Beruflich Dokumente
Kultur Dokumente
Sustentável
Resumo
O presente estudo discute se a valoração econômica de recursos ambientais é uma forma válida
de aferir em casos concretos o ideário constitucional de desenvolvimento sustentável. Com este
fito são apresentados os conceitos de serviços ecossistêmicos à luz dos princípios constitucionais
ambientais do meio ambiente ecologicamente equilibrado, poluidor e usuário pagador e protetor
recebedor. Também é analisado se seu uso é capazes de provocar ressonância no enfrentamento
das questões ambientais, mormente face ao princípio do desenvolvimento sustentável.
Introdução
Garantir o desenvolvimento nacional constitui um dos objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil, conforme expresso em nossa Carta Maior. Por outro lado, a
Constituição também assegura a todos o direito ao meio ambiente equilibrado, conferindo ao
Poder Público e à coletividade a atribuição de defendê-lo e equilibrá-lo para as presentes e as
futuras gerações.
A partir deste quadro, clara se torna a necessidade de se pensar formas de
compatibilização do direito ao desenvolvimento que não ponham em risco o meio ambiente. Com
este fito, o presente estudo se propõe a discutir o uso da valoração dos serviços ambientais no
contexto de sua aplicação a casos concretos.
Parte-se assim dos conceitos de desenvolvimento sustentável e sustentabilidade para
embasar a análise da dicotomia entre o direito fundamental ao meio ambiente equilibrado e o
desenvolvimento. Em seguida são apresentados conceitos teóricos de valoração dos serviços
ambientais, os quais são discutidos na ótica dos princípios do poluidor e usuário pagador e do
protetor recebedor. Por fim, perquire-se se a valoração dos serviços ecossistêmicos pode ser
utilizada para aferir o alcance do ideário constitucional de desenvolvimento sustentável.
2
meio ambiente caracterizam-se como de titularidade difusa ou coletiva, uma vez que são
concebidos para a proteção não do homem isoladamente, mas de coletividades, de grupos e, por
isso, são classificados como de terceira geração. Em complemento, os autores anotam que os
direitos fundamentais possuem características específicas como a universalidade, sendo
titularizados por todos, inalienabilidade, não cabendo sua disposição, historicidade, necessitando
de um contexto histórico para sua compreensão e constitucionalização, devendo estar
consagrados em preceitos da ordem jurídica.
Cabe ainda uma deveras concisa explanação sobre o uso dos termos regras e princípios.
Conforme a bem difundida teoria de Alexy (2015), ambos são espécies de normas que se
diferenciam: enquanto os princípios possuem grau de abstração mais alto e se constituem em
mandamentos de otimização, satisfeitos de várias formas conforme as possibilidades fáticas ou
jurídicas, as regras são mais próximas do caso concreto e são sempre ou satisfeitas ou não
satisfeitas.
Este festejado doutrinador considera o direito ao meio ambiente como direito
fundamental, com uma estrutura muito diferente daquela de um direito como o direito à
assistência social, que essencialmente se esgota em um simples direito a uma prestação fática.
Aduz que esta diferença ocorre em virtude deste direito poder se consubstanciar em feixes de
posições de espécies bastante distintas como a abstenção da intervenção do Estado, a proteção do
titular do direito a intervenções lesivas ao meio ambiente, a inclusão do titular no rol de
procedimentos ambientalmente relevantes ou o direito a que o próprio Estado tome medidas
fáticas benéficas ao meio ambiente (ALEXY, 2015).
Neste sentido, conforme Benjamin (2007), os fundamentos dorsais do Direito Ambiental,
ao contrário do que se dava com as disciplinas jurídicas clássicas, encontram-se, em maior ou
menor medida, expressamente apresentados em um crescente número de Constituições modernas.
Para este colendo jurista, a doutrina, de forma geral, reconhece a existência de um direito
fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, mormente nos países que
modificaram suas Constituições após a Conferência de Estocolmo de 1972.
