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II COLÓQUIO SOBRE IMAGEM E SOCIABILIDADE

Acontecimento: Reverberações

II COLOQUE SUR IMAGE ET SOCIABILITÉ


Événements: réverbérations

Publicação original (para citação): FREIRE FILHO, João e CASTELLANO, Mayka. Eike
Batista, “o bilionário popstar”: um estudo sobre a celebração midiática do empreendedorismo.
In: FRANÇA, Vera e OLIVEIRA, Luciana de. (orgs.) Acontecimento: reverberações. Belo
Horizonte: Autêntica, 2012, p.193-212.

Eike Batista, “o bilionário popstar”: um estudo sobre a celebração


midiática do empreendedorismo

João Freire Filho e Mayka Castellano

Resumo: A mídia ocupa um lugar de crescente destaque na produção, na circulação e no consumo da


fama. As escassas discussões sobre o tema, em nosso âmbito acadêmico, tendem a concentrar-se na
promoção de figuras arquetípicas tradicionais: atletas talentosos e ídolos do entretenimento. Nesse
artigo, optamos por analisar a construção da imagem midiática do empresário Eike Batista, tomando
como base informações coletadas em revistas de celebridade, publicações de negócios, semanários de
informação, jornais de grande circulação, entrevistas televisivas e sites de redes sociais. Nosso
objetivo principal é avaliar de que forma os distintos discursos erigidos em torno do bilionário
brasileiro contribuem para o enaltecimento do empreendedorismo – apresentado como um sistema de
conduta (uma “mentalidade”, uma “atitude psicológica”, uma “estrutura motivacional”)
potencialmente à disposição de todos e como virtual solução para os problemas nacionais. Com o
apoio de autores do campo das ciências sociais que abordam o impacto do neoliberalismo na cidadania
e na produção das subjetividades, discutimos as implicações da glorificação de predicados e de valores
atribuídos, de maneira exemplar, a Eike Batista, em suas diversas figurações midiáticas.

Palavras-chave: empreendedorismo; Eike Batista, celebridade, revista Veja.

1. Introdução
Outrora confinadas a publicações especializadas e a programas de TV pouco
prestigiosos, as façanhas e as desventuras dos famosos repercutem, hoje em dia, nos veículos
de imprensa mais respeitados, desdobrando-se, de maneira vertiginosa, em inúmeras
plataformas on-line. As conversações diárias de um vasto e diversificado contingente da
população contemplam com a vida hiperativa dos ícones midiáticos – seus negócios, seus
momentos de ócio, suas quedas, seus instantes de glória constituem motivo de escárnio, fonte
de inspiração ou modelo de existência, fornecendo matéria para reflexões diárias e para
sonhos secretos ou compartilhados.
Crescem os canais de divulgação da rotina dos famosos, multiplicam-se as tecnologias

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Sala 3047 - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas - Universidade Federal de Minas Gerais
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e os especialistas capazes de operar a transformação de uma pessoa comum em uma


celebridade. “A qualificação de homem privado não se aplicará, um dia, apenas àquele cuja
vida não interessa a ninguém?”, especula Bredin (2001), em tom profético.
As discussões mais propriamente acadêmicas sobre a produção, a circulação e o
consumo da fama – incrementadas ao longo do novo milênio – tendem a concentrar-se na
promoção de figuras arquetípicas tradicionais: ídolos do entretenimento e atletas talentosos.
Nesse artigo, optamos por analisar o processo de celebrização de outro personagem
emblemático de nosso tempo: o empreendedor, epítome da subjetividade neoliberal,
paradigma do “indivíduo conquistador” (EHRENBERG, 1991), um apologista da autonomia,
assumidamente responsável por sua segurança e por seu sucesso, capaz de realizar-se
unicamente por meio de sua iniciativa pessoal, sem o apoio (suposto ou genuíno) de antigas
redes de proteção urdidas e sustentadas socialmente.
O cerne de nossa investigação é a exemplar trajetória de conquista da notabilidade
percorrida, a toda velocidade, pelo empresário Eike Batista – o “bilionário pop”, conforme
bem definiu, recentemente, a manchete da revista Alfa Homem (11/03/2011).1 Num curto
espaço de tempo, a imagem de Eike Batista foi estampada, ainda, na capa de semanários
nacionais de informação – Veja (18/06/2008) e Época (12/03/2010) –, além de publicações
direcionadas para o mundo empresarial – Istoé Dinheiro (19/01/2005; 05/12/2007;
16/09/2009; 12/05/2010; 22/12/2010) e Época Negócios (maio de 2008). Em respeitados
programas de TV, como Marília Gabriela Entrevista (GNT – 24/05/2009), Roda Viva (TV
Cultura – 30/08/2010) e Manhattan Connection (Globo News – 13/03/2011), o magnata
mineiro – nascido em Governador Valadares, em 1956 – revelou detalhes de sua biografia e
de seus negócios.2 Seus projetos empresariais, seus atos beneficentes e sua vida amorosa
atraem, igualmente, os flashes das revistas de celebridades: em flagrantes divulgados por
Caras, Quem e Contigo, Eike aparece correndo na Lagoa Rodrigo de Freitas ou jantando no
Leblon – em geral, na companhia da namorada, Flavia Sampaio, advogada de 29 anos... “Às
17h15, Eike e Flávia sentaram-se na Bibi Sucos, onde ela tomou açaí e ele, Coca-Cola. Após
o lanche, o casal se despediu com carinhosos beijos no rosto”, informou-nos Caras
(11/04/2006), valendo-se do detalhamento estéril tão característico dos veículos dedicados aos
1
Lançada pelo grupo Abril em 2010, Alfa Homem é uma revista masculina sobre estilo de vida. Seu slogan
promete trazer para os leitores um universo de “inteligência, atitude, elegância e boa vida”. Entre os nomes
escolhidos para figurar nas capas das edições anteriores, estão Chico Buarque, Galvão Bueno e Ronaldo, o
Fenômeno.
2
A participação de Eike Batista no Manhattan Connection levou o programa à liderança de audiência na TV
paga (Folha de S. Paulo, Outro Canal, 21 mar. 2011).
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famosos.
Em uma pesquisa sobre os líderes mais admirados por estudantes universitários
brasileiros (pertencentes, sobretudo, aos cursos de Administração e de Engenharia), Eike
Batista apareceu em quinto lugar – posição bastante significativa, considerando-se sua entrada
relativamente recente na paisagem midiática.3 O fascínio que o empresário desperta entre os
estudantes também tem se traduzido em convites para palestras em diversas universidades do
Brasil. Em 19 de outubro de 2010, Eike esteve na Faculdade de Economia, Administração e
Contabilidade da USP para a abertura do evento Jovens Empreendedores. Diante do auditório
repleto, o vice-diretor da instituição, Nicolau Reinhard, comentou: “Gostaria de ter a classe
sempre assim, mas, infelizmente, eu não sou como o nosso convidado Eike Batista, que
realmente atrai essas multidões.” Ao chamar Eike para o palco, mais do fazer que uma
apresentação, o professor prestou uma verdadeira homenagem ao empresário:

Eike Batista é uma figura pública muito conhecida, sua biografia está na Internet, as
suas realizações estão na mídia, isso leva a uma situação um pouco peculiar, que é
aquela de imaginar uma pessoa acima daquilo que os seres humanos normais realizam,
por aquilo que ele concretiza, pelo que ele empreende, pelos riscos que ele assume,
pelos sucessos que ele tem, e também pelas dificuldades que ele enfrenta. Os números
que a gente lê nos balanços etc. fazem parecer que é uma pessoa diferente, é uma pessoa
que tá acima daquilo que talvez nós outros cheguemos a ser. (...) É muito bom mostrar
que essas realizações se concretizam numa pessoa humana, que tem seus sonhos, suas
aspirações, suas dificuldades, seus talentos. (...) uma pessoa que faz as coisas
acontecerem, que motiva, o grande líder que motiva centenas de pessoas a segui-lo, o
empreendedor que assume os riscos, o visionário que enxerga oportunidades antes dos
demais.

Em 14 de abril de 2011, veio à tona uma das evidências mais palpáveis de que o nome
de Eike Batista se incrustara na memória do público em geral. Descontente com sua situação
financeira, Chicão – personagem negro e homossexual de Insensato Coração, novela da TV
Globo – reclamou: “Eu já sou da minoria de tudo que é lado, tinha que ser da maioria justo
quando o assunto é dinheiro? Bem que eu poderia ser da minoria do Eike Batista! Que homem
é aquele?!”4.

