Beruflich Dokumente
Kultur Dokumente
pensamento complexo
O
pensamento complexo vida mais humana”, além de reencon- mesmo que provisória, aos problemas
seguindo as rotas abertas trarmos o sentido em nosso mundo. da humanidade.
por Edgar Morin é o tema A autonomia dos saberes acon- Um artigo e mais duas entrevis-
da revista IHU On-Line tece na “relação criativa com outras tas completam a presente edição.
desta semana. Pesquisadores e pes- partes”, e não através do isolamento, Dênis de Moraes, professor do
quisadoras de várias áreas do conhe- que atesta miopia e morte, assinala Departamento de Estudos Cultu-
cimento contribuem no debate. Laércio Pilz, professor na Unisinos. A rais e Mídia da Universidade Federal
A fragmentação dos saberes obs- abertura ao Outro e aos diferentes sa- Fluminense, recorda a trajetória e o
taculiza a consolidação do humanis- beres é o que “alimenta o nosso viver testemunho de Valério Brittos, re-
mo, atesta Edgard de Assis Carvalho, e o desejo pelo saber”. centemente falecido, descrevendo-o
da Pontifícia Universidade Católica de Gerson Egas Severo, professor como um missionário da ética e da
São Paulo – PUC-SP. A ciência se tor- da Universidade Federal da Frontei- solidariedade.
naria menos arrogante e prepotente ra Sul – UFFS, examina o legado de James Alison reflete sobre a
caso assumisse a unidade indissolúvel Morin para compreendermos a mio- doutrina do pecado original à luz da
entre o sapiens e o demens dos seres pia dos saberes que não dialogam, o Ressurreição de Jesus Cristo, seguin-
humanos, assinala. delírio arrogante de tudo conhecer- do as trilhas de Paulo de Tarso e René
Jean Louis Le Moigne, professor mos, e a falta de sentido num ensino Girard. O teólogo inglês busca superar
emérito da Universidade Aix-Marseille compartimentalizado. uma visão moralista e chantagista do
(França), analisa a importância das “Pode parecer dramático, mas pecado original.
obras de Morin em conexão com as é realista: a necessidade da transdis- Apostando numa teologia capaz
ciências dos sistemas, a engenharia e ciplinaridade aparece mesmo no in- de ler os ‘sinais dos tempos’ sendo
a inteligência artificial. Todos somos terior de uma ciência como a Física”, profética, o teólogo jesuíta venezue-
responsáveis pela aventura do conhe- constata o físico Mario Novello. lano Pedro Trigo, refletindo sobre
cimento humano e de suas socieda- Na visão de Angelita Maders, a caminhada da reflexão teológica
des, avalia. Defensora Pública do Estado do Rio latino-americana, aponta os riscos de
Unir conhecimentos, ciências exa- Grande do Sul, o pensamento aberto teólogos enclausurados na academia.
tas e humanas é o objetivo da trans- à transdisciplinaridade e o pensamen- A todas e a todos uma ótima se-
disciplinaridade hoje, afirma o físico to complexo auxiliam a compreensão mana e uma excelente leitura!
romeno Basarab Nicolescu. Saberes do sujeito e o diálogo com outros sa-
entrelaçados são esperança de “uma beres para encontrar uma solução,
www.ihu.unisinos.br
IHU
Instituto Humanitas
REDAÇÃO Colaboração: César Sanson,
Unisinos André Langer e Darli Sampaio,
Diretor de redação: Inácio
do Centro de Pesquisa e Apoio
Endereço: Av. IHU On-Line é a revista semanal Neutzling (inacio@unisinos.br).
aos Trabalhadores - CEPAT, de
do Instituto Editora executiva: Graziela
Unisinos, 950, Curitiba-PR.
Humanitas Unisinos - IHU Wolfart MTB 13159
São Leopoldo/RS. ISSN 1981-8769. (grazielaw@unisinos.br). Projeto gráfico: Agência
CEP.: 93022-000 IHU On-Line pode ser Redação: Márcia Junges MTB Experimental de Comunicação
Telefone: 51 3591 1122 - ramal 4128. acessada às segundas-feiras, da Unisinos - Agexcom.
9447 (mjunges@unisinos.
no sítio www.ihu.unisinos.br. Editoração: Rafael Tarcísio
E-mail: humanitas@unisinos.br. Sua versão impressa circula às br), Patricia Fachin MTB 13062
(prfachin@unisinos.br) e Thamiris Forneck
terças-feiras, a partir das 8h, na
Unisinos. Magalhães MTB 0669451 Atualização diária do sítio:
Diretor: Prof. Dr. Inácio Neutzling.
Apoio: Comunidade dos (thamirism@unisinos.br). Inácio Neutzling, Patricia Fachin,
Gerente Administrativo: Jacinto Jesuítas – Residência Conceição. Luana Nyland, Natália Scholz,
Revisão: Isaque Correa
Schneider (jacintos@unisinos.br). (icorrea@unisinos.br). Wagner Altes e Mariana Staudt
2
Tema de Capa
Índice
LEIA NESTA EDIÇÃO
TEMA DE CAPA | Entrevistas
5 Quem é Edgar Morin?
5 Baú da IHU On-Line
6 Edgard de Assis Carvalho: A revogação do antropocentrismo e a aquisição de saberes
transversais
11 Jean Louis Le Moigne: Um apelo ao eterno perguntar
17 Mario Novello: Um pensamento que não recebe ordens
21 Angelita Maria Maders: Morin e a compreensão do Direito como um sistema
25 Laércio Pilz: Complexidade e pensamento vivo
29 Gerson Egas Severo: A professora imaginária e o descentramento da humanidade
34 Basarab Nicolescu: A incompatibilidade entre transdisciplinaridade e pensamento
único
DESTAQUES DA SEMANA
36 LIVRO DA SEMANA: James Alison: “O perdão antecede o pecado”. A superação de
uma visão moralista e chantagista
40 TEOLOGIA PÚBLICA: Pedro Trigo: Teólogos enclausurados na academia. Um desafio
44 COLUNA DO CEPOS: Dênis de Moraes: Valério Brittos, missionário da ética e da
solidariedade
46 DESTAQUES ON-LINE
IHU EM REVISTA
48 Agenda da Semana
50 IHU Repórter: Sérgio Trombetta
www.ihu.unisinos.br
twitter.com/ihu
bit.ly/ihufacebook
www.ihu.unisinos.br
3
Tema
de
Capa
Destaques
da Semana
www.ihu.unisinos.br
IHU em
Revista
4 SÃO LEOPOLDO, 00 DE XXX DE 0000 | EDIÇÃO 000
Tema de Capa
Quem é Edgar Morin?
Edgar Morin nasceu em Pa- Filho único, seu pai, Vidal Nahoum, alternativa à concepção de paradig-
ris, no dia 8 de julho de 1921. É um era um comerciante originário de ma encontrada em Thomas Kuhn.
antropólogo, sociólogo e filósofo Salônica. Sua mãe, Luna Beressi, fa- Seu primeiro livro traduzido para o
francês, judeu de origem sefardita. leceu quando ele tinha 10 anos. Ateu português é O cinema ou o homem
Pesquisador emérito do Centre Na- declarado, descreve-se como um imaginário, em 1958.
tional de la Recherche Scientifique. neomarrano. Morin afirma que diante dos
Formado em Direito, História e Geo- A principal obra de Edgar Morin problemas complexos que as socie-
grafia, realizou estudos em filosofia, é a constituída por seis volumes, “La dades contemporâneas hoje enfren-
sociologia e epistemologia. É autor méthode” (em português, O Méto- tam, apenas estudos de caráter in-
de mais de trinta livros, entre eles: O do). Foi escrita durante três décadas ter e politransdisciplinar poderiam
método (6 volumes), Introdução ao e meia. Trata-se de uma das maiores resultar em análises satisfatórias de
pensamento complexo, Ciência com obras de epistemologia disponível. tais complexidades. “Afinal – escreve
consciência e Os sete saberes neces- Morin inicia os primeiros escritos de –, de que serviriam todos os sabe-
sários para a educação do futuro. da obra em 1973, com a publicação res parciais senão para formar uma
Durante a Segunda Guerra Mundial, do livro O paradigma perdido: a na- configuração que responda a nossas
participou da Resistência Francesa. É tureza humana, uma transformação expectativas, nossos desejos, nossas
considerado um dos principais pen- epistemológica por questionar o fe- interrogações cognitivas?”
sadores contemporâneos e um dos chamento ideológico e paradigmático Disponível em: http://migre.me/
principais teóricos da complexidade. das ciências, além de apresentar uma aBgaN.
O Método em português
O Método 1 – A Natureza da Natureza (Europa América: Portugal 1987. Porto Alegre: Sulina, 2003)
O Método 2 – A vida da vida (Europa América, 1999. Sulina, 2001)
O Método 3 – O Conhecimento do Conhecimento (Europa América, 1996. Sulina, 2002)
O Método 4 – As ideias: habitat, vida, costumes, organização (Sulina, 2002. Europa América, 2002)
O Método 5 – A humanidade da humanidade: a identidade humana (Sulina, 2003. Europa América, 2003) www.ihu.unisinos.br
O Método 6 – A Ética (Europa América, 2005. Sulina, 2005)
“O
antropocentrismo colocou os Edgard de Assis Carvalho é graduado em
humanos em nível superior a Ciências Sociais pela Universidade de São
todas as espécies vivas. Pulsões Paulo – USP, doutor em Antropologia pela
incontidas o levam a destruir o que tem e vê Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de
pela frente. De nada adiantou sabermos que a Rio Claro, pós-doutor pela Ecole des Hautes
Terra não era o centro do universo, que a evo- Études e Sciences Sociales (EHESS), na França,
lução é um processo descontínuo, que somos e livre docente pela Universidade Estadual
irremediavelmente regidos pelo inconsciente. Paulista Júlio de Mesquita Filho – Unesp. É
Achamos, também, que somos únicos seres professor titular de Antropologia na Pontifícia
de cultura”. A ponderação é de Edgard de As- Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP,
sis Carvalho, em entrevista exclusiva concedi- coordenador do comitê de ética em pesqui-
da por e-mail à IHU On-Line. Em seu ponto de sa e coordenador do Núcleo de Estudos da
vista, revogar o antropocentrismo é “crucial Complexidade – Complexus – da PUC-SP e
para a concretização da política de civilização representante brasileiro da Cátedra Itineran-
proposta por Edgar Morin”. E acrescenta: “a te Unesco Edgar Morin – Ciuem. É um dos
aquisição de saberes transversais é a base que autores de Cultura e pensamento complexo
deve reger a reforma do ensino e da educa- (Natal: EDUFRN, 2009). De suas obras, des-
ção. A religação, portanto, não é solução para tacamos: Ética, solidariedade e complexida-
nada, mas desafio constante a ser posto em de (São Paulo: Palas Athena, 1998) e Edgar
prática nas escolas do ensino fundamental, Morin: em busca dos fundamentos perdidos.
médio e superior. A fragmentação que hoje Textos sobre o marxismo (Porto Alegre: Edi-
domina os campos do saber impede a conso- tora Sulina, 2002).
www.ihu.unisinos.br
IHU On-Line – Qual a maior in- seu primeiro livro publicado em 1946. tar um avanço nas conquistas sociais.
tuição de Edgar Morin em seu pen- Em O ano zero da Alemanha1, sob os O ano de 1989 – que sinalizou para
samento? Em que as aspectos reside escombros do final da Segunda Guerra Eric Hobsbawm2 o final do século XX –
sua atualidade? Mundial, ele imagina que a Alemanha
Edgard de Assis Carvalho – Não poderia vir a ser um exemplo para o
2 Eric Hobsbawm: historiador marxista
se trata apenas de intuição, mas de mundo. Dividida entre as potências do século XX. Autor de inúmeros livros,
um trabalho sistemático de pesquisa, que saíram vencedoras da Guerra, a entre os quais A era dos extremos (São
interpretação, criatividade. Com mais Alemanha socialista poderia represen- Paulo: Companhia das Letras, 1995),
A era do capital (Rio de Janeiro: Paz e
de 60 livros publicados, aos 91 anos, Terra, 1982), A era das revoluções (Rio
Edgar Morin é hoje um dos maiores de Janeiro: Paz e Terra, 1982), A era dos
pensadores vivos. Judeu sefardita, 1 L´An zéro de l´Allemagne (La Cité impérios (Rio de Janeiro: Paz e Terra,
Universelle, Paris, 1946). (Nota da IHU 1988), Bandidos (Rio de Janeiro: Forense
membro da resistência francesa, teve On-Line) Universitária, 1976) e sua autobiografia,
Tema de Capa
bipartição ficara inviável no contexto ideias que organizam as percepções
político-econômico da modernidade
que varreu os socialismos da face da de Edgar Morin do sujeito. Os sistemas de ideias que
conformam as teorias e conceitos de-
Terra. Importante frisar, porém, que
a semente da complexidade já estava não pode ser vem ser abertos, biodegradáveis, ja-
mais eternos e fixos. Funcionam como
lá, mesmo que ele fosse muito jovem operadores de organização do mundo
e não tivesse ainda passado pelas resumida aos da vida.
três reorganizações genético-cogni- O volume cinco – A humanidade
tivas que iriam marcar sua trajetória seis volumes da humanidade: a identidade humana
acadêmica. (Sulina, 2003. Europa América, 2003)
de O método, – estabelece uma relação crítica com o
IHU On-Line – Nesse contexto, conceito de identidade e adverte con-
qual a importância dos seis volumes publicados tra os sentidos do relativismo que não
de O método? consegue enxergar além das fronteiras
Edgard de Assis Carvalho – A im-
portância de Edgar Morin não pode
de modo não de raça, sexo, religião. A identidade
nunca é pura, pelo simples fato de que
ser resumida aos seis volumes de O
método, publicados de modo não se-
sequencial ordens individuais, sociais e cósmicas
estão em constante interação, e nem
quencial no período 1977-2004. Sua
obra é dividida em macrotemas: mé-
no período sempre de modo harmônico. Por ve-
zes são antagônicas e contraditórias.
todo, pensamento complexo, trindade
humana, tetralogia pedagógica, era
1977-2004” Finalmente o volume seis – A Ética
(Europa América, 2005. Sulina, 2005)
planetária, tempo presente, pensa- – ilustra as contradições contemporâ-
mento político, caminho, voz, diários, neas que cercam a ética individual e
colóquios. Há também um site oficial destacar algumas ideias nucleares a ética da polis. É preciso redefinir o
do Centre Edgar Morin na internet: dessa fascinante hexalogia. O volume pensamento da ética e a ética do pen-
www.iiac.cnrs.fr, em que a bibliografia um – A natureza da natureza (Europa samento. Qualquer ato ético é uma re-
completa é encontrada. Esses temas América: Portugal 1987. Porto Alegre: ligação com o mesmo e o outro, com a
se entrecruzam a todo tempo. Há, Sulina, 2003)– estabelece a dialogia comunidade, a humanidade, o cosmo.
porém, algo que deve ser enfatizado. entre ordem e desordem que marca a
Sem a leitura dos seis volumes, qual- passagem das leis da natureza à natu- IHU On-Line – Para Edgar Morin,
quer leitor não conseguirá estabele- reza das leis. A unidade complexa da somos sapiens e demens concomitan-
cer as conexões necessárias para a natureza contém relações entre todo e temente. Como conviver com esse
compreensão das bases, dos funda- partes, emergências e reorganizações lado oculto (e inegável) da nossa exis-
mentos, das propostas que cercam o de padrões organizatórios aleatórios. tência como apontara Nietzsche ao
pensamento do autor. Se você lê, por A natureza não é regida unicamente formular o conceito de tragédia?
exemplo, Meu caminho, livro de en- por relações de causa e efeito e, em si Edgard de Assis Carvalho – Não
trevistas concedidas a Djénane Kareh mesma, não é portadora de uma fina- considero uma concomitância, mas
Tager, o próprio Morin se incumbe lidade estabelecida a priori. uma convivência. Como toda convi-
de revelar que a totalidade da obra O volume dois – A vida da vida vência, a do sapiens e a do demens
constitui um mosaico de interligações (Europa América, 1999. Sulina, 2001)– é simultaneamente oposta e com-
e interconexões entre várias áreas do penetra a fundo na ecologia, pelo plementar. De um lado, temos o lado
saber, e não apenas do ocidental. Daí simples fato de que os ecossistemas sistemático das regulações cotidianas
resultam as críticas, incompreensões e são sistemas vivos que, a todo tempo, e dos padrões culturais que prescre-
www.ihu.unisinos.br
ressentimentos que os intelectuais – e integram a organização biológica na vem nossa vida cotidiana; de outro
não só os brasileiros – dirigem ao con- ordem cósmica. O volume três – O Co- o descomedimento, a loucura, a hi-
junto de suas ideias. nhecimento do Conhecimento (Europa bris que costumam ser recalcados
América, 1996. Sulina, 2002)– abran- para os subterrâneos da mente e do
IHU On-Line – O que destacaria ge o processo do conhecimento e a corpo. Assumir a dialogia necessária
em cada um deles como fundamento abertura bioantropossociológica e é o entre oposição e complementarida-
para compreendermos sua obra? ponto de partida para a análise do ina- de implica reconhecer que somos
Edgard de Assis Carvalho – A res- cabamento humano. Conhecer é com- sempre seres da falta e que, por isso,
posta demandaria uma análise mais putar, e essa computação é tecida pelo aprendemos a priorizar um lado em
aprofundada que excede os limites entrelaçamento dos itinerários racio- detrimento do outro. Conviver simul-
de uma entrevista. É possível, porém, nal-lógico-dedutivo e simbólico-míti- taneamente com essas duas facetas
co-imaginário. O volume quatro – As requer o abandono do antropocen-
ideias: habitat, vida, costumes, organi- trismo e o reconhecimento de que
Tempos Interessantes: uma vida no século zação (Sulina, 2002. Europa América, somos, como afirmou Michel Cassé,
XX (São Paulo: Companhia das Letras,
2002).(Nota da IHU On-Line)
2002) – incursiona pelas noosferas e filhos do Céu, seres da impermanên-
Tema de Capa
rior a todas as espécies vivas. Pulsões Acredita que a religação dos saberes
incontidas o levam a destruir o que
tem e vê pela frente. De nada adian- menos arrogante pode tornar mais pacífica e ressignifi-
car a existência das pessoas?
