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Saúde em Debate v.33 n.83 set./dez.

2009 Cebes

Social da Saúde
Determinação
ISSN 0103-1104
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) Saúde em Debate REVISÃO DE TEXTO, PROOFREADING
CAPA, DIAGRAMAÇÃO E COVER, LAYOUT AND
EDITORAÇÃO ELETRÔNICA DESKTOP PUBLISHING
DIREÇÃO NACIONAL (GESTÃO 2009-2011) A revista Saúde em Debate é uma publicação quadrimestral
editada pelo Centro Brasileiro de Estudos de Saúde
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Jairnilson Silva Paim História da Saúde Pública na América Latina e Caribe - HISA
Sistema Regional de Informaciónen Línea para Revistas Científicas de
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América Latina, el Caribe, España y Portugal - LATINDEX
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Debora Nascimento revista@saudeemdebate.org.br

Saúde em Debate, Revista do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, CEBES – v.1 (out./nov./
dez.1976) – São Paulo: Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, CEBES, 2009.

v. 33; n. 83; 27,5 cm



Quadrimestral
Apoio ISSN 0103-1104
A Revista Saúde em Debate é
associada à Associação Brasileira
Ministério da Saúde
1. Saúde Pública, Periódico. I. Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, CEBES
de Editores Científicos
CDD 362.1
Rio de Janeiro v.33 n.83 set./dez. 2009

ÓRGÃO OFICIAL DO CEBES

Centro Brasileiro de Estudos de Saúde

ISSN 0103-1104
S U M Á R I O • SUMMARY

Editorial / EDITORIAL 429 Revisão


Social determinants of health and preterm
Apresentação / presentation birth trends in Brazil and Canada
Determinantes sociais da saúde e tendências de
Debate / Debate nascimento prematuro no Brasil e no Canadá
Renata Meira Veras
A problemática teórica da determinação social da saúde (nota breve 349 Martha Traverso-Yépez
sobre desigualdades em saúdecomo objeto de conhecimento)
443 Opinião
The theoretical problematic of social determination of health (brief note
Determinação social da saúde: um tema potente na mobilização pelo direito à saúde?
about inequalities in health as a knowledge object) Social determinants of health: a powerful topic on the mobilization for the right to health?
Naomar Almeida-Filho Ana Maria Costa
Debatedores / Discussants 447 R elato de experiência
Projetos de extensão comunitária e o fortalecimento do movimento estudantil na
Contribuição para o debate do Cebes sobre a “Determinação 371 área da saúde
Social da Saúde”: repensando processos sociais, determinações e Community extension projects and the strengthening of the student movement in the
determinantes da saúde health area
Contribution for the Cebes debate on the “Social Determination of Alessandra Issis Cirne
Health”: rethinking on social processes, determinations and determinants Lenilde Duarte de Sá
of health Cristina Katya T. T. Mendes
Anamaria Testa Tambellini
458 Pesquisa
Gabriel Eduardo Schütz
Biossegurança: os acadêmicos de enfermagem e o conhecimento sobre o risco de
adoecimento por tuberculose
Uma introdução conceitual à determinação social da saúde 380 Biosafety: nursing students and knowledge about the risk of catching tuberculosis
A conceptual introduction to the social determination of Health Melina Costa dos Santos
Paulo Fleury-Teixeira Fabiana Barbosa Assumpção de Souza

Determinantes sociais da doença 388 465 Pesquisa


Social determinants of illness Discursos coletivos sobre sofrimento psíquico em famílias em situação de
Volnei Garrafa vulnerabilidade social
Jorge Cordón Collective speeches on psychic suffering in families in social situation of vulnerability
Caliandra Machado Pinheiro
Determinantes, determinação e determinismo sociais 397 Nilma Lima dos Santos
Social determinants, determination and determinism Josenaide Engrácia dos Santos
Roberto Passos Nogueira 474 Revisão
Programas de desinstitucionalização: estratégias das políticas de saúde mental
Artigos originais / Original articles Programs of deinstitutionalization: strategies of policies on mental health
Ioneide de Oliveira Campos
Pesquisa 407 Toyoko Saeki
Promoção da saúde e desenvolvimento sustentável: proposta de
matriz de avaliação qualitativa de projetos locais Artigo internacional / international article
Health promotion and sustainable development: proposal of a matrix for
local projects’ qualitative evaluation 484 A lames a 25 años: balance, desafíos y proyección
Andréia Faraoni Freitas Setti A lames 25 years after its creation: balance, challenges and projectio
Edmundo Gallo Fernando Borgia
Oscar Feo
Nila Heredia
Ensaio 420 Silvana Forti
Exploração sexual de jovens: uma situação socialmente produzida Patricia Jiménez
Youth sexual exploitation: a socially produced situation
Stela Nazareth Meneghel Resenha / Critical Review
Paula Camboim da Silva
Juliana Lopes Peixoto 496 C ampos, G.W.S.; Guerrero, A.V.P. Manual de práticas em atenção básica:
Fernando Tarter saúde ampliada e compartilhada. São Paulo: Hucitec ; 2008.
Tiago Fortuna Claunara Schilling Mendonça
Editorial 341

É com grande satisfação que nós, da nova Diretoria


Nacional,  nos dirigimos pela primeira vez aos
associados do Cebes.
não devem se limitar a promover incentivos de mudan-
ça de comportamento individual diante dos riscos das
enfermidades. As pessoas estão morrendo por falta de
Essa diretoria define uma nova etapa no nosso pro- justiça social, e esta é uma das conclusões mais salientes
cesso de refundação, e foi eleita em um evento exclusivo no relatório da OMS.
do Cebes: o 1° Simpósio de Políticas e Saúde, realizado Em função desse diagnóstico, que se produz a partir
nos dias 28 e 29 de agosto no campus da Universidade do ponto de vista da filosofia moral, surge uma vertente
Federal Fluminense, em Niterói. Tal evento nos permitiu de investigação teórica que procura esclarecer de que
participar de um momento histórico da saúde em nosso modo as condições concretas de saúde correspondem às
país e do significado político de nossa entidade. ideias basilares de desigualdade, equidade e iniquidade.
A primeira Saúde em Debate editada pela nova dire- Assim, como consequência da análise dos determinantes
toria do Cebes aborda uma questão das mais importantes sociais, desperta-se um renovado interesse pelas questões
na história do pensamento que deu origem à reforma de filosofia moral no campo da saúde.
sanitária nas décadas de 1970 e 1980, o conceito de de- Porém, em nosso entendimento, a retomada do
terminação social da saúde passou a ocupar recentemen- debate sobre determinação social da saúde deve ir além
te uma posição central nos debates internacionais acerca das questões de filosofia moral. O conceito de determi-
de saúde e sociedade. Em grande parte, isso se deve ao nação está assentado sobre o pressuposto de que a saúde
trabalho de muitos anos da Organização Mundial da humana deve ser compreendida e analisada a partir das
Saúde (OMS) com uma equipe de epidemiologistas bri- formas de organização da sociedade, ou seja, de sua
tânicos, que culminou na elaboração, em 2008, de um estrutura econômica e social, na medida em que essa
impactante relatório sobre o tema, tendo sido precedido dimensão subordina ou subsume as dimensões naturais
pelo informe da comissão brasileira que se organizou sob (atinentes ao ambiente físico e à constituição genética
os auspícios da Fundação Oswaldo Cruz. e fisiológica dos indivíduos). Determinação social se
Nesses documentos, a ênfase tem recaído sobre refere às várias formas possíveis de conhecer – de modo
os mecanismos causais que associam as desigualdades mais concreto ou específico – essas relações entre saúde
nas condições de vida e de trabalho com diferenciais e sociedade, abrangendo a noção de causalidade, mas
de morbidade e mortalidade entre os grupos sociais. sem se restringir a ela.
O enfoque de determinantes sociais procura alertar as Foi essa concepção que esteve presente nos traba-
autoridades dos países sobre a necessidade de se chegar lhos da Comissão Nacional de Reforma Sanitária (1986-
a uma solução coletiva dos problemas da desigualdade 1987) e que, em 1988, de forma alusiva, incorporou-se
social em saúde. Portanto, as políticas públicas nessa área à primeira parte do artigo 196 da Constituição, que

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 341-196, set./dez. 2009


342 Editorial

diz que o direito à saúde deve ser garantido mediante


políticas sociais e econômicas que visem à redução do
risco de doença e de outros agravos.
É profundamente questionável que haja uma mobi-
lização da sociedade restrita à luta contra as desigualda-
des em saúde. Mobilização social pela saúde ocorre, em
geral, junto à mobilização diante de outros problemas
sociais e políticos, e em articulação com movimentos
que objetivam a conquista de um conjunto de impor-
tantes direitos sociais e políticos, os quais se encontram
historicamente negados. Trata-se de uma questão de em-
poderamento por parte de diversos movimentos sociais
que pactuam com uma agenda de transformação social e
política. Foi isso o que aconteceu com o movimento de
reforma sanitária nas conjunturas da redemocratização
da sociedade e da reformulação constitucional.
Por outro lado, limitar a concepção da saúde a
um bem de justiça distributiva induz à visão do Estado
como o superjuiz das necessidades de saúde e como
o supermédico das doenças prevalentes na sociedade.
Por mais importante que seja assegurar a saúde como
direito de todos e dever do Estado, a saúde não deve
ser destituída da sua expressão inerente à solidariedade
social espontânea.
No entendimento do Cebes, o escopo da discussão
sobre determinação social da saúde tem que ser amplo,
ou seja, não pode se limitar ao marco disciplinar da
epidemiologia, devendo abranger uma ampla gama
de questões sobre as relações entre saúde, sociedade,
economia, democracia e políticas públicas.

A DIRETORIA NACIONAL

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 341-196, set./dez. 2009


Editorial 343

I t is with great pleasure that we, the new National


Directorate, address the members of the Brazilian
Center for Health Studies (Cebes, acronym in Portu-
the change of individual behavior facing the risks of
illnesses. People are dying due to lack of social justice,
and this is one of the most remarkable conclusions of
guese) for the first time. the WHO report.
This Directorate defines a new step on our re- Due to this diagnosis, produced from the perspec-
founding process, and was elected in an exclusive event tive of moral philosophy, rises a new line of theoretical
promoted by Cebes: the 1 Symposium on Policies and
st
investigation that aims to elucidate the way in which
Health, held on August 28 and 29 at the Universidade
th th
concrete health conditions correspond to the basic ideas of
Federal Fluminense, in Niterói. This event allowed us to inequality, equity and iniquity. This way, as a consequence
participate in a historical moment of health in our coun- of the social determinants analysis, a renewed interest for
try, as well as in the political meaning of our entity. issues of moral philosophy in health awakens.
The first Saúde em Debate edited by the new direc- However, in our understanding, the reappearance
torate of Cebes addresses a one of the most important of the debate on the social determination of health
matters in the history of thought – responsible for ori- must go beyond these issues of moral philosophy. The
ginating the sanitary reform in the 1970’s and 1980’s –, concept of determination lies on the assumption that
the concept of social determination of health has recen- human health must be understood and analyzed from
tly taken a central position in the international debates the forms of social organization, that is, its social and
about health and society. This is due in great part to the economic structure, since this dimension subordinates
many years’ work of the World Health Organization or includes the natural dimensions (concerning the
(WHO) with a team of British epidemiologists, which physical environment and the genetic and physiologic
culminated in the elaboration, in 2008, of an impac- constitution of the subjects). Social determination refers
ting report on the subject, preceded by the Brazilian to the many possible forms of knowing – in a more
commission bulletin organized under the auspices of concrete or specific fashion – these relations between
Fundação Oswaldo Cruz. health and society, encompassing the notion of causality,
In these documents, emphasis has been placed on but not being restricted to it.
the causal mechanisms which associate the disparities of This notion was present in the works of the Sani-
life and work conditions to the morbidity and mortality tary Reform National Commission (1986-1987) and,
differentials among social groups. The focus of social in 1988, was allusively incorporated to the first part
determinants seeks to alert the countries’ authorities of the article 196 of the Constitution, stating that the
of the necessity of finding a collective solution to the right to health should be assured through social and
problems of social inequality. Therefore, the public economic policies that seek the decrease of illness risk
policies in this area must not be limited to promoting and other injuries.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 193-344, set./dez. 2009


344 Editorial

It is profoundly questionable that there might be a


social mobilization that is restrict to the struggle against
inequalities in health. A social mobilization for health
generally occurs with the mobilization for other social
and political problems, articulated with movements that
search for a set of important social and political rights,
which are historically denied. This is a matter of empo-
werment by various social movements that have a pact
with an agenda of social and political transformation.
This is what happened to the sanitary reform movement
in the context of the redemocratization of society and
the constitutional reformulation.
On the other hand, limiting the notion of health to
an item of distributive justice induces to a notion of the
state as a super-judge of health necessities and as a super-
doctor of the prevailing illnesses in society. As important
as it is to assure health as a right of all and a duty of the
state, health cannot be deprived of its expression that is
inherent to the spontaneous social solidarity.
In the understanding of Cebes, the scope of the
discussion about the social determination of health must
be comprehensive, that is, it must not be limited to the
disciplinary mark of epidemiology, comprising also a
wide range of issues about the relations between health,
society, economy, democracy and public policies.

THE NATIONAL DIRECTORATE

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 193-344, set./dez. 2009


APRESENTAÇÃO 345

A recente divulgação do Relatório Final da Comissão


Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde,
com iniciativa similar pela Organização Mundial da
Maria Costa, “Determinação social da saúde: um tema
potente na mobilização pelo direito à saúde?”. Acredita-
se que foi oferecido aos leitores da revista Saúde em
Saúde, teve grande mérito independente de outros Debate uma das mais ricas possibilidades de reflexão e
aspectos relacionados ao tema. Isto se refere ao fato aprofundamento conceitual e político sobre a determi-
de que tenha sido propiciada a retomada da questão nação do processo saúde-doença.
da determinação social do processo saúde-doença, um A secção dos artigos de temas gerais é iniciada com
dos mais importantes temas da época da fundação do “Projetos de Extensão Comunitária e o fortalecimento
movimento sanitário. Portanto, a maior parte desta do Movimento Estudantil na área da saúde”, de Ales-
publicação será dedicada a este debate. sandra Issis Cirne et al., que aponta para a importância
Para iniciar o debate, convidamos Naomar de da politização dos estudantes de saúde. Identificar o
Almeida Filho, um dos autores mais importantes na conhecimento de acadêmicos de enfermagem sobre
abordagem do tema. O texto de Naomar, intitulado “A tuberculose e biossegurança é o que propõem Melina
problemática teórica da determinação social da saúde”, Costa dos Santos e Fabiana Barbosa Assumpção de
foi discutido em quatro artigos. O primeiro, “Contri- Souza, no artigo “Biossegurança: os acadêmicos de
buição para o debate do Cebes sobre a determinação enfermagem e o conhecimento sobre o risco de ado-
social da saúde”, escrito por Anamaria Testa Tambellini ecimento por tuberculose”. A pesquisa desenvolvida
e Gabriel Eduardo Schütz. Na sequência, está o texto de em um Centro de Referência de Assistência Social de
Paulo Fleury, intitulado: “Uma introdução conceitual à Salvador deu origem a um precioso texto de Caliandra
determinação social da saúde”; “Determinantes sociais Machado Pinheiro et al. sobre os “Discursos coletivos
da doença” de Volnei Garrafa e, finalmente, “Determi- sobre sofrimento psíquico em famílias em situação de
nantes, determinação e determinismo (sociais)”, escrito vulnerabilidade social”.
por Roberto Passos Nogueira. No artigo “Programas de desinstitucionalização: es-
Mas o tema da determinação é contemplado ainda tratégias das políticas de saúde mental”, Ioneide de Oli-
nos artigos “Promoção da saúde e desenvolvimento veira Campos e Toyoko Saeki apresentam uma revisão
sustentável: proposta de matriz de avaliação qualitativa da literatura sobre a questão da desinstitucionalização
de projetos locais”, de Andréia Faraoni Freitas Setti e e das residências terapêuticas pela interligação existente
Edmundo Gallo; “Exploração sexual de jovens: uma entre essas e o Programa “De Volta para Casa”.
situação socialmente produzida”, de Stela Nazareth É com grande satisfação que na secção internacional
Meneghel et al.; no artigo internacional “Determinantes publicamos o artigo de Fernando Borgia et al. sobre a
sociais da saúde e as tendências do nascimento prema- trajetória e as perspectivas da Associação Latinoame-
turo no Brasil e no Canadá”, de Renata Meira Veras e ricana de Medicina Social (Alames), a qual completa
Martha Traverso-Yépez e no ensaio de opinião de Ana 25 anos como uma das mais importantes entidades no

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 345-200, set./dez. 2009


346 APRESENTAÇÃO

processo de construção do campo da saúde em todo o Sistema Regional de Información en Línea para Revis-
mundo e, a qual no período de 17 a 21 de novembro tas Científicas de América Latina, el Caribe, España y
realizará o seu XI Congresso em Bogotá. Portugal (Latindex), Sumários de Revistas Brasileiras
Este número também apresenta a resenha de (Sumários), História da saúde pública na américa latina
Claunara Schilling Mendonça sobre o livro Manual de e caribe (Hisa) e a inclusão no Portal de Periódicos da
práticas de atenção básica: saúde ampliada e comparti- Capes com Qualis nacional B3.
lhada, editado pela Editora Hucitec e organizado por Agradecemos a todas(os) as (os) pareceristas ad
Gastão Wagner de Sousa Campos e André Vinicius hoc pelas críticas e sugestões e as(os) autores que enca-
Pires Guerrero. minharam seus textos para avaliação da Revista Saúde
A publicação desta edição tem um significado es- em Debate.
pecial, pois encerra o volume 33 da revista com todos
os números lançados ao longo de 2009, pontualmente Boa leitura!
de acordo com a sua periodicidade. O resultado desse Paulo Amarante
trabalho foi a inserção da Revista em outros indexadores: Editor Científico

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 345-200, set./dez. 2009


PRESENTATION 347

T he recent divulgation of the National Commission


Final Report about Health Social Determinants,
with a similar initiative by the World Health Organi-
health: a powerful topic on the mobilization for the right
to health?”. It is believed that for the magazine Saúde em
Debate readers, richer possibilities of reflection and con-
zation, had great merit, independently of other aspects ceptual and political deepening about the determination
related to the theme. This concerns the fact that it of health-disease process were offered.
has been provided retaking of the social determinant The general themes articles section initiates with
question of the health-disease process, one of the most “Community extension projects and the strengthening
important themes when the sanitary movement was of the student movement in the health area”, by Alessan-
founded. Therefore, most of this publication will be dra Issis Cirne et al., who emphasized the importance of
dedicated to this debate. the politics of health students. To identify the knowledge
To start this debate, Naomar de Almeida Filho of Nursing students about tuberculosis and biosafety is
was invited, as he is one of the most important in this the proposal of Melina Costa dos Santos and Fabiana
theme’s approach. Naomar’s text, entitled “The theo- Barbosa Assumpção de Souza in the article “Biosafety:
retical problematic of social determination of health”, nursing students and knowledge about the risk of ca-
was discussed in four articles. The first, “Contribution tching tuberculosis”. The research developed in a Refe-
for the Cebes debate on the social determination of rence Centre of Social Assistance in Salvador originated
health”, was written by Anamaria Testa Tambellini and the precious text of Caliandra Machado Pinheiro et al.
Gabriel Eduardo Schütz. The next text belongs to Paulo about the “Collective speeches on psychic suffering in
Fleury and is called: “A conceptual introduction to the families in social situation of vulnerability”.
social determination of health”; “Social determinants of In the article “Programs of deinstitutionalization:
illness” of Volnei Garrafa and Jorge Cordón and, finally, strategies of policies on mental health”, Ioneide de
“Social determinants, determination and determinism”, Oliveira Campos and Toyoko Saeki present a litera-
written by Roberto Passos Nogueira. ture review about the deinstitutionalization and the
But the theme of determination is still contempla- therapeutic residences by the existent interconnection
ted in the articles “Health promotion and sustainable between these and the Program “De Volta para Casa”.
development: proposal of a matrix for local projects’ It is with great pleasure that in the international
qualitative evaluation”, by Andréia Faraoni Freitas Setti section we have published Fernando Borgia et al. article
and Edmundo Gallo; “Youth sexual exploitation: a so- about the trajectory and perspectives of Associação La-
cially produced situation”, by Stela Nazareth Meneghel tinoamericana de Medicina Social (Alames), which has
et al.; in the international article “Social determinants of completed 25 years as one of the most important entities
health and preterm birth trends in Brazil and Canada”, by in the construction process in the health field of the whole
Renata Meira Veras and Martha Traverso-Yépez and in the world and who will in the period from November 17 to
opinion essay of Ana Maria Costa, “Social determinants of 21 accomplish its XI Congresso em Bogotá.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 197-348, set./dez. 2009


348 PRESENTATION

This edition also presents the Claunara Schilling tíficas de América Latina, el Caribe, España y Portugal
Mendonça review about the book Manual de práticas (Latindex), Sumários de Revistas Brasileiras (Sumários),
de atenção básica: saúde ampliada e compartilhada, História da saúde pública na américa latina e caribe
edited by Editora Hucitec and organized by Gastão (Hisa) and the inclusion in the Periodical Portal of Capes
Wagner de Sousa Campos and André Vinicius Pires with national Qualis B3.
Guerrero. We thank all the judgers ad hoc by the critics and
The publication of this edition has a special mea- suggestions and to the authors that sent their texts for
ning, because it ends the 33th volume of the magazine evaluation in the Magazine Saúde em Debate.
with all the released numbers through 2009, punctually
according to its periodicity. The result of this work was Enjoy your reading!
the Magazine’s insertion in other indexers: Sistema Paulo Amarante
Regional de Información en Línea para Revistas Cien- Scientific Editor

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 197-348, set./dez. 2009


DEBATE / DEBATE 349

A problemática teórica da determinação social da saúde


(nota breve sobre desigualdades em saúde
como objeto de conhecimento)*
The theoretical problematic of social determination of health
(brief note about inequalities in health as a knowledge object)

Naomar Almeida-Filho 1

1
PhD em Epidemiologia; Pesquisador RESUMO O presente artigo objetiva discutir a problemática teórica das desigualdades
I-A do Conselho Nacional de
sociais, com foco no campo da saúde, integrando as dimensões políticas dos processos
Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq). Professor Titular
de produção e reprodução da sociedade em abordagens de maior alcance explicativo.
do Instituto de Saúde Coletiva da Inicialmente, apresenta-se uma síntese das teorias de justiça de Rawls e do bem-estar
Universidade Federal da Bahia (UFBA). social de Sen, além de aplicações desses marcos teóricos na literatura sobre desigualdade
Membro do Comitê Gestor do
em saúde. Discute-se uma proposta de articulação semântica dos conceitos de
Observatório da Equidade do Conselho
Nacional de Desenvolvimento
desigualdade, como preliminar à construção teórica a respeito dos determinantes sociais
Econômico e Social (CDES). da saúde e seus correlatos. Analisam-se as formas como o campo da saúde sofre a ação
naomarf@ufba.br de processos e vetores gerados por desigualdades econômicas, sociais e políticas.

PALAVRAS-CHAVE: Desigualdade; Saúde; Determinação Social; Rawls; Sen.

ABSTRACT The present paper aims at discussing the theoretical aspects of social
inequalities, focusing the health field, integrating the political dimensions of the
production and reproduction processes of the society into broader explanatory
approaches. At first, a synthesis of Rawls’s theory of justice and Sen’s social welfare theory
is presented, in addition to applications of these theoretical frameworks in the literature
about inequalities in health. A proposal of semantic articulation of inequality concepts
is discussed as preliminary to the theoretical modeling of social health determinants
and their correlates. It is analyzed how the health field suffers the action of processes
and trends generated by economic, social and political inequalities.

KEYWORDS: Inequality; Health; Social Determination; Rawls; Sen.

* Texto apresentado como subsídio para discussão no Seminário ‘Rediscutindo a questão da determinação social da saúde’, promovido pelo Cebes, Rio de Ja-
neiro, 22 de maio de 2009. Revisado a partir de sugestões de Anamaria Tambellini, Roberto Passos Nogueira, Volnei Garrafa, Jairnilson Paim, Lenaura Lobato
e Eymard Vasconcelos. Agradeço a Ligia Vieira da Silva por suas sugestões e incentivo ao aprimoramento das seções finais deste texto e a Denise Coutinho pela
cuidadosa correção de redação, estilo e consistência.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 349-370, set./dez. 2009


350 Almeida-Filho, N. • A problemática teórica da determinação social da saúde (nota breve sobre desigualdades em saúde como objeto de conhecimento)

I N T R O D U ç ão (Wilkinson, 1996; Evans et al., 2001; Braverman,


2006; Whitehead, 2007).
Nesse novo contexto, Diederichsen, Evans e
Whitehead (2001) comentam que, em contraste com
a situação anterior, o estudo das desigualdades em
Nas três últimas décadas do século 20, ocorreu saúde tem sido limitado pelo pouco investimento
significativo incremento na produção científica sobre em construção teórica. Como condição para cobrir
determinantes sociais da saúde em países da América tal lacuna, os autores propõem uma “combinação
Latina e do Caribe (Almeida-Filho et al., 2003). Ava- de pensamento claro, dados de boa qualidade e uma
liação dos eixos teóricos das publicações geradas por política de mobilização”. Em outras palavras, para
tais estudos demonstrou clara hegemonia de marcos lidar (no sentido de controle, contenção, solução ou
referenciais vinculados ao materialismo histórico, superação) com o problema das desigualdades em
com especial destaque para as dimensões políticas saúde hoje, teríamos que enfrentar, simultaneamente:
dos processos de produção (condições de trabalho) uma questão teórica, uma problemática metodológica
e reprodução (estrutura de classes) da sociedade. e um desafio político.
Não obstante, a análise de conteúdo desses estudos Neste texto, proponho-me a recortar a vertente
encontrou, em quase todos os países da região (exce- da problemática teórica das desigualdades, como passo
to o Brasil e o México), predomínio de abordagens inicial para formular, de modo mais sistemático e com
doutrinárias ou teóricas em detrimento de pesquisas maior precisão, como ‘pensamento claro’, sua articu-
empíricas com dados socioepidemiológicos (Almeida- lação ao problema da determinação social da saúde.
Filho, 1999). Algumas referências, correlações e remissões à questão
Desde a virada do século, especialmente nos metodológica das desigualdades, serão pertinentes e
países do Norte, observa-se um processo de franca até inevitáveis para a sustentação dos argumentos. A
revitalização da epidemiologia social, atualizando suas questão política das desigualdades, dadas minhas óbvias
raízes neo-durkheimianas (Berkman; Kawachi, 2000; limitações pessoais e conjunturais, não será tratada
Almeida-Filho, 2004). O vetor central da produção nesta oportunidade, exceto para assinalar a necessidade
teórica e empírica sobre determinação da saúde, de sua presença como pano de fundo que, por isso,
doença e cuidado desloca-se para temas clássicos da demanda abordagem competente.
pesquisa social em saúde, tais como estresse, pobreza Podemos identificar a necessidade do ‘pensamento
e miséria, exclusão e marginalidade, incorporados à claro’ como índice de falta de investimento (intelectual,
pauta de investigação como efeito de desigualdades institucional) em teorização. Para melhor analisar essa
sociais. Assim, a constatação de disparidades em demanda, precisamos reapreciar a questão do que cons-
condições de saúde, acesso diferencial a serviços assis- titui uma teoria. Pensemos, portanto, na teoria como
tenciais e distribuição de recursos de saúde em todos basicamente um dispositivo heurístico configurado em
os países do mundo, independentemente do grau de três fases ou facetas:
desenvolvimento econômico e regime político, termi-
na por fomentar um quase monopólio do tema ‘de- • Referencial filosófico: epistemologia, lógica e
sigualdades’ na epidemiologia social contemporânea método.

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Almeida-Filho, N. • A problemática teórica da determinação social da saúde (nota breve sobre desigualdades em saúde como objeto de conhecimento) 351

• Processo de problematização, definição de obje- CONCEITOS DE DESIGUALDADE:


to de conhecimento e construção de conceito, incluindo DE JOHN RAWLS A AMARTYA SEN
terminologia.
Ao enfrentar um grande problema, sempre cabe
• Quadro teórico: modelo e modelagem (deter- retomar os clássicos. Consideremos primeiramente o
minantes, efeitos, correlatos, inclusive mensuração). pensamento de Aristóteles. Ele foi herdeiro direto de Pla-
tão e procurou evidenciar sua contradição com o mestre.
Neste texto, não será serão abordados o referencial Contrastando com o espírito sistematizador e analítico
filosófico e o modelo teórico, exceto no que for rele- dos tratados sobre o mundo físico, preferiu, em sua teoria
vante para o processo de problematização, definição de política, postular como as coisas deveriam ser em vez de
objeto de conhecimento e para a construção conceitual. inquirir como operavam as relações de produção e se exer-
Consequentemente, o foco da análise estará centrado na ciam os poderes no mundo social de sua época. Os preceitos
questão de como o processo de construção teórica vem aristotélicos de igualdade vertical e horizontal, presentes em
sendo tipicamente realizado na literatura sobre desigual- sua obra política Ética a Nicômaco (Aristóteles, 2007),
dades em Saúde, com especial atenção ao problema do terminaram sumarizados na máxima, hoje popular, de que
rigor conceitual e, portanto, da estrutura terminológica “igualdade é tratar desigualmente os desiguais”, e antecipa-
adequada e específica. ram as soluções da doutrina liberal da cidadania burguesa.
Com esse objetivo, em primeiro lugar, será Trata-se de uma aproximação essencialmente prescritiva.
resumido o principal marco teórico que, nos países Claro que há muito mais no pensamento do grande exe-
desenvolvidos e com base nas epistemologias do geta, porém, para o que nos interessa no momento, basta
Norte, tem subsidiado a produção acadêmica sobre reconhecer sua atualidade neste tema.
o tema desigualdades em saúde. Isso implica uma Na segunda metade do século 20, o filósofo po-
súmula, limitada e breve da teoria da justiça de John lítico John Rawls retoma e atualiza o prescricionismo
Rawls e de sua contestação/derivação – a teoria do normativo aristotélico, ao propor uma teoria da justiça
bem-estar social (social welfare theory – SWT) de que, sob forte referência kantiana, considera a categoria
Amartya Sen. Em segundo lugar, algumas interpre- das liberdades básicas como definidora da autonomia
tações e aplicações desse marco teórico na literatura
individual. Para Rawls (1997), a justiça na sociedade
sobre desigualdade em saúde serão discutidas. Em
implica um sistema de prioridades que justificaria suces-
terceiro lugar, uma proposta de matriz semântica será
sivas escolhas por valores, bens e produtos em disputa.
apresentada de modo mais sistemático, com o intuito
Se os agentes sociais escolhem um bem em detrimento
de contribuir para reduzir a confusão terminológica
de outro, é porque existe forte razão para considerá-lo
que dificulta o processo de construção teórica sobre
mais desejável e prioritário que o outro.
o tema. Finalmente, este ensaio será concluído com
Rawls apresenta sua concepção geral da justiça
a discussão de algumas implicações políticas dessa
como estruturante da sociedade contemporânea, em
análise para dar continuidade ao debate sobre as
torno de dois princípios:
perspectivas teóricas e metodológicas de estudos
das desigualdades, em geral, e das desigualdades em Primeiro princípio: cada pessoa deve ter direito igual
saúde, no particular. ao mais amplo sistema total de liberdades básicas

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352 Almeida-Filho, N. • A problemática teórica da determinação social da saúde (nota breve sobre desigualdades em saúde como objeto de conhecimento)

iguais que seja compatível com um sistema semelhante variantes da abordagem rawlsiana ao problema das
de liberdades para todos. desigualdades em saúde.
Cabe agora enfocar a contribuição de Amartya
Segundo princípio: desigualdades econômicas e
Sen – inicialmente em sua obra seminal intitulada On
sociais devem ser distribuídas de forma que, simul-
taneamente: a) redundem nos maiores benefícios economic inequality (Sen, 1981) e, posteriormente,
possíveis para os menos beneficiados, e b) sejam a completada com Inequality reexamined (Sen, 1992) e
conseqüência do exercício de cargos e funções abertos On economic inequality after a quarter century (Foster;
a todos em circunstâncias de igualdade equitativa de
Sen, 1997) – que conforma o que veio a ser denominada
oportunidades. (p. 239).
New social-welfare theory (NSWT). Considerada por
muitos como uma alternativa crítica à teoria rawlsiana
O segundo princípio de Rawls implica também
de justiça, esta abordagem veio a tornar-se o principal
duas regras de prioridade: prioridade da liberdade plena
vigamento da construção teórica sobre as relações entre
sobre as liberdades básicas e prioridade da justiça sobre
desigualdades de renda e de saúde, que tem se tornado
a eficiência e o bem-estar. De acordo com a primeira
hegemônica na literatura recente sobre determinantes
regra, os princípios da justiça devem ser ordenados de
sociais em saúde.
modo socialmente legítimo e, portanto, as liberdades
Em uma série de conferências (The Radcliff Lectu-
básicas podem ser restringidas apenas em benefício
res, University of Warwick, 1972), Amartya Sen preten-
da liberdade para todos. Nesse caso, podem ocorrer
deu enriquecer a teoria das escolhas sociais, proposta
duas situações: a restrição da liberdade para reafirmar
por Ken Arrow na década de 1950. Sustentado por uma
o sistema compartilhado de liberdade; e as desigualda-
formalização matemática rigorosa, a partir da crítica
des como aceitáveis somente no sentido positivo, para
das abordagens utilitaristas do bem-estar econômico,
aqueles a quem se atribui desvantagem. Conforme a
Sen adota o conceito de desigualdades (inequalities)
segunda regra, o princípio da justiça goza de prioridade
como complemento quase-simétrico ao conceito de
face aos princípios da eficiência e da maximização da bem-estar, considerando que a economia teria sido
soma de benefícios, ao tempo em que o princípio da criada historicamente para servir de instrumento
igualdade equitativa de oportunidades tem prioridade social de satisfação das necessidades humanas. Como
sobre o princípio da diferença. plataforma conceitual para imediata e pragmática cons-
Bastante influente na literatura atual sobre desi- trução metodológica, Sen dialoga com a contribuição
gualdades em saúde (Forbes; Wainwright, 2001), a de Atkinson, visando à construção de indicadores de
teoria da justiça de Rawls propõe igualdade de opor- desigualdade de renda. Nesse sentido, propõe uma
tunidades e também de distribuição de bens e serviços tipologia dicotômica para as desigualdades: a desigual-
referentes a necessidades básicas (Daniels, 1989). dade objetiva e a normativa. Tal dualidade lhe permite
Entretanto, e ironicamente, a saúde não é listada pelo desenvolver uma concepção metodológica integrativa
autor como uma das liberdades básicas. Pelo contrário, das desigualdades, com duplo escopo (objetivo e nor-
é definida enquanto bem natural na medida em que mativo), conforme segue.
depende dos recursos (endowments) individuais da Do ponto de vista da desigualdade objetiva, a
saúde. Como será mostrado adiante, vários autores qual é equivalente à variação relativa do indicador
pretenderam preencher essa lacuna, desenvolvendo econômico considerado, a questão da desigualdade

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Almeida-Filho, N. • A problemática teórica da determinação social da saúde (nota breve sobre desigualdades em saúde como objeto de conhecimento) 353

entre dois elementos x e y implica comparabilidade em Considere que a pessoa i tem menor nível de bem-estar
escalas cardinais de ordem equivalente. Consideremos que a pessoa j para cada nível de renda individual.
Então para distribuir um dado total de renda entre n
as escalas cardinais: indivíduos incluindo i e j, a solução ótima deve dar a i
um nível de renda maior que j.1 (Sen 1981, p. 18).
x1>x2>x3>…> xn
Tal problema abstrato pode ser ilustrado pelo exemplo
y1>y2>y3>…> yn concreto da divisão justa de uma torta, como dividir uma
torta entre dois indivíduos, posto que eles não são iguais na
nas quais não haverá maior problema em formular linha de base? Como dividir 100 em 2, parte para x e parte
descritivamente as desigualdades x > y ou x < y. para y? Várias opções podem servir de solução:
Por outro lado, a noção de desigualdade normativa –
contradomínio do conceito de bem-estar social (social 50 x, 50 y;
welfare) – remete à distribuição de um dado valor (e.g.
renda) entre dois elementos x e y, de modo equânime. 51 x, 49 y;
Esta categoria de desigualdade permite formalizar a
questão da justiça distributiva como solução para criar 52 x, 48 y;
equidade entre desiguais. A partir dessa análise inicial,
Sen avalia criticamente alternativas redistributivas: ...

• igualitarismo tipo maximin – correspondente 99 x, 1 y


à teoria da justiça de Rawls;
Trata-se de um problema clássico de escolha social
• igualitarismo probabilístico – com base no (social choice) para soluções de equidade distributiva,
teorema da equiprobabilidade. como possibilidade de remediar desigualdades pré-
existentes. Entretanto, do ponto de vista normativo,
Buscando fundamentar sua proposta teórica, Sen o problema não se resolve apenas fixando critérios
define o “bem-estar social” como vinculado a padrões de abstratos de valor, de fato, depende da aceitabilidade
distribuição da riqueza, e não como efeito da renda bruta ou legitimação social da solução distributiva escolhida.
ou riqueza apropriada, introduzindo, então, a noção da Como consequência, devem-se considerar os aspectos
renda relativa ou distribuída, aquela relacionada à ideia de de valor econômico versus legitimidade social. Nesse
justiça distributiva. Sobre esse tema, em nota de rodapé sentido, Sen avalia cinco condições que permitem um
(Sen, 1981, p. 31), ainda adverte “não se deve confundir ordenamento das prioridades de escolha.
igualdade com simetria”. Tendo como referência um
postulado de justiça distributiva, Sen formaliza o axioma • Regra de Pareto – para qualquer par x, y, se
fraco da equidade (weak equity axiom): todos os indivíduos acham que x é pelo menos tão bom

1
Let person i have the lower level of welfare than person j for each level of individual income. Then in distributing a given total of income among n individuals including
i and j, the optimal solution must give i a higher level of income than j. (Sen, 1973, p. 18).

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354 Almeida-Filho, N. • A problemática teórica da determinação social da saúde (nota breve sobre desigualdades em saúde como objeto de conhecimento)

como y e alguns acham que x é melhor que y, então x é Tal como outros clássicos (vide O Capital de Marx),
socialmente mais preferido que y; se é indiferente para On economic inequality é uma obra inconclusa. Em sua
todos, assim também o será para a sociedade; parte final, que reproduz a quarta conferência Radcliff,
Sen confronta noções rivais, herdadas das velhas escolas
• Preferência social completa e reflexiva – escolha da Economia Política, sobre o que deveria constituir
quasi-transitiva; uma distribuição correta ou ‘justa’. Uma distribuição
de acordo com as necessidades; e outra de acordo com
• Anarquia ou domínio irrestrito – admite-se os merecimentos.
qualquer combinação; A análise de Sen converge para uma posição, em
minha opinião apenas parcialmente justificada, a favor
• Individualismo ou independência de alternati- de uma distribuição orientada por necessidades. Indica
vas irrelevantes – o social depende do individual; momentaneamente que a distribuição baseada em
mérito (desert-based), bem como suas variantes – pro-
• Anonimato – permuta de ordenamento indi- postas redistributivas orientadas por motivação –, não
vidual não afeta preferência social. parecem apropriadas para reduzir desigualdades. Como
alternativa, analisa a eficiência e justeza das soluções
A regra de Pareto, conclui Sen (1981), corresponde do tipo subsídios vinculados a motivações, tomando a
à condição preferencialmente válida para a escolha social Revolução Cultural na China como um caso de solução
das soluções distributivas superadoras de desigualdades. distributiva com base na motivação (identificando suas
O pressuposto dessa regra é que a sociedade significa, raízes aos valores da velha ideologia chinesa).
pelo menos, a soma de indivíduos e que, portanto, a Sen privilegia sutilmente a esfera do trabalho para
preferência social compreende, pelo menos, a soma analisar criticamente alguns elementos estruturais da
de preferências individuais. Sua conclusão indica uma noção de desigualdades sociais. O autor recupera numa
contradição antitética na teoria econômica clássica: perspectiva crítica a concepção de mais-valia de Marx
mais como fundamento para propostas de retribuição
Finalmente, o utilitarismo, a fé dominante da ‘velha’ meritória, do que para políticas de distribuição ba-
economia do bem-estar, é demasiadamente presa à seada em necessidades. Analisa o texto da Crítica do
questão da soma de bem-estar para se preocupar com
Programa de Gotha (Marx, 1977), o qual transcreve
o problema da distribuição, e este será, na verdade, ca-
paz de produzir resultados fortemente anti-igualitários em fragmento extenso, encontrando uma proposta de
(anti-egalitarian). (Sen, 1981, p. 23). negação da noção de direitos iguais como ‘direito de
desigualdade’ e identifica essa igualdade como uma
Visando a construir uma saída metodológica para o pseudoequidade. Também observa que Marx propu-
problema teórico da natureza simultaneamente objetiva nha uma concepção estratégica gradual de construção
(descritiva) e normativa (política e ética) das desigualda- do comunismo, em que a distribuição contingencial
des econômicas e sociais, Sen propõe ‘amaciar’ ou relati- seria uma transição para a desalienação do trabalho e
vizar a medida das desigualdades, mediante as seguintes introduz uma proposta conceitual de substituir produ-
estratégias: combinando normatividade e descritividade; tividade por habilidades, como critério de priorização
e usando ordenamentos parciais. da lógica distributiva.

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Almeida-Filho, N. • A problemática teórica da determinação social da saúde (nota breve sobre desigualdades em saúde como objeto de conhecimento) 355

Entretanto, em sua crítica a Marx, Sen deixa de muito diferente de desigualdade no espaço de outra variável
considerar que a obra política marxista pretendia mais (por exemplo, habilidade funcional ou bem-estar). Em suas
diagnosticar e denunciar que analisar e propor. Realmen- palavras: “Uma das conseqüências da diversidade humana é
te, Marx escreveu muito sobre as desigualdades sociais na que a igualdade num espaço tende a corresponder, de fato,
construção da sua teoria econômica da sociedade capita- a desigualdade em outro.” (Sen, 1992, p. 20).
lista e da teoria política da história nela subsumida, e o Do ponto de vista conceitual, isso implica conside-
fez sempre analiticamente (isto é, visando compreender a rar uma questão complementar: igualdade onde? Para
gênese das desigualdades sociais). Entretanto, propedeu- respondê-la, Sen explicita a interessante concepção de
ticamente, Marx não avançou no tema da natureza e nas ‘espaço para a igualdade’ e sua noção correlata de ‘espa-
modalidades de tais desigualdades, apesar da referência ço avaliativo’ das desigualdades. Numa perspectiva de
ao conceito de ‘classes sociais’ que, posteriormente, aplicação metodológica, introduz uma variante no uso
orientou o conjunto de teorias críticas da sociedade de dessa concepção, identificando variáveis focais relevantes
orientação marxista. De fato, o esboço do capítulo 22 (como por exemplo: rendas, riquezas, utilidades, recur-
de O capital (Marx, 1984) produziu mais controvérsias sos, liberdades, direitos, qualidade de vida etc.) e outras
do que consenso. A despeito de ter usado profusamente complementares3.
referências sobre trabalho, energia e vitalidade, há nos Amartya Sen retoma o corolário de que as desi-
escritos marxistas pouco sobre o tema da saúde2. gualdades podem ser resultantes de quase ordenamen-
Agora será avaliada a autorrevisão que Sen realiza to (quasi-ordering), que passa a significar, de modo
em suas obras mais recentes sobre o tema, Inequality mais preciso, ordenamento em espaços diversos ou
reexamined (1992) e On economic inequality after a dimensões simultâneas. Sem dúvida, isto implica um
quarter century (Foster; Sen, 1997). paradoxo na medida em que a construção de equidade
A pergunta crucial do primeiro desses textos com- em um dado espaço pode implicar desigualdades em
plementares é: igualdade de quê? Para respondê-la, Sen outros espaços sociais. Trata-se de uma tentativa de
(1992) recorre ao conceito de diversidade (diversity) considerar especificidades ou contextos na relativi-
humana, da seguinte maneira: zação das desigualdades, indicando que elas podem
assumir um caráter contingente, dialético ou mesmo
As diferenças em foco são particularmente importantes ambíguo.
por causa da extensa diversidade humana. Fossem Prosseguindo nessa vertente, no segundo texto
todas as pessoas exatamente similares, igualdade em
complementar, Foster e Sen (1997) aprofundam a
um espaço (por exemplo, nas rendas) tenderia a ser
congruente com as igualdades em outros (saúde, bem- desconstrução dos indicadores clássicos de desigualda-
estar, felicidade). (p. 20). des a partir de uma crítica epistemológica do próprio
conceito de ‘indicador’. Constatando que o conceito
Ao justificar paradoxos aparentes no tratamento dessa de desigualdade porta uma ambiguidade de origem, os
questão, Sen considera que desigualdade em termos de uma autores defendem que os indicadores necessários para
variável (por exemplo, renda) pode levar-nos a um sentido tratar empiricamente um conceito ambíguo não devem

2
Nisso, Marx também se distingue de Aristóteles e de Amartya Sen, o que en passant constitui interessante questão a explorar.
3
Nesse aspecto, curiosamente por antecipar ou dialogar com a sociologia de Bourdieu, Sen introduz o problema do ‘gosto desigual’ (unequal tastes) e considera
seu tratamento analítico como análogo às variações de preço.

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356 Almeida-Filho, N. • A problemática teórica da determinação social da saúde (nota breve sobre desigualdades em saúde como objeto de conhecimento)

buscar uma representação precisa, porém ilusória dos no sentido da construção do conceito de saúde, numa
fenômenos estudados. Propõem, ao contrário, preservar direção apenas esboçada na fase mais tardia da abor-
aquela incerteza fundamental, em vez de tentar removê- dagem parsoniana, conforme indicado em outro texto
la mediante ordenamentos arbitrários. Como é possível (Almeida-Filho, 2001).
notar no trecho a seguir, os autores acrescentam o recurso Já no segundo, Sen propôs tomar a esfera da saúde,
à lógica dos sistemas borrosos para medida e avaliação coletivamente definida no plano socioinstitucional,
das desigualdades como estratégia de incorporação da como campo de sistemas possíveis de compensação
ambiguidade perdida. visando à equidade, dentro do aparato do welfare state.
Sugere, então, que um serviço nacional de saúde poderia
Este tema é bastante central para a necessidade de fazer parte de um sistema de justiça distributiva indireta,
acurácia descritiva na avaliação de desigualdades, que
comparável a outros sistemas de justiça definidos pela
deve ser distinta de assertivas totalmente ordenadas e
não ambíguas (independentemente das ambiguidades distribuição direta de subsídios. O problema tornar-
nos conceitos de base). (p. 121, tradução do autor)4. se-ia potencialmente mais complexo, por exemplo, ao
considerar outras diferenças de base individual além da
capability chamada saúde.
Em 1990, Margareth Whitehead elaborou um
CONCEITOS DE DESIGUALDADES documento de consultoria para a Organização Mundial
EM SAÚDE da Saúde, posteriormente publicado no International
Journal of Health Services (Whitehead, 1992), que
A seguir serão revisados brevemente os principais veio a se tornar a principal referência conceitual sobre
aspectos conceituais do debate epistemológico dos países equidade em saúde na literatura internacional. Como
do Norte a respeito do tema desigualdades em saúde. premissa básica, equidade em saúde equivaleria a justiça
No eixo principal de sua obra, mas também em no que se refere a situação de saúde, qualidade de vida
vários textos secundários específicos, Sen já utilizava e sobrevivência posto que, idealmente, todos e todas as
numerosos exemplos do campo da saúde, em dois pessoas têm direito a uma justa possibilidade de realizar
sentidos. seu pleno potencial de saúde e que ninguém estará em
No primeiro sentido, de forma a caracterizar neces- desvantagem para realizar esse direito. Em termos prá-
sidades distintas ao comparar populações do tamanho ticos, esta aproximação conduziria a uma redução, ao
n = 2, propôs considerar linhas de base diferentes para máximo possível, das diferenças em saúde e no acesso
a avaliação das desigualdades e a escolha social de estra- a serviços de saúde.
tégias redistributivas. Nesse caso, no desenvolvimento Do ponto de vista conceitual e terminológico,
posterior apresentado em Inequality reexamined (Sen, Whitehead define “equidade” (equity) por referência a
1992), deixa espaço para se definir a saúde individual dois antônimos: desigualdade (inequality) e inequidade
no âmbito do que chama de capabilities. Tal conceito, (inequity). Para a autora, em todo e qualquer caso, o
de difícil tradução ao português, algo entre ‘capacidades primeiro termo – desigualdade – conota as principais
potenciais’ e ‘competências’, constitui valiosa indicação diferenças dimensionais, sistemáticas e evitáveis, entre os

4
This issue is quite central to the need for descriptive accuracy in inequality assessment, which has to be distinguished from fully ranked, unambiguous assertions (irres-
pective of the ambiguities in the underlying concepts).

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Almeida-Filho, N. • A problemática teórica da determinação social da saúde (nota breve sobre desigualdades em saúde como objeto de conhecimento) 357

membros de uma população dada. Pelo termo ser usado da teoria de Rawls, com base no conceito liberal de
às vezes num sentido puramente matemático ou epide- autonomia, que apresenta como justiça a garantia de
miológico, a autora postula que, por sua ambiguidade, igualdade de oportunidades. Aplicada ao tema específi-
não se deve utilizá-lo como conceito de base. co da saúde, tal conceito de justiça implica distribuição
O segundo termo – inequidade – conota aquelas igual dos determinantes da saúde (Daniels; Kennedy;
diferenças e variações que são não apenas desnecessá- Kawachi, 2000). Nessa linha, Peter e Evans (2001)
rias e evitáveis, mas também desleais e injustas. Nesse desenvolvem teoricamente a ideia de justiça a que
sentido, inequidades (inequities) em saúde podem ser Whitehead apenas refere. Outros trabalhos (Nunes et
compreendidas como modalidades restritas ou algum al., 2001; Bambas; Casas, 2001) também recorrem a
caso particular de diferenças (differences) ou disparida- teorias de justiça para avaliar o que seriam diferenças
des (disparities) em saúde. Trata-se de diferenças que, evitáveis e injustas. Esses trabalhos constituem inegável
além de evitáveis, são também injustas. Dessa forma, contribuição à temática ao fundamentarem a relevân-
o conceito se conforma a partir de critérios relevantes cia da análise conceitual nas investigações acerca de
para identificar a dupla condição de evitabilidade e variações na saúde e no adoecer.
de injustiça inerente à imposição dos riscos exceto em Macinko e Starfield (2002; 2003) revisaram siste-
duas situações: exposição voluntária (comportamento maticamente a bibliografia indexada no Medline entre
de risco, esportes perigosos) e risco estrutural inevitável 1980 e 2001 e consideram que incluir justiça no con-
(idade, sexo, genoma). ceito de equidade, como faz Whitehead e seguidores,
Em tese, a contribuição de Whitehead e segui- traz problemas operacionais na medida em que recorre
dores recorre à ideia de justiça para distinguir inequi- a “julgamentos de valor”. Eles propõem usar a definição
dades de diferenças ou disparidades em saúde. Não de equidade estabelecida pela International Society for
obstante, vários autores (Ossanai, 1994; Metzger, Equity in Health (ISEqH), segundo a qual:
1996; Bambas; Casas, 2001; Braverman; Tarimo,
2002) empregam este referencial de forma equivo- Equidade corresponde a ausência de diferenças sis-
cada, pois referem que, para delimitar o conceito de temáticas potencialmente curáveis (remediables) em
um ou mais aspectos da saúde em grupos ou subgrupos
inequidade, é preciso tomar o termo desigualdade
populacionais definidos socialmente, economicamen-
como sinônimo de diferença ou disparidade. Con- te, demograficamente ou geograficamente. (Interna-
forme assinalado por Vieira-da-Silva e Almeida-Filho tional Society for Equity in Health).

(2009), curiosamente, essa variação de sentido ocorre


inclusive em textos que trazem a própria Whitehead Conforme analisado por Vieira-da-Silva e Almeida-
como coautora (Diederichsen; Evans; Whitehead, Filho (2009), essa concepção não distingue equidade de
2001; Evans et al., 2001). igualdade ao definir a equidade como mera “ausência
Daniels, Kennedy e Kawachi (2000) questionam de diferenças”. Além disso:
a definição de inequidade-equidade de Whitehead no
que concerne tanto a “justiça” quanto a “evitabilidade”, ao recusar entrar no debate sobre a justiça em saúde,
tal posicionamento não enfrenta temas polêmicos sobre
pelo fato de que ambos os conceitos envolvem questões
acesso e oferta de serviços, financiamento e formas
complexas e não resolvidas. No que diz respeito ao de organização e controle de sistemas de saúde que
primeiro critério, esses autores o interpretam a partir constituem dilemas políticos concretos.

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358 Almeida-Filho, N. • A problemática teórica da determinação social da saúde (nota breve sobre desigualdades em saúde como objeto de conhecimento)

A definição do ISEqH tem vantagens operacionais, de Sen, o qual supõe que a renda pode ser medida em
pois desloca o problema das diferenças para o âmbito do uma escala linear. Mas, nesse caso, o que Sen pensaria
controle técnico (diferenças potencialmente curáveis), de uma noção como desigualdades ‘puras’?
o que permite melhor tratamento metodológico das Daniels, Kennedy e Kawachi (2000) tinham
pesquisas sobre situações de desigualdade. antes argumentado que a teoria de Rawls deveria ser
Os economistas da saúde também contribuíram estendida para incluir a redução de desigualdades da
para este tópico da definição, realizando uma aproxi- saúde, como exigência direta de consistência teórica.
mação mais instrumental ao assunto, que tipicamente Prosseguindo neste caminho teórico, Bommier e
concerne mais mensuração do que teorização. Stecklov (2002) propuseram que o acesso a recursos
Wagstaff e Van Doorslaer (1994) consideram que a de saúde constituem uma liberdade básica rawlsiana
saúde muitas vezes pode ser reduzida a uma escala linear, a qual, combinada com os endowments da saúde,
por exemplo, escores z, pressão arterial, expectativa de compreende uma capacidade de gerar saúde. Criticam
vida, QALYs ou DALYs. implicitamente a proposta de Whitehead como de
curto fôlego, porque “diferenças evitáveis devem ser
Entretanto, dados de saúde são baseados freqüente- reduzidas ou eliminadas”. Estes também propõem
mente em categorias ordinais, tais como saúde auto-
que a abordagem SWT de Sen é inconsistente com
avaliada, impossível de dimensionar [...]. Quando a
saúde é derivada por uma variável dicotômica, médias a noção básica de distribuição justa ou equitativa de
iguais implicam distribuições idênticas. (Wagstaff; saúde. Enfim, uma abordagem ampliada da teoria de
van Dorslaer, 1994). justiça poderia ser útil para o objetivo de:

Os autores consideram que a saúde, entretanto, é Definir a distribuição da saúde na sociedade iguali-
mais difícil de medir (para dizer o mínimo) que renda tária ideal como aquela onde o acesso à saúde não foi
determinado pelo status ou pela renda socioeconômica.
e, por extensão, bem-estar social. Nesse ponto, parecem (Bommier; Stecklov, 2002).
negligenciar a abordagem epidemiológica da medida em
saúde, correlacionando fatores e exposições associados Bommier e Stecklov (2002) avançaram uma
em modelos matemáticos e estatísticos de determinação proposta de formalização baseada na definição do
de riscos. “acesso à saúde” (a) como liberdade básica. Entre-
Wagstaff e Van Doorslaer (2000) propõem defini- tanto, acesso não é diretamente mensurável. Também
ções cruciais do que chamam de abordagens contrastan- consideram que o status de “saúde real” (actual he-
tes: ‘puras desigualdades em saúde’ e desigualdades socio- alth) (h) pode ser avaliado no nível individual, mas
econômicas em saúde. Para eles, o adjetivo ‘puro’ indica nenhuma informação estará disponível para avaliar
um foco exclusivo na distribuição da própria variável de seus recursos individuais de saúde (health endowment)
saúde dentro de uma população. Obviamente, parece (e). Postulam, ainda, que a saúde pode ser medida
quase insensato considerar mesmo longinquamente a unidimensionalmente com um coeficiente do tipo
possibilidade de pureza neste caso. A questão é, se tal dis- Gini, equivalente àquele gerado da medida de con-
tribuição encontra-se de alguma maneira determinada centração de renda (y). Daí os seguintes pressupostos
(social ou biologicamente) ou não (distribui-se de modo para avaliação das relações entre renda (y) e saúde (h)
aleatório). Referem-se à abordagem do bem-estar social são derivados:

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Almeida-Filho, N. • A problemática teórica da determinação social da saúde (nota breve sobre desigualdades em saúde como objeto de conhecimento) 359

1. (e) é independente de (y); que tal posição possa ser relativamente adequada para
economias de mercados industriais (aquelas do mítico
2. (a) é idêntico para uma dada população (p); pleno emprego, antes das crises), a renda não parece
representar medida válida e plena de acesso ao bem-
Consequentemente, a saúde real (h) é também estar social e aos recursos de vida (saúde incluída) em
independente de (y). países pobres. Mediante estruturas e dinâmicas próprias,
A conclusão de Bommier e Stecklov (2002) foi de além da concentração de riqueza, outras desigualdades
que, mesmo na sociedade igualitária ideal derivada de derivadas do ranqueamento social encontram-se ativas
Rawls, ou na utopia da redistribuição politicamente em sociedades flageladas pela pobreza, desemprego e
concertada da sociedade de bem-estar de Sen, qualquer exclusão social.
correlação de (h) e (y) necessariamente ainda implica, A falácia econométrica implica considerar que
como resíduo, “desigualdade em saúde”, como efeito processos de produção de saúde, de relações sociais e de
da função (e), recursos individuais de saúde (health mercadorias são relativamente isonômicos e que, portan-
endowment). to, metodologias econométricas seriam adequadas para
Abordagens de medida da saúde a partir de defini- apreender variações e disparidades em determinantes e
ções conceituais, como as propostas pelos economistas efeitos sobre a saúde na sociedade. Embora abordagens
da saúde (Wagstaff; van Doorslaer, 1994; 2000; dimensionais possam ser válidas para produtos e outros
Bommier; Stecklov, 2002), representam derivações da recursos do mercado, os fenômenos da saúde-doença-
clássica função de desigualdade de renda de Dalton e cuidado têm atributos e propriedades de realização e
da análise de desigualdade com base na teoria do bem- distribuição totalmente diferentes (e não redutíveis)
estar social de Sen. Curvas da concentração de saúde ou da renda.
índices de saúde tipo Gini constituem meras aplicações A refutação de ambas as falácias baseia-se na
das medidas de distribuição de parâmetros individuais, constatação, quase trivial, de que saúde não pode ser
como status de saúde ou de acesso a recursos de saúde linearmente produzida, armazenada, investida, redistri-
(Kawachi; Subramanian; Almeida-Filho, 2002). buída do mesmo modo que a renda, mesmo nas versões
Quais são as limitações de tais abordagens? Limi- neokeynesianas chamadas de ‘Robin Hood policies’, isto
narmente, tomam renda, produção, consumo e outros é, a retirada dos mais ricos e provimento para os mais
indicadores econômicos como o principal (e talvez pobres por subsídios ou taxação. Não obstante, a saúde
quase o ideal) parâmetro para medidas de desigualdade pode ser tratada conceitualmente como uma espécie
na sociedade. Disso deriva, de modo mais evidente, o peculiar de capital humano, compreendendo as noções
desdobramento de duas falácias: a econocêntrica e a de endowment de Rawls ou de capability de Sen.
econométrica.
A falácia econocêntrica implica em supor que a
esfera da economia pode ser tomada como referência
dominante da sociedade e que, portanto, dispositivos CRÍTICA TERMINOLÓGICA
de explicação da dinâmica econômica das sociedades
seriam adequados para compreender processos e objetos Visando desenvolver uma crítica conceitual, com
de conhecimento sobre a saúde e vida social. Mesmo foco na matriz terminológica, comecemos tornando

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360 Almeida-Filho, N. • A problemática teórica da determinação social da saúde (nota breve sobre desigualdades em saúde como objeto de conhecimento)

explícita uma definição preliminar (talvez simplista, do Ao propor considerar o segundo princípio de justiça
ponto de vista epistemológico) de objeto de inquérito como aplicação do axioma que designa por “concepção
ou de conhecimento: geral de justiça como justeza” (general conception of justice
as fairness), John Rawls (1996), demarca conceitualmen-
Objeto = conceito e coisa (evento, processo, te a justiça (justice) como uma categoria institucionali-
fenômenos) zada de justeza (fairness). Por outro lado, não distingue,
com clareza e rigor, equidade (equity) de igualdade
Para atingir o grau de precisão necessário e possível, (equality), apesar de empregar consistentemente o termo
neste artigo é proposto um recorte, delimitando como desigualdades (sempre inequalities, na obra rawlsiana,
foco a análise conceitual do objeto ‘desigualdades em e nunca inequities) como base nominal para justificar
saúde’. Não tratarei da ontologia deste objeto particular o segundo princípio de justiça. Finalmente, utiliza o
do conhecimento, fazendo, por exemplo, a pergunta se termo ‘diferença’ (difference) para designar soluções
a desigualdade em saúde constitui uma coisa material
normativas que tomam a justiça como distribuição
ou representa um mero efeito imaterial. Os conceitos
social compensatória de bens e recursos, constituindo
são dispositivos linguísticos para referência do objeto,
o princípio da diferença.
também definidos como termos na estrutura de um
Como foi mencionado, Amartya Sen dialoga com
dado argumento.
a teoria rawlsiana e emprega o termo equity como equi-
Não obstante, ainda cabe mais uma redução de
valente à justiça distributiva, para definir o seu axioma
foco a ser explicitada de modo transparente. Uma aná-
fraco de equidade. Apesar disso, raramente emprega o
lise conceitual implica dois aportes: uma aproximação
significante antônimo simétrico, exceto num intrigante
ou caso particular de (a) análise semântica (explora
fragmento em que define inequity como “perda do bem-
significado, portanto referência teórica); uma apro-
estar social”5. Sen também não parece distinguir correla-
ximação ou caso particular de (b) análise da sintaxe
tos semânticos do conceito de desigualdade (inequality),
(explora estrutura, portanto referência epistemológica).
senão as noções de ‘diferença’ (difference), ‘diversidade’
Nesse momento, não tratarei de (b), exceto no que é
(diversity) e pluralidade (plurality), equivalentes à varia-
relevante para (a).
ção individual ou contraste entre coletivos humanos. É
Enfim, uma boa teoria (válida, compreensiva, efeti-
va, pertinente, consistente etc.) implica necessariamente possível observar alguns exemplos de uso, em distintos

consistência terminológica. Como preliminar, pretendo momentos de sua obra principal (Sen, 1981), de signifi-
demonstrar que este não é o caso da literatura sobre as cantes associados dessa forma, sem revelar preocupação
relações entre desigualdades e saúde. com rigor e precisão terminológica:
A questão terminológica encontra-se presente nos
O fato básico da diversidade humana […] diferimos
marcos teóricos que fundamentam a corrente principal
não somente em nossa riqueza herdada, mas também
de estudos sobre equidade, desigualdade e saúde, de nas nossas características pessoais […], nossa “diversi-
Rawls a Sen. dade pessoal. (p. 25).

