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INTRODUÇÃO

1. Direito Penal
Conjunto de normas jurídicas que associam factos penalmente relevantes
uma determinada consequência jurídica, uma sanção jurídica ou, conjunto de
normas jurídicas que fazem corresponder a uma descrição de um determinado
comportamento uma determinada consequência jurídica desfavorável.
A esses factos penalmente relevantes correspondem determinadas sanções
jurídico-penais, que são basicamente:
- As penas, e as principiais são:
 Prisão;
 Multa.
- As medidas penais, e as principiais são:
 Medidas de segurança;
 Medidas de correcção.
a) Medidas de segurança
Têm um carácter essencialmente preventivo, embora sejam sempre pós-
delituais e são baseadas na perigosidade do delinquente.
No âmbito do Direito Penal vigora o princípio da culpa que significa que toda
a pena tem como suporte axiológico normativo uma culpa concreta; a culpa é
simultaneamente o limite da medida da pena.
Ou seja, quanto mais culpa o indivíduo revelar na prática de um facto
criminoso, maior será a pena, quanto menor a culpa menor será a pena.
O fundamento para a aplicação de uma medida de segurança, não pode ser a
culpa, mas sim a perigosidade, ou seja, justifica-se a imposição daquela
medida de segurança quando há suspeita de que aquele indivíduo que cometeu
aquele facto penalmente relevante volte a cometer novo ilícito, de gravidade
semelhante.
b) Medidas de correcção
São medidas (penais) que se aplicam a jovens delinquentes.
A partir dos 16 anos, o indivíduo tem plena capacidade de culpa e sobre ele
pode recair uma pena: pena de prisão ou pena de multa. Antes dos 16 anos, o
indivíduo é inimputável.
c) Penas
Sanção característica do Direito Penal. Prevista e regulada nos arts. 40º segs.
CP.
A pena de prisão tem um limite mínimo de um mês e um limite máximo de 20
anos podendo ir até aos 25 anos em determinados casos (art. 41º CP).
A pena de multa tem um limite mínimo de 10 dias e um limite máximo de 360
dias (art. 47º CP).
A pena de prisão distingue-se da pena de multa:
- A pena de prisão é uma pena privativa da liberdade, em que o indivíduo é
encarcerado num determinado estabelecimento prisional onde cumpre a
pena, vendo a sua liberdade de movimentação coactada;
A pena de multa é uma pena de natureza essencialmente pecuniária, se
-
o juiz condenar alguém pela prática de um crime com uma pena de multa
e esta não paga, ela tem a virtualidade de ser convertível em prisão.
2. Definição estrutural de Direito Penal
Direito Penal é composto por um conjunto de normas jurídicas com uma
determinada estrutura. Essa estrutura é a descrição de um facto, de um
comportamento humano que é considerado crime ou contravenção, a que
corresponde uma sanção jurídico-penal1 . [1]

Estrutura da norma penal:


- A descrição de um facto – previsão;
- A sanção jurídica que corresponde à prática desse facto – estatuição.
Mas nem sempre as incriminações ou crimes estão descritos pressupondo da
parte do agente, um comportamento activo; em Direito Penal são crimes não só
determinadas acções, como também determinadas omissões.
Pune-se não a actividade, mas precisamente o “non facere”, uma omissão,
uma inactividade, quando a lei obrigava, naquelas circunstâncias, a que a
pessoa actuasse. A norma tem uma estrutura decomposta numa previsão e
numa estatuição.
- A estrutura das normas penais insertas na parte especial tem, de um
modo geral, esta bipartição entre uma previsão e uma estatuição;
- As normas da parte geral permitem de alguma forma encontrar princípios
e preceitos que contemplam o que está na parte especial.

3. Crítica há definição estrutural da norma penal


Esta definição estrutural do Direito Penal não nos resolve o problema de
saber se, em determinados campos em que também são aplicadas
consequências jurídicas desfavoráveis a pessoas que cometem determinados
factos relevantes, se isso é ou não Direito Penal, poderá não ser: poderá ser por
hipótese direito disciplinar, ilícito da mera ordenação social; ilícito das
contravenções (coimas) etc.
Também nestes casos é cominada uma consequência jurídica desfavorável
(uma estatuição) para quem incorre num determinado facto previsto.
O objecto do Direito Penal são os factos penalmente relevantes, sendo os
de maior importância os crimes.

4. Definição formal e material de crime


Formalmente pode-se dizer que o crime é uma acção ou um facto típico, ilícito
e culposo.
Portanto, os crimes principais encontram-se na parte especial do CP. Mas
encontram-se muitos crimes tipificados em outros diplomas legislativos: Decreto-
lei2 , leis.
[2]

Materialmente, crime é todo o comportamento humano que lesa ou ameaça


de lesão (põe em perigo) bens jurídicos fundamentais.
1[1]
Vulgarmente uma pena.
2[2]
Mediante autorização da Assembleia da República.
Existe um princípio basilar e que dá consistência à criminalização de
comportamentos que é o princípio da subsidiariedade do Direito Penal.
O Direito Penal ao intervir, só deve emprestar a sua tutela, só está legitimada
a intervir para tutelar determinados bens de agressões humanas quando essa
tutela não puder ser eficazmente dada através de outros quadros sancionatórios
existentes no ordenamento jurídico. Ou seja, quando do direito civil, do direito
administrativo, não forem suficientemente eficazes para acautelar esses bens
jurídicos que as normas de Direito Penal procurem acautelar.
Bens jurídicos são valores da ordem ideal que o legislador considera, muitas
vezes por opção de para política, outras por opção de política penal ou política
criminal, procurando dar tutela jurídica. São bens jurídicos:
- Vida;
- Integridade física;
- Honra;
- Liberdade;
- Propriedade;
- Património em geral;
- Liberdade de movimentação;
- Liberdade de decisão; etc.
Por detrás de cada tipo legal de crime, encontram-se sempre a necessidade
de tutelar um ou mais bens jurídicos.
Não é legítima a criação de um comportamento criminoso, a criação de uma
incriminação, sem que por detrás dessa incriminação se tentem proteger bens
jurídicos fundamentais.
Formalmente o Direito Penal está legitimado pelas normas constitucionais,
mormente o art. 18º CRP, a Constituição aponta determinados critérios que o
legislador ordinário em matéria penal não pode ultrapassar. As normas penais
têm de estar em harmonia com as orientações constitucionais.
Mas, não é o legislador penal que cria o bem jurídico. O bem já existe porque
é um valor de ordem ideal, de ordem moral. Simplesmente o legislador, ao
atribuir-lhe tutela penal, transforma-o em bem jurídico.
A intervenção do Direito Penal por força do princípio da subsidiariedade só se
justifica quando seja para acautelar lesões ou ameaças de lesões de bens
jurídicos fundamentais.

5. Direito Penal no quadro das ciências penais


O Direito Penal é composto por um conjunto de normas jurídicas que têm a
virtualidade de associar a factos penalmente relevantes – os crimes e as
contravenções – determinadas consequências jurídico-penais.
- Formalmente, o Direito Penal é legitimado pelas próprias normas
constitucionais e a visão constitucional do funcionamento do Estado e da
sociedade é reflectida depois pelo legislador em sede de Direito Penal;
- Materialmente, aquilo que legitima o Direito Penal é a própria manutenção
do Estado e da própria sociedade.
Portanto, o Direito Penal só deve intervir quando e onde se torne necessário
para acautelar a inquebrantibilidade social.
Saber quais os bens estes valores da ordem moral e ideal que devem carecer
de disciplina jurídica e de tutela penal, pode fazer-se através de duas maneiras:
1) Através de um processo intra-sistemático, ou seja, inerente ao sistema:
averiguar quais são as incriminações constantes de legislação penal, quer
da parte especial do Código Penal, quer de legislação penal extravagante
ou avulsa; verificar que comportamento é que o legislador penal, face ao
direito vigente, considera como tal; saber depois de por detrás dessas
incriminações se encontram sempre bens jurídicos que o legislador
pretende tutelar.
2) Através de um plano sistemático crítico: indagam que valores, que bens,
carecem de tutela penal.
O Direito Penal é talvez o ramo de direito que mais próximo se encontra do
ordenamento moral. Muitos comportamentos que são considerados como
criminosos, não deixam de reflectir uma certa carga moral.

6. Princípio da subsidiariedade do Direito Penal


O Direito Penal só deve intervir quando a tutela conferida pelos outros ramos
do ordenamento jurídico não for suficientemente eficaz para acautelar a
manutenção desses bens considerados vitais ou fundamentais à existência do
próprio Estado e da sociedade.
A este carácter subsidiário do Direito Penal, que se resume dizendo que o
Direito Penal intervém como ultima “ratio” no quadro do ordenamento jurídico
instrumental, deve opor-se um outro princípio que é o princípio da
fragmentariedade do Direito Penal, o Direito Penal não deve intervir para
acautelar lesões a todos e quaisquer bens, mas tão só àqueles bens
fundamentais, essenciais e necessários para acautelar a inquebrantibilidade
social.
O carácter subsidiário e fragmentário do Direito Penal deve ser também
analisado em consonância com outro princípio fundamental que é o princípio
da proporcionalidade.
Tal como Gallas dizia: “não se devem disparar canhões contra pardais,
mesmo que seja a única arma de que disponhamos”.
Significa isto que há que medir em termos de proporção, em termos de
grandeza, a necessidade que há de tutelar um bem fundamental, sendo certo
que a intervenção do Direito Penal, por força das sanções jurídicas que lhe são
características, colide com o direito de liberdade que é um direito fundamental
do cidadão.
O Direito Penal só deve intervir quando a sua tutela é necessária e quando
se revela útil, quando tem alguma eficácia.

7. Âmbito e disciplina do Direito Penal


Segundo um critério que separa entre aplicação, criação e execução dos
preceitos de natureza penal, pode-se distinguir entre:
- Direito Penal material ou substantivo;
- Direito Penal adjectivo, formal ou Direito Processual Penal;
- Direito Penal da execução, também designado por Direito Penal
executório ou direito da execução penal.
A dogmática jurídico-penal, ou dogmática penal, é uma ciência normativa
que tem como fundamento e limite à lei positivada, a lei vigente. Neste caso, a
lei penal.
A dogmática parte da elaboração de conceitos que arruma num edifício lógico
e que vem permitir uma aplicação certa, segura e uniforme da lei penal, ou seja:
- Afirma-se que um crime é uma acção ou um facto típico, ilícito, culposo e
punível é obra dogmática;
- Afirmar-se, por exemplo, que um facto ilícito é um facto típico não
justificado, é também obra da dogmática jurídico-penal.

8. O que é a culpa?
É um juízo de censura formulado pela ordem jurídica a um determinado
agente.
Censura-se ao agente o facto de ele ter decidido pelo ilícito, o facto de ele ter
cometido um crime, quando podia e devia ter-se decidido diferentemente, ter-se
decidido de harmonia com o direito.
Dentro do âmbito e delimitação do Direito Penal, pode-se distinguir três
conceitos:
1) Crimes;
2) Contravenções;
3) Contra-ordenações.

9. Principais diferenças de regime entre contravenção e crime


Nas contravenções não se pune nunca a tentativa, diferentemente do que
acontece no âmbito dos crimes por força do preceituado nos art. 22º e 23º CP,
ou seja, não há facto contravencional tentado, enquanto que há
responsabilidade por crimes praticados na forma tentada.
Não se pune a cumplicidade no âmbito das contravenções; ao passo que os
cúmplices dos crimes são punidos com as penas fixadas para os autores,
especialmente atenuadas, conforme preceitua o art. 27º/2 CP.
Quanto aos prazos de prescrição do procedimento criminal, tanto maiores
são quanto maiores forem as penas.
Tendencialmente é verdade que as contravenções são menos graves que os
crimes; por força do princípio da proporcionalidade, que é também um princípio
de política penal, a facto menos graves devem corresponder sanções menos
graves; onde, as contravenções são menos sancionadas que os crimes; logo,
se os prazos de prescrição do procedimento criminal são mais amplos
consoante maiores forem as penas, então se pode dizer que os prazos de
prescrição do procedimento criminal são mais curtos no âmbito das
contravenções do que no âmbito dos crimes (art. 117º CP).
É admissível a extradição em matéria de crime; não se admite extradição se
se tratar de uma contravenção.
No âmbito dos crimes, só há responsabilidade criminal se os factos forem
praticados dolosamente; ressalva-se a excepção do art. 13º CP, e a
responsabilização criminal por facto negligente, quando a lei expressamente o
disser.
Nas contravenções é indiferente a responsabilização fundada em facto
doloso ou facto negligente.

10. Semelhanças entre ilícito penal e o ilícito de mera ordenação social


Ambos os ilícitos tentam proteger valores dignos de protecção legal.
O ilícito penal empresta, efectivamente, a protecção jurídico-penal, e o ilícito
de mera ordenação social empresta uma tutela administrativa.
Para prevenir violações a esses interesses que carecem de protecção legal,
ambos os ilícitos impõem aos infractores consequências jurídicas desfavoráveis.
Por outro lado, o crime tem de ser um facto típico. Também a contra
ordenação tem de ser tipificada na lei; conforme a definição do art. 1º CP.
O crime tem de ser um facto ilícito, contrário à lei. Por força do disposto no
art. 1º DL 433/82, também a contra-ordenação.
O crime é um facto censurável e a contra-ordenação também.

11. Diferenças entre ilícito penal e ilícito de mera ordenação social


Os seus fins:
Âmbito de aplicação, enquanto que no âmbito do ilícito penal se exige sempre
a intervenção judicial, não se pode aplicar nenhuma sanção jurídico-penal sem a
intervenção dos tribunais.
Quem aplica as coimas no ilícito da mera ordenação social é a administração;
só em caso de não conformação é que poderá haver recurso para os tribunais
comuns3 . [3]

As sanções dos ilícitos são diferentes:


- A sanção característica do ilícito penal é a pena que assume duas
modalidades:
 Pena de multa, de natureza essencialmente pecuniária, mas que,
quando não paga, pode ser convertida em pena de prisão;
 Pena de prisão, que consiste numa privação da liberdade humana.
- A sanção do ilícito de mera ordenação social é a coima, que tem uma
natureza pecuniária e que, quando não paga, não pode ser convertida em
prisão.
No ilícito penal é possível a prisão preventiva. No ilícito da mera ordenação
social, não é admissível a prisão preventiva; é, contudo possível a detenção por
24 horas para identificação do suspeito.
No âmbito do ilícito penal, por regra e por força do art. 11º CP, vigora o
princípio da personalidade, salvo disposição em contrário, só as pessoas
singulares são susceptíveis de responsabilidade criminal. Diferentemente
sucede no ilícito da mera ordenação social, em que as pessoas colectivas
podem ser sancionadas (art. 7º DL 433º/82). Não há impedimento conceitual à
aplicação de coimas a pessoas colectivas, diferentemente do que sucede
enquanto regra no âmbito do Direito Penal.

3[3]
E não tribunais administrativos.
12. Direito Penal geral e Direito Penal especial
A base da distinção encontra-se no art. 8º CP.
Quando se fala no artigo em Direito Penal militar e Direito Penal da marinha
mercante, isso são fundamentalmente leis penais específicas, ou seja, leis que
têm a ver com a categoria funcional de determinadas pessoas e que valem,
portanto, dentro de determinados limites. Aplicam-se, como os nomes indicam,
aos agentes que detêm essas qualidades.
Portanto, as disposições deste código penal aplicam-se não só ao Direito
Penal, como à restante legislação especial.
Significa, pois que o código penal está dividido em duas partes:
- Uma parte geral, que vai até o art. 130º CP, inclusive;
- Uma parte especial, que vai do art. 131º CP, em diante.
Há leis de carácter pessoal4 que saíram posteriormente à feitura e à
[4]

elaboração do código penal.


Leis há que ainda não estão suficientemente maduras ou experimentadas,
para passarem a integrar imediatamente a parte especial do código penal, e
consequentemente não têm aquele carácter de estabilidade que devem ter as
normas constantes de um código.

TEORIA DO BEM JURÍDICO

13. Noção
Essência do Direito Penal como objectivo de proteger bens jurídicos
fundamentais.
O Prof. Figueiredo Dias define bem jurídico como, expressão de um interesse
de uma pessoa ou da comunidade, integridade do Estado, vão-se sentar na
própria pessoa ou na comunidade.
Trata-se do objecto do Direito Penal, objecto que é em si mesmo
socialmente relevante fundamental para a integridade do Estado.
A noção material de crime era todo o comportamento humano que lesava ou
ameaçava de lesão bens jurídicos fundamentais.
A ideia de que o crime lesa bens fundamentais e não direitos remonta a
Birnbaum (séc. XIX), que vem dizer que os crimes não lesam direitos, mas sim
bens, isto é, entidades para além da própria ordem jurídica.
Os bens jurídicos não são realidades palpáveis, concretas, são antes valores
da existência social.
Não é efectivamente o legislador que cria esses bens, pois eles já existem,
preexistem, sendo certo obviamente que quando o legislador lhes confere tutela
jurídica transforma esses bens em bens jurídicos.
Estes bens são interesses da coexistência social, são valores reputados
fundamentais à própria existência da sociedade organizada em termos de
4[4]
Direito Penal especial.
Estado. Os comportamentos que agridam lesem, ponham em causa, façam
perigar esses interesses, devem ser objecto de uma reacção.
O Direito Penal não deve intervir para tutelar todo e qualquer bem jurídico; o
Direito Penal deve intervir apenas para tutelar as ofensas mais graves a esses
bens jurídicos que, por outro lado, têm de ser bens jurídicos fundamentais, daí
carácter subsidiário e fragmentário do Direito Penal.
O Direito Penal só deve intervir para proteger bens jurídicos fundamentais, ou
seja, valores, interesses sociais e individuais juridicamente reconhecidos quer do
próprio, quer da colectividade, em virtude do especial significado que assumem
para a sociedade e das suas valorações éticas, sociais e populares.
O Direito Penal justifica a sua intervenção não só devido à natureza dos bens
jurídicos em causa, que têm de ser bens jurídicos fundamentais, mas também
atendendo à intensidade da agressão que é levada a cabo para com esses bens
jurídicos fundamentais.

14. Evolução do conceito de bem jurídico


Existem várias perspectivas
a) Concepção liberal ou individual
Ligada ao liberalismo e a Füerbach, constata-se que há crime quando se
verifica uma lesão de bens jurídicos que estão concretizados na esfera jurídica
de um certo indivíduo. Portanto, uma lesão de valores ou interesses que
correspondem a bens jurídicos subjectivos.
b) Concepção metodológica de bem jurídico
Procuram ver no bem jurídico um papel voltado para uma função
interpretativa. Fornecer fórmulas para interpretar as normas. Instrumento de
interpretação dos tipos legais de crimes. O bem jurídico tem como papel
fundamentar a intervenção do Direito Penal.
c) Concepção social
Independentemente destes valores e interesses estarem subjectivados,
concretizados na esfera jurídica de um indivíduo, podendo estar efectivamente
imanentes à colectividade social.
Não necessitam, de ser individualmente encabeçados na esfera social de um
determinado sujeito em concreto. Os bens jurídicos são vistos numa óptica
social, como bens universais pertencentes à colectividade.
d) Concepção funcional
Podia-se ver nos bens jurídicos, funções que esses mesmos bens jurídicos
desempenhavam para o desenvolvimento da própria sociedade, as funções
sociais desempenhadas por esses bens.