Edgard de Assis Carvalho – A
tou sabermos que a terra não era o
centro do universo, que a evolução e prepotente se Teoria Geral dos Sistemas e o pen-
é um processo descontínuo, que so- samento complexo são complemen-
mos irremediavelmente regidos pelo admitisse esse tares. Não podem ser igualados. A
inconsciente. Achamos, também, que existência humana pacífica, tão pro-
somos únicos seres de cultura. Morin fato e percebesse clamada desde Kant8 a respeito da paz
refere-se várias vezes ao conceito de perpétua, requer um trabalho siste-
cultura, considerando-o um conceito- que o sapiens mático no nível das ideias. As noosfe-
-armadilha. Contaminado pelo carte- ras e as noologias estão aí para serem
sianismo, esfacelou-se em dualidades: e o demens retrabalhadas a todo tempo. A religa-
cultura erudita/cultura popular, cultu- ção dos saberes é uma base cognitiva
ra científica/cultura das humanidades,
essas últimas responsáveis pela conso-
constituem e afetiva a ser aplicada em todos os
níveis da formação escolares. A aqui-
lidação da fragmentação universitária.
Patrimônio universal, a cultura tem
uma unidade sição de saberes transversais é a base
que deve reger a reforma do ensino
padrões, prescrições, normas, mas
também resistências, zonas obscuras
indissolúvel” e da educação. A religação, portanto,
não é solução para nada, mas desafio
difíceis de serem decifradas. A cultura constante a ser posto em prática nas
não é apenas uma fábrica da ordem. admitíssemos esse fato, nossa supos- escolas do ensino fundamental, mé-
É igualmente desordem, interação, re- ta arrogância poderia ser minimizada. dio e superior. A fragmentação que
organização. A moderna etologia de- Passaríamos a ser coparticipantes de hoje domina os campos do saber im-
monstra que primatas não humanos nossa aventura hominescente. pede a consolidação do humanismo.
conseguem estabelecer políticas do É uma reserva de poder de áreas dis-
bem-viver baseadas em estratégias de IHU On-Line – Diz-se que no um- ciplinares que se contentam com ava-
paz e ética. A cultura não é mais nos- bral da academia de Platão6 havia um liações quantitativas e produtivismos
so privilégio. Trata-se, talvez, de uma conselho de que só entrasse ali quem classificatórios. A pergunta que deve-
quarta ferida narcísica que seria acres- soubesse geometria. Esse “conselho” ria ser dirigida aos avaliadores nome-
centada à formulação de Freud5. Se tem sua versão moderna na teoria ados pelo aparato de Estado é quem
geral dos sistemas de Bertalanffy7 e irá avaliá-los. Essas comissões consa-
por ser o inventor do sistema de gram a fragmentação e, com isso, são
coordenadas cartesiano, que influenciou empecilhos à construção do conheci-
o desenvolvimento do cálculo moderno. disponível para consulta no link http://
Descartes, por vezes chamado o fundador migre.me/s8jc. A edição 207, de 04-12-
da filosofia e matemática modernas, 2006, tem como tema de capa Freud e 8 Immanuel Kant (1724-1804): filósofo
inspirou os seus contemporâneos e a religião, disponível para download em prussiano, considerado como o último
gerações de filósofos. Na opinião de http://migre.me/s8jF. A edição 16 dos grande filósofo dos princípios da era
alguns comentadores, ele iniciou a Cadernos IHU em formação tem como moderna, representante do Iluminismo,
formação daquilo a que hoje se chama de título Quer entender a modernidade? indiscutivelmente um dos seus pensadores
racionalismo continental (supostamente Freud explica, disponível para download mais influentes da Filosofia. Kant teve um
em oposição à escola que predominava em http://migre.me/s8jU. (Nota da IHU grande impacto no Romantismo alemão
nas ilhas britânicas, o empirismo), posição On-Line) e nas filosofias idealistas do século XIX,
filosófica dos séculos XVII e XVIII na Europa. 6 Platão (427-347 a. C.): filósofo tendo esta faceta idealista sido um ponto
(Nota da IHU On-Line) ateniense. Criador de sistemas filosóficos de partida para Hegel. Kant estabeleceu
5 Sigmund Freud (1856-1939): influentes até hoje, como a Teoria das uma distinção entre os fenômenos e a www.ihu.unisinos.br
neurologista e fundador da Psicanálise. Idéias e a Dialética. Discípulo de Sócrates, coisa-em-si (que chamou noumenon),
Interessou-se, inicialmente, pela histeria Platão foi mestre de Aristóteles. Entre isto é, entre o que nos aparece e o que
e, tendo como método a hipnose, suas obras, destacam-se A República e o existiria em si mesmo. A coisa-em-si
estudava pessoas que apresentavam Fédon. Sobre Platão, confira e entrevista não poderia, segundo Kant, ser objeto
esse quadro. Mais tarde, interessado “As implicações éticas da cosmologia de de conhecimento científico, como até
pelo inconsciente e pelas pulsões, foi Platão”, concedida pelo filósofo Prof. Dr. então pretendera a metafísica clássica. A
influenciado por Charcot e Leibniz, Marcelo Perine à edição 194 da revista ciência se restringiria, assim, ao mundo
abandonando a hipnose em favor da IHU On-Line, de 04-09-2006,disponível dos fenômenos, e seria constituída
associação livre. Estes elementos em http://migre.me/uNq3. Leia, pelas formas a priori da sensibilidade
tornaram-se bases da Psicanálise. Freud, também, a edição 294 da Revista IHU On- (espaço e tempo) e pelas categorias do
além de ter sido um grande cientista e Line, de 25-05-2009, intitulada Platão. A entendimento. A IHU On-Line número
escritor, realizou, assim como Darwin totalidade em movimento, disponível em 93, de 22-03-2004, dedicou sua matéria
e Copérnico, uma revolução no âmbito http://migre.me/uNqj. (Nota da IHU On- de capa à vida e à obra do pensador com
humano: a idéia de que somos movidos Line) o título Kant: razão, liberdade e ética,
pelo inconsciente. Freud, suas teorias e 7 Karl Ludwig von Bertalanffy (1901- disponível para download em http://
o tratamento com seus pacientes foram 1972): biólogo criador da Teoria geral dos migre.me/uNrH. Também sobre Kant foi
controversos na Viena do século XIX, sistemas. Cidadão austríaco, desenvolveu publicado este ano o Cadernos IHU em
e continuam muito debatidos hoje. A a maior parte do seu trabalho científico formação número 2, intitulado Emmanuel
edição 179 da IHU On-Line, de 08-05- nos Estados Unidos da América. É autor Kant - Razão, liberdade, lógica e ética,
2006, dedicou-lhe o tema de capa sob o de Teoria Geral dos Sistemas (Petrópolis: que pode ser acessado em http://migre.
título Sigmund Freud. Mestre da suspeita, Vozes, 1968). (Nota da IHU On-Line) me/uNrU. (Nota da IHU On-Line)
IHU On-Line – Como os sete sa- e a susten- saberes sistematizados é algo prioritá-
rio e inadiável. Uma nova concepção
beres podem se fazer presentes para
as pessoas nos dias de hoje? Qual é tabilidade da de mundo exige que a esperança se
converta em meta prioritária. Sem ela,
a grande esperança que nasce a par- instalam-se o conformismo e a ade-
tir de uma nova concepção de vida e Terra são metas são às práticas convencionais. Com
relacionalidade? ela podem-se construir vias para o fu-
Edgard de Assis Carvalho – A prioritárias diante turo da humanidade desencadeadas
proposta dos sete saberes – as ce- por amplas reformas do pensamento,
gueiras do conhecimento: o erro e a da idade de ferro da educação, da sociedade, da vida.
ilusão, o conhecimento pertinente, a Esse é o propósito do último livro de
condição humana, a identidade terre- planetária em que Edgar Morin – A via para o futuro da
na, as incertezas, a compreensão, éti- humanidade.
ca do gênero humano – tem a ver com
algo mais profundo. Foi um desafio
nos encontramos” IHU On-Line – Gostaria de
proposto a Edgar Morin pelo ministro acrescentar alguns aspectos não
da educação nacional da França, em questionados?
1999, no final segundo mandato de na IX tese sobre Feuerbach12, aliás Edgard de Assis Carvalho – Como
François Mitterand. A proposta visa- sempre referida por Morin, deve ser explicitei anteriormente, a complexi-
va prioritariamente o ensino médio. o fio condutor de qualquer iniciativa dade não deve ser vista como solução
Em sucessivas reuniões preparatórias reformadora. O pensamento comple- para os males do mundo, mas como
e entrevistas à imprensa, Edgar Mo- xo não pensa contra Marx, mas com desafio constante a ser posto em
rin sempre enfatizava que os saberes Marx. É necessário retomar os fun- prática na vida social em seu conjun-
não deveriam ser concebidos como damentos perdidos, saturar a noção to em prol de um mundo mais justo,
disciplinas. Eles são deflagradores de de homem genérico com emoção e equitativo e ético, e isso no nível do
uma cosmovisão capaz de religar de- descomedimento. indivíduo, da sociedade e da espécie.
finitivamente a cultura científica e a Somos seres dotados de razão, Recentemente, Morin publicou um
cultura das humanidades. Essa neces- mas não podemos nos deixar domi- pequeno livro – O Caminho da espe-
sidade já havia sido explicitada por nar pelos atratores do racionalismo rança (Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
Charles Snow9 em 1957. Em As duas 2012), escrito com Stéphane Hessel13.
culturas10, Snow é enfático ao afir- Único representante vivo dentre os
mar que qualquer sistema social que historiador e revolucionário alemão, um signatários da Declaração Universal
pensasse a si mesmo com sabedoria dos pensadores que exerceram maior do Direitos do Homem, Hessel, hoje
influência sobre o pensamento social
deveria empenhar-se na busca dessa e sobre os destinos da humanidade no
com 93 anos, notabilizou-se em 2011
junção, não por justaposição, mas por século XX. Marx foi estudado no Ciclo pela publicação de um pequeno livro
transversalidade. Talvez por isso o de Estudos Repensando os Clássicos – Indignai-vos – no qual conclama as
da Economia. A edição número 41 dos
projeto da reforma do ensino médio Cadernos IHU Ideias, de autoria de Leda
novas gerações a se revoltarem con-
não tenha dado certo. Foram grandes Maria Paulani tem como título A (anti) tra o desmando generalizado instala-
os protestos sindicais. Restou uma re- filosofia de Karl Marx, disponível em do no mundo. Em O caminho da espe-
http://migre.me/s7lq. Também sobre
serva de memória para ser redefinida o autor, confira a edição número 278 da
rança, ambos reiteram que o objetivo
nas escolas empenhadas numa edu- IHU On-Line, de 20-10-2008, intitulada que pregam implica a denúncia do
cação planetária. No Brasil, em 2010, A financeirização do mundo e sua crise. curso perverso da política insensata
Uma leitura a partir de Marx, disponível
ocorreu em Fortaleza uma conferên- atual. Se ela permanecer intocada,
www.ihu.unisinos.br
D
e acordo com o engenheiro francês epistemológico exigente. Fazendo isso, Morin
Jean Louis Le Moigne, “a complexi- esforçou-se, junto com outros obviamente,
dade está vinculada tanto ao global para documentar, argumentar e ilustrar essas
como ao local. Não devemos reduzi-la à glo- questões”.
balidade. Na mecânica celeste, já se conside- Jean Louis Le Moigne nasceu em 1931,
ra o problema da gravitação atrativa de três em Casablanca, formou-se em Engenharia
corpos (três somente!) como muito comple- na Universidade de Harvard (EUA), trabalhou
xo, no sentido de potencialmente imprevisí- entre 1956 e 1971, no grupo Shell francês e
vel na prática. Ele discute, também, a auto- lecciona, desde 1971, na Universidade Aix-
-organização e a Teoria Geral dos Sistemas, -Marseille (França) onde é atualmente pro-
de Bertallanfy: “para adquirir autonomia fessor emérito. É presidente do Programa
e, portanto, auto-organizar-se, um sistema Europeu de Modelização da Complexidade
deve ser aberto, estar em interação efetiva e vice-presidente da Associação Para o Pen-
com seus ambientes, que ele transforma e samento Complexo – APC. Publicou mais de
que o transformam”. Analisando o legado de uma centena de artigos e cerca de duas de-
Morin, Le Moigne pontua que as disciplinas zenas de livros, alguns dos quais, escritos em
científicas não podem mais definir-se por um colaboração com autores tão importantes
único “objeto de conhecimento”, estritamen- como Edgar Morin ou Herbert Simon, entre os
te delimitado e tido como um dado da Natu- quais Les systèmes d’information dans les or-
reza: “elas devem ser entendidas também e ganisations (1973), Les systèmes de décision
primeiramente por seu ‘projeto de conheci- dans les organisations, (1973) La théorie du
mento’, conscientemente formulado pelo es- système général, théorie de la modélisation
pírito humano, através do qual interligam-se (1977); La modélisation des systèmes com-
a experiência do corpo e a compreensão do plexes (1990), Sciences de l’intelligence, scien-
mundo”. E ressalta: “a contribuição mais de- ces de l’artificiel (1986) – com Edgar Morin;
cisiva da obra de Edgar Morin nesse sentido Science et conscience de la complexité (1984);
foi o apelo permanente dirigido a todos os L’intelligence de la complexité (1999).
www.ihu.unisinos.br
cientistas para que nunca deixassem de fazer Confira a entrevista.
essas perguntas e praticassem esse trabalho
IHU On-Line – A partir da teoria Edgar Morin fala mais precisamente to, a expressão ciência dos sistemas
da complexidade de Edgar Morin, do paradigma da complexidade: “O complexos surge, em nossas univer-
qual é o nexo que une as ciências dos paradigma não explica, ele permite sidades, a partir de 1985, reunindo
sistemas, a engenharia e a inteligên- a compreensão”. Do mesmo modo, subdisciplinas da ciência da regula-
cia artificial? a expressão “ciência de sistemas” é ção (cibernética de primeira ordem),
Jean Louis Le Moigne – Em pri- inadequada, no sentido de que todas da informática, da inteligência arti-
meiro lugar, precisamos estar atentos as disciplinas científicas podem tam- ficial e da matemática dos sistemas
à escolha das palavras: a complexi- bém ser consideradas ciências dos dinâmicos lineares e não lineares.
dade não é uma teoria no sentido da sistemas, de modo que a expressão porém, como ciência autônoma, “ela
teoria da gravitação ou da evolução. não designa nenhuma delas. Por cer- se esqueceu de alicerçar – ou arrai-
-piloto resultante das interações entre ção de Paul Valéry2 em seus Cahiers, a critérios de uma melhora certa e uni-
um observador/conceptor e o univer- qual é bem anterior ao surgimento da versal da espécie humana?
