sexual. Segundo ê le isso é possível porque "Ju-
rúna não é ig ual caraíba que trabalha muito mulher" ,
segundo ouviu dizer.
Embora quatro indivíduos dessem tal informação,
um outro afiançou que " h omem pode tra balhar mulher
com criança para o nenen ficar g rande e n ascer depressa."
Quando a mulher solteira, ou m esmo a casada, tem
uma relação extra-marital e logo dep ois engravida, o
abôrto é norma lmente praticado. Se a g ravidez é pro-
veniente de um contacto a dúltero , ela espera uma oca-
s ião em que seu marido se a usente por um período maior,
quando vai pescar ou caçar, para com o auxílio da mãe

(89 ) Sôbre a infância e a velhice não possuímos dados suficien-


tes para permitir sua inclusão neste item. Note-se, po-
rém, que tanto as criança s q uanto os velhos são tratados
com carinho e amparados. Quanto ao ca samento, foi estu-
dado no item g.

221
expelir o feto através de pressão no ventre materno. De
acôrdo com a informante (Tiano) após essa operação
a mãe da gestante "planta o nenen que saiu". O fato '

é escondido, mormente do marido, porque se êste vem


a saber do acontecido brigará muito , podendo Inatar a
espôsa, segundo as declarações obtidas. Se por outro
lado é uma mulher solteira que engravida o "pai dela
fica brabo muito e bate nela porque filho dela não tem
pai." Com o auxílio da mãe ou de outra parenta ela
também aborta, "quebrando cabeça d.e criança", no ven-
tre, geralmente quando seu pai saiu. Dificilmente elas
deixam o filho nascer.
.
Segundo os informantes, a s1tuaçao -presente e, se-
melhante à do passado.

Nascimento e primeiros meses de vida

O parto é realizado no interior da casa da gestante,


tal como ocorre entre os xinguanos. Em geral os homens
e as crianças que ali cohabitam retiram-se quando a mu-
lher vai dar à luz, embora não haja nenhuma r egra que
proiba a permanência dos mesmos no local do parto.
De acôrdo com os informantes a parturiente fica
sentada num tronco de madeira, sendo assistida por ou-
tra mulher. O cordão umbelical é cortado com uma te- I
soura ou com outro i!1strumento cortante. Depois, mãe
e filho se banham. Durante a pesquisa não tivemos opor-
tunidade de observar tal fato, uma vez que nenhuma
criança nasceu mas, sôbre êsse acontecimento, há um
relato de Adalbert onde êle diz o seguinte:

"The lndian women in these parts suffer so


little in childbirth, that they are scarcely kept a day
from their usual work; nay the Jurúna worr1en even
bathe in the stream with the new-born child imme-
diately after the event" ( 1849: 349).

Acêrca do resg uardo, as informações colhidas em


1966-6 7 diferem das fornecidas por Adalbert. Tanto o
pai quanto a mãe praticam-no durante uma semana apro-
ximadamente. É uma for1na atenuada. Ambos ficam
na rêde. A mulher porque sente dor e o homem espe-
rando que passe a dor da espôsa. A comida dos dois é
preparada pelos parentes. Nesse período há restriç Ões 1

alimentares que devem ser seguidas a fim de que corra


tudo bem com o recém-nascido e êste "não pegue doen-
ça e morra.'' Registramos as seguintes proibições:
Aves: arara vermelha (a canindé pode, em peque-
na quantidade). Mamíferos: anta, ariranha, porco do
mato e onça. Peixes: acará, matrinxão, pintado, piranha
e trairão. Répteis: jacaré e tracajá. Êstes alimentos, ter-
minado o prazo de abstinência, só poderão ser ingeridos
quando cozidos, nunca assados. Além disso, tanto o
homem quanto a mulher não poderão mexer nem na caça

222
nem na pesca. São proibidos d e tocá-las ou cortá-las.
É ainda um pare nte p róximo quem cozinha para ê les.
Tais restrições d evem ser seguidas a té que a criança co-
m e ce a ter algum contrô le muscula r . Há ainda uma ave
- o mutum-castanho e um peixe - o peixe-cachorro ,
que só poderão ser comidos quando a criança começa a
andar. Também êstes a lime ntos d everão ser evitados
para que a criança " n ão pegue doença". Com relação
aos vegetais, há res trição apenas p a r a uma planta , o mi-
lho, que só deve rá ser comido t a mbém quando a criança
tiver contrôle muscular. A infração dessa regra dará
como conseqüê ncia muita coceira ao recém-nascido.
Além d essa s r estrições a lime ntares há outra relativa
ao uso de armas. O pai, a té o umbigo secar, não pode
atirar com flechas. Se o fizer , d a rá sangue no umbigo
da criança. Mas pode usar ca rabina, o que é compreen-
sível, devido ao fato dessa a rma constituir um e lemento
de fora, introduzido ; não faz mal.
As relações sexuais d os pais da criança, que foram
suspensas no início e n o fim da g ravidez só vêm a ser no -
vamente reatadas quando ela começa a andar. Tal proibi-
ção se baseia no fato d e que se essa regra não f ôr seguida ,
o recém-nas cido ch o r a rá muito e vomitará. H o uve um in-
formante, lii.ãbá, que afirmou poder o homem, após 3-4
meses do nascimento d o filho, " tra b a lhar qualquer mu-
lher solteira" com a qual n ão t e nha p roibiç ões. S ua pró-
pria espôsa não pode. Só quando a criança está cami-
nhando. Se não há mulher so lte ira com a qual êles pos-
sam manter intercurso sexual, com o é o caso presente da
aldeia, êles, às escondidas, "mexem" de preferência com
as irmãs da espôsa. Quatro outros informantes, por2m,
neg aram tal possibilida d e. Disse ainda liíãbá que o ho -
mem só não pode "trabalhar sua mulher" antes que a
criança comece a andar porque ela não deve fica r nova-
mente grávida, uma vez que precisa cuidar do filho que
já te m. De acôrdo com os Jurúna, no passado êles a g iam
da m esma forma que atualmente.
O cuidà do com o r ecém-nascido é bastante grande.
A mãe nunca larga o filho. Nos dois primeiros meses
ê le é carregado e m seus braços. Depois, já estando mais
" duro", quand o ela tem que trabalhar, é carregado na
tipóia. Caso contrário fica no colo. Às vêzes é colocado
na rêde-de-dormir sob a vigilância da mãe ou de u ma
parenta. Não h á horá rio para a limentar o recém-nas-
cido. Em g era l quando cho r a a mãe lhe dá o seio. Al-
g uns meses após o nascime nto passará a ser alünentado
também com mingau d e mandioca. Mãe e filho d o rme m
na mesma rêde, sem o pai. Quando a criança já está
andando, porém, mãe, pai e filh o d o rmirão juntos. Is to
pode ocorrer até que êste tenha d e 3 a S anos de idade.
De acôrdo com o que pudemos observar, a criança
só vem a ter um nome depois d e seis meses, aproxima-
damente. Não h á para isso qualque r cerimônia e, seg un-
do os informantes, ta nto o pai q uanto a mãe, os avós ou
um irmão pode rão d á-lo ao r ecém-nascido. Em geral as

223
crianças g anham inicia lme nte o nome d e uma ave, um
inseto o u um a nima lzinho qualquer e , mais ta rde, r ece-
bem outro sem significado a lgum. Os meninos ou as
m eninas que n asceram d e um casamento inte r-tribal tê m
dois nomes: um p e lo qual são conhecid os n o g rupo do
pai e outro na aldeia da mãe.

Pub.erdade
Atualmente não há cerimônia alg uma que marque
a passagem para a puberdade. N o p assa do , de acôrdo
com os informantes, tanto os rapazes quanto as môças
ficavam reclusos em cima de um jírau que e ra arma do
dentro das casas e cuja altura era pouco m eno r que a
d o teto. Dura nte êsse p e ríodo tomava m um remé dio
"para ficar forte" e não podiam cortar o cabe lo. Essa
reclusão durava cêrca de " quatro luas" (qua tro meses
aproximadamente) e quand o d ela saíam, embora os Ju-
rúna atuais não saibam info rmar com precisão, uma festa
e r a cel eb rada. Não recordam d etalhes.
As restrições que an tig amente e r a m impostas acs
homens h o je n ão m ais ocorrem. Já as m u lher es, por oca-
sião da primeira mens truação, devem obe decer às seg uin-
tes normas: 1. 9 ) t ê m que ficar reclusas, e mbora não
m a is em cima de jira us, d e itadas na r ê d e, até que o san-
g ue pare de fluir. Saem apenas para d e fecar o u urina r;
2. <? ) só podem beber água aquecida. Caso contrário, o
ve ntre cr escerá muito; 3 .<? ) não podem fazer qualquer
ta refa. (9 o) Não há restrições alime ntares, exceto piranha.
Entre os xinguanos, conforme tive mos ocasião de
observar nas a ldeias Y awal a pití, Kamayurá e T rnmái , os
r a pazes e môças, em 1965 e 1966, aind a ficavam r eclu-
sos atrás d e uma div isão fe ita na casa, com fôlhas de
p a lmeira. Oberg ( 19 5 3: 65) também menciona êsse
fato com relação aos Kamayurá.

Morte

D·e acôrdo com os informantes, em épocas p assa-


d as, quando morria um Jurúna , o processo d e sepulta-
mento er a o seguinte: 1.<? ) o morto e ra colocado e m
sua rê d e , com seus pertences; 2. <? ) a r ê d e era amarrada
com um cordão; 3. º ) o e nterramento e ra fe ito dentro
d a casa do morto, numa sepultura cavada por seus pa-

(90) Nas menstruações seguintes a mulher poderá beber água


sem ser aq uecída mas não dever á cozinhar nada. Não
pode fa zer m ingau, caxiri, beiju, nem cozer caça ou pesca.
Só a ssar e fazer farinha. Se cozer a lg un1 alimento seu
ventre doer á e quando tiver r ela ções sexuais o homem se
tornará impotente . Também há restrições relativas à ação
de buscar água para beber. Seus parentes lhe· darão ali-
m e ntos e água. Durante o período menstrual a mulher
deverá, ainda, evitar relações sexuais porque senão «homem
fica mole e não entra em mulher.»

22 4
rentes masculinos. Em seguida, essa casa era d errubada
a fim de evitar que as pessoas que lá habitavam morres-
sem com a mesma doença d o indivíduo recém-fa lecido.
O utra morada e ra e rg uida no local da a nterior.
Os parentes primários do morto deveriam cortar
todo o cabelo. Ficavam sem e lhantes a "caraíba careca".
Em seguida ê les eram s ubmetidos a um período d e iso-
lamento e a certas r estriç.ões. A r eclusão se processava
da mesma forma que a d escrita para os rapazes e môças
que entravam na puberdade. Ficavam presos em cima
de jiraus. Só os pais d o morto podiam sair para buscar
ou preparar alimentos. Os irmãos, os filhos, a espôsa
ou o espôso eram proibidos d e afastar-se do local. A re-
clusão durava até que o cab e lo houvesse crescido nova-
mente. Dizem os informa ntes que como êles não pudes-
sem tomar sol, "Jurúna ficava branquinho". Durante
êsse período não podiam usar qualquer enfeite, nem pe-
gar ou passar urucu. ·O m orto er a pranteado por seus
parentes e seu nome n ão mais poderia ser pronunciado.
Adalbert, além d e fo r necer dados sôbre o aban-
dono da morada ( 1849: 2 54) , o sepultamento dentro
da casa (1849 : 25 4 e 260 ) , o pranteamento peios pa-
rentes ( 1849: 260) e o enterramento do morto com
suas armas ( 1849: 2 7 7-8), indica, baseado nas infor-
maçôes do pe. T o rquato que:
. .. " the d ead body is wrap t up in the rede
and placed upon a mat, made of palm-leaves
(tupé): a second mat is then covered over it, the
grave is filled up with earth ( which must be fetched
from the depths o f the forest), and a third tupé
I is finally laid over the whole. Upon a man' s grave
are laid his bow a nd a rro w s, and paddle; while at
the interment of a w o m an, all that she possessed is
thrown into t h e river. Some time after burial,
when only the b o n es remain, these are taken by
the relatives out of th e earth, and hung up in a
mat or basket under the roof of the hut. Thus in
every dwe llin g o f the Jurúnas ( except the d eserted
one just mentione d) we fo und the bones of the dead
preserved in the a bodes of th e living. Dur ing the
first twelvemonth / the survivors g o every morning
and evening to the g rave, to w eep and waíl; and
it is the first duty o f a ny member of the family,
who has been absen t , o n his return to the village
to begin a lamentation for the dead" ( 1849:
: 254-5).
As informações d e Steine n assemelham-se às ante-
riores. IÊ le faz refer ê n cia ao sepultamento dentro da
própria habitação , ao cabelo curto para os parentes fe-
m1n1nos e diz que :
... "a r ede d o parente mais próximo é colo-
cada depois por cima do lug ar em que descança o
morto. Mais tarde, ao que parece, exu1nam os

225
ossos, secam-n' os e guardam-n' os em cestos, mas
nós não tivemos oportunidade de ver alguns dêsses
cestos" ( 194 2: 3 1 4).
Nimuendaju (1948: 243), por seu lado, forneceu os
mesmos dados que Steinen.
Atualmente, os mortos ainda são colocados em
.r êdes com os seus pertences e enterrados dentro de suas
moradas ( cf. 0liveira, 1968: 20), mas já está ocorrendo
1

um relaxamento das regras impostas aos seus parentes.


O cabelo agora é apenas aparado e não há mais a re-
clusão. Todavia, ainda na atualidade, êles não podem
adornar-se e nem m exer com urucu. Continua a haver
restrições quanto ao pronunciamento dos nomes dos mor-
tos, mas alguns J urúna os mencionaram, afirmando que
assim faziam porque estavam a nos ensinar. Entretanto,
tôda vez que êles possuíam alguma indicação que pu-
déssemos entender, o nome do indivíduo falecido era
evitado.
Hoje em dia, de acôrdo com os informantes, a
casa do morto ainda é derrubada mas não se constrói
uma segunda no local da primeira. A nova habitação
é erguida em outro lugar. Não sabiam explicar as ra-
zões dessa mudança mas afirmavam ser provável que
esta houvesse ocorrido porque quando se construía uma
nova morada no mesmo local da anterior, "Jurúna an- 1

tigo peg ava doença. Aí resolveu não fazer mais. ' '
Diferentemente dos Jurúna, os xinguanos, conforme
pudemos notar, enterram seus mortos na praça da aldeia.
Também Murphy & Quain ( 19 5 5 : 90) acêrca dos T ru-
mái e Oberg ( 19 5 3: 6 7) relativamente aos Kamayurá
dão uma informação semelhante. Por outro lado, os pa-
rentes femininos do morto cortam os cabelos (os homens
normalmente os usam curtos) e tanto os homens quanto
as mulheres que estão de luto devem abster-se de usar
pintura corporal. Praticam porém a escarificação que
não é usada pelos J urúna ( cf. Oberg , 19 5 3: 68). De
acôrdo com Oberg, "The mourners are secluded behind
a screen in the house and are not permitted to fish or to
work in the fields" ( 195 3: 68) . 1É provável que atual-
mente, assim como ocorre nos Jurúna, os xinguanos este-
jam relaxando as reg ras relativas à reclusão do luto.

j - IDÉIAS E PRÁTICAS RELIGIOSAS <9 1 )

Como já afirmamos, os Jurúna, em sua m igração


para o Alto Xingu, sofreram uma série de contactos e
influências alienígenas ao mesmo tempo que um decrés-
cimo populacional. Tais fatos levaram a uma desorga-
nização em seus modos de vida, com repercussão no
sistema religioso.

(91) Neste t rabalho r eligião será t e ntativa m ente definida como


i ncl uindo tôdas as idéias e pr ática s concerne ntes à s rela-
ções dos Jurúna com o chan1ado mundo sobrenatural.

226
O material apresentado é porisso mesmo carente
de detalhes porquanto reflete apenas aquêles a8pectos
conservados mais vivos até hoje.
Contrariando a expectativa de Métraux sôbre o fato
de os J urúna terem sido destruídos ou assimilados, e
portanto suas crenças estarem perdidas, restando apenas
"des bribes insuffisantes por une synthese" ( 1928: 4 ),
julgamos que somando as nossas observações às de Ni-
muendaju (1919-20: 1002- 1039 e 1921-22: 367-406)
sôbre os Xipáya, grupo culturalmente afim aos jurúna,
possamos reconstituir parte da vida religiosa dêsses ín-
dios. Será preciso não esquecer, entretanto, que os Ju-
rúna e Xipáya apesar de terem vivido em paz e em
guerra, acabaram por se aliar definitivamente, sendo
muitos Jurúna atuais descendentes de casamentos entre
indivíduos pertencentes aos dois grupos. Tal é o caso,
por exemplo, de nosso principal informante: Karandini,
que poderia ter-nos fornecido dados ti.picamente Xipáya
ao invés de Jurúna. Mas como não possuímos registros
bibliográficos sôbre a tradição religiosa dêstes últimos,
fica aqui apenas a ressalva.
Tanto num grupo quanto noutro, a religiosidade se
manifesta através de:
crença em heróis culturais (9.-z ) descendentes de
uma onça preta. São criaturas remotas e que não pos-
suem contrôle sôbre o que doaram.
crença em espíritos (9 3 ) da água e da mata.
crença em almas (93 ) de Jurúna mortos: homens
.,
comuns e pa1es.
- práticas xamanísticas. O pajé como interme-
diário entre os demais jurúna e os sobrenaturais. (9 ·1 )
- restrições vinculadas ao sobrenatural.
Tais pontos básicos da religiosidade Jurúna levam-
-nos a concluir que a visão do mundo dêsses índios além
de incluir O§ Jurúna, os outros índios, os outros homens

(92) Para uma distinção entre d eus, criador e herói cultural,


veja-se Métraux (1946: 9-25).
(93) Para usar os conceitos de espírito e alma utilizamos o
po·nto de vista de Durkheim (1947: 273) que os distingue,
resumidamente, da seguinte n1aneira:
Alma - prisioneira de um determinado organismo de onde
escapa com a n1ort e, podendo então ter liberdade. Só tem
influência sôbre o corpo q ue anima.
E spírito - embora ligado a objetos particulares e ali resi-
dindo por preferência, leva uma vida independente, pos-
suindo um círculo de ação mais largo e podendo agir sôbre
os indivíduos que dêle se aproxima ou de quem êle se
chega.
(94) Baldus, após mostrar as controvérsias que existem sôbre
o têrmo sobrenatural diz q ue não hesita «em chamar de
sobrenatural todo o inacessível aos nossos sentidos no uni-
verso concebido pelos povos d e que trataremos, ou, con1
outras palavras, todo o acessível apenas pela sua vivência
religiosa. Falamos, então, en1 fôrças sobrenatu rais e entes
sobrenaturais que a t uam no n1undo sobrenatural.» (1965/
/ 66: 193)

227
e os e lementos naturais engloba também os sobre natu-
rais que se assemelham aos anteriores. Êsses sobrenaturais,
que podem ser causadores de males e que é preciso evi-
tar, são controlados ou influenciados através d e paje-
lanças e r estrições a serem seguidas.
A ordenação do cosmos tal qual a vêem é aceita
como b oa e certa para a maior parte dos Jurúna. Exis-
tem, porém, a quêles que estão começando a duvidar
dêsse stat:u quo, co mo é o caso de Karandini e T eninin.
São os que saíram, estiveram fora do Parque, em Ara -
garças, Rio o u São Paulo e puderam defrontar-se com
um mundo mais complexo do que aquêle que o ·3 cerca.
De certa feita, após todos os homens a dult os da
aldeia haverem -se reunido para nos dizer que n ão devía-
mos mais faze r perg untas sôbre Cinaã, o h erói c ultural,
uma v ez que o contar ou falar sôbre tal entidade poderia
acarreta r uma série de desgraças não só para os J urúna
como também para nós, Karandini aproximou-se de
nosso rancho e a firmou que êle não acreditava rnais e m
Cinaã e porisso nos diria os fatos que soubesse. D essa
forma foi-n os possível obter, ainda que fra gmentà ria -
mente, al g uma coisa sôbre a tradição religiosa dos J urúna.
Além d e K a randini, também Káia, Bibina, Suririn, Bisaká,
Pixana, T e ninin e lnãbá forneceram alguns dad os e mbora
relutassem um pouco e sempre dissessem que " Jurúna
velho m or re u tudo" e que êles não sabiam muita coisa
porque e ram muito criança .
'' • • t 9

Tempos Mitológicos e Heróis Culturais

Os Jurúna crêem numa era mitológica em que os


animais e ra m semelhantes aos homens, sendo que alguns
dêles e ram os donos do que talvez se pudesse ch a mar
as artes da vida. Assim, por exemplo, a juriti era a
dona da água, "o g aviãozinho de bico amarelo" era o
d etentor do fogo, a s ucuri possuía plantas de cultivo e
a ariranha tinha a canoa e o remo. O céu, por sua vez,
é concebido como uma réplica do universo terreno. Nessa
época, que seg undo êles foi " há muito tempo", só h avia,
inicialmente, uma onça preta muito g rande chamada
Duká, sua espôsa, um filho e três netos. A mulher de
.D uká era uma índia igual a Jurúna e seu nome e ra des-
conhecido pelos informantes. De acôrdo com êles,
" Onça preta só comia um índio chamado
Abixibiákuamãma (índio sem ânus) que não tem
bunda e porisso só cagava pela bôca. Mulhe r d ê le
n ão comia gente, só bicho, como mutum e m acuco.
Duká não podia sair de dentro d e casa. Estava
prêso. Filho dêle levava índio criança p a ra ê le co-
mer. ii::.le não fala língua de gente. Só mulher dêle
e ntende. Onça preta é pajé muito g rande. Duká
t em um filho chamado Araiá e Araiá tem três fi-
lh os. Não nasceram juntos (não são trigêmeos, nem
gê m eos ) . Primeiro nasceu Kubatá ( ou Kumatá).