5
The inequity of income inequality in leading to unequal utilities (reflecting the loss of social welfare from inequality of individual utilities associated with ine-
quality of incomes). (Foster; Sen, 1997, p. 116).

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Almeida-Filho, N. • A problemática teórica da determinação social da saúde (nota breve sobre desigualdades em saúde como objeto de conhecimento) 361

Além da variação puramente individual (por exemplo, A é distinguível de C, por isso é recomendado
habilidades, predisposições, diferenças físicas), existem “pensar sobre como diferenciar” um do outro; conse-
também contrastes sistemáticos entre grupos. (p. 27).
quentemente, A ≠ C;
A pluralidade de variáveis focais pode fazer uma di-
ferença grande precisamente por causa da diversidade B parece ser mais geral do que A e C, mas o texto é
de seres humanos. (p. 28). ambíguo posto que D não implica necessariamente um
termo de maior nível da mesma ordem de A e C; assim,
Tais diversidades [são] diversidades interpessoais.
talvez B ⊃ (A, C);
(p. 30).

Especificamente no que se refere à literatura sobre A e C são subtipos de D, esta é a única postulação

as relações entre desigualdades e saúde, tomemos como clara em todo o sistema de proposições;

ilustração do problema terminológico a sentença de


abertura do capítulo central de uma influente coletânea D ⊃ (A, C), consequentemente, talvez B = D. A
de textos (Diederichsen; Evans; Whitehead, 2001, p. análise das origens de D pode ajudar a mudar E; Então,
53, tradução do autor) sobre o presente tema: D => E.

Estes achados importantes da literatura sobre de- A é um caso restrito de E, pois A é ‘E na saúde’;
terminantes sociais influenciaram grandemente – e
continuarão a serem críticos para – nossa compreen-
são de iniqüidades (inequities) em saúde [A]. Existe Por analogia, D = F e talvez B = D = F, mas isto
agora interesse crescente numa investigação mais é inconsistente com aceitar E como um subconjunto
explícita das questões complexas sobre a justeza de de F.
disparidades [disparities] em saúde [B] – pensando
sobre como distinguir variações [variations] em saúde
[C] de iniqüidades [inequities] em saúde [A]. Fazer A suma desta breve análise semântica revela que a
tal distinção em parte envolve considerar o fator amostra avaliada, mesmo de pouca amplitude textual,
que causa estes diferenciais [differentials] em saúde sofre de importantes problemas críticos, como: redun-
[D]. [...] Uma análise precisa das origens sociais de
diferenciais em saúde [D], pode conseqüentemente dância; inconsistência; imprecisão e ambiguidade. Não
revelar pontos de entrada na política para a ação obstante, este fragmento, junto com outros exemplos, é
eficaz para mudar as iniqüidades [inequities] [E]. útil para revelar a extrema riqueza semântica (ou talvez
Este capítulo apresenta tal estrutura para pensar
sobre a base social das desigualdades [inequalities] confusão terminológica) na literatura, como na série de
em saúde [F]6. significantes correspondentes. De fato, praticamente
todos os enfoques analisados apresentam importantes
Vejamos a estrutura do argumento: inconsistências terminológicas e conceituais.

6
These important findings from the social determinants literature have greatly influenced – and will continue to be critical to – our
understanding of inequities in health [A]. There is now increasing interest in a more explicit investigation of the complex issues about
the fairness of disparities in health [B] – thinking about how to differentiate variations in health [C] from inequities in health [A]. Part
of making this distinction entails looking at the factor that cause these differentials in health [D]. [...] An accurate analysis of the social
origins of differentials in health [D], therefore, may reveal policy entry points for effective action to redress inequities [E]. This chapter
presents one such framework for thinking about the social basis of inequalities in health [F].

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362 Almeida-Filho, N. • A problemática teórica da determinação social da saúde (nota breve sobre desigualdades em saúde como objeto de conhecimento)

Além da confusão terminológica, a prolífica li- estrutural e jurídico-político das desigualdades, tomados
teratura sobre determinantes sociais da saúde padece quase como dispositivos diagnósticos, ainda não reco-
de pobreza teórica, na medida em que raramente as brem plenamente o complexo de questões vinculadas
teorias sociais e políticas cruciais são explicitadas para a à superação das alienações sociais. De fato, é preciso
compreensão do significado dos conceitos relacionados considerar os elementos simbólicos referidos à ética
com diferenças na saúde-doença-cuidado em populações política e à moral social, expressos nos sentimentos de
(Wainwright; Forbes, 2000; Forbes; Wainwright, indignação e vergonha que, coletivamente organizados,
2001). Exceção parece ser a contribuição de Jaime constituem o eixo motriz dos processos de transformação
Breilh, epidemiólogo equatoriano, que compreende radical das sociedades para a equidade.
uma análise do significado de variações e desigualdades As teorias de justiça distributiva que revisamos
na saúde e na doença frente às dimensões individuais acima operam a partir de uma distinção entre igualdade
e coletivas, situando-as historicamente em relação a e equidade, a qual se realiza tomando igualdade como
agendas políticas específicas. proxy de equidade. Na medida em que equidade implica
Breilh (2003) parte de um conceito-chave, diver- um componente estrutural do sistema de valores da so-
sidad, que corresponderia à variação em características ciedade, há flagrante equivalência entre os conceitos de
ou atributos de uma dada população (gênero, nacio- equidade e justiça e, portanto, entre a falta de equidade
nalidade, etnia, geração, cultura etc.). A desigualdade, e a noção de injustiça. Apesar da insistente referência
para esse autor, corresponderia a evidências empirica- a noções positivas de justiça, justeza e escolha social, a
mente observáveis da diversidade. Tais conceitos podem problematização teórica e metodológica dos gradientes
adquirir um sentido positivo em sociedades em que sociais em saúde prioriza a negação, operando conceitos
predominam relações solidárias e de cooperação entre de desigualdade e diferença em lugar de igualdade e
gêneros e grupos étnicos. Nesse referencial, a inequidade equidade. Tal padrão mostra-se simétrico e consistente
(inequidad) seria uma categoria analítica da diversidade em relação ao modo predominante de definição da saú-
que marca a essência do problema da distribuição de de, como ausência de doença no campo da pesquisa em
bens na sociedade. Quando surge historicamente, a saúde individual e coletiva. Enfim, mediante os termos
inequidade constitui o lado negativo da diversidade, injustiça e doença, tanto a justiça quanto a saúde são
tornando-se veículo de exploração e subordinação. O tratadas como negatividade.
termo “iniquidade”, por sua vez, seria sinônimo de
injustiça. As diferenças constituiriam a expressão, nos
indivíduos, ou da diversidade, em sociedades solidárias,
ou da inequidade, em sociedades em que haja concen- CONCEITOS DE EQUIDADE EM SAÚDE:
tração de poder (Breilh, 2003). PROPOSTA DE ARTICULAÇÃO SEMÂNTICA
A distinção entre inequidade e iniquidade proposta
por Breilh mostra-se de grande interesse, tendo em vista No plano metodológico, dando seguimento a
que a distribuição desigual de bens numa sociedade não uma linha analítica em curso (Kawachi; Subramanian;
teria apenas uma raiz política diretamente referida à jus- Almeida-Filho, 2002; Almeida-Filho et al., 2003;
tiça social (iniquidade), mas seria sobredeterminada es- Almeida-Filho, 2004; Vieira-da-Silva; Almeida-Filho,
truturalmente (inequidade). Não obstante, os elementos 2009), algumas das contribuições dos autores analisados

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Almeida-Filho, N. • A problemática teórica da determinação social da saúde (nota breve sobre desigualdades em saúde como objeto de conhecimento) 363

podem ser úteis para estabelecer uma terminologia mais te etnológico essencial para a compreensão da dinâmica
precisa, no sentido de construir uma matriz semântica das desigualdades em saúde na sociedade.
comum, passo inicial para melhores práticas de pesquisa O Quadro 1 apresenta os principais significantes
sobre o tema das desigualdades em saúde. pertinentes a esta pauta temática, indicando equivalentes
Antes de prosseguir, cabe uma consideração preli- nos principais idiomas.
minar essencial para a proposta de articulação semân- Consideremos axiomaticamente o conceito de
tica dos conceitos de equidade em saúde objeto desta ‘disparidade’ como forma geral de variações ou dife-
seção. No processo de construção de subjetividades renças individuais que ganham expressão coletiva nas
e identidades individuais, a partir da interação entre sociedades humanas (Braverman, 2006). As formas
diferenças e semelhanças individuais e homogenei- particulares da ‘variação’ e da ‘variedade’ compreendem
dade e diversidade coletiva, seres humanos procuram justamente os objetos conceituais do presente ensaio.
mostrar-se diferentes de outros membros de grupos e Alguns desses conceitos podem ser articulados numa
classes sociais. Considerar tal questão significa trazer cadeia significante de pares ou díades, a saber: seme-
ao presente debate o conceito de ‘distinção’, tal como lhança/diferença; igualdade/desigualdade e equidade/
definido pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu (1998; inequidade. Outras manifestações das disparidades
2007). Em sua obra mais reconhecida, intitulada La assumem definições tão peculiares que se sustentam
distinction, Bourdieu (2007) propõe o conceito de em positividades próprias, compreendendo uma cadeia
“estratégias de distinção”. Referindo-se a práticas cul- significante monádica composta pelos conceitos de
turais vinculadas ao estilo e ao gosto, Bourdieu (1983) diversidade, distinção e iniquidade.
afirmou que tais práticas ou estratégias: Articulemos as duas séries semânticas, selecionan-
do alguns significantes-chave. A ocorrência de variação
podem ser distintivas ou distintas, mesmo quando não natural ou genética, expressa em diferenças individuais,
procuram sê-lo. A definição dominante da ‘distinção’
advindas da interação de processos sociais e biológicos,
chama de distintas as condutas que distinguem [o
sujeito] do comum, do vulgar, mesmo sem intenção de produz diversidade nos espaços coletivos sociais e de-
distinção. Nestas questões, as estratégias mais ‘lucra- sigualdades nas populações humanas. Por outro lado,
tivas’ são as que não são vividas como estratégias. São estruturas sociais, processos políticos perversos e po-
as que consistem em gostar ou mesmo em ‘descobrir’
a cada instante, como se por acaso, o que deve ser líticas de governo sem equidade, geram desigualdades
gostado. (p. 9). relacionadas à renda, educação e classe social, portanto
inequidades, correspondendo à injustiça social. Algu-
Trata-se de incorporar na pauta política da saúde mas dessas desigualdades, além de injustas, são iníquas
coletiva diferenças e diversidades que, por se situarem e, portanto, moralmente inaceitáveis, constituindo
predominantemente no plano simbólico, apareciam iniquidades que geram indignação e, potencialmente,
como habitus (outra categoria da sociologia de Bourdieu) mobilização social. Em paralelo, nos planos simbólico-
ou como mero resíduo da vida social dos seres humanos, culturais, ao construir identidades sociais baseadas
como por exemplo, gostos, estilos de vida, condutas na interação entre diferenças individuais e padrões
de risco e idiossincrasias de base étnico-cultural. Isso coletivos, seres humanos afirmam, na maioria das vezes
implica considerar, nas séries semânticas tomadas como através de mecanismos não conscientes, sua distinção
embasamento linguístico dos conceitos, um componen- de outros enquanto membros de segmentos, grupos

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364 Almeida-Filho, N. • A problemática teórica da determinação social da saúde (nota breve sobre desigualdades em saúde como objeto de conhecimento)

Quadro 1 – Equivalência semântica de termos correlatos ao conceito de ‘desigualdade’.


Português Inglês Espanhol Francês

Variação Variation Variación Variation

Variância Variance Variancia Variance


Invariância Invariance Invariancia Invariance

Variedade Variety Variedad Variété

Diversidade Diversity Diversidad Diversité


Unidade Unity Unidad Unité

Diferença Difference Diferencia Différence


Semelhança Similarity Similitud Similitude

Disparidade Disparity Disparidad Disparité


Paridade Parity Paridad Parité

Desigualdade Inequality Desigualdad Inégalité


Igualdade Equality Igualdad Égalité

Distinção Distinction Distinción Distinction


Vulgaridade Commonness Vulgaridad Vulgarité

Heterogeneidade Heterogeneity Heterogeneidad Heterogeneité


Homogeneidade Homogeneity Homogeneidad Homogénéité

Pluralidade Plurality Pluralidad Pluralité


Singularidade Singularity Singularidad Singularité

Equidade Equity Equidad Équité


Iniquidade Inequity Iniquidad Iniquité
Inequidade Inequity Inequidad --

e classes sociais. O glossário resultante dessa cadeia cumulativa em coletividades, como medidas epidemio-
argumentativa poderá conter as seguintes definições lógicas de risco.
pertinentes: Distinção: atributo relacional, interpessoal, que
Diversidade: variação em características (gênero, não faz parte de diferenças naturais nem corresponde a
afiliação étnica, cultura, nacionalidade, geração) dos desigualdades sociais resultantes de políticas desiguais.
membros de uma coletividade ou população. Assim, A busca da distinção faz parte da prática cultural coti-
biodiversidade é propriedade de um dado território diana de agentes sociais, coletivamente organizados na
tanto quanto etnodiversidade pode ser atributo de uma construção individual e simbólica de sentidos mediante
nação. Porém, por definição e respeitando as estruturas expressão, criação e cultivo de gostos e estilos produtores
linguísticas pertinentes, semanticamente não faz sentido de identidades.
atribuir diversidade a sujeitos individuais. Desigualdade: diferenciação dimensional ou va-
Diferença: expressão individual de efeitos da di- riação quantitativa em coletividades ou populações.
versidade e/ou desigualdade em sujeitos tomados como Pode ser expressa por indicadores demográficos ou
isolados. Embora diferenças biológicas frequentemente epidemiológicos (no campo da saúde), como ‘evidência
apareçam como variações naturais ou genéticas, mani- empírica de diferenças’. Nesse caso, pode constituir uma
festam-se mediante complexas relações entre processos capability, no sentido de Sen, e não necessariamente
sociais e biológicos nos sujeitos individuais. Diferenças corresponder ao produto de injustiças, como no uso da
podem determinar efeitos em indicadores de ocorrência noção de ‘saúde real’, conforme visto acima.

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Almeida-Filho, N. • A problemática teórica da determinação social da saúde (nota breve sobre desigualdades em saúde como objeto de conhecimento) 365

Inequidade: denota disparidades evitáveis e injustas, em saúde. Por sua vez, as inequidades em saúde que,
expressão de desigualdades desnecessárias, do ponto de mais que evitáveis e injustas, são vergonhosas, indignas,
vista político em populações humanas e de agregados. nos despertam sentimentos de aversão e conformam
Trata-se de um neologismo, correspondente a inequity iniquidades em saúde.
e inequidad. Significa o oposto de equidade, ou seja, A dimensão da desigualdade em saúde constitui uma
ausência de justiça no que diz respeito a políticas distri- questão bioética fundamental. Nessa perspectiva, distin-
butivas sociais e de saúde. Metodologicamente, requer guir inequidade de iniquidade não expressa um mero
desenvolvimento de indicadores de segundo nível para exercício semântico. Significa introduzir, no processo de
avaliar associação com heterogeneidades intragrupais. teorização, pretensamente neutro e impessoal, elementos
Iniquidade: corresponde a inequidades que, além de de indignação moral e política. Tomar como referência
evitáveis e injustas, são indignas, vergonhosas, resultante apenas a dimensão da justiça, na esfera da equidade (e
de opressão social (segregação, discriminação, persegui- do seu oposto, a inequidade) parece insuficiente no que
ção) na presença de diversidade, desigualdade, diferença diz respeito ao tema da dignidade humana. A proteção
ou distinção. Trata-se de ausência extrema de equidade, dos direitos básicos de um criminoso ou a garantia das
decorrente do efeito de estruturas sociais perversas e do prerrogativas jurídicas de um suspeito de corrupção é
exercício de políticas iníquas, geradores de desigualdades certamente uma questão de equidade, posto que evoca o
sociais eticamente inaceitáveis. fundamento democrático de justiça igual para todos. En-
Em suma, retomando a ideia de quase ordenamento tretanto, um óbito infantil por desnutrição, uma negação
em espaços ou dimensões simultâneas de Sen, trata-se de cuidado por razões mercantilistas ou uma mutilação
de considerar os fenômenos da disparidade social em decorrente de violência racial ou de gênero conformam
planos ou campos distintos, o conceito ‘diversidade’ eloquentes exemplos de iniquidade em saúde.
remete primordialmente à espécie, diferença ao plano
individual, desigualdade à esfera econômico-social,
inequidade ao campo da justiça, iniquidade ao político,
distinção ao simbólico. QUESTÕES COMPLEMENTARES
Consideremos esta série semântica aplicada à
questão geral das disparidades em saúde. Por um lado, Para concluir, gostaria de indicar algumas questões
as desigualdades (variação quantitativa em coletividades epistemológicas, teóricas e metodológicas capazes de
ou populações) podem ser expressas por indicadores alimentar um debate que precisa, neste momento de
demográficos ou epidemiológicos (no campo da saúde) crises e transições, ser ampliado e aprofundado.
como ‘evidência empírica de diferenças’, em estado Como vimos acima, no que concerne a teorias
de saúde e acesso ou uso de recursos assistenciais. Por sociais de determinação da saúde, impressiona a persis-
outro lado, as desigualdades de saúde determinadas por tência de lacunas, omissões e desinteresses no discurso
aquelas relacionadas a renda, educação e classe social, dominante sobre o tema desigualdades em saúde. Nesse
são produto de injustiça social; na medida em que ad- sentido, entre as questões teóricas pertinentes, ressaltam:
quirem sentido no campo político como produto dos quais são as fontes de desigualdade, inequidade e iniqui-
conflitos relacionados com a repartição da riqueza na dade em saúde? Como a opressão e a injustiça operam
sociedade, devem ser consideradas como inequidades na promoção e persistência das iniquidades em saúde?

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366 Almeida-Filho, N. • A problemática teórica da determinação social da saúde (nota breve sobre desigualdades em saúde como objeto de conhecimento)

Como abordar, de modo conceitualmente consis- segregada do sistema de cuidado à saúde. No que con-
tente e metodologicamente rigoroso, tais questões? cerne aos dois últimos itens citados, uma ampliação
Um primeiro passo consiste em recorrer a teorias pertinente, ainda que parcial, do escopo desse campo de
críticas da sociedade e da política capazes de explicar as indagações implicaria falar não apenas de doença, mas
práticas dos sujeitos no espaço social. A demanda concei- também de vulnerabilidade. O referencial das desigual-
tual concentra-se na construção e validação de modelos dades sociais em saúde pode muito bem incorporar a
explicativos eficientes dos processos históricos e sociais ideia de vulnerabilidade social como um dos seus focos,
definidores do objeto de conhecimento em pauta, tendo agregando categorias correlatas, definidas de acordo com
como referência teorias de equidade e justiça (Heller, o plano de realidade considerado, como a fragilidade,
1998). Em outras palavras, para compreender o papel vulnerabilidade, suscetibilidade e debilidade.
das desigualdades na produção de doença, morbidade e Um segundo passo será certamente o desenvol-
mortalidade, tanto quanto saúde, qualidade e extensão vimento de alternativas metodológicas capazes de
da vida humana, é imperativo abordar a questão ‘do quê’ produzir conhecimento crítico sobre o tema. No plano
(estados, processos, eventos), antes de tudo, determinar da articulação teórico-metodológica, é preciso definir a
ocorrência, forma e atuação dos gradientes sociais. que nível de abstração se aplica o conceito de desigual-
Como desdobramento dessa questão e para com- dades em saúde. A pergunta seria: onde (no sentido
pletar o esquema de investigação esboçado, vejamos um de espaço social e político) operam os determinantes
modelo de articulação dos componentes das desigualda- sociais da saúde? Em primeiro lugar, na dimensão po-
des em saúde que poderá servir para uma compreensão pulacional, envolvendo os níveis individual e coletivo,
mais clara de tão complexa teia de conceitos, conforme neste destacando as amplitudes territoriais (município,
a Figura 1. Nesse esquema, os seguintes componentes estado, país). Em segundo lugar, na dimensão social,
da cadeia determinante das desigualdades em saúde são micro (família, grupo de pares etc.) e macrossocial (es-
indicados: disponibilidade de recursos sociais (renda, tratos, classe social etc.). Em terceiro lugar, na dimensão
poder etc.); diversidade de modo de vida; desigualdades simbólica-cultural, reconhecendo recortes étnico-raciais
em situação de saúde; acesso diferenciado e atuação (subculturas, grupos étnicos etc.).

FIGURA 1 – Modelo de articulação dos componentes das desigualdades em saúde

Resursos socias Assistência à saúde

Condições de vida Situação de saúde

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Almeida-Filho, N. • A problemática teórica da determinação social da saúde (nota breve sobre desigualdades em saúde como objeto de conhecimento) 367

No plano próprio da construção metodológica, o conhecimento sobre a gênese dos fenômenos necessita
que ordem de determinantes seria importante para de um instrumental conceitual mais diversificado, do
compreender gênese e efeitos das iniquidades em saú- que a ideia de causalidade tem sido capaz de prover.
de? Com prioridade, é necessário o estabelecimento de Nesse sentido, é proposta a determinação como conceito
fontes e origens das desigualdades de modo distinto, geral, cujas modalidades seriam múltiplas, dando como
mas complementar à aproximação necessária aos temas exemplo a determinação causal, a dialética e a estrutural,
de natureza e componentes das desigualdades sociais dentre outras.
em saúde do ponto de vista de sua mensuração (Asada, Aplicando de modo livre tal abordagem pluralista
2005). Primeiro, as fontes de iniquidade em saúde ao nosso tema, podemos propor que o campo da saúde
pela vertente da diferença, geração e gênero; herança sofre a ação de processos e vetores das desigualdades
familiar e etnicidade. Em segundo lugar, pela vertente sociais, os quais podem ser referenciados pelas seguintes
da distinção, religião e comunidade e comportamento categorias de processos: determinação social da situação
e habitus. Em terceiro e pelo ângulo da desigualdade, e das condições de saúde; produção social das práticas
ocupação e educação; renda e poder. e das instituições de saúde e construção social dos sen-
Ainda como desdobramento desse plano de arti- tidos da saúde. O diferencial semântico sugerido entre
culação, será imprescindível investigar os efeitos dos os termos ‘determinação social’, ‘produção social’ e
processos sociais de produção da saúde-doença-cuidado. ‘construção social’ pode corresponder, numa perspectiva
Pensamos que, nesse caso, é importante explorar o im- epistemológica mais consistente, a diferentes planos de
pacto das desigualdades na qualidade e no estilo de vida realidade e distintos efeitos da estrutura de desigualda-
e nas condições de saúde dos sujeitos. Teoricamente, des que, no cotidiano das sociedades contemporâneas,
falamos da necessidade de uma abordagem das relações tornam-se fonte de injustiça e iniquidade.
entre ‘modo de vida’ e saúde (Almeida-Filho, 2004), Do ponto de vista da sobredeterminação da
que pode aproveitar bastante de concepções não dimen- saúde-doença-cuidado, as abordagens teóricas e
sionais, por exemplo, o conceito de habitus de Bourdieu proto-teóricas revisadas neste ensaio situam os con-
(Gatrell; Popay; Thomas, 2004). Nos termos de Testa ceitos correlatos ao tema das desigualdades em saúde
(1997), isto significa focalizar, numa imersão etnográfica num mesmo patamar hierárquico, como se fossem
na cotidianidade, as práticas da vida diária e, nelas, o expressões de processos sociais históricos equivalentes.
efeito da distribuição desigual dos determinantes da Isto os leva a um flagrante impasse, revelando limites
saúde-doença-cuidado. e lacunas que não permitem politizar os diversos sen-
tidos e efeitos dos modelos explicativos formulados,
independentemente do rigor formal e da consistência
teórica. Por esse motivo, mais importante que forma-
COMENTÁRIOS FINAIS lizar rigorosamente métodos para medir desigualdades
em saúde certamente será compreender suas raízes
Cabe aqui um comentário sobre a própria cate- e determinantes. Precisamos conhecer melhor a
goria epistemológica de ‘determinação’ e seu correlato dinâmica da determinação social das desigualdades,
‘determinante’, avaliados a partir dos critérios da teoria inequidades e iniquidades em saúde para sermos mais
da determinação de Bunge (1969). Bunge considera que eficientes no sentido de superá-las.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 349-370, set./dez. 2009


368 Almeida-Filho, N. • A problemática teórica da determinação social da saúde (nota breve sobre desigualdades em saúde como objeto de conhecimento)

No atual debate conceitual sobre determinantes em raciais, culturais e de classe social como determinantes
saúde, no Brasil e no mundo, a quase unanimidade retó- de desigualdades econômicas, sociais e de saúde.
rica em prol da equidade impede averiguar a sinceridade
política dos que formulam discursos politicamente refe-
renciados e que, ao mesmo tempo, até com a desculpa
do interesse científico, muitas vezes apenas contemplam
a persistência das iniquidades sociais no mundo. Confor-
me indicado em Vieira-da-Silva e Almeida-Filho (2009),
os discursos do consenso pela equidade: R E F E R Ê N C I A S

não obstante o amplo espectro das forças políticas que


o formulam, ao tempo em que se contempla a persis- Almeida-Filho, N. Modelos de determinação social das
tência das desigualdades no mundo, mostra que outras doenças crônicas não-transmissíveis. Ciência & Saúde
lógicas devem orientar a formulação (ou pelo menos a Coletiva, v.9, n. 4, p. 865-884, 2004.
implementação) das políticas públicas.
______. For a general theory of health: preliminary
Há um grande perigo nessa retórica, deixar-nos epistemological and anthropological notes. Cadernos de
desatentos e desarmados frente à possibilidade de se Saúde Pública, v. 17, n. 4, p. 753-770, 2001.
despolitizar a questão da saúde mediante a mera cons-
______. Desigualdades de salud en función de las con-
tatação distanciada da existência, quase naturalizada, diciones de vida: análisis de la producción científica
de disparidades na ocorrência de doenças e eventos en América Latina y el Caribe y bibliografía anotada.
relativos à saúde. Washington, D.C; Organização Pan-Americana de
Saúde, 1999.
A problematização da equidade em saúde da ma-
neira proposta neste artigo, pelo contrário, pretende
Almeida-Filho, N.; Kawachi, I.; Filho, A.P.; Dachs,
reafirmar que os gradientes socialmente perversos que J.N. Research on health inequalities in Latin America
permanecem em nossas sociedades refletem interações and the Caribbean: bibliometric analysis (1971-2000)
entre diferenças biológicas, distinções sociais e inequi- and descriptive content analysis (1971-1995). American
Journal of Public Health, v. 93, n. 12, p. 2037-2043,
dades no plano jurídico-político, tendo como expressão 2003.
concreta e empiricamente constatável, as desigualdades
em saúde. Tratar essa questão do ponto de vista da Aristóteles. Ética a Nicômaco. São Paulo: Edipro,
crítica teórica significa um esforço inicial, no sentido 2007.
de conhecer com mais profundidade para superar com
Asada, Y. A framework for measuring health inequity.
mais efetividade, determinantes, estrutura e efeitos das
Journal of Epidemiology and Community Health, v. 59,
desigualdades sociais no campo da saúde. No limite, n. 8, p. 700-705, 2005.
isso implica um trabalho de construção conceitual e
de mobilização para ação política capaz de tornar as Bambas, A.; Casas, J.A. Assessing equity in health: con-
diferenças mais iguais (ou menos desiguais), ou seja, ceptual criteria, in equity and health. Views from the
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Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 349-370, set./dez. 2009


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DEBATEDORES / DISCUSSANTS 371

Contribuição para o debate do Cebes sobre a


“Determinação Social da Saúde”: repensando processos
sociais, determinações e determinantes da saúde
Contribution for the Cebes debate on the “Social Determination of Health”:
rethinking on social processes, determinations and determinants of health

Anamaria Testa Tambellini 1

Gabriel Eduardo Schütz 2

1
Doutora em Epidemiologia pela RESUMO A proposta do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) para
Faculdade de Ciência Médicas da
discutir determinantes sociais da saúde em um amplo espaço de reflexão acadêmica
Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp); Professora adjunta do
permite dar continuidade ao debate em torno da consolidação de instrumentos
Instituto de Estudos em Saúde Coletiva para a luta pela equidade em saúde. Em resposta a essa provocação, este artigo
da Universidade Federal do Rio de apresenta uma discussão e reinterpretação do aparecimento e percurso histórico
Janeiro (UFRJ); Professora titular
da ideia de determinação social da saúde, com foco na complexidade da saúde
aposentada da Escola Nacional de
Saúde Pública da Fundação Oswaldo
coletiva e na integralidade do conceito de saúde. Por meio desta análise conceitual,
Cruz (ENSP/Fiocruz); acreditamos estar contribuindo para uma melhor compreensão da relação saúde-
anatambe@iesc.ufrj.br sociedade e, inclusive, estar indagando nosso trabalho como profissionais da saúde
atuantes na realidade brasileira.
2
Doutor em Saúde Pública pela ENSP/
Fiocruz; Pesquisador colaborador do Palavras-Chave: Determinação social da saúde; Saúde coletiva;
Grupo de Direitos Humanos em Saúde
Integralidade em saúde
Helena Besserman (DHIS) da ENSP/
Fiocruz.
gabrielschutz@hotmail.com ABSTRACT The proposal of the Brazilian Center for Health Studies (Cebes,
acronym in Portuguese) to discuss the social determinants of health in a wide space
of academic reflection allows the continuation of the debate on the consolidation of
instruments for the fight for equity in health. As a response to this, the present article
offers a discussion and reinterpretation of the origins and historical pathway of the
notion of social determination of health, focusing on the complexity of collective
health and the integrality of the concept of health. By means of this conceptual
analysis, we believe to be making a contribution towards a better understanding
of the health-society relation, and also towards the questioning of our position as
health professionals who work within the Brazilian reality.

Keywords: Social determination of health; Collective health; Integrality


in health

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 371-379, set./dez. 2009


372 TAMBELLINI, A.T.; SCHÜTZ, G.E. • Contribuição para o debate do Cebes sobre a “Determinação Social da Saúde”: repensando processos sociais, determinações e
determinantes da saúde

I N T R O D U ç ão propostas de intervenção vigentes nos sistemas de saúde de


então para resolver, ou pelo menos melhorar, a condição de
saúde das coletividades; por outro lado, reconhece-se a falta
de alcance dos modelos e paradigmas do conhecimento em
saúde para compreender a própria questão da saúde em sua
O fato de ter voltado à baila a questão da determi- integralidade. Apontava-se criticamente o fato do cuidado à
nação social em saúde como tema para discussão crítica saúde estar baseado na atenção médico-sanitária aos doentes
no campo da saúde coletiva é motivo de muito regozijo e como elemento importante do fracasso do modelo, bem

esperança. Esta é uma temática que nos permite pensar, como sua orientação científica derivada do risco individual
da doença calculado pela epidemiologia clássica que, na-
compreender melhor e avaliar a relação saúde-sociedade
quele momento, era considerada um método.
e inclusive indagar se nosso trabalho, como profissionais
Adiantemos a sinalização de que a primeira perspec-
da saúde, tem sido capaz de contribuir para que esta
tiva de análise nos conduzirá pelos caminhos construídos
relação seja conduzida a um ancoradouro no qual o
dentro dos limites estabelecidos pelo poder hegemônico
bem-estar, a autorrealização e a felicidade individual e
nas sociedades ocidentais desenvolvidas e expressará a
coletiva possam superar os sofrimentos e as perdas de
questão em termos dos “determinantes”. A segunda
capacidade e potência inerentes aos seres humanos.
perspectiva caminhará pela senda da emergência de
O tempo se refez para respeitar o espaço de reflexão
uma Saúde Coletiva considerada a refundação da Saúde
e, assim, devemos navegar, pois é urgente reinvestir na
Pública latino-americana, cuja construção é, em muitos
boa luta.
sentidos, considerada como elemento político, técnico
Neste sentido, a iniciativa da criação da Comissão
e científico de projetos políticos democráticos e contra-
de Determinantes Sociais da Saúde pela Organização
hegemônicos na região. Nesta perspectiva, a questão se
Mundial de Saúde (OMS) é muito bem-vinda, e seus re-
expressará em termos de “processo de determinação”.
latórios e recomendações estão abertos e serão elementos
Havia, então, um consenso mais ou menos ge-
para construção/reconstrução, fazeres/refazeres, aplausos neralizado no campo da Saúde Pública de que, para
e disputas e principalmente poderão servir como instru- compreender e melhorar a saúde de uma população,
mentos para a luta pela equidade em saúde. era necessário focalizar de forma proativa os padrões
Esta proposta de discussão capitaneada pelo Centro e modelos sociais que moldam as chances de pessoas e
Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), que possibilitou coletividades serem saudáveis, ao invés de se limitar a
o uso de um texto inteligente e provocativo de Naomar, oferecer auxílio médico sanitário quando ficam doentes
foi capaz de nos mobilizar, e o presente artigo é o resul- (Graham, 2004; LHO, 2002; Arouca, 2003).
tado desta provocação. A rigor, dificilmente se pode atribuir uma origem
Em primeiro lugar, gostaríamos de discutir e rein- claramente definida no espaço e no tempo à ideia, seja de
terpretar o aparecimento e percurso histórico da questão uma determinação ou de determinantes sociais da saúde. É
“determinação social da saúde” no século 20 sob duas mais plausível pensar que essas concepções conformaram-
perspectivas que, entretanto, tiveram a década de 1970 se ao longo das últimas décadas, atravessando contextos
como o momento oportuno para aflorar. Podemos dizer históricos diferentes e envolvendo atores sociais diferentes
que ambas as perspectivas identificam a insuficiência das e, portanto, sujeitaram-se a interesses diferentes.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 371-379, set./dez. 2009


TAMBELLINI, A.T.; SCHÜTZ, G.E. • Contribuição para o debate do Cebes sobre a “Determinação Social da Saúde”: repensando processos sociais, determinações e 373
determinantes da saúde

Levaremos em conta nesta análise a distinção que humana; o entorno ambiental; os estilos de vida e a
Frederick Nietzsche fez usando as palavras alemãs Urs- organização do sistema de saúde pública, isto é, fatores
prung (origem) e Erfindung (invenção), e na utilização des- determinantes da saúde que existem fora da assistência
ta distinção por Foucault tomando-a como um dos pontos médica (Lalonde, 1974), embora ainda não sejam
de partida para construção de seu método arqueológico adjetivados como determinantes “sociais”.
de pesquisa. Certamente não utilizaremos este método Lalonde parece ter intuído que o senso comum trafica
de forma estrita, mas tomaremos a distinção assinalada ideologia como afirmaria anos mais tarde Roland Barthes.
como ponto de partida para interrogar aquilo que foi dito Para o semiólogo francês, os mitos não criam significados,
em relação à determinação social de saúde como processo mas os colocam a serviço de uma ideologia (no sentido
social já inventado, buscando isomorfismos, isotopias, marxista), fazendo com que as coisas do cotidiano falem
correlações, continuidades e rupturas e não sua origem por ela. Todo discurso, seu conteúdo e sua referência ao
(Foucalt, 1999). Nesta perspectiva, é interessante analisar real, atribui não apenas significados, mas também valores;
o percurso do conceito “determinação do social na saúde” e todo discurso, enquanto signo, pode se converter em
desde o Relatório Lalonde, de 1974, até o Relatório da mito (Barthes, 1988). Segundo George Simmel (1964),
Comissão sobre Determinantes Sociais da Saúde (CDSS) a forma como uma sociedade expressa as relações intersub-
da OMS, publicado três décadas depois. jetivas é uma expressão do resultado de lutas anteriores, da
Poder-se-ia dizer que o primeiro registro do con- maneira como essa sociedade foi resolvendo seus conflitos
ceito determinação da saúde que consegue uma forte de interesse. Traduzido em termos gramscianos, as relações
repercussão no campo da Saúde Pública corresponde ao sociais hegemônicas (e os discursos que as legitimam)
relatório A new perspective on the health of Canadians. são reproduzidas pelos grupos dominantes. Entretanto,
Um documento de trabalho destinado à discussão de cabe considerar que, no mundo atual, caracterizado pela
reformas no sistema de saúde do Canadá, apresentado globalização do capitalismo em sua fase monopólica, os
em Ottawa, em 1974, pelo Doutor Marc Lalonde, na grupos dominantes interessados na reprodução social do
época, a cargo do Ministério de Saúde e Bem-Estar discurso biomédico não têm perdido nem sua hegemonia
Social.. Esse texto é considerado o primeiro documento simbólica nem seu prestígio social. Neste sentido, vale a
governamental em que um país ocidental reconhece pena nos aprofundarmos em alguns tópicos a respeito do
oficialmente que o paradigma biomédico do seu Sistema discurso, tomado em princípio como não-hegemônico,
Nacional de Saúde está falido e que é preciso ir além da dos determinantes e da promoção da saúde.
atenção aos doentes (sick care) (Lemco, 1994). Por outro lado, é preciso observar que, mesmo de
No documento, Lalonde questiona o senso comum forma não intencional, Lalonde contribuiu para um
segundo o qual a qualidade da saúde de um país torna- processo de ruptura epistemológica que já se iniciara no
se equivalente à qualidade da atenção médica instalada campo acadêmico, ao introduzir a questão dos determi-
e que, em consequência, reproduz a crença popular de nantes no campo da gestão oficial da saúde.
que toda melhora no estado de saúde de uma população De fato, a visão integral do processo saúde-doença,
deriva exclusivamente de avanços na tecnociência médi- determinado pelo biológico, o ambiental e os hábitos
ca. Como alternativa, o autor propõe a criação de uma do indivíduo, já estava presente na obra de Bernardino
nova abordagem para o campo da saúde (health field), Ramazzini, no século 18, ainda que expressa no léxico
dividindo-o em quatro grandes elementos: a biologia da época. Observa-se também que esse discurso encontra

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 371-379, set./dez. 2009


374 TAMBELLINI, A.T.; SCHÜTZ, G.E. • Contribuição para o debate do Cebes sobre a “Determinação Social da Saúde”: repensando processos sociais, determinações e
determinantes da saúde

uma correlação com a célebre definição de saúde ins- e institucionais que desafiavam, nesses mesmos países, os
tituída pela OMS em 1948. Paradoxalmente, um dos poderes instituídos por meio da desobediência civil.
fatores que talvez mais tenha dificultado a disputa pela Está claro que o Relatório Lalonde contribuiu no-
hegemonia do novo discurso sanitarista foi a insistência, tavelmente com o debate dos determinantes da saúde,
às vezes radicalizada, para silenciar o termo “doença” da estendendo a discussão das políticas públicas às esfe-
dialética saúde-doença, obtendo a saúde como positivi- ras do combate aos maus hábitos e à necessidade de
dade, ou melhor, como negação da negação (Lefèvre; melhorar a qualidade do entorno das pessoas. Porém,
Lefèvre Cavalcante, 2004). No senso comum, o poder não se aprofundou na questão da determinação ‘social’
simbólico do termo ‘saúde’ diminui quando não se faz da saúde. De fato, nenhuma das palavras ‘inequality’
menção à doença: (desigualdade), ‘inequity’ (iniquidade), ‘disparities’
(disparidade) e ‘poverty’ (pobreza) aparece no docu-
Uma das maiores dificuldades para se definir saúde mento original em inglês1.
consiste em que, não sendo, em si, uma coisa ou fato,
A partir do final da década de 1970, as discussões
só passa a sê-lo através ou a partir da doença ou mal-
estar, estes sim, como assinalava Schopenhauer, coisas e propostas que tratavam da determinação da saúde na
ou fatos incontestes. (Lefèvre, 1999). OMS passaram a incluir a questão social como elemento
de peso sob a forma de determinantes que redefiniriam
Por outro lado, vale destacar que o principal os sistemas de saúde (como exemplo Alma-Ata, em
intuito de Lalonde ao elaborar esse relatório não foi 1978, e a Primeira Conferência Internacional sobre
especificamente produzir uma ruptura epistemológica Promoção da Saúde, em 1986). O mesmo aconteceu
em si mesma, mas legitimar as reformas que pretendia com as reformas sanitárias dos chamados “países em
introduzir no sistema de saúde que gerenciava, em vista desenvolvimento”. Finalmente, em 2004, é criada na
dos impactos dos excessivos (e crescentes) gastos com a OMS a “Comissão sobre Determinantes Sociais em
organização dos cuidados médicos (Academus: Revista Saúde” (OMS, 2005) que em 2008 publicou seu infor-
Científica da Saúde, 2002). Leve-se em consideração me final (OMS, 2008) elaborado a partir dos resultados
que o relatório Lalonde foi produzido pelo máximo obtidos em grupos de trabalhos organizados em torno
gestor do bem-estar social de um país desenvolvido e dos principais determinantes: exclusão social, mulher e
com uma tradição de welfare state, no contexto de uma equidade de gênero, desenvolvimento infantil precoce,
crise econômica mundial – a chamada “Crise do Pe- condições de emprego, globalização, urbanização, socie-
tróleo” iniciada em 1973 – que ameaçava a capacidade dade civil, sistemas de saúde, condições de Saúde Pública
dos governos de países industrializados de financiar prioritárias, ação intersetorial, ação nos países, medidas
políticas públicas redistributivas em plena vigência da e evidências e, finalmente, um grupo denominado
Guerra Fria. Contemporâneo a essa crise, acontecia um comissão que foi aquele encarregado da elaboração do
espetacular desenvolvimento da tecnologia médica (e modelo teórico-metodológico (WHO, 2007).
seus custos), bem como um intenso movimento social, Basicamente, para a OMS, os Determinantes Sociais
iniciado em 1968, reivindicativo de mudanças políticas em Saúde (DSS) “são as circunstâncias em que as pessoas

1
Há sim uma referência ao uso do indicador Average annual income (Renda média anual) como medição suplementar que expressa a brecha entre ricos e pobres,
necessária para realizar uma melhor interpretação de outras estatísticas (Lalonde, 1974, p. 38)

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 371-379, set./dez. 2009


TAMBELLINI, A.T.; SCHÜTZ, G.E. • Contribuição para o debate do Cebes sobre a “Determinação Social da Saúde”: repensando processos sociais, determinações e 375
determinantes da saúde

nascem, crescem, vivem, trabalham e envelhecem, bem como O relatório denominado “A conceptual framework
os sistemas estabelecidos para combater as doenças”. Essas for action on the social determinants of health” (WHO,
circunstâncias “estão configuradas por um conjunto mais 2008) foi resultado de um trabalho coletivo que tor-
amplo de forças: econômicas, sociais, normativas e políti- nou explícito o entendimento compartilhado sobre o
cas”. Neste sentido, as condições de vida (crescimento, particular, elaborando-se um modelo teórico, suas pos-
aprendizado, reprodução, trabalho e envelhecimento) sibilidades de verificação empírica e sua capacidade de
estão “determinadas” pelo “lugar que cada um ocupa na subsidiar a formulação de diretrizes políticas para ações
hierarquia social”; isto inclui o grau de vulnerabilidade pró-equidade em termos nacionais e internacionais.
individual a agravos na saúde e suas consequências. O Ainda que este texto reflita a presença de diferentes
relatório final da Comissão, publicado em agosto de 2008, escolas filosóficas na apropriação e desenvolvimento dos
propõe três recomendações fundamentais: (i) melhorar as conceitos-chave e de diferentes posições teóricas e políticas
condições da vida cotidiana; (ii) lutar contra a distribuição na proposição e discussão das questões, o resultado do
desigual do poder, do dinheiro e dos recursos; e (iii) medir trabalho aparece sob a forma de um modelo que obscurece
e analisar o problema por meio de ações de cooperação os processos que compõem suas articulações dinâmicas.
intersetorial (OMS, 2008). Por outro lado, aprisiona os elementos processuais sob a
Devemos ressaltar as diferenças observadas entre forma de categorias subordinadas a hierarquias rígidas,
os relatórios dos grupos temáticos de grande densidade na maioria das vezes transformadas em variáveis que nem
de aportes científicos, que contêm análises bastante sempre respeitam a natureza dos objetos em questão, per-
aprofundadas dos temas em discussão, e o material mitindo a naturalização do modelo. A fragmentação dos
disponibilizado e distribuído pela Organização sob conteúdos observada pode estar relacionada à autonomia,
diferentes formas e vias de comunicação, considerado certamente relativa, manifestada pelos grupos temáticos
como o resumo sintético dos resultados obtidos e orga- ao procederem à análise escolhendo teorias e formas
nizados sob a forma de relatório final da Comissão. Este particulares de encaminhamento, ainda que os temas
documento, porém, não foi capaz de refletir a riqueza das específicos tenham sido reintroduzidos e ressignificados
contribuições e a transparência dos textos temáticos. na etapa final da modelização. Porém, deste fato surge a
Precedente e simultaneamente às atividades das dificuldade de uma compreensão clara da integralidade
agências de cooperação internacional e de gestão da saú- do modelo, se ela de fato existir, e de sua própria recons-
de, nas últimas décadas, incrementou-se notadamente a trução para uso em projetos específicos de investigação
produção acadêmica a respeito das DSS. A maioria dos nos âmbitos locais.
autores focalizou a importância de subsidiar as políti- Será utilizado aqui o modelo de Diedericksen,
cas públicas realizando avaliações – com raras exceções Evans e Whitehead (2001), que assume importância
estritamente baseadas em evidências – das condições decisiva no processo de reinvenção do modelo OMS
sociais que determinam a saúde de grupos populacionais, para demonstrar como seu uso nesse contexto oca-
e tomaram os chamados “determinantes sociais” como siona perda de sua potência explicativa do ponto de
equivalentes ao processo de determinação social da saú- vista científico e de sua capacidade de subsídiar ações
de. Foi nessa produção científica que a OMS investiu no políticas efetivas do ponto de vista da transformação
estabelecimento de um modelo teórico conceitual que da realidade em prol da melhoria da saúde e garantia
demarcaria sua proposta de determinantes. da equidade.

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376 TAMBELLINI, A.T.; SCHÜTZ, G.E. • Contribuição para o debate do Cebes sobre a “Determinação Social da Saúde”: repensando processos sociais, determinações e
determinantes da saúde

A revisão das teorias e modelos presentes na literatura Em termos filosóficos, o determinismo é uma
científica internacional pela Comissão propiciou uma corrente metafísica que afirma que todo fenômeno está
classificação em três tipos de abordagens: a) psicossociais: determinado necessariamente pelas circunstâncias ou
b) produção social de doença / economia política da saú- condições em que se produz e, portanto, os atos e ações
de; c) teoria ecossocial e modelos multiníveis relacionados. que envolvem os indivíduos não são resultado da livre
O modelo Diedericksen foi enquadrado na segunda escolha, mas dos determinações que os condicionam2.
abordagem, sendo descrito como oriundo de uma posição Quando um fator determinante exclui automaticamente
teórica denominada “materialista ou neomaterialista” que, todos os demais possíveis, o determinismo é visto como
por outro lado, “não nega as conseqüências psicossociais reducionista. A teoria marxista, por exemplo, tem sido
negativas da desigualdade de rendas” (Diderichsen et al., criticada como uma forma de determinismo econômico,
2001) . O conceito de ‘classe social’ é central no modelo pois argumenta que as forças e as relações de produção
original e fica subsumido na expressão ‘posição social’ do que definem a estrutura econômica de uma sociedade
novo modelo em construção, que se desenvolve tomando determinam as condições materiais de vida dos indi-
a ‘estratificação social’ como categoria produtora dos víduos segundo a classe social à qual pertencem. Não
diferenciais de exposição a condições potencialmente obstante, desde o marxismo se explica que não é bem
capazes de provocar alterações na saúde e diferenciais de essa a interpretação dialética da determinação econômi-
vulnerabilidade, seja em termos da saúde ou das condi- ca, uma vez que a dialética não pretende suprimir ou
ções de disponibilidade de recursos materiais. Seria na negar a existência de outras possibilidades de processos
própria sociedade, identificada sob a forma de ‘contextos de determinações diversas, mas encontrar a sua exata
sociais’ que se criaria a estratificação ao se distribuírem os relação com a realidade. Neste sentido, a determinação
indivíduos em diferentes posições sociais mediadas pelas econômica da vida material é a síntese concreta de múlti-
capacidades de consumo na lógica de mercado. plas determinações dialeticamente relacionadas entre si,
O modelo reinventado abandona o referencial ou seja, uma unidade sintética do que é diverso (Borón,
teórico original, que trabalha a partir da compreensão 1999). O desafio de encontrar uma inteligibilidade à
de um tipo de sociedade criada a partir de processos his- complexidade é maior hoje, pois, como demonstram
tóricos de apropriação e alienação que tem mantido, em Prigogine (1980) e Wallerstein (1999), a imensa diversi-
seus particulares estilos de desenvolvimento, as formas dade das experiências sociais contemporâneas não pode
de poder que permitem a existência de desigualdades e ser adequadamente explicada por uma única teoria geral
iniquidades estruturais na sociedade e que repercutem (Santos, 2005).
na saúde. As abordagens teórico-conceituais das DSS e da
O modelo construído tem claro caráter funciona- promoção da saúde, fortemente impulsionadas por agên-
lista, que é uma característica deste tipo abordagem por cias de cooperação internacional, da mesma maneira que
composição de parcialidades teóricas e não leva em conta o conceito ‘desenvolvimento sustentável’ é englobado
que o conceito de ‘determinação’ possui uma forte asso- pelo conceito integral de ‘desenvolvimento humano’
ciação com o pensamento estruturalista e que o termo elaborado por Amartya Sen para a Organização das
determinante pressupõe o processo de determinação. Nações Unidas (ONU). Nesta concepção, a liberdade de

2
O determinismo se diferencia do fatalismo, pois, neste último, supõe-se uma determinação ad eternum exterior ao indivíduo, enquanto para o primeiro, a ação
determinada sempre corresponde a um agente socialmente determinado.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 371-379, set./dez. 2009


TAMBELLINI, A.T.; SCHÜTZ, G.E. • Contribuição para o debate do Cebes sobre a “Determinação Social da Saúde”: repensando processos sociais, determinações e 377
determinantes da saúde

escolha do indivíduo adquire uma relevância difícil de falta de precisão conceitual, aliada a uma teorização
ser conciliada com o esquema de determinações sociais, frouxa sobre a relação saúde-sociedade, não permite
por mais funcionalista que seja a abordagem teórica na o entendimento dos mecanismos e, principalmente,
qual se encaixe. dos múltiplos processos socioeconômicos, ecológicos,
Estruturalistas críticos dessas abordagens geren- biológicos, psicológicos e culturais que se articulam
cialistas da ONU afirmam que, por resultarem úteis à na constituição do objeto saúde, o que leva à exclusão
tradição de racionalidade instrumental da modernidade das dimensões políticas, históricas e espaço-territorias
liberal, as mesmas foram rapidamente adotadas pelo desta proposição científica.
Banco Mundial e, em grande parte, cooptadas pelo Ao mesmo tempo, a definição esboçada do objeto
establishment econômico globalizado no sentido de que ‘saúde’ carece de um desenvolvimento conceitual que
admitem a necessidade de discussão de correções dos permita sua abordagem enquanto objeto complexo cujas
efeitos indesejáveis do modelo de acumulação capitalista, determinações estão sujeitas a graus variáveis de incer-
mas que de nenhuma maneira se propõem a mudá-lo teza e diversidade (Funtowicz; Ravetz, 1994; Porto;
(Galafassi, 2005). Freitas, 1997; Palma; Mattos, 2001). Neste sentido,
Enfim, o trabalho de Naomar procurou entender e pode-se considerar a tentativa de separar o par saúde/
se aprofundar no esquema conceitual que foi proposto doença operada pela Comissão da OMS como uma
nas primeiras fases de ideação do modelo o qual não está forma malograda de resolver as contradições inerentes
absolutamente claro. Retomando e aprofundando-se, a ao próprio objeto saúde. Um objeto situado em um
partir de uma análise crítica, nas propostas de autores processo de ‘vir a ser’ no qual acontecimentos, ações,
que aparecem no texto da OMS, o autor escolhe a determinações e acasos imprimem suas características
‘equidade em saúde’ como elemento a ser trabalhado. desordenadas dentro do grande numero de relações e
No artigo aqui apresentado, delineia como perspectiva articulações de natureza e formas variadas constituindo-
de análise o que chama de “proposta de articulação se num sistema complexo de determinações.
semântica”. Compreende-se que esta seja uma proposta Paim e Almeida Filho (2000) têm se preocupado
científica que necessita de competentes incursões inter- com a necessidade de construção de um novo marco
disciplinares para conseguir uma formalização de corte teórico conceitual para a Saúde Coletiva, dada a impor-
transdisciplinar. Ou melhor, acredita-se que se tornará tância que o diálogo entre saberes e práticas assume no
imperativo assumir a reflexão filosófica e atravessar, processo de produção do conhecimento neste campo
por dentro e pelo alto, as disciplinas do conhecimento da saúde. Nesta via, e concordando com Breilh, há de
científico para tentar uma formulação significativa que se superarem as abordagens reducionistas da epide-
faça nascer um conceito apto a ser desenvolvido. miologia clássica presentes na concepção da iniciativa
Resumidamente, pode-se apontar que a falta de “determinantes sociais de saúde da OMS”, de modo
explicitação conceitual sobre o termo ‘determinação’, que esta disciplina já assumida “como uma ciência
seu significado, forma e limitações permite que os estruturada a partir de objetos de estudo claramente
vários elementos – categorias – que compõem as definidos” (Breilh, 2008, p. 746) possa contribuir de
condições determinantes – condicionantes dos efeitos forma decisiva para o avanço do conhecimento que
observados – sejam colocados simplesmente como permitirá à humanidade a invenção e realização de
fatores e/ou situações sociais que os precedem. Esta sociedades saudáveis.

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378 TAMBELLINI, A.T.; SCHÜTZ, G.E. • Contribuição para o debate do Cebes sobre a “Determinação Social da Saúde”: repensando processos sociais, determinações e
determinantes da saúde

Como disse Navarro (2009): “It is not ‘inequalities’ Galafassi, G. Naturaleza, sociedad y alienación: ciencia
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Recebido: Agosto/2009
Aprovado: Setembro/2009

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 371-379, set./dez. 2009


380 DEBATEDORES / DISCUSSANTS

Uma introdução conceitual à determinação social da saúde*


A conceptual introduction to the social determination of Health

Paulo Fleury-Teixeira 1

1
Médico sanitarista e filósofo; RESUMO Este artigo apresenta uma introdução conceitual à determinação social
Pesquisador do Núcleo de educação em
da saúde. Aborda-se a determinação social dos indivíduos, o conceito de saúde e,
saúde coletiva (Nescon) da Faculdade
de Medicina da Universidade Federal
na sequência, procura-se esclarecer a determinação social da saúde. A abordagem
de Minas Gerais (UFMG); Pesquisador da determinação social dos indivíduos é apresentada a partir das obras de Hegel e
da Rede de inovação em tecnologias de Marx. O conceito de saúde é delineado a partir do campo da promoção da saúde,
gestão social (RITGS) da Secretaria de
estabelecido pela Carta de Ottawa e a partir dos principais indicadores de saúde.
ciência e tecnologia e ensino superior
(Sectes) do governo de Minas Gerais.
Ao abordar os conceitos presentes na determinação social da saúde faz-se uso das
paulofleury2009@gmail.com categorias e evidências dentro do enfoque psicossocial do tema. Trata-se, portanto, de
uma reflexão sobre a centralidade do caráter social na determinação dos indivíduos
e o nexo causal sociopsicológico na cadeia de determinação da saúde.

PALAVRAS-CHAVE: Determinação social da saúde; Saúde; Sociedade.