Na ordem jurídica pátria, este direito encontra-se alicerçado em um princípio
consubstanciado no caput do artigo 225 de nossa Carta Maior, o qual a este se refere diretamente
(grifos nossos): “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso
comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
5
qual é em geral associada a uma visão antropocêntrica. De acordo com Boyle (2007), são
componentes da natureza, diretamente gozados, consumidos ou usados para gerar o bem-estar
humano. Por sua vez, Peixoto (2011) os define como os benefícios que as pessoas obtém dos
ecossistemas, sendo estes definidos como um complexo dinâmico de plantas, animais,
comunidades de microorganismos e meio ambiente, interagindo como um conjunto
funcional.
Neste mesmo diapasão, Daily (1997) os define como as condições e processos através dos
quais ecossistemas naturais e as espécies que os compõem ,sustentam e preenchem a vida
humana. Propõe ainda uma boa analogia para o conceito: imagine-se por um momento na Lua e
pense no que seria necessário para manter a vida neste satélite inóspito. A grande quantidade de
necessidades tais como água limpa, ar puro, tratamento de impurezas, estabilização do clima,
seriam os serviços ambientais a serem prestados por um grande número de espécies.
Conforme Contanza et al (1997), em razão dos serviços do ecossistema não serem
capturados em mercados comerciais ou adequadamente quantificados em termos comparados
com serviços econômicos e o capital manufaturado, a eles é dado um peso muito pequeno nas
decisões políticas, o que pode comprometer a sustentabilidade humana na biosfera. Faz-se assim
necessário que haja o pagamento por seu uso. Em um levantamento efetuado neste trabalho com
mais de 20 anos, chegou-se a uma estimativa de que os serviços prestados por 17 ecossistemas
tinham o valor de 33 bilhões de dólares por ano, cerca de 80% maior do que o produto nacional
bruto mundial na època.
Uma questão capital é a forma como a valoração econômica destes serviços é realizada 2.
Apesar de ser um tema de grande complexidade e afim à Economia, considera-se útil tecer alguns
comentários.
Segundo Daily (1997), uma ampla classe das abordagens de valoração é antropocêntrica e
utilitarista - as coisas da natureza só possuem valor na extensão em que conferem satisfação aos
humanos. Estas características estão ligadas às análises de custo-benefício, as quais são
prevalentes e quase sempre adotam que o valor de uma amenidade natural é dado pela quantidade
que as pessoas estariam dispostas a pagar (medida de satisfação) ou sacrificar para aproveitá-la.
De acordo com Mota (1997), é comum na literatura desagregar o valor econômico do
2Cabe ser notado que a valoração econômica não é a única. Groot (2002), afirma que a valoração das
funções, bens e serviços ambientais, pode ser a grosso modo dividida em ecológica, sócio-cultural, além
da econômica.
8
recurso ambiental em valor de uso e valor de não uso. Hacket (2006) define valor de uso como a
utilidade aproveitada pelas pessoas que utilizam diretamente algum aspecto do ambiente. Por
exemplo, a costa marinha possui valor de uso para surfistas e pescadores.
Ainda conforme Hacket (2006), por sua vez, o valor de não uso reflete aquele que as
pessoas atribuem a aspectos do meio ambiente natural com o qual se importam, mas não usam de
forma natural, comercial ou qualquer outra. Já para Mota (1997), representa o valor de existência
que está dissociado do uso e deriva-se de uma posição moral, cultural, ética ou altruística em
relação aos direitos de existência de espécies não-humanas ou preservação de outras riquezas
naturais, mesmo que estas não representem uso atual ou futuro para o indivíduo.