228
Depois n asceu Kunharyma e d epois Rubiatá. Duká
ensinou muita coisa para seu fil ho e êste para os
seus. Jurúna aprendeu quase tudo com ê les: faze r
barco, remo , acender fo g o, fazer roça, caxiri , culti-
var pla ntas, fazer casa e viver junto. Onça preta,
seu filh o e seus netos, n ão m orrem nunca. Estão
lá em cima n o céu. "

Os Jurúna n ão podem pronunciar o nome d essas


e ntidades porque tal ação acarretaria uma série d e d es-
g raças : o corre rão doenças, o avião cairá, a cobra e a
piranha m order ão, a lém de ou tros males que poder ão
suceder.
Tanto a o n ça preta co mo seu filho Araiá são conhe-
c idos por outros nomes: Kumãhári e Cina,ã (nn>, cuja
menção é menos carregada de azar. Kumãhári no sen-
tido de sere m um paj é muito grande e Cinaã por ser em
o pai de tudo. Costumam também ch amar a Araiá de
"Nosso Pai" <96 ) . Dizem ê les que Cinaã é como o "deus
d e car a íba" e, pelo que se pôd e d epr eender, Araiá seria
o h e rói cultural por exce lência dos Jur úna.
Os X ipáya fazem r e fe rência a um Kumãr,o ári velh o
e a ou tro m ôço, pai e filho, sendo que êste últ imo e ra
a inda conhecido por Semãwár,oa, Sekárika (nosso criado r)
e Marusawa q ua nd o é r eferido c omo o pai de d ois ir-
mãos, Kunãrima e ArUi,8iatá. Já o mais velho, o pai, era
conhecido por Seõã (nosso fal ecido) (Nimuendaj u ,
19 19-20: 10 13 e 101 5 e 1948 : 241 ). <97 ) Também Ni-
muendaju ( 19 19-20 : 1002) faz r e fe r ê n cia ao fa t o d e os
X ipáya sent irem receio d e fa la r em Kumãr,oári. Sôbr e
os dois irmãos da versão X ipáya, Nimuendaju obteve
alguns dad os fragmentários que ind icam ser Kunarima
filho de Kumãr,oári, enquanto que a pa te rnid ade de
Ar~iatá seria atribuída a Mukura. Os indícios por ê le
colhidos fizeram-no pensar que a versão X ip áya fôsse
semel hante à tu p i (Tembés) acêrca da o r igem dos dois
gêmeos. (9 s )
Apesar de os Jurúna atuais n ão fazerem referência
aos gêmeos, característica que se acha presente n os X i-
páya, acredita mos que as duas versões - Jurúna e Xi-
p áya - , sejam básica e fun cionalmente uma só. 0 ' fato de
os Xipáya falare m em dois irmãos e os J urúna em três po-
derá deve r-se à circunstância de um d esdobramento e ntre

(95) Segundo os informantes, tanto a onça preta quanto seu


filho e netos são conhec idos por Cinaã e J(umãhári. Toda-
via , a o r elatarem os mitos, êles só usa vam êsses dois têr-
mos para r eferir-se a Duká e Araiá. Os três irmãos foram
mencionados pelo próprio nome.
(96) Afirmou Karandini que os seringueiros chama1n Oin aã de
Cornandu e que «sering ueiro sabe a estória dêle. Cinaã
pai dêles. Seringueiro foi lá no «Nosso Pai». Jurúna tam-
bém foi lá. Seringueir a levo u Jurúna lá. É muito longe;
fica lá e n1 cin1a. Dorme muito até chegar lá.»
(97 ) Cf. t a m bém Métraux (1928 : 15) .
(98) Cf. também Métraux (1928: 33 e 34) e Lévi-Strauss (1964:
180).

229
êsses últimos. O que parece importar é que as funções
de dois dêles foram as mesmas. Conforme se poderá
ver mais adiante, no mito <99 ) da água, após a quebra
do recipiente onde era guardada, há apenas dois e não
três papéis distintos para os irmãos: o de ser engolido
pelo peixe e o de conseguir escapulir. Já a ação de
libertar a água foi uma só. lnf elizmente, só conseguimos
êsse mito sôbre as façanhas dos irmãos, o que limita
nossa conclusão acima exposta.
·O fato de haver nomes na versão Jurúna que não
existem na Xipáya e vice-versa não altera as funções res-
pectivas. Tanto num grupo quanto noutro, Kumãhári
(Kumã·cpári), o filho, é quem é considerado o criador
real da nação.
Sôbre os índios sem ânus, que os J urúna chamam
de Abixibiakuamãma, Nimuendaju (1919-20: 1021 -2)
também faz referência, contando um mito a respeito.
Tais índios, entre os Xipáya, são conhecidos por Adji
(selvagens) e foram logrados pelos dois irmãos, ou me-
lhor, por Kunarima bàsicamente, que enterro-;_. uma ponta
de flecha nas nádegas de cada um, dizendo-lhes que
dessa forma lhes faria um ânus. Com isso conseguiu
matar um g rande número, só não havendo acabado com
todos por causa do êrro cometido por Arufliatá e que
fêz com que os restantes desconfiassem e fugissem. Os /
mortos foram trinchados e assados, e os pedaços, leva-
dos ao pai. Essa carne é o alimento comum de Marusawa.
Quando ela acaba, os ossos são soprados e novamente
ficam recobertos de carne. f. preciso notar, porém, que
os J urúna .n ão possuem tal versão. Só existe a lem-
brança da carne dêsses índios sem ânus ser o alimento
da onça prêta que, no caso J urúna, é referida como
sendo o avô dos irmãos. já os Xipáya, mostram o avô,
Kumãcpári, o velho, como morto (Nimuendaju, 1919-2 O:
1O1 5), enquanto que o môço Marusawa, que possuía for-
ma de gente, agora tem o aspecto de um 1aguar. Con-
serva seus hábitos antropófagos.
Conforme afirmaram os informantes, "Cinaã não
morre nunca", assertiva que entra em contradição
com o fato de os Jurúna haverem tentado rnatá-lo por
ocasião da migração para o Xingu. ·O s dizeres Xipáya
com relação a êsse fato parecem mais plausíveis. De

(99) Sôbre êsse a specto da t r adição, aceitamos o ponto de vista


de MalinO'wski: <<'W hile in the m ere fireside tale the socio-
logical context is na r r o·w, the le.giend ente·rs much more
deeply into the triba l life of t he· community, and the myth
pla,ys a m ost import ant function. ~th, as a statem e nt of
pr im eval reality which still lives in prese nt-day life and
a s a justification by p recedent, supp.Jies a retrospective
pat eern of m or al va lues, sociologica1 order, and m a gicai
belief. It is, therefore, neither a mere narr ative, nor a
form of science, nor a branch of art or hist ory, nor an
explana tory tale . . . T he function of m yth, briefly , is t o
strengt hen t r a dition and endow it with a greater value
a nd pr estige by tracing it back to a higher, better, mor e
super natural realit y of init ial events.» (1948: 122).

230
acôrdo com Nimuendaju ( 1919-20: 1O13), K,umã~ári
<100 ) possui uma imortalidade relativa uma vez que atra-
vés de astúcias mágicas consegue evitar o perigo de
vida. ( 101)
Sôbre as ações dessas entidades mitológicas os Ju-
rúna contam o seguinte:

Roubo da canoa e do remo ( lo.z )

"Primeiro "Nosso Pai" não tem remo nem


canoa. Ariranha é que era dona. Era gente. Quan-
do "Nosso Pai" queria andar na água ia no pau
sêco (jangada: pau e envira, segundo Galvão).
Kumãhári pediu canoa mas o chefe das ariranhas
não quis ensinar. K:umãhári foi até a aldeia delas.
Já ia de plano. Aí ariranha estava no acampamen-
to e chamou "Nosso Pai" que passava na água. Aí
"Nosso Pai" disse: "Não, não posso parar, como
vou encostar se não tenho remo?''. Ariranha foi
buscar êle e brigou um pouquinho: "Como é que
você sendo um pajé grande não sabe fazer canoa?''
Ariranha tinha levado êle p'ro acampamento. "Pai
Nosso" também ficou bravo com ariranha porque
ariranha estava comendo todo peixe assado dêle.
"Nosso Pai" pediu para ariranha mostrar remo e
canoa. Ariranha não quis. Ariranha estava comen-
do peixe de "Nosso Pai". iÊste então correu, apa-
nhou o remo e deu uma porrada na bunda da ari-
ranha. Disse: "teu remo agora vai ser aí". É porisso
que ariranha tem o remo na bunda; é o rabo dela.
I Ariranha assustou-se e caiu n' água. Quando caiu,
"Nosso Pai" soprou êle e ariranha virou bicho.
"Nosso Pai" pegou remo e canoa. "Nosso Pai"
disse para ariranha: "agora você só vai comer peixe
..
cru.'' Ariranha brigou um pouquinho e foi embo-
ra.
Roubo do fogo

"O dono do fogo era um gaviãozinho de bico


amarelo. "Nosso Pai" não tem fogo. Come peixe
cru, dá dor de barriga, aí êle queria fogo. Gavião-
zinho não quer dar. Gaviãozinho disse: "Não, você
é muito pajé grande, sabe fazer fogo para você."
"Nosso Pai'' está pensando como enganar gaviãozi-
nho e tirar fogo dêle. Aí "Nosso Pai" virou pau
sêco. Gaviãozinho era gente. Leva fogo pendu-
rado ao ombro. Matou um bicho e, a fim de cor-
tá-lo, pendurou o fogo na mão do "Nosso Pai",

(100) Nimuendaju para referir-se não só a Kumãmri como


também aos sobrenaturais das matas, rios e o céu dos
Xipá;ya utiliza o têrmo demônio.
(101) Cf. também Métraux (1928: 8).
(102) Uma versão semelhante a essa foi obtida por Galvão
entre êsses mesmos Jurúna, em 1965.

231
I

que tinha virado pau sêco. Aí " Nosso P a.i" que


estava com a m ão estendida como se fôsse um ga-
lho, pegou fo g o dêle . Depois soprou o gaviãozi-
nho e ê le virou o pássaro. Gaviãozinho brig ou um
pouco, d epois voou e foi embora. Gavião trazia
o fo go num bornal, às costas. Hoj e, ainda, é cos-
tume deixar um pedaço assado de caça num jirau,
p ' ro gav1ao comer. Toaneka era o nom e d o ga-
v1ao dono do fo g o." <1 0 3 )

R o u bo da ca n oa, remo e fogo (versão conjunta)

"Araiá não tem fogo. Filhos d ê le comer a m


peixe c ru e cagaram muito. Araiá está bravo por-
que n ão tem fo g o. Ariranha é igual ge nte. Ari-
ranha tem fogo. Ariranha mora junto com gavião-
zinho. Gaviãozinho também é igual gente rr1as tem
pena. Gaviãozinho é quem acende fo g o para a ri -
ranha. Ariranha está no acampamento e está co-
1nend o n a proa d e uma canoa. Ariranha n ão que r
d ar fo go para Araiá. Araiá e os filhos vinham d es-
c e n do o rio e m cima de um pau sêco. Aí c h egou
n o acampam e nto da ariranha. Ariranha está co-
m e nd o peixe quase cru. Ariranha cham ou Araiá
e os filhos para o acampamento. Quan d o ch egou
I
lá, Araiá p egou remo e bateu n a bunda d a a r iranha.
Remo enfiou dentro e porisso é que rabo d e a ri-
ranha é g rande. Ariranha espantou, caiu n'água
e viro u b icho. Aí pegou piranha e outros peixes.
Araiá, e ntão, peg ou canoa e remo. Não p egou fogo
porque a rira nha havia apagado com á g ua. Araiá
não le vou fo g o. Quando ariranha caiu n ' águ a, o
gaviãozinh o voou e levou fogo. Araiá, querendo
pegar fogo, fin g iu morrer. Araiá ~ pajé muito g ran-
d e , porisso fico u ig ual morto. Já estava npodre-
cendo , bich o estava comendo carn e. Urubu está
voando e comendo. Araiá está d e itado com as
mãos e os pés esticados. Aí gaviãozinho veio e
procuro u um lugar para colocar o fo go, pois queria
tomar ba nho. Araiá, com as mãos es tic adas, fêe-se
d e pau sêco . Gaviãozinho então colocou .fogo na
mão d e Araiá, pensando que era pau sêco caído.
Gaviãozinho que brou mão dêle e colocou fogo
dentro. Araiá n ão g ritou e agarrou o f ogo. Quan-
do Araiá r o u bou o fo go, gaviãozinho virou bicho."

(103) Galvão en1 1965 coletou uma versão semelhante a essa,


variando apenas pelo fato de que a sua possui alguns
detalhes q ue faltam na nossa. São os seguintes: 1.Q)
antes de ter fogo, a carne e o peixe eram assados no· sol
e n ão comidos cru. 2.Q) Kun1ãhãri quando decidiu roubar
o fogo do gavião, pediu o auxílio do sapo: «mandou o
sapo buscar. O sapo roubou uma brasa e botou na bôca
nias, perto da aldeia, a brasa apagou. Voltou. Novo insu-
cesso. Kumãhári decidiu ir êle mesmo. » Daí por dia nte
a versão de Galvão é idêntica à nossa.

232
Criação dos g rup os tribais

Criação d e J urúna

" P ai d e Jurúna, de todos os outros índios é


Cinaã. Para fazer Jurúna, Cinaã cortou pau n o
mato e d epois soprou, virando gente. Há muito
tempo Jurúna pintava a bôca d e prêto. Cinaã fêz
assim. Agora acabou , não quer pintar mais. "

Criação de Suyá

"Suyá n asceu d e pau cortado por Cinaã. Po-


risso êles usam pau no beiço e borduna. Jurúna
também nasceu d e pau cortado. Mas J urúna só
tinha arco e flech a .''

Criação d os alto-xing uanos

''Kamay urá era barbante. Cinaã cortou o b a r-


ban te com faca e aí nasceu Kamayurá. K amayu rá
e os alto -xing uanos em g eral. Porisso é que êles
usam cinturão, braçadeiras e jarreteiras d e b ar-
bante. "

Origem d os T x ukahamãe

"T xukahamãe fo i feito d e sucuri. Pai de


T xukahamãe era sucuri e mãe dêle era mulher j u-
rúna. Mulher do irmão d a mãe de T xukahamãe
não gostava dela. M atou peixe e não deu para ela.
1 Aí ela foi p'ro mato caçar ôvo. Achou ôvo de
sucuri. Pegou e comeu. Ü 'e pois tem criança na
barriga. Nasceu s ucuri. Sucuri sobe no pau para
tirar castanha. <Qua ndo vai subir fica gente . lf . o
T xukaham ãe. Depois d esce e vira sucuri de nôvo.
Aí entra na mulher Jurúna. A mulher Jurúna todo
d ia ia n o mato . Depois outro Jurúna foi no mato
e v iu s ucuri entrando na mulhe r J ur úna. Vê s ucuri
(gente) tirando casta nha. Depois desce, acend e
fo go, assa castanh a , d epo is vira sucuri e e n tra n a
barriga da mulhe r. O utro que viu, contou p ara
irmão da mulher. Irmão d ela fica bravo e foi lá
no mato. Foi o lhar. Viu que a irmã dêle estava
olhando sucuri p egar castanh a . Depois sucuri d es-
ceu. Quando d esceu ê le matou a sucuri e b a teu na
mãe da s ucuri (irmã dêle). Depois que bateu na
irmã êle cortou sucuri. Enfiou pau para furar su-
curi. Rabo de sucuri não furou. Porisso que Txuka-
hamãe tem bôca furada. Depois que mato u tudo,
cortou tudo, f o i embora. M ãe de sucuri (mulher
Jurúna) ficou n o mato. Sucuri morta. Aí tem
muita chuva. Todo dia chove. Quando chuva pas-
sou, irmão dela foi lá o lhar. A sucuri tinha fica d o
gen te quando está ch ovendo . Ela está virand o gen -

233
te, T xukahamãe. Tem muito. Mãe d e sucuri e stá
lá, pede p'ra êle não matar. Aí êle deixa. D·e pois
foi embora. Quando voltou tinha mais T xukaha-
mãe, muita casa coberta c om fôlha de bananeira
brava. Aí a irmã dêle disse : " Não volta que T xu-
kahamãe mata você" . Mas ê le volta. Tem mais
T xukahamãe. Tem muito, muita casa coberta com
fôlha d e bananeira brava. A irmã d ê le está falan-
do: " Não mata êle" . Mas T xukahamãe mata o
Jurúna. Txukahamãe não tem arco, só borduna
(mãe de sucuri quem fêz). Depois Jurúna não sabe
dizer mais o que aconteceu, porque Jurúna não foi
mais lá. T xukahamãe é uahá de J urúna. ''

Criação de índio que parece T xukahamãe

" Mãe de T xukahamãe foi cortar pau. Corta


muito. Depois sopra. Vira gente. Vira outro índio
muito grande que parece T xukahamãe.''

Criação de Kayabí e outros índios

"Jurúna não sabe. Só antigo é que sabia. Mas


morreu tudo."

Criação de caraíba ( 1. ·~ versão)

"Pai de caraíba é Cinaã. Cinaã andou na


praia descalço. Ficaram as pegadas. Aí Cinaã so -
prou essas marcas e virou gente, muita gente. Vi-
rou caraíba. Aí caraíba e j urúna andavam juntos."

Criação de caraíba ( 2. •:t v ersão)

"Caraíba era J urúna. J urúna mesmo virou ca-


·..i;aíba. Caraíba, há muito tempo, era J urúna. Ü'e pois
é J;Jue virou "caraíba". Antes não tinha caraíba."

Local de criaç ão

"Parece que foi no Ama zonas (JOJ) que Cinaã


fêz todo mundo, menos T xukahamãe (mulher J u-
rúna foi quem o fê z). Foi lá também que se deu a
diferenciação cultural. Eram todos iguais, falavam
a mesma língua. Ficaram diferentes quando Cinaã
mandou cada um para um lugar após a tentativa
feita pelos Jurúna de matá-lo. Araiá e os filhos foi
quem trabalharam tôda gente lá no Amazonas."

(104 ) Segu nd o um depoim en to Jurúna , «aqui (Alto Xingu) nã o


é t erra de Jurúna. Terra d e Jurúna é perto do· Amazona s.
Quando Clá udio (V. Boas) f ôr embora nós vamos em bora
também. Aqui não é nossa t er r a. É terra de Kamayurá
e de ou tros».

234
Obtenção das plantas de cultivo (ior; )

"Antigamente Jurúna não tinha plantas de cul-


tivo. Só o milho que era grande como o buriti.
As espigas davam como cacho de bananas. Mas
ficava muito alto. Difícil de apanha r. Kumãhári
sabia que o sucuri tinha planta de comer. Mas era
um Sucuri monstro. J urúna tinha mêdo de chegar
perto. Ê le matava gente. Kumãhári era pajé. So-
nhou muito para ver como arrancava as plantas
do Sucuri. Aí mandou J urúna esperar que e$tivesse
dormindo. Mandou derrubar os paus todos da ma-
ta em cima do Sucuri. l'ocaram fogo e, o Sucuri,
prêso nos paus, queimou e morreu. Kumãhári man-
dou esperar. Começou a cair muita chuva. Passado
muito tempo de chuva, Kumãhári mandou J urúna
no lugar que tinha queimado Sucuri. O roçado es-
tava cheio de plantas de comer. Milho, mandioca,
melancia, abóbora, mamão, pimenta, cará, batata,
cabaça, cuia. Jurúna trouxe as frutas para a aldeia.
Mas não sabia preparar comida. Quis assar a me-
lancia no fogo, ela espocou. Comia pimenta crua,
parecia fogo. Abria a cabaça para comer a polpa,
ia ficando magro. Mandioca fazia ficar doente. Foi
então que witxitxi, um passarinho, falou p'ro ju-
rúna que ia ensinar a preparar comida. Ai foi fa-
lando: pimenta só com peixe; cabaça tira a polpa,
deixa secar que serve para carregar água; melancia
e mamão come cru. Mandioca é p' ra fazer farinha.
·É bom também p ' ra caxiri. Com a abóbora, cozi-
nha e faz mingau. Banana, corta o cacho, pendura
f
e deixa amadurecer, come cru. E assim, planta por
planta, êle ensinou Jurúna. Witxitxi, o passarinho,
só come mamão. J urúna não mata witxitxi. A pri-
meira comida do Jurúna foi ywiaipá, um pau de
que se arranca a casca como a envira. Secava na
panela_e depois socava no pilão e p eneirava. Ficava
como farinha fina, boa de comer."

A libertação da água e origem dos rios Xing u e


Amazonas

" Antigamente era tudo sêco. Jurúna morava


dentro do mato e não tinha á gua. Só bebia água
de embira. Cortava a embira e bebia a água. Não
havia rio. Tudo sêco, igual praia. Água tem dono
mas dono não dá. Juriti era dona da água. Juriti ·
era gente. A água era guardada em três lugares
que parecem tambor grande <106 ) . Os filhos de Cinaã
estavam com sêde e foran1 pedir água para passa-

(105) Versã o cole tada por Galvã o, na aldeia Bibina, em 1965.


(106 ) Embora n ão haja obtido uma versão dêsse m ito, Galvão
coletou, entre os Jurúna, em 1965, uma informação de
q ue a água e ra g uar dada em duas pedras grandes seme-
lhantes a un1 garrafão.