ABSTRACT This article presents a conceptual introduction to the social determination


of health. The issues to be addressed are the social determination of individuals, the
concept of health and, subsequently, an explanation on the social determination of
health. The approach to social determination of individuals is presented from the works
of Hegel and Marx. The concept of health is outlined from the field of health promotion,
established by the Ottawa Charter and from the main health indicators. Categories
and evidences within the psychosocial scope of the topic are used when approaching
the concepts that are present in the social determination of health. Therefore, it is a
reflection on the centrality of the social character in the determination of individuals
and the socio-psychological causal link in the chain of determination of health.

KEYWORDS: Social determination of health; Health; Society.

*Este artigo se baseou em um texto incorporado ao curso à distância de Especialização em Saúde da Família da Faculdade de Medicina da UFMG realizado em 2007.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 380-387, set./dez. 2009


FLEURY-TEIXEIRA, P. • Uma introdução conceitual à determinação social da saúde 381

I N T R O D U ç ão O enfoque psicossocial é uma das várias abordagens


possíveis da determinação social da saúde, das quais um
amplo painel é esboçado em “A problemática teórica da
determinação social da saúde” (Nota breve sobre Desi-
gualdades em Saúde como objeto de conhecimento),
Neste artigo, pretende-se fazer uma introdução artigo apresentado por Naomar Almeida-Filho em se-
conceitual ao tema da determinação social da saúde. minário sobre o tema realizado em maio de 2009 pelo
Essa abordagem impõe a consideração prévia da deter- Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes). Dentro
minação social dos indivíduos e também do conceito, ou do amplo quadro pincelado por Almeida-Filho, pode-se
significado, de saúde. O tema da determinação social dos identificar o presente artigo como uma reflexão dentro
indivíduos é necessário porque a saúde, seja qual for o sig- do reconhecimento do causal sociopsicológico na cadeia
nificado que lhe seja atribuído, não pode estar dissociada de determinação da saúde e que repousa, por seu turno,
da determinação geral da vida das pessoas. Em segundo na compreensão filosófica da centralidade da socialidade
lugar, o conceito de saúde precisa ser explicitado para que na determinação dos indivíduos.
esteja claro aquilo que estamos considerando.
Aborda-se primeiramente, portanto, a determinação
social dos indivíduos e, em seguida, o conceito de saúde.
Na sequência, como uma síntese desses dois tópicos, A DETERMINAÇÃO SOCIAL
procurou-se esclarecer a determinação social da saúde. DOS INDIVÍDUOS
Na abordagem da determinação social dos indivíduos, é
apresentado aqui o conjunto analítico estabelecido a partir É um consenso quase incontestado no âmbito do
das obras de Hegel, especialmente em A Fenomenologia do pensamento social contemporâneo que os indivíduos são
espírito (1992), de Marx, que trata do tema no conjunto fortemente determinados por sua posição na sociedade.
de sua obra, que tem A Ideologia alemã (Marx; Engels, Todos reconhecem que os meios materiais e espirituais
1987) como texto referencial dessa abordagem, assim como para o desenvolvimento e realização de capacidades aos
Lukács, principalmente com Ontologia do ser social (1981). quais os indivíduos têm acesso no curso de suas vidas,
Já o conceito de saúde é delineado aqui a partir da inflexão assim como a teia de relações peculiar em que cada in-
representada pelo campo teórico e prático da promoção divíduo realiza a sua existência, definem possibilidades
da saúde, consubstanciada na Carta de Ottawa, de 1984. e formam características das existências individuais.
Considera-se também o conceito implícito nos principais Essa determinação atravessa todas as dimensões
indicadores objetivos de saúde atualmente utilizados. Por da vida social.
fim, ao abordar os conceitos presentes na determinação É possível considerá-la desde o nível mais amplo, em
social da saúde, este artigo faz uso principalmente das que encontramos as relações econômicas e macrossociais,
categorias e evidências empíricas dentro do que pode ser que hoje são, certamente, definidas no plano mundial.
considerado um enfoque psicossocial do tema, cujo autor As possibilidades para o desenvolvimento e realiza-
de maior projeção é o epidemiologista Michael Marmot. ção de capacidades individuais, as expectativas, os valo-

1
Está claro também que o capitalismo se desenvolveu realmente nas primeiras condições e que as culturas patriarcais são periféricas na economia capitalista mundial.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 380-387, set./dez. 2009


382 FLEURY-TEIXEIRA, P. • Uma introdução conceitual à determinação social da saúde

res e o próprio caráter das pessoas são profundamente Por fim, a última mediação na determinação da vida
marcados pela estrutura econômico-social geral, que é de cada indivíduo é o próprio indivíduo. Dentro de seu
progressivamente mais mundial. Os padrões éticos em patrimônio material e espiritual e das condições reais de sua
geral, os níveis de competitividade e solidariedade entre vida, os indivíduos sempre têm a escolha dentre várias al-
as pessoas, os padrões e perfis mais gerais de consumo, ternativas como um elemento característico e ineliminável
entre outros fatores, são certamente delineados neste de seu comportamento. Isso quer dizer que a sequência de
nível macrossocial. determinações sociais, desde as características mais gerais
Então, como pode haver tanta diversidade de com- da sociedade até as mais particulares dos pequenos grupos
portamentos dentro das mesmas condições estruturais e das relações interpessoais, conforma as individualidades,
de uma sociedade? mas essas são ativas na escolha de seus atos. Essa escolha
Acontece que, em primeiro lugar, as grandes es- e o comprometimento individual e coletivo que podem
truturas econômicas da sociedade podem conviver com derivar daí são momentos críticos para a transformação da
uma relativa diversidade de padrões culturais. É possível, própria estrutura social, dos padrões de relações e valores
por exemplo, como observamos hoje, que a estrutura que conformam uma dada sociedade.
capitalista se desenvolva em culturas democráticas e
com tradição de respeito aos direitos civis, assim como
em culturas de padrão político autoritário e até mesmo
religioso e patriarcal1. O CONCEITO DE SAÚDE
Em segundo lugar, as grandes estruturas econômico-
sociais se farão presentes na vida das pessoas, determinan- A definição tradicional da saúde é puramente negati-
do-lhes o modo de ser por uma série de mediações, de va, considerada como a simples ausência de doenças. Essa
dimensões intermediárias, particulares, até a composição definição, tão contestada, como componente de uma visão
das condições de existência cotidiana de cada indivíduo. restritiva, puramente biológica e médica da questão da saú-
As condições materiais das diversas famílias e indivíduos de, certamente não se aplica a uma análise da determinação
dentro de uma mesma classe ou grupo social se aproxi- social da saúde. Ao contrário, por princípio, trata-se de
mam bastante, mas há semrpe alguma diferença, como, uma antidefinição, que nega qualquer perspectiva analítica
por exemplo, a existência de algum patrimônio deixado ao tema da saúde e reduz efetivamente toda a questão ao
por gerações anteriores. Do mesmo modo, as caracterís- tratamento e prevenção das doenças e lesões.
ticas culturais das pessoas dentro de uma classe ou grupo Outra definição também já tradicional é a da Cons-
social tendem a certa homogeneidade que as distingue de tituição da Organização Mundial de Saúde (OMS), de
outras classes e grupos sociais. Os valores éticos, os gostos 1946, que considera a saúde como um estado de perfeito
estéticos, as características das relações interpessoais (as bem-estar (OMS, 2006). Essa é uma concepção positiva,
relações amorosas e as relações entre adultos e crianças, por mas que tem alguns inconvenientes. Em primeiro lugar,
exemplo) têm traços comuns que marcam grupos sociais há a indeterminação, a incapacidade de especificar o
distintos. Porém, assim como nas condições materiais, objeto que se pretende definir. Em segundo lugar, e es-
as diferenças também estão presentes dependendo da treitamente relacionado ao primeiro inconveniente, está
história particular de cada subgrupo, de cada família, de o fato de se postular a saúde como um estado ideal de
cada indivíduo. plenitude, que seria o objetivo final, nunca atingível, da

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 380-387, set./dez. 2009


FLEURY-TEIXEIRA, P. • Uma introdução conceitual à determinação social da saúde 383

existência e da vida de todas as pessoas. Ora, certamente Sob esse ponto de vista, pode-se identificar a saúde
não é este o sentido concreto que na vida cotidiana é como a capacidade psíquico-fisiológica, isto é, como
atribuído ao termo saúde. capacidade psicofisiológica para exercício ativo de si dos
Uma terceira definição que tem conquistado progres- indivíduos para a sua realização na vida. Saúde, capaci-
sivamente mais espaço no setor saúde é a sua visualização dade psicobiológica é, certamente, uma condição parcial
como um meio, um recurso para a vida das pessoas (OMS, para a realização dos indivíduos na vida, uma condição
1986). Essa também é uma definição positiva que, no que, ao mesmo tempo, abrange e é condicionada pelas
entanto, não incorre nos vícios da definição anterior. determinações de sua existência como ser biológico.
Esta terceira definição, muito difundida no campo da Implícita ou explicitamente, esta definição é obje-
promoção da saúde, se aproxima do uso corrente do tivamente adotada quando se busca avaliar as condições
termo e permite a clara distinção da saúde em relação aos de saúde de certo universo humano, ou o impacto sobre
outros recursos e condições da realização da vida humana, a saúde de uma dada intervenção (planos, projetos,
determinando o seu espaço dentro dos objetivos de vida programas, protocolos etc.). De fato, os conceitos
das pessoas. e as medidas tanto de saúde autorreferida como de
Concebendo-se a saúde como um meio ou uma ‘expectativa de vida’ ou ‘anos de vida saudáveis’, ou
condição para a realização da vida, é preciso necessa- ainda os seus correlatos negativos, os coeficientes de
riamente distinguir a saúde da totalidade da vida e, mortalidade e incapacidade, referem-se sem sombra
portanto, do conjunto dos objetivos da vida dos homens. de dúvida à vitalidade, à capacidade psicofisiológica
A vida humana, obviamente, impõe objetivos que não dos indivíduos.
se restringem à saúde e que, muitas vezes, se mostram Entende-se, de acordo com essa concepção, que,
superiores à saúde nas escalas de valores que orientam as dentro do complexo dinâmico do desenvolvimento hu-
escolhas individuais. Esse fato se manifesta claramente mano, o campo institucional da saúde – o setor saúde –
quando a vida individual e a saúde são postas em risco tem como objetivo específico a promoção, a proteção
em função da realização destes valores (sejam eles valores e a recuperação da vitalidade psicofisiológica. Essa é a
éticos universais ou valores relativos à família, ao amor, sua responsabilidade institucional.
ao trabalho, à pátria, ao prazer, entre outros). Essas Mas, com isto, não se restringiria novamente a atua-
atitudes se justificam, por si mesmas, como expressões ção do setor saúde ao campo biológico, ou biopsíquico?
práticas de uma determinada postura social e cultural e Claro que não! O que se obtém com esta deli-
não por seu resultado para a saúde dos praticantes. mitação do conceito de saúde não é a eliminação das
Pode-se concluir, portanto, que, ao se considerar dimensões sociais de seu universo de interesse teórico
a saúde como meio para a vida ou para a realização dos e do campo de sua prática. Ao contrário, explicita-se o
indivíduos na vida, certamente ela não pode ser confun- compromisso do setor saúde e o seu objetivo específico
dida com a totalidade da realização de si dos homens e, no conjunto das políticas públicas, já que não apenas a
portanto, é imposta uma restrição ao conceito de saúde saúde está em jogo no universo social e outros setores
que não se encontra na primeira definição da OMS. da vida social têm outros enfoques e objetivos. Com
Desse modo, a saúde é tomada como um dos elementos essa demarcação, é possível que a abordagem do social
da qualidade de vida e uma das condições objetivas para o no setor saúde se torne mais objetiva, operacionalizável
desenvolvimento humano, e não como o seu conjunto. e efetiva.

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384 FLEURY-TEIXEIRA, P. • Uma introdução conceitual à determinação social da saúde

DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE dos indivíduos. Essas condições são essencialmente


determinadas pela posição dos indivíduos na hierarquia
Tendo sido examinada a determinação social dos indi- social e na divisão social do trabalho e da renda.
víduos e especificado o que é a saúde, não é preciso grande Há aí um campo da determinação social da saúde
esforço para compreender a determinação social da saúde. que podemos chamar genericamente de físico ou am-
Ao longo de nossas vidas, nos desenvolvemos – re- biental. É mais do que evidente o grande diferencial
cebemos, reproduzimos, desenvolvemos e criamos meios de risco ambiental ou físico a que estão submetidos os
de realização – e nos realizamos de uma maneira ou de indivíduos conforme a sua posição social. Esse gradiente
outra. O indivíduo, de acordo com a sua posição no or- social se manifesta na comparação entre países e, no
denamento social, tem acesso aos meios produzidos e dis- interior dos países, na comparação entre os diversos es-
ponibilizados pela humanidade, realizando suas potências tratos sociais. A exposição a agentes biológicos, químicos
naturais dentro das condições e possibilidades do meio ou físicos danosos, a deficiência nutricional, o desgaste
social em que vive, assim como desempenha potências físico generalizado ou o esforço repetitivo no trabalho
que são de origem essencialmente social. A realização de são características das condições sociais de pobreza ou
si dos indivíduos constitui, por sua vez, momento ativo miséria que ainda acometem a maior parte da popu-
do desenvolvimento humano genérico. Na efetivação e lação mundial. Além da maior exposição aos riscos, a
desenvolvimento de si, os indivíduos organizam e trans- vulnerabilidade das populações carentes é ampliada pela
formam grupos humanos nos mais diversos níveis e, de deficiência no acesso à educação e aos serviços de saúde,
um modo ou de outro, a própria humanidade. Por fim, o que reduz a sua capacidade de lidar com tais riscos.
para os próprios indivíduos, que são concentrações vivas Mas a determinação social da saúde não está cir-
e pontos de interação da rede social, a transformação da cunscrita aos males provenientes da exposição aos riscos
sociedade resulta em novas condições de ser, novas con- de dano fisiológico, que são característicos da pobreza.
dições de sua existência, inclusive psicofisiológica. Não há um campo de determinantes sociais sobre a saúde
As condições sociais são efetivamente base para o mais sutil, mas igualmente intenso. Trata-se do campo
padrão sanitário de um povo, assim como a posição de comumente chamado de determinantes psicossociais.
cada indivíduo na sociedade é uma base da própria saúde. O grau de reconhecimento, o nível de autonomia e de
Isso se comprova pelo fato de que, ao retrocedermos nas segurança, assim como o balanço entre esforço e recom-
séries causais dos principais grupos de patologias e agravos pensa e entre expectativas, realizações e frustrações que os
daqueles que têm maior impacto negativo para a saúde nas indivíduos obtêm no curso de suas vidas são igualmente
diversas sociedades, encontramos, entre os determinantes determinantes de suas condições de saúde. De fato, esse
finais e com grande peso, as condições sociais de vida. campo da determinação social da saúde é cada vez mais
As condições de habitação e ambientais do perido- relevante, estando na base da série causal dos principais
micílio, a existência de restrições no acesso à alimentação problemas de saúde da atualidade no mundo em geral e
e a outros bens fundamentais, as características físicas mesmo nos países de renda média e baixa.
das atividades realizadas no trabalho, assim como as Em relatório de 2005, a OMS postula que, no mundo
condições do ambiente em que se realiza o trabalho, em geral e nos países de média e baixa renda em particu-
podem implicar uma série de riscos à saúde que, em lar, ao se considerar o impacto em mortalidade, os três
geral, estão além da possibilidade de controle por parte principais problemas de saúde são, em ordem decrescente:

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FLEURY-TEIXEIRA, P. • Uma introdução conceitual à determinação social da saúde 385

doenças cardiovasculares, câncer e traumas; ao se considerar sempre consideram estes determinantes sociais apenas
o impacto sobre a perda de anos de vida saudáveis, os três como fatores de confusão (confounders).
principais problemas de saúde, também em ordem decres- Pearce, um pesquisador neozelandês, mostra, em
cente, são: doença mental, trauma e doença cardiovascular. estudo de 1996, que um grande número de estudos
É fato conhecido que fatores psicossociais têm grande peso sobre fatores de risco para diversos cânceres identificam
nas cadeias causais de todos esses problemas. a pobreza ou classe social baixa como fator de risco para
a neoplasia, mas o tratam como mero confounder.
No entanto, a determinação social da saúde encontra as
Evidências da determinação social da saúde mais amplas evidências, seja na análise histórica, seja dentro
Afirmei anteriormente que há um consenso quase dos próprios padrões da pesquisa epidemiológica contem-
incontestado quanto à determinação social dos indi- porânea. Obviamente, não se trata de negar a determinação
víduos no campo da teoria social que é, no entanto, genética das condições de saúde, mas de precisar o seu peso
quebrado por uma linha de pensamento que ainda em face dos determinantes comportamentais e sociais.
tem alguma penetração no campo social e na cultura São várias as evidências históricas de graves pro-
médica. Trata-se da concepção liberal da economia e blemas de saúde que são controlados ou mesmo desa-
da sociedade que pretende que as atitudes e os compor- parecem com a modificação das condições sociais das
tamentos individuais são fundamentalmente frutos da populações antes ou independentemente do acesso a
escolha individual e que, em última instância, as bases recursos médicos terapêuticos ou preventivos contra o
da personalidade e do comportamento dos indivíduos problema. Caso bem estudado e documentado é o da
são determinadas pela natureza. tuberculose que, nos países desenvolvidos, teve a sua
No campo da saúde, essa visão naturalística e incidência drasticamente reduzida muito antes da desco-
individualista da vida humana e dos comportamentos berta e do início do uso dos primeiros tuberculostáticos
individuais encontra grande sintonia com a abordagem devido às melhorias das condições de habitação, nutrição
exclusivamente biológica dos problemas de saúde. Por um e trabalho das massas que ocorreram nesses países a partir
lado, esses problemas são reduzidos, ao máximo possível, da segunda metade do século 19 (McKeown, 1976).
a fenômenos de base puramente natural, doenças cujas Esse exemplo, no entanto, se refere àquele conjunto
explicações só podem ser encontradas na determinação de determinantes sociais da saúde que denominamos físi-
genética e em sua expressão fenotípica vinculada ao am- cos ou ambientais e que estão, de modo geral, vinculados
biente físico e aos comportamentos individuais. Por outro às condições de pobreza e miséria. A alteração das con-
lado, esses comportamentos são tratados como objeto de dições da saúde em função da alteração dessas condições
uma escolha individual que pretende ser essencialmente ambientais, mesmo que devido à alteração das relações
livre, independente de determinantes sociais. sociais, ainda poderia ser analisada dentro do marco ex-
A doutrina da medicina baseada em evidências, clusivamente biológico e naturalístico que compreende o
capturada por este foco, não tem sido capaz de reconhe- indivíduo isolado em sua relação com o meio.
cer os determinantes sociais subjacentes aos principais A questão é muito diferente quando se trata das doenças
problemas de saúde mundiais. As pesquisas para a de- e agravos não transmissíveis, os principais problemas de saúde
terminação dos fatores de risco para problemas, como no mundo contemporâneo. Nesse caso, existem evidências
as neoplasias e as patologias cardiovasculares, quase de que as condições sociais atuam preponderantemente por

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386 FLEURY-TEIXEIRA, P. • Uma introdução conceitual à determinação social da saúde

mediação psíquica, isto é, por seu efeito sobre as emoções pes- social com relação à mortalidade. Ora, se os chamados
soais no curso da vida, e a qualidade e o caráter das interações comportamentos de risco não podem explicar o gra-
sociais estão diretamente implicados nessa determinação. diente social da mortalidade e do risco cardiovascular,
O conjunto mais rico de evidências nesse sentido o que poderia, então?
tem sido evocado por longos e amplos estudos de coorte Alguns dados ajudam a encontrar a pista para ob-
sobre os funcionários públicos do Reino Unido, conhe- termos esta resposta.
cidos como estudos Whitehall I e II. Os mesmos gradientes de mortalidade e de ateros-
O achado mais importante e consistente desses traba- clerose acompanham a hierarquia social também em pri-
lhos é a existência de um gradiente, em nível de saúde, me- matas. Estudos em babuínos revelam que os marcadores
dido pela expectativa de vida e pela incidência de doenças bioquímicos de stress acompanham o mesmo gradiente de
e eventos cardiovasculares, que companha rigorosamente hierarquia social, que são piores nos níveis mais baixos e
o gradiente social, medido pelo nível hierárquico dos fun- melhoram progressivamente até o mais alto nível hierár-
cionários. A expectativa de vida cresce e a incidência dos quico. Essa correlação entre indicadores de stress e nível
eventos cardiovasculares cai à medida que se eleva o nível hierárquico também é encontrada em crianças de dez anos
hierárquico das categorias profissionais. A incidência de de idade, considerando-se o nível social de seus pais.
depressão também acompanha o gradiente social e é um Além disso, os estudos Whitehall e um conjunto
forte fator preditor de suicídio, assim como de doença de outros estudos de coorte revelam correlação negativa
cardíaca. Esses resultados são corroborados por estudos entre o nível de controle sobre as condições de trabalho
realizados nos Estados Unidos e em outros países. e a doença coronariana ou a doença cardíaca em geral,
A correlação entre nível de saúde e condições sociais ou ainda as desordens psiquiátricas menores e sintomas
se manifesta também quando se considera não a posição depressivos. À medida que cresce o nível de controle no
dos indivíduos na hierarquia social, mas o seu nível trabalho, a incidência desses problemas reduz2.
educacional ou o nível social de seus pais. Parece razoável concluir, portanto, que fatores psi-
A mesma correlação se apresenta quando se consideram cossociais, como o nível de reconhecimento, autonomia
marcadores bioquímicos de risco cardiovascular, como o nível e segurança, e o balanço entre esforço e recompensa,
sérico de colesterol, triglicérides, glicose ou fibrinogênio. entre demandas e controle, entre expectativas, realizações
Também acompanham esse gradiente os fatores de e frustrações que os indivíduos alcançam ao longo de
risco tradicionais relacionados às doenças cardiovascula- sua vida, assim como a rede social que constroem, têm
res, atribuídos por alguns a comportamentos de escolha maior impacto sobre o seu nível de saúde. Em outras
individual plenamente livre, ou inverso, ao determinis- palavras, podemos concluir que a qualidade e o padrão
mo genético, como o tabagismo, a obesidade central das relações sociais são elementos que possuem ampla e
(medida pela relação cintura/quadril), o sedentarismo inquestionável determinação sobre a saúde, que se realiza
e a limitação nas relações pessoais. predominantemente pela mediação psíquica, sendo a via
Contudo, os estudos Whitehall mostram que esses do estresse crônico o mecanismo de ação mais conhecido
fatores de risco respondem por apenas 30% do gradiente para essa determinação3.

2
Esse conjunto de dados, proveniente dos estudos Whitehall e o, está consolidado nas obras de Michael Marmot (2004), Marmot e Siegerist (2006) e Marmot
e Willkinson (2003).
3
Uma síntese dos mecanismos de ação por meio dos quais o estresse crônico pode levar à doença cardiovascular pode ser encontrada em Vale (2005).

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388 DEBATEDORES / DISCUSSANTS

Determinantes sociais da doença


Social determinants of illness

Volnei Garrafa 1

Jorge Cordón 2

1
Professor Titular da Cátedra Unesco RESUMO O trabalho apresenta um estudo crítico da determinação social
e do Programa de Pós-Graduação em
das doenças a partir das relações sociais configuradas no processo de produção
Bioética da Universidade de Brasília
(UnB).
e acumulação capitalista. Avaliando a atenção em saúde como um processo
volnei@unb.br historicamente determinado, os autores constatam que, no cuidado médico-
profissional verificado no Sistema Único de Saúde brasileiro, o custo do trabalho
2
Professor Associado da Cátedra
é incorporado ao custo da mercadoria. Isso contribui para um crescente grau de
Unesco e do Programa de Pós-
Graduação em Bioética da UnB.
alienação dos trabalhadores de saúde do sistema público, com incompreensão
colectiva_jacp@yahoo.com.br das reais razões de adoecimento das pessoas, principalmente aquelas mais pobres.
Ao final, o estudo aponta alguns caminhos para sair da escuridão, partindo da
necessidade de construção de uma prática negadora do status quo do processo
sanitário brasileiro.

PALAVRAS-CHAVE: Causalidade; Sistema Único de Saúde; Ocupações


em Saúde; Política.

ABSTRACT This work presents a critical review of the social determination of


diseases from the social relations that are arranged in the capitalist production and
accumulation process. Assessing healthcare services as a historically determined
process, the authors note that, in the case of the Brazilian Unified Health System, the
labor cost is incorporated to the merchandise cost. This contributes to a growing degree
of alienation of public healthcare system employees, as well as to the misunderstanding
of the real causes of illnesses, particularly of the poorest populations. Ultimately, this
study presents some options, starting from the necessity of constructing a practice
which denies the status quo in the Brazilian sanitary process.

KEY WORDS: Causality; Single Health System; Health Occupations;


Politics.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 388-396, set./dez. 2009


Garrafa, V.; Cordón, J. • Determinantes sociais da doença 389

I N T R O D U ç ão ções objetivas para que pessoas e sociedades estejam sa-


dias ou enfermas neste mundo globalizado: as ‘alianças
de classe’ que, segundo Navarro, são as determinantes
principais das ‘não mudanças’ (Navarro, 2009) e das
relações sociais de produção delas decorrentes. Mais
importante, ou politicamente mais comprometido
É inegável que a decisão da Organização Mundial que o estudo da determinação social da saúde, é a
da Saúde (OMS) em organizar e divulgar seu Informe determinação social da doença, ou seja, a busca das
sobre os determinantes sociais da saúde proporcionou respostas concretas ao que limita ou mata as pessoas
significativa abertura internacional para novas discussões (pobres) nas sociedades de consumo contemporâneas.
conceituais e políticas, tanto no setor social como um Contextualizando o estudo no caso brasileiro, as re-
todo, como no setor sanitário, de modo mais específico. flexões abordarão criticamente o produto decorrente
No entanto, ao mesmo tempo gerou justificadas preo- das relações sociais de produção verificadas no Sistema
cupações. Uma crítica recente publicada em conceitu- Único de Saúde (SUS).
ado periódico internacional sobre o referido Informe
elogiou a análise geral e muitas das determinações nele
contidas, culpando-o duramente, contudo, por ignorar
as relações de poder que configuraram os determinantes A ATENÇÃO EM SAÚDE COMO
nele contidos (Navarro, 2009). O mesmo estudo chama PROCESSO HISTÓRICO
a atenção para o fato de que devemos passar a centrar
nosso olhar para a prática concreta e não para as teorias O enfoque prioritário utilizado nos últimos anos
do neoliberalismo. pelas ciências sociais aplicadas ao setor da saúde vem
Em outras palavras, a crítica centra principal- proporcionando visões restritas dos fatos ao utilizar
mente no fato do documento ter mostrado os avanços conceitos e categorias que explicam apenas parcial-
mundiais que determinam a saúde e as mazelas que mente a situação sanitária encontrada. Tais abordagens
ocasionam as doenças, evitando entrar na essência têm se mostrado insuficientes para proporcionar uma
das razões que as criam. Tais razões são as responsá- visão total e concreta da problemática da saúde como
veis pelo fato de a maior parte da população mundial manifestação particular e especificamente histórica,
ainda não ter acesso aos benefícios do extraordinário que expõe e reproduz as contradições sociais assumidas
desenvolvimento científico e tecnológico constatado nas lutas políticas pelo projeto hegemônico de classe: a
no campo biomédico nas últimas décadas. A distri- acumulação capitalista.
buição dos benefícios segue crescentemente desigual; No final do século passado e mesmo no início do
a inacessibilidade persiste: a universalidade do acesso século 21, muitos estudos foram realizados além do atual
aos referidos benefícios pelas populações desprovidas Informe da OMS com relação aos determinantes sociais
continua sendo uma meta distante. da saúde. No entanto, a maioria destes estudos têm se
O objetivo do presente estudo é analisar as causas pautado em construções abstrato-teórico-abstratas, sem
que estão por trás de todo esse quadro, apontando os se vincular organicamente a uma práxis transformadora
principais fatores socialmente determinantes das condi- a partir de problemas políticos concretos verificados em

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390 Garrafa, V.; Cordón, J. • Determinantes sociais da doença

formações econômico-sociais determinadas, como aqui quais sofre e tem necessidades, submetido à ação do
procuraremos fazer com o caso brasileiro tendo como outro – a força de trabalho profissional em saúde – que
referência o SUS. tem concentrado e monopolizado os conhecimentos,
Representativa parte dos intelectuais que se dedi- atitudes e habilidades (questões objetivas e subjetivas
cam ao tema dos fatores determinantes da saúde e das do trabalho profissional).
doenças, no entanto, utilizam instrumental teórico que, Esta relação de intercâmbio é entendida como um
ao invés de desentranhar e expor as razões íntimas dos processo de trabalho no qual o objeto é o ser humano
desequilíbrios constatados no espaço social estudado, nas suas necessidades tanto biológicas como psicológicas;
proporciona análises mecanicistas inarticuladas com o e é nesta relação, por meio da qual o conhecimento se
fazer orgânico das classes dominadas. corporifica em instrumentos e condutas, que emerge e
Quando se considera o problema da saúde como é constituído o cuidado médico-profissional. Este é o
totalidade concreta e comprometido com a libertação das nível técnico desta relação.
classes oprimidas, na expressão freireana (Freire, 1974), O nível social se dá no processo mediante o qual
aparecem três instâncias que proporcionam aprofunda- os conhecimentos são investidos e legitimados no exer-
mento de análise: o saber, o processo saúde-doença e a cício da atenção à saúde. Neste processo é consumido o
prática dos intelectuais do setor. O saber, como consequ- próprio cuidado – ou seja, o trabalho de seus agentes e
ência do processo de apropriação do conhecimento pelas instrumentos – e não seu resultado, que só vai se realizar
classes trabalhadoras; o processo saúde-doença, como na vida de cada pessoa, no uso e no consumo da força
resultante de condições objetivas e subjetivas relacionadas de trabalho de cada um, tudo isso inserido no próprio
à qualidade de vida; e a prática dos intelectuais do setor, processo produtivo. Desta relação se derivam algumas
entendida no enfoque gramsciano de organicidade e características do cuidado profissional (ou médico, se
comprometimento com transformações que diminuam preferirem os leitores), entendidas como unidade de
as distâncias entre aqueles que trabalham e aqueles outros produção e consumo:
que unicamente exploram a mais-valia do trabalho.
Ao contrário desta sistematização, pela falta de • como significado valorativo; como unidade de
aproximações teórico-metodológicas adequadas, acaba- intercâmbio ou troca (mercadoria) de seu próprio valor;
se por não diferenciar o que realmente significa a prática com valores vitais que toma como objeto; com valores
do capital no espaço saúde, em determinadas conjuntu- socialmente atribuídos a estes valores vitais (de uso e
ras de crise de realização, crise do Estado, etc. que, nesse intercâmbio).
enfoque, supostamente seriam práticas essencialmente
diferentes. O mesmo acontece ao não se distinguir, nas • como processo de trabalho, que significa um
análises da realidade de saúde, o que significa trabalho, conjunto de relações entre conhecimentos, técnicas,
produto social acumulado e mercadoria geradora de relações sociais e necessidades a serem satisfeitas, que,
valor na relação social da saúde. ao serem elementos que compõem tal processo, ca-
No espaço da saúde e particularmente na opera- racterizam a forma histórica do cuidado profissional.
ção do SUS, coloca-se como a unidade mais simples Neste processo, tais necessidades possuem uma dupla
de análise o cuidado profissional, entendido como a determinação: histórica, influenciada pelos aspectos
relação de intercâmbio entre dois indivíduos, um dos biológicos; e o processo de medicalização.

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Garrafa, V.; Cordón, J. • Determinantes sociais da doença 391

• como necessidades vitais criadas pelos hábitos e de produção capitalista. O trabalhador individual é
costumes dos usuários ou pelo chamado “modo de andar substituído cada vez mais como agente, pelo trabalho
na vida” que, por sua vez, determinam necessidades ao socialmente combinado (tecno-automatização).
definir socialmente o espaço das coberturas. Aqui se origina Deve-se entender, ainda, como a distribuição e con-
outra contradição fundamental das práticas de saúde que, sumo do instrumental produzido pelo setor industrial
ao estarem orientadas ao cuidado dos valores vitais como estão envolvidos no ‘cuidado profissional’, ou seja, como
objeto, são aplicadas conforme o uso social e historicamente seu custo é incorporado ao valor do atendimento, com
atribuído, gerando, naturalmente, distorções. a produção e consumo da atenção médica propriamente
dita se dando simultaneamente à realização do valor
Nesta linha de ideias, um dos polos de reflexão rela- dessas mercadorias do setor industrial. Assim, o espaço
ciona o modelo de desenvolvimento do conhecimento em do consumo médico-profissional consiste também em
saúde com os valores de uma formação social, enquanto um setor de consumo produtivo. A produção destas
outro compreende o modelo de desenvolvimento de suas mercadorias (instrumental médico-profissional), por
possibilidades. Todo este processo, por sua vez, possui sua vez, produz, além do objeto de consumo, o modo
uma organização que funciona como infraestrutura e o instinto do consumo. É neste nível, portanto, que
econômico-social que se articula com outros níveis. se dá a reprodução de dito setor do capital (Tercero;
Cordón, 1977).
Como na produção industrial a materialização do
conhecimento em técnica está mediatizada dentro da ra-
AS PRÁTICAS DE SAÚDE COMO MODO cionalidade capitalista, é lógico pensar que o viés técnico
DE PRODUÇÃO CAPITALISTA venha a dominar o viés da prestação do cuidado. Ainda
que o conhecimento do profissional de saúde estabeleça
Para compreender a articulação da prática da saúde relações de determinado-determinante, organizando o
com a produção capitalista, é necessário compreender o cuidado em termos de condutas, permanece uma relativa
trabalho em saúde no sentido de que se relaciona com autonomia na postura profissional frente ao processo de
a criação de valor e que tem sua função relacionada às trabalho, conduta esta que reproduz o modo de vida
classes sociais e às mudanças introduzidas pelo capita- dominante que parece não incorporar as técnicas neste
lismo monopolista a estas relações. próprio cuidado.
O trabalho em saúde está referido, a longo prazo, Nesta linha de análise, deve ser lembrado ainda
como valor de uso para a força de trabalho; e a curto que a técnica, na sua dimensão de instrumentos, possui
prazo, como valor de troca para sobrevivência do traba- determinados setores de produção, distribuição, inter-
lhador e valor de uso para seu comprador, valor de uso câmbio e consumo, com a especificação de que para
este que a classe hegemônica coloca como corporificação seu próprio uso ou consumo é exigida a intervenção de
do capital no processo de produção imediata. Trata- agentes que possuem o controle monopólico das formas
se, portanto, de compreender o cuidado profissional de sua utilização. Desta maneira, o valor incorporado
como mantenedor e recuperador da força de trabalho, nestas mercadorias, na atual forma de organização do
aumentando a produtividade e dando caráter produti- SUS, somente acontece com o consumo do trabalho
vo ao trabalho em saúde no mesmo sentido do modo especializado do médico, odontólogo, enfermeira,

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392 Garrafa, V.; Cordón, J. • Determinantes sociais da doença

psicólogo, assistente social, administrador, enfim, de da mais-valia da indústria ligada ao setor saúde (medica-
todos os agentes desse setor. Assim, o custo do trabalho mentos, equipamentos, instrumentos e outros).
profissional é incorporado ao custo da mercadoria. Nesta situação surge uma prática discursiva que
Por outro lado, o intercâmbio na relação profissio- permite um espaço de múltipla confluência no sentido
nal-paciente permite a circulação de dinheiro, deter- da formação de objetivos e convergências discursivas,
minando a consolidação de profissionais de alto poder dando passo em direção à multidisciplinaridade: uma
aquisitivo para o consumo de produtos industriais. prática ideológica, concentrada em nível da chamada
No modo de produção capitalista, o valor da merca- consciência da profissão como mercadoria, com status
doria se determina pela quantidade de trabalho investido desigual frente a outras categorias sociais; e uma prática
na sua produção, sendo seu valor final a soma de todos empírica experimental, na qual se tentam construir no-
os momentos de sua elaboração. A força de trabalho vira vas formas de existência da igualdade, que fortalecem
mercadoria, sendo seu valor determinado, como qualquer o surgimento de representações diferenciadas. Desta
outra mercadoria, pelo tempo de trabalho necessário para maneira, da forma como está sendo hoje desenvolvido,
sua produção e reprodução (Marx, 1974). Os custos da o SUS constitui um sistema conservador das estruturas
formação da força de trabalho, por sua vez, são atribuídos ao das práticas de saúde hegemônicas, fato que merece ser
Estado e, portanto, socializados. Neste sentido, as ciências aprofundado e, se confirmado, sofrer profundas trans-
da saúde participam na reprodução da força de trabalho formações neste particular.
por meio dos serviços de atenção prestados no SUS, sendo Cada formação social representa uma totalidade
os profissionais de saúde assalariados do Estado. histórica concreta. Ao se considerar a prática da saúde –
Por outro lado, no contexto do processo produtivo, o dentro desse marco – como um modo de produção es-
cuidado em saúde participa na manutenção e recuperação pecífico, se está aceitando um momento intermediário
da força de trabalho. Os intelectuais da saúde, agentes da análise, onde se estuda o modo abstrato-abstrato
do processo saúde-doença, passam a ser os árbitros que da prática em saúde. Esse fato, no entanto, não deriva
definem, em termos das exigências do processo produtivo, da aplicação praxiológica do concreto do pensamento
as condições e a situação da força de trabalho. assumido na formação social específica.
O trabalho em saúde, ao aumentar a produtividade É impossível explicar de uma maneira coerente o
e diminuir os riscos de doença na força de trabalho, fato de existirem variadas práticas que em nível social
incorpora-se na mercadoria-força de trabalho que re- foram dominantes num período histórico e que ainda
almente cria valores, contribuindo para a diminuição hoje, em círculos reduzidos, se conservam. Especial-
relativa de seu valor e aumentando a mais-valia. O mente, é difícil analisá-las na articulação que têm com
cuidado médico-profissional, portanto, participa no o desenvolvimento da tecnologia e do conhecimento em
aumento da mais-valia relativa e, desta forma, contribui saúde, sem serem entendidas na sua função política mais
na criação da mais-valia absoluta. geral, em nível do Estado, como reprodutor das condi-
Deste modo, o cuidado médico-profissional em ções exteriores ao processo da produção imediata. Isto é,
saúde possibilita o aumento da exploração da força de importa saber o eixo de desenvolvimento de tais práticas
trabalho. E esse valor é dual, pois submetido à categoria sob a dominação do projeto de acumulação capitalista
de mercadoria, seu custo resulta, de uma parte, do paga- em nível mundial e sua expressão nos espaços concretos
mento do trabalhador em saúde e, da outra, da realização dos Estados e no espaço saúde em particular.

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Garrafa, V.; Cordón, J. • Determinantes sociais da doença 393

O modo de produção é o espaço onde acontece pela indústria mais recentemente, onde o homem se
a luta de classes em seus diversos níveis (ideológico, comporta unicamente como supervisor e regulador do
jurídico-político, econômico, etc.) numa caracteriza- processo produtivo a partir da forte automatização das
ção de determinação abstrata (Marx, 1974). A prática forças produtivas sociais em geral.
médico-profissional em saúde não é um nível ou uma
instância dessa categorização, que se relaciona com as
outras instâncias. A saúde é um espaço particular de uma
formação social, onde tal formação se manifesta em forma ALGUNS CAMINHOS PARA
singular, num momento histórico concreto, assumindo, SAIR DA ESCURIDÃO
ela mesma, a totalidade desse espaço determinado.
No SUS, como já foi dito, a categoria de análise Tudo o que foi discutido até aqui pretende significar
de determinação mais simples é o “cuidado médico- uma expressão política concreta relacionada com a práxis
profissional”, entendido como uma relação de troca em social dos trabalhadores da saúde como sistematizadores
um processo de trabalho onde é consumida a atenção e eixos essenciais do projeto alternativo de negação da
profissional em si e não o seu resultado. A categoria mais situação de saúde hoje constatada no Brasil.
concreta para analisar este aspecto é aquela que se refere É necessário não somente procurar articular a
à relação da produtividade do profissional no próprio saúde com a sociedade por meio de relações de in-
processo produtivo. Dependendo de onde esteja colo- tercâmbio, mas buscar a relação deste setor com a
cado, este profissional (médico ou outro) se incorporará produção. Do contrário, ter-se-á uma visão fragmen-
ao grupo dos trabalhadores coletivos (assalariado direto tada da realidade e desvinculada da relação geradora
da indústria ou do Estado) ou dos explorados (prestação da totalidade na sua expressão particular no espaço
de serviços às empresas e planos de saúde genuinamente da saúde. O que se necessita buscar é a articulação
capitalistas), enfrentando de forma direta o capital. real da produção, na sua conjuntura hegemônica
Deve-se deixar claro que conservar o valor de com o capital monopólico e com o desenvolvimento
troca da força de trabalho é tarefa que acontece fora do do projeto de saúde em sentido mais geral, assumido
processo produtivo imediato. O cuidado em saúde não politicamente pelo Estado como projeto hegemônico
se articula de modo produtivo e direto na produção da classe dominante.
capitalista, ao elevar ou manter, recuperar ou reprodu- Aqui surge uma novidade: a enorme contribuição
zir a força de trabalho, aumentando sua produtividade da Bioética, particularmente da chamada Bioética de
e diminuindo os riscos que esta possa vir a sofrer. Se, Intervenção, modelo teórico/aplicado utilitarista e
por um lado, é certo que o exercício das práticas de consequencialista, que discute os problemas emergen-
saúde contribui para a elevação da produtividade no tes e persistentes do SUS como instrumental teórico-
processo de produção social, por outro tal valorização metodológico para a busca de uma visão transforma-
é considerada como produto do desenvolvimento do dora da realidade e negadora da atual prática da saúde
indivíduo social, onde a apropriação de tempo de tra- verificada no país (Garrafa, Porto, 2003; Porto,
balho alheio constitui o fundamento da riqueza atual. Garrafa, 2005).
Tudo isso, contudo, aparece de modo muito tímido É indispensável registrar uma vez mais a importân-
quando comparado com o fundamento desenvolvido cia da determinação social do processo saúde-doença.

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394 Garrafa, V.; Cordón, J. • Determinantes sociais da doença

Porém, concordando com Navarro, deve-se partir para a exercício laboral de grande parte deles dentro do SUS
construção de uma nova atitude de intervenção negadora já não se dá diretamente com a população produtora e
do status quo, que inclui a tomada de atitudes novas por assalariada, mas com setores marginados da sociedade e
parte da força de trabalho profissional do setor saúde. em tensão direta com setores da produção produtiva.
Por mais orgânico que se possa considerar, o Os trabalhadores da saúde, dentro do SUS, de-
exercício atualmente realizado nos espaços da saúde veriam desenvolver atividades mais politizadas, prin-
brasileiros infelizmente é autônomo. Tal exercício se cipalmente aqueles que participam no PSF e outros
desenvolve coerentemente com a reprodução e a legiti- programas periféricos. No entanto, o que se constata é
mação de alternativas modernizadoras da acumulação que muitos destes programas e projetos são financiados
capitalista. As práticas de saúde verificadas no SUS vêm por agências internacionais como o Banco Mundial, que
contribuindo para consolidar o espaço da saúde como com demagogia e populismo assistencialista, confundem
projeto orgânico aos interesses capitalistas hegemônicos a verdadeira causalidade das doenças e sua relação com o
da conjuntura, interesses que representam a orientação processo produtivo, com deterioração persistente da for-
política exercida pelo Estado. ça de trabalho. Todo este contexto quase asséptico, que
Não se pode fazer uma diferença entre o pessoal de isola os fatores ideológicos fora do espaço de discussão
saúde unicamente pela caracterização superficial do seu cotidiana, possibilita a vigilância e controle dos indiví-
exercício profissional predominante, seja no hospital, no duos pertencentes aos setores médios mais politizados:
exercício liberal do consultório, nos sistemas de saúde estudantes, profissionais liberais e mesmo grupos sociais
pública do SUS ou em programas estratégicos específicos diferenciados da própria coletividade.
como o Programa de Saúde da Família (PSF). Se estas Com toda esta orientação, os outrora ‘revolucioná-
diferenças existirem, talvez possam ser encontradas no rios enfoques da saúde’, com as mudanças capitalistas
modo como se articula a práxis de cada um desses pro- constatadas no âmago do próprio SUS e de seus operado-
fissionais, seu serviço e sua atenção no desenvolvimento res, estendem suas relações agora inorgânicas ao campo,
da indústria – seja farmacêutica transnacional ou de ao domicilio, à intimidade das relações familiares. Com
implementação cirúrgico-clínica ou mesmo num nível tudo isso a população perde o referencial social de direito
orgânico mais politizado – diminuindo ou mediatizando à busca do seu próprio destino, sendo constantemente
as tensões políticas com relação aos marginados. Isto é, avaliada e controlada com o uso de categorias técnicas
procurando concretamente buscar alguma articulação do e científicas que reproduzem as condições objetivas e
seu ‘que-fazer’ com o processo de produção social. subjetivas que mantém a reprodução social orgânica aos
Ao contrário, hoje, dentro do SUS, representativos interesses da classe dominante.
setores dos trabalhadores da saúde estão alienados e inte-
grados em uma espécie de desorganicidade, na reprodução
inconsciente e mecânica dos condicionantes exteriores da
produção, e o pior, na maioria das vezes, abstraindo ou A ALTERNATIVA NEGADORA
mesmo ocultando a deterioração, a fome e até mesmo o
extermínio de setores da força de trabalho como produto Tomando em consideração o que foi discutido até
direto ou indireto das contradições da produção social aqui, especialmente a partir da análise teórico-metodológica
capitalista. Não se deram conta, por exemplo, que o orientada para uma práxis negadora que provém de um

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Garrafa, V.; Cordón, J. • Determinantes sociais da doença 395

transitar na realidade, orgânico às classes dominadas e com geralmente marginalizados da própria práxis da saúde,
o uso de categorias reais e cientificamente abordadas, que excluídos da qualidade social de vida, com direitos hu-
permitam uma concepção da problemática saúde-doença manos frágeis e que necessitam de intervenções dramáti-
mais concreta e com sentido de totalidade social, chega-se cas do Estado para garantir o mínimo à sobrevivência.
à necessidade premente da construção de uma alternativa, A recente Declaração Universal sobre Bioética e
tanto de análise teórica como de práxis objetiva, para a atual Direitos Humanos da Unesco ampliou substancialmente
situação conjuntural do setor da saúde no Brasil. a pauta de trabalho e ação deste novo território do saber,
A atividade técnico-científica de certos setores profis- movendo-se das restritas áreas biomédicas e biotecnoló-
sionais do espaço saúde e do SUS não pode continuar alie- gicas, às quais se dedicava anteriormente, para incorporar
nada. Tais atividades precisam ser transformadas mediante as preocupações dos campos sanitário e social ao seu que-
uma práxis política negadora que enfrente a elaboração fazer (Unesco, 2005). A Declaração apresenta uma nova
e a sistematização abstrata e operacional que legitima e agenda que, entre outros aspectos, defende a necessidade
reproduz o dito processo alienado e alienante. do reconhecimento da vulnerabilidade humana, do res-
É nesta alternativa negadora que se propõe uma peito à dignidade das pessoas, da não-discriminação, do
nova postura de crítica e combate permanente à eco- respeito pela diversidade cultural e pelo pluralismo, da
nomia baseada nos interesses do desenvolvimento da solidariedade para com os mais frágeis e desassistidos,
acumulação capitalista no campo da saúde nacional. da cooperação e responsabilidade social no comparti-
Uma nova práxis negadora do atual e caótico quadro lhamento dos benefícios do desenvolvimento científico
sanitário poderá contribuir para a integração das práticas e tecnológico e na proteção às gerações futuras. Esta
de saúde na própria cultura de uma sociedade pluralista, nova proposta de práxis social, com inusitada orientação
solidária, justa, responsável, livre e autônoma dentro de bioética, necessita do apoio de uma nova postura política
um novo bloco histórico-social. e militante dos profissionais envolvidos com as práticas
Há diversos níveis de militância orgânica a tal movi- da saúde, capaz de atribuir à sociedade o poder sobre seu
mento social. Estes níveis podem assumir desde a crítica direito a viver com saúde e ser verdadeiramente livre.
aos modelos, métodos e teorias que pretendem desvirtuar a
essência do processo das contradições principais no espaço
saúde, passando pela assimilação de uma ‘consciência social
politizada’, Essa consciência, no caso dos profissionais de
saúde, diz respeito à construção de transformações nas
formas de atenção à saúde em conjunto com a sociedade
organizada, consciência que tenha sua práxis nas distintas R E F E R Ê N C I A S
expressões dentro dos objetivos mais concretos, até se inserir
numa espécie de militância social permanente.
Grande parte dos problemas existentes nas socie- Freire, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1974.
dades atuais, fruto da produção e reprodução social
capitalista, pode ser negada por meio de críticas bem
Garrafa, V.; Porto, D. Intervention bioethics: a pro-
fundamentadas à expansão das relações capitalistas a posal for peripheral countries in a context of power and
espaços territoriais e sociais mais amplos, espaços estes injustice. Bioethics, v.17, n. 5-6, p. 399-416, 2003.

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396 Garrafa, V.; Cordón, J. • Determinantes sociais da doença

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catedraunesco.unb.br/htm/X%20-%20htm/index/in-
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Recebido: Setembro/2009
Aprovado: Setembro/2009

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DEBATEDORES / DISCUSSANTS 397

Determinantes, determinação e determinismo sociais


Social determinants, determination and determinism

Roberto Passos Nogueira 1

Médico; Doutor em saúde coletiva; RESUMO Este artigo realiza uma análise crítica do relatório sobre determinantes
Pesquisador do Instituto de Pesquisa
sociais de saúde divulgados pela Organização Mundial de Saúde, em 2008. O
Econômica Aplicada (Ipea) e do
Núcleo de Estudos de Saúde Pública da
relatório é criticado por tratar o tema de acordo com o conceito de fator causal
Universidade de Brasília. e a visão biologicista da saúde, peculiar à epidemiologia tradicional. Isto pode
roberto.passos@uol.com.br ser entendido como uma tentativa de estabelecer uma posição hegemônica da
epidemiologia no debate sobre as questões sociais da saúde, descartando ou
descaracterizando qualquer contribuição crítica que venha da sociologia, das
ciências políticas e da filosofia. Ainda assim, é destacado que o relatório mostra-se
progressista quando enfatiza a necessidade de diminuir as desigualdades em saúde
em todo o mundo por meio de um amplo conjunto de políticas sociais.

PALAVRAS-CHAVE: Determinantes sociais da saúde; Determinação social da


saúde; Causalidade em saúde.

ABSTRACT This article consists of a critical review of the report on social


determinants of health released in 2008, by the World Health Organization.
It criticizes the report for treating the subject in line with the positivist notion
of causality and the biological view of health, which characterizes the usual
approach of epidemiology to health. This could be understood as an attempt by
epidemiology to gain a hegemonic position in the international debate on social
issues of health, discarding or invalidating any critical contribution stemming
from sociology, political science and philosophy. Nonetheless, it is highlighted
that the report shows a progressive aspect as it stresses the need to reduce health
inequalities all over the world through a wide range of social policies.

KEYWORDS: Social determinants of health; Social determination of health;


Health causality.

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398 Nogueira, R.p. • Determinantes, determinação e determinismo sociais

I N T R O D U ç ão SIGNIFICADO E ORIGEM DO RELATÓRIO


DA OMS NO CONTEXTO INTERNACIONAL

O relatório destaca-se por seu clamor ético para


uma luta contra as desigualdades injustas, ou seja,
A publicação do relatório da Comissão sobre as iniquidades. É conveniente citá-lo numa inteira
Determinantes Sociais da Saúde da Organização passagem para que se tenha uma ideia concreta tanto
Mundial da Saúde, OMS (Organização Mundial deste clamor ético quanto daquilo que denominamos
da S aúde , 2008), bem como do correspondente de teor progressista.
relatório nacional (Comissão Nacional Sobre De- As crianças têm chances de vida dramaticamente
terminantes Sociais da Saúde, 2008), constitui-se diferentes dependendo de onde nasceram. No Japão
numa oportunidade importante para se encenar um ou na Suécia as pessoas podem viver mais de 80 anos,
renovado debate teórico das relações entre saúde, so- no Brasil, 72 anos, na Índia, 63 anos, e em um de
ciedade, democracia e políticas públicas. Contudo, é vários países africanos, menos de 50 anos. Dentro dos
preciso levar em conta que o escopo e os termos desse países, as diferenças de expectativa de vida são dra-
debate já estão devidamente pautados e delimitados máticas e podem ser encontradas em todo o mundo.
mediante o poder de influência que a OMS detém. Os países mais pobres têm elevados níveis de doença
Algo semelhante aconteceu nos anos 1970, quando a e de mortalidade prematura. Mas a má saúde não se
discussão das características de um sistema nacional limita aos que estão em piores condições. Nos países
de saúde foi drasticamente restringida pelos termos com todos os níveis de renda, a saúde e a doença dão-
do célebre relatório de Alma-Ata sobre atenção pri- se de acordo com um gradiente social: quanto mais
mária de saúde. baixa for a posição socioeconômica, pior a saúde. Isto
O que se pretende criticar aqui é o marco teórico não deve necessariamente ser assim e não é correto
positivista explicitado no relatório da OMS, que tende que seja assim. Quando se avalia que essas diferenças
perigosamente para o determinismo social, na medida sistemáticas em saúde podem ser evitadas mediante a
em que interpreta o que é social na saúde unicamente adoção de medidas razoáveis, elas são simplesmente
mediante o efeito de fatores causais, conforme o modelo injustas. É isso que rotulamos de iniquidade em saúde.
das ciências naturais e da epidemiologia tradicional. Corrigir tais desigualdades – as enormes e remediáveis
O relatório faz tabula rasa do fato de que a saúde pú- diferenças de saúde entre países e dentro deles – é uma
blica é um campo de políticas que deve ter em conta questão de justiça social. Reduzir as desigualdades de
a contribuição não só da epidemiologia e das ciências saúde é, para a Comissão sobre Determinantes Sociais
médicas, mas também da sociologia, da antropologia e da Saúde (doravante, a Comissão), um imperativo
da filosofia. No que segue, será identificado, em primeiro ético. A injustiça social está matando as pessoas em
lugar, o contexto político-econômico internacional que grande escala.
propiciou o aparecimento do relatório dos determi- Quem está sendo conclamado aqui? Deduz-se que
nantes sociais e que continuará certamente a favorecer são os agentes de uma ação de interesse público, não só
nos próximos anos para que obtenha grande espaço de os governantes e os gestores do setor público, mas as
legitimidade e de projeção. lideranças da sociedade.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 397-406, set./dez. 2009


Nogueira, R.p. • Determinantes, determinação e determinismo sociais 399

Mas é preciso enfatizar que é questionável que o adesão. De qualquer modo, se avaliado de acordo com
motivo para tal mobilização ética possa emergir em os objetivos históricos da reforma sanitária brasileira,
maneira restrita ao campo da saúde. O significado da o relatório resguarda uma faceta progressista que é a
inserção da saúde no conjunto dos problemas sociais e necessidade de diminuir as desigualdades em saúde
políticos da sociedade está sobre-estimado. Mobilização através de um conjunto amplo de políticas sociais e de
social em prol da saúde costuma ocorrer simultanea- iniciativas que envolvam o governo, a sociedade civil e
mente com a mobilização diante de outros problemas a empresa privada.
da sociedade, ou seja, em face de uma restrição mais É importante observar que, os problemas de justiça
ou menos drástica do espaço da liberdade civil e do social indicados não concernem somente às condições
espaço social da cidadania. Não há evidência, em ne- de saúde de países pobres ou subdesenvolvidos. O
nhuma parte do mundo, de que as desigualdades em relatório dirige-se virtualmente a todos os países que
saúde tenham sido motivos suficientes para mobilizar a apresentam tais disparidades, quando comparados en-
sociedade civil e as autoridades para uma luta comum tre si ou internamente a cada um deles. Nem a nação
contra injustiças em saúde. Onde quer que tenha ha- mais rica, os Estados Unidos, está fora do escopo desse
vido mobilização de tal amplitude em prol da saúde, enfoque, em virtude de suas reconhecidas disparidades
isto ocorreu articuladamente com movimentos que ob- internas de renda e de cobertura por serviços de saúde.
jetivavam a conquista de um conjunto de importantes Sabe-se que, por muitas décadas, as diretivas e os planos
direitos sociais e políticos que estavam historicamente da OMS estiveram dirigidos primordialmente para a
negados. É o que aconteceu com a reforma sanitária situação dos países subdesenvolvidos, especialmente os
brasileira nas conjunturas da redemocratização da da África e da Ásia.
sociedade e da reformulação constitucional.
O que se ignora é que uma mobilização dessa monta
depende da obtenção de poder político e de influência
sobre a opinião pública e os agentes do Estado. Isto DE ONDE SURGE ESSA NOVA VISÃO
usualmente é realizado por movimentos com interesses E ORIENTAÇÃO DE CARÁTER TÃO
diversos, que celebram pactos de fortalecimento recípro- ABRANGENTE?
co e se lançam numa luta pela reforma social e política
de amplo alcance, portanto, numa luta que usualmente Quanto a isto, há de se tomar em conta dois dis-
transcende o campo da saúde. tintos contextos político-econômicos internacionais.
O relatório coloca a questão da equidade em saúde Primeiramente, a entrada em vigência de políticas sociais
como um princípio indiscutível, mas, contudo, não de tendência pós-neoliberal fomentadas por agências
o fundamenta em qualquer das vigentes concepções internacionais. Ultrapassada a fase de ênfase absoluta
filosóficas do bem e do direito (nem sequer no utilita- na contenção do gasto e no arrocho fiscal, de um lado,
rismo reformulado de Sen, que fez parte da comissão). e nos correspondentes pacotes de mínimos sociais,
Podemos interpretar essa ausência como resultante de de outro, políticas típicas dos anos 1980 e 1990, as
um débito teórico que precisa ser suprido de algum agências puderam, na atual década, reconhecer e con-
modo, conforme sugerido por Almeida-Filho (2009), validar um sentido mais amplo da proteção social a ser
ou entendê-la como uma estratégia para obter ampla adotada pelos países. Não se trata apenas de combater

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 397-406, set./dez. 2009


400 Nogueira, R.p. • Determinantes, determinação e determinismo sociais

a pobreza absoluta, mas também de pôr em prática progressivamente, de políticas de proteção social e de
estratégias de diminuição das drásticas desigualdades direitos sociais. Para a política de blocos entre países,
de renda e de condições de vida entre as diversas ca- a desigualdade extrema é detestável, o que se expressa
madas da população em cada país. Aqui, este objetivo bem pela palavra iniquidade. Mas a iniquidade tem uma
está marcado muitas vezes por uma concepção muito expressão econômica importante que muitas vezes fica
estreita de desigualdade social, bastante centrada em escondida por trás da ênfase na dimensão ética, trata-se
aspectos de renda e de nível educacional, mas que não da impossibilidade de que certos grupos sociais partici-
cabe analisar no âmbito desta discussão. O que se deve pem plenamente do novo mercado integrado que está
notar é que a OMS entrou definitivamente nessa arena emergindo. E o mercado de bens e serviços de saúde é
de promoção de políticas de combate às desigualdades cada vez mais relevante para a acumulação capitalista,
sociais, colocando a saúde em associação com a renda absorvendo proporções crescentes do Produto Interno
e a educação, mas agregando dimensões adicionais tais Bruto de cada país.
como o trabalho e a proteção social ampla. Uma década depois, a OMS lançou uma versão
A interpretação dos determinantes sociais da saúde global da abordagem dos determinantes sociais da saúde,
já vinha sendo trabalhada na repartição europeia da que surgiu inicialmente ligada à situação dos países da
OMS desde a segunda metade dos anos 1990. Tanto é comunidade europeia. Está claro que se trata de uma
assim que essa repartição promoveu em 1998 a primei- política totalmente distinta daquelas fundadas em mí-
ra edição do livro de Marmot e Wilkinson, que trata nimos sociais e focalização nos pobres, que, nos anos
dos “fatos sólidos” da determinação social. Esses dois 1980 e 1990, as agências internacionais costumavam
autores lideraram uma pesquisa da qual uma dezena exportar a partir dos países centrais para os periféricos.
de epidemiologistas britânicos participou. O livro re- Naturalmente, os autores britânicos que escreveram o
sultou de uma proposta feita pelo Centro de Estudos relatório são influenciados pela experiência do sistema
Urbano da OMS europeia para que esses pesquisadores universal de saúde de seu país, que continua a ser um
resumissem os resultados de suas investigações em ape- dos mais exemplares de todo o mundo. Esta é a origem
nas dez tópicos. No relatório europeu, os dez subtipos da faceta progressista do relatório, que se expressa na
de determinantes sociais (com impacto positivo ou ênfase dada ao aperfeiçoamento progressivo das con-
negativo) priorizados por Marmot e Wilkinson são os dições cotidianas de vida e de trabalho do conjunto da
seguintes: gradiente de riqueza; estresse; início de vida; população, algo que faz parte da história do estado de
exclusão social; trabalho; desemprego; apoio social; bem-estar europeu.
vício; alimento e transporte. Tomando em conta essa Nesse sentido, identifica-se no relatório uma abor-
abrangência temática, fica claro que estamos diante de dagem coletivista e anti-individualista dos problemas da
uma nova voga de políticas das agências internacionais, saúde. Com efeito, essa é a intenção fundamental, na
a qual vai além dos limitados objetivos e clientelas que medida em que os autores pretendiam se contrapor à
as políticas neoliberais pretendiam alcançar. linha da promoção da saúde que, em grande parte, está
Neste caso, o contexto político-econômico das centrada na adoção pelas pessoas de práticas e estilos de
políticas pós-neoliberais surge associado a outro, que vida saudáveis ou seguros. O relatório tenciona represen-
é a tendência mundial à formação de blocos ou co- tar um posicionamento alternativo a essas políticas de
munidades de países, com integração de mercados e, promoção da saúde, apoiadas e propagadas pela OMS,

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Nogueira, R.p. • Determinantes, determinação e determinismo sociais 401

mas que tiveram seu impulso inicial a partir do Canadá mencionados não pretendem de modo algum que a
(carta de Ottawa de 1986). Mas, por certo a OMS do- dimensão da vida social seja sempre pressuposta como
ravante conjugará as duas linhas, a dos determinantes e subsumindo esses outros tipos de fatores. Nada nos leva
a da promoção da saúde, por entender que não se con- a concluir que a saúde humana deva ser entendida como
tradizem, mas se potencializam, e até se cruzam, como sendo essencialmente social; mas, ao contrário, a ideia é
acontece no caso da política de “cidades saudáveis”. que a saúde depende de múltiplos fatores.
Em resumo, os contextos político-econômicos do Essa ótica positivista dos determinantes sociais da
pós-neoliberalismo e da formação de blocos transnacio- saúde foi veementemente combatida num documento
nais nitidamente favoreceram o surgimento do relatório, elaborado por autores vinculados à Associação Latino-
com sua marcante visão coletivista e seu teor progressista. Americana de Medicina Social, que enunciam, entre
Talvez a inspiração que impulsionou seus autores não outros, os seguintes pontos de crítica (Oliva; Escudero;
seja muito diferente daquela que fez com que o movi- Carmona, 2008):
mento sanitário brasileiro tivesse um papel fundamental,
quando a Constituição consagrou o direito à saúde no A postura de reunir evidências sobre os fatores sociais
que criam as desigualdades em saúde tem as limitações
artigo 196. No entanto, não se pode deixar de criticá-lo
do paradigma dominante na epidemiologia e saúde
devido a suas múltiplas análises reducionistas, algo que pública, na medida em que fragmenta a realidade
nos parece particularmente importante num momento em fatores, presumindo que mantêm sua capacidade
explicativa e que estão sempre sujeitos a mudanças.
em que se pretende repensar as bases teóricas da reforma
sanitária brasileira e suas linhas de ação política.
Os determinantes sociais, ao serem convertidos em
fatores, perdem sua dimensão de processos sócio-
históricos, expressão de formas específicas de relações
entre as pessoas e destas com a natureza, e facilita sua
simplificação ao serem entendidos e expressos como
A CONCEPÇÃO REDUCIONISTA DOS fatores de risco, escolhas inadequadas de estilos de
DETERMINANTES SOCIAIS vida, etc.