so fenomenal; ele permite represen- expressão inteligência artificial (MIT,
1956): “Nós compreendemos melhor Inteligência artificial
1 Heinz Von Foerster (1911-2002):
os viventes à medida que inventamos Resta que as técnicas da inteli-
biólogo austríaco e um dos arquitetos da e construímos máquinas” (Cahiers XIII, gência artificial são técnicas de simu-
cibernética, chamado por Edgar Morin 617, 1929). lação informática. Enquanto tais, elas
como “Sócrates cibernético”, fundou a
Biocibernética para estudar os fenômenos
Foi este argumento que H. Si- levam ao exame fenomenológico de
biológicos a partir dessa nova matriz. mon enfatizou, já em 1969, para de- comportamentos observáveis, suge-
Concebeu o processo de vida como sistema
fechado para informação e aberto para a rindo hipóteses heurísticas programá-
energia, destacando o papel da interação 2 Ambroise-Paul-Toussaint-Jules Valéry veis a fim de propor inferências que
e da auto-organização. Na esteira dos (1871-1945): filósofo, escritor e poeta autorizam compreensões funcionais
estudos de Von Foerster, surgiu a teoria francês da escola simbolista cujos escritos
de Maturana & Varela e o conceito de incluem interesses em matemática, plausíveis dos fenômenos considera-
Autopoiesis. (Nota da IHU On-Line) filosofia e música. (Nota da IHU On-Line) dos. Se algumas dessas simulações pa-
Tema de Capa
tidos como desejáveis em contextos to do positivismo segundo Auguste
predefinidos, elas permitirão então a
realização efetiva de robôs e próteses a crise dessa Comte6 que garantiu a longa sobrevi-
vência do paradigma da epistemolo-
que podem cumprir essas mesmas
funções no mesmo contexto, prestan- renovação de gia cartesiana que observamos ainda
hoje. E. Morin (1991) o nomeia “o
do atenção nos efeitos ditos “pleiotró- grande paradigma do Ocidente” ou o
picos”. O processador concebido para nossos paradigmas paradigma da ciência clássica. No en-
cumprir essa função pode revelar-se tanto, devemos lembrar que, já em
a posteriori capaz de exercer outras de referência” 1934, G. Bachelard7 conclui Le nouvel
funções não antecipadas no caso de esprit scientifique8 com um apelo a
modificações às vezes mínimas do uma “epistemologia não cartesiana”,
contexto, sejam elas exógenas ou en- cartesianos do Discurso do método que ia desenvolver-se e organizar-se
dógenas, provocadas por efeitos de (1637): independência do objeto e nos desenvolvimentos das novas ci-
autoaprendizagem. do sujeito, fundamento do postulado ências, dentro do paradigma da com-
Lembremo-nos aqui do prin- fundador de objetividade dita científi- plexidade que E. Morin nos apresenta
cípio de Jean Piaget3: “Um sistema ca; modelização analítica por redução nos seis tomos de O método.
inteligente pode e deve construir e a elementos tidos como simples e evi-
memorizar os traços de seu próprio Pensamento aberto
dentes; determinismo universal por
comportamento”. Este princípio nos Doravante, o desafio deixa de
cadeias causais lineares; fechamento
lembra que a inteligência não é pri- ser defensivo, contra um pensamento
absoluto dos modelos que implicam
meiramente um processador, mas fechado, o reducionismo e o determi-
contagens exaustivas. Esses preceitos,
um processo que só pode ser com- nismo integrista. Torna-se construtivo,
essencialmente derivados dos três
preendido e desenvolvido em intera- a favor de um pensamento aberto:
axiomas formais do silogismo perfeito
ções, que, por sua vez, são auto-eco- “O pensamento complexo é um pen-
segundo Aristóteles4, não apresentam
-organizadoras. Podemos concluir samento que interliga”, escreveu E.
um caráter de evidência universal.
com uma famosa expressão de desse Morin em 1976: “O único método que
Não é surpreendente que eles
pensador: “A inteligência não inicia adotei foi tentar captar as ligações
não tenham sido considerados a úni-
nem pelo autoconhecimento, nem móveis. Interligar, sempre interligar,
ca garantia de todas as verdades cien-
pelo conhecimento das coisas como era um método mais rico, mesmo no
tíficas nos séculos anteriores. Já em
tais, e sim pelo conhecimento de sua nível teórico, do que as teorias blin-
1708, G. B. Vico5 publicou, na Univer-
interação, e, orientando-se simul- dadas, sob invólucro epistemológico
sidade de Nápoles, um discurso expli-
taneamente para os dois polos des- e lógico, metodologicamente aptas a
citamente alternativo, O discurso do
sa interação, ela organiza o mundo enfrentar tudo, exceto, é claro, a com-
método dos estudos de nosso tempo,
organizando-se a si mesma” (Piaget, plexidade do real”.
destacando as deficiências do reducio-
1937). Sem dar atenção a essa recur- É assumindo essa relação críti-
nismo analítico e insistindo na riqueza
sividade constitutiva da inteligência, ca fundadora da legitimação antro-
dessa faculdade da mente humana de
será que podemos falar apropriada- política dos conhecimentos a serem
“relacionar, sempre relacionar” em
mente de inteligência artificial? ensinados e acionados, que renovam
vez de separar primeiro.
constantemente a ciência, sempre en-
IHU On-Line – Nesse sentido, gajada na aventura do conhecimento
4 Aristóteles de Estagira (384 a.C. –
como o desenvolvimento transdis- 322 a.C.): filósofo nascido na Calcídica, humano, que uma efetiva inter e trans-
ciplinar das ciências pode fornecer Estagira, um dos maiores pensadores disciplinaridade pode desenvolver-se.
de todos os tempos. Suas reflexões As disciplinas científicas não podem
outra compreensão sobre a irreduti- filosóficas — por um lado originais e por
bilidade dos modelos analíticos, cau- outro reformuladoras da tradição grega mais definir-se por um único objeto de
www.ihu.unisinos.br
salistas, deterministas e simples? — acabaram por configurar um modo de conhecimento, estritamente delimita-
pensar que se estenderia por séculos.
Jean Louis Le Moigne – A ques- Prestou inigualáveis contribuições para
tão nos convida expressamente a vol- o pensamento humano, destacando-se 6 Augusto Comte (1798-1857): filósofo e
tar ao enunciado dos quatro preceitos nos campos da ética, política, física, pensador social francês. Fundou a escola
metafísica, lógica, psicologia, poesia, filosófica conhecida como positivismo e
retórica, zoologia, biologia, história criou um conceito de ciência social a que
3 Jean Piaget (1896-1980): psicólogo, natural e outras áreas de conhecimento. deu o nome de sociologia. O positivismo
epistemólogo e educador suíço, professor É considerado, por muitos, o filósofo que comteano afirma que a verdade da
de psicologia na Universidade de Genebra mais influenciou o pensamento ocidental. ciência é indiscutível e demonstrável
de 1929 a 1954, conhecido principalmente (Nota da IHU On-Line) universalmente. (Nota da IHU On-Line)
por organizar o desenvolvimento cognitivo 5 Giambattista Vico ou Giovanni Battista 7 Gaston Bachelard (1884-1962): filósofo e
em uma série de estágios. Escreveu Vico (1668-1744): filósofo italiano. poeta francês que estudou sucessivamente
inúmeras obras, das quais citamos Discerniu a explosiva mistura da razão as ciências e a filosofia. Seu pensamento
Tratado de Psicologia Experimental: A com a mecânica e ofereceu uma nova está focado principalmente em questões
inteligência (Rio de Janeiro: Forense, v. ciência que poderia trazer as mais altas referentes à filosofia da ciência. (Nota da
7, 1969) e A construção do real na criança percepções da Renascença para dentro da IHU On-Line)
(Rio de Janeiro: Zahar, 1970). (Nota da metodologia dos primeiros investigadores 8 O novo espírito científico (Lisboa:
IHU On-Line) modernos. (Nota da IHU On-Line) Editora 70, 1996). (Nota da IHU On-Line)
sistemas físicos tidos como fechados cessos irreversíveis. A insistência no livre do argumento do postulado dito
não permitia compreender a gênese caráter irreversível dos processos de da objetividade científica pura e rigo-
dessas emergências que eram, no en- evolução organizacional corroborava rosa, objetividade que seria garantida
tanto, tão comuns quanto um broto aquela que H. von Foerster convida- pela estrita aplicação de métodos de
nascendo de um galho. va a reconhecer para os processos de observação e de raciocínio indepen-
Propondo simbolicamente a al- dentes tanto do contexto como dos
ternativa order from disorder para a 10 Ilya Prigogine (1917-2003): cientista
observadores-descritores. Esses últi-
tese order from order, de E. Schrödin- de origem russa, que recebeu o Prêmio mos não teriam de criticar o valor e
ger9 (What is life, 1944), e a argumen- Nobel de Química em 1977. Na 62ª edição, a pertinência da “verdade científica”
de 2 de junho de 2003, IHU On-Line
tando tanto de maneira figurada como dedicou-lhe a editoria Memória e, dele,
que produzem, uma vez que usam
publicou o artigo A dimensão ”narrativa” métodos impessoais, cientificamente
do universo, na 64ª edição, em 16 de objetivos. Isso os autoriza a ignorar as
9 Erwin Rudolf Josef Alexander junho de 2003. (Nota da IHU On-Line)
Schrödinger (1887-1961): físico austríaco, �� Introduction to Thermodynamics of
perguntas banais que Piaget lembrou
um dos pais da teoria quântica. (Nota da Irreversible Processes (2ª ed. New York: em 1968 ao definir a epistemologia
IHU On-Line) Interscience, 1961). (Nota da IHU On-Line)
Tema de Capa
conhecimentos válidos”, perguntas cia da complexidade epistemológica e
que muitas vezes não são feitas: o que
é o conhecimento (gnoseologia)? Qual conhecimento sociedade (1999).
• As opções éticas (pelas quais são sistemas nunca tentou a teoria geral conhecimento que permitiu adquiri-lo.
valorizados os conhecimentos do sistema; ela esqueceu de preparar Podemos então acrescentar uma via
produzidos) que podem ser tidas seu próprio alicerce, de refletir sobre de retorno ao sentido único episte-
como consubstanciais à escolha o conceito de sistema. Por isso o tra- mologia-ciência e efetuar passagens
do método, que, sendo postula- balho preliminar do sistema ainda está de um nível de conhecimento ao ou-
do perfeito, deve incorporar uma por ser feito, interrogar a ideia de sis- tro e vice-versa. Podemos, ao mesmo
opção ética subjacente, uma úni- tema”. Por isso – acrescenta Morin – é tempo, conceber um desenvolvimen-
ca, sendo, portanto, fechado. É preciso “abrir a problemática sistêmi- to transformador em que o conheci-
o caso da opção cientificista: o ca” (Morin, La Méthode, t. 1, 1977, p. mento elaborador tente conhecer-se a
conhecimento tido como cienti- 101). “Oponho à ideia de teoria geral partir do conhecimento que ele mes-
ficamente verdadeiro será tido ou específica dos sistemas a ideia de mo elabora e que torna assim colabo-
como o único moralmente bom, um paradigma sistêmico (irredutível à rador” (Morim, La connaissance de la
quaisquer que sejam as preferên- visão muito simplificadora do Todo, do connaissance, 1986).
cias pessoais dos observadores holismo)” (ibid, cap. II-6).
“P
roduzir instabilidade no sistema Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pela Uni-
de conhecimento: essa é a fun- versidade de Brasília (UnB), mestre em Física
ção fundamental do cientista. A pelo CBPF e doutor na mesma área pela Uni-
solução é uma questão da técnica, o que não versité de Genève (Suíça), com a tese Algebre
significa que ela seja menor. É somente dife- de l’espace-temps, pós-doutor pela University
rente. Não se trata de opor ciência e tecnolo- of Oxford (Inglaterra) e doutor honoris causa
gia, mas sim exibir o diferente status que elas pela Universidade de Lyon (França). Conquis-
possuem na sociedade e nos diversos meios de tou prêmios internacionais, destacando-se a
comunicação e governamental na sua orga- Menção Honrosa por Teses em Cosmologia e
nização como principal financiadora dessas Teoria da Gravitação, concedida pela Gravity
atividades”. A ponderação é do físico Mario Research Foundation (USA). É autor de mais
Novello, na entrevista concedida por e-mail de 150 artigos e de inúmeros livros, dos quais
à IHU On-Line. Ele destaca que uma das maio- destacamos: Cosmos e Contexto (Rio de Ja-
res revoluções da Física do século XXI “foi a neiro: Forense Universitária, 1989), O Círculo
abertura do pensamento para o não-linear, isto do Tempo: Um olhar científico sobre viagens
é, a utilização de métodos e processos não- não-convencionais no tempo (Rio de Janeiro:
-lineares na descrição de vários fenômenos”. Campus, 1997), Os jogos da natureza (Rio de
Sobre o pensamento de Edgar Morin, o cien- Janeiro: Campus, 2004), Máquina do tempo
tista aponta suas origens multifacetadas, cuja – Um Olhar Científico (Rio de Janeiro: Jorge
consequência natural é não receber ordens, Zahar, 2005) e Do Big Bang ao universo eterno
mas investigar “incessantemente, produzindo (Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 2010). Foi
o mais das vezes, a crítica de sua atividade”. o responsável pela condução da oficina A re-
Novello é professor do Centro Brasileiro latividade, a física das partículas e as origens
de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro, do Universo, ministrada em 17-05-2006 no www.ihu.unisinos.br
onde é coordenador do Laboratório de Cos- Simpósio Internacional Terra Habitável: um
mologia e Física Experimental de Altas Ener- desafio para a humanidade.
gias. É graduado em Física pela Universidade Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual é a impor- Mario Novello – Talvez devêsse- compartimentou, dividiu-se em várias
tância do diálogo entre os saberes, mos fazer aqui uma distinção para que áreas que, no mais das vezes, não se
chamada de transdisciplinaridade? fique claro por onde iremos penetrar comunicam. Enquanto no começo do
Quais são os temas que têm sido nessa nossa conversa. Creio que não século XX nas famosas Conferências
tratados transdisciplinarmente pela deveríamos considerar a Física como Solvay, podíamos identificar um grupo
Física e o que esse tipo de aborda- um corpo só, único e monolítico. A de cientistas que representavam todo
gem trouxe em termos de avanço do Física (assim como o modo conven- o conhecimento daquela época reu-
conhecimento? cional de organizar os saberes) se nidos em um grande anfiteatro, hoje
Como exemplo da situação aci- outra (eletromagnetismo, no caso em 2 Jules Henri Poincaré (1854-1912):
ma, vamos tratar daquilo que é conhe- questão). Para isso foi necessário rea- matemático, físico e astrônomo francês,
importante figura no campo da mecânica
cido pelos especialistas, como “Buraco lizar uma transposição de saberes ou celeste. Estudioso da matemática pura
Negro não-gravitacional”. Explico-me. uma ponte formal capaz de permitir a e aplicada, empregando os recursos
Creio não ser exagero afirmar que a da análise ao estudo das equações
exibição de um conhecimento escon- diferenciais, foi o criador de uma das mais
noção de Buraco Negro foi populari- dido em um território no qual, sem importantes contribuições à matemática:
zada por diversos meios de comuni- a ponte, se tornaria incomunicável. as propriedades das funções automorfas
cação, desde revistas especializadas (1880), uma generalização das funções
Transportar para a ciência chamada elípticas. Participou ativamente da
em divulgação até jornais cotidianos e Eletromagnetismo algumas caracte- polêmica sobre a crise dos fundamentos
entrevistas e programas de televisão. rísticas de métodos usados em outra da matemática, surgida logo após a
formulação da teoria dos conjuntos de
Sabemos assim que um Buraco Negro ciência como a Gravitação resultou Georg Cantor (1845-1918), e afirmou a
é um estado especial da matéria (asso- nessa produção fantástica de aproxi- impossibilidade de reduzir a matemática
ciado possivelmente ao resultado do mar propriedades incapazes de serem à lógica, assim como a necessidade de um
princípio não-formal para fundamentar a
colapso de uma estrela) de processo diretamente observadas por situa- matemática. (Nota da IHU On-Line)
Tema de Capa
tico o estudo daquilo que chamamos ser uma característica do sistema.
hoje de sistemas dinâmicos, uma série
de equações de natureza não-linear
nunca, somos O Universo e a complexidade
capazes de representar diferentes
processos da natureza. Embora seu
levados a Ao examinarmos algumas parti-
cularidades das equações de Einstein4
estudo tenha se iniciado na Mecânica
de Fluidos, onde o aspecto não-linear
desenvolver da Relatividade Geral, mostrou-se que
sob certas condições o Universo admi-
é dominante, cedo seu método de
investigação se espalhou para outras
esses encontros te a presença de uma bifurcação. Isto
é, o sistema de equações que descre-
áreas da Física e, em seguida, adquiriu
universalidade de aplicação como na
entre saberes ve o Universo neste cenário admite a
descrição em termos de um sistema
Química e até mesmo na descrição de
processos envolvendo estruturas tão
transportando dinâmico que possui bifurcação. Isso
significa que no modelo de Universo
amplas como fenômenos humanos
de várias espécies. A lista é enorme.