235
rinho. P assarinho nao deu. Disse: "Seu pai é pajé
muito g r ande, porqu e não dá água par a vocês?"
Aí ê les voltaram e ch o r aram. Cinaã perguntou por-
que choravam e ê les disseram. Cinaã falou para
não irem mais lá. f. les disseram que iam e Cinaã
disse para n ão ir porque era perigoso, tinha peixe
lá dentro. iÊ les foram assim mesmo. Quebraram
água. Cada irmão quebrou um lugar de água. Quan-
do água saiu, juriti virou bicho. Pularam longe mas
o peixe grande que estava lá dentro en g oliu
Rubiatá; só perna ficou fora d a b ôca. Os outros
dois irmãos foram pegar peixe e Rubiatá. Foram
na frente do peixe. Era tudo sêco. F ora1n fazer
cachoeira e foram andando (correndo) pelo lugar
onde atualmente é o Xingu. Peixe g rande foi atrás,
foi levando água e fazendo rio (rio X ing u). Foram
até chegar no Amazonas. Lá irmãos dêle pegaram
ê le. Os irmãos d ê le fizeram p e dra a lta, água p as-
sou por cima (cachoeira), aí ê les p egaram o peixe
e tiraram o irmão. Mãe de Rubiatá está lá em c i-
ma chorando. Pai dêle disse : "D·eixa roubar êle,
êle quis quebra r água". Para fazer cachoeira os
dois irmãos cortaram pau e colocaram ê les atraves-
sando o rio . Aí virou pedra a lta. Pegaran1 pau no
mato. Quando os dois irmãos co nseguiram tirar
Rubiatá, ê le estava morto. Peixe tinha co:nido, só
perna que fica r a fora da b ôca. Aí irmãos dêle cor-
taram ê le, pega ram sangue, soprar a m e aí v iro u
gente novame nte . Rubiatá, então, perguntou por-
que estava assim e irmãos d êle disseram que ê le
era muito mol e . "Por que não pulou longe?" D e-
pois que tira r am Rubiatá, êles sopraram a água lá
no Amazonas e o rio ficou mais larg o. Amazonas
rio muito g r a nde. Depois os três apareceram lá
no pai d ê les. Disseram que t in h a m quebrado a
água e que t ôda vida ê les iam b eber água do rio.'·

Dilúvio - Mig ração - T en tativa d e mata r Cinaã -


Antropofag ia

" Primeiro não tinha rio. Não tinha água. Era


tudo sêco. Juriti e ra dona da água. Cinaã ficou
com sêde. J uriti não quis d ar água. Cinaã ficou
bravo e quebrou lug ar o nd e h avia água de J uriti.
Água veio d escend o para cá a té no Amazonas. Aí
Cinaã fêz Jurúna no Amazonas. Tinha muita a l-
deia jurúna. ,Á g ua a lag ou tu do. Rio ficou cheio,
acabou terra , mato sumiu, água foi subindo. Só
ficou morro. Aí Cinaã levou Jurúna p'ro morro e
deu comida p'ra Jurúna pois comida acabou. Cinaã
tinha canoa muito g rande. Plantou mandioca na
proa. Tiravam mandioca d e canoa. Ü 'e noite cres-
cia outra vez. Cinaã era muito pajé porisso podia
dar co mida. M esmo assim muitos morreram d e fo -
me, outros se perder a m . 1Quem estava perto de

236
Cinaã não morre u. Quando á gua acabou ) J urúna
desceu. Cinaã desceu primeiro, na frente. Foi en-
sinar caminho do Xingu. Vinham pelo mato. Ju-
rúna foi atrás. Outro foi atrás. Cinaã já estava no
Xingu, esperando J urúna, quando nasceu uma crian-
ç a no g rupo que vinha na frente. Deixaram "negó-
cio de menino" (placenta) no chão. 0 grupo que
1

vinha atrás estava com fome e , vendo o "negócio


de menino" pensou que fôsse tripa de bicho que
o grupo da frente tinha matado. Aí assou e comeu.
Quando os dois grupos chegaram no rio Xingu, o
grupo que vinha atrás contou ao da frente que ha-
via comido a tripa que êles tinham deixado no mato.
Aí outro disse: "Não, não era tripa de bicho não.
Isso era "negócio de menino". Os que haviam co-
mido o "negócio de menino" ficaram bravos e dis-
seram que não iam mais no rio, que voltariam. Vol-
tou muita gente p'ro mato. Virou índio bravo lá
no mato mesmo. Aí os outros (grupo que vinha
na frente) foram para uma ilha e fizeram aldeia
chamada Kiriakanã que quer dizer ilha que tem
muito periquito. Depois J urúna queria comer carne
de gente e Cinaã não quis dar porque havia pouca
para êle. Jurúna, há muito tempo comia gente.
Jurúna, então, quis matar Cinaã. Cinaã foi embora.
Jurúna foi atrás. Cinaã tinha dito p'ra Jurúna:
" V ocês vão ficar aqui e eu vou procurar outro lu-
gar". Mas Jurúna foi atrás. Encontrou êle. Aí
Cinaã disse: "Jurúna fica aqui e não vai mais atrás
de mim''. (Isso foi lá embaixo, num braço do
I
Xingu que parece chamar Rio Fresco) . Aí Cinaã
deixou êles. Quando Cinaã foi embora p' ra outro
lugar, Jurúna foi subindo para cá. Primeiro tinha
muita gente. Aí outro veio para cá, outro ficou
morando no Amazonas. Cinaã foi embora. Estava
muito bravo com J urúna. Fêz aldeia muito longe.
Hoje os Jurúna não sabem onde êle mora. Acham
que fica para o lado de Altamira. Perto do A .m a-
zonas e Xingu havia padre. J urúna comeu padre.
Carne de padre, carne de gente era amarga. Aí
Jurúna só pode comer carne de índio mes1no. Ju-
rúna brigou muito com outro índio, com "cabana"
e com seringueiro até encontrar o Cláudio (V.
Boas)."

Diferenciação das línguas e das culturas

" Língua de Cinaã é igual líng ua de Jurúna.


Primeiro língua de J urúna e caraíba era igual. De-
pois Jurúna ficou bravo com Cinaã (cf. mito ante-
rior) e quer matar êle. Pediu p'ra caraíba ajudar
êles. Caraíba não quis e aí j urúna sozinho é quem
quer matar Cinaã. Aí Cinaã foi embora. Outro
contou p ' ra êle que Jurúna queria matar êle. Jurúna,
"caraíba" e outros índios moravam juntos em Ki

237
riakanã ( cf. mito anterior-). Todos falavam a mes-
ma língua. Tinham subido ao morro quando água
subiu, juntos com Cinaã. Quando descerarn foram
para Kiriakanã. Quando Jurúna quer matar Cinaã,
êle vai embora. Primeiro mandou cada um para
um lugar. "Caraíba" ficou por lá m esmo, outro índio
foi para outro lugar e J urúna subiu o Xingu. Depois
Cinaã foi embora. Jurúna foi atrás e achou êle
onde Cinaã d eixou "caraíba". Mas Cinaã torna a
ir embora e J urúna não acha mais. Quando Cinaã
mandou cada um para um lugar, deu também uma
língua para cada um. jurúna ficou com a língua
de Cinaã. Jurúna ajudou "caraíba " a fazer casa,
depois foi embora, subiu o Xing u. "Caraíba" ficou
morando perto de Cinaã porque não quis matar êle.
Porisso sabe uma porção de coisas que J urúna não
sabe. Jurúna morava longe. "

Comparando-se os dados que obtivemos entre os


Jurúna com aquêles fornecidos por Nimuendaju acêrca
dos Xipáya poderemos hipoteticamente, em alguns casos,
e com certeza, em outros, deduzir as atuações respectivas
do avô, pai e netos.
A Kumã<pári pai, Nimuendaju atribui duas ações:
1.9) a de haver transformado gente em porcos selvagens
por não ter atendido prontamente a um pedido seu
( 1919-20: 1O1 3 -4) e 2 .9) a de haver transformado a
ariranha e outros animais do rio, que antigamente eram
g ente, em bichos. !Êles estavam sujeitos a Kumã<pári para
quem pescavam. Tal fato aborrecia a ariranha e a fazia
resmungar. Kumãc,oári r eso lveu castigá-la e transformou-a
em animal soprando nela a fumaça d e um charuto e
mandando-a atirar-se ao rio. O ·s outros tambéu1 foram
transformados em bichos e assim acabaram-se as pessoas.
Kumãc,oári pôs-se a ir de uma aldeia a outra atrás d e
gente, mas não havia mais. Também não havia fogo
porque as aves o h aviam levado. Ficar sem fogo era
ruim para Kumã<pári. Passava mal. Quando transitava
pela habitação da ariranha esta o chamou e o enganou
dizendo -lhe ser um parente seu e fazendo -o ver fogo e
peixes assados, que na verdade não existiam. Deu-lhe
d e comer bananas e ê le pensou que f ôssem piaus assados.
Também caxiri êle tomou por peixe. cQuando Kumã<pári
se levantou, a ariranha merg ulhou no rio e êle a.r remes-
sou-lhe seu remo, o qual ficou prêso na ariranh;;t igual
a um rabo, sendo essa a razão dela possuir a cauda
achatada. Ao voltar para casa Kumã<pári sentiu-se mal,
. teve dor de barriga e morreu antes de chegar na sua
morada (1919-20: 1014-15).
A primeira dessas ações não foi narrada pelos Ju-
rúna. Com relação à segunda, acreditamos que tanto a
versão Jurúna quanto a Xipáya estão fragmentadas e
que se reunirmos ambas teremos uma visão mais com-
ple ta do mito. As duas parecem ter um só fundamento.
Assim, se acrescentarmos na parte inicial do mito nar-

238
rado por Nimuendaju, que Kumi<,oári roubou a canoa e
o remo da ariranha após transformá- la em animal, acre-
ditamos que o mito se integralize.
A K:umã<,oári filho Nimuendaju atribui o roubo d o
fogo e a criação dos g rupos tribais.
O fogo, que teria sido furtad o após a morte de
Kumã<pári, o velho, pertencia, de acôrdo com os Xipáya,
ao gavião de anta que voava com um tição nas garras.
P a ra subtraí-lo, Kumã<pári fingiu-se de morto numa pri-
meira tentativa m as não teve sorte. Em seguida trans-
formou-se em veado e morreu nova m ente. Como essa
tentativa também fracassasse, Kumã<,oári fingiu-se ainda
uma vez de morto, estendendo seus braços que penetra-
ram na terra e se transformaram em galhos. Quando o
gavião foi comer a carniça deixou o tição numa das mãos
de Kumã<pári que o agarrou e leva nto u-se, ficando com
o fogo. O gavião ainda g ritou que êle era filho de
Kumã<pári e não sabia fazer fo go, cujo processo consistia
em deitar varas d e urucu ao sol, r evolvendo uma
na outra. D essa forma, Kwnã<pári filho ficou com o
tição e aprendeu a fazer fogo. (Nimuendaju, 19 19-
-2 o: 1o1s) <107 ) .
A versão J urúna por nós obtida exclui as duas pri-
meiras tentativas d e Kumã<pári. Por outro lado, a n ar-
ração de Nimue ndaju não fala no auxílio fracassa do d o
sapo, conforme foi coletado por Galvão ( cf. nota 1O3).
Sôbre êsse fato parece interessante levar-se em conta
uma observação de Ba ldus :
"O roubo do fogo / por animais é um motivo
muito espalhado na América do Sul. Ora é a ra-
posa a ladra da faisca, ora o sapo. O sapo sempre
o é nas tribus da grand e famíl ia lingüística dos
T upi. Que êle haja sido escolhido para tal papel
é muito compreensível porque, como se sabe, este
animal te m a capacidade sing ul ar de engulir coisas
ardentes, como cigarros e brasas, talvez porque os
tome por pirilampos" ( 19 3 7: 2 1 2-3).
É preciso notar, porém, que de acôrdo com os Jurúna,
a tentativa do sapo falhou porque a brasa apagou em
sua bôca. Na v e rdade , quem roub ou o fogo do gavião
foi Kumã<pári filho, no que estão acordes a versão co-
lhida por Nimuendaju entre os Xipáya e as obt!das por
Galvão e por nós en tre os Jurúna .
Quanto à c riação dos grupos tribais, que segundo
Nimuendaju realizo u-se após o roubo do fogo, o mate-
rial Xipáya difere em parte do J urúna. Segundo acre-
ditam os prime iros, K:umã<pári filho criou as tribos exis-
tentes. Para fazer os Xipáya êle p ego u uma árvore com-
prida e deitou -a no chão. Sôbre essa árvore colocou,
la do a lado, uma série de fl echas. Soprando-as, elas
teriam se transformado naquel es índios. Em seguida

(107) Cf. também uma nota de Estevão Pinto em Métraux


(1950: 107) e Lévi-Strauss (1964: 150) .

239
Kumãrpári foi d e um para outro saudando-os e lhes dando
a fala. Para criar os Jurúna , ação essa que se realizou
após a anterior, ê le assoprou o miolo da palmeira açaí.
Como êsses dois grupos logo começassem a brigar, Ku-
mãrpári criou os Kayapó de uma árvore delgada, a fim
de que êles combatessem os Xipáya e os Jurúna (Ni-
muendaju, 1919-20 : 1015-6).
Em ambos os g rupos há um elemento constante:
Kumãhári, para transformar um ser inanimado em ani-
mado, utiliza-se do sôpro, propriedade que possui por
ser um pajé muito g rande, conforme diziam nossos in-
formantes. Embora os Jurúna afirm em , tal qual os Xi-
páya, que foi Kumãhári ( Cinaã) o criador de todos os
índios, fazem exceção para os T xukahamãe, nome que
parecem aplicar aos Kayapó em geral. it.stes teriam sido
gerados por u' a mulher j urúna e uma sucuri. Sendo tais
índios os mais temidos pelos J urúna, ê les, etnocêntrica-
mente, os fazem provir de u'a mulhe r dêsse grupo tribal.
Essa explicação é bem diversa da Xipáya, conforme se
viu, relativamente a Kayapó.
Ao darem as versões sôbre a criação dos índios, nos-
~

sos informantes procuraram ressaltar a característica prin-


cipal que êles vêem em cada grupo. Üs Jurúna, que só
1

tinham arco e flecha, nasceram de pau cortado. Essa


explicação possui uma base semelhante ao relato dos
Xipáya sôbre a criação de seu g rupo tribal. Convém
salientar que, para os Jurúna, os Xipáya teriam sido fei-
tos de forma idêntica a êles, uma vez que os dois g rupos
são ig uais. Tal fato discorda dos informes de Nimuen-
daju. Os Suyá também teriam sido criados de pau cor-
tado por causa de seus botoques e bordunas, enquanto
que os alto-xing uanos em geral teriam sido feitos d e
barbante, uma v ez que usam muito êsse material para
fazer cintur•Ões, braçadeiras e jarreteiras. ;É interessante
notar que na versão sôbre o aparec imento dêsses índios,
os Jurúna incluem um elemento proveniente dos "caraí-
bas" : a faca, o que parece ser explicado pelo caráter
recente das relações entre um grupo e outro. Quanto
aos Xipáya, é provável que nunca houvessem tido con-
tacto com os ai to -xinguanos.
Com relação à criação dos "caraíbas", embora ha-
jam fornecido duas versões aparentemente diversas elas
não passam de uma só. Conforme se depreende pelo
mito da migração e diferenciação das línguas e culturas,
nada impede que C inaã, criando os "caraíbas" , houves-
sem -nos feito semelhantes aos J urúna e, mais tarde os
tivesse diferenciado. O processo d êsse "evolucionismo
indígena" teria sido o fato de os "caraíbas" haverem-se
r ecusado a matar Cinaã.
Para os Jurúna foi Kumãhári quem os ensinou a
obter as plantas de cultivo da Sucuri Monstro. ·É pro-
vável que êsse Kumãhári seja Araiá, uma vez que foi
ê le quem criou êsses índios e que o episódio em questão
deu-se após tal a to , quando o Kumãhári velho já era
morto, segundo os Xipáya. Além do mais, para os J u-

240
rúna, Araiá é o criador e essencialmente o doador de
quase tudo que êles possuem. Após êsse ensinamento,
os Jurúna teriam aprendido a prepará-las com um pas-
sarinho que êles denominam de witxitxi. Dessa forma,
uma das ações de Cinaã seria completada por uma ave.
Também os Xipáya dizem que a princípio não possuíam
plantas cultivadas e viviam de frutas silvestres, madeira
raspada, caça e pesca. Um dia os caçadores encontra-
ram no mato a Grande Serpente To,Bí. Cada um dêles
colocou a mão sôbre o animal a fim de indicar o pedaço
que queria. Somente um fêz tal indicação por intermédio
da ponta de sua flecha. Quando quiseram retirar as
mãos e a flecha, estava tudo prêso. Tofií, então, ser-
penteou e puxou-os para dentro do rio onde as piranhas
os devoraram. Só os intestinos subiram à tona. O único
a escapar, correu para a aldeia e contou o fato. O rasto
da serpente foi seguido e, quando a encontraram, nova-
mente no mato, abateram as árvores ao seu redor, de
maneira a cair-lhe em cima. Quando estava tudo sêco,
atearam fogo em todo o círculo. Das cinzas de Tofií
cresceram várias plantas desconhecidas aos Xipáya. Veio
então uma ave: Kumãcpári kurisú que tomou for1na hu~
mana e explicou a um Xipáya, dizendo-lhe que esta era
mandioca, aquela milho, aquel' outra batata, etc. Em se-
guida ensinou-os a aproveitar as plantas úteis (Nimuen-
daju, 1919-20: 1013-4 e Krauetler, 1953: 48-50) .
.i\pesar do tema ser o mesmo nos dois grupos, os
Xipáya ignoram o papel de Kumã,siiári na obtenção das
plantas de cultivo.
Segundo os Jurúna, a migração do local onde foram
criados, Amazonas, para o Xingu, teria sido obra de
Cinaã ( Araiá) •
Também a diferenciação das línguas, para os Ju-
rúna, teria sido causada por ,C inaã ( Araiá), versão que
difere integralmente da apresentada pelos Xipáya, se-
gundo os quais a confusão das línguas ter-se-ia passado
da seguinte forma: Tanto os índios quanto os cristãos
falavam uma só língua, até que, certa vez, um piawá
(classe de pajés cuja única preocupação era melhorar
fisicamente a humanidade) avisou os Xipáya que ficas-
sem acordados à noite até que passasse um demônio
com o qual êles deveriam falar. Os índios, porém, não
deram ouvido a êsse conselho e adormeceram. Quando
o demônio chegou, somente os cristãos achavam-se acor-
dados e com êle conversaram. No dia seguinte os índios
não puderam compreender mais a língua dos cristãos
(Nimuendaju, 1921 -22: 386).
Quanto aos irmãos, que para os Jurúna atuais são
em número de três e para os Xipáya dois, apesar de
possuírmos apenas um mito referente às suas façanhas,
fica claro que a natureza das relações existentes entre êles
se caracteriza pela oposição básica de um estar em con-
dição superior ao outro. Há aquêle que é esperto e
aquêle que nunca tem êxito nas emprêsas que tentam
em comum. No caso Jurúna, dois se incluem dentro da

241
primeira especificação, enquanto que só um dêles é con-
siderado em posição inferior. Tanto os J urúna quanto
os Xipáya estão acordes quanto ao fato de a água haver
sido libertada por êsses irmãos. A versão Xipáya sôbre
a façanha é a seg uinte: Entre os animais só o "taitetu"
(e não juriti como em nossa versão) possuía água.
Marusáwa tinha g uardado tôda a água em dois grandes
potes que escondia. No maior estava o monstro d' á g ua
masculino Paí e, no pote menor, o monstro feminino.
Zangado com a avareza do pai, Kunãrima que sabia
onde estavam os potes, resolveu quebrá-los, juntamente
com seu irmão Aru,Biatá. Cada um dos dois havia fabri-
cado um bordão de pau d ' arco para realizar a façanha
que se propuseram. Arufiiatá que foi o primeiro a tentar
quebrar os potes, falhou na sua emp rêsa. Kuiíarima,
porém, conseguiu seu intento e, não só as águas foram
libertadas com g rande ruído mas, também, os monstros
e os piuns que estavam lá dentro. O pote g rande for -
mou o rio Xingu e o menor o lriri. Kuõarima, que ime-
diatamente se transformara em beija-flor, desviou-se
para o lado. Já Aruf3iatá, que se transformara em um
outro pássaro pequeno, fugiu na direção da água e foi
apanhado pelo monstro P.a í que, com êle na fauce, de-
sapareceu nadando. Kuiíarima quando viu o que se pas-
sara procurou adiantar-se à água e, na tentativa de detê-
-la, foi fazendo cêrcas que eram rompidas pelo monstro
e que deram origem às corredeiras do rio. Só conseguiu
• detê-lo quando se deitou de atravessado na reprêsa e,
transformando-se em caranguejo, tirou a prêsa do mons-
tro e ressuscitou seu irmão. Metamorfoseados em beija-
-flor os dois irmãos voaram para a casa, gastando muito
tempo até chegar (Nimuendaju, 19 19-20: 1O16-8).
Comparando-se essa versão com a Jurúna vê-se que
bàsicamente elas são uma só. Variam em pequenos de-
talhes que não alteram a função dos irmãos - quebrar
os potes e libertar a água - causa não só da forma ção
de rios como também do dilúvio.
Acêrca dos castigos idealizados por K:umãhári para
punir os filhos após a libertação da água os Jurúna nada
contaram, enquanto que os Xipáya relatam as seguintes
proezas: 1.9) Marusáwa, que estava muito zangado com
os filhos, quis queimá-los. O fogo perseguia os dois ir-
mãos mas Kunãrima fêz um feixe de penas de pavão,
jacami e azulona, amarrou- o numa vara, imergiu-o em
água mágica e, com êle, apagou o fogo (Nimuendaju,
1919-20: 1018) <108 >. 2.9) Marusáwa resolveu dar-lhes
um outro castigo e mandou-os que segurassem nma pa-
nela de torrar farinha, fazendo fogo em baixo. Aru,t3iatá
que quase não suportou essa prova por causa do calor,
foi ajudado por K uiíarima que cuspiu nêle. Dessa forma,
1

juntos ê les aguentaram até a farinha ficar pronta. Foram


então tomar banho e Kuiíarima imediatamente mergu-
lhou na água quando pulou, ao passo que Aruf3iatá foi

(108) Cf. também Métraux (1928: 46-7) e Baldus (1937: 220) .

242.
tão desajeitado que ficou a boiar enquanto a á g ua ao
seu redor chiava por causa da quentura de seu corpo.
Para conseg uir merg ulhar e poder refrescar-se, Kuõarirna
precisou intervir, assoprando-o (Nimuendaju, 1919-20:
1018).
Contam ainda co mo trabalhos dos dois irmãos os
seg uintes:
- a origem da castanheira (Nimuendaju, 1919-20 :
1019).
- o roub o do anzol do ãwá (espectro) , tentativa frus-
trada quand o foi levada a cabo por Arufiiatá que se
transformou e m peixe e acabou sendo pescado e comido
pelos ãwás. Kunarima que se metamorfoseara em vespa
foi quem conseguiu ressuscitar o irmão juntando o san-
gue e pedaços do intestino d e Arufiiatá e soprando-os.
Em seguida, o próprio Kuõarima, também trans formado
em peixe, co nseguiu roubar o anzol que foi entregue ao
p a i por Arufiiatá (Nimuendaju, 1919-20: 1O19-20 <109 ).
- o roubo do bico do tujuju , ou seja, da ave Nekuriii.
Aru,,Biatá, como sempre, falhou em sua tentativa. Após
transformar-se em tucunaré foi fisgado pela ave, morto
e comido. Seu irmão, novame nte metamorfoseado em
v espa, juntou o sang ue e , soprando-o, ressuscitou -o. De-
pois, Kuõarima também transformado em tucunaré , con-
seguiu tirar o bico d a ave que novamente foi leva do ao
pai por Aru/jiatá e não por êle (Nimuendaju, 1919-2 0:
1020) .
- o roubo da pá que constituía um pé de uma velha.
Ao tentar a proeza Ar.uf3iatá falhou, havendo a pá pene-
trado pelo ventre, co rtando-lhe a espinha. M o rto, êle
foi assado e comido p ela velha. Kunarima novamente
ressuscitou o irmão, juntando-lhe o sang ue e soprando-o.
Depois êle mesmo tentou o roubo e t e ve êxito. Ainda
d essa vez foi Arufiiatá quem levou o troféu ao pai (Ni-
muendaju, 1919-2 0: 1020).
- dilaceramento de uma rêde encontrada no mato e
que se fechava sôbre a pessoa, amassando-a. Aruif3iatá,
desajeitado como semp re, acabou por ser morto, sendo
ressuscitado pelo irmão através de sôpro. Em seguida
Kunãrima foi buscar a rêde jogando-se dentro dela e
conseguindo fazê-la e m pedaç os antes que ela pudesse
fechar-se. iÊ sses pedaços foram levados ao pai por
Arufiiatá (Nimuendaju, 1919-2 0: 1021).
- Simplegadas. <110 ) Os dois irmãos r esolveram separar
duas árvores juntas que balançavam de tal form a que a

(109) Cf. também Métrau x (1928: 39).


(110) De acôrdo com Métraux (1928: 38), Ehrenreich chama a
êsse motivo «O t ema das simplegadas», sendo êsse último
t êrmo também empregado por Nimuendaju no trabalho
citado.