15. O bem jurídico hoje: concepção mista


O Prof. Figueiredo Dias, diz que os bens jurídicos são uma combinação de
valores fundamentais, por referência à axiologia constitucional.
São bens jurídicos fundamentais por referência à Constituição, aqueles que
visam o bom funcionamento da sociedade e das suas valorações éticas, sociais
e culturais. Portanto, uma concepção mista em que se dá ênfase a uma
combinação individualista, social ou mesmo funcional do bem jurídico.
Os bens jurídicos tutelados pelas diferentes incriminações têm de estar de
acordo com a Constituição, significando isto que: tem de estar em harmonia com
o princípio da representatividade política e com o princípio da reserva de lei
formal, é a Assembleia da República que deve efectivamente escolher quais
esses valores, quais esses interesses que carecem de tutela jurídico-penal.

16. Princípios fundamentais5 [5]

De harmonia com os princípios imanentes a um Estado de direito democrático


deve-se dizer que só deve haver criminalização de comportamentos humanos
quando a tutela conferida por outros ramos de direitos não seja suficiente para
acautelar esses bens jurídicos, é o princípio da subsidiariedade do Direito Penal.
As restrições limitam-se ao necessário, ou seja, se outros ramos do direito
através das suas sanções, forem suficientes para acautelar a manutenção
destes bens jurídicos, então não se impõe a tutela do Direito Penal, porque ela
deixa de ser necessária, é o princípio da necessidade.
Conjugam-se os princípios da necessidade e da subsidiariedade, o Direito
Penal só deve intervir quando estejam em causa bens jurídicos fundamentais e
que outros ramos de direito não sejam suficientes para salvaguardar os bens
jurídicos. A ideia de necessidade – a pena deve ser necessária.
Por outro lado, de harmonia com o princípio ou com o carácter fragmentário
do Direito Penal, não são todos os bens jurídicos que o Direito Penal deve
tutelar, mas tão só os que o art. 18º CRP indica: os bens fundamentais.
O princípio da proporcionalidade, a intensidade com que se devem restringir
direitos fundamentais do cidadão é variável consoante a necessidade maior ou
menor que há de tutelar outros bens jurídicos fundamentais, por referência à
gravidade dos bens jurídicos em questão.
A teoria do bem jurídico, legítima a intervenção do Direito Penal nos quadros
valorativos do art. 18º CRP, tendo efectivamente um poder muito forte de critica
argumentativa e permite ao legislador, ou ao jurista verificar:
Por um lado, se esses bens jurídicos que o legislador resolve tutelar
quando cria incriminações são:
- Bem jurídico fundamental, se o não forem, a tutela do Direito Penal é
inconstitucional;
- Permite verificar se a intensidade da agressão justifica a tutela do Direito
Penal, isto é, se é efectivamente necessária a tutela do Direito Penal ou se
outra tutela será suficiente.
Por outro lado, permite dizer se o legislador ordinário respeitou a
axiologia constitucional nas diferentes incriminações e nas inserções
sistemáticas dos diferentes tipos legais de crime; permite verificar também
se o princípio da proporcionalidade do Direito Penal, assente em que, as
diferentes gravidades de ilícito devem corresponder diferentes penas, se
isso é ou não observado.

17. Relação ordem jurídica penal e ordem jurídica constitucional

5
O Prof. Figueiredo Dias, diz que existe uma axiologia constitucional, os bens
jurídicos, são exclusivamente definidos na Constituição. Mútua referência, só
não ordem constitucional, é possível identificar os bens jurídicos que a ordem
jurídica vai defender.
A restrição do Direito Penal é a restrição de uma tutela de bens jurídico
constitucionalmente consagrados. Compromisso de ter de proteger os bens
jurídicos constitucionalmente consagrados.
- Direito Penal de justiça ou clássico ou primário: corresponde ao
núcleo de bens jurídicos consagrados constitucionalmente, estando
consagrados no Código Penal;
- Direito Penal secundário: todos os bens jurídicos que estavam na
Constituição, mas não nos direitos, liberdade e garantias, não devem ser
tratados no Código Penal, mas em legislação avulsa.
Não há uma exclusiva vinculação da ordem penal à constitucional. A ordem
constitucional identifica valores fundamentais, na ordem social, encontram-se
valores que podem fazer intervir o Direito Penal, valores que poderão não estar
referidos constitucionalmente.
Não há correspondência total da ordem penal na ordem constitucional
6[5]
Art. 18º/2 CRP.

TEORIA DOS FINS DAS PENAS

18. Introdução
O Direito Penal pode encontrar legitimação a partir de duas ideias
fundamentais:
- Da teoria do bem jurídico;
- Da teoria dos fins das penas.
No âmbito dos fins das penas, pode-se distinguir, fins de duas naturezas: fins
mediatos e fins imediatos:
- Como fins mediatos das penas tem-se os fins do Estado;
- Como fins imediatos das penas tem-se a ideia de retribuição e de
prevenção.
O Direito Penal é um ramo de direito produzido pelo Estado e como tal, deve
em última análise prosseguir fins imanentes a esse mesmo Estado.
A finalidade das penas7 pode ser vista não numa óptica mediata de
[6]

finalidades a prosseguir pelo próprio Estado, mas numa óptica formal e


abstracta.
Três finalidades podem ser prosseguidas com os fins imediatos das penas:
1) Ideia de retribuição;
2) Ideia de prevenção:
a) Geral;
b) Especial.

6
7[6]
Pena, sanção característica do Direito Penal determinadas pela lei.
As penas servem para retribuir o mal a quem praticou o mal, esta é a teoria
retributiva das penas: tem uma finalidade retributiva.
Ou então poder-se-á dizer que as penas servem para fazer com que as
pessoas em geral não cometam crimes, uma finalidade de prevenção geral.
Ou dizer que as penas servem para que a pessoa que é condenada a uma
pena e que a tenha de cumprir não volte ela própria a cometer crimes, tem-se
aqui uma finalidade de prevenção especial.
A estas ideias subjacentes aos fins das penas, há que distinguir entre:
- Teorias absolutas das penas;
- Teorias relativas das penas.

19. Teorias absolutas – teoria da retribuição ou retributiva


Apresenta a ideia de que as penas são um mal que se impõe a alguém, por
esse alguém ter praticado um crime. Significa a imposição de um mal a quem
praticou um mal, uma ideia de castigo. Escolhe-se uma pena que corresponde a
determinado facto, deve ter correspondência com a proporcionalidade na
responsabilidade do agente.
É uma teoria inadequada para fundamentar a actuação do Direito Penal,
embora este tenha um fim de retribuição, não pode ter a teoria da retribuição
como fim em si mesmo.

20. Teorias relativas


a) Teoria da prevenção8 :
[7]

Numa óptica de prevenção geral, pode-se dizer que as penas pretendem


evitar que as pessoas em geral cometam crimes.
Numa óptica da prevenção especial, pode-se verificar que o direito penal, ao
submeter um indivíduo a uma sanção por um crime que ele cometeu, pretende
evitar que esse indivíduo volte a cometer crimes. Fá-lo por duas vias:
1) Ou porque esse indivíduo é segregado, isto é, enquanto está a cumprir
pena tem a impossibilidade de reincidir;
2) Ou então, já não assente na ideia de segregação, mas numa ideia de
regeneração, de recuperação ou de ressociabilização, através de um
tratamento que lhe será submetido no âmbito do cumprimento da pena.
O Direito Penal é chamado a retribuir um crime, mas é concebido com uma
ideia de prevenir (teoria da prevenção geral). O objectivo da pena é
essencialmente o objectivo de exercer uma influência na comunidade geral –
ameaçar se cometer um crime, pois ao cometer fica submetido a uma
determinada pena – prevenir a prática de crimes.
Füerbach, cria a “teoria psicológica da coacção”, as infracções que as
pessoas cometem têm, um impulso psicológico, a função da pena é combater
esse impulso de cometer crimes.
Intimida-se as pessoas, com esta coacção para que os cidadãos em geral não
cometam crimes. Esta prevenção geral divide-se em:
- Prevenção geral positiva, revelar à comunidade o que acontece se
praticar um crime;
8[7]
Geral ou especial.
- Prevenção geral negativa revelar a intimidação.
Aparece a teoria da prevenção especial, tem também a ideia de prevenção,
mas a prevenção já não é a comunidade em geral, mas sim a prevenção do
indivíduo, ou seja, que o agente não volte a cometer um crime. Pretende evitar a
reincidência.
Os principais defensores da teoria da prevenção especial asseguram-na de
três formas9 : [8]

1) Salvaguardar a comunidade do delinquente;


2) Intimidar o autor 10 com a pena;
[9]

3) Evitar a reincidência11 . [10]

É a teoria que mais se opõe à retributiva. O Direito Penal é cada vez mais
dirigido à pessoa do criminoso, criando condições para o sociabilizar. É alvo de
críticas.
Tal como a prevenção geral, não nos fornece um critério de quanto e a
duração das penas. Os sistemas (teorias) desenvolvidos por si só são falíveis,
começando a se desenvolver teorias mistas.

21. Teoria dialéctica dos fins das penas


Klaus Roxin desenvolve esta teoria mista, dizendo que cada uma das teorias
per si, de importância solada são insuficientes para justificar os fins das penas.
Engloba três fases:
1) Fase da ameaça penal: a formulação de um preceito legal,
abstractamente definido na lei, em que existe a tipificação do
comportamento como criminoso e os estabelecimentos da sanção
correspondente; os fins das penas seriam predominantemente de
natureza, de prevenção geral;
2) Fase da condenação: fase em que o indivíduo que cometeu um crime vai
ser julgado e em que o juiz lhe comunica a pena aplicável, momento da
retribuição;
3) Fase da execução da pena: em que a finalidade da pena estaria aqui
numa óptica de prevenção especial, de recuperação ou ressociabilização
do delinquente.

22. Outras teorias


a) Teorias unificadoras retributivas
Viam no Direito Penal o fim retributivo (fim essencial), mas partindo das
insuficiências da retribuição iam apontar ao Direito Penal a finalidade de
prevenção.
b) Teorias unificadoras preventivas
Dois objectivos:
- Aproveitar o que têm de positivo a prevenção especial e geral;
9[8]
Quando se aplica uma pena a um indivíduo.
10[9]
Aquele que praticou o facto.
11[10]
A pena serve para corrigir o delinquente.
- Criar o que falta nelas, a prevenção.
Características:
- Os fins das penas são essencialmente e exclusivamente preventivos;
- Renúncia de toda a ideia de retribuição;
- Princípio da culpabilidade para a limitação da pena vai-se ter em conta a
culpa do agente12 . Apenas não pode ultrapassar a medida de culpa. Ao
[11]

grau de culpa vai-se encontrar a medida da pena 13 . [12]

O Código Penal assume princípios de prevenção especial e um misto de


prevenção geral – teorias unificadoras preventivas.
Sistema exclusivamente preventivo em que se procura fazer uma coexistência
dos princípios de prevenção especial e geral.
Função da tutela necessária dos bens jurídicos – objectivos de
ressociabilização do agente encontrando o limite da pena, a culpa.

TEORIA DA LEI PENAL

23. Síntese histórica


A primeira manifestação de direito organizado na península ibérica – período
visigótico – relativo ao Direito Penal foi o Código Visigótico, que tentava restringir
o poder do imperador, e o máximo de obediência à lei, referência a
incriminações de carácter doloso.
Influência árabe, período da reconquista, não há uma lei concreta.
No séc. XII e XIII, formas de organização do Estado – período afonsino.
Concentra-se nos reis os poderes, tendo o mesmo monopólio do poder de punir.
Há tentativas de organizar o poder – centralização do poder real, limitar as
questões de justiça privada. Atribuir exclusividade de repressão pública. As
penas eram marcadas por grande crueldade.
Nos livros das ordenações há uma linha idêntica na matéria de punição, estas
ordenações mantiveram-se até ao séc. XIX (1852).
Características das ordenações:
- Casuísmo: direito casuísta evolui na aplicação concreta de casos a caso;
- Arbitrariedade: o juiz tinha uma longa margem de discricionariedade de
fazer funcionar as penas daquele que estava perante si, as penas eram
transmissíveis;
- Desigualdade: as penas eram aplicadas em conformidade com a posição
social do acusado.

12[11]
Limita a intervenção penal.
13[12]
Vai limitar a medida da pena.
Este período dura até ao constitucionalismo liberal 14 . Há uma tentativa de
[13]

criação de um Código Penal em 1779, é inspirado pelos movimentos europeus


de Direito Penal15 . [14]

No séc. XIX – 1822 – com a constituição liberal vem reorganizar o Estado


português – corte com o regime das ordenações contendo princípios de Direito
Penal.
- Princípio da humanização das penas passou a ser proibido certas penas
cruéis;
- Combater a desigualdade das penas;
- Necessidade das penas;
- Princípio da proporcionalidade das penas;
- Acabar com a transmissibilidade da responsabilidade criminal.
Em 1852 é feito o primeiro Código Penal Português, transpõe para o Direito
Penal os princípios penas consagrados.
Em 1886 é feito um novo Código Penal, não mais do que o Código Penal de
1852 com algumas alterações.
Em 1954 é reformado, autoria de Cavaleiro Ferreira.
O Código Penal de 1982 consiste nos projectos e ante-projectos do Prof.
Eduardo Correia:
- De 1963, no que à parte geral diz respeito;
- De 1966, no que à parte especial diz respeito.
Sofre alterações em 1984 e uma profunda alteração de 195, dirigida por
Figueiredo Dias, alteração à parte especial.

PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

24. Fundamentos
O Direito Penal funda-se na Constituição, as normas penas ordinárias são
autorizadas, são delegadas por outras normas, essas de natureza constitucional.
Na Constituição encontram-se vários conjuntos de normas que conexionam
directamente com o Direito Penal.
Em primeiro lugar encontram-se um grupo de normas que proíbem certas
penas e certas medidas de segurança16[15]. Neste sentido pode-se ver aqui que
este conjunto de normas constitucionais que proíbem certas penas ou certas
medidas de segurança filiam-se num princípio de política penal, que é o
princípio da humanidade das penas.
Mas na Constituição encontram-se também normas que proíbem a
transmissibilidade das penas; o art. 30º/3 CRP, consagra assim, o princípio da
intransmissibilidade das penas e acolhe o carácter pessoal da responsabilidade
penal (art. 11º CP).
14[13]
Carta constitucional de 1822.
15[14]
Projecto de Melo Freir procura a humanidade das penas.
16
[15] Arts. 24º/2, 25º/2, 30º/1 e 2, 33º/1 e 3, 30º/4 CRP.
A Constituição contém também um conjunto de normas que delimitam a
aplicação no tempo das leis penais e fixam o âmbito da sua interpretação (art.
29º CRP):
- Art. 29º/1, proíbe-se a retroactividade das leis penais incriminadoras;
- Art. 29º/3, proíbe a integração de lacunas em Direito Penal por analogia;
- Art. 29º/4, impõe obrigatoriamente a retroactividade das leis penais mais
favoráveis ao agente;
- Art. 29º/5, consagra-se o princípio “ne bis in idem”, ou seja, o princípio de
que ninguém pode ser condenado mais do que uma vez pela prática do
mesmo facto.
Também os princípios gerais de direito internacional são fonte de Direito
Penal (art. 29º/2 CRP).
O Direito Penal funda-se também no sentido de que o legislador ordinário
deve de alguma forma dar acolhimento e plasmar a axiologia ou a valoração
constitucional.
Diz-se que as valorações, as opções axiológicas constitucionais devem ser
respeitadas pelas normas penais, porque é a Constituição que contem os
valores que o Direito Penal deve proteger (art. 18º CRP):
- Princípio da necessidade da pena: da máxima restrição da pena e das
medidas de segurança;
- Princípio da intervenção mínima do Direito Penal, ou da subsidiariedade
do Direito Penal;
A lei, só pode intervir para restringir ou limitar direitos, liberdades e garantias
fundamentais quando isso se revele absolutamente imprescindível para
acautelar outros direitos tão fundamentais.
- Princípio da jurisdicionalidade da aplicação do Direito Penal ou
princípio da mediação judicial (arts. 27º/2, 33º/4, 30º/2 CRP):
As sanções de Direito Penal e a responsabilidade criminal de uma pessoa só
podem ser decididas pelos tribunais, que são órgãos de soberania,
independentes, órgãos que julgam com imparcialidade.
Outro princípio fundamental que norteia todo o Direito Penal é o princípio da
legalidade, na sua essência visa a submissão dos poderes estabelecidos à lei,
traduz-se numa limitação de poderes estabelecidos pela própria lei.

25. Decorrência do princípio da legalidade


Princípio “nullum crimen, nulla poena sine lege”, ou seja, princípio de que não
há crime nem pena sem lei, extrai-se o seguinte:
- Não pode haver crime sem lei;
- A lei que define crime tem de ser uma lei precisa – “nullum crimen nula
poena sine lege certa”;
- Proíbe-se a retroactividade da lei pena – “nullum crimen nulla poena sine
lege previa”;
- Proíbe-se a interpretação extensiva das normas penais incriminadoras –
“nullum crime nulla poena sine lege strica”;
- Proíbe-se a integração de lacunas por analogia e impõe-se a
retroactividade das leis penais mais favoráveis.
Por outro lado, o princípio da legalidade impõe particularidades no âmbito da
competência para a criação de normas penais incriminadoras e normas penais
favoráveis.
O princípio da legalidade impõe a exigência da intervenção judicial ou da
imediação judicial na aplicação ou na apreciação da responsabilidade criminal
do agente. O princípio da legalidade impõe ainda a proibição de uma dupla
condenação pelo mesmo facto.
Uma lei penal não deve conter tão só a descrição de um comportamento
considerado crime; deve conter, em conexão com essa descrição, a
correspectiva sanção jurídico-penal.
O princípio da legalidade tem um fundamento político, um fundamento saído
da Revolução Francesa, do Iluminismo, e que assenta na ideia de que existe
uma razão comum a todos os homens que encontram expressão comum na lei e
evitam o arbítrio.
Neste sentido, o princípio da legalidade tem como fundamento a garantia dos
direitos individuais.
O princípio da legalidade, mesmo no domínio do Direito Penal tem uma
justificação e um fundamento de constituir uma garantia de direitos individuais
do cidadão.
Enquanto submissão do poder de punir o Estado à lei, o princípio da
legalidade tem esse fundamento: garantir os direitos individuais do cidadão.