3
A pesquisa foi divulgada por Veja (14/07/2010), em uma publicidade de página inteira com os seguintes
dizeres: “Os líderes mais admirados pelos futuros líderes mais admirados. Um país só tem futuro quando
valoriza seus próprios líderes. Quando coloca empresários e políticos em pé de igualdade com os melhores do
mundo. E quando seus heróis não estão apenas nos livros de história. Um país assim pode sonhar, pois esse
sonho acaba se tornando realidade. Em pesquisa realizada no último mês de abril pela Cia de Talentos, Next
View e TNS, mais de 35 mil jovens universitários e recém-formados de todo Brasil apontaram os líderes que
mais admiram”. Logo abaixo, era apresentada a lista dos notáveis: “1º Roberto Justus, 2º Barack Obama, 3º Lula,
4º Steve Jobs, 5º Eike Batista, 6º Bernardinho, 7º Abílio Diniz, 8º Bill Gates, 9º Silvio Santos”.
4
Cena disponível em: http://insensatocoracao.globo.com/capitulo/leo-trama-uma-forma-de-se-livrar-de-nicolas-
e-ficar-com-o-emprego-do-rapaz.html#cenas/1485308.
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Como um empresário com investimentos voltados, prioritariamente, para as áreas da


mineração e da infraestrutura (transporte, portos, estaleiros e projetos imobiliários), um
homem de negócios cujo nome ressoava, até o início dos anos 2000, apenas dentro do
ambiente corporativo, pôde converter-se em ídolo de massa, símbolo sexual, “herói
nacional”?
Com o apoio fundamental de autores do campo das ciências sociais que enfocam os
aspectos éticos e culturais do neoliberalismo, nossa pesquisa tenciona abordar, de modo
abrangente, as condições de possibilidade e as implicações da celebração do
empreendedorismo e da glamourização da performance – leitmotiven das narrativas
midiáticas da vida vitoriosa de Eike Batista. Embora lancemos mão de outros materiais
empíricos, concentramos nossa análise, dentro do perímetro restrito desse artigo, em uma
reportagem de capa de Veja, publicada em 18 de junho de 2008. O foco da matéria é um
acontecimento crucial no percurso de Eike rumo à notoriedade autônoma e expandida: sua
consolidação como o “homem mais rico do país” (e um dos mais abastados do mundo), graças
ao sucesso da IPO (oferta pública de ações) de sua empresa petrolífera. Naquela ocasião, Eike
atraiu quatro bilhões de dólares em investimentos, batendo o recorde da história da Bovespa.
Nosso principal interesse, aqui, é examinar as maneiras mediante as quais o relato
jornalístico de Veja – ao configurar aquele acontecimento de natureza econômica – contribuiu
para a codificação de significados e de imagens particulares atreladas ao empresário Eike
Batista, diferenciando-o dos concorrentes e articulando sua figura com temas-chave da cultura
do novo capitalismo e do individualismo contemporâneo.

Filho de Eliezer, marido de Luma: Eike como celebridade acessória

O convidado de hoje quer ser o homem mais rico do mundo. Ele começou a vida sendo
chamado de “o filho”, depois ficou conhecido como “o marido”, mas foi à luta e
construiu sua própria história. Hoje, seu nome é o seu maior cartão de visitas. (Texto de
apresentação de Eike Batista no programa Roda Viva, em 30/08//2010)

O acervo digital de Veja reflete, com nitidez, a paulatina inserção de Eike Batista no
rol das celebridades nacionais. A primeira ocorrência do nome de Eike, no arquivo da revista,
foi em 24 de outubro de 1990: a coluna Gente revelava que Luma de Oliveira estava tendo
“sorte no amor” – “Ela está namorando o empresário Eike Batista, 34 anos, dono de uma mina
de ouro no Amapá e filho do ex-presidente da Vale do Rio Doce Eliezer Batista”. Entre 1990
e 1992, Eike é citado nas ocasiões do anúncio da gravidez de Luma e no nascimento de seu

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primogênito, Thor, além de figurar em outras matérias cujo mote era a vida da ex-modelo.
Em 17 de novembro de 1993, Eike aparece, pela primeira vez, sem ser coadjuvante de
Luma de Oliveira, em uma reportagem de 13 páginas sobre mineração, intitulada “O ouro de
quem não nasceu para rico”. A matéria afirma que, na década de 1970, muitas pessoas (a
maioria delas, humilde) foram para Roraima tentar a sorte no garimpo. Eike é citado no
parágrafo final, com o objetivo de lembrar que nem todos que se aventuraram no garimpo
brasileiro tiveram um destino infeliz:

Duas décadas mais tarde, Olimpio [um dos personagens da reportagem] está
comendo pó na estrada de Caroebe para Entre Rios. Eike mora em Miami, recupera
minas no Chile e dirige a multinacional TVX Gold Inc. O ouro, os índios e a selva
amazônica para ambos foram os mesmos. O Brasil é que foi e continuou diferente
para cada um deles, (...) mantendo Eike Batista e Francisco Olimpio de Oliveira em
seus devidos lugares (p. 84).

Nos anos seguintes, a já imponente riqueza de Eike, associada à beleza exuberante de


sua mulher, garantiu ao casal frequente exposição na mídia. A admissão do empresário no
Olimpo das celebridades foi sacramentada, porém, no carnaval de 1998: Luma de Oliveira
desencadeou uma prolongada celeuma, ao desfilar no sambódromo portando uma “coleira”
com o nome do esposo – “É para mostrar que tenho dono”, esclareceu a modelo, em nota da
coluna Gente (04/03/98). A atitude – criticada, com veemência, por grupos feministas – teria
sido motivada pelos ciúmes de Eike. A partir daquele instante, o empresário passou a aparecer
com certa assiduidade nas páginas de Veja, tanto na coluna social, quanto em seções
dedicadas a negócios e economia, que abordavam seus então incipientes projetos no Brasil.
Seis anos após o episódio da coleira, o empresário voltou às manchetes, em função do
conturbado fim do casamento de 13 anos – acontecimento acompanhado, obsessivamente,
pela mídia, que especulava acerca de uma possível traição de Luma com um jovem capitão
dos Bombeiros, José Albucacys. A já conspícua riqueza de Eike começou a ganhar destaque
no noticiário do escândalo. Veja (10/03/04) salientou, por exemplo, que a separação poderia
render à Luma uma fortuna capaz de sustentar sua família até a “terceira geração”. Já naquela
época, eram poucas as coisas que o dinheiro de Eike supostamente não poderia comprar: “Se
ela quiser, pode ir para uma ilha curar as feridas, recompor o espírito, refletir sobre a
passagem do tempo e a efemeridade da fama... e outras fantasias” (p. 71).
A partir de 2006, depois de ter começado uma célere escalada na lista dos mais ricos
do mundo da revista Forbes, Eike deixou, definitivamente, o posto de celebridade acessória
ou adjacente, tornado-se protagonista de uma série de reportagens dedicadas às suas

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realizações profissionais. No arquivo digital da Veja, é considerável o aumento no número de


alusões ao empresário: nos anos 1990, Eike é mencionado 17 vezes; na primeira década do
novo século, há 74 menções do seu nome – com um expressivo aumento a partir de 2008,
quando o intrépido empreendedor foi guindado à capa de uma das edições do semanário.

As aventuras midiáticas do Mr. X

Veja se vangloria por ser “a maior, a mais influente e a mais prestigiada revista
brasileira”5; uma publicação “investigativa e esclarecedora que repercute em todo o país, com
reportagens que explicam as grandes questões nacionais e do mundo”6, sempre pautada por
uma pleonástica “insistência na necessidade de consertar, reformular, repensar e reformar o
Brasil”.7
Na edição de 18 de junho de 2008, o semanário procurou cumprir sua autoatribuída
missão social, elegendo, para tema de capa, um episódio marcante na trajetória do “novo
símbolo do empreendedor brasileiro” (p. 96): a oferta de ações da empresa de Eike Batista no
ramo de petróleo – OGX – conseguira atrair uma expressiva quantidade de investidores,
aumentando o valor da companhia para 23,6 bilhões de dólares (dos quais 60% – ou seja, 14
bilhões – pertenciam ao próprio Eike). Veja fez as contas: o montante recém-adquirido por
Eike viria somar-se a um patrimônio de seis bilhões de dólares (segundo o levantamento anual
da revista Forbes), transformando-o, subitamente, no homem mais rico do país, a frente de
medalhões como Antônio Ermírio de Morais e Joseph Safra. O sucesso do empresário é
apresentado com fato alvissareiro não apenas para ele mesmo, mas também para seus
investidores (identificados como um conjunto representativo da população brasileira) e, em
última análise, para o próprio país.
Outras ocorrências no Brasil ou no exterior poderiam ter sido realçadas, naquela
semana, como dignas de atenção especial, conforme sugere o próprio cardápio oferecido por
Veja.8 A concorrentes diretas Istoé e Época, além de trazerem assuntos distintos em suas