243
fenda e ntre e las abria e fechava constantementé. Ao
experimentar a façanha de separá-las, Aniu8iatá foi muito
vagaroso e aca bou sendo esmagado. Kuiiarima juntou
o sangue do irmão e, soprando-o, ressuscitou-o mais uma
vez. Em seguida pulou para dentro da fenda e conse-
g uiu arrancar as árvores, separando-as. T ai troféu foi
levado a o pai por Aru,piatá, como sempre. (Nimuendaju,
1919-20: 1021).
- a façanha final foi matar o s Adji (índios sern ânus ),
conforme já re latamos anteriormente e levar os pedaços
de carne para o p ai que ficou muito satisfeito c om os
filhos. Juntos comeram dessa carne, havendo os dois
irmãos sid o presenteados com uma rê de nova (Nimuen-
daju, 1919- 20: 102 1- 2) «111 ) .
Kunarima, ainda, teria tornado os frutos d o araçá
que eram doces em a zedos, pelo fat o dos home ns have-
rem negad o tais frutos a uma filha de Marusáwa. Depois
disso Marusáwa cortou a rocha ao redor d e sua c asa com
o bico d o Nicuriii e , a boia r , a casa d esceu o rio. Retira-
ram-se p a ra um local onde a terra se encontra com o
céu. Aí vive com sua família e os g ra ndes pajés que em
vida tiveram re lações com êle. Dizem que os homens
teriam t entado matá-lo (Nimue ndaju, 1919-2 0: 10 22 ).
O êxodo de Cinaã, conforme re la tado pelos J urúna,
no mito da mig ração, difere do narra do pelos X ipáya,
embora ambos menc ionem o fato d os homens havere m
tenta do matá-lo.
Além dessas entidades até agora mencion ~das, os
Jurúna falam e m um outro "pajé grande" que t eria apa-
recido lá nos Jurúna após a ida, ou melhor, o êxodo de
Cinaã. Por m a is que fizéssemos não conseguimos obter
o seu nome. Os inf o rmantes diziam não só t ê- lo esque-
cido mas também que pronunciá-lo trazia d esgraças.
Contam o seg uinte:
"IÊsse pajé antig o tinha ôlho n a s costas, es-
condido. Via tudo. Certa vez ê le ficou n a casa e
sua mulh er foi buscar água. Aí êle viu o utro ho-
mem, outro Jurúna ir atrás e mexer com mulher
dêle , lá no rio. IÊle está e m casa esperando e e la
está lá com outro homem. Mulhe r está demo rando.
Aí mãe d ela foi atrás para ver o que tinha acon-
tecido . Encontrou filha dela nas coxas do outro
hom em. Mulhe r, quand o viu mãe, quis levanta r
mas estava grudada no homem. Braç o d êle estava
nas costas dela e também estava grudado. P a jé
g rand e, que tinha um ôlho nas costas, tinha visto
tudo e fize ra os dois ficarem g rudados. Aí p a jé
g rande, lá da casa m esmo, mandou os d o is caírem
na água. l::les caíram na água e viraram bicho. Os
dois estão lá n o rio. Não saíram m a is. O · irmão
dela quis matar pajé e, então, ê le foi embora. D e-

(111) Cf. também Métra ux (1928: 41-2).

244
pois apareceu de nôvo. Que riam matá-lo, ainda.
Aí êle foi embora e não voltou m a is. ·Ê le era quase
Cinaã. Estava virando. Se êle não tivesse ido em-
bora, tinha dado machado, e sping arda, faca. facão,
tudo p'ra Jurúna. Mas êle foi embora, Jurúna que-
ria matar ê le . Aí J urúna ficou sem nada. Êle mora
numas pedras que tem lá embaixo, p' ros !ados da
Pedra Sêca. Uma vez mo strou mão e braç o p'ra
dizer que es tava lá. J urúna antig o viu. Braç o d ê le
tem muito p ê lo, igual ao d e c a r a íba. Lá n a aldeia
aonde morou tem panela muito g rande (panela com
enfeite d e bicho - igual à s que Jurúna de a g ora
faz, só que as atuais são m e nores ) que era de tomar
cax1ri. Se ring ueiro uma vez achou esta panela e
tirou do lug ar, para usá-la. Aí morreu. .Êste pajé
é i-ámã. Quando pajé sonha com i-ám.ã vê é êle.
Quando pajé g rande morre vai para a casa dêle.
Jurúna , a g ora, não tem pajé g rande."

Se compararmos êsse texto J urúna com un1 outro


Xipáya (Nimue ndaju, 1921 -22: 387-8) , resur.1id o a se -
guir, poderemos verificar que o primeiro provàvelmente
é um fragmento d o segundo.
De acôrdo com os Xipáya, em tempos primitivos
havia um pajé que para alguns era filho de Marusáwa,
junto ao qual se r e tirou após a sua vida na Terra. Dizem
êles, que numa alde ia Xipáya havia um menino chama do
Waisá que era des prezado e maltra ta do por todos até o
dia em que um pajé resolveu tomar conta dêle e treiná-lo
em suas artes. Waisá tornou-se um g rande pajé e porisso
tinha três mulheres. Inventou as facas e os rr1achados
de pedra mas apesar de suas habilidades não conseg uiu
dar a êsses instrumentos a dureza necessária. Resolveu
porisso descer o rio para procurar outro material. De
certa feita em que pararam e desemba rcaram na marg em
para comer, Waisá mandou a mais jo vem de suas mu-
lhees ir até a ubá buscar mais farinha. Ao cheg ar na
canoa ela encon trou um rapaz que lhe fêz uma p r oposta
e apesar de h a v e r negado a princípio, acabou se entre-
gando face à insistência do homem. Todavia os dois fi-
caram presos pelas coxas e não c onseguiram mais se
libertar. Waisá ao tomar conhecime nto do fato a ssoprou
o par e ambos caíram no rio, havendo submergido.
Quando surg iram novamente estava m transformados em
g o lfinhos ( l l '.2 ) . Como os irmãos da mulher enfeitiçada
resolvessem ving á -la, tentativa que por mais de uma v ez
falhou, Waisá foi embora e nunca mais voltou.
Os detalhes variam nos dois mitos mas o te-1na pa-
rece o mesmo. :f. de se deduzir que êsse "pajé grande" ao
qual os Jurúna se referiram, seja o Waisá dos Xi.páya.
Ainda com relação a êsses te mpos primitivos, o s
Xipáya menciona m uma classe de pajés: os piawá, que
não foram r e fe ridos pelos J urúna. A preocupação dêles

(112) Cf. t a m bém L évi-Stra uss (1966: 169).

245
era melhorar fisicamente a humanidade. Todavia, só
raramente tiveram sucesso, uma vez que os próprios ho-
mens atrapalharam suas tarefas. Foram ê les:

- .O jibidjibizá, que desejando tornar os homens imor-


tais aconselhou-os a esperar qu e passassem três ubás e
que beijassem e saudassem o demônio que estivesse sen-
tado na última. O primeiro a passar foi Akãkãni que
possuía uma cesta cheia de carne podre, a qua! fe dia
muito. Os homens que a c orreram para saudá-lo afasta-
ram-se por causa do mau cheiro pensando que ê le fôsse
a morte. Esta porém vinha na segunda ubá. Como ela,
Base-'b ase, se parecesse com um homem comum êles a
receberam e beijaram. Quando em seguida veio Djibid-
jibizá e viu que êles haviam escolhido a morte, contrà-
riamente à s cobras, árvores e pedras que haviam espe-
rado o demônio da imortalidade, êle ficou com raiva.
Se os homens houvessem feito o que o piawá queria, ê les
seriam iguais às cobras que rejuvenescem trocand o a p e le
(Nimuendaju, 192 1-2: 385) <11 :3) .

- Akãkãni - Havendo fracassado a experiência de



tornar os homens imortais, Akãkãni resolveu fazê-los o
mais resis tente possível contra a morte . O coração que
a princípio era na sola do pé (o que aliás era ruim por-
que quando pisavam num espinho morriam), foi des lo-
cado para o tornozelo e para o joelho até que finalmente
foi colocado d e ntro do peito, onde ficou m e lhor. D·e pois
disso, êle quis fazer os homens à prova de tiro e, p a ra
tal, mandou que êles se abstivessem de relaçõ es sexuais
no dia anterior à mag ia. Assoprou-o s e mandou que se
sentassem em fileira. Em seguida atirou uma flecha de
taquara n o peito de cada um e e las r esvalaram. Quando
chegou a vez do último, o ·p iawá r e conheceu que êle
havia transgredido a ordem de castidade. Quis adiar a
prova para o dia seg uinte mas o homem exigiu ser s ub-
metido à prova imediatamente. Como insistisse e cha-
masse o piawá de mentiroso, Akãkãni atirou e a flecha
traspassou-o, matando-o. Com isto ficou desfeito o fe i-
tiço dos outros, sendo essa a razão p e la qual o s home ns
não são invulne ráveis (Nimuendaju, 1921 - 2 : 38 5-6).

- També m, para o s Xipáya, foi um piawá que difere n-


ciou a líng ua dos cris tãos e dos índios, conforme já foi
demonstrado anteriormente (Nimuenda ju, 192 1- 2: 386) .

A junção de a lg umas idéias r e lig iosas dos jurúna


e dos Xipáya, cujas evidê ncias indicam p e rtencer a u' a
mesma tradição, mos tra que as caracte rísticas conhecidas
dos personagens que criaram as g entes e doa ram a maior
parte de seus elementos culturais são a s seg uintes: Todos
ê les possuíam poderes xamanísticos acima do normal.
Eram "pajés grandes" e, como tal, foram concebidos sob
forma humana e nquanto estivera m na Terra. Kumãhári,

(113 ) Cf. t a m bém Lévi-St rauss (1964 : 163) .

246
após o seu êxodo, t o m o u o asp ecto de uma onça pre ta.
Viveram em família e n ão e ra m imortais. As entidades
mencionadas g o s tava m d e m e ta m o rfoses e foi p o r inter-
médio de transformações su cessivas que elas executaram
suas tarefas <1 11 >. O único ato d e cria cão de Kumãhári
~

p arece ter sido o d e fazer as p essoa s. E ssa criação , e n -


tretanto, n a v erdade n ã o p assa d e uma transformação,
pois, foi soprando pau q u e ê le f êz J urúna e , s oprando
as suas peg adas, que fê z os "cara íbas" . O s ô pro sempre
aparece nas m e tamorfoses r ealiza d as, uma vez que é um
dos elementos b ásicos d a paje la n ça. Após essa " criação "
das gentes, foi a tr a v és d e a r tima nhas, burlas e roubos que
ê les puderam doar aos h o m e n s o s s eus elementos c ul-
turais, sendo essa a fun ção p rincipal que êles exerceram
junto aos Jurúna e X ipáy a. Kumãhári possui hábitos
antropófagos. Só se a lime nta d e carne humana. Como
tal exigência, no p assad o , fôsse fe ita através dos pajés,
a antropofagia X ip áya e, quiçá a Jurúna ( 1.l5 ), era expli-
cada como um sacrifício a Kumãhári (Nimue ndaju ,
1919- 20: 1024- 6). Segundo as p a lavras d e Métra ux :
" Chez les Sipá ia, l' a n thropo phag ie se présente s ous la
forme d' une offrande à K u m ã<pári" ( 19 2 8: 16 1 ) . Tanto
o pai quanto o filh o pra tica ra m a lte rnadamente o b em
e o mal. 1Quanto aos irmãos, ao r ea liza rem suas faça -
nhas não parecem rivais. Kunharyma, apesar d e d a r
prov as de c oragem e esp e rte za , sempre ajuda Rubiatá
que jamais cons eg u e r ealizar com ê xito uma tarefa. Ê le
e m geral morre e é r essuscitado p e lo irmão q u e s opra
o seu sangue. P o r o utro la d o , um é g abarola e o outro
é modesto. K·u nharyma apesar d e ser sempre o herói
das proezas, aquieta-se e deixa o irmã o ir levar o s trofé us
.
ao pai.
A capacidade d e r essuscitar também é própria d e
IGumã<pári conforme p o d e ser vis to no mito Xipáya s ôbre
os porcos selvagen s (Nimuenda ju, 1919- 20: 1013 -4) ,
o nde o pai ressuscita o fi lho.
Também o s piawá m en cio n a d os p e los X ip áya p os-
s uíam poderes s obre n a turais e su a finalidade primo rdial
parece te r sido a d e a primo r a r fis icam e nte o home m , o u
seja, completar a obra d e Kumã<pári. Embora suas te n -
tativas falhassem p o r causa d a tolice humana, ê les p e lo
m e nos conse g uiram a lo ja r o coração q µ e inicia lm ente
era na sola do p é, e m um local m a is a s alvo de p er igos :
dentro do p eito.
Tais e ntida d es, pelo m e n os n os dias atuais, n ã o
recebem culto entre os Jurún a . íÊst es apenas se limitam
a evitar o pronunciamento d e seus nomes por causa do
temor de males que ta l fa to p o d e acarretar. Embora

(114) Sôbre essa característica básica dos heróis culturais ve ja -


-se Mét rau x ( 1946 : 13-4).
(115) Sôbr e a ocorrência da a n tropofa gia entr e os Jur ú na, a lém
do relato dos informantes há as seguint es fontes primá-
rias e secundárias : Dan iel (1841: 172-3), Moraes (1860:
504), Stein en (1942: 27 e 310), Leite (1943: 353-4) e
Nimuendaju (1948: 235).

247
não h a ja e ntre êles qua lque r evidê n cia de um culto a
Kumãcpári, no passado, a s ituação Xipá ya foi diver s a , de
acôrdo co m o que exp·Õe N imuenda ju. Segundo ê le , até
pouco tempo antes d e seu encontro com os Xipá ya em
1918-9, Kumãrári p a r e ce t er sido obje to de culto . Havia
pessoas que a ê le eram co nsag rad as : os pajés qu e trans-
mitia1n as r e lações co m a quela en tida d e, o s auxilia res
dos pajés e a s mulhe r es de Kumãcpári. Estas, qua ndo
e leitas, m o r a vam na casa do pajé e tinham que a b ster-se
de relações sexuais. Sua s únicas ocupaç ões cons istiam
de prepa ra tivos e auxílios no culto d e Kumãcpári, tais
c omo orna m enta r a sua está tua (upasi) e s eg urar as flau -
ta s de Kumãcpári dura n te uma fest a q u e ê les cha1n a m de
Zetáj3ia (Nimuendaju, 19 19- 20: 10 26- 7 e 1948 : 241).
Métra ux ( 1949: 5 73) afirma que os Jurúna, tal
qual o s X ipáy a, represen tam Kum.ã cpári com un1a t ô sca
imag em esculpida. T o d a v ia os in formantes nada d isse-
r a m a respeito e a s repr esentaçõ es e m madeira , d e ani-
mais e g en te (bone cas ) , que e n contra mos dura nte a
pesquisas, não passavam d e brinque d os infantis.
Com r e lação, ainda , a os tempos mitológicos, e ncon-
tramos ex p lica ções p a r a a vida no céu , que é con cebida
de form a sem elhante à da T e rra , com bichos, g e ntes,
matas e r ios. Dizem os in f 0 rmantes que Cinaã depois
de fazer os Jurúna, os o utros índios e os cara íbas e
colocá-los n a Terra, crio u os Alapá e os deixou n o céu.
Só que "Alapá é Jurúna também". Além de sêr es hu-
manos h á p o r lá muito s a nimais que a p a r ec em à n oite,
quando o s o l se p õe. O C ruzeiro d o Sul é o m erg ulhão
(kanapi) q u e está c o m as asas abe rtas, enquanto que a
Via Láctea é o caminho do porco (hulá bahá) p o is, há
muito tempo, "Jurúna via porco a nda ndo no céu" . A
n ebulosa q ue e xiste no inte rior da via é uma o nça (apü)
que está a per seg uir u m veado (ahuá) que, p o r s ua vez~
é outra n eb ulosa. A o n ça s ó o p e rsegue qua ndo não
há lua, qu a ndo está b em escuro. L o n g e dessas h á ainda
uma outra n ebulosa que é o tamanduá (amãin). Co ntam
que pela m a drugada aparece uma co nstelação que ê les
chamam d e anentitiübu C116 ) (mui ta estrêla) a q ual é
formada d os s eg uintes bichos: jabuti (takurári), urubu
(uhu) e o q u eixo d a an ta (tun-ã napaá). S egundo ê les, \

o urubu par ec e esta r com as asas a b ertas.


Quanto ao sol e à lua contam os seguintes n litos:

O S ol

" O Sol era gen te e se ch a m a va Kwadü. Não


era Jurúna. Brigava muito Jurúna , matava e comia.
H á m uito tempo Jurúna mato u pai de Kwadü que

(116) As estrêlas dessa const elação é que r egula m a saida dos


Ju r úna que vão à pesca. Some nte quando estão bem visí-
veis é que êles saem. Dur a nte o «inverno» elas n ão são
vistas, segundo os informantes.

248
era Kwadü també m . Foi assim : Kwa,d ü tinha três
filhos. Um é o sol que aparece na sêca; o outro
que é o mais novo, sai na chuva (quando o sol é
mais fraco) ; o filh o do meio ajuda os outros dois
quando ê les estão can sados. No verão, por ser o
filho mais velho, mais fo r te , o sol sai vermelho ;
no invern o, sendo o fil h o mais novo, o sol 8ai ama-
r elo. Pai d o sol matou Jurúna. Aí o u tro Jurúna
está andand o no mato. E n co ntrou água numa pe-
dra. Foi pegar, pedra fech ou. Mão dê;le ficou prêsa.
Aí Jurúna viu Kwadü e caiu, fingiu d e morto , m as
não morreu. Parou r espiração. Kwadü tirou m ão
dêle. Kwadü enfiou Jurú n a numa cuia e lev ou êle.
Quando chegou perto da casa dêle, pendurou J u-
rúna. Aí foi p' ra casa e mandou filho dêle ir buscar
bicho, que era o Jurúna. M as o Jurúna, quando
Kwadü saiu, tinha fu g ido. Filho d êle encontrou cuia
vazia. Jurúna correu p'ro mato e entrou d e ntro de
pau sêco. Kwad ü fechou Jurúna no pau, co1n uma
pedra. Jurú n a pediu para bicho fazer buraco p ' ra
êle. Bicho fêz e fur o u o pau. O buraco era pequeno.
Saiu só cabeça. Aí bicho abriu mais e o jurúna
saiu. No outro dia, Kwadü foi a trás e Jurúna n ão
estava lá n o pau. Kwadü, então, que estava bravo,
foi p'ro mato peg ar côco e achou o J urúna que
estava em cima de uma palme ira ina já. Aí Jurúna
falou p ' ra Kwadü que ê le ia morrer. Jurúna jogou
cacho de côco e m cima d e Kwadü e êle morreu.
Aí tudo escureceu . C riança comecou a morrer de
~ ~

fome porque J urúna não podia trabalhar roça, não


podia pescar . Tudo escuro. Tinha que c:>.cend er
fo g o para pegar peixe . Aí mulher de Kwadü man-
dou filho d ê le sair de casa e ficou claro de n ovo.
Só um pouquinho porque era m uito quente para ê le.
Filho dêle não aguentou e voltou p'ra casa. Escure-
ceu d e novo. Depois filho dêle voltou novam ente,
ficou só um pouquinho, até que aguentou. Depois
irmão dêle mais novo é que aguentou mais. Aí
saiu, veio depressa e foi embora. Outra vez. D e-
pois veio o outro, não aguentou e foi embora. Aí
mãe d ê le mand o u êle ir d evagar , ig ual ao pai, para
deixar ;.;ent e pescar, m a tar bicho. Então ê les aguen-
taram. São três. Quando um cansa, outro vai.
Agora, quando é sêca, fica o primeiro filho. Quan-
do chove vem o filho mais novo (sol mais fra co)
e o filho d o meio fica lá n a casa dêle; só vem
quando outro cansa ...

A Lua

"Madüká era gen te bôba, namorou irmã d ê le.


Achou bom irmã dêle e namorou e la. iÊ le era Ju-
rúna. D e noite foi deitar com e la. Ela não sabe
quem é. Ela quer conversar e êle não quer falar
p ' ra ela n ão d escobrir. Como ê le não responde

249
quando irmã dêle pergunta, ela passou jenipapo nas
faces d ê le p'ra no outro dia saber quem d e itava
com ela. Madüká depois lavou o rosto inas não
saiu. Aí irmã dêile descobriu e ficou com vergonha.
Ficou brava. Chorou. Aí Madüká tambérn ficou
com vergonha. Outro está sabendo. Céu está b a i-
xinho. Madüká subiu numa árvore que ia até o céu.
Êle estava triste e com vergonha. Subiu, foi até o
céu, achou bom. Aí desceu e falou p' ros Jurúna
que ia subir no céu e ficar lá, não d esce r mais.
J urúna ia ver êle quando sol estivesse acabando.
Antes não porque era muito quente. Virou lua.
Os lados da lua têm manchas escuras por causa do
jenipapo que a irmã passou nêle. No m e io da lua
costuma aparecer uma cotia comendo côco; é a ou-
tra mancha que a lua tem. Essa cotia Madüká cria-
va e . levo u com êle p' ra não ficar sozinho.''