26. Decorrências do princípio da legalidade enquanto garantia dos direitos


individuais do cidadão
a) Missão de fazer leis penais
Uma delas afere-se pelas pessoas que têm a missão de criar crimes e
estabelecer as correspondentes sanções jurídico-penais, isto é, que tem a
missão de fazer leis penais.
Do princípio da legalidade decorre a ideia de que não há crime nem pena sem
lei (escrita), a definição de um comportamento como crime e a correspondente
sanção que se lhe aplica tem de constar de uma lei escrita. Tem competência
para criar normas incriminadoras17[16], a Assembleia da República (art. 165º
CRP).
b) Não há crime nem pena sem lei prévia
É outra concretização do princípio da legalidade na garantia de direitos
individuais, a exigência de lei prévia, “nullum crimen nulla poena sine lege
prévia”.
Impõe que as leis a aplicar sejam a lei que vigora no momento da prática do
facto.
Outro princípio que é o da imposição de leis penais retroactivas quando as
leis penais posteriores forem favoráveis ao arguido, ao agente.
c) Exigência de lei expressa
Pode ser analisada a partir de duas outras decorrências:

17
Normas incriminadoras: são aquelas que criam crimes ou que agravam os
[16]
pressupostos de punibilidade ou de punição.
1) O princípio de que não há crime nem pena sem lei certa – “nullum
crimen nulla poena sine lege certa”;
2) Decorrência de que não existe crime nem pena sem lei escrita –
“nullum crimen nulla poena sine lege scripta”.
d) Exigência de intervenção judicial, “nullum crimen nulla poena sine juditio”.
Neste sentido, as sanções jurídico-penais sejam elas penas ou medidas
penais, têm de ser sempre aplicadas por um órgão de soberania independente,
com a finalidade de aplicar a justiça, que entre nós são os tribunais.
e) Proibição de dupla condenação pelo mesmo facto
Consagra-se o princípio “ne bis in idem”, isto é, o princípio de que ninguém
pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo facto.
Existem categorias analíticas e sistemáticas da teoria do facto punível: são as
categorias da tipicidade, da ilicitude e da culpabilidade. Muito genericamente dir-
se-á:
1) O crime é um facto humano;
2) Tem de ser típico, ou seja, tem de estar descrito numa lei, tem de
corresponder a uma descrição legal;
3) Este facto tem ainda de ser simultaneamente ilícito.

27. Fontes de Direito Penal


a) A lei (escrita)
Aqui está a tal decorrência do princípio da legalidade “nullo crimen nulla
poena sine lege scripta”, não há crime nem pena sem lei escrita (art. 165º CRP).
b) Costume
Como fonte de incriminação não é admissível em Direito Penal, de contrário
violaria o disposto no art. 1º CP, e arts. 29º e 165º/1-c CRP, nomeadamente
estaria a violar o princípio da representatividade política e da reserva da lei
formal.
No entanto o costume tem valia quando visa, não criar ou agravar a
responsabilidade penal do agente, mas quando a sua intervenção resulte
benéfica para o agente: ou seja, quando o costume se venha traduzir no âmbito
de uma norma favorável, isto é, quando o costume de alguma forma venha
atenuar ou mesmo excluir a responsabilidade criminal do agente.
c) Jurisprudência
Não é fonte imediata de direito.
Reconduz-se à aplicação da lei ao caso concreto.
Há uma grande tendência para que os tribunais se orientem para decisões
anteriores.
d) Doutrina
Não é fonte imediata de direito, mas sim fonte mediata. Corresponde ao
conjunto das opiniões dos eminentes penalistas.
e) Fontes de direito internacional – tratado
São fonte de Direito Penal, tal como a lei, porque depois de todo o processo
de assinatura, aprovação, ratificação, eles entram na ordem jurídica nacional
como lei escrita.
28. Interpretação da lei penal
Tem-se de dividir as normas penais em dois grupos: normas incriminadoras e
normas favoráveis.
Deve entender-se por normas incriminadoras aquelas que criam ou
agravam a responsabilidade jurídico-penal do agente. São aquelas normas que
de alguma forma contêm a criação de crimes, ou que contêm agravamentos dos
pressupostos de punibilidade ou de punição.
Normas favoráveis, são aquelas normas que visam diminuir a
responsabilidade jurídico-penal do agente, ou atenuá-la, tornando mais suaves
os pressupostos da punibilidade ou da punição.
a) Normas penais incriminadoras
Proíbe-se a interpretação extensiva das normas penais incriminadoras, de
outra forma estar-se-ia a violar o princípio da legalidade na sua decorrência
“nullum crimen nulla poena sine lege stricta”, ou seja, de que as normas penais
devem ser estritamente aplicadas; é admissível a interpretação restritiva; proíbe-
se a aplicação analógica no âmbito das normas penais incriminadoras, quer por
analogia legis, quer por analogia iuris.
b) Normas penais favoráveis
Proíbe-se a interpretação restritiva de normas penais favoráveis; admite-se a
interpretação extensiva; relativamente ao problema da analogia:
1) Alguns autores – Teresa Beleza, etc., admitem a analogia, nas normas
penais favoráveis;
2) Outros autores – Cavaleiro Ferreira – a analogia em Direito Penal, quer
de normas favoráveis, quer de normas incriminadoras, está vedada;
3) Outros ainda – Frederico da Costa Pinto – entende que no âmbito das
normas favoráveis a analogia está de todo excluída. Em certos casos
pode-se admitir a interpretação extensiva de normas favoráveis, mas
não é possível o recurso à analogia no âmbito de normas favoráveis.

29. Normas incriminadoras


A interpretação extensiva em normas incriminadoras não é possível. Só é
possível, no âmbito de normas incriminadoras uma interpretação declarativa
lata. Tudo aquilo que a exceda e que vise harmonizar a letra da lei à sua razão
de ser, à sua “ratio”, se ultrapassar este sentido literal máximo possível já se
está a fazer interpretação extensiva. Esta não deve ser admitida em Direito
Penal, porque se entende que por força do princípio da legalidade, na sua
vertente garantia, se exige que a lei penal seja uma lei penal expressa. Assim a
norma deve dizer expressamente quais são as condutas, activas ou omissivas
que, a serem ou não adoptadas, constituem objecto de incriminação em sede de
Direito Penal. No entanto admite-se a interpretação restritiva.
Afirma-se rotundamente que não é possível integrar lacunas por analogia. Isto
é, perante um caso omisso que o legislador penal ano tipificou, não classificou
como crime, o juiz não pode, ao contrário de que acontece no domínio do direito
civil regular esse caso omisso, nem recorrendo à analogia legis, nem à analogia
iuris, nem tão pouco criar a norma de harmonia com o espírito do sistema. O juiz
pura e simplesmente julga, absolvendo.
30. Normas favoráveis
As normas favoráveis são aquelas que visam, ou que traduzem para o
agente, uma posição mais benéfica porque:
- Ou excluem a ilicitude de um facto típico e portanto justificam o facto e
tornam-no ilícito, tornando-o ilícito, excluem a responsabilidade penal,
porque não há responsabilidade penal por factos lícitos.
- Ou tornam-se mais brandos, mais suaves, os pressupostos da
punibilidade e da punição.
Pode-se fazer interpretação extensiva, mas com limites.
Mas já não se aceita que se faça interpretação restritiva de normas penais
favoráveis, isto porque, a ser possível, diminuir-se-ia o campo de aplicabilidade
destas normas favoráveis, o que significa aumentar o campo de punibilidade.
Quanto à analogia:
Existem várias posições. Uma (Teresa Beleza) admite-se a integração de
lacunas no âmbito de normas penais favoráveis.
Outra posição é a de que se admite por princípio a integração de lacunas por
analogia no âmbito de normas penais favoráveis, desde que essa analogia não
se venha a traduzir num agravamento da posição de terceiros, por ele ter de
suportar na sua esfera jurídica efeitos lesivos ou por ter auto-limitado o seu
direito de defesa.

31. Leis penais em branco


É uma norma que contem uma sanção para um pressuposto ou um conjunto
de pressupostos de possibilidade ou de punição que não se encontram
expressos na lei, mas sim noutras normas de categoria hierárquica igual ou
inferior à norma penal em branco18[17].
Levantam-se problemas quanto à constitucionalidade de tais normas,
precisamente porque no entender de determinada doutrina, estas normas seriam
inconstitucionais por consistirem numa violação de uma decorrência do princípio
da legalidade que é a existência de lei penal expressa, mais concretamente a
existência de lei penal certa – “nullum crimen nulla poena sine lege certa”.
A doutrina maioritária defende a constitucionalidade e validade das normas
penais em branco, dentro de certos limites ou desde que sejam respeitados
determinados limites.
Desde que as normas penais em branco contenham os pressupostos mínimos
de punibilidade e de punição, ou seja, que digam quem são os destinatários e
em que posição é que eles se encontram e que contenham a respectiva sanção;
desde que correspondam a uma verdadeira necessidade que o legislador tem de
tutelar bens jurídicos fundamentais através desta técnica, sob pena de não o
fazendo, a alternativa resultaria da sua desprotecção, estas normas não serão
inconstitucionais.

32. Concurso legal ou aparente de normas

18
[17] Exs arts. 278º, 213º/1-b, 150º/1 CP.
Na determinação da responsabilidade criminal dos agentes que praticam factos
penalmente relevantes podem suceder situações de anulação ou concurso de
infracções, sempre que o agente com a sua conduta cometa uma pluralidade de
infracções. As quais podem traduzir o preenchimento de vários tipos de crimes,
ou do mesmo tipo mais do que uma vez.
A teoria do concurso permite distinguir os casos nos quais as normas em
concurso requerem uma aplicação conjunta, das situações em que o conteúdo
da conduta é absorvido por uma única das normas.
- Concurso efectivo ou concurso de crimes: constitui a situação em que o
agente comete efectivamente vários crimes e a sua responsabilidade
contempla todas essas infracções praticadas;
- Concurso aparente ou concurso de normas: uma vez que a conduta do
agente só formalmente preenche vários tipos de crimes, na concretização
da sua responsabilidade a aplicação de um dos crimes afasta a aplicação
de outro ou outras de que o agente tenha também preenchido os
elementos típicos.
Em rigor não se pode falar em verdadeiro concurso de crimes, mas tão só em
concurso de normas (concurso legal), o qual se traduz num problema de
determinação da norma aplicável19[18].
O tema do concurso de infracções deve ser integrado no âmbito da teoria da
infracção, constituindo uma forma de crime.
O que se depreende da prática judiciária, em consonância com a maioria da
doutrina é que a resolução concreta do concurso de normas opera no momento
final da teoria da infracção. Sendo sempre um dos últimos passos na resolução
da responsabilidade dos intervenientes no crime.
A relação de concurso aparente consagra-se por conexões de subordinação e
hierarquia, podendo identificar-se essencialmente três tipos de relações:
1) Relação de especialidade
Uma norma encontra-se numa relação de especialidade em relação a outra
quando acrescenta mais um tipo incriminador, não a contradizendo contudo.
Neste sentido, vê-se que por força de uma relação de especialidade em que
as normas se podem encontrar, tanto pode subsistir a norma que contenha a
moldura penal mais elevada, como a norma que contenha a moldura penal mais
baixa.
2) Relação de subsidiariedade
Nos casos em que a norma vê a sua aplicabilidade condicionada pela não
aplicabilidade de outra norma, só se aplicando a norma subsidiária quando a
outra não se aplique. A norma prevalecente condiciona de certo modo o
funcionamento daquela que lhe é subsidiária. Distinguem-se dois tipos:
a) Subsidiariedade expressa: é a própria lei que afirma expressamente
que uma norma só se aplica se aquela outra não se puder aplicar;
b) Subsidiariedade implícita ou material: resulta quando em face de um
raciocínio imperativo, se chega à mesma conclusão, ou seja, quando
19
[18] O concurso estabelecido entre as normas revela-se meramente aparente,
sendo de excluir a aplicação cumulativa, pois não se aplicam todos os preceitos
normativos.
por força de uma interpretação verificar-se que a relação que existe
entre as normas não pode deixar de ser uma relação de
subsidiariedade.
Existem tendencialmente ou em princípio quatro grandes situações em que as
normas se encontram numa relação de subsidiariedade implícita ou material:
1º Diz-se que as incriminações de perigo ou os crimes de perigo se
encontram numa relação de subsidiariedade implícita ou material em
relação aos crimes de lesão.
2º Casos em que subsiste uma imputação a título negligente e doloso,
sendo certo que a responsabilidade por facto negligente é subsidiária à
imputação por facto doloso;
3º Diferentes formas de participação ou autoria;
4º Entre as condutas de omissão e por acção.
3) Relação de consunção
Quando um certo tipo legal de crime faça parte não por uma definição do
código, mas por uma forma característica, a realização de outro tipo de crime, ou
seja, quando tem uma discrição típica suficientemente ampla que abranja os
elementos da discrição típica da outra norma.
A finalidade das normas concentra-se sempre na tutela de bens jurídicos,
sendo possível identificar em cada tipo legal a ratio da conduta descrita.
A relação de consunção acaba por colocar em conexão os valores protegidos
pelas normas criminais. Não deve confundir-se com a relação de especialidade,
pois ao contrário do que se verifica naquela relação de concurso de normas, a
norma prevalecente não tem necessariamente de conter na sua previsão todos
os elementos típicos da norma que derroga.

VIGÊNCIA TEMPORAL DA LEIDireito_Penal.htm


33. Introdução
Uma das decorrências do princípio da legalidade é que não há crime sem uma lei anterior
ao momento da prática do facto que declare esse comportamento como crime e estabeleça
para ele a correspondente sanção[19].
Em Direito Penal vigora portanto a lei do momento da prática do facto. Mas a aplicação
externa ou exacerbada deste princípio poderia levar a situações injustas. Donde o
princípio geral em matéria penal é de que as leis penais mais favoráveis aplicam-se
sempre retroactivamente.
34. Aplicação da lei
Qual é a lei que no momento do julgamento o juiz devia aplicar ao arguido? É a lei do
momento da prática do facto, que é a mas favorável, do que a lei posterior, ainda que essa
lei tenha revogado aquela. Existe ultra-actividade da lei penal, porque se aplica sempre a
lei penal de conteúdo mais favorável ao arguido.
O momento da prática do facto é sempre aquele em que, no caso de se tratar de um crime
comissivo ou por acção, o agente actuou, ou, no caso de se tratar de um crime omissivo,
no momento em que o agente deveria ter actuado.
Duas situações
Uma nova lei vem descriminalizar uma determinada conduta. Como deve reagir a ordem
jurídica? Se a conduta vier a ser descriminalizada não deve ser condenado por essa
conduta, mesmo que o agente tenha já sido condenado e se encontre detido (art. 2º/2 CP).
Cessa os efeitos penais – princípio da aplicação da lei mais favorável.
Regime que se revela concretamente mais favorável, deve-se aplicar este regime ao
agente.
No entanto a lei no art. 2º/4 CP coloca um limite para o efeito retroactivo – “salvo se este
já tiver sido condenado por sentença transitada em julgado”. É diferente dos efeitos da
descriminalização.
Há autores que defendem a inconstitucionalidade do art. 2º/4 CP, outros defendem a sua
constitucionalidade.
35. Constitucionalidade do art. 2º/4 CP
A Constituição de 1976 foi revista em 1982, o Código Penal é de 1982 e entrou em vigor
em 1983; donde, o legislador penal deveria ter conhecimento das disposições
constitucionais e se legislou ordinariamente consagrando esta ressalva, é porque a
ressalva não é incompatível com o disposto na Constituição, por ser legislação posterior.
Não é incompatível o art. 2º/4 CP com o art. 29º/4 CRP, na medida em que a Constituição
manda aplicar retroactivamente a lei de conteúdo mais favorável ao arguido, e arguido
tem um sentido técnico-jurídico rigoroso: uma coisa é arguido, outra é condenado e outra
ainda é réu.
O art. 2º/4 CP, diz que a lei penal de conteúdo mais favorável só não se aplica ao
condenado, e isto porque, se já há trânsito em julgado da sentença condenatória, é porque
esse indivíduo já foi condenado, não se estando a falar em arguido mas sim em
condenado.
A entender-se o contrário, ou seja, a entender-se a aplicabilidade da lei mais favorável,
pôr-se-ia em causa o princípio “ne bis in idem”, e também se poria em causa a
intangibilidade no caso julgado.
Se realmente se pudesse aplicar retroactivamente esta lei mais favorável, então estava-se
a julgar outra vez o mesmo indivíduo pela prática do mesmo facto. E o princípio “in bis
in idem”, de que ninguém deve ser julgado/condenado duas vezes pelo mesmo facto (art.
29º/5 CRP) era posto em causa.
36. Inconstitucionalidade do art. 2º/4 CP
O Direito Penal tem carácter subsidiário, é o princípio da subsidiariedade do Direito
Penal. Logo o Direito Penal só deve intervir quando se torne necessário a sua
intervenção.
Não faz sentido que o Estado, equacionando uma valoração eminente a um determinado
crime, se abstenha a partir de determinado momento de impor uma determinada punição;
como também não faz sentido continuar a aplicar uma punição que o Estado recusou num
determinado momento.
Esta ressalva é inconstitucional porque viola o princípio da igualdade, e também existe o
princípio da igualdade dos cidadãos na administração da justiça.
Um outro argumento para a inconstitucionalidade da ressalva do art. 2º/4 CP,
substancialmente não existem diferenças a que se aplique retroactivamente as normas que
operam a descriminalização, das normas que não operam uma descriminalização mas
principalmente uma despenalização, porque nos dois casos se altera o regime penal.
O que está em causa é uma diferente valoração do legislador quanto aos factos
considerados crimes.
37. Leis temporárias e leis de emergência
As leis temporárias são as leis que marcam “ab initio”, à partida, o seu prazo de vigência;
são as normas que se destinam a vigorar durante um determinado período de tempo pré-
fixado. São leis temporárias que caducam com o “terminus” da vigência que pré-fixaram.
As leis de emergência são as leis que face a determinado circunstancialismo anormal vêm
penalizar, criminalizar determinadas condutas que até aí não eram consideradas crime, ou
vêm efectivamente agravar a responsabilidade penal por determinado facto que até aí já
era crime, mas em que esse agravamento se deve tão só a situações ou circunstâncias
anormais que reclamam a situação de emergência.
Ressalva-se no art. 2º/3 CP, que continua a ser punido o facto criminoso praticado durante
o período de vigência de uma lei de emergência.
Significa que, não obstante no momento do julgamento a lei já não estar em vigor por já
ter caducado ou já ter sido revogada, deve continuar a ser punido pelo facto que praticou
durante esse período em que a lei estava efectivamente em vigor.
Em bom rigor, no âmbito das leis temporárias não há uma verdadeira sucessão de leis no
tempo, porque:
- A lei é temporária em sentido estrito, não necessita de nenhuma outra lei para que se
possa afirmar uma sucessão de leis penais no tempo; a lei é só uma só faz sentido falar
em sucessão de leis penais no tempo e em retroactividade ou irretroactividade quando
estão em causa mais do que uma lei, pelo menos duas leis. Aqui a lei é só uma.
- Não há uma lei diferente, não há uma sucessão de regimes, donde também não faz
sentido falar em aplicação retroactiva porque a lei é sempre a mesma.
38. Aplicação da lei no espaço
Não são só conexões geográficas que o legislador utiliza para tornar aplicável a lei penal
portuguesa, para que seja competente para julgar factos penalmente relevantes.
O legislador utiliza também a conexão dos valores ou dos interesses lesados ou
ameaçados de lesão com as actividades criminosas, o valor dos interesses postos em
causa pela prática do crime. Isto evidencia-se em sede de dois princípios:
- Princípio da tutela ou da protecção dos interesses nacionais.
- Princípio da universalidade ou de aplicação universal.
Vindo estes princípios consagrados no art. 5º CP.
39. Princípio da tutela ou da protecção dos interesses nacionais
Quando se trate de crimes expressamente consagrados no art. 5º/1 CP, são crimes que o
Estado português entende ferirem a sensibilidade jurídica nacional, são crimes que põem
em causa valores ou interesses fundamentais do Estado português.
Os factos penalmente relevantes ocorridos em território nacional, a lei portuguesa é
competente para os julgar – princípio da territorialidade.
Este princípio da territorialidade é depois complementado pelo princípio do pavilhão ou
da bandeira pelo qual independentemente do espaço aéreo ou das águas, a lei penal
portuguesa também se aplica a factos praticados no interior de navios com pavilhão
português, ou a bordo de aeronaves registadas em Portugal.
40. Princípio da universalidade ou da aplicação universal
São de alguma forma crimes que todos os Estados têm interesse em punir. De um modo
geral, independentemente da nacionalidade dos seus autores, são crimes que reclamam
uma punição universal e daí que as ordens jurídicas se reclamem competentes para fazer
aplicar a sua lei penal a esses factos descritos no art. 5º/1-b CP.
Da alínea c) do art. 5º/1 CP retira-se o princípio da nacionalidade, também dito princípio
da personalidade activa ou passiva.
O princípio da nacionalidade activa diz basicamente que a lei portuguesa se aplica a
factos praticados no estrangeiro por portugueses. É de harmonia com o princípio da
nacionalidade activo, que a lei penal portuguesa aplica-se a factos praticados no
estrangeiro que sejam cometidos por cidadãos nacionais.
O princípio da nacionalidade passiva diz que a lei penal portuguesa se aplica a factos
cometidos no estrangeiro contra portugueses.
Condições para o princípio da nacionalidade:
1º Condição: os agentes sejam encontrados em Portugal (art. 5º/1-b CP);
2º Condição: que os factos criminosos “sejam também puníveis pela legislação do lugar
em que foram praticados, salvo quando nesse lugar não se exerça poder punitivo”;
3º Que “constituam crime que admite extradição e esta não possa ser concedida”, não se
admite a extradição de cidadãos nacionais.
Esta condição prevista na 3ª condição, só funciona cumulativamente quando se trate de
um caso de nacionalidade passiva, quando se trate de um crime praticado no estrangeiro
por um estrangeiro contra um, português.
41. Teoria da ubiquidade
Visa abranger os delitos à distância.
O art. 7º CP é importante: se considerar que a conduta ou o resultado típico tiveram lugar
em Portugal, então pode-se considerar que o facto ocorreu em território nacional; e aí
poder-se-á aplicar a lei penal portuguesa por força do preceituado no art. 4º CP e que
consagra o princípio da territorialidade, uma vez precisamente que este princípio vem
dizer que a lei penal portuguesa é aplicável a factos praticados no território nacional.
Uma vez em sede do art. 5º CP vai-se analisar caso a caso:
- Se será o princípio da protecção dos interesses nacionais, poderá ser um dos crimes
elencados no aliena a);
- Se haverá afloramento do princípio da universalidade (alínea b));
- Se será eventualmente o princípio da nacionalidade activa ou passiva previsto na alínea
c); e aqui verificar se estão reunidas todas as condições previstas e se existem ou não
restrições à aplicabilidade da lei portuguesa[20].
42. Princípio da dupla incriminação e princípio da especialidade
O princípio da dupla incriminação, significa que só é admitida a extradição se o Estado
português considerar também crime o facto pelo qual se pede a extradição ou o facto que
fundamenta a extradição.
O princípio da especialidade significa que a extradição só pode ser concedida para o
crime que fundamenta o seu pedido, não podendo o extraditado ser julgado por uma
infracção diferente e anterior à que fundamenta o pedido de extradição.
Por outro lado, também em princípio não se admite a extradição quando seja
prioritariamente aplicável a lei penal portuguesa.
43. Princípio da administração supletiva da justiça penal (art. 5º/1-e CP)
Admite que o Estado português julgue um criminoso que tenha cometido um crime no
seu país de origem contra um cidadão desse país e fuja para Portugal. Pressupostos:
- Que o agente se encontre em Portugal;
- A extradição seja pedida;
- Seja possível a extradição mas não seja admitida.
O art. 6º define as condições gerais de aplicação da lei penal portuguesa a factos
cometidos por estrangeiros:
- Princípio de que ninguém pode ser responsabilizado por um facto mais do que uma vez
(art. 29º CRP);
- Art. 6º/2 CRP, depois de ver que lei penal é competente, tem-se que ter em atenção a lei
do lugar onde o facto foi cometido, e mais favorável, mas que puna o facto.
As condições no art. 6º/2 CP não funciona quando está em causa o princípio da protecção
dos interesses nacionais (art. 6º/3 CP).
[19] Nullum crimen nulla poena sine lege previa
[20] O art. 6º CP só tem conexão com o art. 4º CP e com os princípios da
universalidade/protecção de interesses nacionais e nacionalidade.