Para este autor, o valor de uso pode, por sua vez ser desagregado em: valor de uso direto,
valor de uso indireto e valor de opção. O primeiro seria aquele associado a quando o indivíduo se
utiliza atualmente de um recurso, por exemplo, na forma de extração, visitação ou outra atividade
de produção ou consumo direto. Já o valor de uso indireto seria aquele que ocorre quando o
benefício atual do recurso deriva-se das funções ecossistêmicas, como, por exemplo, a proteção
do solo e a estabilidade climática decorrente da preservação das florestas. Por fim, o valor de
opção ocorre quando o benefício atual do recurso deriva-se das funções ecossistêmicas, como,
por exemplo, a proteção do solo e a estabilidade climática decorrente da preservação das
florestas.
Cabe ser citado que conforme as características do serviço ecossistêmico há diferentes
métodos a serem utilizados para sua valoração, os quais não serão aqui descritos em virtude de
estar fora do escopo do presente trabalho.
Por fim, aduz Mota (1997) que o valor econômico do recurso ambiental seria
representado pela soma do valor de uso (em seus componentes direto, indireto e de opção) e pelo
de não uso, formando o valor estimado do recurso ambiental. Esta classificação não é a única,
mas é citada em trabalhos de instituições importantes como o Banco Mundial (PAGIOLA;
CANTREL, 2004) e permite uma visão, ainda que breve, sobre o tema. Outros autores, como
Groot (2002), apresentam propostas de classificação diferentes.
A valoração econômica dos serviços ecossistêmicos pode ser utilizada como um forte
argumento para o pagamento por estes serviços. Uma definição proposta por Wund (2006) para o
pagamento por serviços ambientais é a de que se trata de uma transação voluntária onde um
serviço ecossistêmico bem definido é comprado por um adquirente destes serviços de um
9
provedor se e apenas se o provedor assegura sua provisão. Trata-se para o autor de uma estrutura
negociada, onde o provedor possui outras escolhas para o uso do serviço ecossistêmico e onde o
comprador deve ter a opção de resolver o contrato se a obrigação não for adimplida.
sentido de adequar as práticas de consumo ao uso racional e sustentável dos mesmos, bem como
à ampliação do uso de tecnologias limpas no âmbito dos produtos e serviços de consumo, a
exigência de certificação ambiental dos produtos e serviços, etc
Noutro giro, para Machado (2013), é o princípio do usuário-pagador que contém o
princípio poluidor-pagador. Ambos encontram-se expressos na Lei da Política Nacional do Meio
Ambiente (Lei n. 6.938/81) a qual dispõe, no seu art. 4º, inciso VII, que se visará “a imposição,
ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao
usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos”.
Aduz ainda este douto doutrinador que o princípio do usuário-pagador (o qual,
reforçamos, contém para este autor o do poluidor-pagador) não é uma punição, pois mesmo não
existindo qualquer ilicitude no comportamento do pagador ele pode ser implementado. Assim,
para tornar obrigatório o pagamento pelo uso do recurso ou pela sua poluição não há necessidade
de ser provado que o usuário e o poluidor estão cometendo faltas ou infrações. O órgão que
pretenda receber o pagamento deve provar o efetivo uso do recurso ambiental ou a sua poluição
(MACHADO, 2013).
Já o princípio do protetor-recebedor , conforme Sirvinskas (2013), é a obrigação que tem
aquele que receber verbas do Poder Público de proteger ou de não degradar o meio ambiente -
trata-se, em outras palavras, da compensação que o proprietário recebe para proteger determinado
recurso natural.
A valoração dos serviços ecossistêmicos pode ser utilizada como ferramenta para a
concretização destes princípios. Isto ocorre em virtude de estarem embasados na transferência
dos custos ecológicos aos seus responsáveis ou na premiação , evitando-se que os mesmos sejam
suportados de modo indiscriminado (poluidor/usuário pagador) ou na premiação econômica dos
que adotam condutas positivas (protetor recebedor). Nestes casos, faz-se necessário quantificar o
valor do dano causado pela poluição indevida, pelo consumo ou pela proteção, o que torna a
valoração dos serviços ecossistêmicos de inestimável valia.