Há, ainda, um mito que relata a un1ao d e um


Jurúna com uma Alapá, ou seja, u' a mulher do céu:

O Jurúna que subiu ao céu


e
aprendizado do kwatahá-de-abiá kariá

" Antigamente, há muito tempo, céu estava


baixinho. Nessa ocasião havia um Jurúna que nun-
ca tinha "mexido com mulher" . Êle queria casar
com mulher J urúna mas ela não quis; acho u ê le
fe io e v e lho. Um dia êste Jurúna subiu no céu.
Tem escada p'ra êle. 1Êle estava andando na mata
e e ncontrou escada. Aí subiu e chegou no céu. No
céu encontrou gente que mora lá. Jurúna chama
Alaipá essa gente. Ala:pá estava fazendo arco. Alapá
chamou J urúna de neto. Perguntou porque ê le foi
lá. Jurúna contou. Aí Alapá mostrou o pessoal
d ê le para Jurúna. Falou p'ra êles que tinha a pa-
recido gente. Era o Jurúna. Depois levou na casa.
Alapá manda filha dêle casar com o Jurúna. Outro
J urúna pensa que êle sumiu. Não sabe que êle está
no céu. Mãe dêle está chorando; pensa que outro
índio matou. Jurúna ficou lá n o céu muitos dias.
D epois teve saudades e desceu. Não levou m ulher.
M ãe d ê le não conhece êle porque sumiu muito te m -
po. Quando êle chega e chama ela d e mãe, e la
diz : "outro não pode chamar eu de m ãe ; filho meu
morre u há muito tempo". Aí êle falou que era ê le .
M ãe o lhou cara dêle e aí reconheceu. ,Ê }e conto u
p a ra m ãe que tinha ido no céu. Não contou para
outro pessoal. Só mãe dêle. Cara d ê le estava bo-
nita porque êle havia tomado banho na banheira
do Alapá. Cara dêle, limpinha. Mãe d ê le pergun -
tou pela mulher, se já havia casado. 1f.le contou só
p ' ra ela. O Jurúna estava bonito; mulher J urúna
quis casar mas ê le não. Já estava casado mas não

25 0
contou. Depois Jurúna voltou p'ro céu. F~cou lá
muitos dias. Tem filha lá. Mãe dêle está choran-
do. Aí mulher de Jurúna que escutava muito lon ge,
ouviu mãe dêle chorar. Falou p ' ra marido e, junto
com a filha, êles vieram p · ra Terra. Quando d es-
ceram, filha dêles virou periquitinho e ficou no
braço de Jurúna. De noite virava gente. Quando
desceu com mulher, todo J urúna ficou sabendo que
êle havia casado com mulher do céu. Essa mulher
ensinou kwatahá-de-abiá, festa , canto. A festa era
à noite e no pátio da aldeia. Os J urúna estão que-
rendo subir no céu. Mãe d êle não sabe que p eri-
quito era filha dêle. Jogou fora . Aí periquito g ri-
tou e mãe dela que estava na ro ça ouviu. Alapá
voltou e periquito contou tudo p'ra mãe. Ala,p á
ficou brava e foi embora p'ro céu. Jurúna, marido
dela, ficou aqui, depois subiu. Outro, que já tinha
"mexido com mulher", foi atrás. Quando estava
subindo, o Alapá rebentou corda porque êle já ha-
via "mexido com mulher Jurú na" . Alapá não g osta
assim. Ê sse outro J urúna caiu e morreu. Aí não
tem mais e scada. O Jurúna que estava lá, casado
com Alapá, não desceu mais. Está lá, ainda. Não
morreu. Antes do Alapá cortar a escada, subiu
também um outro J urúna que mexeu com a mulher
do chefe dos Alapá. Aí Alapá ficou bravo e fêz
êle virar bicho. Virou arara azul, de peito prê t o.
Lá em baixo tem muito dessa arara. ' '

Os textos Xipáya que falam nos corpos cele stes


apresentam bastante semelhança com os Jurúna. Seg un-
do a concepção daquêles índios, as e strêlas maiores são
lagartas de borboletas que estão p e nduradas no céu por
um fio e que poss uem sua luz no â nus. Algumas cons-
telações, no entanto, têm nomes e explicaç·õ es especiais.
f. o caso da Via Láctea que, seg undo êles, tal qual os
Jurúna, seria uma trilha de porcos selvagens. Para ê sse
fato os Xipáya possuem um mito que não foi narrado
pelos Jurúna: a trilha de porcos se lvagens seria o cami-
nho no céu por onde andou um casal culposo e que para
lá fôra trasladado por obra do pajé, após a mulher haver
sido castigada por Kumãrpári (Nimuendaju, 1919-20:
1O1 1-2) <1 17 ). O Cruzeiro do Sul, entretanto, é imagi-
nado como sendo o urubu e não o merg ulhão. Ambos,
porém, falam em aves, o que diminui a diferença. Por
outro lado êles concebem o Orion como sendo o jabuti
(Nimuendaju, 1919-20: 1012) qu e, e ntre os Jurúna,
juntamente com o urubu e o queixo da anta faze1n parte
de uma só constelação: anentitiübu, cuja identificação
não nos foi possível fazer.
Com relaç ão ao sol, tanto o mito Jurúna quanto o
Xipáya parecem truncados. Acredita mos que um com-
plete o outro, o que, todavia, fica apenas no terreno da

(117 ) Cf. t a m bém Lévi-Strauss (1966: 381).

251
hipótese. Par a os X ipáya o sol possuía a pele preta e
levava na cabeça uma coroa de p enas de arara v e rmelha,
incandescente. Para romper o dia ê le subia d e este e
colocava a sua coroa. Como êle costumasse n1atar e
comer os X ipáya, êstes, descobrindo tal fato, resolveram
também matá-lo, o que foi feito j ogando-lhe à cabeça
um cacho de a najás. Assim surgiu a noite. Os cinco
filhos do so l. - quatr o dos quais possuíam a côr dos
índios enq ua nto que o mais môço e ra prêto co mo o
pai - e todos os homens passaram n ecessidades porque
com a escuridão ningué m podia caçar nem p escar. ·O s
filhos do sol, a começar pelo mais velho, procuraram
usar a coroa incandescente que tinha sido tomada pelo
assassino mas somente o mais novo conseguiu aguentar
o calor d a co roa até o fim da traj e tória do pai. Ficou
sendo o sol atual (Nimuendaju, 19 19-20: 101 0) ('iis) .
Embora Nimuendaju d ê apenas êsses fatos como sendo
o mito do sol, em o utro texto que denomina de "a via-
gem errante" ( 1921 -2 : 390- 1), r e lata um mito cujo tema
é semelhante à parte inicial daquêle que obtivemos entre
os Jurúna. Disseram os Xipáya que os homens da aldeia
foram para a guerra, indo um atrás do outro. O que
vinha por último, vendo um buraco no chão resolveu
examiná-lo. Ao meter lá a sua mão o buraco fechou -se,
segurand o-o. Os outros prosseguiram viagem. Enquanto
procurava libertar-se, a noite chegou. Pela manhã veio '
o demôni o que era o senhor do buraco. Possuía um
bordão ao q ual chamava Kari e que tinha a propriedade
de, quand o arremessado ao solo, continuar a pular, vi-
rando sôbre si. Conve rsando com êle o demônio pediu -
-lhe que apanhasse alg uma prêsa. Com isto o bordão
atacou e g olpeou o homem na nuca. f.s te fin gi u-se de
morto. Depois de exa miná-lo, beliscá-lo, fazer-lhe cóce-
gas e soprá-lo, o d emônio colocou-o num balaio onde
havia tocandiras e formigas de fo g o e levou-o às costas.
A tudo o homem a g uentou quietamente mas, nurn dado
momento, havendo leva ntado a mão para esfregar uma
formiga de fogo no ôlho, o demônio desconfiou e nova-
mente resolveu examiná-lo. Ainda uma vez o Xipáya
aguentou tudo. Nas proximidades de sua casa e n costou
o balaio numa árvore, dizendo que mandaria se u filho
buscá-lo. Depois d e haver observado à distâ n cia se o
homem n ão se remexia , êle foi embora. O Xipáya então
fugiu, arrebentando o balaio. Ao chegar para buscá-lo,
o filho do demônio encontrou o balaio vazio, o que fêz
seu pai ficar furios o e jogar o Kari em perseguição ao
fugitivo . .f .ste, vendo -se acuado, escondeu-se numa ár-
vore ôca. Mas o bordão achou-o. Como era tarde, o
demônio colocou uma pedra na b ôca do buraco, resol-
vendo matá-lo no dia seguinte. O homem pelejou em
vão para tirar a pedra até que, pela fenda, viu um qua-
tipuru que comia nozes. Pedindo-lhe sua ajuda , foi aten-
dido. ,f .ste quatipuru mais seus companheiros trabalha-

(118) Cf. t ambém Métraux (1928: 14).

252
ram até fazer um buraco suficientemente grande para
passar a cabeça. Foram então chamadas as pacas e as
cutias para ajudar. Quando lhes quebraram os dentes,
veio a capivara com mais duas de sua espécie. Ao que-
brarem seus dentes, de tanto roer, o buraco já possuía
largura bastante que desse para o homem passar. Quando
saiu, ouviu o demônio chegar, conversando com o bor-
dão. Refugiou-se então sôbre uma árvore, mas o bordão
encontrou-o. 0 demônio chamou uma cobra para jogar
1

o homem para baixo. f.ste, porém, defendeu-se baten-


do com um galho na cabeça dela e, quando ela caiu, o
demônio chamou várias cobras para assediar a árvore,
enquanto buscava um machado. O homem, entretanto,
quando o demônio saiu, passou de uma árvore à outra,
através dos galhos, conseguindo mais além ch;~gar ao
solo e fugir. Segundo Nimuendaju, neste ponto do mito
um outro narrador Xipáya prosseguiu de modo a ligá-lo
com o mito do homem que matara o sol antropófago,
jogando-lhe um cacho de anajá na cabeça e identifi-
cando o demônio do Kari (J.iV) com o sol (1921-2: 392).
Nimuendaju, no entanto, prossegue êsse mito ( 19 2 1-2:
392-3) fornecendo um texto que se assemelha a outro
que obtivemos com os Jurúna e que será relatado mais
adiante ("O J urúna que perdeu o caminho e foi a judado
por bichos''). Acreditamos, entretanto, que êsse trecho
esteja vinculado ao mito do sol, não só pelas palavras
do narrador Xipáya, como também pela semelhança com
o mito Jurúna, que difere do anterior apenas pelo fato
de ser menos rico em -detalhes. Essencialmente o mito
, ,
e um so.
Se juntarmos êsse texto ao início do mito sôbre o
sol, narrado pelos Xipáya, teremos uma versão cujo te-
ma é igual ao dos Jurúna. Nestes últimos falta como
detalhe importante o da coroa de penas de arara ver-
melha usada pelo sol, falta essa que se nota essencial-
mente quando a mãe manda os filhos saírem para que
a escuridão -acabe e êles só aguentam um pouco porque
era muito quente para êles. Como ficamos sem saber
exatamente o que é que êles aguentam só um pouco,
acreditamos que a coroa incandescente seja êsse objeto,
uma vez que as tradiçôes míticas dos J urúna e Xipáya
parecem constituir uma só. Observe-se, porém, que os
Xipáya se referem ao sol como de côr prêta, enquanto
que os Jurúna aparentemente ignoram êsse detalhe men-
cionando apenas o fato do sol não ser J urúna. Funcional-
mente os três filhos do sol relatados pelos J urúna têm
importância: um sai na época de verão , outro no das
chuvas e o terceiro auxilia os outros dois quando estão
cansados. Já os cinco referidos pelos Xipáya não pare-
cem ter função específica a não ser pelo mais môço, que

(119) Chaman1os a atenção para a a parente semelhança de


desig nação e ntre êsse têrmo e o vocábulo Kecri que entre
os xinguanos (Baka iri ) indica o possuidor do sol (Stein-
en, 1940 : 467 e ss. - Cf. também Métraux, 1946: 21-2).

253
tinha a m esm a co lo r ação do pai e q u e foi o único a s u-
portar o calo r da coroa. D e ssa form a , um texto e outro
parecem se completar. A junção d e a mbos, lev a ndo-se
e m conta os detalhes explicados, p a re ce forn ecer uma
r econstituiç ão do mito sola r , embora n ã o tenhamo:; meios
d e prova r que uma ta l v e rsão fôsse a o rig inal.
Com r e lação à lua e mbora o te ma s eja sem e lhante
nos dois g rupo s, o s d etalhes que v a ria m, ou m e lho r , que
faltam num dêles, são muitos. Para os Xipá y a o fato
também se desenrola em tôrno do incesto entre irmãos.
Todavia êles dizem q ue dois irmãos v iv ia m c o m a irmã
numa ca sa solitária, u m d êles h avendo -se apa ixo nado
por ela. T ô d as a s n o ites, à s e scondidas, ia p a r a a sua
r ê de, até q ue e la fico u g r ávida. O o u t ro irmão fê- la con-
tar o que se passava. Como esta n ão soubesse o nome
do visita n te n o turno, seu irmão aco n selhou-a a esfregar
t inta d e je nipa po e m se u ros to. A ssim fêz ela. Qua ndo,
a pós sair d e ca s a , a ntes d o amanhecer , ê le c o ntemplou
s u a imagem n a á g u a d o rio , ficou f o r a o dia t o d o, s ó
r egressand o à noite . Como o outro irmão zangasse muito
por causa d e seu compo rtamento , ê le subiu ao céu com
a irmã p or u m a esca d a fe ita de taqua r açu . L á ch eg a dos,
êle, com muita raiva por ela o haver tra ído, arre m essou-a
d o céu. A jovem voou p a ra a T erra em form a d e m e-
t e oro incandesc ente e , caindo c o m g ra nde ruíd o, tra ns-
f o rmou-se e m tapir, e nqua nto seu irmão metamo r fo sea- 1
v a-se e m lua . O outro irmão, dese ja ndo ving ar-se, reu-
niu todo o povo e , êles, um atrás d o outro, a rre m e ssa-
ram s uas flech as con tr a a lua. N e nhuma porém ~ a lcan -
çou , o que fo i, no e nta nto, conseguido pelo tatu. Ap esar
da zomba ria, por ter os braç os c urtos, ao a tira r sua
flecha e la fic ou prêsa n a lua. Com is to caiu sang ue de
t ô das a s côr es, s alpica nd o os prese n tes e forma n do g ran-
d es poças n o chão. O s homens limpa ram-no d e c ima
p a ra b a ixo , e nquanto q ue as mulh er es o fizeram d e baixo
p a ra cima , sendo êste o m o tivo p e lo q u a l seu san g ue está
s ujeito à influência da lua . . As aves, por sua vez, colo-
riram suas penas nas p o ças de côres diferentes ( Nimuen-
daju, 191 9-20: 1O1O- 1) <120 >. Bàsicam e nte o tem a é um
só, embora no mito Jurúna um d os irmãos, cuj o p a pel
funci o n a l é importa nte , está a usente. É prová v e l que
a versã o J u rún a haja ch e g a do aos d ias a tuais muito frag -
mentada ou então que os textos X ipáy a e Jurúna, origi-
nalmente um só, tenha m s ofrido influê ncias diversas no
d e corre r d e sua trans missão através d as g erações. ·O mais
prováve l por ém parece ser a fra g mentação d o texto
Jurúna.
Em a mbo s o s g rupos parece ficar claro que o sol
e a lua n ão s ã o irmãos, uma vez q ue o sol nem ao menos
e ra Jurúna o u Xipáya, e nquanto que a lua o era.
A cêr ca d êst e saté lite, Adalber t fornec e d ados que .
p a recem d espr o vidos d e crédito. Seg undo êle, os Jurúna
acreditava m

(120 ) Cf. t a mbém L évi-St r a uss (1964 : 318 ).

254
. . . " in a deity from who m / carne all goo d ,
pointing a t the sarne time t o the moon , and o n a
being from who m carne all e vil" ( 1849: 304-5) .
Diz ainda que :
... " the Moon, as th e repr esentative of the
Deity, is h e ld in g reat reverence by the Jurúnas, and
the day wh en she beco m es full is their chie f fest-
ival. They pre p a r e for these occasion s an intoxicat -
ing drink fr o m the r o ot o f the m a ndioca , call e d
" caxeri" ... " ( 1849: 304-5).

N ossos informa ntes n egaram termina n tem e nte t ô das essas


informações dize ndo que "nunca rev er e nc iaram a lua,
nem acreditam que e la seja a fo n te d e bens" (Olive ira,
1968: 2 1) .
Com r e lação ao Jurúna que sub iu a o céu e ca sou-se
com uma Alapá, e n co ntramos um t em a semelhante e n t re
os X ipáya, varia nd o , porém, o tip o d e entidade com o
qual o homem X ipáya entrou em con tacto. Para êsses
últimos, ê le n ão fo i ao céu m as sim e n controu-se com
Tumá/ .a, o senho r da caça, que lhe d eu sua filha com o
espôsa. O s Xipá y a, ao contrário d os Jurúna, não se r e fe-
r e m ao fato d essa mulher haver-lh es e n sinado qualque r
festa ou canto e a p ós o episódio d o p e riquito , que e n t r e
ê les sofre pequen as modificações que n ã o a ltera1n a se-
m e lha nça do t ex to n os dois g r u p os, a filha de Tumá/ .a,
zan g ada, p egou o filho (e não filha ) e v oltou para a
ca sa do pai, sem que o marido pudesse se g ui-la, p o is o
caminho que a n tes e ra larg o fech o u -se atrás d e la com
um matagal d e espinhos (Nimue nda ju, 1919-20: 103 5) .
i::sse final dife r e d o Jurúna, mas h á um outro mito Xipáya
cujo fim é sem e lha nte àquêle Jurúna. Dizem ê les q ue
um dos grandes p a jés do temp o a n t ig o quis transp o rta r
as pessoas da T e rra p a ra o Cé u . R ecom endou-lhes q ue
a ntes de s ubir evitassem r e laçõe s sexua is. U m d êles, p o -
rém, havia transgr e dido essa restrição, o q ue fêz a cord a
p o r onde subia m a rreb e ntar. T odos caíram e m o rre ram
(Nimuendaju, 19 19-20: 1009) .
Além d ê sse, h á um outro mito X ipá ya que faz r e fe-
r ê ncia ao céu. Segundo êles, o s Xip á ya teriam subido
a té lá. Ao v o lta r e m caiu uma tem pesta d e que b a la n ço u
e quebrou o ta q uaruçu por o nd e a lg uns es tavam descen -
do , fazendo -o s cair e espatifar-se n a T e rra, virando p oei-
r a. Dizem que é porisso que há X ipáya tanto na T e rra
como no C é u (Nimue ndaju, 19 19-20 : 1008-9) .
Com r elação aos t empos mito ló g icos há, ainda, a l-
g umas lendas que não têm o cunho explicativo d e o ri-
gem, transformação e criação d os e le mentos cosm ogô-
nic os e cosmológicos como os mitos a té a g ora tratados,
mas cuja fun ção p rincipal parece ser a de divertir (1 2 1 ) .
Enquadradas n essa c ategoria obtive mos apenas duas:

(121) Uma a tit ude semelh ante foi obser va da por W a g ley e
Ga lvão (1961: 135) entre os T enetehára.

255
O Jurú na que perdeu o caminho e foi ajudado
por bichos

"F'az muito, muito tempo, Jurúna fo i brigar


com índio chamado Uãbikwadai <122 ) . Isto foi lá
perto do Amazonas. Jurúna ch egou p erto da casa
do índio. índio viu e pegou flecha. Aí J urú n a saiu
correndo. Um d ê les se perdeu. IÊle correu ::iozinho,
dormiu no mato. Os outros J urúna, chegaram no
rio, pegaram canoa e foram embora . Êste rio fica
p' ra lá do Xing u, perto do Amazonas. Êste rio
também vai d ar no Amazonas. Nessa época, há
mui to tempo , " bicho tava v ira ndo gente" . j a cubim,
anta, jacaré, tud o falava língua de gente. O J urúna
que ha via-se perdido quer atra v essar o rio mas não
tinha canoa. Não sabia como ir. Pediu p ara jacaré,
que e r a bicho mas falava líng ua de gente , le vá-lo.
J acaré e r a um bicho muito gra nd e e tinha um pau,
embaúba, nas cos tas. Aí Jurú n a subiu n este pau
e sentou lá em cima, amarrando neste pau u rn outro
pau. Jacaré está andando na água. D ormiu no
meio do r io, afundou e quase que o pau foi todo
d entro d ' água. Quando Jurúna quer banha r o ja-
caré afunda. O rio era largo e o jacaré d e morou
cinco dias para ch egar ao outro la do . Jurúna quan-
d o saiu da água disse p'ro jacaré que êle era feio
e tinha cheiro ruim. Jacaré queria pegá-lo e êle
correu no mato. Correu um pouco e encontrou um
jaburu cab eça sêca que matava peixe com timbó.
Aí J urúna disse p' ra êle que v inha jacaré ntrás e
queria p egá-lo. J aburu escondeu Jurúna d entro de
uma panela g rande de barro. Jacaré procurou e
não achou. P ergun tou p'ra jaburu e êle disse que
o J urúna tinha passado correndo. Jacaré voltou.
Jurúna saiu da panela e comeu peixe que o jaburu
r
deu. Os caminhos dos bichos iam dar na aldeia dos
J urúna. Aí Jurúna pegou caminho dêle e e n co ntrou
jacubim, igual gente, no m eio do caminho. Jacu-
bim deu comida p'ro Jurúna. D ·e u fruta. Jurúna
dormiu. No outro dia continuou caminho. E ncon -
tr o u a nta. Anta "tá v irando gente" e deu banana
p'ro Jurúna. Jurú na continuou an dando e e ncon-
trou o nça que deu carne p ' ro Ju rúna. J ur ún a dor-
miu com onç a. No outro dia , o n ça queria ma tá-lo.
Mulher de onça avisou Jurú n a e mandou- o ir por
outro caminho pois naque le em que seguia , o nça
estava a esperá-lo para p egá-lo. Jurúna foi no ou-
tro caminho e e n controu vead o que deu banana p ' ra
êle. J urúna andou mais um pouquinho e chegou
em casa. Mãe dêle não conhecia mais êle, pensou
que tinha morrido. Havia até cor tado o cabelo. Aí

(122) De acôrdo com o informante êsse têrmo significa taquara


grossa. T ais índi os só possuíam flecha dessa taq ua ra que
é m a is grossa que o taq uari.

256
êle chegou, chamou a mãe. Não, ela disse, "meu
filho perdeu há muito tempo." Aí êle disse que era
êle. Contou tudo p'ra mãe, que havia comido co-
mida de bicho. Aí a mãe acreditou e êle ficou lá."

Onça, tamanduá, tatu (1 23 )

"A onça ficava jogando o ôlho p'ra cima de


um pau de jatobá. Ficava grudado lá em cima.
Mandava voltar, o ôlho entrava no lugar. Kum.ãhári
viu o jôgo, mandou que o ôlho ficasse lá em cima.
A onça ficou no escuro. Kiumãhári botou outra vez o
ôlho na onça. A onça brigou com o tatu e o taman-
duá . Tatu entrou no buraco e jogou terra no ôlho da
onça. Ela ficou meio cega. Encontrou o tamanduá,
êle meteu a unha e arrancou o ôlho da onça. A onça
ficou no escuro. K!umãhári fêz um ôlho de breu
de jatobá e botou na onça. Ficou igual ao outro.
Onça disse que ia matar tatu e tamanduá. l\1as êles
foram para uma água grande que tinha urna ilha.
Onça não podia atravessar, era muita água. Man-
dou ariranha procurar e brigar. Ariranha brigou
com tatu e matou. Mas não pôde com tamanduá.
T amanduá veio até a terra firme. Onça peg ou êle
mas êle rasgou barriga da onça. Morreram os dois,
eram dois tamanduás e duas oncas. Acabou tudo.
~

Viraram bicho. Antes eram todos como gente, de-


pois viraram bichos.''
I
Conforme já dissemos anteriormente, os Xipáya
possuem uma lenda que constitui a parte final da "via-
gem errante" e que é semelhante a essa que denomina~
mos "O J urúna que perdeu o caminho e foi ajudado por
bichos". Na versão Xipáya (Nimuendaju, 1921-2: 392-
- 3) o homem teria sido ajudado por um jacaré, uma
anta casada com uma onça, irapuãs, um casal de antas.
Fala também em um inambu que, ua verdade, não che-
ga a auxiliá-lo, logo após haver fugido do jacaré. iÊ sse
homem, por fim, teria aprendido, no mato, melod ias que
ensinou aos outros Xipáya. Tal fato inexiste na versão
Jurúna. Apesar das lig eiras variações quanto à espécie
de animal que colaborou com o indivíduo perdido em
uma versão e outra, o tema é o mesmo em tôdas as duas.
As lendas da onça, tamanduá e tatu são encontradas
com maiores minúcias nos Xipáya (Nimuendaju, 1921-2:
: 388), embora nelas faltem detalhes como o papel de
Kumãhári e o j ôgo da onça, além da função da ariranha.
É provàvel que elas constituam várias lendas que entre
os J urúna foram sincretizadas numa só e das quais os
nossos informantes hajam fornecido apenas fragmentos.

(123 ) Ve rsã o obtida por Galvão em 1965, na alde ia Bibina.