práticas e modos controlado por aquelas equações a
descrição desse Cosmos é imprevisí-
Filósofos como Gilles Deleuze3, quími-
cos como Ilya Prigogine, engenheiros,
de uns para outros vel. Creio que todos nós estaríamos
de acordo em afirmar que uma tal
psicólogos, e uma extensa série de
pensadores tem usado esses métodos
que estão fora de propriedade possui consequências
extraordinárias e certamente conduz
que não são mais do território exclu-
sivo da matemática mas servem para
suas rotinas” a uma visão do Universo distinta da
convencional.
diferentes análises, estendendo cada O notável é que esse processo
vez mais o alcance de sua aplicação. que descrevemos usando uma situa-
ção particular em nosso conhecimen-
Bifurcação e sistema to da Cosmologia pode ocorrer em ou-
pensar a descrição de outros sistemas
Somente para citar uma proprie- tras áreas. A utilização desses sistemas
envolvendo, por exemplo, processos
dade notável dessa análise eu gostaria ditos complexos, envolvendo sua des-
químicos relacionados à rapidez da
de me referir a um dos fenômenos crição por meio de funções não-linea-
reação entre diferentes substâncias,
mais interessantes que é o da bifurca- res transbordou para outros modos de
processos psicológicos ou até mes-
ção. Talvez o território que vou esco- investigar processos na natureza não-
mo uma questão de tráfego em uma
lher para exemplificar esse processo -orgânica e orgânica tornando-se um
cidade.
seja o menos esperado: a Cosmologia. poderoso método de análise desses
Pois bem, uma bifurcação nesse
Vejamos. sistemas complexos.
sistema bi-dimensional registra a exis-
A análise de processos de bifur-
tência de uma região do sistema onde
cação provém do estudo de sistemas IHU On-Line – Em entrevista que
a previsibilidade deixa de ser parte
dinâmicos descritos em uma superfí- o senhor nos concedeu em 2010, afir-
formal de sua análise. Dito de outro
cie bi-dimensional. Esse é o caso mais
modo, uma curva nessa superfície bi-
simples que posso pensar agora. As-
-dimensional caracteriza a evolução 4 Albert Einstein (1879-1955): físico
sim, o sistema em questão se carac- alemão naturalizado americano.
de um processo. Cada ponto dessa
teriza somente por duas variáveis. A Premiado com o Nobel de Física em
curva pode servir como ponto de par- 1921, é famoso por ser autor das teorias
evolução do sistema é dada por uma especial e geral da relatividade e por
tida para uma determinação futura, ou
curva nessa superfície. Se necessário, suas ideias sobre a natureza corpuscular
seja, a caracterização da evolução está
podemos imaginar que as duas variá- da luz. É, provavelmente, o físico mais
inscrita nessa curva. Diferentes curvas conhecido do século XX. Sobre ele,
www.ihu.unisinos.br
veis em questão são, por exemplo, a confira a edição nº 135 da revista IHU
são diferentes histórias com condi-
posição e a velocidade de um corpo On-Line, sob o título Einstein. 100 anos
ções iniciais distintas e, consequente- depois do Annus Mirabilis, disponível em
material; mas essa especificação não é
mente, evolução distinta. Entretanto, http://migre.me/16Mto. A TV Unisinos
necessária, pois podemos igualmente produziu, a pedido do IHU, um vídeo de
dentro de cada curva podemos utilizar
15 minutos em função do Simpósio Terra
a noção associada ao determinismo Habitável, ocorrido de 16 a 19-05-2005,
3 Gilles Deleuze (1925-1995): filósofo desse processo, ou seja, o conheci- em homenagem ao cientista alemão, do
francês. Assim como Foucault, foi um mento completo futuro de uma traje- qual o professor Carlos Alberto dos Santos
dos estudiosos de Kant, mas tem em participou, concedendo uma entrevista.
Bérgson, Nietzsche e Espinosa, poderosas tória se faz a partir do conhecimento Leia, ainda, a edição 130 da IHU On-Line,
interseções. Professor da Universidade de inicial dessa curva. Exceto se o sistema de 28-02-2005, intitulada Einstein: 100
Paris VIII, Vincennes, Deleuze atualizou anos depois do Annus Mirabilis. João Paulo
ideias como as de devir, acontecimentos,
é tal que em um dado ponto da super- II. Balanço e perspectivas, disponível em
singularidades, conceitos que nos fície um ponto de bifurcação ocorre. A http://migre.me/16Mur e a edição 141,
impelem a transformar a nós mesmos, partir desse ponto a trajetória do ca- de 16-05-2005, chamada Terra habitável:
incitando-nos a produzir espaços de um desafio para a humanidade, disponível
criação e de produção de acontecimentos- minho para além desse ponto deixa de em http://migre.me/16MuZ. (Nota da
outros. (Nota da IHU On-Line) ser previsível: o sistema entra em uma IHU On-Line)
A
partir do pensamento de Edgar Morin, mas para isso ele necessita dialogar com as
a professora Angelita Maders defende, outras áreas do conhecimento”.
na entrevista que concedeu por e-mail Angelita Maria Maders é graduada em Ci-
à IHU On-Line, que todas as ciências “devem ências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de
estudar e compreender a desordem, reconhe- Direito de Santo Ângelo-RS, mestre em De-
cer que são falíveis e que não são detentoras senvolvimento, Gestão e Cidadania pela Uni-
da verdade. Devem ser complexas, críticas e versidade Regional do Noroeste do Estado do
autorreflexivas para viabilizar a emancipação Rio Grande do Sul e doutora em Direito pela
dos seres humanos, e não a sua sujeição, por- Osnabück Universität, Alemanha. É professo-
que é inseparável de seu contexto histórico e ra da Universidade Regional do Noroeste do
social. Sua realidade deve ser multidimensio- Estado do Rio Grande do Sul – Unijuí e da Uni-
nal, sob pena de ser automatizada e esteriliza- versidade Regional Integrada do Alto Uruguai
da”. Para Angelita, que é doutora em Direito e e das Missões – URI Santo Ângelo e Defensora
defensora pública estadual, “compreender o Pública do Estado do Rio Grande do Sul.
complexo humano auxilia o Direito na busca Confira a entrevista.
de solução aos conflitos também complexos,
IHU On-Line – Qual é a pertinên- complexo, que não admite reducio- mentados, constitui um grande erro,
cia da crítica de Morin à objetividade nismo ou determinismo. Morin rein- porque ele é disjuntivo e não con-
das ciências, pensando no Direito em troduziu a incerteza no pensamento segue estabelecer a relação entre,
específico? de diferentes níveis de reflexão trans- por exemplo, sociedade e indivíduo,
Angelita Maders – É importan- disciplinar e com seus textos e suas como se um excluísse o outro. Por
te, primeiramente, contextualizar as reflexões, ele consegue abalar nossas isso a crítica do autor é pertinente, já
respostas a serem dadas às questões verdades. A objetividade das ciências que os cientistas e os juristas devem
www.ihu.unisinos.br
propostas descrevendo, mesmo que é por ele criticada em razão de sua não somente conhecer por conhecer,
brevemente, o autor em cuja teoria tendência ao reducionismo, que faz mas também entender a ética do co-
elas são fundadas. Edgar Morin é com que o conhecimento dela pro- nhecimento e a ética da responsabi-
francês. N�����������������������
asceu em 1921 e formou- veniente não seja pertinente, já que lidade, que devem guiar o seu cami-
-se em Direito, História e Geografia. não compreende o todo, o conteúdo nhar. Todas as ciências, então, devem
É sociólogo por título e filósofo, an- multidimensional das unidades com- estudar e compreender a desordem,
tropólogo, historiador por formação, plexas. Para Morin, tudo que é huma- reconhecer que são falíveis e que não
além de um grande pensador dos no deve ser compreendido a partir são detentoras da verdade. Devem
problemas do ser humano no mundo de um jogo complexo, pois para co- ser complexas, críticas e autorreflexi-
contemporâneo. Sua obra trabalha nhecer melhor as partes deve-se co- vas para viabilizar a emancipação dos
de forma transdisciplinar as ciências nhecer o todo e vice-versa, como em seres humanos, e não a sua sujeição,
humanas com as ciências físico-bio- um movimento circular ininterrupto. porque é inseparável de seu contexto
lógicas, sem separar o objeto do co- O mesmo deve ocorrer com o Direi- histórico e social. Sua realidade deve
nhecimento com a própria vida. Ele é to, pois o pensamento redutor, com ser multidimensional, sob pena de
pioneiro e introdutor do pensamento ênfase em elementos isolados, frag- ser automatizada e esterilizada.
Tema de Capa
conhecimento do conhecimento, pois, da inter, multi e transdisciplinaridade; ensão também é um grande desafio.
por meio de sua atuação, pode exer- o grande desafio é como capacitar os
cer um papel na transformação social. juristas para a solução de conflitos de IHU On-Line – Como o pensa-
tamanha complexidade. mento de Niklas Luhmann e Morin
IHU On-Line – Quais são os prin- se entrecruzam e contribuem para
cipais limites do Direito, hoje, pen- IHU On-Line – Quais são os gran- a construção de um sistema jurídico
sando em termos de transdisciplina- des temas de fronteira em nosso tem- mais dinâmico e mais adequado à hi-
ridade? Por que é tão difícil o debate po nos quais o Direito tem dificuldade percomplexidade da sociedade atual?
com outras ciências? em avançar devido à falta de concep- Angelita Maders – Os caminhos
Angelita Maders – Os instrumen- ções que consideram outras áreas do trilhados por Edgar Morin, de alguma
tos jurídicos existentes, por si só, são conhecimento? ou outra forma, entrecruzam-se com
incapazes de dar respostas e soluções Angelita Maders – Talvez se- os trilhados por Niklas Luhmann2, na
para o encaixe das diferentes e novas jam muitos os temas de fronteira em medida em que este autor, já na déca-
peças que constituem o mosaico de nosso tempo nos quais o Direito tem da de 1970, percebia a complexidade
problemas da sociedade. Uma das dificuldade em avançar devido ao emergente no mundo e voltou seus
barreiras enfrentadas pelo Direito é seu excessivo dogmatismo, como é estudos para a teoria sistêmica apli-
oriunda do ainda vigente pensamento o caso dos problemas fundamentais, cada às ciências sociais. Ele teorizou a
cartesiano e positivista, que precisa a exemplo da pobreza, da efetivação sociedade como um sistema autopoié-
ser abolido para que se possa efetiva- dos direitos sociais e, em especial, da tico, onde o Direito é um sistema aber-
mente falar em religação dos saberes proteção à diversidade cultural e ao to cognitivamente e dinâmico, mas
de diferentes áreas para a solução dos conhecimento tradicional. Além disso, fechado operacionalmente, que tem
conflitos judiciais. Existe uma necessi- as realizações da tecnologia moderna sua própria linguagem e que se autor-
dade premente de conciliar métodos, estão a exigir a reorientação das ciên- reproduz, independentemente do que
conceitos e disciplinas que são isola- cias, inclusive a jurídica, que deve se se passa no sistema político ou nos
dos na ciência jurídica, de modo a fazê- adaptar aos novos tempos para civili- demais sistemas. As contribuições de
-los convergir para um sistema jurídico zar suas teorias e fazê-las autocríticas Luhmann precedem as contribuições
condizente com a realidade. Isso será e aptas a se autorreformar, estabele- de Morin, mas, as primeiras proposi-
possível se ocorrer uma integração cendo um consenso para respeitar as ções de uma Teoria Geral dos Sistemas
de abordagens qualitativas e quanti- liberdades e também as regras demo- iniciaram no campo da Biologia com
tativas; uma redefinição das relações cráticas. Os fenômenos sociais devem Ludwig Von Bertalanffy, na década de
entre direito público e privado; a intro- ser considerados como sistemas com- 1930, mas foi a partir dos estudos de-
dução de conceitos cosmopolitas e do plexos, cuja complexidade o Direito senvolvidos por Humberto Maturana
pensamento complexo, que facilitem não poderá reduzir, mas com a qual e Francisco Varela3 (1997) que surge
o estudo do multiculturalismo. Deve- haverá de conviver. Há necessidade
-se pautar a prática jurídica em uma de vencer-se o egocentrismo, aceitar a 2 Niklas Luhmann (1927-1998): Estudou
ênfase gnosiológica capaz de coletar e imprevisibilidade do futuro, identificar direito em Friburgo, onde se doutorou em
processar dados objetivos e relacioná- falsas racionalidades, superar as anti- 1949. Em 1960 viajou aos EUA e estudou
sociologia na Universidade de Harvard
-los com realidades subjetivas, sempre nomias decorrentes do progresso e as- em Boston, que exerce uma influência
considerando sua complexidade, bem sumir a condição humana. Isso tudo, significativa em seu pensamento. Em
como a pluralidade da sociedade atu- porque as mudanças estruturais que 1964 publica Funktionen und Folgen
formaler Organisation (Duncker &
al, onde também deve haver uma con- estão transformando as sociedades Humblot, Berlín, 1964), e ingressa na
vergência cultural e respeito às cultu- modernas, cada vez mais complexas, Universidade de Münster, em Dortmund,
ras heterogêneas existentes. O Direito estão fragmentando questões de cul- onde doutorou-se em sociologia política.
Em 1968 se estabelece em Bielefeld, em
já está sendo e deve ser modificado tura, classe, gênero, sexualidade, raça,
www.ihu.unisinos.br
cuja Universidade permanecerá o resto
juntamente com o processo de trans- ética, genética, dentre outras. Como de sua carreira como catedrático editor
formação social devido ao aumento refere Morin, a sociedade está viven- da revista acadêmica Zeitschrift für
Soziologie (Stuttgart). Recebeu o prêmio
da heterogeneidade cultural da po- do um período em que a disjunção Hegel em 1988. Em língua portuguesa
pulação, buscando soluções jurídicas entre os problemas éticos e os proble- foram publicadas as suas seguintes obras:
mais elaboradas, de acordo com as de- mas científicos podem se tornar mor- Legitimação pelo procedimento. Brasília:
Ed. Univ. de Brasília, 1980; Sociologia do
mandas e mudanças que surgem, para tais se perdidas as ideias humanistas Direito. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,
reforçar o enfrentamento às incerte- de cidadão e de ser humano. Assim, é 1985; A Improbabilidade da Comunicação.
zas. É preciso ainda compreender o necessário que o ser humano entenda Lisboa: Vega, 1992. Em 15 de março
de 2005, no evento Abrindo o Livro,
Direito como um sistema em que suas que as ciências não têm consciência promovido pelo Instituto Humanitas
partes integram o todo e o todo deve de que lhe falta uma consciência e que Unisinos – IHU, o Prof. Dr. Leonel Severo
ser conhecido também por suas par- elas não podem ocupar o centro da Rocha, da Unisinos, apresentou El derecho
de la sociedad, obra de Niklas Luhmann.
tes, combatendo o reducionismo do sociedade, mas o ser humano e a com- (Nota da IHU On-Line)
positivismo a partir do conjunto, sem plexidade de suas relações, a quem a 3 Humberto Maturana e Francisco
esquecer suas inter-retroações com- ciência deve estar a serviço. Para tan- Varela: biólogos chilenos. Entre outros,
escreveram El Arbol Del Conoscimiento.
plexas. Em suma, a perspectiva do Di- to, desenvolver a ética da responsabi- Santiago do Chile: 1994. Editorial
duzem outras ideias sistêmicas, quan- ria dos sistemas, porém com um novo na Alemanha, onde ela é mais restri-
do em verdade deveria ser uma ideia paradigma, o qual se entende adequa- ta sob determinados aspectos, assim
do para ser empregado ao Direito no como a ciência em geral, possui um
século XXI, já que abrange uma visão lado positivo e outro negativo, lados
Universitária. Santiago do Chile, 1994. multi, pluridimensional e complexa. que devem conviver dialogicamen-
Humberto Maturana (1928) é crítico do
Realismo Matemático e criador da teoria
Segundo ela, a complexidade não deve te. O problema reside na prevalência
da autopoiese e da Biologia do Conhecer, ser afastada pelo Direito, que deve com dos aspectos negativos e na utilização
junto a Francisco Varela. Faz parte dos ela conviver para nela apostar em uma da ciência não mais a serviço do ser
propositores do pensamento sistêmico
e do construtivismo radical. Francisco
solução para problemas complexos. A humano, mas o inverso. O que deve
J. Varela (1946-2001) escreveu sobre complexidade, então, conduziria a um ocorrer, nessa área, é justamente um
sistemas vivos e cognição: autonomia conhecimento mais verdadeiro, onde controle adequado para garantir que
e modelos lógicos. Ph.D. em Biologia,
escreveu Princípios de Autonomia
o caminho percorrido pelos cientistas
Biológica, um dos textos básicos da seja efetivamente ético, responsável
autopoiese, teoria que desenvolveu com 4 Blaise Pascal (1623-1662): físico, e, portanto, em benefício da humani-
Humberto Maturana. (Nota da IHU On- matemático, filósofo moralista e teólogo
Line). francês. (Nota da IHU On-Line)
dade (solidário).