Cabe aqui ser efetuado uma breve distinção entre compensação ambiental e de pagamento
(ou compensação) por serviços ambientais. Conforme Hupffer et al (2011), trata-se aquela de
situações onde o agente, de algum modo, está obrigado pela Lei a compensar um dano ou a não
observação de alguma norma ambiental. Já esta se trata de uma conduta adotada voluntariamente
pelo sujeito a que o Direito houve por bem compensar, como forma de incentivar sua realização.
11
Conclusões
São frequentes os conflitos entre a proteção ambiental e o desenvolvimento. Faz-se
necessário encontrar um ponto de equilíbrio, mormente face à evolução histórica do
desenvolvimento sustentável, que traz em seu conceito os pilares de compatibilização do
crescimento econômico com o desenvolvimento social e a proteção ambiental, e do princípio
constitucional do direito ao meio ambiente equilibrado, direito fundamental inalienável e
universal.
A valoração econômica de serviços ecossistêmicos pode ser usada como instrumento para
ajuda no processo decisório para solução destes conflitos. Situações como a de sanções a
poluidores com o uso de compensação ambiental, conforme o princípio do poluidor pagador, ou
de incentivos a condutas positivas por agentes econômicos podem fazer deste conceito um bom
13
uso, por meio de uma análise objetiva do valor correto a ser pago ou premiado.
No entanto seu uso no processo decisório em casos concretos guarda armadilhas: bens
ambientais cujos serviços possuem baixo ou nenhum valor econômico podem ser desvalorizados
e assim serem prejudicados, em uma análise focada apenas no custo benefício de ações de
agentes econômicos.
Dessarte, o uso único ou extremamente proeminente da valoração dos serviços ambientais
e da análise utilitarista de custo benefício no processo decisório, pode acarretar riscos ao meio
ambiente. A solução passa pelo uso de critérios multidimensionais que possam refletir a
complexidade das relações ambientais.
REFERÊNCIAS
description and valuation of ecosystem functions, goods and services. Ecological economics, v.
41, p. 393–402, 2002.
HACKETT, S. Environmental and natural resources economics: Theory, policy, and the
sustainable society. 3. ed. Londres: M. E. Sharp, 2006.
HUPFFER, H. M.; WEYERMÜLLER, A. R.; WACLAWOVSKY, W. G. Uma análise sistêmica
do princípio do protetor-recebedor na institucionalização de programas de compensação por
serviços ambientais. Ambiente & Sociedade, v. 14, n. 1, p. 95–114, 2011.
MACHADO, P. A. L. Direito ambiental. 21. ed. São Paulo: [s.n.].
MENDES, G. F.; BRANCO, P. G. G. Curso de direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Saraiva,
2014.
MOTA, R. S. DA. Manual para Valoração Econômica de Recursos Ambientais. Rio de
Janeiro: IPEA/MMA/PNUD/CNPq, 1997.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração do Rio sobre meio ambiente e
desenvolvimento, 1992. Disponível em:
<https://www.un.org/documents/ga/conf151/aconf15126-1annex1.htm>. Acesso em: 27 abr.
2019.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Plan of implementation of the World Summit on
Sustainable Development. [s.l.] United Nations Environment Programme New York, 2002.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Resolution adopted by the General Assembly on 25
September 2015: 70/1. Transforming our world: the 2030 Agenda for Sustainable
Development, 2015.
PAGIOLA, S.; CANTRELL, J. How much is an ecosystem worth. Assessing the economic
value of conservation. Washington: The International Bank for Reconstruction and
Development/THE WORLD BANK, 2004.
PEIXOTO, M. Pagamento por Serviços Ambientais–Aspectos teóricos e proposições legislativas.
Textos para Discussão–Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado Federal, v. 7, 2011.
SACHS, J. D. A era do desenvolvimento sustentável. 1. ed. Lisboa: ConjunturaActualEditora,
2015.
SARLET, I.; MARINONI, L. G.; MITIDIERO, D. Curso de direito constitucional . [s.l.]
Editora Saraiva, 2015.
SIRVINSKAS, L. P. Manual de direito ambiental. 11o ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
15