257
Espíritos da água e da mata

Os Jurúna crêem que as matas e os rios sejam po-


voados por sêres sobrenaturais a quem chamam generi-
camente de auã e aos quais êles temem.
Os Xipáya possuem um têrmo: ãwá que aparente-
mente é semelhante ao auã dos J urúna e que significa o
seguinte: 1.9) - um dos dois elementos que comp Õem 1

a alma. Diz Nimuendaju ( 192 1-2: 36 7) que êsse con-


ceito corresponde quase totalmente a "espectro". Tais
ãwá não matam as pessoas. Só as assustam. Todavia se
alguém consegue dar-lhes uma cacetada nas pernas, no
outro dia encontra no local um veado morto ou outra
caça qualquer (Nimuendaju, 1921-2: 368). 2.9) -
sêres que primitivamente eram gente e depois, por um
ato mágico qualquer, foram transformados em fantasmas
e monstros. IÊstes ãwá, sem exceção, são maus e peri-
gosos (Nimuendaju, 1921-2: 369).
IÊ.sse segundo conceito Xipáya de ãw.á assem~lha-se
ao Jurúna de auã, conforme se depreende do depoimento
que obtivemos com os informantes, Karandini e liíãbá:
"A.u ã é igual ao mam.á.'é de Kamayurá. E espí-
rito da mata e do rio, da água. Só aparece quando
está escuro ou começando a escurecer. O espírito
do rio é gente. J urúna chega perto e êle some. /
Depois atira flecha, escondido. j urúna não vê. Aí,
no outro dia, corpo dói , vomita sangue, dá malária
e a pessoa morre logo. O auã do rio é p erigoso.
Quando tem pajé grande, pajé grande tira a flecha.
Agora não tem pajé grande para tirar a flecha .
.Aruã do rio, J urúna chama de Kááná. Quando
Kááná flecha Jurúna, êle depois vira bicho: mutum
castanho e veado. Aí some. Depois pajé sonha e
vê. Pode então salvar. Quando Kiááná flecha Ju-
runa, êle vem atrás porque quer levar a flecha de-
pois que êle morrer. ·O pajé, quando sonha, vê
tudo e pode quebrar a flecha. Aí salva a pessoa.
Pajé quebra a flecha dentro da pessoa mesmo. Tira
um pedaço de pau pequeno que é jogado fora. Pajé
mesmo jog a, no mato. O auã do mato, Jur úna só
chama de au,ã. ;f.le é um bicho do mato que parece
ca1titu. Pode, também, virar mutum-castanho, ja-
camim e veado. Se matam um bicho que é auã,
sem saber, todos podem comer porque não acon-
tece nada. Pajé sabe. Agora não tem pajé. Jurúna
não sabe mais. Come e não acontece nada. Se
aparece auã do mato p'ra Jurúna, também é um
pouquinho ruim. Dá doença. Mas J urúna n ã o sabe
que é au.ã . Só pajé que vê em sonho e aí pode tirar
doença. Reza na p essoa. Agora não tem pajé. Gen- ·
te viva só vê auã da á g ua. Da mata não. Êste só
• , A ''
paJe. que ve.
Por ser muito escasso o material que obtivemos,
não temos informação suficiente para afirmar que entre

258
os atuais Jurún a, tal qua l n os Xip áya, auã seja um dos
d ois elementos componentes de alma. Pelo que se pôde
d e preender d as conver sas com nossos informantes, a.uã
também é um conceito que pode ser a plicado, simila r-
mente, àquelas e ntidades que, para os X ipáya, Nimuen-
t
daju chama d e demónios d as matas e d os rios ( 19 19-20:
: 1O12-3) e que são as seguintes:
- Paí, o demónio peixe, que foi libertado por Kuiíarima
dos potes d ' água de Marusáwa (Nimuendaju, 19 19-20:
: 1028-32 e 19 48 : 241). Embora sem usar u1n nom e
para especificar tal entidade os Jurúna fizeram referên-
c ia a ela quando c ontaram o mito da libe rtação da água.
- Adj,á sikoakoa, mons tros aquátic os que alca~çam o
tamanho d e um tacho d e torrar farinha e têm mais ou
m e nos o aspecto de um tatu. Não têm cauda e seus
caninos têm o comprime nto de um d e d o (Nimue ndaju,
19 19-2 0: 1032 -3) . Entre os Jurúna tive mos ocasião de
ver um brinquedo\ in fantil , talhad o em madeira, que re -
presentava um auã da água e cujo forma to é ig ua l ao
d escrito para os adjá d os Xipáya , faltando apenas os ca-
ninos que, segundo ê les, n ão dava p a ra fazer.
- Tofií, a g rande serpe nte , de cujas cinzas nasceram
as plantas cultiva das (Nimuen daju, 19 19-20 : 1033 -4 e
19 48: 241). Também essa e ntidade, conforme já des-
crevemos, acha-se presente n a tradição mítica dos Jurúna
a tuais, embora sem um nome específico.
- Tumá / .a, senhor da caça, a quem estão sujeitos t o-
dos os mamífe ros caçáveis, exceto os taiaçus e as o nças.
Em geral ê le é considerad o benévolo (Nimuendaj u, 19 19-
1 - 20 : 1034-5). Sóbre ê le os X ipáya contam dois mitos:
- um d e um h omem panema que fo i a judado por ê le,
e outro sôbre um suj e ito muito feio e d esprezad o por
t ô das as mulh eres. Tumá / .a, banhando-o, fizera -o belo.
Tal mito, como já dissem os, possui um tema se~nelhante
no co rpo mítico dos J urúna, sendo que a variação prin-
cipal dá-se justamente com relação a êsse "senho r d a
caça" . P ara os Jurúna teria sido o ch efe dos Alapá,
h abitantes d o céu , quem operou a transformação do feio
e m bonito. Não fazem re ferência a Tumá / 9'a.
- Apu-Sicpaiá. Em con tras te com Tumá/ .a que é bom
e sempre ajuda quem precisa, essa entidad e e seus fami-
lia r es são extremam ente perigosos (Nimuendaju. 1919-
-20: 103 5- 7) . Apu-Sicpaiá sig nifica " jaguar do mundo
s uperior" ( cf. também N imue ndaju, 1948: 24 1 ) . Sôbre
ê le nada obtivemos com os n ossos informantes, o que
n ão excl ui todavia a possibilidade d e sua c rença e ntre
os Jurúna.
- Kurusc>ira (Nimuendaju, 19 19-20: 103 7-8) e Mapyn-
guarí (Nimue ndaju, 1919-20: 1038-9) que segu ndo N i-
muendaju d evem ser fi g uras mitol ógicas q ue os X ipáya
tomaram de empréstimo aos grupos tupis, não foram
mencionados pelos J urúna.

25 9
Os espíritos da água e d a mata fo rmam a classe
m a is ativa de sobrenaturais, pelo 1nen os na atualidade.
Os Jurúna os te m e m e procuram evitá-los. Enquanto que
os prime iros são sempre malévolos, os segundos n ão.
Em dois mitos n a rrados pelos informan tes pode -se nota r
t a l oposição.
Purionxinxin kariá

"Purionxinxin era uma festa d e bicho, h á mui to


tempo. Era um bicho grande que morava na água
e que estava virand o g ente . Êste bicho possuía as
clarinetas co nhecidas por purionxinxin. 'f .s te bicho
era um Auã d a água. Há muito tem po, alguns J urúna
saíram para viajar e outros ficaram tomando conta
da casa. Aí apareceu um bicho gran de, ig ual gen-
te, com clarineta pequena. Êste bicho, quando co-
m eçou a escurecer, ensinou Jurúna a tocar. Quando
Jurúna volta va, estava quase chegando, ou tro Ju -
rúna contou p'ro b icho que Jurúna vinha vindo.
Os o utros Jurú na estão quase chegando. Quase vi-
ram o bich o. Aí o bicho acabou a festa e levou os
Jurúna que estavam na casa, para o rio. Bicho er a
igual gente. J urúna pensou que ia tomar banho
mas bicho mergulhou êles, afundou êles e lá n o
fund o comeu êles. C ortou Jurúna e tripa de Jurúna 1

subiu. Aí Jurúna que ch egava viu que os outros


estavam m ortos. U m d êstes Jurú na que estavam
na casa, n ão quis ir para o rio com bicho q ue era
igua l g ente e fugiu . Correu p' ro mato. Êste não
morreu. Quando os J urúna que vinham vin do che-
gar am, não tinha mais Jur úna. Só tinha o que
havia fugid o. Êste então co ntou tudo p'ra êles e
aí e n sinou festa para os que cheg aram.' '

Auã Parin

"Mulher Jurúna ficou sozinha na aldeia. Todos


havia m saído para caçar e ir a outro lugar. Estava
sozinha quando apareceu p'ra ela um auã do mato.
Era bicho igual gente. Já estava escurecendo. Aui
chamo u a mulher, d e filha dêle. Perguntou por que
j urúna deixo u ela sozinha. Ela fa lou que Jurúna
não quis leva r ela. Aí -êle ficou lá ci nco dias. D or-
miu com ela. Ü 'e pois ensino u fla uta p ' ra ela. M os-
trou parin p' ra ela ; e nsino u e la a fazer e a tocar a
flaut a. Auã deu comida para ela, caça, peixe, por-
que e la estava sozinha. Depois foi embora p ' ro
m ato. Quand o gente voltou, e la contou tudo p ' ra
êles e ensinou flauta p'ra Jurúna. Homem quem
faz. Foi en s inad o à mulher mas é h omem quem
faz. Bicho não voltou m a is."
iÊ stes dois temas não se enco ntram nos X ipáya , a
n ão se r pelo fa to de que os mitos daquêles índios tam-

260
bém mostram que o espírito do mato, o senhor da caça,
gosta de ajudar, enquanto que o da água é perigoso e
gosta de matar.
Dizem os J urúna, ainda, que outros instru1nentos
musicais como o marit.á , puriaraê, txáendá e tiutibü, fo-
ram ensinados pelo mesmo auã da água que ensinou o
purionxinxin, daquela vez que êle foi lá na aldeia.
De uma certa forma, pois, além do temor que êsses
auãs inspiram aos Jurúna, há também o reconhecimento
de que êles teriam sido. os doadores de uma pequena
parte de seus elementos culturais.

As almas

Quase nada pudemos obter sôbre êsse assunto com


os J urúna. Dessa forma, não podemos afirmar que entre
êles, tal qual nos Xipáya, a alma seja composta de duas
partes: o ãw.á que constitui o envólucro da alma e que,
depois da morte, já separado de seu outro componente,
se transforma em espectro, o qual assusta as pessoas mas
não as mata e o isanwin que a Nimuendaju pareceu signi-
ficar mais ou menos a fôrça vital e que, depois que se
separa do ãwá, se comporta de forma diferente dês-
se <1 21 >. Passa a pertencer à comunidade das almas mor-
tas, os i-ánãi, que estão localizados em diversos lugares,
comumente alguns rochedos que não são alcançados pe-
las enchentes, como a Pedra Preta perto de Santa Júlia.
Podem também habitar em morros. Nesses locais êles
vivem igual aos vivos (Nimuendaju, 1921-2: 367-73 e
. 1948: 241 - 2).
Se por um lado não podemos afirmar categorica-
mente que o conceito de alma seja um só nos dois gru-
pos, por outro é provàvel que isto se dê, uma vez que
os informantes Jurúna mencionaram alguns pontos refe-
ridos pelos Xipáya. IÊ les nos falaram não só nos i-ánãi
como também no fato de que as grandes rochas são as
moradas das almas (cf. 1Galvão, 1952: 475 e Oliveira,
1968: 2 1). Aliás, sôbre o fato de as pedras constituí-
rem as habitacões dos mortos, há um dado fornecido
~

por Coudreau que, corrobora essa assertiva em período


anterior, no fim do século passado. Referindo -se à ca-
choeira da Pedra Sêca êle diz o seguinte:

... " ( car la Pedra Secca est une vraie pierre


sacrée, elle aussi, un vrai temple primitif de la peu-
plade déjà presque morte mais toujours prim1tive
de ces pauvres J urunas) ... '' ( Coudreau, 189 7:
: 85-6).
Também Nimuendaju, referindo-se a Jurúna, diz o
seguinte:

(124) Cf. também Métraux (1949: 571).

261
"The souls, like those of the Shipaya, lived in
certain large r ock s, sáfe from hig h water, such as
Pedra Preta, Pedra de Caxing uba, and Pedra Seca,
to which due reverence was g iven." (1948: 24 2).
Os nossos informantes fazia m diferença entre a
alma de um indivíduo comum e a a lma de um "pajé
grande'', dive rsificação essa que inexiste nos dados X i-
páya. Para os J u rún a tanto a alma d e um quanto a de
o utro se manifesta, enquanto o ind ivíduo está vivo, atr a-
vés da sombra. Ao morrer ela se liberta e vai para a
m o rada dos mortos. Dizem êles que "sombra nao con -
versa com gente " .
As almas dos J urúna 'comuns, já mortos, são cha-
madas de i-ánãi, e nquanto que a dos grandes pajés são
co nhecidas por i-ámã. Realizam festas diferentes para
um tipo e outro ( cf. ítem l).
Como os Jurúnas equiparam todos os huma n os a
ê les próprios, a a lma de qualequer pessoa que morre,
desde que não seja pajé, é i-ánãi.
O conceit o d e i-ámã é aplicado somente às a lmas
dos " pajés g randes" , e ntre os quais se inclui Cin·a ã.
Apesar de amb os morarem em pedras que ficam no
Baixo ou Médio X ing u, a localização é diferente para
uma espécie e outra de alma. Segundo os informantes,
só os pajés sabem o nde ficam tais moradas porque só
ê les as vêem em sonho . Nestes loca is ê les têm uma vida
id ê ntica à que possuíam quando n ão e ram mortos. En-
quanto que os i-ánãi fa lam a líng ua Jurúna , os i-ámã n ão,
a não ser o seu ch e fe. Quando o pajé se comunica com
ê les, é com êsse chefe que conversa. De acôrdo com o
informante, um pajé Jurúna que faleceu tornou-se o "ca-
pitão" d-êles.
Relativa m e nte à alma, os Jurúna possuem a seguin te
cren ça e restrição: Não se pode m atar a ranha pequena
porque senão morre a lg uém. Quando há uma pessoa
do ente , a alma dela se incorpora numa aranha q 11e desce
num fio, o qua l seria o próprio fi o da vida. 1\1.at ando
essa a ranha a alma se liberta e a pessoa morre n a h o r a.

Práticas xamanísticas

Para poder servir de intermediário e ntre os J urúna


e os sobrenaturais é n ecessário que o indivíduo se torn e
u m pajé. E para ser u m pajé é preciso "sonhar muito"
com viagens ao mundo sobrenatural dos mortos e rece-
b e r a orientação d e um outro xamã. E ntre os Jurúna tais
atividades são próprias dos homens. Não h á casos reg is-
trados de mulhe res xamãs.
Para os Xipáya, tal qual nos Jurúna, o processo d e
iniciação no xamanismo decorreria , b àsicam e nte, de uma
disposição para sonhos e visões e do a prove itam e nto
d êsses dons pelos e nsinamentos d e um pajé h á bil que
servisse de mes tre ao neófito (Nimue ndaj u, 19 19-20:
: 1004-5).

262
Segundo os n ossos informantes há duas n-io dalida-
d es de xamãs : os que sonham com os i-ámã, o u seja,

o sono e ntram em contacto com os 1-ana1.


.
os g randes pajés como Kumãcpári, e aquêles que durante
. , .-
Apesar de dizerem que agora n ã o há m a is p ajé no
g rupo Jurún a, êles afirmaram que Bibina sonh o u com
i-ámã, en quanto que Káia so nhou c om i-ánãi. Dizem,
po rém, que ambos são "pajé só um pouq uinh o . Estão
começando a g ora. S·onha pouquinho, porisso nã o sabem
muito." Xubé, que foi dos antigos, morreu. Um o utro,
que era o maior, foi morto pelos T xukaha mãe. Do pes-
soal môço ning uém sabe . T êm que apren der com B ibi-
na e Káia.
Embora não hajam feito uma diferenciação especí-
fica, os Xipáya mencionaram tanto os pajés d e Kumãcpári,
que na ocasião do contacto com Nimuendaju eram ine-
x istentes, uma vez q ue estavam t odos mortos, quanto
os pajés d os i-ánãi que preparavam a festa para os es-
pectros (Nimuendaju, 19 19-20: 1004 e 192 1-2 : 373 e
ss.) .
A n ão ser por suas atividades caracterís ticas, os
xamãs Jurúna não se distinguem d os o utros h omens do
g rupo. Tal especialidade, pelo men os n os dias a tuais,
n ão lhes co nfe re riqu eza, não os desobriga a um trabalho
cotidiano para co nseguir os e leme ntos de su ê. sobrevivên-
cia, não lh es dá maior autoridad e e nem os faz possuir
um maior número de espôsas. Ap esar de não contrariar
os dados a nte riores, Adalbert indica, há p o uco mais de
um século, que os p a jés possuíam a lg umas prerrogativas,
e ntre as quais as de n ão p recisarem submeter-se a p rovas
de habilida d e e coragem para c o nseguir uma mulher
I ( 1849: 2 S 3) e a de serem consultados sôbre a melhor
maneira de co nduzir uma incursão ( 1849: 259). Hoje
em dia tais fatos não mais ocorrem, uma vez que essas
p rova s para o casamento são inexistentes e que a~ hosti-
lida des grupais n ã o têm sido levadas a cab o sob a forma
de incurs1Ões.
No grup o Jurúna , tôda a comunicação com o mun-
do sobrenatural é fei ta · pelo xamã através d e sonhos,
visões e um estado d e êxtase que lhe a dvém após fumar
tabaco .
As práticas xamanís ticas são realizadas com a fina-
lidade d e assegu rar b oa sorte, evitar perigos, curar doen -
ças e dirigir a festa para os i-ánãi no caso d e ser um
pajé dessa modalidade ou a festa para os i-ámã, caso
seja essa a s ua especialidade. Essas festas, além de um
caráter p rofan o , possuem uma eficácia mágico-religiosa
e são executadas com o fim de se po rem em contacto
com aquêles sobrenatura is, trazendo-os para participar
do mundo dos vivos e se alegrarem com caxiri, danças
e cantos <125 >. Além de atividades de cura, Adalbert
( 1849: 2 96), nos m eados do sécul o passado , p ôde oh-

(125) Para uma descrição dessas festas, às quais n ão tivemos


oportunidade de assistir , veja-se o item 1.

263
servar que um velho pajé soprou em direção a nuvens
que ameaçavam chuva e, fazendo um m o vimento com
a s mãos, acreditou que as houve sse afas ta do .
O paj é Jurúna, dos dias atuais, não usa seus pode-
r es para causar danos ou morte. Apesar das finalidades
dive rsificadas de s uas atividades, o papel de "curador"
parece ser a s ua função essencial.
Durante a realização de uma pajela nça, cujo fim
era curar nosso informante Karandini que não andava
passando bem , pudemos o bservar o seguinte: Káia fo i
o xamã pra ticante. Para que êle realizasse as suas ativi-
dades, os homens da aldeia, à tarde, colhe ram vários ra -
m os de folh agens a q ue d ão o nome de un-náhá. A paje-
lança, entretanto, só pôde ser realizada à noite, porque
"espírito não enxerga durante o dia". A ssim que escure-
ceu, Káia e ntrou na casa d e Karandini e fi c ou a sós com
êle, em completa escuridão . A ning uém mais foi permi-
tido lá ficar, uma vez qu e o xamã precisa estar sozinho
com o doente para fumar e chamar o "espírito" (l Zú ).
Quan do êste vem, segundo os informantes, K áia con-
versa com ê le, dizendo-lhe que ali há doe nte. e p e dindo-
-lhe que o cure. Tonto de fumar e tendo o "espírito"
incorporado em si, bate com os ramos d e folha g ens nas
partes afetadas e sopra para que a doença vá e mbora.
E ssas fôlhas foram entreg ues paulatinamente, durante
três vêzes, a os que estavam do lado de fora, para que
êles as jogassem no mato. Notamos também o mesmo
processo na cura d e uma garôta.
De acôrdo com os informantes, além do processo
d e fumigação com tabaco, ingestão de fuma ça pelo pajé,
sôpro e da transfe r ê ncia das influências malígnas para
os r a mos de folha g e ns, os xamãs utilizam ta mbém o pro-
cesso de sucção com a bôca, massagens e o maracá feito
d e cuia peque na com pedaços de concha em seu i:ite rior.
Êsses traços que são comuns às a tividad es xamanísticas
de o utros g rupos tribais brasileiros, foram também men-
ciona dos para os Xipáya (Nimuenda ju, 1919-20: 1005).
Ste ine n ( 194 2: 30 7-8) d escreveu uma cura por ê le ob-
servada e cuja seqüência do trata mento foi seme lhante
à por nós verificada. Também Adalbert ( 1849: 2 5 6)
m e nc iona o sôpro, a massagem e a retira da do objeto
causador d o mal. Mais recenteme nte temos as informa-
ções de Nimuendaju ( 1948: 243) e Galvão ( 1952: 4 75)
que c onfirma m as nossas ( c f. O ·liveira, 19 68: 2 2).
Embora só h ouvéssem os tido oportunidade d e assis-
tir a curas individuais, afirma D aá que quando há um
excesso d e g ente doente as atividades x a manÍ3ticas se
fazem em sessões coletivas.
As d oenças são explicadas pela idéia de que o mal
resulta da intromissão no organis1no do indivíduo de
um objeto maléfico, provocado por feitiçaria ou po r ação

{126) Apesar de possuírem nomes diversos para as e ntidades


sobrenaturais, os Jurúna utilizam, quando falam em por-
tuguês, um só têrmo - espírito - para denominá -las.

264.
de um auã. E a atividade do pajé cons is te em retirar
êsse objeto. Podem também ser causadas pelas quebras
das restricões.
~

Ao lado das práticas xamanísticas para a cura, já


(
descritas, os j urúna fazem u so de preparados d erivados
da flora e qu e são supostos terem um valor terapêuti-
co <121 >. Dessa form a, práticas farmacê uticas empíricas
a ndam lado a lad o com as mágicas. Uma atitude seme-
lha nte foi descrita para os X ipáya (Nimuendaju, 19 19-
-20 : 1005) que além d êsses processos fazem uso , aind a,
de defumação com penas de mutum ou g avião , raspas
d e remo e de dentes de a ri ranha, pro nunciamento do
nome da cobra preta quando esta pica alguém, uso do
suco de pimenta e escarificação.