5
http://veja.abril.com.br/especiais/veja_40anos/p_014.html.
6
http://www.assineabril.com.br/assinar/revista-veja/origem=sr/veja/botaotopo.
7
http://publicidade.abril.com.br/marcas/veja/revista/informacoes-gerais.
8
Na edição de 18 de junho de 2008, Veja também destacou os seguintes assuntos: denúncias de corrupção
envolvendo a governadora do Rio Grande do Sul Yeda Crusius (PSDB); a possível volta da CPMF; especulações
sobre o processo de compra da Varig; o combate ao terrorismo (através do perfil de um alto funcionário do
governo norteamericano); a possível ligação entre Hugo Chavez e as Farc; os 10 mandamentos de Steve Jobs;
uma pesquisa que aponta o perfil nutricional das modelos brasileiras; práticas educacionais de sucesso em outros
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capas – respectivamente, a subida no preço do petróleo (“Petróleo – a crise que vai mudar sua
vida”) e um suposto tráfico de influência envolvendo o presidente Lula (“A versão do
compadre”) –, não dedicaram nenhuma matéria à bem-sucedida investida de Eike na bolsa de
valores.
Não se deve interpretar a discrepância no enfoque das publicações meramente como
um caso de miopia jornalística perante uma ocorrência de inegável interesse público ou, no
outro extremo, de supervalorização de um fato em si mesmo irrelevante para o destino da
coletividade. Diante de um fato palpável – uma jogada altamente lucrativa na bolsa de valores
– Veja parece ter vislumbrado a possibilidade de articular, de maneira cativante e persuasiva,
suas próprias convicções políticas e princípios morais. O fato se converteu em mote para uma
reconstituição da marcha ascendente de Eike Batista, construída em consonância com as
mitologias da prosperidade e da autorrealização na era neoliberal. A formulação do relato
jornalístico – mais do que pretender esmiuçar os meandros da acumulação de capital no
Brasil, iluminar os bastidores do mercado financeiro ou fornecer informações práticas para
futuros investidores – consagra um modelo abrangente de ação no campo econômico e de
gestão da vida subjetiva.
Nas sete páginas da reportagem de Veja, apuração e descrição se confundem, amiúde,
com aclamação. Eike é enaltecido como figura paradigmática de um Brasil que se “afirma
como país inserido na economia mundial (...) onde os negócios produzem riqueza para
empresários e mais ainda para os investidores que podem ser tanto os grandes fundos quanto
donas de casa brasileiras” (p. 96).9Interessa ao semanário enfatizar, sobretudo, a natureza
pedagógica da alegada ruptura promovida pelo fenômeno Eike Batista. Eis aqui o argumento
central do texto: com sua triunfal estratégia de produção de riqueza, Eike rechaçava um
arraigado vício de conduta do empresariado nacional, provando que é possível empreender e
progredir sem a ajuda do Estado. Seria um equivoco, porém, reduzir os sentidos do texto de
Veja ao proselitismo ideológico mais trivial. A apologia à autonomia é efetivada, ao longo da
matéria, mediante modulações, conexões e ressonâncias distintas e, por vezes, sutis.
Com o queixo apoiado sobre as mãos e um olhar sereno endereçado ao leitor, Eike
Batista ilustra a impactante chamada de capa: “Nasce o maior bilionário brasileiro”. O texto
que complementa a manchete registra a data precisa do nascimento: “Sexta-feira, 13 de junho

países; o uso de próteses em animais e a sobrevivência da ideologia fascista em alguns regimes autoritários
(como os ligados ao fundamentalismo islâmico e o de Hugo Chávez na Venezuela).
9
Na matéria “O triunfo do capital privado”, publicada naquela mesma edição, Veja afirma, contudo, que o
número de brasileiros que tem ações gira em torno de 500 mil – ou seja, cerca de 0,25% da população.
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de 2008. O empresário Eike Batista se consagra na bolsa e termina a semana com 20 bilhões
de dólares”. Tanto o fundo (preto) da página quanto o dorso de Eike estão ornados,
miticamente, com hologramas em X. Referência a uma superstição cultivada pelo
empresário10, a imagem evoca um enigma a ser decifrado, em variadas etapas. Pode-se dizer
que o “X da questão”, no caso, é o segredo do sucesso do empreendedor – os princípios, as
escolhas, os atributos internos, os dons que conformaram e sustentam sua vida vitoriosa e
inspiradora.
Valendo-se de diferentes recursos discursivos (recapitulações e explanações didáticas;
ponderações respaldadas por conhecimentos especializados ou pelo mais cristalino bom-
senso...), Veja configura e projeta, ordena e destrincha o acontecimento em questão (“Nasce o
maior bilionário brasileiro”), a fim de torná-lo, ao mesmo tempo, interessante, inteligível e
instigante. A narrativa jornalística conduz o leitor através de um labirinto de feitos
extraordinários, de conquistas desconcertantes, edificado no terreno (não raro, obscuro) dos
estratagemas empresariais e dos investimentos no mercado financeiro. A estrutura e o estilo
de constituição do evento irradiam, no entanto, a sensação reconfortante de que a proeza
bilionária do “Mr. X da Bolsa” é passível de ser complemente esclarecida (em sua tessitura
cronológica, sua dimensão material e seus efeitos simbólicos) à luz do procedimento
interpretativo correto – um oscilar constante entre a especulação psicológica e a análise
econômica.
Na primeira das oito fotos que ilustram a reportagem, encontramos Eike Batista, “o
expoente da modernidade na economia brasileira” (p. 95), sorridente em sua dourada sala de
estar (espécie de mina de ouro doméstica), ao lado de um inusitado objeto de decoração: uma
Mercedes de 1,2 milhão de euros, lustroso emblema da paixão do empresário pela velocidade.
Eike participa de corridas de lancha em alta velocidade, e depois de vencer disputas nacionais,
consagrou-se no campeonato mundial de 1991, onde conquistou o primeiro lugar, alcançando
velocidade de 270km/h. Em 2006, bateu o recorde na travessia Santos-Rio com sua lancha
batizada, a propósito, Spirit of Brazil. Costuma dizer que foi o espírito “altamente
competitivo” que o levou ao esporte. A escolha por uma modalidade ligada a risco e aventura
se coaduna com o espírito desejável para um empresário na atualidade: “tomada de risco” é
um chavão na literatura de autoajuda voltada para os negócios. Ao dispor de coragem para

10
Todas as empresas de Eike Batista levam uma letra X no nome (MMX, OGX, LLX etc.). A explicação dada
pelo bilionário em várias entrevistas é que o X significa multiplicação.

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cruzar os mares em uma lancha hiperveloz, Eike esbanja desempenho, ele é um sujeito que
não teme o perigo, em uma economia em que se arriscar é condição sine qua non para o
sucesso. Aos acionistas de suas empresas, a mensagem é que com Eike na proa, não há o que
temer. Eike não se cansa de fazer metáforas que associam a atual situação do país e o mundo
da velocidade e do esporte: “Nas atuais condições, o Brasil é uma autopista de
possibilidades”, afirmou à Veja naquela mesma edição (18/06/08). “Com a autopista que
Fernando Henrique e Lula deixaram para a gente correr, deixa meu Porsche andar. Faremos
bonito”, repetiu para a Folha de S. Paulo (11/11/09).
A reportagem de Veja sobre o desempenho de Eike na corrida dos bilhões é, sem
dúvida, uma das mais laudatórias do corpus empírico que contemplamos em nossa pesquisa11,
distinguindo-se, também, da perspectiva adotada pela própria revista, 15 anos antes, dentro da
supracitada matéria sobre a mineração na Amazônia. Naquela ocasião, o empresário foi
tratado como integrante de uma classe social sistematicamente beneficiada pelo sistema
econômico e pelo governo; no novo perfil, Eike aparece como o empreendedor livre das
amarras estatais, cujo sucesso é impulsionado somente por seu capital psicológico positivo.
No entendimento de Veja, embora a operação de Eike Batista na bolsa surpreendesse,
a princípio, pelo elevado valor financeiro, sua verdadeira “singularidade” residiria em outro
aspecto: a empresa que angariara tantos investidores possuía apenas um ano de existência e
não detinha nenhuma reserva de petróleo comprovada. Para confirmar o caráter suis generis
da valorização do (ainda intangível) empreendimento de Eike, Veja efetua uma comparação
com a estatal do petróleo: “Em um só dia, Eike criou uma empresa petrolífera com 7% do
valor de mercado da Petrobras, empresa com mais de 50 anos de história, que produz 1.91812
barris de petróleo por dia e dispõe da mais refinada tecnologia de extração em águas
profundas” (p. 95).
O alto risco envolvido na operação, que poderia redundar em grande prejuízo para os
investidores, não foi enfatizado. Pelo contrário: o leitor se depara com um conjunto de dados
e de argumentações bastante favoráveis à captação de recursos na bolsa de valores. A matéria