TEORIA DO FACTO PUNÍVEL OU TEORIA DA INFRACÇÃO


44. Introdução
É a teoria que tem por objecto o estudo do crime. O conjunto dos pressupostos de
punibilidade e de punição que são comuns a todos os crimes, a todos os factos tipificados
na lei como crime.
Os requisitos comuns é que um facto deve ter para ser considerado criminoso e para que
dele decorra uma responsabilidade jurídico-penal para o seu autor, para o agente daquela
infracção.
Pode-se formalmente definir crime como um comportamento humano que consiste numa
acção penalmente relevante, acção essa que é típica, ilícita, culposa e punível.
Esta teoria permite desde logo uma aplicação certa, segura e racional da lei penal.
Passa-se dum casuísmo, de verificar caso a caso o que é crime para através da teoria da
infracção, ter-se uma vocação generalizadora de factos penalmente relevantes, de factos
criminosos.
E através do estudo destas categorias analíticas pode-se determinar a responsabilidade
jurídico-penal duma pessoa, pode-se firmá-la ou excluía, através duma análise de
subsunção progressiva.
45. Acção penalmente relevante
É todo o comportamento humano dominado ou dominável pela vontade.
Através deste conceito, já se está a excluir a responsabilidade jurídico-penal de
comportamentos que provêm não de pessoas mas de animais.
Ter-se-á depois de verificar o seguinte: se está em presença de um comportamento
humano dominado pela vontade, tem-se de ver se esse comportamento humano preenche
ou não um tipo legal de crime.
Tem-se de ver se essa acção preenche a tipicidade de um dos tipos previstos na parte
especial do Código Penal, ou então em legislação penal lateral.
Para isso é preciso verificar se essa acção é típica, isto é, é necessário verificar se estão
preenchidos os elementos objectivos[21] e subjectivos[22] de um tipo legal.
Como se verifica se a acção é típica?
Tem-se efectivamente de analisar esta categoria que é a tipicidade, tem-se de verificar se
aquela actuação humana se subsume ao tipo normativo na previsão dos seus elementos
objectivos e subjectivos.
Depois, tem-se de ver se o elemento objectivo do tipo está preenchido.
O elemento subjectivo geral do tipo é o dolo. Tem-se de se ver então o que é o dolo:
consiste na consciência e vontade de realizar os elementos objectivos de um tipo legal.
Estando preenchida a tipicidade, vai-se verificar que esta categoria analítica que é
composta por elementos subjectivos e objectivos, estando integralmente preenchida
indicia a ilicitude.
46. Ilicitude
A ilicitude num sentido formal, é a contrariedade à ordem jurídica na sua globalidade, de
um facto ilícito é um facto contrário à ordem jurídica, contrário ao direito.
Mas numa óptica material, o facto ilícito consiste numa danosidade social, numa ofensa
material a bens jurídicos.
Em princípio da lei penal só tipifica factos que são contrários ao direito. Mas a ilicitude
indiciada pelo facto típico ou pela tipicidade pode ser excluída.
Pode estar excluída pela intervenção de normas remissivas, que vêem apagar o juízo de
ilicitude do facto típico, são as designadas causas de justificação que, a estarem presentes,
justificam o facto típico, excluindo a ilicitude indiciada pela própria tipicidade.
Mas pode acontecer, que preenchido um tipo mediante uma acção penalmente relevante e
a ilicitude indiciada pelo tipo, pode ser que não se verifique nenhuma causa de
justificação ou de exclusão da ilicitude.
Na maior parte dos casos em que as pessoas cometem crimes não estão a actuar ao abrigo
de nenhuma causa de exclusão da ilicitude.
47. Culpa
É a categoria analítica do facto punível.
Sabendo-se que só se pode formular um juízo de censura de culpa sobre um imputável,
porque as penas só se aplicam a quem seja susceptível de um juízo de censura de culpa;
àquelas pessoas a quem não for susceptível formular um juízo de censura de culpa
aplicam-se medidas de segurança, é nomeadamente o caso dos inimputáveis e dos
menores de 16 anos.
Logo, para que o juízo de culpa possa ser formulado é preciso que o agente tenha
capacidade de culpa. O agente não tem capacidade de culpa se tiver menos de 16 anos, ou
se for portador de uma anomalia psíquica ou de um estado patológico equiparado.
Mas para além de ter capacidade de culpa, o agente também tem de ter consciência da
ilicitude do facto que pratica; e para além da capacidade de culpa e da consciência da
ilicitude é preciso, para se formular sobre o agente um juízo de censura de culpa, que o
agente não tenha actuado em circunstâncias tão extraordinárias que o desculpem.
48. Punibilidade
Para além de o facto ter consistido numa acção típica, ilícita e culposa, é ainda preciso
que seja punível.
Então chega-se à conclusão que por vezes existem determinados factos praticados no seio
de acções penalmente relevantes, típicas, ilícitas culposas, mas contudo os agentes não
são punidos. E porque é que não há punibilidade em sentido estrito?
- Ou porque não se verificam condições objectivas de punibilidade;
- Ou então porque se trata de uma isenção material, no caso de desistência;
- Ou porque se trata de uma causa pessoal de isenção de pena.
Porque é que se fala numa subsunção progressiva?
Porque quando se analisa a responsabilidade jurídico-penal de alguém, tem-se de analisar
detalhadamente todas estas categorias.
Ainda que intuitivamente se possa dar automaticamente a resposta, tem-se de percorrer
estas etapas porque, por hipótese, se chegar à conclusão que aquele comportamento não
foi dominado nem tão pouco era dominável pela vontade humana, imediatamente se nega
a responsabilidade criminal do agente.
Os tipos, a não ser quando a lei expressamente o diga, são sempre dolosos.
O estudo analítico do crime, da teoria da infracção, vai permitir:
- Por um lado, fazer uma aplicação certa, segura e uniforme da lei penal;
- Por outro lado, vai ter uma vocação de subsunção progressiva.
Mas se hoje, entende-se que o crime é uma acção típica, ilícita, culposa e punível, esta
tripartição entre tipicidade, ilicitude e culpa é uma conquista dogmática da Escola
Clássica. E à Escola Clássica segue-se cronologicamente a Escola Neo-clássica, e a esta
segue-se a Escola Finalista.
Todas estas escolas teorizam o crime tripartindo-o, dizendo que era uma acção típica,
ilícita e culposa. Agora, o que cada uma destas escolas considerava como integrante de
cada uma destas categorias analíticas é que diverge.
Escola Clássica:
- Beling/Van Listz;
- Acção – naturalista (acção natural);
- Tipicidade – correspondência meramente externa, sem consideração por quaisquer
juízos de valor; só elementos objectivos e descritivos;
- Ilicitude – formal;
- Culpa – psicológica (inserção de todos os elementos subjectivos – dolo e negligência).
- Criticas – os factos penalmente relevantes com negligência e os comportamentos
omissos.
Escola Neo-clássica:
- Prof. Figueiredo Dias;
- Acção – negação de valores;
- Tipicidade – o tipo tem também elementos normativos e determinados crimes têm
também na sua tipicidade elementos subjectivos;
- Ilicitude – material;
a) Permite graduar-se o conceito de ilicitude;
b) Permite a descoberta ou a formação de causas de justificação.
- Culpa – censurabilidade: pressupostos da culpa – capacidade de culpa, consciência da
ilicitude, exigibilidade;
- Os conceitos de acção social e a posição de Figueiredo Dias, renúncia a um particular
conceito de acção e os conceitos de:
a) Tipo indiciador;
b) Tipo justificador ou tipo do dolo negativo;
- A teoria dos elementos negativos do tipo.
Escola finalista:
- Wessel;
- Acção – final;
- Tipicidade – o dolo é um elemento subjectivo geral dos tipos;
- Ilicitude – conceito de ilicitude pessoal – o desvalor da acção e do resultado;
- Culpa – normativa; elementos da culpa.
Todos estes sistemas partem duma análise quadripartida do crime, como acção típica,
ilícita e culposa.
49. O sistema clássico
Parte de uma concepção positiva, mecânica, mesmo naturalista, lógica da teoria da
infracção.
O conceito de acção para os clássicos é visto como um conceito naturalista da acção,
como um movimento corpóreo, um esforço muscular ou nervoso que produz uma
alteração objectiva do mundo real.
O tipo ou tipicidade é a correspondência externa de um comportamento considerado
acção uma disposição legal, à discrição legal de um tipo legal de crime.
Mas a tipicidade era vista do ponto de vista meramente externo ou objectivo sem
nenhuma consideração de valor.
A ilicitude é uma categoria separada. Para os Clássicos a ilicitude é vista numa óptica
meramente formal, ou seja, como contrariedade à ordem jurídica na sua globalidade. Um
facto ilícito é um facto contrário à lei.
Não vem permitir uma graduação do conceito de ilicitude, porque se em sentido formal, a
ilicitude significa contrariedade à ordem jurídica, se o facto ilícito é o facto que contraria
a ordem jurídica, donde contraria a lei, e o facto lícito é o facto que não contraria a lei,
então só se pode afirmar que um comportamento é ou não é ilícito, é ou não é contrário à
ordem jurídica.
Quanto à culpa, para os Clássicos, era nessa categoria dogmática do facto punível que se
incluíam todos os elementos subjectivos. Portanto, a ilicitude e a tipicidade eram
meramente objectivas. Tudo quanto fossem elementos subjectivos estaria na culpa.
A culpa era vista de uma óptica psicológica, porque a culpa corresponde à ligação
psicológica entre uma pessoa e o seu comportamento, e essa ligação poderia ser uma
ligação dolosa ou uma ligação negligente.
Logo, o dolo e a negligência são meras formas de culpa.
A tipicidade é meramente objectiva. É depois em sede de culpa que se terá de verificar
que relação existe entre o agente e o seu facto, para se poder afirmar uma culpa
meramente psicológica.
50. Criticas ao sistema Clássico
A primeira crítica diz respeito ao conceito de acção. Este conceito de acção como
movimento corpóreo que produz a alteração objectiva no mundo exterior é um conceito
criticável por várias razões.
Mas talvez a crítica mais forte que se pode tecer ao conceito de acção dos clássicos é
precisamente a omissão porque a responsabilidade penal é afirmada por factos cometidos
por acção, mas também por omissões penalmente relevantes.
O conceito de acção dos clássicos deixa de fora as omissões, ou os crimes omissivos.
Daí que os clássicos tenham reformulado um pouco esta noção, dizendo então que a
acção homicida é a acção que se esperava que o agente tivesse.
Em relação à ilicitude, sendo uma ilicitude meramente formal, só nos permite afirmar se
um comportamento, se um facto, se uma acção, é ou não ilícita, não nos permitindo
graduar o conceito de ilicitude.
Em relação à culpa.
Sendo a culpa vista numa óptica meramente psicológica, pergunta-se como é que os
Clássicos explicam a culpa negligente, mormente os casos de negligência inconsciente.
Nos comportamentos dolosos, o agente conhece e quer empreendida com determinado
resultado típico, ou assumir uma determinada conduta consubstanciada num tipo legal de
crime.
51. Sistema Neo-clássico
É desenvolvido na Alemanha a partir dos anos 20, procurando “limar” alguns defeitos ou
arestas do sistema clássico.
A acção para os Neo-clássicos:
Vêem dizer que não é importante verificar se ouve ou não um movimento corpóreo que
produziu uma alteração objectiva no mundo exterior, porque as actuações humanas são
pautadas por determinadas valorações.
O que interessa é efectivamente o valor que está subjacente a um determinado
comportamento. Assim, os Neo-clássicos passam a ver a acção (o crime) como a negação
de valores através de um comportamento. Portanto, o crime é todo aquele comportamento
que nega valores.
Klaus Roxin entende que o que é importante em sede de Direito Penal, em sede
comportamental são tão só os factos ou as acções voluntárias, isto é, aqueles
comportamentos dominados ou domináveis pela vontade.
Dentro da vertente Neo-clássica surge outro conceito de acção, que é a acção social,
desenvolvida por Smith.
Este autor defende que mais importante que tudo para afirmar a existência duma acção
penalmente relevante é verificar se aquele comportamento, se aquela actuação deve ser
tido como uma acção em termos sociais. Isto é, se socialmente aquele comportamento
merece a qualificação de acção.
E isto porque, desde logo, há acções que à prática, podem parecer negar valores, mas que
não devem ser acções penalmente relevantes de harmonia com a própria concepção social
de acção.
A tipicidade, os Neo-clássicos vêm dizer que a tipicidade é composta por uma série de
elementos, e o tipo não é valorativamente neutro, implica já um juízo de valor para quem
preenche a tipicidade. Referem que o tipo tem também elementos normativos, elementos
que, descrevendo entidades do mundo real, carecem duma interpretação complementar
pelo recurso a normas.
Para estes autores, o tipo é composto por elementos positivos e por elementos negativos:
- Elementos positivos: aqueles que fundam positivamente a responsabilidade penal do
agente;
- Elementos negativos: são as causas de justificação que, quando relevantes, justificam o
facto típico.
A culpa para os Neo-clássicos, não é uma culpa psicológica, como pretendiam os
Clássicos, mas é antes um conceito que é integrado já por um critério de censurabilidade
assente na existência de determinados pressupostos, nomeadamente a capacidade de
culpa e a consciência da ilicitude.
A culpa é já uma culpa com ingredientes normativos e implica um juízo de
censurabilidade pela prática de um facto.
52. Criticas ao sistema Neo-clássico
O conceito de acção: um comportamento humano que nega valores. Ora, na negação de
valores cabe não só o comportamento activo, como existem também omissões que podem
de igual modo lesar valores.
Portanto, aqui neste conceito de crime como comportamento socialmente relevante que
lesa valores, já se pode enquadrar de alguma forma o comportamento omissivo ou a
omissão, coisa que ficava de fora do conceito meramente causal e naturalístico de acção
dos Clássicos.
Há determinados comportamentos cuja apreensão da negação ou de valores só pode ser
dada pela finalidade do comportamento, ou da acção.
Os Neo-clássicos não incluíam o dolo em sede de tipo ou de tipicidade.
O dolo é um elemento da culpa, ou uma forma de culpa, porque só excepcionalmente a
tipicidade é integrada por elementos subjetivos, chamados elementos subjetivos
específicos, com a intenção de apropriação no crime de furto, etc.
Também os Neo-clássicos não resolvem correctamente problema da negligência e dos
comportamentos negligentes.
53. Sistema finalista
Os finalistas propõem um conceito de acção que é um conceito de acção final. Chagam à
conclusão que o direito, a realidade normativa, não pode aparecer totalmente divorciada e
desligada da realidade ôntica, da realidade do ser que é anterior à realidade normativa.
Se o direito visa regular comportamentos humanos, estabelecer regras de conduta, então o
direito, sob pena de ser uma falácia, tem de respeitar a natureza ôntica, a natureza do ser,
e o que é próprio do ser humano para os finalistas, dentro de um conceito de acção, é o
agir com vista à obtenção de um fim servindo-se de conhecimentos objectivos e causais
que permitem essa obtenção, este conceito de acção deve ser respeitado em sede de
tipicidade.
Portanto, a intenção que preside a uma determinada acção, que é a sua finalidade, deve
ser espelhada no tipo. Logo, o dolo que é a intenção, o fim da actuação, deve ser um
elemento subjectivo do tipo.
Quanto ao conceito de ilicitude: começa a falar-se de um conceito de ilicitude pessoal.