“E
dgar Morin é importante porque ça vivo, devemos estar vigilantes para que a
ele defende a dignidade de criar ordem e a separação das coisas não ignorem
através da proposição do pensa- a complexidade”.
mento complexo, porém, ao mesmo tempo, Laércio Pilz é graduado em Filosofia pela
ele não ignora a realidade das coisas, as or- Faculdade de Filosofia Nossa Senhora da
dens que estão aí e diante das quais estamos Imaculada Conceição – Fafimc, em Viamão,
construindo as possibilidades”. A reflexão especialista em Educação pela Federação de
é do filósofo Laércio Pilz na entrevista que Estabelecimento de Ensino Superior, em Novo
concedeu, por e-mail, à IHU On-Line. Em seu Hamburgo, mestre e doutor em Educação
ponto de vista, a proposta desse pensador pela Unisinos com a tese A afirmação de uma
sobre a complexidade “é uma nova maneira pedagogia da afirmação: Desconstruindo mo-
de universalizar, não mais em forma de um rais racionalistas a partir do encontro com o
círculo em que as coisas parecem relacionar- desejo, a multiplicidade e o devir. Leciona na
-se mecanicamente, mas através de conexões Unisinos, no departamento de Ciências Hu-
que vão se realizando dinâmica e criativa- manas, e atua como professor autor de diver-
mente”. E completa: “Sua crítica à ordem e sas disciplinas nos cursos EAD da instituição.
à fragmentação não é de alguém que ignora É autor de Antropologia filosófica e ética (São
que existe ordem e que separar as coisas faz Leopoldo: Unisinos, 2010) e Ética e negócios
parte do procedimento científico. Porém, ele (São Leopoldo: Unisinos, 2012).
alerta que, para que o pensamento permane- Confira a entrevista.
IHU On-Line – Uma relativização desenvolve. Reconhecer antropologi- que liberem e potencializem a mani-
radical de cada olhar, mas sem cair camente, em cada um desses saberes, festação plena da vida por parte dos
no relativismo, é um dos pilares da uma manifestação humana verdadeira outros seres.
transdisciplinaridade. Em que aspec- não pode deixar que ignoremos que a
tos o diálogo entre os saberes incen- relativização radical, que tu colocas na Relação criativa com o Outro
tiva uma visão mais abrangente sobre questão, aponta para a crítica a uma Só há diálogo entre os saberes (os
www.ihu.unisinos.br
a existência, as diversas formas de possível simplificação (redução) da humanos) e do ser humano com os se-
vida e sua legitimidade ontológica? vida por parte do discurso de um des- res/forças do planeta, se experimenta-
Laércio Pilz – O ser humano expe- ses saberes. mos o de fora, este sair de si, sentindo,
rimenta diferentes maneiras de conce- Vamos radicalizar em relação ao assim, uma rede de potencialização
ber a sua relação com a existência. Os final da tua questão: qual é a legitimi- dos seres entre si. A verdade ontoló-
mitos, a religião, a ciência, entre ou- dade ontológica dos seres vivos em gica de cada ser se compõe pela di-
tros saberes, são maneiras pelas quais geral? Sua dignidade não está posta a nâmica de sua relação com o de fora.
o ser humano deu e dá significado e partir de sua própria reflexão e defesa O ser humano, como ser reflexivo e
sentido à sua existência e à vida de um em relação às suas possibilidades de autogerador de sentido, experimenta
modo geral. Se falarmos em diálogo existência. Nós, humanos, seres refle- sua ontologia na compreensão de sua
entre saberes, estamos falando não xivos, estamos desafiados a desenvol- relação criativa com o Outro, tanto o
só entre os saberes modernos, mas ver a compreensão do que significa a outro-eu como o outro-humano e o
entre todas essas formas de manifes- dignidade da vida planetária, presente outro-ser vivo.
tações de produção de sentido que o nos seres vivos e em suas relações e, a Por fim, quando propões a ideia
ser humano, em seu trajeto cultural, partir disso, desenvolvermos práticas de diálogo entre saberes, penso na
para ele, é o que alimenta o nosso vi- belecem uma organização mínima das arte, a ciência e a tradição são ana-
ver e o desejo pelo saber. Aquilo que estruturas e dos movimentos. Porém, lisadas separadamente, como se não
pretende fechar o conhecimento em o engessamento nessa ordem nega a dialogassem ou não fizessem parte
uma resposta dada e pronta tem seu vida como força dinâmica e o ser hu- do mesmo sistema complexo. Numa
limite e, se não for reconhecido como mano como ser para a criatividade em perspectiva do Manifesto da transdis-
tal, produz cegueira. O problema do sua relação consigo, com os outros ciplinaridade4, o que o entrelaçamen-
tecnicismo e do mecanicismo está, em e com o planeta – animado por uma to entre esses saberes representa?
primeiro ligar, numa visão limitada de perspectiva ética.
pensar a ordem das coisas como algo 2 MORIN, Edgar. Ciência com Consciência
linear, repetitivo, fixo, sujeito à padro- IHU On-Line – Sob quais aspec- (Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002).
(Nota da IHU On-Line)
tos a obra de Morin é um contrapon- 3 MORIN, Edgar. O MÉTODO III.
1 MORIN, Edgar. A inteligência cega e to ao �����������������������������
fechamendo ideológico e para- Conhecimento do Conhecimento (Porto
epistemologia da complexidade. In: digmático das ciências? Alegre: Sulinas, 1999). (Nota da IHU On-
______. Introdução ao pensamento Line)
complexo. 2 ed. Lisboa: Instituto Piaget,
Laércio Pilz – Edgar Morin não é 4 Basarab Nicolescu. O Manifesto da
2001. (Nota da IHU On-Line) um crítico das ciências. Parece-me que Transdisciplinaridade (2. ed. São Paulo:
Tema de Capa
sim como o mito, com certo desdém. expressão que parece querer forçar indivíduos buscam experimentar mais
Não seria um saber sério... A tradição, uma explicação, ignorando a criativi- sentido em relação àquilo que fazem,
muito próxima do mito, era uma igno- dade de interpretação do leitor –, pro- pode ser um espaço a ser alimentado
rância cultural que submetia a massa. ponho que a bela tradição está aberta pela perspectiva transdisciplinar, que
Logo, a ciência seria o campo da liber- ao outro e ao tempo, que a bela ciên- é um discurso e uma proposta radical
tação, pois ela levaria o ser humano a cia explica, reproduz e (re) cria mun- em favor do diálogo e da paz, do en-
descobrir o que de fato era importante dos e que a arte fala outras línguas a contro com o Outro, esse outro que
para a vida a partir do uso experimen- partir de sua língua. vai do devir pessoal aos devires que
tal e analítico da razão. Uma sociologia cada ser humano e ser vivo represen-
positivista nos libertaria da ignorância IHU On-Line – Em que perspecti- tam na geografia da vida.
e nos levaria à produção de uma es- va a transdisciplinaridade coloca em
trutura social adequada, transferindo xeque a concepção antropocêntrica IHU On-Line – Morin atingiu um
a lógica de estudo e estabelecimento e etnocêntrica das sociedades? Tem reconhecimento público por seu pen-
de leis de análise e interferência na na- percebido avanços em termos da mu- samento. Qual é a importância desse
tureza física e biológica para a nature- dança desse cenário? pensador para nosso tempo?
za das coisas sociais – humanas. Uma Laércio Pilz – Os estudos sobre Laércio Pilz – Quando se lê Edgar
sociedade com leis perfeitas (ordem a vida alimentam a perspectiva trans- Morin, a gente se sente provocado,
e progresso). Mas esse ser humano, disciplinar. Edgar Morin, em boa parte desafiado e animado a produzir cone-
endurecido pela cientificismo, come- de seus escritos, vai revelando como a xões entre as coisas e, ao mesmo tem-
ça a sentir falta da arte. A tradição natureza acontece e evolui através da po, a refletir sobre o que aquilo que
se descobre pela antropologia (entre complexidade. A diversidade dinâmica estamos estudando pode fazer a gen-
outras ciências), não era somente um é característica básica da natureza e a te pensar de maneira diferente o que
refúgio, mas também o espaço de ri- compreensão desse fato revela a igno- até então nos parecia tão óbvio. Mo-
tuais de pertencimento, de encontro rância de concepções e posturas et- rin não é um filósofo do Universal, mas
com o outro e com a história, com o nocêntricas e antropocêntricas. Todo sua proposta sobre a complexidade é
sagrado, com o que religa os humanos preconceito é, antes de tudo, um ates- uma nova maneira de universalizar,
entre si e esses com o divino ou com o tado de ignorância em relação à com- não mais em forma de um círculo em
que se pensa divino (com um projeto preensão de que a riqueza da vida está que as coisas parecem relacionar-se
de salvação). no encontro criativo da diversidade. mecanicamente, mas através de cone-
Acredito que, em certos aspec- xões que vão se realizando dinâmica e
Aliança dinâmica tos, não podemos ignorar avanços em criativamente. Ao dar importância ao
Na perspectiva transdisciplinar, o relação ao relaxamento de posturas aleatório, ele nos desafia à intuição e à
encontro entre a arte, a tradição e a etnocêntricas. A defesa da liberdade é capacidade criativa, a aprender a per-
ciência é um encontro entre diferen- algo que ressoa dentro de vastos cam- ceber a possibilidade de interpretar e
tes estéticas humanas, porém, cada pos da democracia, mesmo que essa pensar as palavras e os fatos de outras
uma trazendo elementos que possam ainda seja débil em países emergen- maneiras. Somos também o encontro
colaborar com a expansão do enten- tes e sujeita a experiências muito res- de várias contingências e, diante de-
dimento do humano em relação ao tritas às políticas internas em nações las, podemos imaginar outras coisas
mundo e com a ampliação do universo desenvolvidas. que podemos combinar produzindo
simbólico do qual ele pode fazer uso No entanto, quando converso es- algo novo. Ele é atual em todos os
para preservar e dignificar sua exis- ses temas com os estudantes, percebo sentidos, desde o campo da criativida-
tência pessoal e social. O verdadeiro afetivamente que a maioria deles é to- de produtiva até, e principalmente, do
cientista é um artista que compreende cada e que seu corpo acolhe, em geral, ponto de vista do compromisso ético
que está inserido dentro de uma tra- a mensagem. É evidente que há muito para com as possibilidades de poten-
www.ihu.unisinos.br
dição, que vive o seu tempo histórico, ainda a se conquistar em termos de cializar a vida. Quando lemos a manei-
porém, se conjuga em seu ser a arte desenvolvimento de linguagem e de ra como Morin escreve sobre biologia,
de explicar, reproduzir e recriar mun- maneiras de compreensão para que de percebemos que ele está a nos desa-
dos. Assim como o verdadeiro artista fato a perspectiva transdisciplinar seja fiar a pensar sobre o quanto a vida é
está no mundo, reconhece seu estado experimentada. Ainda vivemos, como criativa. Ele reconhece a ordem que
neste mundo, porém deseja propor/ afirmam Morin e Kern em Terra-Pá- está presente na estrutura da vida,
desenhar outros mundos. Por fim, o tria5, o fim da Era de Ferro Planetária mas ao mesmo tempo e, de maneira
homem da tradição se encontra com (de visões etnocêntricas, de invasão singular, percebe e estende a vida para
a cultura não para se enquadrar num do espaço do outro) e a Pré-História a dinâmica das possibilidades.
quadro social, mas para atualizar os do espírito humano (o entendimento
signos através da aliança dinâmica en- da solidariedade terrestre). Porém, o Espírito poético
tre o passado e o futuro, na experiên- Sua crítica à ordem e à fragmen-
cia atualizada da tradição. De maneira tação não é de alguém que ignora que
5 MORIN, Edgar. Terra-Pátria (Porto existe ordem e que separar as coisas
Alegre: Sulina, 1995). (Nota da IHU On- faz parte do procedimento científico.
Triom, 2001). (Nota da IHU On-Line) Line)
“A
reposição dos seres humanos no das vaidades”, disse referindo-se à universida-
centro de um universo que con- de. “Convencer este povo de que alimentar o
templa o mais macro e o mais Lattes com artigos-sempre-o-mesmo e comu-
micro não nos deve, entretanto, deixar en- nicações requentadas, assim como atender
ganar: não se trata do homem como medida às exigências da Capes, por exemplo, com a
de todas as coisas de Protágoras e nem do sujeição humilhante com que o fazemos não
antropocentrismo de corte renascentista-ilu- é exatamente, digamos, o objetivo final da
minista (...). Trata-se do contrário: o saber-se existência”.
parte de um Universo, de um planeta, de um Gerson Egas Severo é graduado, mestre e
passado compartilhado, de uma sociedade doutor em História pela Unisinos com a tese
presente e futura, implica precisamente um Clio convocada – História, memória e inter-
‘descentramento’ dos seres humanos, um pretação do Brasil (Erechim: Edifapes, 2008).
passo para o lado, um deslocamento – um Leciona na Universidade Federal da Fronteira
cosmocentrismo? – que promoverá uma vi- Sul – UFFS, campus Erechim e é autor de O
são de si mesmo, bem como do mundo e das que somos e o que esperávamos ser: Estado,
coisas do mundo, em uma perspectiva mais economia e discurso presidencial na América
adequada porque relativizada”. A ponderação Latina – O pós-1929 e o pós-1989 (São Leopol-
é do historiador Gerson Egas Severo, em en- do: Editora Unisinos, 2003) e da edição 171
trevista concedida por e-mail à IHU On-Line. dos Cadernos IHU ideias, intitulada Sub spe-
Com o auxílio de uma “professora imaginá- cie aeternitatis – O uso do conceito de tempo
ria”, ele percorre aspectos da obra de Edgar como estratégia pedagógica de religação dos
Morin com provocações que valem a pena saberes, disponível em http://bit.ly/GD6sTY.
serem ouvidas: “O desafio é o de cultivar vida Confira a entrevista.
intelectual realmente orgânica nesta fogueira
IHU On-Line – Qual é a importân- tensa, hesitante e tímida: “Professor, única que, afinal, havia aprendido.
cia da religação dos saberes para um eu não aprendi nada...”. Marin, que Ainda que intuitivamente, meio mío-
www.ihu.unisinos.br
outro modo de vida e compreensão havia passado a última aula inteira pe como o prisioneiro de que nos fala
da humanidade? indagando aos alunos o que haviam Platão ao deixar a caverna, ela havia
Gerson Egas Severo – Lembre- aprendido durante o ano, pergunta se ido além das expectativas de qualquer
mos a última cena do filme de Laurent ela está se referindo às aulas de fran- professor, de qualquer pensador da
Cantet “Entre os muros da escola”, cês, e a menina (negra, certamente educação, de qualquer sistema esco-
aquela em que é apresentada (quem imigrante ou filha de imigrantes) res- lar: encontrava-se em condições de
sabe) sua própria tese: estamos no ponde, seu olhar e gestos abrangen- interpelar os próprios fundamentos
último dia de aula, o professor Marin do a escola inteira, talvez o mundo: da civilização, da paideia grega – ou de
despede-se dos alunos, deseja-lhes “Não... Isso tudo... Eu não compreen- outra paragem antiga qualquer, talvez
boas férias e prepara-se para deixar a do...”. Há uma breve troca de olhares africana – a Rousseau e Paulo Freire1.