11
Além das já aludidas reportagens de capa veiculadas por Época, Istoé Dinheiro, Época Negócios e Alfa
Homem, também foram importantes para o desenvolvimento de nossa investigação as matérias “Mais do que o
marido da Luma” (Exame, 15/10/02); “O vendedor de sonhos” (Exame, 19/10/07); “O rei do Rio” (Folha de S.
Paulo, 11/10/09); “Eike Batista, 50, US$ 15 bi, mescla arrojo e reclusão” (Folha de S. Paulo, 02/12/07). Além
do material extraído da imprensa, também analisamos as participações de Eike Batista nos seguintes programas
de TV: Marília Gabriela Entrevista, Roda Viva, Manhattan Connection e É Notícia (Rede TV - 13/09/09 e
02/01/10).
12
Na edição seguinte, a revista publicou uma errata sobre esse valor. A produção diária é, na verdade, de
1.918.000 barris/dia.
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subsequente ao perfil de Eike – intitulada “O triunfo do capital privado” – reitera que o


“sucesso espetacular” das vendas de ações de Eike serve como prova cabal de que a bolsa de
valores “tem musculatura para financiar o crescimento do país” (p.102). O empresariado
brasileiro pode caminhar sem muletas governamentais, como os empréstimos do BNDES – “o
capitalismo começa a fincar raízes mais sólidas no país e já não depende tanto das fontes
públicas de recurso” (p. 102). Passa despercebida a ironia da menção à solidez para qualificar
uma modalidade de desenvolvimento econômico alicerçada em um terreno bastante instável
como o da bolsa de valores.
Em vez de apontar os possíveis riscos envolvidos nas negociações dos papéis de Eike
Batista (notabilizados por sua forte oscilação no mercado de capitais), Veja prefere focalizar
as boas notícias adjacentes. A abertura de capital da MMX13, primeiro dos empreendimentos
de Eike a ter ações negociadas na Bovespa, propiciara um esplêndido retorno – “quem
investiu 1 dólar na abertura do capital da empresa lucrou 6” (p. 99). Quando as ações de sua
outra empresa, a MPX14, despencaram no mercado, Eike planejou uma forma de compensar
os investidores: “Na prática, entregou quase 1 bilhão de dólares a quem confiou nele (...). Não
há notícia no mundo inteiro, de uma reparação dessa magnitude” (p. 99). O que é apresentado
por Veja como demonstração de excêntrica consciência social – “Eike gosta de dizer que,
enquanto o governo se preocupa em distribuir a riqueza aos mais pobres, ele a distribui aos
ricos” (p. 96) – constitui, na verdade, uma estratégia imprescindível para quem recorre, com
regularidade, à bolsa de valores, apostando na credibilidade dos investidores para o
financiamento de projetos. A revista não se esquece de frisar, ainda, a generosidade de Eike
com seus funcionários, a quem oferece “bônus monumentais” (p. 97).
Apesar de fazer menção à “confluência de fatores objetivos extremamente favoráveis”
(o momento auspicioso vivido pela Bovespa, a alta no valor do petróleo e a trombeteada
descoberta do pré-sal), Veja atribui o sucesso do bilionário especialmente ao “efeito Eike” –
“o vórtice produzido em torno dos movimentos do empresário” (p. 96), o fascínio do mercado
por tudo o que envolva o seu nome. A destreza administrativa de Eike Batista é exaltada em
vários momentos: sua perícia para “manter o rumo nos momentos ruins e disparar nos bons”
(p. 95), sua “eficiente capacidade de contratar as pessoas certas” (p. 95). A aptidão para atrair
investidores também aparece na narrativa de Veja: para a abertura de capital da OGX, Eike
“convenceu até investidores que nunca haviam posto um centavo em um país da América do

13
Empresa mineradora do grupo EBX.
14
Empresa energética do grupo EBX.
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Sul” (p. 96). Além de ser um empreendedor exemplar, o bilionário também é apresentado
como um excepcional vendedor, outro personagem típico da cultura corporativa. Eike sabe
como poucos vender suas ideias15.
Fiel à cartilha do bom jornalismo, Veja assinala alguns dos projetos malogrados de
Eike. A finalidade patente da recapitulação é, todavia, corroborar o amadurecimento do
empreendedor, mapeando a espinhosa trilha percorrida até que ele, finalmente, adquirisse sua
“aura de Midas”. A postura ousada já não era mais confundida com “maluquice”: Eike
continuava a ser visto, por muitos, como uma espécie de “biruta”, mas somente na acepção
lisonjeira de “instrumento que ajuda os navegadores a saberem a direção dos ventos, porque
de maluco ele não tem nada” (p. 96). Atitudes que, à primeira vista, poderiam parecer
“sandices” (p. 96) – por exemplo, entrar “praticamente sozinho em um leilão” e “sair
comprando a toda velocidade” (idem) – são redefinidas como exemplo da salutar disposição
de Eike para correr riscos.
O depoimento do ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco não deixa dúvidas:
a ascensão de Eike seria “muito boa para o país”, uma vez que ele escaparia do “estereótipo
do empresário chapa-branca, atrasado, que não gosta de capitalismo” (p. 96). Nítido
admirador do bilionário, Gustavo Franco é a única fonte convocada por Veja para pronunciar-
se sobre o fenômeno Eike Batista. Nessa altura da reportagem, dificilmente restaria alguma
dúvida sobre a opinião da revista sobre o bilionário, mas a própria Veja fez questão de
ratificar: “Mais Eike tornaria o ambiente de negócios no Brasil melhor? Sem dúvida”,
pondera, para em seguida legitimar a afirmação através da fala do economista: “Isso é muito
bom para um país que precisa ser mais assumidamente capitalista, globalizado e moderno”.
Embora seja calcada em um evento específico, a reportagem em questão comporta
elementos comuns à maioria das matérias sobre Eike Batista. A exemplo de outros perfis
jornalísticos, o relato de Veja traz um inventário (forçosamente incompleto) dos bens do
empreendedor: 14 carros na garagem; três lanchas; três aviões; um helicóptero; uma casa de
3,5 mil metros quadrados em um vasto terreno no Jardim Botânico – “sem vizinhos que o

15
Na supracitada palestra na USP, o empresário afirmou que se considera um ótimo vendedor, e que sabe ler
melhor as pessoas do que os livros. Em entrevistas, costuma atribuir sua capacidade de “vender suas ideias” à
experiência que viveu na Alemanha, onde vendia seguros de porta em porta para complementar a mesada que o
pai enviava. Foi nessa época, segundo ele, que precisou recorrer à venda de seguros. A família de Eike, a essa
altura, já tinha recursos suficientes para bancar seus estudos na Europa por muito tempo, mas, ao narrar essa
fase, Eike ratifica a imagem de self made man, de quem correu atrás e trabalhou duro, e não se acomodou à
sombra de seu pai.

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separem do Cristo Redentor” (p. 96). O fato de não possuir obras de arte em casa – opção que
poderia ser atribuída a um desinteresse cultural – é salientado como índice de sua “vida bem
normal” (p. 100). Seus “hábitos simples” também incluiriam beber vinhos “que não superam
a casa dos cem dólares”, fazer as refeições com os empregados na cozinha e ter comemorado
em uma padaria – tomando com café com leite e pão com manteiga – o IPO que lhe rendeu
bilhões de dólares.
A publicação também enfoca, em tom aprobativo, o estilo high profile de Eike Batista
– um “bilionário assumidíssimo”, que “não teme holofotes” e “não tem medo de se expor”:
“Sou rico na pessoa física, posso fazer o que quiser” (p.96). Veja passa a impressão de que o
exibicionismo de Eike se deve, simplesmente, à sua personalidade, e não a uma estratégia
calculada para se manter na mídia e, com isso, incrementar o que a própria revista denomina
“efeito Eike”. Como sublinha, sem rodeios, o guia de marketing pessoal elaborado por Rein,
Kotler & Stoller (1999), a “alta visibilidade” é o ingrediente que – num mundo altamente
competitivo – “faz o executivo ou o advogado X ser o mais procurado, a entrevistadora Y ser
a mais popular em seu mercado”; o redundante “status de celebridade” se afigura, enfim,
como o fator que explicaria a diferença entre “um cirurgião meramente competente e um que
ganha milhões e aparece em shows na televisão para divulgar seu último livro” (1).
Nem todas as reportagens sobre o empresário vêem com bons olhos seu lado high
profile. Época Negócios (maio de 2008), por exemplo, afirma que “é possível que a maneira
desassombrada com que ostenta sua fortuna seja puro marketing, cuidadosamente estudado”,
a razão para tal exibicionismo também não parece um grande mistério: “a Forbes interessou-
se por sua história depois que a imprensa brasileira passou a publicar seus arroubos de Tio
Patinhas”. No fórum de discussões InfoMoney16, dedicado ao mercado financeiro, as
oscilações de valor nos papéis das empresas de Eike, verificados meses após a edição de Veja
foram considerados por um participante reflexo de sua presença na publicação: “Minha
análise é que todo mundo ficou babando quando viu o Eike na capa da Veja, o que gerou uma
bolha. O principal é isso, simples assim, mercado irracional”. Em outros fóruns dedicados ao
assunto, como O Investidor17, o destaque dado ao empresário pelo semanário também foi alvo
de comentários como “Vocês viram o Eike na capa da Veja? Pobrinho, coitado...”.
A sua inclusão na lista dos homens mais ricos do mundo não só o deixou ainda mais
conhecido no Brasil como o tornou postulante a celebridade internacional, o que também não