Actuar ilicitamente já não é tanto actuar contrariamente à ordem jurídica na sua
globalidade, como pretendiam os Clássicos (ilicitude formal). Já não interessará tanto
actuar lesando bens jurídicos fundamentais, como pretendiam os Neo-clássicos (ilicitude
material).
Interessará mais, verificar se aquela pessoa que actua de determinada forma actua
ilicitamente, se se lhe pode atacar um juízo de desvalor na acção ou no facto que pratica.
Existe aqui uma certa concepção ética do direito.
Dentro deste conceito de ilicitude pessoal de se poder reprovar uma pessoa por adoptar
um determinado comportamento, podem-se distinguir dois desvalores:
1) O desvalor da acção, da conduta empreendida pelo agente;
2) O desvalor do resultado, em que se traduz o comportamento ou a conduta do agente.
A acção, embora no âmbito dos crimes negligentes seja também desvaliosa[23], por
comparação dos crimes dolosos em que o agente actua querendo e conhecendo um
determinado resultado, o desvalor da acção nos crimes dolosos é muito superior.
Quanto à culpa.
Os finalistas têm um conceito de culpa puramente normativo.
A consciência da ilicitude, a capacidade de culpa e a exigibilidade dos comportamentos
passam a ser elementos da culpa. Faltando um destes elementos da culpa, já não é
possível formular sobre uma pessoa um juízo de culpa.
A capacidade de culpa consiste no fundo em a pessoa ter capacidade para avaliar as
exigências. São incapazes de culpa:
a) Os inimputáveis em razão da idade (menores de 16 anos);
b) Os portadores de anomalias psíquicas, que são inimputáveis em razão da anomalia
psíquica.
A consciência da ilicitude é um elemento autónomo da culpa.
54. Criticas ao sistema finalista
O conceito de acção, é um conceito de acção final e os finalistas nunca conseguiram com
este conceito justificar muito bem os crimes de negligentes. Sendo assim também para as
omissões.
Daí que quem segue a sistemática finalista opte por uma quadripartição do facto punível,
em que se distingue:
- Crime doloso por acção;
- Crime doloso por omissão;
- Crime por acção negligente;
- Crime por omissão negligente.
-
55. Acção
Acção penalmente relevante é todo o comportamento humano, com relevância no mundo
exterior, que é dominado ou dominável pela vontade. Fica logo excluído os
comportamentos ou as acções das coisas, das forças da natureza e dos animais irracionais.
Dentro do ponto de vista dos fins das penais, quer numa óptica retributiva, quer numa
óptica preventiva, não faz sentido criminalizar comportamentos que não sejam
dominados pela vontade.
Uma acção penalmente relevante pode consistir:
- Num comportamento positivo – num “facere”;
- Num comportamento negativo – num “non facere”.
A acção tem relevância quer consista num comportamento positivo, quer numa omissão.
A nossa lei equipara a omissão à acção; essa equiparação é dada pelo art. 10º CP.
Há duas formas de comportamento omissivo penalmente relevante, que se diferenciam:
são designadas omissões puras (ou impróprias) e as omissões impuras (ou impróprias).
Quando o legislador descreve as incriminações, através de normas proibitivas e de
normas que pressupõem um determinado resultado típico do tipo, para estar preenchido,
para ser consumado exige uma conduta e um resultado.
No caso das omissões impuras nem toda a gente pode incorrer em responsabilidade
jurídico-penal por omissão impura, porque o legislador só responsabiliza pelas omissões
impuras aqueles sobre quem recaía ou impendia um dever jurídico que pessoalmente o
obrigasse a evitar a produção do resultado típico.
Os clássicos consideravam por acção penalmente relevante todo o movimento corpóreo,
esforço nervoso ou muscular, que produz uma alteração objectiva no mundo real.
O conceito de acção causal é criticável, isto porque:
- Torna-se mais difícil de explicar como é que nestes casos das omissões impuras pode
haver a acção omissiva;
- Crime de injúria: este crime só é concebível a partir de uma certa ponderação social
daquele comportamento como negação de um determinado valor, só é crime porque
socialmente se convenciona que aquele comportamento é uma acção relevante;
- Este conceito de acção causal não afasta, de per si, comportamentos dominados pela
vontade.
Só através de um critério exterior ao próprio conceito de acção causal é que se consegue
delimitar os comportamentos com relevância penal e os comportamentos que não têm
essa relevância.
Para os Neo-clássicos, o conceito de acção é todo o comportamento que nega valores – é
uma negação de valores.
Smith vem com um conceito social de acção, dizendo que acção penalmente relevante é
aquilo que é socialmente adequado a ser acção.
Mas este conceito não explica de per si porque é que algumas omissões negam valores
não é dada tanto pela acção, mas pela ordem jurídica.
Muitas vezes também, a relevância social da acção não pode estar desligada daquilo que
o agente quis.
Por outro lado, não há dúvida que o mesmo comportamento pode ter vária e diferente
relevância social, consoante a intenção do agente.
Finalmente o conceito de acção final para os finalistas.
É todo o comportamento em que a pessoa se serve dos conhecimentos objectivos e
causais para atingir uma determinada finalidade.
O processo causal nos crimes omissivos representa especialidades face aos crimes
activos. Essas especialidades fazem com que os próprios finalistas tivessem de chegar a
uma análise quadripartida do facto punível (ou da infracção):
- Crimes dolosos por acção;
- Crimes dolosos por omissão;
- Crimes negligentes por acção;
- Crimes negligentes por omissão.
Este conceito de acção final não é compreensível para abarcar todas as realidades e
comportamentos que podem dar origem à responsabilidade jurídico-penal.
Há autores que, em relação ao conceito de acção penalmente relevante, como categoria
autónoma da punibilidade, porque não é um conceito isento de críticas em qualquer
formulação, dizem que nós devemos renunciar a um particular conceito de acção e é
própria tipicidade que englobamos os comportamentos por acção e por omissão (Prof.
Figueiredo Dias).
Há outros autores que discordam e que dizem que o conceito de acção penalmente
relevante e efectivamente uma categoria que não se deve descurar, porque o conceito de
acção tem um determinado rendimento em sede de dogmática jurídico-penal.
56. Tipo ou tipicidade
Por detrás de cada tipo incriminador, o legislador há-de pretender sempre a tutela de um
ou mais bens jurídicos, porque o direito penal encontra a sua justificação na tutela de
bens jurídicos fundamentais.
O bem jurídico é algo distinto do chamado objecto do facto ou objecto da acção.
Enquanto que o bem é aquela realidade que não é uma realidade palpável, é um valor, um
interesse.
O objecto do facto ou da acção é o “quid” concreto sobre o qual incide a actividade
criminosa do agente.
57. Estrutura do tipo
Por detrás de cada tipo legal encontra-se sempre a tutela de um ou mais bens jurídicos.
Os tipos têm na sua descrição elementos descritivos, predominantemente, mas também é
concebível que nalguns tipos apareçam elementos normativos. Aliás foram os Neo-
clássicos que chamaram à atenção para a existência destes elementos normativos do tipo.
Os elementos descritivos são aqueles elementos que expressam entidades do mundo real,
quer no foro exterior quer interior, quer para a sua cabal compreensão, não necessitam de
nenhuma valoração suplementar feita pelo recurso a uma norma.
Os elementos normativos são aqueles que, expressando também entidades do mundo real,
para seu cabal entendimento carecem do recurso a uma valoração suplementar, do recurso
por exemplo a outra norma.
Há quem diga, como Ihering, que não existem elementos puramente descritivos: todos
eles são mais ou menos normativos; postulam sempre, para seu cabal entendimento e
compreensão, uma valoração suplementar, seja ética, seja de ordem jurídica.
O tipo é integrado sobretudo a partir duma abordagem finalista, por uma estrutura mista:
é composto por elementos objectivos e por elementos subjectivos.
Referindo, agora, tão só ao crime comissivo por acção, ou crime doloso por acção, pode-
se encontrar os seguintes elementos objectivos do tipo:
a) O agente;
b) A conduta ou descrição da acção típica;
c) O resultado;[24]
d) O nexo de imputação, também designado de causalidade[25];
e) Algumas circunstâncias que rodeiam a conduta ou descrição da acção típica.
Estes elementos objectivos do tipo referenciam entidades ônticas que existem
independentemente de qualquer representação entre a mente do agente e o facto por ele
praticado, por isso se dizem elementos objectivos.
Os elementos subjectivos, são aqueles que pressupõem já uma relação com o foro íntimo
do agente, ou seja, entre a representação da mente do agente daquilo que ele pensa e quer
aquilo que objectivamente se verifica, por isso se designam elementos subjectivos.
Como elementos subjectivos e no âmbito do crime doloso, encontram-se os chamados
elementos subjectivos específicos, que são elementos que têm de existir para que os tipos
legais de crime se considerem efectivamente preenchidos. São as especiais tendências, as
especiais intenções.
O elemento subjectivo geral será o dolo, no âmbito dos crimes dolosos.
O dolo consiste no conhecimento e vontade de empreender um determinado tipo legal de
crime. O dolo consiste no conhecer e querer os elementos objectivos de um tipo legal de
crime.
O dolo apresenta pois, uma estrutura bipartida, integrada por um elemento a negligencia.
es, o elemento geral serva determinadade natureza volitiva, o que crime. o ao
_____________________________________ intelectual que é o conhecimento – o
conhecimento de uma determinada realidade objectiva; e um elemento de natureza
volitiva, o querer efectivamente essa realidade objectiva de determinada forma.
Nos crimes negligentes, o elemento geral será a negligência.
58. Elementos objectivos do tipo especial
a) Agente
O agente é aquela (s) pessoa (s) que adopta uma conduta típica descrita num determinado
tipo legal de um crime e que empreende a realização típica – o agente do tipo legal de
crime.
b) Acção típica ou conduta
A conduta típica, também dita descrição da acção típica, ou tão só a acção típica, aparece
como um elemento objectivo do tipo legal de crime e encontra-se efectivamente descrita
no tipo.
c) Resultado
É também um elemento objectivo do tipo, nos chamados crimes materiais ou de
resultado: é o próprio resultado típico.
Há crimes em que, para além da descrição da conduta típica, se exige que espaço-
temporalmente se desprenda ou se destaque da conduta típica algo diferenciado que é o
resultado – o resultado típico – para que o facto possa estar efectivamente consumado.
Nestes crimes materiais ou de resultado, que para além da conduta pressupõe, ainda, para
a sua consumação, a verificação do resultado típico.
d) Nexo de causalidade
Isto traduz-se, em saber se um determinado resultado pode ser imputado a uma conduta
do agente; se aquilo que se verifica pode ser efectivamente considerado como obra
daquela actuação típica do agente.
É um elemento não escrito do tipo, isto porque, nos crimes materiais ou de resultado,
naqueles crimes que se designam normalmente por crimes de forma livre. Ou seja, são
crimes cuja obtenção do resultado típico previsto pela norma pode ser obtido, por
referência à conduta do resultado típica que é matar, pelas mais diferentes formas.
Por vezes, muito raramente, o legislador pode pretender dar cobertura literal a esse
elemento, ou a este nexo de nexo de causalidade ou de imputação objectiva, e descrevê-
lo.
É o que acontece nos chamados crimes de realização vinculada.
Aqui o crime é de realização vinculada, pela descrição do elemento, por uma certa
descrição do nexo de causalidade. Um outro elemento não escrito no tipo e que existe
apenas nalgumas classificações, ou nalguns tipos de crime – os crimes de omissão impura
ou imprópria – é o chamado dever de garante.
Muitas vezes a lei descreve comportamento que considera proibidos e que as pessoas não
devem adoptar, porque ao adoptá-los isso importa a obtenção de um determinado
resultado lesivo, o qual pode ser obtido quer por via de um comportamento activo ou de
uma acção, quer por via de um comportamento omissivo ou de uma omissão.
Para que uma pessoa seja responsabilizada por ter dado origem à produção de um
resultado típico proibido pela lei em virtude de uma inactividade, ou em virtude da sua
passividade ou omissão, é preciso que sobre essa pessoa impenda um dever jurídico que
pessoalmente a obrigue a evitar a produção desse resultado lesivo.
Este dever de garante pode resultar fundamentalmente de três pontos: ou directamente da
lei, ou de contrato, ou de uma situação de imergência.
e) Circunstâncias que rodeiam a conduta
As circunstâncias podem ser, para a nossa lei, ou crimes autónomos, ou então elementos
que integram qualificações ou priviligiamentos de tipos legais de crimes.
59. Acepções em que se utiliza a palavra tipo
a) Tipo de garantia, total, ou em sentido amplo
Pretende abranger todos os elementos que concorrem para fundamentar uma
responsabilidade criminal, abrangendo simultaneamente não só a categoria analítica da
tipicidade mas também as outras categorias dogmáticas como a ilicitude a culpa e a
própria punibilidade.
O tipo garantia corresponde ao conjunto de pressupostos de punibilidade e de punição de
um tipo legal, de um crime.
b) Tipo iniciador ou tipo em sentido restrito
O tipo abrange tão só a categoria da tipicidade, com a estrutura somente de elementos
objectivos e subjectivos.
Podendo-se dizer assim que, tipo indiciador ou tipo em sentido restrito é a
correspondência objectiva e subjectiva à definição de um tipo legal de crime. Ou, por
outras palavras, com a expressão tipo indiciador, tipo em sentido restrito ou tipo de
injusto, visa-se a delimitação de um comportamento proibido ou exigido, ao qual se
comina uma sanção penal geral e abstractamente estabelecida.
Tipo em sentido restrito, porquê?
Porque o facto de preencher um tipo neste sentido restrito não significa de per si que a
pessoa vá ser punida, porque a pessoa pode ter actuado tipicamente, todos os elementos
objectivos e subjectivos do tipo podem estar preenchidos mas a pessoa não ter
responsabilidade jurídico-criminal porque, por hipótese, naquele caso actuou em legítima
defesa.
E designa-se também tipo indiciador porquê?
Porque uma vez preenchida integralmente a tipicidade, preenchidos integralmente os
elementos constitutivo do tipo de crime, formula-se um juízo de valor sobre essa pessoa
no sentido de que a tipicidade indicia a ilicitude, a qual pode ser excluída pela
intervenção das causas de justificação.
c) Tipo intermédio
Pretende-se significar que a um comportamento típico acresce simultaneamente um juízo
de equidade.
Significa pois, a situação de que alguém cometeu um facto típico em sentido estrito, que
é simultaneamente ilícito, ou seja, uma pessoa cometeu um facto que corresponde à
descrição objectiva e subjectiva de uma norma legal, não actuando ao abrigo de nenhuma
causa de exclusão da ilicitude, ou não actuando ao abrigo de nenhuma causa de
justificação.
CLASSIFICAÇÃO DOS TIPOS DE CRIME
IMPUTAÇÃO OBJECTIVA
IMPUTAÇÃO SUBJECTIVA
ILICITUDE
CULPA
COMPARTICIPAÇÃO CRIMINOSA
PUNIBILIDADE
TENTATIVA E DESISTÊNCIA

[21] Agente, conduta, resultado, nexo de causalidade.


[22] Dolo, especiais intenções.
[23] Pela inobservância de um dever de cuidado.
[24] Nos casos dos crimes materiais ou de resultado.
[25] Também nos crimes materiais ou de resultado.

