SAÚDE PÚBLICA NA SOCIEDADE OCIDENTAL

DETERMINANTES SOCIAIS NA SAÚDE, NA DOENÇA E NA INTERVENÇÃO

Ao longo da história e dos sucessivos Estado interessado em aumentar poderio
modelos de civilização ora uma visão militar, desenvolve políticas públicas de saúde
ontológica da doença (doença como uma (mais contra riscos ambientais e sociais do que
‘entidade’ que se apossava do corpo), ora uma como assistência).
visão funcionalista (doença como um Vem estudos, relacionando saúde,
desequilíbrio interno ou externo ao corpo). condições de vida (pobreza) e ambientes
O desenvolvimento dos conhecimentos sociais e físicos. Então, criaram-se políticas de
e práticas de saúde teve avanços e retrocessos: manejo social e ambiental. A redução da
não foi linear. mortalidade na Inglaterra, ocorrida no século
Antiguidade Clássica: explicação XIX e no início do XX, deve ser creditada
metafísica para os fenômenos da doença mais a melhorias nas condições de vida
(vontade dos deuses); terapêuticas mágicas (saneamento, nutrição, educação) do que a
(oferendas, poções...) intervenções médicas específicas (vacinas e
Idade Clássica: com Hipócrates, que antibióticos).
tem início a lógica do pensamento científico. O advento da microbiologia levou à
Observação clínica e da natureza. Funda a chamada revolução pasteuriana: levaram a
tradição da medicina ocidental. notáveis façanhas sanitárias. Mas a dimensão
Idade Média: a ação divina (agora social ainda ficou adormecida por muito
vingativa e corretiva, não mais dialógica) era tempo.
responsabilizada pelos males e doenças Avanços nos conhecimentos: novas
(consideradas como punições). A terapêutica medidas de proteção e combate à doenças.
era a penitência e castigo. Este retrocesso Vem:
durou até o Renascimento. Modelo da história natural da
Renascimento: reflexão sobre a doença (Leavell e Clark: visão biológica da
causalidade das doenças passou a se doença): 2 períodos: pré-patogênese (as
concentrar nos fatores externos. Ex.: teoria dos manifestações clínicas da doença ainda não
miasmas, que, embora inconsistente do ponto surgiram no indivíduo, mas as condições para
de vista científico, atribuía à insalubridade o seu aparecimento existem no ambiente;
(pestilências) de ambientes físicos a origem políticas de saúde de prevenção primária =
dos fenômenos de contágio e difusão de evita aparecimento da doença) e patogênese
epidemias. (os processos mórbidos são mais
__ reconhecíveis; patogênese precoce, doença
No séc XVII, período de guerras: precoce discernível, doença avançada e a
decorrência final desse processo, que pode ser
a cura, a invalidez, o óbito; políticas de saúde
de prevenção secundária = diagnóstico precoce
e tratamento imediato). *prevenção terciária =
doença já causou dano, previne-se da
incapacidade total.
Modelo social estruturalista (Breihl e
Granda): relação entre mortalidade e classe
social: estar doente ou sadio é determinado
pela classe social do indivíduo e a respectiva
condição de vida, em razão dos fatores de
risco. Consideram uma dimensão estrutural
(modo de produção capitalista, socialista), uma
dimensão particular (classe social) e dimensão
individual.
As ideias sobre saúde e doença
passaram a ser importantes: • biomedicina –
baseada no conhecimento científico sobre
estruturas biológicas e de funcionamento do
corpo humano; • epidemiologia – ancorada nas
análises sobre as causas e a distribuição das
doenças na população; • ciências sociais –
agregando conceitos derivados de estudos
sobre as doenças e relações sociais; •
psicologia – enfocando a dinâmica dos
processos mentais, pensamentos, sentimentos e
atos.
Modelo do campo de saúde:
condições de saúde dependem de quatro
conjuntos de fatores: • o patrimônio biológico
– biologia humana; • as condições sociais,
econômicas e ambientais nas quais o homem é
criado e vive; • o estilo de vida adotado (mais
importante); • os resultados das intervenções
médico-sanitárias, que têm importância
relativa variável de acordo com o problema de
saúde em questão .
Para Arouca (apud Teixeira, 1989: 30),
Saúde é um objeto concreto que compreende:
1. um campo de necessidades geradas pelo
fenômeno saúde-enfermidade; 2. a produção
dos serviços de saúde com sua base técnico-
material, seus agentes e instituições
organizados para satisfazer necessidades; 3.
ser um espaço específico de circulação de
mercadorias e de sua produ- ção (empresas,
equipamentos e medicamentos); 4. ser um
espaço de densidade ideológica; 5. ser um
espaço da hegemonia de classe, através das
políticas sociais que têm a ver com a produção
social; 6. possuir uma potência tecnológica
específica que permite solucionar problemas
tanto em nível individual como coletivo.