16
http://forum.infomoney.com.br
17
tubaraocorretora.com
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passou despercebido a Época Negócios (maio de 2008): “Como a maioria de seus parceiros
está no exterior, nada melhor do que aparecer, nas páginas de uma revista internacional, como
uma das maiores fortunas do país que hoje desperta grande interesse de investidores, o
Brasil”.18
No desfecho da reportagem, Veja alude a um fato jamais ignorado nas biografias
midiáticas de Eike Batista: a suspeita de que ele tenha herdado do pai uma espécie de mapa do
subsolo brasileiro, com indicações de onde deveria buscar riquezas, tendo em vista que
Eliezer Batista é um dos homens que mais conhece a distribuição dos recursos minerais no
país (foi, por exemplo, o mentor do projeto Grande Carajás). Eike nega, de modo veemente, o
espúrio favorecimento paterno: o maior legado que teria recebido do pai foi pensar “que as
coisas são possíveis”19. Veja, por sua vez, assegura que “o mapa que Eike efetivamente
recebeu foi outro: o da enorme rede de influência que Eliezer angariou” (p. 100). Outra
herança visível seria certa tendência à “megalomania”, que teria rendido a Eliezer Batista
frutos fantásticos, como transformar a Vale em “uma das maiores empresas de mineração do
mundo” (idem).
Não sabemos como os leitores se comportaram diante do perfil glorioso de Eike
Batista delineado por Veja, ao configurar o acontecimento do dia. O único feedback
disponível não pode ser considerado, propriamente, imparcial. Na seção de cartas dos leitores,
publicada na edição posterior à reportagem (25/06/08), encontramos apenas louvações:

Em um país que busca sempre desestimular os empreendedores, procurando-lhes os


defeitos e mostrando como oportunistas aqueles que têm idéias novas, foi muito
bom VEJA ter retratado o senhor Eike Batista como um capitalista vencedor. Só
espero que o governo e os invejosos de plantão não tentem apagar seu brilho
(Alexandre Furtado, por email)

Acostumado a tanta armação no cenário político de nosso país, é muito gratificante


ver empresários como Eike Batista levando o Brasil a sério (Claudinei Manoel
Campos, Belo Horizonte, MG)

Esse tipo de reportagem deixa no leitor o sentimento de orgulho, admiração por seu
país. É exatamente disso que os brasileiros precisam (Lorrainy Cristina Silva Santos,
Anápolis, GO)

Eike Batista é o exemplo de empresário que o Brasil precisa. Ele não só tem o perfil

18
Se a intenção é realmente essa, ela já começa a render frutos. Em dezembro de 2010, Eike foi entrevistado
pelo tradicional programa norte-americano 60 minutes, da rede CBS, em um especial dedicado ao Brasil,
apontado como “a nação que está em vias de se tornar a quinta maior potência econômica do mundo”. Eike foi
entrevistado em sua própria casa, e é o primeiro a falar em nome desse novo “Brasil poderoso”. Também são
entrevistados o ex-presidente Lula e o historiador Eduardo Bueno.
19
Trecho do depoimento de Eike ao documentário Eliezer Batista – o engenheiro do Brasil. (Dir.: Victor Lopes.
Brasil, 2009).
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empreendedor como uma extensa rede de contatos e poder de convencer


investidores (Ana Alice Antunes Haddad, Itajubá, MG)

Das sete cartas publicadas, seis contêm elogios incondicionais ao empresário; apenas
um leitor ponderou “se valia a pena correr o risco do mercado de ações”, para concluir, logo
em seguida, que “para Eike, valeu”. A julgar pelo relato de Veja e de seus missivistas
selecionados, a única questão passível de ser problematizada após o acontecimento do dia é,
apenas e tão somente, a garantia de que os projetos de Eike Batista, a despeito dos riscos
aparentes, continuarão prosperando e oferecendo aos investidores os vultosos lucros
esperados. O acontecimento não funciona, por exemplo, como plataforma para uma discussão
sobre o índice de concentração de renda do país, entre outras visadas críticas possíveis.
Em busca de diferenciadas formulações discursivas do acontecimento projetado por
Veja, esquadrinhamos o arquivo de O Globo e da Folha de S. Paulo, de 13 a 20 de junho de
2008. No dia seguinte ao que Veja qualificou de “consagração de Eike na bolsa”, a Folha de
S. Paulo (14/06/08) trouxe, na primeira página, a chamada de uma reportagem do caderno
Dinheiro, “Empresa de petróleo de Eike estréia na bolsa com alta de 8% e gira 40% das
negociações”, com direito a uma foto em que o empreendedor aparece fazendo o V de vitória.
O suplemento de negócio lança mão de diversos números para explicar o triunfo, ressaltando
que o volume negociado pela OGX desbancara “gigantes como a Vale e a Petrobras” (p. B9).
A matéria ocupa um terço da página do jornal, mas metade do espaço é preenchida por outra
foto festiva, em que Eike Batista, ladeado por de sua equipe de trabalho, celebra o êxito na
bolsa com os braços erguidos, como na comemoração de um gol... Embora relativamente
pequeno, o texto fornece um dado relevante no que concerne à abertura de capitais da
empresa do bilionário, e que foi, sugestivamente, omitido na extensa reportagem de Veja:
“Diferentemente de outros badalados IPOs, o pequeno investidor ficou de fora da oferta da
OGX” (p. B9). Traduzindo: só puderam participar da negociação os chamados “investidores
qualificados”, que dispõem de mais de 300 mil reais para aplicar. O que significa que as
“donas-de-casa brasileiras” – citadas por Veja como exemplo de investidores beneficiados
pelo mercado financeiro – provavelmente não tiveram o que comemorar no dia 13 de junho de
2008.
Naquela mesma edição da Folha de S. Paulo, a coluna de Mônica Bergamo (caderno
Folha Ilustrada) apresenta uma pequena entrevista com Eike Batista, tendo como pano de
fundo o acontecimento da véspera: “Pouco depois de assistir à estrondosa estréia das ações de

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sua empresa, a OGX, (...) Eike Batista foi à padaria Galeria dos Pães, na rua Estados Unidos,
tomar uma média com pão e manteiga. De lá ele falou à coluna” (p. E2). A abordagem do
evento é bem mais apologética do que a construída no caderno de finanças no jornal, que se
limita, diga-se de passagem, a reportar os valores negociados no dia anterior, sem comentar
seu impacto na fortuna pessoal de Eike. No relato de Mônica Bergamo, Eike Batista aparece
como um personagem, mais importante até do que o próprio feito na bolsa de valores. Na
entrevista, Eike reafirma seu desejo de tornar-se o homem mais rico do mundo: “Nós estamos
na nossa Porsche turbinada, o importante é que um brasileiro chegue lá!”. Diferentemente de
Veja, a coluna divulga que o empresário está na 142ª posição da lista de milionários da Forbes
– ou seja, o texto não propõe uma atualização imediata da fortuna de Eike com a intenção de
anunciar, em tempo real, antes do pronunciamento da Forbes, sua chegada ao posto de
homem mais rico do Brasil e 8º do mundo (o que realmente ocorreu na última lista divulgada
pela Forbes, dois anos depois do acontecimento de Eike na bolsa). No transcorrer da
entrevista, Eike continua lançando mão de suas diletas metáforas esportivas: “o Brasil é uma
tremenda pista de corrida, e os requisitos para que a gente possa percorrê-las estão dados:
governo que respeita as regras, legislação e a transparência e ética da Bovespa” (p. E2).
Em O Globo, a repercussão da bem-sucedida oferta de ações foi veiculada em uma
matéria da seção Economia (com direito a chamada na capa do jornal) e na coluna de
Ancelmo Góis. Na reportagem, além de todos os números referentes ao fato (incluindo seu
impacto na fortuna pessoal de Eike), também aparecem as indefectíveis metáforas: de acordo
com o jornal, Eike fez um discurso na bolsa de valores, onde afirmou que sua empresa EBX
(a holding) sofre do “complexo de Schumacher”: “Queremos ser sempre o número um”20. A
matéria se preocupa basicamente em comentar os fatos relacionados ao IPO do dia anterior,
além de outras questões econômicas ligadas às empresas, sem construir um perfil mais
detalhado de Eike. É difícil, no entanto, discernir onde termina uma coisa e começa outra. O
tal “efeito Eike”, citado na matéria de Veja, reaparece em O Globo, nas palavras de um
consultor financeiro: “Para outro analista do setor, o investimento só se justifica por causa da
‘marca’ Eike Batista. ‘A empresa, por enquanto, não é nada. (...) O movimento de compra se
deu mais pelo nome do Eike que pela OGX, que ainda é um balão de ensaio - disse.”