CLASSIFICAÇÃO DOS TIPOS DE CRIME


60. Quanto ao agente
Pode-se classificar a tipicidade em crimes gerais ou comuns, e crimes específicos ou
próprios, podendo estes ainda ser: crimes específicos em sentido próprio e em sentido
impróprio.
Os crimes gerais ou comuns são aqueles que podem ser praticados por qualquer pessoa,
ou seja, qualquer pessoa pode ser agente ou autor do crime tipificado.
São portanto crimes que não postulam de determinadas qualidades, naturalísticas ou não,
na pessoa do agente.
Os crimes específicos ou próprios são aqueles em que os agentes são qualificados por um
qualquer dever jurídicos, ou por uma qualquer situação juridicamente definida.
São aqueles que pressupõem como autores dos crimes apenas as pessoas que têm uma
qualidade exigida pelo próprio tipo.
Dizem-se crimes específicos em sentido próprio quando para além de só poder ser agente
ou autor da incriminação aquela pessoa que tenha as características exigidas pelo próprio
tipo, não existe na lei penal nenhuma tipificação correspondente para o comum das
pessoas.
É um crime que só pode ser praticado por aquelas pessoas e mais nenhumas. Não existe
responsabilidade jurídico-penal paralela para quem não tenha essas qualidades
pressupostas pelo tipo na pessoa do seu agente.
Os crimes específicos em sentido impróprio são aqueles que exigindo embora essas
qualidades específicas do agente, têm paralelo para o comum das pessoas em termos de
responsabilização jurídico-penal.
Ainda quanto ao agente, há uma outra classificação que distingue entre: crimes
plurisubjectivos, também chamados de participação necessária e, crimes unisubjectivos
ou unisingulares.
Os crimes plurisubjectivos ou de participação necessária são aqueles em que o tipo
incriminador exige o envolvimento, exige mais do que um agente para integrar o tipo.
Estes tipos, para estarem preenchidos quanto à pessoa do agente, pressupõem um
envolvimento plural.
Os crimes unisubjectivos ou unisingulares que podem ser praticados por um único
agente. São a maior parte deles: o crime de furto, roubo, homicídio etc., podem ser
praticados única e exclusivamente com a colaboração, ou o consenso de uma só pessoa,
de um só autor.
Klaus Roxin fala nos chamados crimes de violação de dever. São crimes que são
definidos através de um dever jurídico, não tanto pelo desenvolvimento de qualquer
actividade, mas essencialmente pela titularidade de um dever jurídico.
Klaus Roxin propõe uma sistemática bipartida da teoria do facto punível. Essa teoria
bipartida devia assentar:
- Por um lado, nos crimes que consistem em levar a cabo uma determinada actividade;
- Por outro lado, os crimes que violam deveres jurídicos, normalmente deveres jurídicos
de natureza profissional ou deveres jurídicos funcionais a que uma determinada pessoa
está adstrita.
61. Princípio da responsabilidade singular ou princípio da responsabilidade individual
Salvo quando a lei expressamente o disser, apenas as pessoas singulares são susceptíveis
de responsabilidade jurídico-criminal.
Portanto, só existe responsabilidade jurídico-penal das pessoas colectivas quando a lei
expressamente o determinar. É o que preceitua o art. 11º CP.
Fundamentalmente tem-se acentuado o carácter pessoal da responsabilidade criminal com
base em duas ideias:
Por um lado, Füerbach vem dizer que as pessoas colectivas são incapazes de agir. E isto
porque as pessoas colectivas estão dominadas e só têm capacidade de para agir de
harmonia com a especificidade do fim.
Neste sentido, as pessoas colectivas não podem agir como as pessoas singulares. Se o fim
das pessoas colectivas tem de ser um fim legítimo, então elas só têm capacidade de agir
legitimamente, porque senão eram nulas por contrariedade à lei, à ordem pública e aos
bons costumes.
Por outro lado, Savigny tem afirmado também a ideia de que não existe responsabilidade
penal das pessoas colectivas, acentuando já não a ideia de incapacidade de agir, mas
acentuando a ideia da incapacidade de culpa.
A culpa é um juízo individualizado de censura feita pela ordem jurídica e que se dirige a
uma pessoa pela prática de um facto ilícito. E naquilo que no juízo de censura se reprova
ao agente é precisamente o facto dessa pessoa, tendo capacidade e possibilidade de se
decidir de forma diferente, de se decidir pelo direito, ter-se decidido pelo torto, ter-se
decidido pelo ilícito.
Neste sentido, uma vez que as pessoas colectivas não têm uma vontade própria real, têm
só uma vontade fictícia. Daí a insusceptibilidade de culpabilizar as pessoas colectivas.
62. Crimes e função do resultado
Os crimes formais ou de mera actividade, não são só crimes de mera actividade. Crimes
formais são também omissões puras; enquanto crimes de resultado ou crimes materiais
são também omissões impuras.
Os crimes por acção em cuja tipicidade e cuja conduta típica está descrita efectivamente
em termos de acção. Acção que, a ser efectuada pelo agente, viola uma proibição ou um
comando legal.
Existe responsabilidade por acção quando o agente pratica actos que são subsumíveis às
condutas descritas nos tipos legais em termos de acção.
Mas também existe responsabilidade por omissão.
As omissões podem ser de duas ordens. Pode-se classificar ou distinguir as chamadas
omissões puras das omissões impuras, também designadas por alguns autores de
omissões próprias e omissões impróprias, respectivamente.
Dentro das omissões puras, tem-se a responsabilidade jurídico-penal do agente, na porque
ele tenha actuado, mas precisamente porque omitiu uma conduta que lhe era exigível por
lei.
Nos caos de omissões puras o agente incorre em responsabilidade jurídico-penal por ter
violado uma norma preceptiva, uma norma que impõe a adopção de uma determinada
conduta que é omitida, ou não tem lugar.
No âmbito das omissões impuras tem-se uma situação diferente. Aqui o agente é
responsabilizado por um determinado resultado que tem lugar não por sua acção, não
porque ele tenha directamente adoptado uma conduta típica descrita na lei, mas
precisamente porque dá origem a um resultado por uma inactividade sua, violando desta
forma uma norma ou um preceito de natureza proibitiva.
Na omissão imprópria o agente é responsabilizado por um crime, porque sobre ele
impendia um dever jurídico que pessoalmente o obrigava a evitar a produção do
resultado. E este dever jurídico que impende sobre o agente e que pessoalmente o obriga
a evitar a produção do resultado lesivo, ou típico, pode resultar principalmente de três
fontes:
- Directamente da lei;
- Indirectamente da lei ou do contrato;
- De situações de ingerência.
Nas omissões impuras o agente dá origem a um determinado resultado através da sua
passividade; por tanto, existe aqui assim a violação de uma norma proibitiva mediante um
comportamento omissivo.
Mas por força do art. 10º CP, que equipara a acção à omissão, e onde se encontra a base
legal da construção das omissões impuras é necessário, para responsabilizar alguém por
uma omissão impura, que sobre essa pessoa recaísse o dever jurídico, oriundo de
qualquer destas fontes que pessoalmente o obrigasse a evitar a produção do resultado
lesivo.
Portanto, pode-se dizer que:
- Os crimes de omissão pura são os que consistem directamente, pelo próprio tipo legal,
na violação de um comando;
- Enquanto que os crimes de omissão impura não consistem já na violação directa de um
comando legal, mas sim no levar a cabo, por remissão, um resultado previsto num tipo
que está desenhado em termos de acção.
Pode-se ver então que os crimes materiais ou crimes de resultado são também as
omissões impuras, mas crimes formais ou de mera actividade são também omissões
puras.
Os crimes de resultado são aqueles em que espaço-temporalmente se podem destacar ou
distinguir algo de diferenciado da conduta, que é o resultado típico. Os crimes de
resultado, ou materiais (omissões impuras), são aqueles que, segundo o tipo desenhado na
lei, pressupõe a verificação de um certo resultado para se poder dizer que se consumou
esse crime.
Os crimes de mera actividade também ditos formais (omissões puras) são aqueles em que
a mera conduta típica consuma imediatamente o crime.
63. Importância dogmática e prática da distinção crimes de resultado e crimes de mera
actividade.
Tem importância prática desde logo para efeitos de início da prescrição do procedimento
criminal.
Os arts. 117º e 118º CP dizem a partir de que momento é que se começa a contar o praz
de prescrição do procedimento criminal, e não maior parte dos casos é a partir da
consumação.
- Enquanto o crime de mera actividade está consumado no momento em que o agente
actua;
- Nos crimes de resultado o facto só está consumado quando o resultado típico se
verifica; e entre o momento em que o agente actuou e o momento em que o resultado
típico se produziu, pode decorrer um espaço de tempo mais ou menos longo.
Por outro lado, esta distinção é também importante para efeitos de possibilidade ou não
possibilidade de responsabilidade criminal por facto tentado.
A tentativa, tal como está tipificada no art. 22º CP, consiste na prática de actos de
execução de um crime que o agente decidiu cometer, sem que o resultado típico se
chegue a verificar.
Portanto, está construída para os chamados crimes materiais ou de resultado. A tentativa
só se distingue da consumação precisamente pela não verificação de um elemento que é o
resultado típico.
A tentativa tem três elementos:
1) A prática de actos de execução, elemento positivo e objectivo;
2) A decisão do cometimento de um crime, elemento positivo e subjectivo;
3) A não verificação do resultado típico, elemento negativo e objectivo.
É concebível nos crimes de resultado, falar em tentativa, porque são concebíveis actos de
execução com a intenção criminosa do cometimento de um facto mas em que, por um
outro motivo estranho à vontade do agente, o resultado pretendido pelo agente não se
tenha verificado.
64. Tipo em função do objecto
Distingue os chamados crimes de perigo e os crimes de dano ou lesão.
Nos crimes de perigo a descrição típica não exige a lesão efectiva dos bens jurídicos
tutelados pela incriminação, mas tão só a colocação em perigo, tão só a ameaça de lesão
desse bem ou bens jurídicos tutelados pela norma.
Pelo contrário, nos crimes de lesão, exige-se um dano ou uma lesão efectiva no bem ou
bens jurídicos tutelados pela norma. E fala em bem ou bens jurídicos tutelados pela
norma porque há tipos legais de crimes que tutelam mais do que um bem jurídico. São os
chamados crimes pluridimensionais. Os crimes de lesão são desde logo entre outros:
- O crime do art. 131º CP: uma vez ocorrida a morte, há uma lesão do bem jurídico vida;
- O crime de ofensas corporais (ainda que um pouco controvertidamente) do art. 142º CP;
- O crime de burla, previsto no art. 313º CP, etc.
Os crimes de perigo podem distinguir-se em:
- Perigo concreto;
- Perigo abstracto;
- Perigo abstracto-concreto.
Nos chamados crimes de perigo concreto, o legislador tipifica o próprio perigo pela
descrição de uma conduta perigosa, da qual se autonomiza o resultado típico, resultado
que é o próprio perigo para o bem ou bens jurídicos tutelados pela incriminação. Donde,
os crimes de perigo concreto, uma vez que têm autonomizado o resultado da conduta
perigosa descrita pelo legislador, que é o próprio perigo, são crimes de resultado.
E os crimes de perigo concreto, quanto ao seu elemento subjectivo, postulam um dolo
especial ou específico, que é o chamado dolo de perigo.
Quanto aos crimes de perigo abstractoa pelo legislador, que
__________________________________________________ aqui o legislador parte da
presunção de que aquela conduta descrita é uma conduta perigosa. E perigosa por
referência ao mais variado leque de bens jurídicos.
Nos crimes de perigo abstracto o legislador contenta-se com a presunção que tem de
aquele comportamento, aquela actividade, é uma actividade que pode pôr em perigo,
pode ameaçar de lesão, vários bens jurídicos, sem tão pouco ter a preocupação de se lhe
referir expressamente.
Neste tipo de crime, já não é preciso que se autonomize nenhum resultado típico que seja
o próprio perigo, porque a lei contenta-se com a descrição da conduta que tem como
perigosa.
Quanto aos crimes de perigo abstracto-concreto:
É esta uma classificação intermédia entre os crimes de perigo abstracto e os crimes de
perigo concreto, em que se pode dizer que o legislador é menos exigente do que em
relação aos crimes de perigo concreto, mas mais exigente do que em relação aos crimes
de perigo abstracto.
É menos do que nos crimes de perigo concreto porque o legislador descreve no tipo a
própria conduta que considera perigosa, sem necessidade de autonomizar o resultado
perigoso, tal como acontece no âmbito dos crimes de perigo concreto, e que é o próprio
perigo.
65. Crimes de mão própria
Estes crimes são aqueles que alguns autores consideram que só podem ser cometidos pelo
próprio agente da infracção, pelo próprio agente material do crime, não admitindo outra
forma de autoria, desde logo autoria mediata.
A autoria mediata é uma das formas de autoria tipificada no art. 26º CP.
Outra situação típica de autoria mediata é o caso da coacção, em que alguém coage
outrem à prática de um determinado facto.
Não se pode confundir estes crimes de mão própria com os crimes específicos ou
próprios:
- Nos crimes específicos ou próprios exige-se uma especial qualidade do agente;
- Os crimes de mão própria são crimes que podem ser praticados por qualquer agente.
66. Crimes simples e crimes pluri-ofensivos[26]
a) Crimes simples
São aqueles em que é violado, por lesão ou ameaça de lesão[27] um determinado bem
jurídico.
b) Crimes pluri-ofensivos, pluridimensionais ou crimes compostos
São aqueles em que são violados, por lesão ou ameaça de lesão, vários bens jurídicos.
Qualquer um destes tipos está inserido na parte especial do Código Penal, num
determinado capítulo. Com a adopção das condutas típicas proibidas por estes tipos o
agente lesa vários bens jurídicos.
67. Crimes agravados pelo resultado e crimes praeter intencionais
Os crimes praeter intencionais têm uma estrutura mista, são um misto de um resultado a
título doloso. O nexo de imputação dá origem a segundo resultado imputado ao agente a
título de negligência.
Diz-se que nos crimes praeter intencionais há uma estrutura mista: misto de dolo e
negligência, ligados por um nexo de imputação objectiva[28].
Os crimes agravados pelo resultado, é uma espécie desta figura da praeter
intencionalidade, mas abrange um conceito mais amplo.
E mais amplo, porque não supõe que o crime básico, que o primeiro resultado, seja
sempre doloso; por hipótese, um resultado negligentemente provocado pode dar origem a
um resultado mais grave, negligentemente ocorrido.
68. Crimes simples ou básicos; crimes qualificados; crimes privilegiados
Os crimes qualificados e os crimes privilegiados distinguem-se dos crimes básicos ou
simples pelas suas variações agravadas, designando-se então crimes qualificados, e pelas
suas variações privilegiadas, designando-se então crimes privilegiados.
O crimes básico ou crime simples é aquele que descreve os elementos fundamentais de
uma certa forma de violação de bem jurídico tutelado pela incriminação, descrição essa a
partir da qual outros tipos fazem inserir determinadas variações ou variantes, no sentido
de impos fazem inserir determinadas variaçmais grave, negligentemente
ocorrido.___________________r uma agravação ou uma atenuação de pena.
- Se essas variantes se traduzirem numa agravação da pena, tem-se os crimes
qualificados;
- Se se traduzirem numa atenuação, tem-se os crimes privilegiados.
Repara-se que esta classificação é também importante desde logo porque quando estão
em causa tipos básicos, tipos qualificados e tipos privilegiados, normalmente entre eles
pode estar em causa uma relação consensual, uma relação de concurso aparente, legal ou
de normas, neste caso numa relação de especialidade.
69. Crimes de intenção ou crimes de resultado parcial
Estes tipos de crime são aqueles em que a tipicidade é descrita em função de uma
especial intenção ou tendência, sem a qual o tipo não está preenchido.
Mas, para a consumação do tipo, curiosamente, não se exige que o resultado dessas
intenções, ou dessas tendências se verifique.
Quem chamou a atenção para que os tipos por vezes pressupunham determinados
elementos subjectivos específicos e refiram as especiais intenções, foram os Neo-
clássicos:
- O tipo de furto, para além de ser um tipo doloso, postula também para além do dolo (em
sede de tipicidade), um elemento subjectivo específico que é a especial intenção de
aprovação;
- O crime de burla (art. 313º CP) pressupõe uma intenção de enriquecimento;
- O crime de envenenamento (art. 146º CP) postula uma intenção de lesar a saúde física,
ou psíquica de outra pessoa;
- O tipo legal do art. 235º CP tem uma especial intenção: intenção de causar prejuízos ao
Estado ou a terceiros.
Significa pois que a tipicidade aqui é descrita em função desta especial tendência ou
intenção. Se não se verificar esse elemento subjectivo específico, o tipo não está
preenchido.
70. Crimes instantâneos, crimes de Estado e crimes duradouros
Estas distinções têm reflexos práticos importantes, nomeadamente para contagem dos
prazos de prescrição do procedimento criminal, para a determinação do momento da
prática do facto, para a matéria da comparticipação e desistência, entre outras.
Crimes instantâneos são aqueles em que o agente com o seu comportamento dá origem a
uma situação de ilicitude que ocorre e se esgota com a produção desse comportamento.
Nos crimes duradouros o agente com o seu comportamento dá origem também a uma
situação de ilicitude, situação essa que fica privada em relação à coisa de que é
proprietário das suas faculdades de uso, gozo e fruição. Mas esse estado lesivo dura
enquanto pelo menos a pessoa que furtou não devolveu o objecto furtado a quem de
direito.
E então como é que estes crimes que são ditos de Estado se distinguem dos crimes
instantâneos?
Nos crimes instantâneos, efectivamente, detecta-se um momento preciso em que corre e
se esgota o estado lesivo, mas em que não há possibilidade de recomposição do estado
lesivo.
Como é que se distinguem, por sua vez, os crimes de estado dos crimes duradouros?
Nos crimes duradouros de que é exemplo o sequestro há efectivamente, para efeitos de
consumação formal do crime, a determinação do momento em que o agente com o seu
comportamento dá origem a uma situação de ilicitude, situação de ilicitude que é mantida
no tempo pela própria vontade do agente; e o agente, através de um comportamento seu,
pode fazer cessar esse estado ilícito de coisas.
Mas nos crimes duradouros há um estado decrescente de ilicitude progressiva.
Conclusão:
- Nos crimes instantâneos não se verifica um estado lesivo que possa ser removido;
- Enquanto nos crimes de estado já há a possibilidade de remover o estado lesivo;
- Nos crimes duradouros, havendo também a possibilidade de remoção do estado lesivo
tem-se que, contrariamente aos crimes de estado, existem graus crescentes de ilicitude, ou
uma ilicitude progressiva, o que não acontece nos crimes de estado em que o grau de
ilicitude é sempre o mesmo.
Uma outra distinção que é necessária fazer é aquela que estabelece a diferença entre actos
preparatórios:
- De tentativa;
- E de consumação.
Em primeiro lugar, tem-se que atender a dois conceitos de consumação. Por um lado fala-
se em consumação formal e essa consumação formal pressupõe o preenchimento de todos
os elementos do tipo incriminatório.
Por outro lado, fala-se num conceito de consumação material que tem a ver com a lesão
efectiva do bem jurídico tutelado pela norma jurídico-penal.
Nos crimes materiais ou de resultado só há uma consumação pelo menos formal, quando
o resultado típico se tenha produzido. Enquanto que nos crimes de mera actividade, ou
nos crimes formais, como não há um resultado que se tenha que distinguir ou
autonomizar da conduta do agente, o tipo está consumado formalmente quando se
verifica a actuação ou a conduta típica do agente.
Mas por vezes, tem-se de distinguir a responsabilidade penal do agente não por facto
consumado, mas por actos preparatórios ou por factos tentados.
Quanto aos actos preparatórios eles são uma fase do “inter criminis”, em que
normalmente é possível cindir e destacar várias etapas na evolução do cometimento do
crime:
- Há normalmente a pessoa que tem uma intenção criminosa[29];
- Depois a pessoa passa efectivamente a procurar esse plano, que mentalmente concebeu
e prática para efeito determinados actos que são preparatórios à execução;
- Passa depois aos actos de execução;
- E finalmente, quando acaba os actos de execução, está perante a consumação.
Os actos preparatórios regra geral e por força do disposto no art. 21º CP, os actos
preparatórios não são punidos.
Só existe punição por actos preparatórios quando a lei expressamente o disser; ou então o
próprio legislador tipifica como crime autónomo actos que são actos de preparação.
Mas a regra geral é a da impunidade dos actos preparatórios e isto porque:
Em primeiro lugar, porque se tem no Código Penal um pendor objectivista da tentativa. O
nosso direito é um Direito Penal de factos exteriorizados; e o nosso legislador não valora
da mesma maneira a intenção e a execução dessa intenção diferentemente.
A punibilidade da tentativa é muito menor do que a punibilidade por facto consumado,
pois de harmonia com o que preceitua o art. 23º CP:
- Em primeiro lugar a tentativa só é punida se ao crime consumado respectivo
corresponder pena superior a três anos de prisão, a não ser que a lei expressamente diga
que a tentativa é punível.
- Por outro lado, sendo ainda punível a tentativa, a pena é especialmente atenuada.
Só há tentativa, nos termos do art. 22º CP quando o agente passa dos actos preparatórios
para os actos de execução. Então a tentativa é virtualmente punível. Mas para isso o
agente tem de empreender já actos de execução, tem de ter a decisão criminosa; e é
preciso o resultado típico não se produzir.
Por isso, pode-se assentar que os elementos da tipicidade do facto tentado sejam três:
1) Actos de execução (art. 22º/2 CP), elemento positivo e objectivo;
2) De um crime que o agente decidiu cometer (tem de haver a intenção do cometimento
do crime), elemento positivo e subjectivo;
3) A não produção do resultado típico, elemento negativo e objectivo.
Em Direito Penal não existem tentativas negligentes, as tentativas são sempre dolosas.
Encontra-se por referência ao disposto no art. 23º CP, as tentativas impossíveis que
também, nalguns casos, não são puníveis.
Nomeadamente não é punível a tentativa impossível por referência ao meio empregue se
revelar um meio manifestamente inadequado à produção do resultado lesivo.
Essa tentativa, quando existe numa manifesta inaptidão do meio empregue com vista à
produção do resultado pretendido, é uma tentativa não punida.
Embora seja necessário o elemento subjectivo – o dolo – para a construção da figura da
tentativa, não se valora da mesma maneira a intenção quando há consumação e a intenção
havendo tão só tentativa.
Também a distinção entre tentativa e consumação é importante para efeitos de
comparticipação.
As várias formas de comparticipação criminosa só são possíveis a partir do momento em
que existem actos de execução por parte de um dos agentes ou intervenientes[30]. Antes
disso, não há comparticipação criminosa.
Comparticipação criminosa – envolvimento plural de vários agentes, sendo eles autores
ou participantes – só existe efectivamente a partir do momento em que o agente/autor
tenha praticado pelo menos um acto de execução dos previstos nas várias alíneas do art.
22º CP.
A distinção entre tentativa e consumação é também importante para efeitos de desistência
(art. 24º CP).
Regra geral, só é possível desistir enquanto não há consumação, pelo menos enquanto
não há consumação material.
A tentativa é uma figura que está especialmente concebida para os crimes materiais ou de
resultado. Como a tentativa pressupõe um elemento negativo que é a não produção do
resultado típico está concebida para os crimes de resultado.
71. Crimes uniexecutivos e crimes pluriexecutivos
Nos crimes formais, de que são exemplo os crimes de mera actividade ou as omissões
puras, há quem distinga e fale em:
- Crimes formais uniexecutivos;
- Crimes formais pluriexecutivos.
Os crimes pluriexecutivos têm uma descrição típica que pressupõe um fraccionamento da
actuação ou do comportamento ilícito; ou em que ontologicamente se pode retirar essa
conclusão.
Nos crimes uniexecutivos já não é possível nem pensável uma fragmentação de actos
antes da consumação.
A classificação dos crimes pluriexecutivos, dentro dos crimes formais, vem permitir duas
coisas:
1) Por um lado, vem permitir considerar-se que também é possível falar de tentativa nos
crimes formais que sejam pluriexecutivos;
2) Por outro lado, ainda, nestes crimes formais, que estão preenchidos com a mera
conduta do agente e que não exigem a verificação de um resultado ontologicamente
diferenciado da conduta, vem permitir que nos crimes formais pluriexecutivos se possa
falar por exemplo em desistência.
[26] Também designados crimes compostos ou crimes dimensionais.
[27] Por lesar ou colocar em perigo.
[28] Repare-se que em Direito Penal – e é um princípio de Direito Penal que o distingue
do Direito Civil – não há responsabilidade objectiva.
Nos termos do art. 18º CP, a imputação de um resultado ao agente há-de fazer-se sempre
com base numa culpa, quando mais não haja a título de negligência. Não há
responsabilidade objectiva em Direito Penal – consagra-se no art. 18º CP o princípio da
responsabilidade subjectiva ou com culpa.
[29] Que pode não exteriorizar, mas que está em plano.
[30] Actos de execução daqueles que se encontram previstos nas várias alíneas do art. 22º
CP.