As políticas de saúde conduzidas pelo
Estado, visando ao bem estar de toda a
população, surgem de modo mais
sistematizado na França, na Inglaterra e na
Alemanha, durante os séculos XVIII e XIX.
Originadas na necessidade de legislar sobre a
higiene urbana, implementar medidas de
quarentena e isolamento de pacientes com
doenças infecciosas, promover a assistência
social aos pobres e controlar as fronteiras, as
políticas de saúde resultavam das necessidades
de higienização do proletariado nascente, das
tensões entre as lutas urbanas e operárias e da
necessidade de assegurar os interesses das
classes dominantes, mantendo a ordem social e
o processo de acumulação capitalista.
A definição de uma política de saúde
deve repousar sobre três conceitos básicos: • a
compreensão de que a saúde resulta de um
processo de interação contínua entre o
indivíduo e o ambiente físico e social em que
vive; • o entendimento de que boas condições
de saúde consistem em uma responsabilidade
compartilhada por todos, indivíduos e poder
público; e de que • a saúde é um investimento
para a sociedade como um todo, e que a
diminuição das desigualdades em saúde no
país resulta não apenas na efetivação de um
compromisso ético, mas também em elemento
de desenvolvimento e progresso para toda a
nação.
__
Nos anos 60 do séc passado, os
problemas da biomedicina fizeram com que
surgissem pensamento crítico ao modelo e
voltado à revalorização de dimensões sociais e
culturais (prevenção). Tais ideias tiveram sua
expressão mais organizada no chamado
movimento da promoção da saúde, que,
inspirado na reforma do sistema canadense,
consolidou-se a partir da 1ª Conferência
Internacional de Promoção da Saúde, realizada
em Ottawa, Canadá, em 1986.
Hoje: Saúde = qualidade de vida, como
padrões adequados de alimentação e nutrição,
habitação e saneamento, trabalho, educação,
ambiente físico limpo, ambiente social de
apoio a famílias e indivíduos, estilo de vida
responsável e um espectro adequado de
cuidados de saúde.
A Carta de Ottawa preconiza cinco
campos de ação para a promoção da saúde: •
elaboração e implementação de políticas
públicas saudáveis; • criação de ambientes
favoráveis à saúde; • reforço da ação
comunitária; • desenvolvimento de habilidades
pessoais; • reorientação do sistema de saúde.
Práticas de aconselhamento,
acolhimento, práticas coletivas saudáveis
(exercício, alimentação), além de esforços pela
responsabilização e conscientização dos
cidadãos (empowerment), começam a compor
a agenda de práticas dos serviços de saúde.
Mas, os riscos e doenças precisariam ser
enfrentados não apenas com políticas de saúde
produtoras de atenção, educação etc., mas
também por meio de políticas reguladoras da
própria atividade econômica.
Brasil- Anos 80: campo da saúde
coletiva se consolida. Promoção da saúde
radical: programa da Reforma Sanitária
brasileira, orientado pelo princípio da
construção social da saúde, da universalização
e equalização do acesso não só aos serviços,
mas aos demais meios de obtenção de saúde.
Tem também a Abrasco, que define a
sua agenda em três planos da determinação do
processo saúde-doença: • plano da atenção à
saúde, envolvendo esforço de mudança da
lógica assistencial e dos modelos de gestão, no
rumo de favorecer a autonomia dos sujeitos; •
plano da gestão das políticas públicas,
envolvendo esforço de intersetorialidade, o
combate à fragmentação de ações e programas,
a mobilização de organizações governamentais
e não governamentais; • plano da política
(modelo) de desenvolvimento, envolvendo a
defesa de políticas voltadas para a distribuição mas é também prejudicial à saúde da
mais equânime dos recursos socialmente sociedade em seu conjunto.
produzidos, para a solidariedade social e para a Motivo? O desgaste do chamado capital
subordinação virtuosa da economia ao bem- social, ou seja, das relações de solidariedade e
estar e à vida com qualidade. confiança entre pessoas e grupos. Países com
Apesar de tudo, as iniquidades em saúde grandes iniquidades de renda, escassos níveis
entre grupos e indivíduos, ou seja, aquelas de coesão social e baixa participação política
desigualdades de saúde que, além de são os que menos investem em capital humano
sistemáticas e relevantes, são evitáveis, e em redes de apoio social fundamentais para a
injustas e desnecessárias, são um dos traços promoção e a proteção da saúde individual e
mais marcantes da situação de saúde no Brasil coletiva.