sala de aula mais ou menos satisfeito, e uma despedida constrangida. A im-
quando uma aluna, que havia ficado à pressão com que ficamos é a de que 1 Paulo Freire (1921-1997): educador
margem dos demais e da própria nar- o professor não a entende, e de que brasileiro. Como diretor do Serviço de
rativa durante todo o filme, põe-se à a única aluna que havia afirmado não Extensão Cultural da Universidade de
Recife, obteve sucesso em programas
sua frente e um pouco diz, um pouco ter aprendido nada é, na verdade, a de alfabetização, depois adotados pelo
Tema de Capa
ela veria que das ciências da natureza Iluminismo é certamente complexa. espécie de ideia alternativa à de Freud
passaríamos às ciências da vida e às Ele aceita a ideia de que a noção de ao elaborar os célebres três cortes
humanidades, e de volta. humanismo oriunda daquelas raízes narcísicos (Copérnico, Darwin e a pró-
A reposição dos seres humanos da modernidade é, hoje, problemáti- pria psicanálise) pelos quais teria pas-
no centro de um universo que con- ca – para dizer o mínimo –, uma vez sado a humanidade, Carl Sagan, em
templa o mais macro e o mais micro que implicava aceitar-se a infalibili- Pálido ponto azul (p. 52 a 58), pensan-
não nos deve, entretanto, deixar enga- dade da razão e da ciência, as quais do exatamente na necessidade de os
nar: não se trata do homem como me- nos conduziriam, em pista azeitada, seres humanos encontrarem uma jus-
dida de todas as coisas de Protágoras sempre para a frente e para cima. ta posição, uma posição “desprovin-
e nem do antropocentrismo de corte Compreende também, no entanto, cianizada”, relativizada, no esquema
renascentista-iluminista (em seu elo- que é preciso encontrar um caminho mais geral das coisas, e assim anda-
gio à ciência, Marcelo Gleiser fala do do meio entre o discurso dos que rem melhor, respirarem mais fundo e
homem como medidor de todas as coi- entendem a ciência como algo es- enxergarem mais longe, elabora o que
sas...). Trata-se, mesmo, do contrário: sencialmente positivo, devendo seus chama “as oito grandes humilhações”,
o saber-se parte de um Universo, de aspectos negativos ser entendidos humilhações impostas pela ciência ao
um planeta, de um passado compar- como provisórios e residuais (a ciên- deitar por terra os seguintes e suces-
tilhado, de uma sociedade presente e cia vista como uma fada benfazeja, sivos enganos (note-se que a primeira
futura, implica precisamente um “des- nas palavras de Attico Chassot), e o e a quinta correspondem ao primeiro
centramento” dos seres humanos, um dos que veem a ciência como algo e ao segundo “cortes” de Freud): “(1)
passo para o lado, um deslocamento – de todo negativo: uma fonte de po- a Terra está no centro do Universo;
um cosmocentrismo? – que promove- der, sujeição e opressão das massas (2) mesmo que a Terra não esteja no
rá uma visão de si mesmo, bem como “ignorantes” (a ciência tida como um centro do Universo, o Sol está. O Sol é
do mundo e das coisas do mundo, em ogro maligno, ainda nas palavras de o nosso Sol. Assim, a Terra está apro-
uma perspectiva mais adequada por- Chassot). Com Morin, nossa profes- ximadamente no centro do Universo;
que relativizada. sora sabe que precisamos da ciência (3) bem, então, ao menos, nossa Ga-
– mas precisamos, também, “de uma láxia está no centro do Universo; (4)
Reaparecimento? atitude crítica e até mesmo autocrí- bem, mesmo que existam centenas de
Desde sua leitura de Morin, nos- tica no interior da ciência” (A minha bilhões de galáxias, com centenas de
sa professora passa a conceber suas esquerda, p. 1330). Uma ciência que bilhões de estrelas cada, nenhuma ou-
aulas em função do ensinar-aprender esteja em função de um projeto (aos tra estrela tem planetas; (5) bem, nos-
essas diversas e necessariamente ar- leitores mais jovens, lembro que um sa posição no espaço não demonstra
ticuladas pertenças, procedimento dia existiu esta palavra: projeto). Ela nosso papel especial, mas nossa po-
ao qual subjaz a ideia-força de que apanha seu volume todo sublinhado sição no tempo, sim: estamos no Uni-
àquelas instâncias não apenas todos (não gosta de fazer apontamentos di- verso desde o Início. Recebemos res-
pertencemos como também funda- retamente nos livros) de Terra-Pátria ponsabilidades especiais do Criador;
mentalmente pertencemos juntos: e lê, na página 177, que “precisamos (6) bem, se não temos nada especial
trata-se, portanto, do... reaparecimen- aprender a ser-aí (Dasein), no plane- quanto a nossa posição ou nossa épo-
to? da própria ideia (moderna, sólida, ta. Aprender a ser é aprender a viver, ca, vejamos nosso movimento (aqui,
iluminista em termos de seu paradig- a partilhar, a comunicar, a comungar; Sagan destaca a Teoria da Relatividade
ma por assim dizer “de base”) de hu- é isso que se aprendia nas e pelas cul- Especial, de Albert Einstein: trata-se da
manidade. A educação – estando os turas fechadas. Precisamos doravante ideia de que não há, no Universo, um
saberes religados ou em situação de aprender a ser, viver, partilhar, comu- sistema de referências privilegiado, e
religação in progress – vista e entendi- nicar e comungar enquanto humanos mesmo um tempo presente univer-
da como os seres humanos fazendo-se do planeta Terra. Não mais apenas a sal); (7 – talvez a mais polêmica “hu-
www.ihu.unisinos.br
a si mesmos (alguém ainda lembra de ser de uma cultura, mas a ser terres- milhação”) bem, ainda que sejamos
Gordon Childe?) no que e com o que tres. (...) Um planeta por pátria? Sim, intimamente relacionados com alguns
têm de, precisamente, humanos. tal é nosso enraizamento no cosmos”. dos outros animais, somos diferentes
Que tal? Agora, convenhamos: Ba- – em grau e em espécie – no que real-
IHU On-Line – O que é o conceito con, Descartes, Buffon e Marx – ah!, mente importa: raciocínio, autocons-
de terra pátria de Morin? Esse é um fundamentalmente Marx – foram ho- ciência, manufatura de ferramentas,
contraponto ao sonho alucinado de mens de seu tempo, não é mesmo? ética, altruísmo, religião, linguagem,
conquista do Universo e dominação Então, contraponto sim: mas um con- nobreza de caráter; (8) Ok, talvez não
da natureza formulado por Bacon, traponto rigorosamente histórico. sejamos grande coisa, talvez tenha-
Descartes, Buffon e Marx? Por quê? mos um parentesco humilhante com
Gerson Egas Severo – Prossi- IHU On-Line – Sob quais aspec- os macacos, mas pelo menos somos o
gamos com o esboço do desenho tos se aproximam as ideias de Morin que de melhor existe. À parte Deus e
do que se passa na cabeça de nossa e as oito grandes humilhações formu- os Anjos, somos os únicos seres inteli-
professora leitora de Edgar Morin. ladas por Carl Sagan? O que são essas gentes no Universo”.
A relação de seu autor favorito com oito grandes humilhações?
partículas elementares que conhece- assim: há uma assimetria (pequena, é cia e decidi formular, em minhas aulas
mos – quarks, elétrons etc. Quer dizer: verdade, mas há) na burrice cruzada. de História e Filosofia, uma espécie de
até as “peças de Lego” de que somos “Triste, triste”, pensa nossa professora “religação dos saberes aplicada”. Per-
feitos são marginais na evolução cós- imaginária. cebi que o tempo é um assunto que,
mica... Agora: dotados de intelecção com o perdão da palavra pedagogica-
e memória, são precisamente esses IHU On-Line – O que Morin mente desgastada, “atravessa” todas
filhos marginais do Cosmos a única es- quer dizer com epistemologia da as disciplinas da grade curricular tra-
pécie viva (por enquanto e até prova ingenuidade? E com mentalidade dicional. A pergunta “O que é o tem-
em contrário!), apesar do lembrete hiperdisciplinar? po?” poderia ter possíveis respostas a
de Sagan na oitava “humilhação”, ca- Gerson Egas Severo – A simpáti- partir da Filosofia, da História, da So-
paz de pôr tudo isso em perspectiva, ca professora conjectural que estamos ciologia, da Literatura, da Psicologia,
organizar todo esse conhecimento, acompanhando, disposta a arrostar o da Biologia, da Física – tanto a clássica,
conferir-lhe sentido e ainda projetar desafio da religação dos saberes, além newtoniana, como a moderna, rela-
o futuro, saindo lisos da rede de cri- de mil e uma dificuldades – mil e uma tivística e quântica –, da Química, da
ses que é a marca do tempo que nos mesmo, não é modo de dizer –, deverá História das Religiões, e ser represen-
Tema de Capa
a experiência de ver um aluno tentar outros modos, e não necessariamen- longe / Só estar parado, admirando o
desenhar a “ideia de tempo” de Pla- te, é claro, desde o conceito de tempo. tempo todo esse início, para cantá-lo
tão... Inicialmente, tentei articular um em canções de êxtase”.
grupo de professores em torno dessa IHU On-Line – Qual é o grande
“desobediência civil” – até mesmo desafio de se estudar Morin e apli- IHU On-Line – Gostaria de
politicamente, para não desobedecer car suas ideias no meio acadêmico, acrescentar algum aspecto não
sozinho à supervisão da escola –, mas notadamente carente de atitude questionado?
não deu certo. Então, não tive alter- transdisciplinar? Gerson Egas Severo – Antes da
nativa: explodi o programa das disci- Gerson Egas Severo – O desafio conclusão de seu romance O sangue
plinas de História e Filosofia e procu- é o de cultivar vida intelectual real- do mundo, Catherine Clément põe nas
rei trabalhar a partir de novas bases mente orgânica nesta fogueira das mãos de Théo, seu personagem prin-
epistemológicas (as da complexidade, vaidades (uma coisa interessante na cipal, o livro de Knud Rasmussen, o
envolvidas na religação dos saberes), vida dos clichês é que alguns deles, explorador dinamarquês criado como
pedagógicas (teoria da aprendizagem por vezes, permanecem classicamen- um inuíte, “Da Groenlândia ao Pacífico,
significativa, mapas conceituais – obri- te válidos, no sentido de Italo Calvino), dois anos de intimidade com tribos de
gado, Baldissera –, e tal), e também neste circo, neste teatro sem trama esquimós desconhecidos”, em uma edi-
em uma nova perspectiva, como se vê, que é a Universidade – e então avaliar ção de 1929. Théo havia feito com sua
em termos de conteúdo. livremente Edgar Morin e sua obra, tia Marthe uma viagem para conhecer
assim como qualquer outro livro, au- as dores ecológicas do mundo, e agora
IHU On-Line – Em que aspectos tor ou ideia. Convencer este povo de se depara, no texto, com duas fórmulas
o conceito de tempo foi discutido que alimentar o Lattes com artigos- mágicas enunciadas para preservar o
como estratégia pedagógica da reli- -sempre-o-mesmo e comunicações equilíbrio da cultura inuíte e da nature-
gação dos saberes em sua experiên- requentadas, assim como atender às za. Primeiro invoca-se Qeqertuanac, a
cia docente? exigências da Capes, por exemplo, criadora da invocação. Depois, pronun-
Gerson Egas Severo – Relatei com a sujeição humilhante com que o cia-se a primeira fórmula para atrair
parte substancial dessa experiência fazemos não é exatamente, digamos, os animais de caça: “Animal marinho,
em um artigo chamado Sub Specie Ae- o objetivo final da existência. Não é entregue-se ao amanhecer. Animal da
ternitatis: O uso do conceito de tempo possível que entreguemos nossa dig- estepe, entregue-se ao amanhecer”. E,
como estratégia pedagógica de religa- nidade intelectual assim tão facilmen- então, vem a segunda fórmula, aquela
ção dos saberes. Inspirado em um livro te: um dia poderemos precisar dela, que Théo, médico, adotará como filo-
admirável dos físicos Peter Coveney e quem sabe? Nossa professora hipo- sofia de vida, a fórmula para estancar
Roger Highfield, intitulado A flecha do tética lembra, neste instante, de uma hemorragias: “Aqui está o sangue da
tempo, dividi o assunto tempo em três passagem cristalina de A grande his- mãe do pequeno pardal. Estanque-o.
dicotomias organizadoras: o tempo é tória da evolução (p. 432) em que Ri- Aqui está o sangue que correu de um
imaginário ou real? Circular, cíclico, chard Dawkins fala da larva da ascídia, pedaço de madeira. Estanque-o”. Bem,
ou linear? Absoluto ou relativo? Des- que, “ao metamorfosear-se, desinte- aí está: é preciso estancar o sangue do
se modo, pude convocar muitíssimos gra seus tecidos larvais, recicla-os e os mundo, da Terra-Pátria. E há um san-
temas para a brincadeira (a maioria transforma no corpo adulto. Isso inclui gue para estancar, também, no mun-
deles pouco ou mesmo nunca traba- desintegrar o gânglio da cabeça, útil do da educação. Não será fortuita a
lhada na escola básica): cosmogonia enquanto a criatura nadava livremen- semelhança, para além da metáfora,
babilônica e cultura antiga, mitologia te no plâncton. (…) Mais de uma vez com o que diz Edgar Morin em A mi-
grega, a cosmologia dos pré-socráti- vi referências à ascídia larval que, che- nha esquerda (p. 174): “Há um atraso
cos, Platão e Aristóteles, Índia e hin- gada a hora, se fixa na vida sedentária da consciência ligado à enfermidade de
duísmo, Buda e o budismo, China e e come seu próprio cérebro, como um nosso modo de conhecer”.
www.ihu.unisinos.br
Japão, cultura maia, os livros Gênesis professor universitário depois de ser
e Apocalipse, Santo Agostinho e o efetivado no corpo docente”. Então, o
célebre capítulo sétimo de sua obra que ocorre é que ela prefere ficar na
Confissões, Nietzsche, a revolução escola básica, no front onde a verda- Leia mais...
científica do século XVII, Copérnico, deira guerra está sendo travada, e ler
Kepler, Galileu, Newton, Adam Smith em voz alta “Iniciando meus estudos”, Gerson Egas Severo é autor
e os primeiros formulares do liberalis- o poema de Walt Whitman, todos os da edição 171 dos Cadernos IHU
mo, Darwin, Marx e a crítica ao capita- dias pela manhã, como uma prece:
lismo, Einstein, Charles Chaplin e sua “Iniciando meus estudos o primeiro ideias, intitulada Sub specie aeter-
esteira taylorista, a teoria do big bang, passo me agradou tanto / O mero fato nitatis – O uso do conceito de tem-
cada um deles deflagradores de rami- da consciência, estas formas, o poder
ficações virtualmente infinitas – todas do movimento / O mínimo animal ou po como estratégia pedagógica de
amarradas pelo “tempo”. Até Paul Vi- inseto, o sentidos, o olhar, o amor / O religação dos saberes, disponível
rilio apareceu por lá, com suas ideias primeiro passo eu digo me maravilhou
de aceleração do tempo social... Foi e me agradou tanto / Que quase não em http://bit.ly/GD6sTY
transdisciplinaridade e
pensamento único
Unir conhecimentos, ciências exatas e humanas é o objetivo da transdisciplinaridade
hoje, afirma Basarab Nicolescu. Saberes entrelaçados são esperança de “uma vida
mais humana”, além de reencontrarmos o sentido em nosso mundo
Por Márcia Junges | Tradução: Luís Marcos Sander
U
m pensador maior, que “propõe o a esperança de reencontrar um sentido em
questionamento e a incerteza como nosso mundo e assim reencontrar o nosso
prioridade em relação às respostas mundo”. As afirmações fazem parte da en-
sempre falsas (quando categóricas)”. Assim o trevista a seguir, concedida por e-mail à IHU
físico romeno Basarab Nicolescu define Edgar On-Line.
Morin e a importância de seu pensamento Basarab Nicolescu é especialista na teoria
em nossos dias. Ele acentua que, em função das partículas elementares, autor de diversos
de sua metodologia, a transdisciplinaridade é livros e centenas de artigos publicados em re-
incompatível com o pensamento totalitário e vistas especializadas e livros científicos coleti-
único. “Os diferentes níveis de realidade são vos na Europa, nos Estados Unidos, no Japão
incompatíveis com a redução a um só nível e no Brasil. É professor de física teórica da
de realidade. Além disso, a lógica do terceiro Universidade Pierre e Marie Curie, em Paris,
incluído é incompatível com a verdade ab- onde foi fundador do Laboratório de Física
soluta. A função da transdisciplinaridade na Teórica e de Altas Energias. É também presi-
sociedade contemporânea é de unificar os dente do Centro Internacional de Pesquisas e
conhecimentos, as ciências exatas e as ciên- Estudos Transdisciplinares – CIRET, fundado
cias humanas”. O entrelaçamento de saberes na França em 1987.
é uma “esperança de uma vida mais humana, Confira a entrevista.