Restrições
As ações cot idia nas dos Jurúna estão p autadas por
uma série d e restrições que existem principaln1ent e n a
á r ea do sexo e da alimentação e cujo basearnento é
r elig ioso.
Além daquelas que foram relatadas ao escrc.vermos
• sôbr e a gravid ez, o par to, os prime ir os meses de vida,
a menstruação, a morte ( cf. ítem i) e o fato de não se
poder matar a ranha pequen a, conseguimos obter ainda
algumas relativas às doenças e ao trabalho no m ato.
·Q uando há alguém e nfêrmo, restrições alin·1entares
e sexuais d evem ser seguidas por tôda a sua família n u-
clear . Seus membros ficam proibidos de comer piranha
e macaco e têm que se abster de intercurso sexual. Que-
brando tais reg ras o doente sofrerá muito, podendo in-
clusive morre r. Além disso, devem ê les ficar sem traba-
lha r , veland o pelo enfêrmo. Era comum se recusarem
a dar informações, ou seja, a trabalhar conosco, porque
um d os filhos ou a espôsa se achava com febre. Nessas
ocasiões ê les passavam o dia na r êde, e n quant o que os
familiares secundários ajudavam nas tarefas do dia a dia.
Certa vez que acomp a nhamos um g rupo d e Jurúna
à roça, notamos que apesar de não serem ainda cinco
h oras da manhã ê les se puseram a comer a ntes d e e ntrar
n o mato. Com o tal h orário não fôsse o usual para as
refeições, perguntamos-lhes a razão d êsse fato, ao q u e
responderam precisarem comer antes de começar o tra-
balho "porque senão cobra morde". Crêem êles que,
es ta ndo alimentados, a cobr a comerá também e não
picará ninguém. Aliás, o mesmo acontece com a a r a nha
e o formigão.

* *
*
(127) Quando têm diarréia ou vômito, os Jurúna pegam um
fruto que dá numa árvore semelhante ao piquizeiro, que-
bram-no e retiram a amêndoa. Socam-na com uma pedra
até virar u 'a massa que é coberta com algodão. Quando
vão tomá-la, misturam-na com água. A êsse fruto dão
o nome de tipubá.

265
O conjunto dêsses fragmentos da relig iosidade Ju-
rúna indica que os mitos procuram mos trar como através
d e ações e a rtimanhas os doadores da maior parte da
cultura Jurúna conseguiram obter os elementos que lhes
transmitiram. Explica também a criação da human idade
e a sua diferenciação e fornece dados sôbre a origem e
a natureza d e outros elementos cósmicos. M ostra, a inda,
que o Universo está povoado de espíritos cuja a ção ma-
lé fica só o pajé pode destruir, que as almas g ostam de
voltar ao mundo dos vivos para se divertir e acabar com
as saudades, que o xamanismo é o traço m a is ativo do
sentimento religioso Jurúna e que as restrições, a limen -
tares ou sexuais, essencialmente, exercem uma coação
sôbre a .c onduta individual.
Por outro lado, êsses traços evidenciam que a in-
fluência cristã sofrida desde o século XVII não rdterou,
pelo menos aparentemente, os seus padrões r el ig iosos.
O próprio Adalbert fala em:

... "a proof how little the m1ss1onaries ins-


truct their converts in the doctrines of C hristia nity:
baptism is to them simply a political act, - it
confers o n a man a name, and he the nce for th con-
side rs himself as belonging to Souzel, and as one
of th e children of their great father the Emperor ... "
(1849: 305).
Situação semelhante encontramos entre os X ipáya
que, de acôrdo com Nimuendaju (1919-20 : 1002), não
se tornaram cris tãos apesar de, quando os enco ntro u em
1918- 19, estar e m sob o domínio de "senhores cristãos".
Se co mpa rarmos as idéias e práticas religiosas co-
nhecidas sôbre os alto-xinguanos e os Jurúna, podemos
concluir que e las são diversas, apesar de al g uns temas
comuns. Ü 's dados fornecidos por Steinen ( 1940: 44 7-
-92}, Galvão (1949: 41-3; 1952: 475 e 1960: 29),
Murphy & Quain (1955: 62-77), Oberg (1953: 52 -
-6 1), Carvalho ( 1951 : 15-25} , Dole ( 1956- 7: 199-202
e 1964 : 53-62), Schultz (1965-66: 2 1- 149), Silva
(1966, Ms) e Laraia (1967: 7-36), acêrca d os alto-
-xing uan os, e o nosso material sôbre os Jurúna, indicam
que, apesar das duas tradiç·Ões possuírem a crença e m
!1.eróis c ultura is, a mitologia xinguana apresenta dois gê-
meos identificados ao so l e à lua, fato que n ão ocorre
com a J urúna. Também a obtenção do fo g o se teria
dado d e forma diferente, enquanto que a origem dos rios
possui um tem a semelhante nas duas tradições. .. V aria
em ambas o c onceito sôbre a criaç ão dos home n s e a
difere n ciação das culturas. Tanto uns quanto os ou tros
possuem uma festa para os mortos. Todavia a dos xin-
g uanos (Kwarü:p) está ligada às origens da huma nidade;
a festa é uma reatualização do mito, fato qu e não ocorre
com a J urúna. Em ambas as tradiçC.es existe a crença
em espíritos da natureza. Os J urúna, porém, n ão crêem
em espíritos que velem pela saúde das pessoas e pelo

266
crescimento de animais e plantas sôbre os quais depende
o bem estar dos indivíduos. Êsses espíritos são chama-
dos de mamá'é pelos Kamayurá e embora corri outros
nomes, parecem existir em todos os grupos alto-xingua-
nos. Quanto a festas rituais além daquela dos mortos,
sabemos que existem outras nos grupos da "área do uluri"
mas, as informações j urúna sôbre êsse assunto, por se-
. rem fragmentadas demais, impedem-nos uma cornpara-
ç ão. Nossos informantes apenas lembravam-se de que
no passado outras cerimônias eram realizadas. O xama-
nismo, por sua vez, manifesta -se de forma sem.elhante
nos Jurúna e nos grupos alto-xinguanos. Como variação
existe o fato de que nesses últimos a arte xamânica d~
curar é empregada e conhecida por quase todos os ho-
mens adultos do grupo, o que não ocorre entre os
. .
primeiros.
Apesar das semelhanç as encontradas, acreditamos
que bàsicamente as duas tradições sejam diversas, sendo
essas provàveis semelhanças explicadas mais por uma
" origem amazônica" comum a ambas, do que por um
processo aculturativo, uma vez que os Jurúna são con-
siderados intrusos recentes na área ( cf. Galvão, 1960:
16 e 28).

1- FORMAS DE DIVERSÃO

O cotidiano Jurúna mostra que de mistura com as


atividades de subsistência existem as recreativas. En-
quanto trabalham também se divertem, o que aliás ocorre
entre os xinguanos. Por mais pesada ou cacete que seja
a tarefa a realizar sempre acham um jeito de se distrair
durante sua realização. 0 bservamos que enquanto pre-
1

paravam o terreno para a roça, limpando a mata da


vegetação rasteira ou derrubando as árvores êles riam mui-
to e tagarelavam o tempo todo . De certa feita, quando
voltávamos de uma excursão, os índios, após terem re-
mado cêrcà de duas horas, deram maior impulso à canoa
e puseram-se a fazer círculos na água e a gritar. Segundo
êles, estavam a divertir-se imitando o vôo de um pás-
saro que existia em grande quantidade em Aitamira,
conforn1e diziam os Jurúna antigos.
As mulheres, quer estivessem a fazer caxiri, cozi-
nhar, trabalhar com o algodão ou a executar qualquer
tarefa que lhes coubesse, estavam sempre a "fofocar" e
a rir. O mesmo ocorria com os hom.e ns. Êstes, ainda,
costumavam interromper seus trabalhos para beber ca-
xiri, bebida que é um elemento constante no dia-a-dia
Jurúna (cf. ·0 1liveira, 1968: 21-2).
Algumas vêzes, em geral ao entardecer, os homens
se reuniam para contar as novidades do dia. Nessas oca-
siões, riam tanto que chegávamos a sentir pesar por não
compreendermos a língua a fim de também podermo-nos
divertir um pouco. Embora essas reuniões fôssem às vis-
tas de todos, as mulheres e crianças delas não participa-

267
vam, tal como ocorre en tre os xinguanos. É preciso
salientar, porém, que entre êsses ú ltimos a inda persiste
a "casa das fl a utas", mencionada e observada p o r Stei-
nen ( 1940: 84 e ss.), em sua estada entre aqu êles índios
e que funciona também como um local d e reunião so-
m e nte de homens. Essas casas, porém, conforme pude-
mos o bservar entre os Kamayurá nos a nos de 1965 ,
1966 e 196 7 constituem, tal como di sse Galvão ( 19 5 3:
18), " um a rrem&do de rancho". Segundo os informan-
tes, os Jurúna jamais possuiram um local vedado onde
os h o m e ns se reunissem o u g uardassem fl a utas.
Se os adultos e os a dolescentes se divertem e nquan-
to trabalham, as c rianças passam os dias numa recreação
constan te . Quando n ão estão a brincar na água ou a
correr nas forma ções de areia (coroas ) existentes no
rio Xingu, em fr ente à aldeia (durante a sêca), estão
a imitar as tarefas dos pais. As m eninas geralmente ten-
tam fiar em fusos pequenos, fazer panelas e socar pilão
e m miniatura, enq u a nto que os garotos têm pequenas
b o rdunas, arcos e flechas. Tanto elas quanto êles gostam
muito de atirar paus nos animais que criam. Riem e
fazem a maio r algazarra enquanto os bichos pro curam
livrar-se do ataque. O·s poucos porcos existentes na al-
d eia Bibina pareciam ser o alvo preferido. Dava1n tam-
bém muitas carre iras n esses animais. As meninas, ainda,
brincam com bonecas ou bichinhos de madeira feitos pelo I
p a i. En tre elas vimos uma boneca de plástico adquirida
com o " caraíba". J á os meninos gostam muito d t. lutar,
imitando o huká-huká d os xinguanos <128 >. As imitaç-ões
se estendem também para atividades que são lev adas a
cabo no Pôsto Diauarum. Kaenbá, por exemplo, o filho
d e Karandini, nosso principal informa nte, estava sempre
a brincar de falar n o rádio. Nessas ocasiões, imitava
parte da c~nversa o uvid a entre Clát1dio e ·O rlando Villas
Boas quando se comunicavam pelo rá dio. O avião tam-
bém é outro objeto de imitação.
Há cantos e brincad eiras infantis que são traços h er -
d ados de outros g rupos tribais além dos xinguanos. Certa
vez, ao entardecer, notamos que as crianças, meninos e
meninas, fizeram uma r oda, depois separaram-se ao meio
e em seguida correram cruzando-se. D e acôrdo com o
informante, as crianças haviam visto um g rupo d ê Txuka-
h amãe dançar e, tentando imitá-los, havia m feito aquela
brin cadeira. De o utra f eita, os m enin os, abraçados uns
aos o utros, puseram-se a cantar e a andar. Informaram
que aqu ê le canto era Kuruáyá. Em seguida as meninas
a lia r a m -se aos gar otos e, em roda, estiveram a entoar
uma música T rumá i.
O utra forma d e e ntretenimento, d a qual participa-
v am adultos e crianças, e ra a "festa" que faziam quando
divisavam a chegada dos que haviam saíd o para pescar,
caçar ou trabalhar n a roça e quand c ouviam o ruído d e

(128) Para uma ligeira descrição d o huká-hukâ xin guan o ve ja-


-se Galvão (1949: 44 e 1950: 356, 365-6).

268
um motor de barco. Como tal rumor em g eral signifi-
casse a vinda de "caraíba", podendo ser o "Cláudio"
(Villas Boas), o corre-corre era imenso. Colocavam rou-
pas, enfeitavam-se e ficavam a espiar do barranco. Quan-
do o barco atracava e seus ocupantes desciam, êles se
apressavam em cumprimentá-los. Depois de matarem
um pouco da curiosidade se aquietavam e voltavam à
rotina.
Tais fatos não ocorriam quando se tratava de índios
de outros grupos tribais, mormente os T xukaham&e. Com
relação a êsses notamos uma tensão bastante grande.
Era comum as mulheres esconderem alimentos e ficarem
dentro das casas com as crianças quando um barco da-
quêles índios se avizinhava. Chegavam inclusive a meter
mêdo nos filhos quando estavam com muita manha, di-
zendo-lhes que se não parassem, T xukahamãe viria pegá-
-los. A choradeira cessava instantâneamente.
Algumas vêzes, sem que para isso precise haver
qualquer motivo específico, mas desde que haja l:3astante
mandioca, os Jurúna costumam parar suas atividades
para beber caxiri em grande escala ( marit:x.á). Das re-
ferências feitas a essas bebedeiras, as que apre sentam
maiores detalhes são as de Steinen ( 1942: 285, 306, 308,
312-3 e 314 -6) (129 ) .
Durante a nossa estada na aldeia em 1966 e 196 7,
tivemos ocasião de observar verdadeiras "orgias" de
cax1r1. No primeiro ano, em dois meses, organizaram
uma que durou 1O dias, sofrendo algumas interrupç ões
apenas para o preparo da bebida. As mulheres faziam
assim como que um rodízio, havendo tôdas participado.
Uma delas era sempre a dona do caxiri. As demais co·
operavam no fabrico. Afora essa houve outras de me-
nor duração: uma prolongou-se por 4 dias, enquanto
que mais três se estenderam por 2 dias. Nessas últimas,
êles bebiam ininterruptamente, dia e noite. No ano se-
guinte houve uma dessas festas, que teve uma duração
de 8 dias. Nessas ocasiões costumam adornar-se muito:
s~.o enfeites de miç angas, de dentes de animais, d e algo-
dão, de arilo da sororoca e de penas, além das pinturas
corporais. Vestem também o que julgam ser o melhor.
Tão logo o caxiri e s teja fermentado, seus dono3 o ofe-
recem a todos os que estão na aldeia. Após essa pri-
meira vez, são livres para beberem a quantia que dese-
jarem. Depois de um dia, começ am a ficar emb1·iagados,
inclusive as crianç as. Vimos um g arôto com c êrca de
4 anos mal podendo estar em pé. Seus olhos pareciam
vidrados. Em geral só não bebiam as crianç as muito
pequenas e os que porventura estivessem enfermos. Riam
muito e tag arelavam mais ainda. Alguns cheg avam a
falar e a dançar sozinhos. Ü 'utros cantavam, tocavam
flautas ou sopravam apitos. Tais ocasiões eram bastante

(129 ) Cf. t a mbém Nim u endaju (1948: 236-8), Galvão (1952:


475-6) e Oliveir a (1968 : 21-2) .

269
propícias para " fofocas". Êles, que normalme n te são
taciturnos e discretos, respondiam a tudo o que se lhes
perg untasse.
Quando a desinibição tomava conta de todos, já
não podendo conter a curiosidade, remexiam e m tudo
o que f ôsse novidade. Chegavam cambaleando em nosso
rancho e faziam-nos mil perguntas. Traziam cuias e mais
cuias d e caxiri e insistiam para que bebêssemos. Se
inventávamos uma doença qualquer para fugi r dêsse
convite, rod eav a m -.nos e queriam saber onde doía, se
tínhamos febre , etc. Depois, contavam-nos seu!:) casos,
pediam-nos que consertássemos roupas e lanternas e es-
tavam sempre a dizer - "pode dormir um pouquinho"
- mas continuavam a insistir na conversacão.~

Apesar de tôda essa "orgia", não havia brigas. Pelo


contrário até. A aleg ria era geral e a risada o e le m ento
constante . Comiam pouco. Algumas mulher es chega-
vam a fazer farinha em meio a tôda essa balbúrdia.
Outras fiavam e as demais embriagavam-se. Uma d elas,
Tibi, e m geral vomitava inuito, o que porém n ão a im-
pedia d e continuar a beber. Nessas ocasiões, p egava uma
flauta e dancava sozinha dentro de casa, perto de sua
rêde. ,
Depois de 2- 3 dias aproximadamente, quando esta-
vam a terminar a bebida, êles já começavam a p repara r
outra dose. D ependendo do tempo de duração dessa
"orgia", isso podia ocorrer até 3-4 vêzes. Q11ando o
caxiri chegava ao fim, a ressaca era certa. Duran te um
dia êles passa vam a dormir, e~bora nem todos assim
o fizessem. Alg uns saíam para pesca r. Faziam também
farinha, mas queixando-se de dor de cabeça o tempo
todo. As crianças menores, que não haviam participado
dessa b e b e d e ira, enquanto seus pais dormiam a lime nta-
vam-se com banana ou peixe moqueado com fa rinha.
Ficavam também a rodear-nos. D•ois dias depois já es-
tavam t otai m ente e m forma. Dizem êles que essas festas
são para alegrá-los. Gostam muito de caxiri.
D e nosos diá rio extraímos o texto que segue a fim
de documentar uma das " farras" observad as:

" Alde ia Bibina, 12 / 8 / 66


1

Hoj e foi impossível trabalhar. Os Jurúna


desde o ntem estão a beber maritxá. D epois que
Bibina e o p essoal que havia ido na roça de Biçaká
chegaram , êles passaram a beber ininte rrupta mente.
Não os vi comer.
A tarde fui participar da bebedeira e cheguei
a v er criança de mais ou menos 4 -5 anos bebendo
cax1r1. A s crianças que na véspera estivera1n febris
se abstiveram do maritxá (caxiri). Torna ram a
e nfe itar-me com o arilo da sororoca. Quem o fêz
dessa vez foi Xõtã. Xõi complementou colocando
umas penas de pato brancas, pequenas, atrás do

270
enfeite vermelho, no repartido do cabelo. fa.lgumas
índias também usavam êsse ornato. Outras somen-
te o arilo. Vi o filho de T amãmá usando brincos
de pena de papagaio. Alguns homens se enfeita-
vam com a flor vermelha do arilo, na testa. Dudiga
usava um colar de algodão feito por mulher Jurúna,
tendo como p~nduricalho uma moeda de dois cru-
zeiros antigos. Seus filhos também usavam lnoedas
penduradas em colares de contas. Tibi trazia um
chaveiro e uma medalha com a figura de Cristo,
pendurados num c;.olar de conta. Sua filhinha pos-
suía como penduricalho uma espécie de sino. Che-
guei a ver alfinete de fralda dado por mim servindo
de penduricalho ou de broche em vestido.
Os primeiros a ficar tontos foram Kauaxin, Te-
ninin e T'ibi. Bibina, Xubahú e Y auaridu tan1bém
ficaram. Bibina chegou a passar mal do estômago,
tendo vomitado.
Como não me sentisse muito bem, virn deitar-
-1ne um pouco, mas não p u de. Yauaridu, bastante
tonta, trazendo o filho a tiracolo, em tipóia , e nas
mãus uma cabaça com caxiri, veio oferecê-lo a
mim. Ela cantava uma cantiga bastante triste e
monótona. Sempre a mesma cadência. Logo em
seguida, veio Xubahú e convidou-me a danç ar. Não
sossegou enquanto não fui, apesar dos meus pro-
testos por estar com dor de cabeça. Xubahú, Y anari-
du e eu dançamos de mãos dadas. Logo após, mais
três mulheres agregaram-se a nós e dançaram em
nossa frente. Isso foi aqui no meu rancho. As mu-
lheres cantavam e Xubahú tocava uma flauta de Pan.
Xubahú, acompanhado pelo côro das mulhe res, to -
cou três músicas diferentes mas tôdas tristes e na
mesma cadência. Depois pararam.
Vi então Kauaxin, completamente embriag ado ,
tocando flauta de P·a n e dançando no terre;ro. la
em direção à casa de Bibina. Nessa altura, os que
não estavam embriagados achavam-se bastante ale-
gres. Conversavam e riam muito. Tibi pegou a
flauta de Xubahú e pôs-se a dançar também, den-
tro de casa, perto de sua rêde que estava ao lado
do côcho onde havia caxiri. A dança dêles consta
apenas de bater um pé mais forte que o outro no
chão e ir para a frente e para trás dando uma
volta.
Depois, as mulheres foram para o terreiro,
deram-se as mãos e cantaram dançando e1n roda.
A dança também era uma batida com o pé. É
quase um andar em círculo, de mãos dadas umas
com as outras. Logo em seguida alguns homens
juntararn-se às mulheres, também de mãoB dadas
e ficaram na frente delas. Cantaram e da1~caram~

três músicas monótonas e tristes (as mesmas do


meu rancho) . Bibina foi para o meio da roda, ini-

2 71
cialmente sozinho. Tocava a flauta de Pan. Logo
depois Dudiga foi para junto dêle. Bibin::t então
vira-se para mim e diz: "Ou diga amigo muito gran-
de." E Dudig a replica exclamando: "Bibina Ca-
. - 't
p1tao .
A seguir, Xubahú com seu filho lçabaro, agre-
garam-se a Bibina, tendo cada um dêles uma cabaça
com caxiri na mão, as quais, mais tarde, foram dis-
tribuídas pelo pessoal. Bebiam e dançava1n.
Não vi Karandini dançar nem cantar .
Essa dança já foi ao anoitecer. Segundo êles,
durante o dia é muito quente. Terminaram-na às
7 h da noite. Ü 'e pois, entraram na casa de Bibina,
beberam mais cax1r1, conversaram muito alegre-
mente e foram dormir. Alguns conversaru m dei-
tados. H avia também quem estivesse deitado na
rêde a cantar. Tibi, a essa a ltura, estava completa-
mente embriagada, mas não larg ava a fi lha e não
queria desgrudar-se d e mim. Foi necessária a inter-
venção de T eninin.
O filhinho de Tamãmá pareceu-me tonto.
Tinha os olhos vidrados e ria mu ito. .Ê le deve ter
3-4 anos.''

Nossas observaç·Ões se assemelham às descritas por'


Steinen, variando apenas em alguns aspectos secundários
tais como a indumentária, adornos e instrumentos mu-
sicais. Hoje em dia os homens não usam mais o cinturão
mencionado por Steinen, assim co1no o estôjo peniano.
Vestem calças ou "shorts" obtidos com os "caraíbas".
Também não utilizam enfeites como borlas de rniçangas
na cabeça e não fazem uso da panetádada ou outro
instrumento semelhante.
Existem ainda algumas festas de cará ter religioso
que por apresentarem um aspecto lúdico ou profano
serão aqui incluídas. Tais cerimônias, que constituem
ocasiões de alegria e divertimento são as seguintes: i-ánãi
kariá, duru kariá ou i-ámã kariá, purionxin.x in kariá, puria-
raê kariá e kwatah.á-de-abiá-kariá (kariá = festa, dança).
Embora não tivéssemos tido oportunidade de pre-
senciar e participar de a lgumas delas, os informantes
assim as descrevem:

i-ánãi kariá

A i-ánãi kariá é uma cerimônia que se realiza com


a finalidade de alegrar o espírito dos mortos que estão
com saudad es de seus parentes.
Quando tal fato sucede as pessoas que faleceram
se comunicam através de sonho com um tipo específico
de pajé: os que lidam com os i-ánãi ou espíritos de Ju-
rúna. Pedem que se fa ça festa, caxiri e comida, porque
êles desejam estar com os vivos.