IMPUTAÇÃO OBJECTIVA
72. Nexo de causalidade ou nexo de imputação
É um elemento objectivo não escrito do tipo nos crimes materiais ou de resultado.
Dentro da teoria do facto punível e das categorias analíticas começou-se por analisar a
acção. Verificando-se que havia uma acção penalmente relevante, essa acção tinha de ser
subsumível a um tipo. E portanto o tipo tem uma determinada estrutura que é composta
por elementos objectivos e por elementos subjectivos.
Para se verificar se aquela acção se subsume a um tipo legal, tem-se de ver se os
elementos do tipo estão preenchidos; se os elementos objectivos estiverem preenchidos,
vai-se então ver se os elementos subjectivos do tipo também estão preenchidos para,
estando o tipo integralmente preenchido, passar a outra categoria analítica que é a
ilicitude.
Se faltar um elemento objectivo do tipo, já não há tipicidade. E já nem sequer há que
passar para a categoria seguinte, para analisar a responsabilidade jurídico-penal.
Há uma acção penalmente relevante, mas não é típica se não é típica, não há
responsabilização penal do agente.
Nos crimes materiais ou de resultado, tem-se como elemento objectivo o nexo de
causalidade ou nexo de imputação, que permite efectivamente imputar um evento a uma
determinada conduta, em termos de poder responsabilizar uma pessoa por aquele facto
que ocorreu.
Esse nexo de causalidade, sendo um elemento objectivo do tipo nos crimes materiais, de
resultado, ou omissões impuras, é um elemento não escrito do tipo, não está lá escrito,
excepto se se tratar de um crimes de realização vinculada.
A imputação objectiva só existe nos crimes materiais, nos crimes de resultado ou nas
omissões impuras, nos crimes de mera actividade, como a conduta do agente consuma
desde logo o tipo legal e não é necessário que espaço-temporalmente algo se diferencia,
não há nada a imputar. A própria conduta consuma o tipo legal de crime.
O nexo de causalidade pressupõe que entre os fenómenos se estabeleça um nexo causal
em relação de causa e efeito. Quando se fala em imputação objectiva, pressupõe-se que
entre fenómenos exista um nexo relacional.
Portanto, imputação objectiva e causalidade não são a mesma coisa, porque, pode haver
causalidade e não haver imputação objectiva; da mesma forma que só artificialmente é
que se poderá falar de causalidade e no entanto haver imputação objectiva.
Esta matéria de imputação objectiva mais na faz do que decidir quando é que se pode
responsabilizar criminalmente uma pessoa por alguma coisa que ela fez. E
nomeadamente, ver se é possível aferir, em termos de nexo de imputação, um
determinado resultado, um determinado evento ou uma determinada conduta humana.
E só havendo nexo de imputação, esse nexo relacional, que não tem de ser necessária e
forçosamente causal, é que se pode afirmar a responsabilidade jurídico-penal do agente.
73. Teoria da causalidade ou teoria “conditio sine qua non” ou teoria da equivalência das
condições
Surge uma teoria que procurava dar resposta a esta imputação do resultado a uma
determinada actividade e que é uma verdadeira teoria da causalidade, que pressupõe a
existência de um nexo causal entre um determinado resultado e uma conduta, em termos
de causa e efeitos.
A causa de um determinado resultado é toda a circunstância sem a qual o resultado não se
produziria. Neste sentido todas as condições se equivalem enquanto causa do mesmo
resultado. Ou seja, para os partidários da teoria “conditio sine qua non”, eles partiam dum
processo hipotético de eliminação para verificar se um determinado comportamento
podia ser ou não causa de um determinado resultado.
Então, através deste raciocínio hipotético, eles pensavam assim: vai-se abstrair dessa
conduta cuja causalidade se quer aferir e verificar se o resultado, abstraindo da conduta,
se mantém ou não. E chega-se a esta conclusão: se abstraindo do comportamento o
resultado permanecer é porque aquele comportamento não é causa de resultado.
Se pelo contrário, abstraindo-se do comportamento ou da conduta, é causado também
desaparecer, então é porque o comportamento é causa do resultado. E isto faz com que
exista um encadeamento causal infinito e leva a exageros de responsabilidade criminal.
Isto porquê? Porque eles nivelam todas as circunstâncias enquanto condição da produção
do resultado; todas concorrem equivalentemente para a produção do resultado, sem que
haja a possibilidade para se parar entre causas relevantes e causas irrelevantes.
Todas as circunstâncias se equivalem em termos de produção do resultado típico. Daí que
esta teoria seja também chamada a teoria da equivalência das condições.
Mas quando à partida a relevância da causa for desconhecida, a teoria pouco ou nada diz
sobre a manutenção ou não do resultado.
Uma critica que se faz à teoria da “conditio sine qua non” é que ela não resolve os casos
de imputação na chamada causalidade cumulativa e na chamada causalidade virtual ou
hipotética.
Por outro lado ainda, uma critica que se faz a esta teoria, é a de que esta teoria, já
excessiva na responsabilização criminal, por referência ao conceito de causa que tem, e
porque não permite distinguir entre causas relevantes e irrelevantes e irrelevantes porque
todas as circunstâncias são condições aptas à produção do resultado, então este conceito
naturalístico de causa não consegue explicar a imputação nos crimes omissões impuros
ou impróprios.
74. Teoria da causalidade adequada ou teoria da adequação
Parece ser aquela que o Código Penal perfilha no art. 10º, quando equipara a acção à
omissão e quando se diz que, quando de um crime faz parte um determinado resultado, o
facto é tanto a acção adequada a produzi-lo, como a omissão da acção adequada a evitá-
lo.
A teoria da adequação, visa restringir ou limitar os exageros da antecedente construção da
“conditio sine qua non”.
Já não são todas as circunstâncias que se equivalem enquanto causa do mesmo resultado,
mas são só importantes aquelas causas ou aquelas condições que sejam aptas, que sejam,
no sentido de importarem a obtenção de determinado resultado.
E para a determinação de que se considera causa adequada utiliza-se um juízo de
prognose objectiva posterior, ou prognose objectiva póstuma.
Neste juízo vai-se verificar se, para um homem médio, para um agente médio colocado
nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar daquele comportamento em concreto, era
previsível que resultasse aquela ocorrência ou que desse comportamento resultasse aquele
evento em concreto.
- Se se pudesse afirmar um juízo de previsibilidade, então dir-se-á que o comportamento
é causa adequada à produção desse resultado;
- Se, pelo contrário, não se puder afirmar um juízo de previsibilidade, então, ter-se-á de
considerar que aquele comportamento não é causa, no sentido de causa adequada, à
produção do resultado.
75. Juízo de prognose póstuma ou posterior
Fazer uma prognose é fazer uma previsão. E essa previsão é posterior, ou póstuma,
porque se vai fazer uma previsão no momento em que já ocorreu o resultado, quer-se
efectivamente comprovar se a conduta é conducente a esse resultado já ocorrido. Por isso
é que é uma prognose – uma previsão –, mas é póstuma.
E é objectiva, porque não se vai perguntar ao próprio agente que agiu se, actuando
daquela forma, lhe era a si previsível que ocorresse aquele evento, mas vai-se
efectivamente questionar, por relação – é quase uma valoração paralela na esfera laica do
agente. Ou seja, vai-se averiguar, para um homem médio colocado nas mesmas
circunstâncias de tempo e de lugar do próprio agente, se para ele era previsível que
daquela conduta ocorresse aquele resultado.
Na descoberta do critério da causalidade adequada hão-de estar presentes não só
elementos objectivos, não só o recurso à ideia da valoração feita pelo homem médio, mas
há que entrar em linha de conta também com os conhecimentos concretos que o agente
tenha daquela situação.
Para encontrar a verdadeira adequação, há que recorrer também aos conhecimentos que o
agente tenha no caso concreto.
Qual é o critério para se discernir se uma causa é adequada ou não à produção de um
determinado resultado?
Fazendo-se este juízo de prognose objectiva póstuma, faz-se entrar também em linha de
conta os conhecimento que o próprio agente tinha daquela situação.
Contudo, são várias as críticas que se podem fazer a esta teoria da adequação e que são as
seguintes:
Em primeiro lugar, é uma doutrina que postula, para a adequação da causa, elementos de
natureza subjectiva, uma vez que se tem de ter também em conta os conhecimentos que o
agente tinha da situação. E portanto já não se faz totalmente uma prognose objectiva
posterior, porque ela não é mesclada por uma subjectividade, pelos conhecimentos que o
agente tinha da própria situação.
Por outro lado, este critério, ou esta ideia de previsibilidade em que assenta a teoria da
adequação é um critério algo impreciso. E isto porque, postulando um conhecimento da
realidade e do mundo objectivo, não há dúvida nenhuma que esse conhecimento é
residual.
Finalmente, não se pode esquecer também que sendo categórico o juízo de
previsibilidade, ele só se pode afirmar ou negar.
76. Teoria do risco ou dos critérios do risco
Existem doutrinas posteriores cujo percurso foi iniciado por Klaus Roxin, que vêm
introduzir determinadas ideias para de alguma forma, corrigir estas teorias antecedentes:
quer a teoria da adequação ou da causalidade adequada, quer a teoria da “conditio sine
qua non” ou da equivalência das condições. É a chamada teoria do risco, ou dos critérios
do risco.
Os critérios do risco já não se fundam única e exclusivamente numa ideia de causalidade,
já não estabelecem um nexo de causalidade causa – efeito entre fenómenos. Estabelecem
antes um nexo de imputação, ou um nexo relacional, uma qualquer relação entre
fenómenos.
Os critérios de risco não são baseados em critérios de causalidade, sendo certo que a ideia
de causalidade em sede de imputação objectiva é um pressuposto mínimo ou um limite
máximo que não se pode dispensar.
Por vezes, a causalidade, o nexo de causalidade, não chega, não é suficiente para explicar
a imputação objectiva porque, pode existir causalidade, pode existir um nexo de causa e
efeito entre dois fenómenos e no entanto não haver lugar a imputação objectiva.
Perante a teoria do risco entende-se que só faz sentido considerar um evento, em termos
jurídico-penais, consequência de um determinado comportamento, sempre que o agente,
através do comportamento empreendido, criar um risco relevante, um risco juridicamente
desaprovado pela ordem jurídica.
Portanto, só faz sentido imputar um resultado, ou uma conduta humana, quando o agente
com aquela conduta:
- Criou um risco juridicamente relevante, proibido pela ordem jurídica;
- Ou então aumentou o risco existente;
- Ou ainda, quando não diminui um risco proibido.
O cerne está pois em que o comportamento ou a conduta do agente tem de ser criado,
aumentado ou não diminuído o risco proibido.
Só haverá lugar a imputação objectiva quando o agente, através da sua conduta, tiver
criado, aumentado ou não diminuído risco proibido.
Existem dois casos em que não há imputação objectiva:
- Nos casos em que o agente intervém no decurso de um processo causal já iniciado no
sentido de adiar, minorar o evitar a produção de um resultado lesivo, ou seja, nos casos de
diminuição do risco;
- E nos casos de risco lícito ou permitido[31].
Portanto, quando as situações estiverem fora do âmbito da esfera de protecção da norma,
também não há imputação objectiva.
Em conclusão:
A causalidade e imputação objectiva são duas realidades que não significa a mesma coisa.
A relação entre um determinado comportamento humano e um resultado, para efeitos de
punição, não tem que ser sempre necessariamente causal; e mesmo quando seja causal,
essa relação muitas vezes não é suficiente para afirmar a responsabilidade jurídico-penal
do agente. É o que acontece nomeadamente no caso dos crimes omissos impuros (ou
omissões impuras), em que não há uma causalidade em termos naturalísticos.
Por outro lado, pode haver causalidade e não obstante não haver imputação objectiva, são
casos de diminuição do risco[32].
Também a causalidade não resolve aquelas situações em que existe uma actuação
negligente por parte do agente, actuação negligente essa que da origem a um determinado
evento lesivo; mas, mesmo que o agente adoptasse um comportamento lícito, mesmo que
o agente actuasse diligentemente, com a observância de todos os cuidados que lhe são
impostos e de que era capaz, o resultado produzia-se na mesma.
Causalidade há, imputação objectiva em princípio não haverá, pelo menos para aqueles
que defendem como corrector, dentro dos critérios do risco, o chamado comportamento
lícito alternativo.
77. Desvios do processo causal
Quando uma pessoa pretende praticar um determinado crime, quando pretende a
obtenção de um determinado resultado típico, prevê normalmente a forma de obtenção
desse evento ou desse resultado típico, constrói, concebe um determinado processo
causal, isto é, faz desencadear uma série de acontecimentos que vão produzir o evento
pretendido pelo agente.
Muitas vezes o processo causal perspectivado pelo agente para obtenção do evento ou do
resultado típico diverge daquele que na realidade se verifica. Há diversos tipos de desvios
no processo causal:
- Desvios relevantes ou essenciais;
- Desvios irrelevantes ou não essenciais.
O critério utilizado para verificar se o desvio no processo causal é um desvio relevante ou
não relevante, isto é, se é um desvio essencial ou não essencial, é o mesmo critério de
previsibilidade que se utiliza para aferir da adequação da causa na teoria da adequação.
Ou seja, pergunta-se se, daquela actuação do agente seria previsível que ocorresse um
risco tal que levasse à produção daquele resultado.
- Se se afirmar essa previsibilidade e se disser que era previsível, então trata-se de um
desvio irrelevante;
- Se, pelo contrário, se afirmar que não era previsível, então trata-se de um desvio
relevante ou essencial.
Portanto, nos casos de desvio irrelevante ou não essencial do processo causal, há sempre
imputação objectiva.
78. Processo causais atípicos
São aquelas situações em que o agente consciente e voluntariamente provocou o desvalor
de acontecimento atípicos ou estranhos, isto é, provocou o desenrolar de acontecimento
que vão dar origem a um determinado resultado por ele pretendido, mas através dum
processo anormal, dum processo atípico ou estranho.
Causalidade virtual ou hipotética
É aquela causa que acontecem se isto ou aquilo não se verificasse ou não ocorresse; se
não se verificasse outro acontecimento que é, esse sim, a condição ou a causa real.
79. Comportamento lícito alternativo
São todas aquelas situações em que o agente adopta um comportamento negligente, não
observa os deveres de cuidado a que está obrigado e de que é capaz e, com esse
comportamento ilícito por ele adoptado, dá origem a um resultado lesivo; mas prova-se
que, mesmo que o agente actuasse diligentemente, observando todos os deveres de
cuidado, o resultado lesivo seria o mesmo, os chamados casos de comportamento lícito
alternativo.
Isto é, o agente teve um comportamento ilícito. Mas se tivesse sido um comportamento
lícito, o resultado seria exactamente o mesmo.
Nestes casos, os defensores da ideia de risco dividem-se:
- Há aqueles que dizem que nos casos de comportamento lícito alternativo não há lugar a
imputação objectiva;
- E há aqueles que dizem que nestes casos deve firmar-se a imputação objectiva do
agente.
80. Consagração no âmbito legislativo do art. 10º CP
O legislador relativamente ao art. 10º CP, equipara a acção à omissão e que ai se
consagrar as chamadas omissões impuras ou impróprias.
Nos termos do art. 10º/1 CP, diz-se que quando um determinado crime, ou um
determinado facto típico, compreende um resultado, o facto abrange não só a acção
adequada a produzi-lo, como a omissão da acção adequada a evitá-lo.
Neste sentido, parece que o legislador firma aqui, como ponto de partida para a
imputação objectiva, uma teoria da adequação, mas teoria da adequação que, sendo no
entanto maioritária na doutrina e jurisprudência mais recentes, completada pelos critérios
de imputação objectiva nomeadamente pelas ideias do risco.
Assim, em termos de imputação objectiva o quadro doutrinário no nosso país é o
seguinte:
- O Prof. Cavaleiro Ferreira e o Prof. Eduardo Correia utilizam basicamente a teoria da
adequação para formular a imputação objectiva;
- O Prof. Figueiredo Dias utiliza já alguns critérios do risco;
- A tendência é hoje cada vez mais para se adoptar:
· Ou uma teoria da “conditio sine qua non” e introduzir-lhe depois determinados
correspectivos com os critérios do risco;
· Ou, pelo contrário, partir de uma teoria da adequação – causalidade adequada – e
corrigi-la depois com os critérios ou ideias do risco.
Para afirmar a imputação objectiva assenta-se no critério básico da teoria da adequação,
num critério de previsibilidade assente num juízo de prognose póstumo ou posterior.
Introduzem-se depois correcções a esta teoria, correcções essas trazidas pela ideia de
risco, nomeadamente os casos de diminuição do risco, os casos de risco permitido ou
risco lícito, os casos que se situam para além da esfera de protecção da norma, em todos
eles há causalidade mas não há imputação objectiva.
Ainda um outro correctivo introduzido por força de um princípio dominante no Direito
Penal, que é o princípio da responsabilidade pessoal ou individual em Direito Penal e não
responsabilização por facto alheio.
[31] São riscos lícitos ou permitidos, porque são inerentes à própria sociedade em que as
pessoas vivem.
[32] Quando o agente intervém no decurso de um processo causal já iniciado, no sentido
de evitar a produção de um risco, de o adiar, ou de evitar um risco maior.