IHU On-Line – Uma revitalização incompatível com o pensamento to- ção antropocêntrica e etnocêntrica
radical de cada olhar, sem cair no re- talitário e único. Os diferentes níveis das sociedades? Você percebeu avan-
lativismo, é um dos pilares da trans- de realidade são incompatíveis com ços em termos de mudança dessas
disciplinaridade. Em que aspectos a redução a um só nível de realidade. cenas?
o diálogo entre os saberes incentiva Além disso, a lógica do terceiro in- Basarab Nicolescu – A transdisci-
uma visão mais abrangente sobre a cluído é incompatível com a verdade plinaridade implica o sagrado. O homo
www.ihu.unisinos.br
existência, as diversas formas de vida absoluta. A função da transdisciplina- religiosus é central na transdiscipli-
e a legitimidade ontológica? ridade na sociedade contemporânea naridade. Mas os avanços são muito
Basarab Nicolescu – No domí- é a de unificar os conhecimentos, as lentos.
nio do diálogo entre as culturas e as ciências exatas e as ciências humanas.
religiões. IHU On-Line – Morin obteve
IHU On-Line – Qual é o nexo que um reconhecimento público por seu
IHU On-Line – Em que medida une a transdisciplinaridade proposta pensamento. Qual é sua importância
a transdisciplinaridade é um contra- por Morin à Teoria Geral dos Siste- para o nosso tempo?
ponto ao pensamento totalitário e mas, de Bertalanffy? Basarab Nicolescu – Um pensa-
único, e qual é sua função numa so- Basarab Nicolescu – O pensa- dor maior, que propõe o questiona-
ciedade na qual a especialização téc- mento simultâneo da unidade e da di- mento e a incerteza como prioridade
nica resulta em fragmentação do co- versidade representa este nexo. em relação às respostas sempre falsas
nhecimento e em “miopia” da ação? (quando categóricas).
Basarab Nicolescu – A transdis- IHU On-Line – Em que perspecti-
ciplinaridade, por sua metodologia, é va a tradição põe em xeque a concep-
Destaques
Destaques
da da
Semana
Semana
www.ihu.unisinos.br
www.ihu.unisinos.br
IHU
IHU
emem
Revista
Revista
35 EDIÇÃO 000 | SÃO LEOPOLDO, 00 DE 00 DE 0000 SÃO LEOPOLDO, 00SÃO
DE LEOPOLDO,
XXX DE 000000
| EDIÇÃO
DE XXX DE
0000000 | EDIÇÃO 000 35
Livro da Semana
Destaques da Semana
P
ensar na doutrina do pecado original ao aprendermos e recebermos o perdão que
“sem tomar parte da visão moralista chegamos a ser capazes de nos arrepender, e
e chantagista do Evangelho”. Assim o por isso de ascender à criação”.
teólogo James Alison nos aconselha a refle- James Alison é teólogo católico, sacerdote
tirmos a respeito de um dos temas do Cris- e escritor. Com estudos em Oxford, é doutor
tianismo. Para ele, é preciso compreender a pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teolo-
doutrina do pecado original numa visão re- gia – FAJE, de Belo Horizonte. Atualmente é
trospectiva a partir da ressurreição. “Nesse Fellow, da Fundação Imitatio, instituição que
sentido, a noção de uma visão retrospectiva apoia a divulgação da teoria mimética. Há
é muito importante, pois ela nos exime de mais de 15 anos é um dos raros padres e te-
considerar tudo de maneira moralista, como ólogos católicos assumidamente gays. Seus
se Jesus tivesse vindo para pagar uma dívi- sete livros já foram traduzidos para o espa-
da. Ao invés disso, Ele nos traz uma visão nhol, italiano, francês, holandês e russo. Em
mais primigênia do Novo Testamento, que é português podem ser lidos Uma fé além do
www.ihu.unisinos.br
Destaques da Semana
IHU On-Line sobre Girard, você men- são retrospectiva é muito importante,
ciona que a doutrina do pecado ori-
ginal é a visão retrospectiva a partir
criação mesma pois ela nos exime de considerar tudo
de maneira moralista, como se Jesus
da ressurreição. Poderia dar-nos mais aconteceu em tivesse vindo para pagar uma dívida.
detalhes sobre o que isso significa? Ao invés disso, Ele nos traz uma visão
James Alison – As pessoas ten- nosso meio e mais primigênia do Novo Testamento,
dem a imaginar a visão cristã como
se fosse uma narração de criação se- utiliza a palavra que é a irrupção em nosso meio da
plenitude da criação, o que São Paulo
guida de queda, salvação e, ao final
desse processo, o que deveríamos
Adão apenas para chama de nova criação.
fazer é viver uma vida moral. Tudo se referir àquilo IHU On-Line – Qual é o sentido e
acontece entre bastidores e deixa- a validade da doutrina do pecado ori-
-nos com a necessidade de bom com- que é universal, ginal em nossos dias?
portamento. Isso não é esperançoso James Alison – Esta é uma dou-
e não há nada de graça no sentido aquilo que Jesus trina muito sutil. Há duas maneiras
teológico. Esta é simplesmente uma
maneira de controlar as pessoas e
estava trazendo” de se esquivar daquilo que a doutri-
na nos mostra e sugere. A primeira é
obriga-las a comportarem-se segun- considerar que somos seres, por na-
do regras que, seriam, segundo essa mundo Antigo não se pensava daquele tureza, violentos, assassinos e que só
visão, ditadas por Deus há muito jeito. chegamos a sermos humanos devido
tempo, e este próprio pagou o pre- a nossa maior capacidade de matar do
ço pelas “travessuras” das pessoas. Vivência retrospectiva que os outros bichos. Há maneiras de
Agora que Ele pagou o preço, como A questão interessante para ele entender a paleontologia humana que
uma espécie de chantagem emo- é aquilo que fez Jesus ao inaugurar a demonstra isso. Qual é diferença en-
cional, devemos nos comportar. As plenitude da criação e, evidentemen- tre nós e nossos seres mais próximos,
pessoas tendem a pensar isso. Mas te, mostra que aquilo que nós está- como os símios? É que somos mais ca-
isso não foi originalmente a compre- vamos vivendo até lá era, de alguma pazes de matar. É lamentável dizê-lo,
ensão do Evangelho. maneira, uma vivência ainda fútil, não mas é verdade. Essas são questões que
É importante resgatar a doutrina chegada à sua plenitude, e que isso diz os paleontólogos vão estudando na
do pecado original sem tomar parte respeito a toda a humanidade, desde medida em que descobrem mais ossos
da visão moralista e chantagista do que começou. Para se referir a toda e evidências arqueológicas. A noção
Evangelho. Isso, desde os primórdios, humanidade desde que começou, uti- de que somos, à diferença de outros
percebe-se em São Paulo, o Apóstolo, liza a palavra Adão. O central na visão animais, melhores “matadores”, não é
uma vez que ele considera o primei- é entender que já chegaram os inícios totalmente desprezível. Essa ideia ser-
ro Adão somente à luz de Cristo. Ele da plenitude da criação, que é aquilo ve para a pessoa que quer evidências
considera Adão cronologicamente que traz Jesus. Então, a vivência fútil de nossa natureza violenta.
primeiro somente como aquele que é olhar para trás, é como se dissessem O segundo ponto de vista é que
“e pensar que nós achávamos isso
www.ihu.unisinos.br
prefigurava o Adão definitivo, que é os seres humanos são basicamente
Cristo. Para Paulo, a criação mesma normal... Agora vemos que aquilo era bons e que nos agrupamos por acor-
aconteceu em nosso meio e utiliza a um estado de ser, uma condição muito dos razoáveis e, basicamente, somos
palavra Adão apenas para se referir menor daquilo para o que deveríamos amáveis, e só por incidências fora de
àquilo que é universal, aquilo que Je- aspirar”. Então, podemos começar a nós, de clima, invasão, etc, é que nos
sus estava trazendo. Então, São Paulo viver como se a morte não nos domi- tornamos violentos e perigosos. As-
não está preocupado com que as pes- nasse. A partir disso, podemos ousar a sim, temos os pontos de vista do ser
soas façam estudos paleontológicos criar coisas sem medo da morte, por- humano violento por natureza, e o ser
para saber quem era “o tal de Adão” que ela não tem direito de dominar humano como essencialmente bom.
e o que foi que ele fez. Para São Pau- nossa vida. Isso é o que foi trazido por O problema é que nenhum dos pon-
lo, o assunto de quem era e o que ele Jesus mostrando a abundância de vida tos de vista parece corresponder à
fez é totalmente secundário, se é que de Deus, que não tem nada a ver com realidade. É aqui onde a doutrina do
é de qualquer importância, porque no a morte. Para isso que fomos criados. pecado original é interessante, pois é
unicamente retrospectiva, e por de- se do desejo mimético de Girard nos é a hipótese girardiana, que vejo como
finição não podemos ter nenhum ajuda a compreender e explicar esse muito rica porque nos permite acom-
acesso imediato àquilo que foi o pri- dogma? panhar os estudos dos paleontólogos
meiro ato humano. Somos o produto James Alison – Estamos falando e arqueólogos para entender melhor
desse ato. Assim, só podemos pensar daquilo que nos faz seres humanos o que teria sido o processo pelo qual
a partir de um ato de compreensão e diferentes dos nossos primos mais o homo sapiens emergiu.
contemporânea que iremos descrever próximos entre os outros símios e en-
aquilo que nos fez ser aquilo que so- tre os outros pré-humanos, pois pelo IHU On-Line – Qual é a importân-
mos. Não temos nenhuma capacidade visto havia vários tipos de pré-huma- cia de Jesus Cristo e do batismo para
de nos colocarmos fora de nós mes- nos, que não eram os homo sapiens, e a Igreja Católica como figuras que eli-
mos. Como se houvesse uma câmara que nunca chegaram a ser tão eficazes minam o pecado original?
de circuito fechado e os macacos, os como nós na sobrevivência. Como es- James Alison – A doutrina do pe-
pré-humanos, tivessem sido pegos tamos falando de hominídeos diver- cado original é secundária à presença
Destaques da Semana
sença de Jesus Cristo não haveria a pre- porque o pecado original sempre irá ção, o que é contra intuitivo.
sença da doutrina do pecado original. atrapalha-las é algo errado. Se têm Curiosamente, a doutrina central
Porque se aquilo que Jesus Cristo nos pessoas que o fazem dessa forma, da fé é que somos perdoados antes de
traz é a possibilidade de viver como não se trata de doutrina cristã. A dou- sermos criados, e que só ao aprender-
se a morte não fosse, é precisamen- trina do pecado original tem tudo a mos e recebermos o perdão que che-
te só a partir dele que tem qualquer ver com a presença do perdão como gamos a ser capazes de nos arrepen-
sentido falar de um passado quando já presente em nosso meio. O per- der, e por isso de ascender à criação.
as pessoas viviam presas ao pecado dão antecede o pecado. Tipicamente Porque Aquele que nos criou não quer
original. Então, qual é o sentido do ba- pensamos na narrativa da chantagem nos humilhar, mas abrir-nos para mais.
tismo? É a introdução desde já neste emocional. Por exemplo: alguém se O problema com o pecado é a dimi-
começo de vivência da vida eterna a comporta mal e por isso precisa ser nuição do nosso ser. E quem nos ama
partir de agora. E precisamente o rito perdoado. Para ser perdoado é pre- quer que sejamos mais, e que não fi-
consiste em certo passar de antemão ciso pedi-lo, e para ser atendido é quemos fechados em nós mesmos. O
por uma espécie de pré-morte. Até o necessário estar muito arrependido. perdão não provem daquele que está
Apóstolo Paulo se refere ao batismo O mau uso do pecado original é um de fora de nós olhando e falando com
como “aqueles que foram batizados pretexto para que alguém fique insis- olhar orgulhoso. Ao contrário, provem
na morte de Cristo”. A noção é ante- tindo em aterrorizar os outros pelos dAquele que nos olha com igualdade
cipar a morte sendo batizado para pecados que fez, sugerindo que se a de coração e quer apaixonadamente
poder viver dali para frente como se a pessoa consegue demonstrar arre- que cheguemos a ser bem mais.
morte não fosse. Você começa a viver pendimento suficiente pelos pecados
a vida eterna a partir de agora. Esse é que cometeu será perdoada.
o sentido do batismo. Todo sentido da Esse é um modelo atroz. Qual-
vida da igreja, da liturgia depende dis- quer pai ou mãe que valham a pena Leia mais...
so: da presença sacramental dos sinais sabem que nenhum filho humano
James Alison já concedeu outras
da eternidade em nosso meio. deveria ser tratado com uma menta- entrevistas à IHU On-Line.
lidade assim. Isso é pura chantagem. Confira:
IHU On-Line – Em que aspec- Conseguimos ser melhores que isso. • O amor homossexual. Um olhar teo-
tos essa doutrina não é o “complô O interessante da doutrina é que lógico-pastoral. Revista IHU On-Line
cínico de um clero ávido de poder, ela sugere o contrário: que o perdão
253, de 07-04-2008, disponível em
nem o absurdo de um pensamento chegou antes que conhecêssemos o
http://bit.ly/fNXN10
balbuciante”? tamanho do nosso problema, e que só
• Uma fé para além do ressentimen-
James Alison – Realmente há a partir do dom é que nós nos conhe-
pessoas que usam o pecado original cemos perdoados, amados, recebidos to. Revista IHU On-Line 393, de 21-
como forma de justificar qualquer tal e qual somos que somos capazes 05-2012, disponível em http://bit.
maldade. Por um lado, dizer para as de sermos desatados e de olhar para ly/JmHmZu
www.ihu.unisinos.br
Teólogos enclausurados na
academia. Um desafio
A teologia tem que ser profética, porque deve se realizar não como exposição de
doutrinas e de disciplinas, mas sim como leitura dos sinais dos tempos, uma leitura
que só pode ser feita a partir da encarnação solidária a partir dos debaixo, afirma
Pedro Trigo
Por Graziela Wolfart, Thamiris Magalhães e Luis Carlos Dalla Rosa | Tradução de Moisés Sbardelotto
“N
ão podemos ignorar como nos gência de rigor metodológico, mas tem tido
afeta o totalitarismo de mercado, dois graves inconvenientes: “O mais óbvio,
hoje dominante, mas também a tendência à formalização, aumentada pela
não podemos nos restringir a maldizer o feti- orientação das universidades à excelência aca-
che”, declara o teólogo Pedro Trigo, em entre- dêmica, entendida neste caso como o cumpri-
vista concedida por e-mail à IHU On-Line. Para mento de padrões formais, já que os qualifica-
ele, temos que partir da atuação vitoriosa do dores, burocratas secularizados em geral, não
Espírito do Crucificado Ressuscitado, “porque são capazes de julgar conteúdos. Mas o mais
só tem sentido falar e propor a partir dessa grave é que os teólogos vão se enclausurando
liberdade libertada que se manifesta em um na academia, e se perde a referência básica ao
modo alternativo de viver e se traduz na res- povo de Deus e, principalmente, aos pobres
ponsabilidade concreta pelos outros, estando com espírito, que são a principal fonte da prá-
lado a lado com eles e priorizando os que estão xis e da consciência cristãs”.
embaixo”. E acrescenta: “A assunção dos bens Jesuíta de origem espanhola e naturali-
civilizatórios da última revolução tecnológica zado venezuelano, Pedro Trigo é professor
pode potencializar essa atitude”. de Teologia na Faculdade de Teologia da Uni-
Questionado sobre se a teologia vive hoje versidad Católica Andrés Bello, em Caracas, e
um processo de “enclausuramento” ou uma pesquisador do Centro Gumilla para estudos
tendência academicista, o teólogo explica que sociopolíticos da Companhia de Jesus na Ve-
o enraizamento da teologia nas universidades nezuela, onde foi diretor por várias vezes.
www.ihu.unisinos.br
IHU On-Line – Como o senhor Não podemos ignorar como nos afeta lado com eles e priorizando os que es-
analisa a teologia latino-americana, o totalitarismo de mercado, hoje do- tão embaixo. A assunção dos bens ci-
tendo presente a complexidade da minante, mas também não podemos vilizatórios da última revolução tecno-
atual realidade do mundo? nos restringir a maldizer o fetiche. Te- lógica pode potencializar essa atitude.