2 72
Depois que a família do morto toma conhecimento
dêste desejo, pede ao pajé que invoque o espírito, o que
será feito através de gritos, danças e a música da flauta
i-ánãi biia <1 8 º) . O pajé permanece dentro da casa enlu-
tada vestido com um manto chamado abeatá, que lhe
cobre todo o corpo <131 >, até o momento em que os
J urúna que estão no terreiro o chamam para participar
não só dos cantos e dan ças mas também para beber
cax1r1. Dizem os infor1nantes que o espírito está "dentro
do pajé" e que se diverte com êles.
A festa só se realiza ao anoitecer e tem as seguintes
fases e duração, de acôrdo com os Jurúna: no primeiro
dia dançam até cêrca de meia-noite; no segundo até de
madrugada e no terceiro até o amanhecer. Nesse dia,
assim que acabam de dançar, vão buscar mandioca na
na roça. No dia seguinte tornam a dançar mais um
pouco. Quando a mandioca já está puba, dançam
a . noite tôda. Em seguida, as mulheres do grupo fazem
cax1r1. Novamente tornam a dançar apenas um pouco.
Quando o caxiri já está fermentado, bebem até acabar.
Enquanto isso, dançam e cantam até o amanhecer. Des..;
cansam durante o dia e à noite tornam a dançar apenas
um pouco. O mesmo sucede no dia seguinte. Depois
vão à roça buscar mandioca para pubar. A noite, dan-
çam apenas alg umas horas e, no outro dia, os homens
saem para pescar e caçar mutum. Nessa noite tornam
a festejar mais um pouco. Tal fato ocorre até que a
mandioca amoleça. Aí dançam e cantam durante tôda
a noite e madrugada. Pela manhã as mulheres vão fazer
cax1r1 novamente. As danças persistem até que o cax1r1
esteja quase fermentado. Nessa ocasião cozinham (sem
pimenta) e moqueiam peixe e mutum. Quando o caxiri
está pronto, o pajé fica só, dentro da casa, para con-
versar com o espírito e mostrar a êle a bebida de man-
dioca. Usa o manto e oferece caxiri ao espírito. Quando
os peixes e o mutum . estão prontos os homens dizem ao
pajé que vão levar alimento para o morto e entram na
casa. Ficam aí apenas o tempo suficiente para de-positar
a comida. Dizem os informantes que "o espírito come
escondido". Passados alguns minutos os homens tornam
a entrar na habitação para trazer os alimentos restantes
para fora. Todos comem, menos o pajé, que permanece
dentro da morada. Somente quando acabaram de se
alimentar é que o chamam, a fim de cantar e dançar.
O espírito dá caxiri para êles através do pajé e a festa
termina quando acaba essa bebida.
Segundo os informantes, apesar de todos part1c1-
parem da busca e do preparo dos alimentos, os "donos"
é que dirigem tudo.

(130) Para uma descrição dêsse instrumento v eja-se o item


sôbre instrumentos musicais (d).
(131) Cf. item b onde há uma descrição dêsse manto.

273
As d a n ças são r ealiza das em c írculo. A s mulheres
dão-se as mãos e os h o mens quando se agregam à roda
fazem uma espécie d e fila em que colocam as mãos nos
ombros uns atrás dos o utros. Batem com um pé no chão
mais forte que o outro e, no mesmo compasso, vão e
voltam logo que atingem o ponto inicial. Enquanto dan-
çam, entoam a canção do i-ánãi, conhecida por i-ánãi
abiá.
Durante a celebração dessa cerimônia algu1nas res-
trições t êm que ser seguidas: o contato sexual é proibido
e só podem comer, d e peixe, curimatá e pacu. Ü'S outros
são rej e itados pelo espírito que os acha ruins. Quanto
à caça, só o mutum-cavalo. Pode m ainda alimentar-se
de beiju e farinha, além do caxiri.
Steine n ( 194 2: 3 16) observo u uma cerimô nia se-
melhante e m 1884 e Nimuendaju r efer e-a para os Jurúna
( 1948: 24 2) e d escr eve-a para os Xipáya ( 192 1-2:
373-84 e 1948: 242).
1Quando o g rupo estava cindido em dois, os habi-
tantes de uma alde ia costumavam chamar os da outra
para a realiza ção d essa cerimônia porque só h a via um
pajé de i-ánãi: Káia.
Afirma Karandini que essa festa possui uma função
semelhante à do kwarürp ( cerimônia levada a cab o pelos
xinguanos) ou seja, acabar com as tristezas e saudades.
O desenvolvimento~ d e uma e outra, porém, são diversos.
Além disso, o kwarüp é realizado e m caráter inter -tri-
bal <1 3'2 ) , o que não se dá com o i-ánãi kariá. Esta, ainda,
é realizada n ã o só qua ndo o espírito está triste, mas tam~
b ém quando um Jurúna sente sauda des de pare ntes fa-
lecidos. Ocorrendo tal fato, basta falar com o pajé , que
. ,
se comunicara com o morto.

duru kariá ou i-ámã kariá

A d ·u ru kariá ou i-ámã kariá é uma cerimô nia onde


os homens adultos dançam com trombetas <133 ) . Rea-
liza-se para um tipo específico d e espíritos de g ente, os
i-ámã, que vivem nas pedras e não fa la m a líng ua Jurúna.
Ela só se e fetua qua ndo o pajé sonha que estão a t ocar
duru e a visão do espírito lhe aparece ordena ndo que
faça uma festa. Na a tualidade, apenas 'B ibina tem êsse
poder.
Embora a duração e as fases se assemelhe m à ceri-
mônia d o i-ánãi, ela v a ria nos seguintes aspectos:
- a festa te m apenas um dono que, no caso p resente,
é Xubahú. De acô rd o com os informantes, Bibi.na que

(132) Sôbre o kwarüp h á um tra balho bastante det alhado de


Silva ( Ms, 1966) a presentado como t ese de m estrado na
Univ. de Brasília. Veja-se também Santos (1956) .
(133) Para uma descrição da trombeta duru veja-se o item
sôbre instrumentos musicais (d ).

274
é "pajé pouquinho", mandou que êle fôsse. Segundo
indicam, o dono geralmente é o marido da irmã do pajé
o que aliás é o caso de Xubahú.
o pajé só manda fazer a festa. Não toca duru.
o pajé não usa manto algum e não participa das
danças. Nos dias iniciais da festa, em geral, êle fica
deitado na rêde a ouvir os sons da duru. Como a festa
só se realiza à noite, pode inclusive dormir. No final
da cerimônia, porém, êle tem participação ativa . Fica
sentado dentro da casa a fumar, a comunicar-se com o
espírito e é êle quem oferece caxiri e comida ao i-ámã,
da mesma forma já descrita para o i-ánãi.
- a trombeta ( duru) não é tocada fora da cerimônia
porque senão "podem pegar doenças". C1 3 '~)
- o pajé é quem ensina a tocar duru, o que ocorre
somente durante a realização da cerimônia. Os homens
porém começam a memorizar a melodia desde a infância,
por ouvi-la.
- não há canto nessa festa, somente a dança com as
trombetas, tocadas por todos os homens adultos, exce-
tuando-se o pajé.
- as mulheres e as crianças não tocam · a trombeta
( d•uru), mas podem dançar.
- quando a festa está por terminar, além dos peixes
e do mutum já mencionados na cerimônia do i-ánãi, êles
podem também caçar macaco prêto.
- a dur:u kariá pode ser realizada dentro ou fora de
casa, enquanto que na i.;ánãi, segundo Karandini, êles
só podem entrar na habitação para dormir.
Os quatro Jurúna que forneceram os dados sôbre
essa cerimônia, diziam que o espírito aparece co1n maior
freqüência se há cax1ri. Quando êste falta e êles apenas
tocam a duru, o i-ámã só vem ver. "Chega só um pou-
quinho".
Segundo os informantes, tal como ocorria com a
i-ánãi por ocasião da cisão do grupo, para a realização
dessa cerimônia, os habitantes das duas aldeias se agre-
gavam, uma vez que só Bibina é o pajé de i-ámã.

p:u rionxinxin kariá

A purionxinxin kariá é uma dança ao som das clari-


netas conhecidas por p·u rionxinxin <1 3 0 ) Dizem os Jurúna
que ela lhes foi ensinada por um auã, ou seja, um espí-
rito da água P ·3 6 ).

( 134) Apesar dessa restrição, êles tocaram as trombetas a fim


de nos fazer uma demo·nstração.
(135) Veja-se a descrição dêsse instrumento musical no item d.
(136) Cf. iten1 j.

2.75
Como as outras festas descritas, esta também só se
realiza à n oite e possui as mesmas fases d as a n terio res,
com exceção do final , uma vez que na purionxinxin kariá
n ão se faz comida. Bebe-se apenas muito cax1r1 e se
dança. Os adornos são sempre iguais.

puriaraê kariá

Puriaraê é um instrumento d e sôpro (pela falta de


um exemplar, porém, não co nseguimos classificá-lo espe-
cificamente) <1 ·3 7 ) . A festa que se realiza ao som dêsse
instrumen to "é ig ual purionxinxin" segundo os informan-
tes. També m e la t eria sido ensinada p elo resmo auã que
transmitiu a a n terior.

kwatahá-de-abiá kariá

A kwatahá-de·- abiá é uma melodia que é cantada


d uran te a realização de uma festa que, segund o os Ju-
rúna, lhes teria sido ensinada por u' a mulher habitante
do céu (la ) • As danças cantadas são execu ta d as no ter-
reiro, à noi te .
Bebe-se m uito cax1r1, o b edecendo-se os mesmos
ciclos das anterio r es e sempre há quem t oqu e uma flauta
d e Pan (biia xinxin) P 3 9 ) .
H avendo os J urúna cantado o kwatahá-de-abiá
para q ue tomássemos conhe·c imento da canção, notamos
que ocorria com essa melodia o mesmo que já dissera
Coudreau com relação a outras canções d êsses indios:

"Dans toutes les chansons Jurunas, ch aqu e


lig ne est répétée un g rand nombre de fois, touj ours
sur le même a ir ; e t , chaque couplet se recomme nce
de S à 10 fois" (1897: 198).

(137) Cf. ite m sôbre instrumentos musicais (d ).


(138) A êsse r espeito veja-se o item j, a cêrca de mitos.
(139) Cf. item sôbre instrumentos musicais ( d ).

276 Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai


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IV. A CONDIÇÃO DE JURú.N A

A tradição oral e principalmente o docun1entário


histórico situam no século xv·11 a ocupação do Baixo
Xingu pelos Jurúna.
Compelidos pela invasão luso-brasileira e pela hos-
tilidade de outros grupos indígenas, os J urúna recuaram
para montante do rio Xingu até alcançar, cêrca de cin-
quenta anos passados, sua atual destinação: as vizinhan-
ças do Pôsto Diauarum, aproximadamente a 1. 500 qui-
lômetros de sua primitiva localização.
Não foi um recuo maciço e contínuo, mas iniciativa.
de grupos locais que se rebelavam à dominação pelos
missionários, primeiro, e de brasileiros, após. Além
disso, houve também a pressão de índios hostis, como
os Kayapó. Nesse processo deve ter ocorrido a pulve-
rização dos grupos locais distribuídos pelas "ilhas" e
barrancos estrategicamente defesos a incursões inimigas.
É a situação dos "J urúna vagabundos", das "carajasa-
das" e da absorção pelos núcleos pioneiros de parte dos
Jurúna.
De uma população estimada em cêrca de 2.000, há
pouco mais de um s:.§culo, restam hoje 58, reunidos em
uma única aldeia, a de Bibina, nas vizinhanças da bôca
do Manitsauá. Nessa atual localização, embora ern ocor-
rência muito reduzida, permaneceu a ameaça à segu-
rança J urúna por grupos como os Suyá e os T xukahamãe
e pelos antigos habitantes do Alto Xingu, o que se tra-
duzia por incursões e conflitos ocasionais. Essa s ituação
veio a ter fim com a pacificação dos Jurúna, em 1948-
-49, pelos Villas Boas, que estabeleceram um Pôsto
em Diauarum, promoveram a aproximação dos vários
grupos e desenvolveram uma política de contenção de

277
hostilidades. N ão obstante, alguns inciden tes demons-
tram ainda a r e lativa precariedade dessa acomodaç ão
pacífica. Subsiste uma hostilidade latente que vez por
o utra extravasa os limites da contenção mantida pelo
Pôsto Diauarum, com o ocorreu no c a so d e Kalue nê, o
índio Trumá i morto pelos Jurúna. E ssa hostilidade, e n -
tre ta nto, é mais d e iniciativa privada q u e ação co le tiva ,
embora o g rupo como um todo não se a usente da r es-
ponsabilida d e da ação.
.. ..... .
Apesar o u também consequenc1a do estad o d e
g uerra p e rmanente em que viviam até v inte anos pas-
sados, da dispersão d e suas aldeias e da drás tica red ução
em núme ro, os Jurúna contemporâne os demonstram mar-
cado co nserva ntismo em sua cultura tradicio na l.
,t:.sse con servantismo é hoje favorecido , sen ão pro-
movido, p e la atuação do Pôsto Diauarum, do Parque
Nacion a l do Xing u, que é o mediador e fiscal das r e la-
ções inter-triba is, o provedor de utilidades e o garanti-
dor d a posse e preservação das terras ocupadas por
índios; a lém disso, propicia com e fe tividade uma assis-
tê n cia m éd ico-sanitá ria.
O d eclínio da p o pulação foi sustado, reveland o -se
nos ú!timos a n os a lcance de estabilidade. O relativo equi-
líbrio por sexo ( 5 1, 8 % homens, 48, 2 o/c mulhe res), a
percentagem d e indivíduos jovens (39,6 % com 9 anos
e m e n os) e a fertilidade das mulheres Jurúna ( 3, 8 filhos
em média para cada mulhe r de mais d e 20 a nos) indi-
cam um potencial de crescimento.
E ntretan to o b serva-se um fator restritivo : a p e rmis-
sibilidade de uniões dentro do grupo Jurúna , ditada pelas
regras de parentesco que pràticame nte impe d em o casa-
m en to d entro do atual g rupo, levando à busca ele côn -
juge e m outr o g rup o tribal e a fixação p elo menos tem-
porária n esse g rupo. Essa solução imposta pela situação
d emográfica com o condicionada pelo sist ema d e par e n -
tesco, r esulta indiretam e nte da atuação d o P ôst o Dia ua-
rum que h o je assegura relativo trânsito livre entre indi-
víduos d e trib os hos tis no passado. A esta bilidade des-
sas uniões é, e ntretanto, ameaçada pela r eco rrê ncia da
m esma s ituação entre g rupos imediatame nte v izinhos
como os T rumái e os Suyá, em que a trama d e paren -
tesco atua nte sôbre u ma situação demogr á fica crítica r e-
clama a busca d e cônjuges fora do g rupo . Cria-se assim
uma situação d e competição pela fixação do cônjuge no
g rupo local. Essa fixação é ainda dificultada pela r ea-
ção individua l a um ambiente cultural diverso e à ca-
rência d e uma comunicação lingüística. O escasso por-
tuguês falado é na maioria dos casos a única via d e
entendimento. O bilingüismo, comun-. entre os a lto -xin-
g uanos e r esulta nte d e um intercâmbio a longo prazo, é
prà ticamente a usente entre os grupos do Dia ua r um, ain -
da muito recentes e m seu convívio.

278
Conforme já dissemos, apesar da miscige nação e
dos efeitos do contacto prolongado com a sociedade
regional e com outros grupos indíge nas, a cultura e a
sociedade J urúna não se descaracterizaram, oferecendo
ainda um corpus tradicional e próprio que as identificam
.
e as situam a' parte.
A atual e única aldeia Jurúna conhecida, apresenta
um compromisso entre o antigo e o moderno: tnn malo-
cão de formato tradicional (casa a longada, de planta
elíptica, com os lados menores arredondados) , co-resi-
dência do capitão Bibina e sua família extensa, ladeado
por rancharia de feição regional.
Os meios de subsistência permanecem aparente-
mente os mesmos de tempos antigos, baseados no plan-
tio de roças, na caça, pesca e coleta. Algumas plantas
de cultivo foram incor poradas. Na caça e na pesca, ape-
sar da introdução de armas de fogo, anzóis de ferro ,
linhas de fibra s intética, persiste o uso do arco e de fle-
chas, do timbó e de armadilhas. O uso de cerâmica de
fabricação nativa equilibra com o de vasilhame de metal
e de plástico introduzidos. O fabrico e consumo de caxiri,
a bebida Jurúna, persistem.
A indumentária modificou -se em parte corn o uso
de roupas e tecidos de procedência brasileira, mas êsse
uso é consentâneo com o das saias, adornos e pintura
corporal, depilação e corte de cabe!o no modêlo tradi-
cional.
A divisão de trabalho, atribuindo determina d a com-
petência a um e outro sexo, permanece b à sicamente inal -
terada , o mesmo acontecendo com a definição e trans-
missão de propriedade.
As r egras de pare ntesco e a r egulamentação do ca-
samento, tradicionais, persistem em s ua totalidade, adap-
tadas ou flexionadas tão s omente diante de situações
decorrentes da depopulação . Não é infreqüentr:- o uso
de desig nativos brasileiros, mas a r e ferência b á sica é
ainda condicionada pela terminolog ia J urúna. E da
mesn1a forma as expectativas de comportamento e as
atribuições de direitos e deveres.
A nomenclatura de parentesco J urúna, que atribui
designativos eqüivalentes ao lado mate rno e ao la do pa-
terno , indica um sistema bilateral. Indica ta mbém uma
distinção em gerações - dos pais dos pais aos filhos
dos filhos. A primeira g eração ascendente e a primeira
descendente são do tipo fusão bifurcada. Na g e ração de
Ego a terminologia é do tipo lroquês. Na segunda gera-
ção ascendente e na segunda descendente há uma fusão
de terminologia. Na primeira delas é aplicado o critério
de sexo para o indivíduo designado , enquanto que na
outra é utilizado o critério de sexo para o falante.

279
O atual quadro d emográfico, por su a redução drás-
tica, levou a adaptações conciliatórias regulando -se as
uni ões pela seguinte o rdem: preferencial, primos cruza-
dos da mesma geração; na impossibilidade e ntre primos
em segundo e terceiro g rau ; permitida, que inclui casamen-
tos entre avô e n e ta, pai e filha, mãe e filho, classificató-
rios, tios e sobrinhos, a partir da segunda geração: tolerá-
V·e l, uniões entre indivíduos pertencentes à mesma geração
e com aparentamento próximo - p rimos paralelos em
primeiro g rau. Estas últimas como adaptação ao quadro
atual, em que se tol era o casamento e ntre indivíduos qu e
pela definição m ais ríg ida de tempos passad os, estariam
impedidos.
As normas d e co mportamento que aco mpanham o
indivíduo em seu ciclo de vida são s imples ou foram
atenuadas. Impõe-se à gestante e ao pai abstinência se-
xua l e a evitação d e a lg uns alimentos. O alcance da
puberdade não é marcado por qualque r procedimento
formal, embora se a firme que n o passado os jove ns f ôs-
sem segregados dura nte certo tempo. À morte, o indi-
víduo era ente rrad o dentro da própria casa, que ficava
abandonada.
A vida relig iosa d os Jurúna conte mporâneos refl ete
talvez mais agudame nte que outros aspectos de sua cul -
tura, o processo d esor g anizatório r esulta nte do tempo e
das peculiaridades do contacto com o mundo exterio r.
Subsiste uma mito logia fragmentária e residual explica-
tiva do universo e suas transformações po r Cinaã, Kumã -
hári, heróis culturais que foram os provedores das artes
da vida; a crenç a em espíritos e almas de animais e
h omens mortos que povoam a água e a mata, guardiães
da natureza e g eralme nte malígn os ao h o me·m; uma es-
cassa representação cerimo nia l e a prática muito a tenua-
da de atividades xamanísticas.
O processo d e aculturação que se ins ta lou desde os
p rim eiros contactos en tre Jurúna, europeus e luso-br asi-
leiros, parece-nos irre v e rsível, embora as atuais condi-
ções oferecidas p e lo Parque Nacional do Xingu pudes-
sem permitir um revivalismo da tradição Jurúna. Tra-
ta-se de uma população jovem, sem o r espaldo de uma
ger ação mais velha e conservadora. M esmo na hipótese
d e um crescimento m a is acentuado d a atual p opulação
seria difícil ocorr er um r etôrno ao passado , p e lo que
in existe de g ratificaçC.es nesse sentido. E ntre tan t o , o ser
J urúna é ainda uma co ndição importa n te no processo de
aco modação frente a essa agência nac ional e aos dem ais
g rupos, pelo que possa significar em tê rmos de garantia
de te rras, assistê n cia e prevenção d e h ostilidades de ou-
tros g rupos tribais. Enquistar-se como J u rúna é uma
a lternativa compensadora na disputa de prioridades a ssis-
ten cia is, ao m esmo tempo que satisfat ó ria em têrmos d e
au to-afirmação.

280
APÊNDICE

NO,M E DAS PESSOAS QUE CO.MP·õ M A


CARTA GE.NEAL,ô GICA

1 Desconhecido 25 Desconhecido
2 Desconhecido 26 lakui
3 Desconhecido 27 Tamãkáiu
4 D'e sconhecido 28 Marikauá
5 Xubudü 29 Kudaiauá
6 Kaembü 30 Ukahá
7 Desconhecido 31 Kaidu
8 Desconhecido 32 Karin
9 Desconhecido 33 Káia
10 Desconhecido 34 Kapá
11 Desconhecido 35 Toru
12 Desconhecido 36 Aridã
13 Desconhecido 37 Bibina
14 Desconhecido 38 Xõi
15 Desconhecido 39 Yauaridu
16 D'esconhecído 40 Xubahú
17 Desconhecido 41 Xaá
18 Desconhecido 42 Penun
19 Desconhecido 43 Há
20 Xubé 44 Kalentá
21 Kananakú 45 Bisaká
22 Aluãdi 46 Kunato
23 Kuraí 47 Tamãmá
24 Akani 48 Kauaxin

281
49 Xaduhá 81 sem nome (julho
50 Táhu de 196 7)
51 Yariaki 82 Takumãdigá
52 Ou d iga 83 Yuanãhu
53 Kakudo 84 Titiahã
54 Xõtã 85 Un-nihú
55 Karandini 86 Inananã
56 Daká 87 Becebá
57 Pixana 88 Titikaná
58 Morreu sen1 nome 89 Desconhecido
90 .
59 T ia no sem nome em JU -
60 - Ten inin lho de 1967
61 Padoxibiá 91 Kanikunahã
62 Nãnã 92 'B áxide
63 Pnigaihã 93 - Kaembá
64 lçabaro 94 Tabanãná
65 Yuruá 95 Inãbá
66 - U lupanã 96 Uaiakú
67 A uiiiahã 97 Morreu se1n nome
68 Kan ãbá 98 Xiãná
69 lnimá 99 Ti tiniu
70 Daá 100 Adihá I
71 Tibi 1o1 Lahoiciá
72 Pauaidê
102 Tiditidi
73 Rin
103 Kurun-mã
74 Acuririn
75 -
~

Axinxin
104 Kudauá
76 Xut in 105 Neõ
77 Urupê 106 Kaluenê
78 Tamariku 107 Tupi
79 Uarü 108 Nuiiá
80 Kuxiná 109 Uarananã

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Vice-Reitor : P rof. Dr. Orlando Marques de Paiva

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Composto e impresso em 1972, na Tipografia Edanee


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