No entanto, o enfoque do relatório privilegia os


fatores de risco de dimensão coletiva, o que se justifica
O que exatamente significa ‘determinantes pela busca de resultados amplos e duradouros quando se
sociais da saúde’? comparam os níveis de saúde de diferentes populações.
Ao ler o relatório inteiro, não se encontra uma É o que afirma Marmot:
definição para a resposta da pergunta. Este conceito é
presumido como se fosse algo comum e corrente. O que [...] o tabagismo causa câncer de pulmão; muitos
fumantes não morrem de câncer de pulmão; deve
fica mais ou menos evidente é que determinante social haver, portanto, algum fator genético ou de outro
tem o significado de causa ou causalidade social. Mas tipo determinando quais os fumantes são vitimados e
se há determinantes da saúde que têm tal caráter social, quais não o são. Não pomos em dúvida tal formulação,
mas indicamos que isto é apenas parte da realidade.
há outros que têm uma natureza puramente biológica,
É importante perguntar se isto pode ser responsável
ambiental ou genética? Sim, porque, como se deduz de por diferenças no risco de doença entre populações.
múltiplas passagens de seus livros, os autores britânicos (Marmot; Wilkinson, 2005, p. 3).

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402 Nogueira, R.p. • Determinantes, determinação e determinismo sociais

A atuação das políticas públicas, segundo esse autor, Já o propósito do enfoque de determinantes sociais é
deve ocorrer preferencialmente sobre os determinantes dirigir a atenção para a efetivação de políticas sociais
sociais e não sobre os fatores individuais de risco, já e econômicas que venham em benefício da saúde da
que muitas vezes estes dependem de mudanças de com- população como um todo.
portamento, coisa difícil de ser obtida por persuasão. Há certa ousadia da parte desse autor quando
Mesmo quando se consegue obter mudanças no âmbito propõe um conceito ampliado de saúde. Será este um
individual, elas têm alcance limitado para a mudança conceito social de saúde? Sim, mas o autor, ao buscar
no padrão de morbidade do conjunto da população. fugir dos limites estreitos da concepção biomédica como
Esta situação seria ilustrada pelo seguinte exemplo, as a ausência de doenças e da morte, logo faz da saúde o
campanhas de mídia que apontam os riscos do hábito retrato do individualismo possessivo: é a somatória de
de fumar são reconhecidamente menos efetivas do que recursos de que dispõe uma pessoa ‘para identificar e
as medidas legislativas que sobretaxam os produtos alcançar aspirações’.
do tabaco, que restringem sua propaganda na mídia e Contudo, a teoria da saúde adotada no relatório
limitam drasticamente os ambientes de acesso público da OMS é implicitamente a mesma da medicina, que é
onde o hábito pode ser exercido. também assumida por toda a epidemiologia tradicional:
Pode-se ler na obra de um autor canadense uma saúde é equivalente à ausência de morbimortalidade e
longa e pormenorizada definição sobre o que é deter- à sobrevivência física no longo prazo (longevidade).
minante social que convém reproduzir aqui, embora Sendo assim, diversas variáveis abstratas são montadas
envolva aspectos que aparentemente vão além do refe- para investigar e descobrir correlações como: os pobres
rencial comum compartilhado com os que se dedicam têm pior saúde do que os ricos. Por essa lógica, que se
a esse tipo de investigação: distancia de qualquer teoria do social e da saúde, basta
cruzar duas variáveis para que se evidencie um determi-
Determinantes sociais da saúde são condições sociais e nante social da saúde.
econômicas que influenciam a saúde dos indivíduos,
Esse tipo de generalização só se mantém válida
das comunidades e jurisdições como um todo. Deter-
minantes sociais da saúde determinam também se os quando se tomam os conceitos de saúde, pobreza e
indivíduos se mantêm são ou se tornam enfermos (uma riqueza de maneira muito abstrata ou geral, de tal
definição estreita de saúde). Determinantes sociais da modo a deixar de lado os detalhes estruturantes das
saúde também determinam a extensão em relação a
condições da vida social que poderiam ser mostrados
qual uma pessoa possui os recursos físicos, sociais e pes-
soais para identificar e alcançar aspirações, satisfazer como significativos a partir de uma verdadeira teoria
necessidades e lidar com o ambiente (uma definição social da saúde. A saúde está sendo medida através dos
mais ampla de saúde). Determinantes sociais da saúde anos de vida, um pressuposto biologicista, que se refere
relacionam-se com a quantidade e qualidade de uma
variedade de recursos que uma sociedade torna dispo- à vida no sentido da mera presença física das pessoas,
nível aos seus membros. (Raphael, 2004, p. 1). independentemente da possibilidade dos modos sociais
de interagir e se ocupar.
Raphael agrega que essa abordagem contrasta com Como se pode provar que quem vive mais, em
o enfoque tradicional de risco, pelo qual se dá ênfase sentido da mera presença física, tem mais saúde? Pela
a fatores biomédicos e comportamentais tais como co- quantidade crescente de idosos dementes que surge a
lesterol, obesidade, exercícios físicos, dieta e tabagismo. cada ano em nossa sociedade pós-industrial, haveria

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 397-406, set./dez. 2009


Nogueira, R.p. • Determinantes, determinação e determinismo sociais 403

de ser pensar justamente o contrário. Há alguns anos a busca ultrapassar os determinismos sociais tão comuns
OMS se deu conta do problema desta medida e apoiou no marxismo do século 20 e que abraça os espaços de
a formulação de um novo indicador, a carga da doença, autonomia dos sujeitos coletivos e do próprio acontecer
que envolve os aspectos de incapacidade. Mas se trata sócio-histórico (Fleury apud Fleury; Lobato, 2009, p.
de uma medida de extrema complexidade técnica e de- 22), nota-se que, a despeito da ênfase no social, os ar-
pendente de fórmulas padronizadas para cada patologia, gumentos de que o relatório lança mão para a defesa de
de tal modo que o indicador parece ter se tornado algo suas teses e de sua agenda global estão atados ao modelo
como um monopólio dos epidemiologistas de Harvard. naturalista da biomedicina.
Ademais, o que falta não é um novo indicador, mas uma
nova e convincente teoria das relações entre o social e a
saúde, para além do naturalismo da biomedicina.
O conceito estreito de determinantes sociais opera A CONCEPÇÃO FILOSÓFICA
num nível da empiria, que exclui qualquer possibilida- DE DETERMINAÇÃO
de de compreensão da saúde como fenômeno social e
humano. Isto acontece na medida em que se mantém Por que foi afirmado que o conceito de determinan-
alheio a qualquer teoria da sociedade (crítica ou mera- tes sociais da saúde é reducionista? Para responder a essa
mente explicativa). Como dito, é emergente o quadro pergunta é necessário voltar aos fundamentos filosóficos
de pressupostos da epidemiologia tradicional com seu da ciência e entender que determinante é um predicado
método fundado na biomedicina e na bioestatística, bus- ou atributo de uma determinação do conteúdo de uma
cando agora se concentrar em certos aspectos sociais que coisa ou de uma ideia qualquer. Esse é um conceito
diferenciam as populações (por exemplo, os dez tópicos extremamente importante no pensamento filosófico, so-
de determinantes). O que realmente está pressuposto é bretudo, a partir de Kant, mas também no pensamento
que o social se encontra nas populações, mas o homem de Marx, como seguidor divergente de Hegel.
de per se é a natureza. Eis como Heidegger (1988) esclarece o conceito de
Pode-se levantar outra suspeita acerca dessa con- determinação (Bestimmung) em Kant.
cepção. É que ela caminha inevitavelmente para o
determinismo social, o que não surpreende já que a Uma determinação, ele diz, é um predicado que é
saúde e a sociedade estão sendo entendidas de forma acrescido ao conceito do assunto desde além dele e assim o
positivista, excluindo a história e a práxis humana. A amplia. O determinante, o predicado, não está contido de
compreensão causal da saúde no âmbito social instaura ante-mão no conceito. Uma determinação é um predicado
o determinismo dos fatores sociais; ignora os espaços de real que amplia a coisa, Sache, res, seu conteúdo. (p. 34).
liberdade dos indivíduos e da coletividade e provoca o
estreitamento do lugar do sujeito na história. De modo A determinação de uma coisa ou um conceito se
muito parecido, em outros tempos, muitos marxistas relaciona a um princípio enunciado no século 18, por
pensavam que a infraestrutura econômica determinava Leibniz, que é o princípio do fundamento: “tudo o que
a ideologia e a cultura. existe, tem uma razão de ser” (Heidegger, 2001, p. 23).
Concluindo, quando se examina o relatório a par- Uma maneira de determinar a razão de ser de algo se
tir de um ponto vista filosófico contemporâneo, que dá mediante a demonstração de sua causa. Por exem-

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404 Nogueira, R.p. • Determinantes, determinação e determinismo sociais

plo, a dengue é causada pelo mosquito Aedes Aegypti. e sociedade que consegue enriquecer a compreensão da
O conteúdo (a doença dengue) é ampliado através de determinação social. Isto ocorre em referência a cada
um predicado ou atributo causal. Mas a determinação contexto histórico mediante categorias de entendimento
causal é apenas um dos modos de determinação de um forjadas no plano teórico. De outro modo, o pensamen-
dado conteúdo. to do social permanece no nível de pobreza que é próprio
A determinação mediante a causa tem enorme da percepção imediata, ou permanece preso a conceitos
importância nas ciências naturais, mas costuma ser muito gerais e, inclusive, banais.
contestada quando se trata de explicar os fenômenos Essas breves considerações filosóficas surgem com
sócio-históricos. Nas ciências humanas e na filosofia, a o propósito de assinalar que os significados das palavras
determinação de uma coisa ou de um conceito ocorre ‘determinantes’ e ‘determinação’ jamais podem ser exau-
sem necessariamente depender da invocação de uma ridos pela ideia de causa. A causa eficiente ou o fator
causa, resultando, muitas vezes, da própria elaboração de causal é apenas um modo de determinar a razão de ser
uma multiplicidade de conceitos que são corroborados da saúde ou de qualquer outro conceito.
por investigações de campo. Mas deve-se lembrar que há outra forma de de-
Quando se amplia um dado conceito, este se torna terminação da saúde, de natureza ontológica. Neste
mais concreto e rico. Por exemplo, acompanhando o que caso, o pensamento não procede pelo enriquecimento
diz Marx, na Contribuição à Crítica da Economia Polí- progressivo de um dado conceito, mas pela apreensão
tica: o conceito de população, que inicialmente parece filosófica de seu fundamento como ser. Esta apreensão
ser algo muito concreto, mantém-se, na verdade, como filosófica responde à pergunta: o que é o homem?

uma abstração pobre, enquanto não for pensado atra- Numa determinação ontológica desse tipo, o modo de

vés de um conjunto de determinações como as classes compreender o homem fundamenta necessariamente a


compreensão da saúde.
sociais, as relações de produção, o trabalho assalariado,
Como se depreende das lições de Heidegger (2001),
o capital etc. Daí a famosa máxima de Marx (1977),
se o homem é entendido como animal racional, o modo
inspirada em Hegel:
de ser do homem é determinado ontologicamente pela
O concreto é concreto por ser a síntese de múltiplas compreensão da natureza, dado que todo animal é parte
determinações, logo, unidade da diversidade. É por da natureza. A compreensão do homem como ser natu-
isso que ele é para o pensamento um processo de síntese, ral, a que se determina adicionalmente como racional,
um resultado, e não um ponto de partida, apesar de
é muito antiga, mas ainda é aquela que predomina nas
ser o verdadeiro ponto de partida, e, portanto igual-
mente o ponto de partida da observação imediata e ciências médicas. Contudo, a partir do século 18, o
da representação. (p. 218-219). século de Descartes, o natural da saúde passa a ser apre-
endido através da representação de uma multiplicidade
Desse modo, relações de produção, trabalho assa- de “objetos naturais” em que é dividido o homem: a
lariado, capital etc. são determinantes do conceito de fisiologia humana, com seus sistemas, seus órgãos e
população. Apreendido de modo imediato, população funções. A doença é ontologicamente identificada com
é um conceito pobre, não tem concretude. a anormalidade desses objetos naturais, sendo estes
Quando assumimos essa teoria, entendemos que é a avaliados pelo exame clínico e pelos dados laboratoriais,
multiplicidade de conceitos sobre as relações entre saúde sempre de acordo com escala de mensuração (há o caso

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 397-406, set./dez. 2009


Nogueira, R.p. • Determinantes, determinação e determinismo sociais 405

particular da saúde mental, que não é redutível a este dos objetos naturais que prevalece na biomedicina, do
tipo de compreensão, por envolver comportamentos mesmo modo que ignora todas as teorias contemporâ-
objetivos e subjetivos, mas isto é tema que está além do neas dos fenômenos sociais. Essa nova epidemiologia,
escopo deste artigo). que é apenas pseudossocial, arroga a si o direito de
Contudo, é possível que se faça uma determinação falar do social sem compreendê-lo como tal, sem ser
ontológica da saúde do homem não através de objetos capaz de adotar a este respeito qualquer abordagem
naturais, mas mediante uma determinação social do teórica razoável e, muito menos, uma teoria crítica
homem. Por exemplo, essa fundamentação pode surgir da sociedade.
de uma teoria da saúde que se conforme com a ontologia
social de Lukács ou com a fenomenologia existencial
de Heidegger. Para Lukács (1980), o que determina a
essência ontológica do homem é o trabalho enquanto
ato teleológico. Neste caso, a saúde teria igualmente de
ser pensada com base no modo de ser social do trabalho.
Se fosse desenvolvida tal interpretação, estaríamos em R E F E R Ê N C I A S
face de uma determinação ontológica do homem que
seria ao mesmo tempo uma determinação social da saú-
de. Do mesmo modo, Heidegger (2001) esboçou nos Almeida-Filho, N. A problemática teórica da determi-
nação social da saúde. Saúde em Debate, v. 33, n. 83,
Seminários de Zollikon uma determinação ontológica
p. 349-370, 2009
da saúde do homem como um ser com os outros, um
ser aberto, que se fundamenta na convivência e nas Comissão Nacional Sobre Determinantes Sociais
ocupações da cotidianidade. da Saúde. As causas sociais das iniqüidades em saúde no

Nessas duas formas potenciais de determinação Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2008. Disponível em:
<http://www.cndss.fiocruz.br/pdf/home/relatorio.pdf>.
ontológica, a essência do homem é entendida de tal
Acesso em: 20 jun. 2009.
maneira que transcende a causalidade natural. Por outras
palavras, a natureza e sua causalidade não determinam Fleury, S. Socialismo e democracia: o lugar do sujeito.
o homem, mas ao contrário, o homem determina a si In: Fleury, S.; Lobato, L.V.C. (Org.). Participação,
mesmo e à natureza, simultaneamente. A saúde passa a democracia e saúde. Rio de Janeiro: Cebes, 2009.
ser o modo particular de o homem se comportar como
Heidegger, M. Zollikon seminar protocols – conversation –
ser social em face de suas possibilidades cotidianas de letters. Evanston: Northwestern University Press, 2001.
vida. Explicitamente, na interpretação ‘heideggeriana’,
o homem nunca é causado, mas responde a tudo que ______. The basic problems of phenomenology. Bloo-
encontra no mundo como motivo para um comporta- mington: Indiana University Press, 1988.
mento aberto e livre.
Lukács, G. Ontology of social being, volume 3: labour.
Em contraste com essas e outras concepções do
London: Merlin Press, 1980.
homem e da sociedade, a epidemiologia dos determi-
nantes sociais, concebida por Marmot e Wilkinson, não Marmot, M.; Wilkinson, R.G. Social determinants of
dispõe de qualquer teoria da saúde para além daquela health. Oxford: Oxford University Press, 2005.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 397-406, set./dez. 2009


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Recebido: Julho/2009
Aprovado: Agosto/2009

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 397-406, set./dez. 2009


ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE 407

Promoção da saúde e desenvolvimento sustentável: proposta


de matriz de avaliação qualitativa de projetos locais*
Health promotion and sustainable development: proposal of a matrix for
local projects’ qualitative evaluation

Andréia Faraoni Freitas Setti 1


Edmundo Gallo 2

1
Mestre em Saúde Pública pela RESUMO O artigo descreve o processo teórico-metodológico que resultou na construção
Faculdade de Saúde Pública da
de uma matriz de análise de projetos locais que considera os determinantes sociais sob a
Universidade de São Paulo (USP).
andreiasetti@usp.br
perspectiva do desenvolvimento sustentável e da promoção da saúde, correlacionando as
categorias das suas agendas sociais de implementação – Agenda 21 e Municípios/Cidades
2
Doutor em Saúde Pública; Saudáveis –, assim como a sua aplicação na avaliação qualitativa de um projeto com
pesquisador da Fundação Oswaldo
estas características, o Programa Bairro Ecológico, que está sendo implementado pela
Cruz (Fiocruz)
gallo@fiocruz.br
Prefeitura de São Bernardo do Campo desde 1998. O objetivo é identificar o grau de
adesão do programa aos princípios do desenvolvimento sustentável e da promoção da
saúde, e analisar se as ações implementadas iam ao encontro destes princípios.

PALAVRAS-CHAVE: Avaliação; Promoção da saúde; Desenvolvimento


sustentável; Agenda 21; Cidade saudável.

ABSTRACT This article describes the theoretical and methodological process which
resulted in the construction of a matrix of analysis of local projects that consider the
social determinants from the perspective of sustainable development and of health
promotion and their agendas for implementation – 21 Agenda and Healthy Cities –,
as well as its applicability in a qualitative evaluation of a project with these features,
the Ecological Neighborhood Program, which is being implemented by São Bernardo
do Campo’s local government since 1998. The purpose is to identify whether the
program matched the principles of sustainable development and health promotion,
and to examine whether the actions were implemented to meet these principles.

KEYWORDS: Evaluation; Health promotion; Sustainable development; 21


Agenda; Healthy city.

* Este artigo foi elaborado a partir da dissertação de mestrado intitulada Análise de intervenção em área de mananciais no município de São Bernardo do Campo:
o caso do Programa Bairro Ecológico, de Andréia Faraoni Freitas Setti, defendida em 2008 junto ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Faculdade
de Saúde Pública da USP, com apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

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408 SETTI, A.F.F.; GALLO, E. • Promoção da saúde e desenvolvimento sustentável: proposta de matriz de avaliação qualitativa de projetos locais

I N T R O D U ç ão projetos locais que adotem os princípios do desenvol-


vimento sustentável e da promoção da saúde.

O artigo descreve o processo teórico-metodológico POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO


que resultou na construção de uma ferramenta de ava- SUSTENTÁVEL E PROMOÇÃO DA SAÚDE
liação que procurou integrar os princípios e categorias E O PROGRAMA BAIRRO ECOLÓGICO
do desenvolvimento sustentável e da promoção da
saúde, considerando suas agendas de implementação: Sob o ponto de vista sanitário, em todas as partes do
Agenda 21 e Municípios/Cidades Saudáveis, tendo mundo, a pobreza e as condições de vida insatisfatórias
como pano de fundo a questão dos determinantes permanecem sendo um dos principais determinantes
sociais, e avalia sua aplicabilidade na análise integrada do adoecimento. Dados contidos no Relatório de
dos discursos dos sujeitos e na avaliação qualitativa Desenvolvimento Humano 2007/2008 Combater as
da coerência do Programa Bairro Ecológico (PBE) alterações climáticas: solidariedade humana num mundo
aos princípios do desenvolvimento sustentável e da dividido, publicado pelo Programa das Nações Unidas
promoção da saúde. para o Desenvolvimento (PNUD), revelam que 90%
O presente artigo é parte dos resultados de trabalho dos cerca de 1 milhão de óbitos por malária no mundo
de pesquisa qualitativa, realizado entre 2005 e 2007, ten- ocorrem na África, e o número de crianças africanas
do como objeto o referido programa, implementado pela atingidas constitui 80% do total de vítimas. Outro dado
Prefeitura de São Bernardo do Campo, que no período que revela a vulnerabilidade da população mais pobre é
estudado envolvia 51 bairros em áreas de proteção aos que a maioria das 10 milhões de crianças que morrem
mananciais no município. anualmente antes de atingirem os cinco anos de idade
Inicia-se com a descrição do PBE, suas motivações, tem como determinantes a pobreza e a subnutrição
seu escopo e seus objetivos, e busca-se identificar sua (PNUD, 2007).
relação com as políticas de desenvolvimento sustentável Do ponto de vista ambiental, a lógica predomi-
e promoção da saúde. A seguir, identifica-se a articula- nante de utilização do meio ambiente se guia pela
ção teórico-operacional entre estas políticas e descreve a busca de lucros e acúmulo de capital, e não em nome
questão metodológica que originou o desenvolvimento das necessidades sociais, o que agrava e acelera o dese-
da matriz. Na terceira parte, apresentam-se o referencial quilíbrio ecológico, contribuindo para a ampliação das
teórico e as categorias de análise utilizadas, e descreve- desigualdades sociais. A humanidade tem produzido
se a construção da matriz e sua aplicação na avaliação mais riquezas do que em qualquer outra época, seja em
do PBE. Finaliza-se com avaliação da aplicabilidade da termos absolutos ou relativos, mas a miséria é cada vez
matriz ao PBE e de sua possível utilização em outros mais profunda1.

1
O relatório do PNUD (2007) já apontava que os 40% da população mundial que viviam com menos de US$2,00 por dia detinham apenas 5% da riqueza
global. Já os 20% mais ricos detinham 75% da riqueza global.

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SETTI, A.F.F.; GALLO, E. • Promoção da saúde e desenvolvimento sustentável: proposta de matriz de avaliação qualitativa de projetos locais 409

O aumento da produção e da oferta de bens ma- taduais 898/75; 1172/76; 9866/97) sem a remoção da
teriais deixa suas marcas no meio ambiente com efeitos população residente.
predatórios refletidos na contaminação do solo, do ar, na O PBE pretendia promover a recuperação am-
oferta e na qualidade da água, entre outros, evidenciando biental em áreas de mananciais no município de São
que as situações de risco à saúde decorrentes deste mo- Bernardo do Campo, a reabilitação urbana dos espaços
delo transcendem os limites da produção, atingindo não públicos coletivos, a inclusão social e o desenvolvi-
somente os trabalhadores, mas a população em geral. mento humano sustentável, bem como despertar a
Com efeito, para Labonte (1996), os problemas percepção das pessoas para os problemas urbanos
da saúde podem ser organizados em três categorias: causados pela degradação socioambiental e resgatar
‘biomédica’, baseada na doença e no estabelecimento a afetividade com a cidade como um componente na
de ações voltadas para tratar os sintomas e erradicar a melhoria da qualidade de vida. O documento Gestão
doença; ‘prevenção de doenças’, baseada na conduta e pública e cidadania, da Prefeitura de São Bernardo do
na promoção de comportamentos saudáveis para pre- Campo, assim descreve o PBE:
venir que as pessoas adoeçam; e ‘criação de entornos
físicos e sociais que favoreçam a saúde e o bem-estar O Programa Bairro Ecológico de São Bernardo do
Campo, tem dois objetivos. O primeiro é estabelecer
dos indivíduos’, baseada em políticas que buscam a
um diálogo entre o Poder Público, o Ministério Pú-
mudança social por meio de formulação de políticas blico e os moradores de bairros irregulares em áreas
públicas saudáveis. de mananciais, baseado no Estatuto da Cidade. O
Neste sentido, o grau de inserção ou de exclusão segundo objetivo é desenvolver ações concretas em
parceria com a comunidade, desde a concepção até a
social pode ser entendido tanto como determinante
execução dessas ações, despertando e agregando cons-
do processo saúde-doença quanto da sustentabilidade ciência e valores ao mesmo tempo que busca traduzir
ambiental, e tem impacto significativo sobre a equi- o discurso do desenvolvimento humano sustentável
dade social. O princípio da equidade, por sua vez, é em práticas sociais, transformadoras das condições e
da qualidade de vida. O desenvolvimento do processo
um dos pilares constitucionais das políticas públicas, está baseado nos objetivos do programa e seu princípios
incluindo as de promoção da saúde e de desenvolvi- estruturadores, porém o ritmo das ações e a formulação
mento sustentável. dos conteúdos são condicionados pelas características
culturais, coesão social e política, comprometimento
Isso indica que a formulação de políticas públicas
urbano e ambiental e situação jurídica de cada bairro
saudáveis implica estabelecer conexões entre meio em particular. (Secretaria de Habitação e Meio
ambiente e saúde, consequentemente entre desenvolvi- Ambiente, 2001).
mento sustentável e promoção da saúde. Além disso, a
implantação local de suas respectivas agendas sociais é Além disso, o programa visava disponibilizar infor-
uma ação estratégica fundamental para diminuir as ini- mação ao morador da área de proteção aos mananciais
quidades e promover o desenvolvimento sustentável. sobre a irregularidade da ocupação e a importância do
Uma experiência que assumiu esses princípios, reservatório Billings para abastecimento público de
buscando implementar as Agendas 21 e Municípios/ água, assim como estimular o Poder Público e os mo-
Cidades Saudáveis, foi o PBE, por meio de alternativas radores a buscarem formas de recuperação ambiental e
técnicas que buscavam viabilizar o atendimento aos urbanística com redução dos impactos ambientais sobre
objetivos das Leis de Proteção aos Mananciais (leis es- a quantidade e qualidade das águas do reservatório, e

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410 SETTI, A.F.F.; GALLO, E. • Promoção da saúde e desenvolvimento sustentável: proposta de matriz de avaliação qualitativa de projetos locais

mobilizar os moradores para a busca da sustentabilidade como resultado da solução negociada com os responsá-
do conjunto de assentamentos situados no município veis pela reparação do dano ao meio ambiente2.
(Staurenghi, 2003). A avaliação de programas com as características
O documento Programa Bairro Ecológico, projeto de do PBE deve servir para direcionar ou redirecionar a
intervenção para compensação ambiental explicita estes execução de ações, atividades, programas. Ao avaliar,
objetivos do PBE: identifica-se uma situação específica reconhecida como
problema, e utilizam-se instrumentos e referências para
1- Informar a população sobre o conteúdo da ação a emitir um juízo de valor inerente a esse processo. Desse
ser desenvolvida no local, seus objetivos e a importância da modo, a avaliação deverá ser também compreendida
participação para o sucesso da mesma; como uma estratégia para decidir como enfrentar e
resolver problemas (Tanaka; Melo, 2004).
2- Identificar a situação dominial e de permeabilidade Para avaliar este programa, buscaram-se referenciais
dos lotes que ocupam a área de ação deste plano; teóricos que permitissem a análise da relação entre os
seres humanos e o meio ambiente a partir de um olhar
3- Criar espaço de permeabilidade e de melhoria das crítico, integrador e holístico, e que considerassem sua
condições de habitabilidade (arborização) através de ações produção social.
que tem como protagonista a população, instaurado assim, Para tanto, foram adotados os conceitos de desen-
um processo de educação ambiental e cidadania; volvimento sustentável encontrado no Relatório Brun-
dtland (CMMAD, 1987) e no de promoção da saúde
4- Incentivar os moradores a discutirem seus proble- trazido pela Organização Mundial da Saúde, bem como
mas e a formularem propostas abrindo espaço para o seu os princípios e categorias de suas respectivas agendas
encaminhamento. (Secretaria de Habitação e Meio sociais: Agenda 21 e Municípios/Cidades Saudáveis.
Ambiente, 2001).

O programa ia ao encontro da nova legislação,


que instituiu um modelo baseado na descentralização, REFERENCIAL TEÓRICO
integração, participação dos governos locais e segmentos E QUESTÃO METODOLÓGICA
da sociedade, combinada com o Estatuto da Cidade e
fundamentos garantidos pela Constituição Federal, tais Desenvolvimento sustentável
como a cidadania e a dignidade da pessoa humana. Há diversas abordagens conceituais sobre desenvol-
A implantação do programa partiu, por um lado, vimento sustentável, a maioria delas complementares.
do mapeamento das áreas inadequadamente ocupadas Sachs, por exemplo, aponta para a necessidade de um
e da revisão das leis de proteção dos mananciais. Por crescimento equitativo que leve em conta a preservação
outro lado, buscava atender ao termo de ajustamento do meio ambiente. Para ele, o desenvolvimento sus-
de conduta (TAC), proposto pelo Ministério Público, tentável deve atender simultaneamente a três pilares:

2
O TAC é um instrumento de composição de conflitos na defesa do meio ambiente que tem como co-legitimador o Ministério Público, que sugere “modifi-
cação de comportamento”, “a prestação positiva ou negativa de fatos, capazes de impedir danos ou saná-los. Ou mesmo o ajustamento da atividade poluidora,
degradante aos parâmetros legais” (Milaré, 2001, p. 117).

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 407-419, set./dez. 2009


SETTI, A.F.F.; GALLO, E. • Promoção da saúde e desenvolvimento sustentável: proposta de matriz de avaliação qualitativa de projetos locais 411

relevância social, prudência ecológica e viabilidade entre o social, o econômico e o ambiental para ser efe-
econômica (Sachs, 2007). tivo, posição defendida pela maioria dos autores.
Na concepção de Sen e Mahbud (1999), citados Conforme o relatório Nosso futuro comum, proferido
por Veiga: pela Comissão Brundtland, em 1987, o desenvolvimen-
to sustentável é um processo de transformação no qual a
só há desenvolvimento quando os benefícios do cresci- exploração dos recursos, a direção dos investimentos, a
mento servem à ampliação das capacidades humanas,
orientação do desenvolvimento tecnológico e a mudança
entendidas como o conjunto das coisas que as pessoas
podem ser, ou fazer, na vida.(p. 85). institucional se harmonizam e reforçam o potencial
presente e futuro, a fim de atender às necessidades e
Pressupõe-se, aqui, a existência da liberdade de aspirações humanas (CMMAD, 1987).
escolha. Nesse sentido, quatro seriam as capacidades O Relatório Brundtland (1987) consolida uma visão
para avaliar o progresso mundial na realização do bem- crítica do modelo de desenvolvimento adotado pelos
estar humano: vida longa e saudável, conhecimento países industrializados e reproduzido pelas nações em
necessário para problematização das condições de vida, desenvolvimento, e ressalta a incompatibilidade entre
acesso aos recursos necessários a um nível de vida dig- os padrões de produção e consumo vigentes, o uso ra-
no e capacidade de participar da vida da comunidade cional dos recursos naturais e a capacidade de suporte
(Veiga, 2006). dos ecossistemas. Também explicita a natureza e a es-
Gallo et al. (2007) defendem que o conceito de cala dos problemas ambientais, sociais e econômicos a
desenvolvimento aplicado à saúde deve necessariamente serem enfrentados, e insere a ideia de desenvolvimento
levar em consideração a dimensão da justiça social, mas sustentável como estratégia para reverter o quadro de
também deve considerar o seu potencial econômico e de pobreza, desmatamento e desigualdade social presente
inovação, e que a ação governamental, se conduzida a par- no mundo.
tir deste pressuposto, tem como consequência a geração A Conferência das Nações Unidas para o Meio
de consumo, emprego, lucro e distribuição de renda. Ambiente e Desenvolvimento (Rio de Janeiro, 1992),
também conhecida como ECO 92, aprovou cinco
Assim, emerge uma nova concepção de desenvolvimen- documentos com objetivos mais abrangentes e de na-
to que deve considerar a garantia das necessidades so-
tureza mais política: Declaração do Rio de Janeiro sobre
ciais básicas, mais vinculadas à garantia do bem-estar
social, articulado ao crescimento econômico sustentável o Meio Ambiente e o Desenvolvimento; Convenção sobre
com equidade e justiça social. (p. 318). Mudanças Climáticas; Declaração de Princípios sobre
Florestas; Convenção sobre a Biodiversidade; e Agenda 21
Diante da existência de diferentes abordagens con- Global. Todos esses documentos endossam o conceito
ceituais de desenvolvimento sustentável (Sen; Mahbud, de desenvolvimento sustentável (PNUD, 2000).
1999; Veiga, 2006; Sachs, 2007; Gallo et al., 2007), A Agenda 21 possui mais de 2.500 recomendações
como dito anteriormente, foi adotado como referen- práticas e é um programa de ação que visa à implementa-
cial teórico deste trabalho o conceito de desenvolvi- ção de um novo modelo de desenvolvimento baseado no
mento sustentável trazido pelo Relatório Brundtland manejo sustentável dos recursos naturais, resguardando
(CMMAD, 1987), por se tratar do conceito mais aceito a qualidade de vida das futuras gerações. É reconhecida
mundialmente e por se fundamentar na harmonização como instrumento de planejamento estratégico que

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 407-419, set./dez. 2009


412 SETTI, A.F.F.; GALLO, E. • Promoção da saúde e desenvolvimento sustentável: proposta de matriz de avaliação qualitativa de projetos locais

agrega um protocolo de intenções, sem carregar o poder de uma política nacional regulamentada pela Portaria
de obrigatoriedade de sua implementação. MS 687/2006.
Na referida conferência foram estabelecidas as A Organização Mundial de Saúde (OMS) define
premissas: crescer sem destruir; indissolubilidade da pro- promoção da saúde como o processo que possibilita às
blemática ambiental e social; diálogo entre a Agenda 21 pessoas aumentar seu controle sobre os determinantes da
brasileira e as atuais opções de desenvolvimento; fortale- saúde e através disto melhorar sua saúde. Portanto, a pro-
cimento da democracia; gestão integrada e participativa; moção da saúde representa um processo social e político,
foco na ação local; mudança do enfoque das políticas de não somente incluindo ações direcionadas ao fortaleci-
desenvolvimento e preservação ambiental; e informação mento das capacidades e habilidades dos indivíduos, mas
para a tomada de decisão (Barbieri, 2003). também ações direcionadas a mudanças das condições
A Agenda 21 Global já reconhecia que o desen- sociais, ambientais e econômicas para minimizar seu
volvimento sustentável e a proteção do meio ambiente impacto na saúde individual e pública (OMS, 1996).
só seriam viáveis com o apoio das comunidades locais. A promoção da saúde, como vem sendo entendida
Por isso, recomendava que se iniciasse o processo de nos últimos 25 anos, representa uma estratégia promis-
construção das Agendas 21 locais. sora para enfrentar os múltiplos problemas de saúde que
O conceito de desenvolvimento sustentável tam- afetam as populações humanas e seus entornos neste
bém está estabelecido na política nacional de promoção final de século. Partindo de uma concepção ampla do
da saúde do Brasil, que determina: processo saúde-doença e de seus determinantes, pro-
põe a articulação de saberes técnicos e populares, e a
[...] mobilização de recursos institucionais e comunitários,
públicos e privados, para seu enfrentamento e resolução
III - fortalecimento de instâncias decisórias interse-
(Buss, 2000).
toriais com o objetivo de formular políticas públicas
integradas voltadas ao desenvolvimento sustentável; Sícoli e Nascimento (2003) destacam os princípios
da promoção da saúde estabelecidos pela OMS, breve-
[...] mente descritos a seguir:

V – reorientação das práticas de saúde de modo a


• concepção holística: pressupõe que ações em
permitir a interação saúde, meio ambiente e desen-
volvimento sustentável; promoção fomentem a saúde física, mental, social e
espiritual (OMS, 1998) e pressupõe a compreensão
VI – estímulo à produção e conhecimento e desenvolvi- ampliada de saúde assumida pela Organização;
mento de capacidades em desenvolvimento sustentável.
(Brasil, 2007).
• intersetorialidade: entendida como articulação
de saberes e experiências no planejamento, realização e
Promoção da saúde
avaliação de ações visando o desenvolvimento social e
O princípio de promoção da saúde como referencial
a inclusão social;
de políticas de saúde foi consagrado na Constituição Fe-
deral de 1988 e reafirmado na Lei Orgânica do Sistema
• participação: compreendida como o envolvi-
Único de Saúde (lei 8080/90). Posteriormente foi objeto
mento dos atores diretamente interessados no processo

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 407-419, set./dez. 2009


SETTI, A.F.F.; GALLO, E. • Promoção da saúde e desenvolvimento sustentável: proposta de matriz de avaliação qualitativa de projetos locais 413

de eleição de prioridades, tomada de decisões, imple- da saúde. Ela se fundamenta na visão da saúde como
mentação e avaliação das iniciativas; qualidade de vida, e tem como pressupostos para sua
operacionalização a participação popular, a democra-
• empoderamento: processo de capacitação tização, o compromisso político com a equidade, a
dos indivíduos e comunidades para assumirem maior intersetorialidade e a busca por uma nova forma de
controle sobre os fatores pessoais, socioeconômicos e gestão local.
ambientais que afetam a saúde; A proposta de Municípios/Cidades Saudáveis vem
sendo definida como uma política pública na qual o go-
• equidade: consiste em eliminar as diferenças verno, como um todo, deve estar envolvido em busca do
desnecessárias, evitáveis e injustas que restringem as desenvolvimento de ações intersetoriais para trabalhar
oportunidades para se atingir o direito de bem-estar a inter-relação da saúde com a educação, a habitação e
que, segundo a OMS (OMS, 1998), pode ser alcançado o saneamento, o transporte e o lazer. Por isso há neces-
por meio de políticas que viabilizem condições de vida sidade dessa nova forma de gestão.
favoráveis à saúde, priorizando grupos desprivilegiados e Esta vai ao encontro da tendência global voltada
vulneráveis, buscando reverter as desigualdades sociais; para a descentralização das políticas sociais, da distri-
buição e administração de recursos, a qual destaca o
• ações multiestratégicas: pressupõem o envolvi- papel que devem desempenhar as autoridades locais na
mento de diferentes disciplinas e dizem respeito à com- administração municipal (Opas, 2005). Neste sentido,
binação de métodos e abordagens variadas, incluindo de- as estratégias da agenda Municípios/Cidades Saudáveis,
senvolvimento de políticas, mudanças organizacionais, mais que contribuir para promover a saúde da popula-
desenvolvimento comunitário, questões legislativas, ção, estimulam o governo local a estabelecer uma nova
educacionais e do âmbito da comunicação; forma de governar baseada no desenvolvimento de ações
intersetoriais e mecanismos que assegurem a equidade
• sustentabilidade: criar iniciativas que estejam de e a participação social.
acordo com o princípio do desenvolvimento sustentável
e garantir um processo duradouro e forte.
Questão metodológica
Milio (1986) apud Sacardo (2004) reforça que as As experiências de cidades saudáveis em curso na
políticas públicas saudáveis devem se apoiar na mobi- América Latina vêm crescendo na última década. Entre-
lização comunitária, no empoderamento, na educação tanto, poucas oferecem subsídios para análise e verifica-
para a saúde e no diagnóstico comunitário para favorecer ção do impacto das mudanças político-administrativas
a articulação dos atores sociais em favor da promoção e culturais ou mesmo da capacidade dos cidadãos em se
da saúde. Esses foram os princípios que regeram a fortalecer e participar do processo de decisão em torno
constituição da agenda social Municípios/Cidades dos assuntos referentes aos seus destinos e ao futuro da
Saudáveis, através da qual se pretende implementá-los cidade (Opas, 2005).
no nível local. Este fato aponta para a necessidade de avaliações
A agenda Municípios/Cidades Saudáveis representa sistemáticas destas experiências que permitam verificar
uma das abordagens locais mais efetivas da promoção sua aderência aos princípios propostos, assim como sua

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 407-419, set./dez. 2009


414 SETTI, A.F.F.; GALLO, E. • Promoção da saúde e desenvolvimento sustentável: proposta de matriz de avaliação qualitativa de projetos locais

efetividade, o que se pretendeu fazer com o Programa Para avaliar as distintas dimensões do Programa
Bairro Ecológico. Bairro Ecológico a partir destas categorias, foi realizada
Entretanto, para analisar os dados coletados à pesquisa qualitativa, cujos procedimentos e resultados
luz do referencial teórico adotado, era indispensável são descritos e apresentados a seguir.
a seleção de categorias analíticas constitutivas desses
referenciais. Como as categorias adotadas são oriun-
das de áreas de conhecimento específicas e utilizam Coleta de dados
denominações distintas, apesar dessas serem seme- Diferentes técnicas foram utilizadas para coleta
lhantes e complementares, foi necessário um procedi- e análise dos dados do objeto de estudo: pesquisa
mento metodológico de integração conceitual dessas bibliográfica; pesquisa documental para levantar e
categorias. Para tanto, foi criada uma ferramenta que sistematizar dados do programa com o objetivo de
procurou integrar os princípios do desenvolvimento selecionar dois bairros para estudo em profundidade;
sustentável e da promoção da saúde, tendo como pano aplicação de 70 questionários pré-estruturados e pré-
de fundo a questão dos determinantes sociais. Esta testados com lideranças comunitárias que indicaram
ferramenta é a matriz de análise de projetos sociais pelo menos outros dois moradores – técnica esta co-
sob enfoque do desenvolvimento sustentável e da nhecida como ‘bola de neve’ (Arai, 2002); e entrevistas
promoção da saúde. em profundidade, com roteiro previamente elaborado
e pré testado, com seis informantes-chave, pela posição
que ocupam nos processos de tomada de decisão e
implementação do programa.
METODOLOGIA E RESULTADOS O questionário foi aplicado com o objetivo de levan-
tar opiniões, crenças, sentimentos, interesses, expectativas
A avaliação sistemática de programas e projetos e situações vivenciadas pelos moradores dos dois bairros
governamentais é apontada como ferramenta gerencial estudados sobre a implantação do PBE, bem como iden-
poderosa, fornecendo aos formuladores de políticas tificar pessoas para participar do grupo focal.
públicas e aos gestores de programas condições para Neste processo foram identificadas 24 pessoas
aprimorar técnicas e procedimentos, além de ser fun- que participaram de dois grupos focais, com roteiro
damental para se alcançar melhores resultados e propor- previamente estruturado, para captar a percepção dos
cionar melhor utilização e controle dos recursos neles moradores e lideranças de cada uma das comunidades
aplicados (Cohen; Franco, 2000). estudadas acerca do programa.
Toda avaliação sistemática necessita definir os
parâmetros a serem avaliados. No caso da avaliação de
políticas e projetos de promoção da qualidade de vida Categorias de análise
que adotam os princípios das agendas Municípios/Ci- A utilização das categorias de análise do de-
dades Saudáveis e Agenda 21, aparecem como categorias senvolvimento sustentável e da promoção da saúde
de análise: concepção holística, intersetorialidade, ações exigiu que fossem empregados procedimentos meto-
multiestratégicas, equidade, participação, empodera- dológicos integradores, para que os dados pudessem
mento e sustentabilidade. ser analisados com a mesma ferramenta. O primeiro

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 407-419, set./dez. 2009


SETTI, A.F.F.; GALLO, E. • Promoção da saúde e desenvolvimento sustentável: proposta de matriz de avaliação qualitativa de projetos locais 415

passo foi correlacionar as categorias de suas agendas as categorias das agendas que tinham o mesmo conteúdo,
sociais – Agenda 21 e Municípios/Cidades Saudáveis. independentemente de sua nomenclatura. Os princípios
O alinhamento das categorias das duas agendas pode de concepção holística, intersetorialidade e ações mul-
ser observado no Quadro 1. tiestratégicas, por sua similitude, foram integrados como
Este quadro permitiu uma primeira aproximação uma única categoria de análise. O resultado é observado
conceitual, mas ainda era insuficiente para permitir a aná- no Quadro 2.
lise qualitativa integrada. Observando o alinhamento das Para verificar se princípios do desenvolvimento sus-
categorias a partir do referencial adotado, identificou-se que tentável e da promoção da saúde estavam contemplados
os princípios da promoção da saúde propostos pela OMS no PBE, verificou-se se, e em quais dimensões – ou seja,
(1998) eram suficientes para integrar analiticamente as os componentes do programa, como objetivos, estra-
categorias das duas agendas. Estes princípios foram então tégias e resultados esperados – do projeto as categorias
adotados como parâmetros aos quais foram correlacionadas previamente integradas apareciam. Isso permitiu uma

Quadro 1 – Categorias de análise do desenvolvimento sustentável e da promoção da saúde.


Agenda 21 Municípios/Cidades Saudáveis

Fortalecimento da democracia Democratização

Gestão integrada e participativa Participação popular

Mobilização, emancipação Empoderamento

• Fortalecimento do governo local, parcerias Nova forma de gestão local: alianças entre sociedade civil, gov-
• Foco na ação local erno, grupos, atores sociais
• Informação para tomada de decisão

Ações multissetoriais com o envolvimento dos atores sociais na • Concepção holística


definição de políticas para enfrentamento dos problemas locais • Intersetorialidade
• Ações multiestratégicas
• Compromisso político com a equidade

Quadro 2 – Categorias de análise do desenvolvimento sustentável e da promoção da saúde integradas.


Categorias Categoria das Agendas

• Fortalecimento do governo local – parcerias


• Concepção holística • Nova forma de gestão local: alianças entre sociedade civil,
• Intersetorialidade governo, grupos, atores sociais
• Ações multiestratégicas • Ações multiestratégicas
• Ações multissetoriais

• Compromisso político com a equidade


Equidade • Foco na ação local
• Informação para tomada de decisão

• Gestão integrada e participativa


Participação
• Participação popular

• Mobilização e emancipação
Empoderamento • Fortalecimento da democracia
• Democratização

• Fortalecimento do governo local –parcerias


• Nova forma de gestão local
Sustentabilidade
• Nova forma de gestão local: alianças entre sociedade civil,
governo, grupos, atores sociais

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 407-419, set./dez. 2009


416 SETTI, A.F.F.; GALLO, E. • Promoção da saúde e desenvolvimento sustentável: proposta de matriz de avaliação qualitativa de projetos locais

primeira aproximação analítica aos conteúdos do PBE, metodológico é a matriz de análise de projetos sociais
como descrito no Quadro 3. sob enfoque do desenvolvimento sustentável e da
Este procedimento permitiu verificar que o PBE promoção da saúde. Sua aplicação e análise permitiu
incorporava os princípios e categorias de análise do de- avaliar a coerência e a consistência entre a proposta do
senvolvimento sustentável e da promoção da saúde em PBE e sua implementação, a partir dos princípios do
sua proposta, mas não informava se na implantação das desenvolvimento sustentável e da promoção da saúde. A
ações do programa estes princípios se mostraram efetivos, matriz-síntese aplicada é apresentada no Quadro 4.
se havia coerência e consistência entre os objetivos e sua As categorias utilizadas correspondem aos prin-
execução. Para avaliar este aspecto, foram analisados os cípios da promoção da saúde e do desenvolvimento
dados coletados conforme descrição anterior. Os resul- sustentável, alinhadas conceitualmente entre si e às di-
tados são apresentados no item a seguir. mensões do PBE. As ideias-chave presentes nos discursos
analisados foram identificadas e, por sua vez, alinhadas às
categorias, buscando aferir a percepção da comunidade e
Matriz de análise de projetos sociais sob enfoque do dos informantes-chave em relação à sua possível presença
desenvolvimento sustentável e da promoção da saúde no processo de implementação do PBE.
Os depoimentos colhidos nas entrevistas individu- Esta ferramenta e seu processo constitutivo permiti-
ais e nos grupos focais tiveram seus conteúdos analisados ram a análise integrada dos discursos dos sujeitos e a ava-
a partir das categorias adotadas para verificar a percepção liação qualitativa da coerência do PBE aos princípios do
dos sujeitos sobre a materialidade dos princípios do de- desenvolvimento sustentável e da promoção da saúde.
senvolvimento sustentável e da promoção da saúde nas
ações do PBE. Na análise das entrevistas foi utilizado o
software Qualiquantisoft, que auxilia a síntese dos discur-
sos dos sujeitos a partir das categorias até a separação e CONCLUSÃO
a identificação das ideias-chave contidas nos discursos.
As ideias-chave identificadas foram relacionadas a cada Como argumentado ao longo desse artigo, a saúde
grupo de categorias previamente integradas conceitu- humana e a saúde do meio ambiente estão intimamente
almente. A ferramenta que resultou desse alinhamento associadas. A complexidade dos problemas que afetam

Quadro 3 – Categorias de análise do desenvolvimento sustentável e da promoção da saúde correspondente às


dimensões do PBE.
Dimensões do Programa
Categorias
Bairro Ecológico

• Concepção holística
• Intersetorialidade Objetivos
• Ações multiestratégicas

Equidade Resultados

Participação Motivação e estratégias de mobilização

Empoderamento Impacto da participação nos resultados

Sustentabilidade Sustentabilidade e impacto no desenvolvimento econômico do município

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 407-419, set./dez. 2009


SETTI, A.F.F.; GALLO, E. • Promoção da saúde e desenvolvimento sustentável: proposta de matriz de avaliação qualitativa de projetos locais 417

Quadro 4 – Matriz de análise de projetos sociais sob enfoque do desenvolvimento sustentável e da promoção da saúde.
Dimensões do Programa
Categorias Ideias-chave
Bairro Ecológico

• Melhorar as condições ambientais e de moradia


• Concepção holística
• Promover a conscientização ambiental
• Intersetorialidade Objetivos
• Pressionar por melhor infraestrutura
• Ações multiestratégicas
• Buscar o equilíbrio entre morar e preservar

• Recuperar o ambiente
Equidade Resultados
• Promover inclusão social

• Informar da irregularidade da propriedade


Motivação e estratégias de
Participação • Promover cidadania e qualidade de vida
mobilização
• Melhorar a conservação do ambiente e fiscalização das ações

• Estimular redes sociais


Impacto da participação nos • Promover o empoderamento
Empoderamento
resultados • Garantir a sustentabilidade do projeto
• Buscar apoio de lideranças

• Estimular/garantir a mobilização comunitária


Sustentabilidade e • Promover educação ambiental continuada
Sustentabilidade impacto no desenvolvimento • Desenvolver o comércio local
econômico do município • Promover a valorização imobiliária e arrecadação de impostos
• Garantir a avaliação e o monitoramento do programa

e determinam o estado de saúde da população é um práticas e símbolos de identidade que, apesar de sua
desafio para a saúde pública, visto que saúde não se evolução e atualização permanentes, determinam a
restringe ao aspecto biológico, e inclui estilos de vida integração nacional através dos tempos; politicamente
e aspectos sociais, culturais, ambientais, econômicos sustentável ao aprofundar a democracia e garantir o aces-
e políticos. so e a participação de todos no que se refere às decisões
Da mesma maneira, o meio ambiente não com- da ordem pública (Guimarães, 2001).
preende apenas aspectos naturais, mas também tec- A aproximação destes conceitos permite-nos
nológicos, sociais, econômicos, políticos, históricos, afirmar que os setores saúde e meio ambiente estão
culturais, técnicos, morais, éticos e estéticos, segundo a inter-relacionados, tratam de temas transversais cuja
definição adotada na Conferência de Tbilisi, em 1977 amplitude extrapola uma determinada área e devem ser
(Dias, 2003). prioridade para o desenvolvimento e ter precedência no
A CMMAD (1987) definiu a sustentabilidade gerenciamento diário das políticas governamentais.
como um novo paradigma de desenvolvimento, ou seja, No Brasil, estratégias como o movimento Mu-
“aquele que satisfaz as necessidades das gerações atuais nicípios/Cidades Saudáveis têm sido implantadas na
sem comprometer a capacidade das gerações futuras de tentativa de introduzir novas formas de gestão e con-
satisfazer suas próprias necessidades”. trole social. No entanto, Viana (1988) apud Mendes e
Busca-se, portanto, um desenvolvimento que seja Westphal (2000) observa que:
ambientalmente sustentável no acesso e uso dos recursos
naturais e na preservação da biodiversidade; socialmente barreiras burocráticas e corporativistas impedem o
pleno desenvolvimento de experiências intersetoriais
sustentável na redução da pobreza e das desigualdades que ficam restritas a poucos municípios, constituin-
sociais e promotor da justiça e da equidade; cultural- do experiências passíveis de serem interrompidas.
mente sustentável na conservação do sistema de valores, (p. 55).

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 407-419, set./dez. 2009


418 SETTI, A.F.F.; GALLO, E. • Promoção da saúde e desenvolvimento sustentável: proposta de matriz de avaliação qualitativa de projetos locais

Além disso, existe o desafio de superar a ausência de desenvolvimento sustentável e da promoção da saúde
uma cultura de participação na maioria dos municípios, possibilitou avaliar o PBE, e indica a possibilidade de sua
o que dificulta a atuação da sociedade civil na discussão aplicação a outros programas e projetos governamentais
dos problemas locais e na busca de possíveis soluções. que tenham os mesmos princípios e utilizem as mesmas
No estudo de caso apresentado, a avaliação sistemá- categorias destas políticas, fundamentais à cidadania e
tica de uma destas experiências, o PBE, além de verificar à dignidade da pessoa humana.
sua aderência aos princípios do desenvolvimento sus-
tentável e da promoção da saúde, também ofereceu in-
formações substanciosas que possibilitam o exercício do
controle social (mecanismo valioso de democratização
da gestão pública) e referenciam avanços na efetividade
das ações sociais (Ávila, 2001).
Além disso, resultou no desenvolvimento de uma R E F E R Ê N C I A S
ferramenta de avaliação de projetos locais que pos-
sivelmente pode ser utilizada na avaliação de outros
programas que utilizem o referencial adotado, a matriz A rai , V.J. Análise de um processo participativo na
de análise de projetos sociais sob enfoque do desenvol- experiência de implantação de um processo de muni-
cípio saudável. Dissertação (Mestrado) – Faculdade
vimento sustentável e da promoção da saúde.
de Saúde Pública da USP, São Paulo, 2002.
Sua aplicação e análise para avaliar qualitativa-
mente o Programa Bairro Ecológico permitiu identi- Á vila, C.M. (Coord.). Gestão de projetos sociais. 3.
ficar o grau de adesão do programa aos princípios do ed. São Paulo: Associação de Apoio ao Programa
desenvolvimento sustentável e da promoção da saúde, Capacitação Solidária, 2001.
e se as ações implementadas quando de sua execução
B arbieri , J.C. Desenvolvimento e meio ambiente:
iam ao encontro das categorias definidas. Isto foi feito
as estratégias de mudanças da Agenda 21. 6. ed.
por meio da análise de coerência e consistência entre a Petrópolis: Vozes, 2003.
proposta do PBE e a percepção dos atores locais sobre
sua implementação. Foi possível avaliar a aderência do Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância
PBE à concepção holística, de que maneira o programa em Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Portaria n.
687, de 30 de março de 2006. Aprova a Política de
busca atender aos princípios da intersetorialidade e da
Promoção da Saúde. 2. ed. Brasília, DF, 2007.
equidade social, a ênfase em ações multiestratégicas,
como a participação na implementação do programa Buss, P.M. Promoção da saúde e qualidade de vida.
favoreceu o empoderamento individual e grupal, como Ciência & Saúde Coletiva, v. 5, p. 163-177, 2000.
foi o processo participativo no desenvolvimento do pro-
grama e de que maneira as ações se sustentam ao longo Cohen, E.; F ranco, R. Avaliação de projetos sociais.
4. ed. Petrópolis: Vozes, 2000.
do tempo. Estes achados não foram apresentados neste
trabalho, e podem ser verificados em Setti (2008).
C omisión M undial del M edio A mbiente y del
A partir dos resultados alcançados, conclui-se que D esarrollo , CMMAD. Nuestro futuro común.
a matriz de análise de projetos sociais sob enfoque do Madrid: CMMAD/Alianza Editorial, 1987.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 407-419, set./dez. 2009


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420 ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE

Exploração sexual de jovens: uma situação socialmente produzida


Youth sexual exploitation: a socially produced situation

Stela Nazareth Meneghel 1


Paula Camboim da Silva 2
Juliana Lopes Peixoto 3
Fernando Tarter 4
Tiago Fortuna 5

1
Médica sanitarista; Professora e RESUMO Este ensaio tem por objetivo discutir a exploração sexual de crianças
pesquisadora do Curso de Medicina
e adolescentes sob o prisma da determinação social da saúde/doença. Trata-se
da Universidade de Santa Cruz do Sul
(UNISC).
de um retrospecto acerca da vertente social da saúde coletiva e da compreensão
smeneghel@hotmail.com dos determinantes da saúde/doença, com apresentação de informações acerca da
exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil. Os autores entendem este
2
Antropóloga; Professora e pesquisadora
fenômeno como algo socialmente determinado e influenciado pelas desigualdades
da UNISC.
paula@unisc.br
sociais e de gênero. Há a necessidade de se ampliar o debate sobre a prostituição
e exploração sexual no campo interdisciplinar da saúde pública, bem como
3
Acadêmica do Curso de Medicina incentivar ações para intervenção e enfrentamento do problema.
da UNISC. Bolsista de Iniciação
Científica. PALAVRAS-CHAVE: Exploração sexual; Violência sexual; Determinantes
jupeixotto@hotmail.com sociais da saúde.