20
No programa Roda Viva (30/08/10), traçou um paralelo entre a vontade de se tornar o homem mais rico do
mundo e a emoção despertada em provas esportivas. De acordo com o bilionário, em ambas as situações, não
tem muita graça ficar em segundo lugar.
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Na coluna de Ancelmo Góis, a nota “Surreal Eike” informa, de modo bem-humorado:


“Apesar de gente da Petrobras insinuar que ele queria vender sardinha como caviar, e mesmo
numa sexta 13, a sorte sorriu para Eike Batista, 51 anos Sua noviça de petróleo OGX captou
ontem nos pregões R$ 6,7 bi”. A escolha do título “Surreal Eike” é esclarecida logo adiante:
“O rico Eike saiu ontem da Bovespa e foi comemorar seus bilhõezinhos a mais na Galeria do
Pão, um pé-sujo na Avenida EUA, em São Paulo. Uma pessoa próxima diz que isso fica por
conta do lado excêntrico do empresário: ‘Eike é uma espécie de Salvador Dalí dos negócios’”.
A comemoração na padaria, citada também pela Veja e pela Folha, parece ter realmente
despertado o interesse da imprensa, aparentemente chocada com o fato de um bilionário
gostar de café e pão. O lugar, a propósito, está longe de ser um pé-sujo como afirma
Ancelmo. Trata-se de um tradicional estabelecimento da cidade de São Paulo, sempre listado
entre as melhores padarias do Brasil, e frequentado por muitos executivos que trabalham na
região. As publicações, no entanto, parecem mais interessadas em discutir a patente
excentricidade encerrada no fato. É bastante revelador, também, que os dois maiores jornais
do país tenham noticiado o IPO da OGX tanto no caderno de economia quanto em uma
coluna social, área da publicação dedicada aos personagens da vida pública nacional.

Desconstruindo Eike

Nem só de aplausos vive a relação entre Eike Batista e a mídia. Eike também já
ganhou as páginas de importantes jornais e revistas envolvido em situações desabonadoras –
como quando foi alvo de uma investigação da Polícia Federal, em 2008, suspeito de ser o
“mentor intelectual” de fraude na licitação de uma ferrovia no Amapá. Com relativa
frequência, surgem também notas sobre problemas envolvendo suas obras: de acidentes de
trabalho a greves, passando por inúmeras questões ambientais, além de quedas no valor das
ações de suas empresas. A maior parte dos negócios de Eike envolve as chamadas “indústrias
sujas” – ou seja, aquelas que causam maiores danos à natureza. O empresário é recordista de
multas por crimes ambientais. Chama atenção, no entanto, o reduzido destaque dado a esse
tipo de matéria com teor mais crítico. As reportagens de capa e as grandes matérias
apresentam, em regra, um tom predominantemente positivo.
A relação intrincada com o governo é um dos focos das críticas mais frequentes
endereçadas ao bilionário. Eike foi um dos financiadores do filme “Um filho do Brasil”,
cinebiografia de Lula, e em um leilão beneficente arrematou, pelo valor de meio milhão de
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reais, o terno usado pelo petista na posse do primeiro mandato. Logo depois do evento,
surgiram algumas críticas ao fato de Eike ser tão “bondoso” com o presidente e, ao mesmo
tempo, um grande beneficiado por empréstimos do BNDES21.
Dono de uma fortuna de US$ 30 bilhões, Eike Batista já não fala mais em ser o homem
mais rico do mundo. Repaginado e com uma volumosa franja, fruto de um implante ou de
uma nova peruca, ele agora quer ser lembrado como o homem mais generoso do planeta.
Uma missão difícil, pois quem tem sido bem mais mão aberta do que ele nos últimos
tempos é o presidente do BNDES, Luciano Coutinho. No dia do leilão beneficente, ele
liberou um empréstimo de R$ 146,5 milhões para que o empresário carioca reforme o Hotel
Glória, palco dos grandes encontros do high society de outrora. (Coluna de Leonardo
Attuch, na Istoé de 20 de agosto de 2010).

O bilionário também não é uma unanimidade na Internet. Apesar da expressiva


maioria dos comentários de matérias publicadas em sites serem positivos e exaltarem seus
feitos, também circulam críticas. Mais uma vez, grande parte dos comentários negativos
aborda suas obscuras relações com o governo, e reencenam o duelo entre defensores e
oposicionistas do ex-presidente Lula. Um bom exemplo foi a discussão travada no site da
revista Istoé, após a coluna de Leonardo Attuch sobre o episódio do terno22:
Deixem de inveja, a começar pelo colunista. O Eike é rico mesmo, sabe investir. O
LULA é o melhor Presidente dos últimos 50 anos. Falar mais o que? Aceitem,
fiquem felizes e não saiam destilando veneno em tudos/odos. Cuidado com o
fígado... Admirem os bons, tá?

Isso Leonardo , detona esse Eike !! Ele pega dinheiro publico de empréstimo e não
mexe no bolso dele! A nova onda dele agora é construir EstaleiroOSX em Paraísos
Ecológicos como Santa Catarina, vai destruir todo ecossistema. Fora EIKE!! fica aí
no RIO poluindo seu Estado!

É impressionante, mas parece que as pessoas estão anestesiadas! Não é o fato do


leilão que me surpreende, isso é só mais uma gracinha para aparecer. É o dinheiro
público, meu, seu, nosso, indo engordar a conta desse cara-de-pau! Quando vamos
deixar de ser idiotas?

Eike é um cara que merece respeito por tudo que vem fazendo como empresário e
pelo Brasil, se tivéssemos meia duzia como ele a mais por ai este pais poderia estar
muito melhor, o Brasil tem um grande potencial e todos sabemos, por isso não
devemos condenar aquele que busca a riqueza mas sim aquele que se conforma com
a pobreza e com o descaso.

inveja é Phoda... esses 500 mil que o eike doou... com certeza equivale no mínimo a
100 meses de trabalho do otário que fez essa matéria.

21
Em matéria publicada no site do jornal O Globo (01/07/10), Eike declarou que o BNDES é o “melhor banco
do mundo”. O bilionário também repetiu a explicação que costuma dar quando é questionado sobre esses
empréstimos, já que costuma criticar empresários que vivem “às custas do Estado”: “Eu vejo que o BNDES é
criticado, dizem que ele favorece grupo aqui, grupo acolá. Isso é um empréstimo, tem que ser pago de volta. E o
BNDES é rígido”.
22
Essa coluna gerou 160 comentários, postados de forma equilibrada entre defensores e detratores de Eike
Batista.
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Outras críticas remetem à postura bravateira de Eike, capaz de fazer grandes


promessas, sem entregar resultados:
E a lagoa de Freitas? Esse cara prometeu limpar a lagoa ha uns dois anos. Quero ver
ele bebendo um copinho de aguas cristalinas da lagoa. Depois que cumprir uma
meta vou dar chance para ver se ele cumpre outra meta.ate o momento a
credibilidade dele e muito baixa. Passoa passo vamos ver como fica (Comentário à
matéria Eike anuncia doação de R$ 20 mi para UPPs no Rio. Agência Estado,
24/08/10)

É interessante que, mesmo para criticar a postura do empresário, o autor da mensagem


lance mão de um chavão já consolidado no mundo corporativo: a meta. Percebidas como
“metas”, as promessas de Eike se inserem perfeitamente em sua figura de empreendedor.
Chama a atenção o fato de que as críticas formuladas contra Eike costumam abordar questões
pontuais, como benefícios dados pelo governo, o não cumprimento de prazos, ou práticas
relacionadas à obtenção de recursos, abertura de capital de empresas novas etc. Em
praticamente nenhum momento, são levantadas questões mais amplas, relativas ao sistema
econômico em que estamos inseridos e do qual Eike é um dos poucos plenamente
beneficiados. Pelo contrário, o conteúdo de algumas mensagens deixa a nítida impressão de
que Eike é visto como alguém que prosperou por seus predicados inatos, e não pela lógica do
modelo econômico em vigor:
Não adianta né, o cara é O CARA. Independente da grana q ele tem agora. Podia
zerar toda conta bancária do maluco e dar uma nota de R$10 pra ele q em um ano
ele já atingiria milhares de reais e em alguns poucos anos estaria bilionário de novo
(comentário sobre a notícia de queda no valor das ações da OGX, retirado de um
fórum na Internet, em 03/05/10)