e no mundo. Ex. Mortalidade infantil. O entendimento sobre a pobreza também
Há muito se reconhece que os principais tem mudado. Entende-se que a pobreza não é
determinantes dessas iniquidades estão somente a falta de acesso a bens materiais,
relacionados às formas como se organiza a mas é também a falta de voz e de
vida social. Já em meados do século XIX, oportunidades e de possibilidades de opção
Virchow entendia que a ciência médica é entre diferentes alternativas.
intrínseca e essencialmente uma ciência social, Enfrentar as causas das causas, as
que as condições econômicas e sociais determinações econômicas e sociais mais
exercem um efeito importante sobre a saúde e gerais dos processos saúde-enfermidade,
a doença e que tais relações devem submeter- envolve portanto ações não apenas no sistema
se à pesquisa científica. Entendia também que de atenção à saúde, com mudanças nos
o próprio termo ‘saúde pública’ expressa seu modelos assistenciais e ampliação da
caráter político e que sua prática deve conduzir autonomia dos sujeitos, mas também
necessariamente à intervenção na vida política intervenções nas condições socioeconômicas,
e social para indicar e eliminar os obstáculos ambientais e culturais por meio de políticas
que dificultam a saúde da população. Desde públicas intersetoriais. E sobretudo em
então, muito se avançou na construção de políticas de desenvolvimento, voltadas para a
modelos explicativos. Percebeu-se também distribuição mais equânime dos recursos
que o fator mais importante para explicar a socialmente produzidos, subordinando a
situação geral de saúde de um país não é sua economia ao bem-estar social.
riqueza total, mas a maneira como ela se 2005 – OMS cria Comissão sobre
distribui. Em outras palavras, a desigualdade Determinantes Sociais da Saúde (Commission
na distribuição de renda não é somente on Social Determinants of Health – CSDH),
prejudicial à saúde dos grupos mais pobres, com o objetivo de promover em âmbito
internacional uma tomada de consciência administração pública; • políticas que
sobre a importância dos determinantes sociais favoreçam ações de promoção da saúde,
na situação de saúde. buscando estreitar relações de solidariedade e
2006 - criada no Brasil a Comissão Nacional confiança, construir redes de apoio e fortalecer
sobre Determinantes Sociais da Saúde a organização e a participação das pessoas e
(CNDSS). Primeiro país a criar sua própria das comunidades em ações coletivas para
comissão. → processo de desenvolvimento da melhoria de suas condições de saúde e bem-
Reforma Sanitária. estar, especialmente dos grupos sociais
Segundo um relatório do CNDSS, as vulneráveis; • políticas que favoreçam
intervenções sobre os DSS com o objetivo de mudanças de comportamento para a redução
promover a equidade em saúde devem de riscos e para o aumento da qualidade de
contemplar os diversos níveis assinalados no vida mediante programas educativos,
modelo de Dahlgreen e Whitehead (1991), ou comunicação social, acesso facilitado a
seja, devem incidir sobre os determinantes alimentos saudáveis, criação de espaços
‘proximais’, vinculados aos comportamentos públicos para a prática de esportes e exercícios
individuais, ‘intermediários’, relacionados às físicos, bem como proibição à propaganda do
condições de vida e trabalho, e ‘distais’, tabaco e do álcool em todas a suas formas.
referentes à macroestrutura econômica, social Para que as intervenções nos diversos
e cultural. níveis do modelo de Dahlgren e Whitehead
São exemplos dessas intervenções: • (1991) sejam viáveis, efetivas e sustentáveis,
políticas macroeconômicas e de mercado de devem estar fundamentadas em três pilares
trabalho, de proteção ambiental e de promoção básicos: a intersetorialidade, a participação
de uma cultura de paz e solidariedade que social e as evidências científicas.
visem promover um desenvolvimento Por fim, a CNDSS sugeriu diversas
sustentável, reduzindo as desigualdades sociais atribuições à diferentes setores estatais,
e econômicas, as violências, a degradação incluindo até mesmo a Casa Civil da
ambiental e seus efeitos sobre a sociedade; • Presidência da República. Todas estas
políticas que assegurem a melhoria das iniciativas contribuem para a ação coordenada
condições de vida da população, garantindo a dos diversos setores governamentais com
todos o acesso à água limpa, a esgoto, participação social, condição necessária para
habitação adequada, ambientes de trabalho enfrentar as determinações econômicas e
saudáveis, serviços de saúde e de educação de sociais mais gerais dos processos saúde-
qualidade, superando abordagens setoriais enfermidade.
fragmentadas e promovendo uma ação
planejada e integrada dos diversos níveis da