4
Acadêmico do Curso de Medicina
da UNISC. Bolsista de Iniciação ABSTRACT This paper aims to discuss the sexual exploitation of children and
Científica. adolescents under the perspective of social determination of health/disease. This
ftarter@bol.com.br
is a retrospective on the social aspect of public health and of the comprehension
5
Acadêmico do Curso de Medicina
of the determinants of health/disease, as we present information about the sexual
da UNISC. Bolsista de Iniciação exploitation of children and adolescents in Brazil. The authors consider this
Científica. phenomenon as something socially determined and influenced by social and
fortunatiago@hotmail.com
gender inequalities. There is a need to amplify the debate on prostitution and
sexual exploitation within the interdisciplinary field of public health, as well as
encourage intervention and actions to face the problem.

KEYWORDS: Sexual exploitation; Sexual violence; Social determinants of


health.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 420-428, set./dez. 2009


MENEGHEL, S.N.; SILVA, P.C.; PEIXOTO, J.L.; TARTER, F.; FORTUNA, T. • Exploração sexual de jovens: uma situação socialmente produzida 421

I N T R O D U ç ão tros. Essas diferenças sistemáticas nas condições de saúde


podem ser evitadas com medidas racionais. Em busca da
justiça social, a Organização Mundial da Saúde (OMS),
em 2005, criou uma comissão sobre determinantes
sociais de saúde para receber dados científicos e colocar
Este ensaio tem por objetivo discutir aspectos da em prática medidas e intervenções em prol da equidade
determinação social da saúde/doença, vislumbrada na saúde entre a população e promover um movimento
pelos médicos sociais do século 18, revisitada sob mundial em busca desse objetivo (OMS, 2009).
a ótica da vertente latino-americana denominada
‘epidemiologia crítica’ e, atualmente, repensada pela
Organização Mundial da Saúde (OMS), que propôs
o grupo de investigação e trabalho sobre os determi- Da epidemiologia social aos
nantes sociais da saúde. determinantes sociais da saúde
A ideia é apresentar dois temas de discussão. O
primeiro deles versa sobre os determinantes sociais A epidemiologia social, nascida nos países latino-
da saúde/doença, e o segundo focaliza a exploração americanos nos anos 1970, representou uma proposta
sexual de crianças e adolescentes como um evento alternativa ao positivismo hegemônico, nas pesquisas
socialmente determinado, na medida em que resul- do campo biomédico, e ao modelo liberal privatista,
ta das desigualdades de gênero e classe social. Este voltado para a medicina curativa, que é centrada no
último tema faz parte de um projeto de pesquisa atendimento secundário, tendo como base o hospital.
(Meneghel; Camboim da Silva, 2009) que vem sendo Ao assumir como eixo central do seu pensamento a
desenvolvido em um município de médio porte da determinação social do processo saúde/doença, os epi-
região Sul do Brasil. demiologistas que se denominavam sociais buscariam
As condições de saúde da população são determina- categorias que permitissem estudar a doença socialmente
das por forças políticas, sociais e econômicas. As carac- dimensionada. Com os perfis de reprodução social, e
terísticas estruturais e condições de vida, influenciadas respectivos perfis epidemiológicos, sustentava-se a ideia
pelas desigualdades no acesso aos serviços, constituem os de que a epidemiologia deveria despojar-se de seu caráter
determinantes sociais que definem as diferenças do perfil homogeneizador, com o qual se pretendia igualar os
de saúde/doença nas diferentes regiões ou países. Essas homens frente à doença e à morte. A cada classe social,
diferenças não acontecem como um fenômeno natural, corresponderiam formas e condições específicas de tra-
mas como resultado de uma combinação de políticas balhar e viver que definem o perfil pessoal e familiar de
e programas sociais deficientes, arranjos econômicos saúde-doença (Campaña, 1985).
injustos e má gestão política. O objetivo destes pensadores era buscar outras vias,
As desigualdades sanitárias são provocadas por uma além da concreção estatística, na quais as relações cau-
distribuição desigual de poder e de acesso aos bens e ser- sais entre saúde e doença aparecessem como esquemas
viços, e por condições que afetam a saúde da população formais de associações empíricas entre variáveis. Breilh
de forma imediata e visível, como o acesso a serviços de e Granda (1985; 1986; 1997) afirmam que o resgate
saúde, à escolaridade, a condições de trabalho, entre ou- contemporâneo da linha social da epidemiologia não

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422 MENEGHEL, S.N.; SILVA, P.C.; PEIXOTO, J.L.; TARTER, F.; FORTUNA, T. • Exploração sexual de jovens: uma situação socialmente produzida

pode constituir uma assimilação acrítica da epidemio- mação social. Avaliações de sistemas nacionais de saúde,
logia convencional na incorporação não seletiva de seus como o Relatório Lalonde no Canadá e o Black Report
conceitos e métodos e em sua simples justaposição aos na Inglaterra, mostraram que a desigualdade na saúde
preceitos do materialismo histórico. Ao selecionar a ca- entre as populações acentua-se quando há iniquidades
tegoria “reprodução social” como elemento-chave para sociais em relação ao gênero, à raça e à classe social
a explicação dos perfis de saúde/doença das diferentes (Gray, 1982).
classes sociais, Breilh e Granda reforçam a determinação Laurell (1983; 1985) analisou os dados do Sistema
social da saúde. Nacional de Saúde inglês e demonstrou o caráter social
Na mesma época, um grupo de epidemiologistas da saúde/doença, evidenciado na distribuição da do-
ligado à Universidade Autônoma do México afirmou ença e da morte de acordo com a inserção ocupacional
que o social não é externo ao biológico humano, mas dos grupos na sociedade, sendo que a população mais
o biológico está imerso no social e, desta maneira, o pobre morre mais por todas as causas. Laurell afirma
adoecimento assume formas históricas específicas e que o caráter social da saúde/doença manifesta-se
diversas. Delinear o problema desta forma significa empiricamente mais no nível da coletividade do que
não mais pensá-lo a partir do biológico, mas a partir do indivíduo. Assim, a desigualdade se expressa em
do processo de desgaste-reprodução humano que, em indicadores tais quais a expectativa de vida, as condi-
alguns momentos, se expressa como doença. ções nutricionais e somáticas, assim como nos modos
Em 1984, a Organização Pan-americana de Saúde específicos de adoecer e morrer, ou seja, no perfil
(Opas) organizou um seminário cujo debate interno patológico do grupo.
propiciou a formulação de duras críticas ao uso da No Brasil, acompanhando a proposta da OMS
epidemiologia restrito aos programas de vigilância epi- sobre o estudo dos determinantes sociais da saúde, foi
demiológica focados nas doenças transmissíveis, buro- instituída, em março de 2006, a Comissão Nacional
cratizados e rígidos, descontextualizados das complexas sobre Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS).
realidades sanitárias da região. A Opas se comprometeu A Comissão seguiu a recomendação da OMS, que
a apoiar investigações epidemiológicas e sociais focadas estabeleceu uma Comissão Global um ano antes, em
no processo saúde/doença entendido como resultante e, março de 2005. A CNDSS visa a mobilizar a sociedade
ao mesmo tempo, determinante do nível de bem-estar brasileira e o próprio Governo a entender e enfrentar
e das condições de vida a que estão expostos os grupos de forma mais efetiva as causas sociais das doenças e
humanos na sociedade (Opas, 1984). mortes que acometem a população, além de reforçar
Nos anos 1980, no bojo da luta pelo fim da ditadu- o que é socialmente benéfico para a saúde individual e
ra, pela reforma sanitária e construção de um sistema de coletiva (Buss, 2006).
saúde para todos, passou-se a considerar a saúde em seu O principal desafio dos estudos sobre os determi-
aspecto ampliado. Foi reafirmado o compromisso de se nantes sociais de saúde consiste em estabelecer uma
usar a epidemiologia como ferramenta para diminuir as hierarquia de determinações entre os fatores mais gerais
desigualdades sociais na saúde e fazer ciência para todos, e as mediações através das quais esses fatores incidem
inclusive para os grupos excluídos (Najera, 1987). sobre a situação de saúde de grupos e pessoas, já que a
Os serviços foram considerados lócus importante relação de determinação não é uma simples relação direta
para a realização de investigações voltadas à transfor- de causa e efeito (Buss; Pellegrini, 2007, p. 81).

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MENEGHEL, S.N.; SILVA, P.C.; PEIXOTO, J.L.; TARTER, F.; FORTUNA, T. • Exploração sexual de jovens: uma situação socialmente produzida 423

Os determinantes sociais também podem ser con- de mulheres adultas que exercem atividade sexual remu-
siderados ‘as causas das causas das doenças’. Incluem as nerada tem sido designado como profissionais do sexo.
condições socioeconômicas, culturais e ambientais de A adoção desta terminologia tem o objetivo de evitar o
uma sociedade, e relacionam-se às condições de vida e estigma, embora se possa considerar que a denominação
trabalho de seus membros, como habitação, saneamen- “profissional do sexo” seja um eufemismo e beneficie
to, ambiente de trabalho, serviços de saúde, educação e apenas seus exploradores (Apramp, 2006).
as redes sociais e comunitárias. Outros autores propõem não usar o termo ‘prosti-
tuição’ mesmo para crianças e adolescentes, e sugerem
substituí-lo por ‘exploração sexual’. Mantêm-se a preo-
cupação com a popularização da terminologia ‘vítimas
A determinação social da exploração de exploração sexual’, pois pode reforçar a ideia de que
sexual de crianças e jovens a responsabilidade estaria centrada na relação vítima/
explorador, eximindo a sociedade, o mercado globali-
A desigualdade social decorrente da organização zado e o Estado de enfrentarem a exploração sexual de
socioeconômica produtora de iniquidades e exclusões crianças e adolescentes (Leal; Leal, 2002).
por gênero , raça e classe social pode ser considerada
1
Existem quatro formas de exploração sexual de
o determinante fundamental da exploração sexual de crianças e adolescentes: a prostituição, o turismo sexual,
crianças e adolescentes na sociedade atual. Trabalhar a pornografia e o tráfico para fins sexuais. Esses fenôme-
com exploração sexual de crianças e adolescentes sig- nos ocorrem em âmbito mundial. A exploração sexual
nifica contextualizar este problema também através infantil é definida como a utilização ou participação de
dos determinantes históricos. A América Latina teve crianças ou adolescentes em atos sexuais, onde não há
sua formação cultural, social e econômica originada na necessariamente a participação de força física, mas pode
colonização e na escravidão, dando sustentação a uma existir coação. A exploração sexual infantil possibilita
sociedade machista, adultocêntrica, na qual as classes duas abordagens: uma se confunde com o conceito
inferiores são subordinadas e exploradas pelas elites de exploração econômica, enquanto a outra se refere
(Faleiros; Campos, 2000). à obtenção de prazer, com prejuízos à saúde mental de
A prostituição infantil é uma forma de violência quem é explorado. Nas duas abordagens, está implícita
de gênero, uma expressão do poder patriarcal, segundo a ideia de dominação, perpassada pelas categorias de
a qual os adultos consideram ‘direito’ ter acesso ao sexo sexo e idade (Saffiotti, 1989).
de crianças sob a forma de coação física, moral e econô- Em escala mundial, mais de 1 milhão de jovens e
mica. No Brasil, a prostituição infantil está calcada na meninas ingressam nas atividades de prostituição anu-
comercialização do corpo e na escravidão para atender almente. No Brasil, estima-se que mais de 50 mil jovens
a necessidades básicas de sobrevivência (Safiotti, 2002; estejam vivendo nessa situação. Dados do Ministério da
Brasil, 2003). Justiça mostram que a prostituição infantil está presente
Atualmente, o termo ‘prostituição’ tem se restrin- em todas as capitais brasileiras e em muitas das grandes
gido às crianças e aos adolescentes, enquanto o grupo cidades do país, sobretudo no litoral nordestino. Nessa

1
O sistema de gênero é um conjunto de normas e funções sociais que diferencia homens e mulheres e que produz violência simbólica (Bourdieu, 2002) deter-
minando relações de poder e dominação de um sexo pelo outro e acarretando como efeitos iniqüidades de gênero.

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424 MENEGHEL, S.N.; SILVA, P.C.; PEIXOTO, J.L.; TARTER, F.; FORTUNA, T. • Exploração sexual de jovens: uma situação socialmente produzida

lista encontram-se todas as capitais brasileiras, mas a (Gomes, 1994a; 1994b; Gomes; Minayo, 1999) analisou
maior parte dos municípios com exploração sexual de os dados da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre
menores localiza-se no interior, em municípios pobres prostituição infantil e afirmou existirem diferenças regio-
e com 20 mil a 100 mil habitantes. A exploração sexual nais gritantes nas prevalências e nas formas de aliciamento
infantil está presente em 16% dos municípios brasilei- e exploração sexuais de crianças e adolescentes. Enfatiza-
ros, ou seja, em 937 das 5.551 cidades pesquisadas. O se que os depoimentos oscilaram entre explicações de
quadro é mais grave no Nordeste, onde há exploração âmbito estrutural e culpabilização individual. O grupo
sexual de crianças e adolescentes em 32% das cidades mostrou o peso do enfoque de gênero na mediação das
seguidos das regiões Sudeste (26%), Sul (17%), Centro- relações de classe, nas quais o machismo, o tratamento
oeste (14%) e Norte (12%) (Fala Brasil, 2008). e a formação diferenciada a que têm acesso meninos
Dois dos principais determinantes da inserção de e meninas atuam como fortes componentes culturais
crianças e adolescentes no mercado do sexo são a pobreza presentes na problemática da prostituição infantil. Os
e a exclusão socioeconômica (da escola, do consumo, autores questionam a vitimização das crianças que alija
do mercado de trabalho, da saúde, da cultura). Outros esses sujeitos da possibilidade de resistir às violências.
fatores incluem a existência de redes organizadas de Conclui-se que é preciso entender a prostituição infantil
recrutamento e pessoas que se beneficiam economi- como a forma mais perversa de violência de gênero e de
camente das atividades de exploração sexual: as novas expressão do poder patriarcal, segundo o qual o homem
tecnologias de comunicação e transporte, o mercado considera direito seu ter acesso ao sexo, e que existe um
globalizado que permite a ampliação de negócios ilegais, vínculo real entre pobreza e prostituição infantil.
a tolerância social, falta de aplicação das leis, impunidade Tem-se observado uma prevalência maior de
e corrupção (Ferreira, 2009). prostituição em locais onde a rede de proteção social é
É importante destacar que o fenômeno da explo- precária ou inexistente, onde as relações de gênero são
ração sexual tem relação com as atividades econômicas marcadas por fortes desigualdades e o acesso à educação,
dos territórios onde ocorre, e as formas de exploração aos serviços de saúde e assistência social e ao mercado de
variam conforme o desenvolvimento econômico das trabalho é limitado para as mulheres. Nesses locais, ocor-
regiões. Em relatório nacional sobre o tráfico de mu- re um incremento do comércio sexual ligado ao tráfico
lheres para fins de exploração sexual, os pesquisadores de pessoas com fins de exploração para a prostituição.
observaram que há uma relação entre o mercado glo- Além disso, estão interligadas situações de drogadição,
balizado e a exploração sexual. A crise social provocada migração, precariedade econômica e falta de oportu-
pela globalização interfere nas relações de trabalho e nidades vitais que apontam a prostituição como única
permite que grupos mais dependentes social, psicológica alternativa de sobrevivência para grandes contingentes
e economicamente, como mulheres, crianças e adoles- populacionais e tornam quase impossível o abandono
centes, sejam recrutados para trabalhos precários. Surge, da atividade (Abramp, 2006).
então, uma economia ilegal e organizada em redes que A idade de aliciamento de meninas para a prostitui-
aliciam crianças e adolescentes para exploração sexual ção é de 13 a 14 anos, sendo que as jovens e migrantes
(Leal; Leal, 2002). são as mais visadas (Theodore; Gutiérrez; Torres, et
O grupo de pesquisadores do Centro Latino- al, 2004). Botelho (2003) observou que mulheres pro-
americano de Estudos sobre Violência e Saúde (Claves) fissionais do sexo começaram a se prostituírem quando

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MENEGHEL, S.N.; SILVA, P.C.; PEIXOTO, J.L.; TARTER, F.; FORTUNA, T. • Exploração sexual de jovens: uma situação socialmente produzida 425

eram menores de idade, buscando fugir de situações de zação, as prostitutas foram identificadas como um dos
pobreza e de abuso sexual. Estas mulheres estão expostas grupos que apresentam elevadas incidências da doença
à violência física e sexual, a elevadas incidências de doen- (Brasil, 2006). Desta maneira, pode-se inferir que elas
ças sexualmente transmissíveis, ao estímulo ao consumo não estão se protegendo e que a desigualdade de poder
abusivo de álcool e drogas nos locais de trabalho para para com o sexo feminino é exacerbada quando a mulher
aumentar os lucros das casas de agenciamento (Ferraz, é prostituta, dificultando e impedindo a negociação de
2003; Farley; Barkan, 1999). O controle exercido pelos sexo seguro. Pesquisas com este segmento populacional
agenciadores e proxenetas inclui isolamento, agressão têm apontado discriminação no atendimento e baixa fre-
verbal, controle econômico, ameaças e intimidação físi- quência dos profissionais do sexo às unidades de saúde,
ca. A baixa autoestima aliada a sentimentos de rejeição e o que revela a dificuldade dos serviços de saúde para a
discriminação resultantes da exclusão social, assim como inclusão dessas pessoas (Passos; Figueiredo, 2005).
a vivência das violências interpessoal, social e estrutural, Um aspecto importante a ser problematizado é o
facilitam o a permanência dos jovens na prostituição (Li- poder de decisão de pessoas vitimizadas pela exploração
bório, 2005; Botelho, 2003; Bellinzoni; Malfitano, sexual, no sentido de consentirem à exploração e decidi-
2006) A exploração sexual é um fenômeno complexo rem livremente por esse tipo de trabalho. Questiona-se
que envolve a sobreposição das violências, como a troca o consentimento que resulta da coação econômica ou
de sexo por benefícios, que podem ser monetários, rela- aproveitamento da vulnerabilidade (econômica, social,
tivos à alimentação ou droga. Outro dado no mercado sexo, idade) da pessoa em questão. Não se pode levar
da exploração sexual é a participação masculina, antes em consideração somente fatores individuais da vítima,
restrita a homossexuais e travestis, que hoje alicia jovens como maturidade e acesso a informação. Deve-se também
do sexo masculino em idades cada vez mais precoces considerar que há uma relação de violência, dominação e
(Faleiros; Campos, 2000). alienação às quais jovens e crianças são submetidas. Isso le-
Muitas crianças e adolescentes são mantidos na vou os pesquisadores responsáveis pelo Relatório Nacional
prostituição por meio da força premeditada e do abuso sobre o Tráfico de Mulheres para fins de exploração sexual
físico, geralmente resultado de abuso sexual prévio, a criarem o termo “consentimento induzido”, pois os ali-
privações, desvantagens econômicas, marginalização ciadores utilizam argumentos falsos de mudança na vida
e perda da identidade (Unesco, 2005). Grande parte das pessoas e as levam a aceitarem suas propostas, com ose
desses jovens sofre agressões físicas, ameaças e violações, fizessem, aparentemente, uma escolha. Um desafio é que
torturas, gravidez não-desejada, abortos, lesões genitais. essa forma de coação é difícil de ser identificada, pois as
Além disso, estão mais expostos à contração de DSTS/ pessoas incorporam em seu discurso os argumentos dos
A ids e ao Transtorno de Estresse Pós-Traumático aliciadores (Leal; Leal, 2002).
(TEPT): flashbacks, forte ansiedade, depressão, insônia A prostituição não é uma expressão da liberdade
e estresse. Um estudo canadense mostra um risco 40 sexual, mas está intimamente relacionada à violência,
vezes maior de ocorrência de assassinatos entre mulheres exclusão social, dificuldade econômica e cultura sexista e
prostitutas (Apramp, 2005). patriarcal. De acordo com essa tese, a chave para enfren-
Na década de 1980, com o surgimento da Aids, tar o problema passa pela recuperação da capacidade de
e principalmente no final dos anos 1990, quando se indignação da sociedade perante a forma de escravidão
explicitaram as tendências de feminização e pauperi- que é a prostituição (Otchet, 1998).

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426 MENEGHEL, S.N.; SILVA, P.C.; PEIXOTO, J.L.; TARTER, F.; FORTUNA, T. • Exploração sexual de jovens: uma situação socialmente produzida

À guisa de uma conclusão: Para Shraiber e D’Oliveira (2009), as ações a serem


exploração sexual – um indicador de realizadas pelos serviços de saúde para romper com a
desigualdade social e de gênero violência passam por: ver e fazer ser vista a violência;
desenvolver uma ação ética e comunicativa; formular
Embora a violência tenha sido incorporada como e implantar intervenção técnica apropriada e propor
objeto da Saúde Pública desde os anos 1990, ainda há organização e gestão dos serviços, integrando a violência
muito a ser realizado neste setor. Vários tipos de violência como questão.
já são alvo de ações de saúde, mas permanecem algumas É importante salientar, ainda, o quanto envolver-se
zonas de invisibilidade ou pontos cegos. Este fato pode em temas como este mobiliza intensamente os profis-
ser entendido quando se pensa que estes temas não são sionais, gerando sentimentos intensos e contraditórios,
abordados tradicionalmente na formação dos profissio- incluindo raiva dos exploradores e mesmo das famílias
nais do campo da saúde, e ficam a cargo da ação social quando não conseguem proteger as crianças e jovens. É
e jurídica. Os trabalhadores de saúde segundo, Shraiber importante que haja espaço nas equipes de trabalho para
e D’Oliveira (2009), têm sido formados em modelos de compartilhar esses sentimentos. Em muitas situações,
intervenção tecnológicos que, de certa maneira, tornam pode-se ajudar pouco, e essa constatação também traz
intervenções pautadas na atenção e escuta secundárias. sentimentos de impotência e frustração. Por outro lado,
Outro fato que dificulta a intervenção em saúde a Saúde Pública tem uma longa história de intervenção
é a periculosidade que cerca determinados temas. A social e comunitária e a contribuição da saúde coletiva
exploração sexual de crianças é uma infração criminal. no enfrentamento da exploração sexual de crianças e
Sabe-se que há rotas de captação, aliciamento e tráfico de jovens está apenas começando. Este é um problema de
mulheres e jovens articuladas por grupos poderosos que elevada magnitude que acarreta sérios efeitos à saúde des-
contam com a proteção de policiais, funcionários e polí- ses jovens, além de indicar que os determinantes sociais
ticos corruptos, além de haver um montante de recursos podem produzir sofrimento e danos, principalmente aos
muito grande obtido pelo comércio do sexo. Portanto, segmentos mais vulneráveis da população.
imiscuir-se neste assunto pode representar perigo aos
profissionais, principalmente quando estão sozinhos
na ‘ponta’ dos serviços de saúde. Sabe-se, também, que
instituições de proteção, possíveis parceiras, muitas vezes
negam o problema, culpando as vítimas e/ou as famílias
e realizando apenas ações de caráter paliativo.
Uma iniciativa para combater e denunciar os casos R E F E R Ê N C I A S
de exploração sexual de crianças e adolescentes foi o pro-
grama Sentinela, que se comprometeu a criar condições
que possibilitem às crianças e aos adolescentes vitimados Associaciòn para la Reinserción de la Mujer Pros-
e suas respectivas famílias, o resgate e a garantia dos di- tituta, Apramp. La Prostituición: claves básicas para
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ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE 429

Social determinants of health and preterm


birth trends in Brazil and Canada
Determinantes sociais da saúde e tendências de nascimento
prematuro no Brasil e no Canadá

Renata Meira Veras 1


Martha Traverso-Yépez 2

1
Doutoranda em Psicologia Social pela ABSTRACT The rate of neonatal mortality has decreased in Canada and
Universidade Federal do Rio Grande do
Brazil; however, premature birth continues to be the most important cause of
Norte. (UFRN).
veras@ufrnet.br
neonatal morbid-mortality. Through a scan of the specific literature, this paper
aims to shed light upon the social determinants of health underlying the increase
2
Doutora pela Universidad of preterm birth in two countries which offer universal access to health care: Brazil
Complutense de Madrid. Professora
and Canada. While prenatal care has been highly associated with lower rates of
associada e Canada Research Chair em
Health Promotion and Community
premature birth, we have found that the use of adequate prenatal care services is
Development da Faculdade de greatly influenced by aspects related to the social determinants of health, such as
Medicina da Memorial University of the educational level, socioeconomic status and mothers’ age.
Newfoundland, St.John’s, Canadá.
mtraverso@mun.ca KEYWORDS: Social determinants of health, Premature birth, Prenatal care,
Delivery of health care.

RESUMO O índice de mortalidade neonatal tem reduzido no Canadá e no


Brasil; entretanto, o parto prematuro continua sendo a causa mais importante
para a morbimortalidade neonatal. Através de uma revisão bibliográfica, este
artigo objetiva destacar os determinantes sociais da saúde presentes no aumento
do nascimento prematuro em dois países que utilizam o acesso universal à saúde:
Brasil e Canadá. O acompanhamento pré-natal tem sido fortemente associado com
baixos índices de nascimento prematuro. Assim, este artigo discute a forma como
o acompanhamento pré-natal vem sendo influenciado pelos determinantes sociais
da saúde, tais como nível educacional, status socioeconômico e idade materna.

PALAVRAS-CHAVE: Determinantes sociais da saúde, Nascimento prematuro,


Cuidado pré-natal, Assistência à saúde.

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430 Veras, R.M.; Traverso-Yépez, M. • Social determinants of health and preterm birth trends in Brazil and Canada

I N T R O D U ction birth rate has increased from 6% in 1978 to 13.3% in


1994 (Bettiol et al., 2000) and, in Pelotas (Rio Grande
do Sul State), from 6% in 1982 to 14.7% in 2005 (Bar-
ros et al., 1992; Barros et al., 2005; Horta et al., 1996).

This rate may be higher in some of the less developed


regions in Northeastern Brazil.
The improved access to health care and better Canadian trends in preterm birth also indicate an
quality of high-risk obstetric and neonatal care has increase from 6.3% in 1981 to 8.2% in 2004 and 8.3%
dramatically reduced infant and neonatal mortality (0 in 2007 (Canada, 2008; Joseph et al., 1998). Never-
to 27 days old). This lower rate of infant and neonatal theless, among territories and provinces there are some
mortality has been used as an index of maternal child disparities: Nunavut had the highest preterm birth rate
health and for international comparisons of population overall at 10.8%, and the provinces of Alberta, New-
health status (IHE, 2007). However, studies show that foundland and Labrador showed the second and third
rates of preterm birth (less than 37 weeks gestation) have highest preterm birth rates at 8.7% and 9%, respectively,
also increased world-wide during the last 20 years. while New Brunswick and Prince Edward Island had
Information about the preterm birth rate is limited the lowest rates (both at 7%) (Cihi, 2009).
in developing countries. Certain factors may have an im- The preterm birth indicator, also a pointer of
pact on the statistical data of preterm birth in the world, population neonatal health, has become an important
which can mask the real incidence of this problem (Lum- public health concern. About 75% of deaths that
ley, 2003), such as: a) lack of national criteria for the occur in the neonatal period are related to preterm
definition of preterm birth and/or low weight baby; b) birth. This situation may also contribute to both short
uncertainty about the exact gestational age in completed and long-term morbidity. It is common for preterm
weeks; c) lack of reliability in stillbirth and neonatal babies to suffer increased rates of respiratory distress,
mortality registration; and d) under-registration of live temperature instability, and neurocognitive problems.
births in rural areas. The failure to find criteria of reg- Moreover, certain health issues often extend into
istration and the real incidence of preterm birth imply adulthood like cerebral palsy, psychiatric illness, and
a lack of knowledge about the etiologic determinants of ophthalmologic disorders (Cihi, 2009; Goldenberg;
preterm birth, making it difficult to prevent this trend. Rouse, 1998; McCornick, 1985).
As a result, some interventions may actually have no In addition to the physiological impact, the eco-
impact in reducing the rate of preterm births. nomic consequences are also significant in terms of
The above setbacks are present in Brazil, where the health care (high cost of neonatal intensive care, frequent
preterm birth rate was considered to be 6.5% in 2004 hospitalizations during the first year of life, special
(CNDSS, 2008). However, inconsistencies in statistical education and long term care for children with physi-
data are highlighted by Barros et al. (2005) and Silveira cal and neurological disabilities), which is a concern
et al. (2008), who found an increase of preterm birth for policy makers as well as for health care professionals
rate from 6.5% in private hospitals and 6.3% in public (Morrison, 1990).
hospitals in 1982 to 12.1% and 17.2%, respectively, in Epidemiologic studies describe some obstetric
2004. In Ribeirão Preto (São Paulo State), the preterm causes that can lead to preterm delivery: 1) spontaneous

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preterm labor with intact membranes; 2) spontaneous system. The social determinants of health are mostly
preterm labor with rupture of the membranes; 3) thera- responsible for health inequities within and between
peutic induction of labor (Goldenberg et al., 2008; countries (Barros et al., 2005; Marmot, 2005).
Kramer, 1997). Compared with the extensive literature and
In general, about 30% of preterm deliveries are convincing evidence regarding biomedical aspects of
indicated on the basis of maternal or fetal risks. In preterm birth, relatively few reports have appeared
cases where continuation of a pregnancy would lead concerning the relation between social determinants of
to serious maternal or fetal risk, a caesarian section or health and preterm delivery, and particularly making
induction is performed in order to improve obstetrical comparisons between countries (Kramer et al. 2000;
outcomes. Common reasons for medically suggested Barros et al., 2005).
preterm delivery are hypertensive disorders, maternal From this perspective, this paper aims to highlight
bleeding, intrauterine growth restriction, and fetal the social determinants of health underlying the increase
distress (Valero De Bernabé et al., 2004). in preterm birth in two different countries that use
In Brazil, the increase in preterm deliveries was universal access to health care: Brazil and Canada. Re-
greater in the caesarean section group than in the vagi- flections about mother-infant health care in the public
nal delivery group. The rate of preterm birth delivery health field will also be discussed.
by caesarean section has increased from 30.3% in 1978
to 50.8% in 1994 (Bettiol et al., 2000). In Canada,
more than one third (38.7%) of preterm births in 2006
were delivered by cesarean section, while 16.8% were BIBLIOGRAPHIC SCAN
induced (Cihi, 2009).
Conversely, according to epidemiologic studies, A large bibliographic scan was developed in this
spontaneous labors are related to 70% of preterm study. The bibliographic method used to search for
delivery in both developed and developing countries. English language references published after 1980 was the
Precise explanations cannot be established in most cases. Cumulative Index to Nursing and Allied Health Litera-
Some of the factors linked to spontaneous delivery are ture (Cinahl), based on the following medical subject
associated with social determinants of health, such as headings and logic: ‘preterm/premature birth and Bra-
lower educational level, younger maternal age, and zil’, ‘preterm/premature birth and Canada’, ‘incidence
inefficient prenatal health care, as they are generally and preterm/premature birth and Brazil’, ‘incidence and
associated with lower socio-economic status (Brasil, preterm/premature birth and Canada’, ‘risk factors and
2006a; Canada, 2008; Cihi, 2009; Kramer, 1997; preterm/premature birth and Brazil’, and ‘risk factors
Villar et al., 2006). and preterm/premature birth and Canada’.
Consequently, low socioeconomic status is an issue We found different data sources to highlight trends
for public health in both places and is part of the social in Brazil and Canada. For the purpose of this analysis,
determinants of health. The latter term is defined as a information on preterm birth in Brazil was obtained
complex construct involving social inequalities, usually mainly from publications in journals (Almeida et al.,
measured by conditions in which people are born, grow, 2005; Barros et al., 1992; Barros et al., 2005; Barros
live, work, and age, including the available health care et al., 2008; Bettiol et al., 2000; Carvalho and Gomes,

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2005; CNDSS, 2008; Coutinho et al., 2002; Gwatkin Within this universal coverage system, infant mor-
et al., 2000; Monteiro et al., 2000; Silva et al., 2001; tality rate in Brazil has decreased from 37.9% in 1995
Silva et al., 2003; Silva et al., 2006; Silveira et al., to 25.8% in 2005, with 65% of all infant deaths in the
2001; Silveira et al., 2008; Victora, 2001; Villar et neonatal period. More than 90% of births occurred in
al., 2006), and from official documents (Sinasc, 2009; hospitals or clinics, and 93% of pregnant women had
IBGE, 2006; Brasil, 2006a; Brasil, 2006b). at least one prenatal care visit (CNDSS, 2008, Barros
Data on preterm birth in Canada was also ob- et al., 2005).
tained from articles in journals (Armson et al., 2001; On the other hand, Canada is one of the world’s
Bushnik; Garner, 2008; Goldenberg et al., 2008; wealthiest nations, with a population of 32 million
Heaman et al., 2001; Joseph et al., 1998; Joseph et al., inhabitants, with a high per capita income, and it is
2002; Katz; Armstrong; LoGerfo, 1994; Kramer, one of the world’s top ten trading nations. The Cana-
1997; Kramer et al., 2000; Kramer et al., 2001; dian national health insurance program, Medicare, is
Mustard; Roos, 1994; Tough et al., 2002) and from designed to ensure that all residents have reasonable
official documents (Cihi, 2009; Canada, 2008; IHE, access to medically necessary hospital and physician
2007; Canada, 2009). services. Statistical data shows that the infant mortality
has decreased from 6.4 per 1,000 live births in 1991 to
4.9 per 1000 live births in 2003. Of all infant deaths,
65% were in the neonatal period. Indeed, 97.9% of
RELATING SOCIAL DETERMINANTS OF births occurred in hospitals or clinics and 99.9% of
HEALTH AND PRETERM BIRTH IN BRAZIL women had at least one prenatal care visit (Canada,
AND IN CANADA 2008, UNDP, 2006).
Efforts to assess the causes of preterm birth in lit-
Brazil is a developing country with a population erature review have been focused on different aspects in
of 182 million inhabitants. It is among the top ten Brazil and Canada. Biological factors such as multiple
countries with the highest Gross National Product in gestations, maternal age, cesarean section, maternal
the world; however, it is also among the ten countries hypertension and diabetes, as well as ultrasound scan,
with the highest rate of inequality. As a result, social were highly associated with preterm delivery in Canada
inequities affect the health and wellbeing of a significant (Armson et al., 2001; Joseph et al., 1998; Joseph et al.,
percentage of the Brazilian population (Lobato, 2000; 2002; Kramer, 1997; Heaman et al., 2001; Tough et
UNDP, 2006). al., 2002).
Health care services have been moving toward In Brazil, bibliographic references tend to address so-
universal coverage since the creation of the Sistema cial factors to assess causes of preterm birth, such as lack of
Único de Saúde (SUS, Unified Health System) by the prenatal care, low family income, teenage pregnancy and
1988 Constitution. However, a two-tier system remains maternal schooling, as well as type of delivery (Aragão et
in Brazil with the private system (prepaid and private al., 2004; Barros et al., 2005; CNDSS, 2008; Silva et al.,
health insurance plans) being used by about one-third 2006; Victora et al., 2000; Villar et al., 2006).
of the population in the middle and the upper classes To follow, we will focus on prenatal care and other
(Lobato, 2000; Traverso-Yepez, 2009). related social determinants of health in order to explore

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how they are influencing preterm delivery and the well- prenatal care; in Pelotas (South region), 37%; and in
being of mother and child in both countries. São Paulo City (Southeast region), the rate went up to
69% of women (Coutinho et al., 2002; Silveira et al.,
2001; Monteiro et al., 2000).
A total of 0.2% of women from the Southeast re-
PRENATAL CARE gion did not have a prenatal visit, and 3.9% of women
from the Northern region had no prenatal care at all
Early and equal access to prenatal care is a basic (Barros et al., 2005; Sinasc, 2009; Wehby et al., 2009).
condition provided to every pregnant woman in both About a third of those who failed to get care reported
Canada and Brazil. The quantity and quality of prena- that they could not get an appointment as the reason.
tal care has been a popular subject of investigation by Other common reasons were that the doctor was
epidemiologists and clinical researchers over the last unavailable, waiting time was too long, and that the
decade. Observational studies have reported strong specialized service or doctor needed was not available
associations between late entry into prenatal care and at the facility sought (Barros et al., 2005).
the occurrence of preterm birth both in Canada and in In Canada, the average number of prenatal care
Brazil (Alexander; Korenbrot, 1995; Barros et al., visits was 12.9 in 2008; 95% of women initiated
2005; Carvalho; Gomes, 2005; Kotelchuck, 1994; care in the first trimester; 50.5% reported 11 to 15
Kramer, 1987). visits; and 31.7% reported 5 to 10 visits. The average
The Society of Obstetricians and Gynecologists of visits ranged from low 10.6 in Nunavut and high
of Canada (SOGC) recommends women to have at 14.6 visits in Newfoundland and Labrador (Canada,
least 12 prenatal care (PNC) visits: every 4 to 6 weeks 2009). A study from Manitoba found that women
in early pregnancy, every 2 to 3 weeks after 30 weeks’ who did not receive adequate prenatal care, which is
gestation, and every 1 to 2 weeks after 36 weeks’ gesta- defined using a combination of timing of first visit and
tion. However, in Brazil, the recommendation from number of visits, were more likely to live in poverty,
the World Health Organization is for women to have experience highly stressed lives, and have low levels of
at least 6 visits in prenatal care during the pregnancy self-esteem, as well as often being Aboriginal (Heaman
(Goldani et al., 2004). et al., 2005).
Although the average number of prenatal visits in The majority of women (88.7%) indicated they
Brazil has increased from 6.6 in 1982 to 8.3 in 2004, obtained prenatal care as early as they wanted. For the
this number is still low in some sectors of society. It was remaining 11.3% of women, the two most common rea-
reported that 83% of women have initiated prenatal care sons for not getting prenatal care as early as they wanted
in the first trimester of pregnancy, but only 52% had were: the doctor/health care provider was unavailable
up to seven prenatal visits in 2004. Studies examining (53%) and the doctor/health care provider would not
maternal experiences on prenatal care have shown vari- start care earlier (30.2%) (Canada, 2009).
able prevalence of adequate care, defined on a basis of With a universal health system, the conditions are
a first consultation in the first 20 weeks of pregnancy laid for the prenatal care program to be offered widely. It
and at least 6 consultations afterwards. In Juiz de Fora is observed that both countries have prenatal care imple-
(Southeast region), 26.7% of women had adequate mented in the universal primary care system, but there

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are significant differences between Canada and Brazil. such as transport costs, child care costs, or time off
There are also geographic disparities in each country work, can influence mothers to start prenatal care later
with prenatal care having lower coverage among low or to be less compliant with prenatal advice or not use
income populations. Barriers to the utilization of this all available resources.
service by the low-income population may, therefore, be In Brazil, studies show a relation between preterm
influenced by socioeconomic status, educational level, birth and socioeconomic status. In Ribeirão Preto
and maternal age (Katz; Armstrong; LoGerfo, 1994; (Southeast region), while the rate of preterm birth was
Silva et al., 2003; Solar; Irwin, 2007), which will be 9.1% among mothers living in rich neighborhoods, this
further explored in the next sub-items. rate was 13.8% among mothers living in poor neigh-
borhoods. In Pelotas (South region), the prevalence of
preterm birth was higher in low income neighborhoods
(19.8%) than in high income neighborhoods (13.5%)
SOCIOECONOMIC STATUS (Barros et al., 2007, Silva et al., 1998).
Socioeconomic inequities across the economic
Socioeconomic status has been defined by the status were also evident in the coverage of prenatal care.
degree of education, occupation and family income. Lack of prenatal coverage was around five times higher
Researchers have found an increased risk of preterm in the poorest neighborhoods than in the richest. For the
delivery for low socioeconomic status women (Barros total Brazilian population, the prevalence of inadequate
et al., 2005; Kramer et al., 2000). The reasons for this prenatal care was 38.4% in 2004; however, 70.7% of
trend are not clear, but they seem to be related to poorer these women were living in a household at or below the
quality and quantity of prenatal care, worse nutritional low-income cut-off and 13.6% were living in a high-
status, increased frequency of cigarette smoking, greater income household (Barros et al., 2005).
use of drugs, higher rates of growth retardation, higher In Canada, as neighborhood income increases, the
frequency of genital-tract infection and sexual diseases, preterm birth rate is slightly lower: the preterm rate was
and higher levels of adverse psychological and physical 8.6% for the poorest neighborhood, while it was 7.8%
damage (Demissie et al., 2001; Morrison, 1990; Slat- for the richest neighborhood (Cihi, 2009).
tery; Morrison, 2002). The first prenatal visit among Canadian women
Both in Canada and in Brazil, governments occurred on average at 7.5 weeks’ gestation. However,
typically cover access to essential health care services women living in a household at or below the low-
like prenatal and maternity care. However, even with income cut-off were more likely to start prenatal care
universal access to health care, women living in poor after the first trimester (9.3%) than women living in
neighborhoods may not use health care resources effec- a household above the low income cut-off (3.8%)
tively. Usually, mothers experiencing high levels of social (Canada, 2009).
stress are at increased risk of preterm birth. Exposure to Putting the evidence together, in both coun-
objectively stressful conditions, such as housing instabil- tries it is clear that the lower socioeconomic status
ity and severe material hardship, has also been associated does cause prenatal care visits to decrease, while the
with preterm birth (Goldenberg et al., 2008). Other preterm birth rate tends to increase. Socioeconomic
related issues with the social determinants of health, status greatly influences a person’s life conditions and

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behaviors, which may induce a higher or lower preva- In Canada, the illiteracy rate in 2008 was 1%. In
lence of preterm birth (Barros et al., 2005; Solar; the last five years, there has been a decrease in the pro-
Irwin, 2007). This influence of socioeconomic status portion of mothers with less than high school education
on preterm birth is, therefore, likely to be mainly who gave birth. In 2000, 13.4% of mothers who had
indirect, through a number of more specific health delivered in the previous five years had not completed
determinants that are differently distributed across high school, compared to 8.4% of mothers in 2005.
socioeconomic groups. Reported rates of mothers with less than a high school
education varied by province/territory: in 2005, rates
ranged from a low of 5.5% in British Columbia to a
high of 45.4% in Nunavut. Indeed, it was observed that
EDUCATIONAL LEVEL women with less than a high school education (12.8%)
were more likely to start prenatal care after the first
A low maternal education level has also been con- trimester than women with a university degree (3.4%)
sistently related to poor neonatal health outcomes. The (Canada, 2008).
mechanisms by which maternal education influences The knowledge and skills attained through
neonatal welfare are complex because they are also re- education may affect a person’s cognitive function-
lated to social determinants of health that lead to risky ing, making them more receptive to health education
life conditions and behaviors. Statistical data has also messages or more able to communicate with and
proven that the number of prenatal visits decreases with access appropriate prenatal care. On the other hand,
lower educational level of mothers. measuring the number of years of education, or levels
Although the illiteracy rate in Brazil has decreased of attainment, may contain no information about the
from 15.3% in 1995 to 11% of the population in 2005, quality of the educational experience, especially in
the rate of people with less than 4 years of education Brazil, where the socioeconomic position also influ-
is 23.5%. This rate is higher at the Northeast region ences the quality of the education likely to be received
(36.3%) than in the Southeast (17.5%). Although the (Solar; Irwin, 2007).
proportion of Brazilian mothers with 9 or more years
of education increased from 25.3% in 1982 to 42.8%
in 2004, there is a huge gap between regions. Thus,
the rate of illiteracy among women in the Northeast MATERNAL AGE
region is 20% and in the South is 6.5%. Indeed, while
11.5% of Brazilian mothers had a university degree in The age at which a woman becomes pregnant
Southeast, just 3.7% had the same educational level in impacts her risk in giving birth to a preterm baby.
the Northeast region (IBGE, 2006). Teenage mothers (less than 20 years) have a two-fold
The low educational level of women has an impor- higher risk of having a preterm baby compared to adult
tant impact in prenatal care: on average 76% of illiterate mothers, and the neonatal and maternal mortality rates
mothers in Brazil have gone through less then 7 prenatal for teenage mothers are almost three-fold and two-fold
care visits in 2004, in contrast of 22% of mothers with higher than average aged mothers, respectively (Barros
high school degree (Brasil, 2006b). et al., 2005).

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In Brazil, the average maternal age was 22.9 years still smoked during pregnancy. One-quarter (25%) of
in 2005. The rate of teenage mothers has increased women aged 15-19 years reported drug use in the three
from 9.1% in 1980 to 23% in 2001. The rate of teen- months prior to pregnancy. Finally, teenage mothers
age pregnancy varies between regions. The Northeast consistently reported lower proportions of having suf-
region had the highest rate of teenage mothers with ficient information on each pregnancy-related topic
34.9% and, again, the Centre-east has the lowest rate (Bushnik; Garner, 2008; Canada, 2008).
with 7.9% (CNDSS, 2008). Although teenage maternity is not an issue in Can-
The statistical data showed significantly higher ada because of its lower rate, it has been demonstrated
rates of preterm birth (22.9%) between teenage moth- that teenage mothers tend to show some risk factors
ers (aged < 18 years). However, studies have found that contributing to the poor outcomes: a disadvantaged
factors other than biological clearly played a role in this social environment, biological immaturity, increased
high rate: the youngest adolescent mothers tended to likelihood of social deprivation, inadequate prenatal
have low socioeconomic status, to be single, to use drugs care, physical and sexual abuse, drug use, and smok-
and to display lower schooling. Indeed, a maternal age of ing. Teenage mothers are also more likely to experience
less than 20 years is also a risk factor for inadequate use curtailment or premature termination of their education
of prenatal care in Brazil: 58.22% of mothers younger (Canada, 2008).
than 20 had less then 7 prenatal visits (Machado, 2006; It is challenging to convince policymakers and
Brasil, 2006a; Silva et al., 2003). society, especially in Brazil, that actions in health pro-
In Canada, unlike Brazil, the rate of teenage preg- motion to reduce health inequalities must start with
nancy has decreased steadily. The average maternal age ensuring child education and support systems. Improv-
in Canada was 29.3 years in 2005. The overall pro- ing the conditions where youth live and facilitating
portion of live births to teenagers aged 10 to 19 years possibilities for a healthy development may certainly
declined from 6.8% in 1995 to 4.8% in 2004, with increase their participation in society minimizing the
significant variations among regions. Among teens risks associated with early maternity (Traverso-Yépez;
aged 10 to 17 years, provincial/territorial live birth Pinheiro, 2002).
rates varied from 1.5 per 1,000 females in Quebec to
34.6 per 1,000 females in Nunavut. This territory had
the overall highest proportion of live births to teenage
mothers at 24.4%, while Quebec had the lowest at DISCUSSION
3.1% (Canada, 2008).
Teenage mothers were more likely to start prenatal Although it is evident observed that health status
care after the first trimester (15.3%) compared to the has been improved in both countries, inequities in health
average age (5.1%) and just 19.3% of young mothers in status persist between rich and poor groups in each so-
Canada reported taking folic acid compared to 67% of ciety. Inequities are particularly severe in a country like
women aged 35-39 years. Younger mothers also tended Brazil, showing a significantly higher rate of in preterm
to use family or friends as their most useful source of birth (Victora et al., 2000). Identifying socioeconomic
information (31%). They reported the highest pro- risk factors and population characteristics that may be
portion of pre-pregnancy smoking (54.7%) and 28% related to preterm birth can help to explain this increase

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and, if addressed, may reduce the rise of this trend. The • although in Canada the rate of pregnancy
identified risk factors can also be useful for health care among teenagers has decreased to 4.8%, and in Brazil
planning and decision-making in obstetrical practice, (due to higher social inequities) this rate has increased
as well as for developing prevention measures. to 23%, in both cases, these young mothers tend to have
Prevention of preterm birth is generally accepted as low socioeconomic status and no partner support, are
being an important neonatal challenge facing mother- more likely to smoke and use drugs, and display lower
infant health care. The above comparison between Ca- schooling. They also have inadequate prenatal care and,
nadian and Brazilian preterm rates shows that, in order consequently, have higher rate of preterm births.
to deal effectively with prevention of preterm delivery,
we need to go beyond the biomedical approach. We Putting the risk factors together, the low coverage
need to adopt a conceptual model that focuses on the of preventive programs among the poorest does not
fundamental social determinants of health. seem to be caused just by difficulties in delivering
We have seen in the bibliographic research article services, considering the universal health care avail-
that the socioeconomic status has a strong influence able that allows high access and utilization of services
on mother-infant health. The lack of prenatal care or in general. Other issues associated with deprived
insufficient health conditions, highly influenced by living conditions seem to play an important role,
socioeconomic status, has been associated with preterm showing the need to consider the strong influence
birth in both countries. Recognizing the significant of the social determinants of health on mother-child
differences in socioeconomic conditions between Brazil health in Brazil, as well in the low-income sectors of
and Canada, some common risks factors observed in Canadian society.
both countries are: Evidence points to the importance of representing
the concept of social determinants to policymakers
• among low income women, the average number in ways that clarify the distinction between the social
of prenatal visits in Canada was 12.9, while in Brazil it causes of health and the complexity of different aspects
was 8.3; determining their distribution between more and less
advantaged groups (Solar; Irwin, 2007).
• regarding the failure in starting the prenatal We propose postulate that policy makers should
care, one of the main arguments was the difficulty of emphasize social determinants of health to implement
accessing prenatal health care; interventions and policies in both developing and devel-
oped countries. In France (a country where the preterm
• mothers living in a household at or below the birth rate has significantly decreased from 5.4 to 3.7%
low income cut-off were less likely to have adequate over a 12-year period), the preventive effort to reduce
prenatal care and to start the care before the third month this trend was effective because the strategy for public
of gestation; health was to create social conditions for the entire
population and not just a subgroup of women (either
• mothers with less than 8 years of school were at risk or not) (Papiernik; Goffinet, 2004).
more likely to start the prenatal care after the third month This raises the issue of state responsibility in
of gestation and to have fewer lessprenatal visits; creating spaces and conditions under which the

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 429-442, set./dez. 2009


438 Veras, R.M.; Traverso-Yépez, M. • Social determinants of health and preterm birth trends in Brazil and Canada

empowerment of disadvantaged communities and control, or influence consequences that are important
populations in risky situations can become a reality. to their members (Alexander; Korenbrot, 1995);
This knowledge also implies that one way to decrease
preterm birth rate might involve increasing women’s • creation of an integrated model of health services
awareness of the potential benefits of prenatal care. that fully covers women care, preconception, prenatal,
A multidisciplinary approach is needed in health intrapartum, postnatal, and total baby care, with a focus
promotion to reduce the rate of and to manage pre- on health promotion and primary and secondary disease
term birth: prevention throughout the lifespan (IHE, 2007);

• enhancement of epidemiologic surveillance and • monitoring and evaluation programs with an


follow-up about rate of preterm birth and prenatal care equity lens, repeating and expanding exercises such as
rates; the present study to cover other health programs.

• modification of prenatal care standards in Brazil


in order to improve its quality;
CLOSING REMARKS
• establishment of financial incentives from the
government and other basic supports for families or Reforming the health care system through the
single teenage mothers; acknowledgment of the social determinants of health
offers an opportunity to find a pathway to promote
• expansion of efforts to screen for and treat non- improvements in the health of infants and mothers and
medical risk-related conditions, such as substance abuse, guarantee access and availability of high-quality health
physical abuse, nutritional deficiencies, and infant and care. However, we must prepare for the difficult task of
child care educational needs. A comprehensive needs re-educating policymakers and the public regarding the
assessment is not only useful for the current pregnancy value of prenatal care.
but also to the future health of mothers, infants and Prenatal care plays an important role that goes
families; beyond the medical visit, as we are suggesting a kind
of prenatal care that would enable mothers and health
• pursuit of efforts to evaluate investigate and care professionals to critically reflect and integrate
guarantee the public of the effectiveness and appropriate knowledge about the social determinants of health.
timing of services provided. Feedback results are essen- This approach should facilitate not simply personal re-
tial to decision makers and to the general population; flection upon behaviors but engagement with broader
social-political issues, thus allowing for collective
• empowerment of mothers, especially those understandings and change.
living in socioeconomic deprivation, encouraging and Indeed, action on the social determinants of health is
supporting their active involvement in decision making necessary not only to improve health in general but also
and care. Community empowerment is also a process because such improvement will indicate the moving of
of enabling groups to develop the authority to act, society in a direction of meeting basic human needs.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 429-442, set./dez. 2009


Veras, R.M.; Traverso-Yépez, M. • Social determinants of health and preterm birth trends in Brazil and Canada 439

ACKNOWLEDGEMENTS Barros, F.C.; Huttly, S.R.A.; Victora, C.G. et al.


Comparison of the causes and consequences of prematu-
rity and intrauterine growth retardation: a longitudinal
We would like to thank Canadian Bureau for
study in southern Brazil. Pediatrics, v. 90, n. 2, pt. 1,
International Education (CBIE) Graduated Students p. 238-244, 1992.
Exchange Program and to the Division of Community
Health and Humanities, Faculty of Medicine at Me- Barros, F.C.; Victora, C., Matijasevich, A. et al. Pre-
term birth, low birth weight, and intrauterine growth
morial University of Newfoundland for the six-month
restriction in three birth cohorts in Southern Brazil:
internship grant that allowed the time to develop this 1982, 1993 and 2004. Cadernos de Saúde Pública, v.
study. Finally, we are grateful to Sandra Cooke for 24, n. 3, p. S390-S398, 2008.
her support and help during the preparatory phase
of this paper. Bettiol, H.; Rona, R.J.; Chinn, S. et al. Factors associa-
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Recebido: Julho/2009
Aprovado: Setembro/2009

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 429-442, set./dez. 2009


Artigo de opinião / opinion article 443

Determinação social da saúde: um tema potente na mobilização


pelo direito à saúde?
Social determinants of health: a powerful topic on the mobilization for the right to health?

Ana Maria Costa 1

1
Médica sanitarista; Doutora em
Ciências da Saúde pela Universidade
de Brasília (UnB). Diretora do
Departamento de Apoio à Gestão
Participativa do Ministério da Saúde.
dotorana@gmail.com

A Comissão Nacional de Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS), instalada em 2006, causou ini-
cialmente expectativas positivas pela retomada do debate sobre o tema, e mesmo pelo redirecionamento de
iniciativas pautadas no ideário da reforma sanitária brasileira. Entretanto, o relatório final, excessivamente
carregado de “ciência” e com pouca análise contextual, não impulsionou esse processo na forma desejável.
Na sua concepção, esta Comissão – sediada e coordenada pela Fiocruz – atuaria em três campos, ou seja,
na produção acadêmica, na ação governamental e na mobilização social. Ao final, constata-se que acabou se
concentrando no componente do conhecimento científico, com predomínio do campo da epidemiologia. A
mobilização da sociedade poderia ter significado a chance de imprimir outra abordagem mais ampliada ao
relatório, resultando em maior aproveitamento político do tema.
Em relação ao informe final da Comissão de Determinantes Sociais da Saúde criada pela Organização
Mundial da Saúde (OMS) em 2005, aconteceu algo similar, embora deva ser ressaltado o mérito da visibilidade
sobre as desigualdades sociais e de saúde entre os povos. É necessário valorizar o revigoramento do debate
sobre o tema da determinação social proporcionado por essa comissão, mas as críticas de diferentes partes do
mundo são convergentes na avaliação sobre o reducionismo da determinação social da saúde a meras evidências
da epidemiologia descoladas das análises dos contextos políticos, sociais e econômicos como causadores das
desigualdades. Nessa perspectiva analítica, destaco o documento divulgado pela Associação Latino Americana
de Medicina Social (Alames) e a manifestação de Vicente Navarro (2009).

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 443-446, set./dez. 2009


444 Costa, A.M. • Determinação social da saúde: um tema potente na mobilização pelo direito à saúde?

Considerando o pressuposto básico da luta pelo direito universal e equânime à saúde, a análise do informe
da comissão da OMS realiza uma denúncia descontextualizada das desigualdades sociais caracterizadas como
injustiça social abstendo-se da análise crítica dos processos sociais e econômicos existentes no planeta e nos
países, e que são os causadores dessas injustas desigualdades.
É importante relembrar que as relações entre desigualdade, iniquidade e determinação social não podem
ser reduzidas a uma simples análise circular de causa e consequência. A complexidade da sociedade e os seus
não menos complexos problemas não podem ser reduzidos a fatores sociais isolados, e tampouco estas situações
podem ser reduzidas a fatores de vulnerabilidade e risco. As ferramentas da epidemiologia são muito úteis se
usadas em conjunto com outras disciplinas que permitam olhares mais amplos, dinâmicos e complexos sobre
a sociedade e seus distintos grupos e classes sociais.
Por isso é, importante alertar sobre os perigos desta análise reducionista que, em tese, induziria a uma
prática de intervenções sobre alguns fatores de risco como estratégia para atuar sobre a determinação social da
saúde. A abordagem desejável e eficaz para intervenção sobre a determinação social da saúde exige mudanças
sociais profundas, incluindo necessariamente as concepções políticas que sustentam e que são responsáveis
pelas desigualdades e pelas injustiças sociais. Estas mudanças se referem ao modelo de desenvolvimento so-
cioeconômico orientado por relações e valores sociais pautados pela coesão e a solidariedade e, sobre todos
os pontos de vista, pelo valor da vida humana.
Considerando a importância que a determinação social da saúde tem como conceito estruturante na
construção da reforma sanitária brasileira, resta-nos discutir a seguinte questão: a determinação social da
saúde é ainda um tema potente para a mobilização da sociedade pelo direito à saúde?
Não restam dúvidas de que a determinação social da saúde é um potente caminho de consciência e de
mobilização social na conquista do direito à saúde. Concorda conosco o Ministro da Saúde Saraiva Felipe,
que criou a Comissão Nacional e que, no discurso de sua instalação, afirmou:

A CNDSS possui todas as condições para incorporar-se e reforçar o processo da reforma sanitária brasileira,
contribuindo para promover uma ampla tomada de consciência da nossa sociedade sobre as graves iniquida-
des de saúde que ainda persistem e que somente poderão ser combatidas com intervenções sociais baseadas no
conhecimento científico e numa ampla base de sustentação política.