Também podem ser encontradas na Internet críticas ao empresário em forma de


humor, criadas tanto dentro de veículos da grande imprensa quanto em blogs pessoais. Uma
característica das críticas feitas a Eike é a proximidade com a paródia pós-moderna, qualidade
distintiva da cultura contemporânea, que compreende uma dinâmica de proximidade e
distância, que ao mesmo tempo em que reverencia o objeto também o deprecia
(HUTCHEON, 1991).
Em muitos casos, fica difícil estabelecer onde começa a censura e termina a
admiração. Há, por exemplo, uma série de montagens onde ele é mostrado zombando dos
pobres mortais, onipotente em sua riqueza (como fotos em que aparece rindo, com balões de
texto como “hahaha vocês são pobres”; levando o cachorro para passear de helicóptero ou,
ainda, indo pescar com a ajuda de um guindaste). Em um blog dedicado a amantes da
informática, um ávido consumidor de produtos da Apple, diante da notícia de que Eike

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desejava abrir uma fábrica de produtos da empresa no Brasil, fez a seguinte proposta:
“Chegou a hora de todos os macmaníacos imitarem a Luma de Oliveira, caprichando na
fantasia de gatinho e na coleirinha: Eike Batista, o oitavo homem mais rico do mundo
segundo a Forbes, quer convencer a Apple a fabricar componentes no Brasil”. Como
ilustração, uma foto de Steve Jobs (dono da Apple) devidamente fantasiado, com orelhinhas
de gatinha e uma coleira com o nome de Eike23.
Há, ainda, outros tipos de montagens (com o rosto de Eike colocado em uma fantasia
de carnaval, usando uma coleira com o nome de Lula ou com sua face impressa em uma nota
de dólar)24, além de inúmeras piadas envolvendo seu poder aquisitivo. O colunista da Folha
de S. Paulo José Simão, escrevendo notícias “do futuro”, previu a manchete “Eike inaugura
seu primeiro país” (31/03/11). A revista Piauí (24/05/10) também criou a notícia fictícia de
que Eike teria comprado a ilha de Lost, e reproduziu, na falsa matéria, parte do conteúdo
normalmente veiculado em notas sobre o empresário:
Questionado se não haveria problemas de acesso a uma ilha cuja localização ninguém
conhece e que se notabilizou por um acidente aéreo, Eike informou que Protógenes
Queiroz já havia grampeado os roteiristas da série e que divulgaria, em breve, as
coordenadas geográficas à nação. Foi o suficiente para tranquilizar os mercados, que
reagiram bem à oferta inicial de ações do novo empreendimento. Fontes dizem que,
desde o anúncio, Batista teria aumentado o seu patrimônio em 7 bilhões de dólares.

No site de humor Kibe Loco25, Eike costuma ser alvo de piadas envolvendo, por um
lado, sua fortuna, e por outro, a aparentemente inevitável história do bombeiro. Em uma das
citações, em 19 de fevereiro de 2008, eles repercutem a notícia de Eike teria se tornado o
homem mais rico do Brasil com o seguinte comentário: “De que adianta ter US$16 bi se quem
comia sua mulher era o bombeiro de R$ 700?”. O site também reproduz, em um post
intitulado “Interatividade é fogo”, um diálogo travado entre Eike e um jovem no Twitter:
depois de postar “Adivinhem quem encontrei em Miami na casa de meu amigo Jeff Soffer?”,
Eike recebe a mensagem de um sujeito identificado como Vitor Leal: “Albucacys?”. O Kibe
Loco então conclui que “Existem coisas que o dinheiro não compra. Para todas as outras
existe Eike Batista”26.
Há, também, uma página na Desciclopédia27 (paródia bem humorada da Wikipédia,

23
Disponível em: http://meiobit.com/76953/eike-batista-apple-brasil-montadora/
24
Imagens disponíveis em: http://portalmaritimo.com/2011/03/13/barao-de-maua-e-eike-batista/ e
http://compimentanalingua.blogspot.com/2010/03/rei-midas-eike-batista-e-o-pt.html
25
http://kibeloco.com.br/platb/kibeloco
26
http://kibeloco.com.br/platb/kibeloco/2010/09/13/interatividade-e-fogo/
27
http://desciclopedia.org/wiki/Eike_Batista
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com informações absurdas e inverossímeis), dedicada ao Eike, onde ele é apresentado como
“um famoso empresário brasileiro, filho de Elke Maravilha e Amado Batista, sucessor de
Sílvio Santos como o homem mais picareta empreendedor do Brasil, afilhado de Lula no
empresariado”. Algumas práticas do magnata também não passaram incólumes pelos autores
da página, que comentaram: “DesciclopédiaX? Circulou na Bovespa este rumor, causando
profundo temor nos mercados que a Desciclopédia poderia ser comprada por EikeX.
Permanecam atentoX aX X que podemX aparecerX no siteX”. A mania de inserir o X no
nome das empresas também é alvo de gracejos: informa-se que as empresas Xerox, Tampax,
Durex e Jontex também fazem parte do “conglomeradoX”. No final da página, no entanto, há
um quadro com os dizeres: “Eike Batista se trata de um vencedor. Eike Batista ganhou uma
estrelinha porque comeu Luma de Oliveira e já está comendo outras” e porque “é um multi-
bilionário, coisa que você nunca vai ser. Viva! Parabéns, Eike!”. Neste caso, o deboche atinge
não só o Eike, mas também todos os leitores que resolveram se divertir às custas do abonado
empresário.

Considerações Finais

O processo de celebrização de Eike Batista – sua consolidação como uma


personalidade midiática cujas atividades e cujos conselhos angariam níveis elevados de
atenção pública, incitando respostas reflexivas e emocionais em camadas da população não
necessariamente vinculadas ao universo corporativo – não se deve, apenas, às cifras
estratosféricas que acumula a cada novo empreendimento. O brilho dos bilhões não esclarece,
plenamente, o fascínio por sua imagem (replicada, sem cessar, no banco de fotos do
Google28), o consumo infrene de suas narrativas biográficas (cultuadas, discutidas e
parodiadas na imprensa, na TV, em blogs pessoais ou corporativos e nas redes sociais).
Se dermos crédito aos perfis jornalísticos e às ações autopromocionais, Eike Batista
avulta como um modelo exemplar de personalidade e de cidadania para o Brasil do século
XXI. Trata-se de um indivíduo hiperativo, polivalente, destemido, onipresente, sempre em
movimento, sempre a mil por hora, no âmbito do trabalho e do lazer (esferas, para ele,
aparentemente indissociáveis). Autorrealização numa atividade profissional repleta de riscos
28
http://www.google.com.br/search?q=%22eike+batista%22+imagem&hl=pt-
BR&biw=1016&bih=541&prmd=ivnso&tbm=isch&tbo=u&source=univ&sa=X&ei=1XTSTe7-
FcLm0gGG_7GFDA&ved=0CBsQsAQ.
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instigantes, entusiasmo ostensivo pelas próprias conquistas financeiras e esportivas, fruição


desinibida da notoriedade... A vida de Eike parece expressar, à perfeição, o glamour da
performance – mais do que mero imperativo empresarial de rentabilidade crescente, um modo
de existência ancorado no prazer de ser mais, desafiando e superando, sem cessar, os próprios
limites (AUBERT, 2006; EHRENBERG, 1991; HEILBRUNN, 2004).
Na abertura da emblemática matéria “O Mr. X da bolsa”, Veja apresenta Eike Batista
como um “bilionário” e um “bon vivant”, legitimamente promovido à “expoente da
modernidade na economia brasileira” (p. 95). Cria-se a expectativa de que teremos a chance,
nos parágrafos seguintes, de conhecer melhor um personagem atraente tanto pela prodigiosa
capacidade de conceber projetos rendosos quanto pela forma de gozar a vida. Veja se esforça
para cumprir o que promete: o retrato jornalístico da “nova cara do capitalismo brasileiro”
confere acentuada importância ao estilo de vida esportivo de Eike Batista, em toda a
amplitude semântica do adjetivo esportivo – “próprio para a prática de esporte; informal,
simples, bem-disposto; jovial, ativo, bem-humorado”, conforme registra o Houaiss. Não se
trata aqui, todavia, de um simples adendo divertido, de uma concessão ao entretenimento no
interior de um relato de austera índole econômica: Veja sugere que a dinâmica psicológica
interna e o ethos aventureiro de empreendedor – antítese da letargia e da sensaboria
burocrática – constituem os principais eixos do quadro explanatório para o sucesso exemplar
de Eike Batista, em detrimento de outros fatores conjecturáveis do ponto de vista biográfico
ou estrutural.
O próprio Eike Batista se empenha, com afinco, para construir e para disseminar essa
versão romantizada de sua trajetória ascendente. Os favorecimentos de berço tendem a ser
minimizados ou inteiramente refutados por ele. À ofuscação da origem se soma a mitificação
do status atual: em que pese o notório capital amealhado, Eike não gosta de ser definido como
um representante da elite – “Eu não tiro o chapéu para as elites brasileiras”, declarou o
bilionário no programa Roda Viva (30/08/2010). Eike tem o hábito (involuntariamente
cômico) de apresentar-se como integrante da classe média, seja em palestras, em entrevistas29
ou no Twitter – certa feita, postou uma mensagem no microblog reclamando de um problema
em seu carro: “Mesmo pertencendo à classe média, comprei um Porsche que desde a sua
entrega fica com os faróis embaçados! Nunca me deram a mínima! Injusto”. O tweet rendeu