Pedro Trigo – Acredito que a teo- mos que partir da atuação vitoriosa do
logia não deve ser fundamentalmente Espírito do Crucificado Ressuscitado, IHU On-Line – O que significa fa-
ideológica, no sentido de discussão de porque só tem sentido falar e propor a zer teologia latino-americana no atu-
ideias, mas sim concreta, isto é, deve partir dessa liberdade libertada que se al contexto da Igreja?
se ater a problemas sólidos, sem se manifesta em um modo alternativo de Pedro Trigo – Concebo a teologia
restringir à sua particularidade, po- viver e se traduz na responsabilidade latino-americana como uma função e
rém chegando ao nível da realidade. concreta pelos outros, estando lado a missão da Igreja, mas entendendo a
Destaques da Semana
com diversas vocações, que se realiza universidades à excelência acadêmica,
ao nos levarmos mutuamente na fé,
no amor fraterno e na vida concreta teologia não deve entendida neste caso como o cumpri-
mento de padrões formais, já que os
a um nível anterior ao da diversifica-
ção de funções, e que, desse modo, se ser fundamen- qualificadores, burocratas seculariza-
dos em geral, não são capazes de jul-
converte em sacramento da união da gar conteúdos. Mas o mais grave é que
humanidade como família de povos, talmente os teólogos vão se enclausurando na
dinamismo que o Espírito impulsiona academia, e se perde a referência bá-
em todos os seres humanos. Ampliar ideológica, sica ao povo de Deus e, principalmen-
os problemas da instituição eclesiásti- te, aos pobres com espírito, que são a
ca é um modo de clericalismo. Como no sentido de principal fonte da práxis e da consciên-
dizia o catecismo que estudei quando cia cristãs. Não estou dizendo que não
criança, somos cristãos pela graça de discussão de existe contato, mas talvez mais como
Deus. Animados ou não, aqueles que, trabalho de extensão ou “para conten-
como nós, se consideram cristãos têm
que seguir o mesmo caminho compar-
ideias, mas sim tar a sua alma devota” do que como
alimento fontal da experiência cristã,
tilhado e solidário. concreta” como ato primeiro do qual a teologia
é ato segundo. Por isso a repercussão
IHU On-Line – A partir da reali- muito escassa que ela tem na marcha
dade latino-americana, qual o senti- de dentro exclui a adaptação ao esta- do nosso cristianismo.
do de se pensar e fazer uma teologia belecido, porque configura uma situa-
profética e evangélica? ção de pecado e exige um constante IHU On-Line – Por que teolo-
Pedro Trigo – A teologia tem que discernimento. Como a nossa época gias fundamentalistas e doutrinárias
ser profética, porque deve se realizar é diferente da de Medellín2, é impres- estão em auge ou ganhando espa-
não como exposição de doutrinas e de cindível realizar um discernimento ço particularmente no continente
disciplinas, mas sim como leitura dos equivalente ao que foi realizado pela latino-americano?
sinais dos tempos, uma leitura que só Igreja latino-americana neste local. Pedro Trigo – Porque boa parte da
pode ser feita a partir da encarnação Mas, assim como naquela época, não instituição eclesiástica aposta nessas
solidária a partir dos debaixo. A en- basta a denúncia. Não temos autori- pastorais, que são, obviamente, mais
carnação no mundo em que nos cabe dade cristã se carecemos de propostas baratas, já que se enclaustram em uma
viver expressa o pathos (a entrega positivas, nas quais se possa caminhar parcela da realidade, como se o cristia-
apaixonada) e o ethos (a exigência) com plenitude humana, verdadeiras nismo pudesse se confinar nela e não
do Concílio1. A solidariedade a partir alternativas, principalmente no plano tivesse que ser exercido em todos os ní-
antropológico concreto. veis da vida histórica. Por essa mesma
1 Concílio Vaticano II: convocado no dia 11-
razão, muitos se dispõem a aceitá-las.
11-1962 pelo Papa João XXIII. Ocorreram IHU On-Line – A teologia vive A proposta de se encarnar na realidade
quatro sessões, uma em cada ano. Seu
hoje um processo de “enclausura- a partir de baixo para nos salvar nela,
encerramento deu-se a 8-12-1965, pelo
Papa Paulo VI. A revisão proposta por mento” ou uma tendência academi- ajudando a que ela se humanize a par-
este Concílio estava centrada na visão cista? Por quê? tir do paradigma de Jesus de Nazaré,
da Igreja como uma congregação de fé,
Pedro Trigo – O enraizamento envolve toda a pessoa e todos os âm-
substituindo a concepção hierárquica
do Concílio anterior, que declarara a da teologia nas universidades tem bitos da realidade. Como se diz na Ve-
infalibilidade papal. As transformações tido grandes vantagens, sobretudo a nezuela: “quem se mete a redentor sai
que introduziu foram no sentido da
exigência de rigor metodológico, mas crucificado”. É custoso seguir a Jesus de
democratização dos ritos, como a missa
Nazaré, mesmo que se faça com toda a
www.ihu.unisinos.br
rezada em vernáculo, aproximando a tem tido dois graves inconvenientes:
Igreja dos fiéis dos diferentes países. Este o mais óbvio, a tendência à formaliza- discrição e prudência. Em segundo lu-
Concílio encontrou resistência dos setores gar, também seria preciso reconhecer
conservadores da Igreja, defensores da
hierarquia e do dogma estrito, e seus
que uma parte considerável da pastoral
frutos foram, aos poucos, esvaziados, será publicada uma edição especial em iluminada, seja do iluminismo liberal
retornando a Igreja à estrutura rígida comemoração aos 50 anos do Vaticano II ou do socialista, se centrou muito na
preconizada pelo Concílio Vaticano. O (Nota da IHU On-Line)
IHU promoveu, no ano de 2005, o Ciclo 2 Documento de Medellín: Em 1968,
promoção ou na conscientização e or-
de Estudos Concílio Vaticano II – marcos, na esteira do Concílio Vaticano II e da ganização popular, em detrimento dos
trajetórias e perspectivas. Confira, encíclica Populorum Progressio, realiza- aspectos religiosos, e cultivou quase
também, a edição 157 da IHU On-Line, se, na cidade de Medellín, Colômbia, a II
de 26-09-2005, intitulada Há lugar para Assembléia Geral do Episcopado Latino-
que exclusivamente o pensar e o agir
a Igreja na sociedade contemporânea? Americano que dá origem ao importante corretamente, deixando de lado todo
Gaudium et Spes: 40 anos, disponível documento que passou a ser chamado o o simbólico, desconhecendo que o ser
para download na página eletrônica Documento de Medellín. Nele se expressa
do IHU, http://migre.me/KtJn. Ainda a clara opção pelos pobres da Igreja
humano é um animal simbólico.
sobre o tema, a IHU On-Line produziu a Latino-Americana. A conferência foi
edição 297, Karl Rahner e a ruptura do aberta pessoalmente pelo papa Paulo VI. IHU On-Line – O senhor defen-
Vaticano II, de 15-6-2009, disponível no Era a primeira vez que um papa visitava
link http://migre.me/KtJE. Em breve, a América Latina. (Nota da IHU On-Line).
de a ideia de que é preciso discernir
www.ihu.unisinos.br
___________________________
* Professor do Departamento de Estudos Culturais e Mídia da Universidade Federal Fluminense; vem
colaborando ativamente nas atividades do Grupo Cepos. E-mail: <denisdemoraes@yahoo.com.br>.
1 Confira a notícia Morre Valério Cruz Brittos, publicada pelas Notícias do Dia do IHU em 28-06-2012,
em http://bit.ly/QwuHp4. (Nota da IHU On-Line)
individuais e coletivos, fiel à religiosi- Alegre como se transitássemos pela momento de reflexão, pensando o
dade e ecumênico, impregnado pela terra da promissão à procura de senti- que e como fazer. Vamos ver. Só tomo
leveza dos sentimentos genuínos. dos para as nossas jornadas. O sentido todo o cuidado para a mágoa não to-
Quase sem timidez, contou-me sua da solidariedade social em uma qua- mar conta e não fazer o jogo de nos-
história de amor com Tati, iniciada dra histórica caracterizada pela reifica- sos oponentes, permanecendo gene-
pelas ondas do rádio. Ele, comenta- ção e pelo egoísmo. Os sentidos para rosos e acreditando em valores como
rista do programa de debates de uma a atividade ético-política dos intelec- solidariedade e fraternidade, base da
emissora de Pelotas; ela, ouvinte e tuais progressistas, em meio à uni- sociedade mais justa que todos que-
logo simpatizante de suas ideias. O versalização da barbárie capitalista. remos. Também tenho me aproxima-
cruzamento dos dois no corredor de Éramos absolutamente convergentes do muito do movimento social, dialo-
refeitório da Universidade Católica no inconformismo frente às desigual- gando e contribuindo, na medida do
de Pelotas, onde ele lecionava e ela, dades e injustiças numa sociedade em possível. Mas a ‘inserção capitalista’
bem mais jovem, estudava ou tinha que pouquíssimos concentram renda, do Brasil é sedutora e o mundo acaba
estudado. E depois o casamento. riqueza e poder, enquanto as imensas sendo o que vemos”.
Tudo se alterou a partir dali. Se maiorias resistem, subalternizadas, Com a saúde debilitada e esca-
nunca deixamos de dialogar sobre a sobrevivendo com muito menos do vando forças para superar o esgota-
exigência de se revitalizar o pensamen- que o suportável. mento emocional, Valério não desistiu
to crítico frente à ofensiva ideológica Nos últimos meses, Valério me de seguir semeando. De Belém e Te-
despolitizadora do neoliberalismo, in- escrevia desolado com as amarguras resina a Lisboa e Madri, ele incansa-
clusive nas universidades; Concórdia que acumulava em instâncias aca- velmente se dispunha a estimular a
representou o divisor de águas em ter- dêmicas e deprimido em função das reflexão consequente no que definia
mos de afinidades eletivas entre nós. esperanças diminuídas na recupera- como “périplo de viagens”, organizan-
As circunstâncias existenciais atra- ção do pai idoso e adoentado. Como do ou participando de eventos que
vessariam os encontros presenciais e fiz outras vezes, insisti para que ele contribuíssem para a formação crítica
virtuais, a ressaltar a possibilidade de deixasse as funções que dignamente e a democratização da comunicação.
equilíbrio entre conhecimento e vida, exercia para além do magistério e da Mesmo na derradeira internação hos-
de modo a não permitir que a aridez pesquisa a fim de cortar a proximi- pitalar, em estado grave, explicitava
do primeiro sufoque a beleza incon- dade com mesquinharias que o ator- a vontade de continuar trabalhando
trolável da segunda. Ele perguntava- mentavam. Ele dizia concordar comi- pelo bem comum. Seu extraordiná-
-me, frequentemente, sobre minhas go e falava de valores fundamentais rio exemplo de dedicação, honradez,
relações afetivas e os planos para o a preservar. Como neste e-mail de combatividade, lealdade e lucidez
futuro imediato. Ainda me recordo de 21 de maio de 2012: “Como sempre, estará sempre presente onde se faça
um entardecer de final de verão, em você tem toda a razão. Isso tudo é um mais urgente a luta dos homens pela
que caminhamos pelo centro de Porto aprendizado. Creio que estou num emancipação.
A mudança macroeconômica que está ocorrendo “Se quisermos conservar o Pantanal, deveremos
no governo Dilma poderá “reverter o quadro solicitar que os órgãos gestores federais e estaduais
de desindustrialização de modo geral”, mas tomem uma atitude. Infelizmente, só conseguimos
possivelmente o “Brasil já tenha perdido o ‘bonde’ algum resultado através da Justiça”, lastima a bióloga.
no sentido de conseguir dominar setores de alta
tecnologia”, lamenta o economista André Nassif.
Paulo
Confira nas Notícias do Dia de 05-09-2012
Acesse no link http://migre.me/aB5lJ Entrevista com Carlos Eduardo Young,
economista, leciona na UFRJ, no Instituto de
“Boa parte dos evangélicos pentecostais e Economia Industrial
neopentecostais são grupos que elaboram propostas
Médicas da Santa Casa de São Paulo
Confira nas Notícias do Dia de 10-09-2012
religiosas com uma estreita relação com as demandas Acesse no link http://bit.ly/QewgsG
e as formas de vida do tempo presente”, diz a
pesquisadora. A discussão em torno do pacote de concessões
anunciado pela presidente Dilma em meados do mês
de agosto deste ano não deve ficar restrita à forma e
ao embate privatista. A “questão fundamental” é de
outra ordem: “Qual modelo de desenvolvimento está
associado a esse pacote?”.
Destaques
da Semana
www.ihu.unisinos.br
IHU em
Revista
EDIÇÃO 000 | SÃO LEOPOLDO, 00 DE 00 DE 0000 SÃO LEOPOLDO, 00 DE XXX DE 0000 | EDIÇÃO 000 47
IHU em Revista
Agenda da Eventos do Instituto Humanitas Unisinos – IHU
Data: 13-09-2012
Palestra: O conceito de abundância em Feyerabend
www.ihu.unisinos.br
blog twitter
Sérgio Trombetta
Por Graziela Wolfart e Thamiris Magalhães
“S
ou uma pessoa sensível, curio- incoerência e a cobrança aos outros. Gosto
sa, inquieta, querendo sempre de levar a vida com humor, o que nos salva
aprender cada vez mais. Procuro e dá leveza à vida”. Este é o professor Sérgio
manter os valores que aprendi em casa com Trombetta, da Unidade de Ciências Humanas
meus pais, tentando ser decente nesse mun- da Unisinos. Saiba mais sobre a trajetória pes-
do onde, às vezes, tudo é tão complicado. Sou soal e profissional deste gaúcho, morador de
tranquilo. Procuro sempre ouvir, dialogar e Igrejinha e pai de Emanuele e Sofia.
respeitar os outros. O que me incomoda é a
Origens – Nasci em 1970, em Carreira – Depois de ter conclu- livros, à leitura. Temos que desco-
Planalto/RS, uma pequena cidade ído o curso de Filosofia, comecei a nectar a gurizada das redes sociais,
do norte do estado, com caracterís- carreira no magistério, trabalhando do Facebook, do Twitter, e despertar
tica agrícola muito forte. Sou o quin- com alunos de ensino fundamen- neles o amor pelos livros e a busca
to filho de uma família de seis. Mi- tal e médio. Eu ensinava Filosofia e de uma sabedoria que só se encon-
nha mãe faleceu há três anos e meu História. Era o ano de 1992, nos mu- tra na leitura.
pai continua morando lá. Devido às nicípios de Taquara e Igrejinha. Em
condições precárias da agricultura, 1996 comecei a dar aulas nas Facul- Política – Em Igrejinha tenho
alguns de meus irmãos foram morar dades Integradas de Taquara – Fac- uma atuação política. Sou militan-
na cidade. cat e, em agosto de 1998, entrei na te do Partido Socialista Brasileiro –
Unisinos. Já se vão quase 15 anos de PSB. Nesta eleição estou, de modo
Formação – Comecei meus história aqui, trabalhando com dis- corajoso, concorrendo a vereador.
estudos na minha cidade natal. De- ciplinas de Antropologia, Introdução Acredito na política feita com prin-
www.ihu.unisinos.br
pois continuei a estudar no semi- à Filosofia, e hoje concentro minha cípios, com seriedade.
nário de cidade de Viamão, onde atuação dentro da Antropologia
cursei Filosofia. O Seminário Maior Filosófica. Nas horas livres – Apesar de
de Viamão formou gerações de re- não ter muito tempo livre, gosto de
ligiosos, padres, mas também bons Família – Sou casado com Ja- poder me dedicar à leitura. Também
professores leigos. Hoje ele está in- nice, que é professora na rede mu- gosto de viajar, apreciar a natureza,
corporado à PUCRS. Mais tarde, fiz nicipal de Igrejinha, cidade onde pescar, acampar na beira de um rio
o mestrado em Filosofia na PUCRS moramos. Somos pais da Emanuele, ou de uma lagoa. Não gosto de tele-
e atualmente estou com o doutora- de 12 anos, e da Sofia, de 7. Hoje, visão. Só me sento diante dela para
do em andamento, faltando escre- em meio às novas tecnologias, ten- assistir aos jogos do meu glorioso
ver a tese. tamos ainda educar para o amor aos Grêmio.
www.ihu.unisinos.br
Religião – Sou católico frequen- tenhamos acesso à educação e no Não resta dúvida de que o Instituto é
tador e colaborador em minha co- qual consigamos vencer a violência, uma conquista importante como es-
munidade, nas equipes de liturgia. para que possamos viver em uma paço de discussão permanente dos
Mesmo saindo do seminário, conti- sociedade de paz e fraternidade. grandes temas. Para a Unisinos, o
nuo muito ligado à Igreja. Sou mui- IHU é muito importante para o diá-
to adepto à Teologia da Libertação. Unisinos – Um lugar maravilho- logo com a sociedade, inclusive por
A Igreja que aponta para o céu não so, onde construo uma história há intermédio das Notícias do Dia, com
pode esquecer da situação das pes- 15 anos. Isso é parte da minha vida. reprodução de artigos de jornais.
soas que vivem neste mundo. É uma instituição importante para a
região, respeitada perante a socie- Uma frase – “Só o amor é gran-
Sonho – A vida é um sonho. Não dade. Admiro a Unisinos, gosto de de”, de Fernando Pessoa.
há existência sem sonho, sem espe- estar aqui. É uma universidade tra-
twitter.com/ihu bit.ly/ihufacebook