Mas se a Comissão Nacional não impulsionou esse processo convocado pelo Ministro de “ampla tomada
de consciência” – o que não significa que houvesse expectativa quanto a isto –, que possibilidades nos restam?
Que fazer?
Em primeiro lugar, é importante localizar o conceito da determinação social da saúde sob a matriz mar-
xista no contexto de saúde como bem coletivo e, portanto, produto da acumulação social. O reconhecimento
das necessidades e dos desejos dos grupos sociais e das coletividades, quando transformados em ação para
concretizar estas necessidades e desejos, necessariamente gera confrontos com outros interesses hegemônicos.
Na maioria das vezes, esses interesses conflitados são os responsáveis pela falta, pelas necessidades sentidas.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 443-446, set./dez. 2009


Costa, A.M. • Determinação social da saúde: um tema potente na mobilização pelo direito à saúde? 445

Os interesses hegemônicos no capitalismo operam na subtração e na exploração de grupos sociais, e esta


ampliação de consciência destes grupos é a maior potência da determinação social da saúde como base de
compreensão dos processos sociais e econômicos na sua relação com a saúde. Portanto, a determinação social
da saúde pode legitimar e conferir complexidade à compreensão sobre os processos sociais e, desta forma,
politizar a saúde trazendo a consciência necessária para nutrir e impulsionar a demanda pelo direito.
Nesta perspectiva, é importante que fique claro que o direito à saúde não se restringe a um sistema de
atenção e de cuidado à saúde e à doença, quando se instala a situação de desequilíbrio. O Sistema Único de
Saúde (SUS) é uma grande conquista nacional por cumprir parte da responsabilidade do Estado com a saúde,
no que tange a assistência medico sanitária. Mas o SUS está muito longe de, por si só, prover a totalidade e
complexidade das necessidades requeridas para acumular saúde, que deverão incluir as aspirações e desejos
humanos de qualidade de vida.
A determinação social da saúde exige outro redimensionamento da luta pela saúde que envolve transfor-
mações na própria concepção de Estado e de sociedade, e consequentemente no modelo de desenvolvimento.
A começar, implica a responsabilidade estatal com os direitos sociais para promover o desenvolvimento social,
tendo como base a coesão social e as políticas universais de proteção social. Avançar na perspectiva desta
produção de mudanças nos limites do capitalismo vigente requer pensar os caminhos e possibilidades sobre o
combate às imposições desse capitalismo. Essa talvez seja uma das bases para a consciência e ação políticada
sociedade pelo direito à saúde.
Por outro lado, a discussão atual sobre a determinação social, de cunho mais acadêmico, não atinge e nem
seduz os movimentos sociais. Ao não incorporar o debate que vem se processando nestes movimentos sociais
sobre o direito à saúde, a produção teórica se isola e se torna estéril como abstração cujo sentido é contribuir
na compreensão dos fenômenos relacionados à vida e à saúde, tanto no plano individual como no social.
Nesta perspectiva, é necessário articular a produção teórica à percepção subjetiva sobre a determinação
social da saúde, de forma que possa associar e incorporar o sentido deste conceito no cotidiano e na prática
política das pessoas. Não é suficiente denunciar a hegemonia da epidemiologia como base dos estudos aca-
dêmicos sobre determinação social. É necessário ampliar a contribuição acadêmica dos outros campos disci-
plinares da saúde coletiva sobre a temática da determinação social e, ao mesmo tempo, é desejável uma maior
aproximação dessa produção com os movimentos sociais. Nesse contexto, os movimentos sociais devem ser
considerados e valorizados como base de resistência da luta pelo direito a saúde. A existência de uma extensa
rede de organizações e movimentos sociais vem sendo estruturada sob uma ética de solidariedade social que
constitui e mobiliza a luta social. Em todas as suas modalidades e dimensões, essa ação pode trazer elementos
importantes ao entendimento da determinação social da saúde.
Finalizando, para que a determinação social da saúde possa atingir potência capaz de mobilizar setores
da sociedade e do governo, é necessário dar maior amplitude e compromisso político à produção teórica,
reaproximando-a de sua matriz marxista. Ao mesmo tempo, é recomendável ampliar a escuta do que vem
sendo produzido como reflexão e lutas dos movimentos sociais, especialmente aqueles movimentos cuja ação
política seja comprometida com a transformação do Estado e da sociedade. Nesta perspectiva, a convergência
da luta pela radicalização da democracia como base para o direito à saúde continua atual e necessária.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 443-446, set./dez. 2009


446 Costa, A.M. • Determinação social da saúde: um tema potente na mobilização pelo direito à saúde?

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Recebido: Setembro/2009
Aprovado: Setembro/2009

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 443-446, set./dez. 2009


ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE 447

Projetos de extensão comunitária e o fortalecimento


do movimento estudantil na área da saúde
Community extension projects and the strengthening
of the student movement in the health area
“Cada época sonha a seguinte.”
Jules Michelet
Alessandra Issis Cirne 1
Lenilde Duarte de Sá 2
Cristina Katya T. T. Mendes 3

1
Graduada em Enfermagem pela RESUMO Este estudo teve como objetivo discutir a influência de projetos de extensão
Universidade Federal da Paraíba
comunitária na revitalização, na Universidade Federal da Paraíba, do movimento
(UFPB).
cgpq@prpg.ufpb.br
estudantil, no período de 2000 a 2005. Foi realizado um estudo qualitativo através
do método da História Oral Temática. Participaram cinco estudantes que fizeram
2
Professora do Programa de Pós- parte do movimento estudantil. As informações foram obtidas mediante entrevistas e
graduação em Enfermagem da UFPB.
através de material cedido pelos participantes. A análise foi feita com base nos discursos,
lenilde_sa@yahoo.com.br
de modo a identificar os pontos de contradição e de consenso. Conclui-se que projetos
3
Mestranda do Programa de Pós- desenvolvidos em comunidades foram importantes para fortalecer politicamente
graduação em Enfermagem da UFPB. o movimento estudantil na universidade em questão, como movimento contra-
criskadantas@ig.com.br
hegemônico em defesa do Sistema Único de Saúde em plena época neoliberal.

PALAVRAS-CHAVE: Política de saúde; História da Medicina; Apoio social;


Educação em saúde.

ABSTRACT The purpose of this study was to discuss the influence of community
extension projects in the revitalization of the student movement in the health area at
Universidade Federal da Paraíba, from 2000 to 2005. This qualitative study used
the method of Thematic Oral History. Five student activists took part in this work.
The information was obtained from interviews and material given by the students.
The analysis was based on the speeches, and through the identification of contradictory
and consensual points. It was concluded that community projects were important to
impute political strength to the student movement at the aforementioned university,
as a counter-hegemonic movement in defense of the Sistema Único de Saúde in a
neoliberal period.

KEYWORDS: Health policy; History of Medicine; Social support; Health


education.

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448 CIRNE, A.I.; SÁ, L.D.; MENDES, C.K.T.T. • Projetos de extensão comunitária e o fortalecimento do movimento estudantil na área da saúde

I N T R O D U ç ão mado que, em 1977, as mobilizações eram muito mais


significativas do que qualquer coisa que tenha aconteci-
do nas décadas de 1980 e 1990. Para Cláudio ‘Cunca’
Bocayuva, outra expressão do ME, nos anos de 1980 as
questões marcantes eram as contradições da transição
Na história da sociedade brasileira, pode-se perceber democrática junto à problemática econômico-social.
a formação e a atuação de vários movimentos sociais em Uma das áreas de atuação específica do ME foi a
momentos distintos. Dentro desses movimentos sociais da saúde, que também passou por profundas e signifi-
há o movimento estudantil (ME), que assume peculiari- cativas mudanças, sendo crucial o papel dos estudantes
dades segundo o contexto histórico-social relativo a cada e compondo uma das vertentes que contribuíram para
época. No Brasil, a história do ME, segundo Fagundes a construção do Sistema Único de Saúde (SUS). Foi
(1991), coincide com a história da União Nacional dos no final dos anos 1960 e início dos 1970, ou seja,
Estudantes (UNE). Fundada em 11 de agosto de 1937, durante o período mais repressivo do autoritarismo
tornou-se, a partir de então, protagonista de grandes no Brasil, que ocorreu a transformação da abordagem
lutas em diversos campos sociais. dos problemas de saúde e a constituição das bases
Ao longo de sua história política, observa-se que, na teórica e ideológica de um pensamento médico-social
década de 1930, o ME dirigiu sua luta para a redemo- (Escorel, 1998). O ME fortaleceu o chamado movi-
cratização durante o Estado Novo. Na década de 1950, mento sanitário, que, segundo Rodriguez Neto (1994),
atuou em concordância com os interesses nacionais. E denunciava os efeitos do modelo econômico sobre a
na década seguinte, no momento em que ganhou maior saúde da população e a irracionalidade do sistema de
visibilidade nacional ao enfrentar o governo autoritário saúde então implantado.
(Trolles, 1992), o ME empunhou as bandeiras das O movimento sanitário, de acordo com Escorel
reformas de base em favor da autonomia universitária e (1998), originou-se nas universidades, em ação conjunta
do ensino público e gratuito. A partir de 1970, no mo- de professores e alunos. Estes, especialmente os estudan-
mento de sua reorganização, mobilizou-se, juntamente tes de medicina, exerciam pressão para que houvesse
com a sociedade, lutando pela anistia, pela convocação uma maior aproximação da formação recebida com a
de uma Assembleia Nacional Constituinte e em favor realidade sanitária da população. Nesse contexto carac-
da redemocratização do país (Fagundes, 1991). Sobre terizado pela repressão, a UNE foi tornada ilegal pela
o papel do ME nos anos do regime militar, José Dirceu, ditadura militar e encontrava grandes dificuldades de re-
presidente da UNE em 1968, afirma que o ME não se organização. No entanto, verificou-se que os estudantes
limitou a ser somente um movimento estudantil contra continuaram se mobilizando e organizando espaços para
a ditadura, mas canalizava os sentimentos populares de discussão e debate sobre a situação que se apresentava,
oposição, sendo também um movimento cultural e de como as Semanas de Estudos sobre Saúde Comunitária
comportamento. (Sesacs). Segundo Escorel (1998) as Sesacs foram “tanto
Líderes estudantis reconheceram que na década um locus de formação da consciência sanitária entre os
de 1980 o ME estava inserido numa nova conjuntura estudantes quanto de difusão do pensamento médico-
político-social. De acordo com Trolles (1992), Jean Marc social do movimento sanitário”, o qual encontrou no
von der Weid, presidente da UNE em 1969, teria afir- ME uma de suas maiores bases de ação.

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Ao longo das décadas de 1970 e 1980, o ME par- os estudantes, os profissionais e os gestores do sistema
ticipou do movimento sanitário fortalecendo a ação de de saúde (Brasil, 2004a).
parlamentares, lideranças políticas, sindicais e populares. Diante da importância do ME para a sociedade, e
No início da década de 1980, o ME fez coro com demais frente à escassez de informações das contribuições desse
movimentos socais pelas Diretas Já. Em 1986, marcou movimento para a saúde na Paraíba, foi elaborado um
presença na 8ª Conferência Nacional da Saúde, cujo estudo com o propósito de conhecer a participação do
relatório foi determinante para a criação do SUS. Trolles ME da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) no
(1992) afirma que o ME da década de 1990 sofreu um processo de consolidação do SUS no período de 2000
processo de esvaziamento, mesmo desfrutando de total a 2005. Trata-se do trabalho de conclusão de curso
liberdade para a organização política, principalemente intitulado “A participação do movimento estudantil
devido à ausência de um discurso de liderança que na consolidação do SUS na Paraíba: vivências à luz da
falasse ao conjunto dos estudantes. Ainda assim, no História Oral Temática” (Bezerra, 2006).
início daquela década, observa-se o quanto foi expressiva Nesse estudo se observou que os projetos de
a participação do ME no movimento Caras-Pintadas. extensão da UFPB, dos quais os estudantes de saúde
Dessa forma, mais uma vez trouxe suas contribuições faziam parte, foram importantes na sua formação e
para o avanço do projeto de redemocratização do país, lhes serviram como porta de entrada no ME. Com
que corria o risco de naufragar com as investidas incon- base no trabalho citado, e considerando a relevância
sequentes do Governo Collor. desses projetos para a formação política dos estudan-
Depois da manifestação do movimento Caras- tes da área de saúde, apresenta-se aqui um recorte
Pintadas, os estudantes reaparecem no cenário com com o objetivo de discutir a relação da extensão
a eleição de Lula. Junto com a ascensão do governo universitária para o fortalecimento do ME em saúde
petista, assistiu-se à revitalização do ME, princi- na UFPB.
palmente com a criação, em 2003, da Política de
Educação Permanente em Saúde (EPS). Criada pelo
Ministério da Saúde a EPS seria uma estratégia para
transformar os processos formativos, articulada às METODOLOGIA
reais necessidades do SUS, considerando que um dos
maiores gargalos do sistema de saúde se encontrava Trata-se de uma pesquisa qualitativa, realizada na
em profissionais não qualificados para atuar na sua perspectiva da História Oral Temática, que, segundo
consolidação. A EPS, refletida na perspectiva do qua- Meihy (1998, p. 41) “é a que mais se aproxima das
drilátero para a formação dos trabalhadores da saúde soluções comuns e tradicionais de apresentação dos tra-
(Ceccim; Feuerwerker, 2004), foi colocada em cena balhos analíticos em diferentes áreas do conhecimento
por meio de fóruns dos quais participavam estudantes acadêmico” e, partindo de um assunto específico e
da área de saúde, representantes das várias esferas de preestabelecido, compromete-se com o esclarecimen-
gestão, das instituições formadoras, do controle social to ou opinião do entrevistador sobre algum evento
e dos trabalhadores de saúde. Para haver mudança nas definido. A História Oral propicia, ainda, de acordo
práticas da formação em saúde, fazia-se necessário com Freitas (1992), fazer da História uma atividade
engajar na discussão os usuários do sistema de saúde, mais democrática, ao dar voz a múltiplos e diferentes

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narradores, que vivenciaram e participaram de um tualização, transcriação, conferência e autorização para


determinado período. uso e publicação (Meihy, 1988). De cada entrevista foi
Como colaboradores, participaram cinco estu- destacado o tom vital, que serviu de guia para identi-
dantes que fizeram parte do ME da UFPB, no período ficar os eixos relevantes que emergiram. Os elementos
de 2000 a 2005, e que participaram da construção da de discussão foram reunidos em dois principais eixos
EPS na Paraíba, sendo três estudantes do curso de Me- temáticos: “A porta de entrada para o ME: projetos de
dicina, uma do curso de Enfermagem e um do curso extensão comunitária” e “O contato com militantes
de Fisioterapia. Em atenção à Resolução 196/96 do antigos e com os movimentos populares”.
Conselho Nacional de Saúde, que trata de pesquisa com A análise das informações, de natureza temática, foi
seres humanos, o projeto foi submetido ao Comitê de realizada com base nos discursos, de modo a identificar
Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da os pontos de contradição e de consenso. A discussão foi
UFPB. Para garantir o anonimato dos participantes, enriquecida pelo uso da literatura pertinente.
foram conferidos cognomes relacionados a militantes
que, em vida, foram comprometidos com o movimento
sanitários brasileiro: Samuel, Cecília, Ana Rita, David
e Sergio. ANÁLISE E DISCUSSÃO DAS INFORMAÇÕES
Utilizou-se como técnica de coleta de informações
a entrevista, com a seguinte questão: “Conte-me sobre
sua participação no movimento estudantil e como o ME A porta de entrada para o ME: projetos de
tem fortalecido a consolidação do SUS”. Para a coleta de extensão comunitária
informações, além das entrevistas foi utilizado o caderno Dois projetos de extensão da UFPB foram aponta-
de campo, no qual foram feitas várias anotações em re- dos pelos participantes como principais meios de entrada
lação à própria impressão do momento. Por ocasião das para o ME: o Projeto Educação Popular e Atenção à
entrevistas, foi apresentado aos colaboradores o Termo Saúde da Família – mais conhecido como Projeto do
de Consentimento Livre e Esclarecido, constando o
Grotão –, e o Estágio Nacional de Extensão Comunitária
objetivo da pesquisa e o método utilizado, bem como o
(Enec). Os referidos projetos tinham como objetivo
posicionamento ético da pesquisadora, que se encontra
aproximar os estudantes à realidade social, trabalhando
na Resolução 196/96. Além disso, os sujeitos assinaram
a questão da interdisciplinaridade, uma vez que agluti-
a Carta de Cessão, que é o documento utilizado para
nava estudantes de diferentes cursos, como Medicina,
definir o uso da entrevista. Nela, o sujeito cede os direitos
Odontologia, Enfermagem, Fisioterapia, Farmácia,
da entrevista gravada ao pesquisador.
Nutrição e Psicologia.
A coleta das informações foi realizada mediante
entrevista, com o auxílio de um gravador, no período Não só o Projeto do Grotão, mas eu acho que a extensão
de julho a setembro de 2005. Outras informações universitária da UFPB é uma extensão que está com
foram obtidas com base em material cedido pelos uma cara muito boa. Tem o Enec também, que é o
Estágio Nacional de Vivência em Comunidade, coor-
colaboradores. O depoimento oral foi trabalhado e
denado pelo Falcão, que também acaba despertando as
transformado em texto escrito, seguindo as fases do pessoas para esse lado, para enxergar que nós fazemos
método da História Oral: entrevista, transcrição, tex- política a toda hora, que somos seres políticos e que é

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necessário nós estarmos participando dessas discussões. domiciliares, realizadas semanalmente, geralmente aos
Acredito que muitas pessoas que estão nesse meio foram sábados, nas quais as famílias eram visitadas por uma
do Grotão, mas não foi só o Projeto do Grotão. Eu
dupla de estudantes, sempre de diferentes cursos. Cada
acho que a extensão possibilita isso. Até porque, dentro
da universidade, a válvula de escape que nós temos de dupla era responsável por um determinado número
estarmos nos articulando com a sociedade, entre aspas, de famílias com as quais deveriam estabelecer vínculo.
é a extensão universitária. (Cecília) Segundo Starfield (2002), o vínculo com a população
requer o estabelecimento de fortes laços interpessoais
O Projeto Educação Popular e Atenção à Saúde da que reflitam a cooperação mútua entre as pessoas da
Família, ainda ativo, foi criado em setembro de 1997, comunidade e aqueles que deles cuidam. Assim, o vín-
época em que era coordenado pelo Professor Eymard culo é imprescindível para que os estudantes pudessem
Mourão Vasconcelos. Vinculavam-se a ele dois outros compreender como se dava a dinâmica das relações entre
subprojetos: “Fisioterapia na Comunidade”, e “Saúde os membros da família, a comunidade e sua realidade,
Bucal na Comunidade” – coordenados, respectivamen- bem como a forma como se davam os processos de ado-
te, por professores do Departamento de Fisioterapia e ecimento, a concepção que apresentavam sobre a saúde
de Odontologia Social da UFPB. As atividades eram e a busca e o acesso aos serviços de saúde.
realizadas na comunidade Maria de Nazaré, localizada O segundo enfoque do projeto era voltado ao
entre o Bairro dos Funcionários III e o Bairro do Grotão, desenvolvimento de ações educativas, cujas atividades
em João Pessoa (PB). Os colaboradores reconhecem o eram realizadas principalmente com as crianças. Os es-
projeto como um espaço de formação de militantes para tudantes empregavam a criatividade para montar peças
o ME do setor saúde. de teatro sobre temas do cotidiano, como acidentes
domiciliares, datas comemorativas (Dia das Crianças,
Não só eu, mas alguns amigos, parte de uma geração
Dia das Mães, etc.), e situações relacionadas à saúde
de militantes aqui da UFPB, mais especificamente
do curso de medicina e da área de saúde, (...) co- (parasitose, escabiose etc.). Na comunidade, foi criada
meçamos nosso trabalho no ME, principalmente, uma escolinha de postura, de responsabilidade dos
através de projetos de extensão em comunidades, estudantes de Fisioterapia. Os extensionistas também
que trabalhavam educação popular. (...) Tem uma
safra de militantes que saiu, tanto que eu acho que realizavam o escovódromo sendo que esta atividade não
o movimento de medicina é um pouco mais forte, era restrita dos estudantes de Odontologia.
em parte, por causa da contribuição do projeto de
extensão do Grotão. (Sergio). No Grotão, tem dois aspectos principais, um é prin-
cipalmente a vivência com as famílias. (...) A outra
O envolvimento com a comunidade propiciou a dimensão grande que tem no Grotão são as ações edu-
cativas coletivas, que teoricamente nós sempre dizemos
criação de vínculos, bem como o desenvolvimento de que são grupos de discussão, palestras, mas, no fim das
uma visão integral da saúde, e concorria para promover contas, é praticamente teatrinho. (Ana Rita).
a articulação e o empoderamento da comunidade com
vista à resolução de seus problemas e necessidades. O trabalho, desenvolvido com base na concepção
Nesse processo, segundo os colaboradores, as atividades de educação popular em saúde, pode ser visto como
eram desenvolvidas na comunidade tendo em mente um suporte social voltado ao empoderamento das pes-
dois enfoques principais. O primeiro tratava de visitas soas pelo controle de suas vidas e do envidamento de

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ações coletivas que garantam o provimento dos direitos era uma coisa assim bem interessante. E acabava que
de cidadania pelo Estado. Desse modo, Valla (1999) nós passávamos isso nas casas, nos dias de atividade
com os pais. (Ana Rita).
assegura que um envolvimento comunitário pode ser
um fator psicossocial significante para melhorar a con-
E o interessante dessas reuniões era que começávamos
fiança pessoal, a satisfação com a vida e a capacidade a entender a similaridade de vários problemas da
de enfrentar problemas. Nessa perspectiva, como revela família e a entender os determinantes sociais, a neces-
o fragmento abaixo, a postura dos estudantes era de sidade da organização social da própria comunidade
para superar os problemas, o limite do trabalho de
fortalecer politicamente os moradores locais a partir saúde. (Sergio).
das reflexões que passavam a fazer sobres os problemas
que os envolviam e comprometiam a qualidade de vida. Na área da saúde, como reconhece Vasconcelos
“Nós não brigamos por eles, nós mostramos quais são (2003), estas experiências contribuíram para um rom-
os direitos, quais são os deveres, para eles poderem lutar pimento com a tradição autoritária da educação em
por eles”. (Samuel) saúde e da prática médica dominante, uma vez que
Para garantir a qualidade do apoio social dado à co- promovem a ampliação das inter-relações não apenas
munidade e ao processo de formação dos extensionistas, com a comunidade, como também com as diversas
os orientadores coordenavam reuniões nas quais eles e profissões e serviços. Essa redefinição das práticas de
os estudantes realizavam leituras de textos e discussões
saúde se dá num processo que valoriza os saberes e
de casos ocorridos nas famílias acompanhadas. Tanto as
práticas populares.
leituras quanto as discussões enriqueciam ainda mais a
O outro projeto de extensão comunitária apon-
vivência dos extensionistas, uma vez que as discussões
tado, do qual participaram os estudantes foi o Enec,
contemplavam tanto os fatores mais subjetivos envol-
coordenado por Emmanuel Fernandes Falcão, também
vidos, quanto a procura por meios de se tentar resolver
fundamentado na educação popular em saúde. O Enec
os problemas colocados pela realidade, o que pode ser
surgiu do Estágio de Vivência em Comunidades na Pa-
observado nos fragmentos a seguir:
raíba e era vinculado à Direção Executiva Nacional dos
Estudantes de Medicina e a Pró-Reitoria de Extensão e
Havia também reuniões, nas quais nós discutíamos
alguns textos, mas o que eu achava melhor era que Assuntos Comunitários da UFPB.
sempre tinha uma situação base. Por exemplo, eu A iniciativa de se realizar este estágio surgiu da
levava um caso de uma família minha, de um pai necessidade de melhorar a qualidade da formação em
alcoólatra, que batia na família, nos filhos, na
mulher e nós discutíamos. E, na verdade, era um saúde e, assim, refletiu-se sobre a importância de levar
assunto que abrangia várias das famílias que nós os estudantes para a comunidade, de forma que no
acompanhávamos no nosso dia-a-dia. Essas discussões território pudessem identificar e formular problemas e
eram entre os estudantes e os professores coordenado-
elaborar estratégias de resolução, em um trabalho de-
res. Então, nós ficávamos buscando a melhor solução,
como era que poderíamos resolver aquele problema. senvolvido de forma coletiva. No Enec, os estudantes
Às vezes, nós ficávamos numa análise mais subje- tiveram a oportunidade de ampliar os conhecimentos
tiva, mas fazíamos também uma análise concreta,
sobre o processo saúde-doença, partindo dos problemas
no sentido de que passos poderíamos dar a partir
daquilo. Outras pessoas entravam com relatos um e necessidades reais, possibilitando, desse modo, uma
pouco diferentes, mas dentro do mesmo assunto. Isso mudança em sua formação. Esse projeto tornava-os

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mais críticos e politicamente diferenciados no meio É uma característica do Enec, também, a sua articu-
acadêmico em saúde (Falcão, 2003). lação com grupos socais como associação de moradores,
No Enec, os estudantes entravam na comunidade, grupo de jovens, mulheres e sindicatos e demais insti-
geralmente em duplas, e passavam cerca de 15 dias tuições voltadas ao desenvolvimento de comunidades, a
vivendo de acordo com modo de vida dos moradores, exemplo do Instituto Nacional de Colonização e Refor-
com o intuito de apreender de maneira mais fidedigna ma Agrária, prefeituras, secretarias municipais de saúde e
a dinâmica da realidade local, seus costumes, crenças, educação, movimentos sociais – como o Movimento dos
hábitos e organização (Falcão, 2003). Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a Comissão
Pastoral da Terra (CPT) – e sindicatos, ou seja, aqueles
Porque a ideia era levar o mínimo de influência pos- que mobilizam a comunidade para lutar pela resolução
sível na questão cultural, já que nós íamos, ficávamos
das necessidades e problemas (Falcão, 2003).
esse tempo e depois íamos embora, diferente do Enec.
A menos que fosse um acréscimo, (...) mas a ideia é Pode-se perceber que, por meio do E nec , os
que você seja o mais imperceptível possível. Ou como estudantes se articulavam com outros movimentos
realizar palestras e discussões, dependendo do que eles
sociais; tal fato merece destaque, pois nos processos de
querem. Na minha, eles queriam que fizesse sobre
DST/Aids, para os jovens. (Ana Rita). globalização há, segundo Santos (2006), globalizações
contra-hegemônicas. Nesses últimos, o autor destaca o
O projeto do Enec foi desenvolvido em três assen- cosmopolitismo subalterno e insurgente, ou seja, aquele
tamentos rurais no interior da Paraíba: Massangana I, que inclui grupos sociais que são vítimas de exclusão
município de Cruz do Espírito Santo; Novo Salvador, social não diretamente classista. Os estudantes se jun-
município de Jacaraú; e Outeiro de Miranda, em Lucena tavam a grupos como esses, para incentivar o poder de
(Falcão, 2003). Nele o estagiário passava a ser mais ati- luta dos subalternos na reivindicação dos seus direitos
vo. Aos poucos ia se inserindo na dinâmica das relações que, dada a concepção de intersetorialidade, ia além do
da comunidade, estabelecendo com ela vínculos afetivos acesso à saúde.
e de confiança, contribuindo e estimulando ações que
visavam à melhoria da qualidade de vida.
O contato dos estudantes com antigos militantes e com
Nesse projeto, a primeira coisa que fizemos logo no os movimentos populares
início, pelo menos na minha comunidade, que foi mais Os projetos de extensão comunitária proporcionam
ou menos como aconteceu nas outras, foi ficar andando
pela comunidade, conversando com um e com outro. aos estudantes um contato com pessoas que participaram
(...) Depois que o pessoal estava conhecendo mais ou das lutas pela reforma sanitária no Brasil desde a sua ori-
menos a nossa cara de tanto que nós perambulávamos gem, ou seja, com militantes mais antigos do movimento
por lá, depois de umas três vezes eu acho, nós saímos
sanitário, fato que potencializava nos extensionistas o
de casa em casa marcando uma reunião na associação.
Fizemos essa reunião e isso também aconteceu nos outros desejo de conhecer um pouco mais sobre a história da
dois grupos. Nessa reunião, fizemos uma dinâmica no saúde do país e de dar continuidade a luta em defesa da
início, só de integração, para eles ficarem mais à vontade consolidação do SUS.
conosco e também nós ficarmos mais à vontade com eles.
Depois, fizemos outra dinâmica, que basicamente tinha Pelas entrevistas, percebe-se que dois momentos
o objetivo de saber quais eram os principais problemas contribuíram significativamente para o despertar dos
enfrentados na comunidade. (Ana Rita). estudantes para a importância do relacionamento

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com a comunidade e articulação com grupos e movi- Eram movimentos populares fortíssimos em Peixinhos,
mentos organizados, merecendo destaque: a visita ao Olinda. Então, nessa perspectiva eu fiquei encantado
com C. (Sergio).
médico e ativista C.C., em Olinda (PE), e a tentativa
de rearticulação do Movimento Popular de Saúde da
Os estudantes tomaram conhecimento de que,
Paraíba (Mops).
no do exílio, C.C. começou a trabalhar com plantas
medicinais. Foi por meio da Fitoterapia que esse mé-
Essa história do C.C. é a História. Eu dei um abraço
quando encontrei com ele na 7ª Conferência Nacio- dico conseguiu aglutinar pessoas, realizando pequenas
nal de Saúde, e falei: “Cara, você nem sabe o quanto reuniões e ajudando a organizar toda uma comunidade,
me ajudou”. Eu até essa época não achava que tinha desde a associação de moradores até a estruturação de
futuro essa coisa de movimento social. Eu achava que
ia fazer meu trabalho, no miúdo, ajudar as famílias, um horto comunitário. Os estudantes perceberam que
a comunidade, mas que era por ali mesmo, essas C.C. enfatizava sempre a necessidade da autonomia da
coisas maiores não davam certo. Eu conheci C.C.! comunidade na resolução de seus problemas e a valo-
Que cara fenomenal! É um monstro, assim, monstro rização do saber popular associado ao conhecimento
no bom sentido. Ele é um cara super ocupado, mas
nos acolheu super bem. (Sergio). acadêmico.
O segundo momento importante ocorreu no início

A visita a C. C. ocorreu em agosto de 2002, quan- do ano de 2003, na Paraíba, quando houve a aproxi-
mação dos estudantes com o Movimento da Consulta
do os extensionistas foram conhecer a atuação desse
Popular, uma organização que agrega vários movimentos
médico, que, segundo os colaboradores, realizava um
sociais do país – MST, Movimento de Moradia, Movi-
trabalho comunitário notável. Esse momento se tornou
mento de Mulheres, dentre outros – cujo objetivo é o
importante para os estudantes, mostrando que ações
de encontrar uma forma de construir um projeto que
simples, mas coordenadas e com objetivo definido, assim
aglutine os movimentos populares. Possui um forte
como a aproximação com a população, poderiam trazer
caráter de formação política, inclusive com a realização
resultados positivos e efetivamente promover mudanças
de cursos sobre a realidade brasileira, dos quais os estu-
sociais importantes. O médico, ao contar sua história
dantes na época foram convidados a participar.
como militante e exilado, e ao reconhecer que esse tempo
teria sido de aprendizado em valorizar o saber popular, Foi até engraçado porque o E., que era nosso orientador
sobretudo o saber indígena, estimulou-os a continuar no projeto nessa época, participou do Mops na primei-
no caminho da militância. ra vez, assim quando ele chegou aqui na Paraíba. Daí
foi despertando o histórico do SUS, que eu comecei
a conhecer. Eu não conheci pela universidade, mas
E o legal do C.C. foi que ele nos contou sua história.
por reuniões fora, com pessoas que participaram da
(...) O C.C. começou com esse trabalho nessa co- reforma sanitária. Pelo Grotão e pelo Mops, através do
munidade de Peixinhos e daqui a pouco estava com Prof. E. principalmente, que nos apresentou a pessoas
outro, daqui a pouco com outro, foram se juntando que participaram da reforma sanitária. Ele, por ter
com outros movimentos, arrumaram a associação de participado também contou muitas histórias. Isso
moradores, começaram a cobrar o negócio do esgoto despertou em nós aquela vontade de conhecer mais.
da comunidade e começou a criar uma referência Foi daí que fomos vendo, estudando como era o sistema
para um movimento cultural. Então, aquela ação e vimos que o curso na universidade não estava nos
pequena de planta medicinal ajudou a organizar preparando para continuar essa luta que vinha desde
uma comunidade, começou a atrair outras demandas. a década de 70. (David).

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Então, veio o primeiro lance massa que nós começamos nós conhecemos os militantes, uma galera muito boa e
a ter, que foi quando eu conheci o J., da Consulta Po- fomos trocando, entendendo esse mundo da história do
pular. (...) E J. me ligou um dia, que eu fiquei super movimento popular. Foi um momento muito bonito,
contente. Eu conhecia, dos livros de E. o Mops, um não conseguimos partir para o campo, fazer um trabalho
grande movimento social da década de 80 do Brasil, em comunidade. Mas nós tentarmos rearticular o Mops
foi um movimento da área de saúde. A referência que foi um momento de muita riqueza. (Sergio).
o MST é hoje, o movimento de saúde foi na década
de 80. E o Mops era um movimento muito difuso
No período de 2002 a 2005, os extensionistas que eram
pelo Brasil inteiro. Em vários lugares tinha estudan-
tes do Mops. Eles trabalhavam, além do debate da militantes na UFPB mostraram um ME revitalizado. A apa-
construção do SUS, as práticas populares de saúde, tia dos anos anteriores havia sido substituída pela presença
os raizeiros, o pessoal que mexia com fitoterapia, essa constante nas oficinas do AprenderSUS (Brasil, 2004b) –
coisa toda. Eu conhecia o Mops dos livros, sabia que
dentro e fora da UFPB – e nos fóruns de discussão para a
estava meio parado. E o J. liga para mim dizendo que
tinha um pessoal da velha guarda do Mops da Para- criação do Pólo de Educação Permanente. A revitalização do
íba, que queria remontar o Mops no estado, que veio ME nesse período mostra uma importante contradição. A
procurá-lo, que ele se empolgou com a ideia, conhecia chama fraca do ME nos anos de 1990 voltava a ficar mais
o nosso trabalho de extensão e queria que eu pudesse
forte no início do século 21, no momento em que o processo
estar ajudando a construir isso. E foi muito legal essa
experiência inicial do Mops que nós tivemos, porque de globalização se tornava titânico. O ME havia se nutrido
nós conhecemos o pessoal mais antigo do movimento, da realidade dos sujeitos e movimentos sociais, bem como
D. P., D. N. (Sergio). das utopias construídas ao tempo da história.
As gerações se encontraram. Em consequência, obser-
Desse contato, surgiu a oportunidade dos estudantes vou-se uma síntese que expressa uma resistência ao projeto
auxiliarem na rearticulação do Mops, inativo desde 1980. neoliberal, contrariando o que Chico de Oliveira afirma ser
Em abril de 2003 ocorreu a 1ª Reunião de Rearticulação do sua maior letalidade: “a destruição da esperança e a destrui-
Mops, no Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil ção das organizações sindicais, populares e de movimentos
da Paraíba, sede da Consulta Popular em João Pessoa. A sociais” (Oliveira, 1995, p. 28). O ME da área da saúde na
tentativa de reativação do Mops perdurou por um ano, mas UFPB mostrava vitalidade e compromisso com a defesa do
não foi efetivada. Entretanto, os participantes consideraram SUS, com a formação de profissionais diferenciados para
que foi um momento muito rico, por ter proporcionado a atuar na construção de um novo modelo de atenção que
troca de experiências com os militantes mais antigos, bem priorizasse, sobretudo, as populações vulneráveis às políticas
como por terem aprofundado questões políticas e conhe- focalizadas do projeto neoliberal.
cimento acerca dos movimentos populares. Após 20 anos, um dos desafios do SUS continua
sendo a formação de trabalhadores, embora, como
Inclusive o 1º Encontro de Rearticulação do Mops acon- afirme Paim (2009), a questão dos recursos humanos
teceu em abril de 2003, no Sindicato dos Trabalhadores
da Construção Civil da Paraíba. Esse foi um ano muito esteja presente na agenda política desde a 8ª Conferência
bom de militância para mim. Então, foi muito legal essa Nacional de Saúde. É importante, portanto, reconhecer
questão do Mops. Com todo aquele clima, Lula ainda que os projetos de extensão comunitária representam
em alta e o movimento social precisava se organizar,
estratégias pedagógicas de formação de profissionais de
aproveitar a conjuntura histórica. Nós ficamos um
ano tentando rearticular o Mops e não foi para frente. saúde, de modo a torná-los atores importantes para a
Mas foi muito bonita a experiência do Mops, porque consolidação do SUS.

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456 CIRNE, A.I.; SÁ, L.D.; MENDES, C.K.T.T. • Projetos de extensão comunitária e o fortalecimento do movimento estudantil na área da saúde

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e da política de saúde local. do movimento sanitário. Rio de Janeiro: Fiocruz,
1998.
Ao se engajarem nas lutas comunitárias, nas reu-
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Fagundes, J. Movimento estudantil no período de
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famílias e destas com a sociedade, a extensão comunitária 13, n. 26, p. 163-177, jan./jul. 1991.
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os movimentos populares e ampliassem a sua visão acerca Falcão, E.F. (Org.). Um novo começo. João Pessoa:
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do significado de sua atuação como estudantes, futuros
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Recebido: Outubro/2008
Aprovado: Agosto/2009

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458 ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE

Biossegurança: os acadêmicos de enfermagem e o


conhecimento sobre o risco de adoecimento por tuberculose
Biosafety: nursing students and knowledge about the risk of catching tuberculosis

Melina Costa dos Santos 1


Fabiana Barbosa Assumpção de Souza 2

1
Enfermeira; Graduada pela Escola RESUMO Este trabalho tem por objetivo identificar o conhecimento de estudantes
de Enfermagem Alfredo Pinto da
de enfermagem sobre tuberculose (TB) e biossegurança; verificar a utilização da
Universidade Federal do Estado do Rio
de Janeiro (Eeap-Unirio).
biossegurança em TB em cursos de graduação; e investigar adoecimento por TB
cs.melina@gmail.com durante a graduação. Trata-se de um estudo descritivo-exploratório de abordagem
qualitativa, realizado com 55 estudantes do 8º e do 9º período do curso de
2
Professora adjunta da Eeap-Unirio.
Enfermagem de uma universidade pública do Rio de Janeiro. Os entrevistados
fabi.assumpcao@gmail.com
demonstraram conhecimento sobre TB e biossegurança. 45% dos entrevistados
prestaram cuidados à pacientes com TB; 3,64% informaram adoecimento por TB
durante graduação. Constatou-se que os entrevistados não utilizam na prática o
conhecimento adquirido na formação.

PALAVRAS-CHAVE: Tuberculose pulmonar; Educação em Enfermagem;


Exposição a agentes biológicos.

ABSTRACT This paper has the objective of identifying the Nursing students’
knowledge about tuberculosis (TB) and TB biosafety; verifying the use of TB
biosafety in academic practice; and investigating TB illness during undergraduation.
We present a descriptive study using a qualitative approach. The subjects were
55 students of the 8th and 9th semesters of the Nursing undergraduation course in
a public university in Rio de Janeiro. It was observed that the nursing students
do have knowledge about pulmonary TB and TB biosafety. It was reported that
45% of the students have had contact with pulmonary TB patients, and 3,64%
of them have had pulmonary TB during undergraduation. It was found that the
subjects would not apply the acquired knowledge in their daily lives.

KEYWORDS: Tuberculosis, pulmonary; Education, Nursing; Exposure to


biological agents.

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I N T R O D U ç ão biológico e coloca a biossegurança em TB em um pla-


no secundário, além de retardar a inserção do paciente
bacilífero nos programas institucionais de controle da
doença (Barroso, 2001).
A Organização Mundial da Saúde (OMS) propõe a
A tuberculose (TB) representa um grave problema de adoção de medidas de controle da transmissão da TB em
saúde pública, com uma grande repercussão mundial. Atu- unidades de saúde cujo ambiente proporcione elevado risco
almente, um terço da população do globo está infectada pelo de infecção pelo bacilo da TB, quer seja de paciente para
bacilo de Koch (Maciel; Viana; Zeitoune et al., 2005). paciente ou de paciente para profissionais de saúde.
O Brasil, entre os 22 países com maior número de O objetivo da biossegurança em TB é minimizar os
casos de TB no mundo, ocupa a 18ª posição (WHO, riscos de se contrair a doença no ambiente de trabalho;
2009). Segundo dados do Ministério da Saúde (Brasil, logo, biossegurança é contenção de riscos (Barroso,
2006), em 2005, a taxa de incidência de TB foi de 2001). Ela se torna cada vez mais presente nas unidades de
43,78/100.000 para o país, e 80,50/100.000 para o saúde, devido à diversidade dos riscos inerentes às ativida-
estado do Rio de Janeiro – quase o dobro da taxa de des de assistência médico-hospitalar e pela complexidade
incidência nacional. desses estabelecimentos (Martins; Silva; Lopes, 2006).
A análise da situação da TB revela que a doença De acordo com as recomendações dos Centers for
está ligada, entre muitos outros fatores, à pobreza e à Disease Control and Prevention (CDC, 1994), dos Es-
má distribuição de renda. No caso dos estudantes da tados Unidos, um efetivo programa de controle da TB
área da saúde, principalmente os de medicina e de en- exige identificação precoce, isolamento e tratamento das
fermagem, a situação se agrava, por constituírem gru- pessoas infectadas. A ênfase primária desse programa
pos de risco para a infecção pelo bacilo da tuberculose, consiste na aplicação de uma hierarquia de medidas de
conforme comprovam numerosos estudos (Maciel; controle que incluem: o uso de medidas administrativas
Viana; Zeitoune et al., 2005; Pinho; Costa, 2003; para reduzir os riscos de exposição a pessoas infectadas
Soares; Mello; Kritski, 2004; Silva; Cunha; Kritski, pelo bacilo da TB; a prática de controle ambiental para
2004). Tal risco é derivado da exposição progressiva que prevenir a disseminação e reduzir a concentração do
esses estudantes têm com o meio hospitalar durante núcleo infeccioso; o emprego de equipamentos indivi-
a vida acadêmica, na qual as chances de contato com duais de proteção respiratória em locais onde o risco de
pacientes com TB pulmonar positiva aumentam. Esses exposição ao M. tuberculosis permanece (por exemplo,
dados se confirmam com as altas taxas de conversão da quartos de isolamento). Embora não seja possível elimi-
prova tuberculínica (PT), mostrados pelos autores já nar completamente os riscos para a transmissão do M.
citados, observadas nesses acadêmicos, condição que tuberculosis em todas as unidades de saúde, a adesão às
pode ser explicada por falhas no reconhecimento, no recomendações deve reduzir o risco (CDC, 1994).
isolamento e no cuidado com os pacientes portadores Tendo em vista que a TB é um grave problema,
de TB pulmonar positiva (Gonçalves, 2001). e sabendo que profissionais da saúde se transformam,
O não pensar em TB diante de pacientes com sin- cada vez mais, em vítimas da doença por desconhe-
tomas respiratórios, na unidade de saúde, compromete cimento ou negligência frente às normas de proteção
a dimensão do risco ocupacional, subestima o risco contra a infecção, desenvolveu-se esta pesquisa tendo

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460 Santos, M.C.; Souza, F.B.A. • Biossegurança: os acadêmicos de enfermagem e o conhecimento sobre o risco de adoecimento por tuberculose

por objeto de estudo o conhecimento do aluno de en- como cenário deste estudo a Eeap-Unirio, situada no
fermagem sobre as medidas de biossegurança em TB. município do Rio de Janeiro.
O estudo considera que as medidas de controle de A população do estudo foi constituída por 55 es-
transmissão da TB podem ser divididas em três grupos: tudantes de Enfermagem cursando o 8º e o 9º período
administrativas, ambientais e de proteção respiratória. do curso de graduação da Eeap, durante o período de
Em unidades de saúde cujos meios para o controle da fevereiro a março de 2008.
TB são precários, as medidas individuais de proteção são Durante a coleta de dados, os sujeitos foram orien-
consideradas fundamentais; sendo assim, torna-se de ex- tados sobre os objetivos da investigação, garantindo o
trema importância o conhecimento sobre biossegurança anonimato na participação. Vale ressaltar que todos os
em TB para os estudantes de Enfermagem. princípios éticos e legais foram respeitados, conforme
Os estudantes da Eeap-Unirio iniciam oficialmente Resolução 196/96 (Brasil, 2004), do Conselho Nacio-
sua trajetória profissional no 4º período. O contato au- nal de Saúde, que regulamenta as pesquisas com seres
menta progressivamente com o passar do tempo, de modo humanos, e está respaldada pela assinatura do Termo De
que é realizado um estágio de 900 horas nos dois últimos Consentimento Livre E Esclarecido. O estudo foi apro-
semestres. A carga horária atingida é de 8 horas diárias e, vado pelo Comitê de Ética da Unirio em 29 de outubro
em casos excepcionais, há plantões de 12 horas. de 2007, sob o protocolo nº 0048.0.313.000-07.
As chances dos estudantes de Enfermagem em O instrumento de coleta de dados foi do tipo
semestres mais avançados apresentarem PT positiva são autoaplicado, e abordou os seguintes temas: agente
maiores do que as dos alunos dos ciclos básico e inter- etiológico, mecanismo de transmissão, sinais e sintomas,
mediário. Isso se deve ao fato destes estudantes estarem medidas preventivas, métodos diagnósticos, tratamento,
em período de estágio curricular, no qual o contato com o possível medo do aluno de adquirir TB, bem como
o ambiente hospitalar/ambulatorial aumenta e, conse- possível adoecimento do aluno por TB durante a gradu-
quentemente, as chances de prestarem assistência a um ação, seu sentimento de capacidade para cuidar de um
paciente com suspeita de TB pulmonar, ou portador da paciente com TB, e se ele já cuidou de algum paciente
doença, são bem maiores. com suspeita TB pulmonar positiva ou doente.
Levando em consideração o apresentado até aqui, Os dados foram coletados e tratados estatistica-
foram definidos os seguintes objetivos para o estudo: identi- mente por meio do programa Microsoft Excel. Os dados
ficar o conhecimento dos acadêmicos de enfermagem sobre qualitativos foram estudados conforme análise de con-
a TB e a biossegurança em TB; verificar a utilização da bios- teúdo temático de Bardin (1997), e foram apresentados
segurança em TB na prática acadêmica; e investigar casos em quadros.
de adoecimento por TB durante a prática acadêmica.

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS


MÉTODO
Conforme a Tabela 1, 98,18% dos entrevistados
Trata-se de uma pesquisa do tipo descritivo- respondeu corretamente sobre o agente etiológico da
exploratório, com abordagem qualitativa. Foi utilizado TB pulmonar, o M. tuberculosis.

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Santos, M.C.; Souza, F.B.A. • Biossegurança: os acadêmicos de enfermagem e o conhecimento sobre o risco de adoecimento por tuberculose 461

Em relação ao mecanismo de transmissão da TB néia e astenia (Brasil, 2002) que não foram relatados.
pulmonar, a via aérea (98,21% das respostas) é a única A literatura consultada não cita como sinais/sintomas a
considerada de importância na transmissão da TB. A diarréia (1,6%) e a perda de apetite (1,59%).
transmissão se dá a partir de um indivíduo portador de O diagnóstico da TB é pautado em alguns itens
TB pulmonar, principalmente aqueles com bacilosco- fundamentais, apontados corretamente em 99,26% das
pia positiva que, ao falar, tossir ou espirrar, liberam os respostas, tais como: a história clínica (22,96%), que
bacilos. Estes, aspirados por pessoa sadia, ultrapassam permite um diagnóstico presuntivo e implica avaliar
os mecanismos da árvore respiratória e se depositam nos os sinais e sintomas sugestivos de TB (Brasil, 2002);
alvéolos, iniciando o processo patológico. o exame bacteriológico (36,29%), um método de im-
Outras vias de transmissão são possíveis, como a di- portância fundamental tanto para o diagnóstico como
gestiva e a cutânea, porém são raras e sem importância do para o controle do tratamento, por ser um exame de
ponto de vista epidemiológico da TB (Bethlem, 2002). rápida e fácil leitura, possibilitando a pronta descoberta
Sobre os sinais e sintomas clínicos da TB pulmonar, de indivíduos fontes de infecção da doença e, conse-
96,81% dos alunos citaram as seguintes respostas: febre quentemente, a interrupção da cadeia de transmissão
vespertina (29,37%), tosse seca ou produtiva por três (Bethlem, 2002); o exame radiológico (21,48%), um
semanas ou mais (42,04%), dor torácica (19,85%) e meio auxiliar no diagnóstico da TB que deve ser aliado
emagrecimento (5,55%) são sinais e sintomas sugestivos ao resultado do exame bacteriológico, indicado nos casos
de TB pulmonar, assim como sudorese noturna, disp- suspeitos, uma vez que permite a seleção de portadores

Tabela 1 – Distribuição dos resultados quanto ao conhecimento dos estudantes sobre a TB pulmonar. Rio de
Janeiro, 2008
Variáveis Frequência %

Identificam agente etiológico (n = 55)

Sim 54 98,18

Não 1 1,82

Identificam mecanismo de transmissão*

Sim 55 98,21

Não 1 1,79

Identificam sinais e sintomas clínicos*

Sim 122 96,81

Não 4 3,19

Identificam diagnóstico*

Sim 134 99,26

Não 1 0,74

Identificam tratamento*

Sim 55 70,52

Não 23 29,48

* Permitiram mais de uma resposta

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462 Santos, M.C.; Souza, F.B.A. • Biossegurança: os acadêmicos de enfermagem e o conhecimento sobre o risco de adoecimento por tuberculose

de imagens sugestivas de TB ou de outra patologia; e a confirmada ou suspeita; durante procedimentos com


prova tuberculínica (18,53%), outro método auxiliar potencial de gerar aerossóis pela tosse; e na manipulação
no diagnóstico da TB, cuja positividade indica apenas de secreções potencialmente contaminadas com o M.
infecção, não sendo suficiente para o diagnóstico da TB tuberculosis (WHO, 2008).
doença (Brasil, 2002a). Apenas 0,74% (detecção de A máscara cirúrgica, citada em 2,91% dos casos, não
antígenos em amostras de soro) das respostas não corres- é o meio indicado por não oferecer proteção adequada
pondem aos métodos diagnósticos usuais para TB. contra a TB quando utilizada pelos profissionais de saúde.
Tendo ainda como referência a Tabela 1, no que diz Seu emprego é restrito à contenção de partículas no mo-
respeito ao tratamento para a TB pulmonar, o uso de mento de sua geração, sendo recomendada para uso dos
antibióticos específicos, citado por todos os entrevistados pacientes fora dos locais de isolamento, em casos suspeitos
e representando 70,52% das respostas, é a medida mais ou com TB em fase infectante (WHO, 2008).
importante para o tratamento dessa doença, tornando Durante a coleta de dados, foram identificados dois
todos os outros recursos de importância secundária. O casos de adoecimento por TB pulmonar no decorrer da
contágio desaparece nas primeiras semanas após o início trajetória acadêmica. Apesar de representar uma pequena
do tratamento quimioterápico, devido à perda do poder parcela dos entrevistados, é uma informação importante
infectante dos bacilos (Bethlem, 2002). Sendo assim, os pois reforça o constante na literatura, de acordo com a
doentes pulmonares positivos não precisam nem devem qual estudantes da área da saúde se encontram vulneráveis
ser segregados do convívio familiar e da comunidade. à infecção pelo M. tuberculosis, e sujeitos a um possível
No que diz respeito ao conhecimento dos estudan- adoecimento (Maciel; Viana; Zeitoune et al., 2005; Pi-
tes sobre a biossegurança em TB, 97,09% das respostas nho; Costa, 2003; Soares; Mello; Kritski, 2004; Silva;
estão corretas. Entre as respostas encontradas, o controle Cunha; Kritski, 2004). Quando questionados sobre a rea-
dos contatos (43,69%) constitui uma importante forma lização de cuidados a pacientes portadores de TB pulmonar
de prevenção da TB pulmonar, uma vez que todos os positiva, ou com suspeita da doença, 55% dos entrevistados
contatos de pacientes portadores de TB, principalmente nunca prestou cuidados a esse tipo de paciente, e 45% já
pulmonar positiva, devem comparecer à unidade de havia dispensado algum tipo de cuidado.
saúde para a realização de exame. Os contatos devem De acordo com os relatos dos entrevistados, quando
procurar a unidade de saúde em caso de sintomatolo- questionados sobre as precauções tomadas durante o cuida-
gia respiratória e se, após serem examinados, não for do a paciente portador de TB pulmonar, ou com suspeita
constatada a TB (Brasil, 2002a), as orientações para os (Quadro 1), seis relataram utilizar corretamente a precau-
mesmos devem ser de observação. ção necessária para TB pulmonar, como: uso de máscara
A máscara N95 do Instituto Nacional para Segu- N95, isolamento respiratório do paciente, e manutenção
rança Ocupacional e da Saúde (National Institute for do paciente em ambiente arejado, para proporcionar a
Occupacional Safety and Health, NIOSH), citada por dispersão das partículas infectantes. Quatorze estudantes
47,57% dos entrevistados, é usada para proteção respi- demonstraram utilizar de forma incorreta a precaução para
ratória, para impedir a inalação de partículas infectantes, TB pulmonar, fazendo uso de medidas de precaução de
sendo considerada a última linha de defesa contra a contato (capote, luvas, lavagem das mãos, isolamento de
infecção tuberculosa. Deve ser utilizada também em contato), além de evitar o mínimo contato possível com
quartos de isolamento de pacientes com TB pulmonar, o paciente e usar máscaras cirúrgicas. A justificativa mais

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 458-464, set./dez. 2009


Santos, M.C.; Souza, F.B.A. • Biossegurança: os acadêmicos de enfermagem e o conhecimento sobre o risco de adoecimento por tuberculose 463

Quadro 1 – Relato dos estudantes, por categoria temática, sobre as precauções tomadas ao cuidar de paciente
suspeito ou doente de TB pulmonar positiva
Categoria Temática Frequência

1) Utilizou corretamente
- Máscara N95;
06
- Ambiente ventilado;
- Isolamento respiratório.

2) Utilizou incorretamente
- Contato mínimo com paciente
- Máscara cirúrgica;
- Capote; 14
- Luvas;
- Lavagem das mãos;
- Isolamento de contato.

3) Não utilizou
- Paciente com suspeita, porém faltava equipamento na unidade; 05
- Paciente em tratamento.

apontada para tal atitude foi a de que as instituições nas para TB pulmonar, ou de seu uso incorreto, a justifica-
quais os estágios eram desenvolvidos não possuíam mate- tiva mais encontrada foi a de que a instituição em que
riais nem condições necessárias para a precaução adequada. trabalhavam não oferecia as condições nem os materiais
Por último, cinco relataram não fazer uso das medidas de para a prática da precaução respiratória preconizada.
precaução, pois o paciente já estava em tratamento. Durante a prática acadêmica dos alunos entrevis-
tados, houve relato de dois (3,64%) casos de adoeci-
mento por TB durante a graduação. Esse é um dado
significativo que ressalta o risco de infecção e doença
CONCLUSÃO aos quais os estudantes de enfermagem estão expostos
durante suas atividades práticas. Por fim, vale lembrar a
Os graduandos de Enfermagem apresentaram importância da autoproteção, bem como a importância
bons resultados sobre seus conhecimentos a respeito da de se recomendar o uso da máscara individual comprada
biossegurança em TB, do agente etiológico, do meca- com recursos do aluno, caso a instituição de saúde não
nismo de transmissão, dos sinais e sintomas clínicos, e garanta as condições necessárias de biossegurança.
do diagnóstico da TB pulmonar.
Em relação à utilização da biossegurança em TB
na prática acadêmica, grande parte dos entrevistados
(45%) informou já ter cuidado de paciente portador de
TB pulmonar, o que faz supor o uso de algum tipo de
precaução. Entretanto, na descrição dos cuidados utili-
R E F E R Ê N C I A S
zados houve certa confusão nas respostas, caracterizando
a baixa adesão dos acadêmicos às precauções necessárias
para a redução da disseminação da TB. Na maioria dos Bardin, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70,
casos da falta de utilização das medidas de precaução 1977.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 458-464, set./dez. 2009


464 Santos, M.C.; Souza, F.B.A. • Biossegurança: os acadêmicos de enfermagem e o conhecimento sobre o risco de adoecimento por tuberculose

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ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE 465

Discursos coletivos sobre sofrimento psíquico em famílias


em situação de vulnerabilidade social
Collective speeches on psychic suffering in families in social situation of vulnerability

Caliandra Machado Pinheiro 1


Nilma Lima dos Santos 2
Josenaide Engrácia dos Santos 3

1
Psicóloga; residente em Saúde RESUMO O sofrimento faz parte da vida humana, mas cada grupo social o
Mental do Programa de Residência
vive de maneira diferente. Com o objetivo de compreender como as famílias
Multiprofissional em Saúde da
Universidade do Estado da Bahia
em situação de vulnerabilidade social lidam com o sofrimento psíquico, essa
(Uneb). pesquisa foi desenvolvida junto às famílias acompanhadas pelo Centro de
calimachado@hotmail.com Referência de Assistência Social, em Itapagipe, Salvador (BA), utilizando o
método do Discurso do Sujeito Coletivo. Os discursos demonstraram como
2
Fonoaudióloga; residente em Saúde
Mental do Programa de Residência
vivência cotidiana, desemprego, convivência familiar, violência urbana e
Multiprofissional em Saúde da Uneb. crença estão interconectados com o sofrimento psíquico, apontando tanto
nilmafono@yahoo.com.br a necessidade de considerar a realidade do sujeito quanto a importância de
modelos de atenção em saúde mental que coloquem em evidência os recursos
3
Mestre em Saúde Coletiva;
coordenadora do Núcleo de Saúde
comunitários e sua influência na vivência do sofrimento.
Mental do Programa de Residência
PALAVRAS-CHAVE: Saúde mental; Sofrimento psíquico; Vulnerabilidade
Multiprofissional em Saúde da Uneb.
social.
josenaidee@yahoo.com.br

ABSTRACT Suffering has always been part of humanity, but each social group
experiences it differently. With the objective of understanding how socially
vulnerable families deal with psychic suffering, this research was developed along
with families which are assisted by the Center of Social Assistance Reference,
from the district of Itapagipe, Salvador (BA), using as a method the Collective
Subject Discourse. The collected data demonstrated how everyday life,
unemployment, family coexistence, urban violence and beliefs are all connected
with psychic suffering, pointing to the need of considering the subject’s reality
and the importance of models of attention in mental health that put in evidence
the community resources and their influence in the experience of suffering.

KEYWORDS: Mental health; Psychic suffering; Social vulnerability.