29
Em agosto de 2009, em uma palestra na Fiesp (Federação das indústrias do estado de São Paulo), Eike levou a
plateia às gargalhadas, ao iniciar uma frase com o enquadramento “nós que somos da classe média...”. Em
entrevista ao programa É notícia, da Rede TV (13/09/09), Eike voltou a declarar “posso ser classe média alta, ou
bem alta”, ao que o entrevistador prontamente respondeu “altíssima”.
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muitos comentários, inclusive na grande mídia. “Nasci na classe média! No meu caso, uma
vez classe média, sempre classe média. Não mudei. Continuo trabalhando e não perdi minha
humildade!!”, esclareceu Eike, propondo, implicitamente, uma nova forma de identificação
das classes sociais no país, a partir do critério da conjugação de valores como o labor e a
simplicidade.
Ao distanciar-se das tipificações negativas atreladas, no imaginário popular, às elites
brasileiras, Eike Batista se afigura como prova cabal de que é possível ascender socialmente
através do mérito – isto é, por intermédio, unicamente, do reconhecimento da criatividade, do
talento e da vontade (de realizar, de competir, de alcançar o primeiro lugar do pódio...).
Nas páginas de Veja e de outros tantas abordagens similares, a escalada de Eike
Batista ao topo do ranking da riqueza nacional e sua turbinada ascensão na lista dos mais ricos
do mundo costuma ser descrita como um feito heróico, como uma vitória nacional –
percepção corroborada pelas declarações do empresário, que sempre busca associar seus
feitos corporativos a ganhos coletivos. O envolvimento de Eike em importantes obras de
infraestrutura e o seu discurso ufanista geraram especulações acerca de sua entrada na
política. Durante a corrida eleitoral de 2010, circulou a informação de que o empresário
criaria um partido político próprio para disputar futuras eleições. Eike publicou uma nota em
seu site oficial, intitulada “Vocação para empreender”, desmentindo a história e ratificando
sua posição “apartidária” e “apolítica”, com “foco de atuação em empreendimentos
estruturantes para o país”.
Não obstante as negativas do empresário, a leitura de recados enviados pelo Twitter e
de comentários postados em matérias jornalísticas sobre ele revela que muitas pessoas
gostariam, sim, de ver uma figura como Eike no comando do país – ou, pelo menos, do estado
ou da cidade do Rio de Janeiro, área em que mais atua. Apesar do uso eventual de
justificativas chistosas – como na comunidade do Orkut “Eike para presidente30”, cujo slogan
é “o único que não vai roubar, porque não precisa!” –, a maioria aposta seriamente na
disposição empreendedora de Eike como um diferencial positivo: “O Oitavo cara mais rico do
mundo, que ama o Rio de Janeiro, investe ferozmente nessa cidade seria um perfeito
administrador!” (descrição da comunidade “Eike Batista Prefeito do Rio31”).
Além de permitir conjecturas a respeito do estreitamento da noção de política,
associada, cada vez mais (ou mesmo exclusivamente), a procedimentos administrativos, esse

30
http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=99811306
31
http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=99491491
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tipo de movimento permite a constatação de que muitas pessoas encampam o discurso do


empresário sobre as motivações de seus empreendimentos. Assim, torna-se aceitável a
alegação de que Eike estaria construindo um porto no norte fluminense, explorando petróleo
na bacia de Campos, erguendo siderúrgicas e cavando minas de minério de ferro não porque
pretende aumentar ainda mais sua fortuna, mas porque acredita em um Brasil melhor e
trabalha por essa causa.
A relação entre Eike Batista e o poder estatal é um dos pontos mais interessantes da
construção desse contraditório personagem. Ao criticar o empresariado que adora “mamar na
teta do Estado”32, Eike ratifica sua imagem de parceiro do governo, e não de um aproveitador.
Não é a toa que costuma citar suas obras “transformacionais”33 e apresentar-se como um
“desarbitrador (sic) das ineficiências do Brasil”34. Eike também gosta de frisar que a maior
parte dos seus investimentos está concentrada no país e que, a despeito de sua fortuna, não
tem casa em outro lugar. Em uma entrevista à Rede TV35, deixou aflorar o lado ufanista com
declarações do tipo “sou mega nacionalista”, “sou um soldado brasileiro”, “sou muito
orgulhoso de ser brasileiro”.
É sintomático que a ascensão Eike Batista tenha ocorrido nos anos de governo Lula.
Os anos mandatos do petista foram marcados por uma virada para o social; ao mesmo tempo,
a Bovespa registrou recordes de faturamento. A educação pública superior e as agências de
fomento à pesquisa e ao desenvolvimento cientifico receberam mais investimentos do que
durante os anos FHC; ao mesmo tempo, o empreendedorismo se consolidou, no discurso
oficial, como uma alternativa indispensável para a inserção de milhares de brasileiros no
mercado de trabalho, mesmo que, para isso, eles possam prescindir da formação
escolar/acadêmica clássica. “Me encanta ouvir o Lula falar ‘deixa o espírito animal do
empreendedor aparecer’”, revelou Eike em uma entrevista36.
O discurso de posse da presidente Dilma Rousseff, em que uma das metas anunciadas
foi “transformar o Brasil num país de classe média sólida e empreendedora”, não deixa
dúvida quanto à propagação da mística do empreendedorismo, pulsante nos perfis
jornalísticos de Eike Batista. As narrativas da vida vitoriosa do empreendedor-modelo tendem

32
Eike usou exatamente essas palavras em entrevista ao programa É noticia (Rede TV – 13/09/09).
33
Eike chama de “transformacionais” obras de grande porte, ligadas ao setor de infraestrutura, que resolverão,
segundo ele, certo “gargalos” no setor produtivo do Brasil – problemas que impediram, até aqui, o pleno
desenvolvimento econômico nacional.
34
Ambas as expressões foram usadas, por exemplo, na palestra que deu na USP.
35
É noticia (Rede TV – 13/09/09).
36
É noticia (Rede TV – 13/09/09).
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a realçar as recompensas materiais e simbólicas de ser Eike Batista, sem arrolar os possíveis
fardos e prejuízos do investimento nesse modelo específico de subjetividade, aparentemente
acessível e desejável para a população em geral. A instauração do culto da performance e dos
clamores para a liberação do self empreendedor consagra, porém, um padrão de
agenciamento e de responsabilização que precisa ser problematizado. Se a sociedade passa a
ser legitimamente encarada como uma grande competição, resta saber quantos lugares haverá
no pódio – representado pelo Olimpo das celebridades, agora também corporativas. Aos que
não alcançarem tal posto, restará o papel de perdedor, aquele que, convencido de que é o
único culpado pelo próprio fracasso, vive à sombra ou à espreita das narrativas de sucesso
decantadas pela mídia.

Bibliografia

AUBERT, Nicole. Hyperformance et combustion de soi. Études, v. 405, p. 339- 351, 2006.

BREDIN, Jean-Denis. Secret, transparence et démocratie. Pouvoirs, p. 5-15, n° 97, 2001.

CASHMORE, Ellis. Celebrity/Culture. Abingdon, Oxon: Sage, 2006.

EHRENBERG, Alain. Le culte de la performance. Paris: Calmann-Lévy, 1991.

GAMSON, Joshua. Claims to fame: celebrity in contemporary america. Berkeley, CA:


University of California Press, 1994.

HEILBRUNN, Benoît (ed.). La performance, une nouvelle idéologie? Paris: La Découvert,


2004.

HOLMES, Su. Framing celebrity: new directions in celebrity culture. London:


Routledge, 2006.

HUTCHEON, Linda. Poética do pós-modernismo. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1991.

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Minneapolis, MN: University of Minnesota Press, 1997.

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TURNER, Graeme. Understanding celebrity. London: Sage, 2004.

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