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466 PINHEIRO, C.M.; SANTOS, N.L.D.; SANTOS, J.E.D. • Discursos coletivos sobre sofrimento psíquico em famílias em situação de vulnerabilidade social

I N T R O D U ç ão mento, em sua maioria, envolve determinantes relacio-


nados à conjuntura socioeconômica e política. Assim,
cada sujeito responde de maneira distinta a situações de
sofrimento em função de suas características individuais
e dos significados que eles atribuem à situação vivenciada
O mundo está dividido em dois grupos de seres hu- em seu cotidiano.
manos: os que não comem e os que não dormem. O A proposta da política de saúde mental e da política
grupo dos que não comem habita os países pobres nacional de assistência social é exatamente uma apro-
e se julga esmagado em sua miséria pela opressão
ximação com o sujeito a partir do seu cotidiano, com
econômica das grandes potências industrializadas.
O grupo dos que não dormem habita as áreas base no território; busca-se a integração ao ambiente
mais ricas do mundo, mas não dormem pelo pavor social e cultural concreto, ao espaço da cidade onde se
que lhes infunde a revolta dos que não comem. desenvolve a vida cotidiana de usuários e familiares do
(Josué de Castro, 1983, p. 164).
serviço. É nesse espaço que foi realizado esta pesquisa.
Assim, com o objetivo de compreender como as
O sofrimento faz parte da condição humana, e não
famílias em situação de vulnerabilidade social lidam
se conhece sociedade alguma que não faça referência ao
com o sofrimento psíquico, apontando quais as situa-
sofrimento; entretanto, existem sofrimentos que são es-
ções provocadoras de sofrimento e quais as estratégias
pecíficos quando se referem a uma população vulnerável.
utilizadas para lidar com o mesmo, esta pesquisa foi
Oliveira (1995) articula a vulnerabilidade à fragilização
desenvolvida junto às famílias acompanhadas pelo
das relações sociais, afetivas, de gênero, étnico-raciais,
Centro de Referência da Assistência Social (Cras), do
políticas, de pertença social, dificuldades vinculadas à Distrito de Itapagipe, Salvador (BA), utilizando o mé-
violência, ao território, que afetam as pessoas e os gru- todo do Discurso do Sujeito Coletivo. O relato busca
pos sociais. A exposição a situações de vulnerabilidade retratar os caminhos da pesquisa junto a seus resultados
aumenta a possibilidade de um sofrimento psíquico. Tal e falar da aproximação com o mundo da subjetividade
dialética traz à tona um dos questionamentos essenciais da comunidade a partir dos seus recursos. Tentaremos
na atenção ao sujeito que sofre: como a comunidade em fazer como Pessoa (1980): trabalhar nos versos como
risco social lida com seus sofrimentos psíquicos? um carpinteiro nas tábuas.
Compreender quais as estratégias que a comunida-
de utiliza para lidar com o sofrimento psíquico em seu
cotidiano é de fundamental importância no contexto
da reforma psiquiátrica e das novas políticas em saúde COMEÇANDO A VIAGEM
mental. Esta estabelece que as ações realizadas pelos
serviços substitutivos devem ter como ponto de partida Ao começar a viagem pelos caminhos da metodo-
a comunidade local, onde se desenrolam todas as ações logia, optamos pelo discurso do sujeito coletivo como
para lidar com o sofrimento psíquico. abordagem metodológica para nortear a pesquisa, espe-
O sofrimento psíquico pode aparecer na vida do cialmente por permitir correlações do discurso individu-
indivíduo de diversas formas, nas diversas circunstâncias al ao da coletividade, que estão presentes no cotidiano
da vida. Conforme Dantas e Tobler (2003), seu apareci- dos sujeitos. Lefèvre e Lefèvre (2005) comentam que o

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 465-473, set./dez. 2009


PINHEIRO, C.M.; SANTOS, N.L.D.; SANTOS, J.E.D. • Discursos coletivos sobre sofrimento psíquico em famílias em situação de vulnerabilidade social 467

discurso do sujeito coletivo foi a maneira encontrada pressões que revelam a essência do depoimento; com a
para resgatar o discurso coletivo através do discurso formulação das ideias centrais, expressão linguística que
individual. Ainda conforme esses autores, a construção descreve, da maneira mais sintética, precisa e fidedigna
do discurso do sujeito coletivo é uma modalidade de possível, o sentido de cada um dos discursos analisados;
apresentação de resultados da pesquisa da linha quali- e com a posterior construção dos discursos coletivos a
tativa que tem como objetivo expressar o pensamento partir dos discursos individuais coletados.
de uma coletividade como se fosse um discurso único,
quando se diz que uma pessoa ou uma coletividade tem
um pensamento sobre um dado tema, diz-se que professa
um ou vários discursos sobre o tema. TECENDO O ENREDO DO DISCURSO
O contexto da pesquisa foi o Cras, localizado no DO SUJEITO COLETIVO
distrito sanitário de Itapagipe, Salvador (BA), e o grupo
de interesse da pesquisa foram dez representantes de A construção desses discursos foi notadamente per-
famílias acompanhadas por esse serviço. A pesquisa aten- meada por nossas lembranças dos momentos de coleta
deu ao que preconiza a resolução 196/96 do Conselho do discurso. As expressões-chave advindas da reflexão
Nacional de Saúde (Brasil, 1996), que regulamenta sobre os discursos serviram como disparadores para a
pesquisas envolvendo seres humanos, e foi autorizada formação das ideias centrais. Aqui apresentamos os sete
pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade discursos construídos a partir do material analisado.
Estadual de Santa Cruz, parecer consubstanciado nº
277/2008.
Para a coleta de dados, o instrumento utilizado foi Expressão-chave: cotidiano estressante
a entrevista semi-estruturada, que possui a vantagem de Ideia central: o estresse cotidiano (a rotina, o
permitir diálogo mais profundo e rico, apresentando os trabalho, os afazeres domésticos) e a dificuldade
fatos de forma mais próxima de sua complexidade. Cada de executar as tarefas diárias como causadores de
entrevista foi norteada por quatro perguntas abertas que sofrimento psíquico
giravam em torno do tema saúde mental, como: “Saúde
mental: o que isso representa para você?”; “Como você [... o que a gente pensa, o que a gente faz, nossa rotina
acha que seu cotidiano influencia sua saúde mental?”; de casa, influencia (...). É muito difícil, eu levanto
de manhã, tenho que levar minhas filhas no colégio,
“Você acha que seu cotidiano te causa sofrimento? Ex-
fazer um monte de coisa, porque só é eu sozinha... o
plique por quê”; e “Como a comunidade contribui para estresse do dia-a-dia, do trabalho, da dificuldade das
a qualidade de sua saúde mental?” As conversas foram coisas...]
gravadas e transcritas para análise posterior. A identifica-
ção dos entrevistados foi mantida em sigilo e somente os Segundo o discurso coletivo, a vivência cotidiana
que aceitaram e assinaram o Termo de Consentimento acarreta sofrimento psíquico porque é permeada por
Livre e Esclarecido participaram da pesquisa. uma atuação repetitiva e estressante, e está relacionada
A análise dos dados foi feita de acordo com a à impossibilidade de mudar de tarefa ou de ter alguém
metodologia do Discurso do Sujeito Coletivo, com para compartilhar. Como exemplo, temos o trabalho
extração das chamadas expressões-chave, ou seja, as ex- árduo da educação dos filhos e a carga doméstica. A

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forma com que se reveste o sofrimento varia com o da violência no psiquismo são tão ou mais graves que as
tipo de organização do trabalho. O trabalho repetitivo, agressões físicas, e muitas jamais cicatrizam.
por exemplo, cria a insatisfação que é de certa maneira
porta de entrada ao sofrimento psíquico (Dejours,
1992). Expressão-chave: sofrimento psíquico e família
Ao mesmo tempo em que a rotinização, com suas Ideia central: a família atual (marido e filhos) como
demarcações de tempo e espaço, organiza a vida diária, causadora de sofrimento psíquico, pela convivência
também causa sofrimento a partir do momento que a
sobrevivência dessas famílias é permeada por dificuldade, [... A gente não vevi bem dentro de casa, né, às vezes
não vevi bem com o marido, com a filha, com alguma
obstáculo inerente à situação da família em vulnerabi-
coisa na vida da gente, tudo isso é problema mental
lidade social. (...) eu pensei que eu construindo aquela família,
com aquela pessoa, eu pensei que eu iria ter uma vida
digna, que é uma coisa que eu não tive, uma infância,
construir uma família, mas não foi bem o que eu es-
Expressão-chave: violência urbana e sofrimento psíquico
perei (...) A convivência com o pai das minhas filhas
Ideia central: o ambiente violento onde se mora como não é boa (...) principalmente, quando você vevi com
causador e agravador do sofrimento psíquico uma pessoa que tá vivendo com você a pulso, só por
causa de filho (...) aí por causa disso minhas filhas
[... O lugar é que tem muita violência (...) onde eu têm que sofrer...]
moro é bem barulhento, são pessoas que bebem (...)
que são briguentas (...) a criminalidade ajuda a piorar A família construída pelos sujeitos sociais estabelece
a situação, porque a gente sai na rua com medo de ser
a convivência familiar como lugar de sofrimento e difi-
assaltada, sai na rua com medo de ver um crime, com
medo de uma violência...] culdade depois do casamento, como mostra o fragmento
do trecho acima: “eu pensei que eu construindo aquela
A violência nos grandes centros urbanos é apontada família, com aquela pessoa, eu pensei que eu iria ter uma
como acarretadora de sofrimento. Conforme Minayo vida digna, que é uma coisa que eu não tive”. Conforme
(1994), a violência é um dos eternos problemas re- Lévi-Strauss (1972), o termo “família” é usado para
lacionais da humanidade. Não se conhece nenhuma definir um grupo social com as seguintes características:
sociedade onde a violência não tenha estado presente, ter origem no casamento, ser constituído por marido,
tanto no espaço do rico quanto no do pobre, com a esposa e pelos filhos provenientes de sua união.
diferença que um ambiente violento é mais intenso nos Porém, a relação com a família constituída, ou seja,
bairros periféricos. com a família que se construiu, com marido e filhos,
No discurso dos sujeitos, a violência do ambiente mostra-se como geradora de sofrimento psíquico, uma
remete ao medo. A vizinhança incomoda, importuna, vez que o discurso aponta que, ao construirem uma
invade as casas, com a poluição sonora. Já a bebida família, essas pessoas acreditaram estar construindo
aparece relacionada a situações de violência, brigas e uma nova vida, na qual a história poderia ser diferente
discussões. Além disso, o medo de ser assaltado, de daquela presenciado em sua infância.
presenciar um crime ou cenas de violência aprisionam as Segundo Relvas (2002, apud Censi, 2002), o casal
pessoas. Zaluar (2002) aponta que as marcas traumáticas possui a função de manter coeso o sistema familiar por

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todo o ciclo de vida, dando o primeiro passo ao fundar temporária) do seu meio social, relacionados à perda das
uma nova unidade familiar e ao delimitar esse novo condições de consumo material e cultural. Esta situação
espaço, diferenciando-os das famílias de origem. No é intensificada pela fragilização dos laços familiares e
entanto, o que se vê no relato é a repetição da história, sociais, que em conjunto leva a um sentimento de menos
onde a família está desestruturada e os filhos continuam valia frente a si mesmo, influenciando sua maneira de
a sofrer. se relacionar consigo e com o mundo.

Expressão-chave: desemprego e sofrimento psíquico Expressão-chave: a crença como estratégia terapêutica


Ideia central: o sofrimento psíquico está associado à Ideia central: a crença, a religião e a fé em Deus são
situação de desemprego e suas consequências, tendo estratégias terapêuticas para lidar com sofrimento
como a principal delas a dificuldade de ter uma vida psíquico no cotidiano
digna (falta de alimento, moradia, vestimenta)
[... Eu sou cristã, então, isso me ajuda muito, eu tenho
[... desemprego é uma das piores coisas que tem, causa reuniões, lá é como se fosse uma terapia, como se fosse
muito sofrimento (...) a pessoa não tem um emprego um psicólogo (...) Para a Honra e Glória do Senhor,
digno, não tem uma vida digna, isso tudo leva com eu tenho uma vida assim abençoada (...) Ouvindo
que a pessoa venha a obter pobremas (...) a falta de meu louvor, para mim é uma maravilha (...) a Igreja,
emprego em si causa isso nas pessoas (...) às vezes, não a presença de Deus, ficar lá louvando, adorando (...)
tenho nada pra dar as meninas (...) tem uma festa É assim mesmo, quando a gente encontra Jesus, tudo
assim a gente não pode dar as coisas aos filhos, é escola, é transformado (...) Em primeiro lugar Deus, em
a gente não pode comprar aquele sapato... a gente não segundo a religião que eu frequento...]
pode dar um almoço bom, não tem uma vida digna
assim, condição, um vestir, um dormir (...) a falta
No que se refere à saúde, de acordo com Valla
de recursos fica horrível, tanto na moradia, como na
convivência assim, eu acho que tudo faz com que a (2000), a prevenção, o tratamento e a recuperação não
pessoa fique estressada...] são apenas questões do corpo, mas sim da relação corpo–
mente ou corpo-alma, o que torna muito provável que
No discurso, podemos identificar os sentimentos a grande procura das camadas populares pelas igrejas
de inferioridade e de exclusão devido ao desemprego, hoje signifique não só um refúgio da crise social, mas
além da falta de proteção, desconfiança e frustração por também uma busca por saúde.
não poder oferecer aos seus filhos o necessário à sobrevi-
vência. Conforme Dejours (1992), o desemprego é um Neste sentido, há de se ter cuidado com a interpreta-
ção das ações das classes populares e sua relação com
fator gerador de sofrimento mental e traz a sensação de
a religião, pois o que pode ser visto como tentativa
impotência individual com a incerteza sobre o futuro, de resolver exclusivamente um problema material,
culminando na ausência de perspectivas que dêem sig- poderia bem ser o resultado da vontade de viver a
nificados ao cotidiano. vida de maneira mais plenamente possível. Poderia
também ser o resultado de procurar uma explicação,
De acordo com Ferreira e Mirás (2008), o sofri-
um sentido, algo que faz a vida mais coerente – que é
mento psíquico do indivíduo desempregado é gerado justamente uma das propostas do apoio social. (Valla,
por sentimentos de desamparo e exclusão (mesmo que 2000. p. 45).

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470 PINHEIRO, C.M.; SANTOS, N.L.D.; SANTOS, J.E.D. • Discursos coletivos sobre sofrimento psíquico em famílias em situação de vulnerabilidade social

Diante do sofrimento psíquico, a religião funciona em efeitos emocionais e/ou comportamentos positivos.
como uma motivação para viver bem, para suportá-lo. (p. 41).
A relação com o divino propicia que, mesmo reconhe-
cendo a existência do sofrimento, a pessoa possa ter Conforme Souza (1996), quanto mais forte um laço
“uma vida abençoada”. A crença oportuniza um ganho, social (como a relação com cônjuges, parentes próximos,
funciona como uma estratégia de acolhimento do sofri- amigos íntimos), maior será a probabilidade de que haja
mento psíquico e ressignificação da vida, e assim “tudo um papel de apoio, assim como maior será a tendência
é transformado”. a aumentar o auxílio (proteção, ajuda material, etc.)
que se pode obter.
Os sistemas terapêuticos encontrados em associações No discurso, percebe-se que a rede de relações no
religiosas ou outras, muitas das vezes mais afinadas
bairro é intensa e, na maioria das situações, a marca
com as concepções de pessoa e de adoecer das classes
populares – ou seja, mais relacionais e menos calcadas é de solidariedade e afetividade, os vizinhos e amigos
em concepções dicotômicas de corpo e mente – podem aparecem como principais apoiadores sociais comparti-
proporcionar eficácia terapêutica tão satisfatória (ou lham a vida cotidiana, os sofrimentos e acolhem a dor.
até mais satisfatória) quanto às práticas formais ofere-
cidas nos serviços de saúde. Não se trata de promovê-los A conversa com esses atores sociais, seja na porta de
ou exaltá-los, mas de reconhecer que existem diversos casa ou em locais de encontro, são possibilidades tanto
recursos terapêuticos, relativos a culturas e sistemas de falar sobre o sofrimento, quanto de proporcionar
simbólicos diferentes para amenizar as manifestações
momentos de prazer.
de sofrimento e aflição. (Fonseca, 2008, p. 210).

INTERFACES DOS DISCURSOS


Expressão-chave: os vizinhos como suporte
Ideia central: os vizinhos atuam como rede de suporte
A interconexão entre os discursos individual e
e acolhimento ao sofrimento psíquico
coletivo apontam para diversas questões que permeiam
[... Tenho amigos que me ajudam, inclusive me as relações entre as famílias e o ambiente em que vivem,
ajudaram muito na depressão (...) Essa vizinha que sinalizando estratégias para lidar com o sofrimento
tá aqui comigo mesmo, a gente sempre fica sentado
psíquico. Ao mesmo tempo, os mesmos discursos
na porta, conversando e tudo (...) Os colegas que eu
tenho e tal, procuro ficar conversando, pra expandir resgatam as situações geradoras do sofrimento no coti-
um pouco assim as ideias (...) A gente conversa, a diano. De acordo com Dalmolin (2006), o sofrimento
gente dá risada (...) Essa colega minha é que dá uma envolve uma experiência que ocorre na existência da
força pra mim, sempre tem uma vizinha que é mais
ligada a gente...] vida, não se limitando ao corpo ou ao psiquismo,
nem somente a um conjunto de sintomas, que se faz
De acordo com Valla (2000), presente principalmente na fase aguda. O sofrimento
está relacionado
apoio social se define como sendo qualquer informação,
falada ou não, e/ou auxílio material, oferecidos por com os demais aspectos da vida, com os sistemas sim-
grupos e/ou pessoas que se conhecem, que resultam bólicos, a significação para o sujeito que o vive e no

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contexto onde vive; a sua relação com o trabalho, com fica horrível, tanto na moradia, como na convivência
os direitos de cidadão, com a inclusão e a exclusão. assim, eu acho que tudo faz com que a pessoa fique
(p. 65).
estressada”), outras se mostraram ligadas ao modo de
vida comum ou singularidade da vida cotidiana do
Verificamos, nas entrevistas, que o ponto comum
sujeito (“A gente não vevi bem dentro de casa, né, às
dos discursos é a crença religiosa, a relação com os
vezes não vevi bem com o marido, com a filha, com
vizinhos – que atuam como apoio social – e até te-
alguma coisa na vida da gente, tudo isso é problema
rapêutico, acolhendo as dores, os sofrimentos. Tal
mental”), resgatando aspectos importantes no universo
aspecto é um sinal de que esta comunidade percebe
de atenção à saúde mental.
os limites das estratégias de acolhimento dos serviços
de saúde e busca apoio das redes presentes no seu
universo social e cultural. Esse aspecto já vem sendo
discutido por alguns autores no campo cientifico, CONSIDERAÇÕES
como Souza (1996).
Enquanto as práticas de saúde mental ainda se A ideia de pesquisar os recursos utilizados pela
dirigem ao corpo do sujeito e interpretam o sofrimento comunidade em situação de vulnerabilidade social
humano em termos de disfunções, desvios, as demais para lidar com o sofrimento psíquico, em uma unidade
ações se voltam para aspectos culturais, sociais e espiri- assistencial como o Cras, traz novas perspectivas ao
tuais, e dão outro significado aos estados de sofrimento campo da saúde mental ao propor uma abordagem que
psíquico. Ou seja, os indivíduos interpretam as causas considere as estratégias utilizadas e realizadas no coti-
de sofrimento psíquico e os recursos para lidar com o diano da comunidade. No entanto, o grande desafio é
sofrimento de diferentes formas. vencer algumas práticas de saúde mental que ainda estão
A ida à igreja, a conversa com a vizinha, por pautadas no modelo biomédico.
exemplo, implicam acolhimento e doação de afeto, Os discursos coletados demonstram como a vivên-
que geralmente não estão presentes em uma consulta. cia cotidiana, o desemprego, a convivência familiar, a
As estratégias para lidar com o sofrimento transcendem violência urbana, a crença, enfim, aspectos relacionados
os efeitos meramente afetivos, perpassam a relação do à realidade destas famílias em vulnerabilidade social,
sujeito com o ambiente onde vive, com sua história de estão interconectados com o sofrimento psíquico. O
vida, e o cotidiano de suas relações. sofrimento não nasce apenas de uma realidade subjetiva,
O desemprego, a violência urbana e a estrutura ligada a aspectos individuais, mas de uma realidade que
familiar construída foram apontados pelos sujeitos é total, subjetiva e objetiva, pessoal e coletiva, individual
pesquisados como situações vivenciadas que geram e social.
sofrimento psíquico, que mexem com a dignidade, Tendo o sujeito como foco, um novo modelo
questionam a capacidade produtiva, fazendo com de atenção deve surgir, na contraposição ao modelo
que se sintam inseguros e fragilizados. Verificamos dominante da atenção à saúde. O próprio movimento
que, enquanto algumas ideias dos entrevistados se de pesquisar sobre saúde mental e sofrimento psíquico
revelaram próximas de alguns discursos científicos (“o dentro de uma unidade de assistência social já caminha
estresse do dia-a-dia, do trabalho”; “a falta de recursos num outro sentido, o de compreender essas questões

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de um ponto de vista das relações que se constroem no R E F E R Ê N C I A S


cotidiano, na realidade dos sujeitos.
Essa realidade cotidiana deve ser considerada pelos
profissionais de saúde, o relato das experiências com Brasil. Resolução 1996/96. Diretrizes e normas regu-
lamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos.
os vizinhos, com a crença, com o desemprego, com a
Brasília, DF: Conselho Nacional de Saúde, 1996.
família, etc., podendo ser uma ponte para entender os
processos que envolvem a saúde mental e a produção de Castro, J. Fome: um tema proibido. Rio de Janeiro:
sofrimento psíquico, e esboçando novas estratégias que Civilização Brasileira, 1983.
possibilitem a promoção de saúde mental na comuni-
dade a partir de sua realidade. Censi, C.; Piva, M.; Ferreira, V. Relações familiares: uma
reflexão contemporânea. Passo Fundo: UPF, 2002.
À medida que as estratégias utilizadas não estão
reduzidas ao universo biomédico, comportando aspectos Dalmolin, B.M. Esperança equilibrista: cartografias de
biopsicossociais, torna-se necessário reestruturar as políti- sujeitos em sofrimento psíquico. Rio de Janeiro: Fio-
cas de saúde mental, levando em consideração a dimensão cruz, 2006. (coleção Loucura e Civilização).

cultural e subjetiva dos recursos terapêuticos e das situações


Dantas, M.A.; Tobler, V.L. O sofrimento psicológico
provocadoras de sofrimento. Isso implica a contemplação
é a pedra angular sobre a qual repousa a cultura de
das concepções populares e das práticas de saúde mental. consumo. O Portal dos Psicólogos, 2003. Disponível
Nesse sentido é importante compreender a visão coletiva em: <http://www.psicologia.com.pt/artigos/ver_artigo.
do sofrimento psíquico para pensar em estratégias a partir php?codigo=A0175>. Acesso em: 18 nov. 2007.
do universo sócio econômico político e cultural de cada
Dejours, C. A loucura do trabalho: estudo de psicopa-
grupo e o universo simbólico de cada indivíduo.
tologia do trabalho. São Paulo. Cortez, 1992.
Assim, aproximar-se da realidade cotidiana dos
sujeitos se mostrou uma ponte para entender os pro- Ferreira,V.; Miras, M.T.O. O sofrimento psíquico
cessos que envolvem a saúde mental e a produção de do desempregado na contemporaneidade. O portal dos
sofrimento psíquico, como também para esboçar novas psicólogos. Disponível em: <http://www.psicologia.com.
pt/artigos/ver_artigo.php?codigo=A0424>. Acesso em:
estratégias que possibilitem a promoção de saúde mental
25 jul. 2008.
na comunidade a partir de sua realidade.
Aos profissionais que convivem com essas famílias, Fonseca, M.L.G. Sofrimento difuso nas classes popu-
fica o convite para o esforço em torno de uma reestru- lares no Brasil: uma revisão da perspectiva do nervoso.
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Reforma Psiquiátrica e saúde mental na ótica da cultura
do sofrimento no cotidiano das práticas de saúde. e das lutas populares. v. 2. São Paulo: Aderaldo & Ro-
Um convite a um olhar sobre o sujeito, sua vida, suas thschild, 2008. p. 171-228.
relações, seus espaços de significação e suas esperanças.
Não se sabe se um dia os que tem fome comerão, e se Lefèvre, F.; Lefèvre, A.M.C. O discurso do sujeito cole-
tivo: um novo enfoque em pesquisa qualitativa (desdo-
os que não dormem dormirão, mas nossas ações devem
bramentos). 2. ed. Caxias do Sul: Educs, 2005.
se direcionar para o encurtamento das distâncias entre
esses mundos, ao discutir as questões que fazem esses Lévi-Strauss, C. As estruturas elementares do parentesco.
sujeitos sofrerem. Rio de Janeiro: Vozes, 1972.

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25 jul. 2008.

Recebido: Janeiro/2009
Aprovado: Setembro/2009

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 465-473, set./dez. 2009


474 ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE

Programas de desinstitucionalização:
estratégias das políticas de saúde mental
Programs of deinstitutionalization: strategies
of policies on mental health

Ioneide de Oliveira Campos 1

Toyoko Saeki 2

1
Terapeuta ocupacional; Mestre em RESUMO Apresenta-se, aqui, uma revisão de estudos em base de dados. Os
Enfermagem Psiquiátrica pela Escola
dados foram ordenados por assunto e classificados em temáticas. Objetivamos
de Enfermagem de Ribeirão Preto da
Universidade de São Paulo (EERP-USP).
apresentar uma revisão da literatura sobre a questão da desinstitucionalização
ioncampos@hotmail.com e das residências terapêuticas, pela interligação existente entre as mesmas e o
Programa De Volta para Casa. Concluímos que estes programas se constituem como
2
Enfermeira; Professora doutora do
importantes estratégias da desinstitucionalização. Entretanto, é imprescindível
Programa de Pós-graduação da EERP-
USP.
considerar as limitações físicas, psíquicas e sociais dos beneficiários e a importância
maryto@eerp.usp.br do papel dos técnicos nesse processo de reinserção social.

PALAVRAS-CHAVE: Desinstitucionalização; Saúde mental; Moradias


assistidas.

ABSTRACT The purpose of this work is to present a review on database studies.


The data were ordered by subject and classified into thematic fields. The aim
is to present a review of literature on the issue of deinstitutionalization and
therapeutic residences, the interconnection between them and the De Volta para
Casa Program. We concluded that these programs are important strategies of
deinstitutionalization. However, it is essential to consider the physical, mental
and social limits of the beneficiaries, and the importance of the role of technicians
in the social reintegration process.

KEYWORDS: Deinstitutionalization; Mental health; Assisted living


facilities.

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Campos, I.O.; Saeki, T. • Programas de desinstitucionalização: estratégias das políticas de saúde mental 475

I N T R O D U ç ão perspectivas para pensar a instituição psiquiátrica e


diferentes maneiras de lidar com o sofrimento psíquico.
Essa experiência colocou em discussão a finalidade da
instituição psiquiátrica, a modalidade de sua existência
em sua relação com a estrutura social, desconstruindo
O processo de redemocratização e das pressões o manicômio para recompor e restituir os direitos, as
dos movimentos sociais, associado à luta pelos direitos necessidades e as possibilidades das pessoas (Nicácio
humanos, levaram à implantação de projetos de mu- et al., 2005).

dança da assistência à saúde mental em vários Estados No entanto, no Brasil, a trajetória da reforma psi-

brasileiros, configurando o movimento pela Reforma quiátrica foi construída de modo particular ao longo des-
ses anos, sendo que diversos fatos históricos (Amarante,
Psiquiátrica, que diz respeito ao processo de crítica às
2009) abriram um novo campo de possibilidades e de
instituições asilares e à necessidade de transformações
formulação de políticas de saúde mental, valorizando
dessas estruturas institucionais. Esse movimento sofreu
a ideia de fazer valer os direitos de cidadania dos usu-
influência das experiências de outros países, como os
ários, preocupando-se com a sua saída das instituições
Estados Unidos, Inglaterra, França e Itália, sendo que
psiquiátricas e com a viabilização dos instrumentos de
este último, por meio das experiências de Franco Basa-
suporte financeiro e social.
glia, marcou “decisivamente caminhantes e itinerários
Este trabalho se insere na temática mais ampla
do projeto de transformação da instituição psiquiátrica
da desinstitucionalização basagliana, proposta pelo
em terras brasileiras” (Nicácio et al., 2005, p. 196).
movimento da reforma psiquiátrica brasileira, como
A noção de desinstitucionalização foi ressignificada
uma diretriz da Política Nacional de Saúde Mental no
no contexto italiano como um trabalho teórico-prático
Sistema Único de Saúde (SUS), em vigência no Brasil, a
de transformação institucional e cultural do sujeito em
qual tem direcionado suas ações em prol da mudança do
sofrimento psíquico, que começa no manicômio – no
modelo de atenção em saúde mental, com as seguintes
qual a ênfase não é mais colocada na doença e nem
diretrizes: substituição dos hospitais psiquiátricos por
no processo de cura, mas no projeto de invenção da uma rede de serviços de saúde, articulada à atenção
saúde e de reprodução social da pessoa (Rottelli et básica; redução e progressiva desativação de leitos em
al.,1990). O processo de desinstitucionalização não é instituições psiquiátricas; e investimento em projetos
simplesmente a desospitalização, que tinha como pro- de desinstituicionalização de moradores de hospitais
posta humanizar e modernizar o modelo hospitalar, mas psiquiátricos. Dentre esses novos projetos, há políticas
sim a desconstrução do modelo de controle e tutela do especificas para os moradores dessas instituições, como
doente (Meola, 2000). a prevista na portaria 106/2000, que cria as residências
Embora o conceito de desinstitucionalização tenha terapêuticas; a lei 10.216/2001, que formaliza a proteção
se tornado uma das principais diretrizes das políticas de a essas pessoas; e a lei 10.708/2003, que dispõe sobre o
saúde mental nos Estados Unidos, era compreendida Programa De Volta para Casa.
como um conjunto de medidas de desospitalização O Programa De Volta para Casa foi proposto pelo
(Amarante, 2007). Já os temas advindos da experi- Ministério da Saúde, por meio da lei 10.708, de 31 de
ência da desinstitucionalização italiana abriram novas julho de 2003, e regulamentado pela portaria 2077,

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476 Campos, I.O.; Saeki, T. • Programas de desinstitucionalização: estratégias das políticas de saúde mental

de 31 de outubro de 2003. Trata-se de uma estratégia de instituições psiquiátricas no convívio social, por meio
política que tem, como meta, efetivar a inserção, no de remuneração ao usuário. Era o caso, por exemplo, do
convívio social, das pessoas acometidas por transtornos programa de bolsas relacionadas ao trabalho na Colônia
mentais, egressas de longas internações em instituições Juliano Moreira, no Rio de Janeiro (Milagres, 2002);
psiquiátricas conveniadas ao SUS (Brasil, 2003). e da criação do primeiro instrumento normativo, por
O auxílio-reabilitação psicossocial, como parte meio da resolução 711/92, da Secretaria Estadual do
integrante do Programa, é um benefício mensal ofe- Rio de Janeiro, permitindo, aos pacientes, condições de
recido durante um ano aos usuários, no valor atual de permanecerem em lares abrigados, recebendo 20% do
R$320,00, podendo ser renovado. Em caso de incapaci- valor da Autorização por Internação Hospitalar1.
dade do usuário para exercer, pessoalmente, atos da vida A primeira tentativa com o propósito de promover a
civil, o auxílio poderá ser entregue ao seu representante reinserção no convívio social das pessoas internadas por
legal (Brasil, 2003). longos anos – substituindo, dessa forma, a presença da
Os municípios podem fazer a habilitação e adesão e, instituição psiquiátrica como lugar ideal de tratamento
posteriormente, cadastrar os usuários que se encontram das pessoas em sofrimento psíquico – ocorreu com o
nas seguintes condições: pessoas egressas de internação Programa de Apoio à Desospitalização (PAD), criado
psiquiátrica por período igual ou superior a dois anos, pelo Ministério da Saúde em 1996, cujo financiamento
moradores de residências terapêuticas ou com a família advinha do redirecionamento dos recursos financeiros
de origem, família substituta ou outras formas alterna- dos hospitais psiquiátricos, dividido da seguinte manei-
tivas de moradia e de convívio social, além das egressas ra: o paciente ou sua família recebia metade do gasto de
de hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico, sua internação e, o restante era repassado à Secretaria
conforme decisão judicial e avaliação da equipe local Municipal de Saúde do município, responsável por
(Brasil, 2003). Os beneficiários devem ser cadastrados prover a rede de cuidados em saúde mental para aquele
pelo município de residência, que deve se responsabilizar paciente (Alves, 2001).
pelo seu acompanhamento na rede de atenção à saúde Entretanto, a implantação do PAD não ocorreu
mental (Brasil, 2003). com base no argumento da incapacidade civil da pessoa
Esse Programa prevê o acompanhamento dos be- com transtornos mentais, de acordo com o artigo 5º
neficiários por uma equipe de referência nos municípios do Código Civil, o qual considerou que o paciente não
brasileiros, o que não significa substituir os profissionais teria condições e, legalmente, não poderia escolher seu
de referência para as intervenções clínicas específicas. A representante pessoal ou legal para receber os recursos
indicação é de que haja um profissional para cada 15 be- previstos pelo Programa. Assim sendo, com o parecer
neficiários e que as ações dessa equipe tenham, como base, jurídico contrário à proposta de prosseguimento, a im-
a proposta de reabilitação psicossocial (Brasil, 2003). plementação do referido programa não foi viabilizada.
Algumas iniciativas anteriores ao Programa De Vol- (Nicácio, 2003).
ta para Casa, embora pontuais e localizadas, propunham Desse modo, é possível compreender a fragilidade
estratégias para promoção da reinserção dos moradores das propostas para promoção da reinserção dos moradores

1
Informação obtida na conferência temática Programa De Volta para Casa: Aspectos da Política Nacional da Clínica Psicossocial, realizada pela Faculdade de
Saúde Pública da USP em 26 de outubro de 2007.

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Campos, I.O.; Saeki, T. • Programas de desinstitucionalização: estratégias das políticas de saúde mental 477

de instituições psiquiátricas ao convívio social, quando institucional, decorrente de seu quadro clínico ou
essas são realizadas sem que se altere o estatuto jurídico de de ausência de suporte social, será objeto de política
específica de alta planejada e reabilitação psicossocial
tutela, atribuído às pessoas em sofrimento psíquico.
assistida. (Brasil, 2004b, p. 18).
Diferentemente da proposta do PAD, o Programa
De Volta para Casa foi incluído no Plano Plurianual
Logo, os Serviços Residenciais Terapêuticos e
de 2000 a 2003 (Brasil, 2003) e apresenta sustenta-
o Programa De Volta para Casa são duas estratégias
ção legal e financeira, apoiada em uma nova condição
distintas de desinstitucionalização, porém associadas
da pessoa, inserida no plano dos direitos sociais, em
como diretrizes políticas de construção do processo
especial, o de cidadania.
de reinserção social de pessoas egressas de instituições
O Ministério da Saúde considera este programa
psiquiátricas. Embora tenha amparo legal e político,
como uma
o referido programa enfrenta algumas dificuldades de
implementação. Uma das principais diz respeito ao fato
das estratégias mais potencializadoras da emancipação
de pessoas com transtornos mentais e dos processos de da maioria desses egressos não possuir documentação
desinstitucionalização e redução de leitos nos estados pessoal mínima para o cadastramento. Segundo o Minis-
e municípios(Brasil, 2005, p. 12).
tério da Saúde, este desafio de consolidação vem sendo
enfrentado por meio de parceria entre o Ministério da
Isso porque se trata de um dos principais mecanis-
Saúde, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão
mos no processo de reabilitação psicossocial, na medida
do Ministério Público Federal e a Secretaria Especial de
em que intervém, de forma significativa, no poder de
Direitos Humanos da Presidência da República, como
contratualidade social dos beneficiários, possibilitando
forma de restituir o direito de identificação e garantir o
o aumento de sua autonomia (Brasil, 2005).
acesso ao programa (Brasil, 2005).
O Programa De Volta para Casa é amparado pelas
No Brasil, existem 447 municípios habilitados nesse
portarias 106 e 1.220, que criaram, em 2000, os Serviços
programa (Brasil, 2007) com um total, até agosto de
Residenciais Terapêuticos (Brasil, 2004a), como inicia-
2007, de 2.741 beneficiários. A estimativa era expandir a
tivas para desinstitucionalização e instrumentos para as
até 14 mil pessoas, no período de 2004 a 2007, mas esse
políticas de saúde mental, com objetivo de superação
planejamento foi prejudicado devido às dificuldades e
das instituições psiquiátricas e das internações de longa
resistências para a implementação no plano local e ao não
duração (Mângia; Rosa, 2002). O programa também
cumprimento, por parte do Governo Federal, de diretrizes
se ampara na lei 10.216/2001, que dispõe “sobre a pro-
políticas de campanha no sentido de reverter o modelo
teção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos
econômico e social em vigência no país e aumentar o in-
mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde
vestimento em políticas sociais (Vasconcelos, 2006).
mental” (Brasil, 2004b, p. 17).
Considerando se tratar de um programa implan-
Nesse sentido, o Programa De Volta para Casa
tado recentemente no Brasil e ainda sem estudos espe-
apresenta sustentação legal, segundo critérios definidos
cíficos, o objetivo desse artigo é realizar uma revisão da
pela lei 10.216, no artigo 5º, que menciona:
literatura sobre o tema da desinstitucionalização e das
o paciente há longo tempo hospitalizado ou para o residências terapêuticas, pela interligação existente entre
qual se caracterize situação de grave dependência as mesmas e o Programa De Volta para Casa.

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478 Campos, I.O.; Saeki, T. • Programas de desinstitucionalização: estratégias das políticas de saúde mental

METODOLOGIA de ações de desinstitucionalização no mundo globalizado,


a importância das residências terapêuticas para o processo
Trata-se de um estudo de revisão de literatura, desen- da reforma psiquiátrica brasileira, a avaliação dos usuários
volvido por meio da produção cientifica disponível sobre sobre a inclusão na comunidade e seu cotidiano e as pers-
o tema da desinstitucionalização e das moradias assistidas, pectivas do modelo de assistência em saúde mental.
no período de 2000 a 2007. Para tanto, foi realizado um
levantamento bibliográfico a partir da base de dados on-
line: Sistema Latino-Americano e do Caribe de Informa-
ção em Ciências da Saúde (Lilacs). Foram encontrados DISCUSSÃO
74 trabalhos, dentre os quais artigos, teses, monografias,
conferências e editoriais. Desses, um abordava a religião O processo de desinstitucionalização no Brasil deve
e a saúde mental; quatro se referiam à história da psi- ser analisado sob o contexto da situação econômica,
quiatria; três discutiam as questões do envelhecimento social e política. Diante das desigualdades sociais¸ a crise
em instituições; oito discorriam a respeito do processo de econômica avança e o governo, enquanto se submete a
trabalho em saúde mental; treze debatiam os serviços de uma política econômica internacional globalizada, não
saúde mental; oito abordavam a família e saúde mental; apresenta soluções aos problemas sociais, favorecendo,
um ponderava sobre financiamento; dois refletiam sobre assim, a exclusão social dos que não são economicamente
a terapia ocupacional no campo social; cinco discutiam o ativos e, portanto, não têm valor socialmente. Assim, os
comportamento dos usuários; um discorria sobre adoção problemas sociais são graves e se mesclam aos de natureza
e a desinstitucionalização; dez discursavam sobre as mora- psiquiátrica, em uma sociedade na qual há um alto risco
dias; um se referia à relação do sujeito e a instituição; dois de psiquiatrização da miséria e uma desinstitucionalização
abordavam a doença mental e a sociedade; um abordava responsável que não é prioridade governamental. Além
o Programa De Volta para Casa; um debatia a respeito da disso, o sistema de saúde disputa escassos financiamentos
população de rua e os transtornos mentais; dois refletiam com outros setores (Abelha; Legay; Lovisi, 2004).
sobre o ensino e a saúde mental; um discutia a saúde da Entretanto, nas últimas décadas, as transformações
mulher e a saúde mental; e outros quatro apresentavam na assistência à saúde mental, principalmente na área dos
resumos incompletos, sendo excluídos da seleção. psicofármacos e na da reabilitação psicossocial, demons-
Optou-se, assim, por selecionar artigos em perió- traram que é possível haver mudanças na vida das pessoas
dicos relacionados às seguintes discussões: as residências em sofrimento psíquico. Os cuidados com a saúde mental
terapêuticas no contexto da reforma psiquiátrica, a contemplam atualmente as residências terapêuticas, o
importância dos programas de desinstitucionalização acompanhamento dos casos (case management), os Centros
desenvolvidos no âmbito ministerial, e as mudanças do de Atenção Psicossocial (Caps), os Núcleos de Atenção
modelo de atenção em saúde mental. Psicossocial (Naps), os hospitais-dia e outros serviços auxi-
A partir desse critério, foram eleitos, para a análise, oito liares (Abelha; Legay; Lovisi, 2004). Cabe mencionar que,
artigos que foram submetidos à leitura atentiva. Posterior- apesar de não usar a nomenclatura Caps após a portaria
mente, foram catalogados de forma a facilitar a discussão 336/2002 – que estabelece as diferentes modalidades de
dos resultados. Os estudos foram ordenados por assunto Caps –, no município de Santos (SP), o termo Naps faz
e classificados segundo os temas: desafios e possibilidades parte da rede dos serviços de saúde mental.

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Campos, I.O.; Saeki, T. • Programas de desinstitucionalização: estratégias das políticas de saúde mental 479

Essas mudanças direcionadas à construção da rede psiquiátricos, com um total atual de 37.728 leitos e, de
de serviços no contexto do SUS passaram a ocorrer a par- outro, os serviços territoriais, em processo de expansão
tir dos anos 1990, quando a discussão a respeito da redu- mas ainda insuficientes em relação à demanda.
ção de leitos em instituições psiquiátricas e a superação Dessa forma, apesar dos esforços na formulação
da condição cronificante dos moradores dessas institui- de políticas de desinstitucionalização e de possibilidade
ções implicou a formação de alternativas de residências de financiamento oriundo dos recursos provenientes
para os futuros egressos, buscando reinserir os internos da extinção dos leitos, há ainda vários entraves quanto
de longa duração no espaço urbano e na comunidade. à expansão das residências terapêuticas no Brasil, rela-
Alguns municípios foram pioneiros na implantação de cionados à gestão e financiamento, legislação e normas,
residências, como Porto Alegre (RS), Campinas (SP), trabalhadores, clientela e respostas de outros setores e
Santos (SP), Ribeirão Preto (SP) e Rio de Janeiro (RJ), da comunidade (Furtado, 2004).
sendo precursores e mobilizadores para implantação da No entanto, não podemos ignorar a importância
política no SUS, ou seja, a portaria 106/2000, que cria dessas residências, que são enfatizadas por Mângia e
as residências terapêuticas (Furtado, 2006). Rosa (2002), como instrumentos para as políticas de
Para Furtado (2006), a portaria 106/2000 é sustenta- saúde mental, mostrando o compromisso das mesmas
da por outras políticas governamentais desenvolvidas após em superar as instituições psiquiátricas e as internações
o ano 2000, como a lei 10.216/2001; a lei 10.708/2003, de longa permanência. As autoras consideram que, no
que institui o Programa De Volta para Casa; as portarias contexto da transição para a comunidade, evidenciam-se
GM 52 e 53/2004, responsáveis pela criação do Programa o isolamento social, o não contato com familiares e a não
de Reestruturação Hospitalar; e a portaria GM 2068, de constituição de rede social. Porém, para elas, as residên-
24 de setembro de 2004, que destina incentivo financeiro cias podem responder às diversas demandas dos usuários
para os municípios em processo de implantação de Ser- nesse processo de saída do hospital, tais como:
viços Residenciais Terapêuticos.
Tais programas visam o resgate à cidadania, sendo local para morar, suporte social, composição de rede so-
que suas propostas éticas se baseiam na construção de no- cial, responsabilização diferenciada de serviços e equipes
de saúde mental, possibilitando, assim, o fechamento
vas possibilidades para as pessoas com longa permanência
dos hospitais psiquiátricos e a condução dos processos
nos hospitais psiquiátricos, assumindo, assim, o compro- de reabilitação psicossocial baseados na comunidade e
misso de conciliarem um tratamento na comunidade, comprometidos com o resgate da cidadania. (p. 72).
tanto no que diz respeito à proteção e assistência, quanto
ao retorno à vida e ao convívio social (Marcos, 2004). Na compreensão de Pereira e Borenstein (2004), as
Contudo, no discurso oficial a respeito desses residências vêm se constituindo em um espaço singular e
programas, observa-se uma grande ênfase no sentido apropriado, onde as pessoas podem reconstruir suas vidas,
de reduzir o número de leitos e redirecionar o finan- como seres humanos que têm suas crenças, valores e cultu-
ciamento de serviços abertos no território. Porém, essa ra, sendo capazes de transformar e construir suas histórias
tarefa é complexa e apresenta contradições; considerando por meio das experiências vividas. Todavia, é importante
a preocupação com a desassistência, o sistema de saúde considerar que a maioria dos usuários não tem famílias,
brasileiro ainda financia dois modelos de assistência em passaram por um longo processo de institucionalização e
saúde mental. Ou seja, de um lado estão os hospitais necessitam de cuidados contínuos na comunidade.

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480 Campos, I.O.; Saeki, T. • Programas de desinstitucionalização: estratégias das políticas de saúde mental

Dessa maneira, o construir/reconstruir histórias de oportunidades de trocas de recursos e afetos: é somente no


vida no contexto da desinstitucionalização é complexo e interior dessa dinâmica que se cria um efeito habilitador;
depende de mudanças do cuidado em saúde, direciona- além disso, trata-se de um processo que implica a abertura
das para a abertura de novas possibilidades de vida e de de espaços de negociação para a pessoa, sua família e co-
cidadania, na qual os profissionais assumem um papel munidade circundante, e para os serviços que oferecem
primordial no que se refere à busca da emancipação dos os cuidados em saúde mental (Saraceno, 2001).
moradores das residências terapêuticas. Nesse sentido, Pereira e Borenstein (2004, p. 532)
Alguns estudos foram desenvolvidos de forma a bus- desenvolveram um estudo com mulheres portadoras de
car a avaliação dos moradores a respeito das residências transtornos psíquicos, moradoras de uma residência tera-
terapêuticas, considerando que são atores importantes pêutica, com o objetivo de suscitar reflexões a respeito do
no processo de mudança na assistência em saúde men- significado da vivência cotidiana dessas pessoas, construin-
tal. Os estudos desenvolvidos por Scatena et al. (2000), do possibilidades de vir a ser em saúde, cidadania e qualida-
Pereira e Borenstein (2004), Resgalla e Freitas (2004) e de de vida. Segundo este estudo, a vivência em residências
Jaegger et al. (2004) relatam as experiências do cotidiano tem oferecido, às moradoras, uma riqueza de experiências,
de moradores das residências e a maneira como avaliam contribuindo para fazê-las seguir adiante, desde a execução
seus processos de saída do hospital psiquiátrico. dos afazeres domésticos às habilidades pessoais, como lavar,
No estudo apresentado por Scatena et al. (2000), passar, cozinhar, vestir-se e autocuidar-se, até à construção
a avaliação de três mulheres, inseridas no Programa de valores, como responsabilidade, iniciativa, senso crítico,
de Pensões Protegidas (Ribeirão Preto, SP), sobre confiança, segurança, comprometimento, companheiris-
a experiência de sair do hospital para residir na mo, ajuda mútua e resgate de identidade. Além disso, as
comunidade, foi positiva. O estudo ainda permitiu residências terapêuticas têm oferecido possibilidades de
refletir sobre temas como organização e manutenção reabilitação e de perspectivas, tanto no movimento do
da residência, organização da vida social, apropriação cotidiano, como também têm favorecido e permitido que
da cidade, medicação e reinternação. Para as autoras, as moradoras possam engajar-se em atividades externas.
os programas de reabilitação psicossocial têm sido Outro estudo, buscando compreender o significado
desenvolvidos com a preocupação de ajudar o do- da travessia do hospital psiquiátrico para a residência
ente mental a ampliar suas habilidades cotidianas, terapêutica na percepção de portadores de transtornos
imprescindíveis para a vida em comunidade, tais psíquicos, foi realizado por Resgalla e Freitas (2004).
como cuidados pessoais, higiene, uso do transporte, Em uma abordagem fenomenológica e a partir das
observação de surgimento de sintomas, manipulação experiências das moradoras, esses autores buscaram a
de medicamentos, administração de finanças, procura compreensão dos significados que emergiam das suas
por empregos, prática de atividades de lazer e aper- vidas cotidianas nas residências. O estudo concluiu que,
feiçoamento das habilidades sociais. na perspectiva dessas pessoas, a residência terapêutica é
No desenvolvimento de habilidades dos usuários, o melhor lugar para se viver.
é importante refletir que reabilitação psicossocial não é Jaegger et al. (2004) avaliaram a satisfação dos usuários
a melhoria ou a redução da desabilidade a fim de que o com a qualidade de um serviço de residências terapêuticas,
sujeito possa estar com os outros, mas deve ser entendida por meio da aplicação da Escala de Avaliação da Satisfação
como um conjunto de estratégias orientadas a aumentar as dos Usuários dos Serviços de Saúde Mental (Satis-BR).

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Campos, I.O.; Saeki, T. • Programas de desinstitucionalização: estratégias das políticas de saúde mental 481

Dos 20 pacientes que responderam ao questionário, a forma de atenção mais complexa e, sobretudo, baseadas
maior parte mencionou estar satisfeita ou muito satisfeita no respeito e na subjetividade das pessoas envolvidas.
com a equipe. Em relação às instalações da moradia e ao Segundo esse novo paradigma, o território é adotado
próprio serviço, o restante expressou satisfação regular. Os como uma estratégia que fortalece a ideia de que os serviços
autores enfatizaram que as diversas dimensões da qualidade de saúde devem integrar a rede social comunitária, assumin-
do cuidado e o grau de satisfação dos usuários devem ser do as responsabilidades pela atenção à saúde e incorporando,
constantemente avaliados para que atendam, adequada- na sua prática, o saber das pessoas que dele fazem parte. Além
mente, às reais necessidades dessas pessoas. disso, esses autores reafirmam a importância do investimento
Embora os referidos estudos, de maneira conjunta, na comunicabilidade, articulação e integração entre os ser-
não realizem uma discussão aprofundada a respeito viços especializados e aqueles que compõem a rede básica
dos princípios da reabilitação psicossocial, apresentam de saúde no Brasil, de forma a contemplar os princípios
aspectos favoráveis das moradias na construção da exis- norteadores da reforma psiquiátrica. Como exemplo, há
tência da pessoa, fora do contexto asilar, com enfoque o Programa De Volta para Casa, que prevê a “reintegração
nas relações internas e com a comunidade. social de portadores de transtornos mentais à vida familiar
Além disso, a promoção da discussão de temas e comunitária, cujo desenvolvimento e sucesso dependerão
importantes no contexto do cotidiano dos moradores – desse investimento” (Brêda et al., 2005, p. 3).
como território, contratualidade, autonomia e cidada- Assim, novas exigências comuns se colocam em todos
nia – traz contribuições, no sentido de deslocar a forma os contextos de atenção à saúde, sinalizando caminhos de
tradicional de pensar a reabilitação somente pra recuperar forma a transpor os desafios e efetivar o novo paradigma,
as habilidades perdidas e ajustar o sujeito as exigências tais como: a garantia do direito à cidadania, com a amplia-
sociais, sendo esta ideia substituída por uma concepção ção do poder de contratualidade social e da capacidade da
que afirma a cidadania e participação dos sujeitos no pessoa em se situar, de modo ativo, diante dos conflitos e
cenário das contratualidades, das trocas sociais e da pro- contradições que vivência; o desenvolvimento de novas
dução de sentido. tecnologias de cuidado; a modificação das relações de
Essa tarefa não é simples e não é romântica, pois poder e de relações horizontais inter e intrainstitucionais; a
envolve a cooperação e adequação dos espaços públicos, valorização dos recursos de autoajuda que as comunidades
constituindo-se como desafio frente à desinstituiconali- dispõem; a ampliação dos referenciais de escuta; a busca,
zação. Sobre esta questão, Furtado (2006) menciona que em outros setores, por ajuda em situações difíceis; e o
o acompanhamento dos egressos de longas internações investimento na formação e capacitação dos profissionais
envolve questões delicadas e complexas, requerendo que de saúde (BRÊDA et al., 2005).
as equipes técnicas sejam criativas para o planejamento
de suportes residenciais diversificados, conforme as
necessidades dos usuários.
Portanto, de acordo com Brêda et al. (2005), as CONSIDERAÇÕES FINAIS
concepções e práticas de saúde, segundo o novo paradig-
ma decorrente da Reforma Sanitária e Psiquiátrica, não São inegáveis os avanços advindos da reforma psiquiá-
comportam um olhar fragmentado da pessoa. Isso requer trica por meio da criação de estratégias de desinstituciona-
investir em políticas públicas de saúde que ofereçam uma lização, como forma de inserção dos usuários no convívio

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 474-483, set./dez. 2009


482 Campos, I.O.; Saeki, T. • Programas de desinstitucionalização: estratégias das políticas de saúde mental

social; porém, é necessário considerar a condição de depen- ______. Saúde Mental e Atenção Psicossocial. Rio de
dência e os processos subjetivos dessas pessoas, ponderando Janeiro: Fiocruz, 2007.
sobre o tempo de institucionalização e as rupturas, nas
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Acesso em: 15 out. 2009.
inseridas no território, mas que representam um desafio
diante da cultura manicomial existente na sociedade, que ______. Ministério da Saúde. Reforma psiquiátrica e
ainda é marcada por preconceitos e estigmas. política de saúde mental no Brasil: conferência regional
Para finalizar, cabe salientar o importante papel de reforma dos serviços de saúde mental: 15 anos depois
de Caracas. Brasília, DF, 2005. Disponível em: <http://
dos técnicos na implantação e consolidação desses pro-
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dos beneficiários, o que exige necessidade de políticas ______. Ministério da Saúde. Dispõe sobre a criação dos
Serviços Residenciais Terapêuticos em Saúde Mental no
públicas transversais e ações articuladas entre equipe e
âmbito do Sistema Único de Saúde, para o atendimento
comunidade, bem como envolvimento, responsabilida- ao portador de transtornos mentais. Legislação em Saúde
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484 ARTIGO INTERNACIONAL / INTERNATIONAL ARTICLE

Alames a 25 años: balance, desafíos y proyección


Alames 25 years after its creation: balance, challenges and projection

Fernando Borgia 1
Oscar Feo 2
Nila Heredia 3
Silvana Forti 4
Patricia Jiménez 5

1
Sociólogo; coordinador Cono Sur RESUMEN El presente artículo ofrece una mirada crítica a la trayectoria de la
de la Asociación Latinoamericana de
Asociación Latinoamericana de Medicina Social (Alames) y del pensamiento de
Medicina Social (Alames).
fernando.borgia@gmail.com
la Medicina Social y la Salud Colectiva latinoamericana, refiriendo los avances en
diferentes ámbitos y niveles, y los problemas afrontados. A partir de esa distinción
2
Médico; ex-constituyente; miembro de de capacidades y obstáculos, se presentan una reflexión acerca de los nuevos desafíos
la Alames.
y una propuesta de acción estratégica y organizativa que permita revitalizar el
oscarfeo@msn.com
sentido de la Asociación.
3
Médica; ex-ministra de Salud de la
PALABRAS CLAVE: Alames; Medicina Social; Salud Colectiva.
Alames Bolivia.
nherediam@gmail.com

ABSTRACT This article is a critical look at the Asociación Latinoamericana de


4
Antropóloga; investigadora Équi-santé
Medicina Social (Alames) history and schools of thought relative to Social Medicine
et développement.
silvana.forti@gmail.com
and Public Health in Latin America. It highlights the organization’s progress in
various fields and at different levels, and provides an analysis of the faced problems.
5
Médica; miembro de Alames. This evaluation of strengths and obstacles has led to the reflection regarding the
feopatricia@yahoo.com
organization’s new challenges and has set the foundations for an organizational
and strategic plan of action to revitalize the Association’s focus.

KEYWORDS: Alames; Social Medicine; Public Health.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 484-495, set./dez. 2009


BORGIA, F.; FEO, O.; HEREDIA, N.; FORTI, S.; JIMÉNEZ, P. • Alames a 25 años: balance, desafíos y proyección 485

I N T R O D U ccíon electoral uruguaya; y la incógnita de las elecciones bra-


sileñas son algunos ejemplos que evidencian la ausencia
de linealidad y la complejidad de los procesos políticos
en curso. En alguna medida es posible responder a este
panorama. Tenemos la tarea de legitimar los gobiernos
En 2009, la Asociación Latinoamericana de Medi- progresistas de Latinoamérica revirtiendo la situación
cina Social (Alames) conmemora 25 años de su creación, sanitaria, desde la perspectiva del derecho a la salud y
pero lo que se celebra en todo caso no es una fecha sino la acción sobre sus determinantes. La salud es un factor

el largo andar de una lucha y un sueño que no terminan. clave para la acción de los gobiernos progresistas.
Hace tiempo entendimos que no merecemos la
Somos parte de una convicción que se alza, construye,
pobreza, las inequidades, o que se nos socave la dignidad,
aglutina gente, enseña, aprende, busca verdades en el
como entendimos también que debemos cambiar esa
fondo de las verdades, suda, protesta, organiza, con-
realidad. Asistimos a la descomposición de una sociedad
vence, batalla, cree en los pueblos, comparte, ama. Esa
decadente. El sistema capitalista patalea sus crisis, tantas
fuerza que nos conmina es lo que en América Latina se
que se le acaban los adjetivos: económica, ambiental,
llama Medicina Social y Salud Colectiva (MS-SC).
energética, alimentaria, ética, civilizatoria. Esta es la hora
Las ideas expresadas en este artículo son provo-
en que, agotado el capitalismo, debemos ser parte de la
caciones para una conversa larga y una acción en con-
vanguardia que encauce el futuro de nuestros pueblos.
secuencia, no sólo entre alameños sino con todos los
Las palabras cobran vida de nuevo, ya se dice sin
que pensamos que en la sociedad están las causas de la
miedo revolución, justicia, socialismo. Para los que
enfermedad y la muerte, o mejor, de la salud y la vida.
hacemos parte del pensamiento de la MS-SC, Alames
Latinoamérica nos ofrece una coyuntura actual
y otros movimientos similares, esta posibilidad mucho
favorable, la correlación de escenarios apunta a favor
más cercana de construir la América nueva es el reto
de los gobiernos progresistas y crece la confrontación
mayor que tenemos por delante.
al modelo neoliberal. Si un momento ha habido en los Revisemos qué hemos logrado como Asociación,
dos siglos transcurridos desde la independencia euro- cuáles son las fortalezas para hacer efectivo nuestro
pea, en el que América vuelva a ser el continente de la accionar en los países y la región, repensemos cuánto y
esperanza, ese momento ha sido en la presente década. cómo debemos mejorarnos.
Cada pueblo marca sus. tiempos y es distinto de otro,
así los reconocemos y por eso los respetamos: hermosos
dentro de su diversidad; pero pasa algo en común en
este continente, estamos todos los pueblos levantados, BALANCE DE LA TRAYECTORIA
levantándonos o queriendo levantarnos. DE LA Alames
Sin embargo, se nos plantea la amenaza de retro-
ceder y que se deshagan los logros alcanzados, el golpe Intentar un balance sobre lo que ha sido la trayecto-
de Estado en Honduras es una alerta importante. El ria de la Alames es una tarea complicada. Hay informes,
triunfo de la derecha en Panamá y en las elecciones capítulos, artículos, documentos, etc. que dan cuenta de
parlamentarias de Argentina; la compleja situación que previamente otros compañeros han realizado este

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486 BORGIA, F.; FEO, O.; HEREDIA, N.; FORTI, S.; JIMÉNEZ, P. • Alames a 25 años: balance, desafíos y proyección

esfuerzo para brindarnos un panorama de la Asociación, sin duda el pionero más importante de este pensamiento
por ejemplo, como lo hiciera Edmundo en ocasión del en Latinoamérica. Ya en décadas más recientes, conside-
20º aniversario de la Alames (Granda, 2007). Entonces, ramos a Juan César García, médico y sociólogo argen-
pareciera que se trata sólo de revisar qué ha pasado en el tino, como el principal exponente y padre organizativo
último quinquenio y sumarlo a lo que existe. Pero no es de la MS-SC latinoamericana, quien desplegó junto a
una tarea tan simple. Y no lo es desde el instante preciso María Isabel Rodríguez y Miguel Márquez un amplio
en que empezamos a preguntarnos: ¿Son 25 años?, ¿Es movimiento que recorrió América Latina promovien-
que en los 60-70, e incluso mucho antes, la Alames no do y desarrollando este pensamiento. Ellos lo hicieron
existía de algún modo? He ahí donde comienza nuestra desde la Organización Panamericana de la Salud (OPS)
primera reflexión. sin que esto signifique que representaron la voluntad
En las próximas páginas nos referiremos a la institucional, por lo que debieron afrontar grandes
Alames, pero también al Pensamiento de la MS-SC. cuestionamientos y confrontaciones. No obstante, fue
Por momentos se fundirán como la misma cosa, un obra de estos la promoción de importantes centros para
binomio difícil de deslindar, y otras veces marcaremos la enseñanza de la MS-SC, así se iniciaron maestrías de
la diferencia entre lo uno y lo otro porque es en esa MS-SC en Brasil, México, y otros países. Efectivamente,
brecha donde radican buena parte de nuestros desafíos los 70 fueron una etapa de intenso activismo a favor de
como organización. Además, Alames es sólo una de la MS-SC en el continente. La revolución cubana y sus
las expresiones organizativas de esa doctrina, hay otros conquistas sociales fueron inspiración y guía en esta
movimientos sanitarios de diversos signos, que en los causa. El apoyo a la revolución sandinista nos convocó
países retoman este pensamiento. a unirnos y a crecer. Alames se constituiría algo tardía-
mente desde la fuerza de aquella creciente marea.
Hay en América Latina muchos exponentes y mili-
¿Cómo nacen todos estos movimientos? tantes de esta corriente revolucionaria. Nos atrevemos a
Fue en el siglo 18, en el marco de tremendas movi- nombrar un pequeño número de ellos que son conside-
lizaciones sociales y políticas, que médicos, científicos y rados “históricos”, porque su obra y práctica trasciende a
luchadores sociales europeos emplearon el término MS. lo largo y ancho del continente: Breilh, Granda, Laurell,
Particularmente se atribuye a Virchow, patólogo alemán, Arouca, Testa, Samaja, Franco, Rojas Ochoa. En Brasil,
el haber señalado a la medicina como una ciencia política este movimiento tiene una amplia producción teórica y
y social, en confrontación con el paradigma unicausal política habiendo sido actores privilegiados de la reforma
dominante en la época, planteando que el origen de la sanitaria progresista más importante del continente.
enfermedad estaba en la sociedad y en las condiciones El año 1984 sella la constitución formal de Ala-
de pobreza y desnutrición de la población. mes en el marco del III Seminario Latinoamericano de
En América Latina hay antecedentes notables, Medicina Social en Ouro Preto, Brasil. Digamos que
como Eugenio Espejo, considerado también precursor crear la Alames fuese acaso un alto en ese camino que se
de la independencia ecuatoriana, quien en pleno siglo iniciara en la década del 1950, el resultado de un proceso
17 planteaba el origen social de la enfermedad. En las de acumulación de luchas, una expresión organizativa
primeras décadas del siglo 20, Salvador Allende impulsó entorno a una forma de pensamiento cuyo principal
el primer sistema público de salud del continente, y es articulador muriera, dejándonos su obra y sus ideas,

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BORGIA, F.; FEO, O.; HEREDIA, N.; FORTI, S.; JIMÉNEZ, P. • Alames a 25 años: balance, desafíos y proyección 487

plagados de compromiso y necesitando organizarnos fuerzas en los países y regiones le ha sido favorable.
para no retroceder. Debíamos profundizar de manera Cuando el conservadurismo ha prevalecido, la acción
coherente en el conocimiento de las estrechas relaciones y el discurso de la Alames se transformaron en un
entre la salud y la sociedad, teniendo como base los testimonio de la diferencia y discrepancia. Este ‘bajo
avances científicos y las experiencias obtenidas en el área perfil ajustado al contexto’ pudiera interpretarse como
de la MS-SC. Es así que Alames se reconoce como un una necesidad de atrincherarnos en situaciones espe-
movimiento político, social y académico, que agrupa a cialmente hostiles a la causa que defendemos, mientras
profesionales y activistas sociales latinoamericanos, los cobramos vitalidad en escenarios más progresistas.
cuales comparten, promueven y luchan por y con los Por otro lado, no podemos desconocer la fuerza del
postulados de la MS y el Derecho a la Salud. De este enemigo hegemónico, no teníamos ni el mismo desa-
modo se concreta y articula una idea que venía constru- rrollo ni la misma fuerza para dar la pelea. Se buscó
yéndose, se trazaron horizontes, se propusieron acciones, una acumulación contrahegemónica por la vía de la
se contrajeron compromisos, y se ha ido perfilando el articulación con los espacios de gobierno locales en los
sentido de la organización. También se ha fortalecido que se evidenciaban intenciones, reacción y propuestas,
el intercambio de saberes y experiencias, hoy hay una fundamentalmente en la articulación con Brasil donde
producción teórica mucho más rica que hace 30 años. el movimiento sanitario jugara un papel fundamental
En un camino que se construye al andar y las en la lucha contra la dictadura y por la democratización
pisadas no son perfectas. Continuando con el devenir de la sociedad, y comenzaba a implementar su reforma
histórico, con una mirada aguda y autocrítica, debemos universalista. Pero sobre todas las cosas, debemos visua-
reconocer que – así como en las décadas de los 1960 lizar con claridad que el éxito en alcanzar los objetivos
a los 1980, una de las fortalezas del pensamiento de la sanitarios que se propone la Alames está condicionado
MS latinoamericana fue la vinculación con las ciencias a la capacidad de acumulación de fuerzas sociales y
sociales – la década del 1990 nos debilitó por la falta de políticas. No bastan gobiernos progresistas si no hay
un paradigma emergente luego de la caída del muro. La un colectivo ciudadano movilizado por el derecho a la
emergencia del postmodernismo, la globalización y la vida y la salud. En cambio, si esta movilización existe
aculturación resultantes hicieron lucir a nuestras ideas de manera vigorosa, pudiese haber incluso un gobierno
como desactualizadas y contraempíricas, en lugar de de derecha o una dictadura militar (como en el caso de
contrahegemónicas. Consecuentemente, los ensayos Brasil en los 1980), que el cambio acontecería (claro,
de respuesta resultaron solitarios, descoordinados, poco que para su sustentabilidad se requiere también de un
convencidos o poco convincentes por parte de ese pen- gobierno dispuesto a realizar las transformaciones que
samiento de la MS-SC latinoamericana ante la oleada el pueblo demanda).
de reformas sanitarias que impuso el modelo neoliberal Las informaciones mencionadas son explicaciones
promovido por los organismos financieros multilate- razonables del porqué nuestras voces fueron clamores
rales. Del mismo modo, hubo organismos sanitarios aislados, pero convendría evaluar – y es un balance
internacionales y regionales incapaces de responder, pendiente – cómo ha gobernado la MS-SC cuando lo
sumándose pasivamente a las reformas privatizadoras. ha hecho, pues hemos tenido serias dificultades para
No debemos perder de vista que la Alames ha expresar el sentido de la MS-SC incluso en aquellos
tenido avances en la medida que la acumulación de países con gobiernos progresistas.

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488 BORGIA, F.; FEO, O.; HEREDIA, N.; FORTI, S.; JIMÉNEZ, P. • Alames a 25 años: balance, desafíos y proyección

El pensamiento y el compromiso, entendidos como Salud Colectiva (http://www.unla.edu.ar/public/salu-


las razones que unen a cada uno de los luchadores por dColectivaNuevo/); algunas de ellas lamentablemente
la MS-SC, han tenido avances importantes, se han discontinuadas. Finalmente, desde Alames y el Depar-
vuelto más sólidos y maduros, han calado en espacios tamento de Medicina Familiar y Medicina Social de la
clave, incidiendo políticamente al nivel de la gestión de Escuela de Medicina “Albert Einstein” de Nueva York,
los gobiernos y en los bloques regionales. Es difícil de se edita en forma electrónica la Revista Medicina Social/
determinar hasta qué punto esos avances han respondido Social Medicine (http://www.medicinasocial.info).
a estrategias concebidas como Alames, pero no pareciera
haber mucha coherencia en esa relación. Las personas • El apoyo a las organizaciones sindicales también
comprometidas con la MS-SC y los militantes conse- es uno de los avances de la Alames. La matriz marxista de
cuentes con esta lucha, por el derecho a la salud vista en la Alames se vio reflejada en una preocupación especial
su determinación social, hacen grandes esfuerzos desde sobre la salud de los trabajadores. Esto se evidencia en
sus ámbitos de actuación para fomentar la diseminación un desarrollo importante de investigaciones, estudios
del pensamiento y en la medida posible inciden en los y análisis sobre esta temática, y al mismo tiempo, en
espacios de decisión política dentro de su alcance. la asesoría y acción junto a organizaciones y centrales
sindicales a lo largo y ancho de toda América Latina.

¿Cuáles son los avances que muestra Alames? • La resistencia a las dictaduras. Como con-
secuencia de la guerra ideológica anticomunista que
• Una serie de libros y publicaciones de investi- desplegaron las dictaduras latinoamericanas, con la
gaciones claves que constituyen su acervo ideológico y complicidad de la Iglesia, las oligarquías nacionales y
metodológico. Hay una extensa producción que no será el apoyo de los EEUU, muchos compañeros fueron
listada, puesto que ya ha sido recogida en el detallado perseguidos, clandestinos, exiliados, presos, torturados
trabajo de Iriart, Waitzkin, Breilh, Estrada y Merhy durante esos años. Sin duda la lucha contra la dictadu-
(consultable en la página web de la Alames) (Iriart et ra y por la democracia fue un elemento central de esa
al., 2002). Sin embargo, algunos merecen ser citados época.
por lo profuso e importante de su obra: Breilh, Laurell,
Samaja, Testa, Navarro, entre otros, además del titánico • El apoyo a movimientos revolucionarios. La
esfuerzo de difusión de Lugar Editorial. convicción revolucionaria motivó a muchos compañeros
a sumarse activamente a los movimientos revoluciona-
• También, una larga lista de revistas con conteni- rios latinoamericanos, decenas de militantes de la MS
dos de MS, algunas de las más emblemáticas: Salud Pro- se entregaron a la revolución sandinista. Algunos lo
blema (http://saludproblema.xoc.uam.mx); Cuadernos hicieron como combatientes, otros como maestros, otros
Médico Sociales de Chile (http://www.colegiomedico. como parte de las brigadas médicas, otros hicieron de
cl/); Cuadernos Médico Sociales, Centro de Estudios todo un poco.
Sanitarios y Sociales de Rosario; Revista Cubana de
Salud Pública (http://www.sld.cu/sitios/revsalud); Salud • El apoyo y participación a los movimientos
de los Trabajadores (http://www.iaesp.edu.ve); Revista sociales continentales. La caída de las dictaduras mili-

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 484-495, set./dez. 2009


BORGIA, F.; FEO, O.; HEREDIA, N.; FORTI, S.; JIMÉNEZ, P. • Alames a 25 años: balance, desafíos y proyección 489

tares mediante movilizaciones sociales multitudinarias de nuestras estrategias, y comprender las razones por
que lograron conjuntar sindicatos, movimientos estu- las cuales se nos dificulta lograr sustentabilidad en las
diantiles, organizaciones ecologistas, organizaciones políticas promovidas.
indígenas, colectivos religiosos, el movimiento feminista Un tema a destacar es la participación de compa-
e etc generaron la experiencia de un frente social potente ñeros de la Alames en los Procesos Constituyentes o de
y unido. La siguiente década de fuerte neoliberalismo sus grupos de apoyo inmediato, tanto en Argentina,
delimitó a las organizaciones sindicales de todo el como en Venezuela, Bolivia y Ecuador.
continente. Con el cambio de milenio nacen nuevos
movimientos sociales continentales y globales como • La relación con organizaciones sanitarias inter-
la Vía Campesina, Coordinadora Latinoamericana de nacionales. Es claro que la OPS en la que Juan César
Organizaciones del Campo, Grito de los Excluidos, García impulsó el desarrollo de la MS-SC latinoameri-
Alianza Social Continental, Movimiento de Salud de los cana, a pesar de tener el mismo nombre, no es la misma
Pueblos y Foro Social Mundial. La Alames hace parte organización que acompañó las reformas neoliberales de
de varios, ha coordinado acciones con todos ellos, y ha las décadas de 1980 y 1990. Lo mismo puede decirse de
ayudado a constituirlos. algunos de los programas en los que varios de los com-
pañeros de la Alames se formaron o fueron formadores,
• El apoyo a los gobiernos progresistas de Amé- como el de Salud Internacional. Podríamos decir que
rica Latina. Desde fines de los 70, los pensadores de la luego de la etapa inicial con Juan César, María Isabel y
MS, que pocos años después constituirían formalmente Miguel, la relación OPS-Alames se fue enfriando hasta
la Alames, volcaron su apoyo a la Revolución Sandi- la casi inexistencia. Luego de varios intentos de cambio,
nista. Durante la década de auge del neoliberalismo desde el año 2000, las gestiones de Edmundo dieron
acompañamos la reforma constituyente en Brasil y se lugar al anuncio de la voluntad por parte de la OPS de
dio apoyo al Gobierno de Venezuela. Un poco más un “acuerdo marco” con la Alames (en 2005), que se
adelante, se acompañó el triunfo de la Concertación en firmó formalmente en 2007, pero que ha tenido escaso
Chile, el gobierno de Lula en Brasil y el de la Alianza cumplimiento hasta ahora.
en Argentina; más recientemente a los triunfos en
Uruguay, Bolivia, Ecuador, Paraguay y El Salvador. Por otra parte, la coyuntura de la incorporación
También, se acompañó a gobiernos locales como Ca- del tema de los “Determinantes Sociales de la Salud”
racas, Porto Alegre, Montevideo, Rosario, México DF, como parte de la estrategia sanitaria mundial por la
Bogotá, entre otros. El grado de participación/apoyo en Organización Mundial de la Salud (OMS) nos colocó
cada caso ha sido diferente, y no todas las experiencias desde el 2005 como un interlocutor a ser considerado, ya
podemos considerarlas “exitosas”. Es obvio que no se no por la OPS, sino por la OMS. Este relacionamiento
puede disociar la política sanitaria, de la visión general tuvo como principal impacto un acercamiento con otros
de cada uno de los gobiernos. Una mirada global nos colectivos “progresistas” en el pensamiento sanitario, en
indica que la salud de la población experimentó una particular con el Movimiento de Salud de los Pueblos.
mejoría en esos escenarios. Sin embargo, no hemos De esta forma se abrió una ventana de intercambio de
realizado un análisis y sistematización de esas expe- experiencias con la India, China, África y Australia, que
riencias, a fin de identificar las debilidades y fortalezas se completa en la globalidad con otros actores europeos

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490 BORGIA, F.; FEO, O.; HEREDIA, N.; FORTI, S.; JIMÉNEZ, P. • Alames a 25 años: balance, desafíos y proyección

con los que la Alames estaba en relación a través de la surgiendo inquietudes o sensibilidades distintas dentro
International Association of Health Policy (IAHP). del campo de la MS. Así hubo quienes marcaron su in-
Con más o menos avances, hemos estrechado las terés en la formación del talento humano, en la cuestión
relaciones con otras instancias, decir que esto es parte de de género, en el medioambiente, la descentralización,
una estrategia deliberada de la Alames, sería faltar a la el trabajo, los medicamentos, los sistemas de salud y
verdad, pero tampoco es la mera voluntad de una o dos seguridad social, los determinantes sociales etc. Estas
personas, sino la consecuencia de un redireccionamiento redes le fueron dotando de un dinamismo diverso a la
progresivo de las relaciones internacionales en salud en asociación, generando un vínculo más estrecho y regular
el ámbito sudamericano y subregional. Por otra parte, que los congresos o seminarios; tendiendo a constituir
el relacionamiento con la Alternativa Bolivariana para agendas propias, encuentros específicos etc.
América Latina y el Caribe (Alba) en términos de salud,
es un tema a abordar con mayor fuerza en adelante. • La organización. En una primera etapa, el
organizarse no era una preocupación, la centralidad
• La formación del talento humano en salud. La estaba ubicada en mantener la existencia de un ámbito
mayor crítica a la Alames suele ser que ha estado muy de encuentro para el intercambio de reflexiones o avan-
recostado sobre el mundo de la academia. Esa crítica ces en el desarrollo ideológico de la MS, intercambiar
da cuenta, sin querer, de la principal tarea desarrollada experiencia y metodología de investigación, y compartir
durante todos estos años que ha sido la formativa. Si avances en la lucha en Latinoamérica. La construcción
pensamos en términos de nuestros principales referentes de la Alames como sujeto colectivo latinoamericano, que
de la Alames, la generación fundacional, todos ellos han ya no se constituye como la sumatoria de experiencias
dedicado buena parte de su vida a la enseñanza, y casi nacionales, implicó tiempo y voluntades firmes de crear
todos en el ámbito universitario. Así se han constituido un “nosotros”. Nuestra cultura de izquierda, intrínseca-
y consolidado diversas maestrías y varios doctorados mente fragmentaria, nos empujaba todo el tiempo a la
en MS-SC. Pero también se han constituido ámbitos relevancia de la diferencia y quizás en algunos momentos
extra-universitarios de formación e investigación. Por caímos en esa trampa. La pertenencia presente o pasada
otra parte, se han desarrollado prácticas de educación no a organizaciones sindicales y/o partidos políticos empu-
formal, como lo las experiencias de investigación-acción jaba a buscar un ámbito de coordinación/encuentro un
de la salud en el trabajo. A la vez se han implementado poco más laxo.
diversas estrategias de cursos, diplomados itinerantes, y
más recientemente las Escuelas de Salud de los Traba- Quienes pertenecen a las nuevas generaciones a
jadores y la Cátedra Itinerante Juan César García que veces no perciben que no siempre existió el celular, el
busca llegar con información y reflexión a colectivos de correo electrónico, internet, fondos de investigación o
activistas de la salud no vinculados al sistema educativo publicación concursables, becas de movilidad para do-
universitario. centes o profesores invitados etc. Perdemos de vista que
Juan César dedicaba muchas horas, tantas o más que las
• El trabajo en redes temáticas. En la medida que dedicamos nosotros ahora, a escribir cartas, en las
que nuestro colectivo fue creciendo, y las posibilidades que refería sus preocupaciones en el campo conceptual y
de la comunicación e interacción agilizándose, fueron el metodológico, en las que ponía en conocimiento que

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BORGIA, F.; FEO, O.; HEREDIA, N.; FORTI, S.; JIMÉNEZ, P. • Alames a 25 años: balance, desafíos y proyección 491

había descubierto a “un nuevo talento” y nos vinculaba. DESDE EL HOY, HACIA
Olvidamos que viajar era bastante más difícil y costoso, EL MAÑANA DE Alames
que nuestra oportunidad de intercambiar casi se reducía
a los congresos. La Alames se expresa de distinta manera en sus di-
Ahora, nuestra organización es una rara mezcla de ferentes ámbitos. Necesitamos reforzar o reconstruir una
afectos, compromisos, sacrificios, protagonismos, reglas visión compartida, sobre todo de sus líneas de acción,
básicas de convivencia y anarquía. Desde ese punto de liberándonos de las preponderancias de lo académico
partida es que nos planteamos metas ambiciosas para sobre lo social, lo regional/internacional sobre lo local,
las que muchas veces nos falta capacidad organizativa; o viceversa.
en otras, autonomía y confianza en el otro, de manera Ser reconocido como un interlocutor válido en el
que nos permitamos no consultarnos todo, no opinar establecimiento de las agendas públicas es otro impor-
de todo, y respaldar con convicción a quienes nos co- tante desafío a nivel local, regional y continental. En este
ordinan, en particular sobre cuestiones en las que todos sentido, la Alames no siempre ha logrado la acumulación
estamos de acuerdo. Nuestra democracia, nuestro andar de fuerzas que ha construido, o no ha aprovechado las
concertado en las cuestiones menores, se ha vuelto una oportunidades para acumular las fuerzas que se han
suerte de freno injustificado que nos quita capacidad de presentado a lo largo de su historia. La cuestión central
acción ante situaciones urgentes, y al mismo tiempo, hoy es de qué manera la Alames contribuye o lidera un
dificulta una discusión o planificación estratégica a proyecto contrahegemónico en salud. Claro está que
distancia. ello requiere de su acumulado académico, tanto por
El debate actual entonces se ubica en qué or- estudios empíricos como por las aportaciones teóricas.
ganización queremos, y si esa organización que nos Pero también es evidente que si esos avances se presentan
proponemos es coherente con la Alames que tenemos. de manera individual, protagónica, fragmentada y des-
En general, nuestra visión es que no lo es. Seguimos articulada no cumplirán con el fin primordial. Adicio-
temiendo a la institucionalización y sus desviaciones. nalmente, si dejamos de lado el saber social acumulado,
Mejor hagamos y respondamos las siguientes preguntas: la experiencia y los saberes de la práctica y la acción
¿Qué salud queremos para nuestros pueblos? ¿Qué po- política, el proyecto será igualmente incompleto.
líticas y qué acciones son necesarias para ello? ¿Qué rol Esa mirada al interior de la Alames debemos propi-
debe o puede cumplir la Alames en la formulación de las ciarla con amplios y profundos debates. Tampoco la idea
políticas y la planificación y ejecución de las acciones? es desgastarnos en polémicas ni vericuetos inútiles, pues
¿Cómo debe organizarse para ello? ¿Qué podría hacer otro problema que nos afecta es que somos hipercríticos
la Alames con su actual forma/dinámica organizativa y o aspiramos a una perfección que no existe. La realidad
de funcionamiento? latinoamericana es compleja, y no hemos atendido a la
El desfase entre la Alames como concepción orga- diversidad en el sentido de generar una visión contempo-
nizativa y el Pensamiento de la MS-SC latinoamericana ránea aglutinadora de visiones diferentes: del que piensa
debe enfocarse críticamente, revisando cuáles obstáculos que “primero en mi barrio/ciudad/país”, que “primero
enfrentamos en diversos ámbitos y niveles. La identifi- la asistencia porque no es posible hacer promoción si la
cación y superación de nuestros problemas se convierte gente se muere porque no hay servicios”, y de los que
en un gran desafío. piensan que aun con servicios inadecuados la promoción

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492 BORGIA, F.; FEO, O.; HEREDIA, N.; FORTI, S.; JIMÉNEZ, P. • Alames a 25 años: balance, desafíos y proyección

y prevención muestran su mayor relevancia política al evaluar cómo lo ha hecho! ¿Ha sido coherente? ¿Ha
redundar en menor demanda asistencial a mediano pla- tenido capacidad para convertir en práctica social las
zo. De sentires encontrados pudiésemos hacer una larga ideas innovadoras que defendemos?
lista, debemos hallar la forma de articular la diversidad, Una responsabilidad inherente a la Alames como
donde todas las tareas y los frentes de batalla tengan expresión del pensamiento de la MS-SC es mantener y
lugar, y nuestras voluntades de hacer se complementen difundir sus principios, las bases político-conceptuales
en vez de neutralizarse. que nos sustentan. Las recordamos:
Articularnos es una necesidad urgente. A pesar de
los avances de la perspectiva de la MS-SC, continúa • El primer rasgo definitorio del pensamiento de
existiendo una férrea hegemonía del pensamiento de la la MS-SC Latinoamericana es su concepción de la salud
Salud Pública tradicional, centrada en la enfermedad y como derecho humano y social fundamental, que debe ser
en la concepción reduccionista de la medicina preven- garantizado por el Estado. Se asume a la salud como bien
tiva, la “enfermología pública”, el modo medicalizado público que no puede ser sometido a la lógica del mer-
y biologicista de entender la salud-enfermedad. Ante la cado. Desde esa perspectiva confrontamos las tendencias
primacía de este paradigma, ha habido una respuesta no privatizadoras que hacen de la salud una mercancía.
siempre contundente y bien argumentada por el pensa-
miento de la MS-SC. Además, los espacios de práctica • Otro elemento central es la salud y la en-
y de gobierno (sindical, universitario, comunitario, fermedad como un “continuo” que forma parte del
local/municipal etc.) no han tenido la misma frecuencia proceso vital humano, y que se encuentra socialmente
relativa, el mismo desarrollo y acompañamiento por el determinado. Uno de los presupuestos básicos de la MS
colectivo de la MS-SC, que la reflexión teórica. Lo an- es la determinación social de la salud y la enfermedad.
terior no niega la profundidad explicativa de la MS-SC, Asumimos que la distribución desigual del poder, la
ni el hecho de que la práctica social es un argumento riqueza social, y los recursos y servicios, que genera el
suficiente y avasallador, pero quizás no se haya sistema- capitalismo, son determinantes fundamentales de la
tizado adecuadamente todo lo que en materia de esta salud y la enfermedad en la sociedad.
temática se ha producido. Puede que hayamos analizado
mucho los males de las políticas llevadas adelante por • Se asume a la salud como un espacio triple:
los enemigos, pero poca luz hemos puesto sobre las de generación de conocimientos, de práctica social y
experiencias y prácticas de la MS-SC. política, y como área de intervención y organización
Actualmente, debido al cambio sustancial de la social. Es, por lo tanto, la salud un espacio en el cual se
correlación de fuerzas de la región, que da una fisio- combinan la acción política, el trabajo académico, y la
nomía progresista a la América Latina, el pensamiento práctica social.
de la MS-SC tiene grandes retos para convertir sus
planteamientos en políticas de salud y acción sanitaria, • Una de las categorías claves de la MS-SC es la
que le permitan construir sistemas de salud universales participación de los movimientos sociales en la construc-
y hacer de la salud un derecho real de nuestros pueblos. ción colectiva de la salud, y de las políticas y sistemas
Es notable que la MS haya tenido oportunidad de ser de salud. Es la salud un espacio de organización social
gobierno en algunos países, insistimos: ¡sería importante y de construcción de ciudadanía.

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BORGIA, F.; FEO, O.; HEREDIA, N.; FORTI, S.; JIMÉNEZ, P. • Alames a 25 años: balance, desafíos y proyección 493

• Otro elemento definitorio es su identificación de la salud, y que desde una perspectiva integral puedan
con el pensamiento crítico, progresista, de la izquierda insertarse en los nuevos sistemas de salud.
latinoamericana, que en nuestro continente y el mundo
propugna por construir una nueva sociedad. 5. Promover una intensa movilización ciudadana,
que haga de la salud un espacio de conciencia y organi-
zación social, un ámbito de consagración y ejercicio de
la ciudadanía social y política. Nuestra consigna debe
PROPUESTAS PARA LA ACCIÓN ser ‘Movilizados por el Derecho a la vida y la salud’.

Ya que a lo largo de estas páginas hemos reflexiona- Habiendo destacado las fortalezas de la Alames y
do acerca de la Alames sin distanciarnos de su contexto los mayores retos que debe encarar, nuestra propuesta
que es el pensamiento de la MS-SC latinoamericana, va enfocada en plantear caminos posibles, desde lo que
convendría sistematizar cuáles son los grandes elementos tenemos, a los problemas y necesidades que enfrenta-
de políticas de salud a impulsar dentro de ese pensamien- mos como Asociación. Intentemos respondernos cómo
to, para luego trazar una propuesta de cómo insertarnos visualizamos la Alames en su contexto.
en tal perspectiva.
¿Qué demanda la salud de nuestros pueblos?
¿Qué proponemos sea la Alames?
1. Construir políticas sanitarias en el marco de Consideramos la Alames una red de redes; una
políticas públicas dirigidas a elevar la calidad de vida de “Asociación” de pensadores de la MS-SC sea cual sea
la población, actuando sobre los determinantes sociales su espacio de acción; un articulador de movimientos
de la salud. locales, nacionales, regionales; un promotor del apoyo
solidario; un facilitador del encuentro entre lo político,
2. Construir sistemas de salud públicos y uni- lo académico, lo investigativo, lo social, lo técnico, que
versales, que privilegien la concepción de la Atención ya deberíamos ir dejando de ver por separado. La Alames
Primaria de la Salud. cuenta con el reconocimiento, el prestigio, la capacidad,
el respeto y el alcance suficientes para ser interlocutor y
3. Desarrollar una red de servicios que permita actor (en alianzas con otros) en la lucha por el derecho
saldar la gran deuda social heredada de las políticas a la salud, la equidad y la justicia social.
privatizadoras, que negaban en la práctica el derecho a
la salud, y que impulse un modelo de atención integral
centrado en la promoción, pero capaz de actuar sobre ¿Cuáles serían las líneas estratégicas de la Alames?
la enfermedad, tanto para su prevención como para su
diagnóstico y tratamiento precoz. Actuar como dinamizador de los procesos nacionales
• Vincularse e incidir en los espacios políticos
4. Desarrollar políticas de formación de profesiona- para orientar las acciones de salud presentes y futuras
les y técnicos, que enfrenten las crecientes manifestaciones bajo los principios de la MS-SC. En cada país, aun
de deshumanización y mercantilización de las profesiones sin ser gobierno, la izquierda se organiza en partidos o

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494 BORGIA, F.; FEO, O.; HEREDIA, N.; FORTI, S.; JIMÉNEZ, P. • Alames a 25 años: balance, desafíos y proyección

movimientos políticos con programas encaminados a la Relaciones internacionales


construcción de una nueva sociedad. La Alames tiene • Construir una red de organizaciones con las
mucho que aportar a esa concepción, no sólo nutriendo cuales trabajar articuladamente según los puntos de
las bases para alcanzar salud a través de acciones desde convergencia existentes y movilizar recursos para el
el sector sanitario, sino difundiendo la necesidad de soporte y promoción de las acciones.
crear políticas públicas, en el entendido de que la mejor
manera de construir salud es mejorando la calidad de
vida de las personas, por lo que una clara política de ¿Bajo qué concepción organizativa?
gobierno y el trabajo intersectorial son indispensables. Nos parece bien la coordinación general y por regiones
a fin de organizar los esfuerzos y recursos con sentido de
• Apoyar las iniciativas de los gobiernos locales, direccionalidad. Es cierto que en algunos casos funciona una
las autoridades sanitarias, los movimientos sindicales, y verdadera coordinación y hay sitios donde lo que tenemos
todas las coyunturas pertinentes a la acción de la Alames son puntos de contacto, ahí debemos reforzar las potenciali-
de acuerdo a la realidad de cada país. dades. Pero debemos centrarnos en el desarrollo de núcleos
de pensamiento y acción de la MS-SC en cada país.
• Fomentar el vínculo entre los movimientos Por otra parte, debemos considerar las redes temáticas
sociales, campesinos, de pueblos originarios etc., y la o grupos de trabajo, no como espacios de conocimiento
academia. aislados, sino por el contrario, privilegiar su articulación.
Así, por ejemplo, podríamos plantearnos como temas de
Sistematización de conocimientos discusión la salud y el ambiente con perspectiva de género;
• Crear y fortalecer las relaciones en red con los la salud y el trabajo en la descentralización etc.
centros académicos donde el pensamiento de la MS-SC Las acciones a corto plazo son:
se privilegian, de manera que podamos sistematizar y
socializar lo mejor de su producción. • Identificar las capacidades de Alames: siste-
matizar los escenarios políticos en Latinoamérica y al
• Promover el desarrollo de investigación parti- interior de las regiones y países, las fortalezas en materia
cipativa en salud que apoye a la apertura de procesos de desarrollo académico y organización social. Con
emancipatorios orientados hacia la equidad. seguridad hallaremos asimetrías en la distribución de
nuestras capacidades, compartamos lo que tenemos,
produzcamos sinergias. Por ejemplo, si en determinado
Promoción de espacios de encuentro lugar la Alames tiene mayor peso en el ámbito acadé-
• Facilitar la realización de encuentros nacionales, mico, trabajemos con esa red y promovamos la apertura
para abrir espacios de intercambio entre los grupos que desde la academia hacia otros ámbitos. Donde predomi-
hacen MS-SC, y convocar nuevos actores. ne el componente técnico sobre el político, trabajemos
para introducir con más fuerza un debate político e ir
• Organizar los congresos de MS-SC en La- construyendo posiciones en ese sentido; de igual manera
tinoamérica y participar activamente en los eventos si se requiere fortalecer el movimiento ciudadano. Esa
internacionales de relevancia para la MS-SC. sería una dinámica pertinente al sentido de la Alames.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 484-495, set./dez. 2009


BORGIA, F.; FEO, O.; HEREDIA, N.; FORTI, S.; JIMÉNEZ, P. • Alames a 25 años: balance, desafíos y proyección 495

• Convertir el XI Congreso Latinoamericano de


MS-SC en un espacio revitalizador donde discutamos
objetivamente cuestiones de fondo y contagiemos la
fuerza del pensamiento que nos mueve. Promover y
apoyar eventos pre-congreso a nivel nacional.

• Dar toda la solidaridad y apoyo a los gobier-


nos progresistas, y rechazar categóricamente cualquier
intento dictatorial, como en Honduras.

Finalizamos señalando que hemos planteado un


punto de vista buscando generar una provocación al
pensar, discutir y actuar en conjunto hacia un mismo ho-
rizonte, donde la Salud para todas y todos es posible.

R E F E R E N C I A S

Asociación Latinoamericana de Medicina Social (Ala-


mes ). Revistas. Disponible en: <www.alames.org>.
Acceso en: mayo/2009.

Granda, E. Alames: veinte años. Balance y perspectiva


de la medicina social en América Latina. En: Márquez,
M; Rojas, F. Juan César García: su pensamiento en el
tiempo, 1984-2007. New York: Washington, 2007. p.
299-324.

Iriart, C.; Waitzkin, H.; Breilh, J.; Estrada, A.;


Merhy, E.L. Medicina social latinoamericana: aportes
y desafíos. Revista Panamericana Salud Pública, v. 12,
n. 2, p. 128-136, 2002.

Recebido: Julho/2009
Aprovado: Setembro/2009

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 484-495, set./dez. 2009


496 Resenha / Critical review

Campos, G.W.S.; Guerrero, A.V.P. Manual de práticas em atenção básica: saúde ampliada e compartilhada. São Paulo:
Hucitec; 2008.

Por Claunara Schilling Mendonça 1

A atenção primária à saúde (APS) brasileira está


implantada como política de Estado e definida
como uma estratégia orientada na população. O de-
No Brasil, com a fragmentação do tecido social
e suas consequentes desigualdades, a tripla carga de
doenças e uma cultura de consumo acrítica das tecno-
safio da próxima década para a Saúde da Família, seu logias duras dos serviços de saúde, será que há a possi-
eixo estruturante, é de ser coordenadora do cuidado bilidade de algum serviço de saúde, sozinho, dar conta
da população sob sua responsabilidade nas redes da integralidade? Sendo a Saúde da Família o lugar
regionalizadas de atenção à saúde. Um dos aspectos preferencial para a busca do cuidado, há mais chance
inovadores da proposta brasileira, ou seja, a eleição de um equilíbrio entre a clínica ampliada e o cuidado
de um espaço territorial para atuação das equipes centrado na pessoa, e que se possa reduzir as incertezas
multiprofissionais pode ser subdividida em dois ou- dos usuários nessa rede, produzindo confiança.
tros “territórios” abordados pelos textos, pesquisas e Essas equipes têm maior possibilidade de iden-
debates da obra aqui apresentada: o “Território da tificar as necessidades em saúde, no nível individual,
Gestão” e o “Território da Clínica”. familiar e coletivo; têm maior potencial de corres-
Os desafios do planejamento participativo, da ponsabilização, quando seus profissionais estabelecem
gerência de Unidades Básicas de Saúde, do processo vínculo, produtor de autonomia e seguimento dos
de trabalho das equipes e da comunicação delas com fluxos dos usuários, sendo capazes de integrar os ser-
os demais pontos da rede, bem como da formação e viços de saúde e a rede social em nível local, além da
educação permanente dos “novos” profissionais que possibilidade de resolver 85 a 90% dos problemas de
um sistema de saúde orientado pela APS requer são saúde, se a efetividade clínica estiver presente.
a agenda atual do território da gestão. Em seu com- Para que isso ocorra, são imprescindíveis os pro-
plementar, o “Território da Clínica”, os principais cessos de formação em serviço como os apresentados
desafios são as mudanças necessárias para alcançar nas experiências descritas no livro mencionado, por
qualidade na APS: o foco nas pessoas e não nas do- meio do conhecimento dos condicionantes de saúde,
enças; a prevenção quaternária que é a proteção dos risco e vulnerabilidade de grupos, famílias ou indiví-
pacientes de condutas desnecessárias e a sugestão de duos e o resultante desenvolvimento de projetos de
intervenções eticamente aceitáveis; a equidade, como intervenção.
uma medida sistemática a ser avaliada e o impacto na A construção desses Projetos de Intervenção,
forma como se ofertam as ações e serviços de saúde. por meio de metodologias que levam em conta a

1
Médica; Mestre em Epidemiologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); Diretora do Departamento de Atenção Básica/ Secretaria de
Atenção à Saúde/Ministério da Saúde

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 496-497, set./dez. 2009


Resenha / Critical review 497

função gerencial, política, pedagógica e terapêutica programas de educação permanente, intervenções edu-
(Método Paideia), é descrita em distintos cenários de cacionais, discussão de casos, de situações familiares,
práticas de atenção primária do país e aponta que as exigência de consensos e aprendizagem entre pares. E,
equipes de saúde da família precisam de apoio tanto para que essas experiências ocorram, as intervenções
técnico-gerencial como pedagógico, para exercerem devem ser baseadas no compromisso dos sujeitos envol-
a coordenação do cuidado na rede de atenção. vidos, num apoio matricial que tanto pode acontecer
As novas ações curativas e de cuidado, os serviços entre diferentes profissionais da mesma equipe, como
de base comunitária, o sofrimento psíquico, o cui- por outros profissionais, no aconselhamento ou inter-
dado domiciliar e os cuidados paliativos determinam venções curtas, ou, para sujeitos específicos, por longos
a reformulação do saber e das práticas em saúde, e períodos. O que define cada formato é a combinação
demandam conhecimentos cognitivo-tecnológicos de singular de cada situação, nas quais os usuários se
diferentes disciplinas como da sociologia, antropolo- sintam capazes de conduzir, junto com profissionais, a
gia, psicologia, educação, algumas delas descritas nos definição de suas necessidades e direitos, incorporando
artigos desse livro, e que conformam cenários diversos o conceito de empoderamento e capital social, e os
de apoio e compromisso entre sujeitos. trabalhadores e gestores, satisfação na produção do
Na APS/Saúde da Família, a redução das incertezas cuidado em uma construção coletiva que gere valor
na prática clínica, a falta de segurança para a decisão, para as pessoas. Acredita-se que a Atenção Primária
o uso de pessoas, e não da literatura para a decisão e e a Saúde da Família são os locais preferenciais para
a efetividade das mudanças no comportamento dos que essas práticas ocorram, por isso, é necessário um
profissionais de saúde apontam como indispensáveis manual como o citado.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 496-497, set./dez. 2009


498 AGRADECIMENTOS / ACKNOWLEDGEMENTS

Pareceristas que atuaram em 2009


Abílio da Costa-Rosa José Sterza Justo
Ademir Paccelli Ferreira Juarez Pereira Furtado
Alice Guimarães Bottaro de Oliveira Karen Mary Giffin
Alice Hirdes Lenaura Lobato
Ana Maria Costa Ligia Bahia
Ana Maria Fernandes Pitta Ligia Giovanella
Ana Maria Malik Lygia Maria de França Pereira
Ana Valéria Machado Mendonça Luciene Kantorski
Andréa Máris Campos Guerra  Luiz Carlos de Oliveira Cecílio
Áquilas Nogueira Mendes Magda Diniz Bezerra Dimenstein
Ariane Patrícia Ewald Magda Vaissman
Augusta Thereza de Alvarenga Márcia Aparecida Ferreira de Oliveira
Benilton Carlos Bezerra Júnior Maria Ceci Mizocsky
Bernadete Maria Dalmolin Maria do Carmo Leal
Carlos Botazzo Maria Ercilia de Araujo
Carlos Minayo Gomez Maria Ines Souza Bravo
Carlos Octávio Ocké Reis Maria Rita Bertozzi
Carmen Tatsch Moisés Goldbaum
Cristina Amélia Luzio Mônica de Oliveira Nunes
Daniela Riva Knauth Patrícia Villas Boas
Décio de Castro Alves Paulo Capel Narvai
Denise Dias Barros Paulo Eduardo Elias
Dulce Maria Senna Renato Veras
Edir Nei Teixeira Mandú Roberto Passos Nogueira
Eduarda Ângela Pessoa Cesse Rogério Renato Silva
Eduardo Mourão Vasconcelos Rosa Maria Marques
Eleonor Minho Conill Selma Lancman
Eymard Mourão Vasconcelos Sergio Tavares Rego
Fernanda Nicácio Sonia Fleury
Fernando Ferreira Pinto de Freitas Soraya Dornelles
Francisco Javier Uribe Rivera Sueli Gandolfi Dallari
Guilherme Castelo Branco Thomas Josué Silva
Ianni Scarcelli Toyoko Saeki
Isabel Soalheiro Vivian Stuart
José Jackson Sampaio Walter Ferreira de Oliveira
José Luiz Telles Wilza Vieira Villela

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 498, set./dez. 2008


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número da revista. Eventuais sugestões de modificações da Apresentação
estrutura ou de conteúdo, por parte da Editoria, serão pre- Artigos Temáticos
viamente acordadas com os autores. Não serão admitidos Artigos de Tema Livre
acréscimos ou modificações depois que os trabalhos forem Artigos Internacionais
entregues para a composição. Resenhas
Depoimentos
MODALIDADES DE TEXTOS Documentos
ACEITOS PARA PUBLICAÇÃO
APRESENTAÇÃO DO TEXTO
Artigos originais
1. Pesquisa: artigos que apresentem resultados finais de Seqüência de apresentação do texto
pesquisas científicas, com tamanho entre 10 e 15 laudas. Os artigos podem ser escritos em português, espanhol
2. Ensaios: artigos com análise crítica sobre um tema es- ou inglês.
pecífico de relevante interesse para a conjuntura das políticas Os textos em português e espanhol devem ter título
de saúde no Brasil, com tamanho entre 10 e 15 laudas. na língua original e em inglês. Os textos em inglês devem
3. Revisão: artigos com revisão crítica da literatura ter título em inglês e português e o título, por sua vez, deve
sobre um tema específico, com tamanho entre 10 e 15 expressar claramente o conteúdo do artigo.
laudas. A folha de apresentação deve trazer o nome completo
4. Relato de experiência: artigos com descrições de do(s) autor(es) e, no rodapé, as referências profissionais (con-
experiências acadêmicas, assistenciais e de extensão, com tendo filiação institucional e titulação) e o e-mail para contato.
tamanho entre 10 e 15 laudas. Quando o artigo for resultado de pesquisa com financiamento,
5. Opinião: de autoria exclusiva de convidados pelo citar a agência financiadora.
Editor Científico da revista, com tamanho entre 10 e Apresentar resumo em português e inglês (abstract)
15 laudas. Neste formato não é exigido o Resumo e o ou espanhol e inglês, no qual fique clara uma síntese dos
Abstract. propósitos, métodos empregados e principais conclusões do
trabalho com o mínimo de três e máximo de cinco descri- Cohn, A.; Elias, P.E.M.; Jacobi, P. Participação popular
tores (keywords), não ultrapassando o total de 700 carac- e gestão de serviços de saúde: um olhar sobre a experiência do
teres (aproximadamente 120 palavras). Para os descritores, município de São Paulo. Saúde em Debate, Londrina (PR),
utilizar os termos apresentados no vocabulário estruturado n. 38, p. 90-93, 1993.
(DeCS), disponíveis no endereço http://decs.bvs.br. Caso Demo, P. Pobreza política. São Paulo: Cortez,
não sejam encontrados descritores relacionados à temática 1991.
do artigo, poderão ser indicados termos ou expressões de
uso conhecido. Extensão do texto
Em seguida apresenta-se o artigo propriamente dito: O artigo deve ser digitado no programa Microsoft®
a. as marcações de notas de rodapé no corpo do texto Word, ou compatível, em página padrão A4, com fonte
deverão ser sobrescritas. Ex.: Reforma Sanitária1 Times New Roman tamanho 12 e espaçamento entre linhas
b. para as palavras ou trechos do texto destacados a de 1,5.
critério do autor, utilizar aspas simples. Ex.: ‘porta de
entrada’. Declaração de autoria e de responsabilidade
c. quadros e gráficos deverão ser enviados em impressão de Segundo o critério de autoria do International Commit-
alta qualidade, em preto-e-branco e/ou escala de cinza, tee of Medical Journal Editors, os autores devem contemplar
em folhas separadas do texto, numerados e intitulados as seguintes condições: a) Contribuir substancialmente para
corretamente, com indicações das unidades em que se a concepção e planejamento, ou análise e interpretação dos
expressam os valores e fontes correspondentes. O nú- dados; b) Contribuir significativamente na elaboração do
mero de quadros e gráficos deverá ser, no máximo, de rascunho ou revisão crítica do conteúdo; c) Participar da
cinco por artigo. aprovação da versão final do manuscrito. Para tal, é neces-
d. os autores citados no corpo do texto deverão estar sário que se assine a seguinte Declaração de Autoria e de
escritos em caixa-baixa (só a primeira letra maiúscula), Responsabilidade:
observando-se a norma da ABNT NBR 10520:2001
(disponível em bibliotecas). Ex.: Conforme Mario “Certifico que participei de forma suficiente na concep-
Testa (2000). ção deste trabalho para tornar pública minha responsabilidade
e. as referências bibliográficas deverão ser apresentadas, pelo seu conteúdo. Certifico que o manuscrito representa
no corpo do texto, entre parênteses com o nome do um trabalho original e que nem este manuscrito, nem outro
autor em caixa-alta seguido do ano e, em se tratando com conteúdo substancialmente semelhante de minha au-
de citação direta, da indicação da página. Ex.: (Miranda toria foi publicado ou submetido a apreciação do Conselho
Netto, 1986; Testa, 2000, p. 15). Editorial de outra revista, quer seja no formato impresso ou
no eletrônico.”
As referências bibliográficas deverão ser apresentadas
no final do artigo, observando-se a norma da ABNT NBR Conflitos de interesse
6023:2000 (disponível em bibliotecas). Exemplos: Os trabalhos encaminhados para publicação deverão
conter informação sobre a existência de algum tipo de con-
Carvalho, A.I. Conselhos de saúde, responsabilidade flito de interesse entre os autores. Os conflitos de interesse
pública e cidadania: a reforma sanitária como reforma do financeiros, por exemplo, não estão relacionados apenas ao
Estado. In: Fleury, S.M.T. (Org.). Saúde e democracia: a luta financiamento direto da pesquisa, mas também ao próprio
do Cebes. São Paulo: Lemos, 1997. p. 93-112. vínculo empregatício.
Ética em pesquisa formulário para o parecer está disponível para consulta no
No caso de pesquisas iniciadas após janeiro de 1997 site da revista na Internet. Os pareceres sempre apresenta-
e que envolvam seres humanos nos termos do inciso II da rão uma das seguintes conclusões: aceito para publicação;
Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (pesquisa aceito para publicação (com sugestões não impeditivas);
que, individual ou coletivamente, envolva o ser humano de reapresentar para nova avaliação após efetuadas as modi-
forma direta ou indireta, em sua totalidade ou partes dele, ficações sugeridas; recusado para publicação.
incluindo o manejo de informações ou materiais) deverá ser Caso haja divergência de pareceres, o artigo será encami-
encaminhado um documento de aprovação da pesquisa pelo nhado a um terceiro conselheiro para desempate (o Conselho
Comitê de Ética em Pesquisa da instituição onde foi realizada. Editorial pode, a seu critério, emitir um terceiro parecer).
No caso de instituições que não disponham de um Comitê No caso de solicitação de alterações no artigo, poderão ser
de Ética em Pesquisa, deverá ser apresentada a aprovação pelo encaminhados em até três meses.
CEP onde ela foi aprovada. Ao fim desse prazo, e não havendo qualquer manifesta-
ção dos autores, o artigo será considerado como retirado.
Fluxo dos originais submetidos à publicação O modelo de parecer utilizado pelo Conselho Científico
Todo original recebido pela secretaria do Cebes é está disponível em: http://www.saudeemdebate.org.br
encaminhado ao Conselho Editorial para avaliação da
pertinência temática e observação do cumprimento das Envio do artigo
normas gerais de encaminhamento de originais. Uma vez Os trabalhos para apreciação do Conselho Editorial
aceitos para apreciação, os originais são encaminhados a devem ser enviados através do site da revista: www.saudee-
dois membros do quadro de revisores (pareceristas) da mdebate.org.br.
revista. Os pareceristas serão escolhidos de acordo com o
tema do artigo e sua expertise, priorizando-se conselheiros Endereço para correspondência
que não sejam do mesmo estado da federação que os auto- Avenida Brasil, 4.036, sala 802
res. Os conselheiros têm um prazo de 45 dias para emitir CEP 21040-361 – Manguinhos, Rio de Janeiro (RJ)
o parecer. Ao final do prazo, caso o parecer não tenha sido Tel.: (21) 3882-9140
enviado, o consultor será procurado e a oportunidade de Fax: (21) 2260-3782
encaminhamento a outro conselheiro será avaliada. O E-mail: revista@saudeemdebate.org.br
INSTRUCTION FOR AUTHORS - SAÚDE EM DEBATE
The magazine Saúde em Debate, created in 1976, is a Reviews
publication by Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Ce- Book reviews of interest for the health public policies
bes), directed to Public Policies in the health field. Published field will be accepted under the criteria of the Editorial Board.
every four months, in April, August and December, it is The texts must present a notion about the content of the
distributed to all of the associates in regular situation with paper, of its theoretical purposes and of the public to which
Cebes’ treasurer’s office. it is directed in two or three sheets.
It receives unpublished works under the form of origi-
nal articles, book reviews of academic, political and social Documents and declarations
interest and declarations. Papers referring to themes of historical or conjectural
The texts that are sent for publication are of total and interest will be accepted under the criteria of the Editorial
exclusive responsibility of the authors. Board.
The total or partial reproduction of the articles is per-
mitted, as long as identified the source and authorship. SECTIONS OF THE PUBLICATION
The publication of papers is conditioned to the opin-
ions of the Editorial Board Ad-Hoc established for each The magazine is structured with the following sections:
issue of the magazine. Occasional suggestions of alterations Editorial
in structure or content, from the Board, will be previously Presentation
resolved with the authors. Additions or modifications will Thematic articles
not be admitted once the works have been delivered for Free theme articles
composition. International Articles
Reviews
Declarations
MODALITIES OF TEXTS
Documents
ACCEPTED FOR PUBLICATION

TEXT PRESENTATION
Original articles
1. Research: articles that present final results of scien- Sequence of text presentation
tific researches, between 10 and 15 sheets. The articles may be written in Portuguese, Spanish or
2. Assays: articles containing a critical analysis about English.
a specific subject of relevant interest for the health policies The texts in Portuguese and Spanish must contain the
conjuncture in Brazil, between 10 and 15 sheets. title in the original language and in English. The texts in
3. Review: articles with a critical review of literature English must contain the title in English and in Portuguese,
about a specific subject, between 10 and 15 sheets. and it must express the content of the article clearly.
4. Experience report: articles containing descriptions The presentation sheet must have the author’s full name
of academic, attendance and extension experiences, between and, at the footnote, the professional references (containing
10 and 15 sheets. institutional affiliation and title) and e-mail for contact.
5. Opinion: restrictive authorship from guests by the When the article is a result of financed research, cite the
Scientific Editor of the magazine, and the size must be be- financing agency.
tween 10 to 15 sheets. In this kind of article, the Abstract Present the abstract in Portuguese and English, or Span-
is not necessary. ish and English, so that a summary of the purposes, methods
used and main conclusions of the paper is clear with the Cohn, A.; Elias, P.E.M.; Jacobi, P. Participação popular
minimum of three and maximum of five keywords, without e gestão de serviços de saúde: um olhar sobre a experiência do
exceeding the total of 700 letters (approximately 120 words). município de São Paulo. Saúde em Debate, Londrina (PR),
For the keywords, use the terms presented in the structured n. 38, p. 90-93, 1993.
vocabulary (DeCS), available on http://decs.bvs.br. In case the Demo, P. Pobreza política. São Paulo: Cortez, 1991.
keywords related to the theme of the article are not found, it
is possible to indicate terms or expressions commonly used. Text extension
After, the article itself is presented: The article must be typed on Microsoft® Word software,
a. the footnote markings must be superscribed. Ex: Sani- or compatible, in pattern page A4, font Times New Roman,
tary Reform1 size 12 and 1,5 between lines.
b. for words or extracts of the text that stand out under the
author’s criteria, use simple quotation marks. Ex: ‘front Declaration of authorship and responsibility
door’. According to the criteria of authorship of the Interna-
c. boards and graphs must be sent in high quality print- tional Committee of Medical Journal Editors, the authors
ing, black and white and/or gray scale, in sheets must contemplate the following conditions: a) to contrib-
that are apart from the text, numbered and correctly ute substantially for the conception and planning, or data
entitled, containing indications of the units in which analysis and interpretation; b) to contribute considerably for
are expressed the correspondent values and sources. the elaboration of the draft or critical review of the content;
The number of boards and graphs must be, at most, c) to participate in the approval of the final version of the
five per article. manuscript. For that, it is necessary to sign the following
d. the authors that are cited in the text must be written in Declaration of Authorship and Responsibility:
small letters (only the first one is capital), observing the
ABNT NBR 10520:2001 norm (available in libraries). “I certify that I have participated sufficiently for the
Ex: According to Mario Testa (2000). conception of this paper to make public my responsibility
e. bibliographical references must be presented in the text, for its content. I certify that the manuscript represents an
in parenthesis, with the name of the author in capital original paper and that not this manuscript nor any other
letters followed by the year and, in the case of a direct with a substantially similar content of my authorship has been
quotation, the indication of the page. Ex: (Miranda published or submitted to the analysis of an Editorial Board
Netto, 1986; Testa, 2000, p. 15). from another magazine, printed or electronic”.

Bibliographical references must be presented at the end Conflicts of interest


of the article, observing the ABNT NBR 10520:2001 norm The texts sent for publication must contain information
(available in libraries). on the existence of any kind of conflict of interest among the
authors. The conflicts of financial interest, for instance, are
Examples: not only related to the direct financing of the research, but
also to the employment bond itself.
Carvalho, A.I. Conselhos de saúde, responsabilidade
pública e cidadania: a reforma sanitária como reforma do Ethics in research
Estado. In: Fleury, S.M.T. (Org.). Saúde e democracia: a luta For researches initiated after January 1997 that involve
do Cebes. São Paulo: Lemos, 1997. p. 93-112. human beings under the terms of the incise II, Resolution
196/96 of the Health Councils (research that individually following conclusions: accepted for publication; accepted for
or collectively involves the human being, directly or indi- publication (with non restraining suggestions); present again
rectly, in its totality or partially, including the management for new evaluation after making the suggested modifications;
of information or materials), a document of approval of the refused for publication.
research by the Committee of Ethics in Research from the In case there is a divergence in reports, the article will
institution where it was developed must be sent. In the case be sent to a third counselor to decide (the Editorial Board is
of institutions that do not have a Committee of Ethics in allowed, under its criteria, to emit a third report). In the case
Research, an approval by the Post Office Region where it has of alteration requirements in the article, they can be sent in
been approved must be presented. up to three months.
At the end of this deadline, and if there is no mani-
Flow of originals submitted to publication festation from the authors, the article will be considered as
Every original received by Cebes’ office is forwarded to cancelled.
the Editorial Board for the evaluation of thematic pertinence The model of the report used by the Scientific Council
and the observation of the fulfillment of general rules for di- is available on http://www.saudeemdebate.org.br.
recting originals. Once they have been accepted for analysis,
the originals are forwarded to two members of the reviewer’s Sending the article
board (reporters) of the magazine. The reporters will be chosen The work to be analyzed by the Editorial Board must be
according to the expertise and the theme of the article, giving sent by the magazine’s website: www.saudeemdebate.org.br.
priority to counselors who are not from the same State of the
federation as the authors. The counselors have 45 days to Mail address
emit the report. On the deadline, if it has not been sent, the Avenida Brasil, 4.036, sala 802
consultant will be informed and the opportunity to forward it CEP 21040-361 – Manguinhos, Rio de Janeiro (RJ)
to another counselor will be analyzed. The form for the report Phone: (21) 3882-9140
is available for consultation in the website of the magazine Fax: (21) 2260-3782
in the internet. The reports will always present one of the E-mail: revista@saudeemdebate.org.br
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) Saúde em Debate REVISÃO DE TEXTO, PROOFREADING
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DIREÇÃO NACIONAL (GESTÃO 2009-2011) A revista Saúde em Debate é uma publicação quadrimestral
editada pelo Centro Brasileiro de Estudos de Saúde
Zeppelini Editorial Zeppelini Editorial
NATIONAL BOARD OF DIRECTORS (YEARS 2009-2011)
Presidente: Roberto Passos Nogueira
Primeiro Vice-Presidente: Luiz Antonio Neves EDITOR CIENTÍFICO / CIENTIFIC EDITOR IMPRESSÃO E ACABAMENTO PRINT AND FINISH
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Carlos Botazzo – USP (SP/Brasil)
Nelson Rodrigues dos Santos
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Diretor Ad-hoc: Paulo de Tarso Ribeiro de Oliveira Cornelis Johannes Van Stralen – UFMG (MG/Brasil) Esta revista foi impressa no Rio de Janeiro em Outubro de 2009. This publication was printed in Rio de Janeiro on October, 2009
Diana Mauri – Universidade de Milão (Itália)
Eduardo Maia Freese de Carvalho – CPqAM/FIOCRUZ (PE/Brasil) Capa em papel cartão supremo 250 gr Cover in premium card 250 gr
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Miolo em papel kromma silk 80 gr Core in kromma silk 80 gr
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José Carlo Braga – UNICAMP (SP/Brasil)
Assis Mafort Ouverney
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Paulo Marchiori Buss – FIOCRUZ (RJ/Brasil)
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Saúde em Debate, Revista do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, CEBES – v.1 (out./nov./
dez.1976) – São Paulo: Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, CEBES, 2009.

v. 33; n. 83; 27,5 cm



Quadrimestral
Apoio ISSN 0103-1104
A Revista Saúde em Debate é
associada à Associação Brasileira
Ministério da Saúde
1. Saúde Pública, Periódico. I. Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, CEBES
de Editores Científicos
CDD 362.1
Saúde em Debate v.33 n.83 set./dez. 2009 Cebes

Social da Saúde
Determinação
ISSN 0103-1104

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