IMPUTAÇÃO SUBJECTIVA
I. Erro sobre elementos (de facto) do tipo
II. Erro sobre elementos normativos
III. Erro sobre proibições
81. Conceito e objecto do dolo
Do tipo fazem parte, para além dos elementos objectivos, os elementos subjectivos,
nomeadamente o elemento subjectivo geral nos crimes dolosos que é o dolo. E alguns
tipos pressupõem também elementos subjectivos específicos – as especiais tendências, as
especiais intenções.
O dolo é a consciência e vontade de praticar certo facto típico, ou de empreender certa
actividade típica.
O dolo, enquanto elemento subjectivo do tipo, consiste o conhecimento dos elementos
objectivos desse tipo e na vontade de os praticar: a pessoa actua dolosamente quando
conhece e quer os elementos objectivos de um tipo legal.
A responsabilidade em Direito Penal é genericamente, por facto doloso. Só
excepcionalmente existe responsabilidade por facto negligente (art. 13º CP).
A partir deste conceito de dolo, verifica-se que o dolo tem uma estrutura composta por
dois elementos:
1) Elemento intelectual ou cognitivo, que se traduz no conhecer;
2) Elemento volitivo que se traduz no crer.
Dentro da estrutura do dolo, o elemento intelectual precludido sempre o elemento
volitivo, porque só se pode querer aquilo que previamente se conheceu.
Faltando o elemento intelectual, está precedido o elemento volitivo, estando precludido
ou excluído o elemento volitivo, falta um elemento do dolo, a conclusão é a exclusão da
imputação dolosa – exclusão do dolo.
Esta falta de conhecimento de elementos do facto típico gera situações de erro; são as
situações de erro de tipo, situações em que há um desconhecimento ou um imperfeito
conhecimento dos factos ou da realidade.
Quanto ao elemento intelectual do dolo interessa ainda dizer que tem que ser um
conhecimento actual.
Quanto ao elemento volitivo – o querer – aqui distinguem-se basicamente três espécies de
dolo (art. 14º/1, 2 e 3 CP):
1) Dolo directo de primeiro grau ou intenção;
2) Dolo directo de segundo grau ou dolo necessário;
3) Dolo eventual ou dolo condicionado ou condicional.
São diferentes formas de graduação do dolo, diferentes formas de intensidade de querer
um determinado resultado.
Uma pessoa pode querer um resultado, ou pode querer um facto típico, com maior ou
menor intensidade.
Quando a pessoa quer directamente aquilo que prevê com a intenção de realizar aquilo
que prevê, está-se perante a forma mais intensa de querer, está-se perante o dolo de
intenção ou dolo directo de primeiro grau.
Portanto, em Direito Penal é incorrecto dizer-se que dolo é sinónimo de intenção, porque
intenção em termos rigorosos visa tão só uma das espécies de dolo, que é a forma mais
intensa (art. 14º/1 CP).
Outras vezes a relação de intensidade para com aquilo que o agente quer já não é tão
intensa. São aquelas em que o agente quer algo em primeira linha, e quer essa coisa com
a sua intenção; mas sabe que para conseguir essa coisa, como consequência necessária da
conduta que tem de empreender para conseguir isso que quer, algo vai acontecer como
consequência necessária da conduta.
Nestas situações está-se perante o dolo directo de segundo grau ou dolo necessário (art.
14º/2 CP).
Nas situações de dolo eventual, que é a forma mais ténue de intensidade da relação do
querer do agente para com o facto por ele praticado, o agente representa, prevê como
possível que da sua actuação possa ocorrer um determinado resultado lesivo, um
determinado tipo crime. E actua conformando-se com a possibilidade dessa realização,
actua conformando-se com a possibilidade de a sua actuação desencadear a ocorrência do
facto típico por ele previsto, é o chamado dolo eventual (art. 14º/3 CP).
Muito perto do dolo eventual, está uma outra figura que há chamada negligência
consciente.
Actuar dolosamente ou negligentemente conduz a resultados práticos e dogmáticos
diferentes.
Em primeiro lugar, a norma do art. 13º CP, diz-se que a regra geral é a imputação por
facto doloso e só excepcionalmente existe responsabilidade criminal por facto negligente.
Por outro lado, a figura da tentativa e a tipicidade da tentativa e do facto tentado prevista
no art. 22º CP é uma tipicidade dolosa. Não existe responsabilidade penal por tentativa
negligente.
E ainda, mesmo quando a lei prevê excepcionalmente responsabilidade por facto
negligente, a moldura penal prevista para o mesmo facto praticado dolosamente.
Como é que se distingue dolo eventual de negligência?
Enquanto que da estrutura do dolo fazem parte dois elementos – o elemento intelectual
(conhecer) e o elemento volitivo (o conhecer), como acontece na negligência
inconsciente; mas não há nunca o elemento volitivo.
Na negligência nomeadamente na negligência consciente, tem-se aquelas situações em
que o agente representa a possibilidade de perigo[33], mas actua não se conformando
com a realização do resultado típico que ele previu.
O agente, tendo previsto o perigo para determinado bem jurídico, perigo que resulta da
sua actuação, actua não se conformando que dessa sua actuação o perigo se venha a
desencadear na lesão.
O que é que a negligência consciente tem em comum com o dolo?
É que em ambos existe o elemento intelectual; em ambos existe a previsibilidade do
perigo; em ambos o agente reconhece a possibilidade ou probabilidade de lesão; o agente
reconhece um determinado perigo.
82. Teoria da probabilidade ou verosimilhança
Há quem secunde para a distinção entre dolo eventual e negligência consciente, uma
teoria da probabilidade ou verosimilhança.
Aqui, o critério fundamental é o grau de probabilidade com que se prevê um certo
resultado:
- Se uma pessoa prevê como altamente provável um certo resultado e não deixa de agir
como quer agir, pode dizer-se que essa pessoa actua com dolo eventual;
- Se o grau de probabilidade com que se prevê um determinado resultado é um grau
baixo, então haverá negligência consciente.
Esta teoria da probabilidade ou verosimilhança é um critério extraordinariamente
criticável pelo seguinte:
Este critério de grau de probabilidade com que se prevê um determinado resultado é
efectivamente um critério muito impreciso, porque pergunta-se: até que ponto é que se
limita o grau de probabilidade? Então uma pessoa previu como 50% de probabilidade ou
será 60% ou 70%?
É um critério impreciso.
Para além de ser um critério muito impreciso, o grau de probabilidade com que se prevê
ou não determinado resultado é subjectivável, varia de pessoa para pessoa: há pessoas
que são mais cautelosas e outras pessoas que o são menos.
E por outro lado, há determinados resultados que são altamente prováveis e que contudo,
ninguém pensa imputá-los a título doloso.
Deve afastar esta teoria da probabilidade ou da verosimilhança e se adopte a teoria da
aceitação do consentimento ou da confirmação ou seja, para além de se prever um
determinado resultado, só é possível imputá-lo a título doloso e afirmar que existe
vontade quando o agente tenha aceite ou consentido nesse mesmo resultado.
83. Teoria ou fórmula hipotética
Existem basicamente duas teorias, ou duas fórmulas de Frank que ajudam a compreender
quando é que o agente actua conformando-se e portanto querendo um resultado típico; ou
quando é que o agente actua não se conformando, não querendo o resultado típico.
No primeiro caso tem-se dolo eventual; no segundo negligência consciente.
Segundo a fórmula hipotética de Frank, à que se interrogar quando é que o agente
actuaria caso previsse como certo o resultado:
- Se se chegar à conclusão que, tendo previsto como certo o resultado lesivo, o agente não
actuaria daquela forma, então é porque o agente actuou com negligência consciente.
- Se pelo contrário, tendo previsto como certo o resultado lesivo, o agente não tivesse
deixado e actuar de forma como actuou, então é porque o agente actuou como dolo
eventual.
Esta fórmula ou teoria hipotética de Frank para distinguir os casos em que o agente
actuaria com dolo eventual ou com negligência consciente, é de alguma forma criticável.
Por força de algumas críticas Frank faz uma formulação positiva da sua teoria.
Já não se pergunta o que é que aconteceria se o agente tivesse previsto como certo o
resultado lesivo, mas vê-se antes, perante uma determinada situação fáctica, se a posição
do agente ao actuar é esta: “aconteça o que acontecer, haja o que houver, eu actuo”.
Para fazer a distinção entre dolo eventual e negligência consciente e saber quando é que o
agente actua conformando-se (e portanto querendo o resultado), a teoria ou fórmula
positiva de Frank é um bom ponto de partida.
Simplesmente, por vezes há que introduzir ainda determinados correctivos a esta
formulação positiva de Frank. E essa correcção deve ser feita por recurso ao caso
concreto, tendo nomeadamente em conta a intenção do agente e a posição do agente.
Para a distinção entre dolo eventual e negligência consciente, vai-se partir do princípio da
actuação da teoria positiva de Frank mas com um correctivo face ao apelo da motivação
concreta do agente quando actua de determinada forma.
E também a intensidade do dolo é reflectida em termos da medida da pena, no âmbito do
art. 72º CP.
84. Dolo de perigo
Os crimes de perigo têm uma estrutura típica em que o legislador descreve uma conduta
típica perigosa e da qual se autonomiza um resultado típico que é o próprio perigo para o
bem jurídico que o legislador pretende proteger através da incriminação.
Para que o tipo esteja consumado, é necessário que se autonomize dessa conduta o
resultado típico, que é o perigo para a própria vida da pessoa que foi exposta.
Nos crimes de perigo concreto o resultado é o próprio perigo para o bem jurídico que a
norma pretende tutelar.
Mas o perigo é uma possibilidade de lesão. Sendo o dolo a consciência e vontade de
realização dos elementos objectivos do tipo, nos crimes de resultado de que são exemplo
também os crimes de perigo concreto, o resultado é o elemento objectivo do tipo. Logo
tem de abarcar o próprio resultado enquanto elemento objectivo do tipo.
Donde, o dolo tem efectivamente de se reportar nos crimes de perigo concreto ao próprio
perigo que é o resultado autonomizável da conduta perigosa.
O dolo é uma figura que tem um recorte legislativo. Existem várias modalidades de dolo,
que é um dolo de lesão, previstas no art. 114º CP. Portanto o dolo de perigo há-de ser um
dolo que não pode ser uma figura inteiramente nova, mas que tem que ter algum apoio
legislativo. Há-de ter alguma filiação em sede do que já está no art. 14º CP, nalgum dos
seus números.
O dolo de perigo não é compaginável de ser recortado à figura do dolo directo de
primeiro grau, ou intenção, prevista no art. 14º/1 CP, porque é difícil conceber que quem
actuar querendo o perigo que é a probabilidade de lesão e querendo directamente aquele
perigo, pelo menos não se conforma com a possibilidade de lesão.
Por outro lado também não é concebível uma situação de dolo eventual de perigo, porque
se o dolo eventual nos termos do art. 14º/3 CP, é aquela situação em que o agente
representa como possível que da sua conduta vá ocorrer a lesão e actua conformando-se
com essa possibilidade, então o agente, ao prever como possível o perigo, está a prever a
possibilidade da lesão, porque o perigo é sempre a possibilidade de lesão.
O dolo de perigo há-de ser natural e necessariamente um dolo necessário de perigo, que
pode ser recortado nos moldes do art. 14º/2 CP.
Para que exista dolo de perigo é necessário um elemento positivo e dois elementos
negativos.
Elemento positivo:
É a consciência que o agente tem da situação de perigo: o agente tem de representar, tem
de tomar consciência (elemento intelectual do dolo) da possibilidade de lesão que é o
perigo.
Elementos negativos:
1) É preciso que o agente, tendo previsto e representado o perigo, que é a possibilidade de
lesão não se auto-tranquilize no sentido de pensar que aquilo que previu como perigoso
não irá ocorrer, porque nesse caso tem-se uma situação de negligência consciente (art.
15º/1 CP).
2) Por outro lado, tendo o agente representado o perigo e tendo consciência desse perigo,
ele não se pode auto-conformar. Na verdade, se o agente prevê o perigo e se auto-
conforma com a possibilidade de o perigo por ele previsto se desencadear em lesão, então
já se tem uma situação de dolo eventual de lesão.
Ainda no que diz respeito à imputação subjectiva, torna-se relevante falar nos elementos
subjectivos específicos ou especiais.
Os Neoclássicos chamariam à atenção para o facto de que o tipo tinha alguns elementos
subjectivos específicos. Foram referidas em sede própria as especiais tendências, as
especiais intenções, a propósito do crime de burla, que pressupunha uma intenção de
enriquecimento.
Nestes casos, os tipos só estão preenchidos e constituídos quando se verifica essa
intenção ou intenções. No entanto para a consumação material do tipo é necessário que o
resultado dessas intenções se concretize.
Quando o legislador nada diz, nos tipos da parte especial que são em geral dolosos,
admite-se qualquer forma de dolo – dolo directo, dolo necessário, dolo eventual – a não
ser que a lei expressamente limite a forma de dolo que serve para o preenchimento do
tipo legal[34].
85. Erro do tipo
Quando falte um dos elementos da estrutura do dolo este está automaticamente afastado.
E isto porque desde logo se o agente desconhece determinada realidade, nunca a poderia
ter querido. Logo, não há dolo. Estas situações de desconhecimento ou de imperfeito
conhecimento da realidade são situações de erro. E pode haver erro sobre elementos do
facto típico.
Enquanto consagração e disciplina legal, o regime do erro está previsto nos arts. 16º e 17º
CP.
O art. 16º CP expressa as situações de erro intelectual, enquanto que o art. 17º CP
expressa as situações de erro moral, também dito erro de valoração.
O erro de tipo que exclui o dolo do próprio tipo; e excluindo o dolo, poderá a tipicidade
estar afastada porque falta o elemento subjectivo geral.
Nos casos do erro do art. 17º CP erro moral ou de valoração, a sua relevância, filtrada ou
não por critérios de censurabilidade, tem quando o erro for não censurável, a função e
consequência de excluir a culpa.
O erro intelectual do art. 16º/1 CP (erro do tipo) é um erro que pode incidir sobre
elementos do facto típico, elementos normativos ou elementos de direito, e sobre
proibições cujo conhecimento fosse razoavelmente indispensável ao agente ter para tomar
consciência da ilicitude.
No art. 16º/2 CP prevê-se outra situação de erro, que não é já um erro de tipo, mas é um
erro sobre os pressupostos de facto ou de direito das causas de exclusão da ilicitude ou
das causas de exclusão da culpa.
Dentro das situações de erro intelectual pode-se distinguir duas espécies:
- Erro ignorância;
- Erro suposição.
Nas situações de erro ignorância, verifica-se por parte do agente um total
desconhecimento da realidade.
Por vezes, dentro da modalidade do erro intelectual pode haver uma errada representação
da realidade, ou um imperfeito conhecimento. É uma situação de erro suposição que é
uma das modalidades reconduzíveis à situação de erro intelectual.
É ainda necessário distinguir entre:
- Erro por defeito; e
- Erro por excesso.
Ou
- Erro de tipo; e
- Tentativa impossível.
Quando se traça a punibilidade da tentativa, fala-se de alguns casos de tentativa
impossível expresso no art. 23º/3 CP. A tentativa pode ser impossível por hipótese por
referência à inexistência do objecto.
As situações de erro de tipo são situações que se dizem normalmente de erro por defeito,
em que o agente, com o seu comportamento, dá origem a um resultado que ele não quis.
86. Critérios de relevância do erro
Em tese geral, como é que se distingue, em termos de relevância, o erro intelectual do art.
16º CP do erro moral ou de valoração do art. 17º CP?
- Enquanto que o erro intelectual, nas suas modalidades de erro ignorância e erro
suposição, releva imediatamente, releva por si mesmo, ou seja, basta provar que a pessoa
está no âmbito de uma dessas situações previstas no art. 16º CP para que o erro tenha
relevância;
- Já em sede de erro moral ou de valoração do art. 17º CP a relevância do erro é mais
exigente, terá que ser filtrada por critérios adicionais, por critérios de censurabilidade.
Numa situação de erro moral ou de valoração, que são aquelas situações em que as
pessoas ignoram a realidade, não têm uma errada percepção da realidade, mas têm sim é
uma errada valoração ou concepção valorativa dessa mesma realidade, o erro não releva
por si mesmo.
A percepção que se tem da valoração jurídica dessa mesma realidade é que é errada,
porque o agente presume que aquele comportamento é um comportamento lícito,
admitido pela ordem jurídica, quando na realidade a valoração dada àquela actuação é
uma valoração negativa, é um comportamento ilícito.
87. Regime da relevância
O erro moral ou de valoração do art. 17º CP não relva por si mesmo, como nos termos do
art. 16º/1 CP. A consequência não é automática, há uma relevância mais exigente: tem de
ser ainda filtrada por um critério de censurabilidade.
Assim, tem-se de ver se aquele erro de valoração, se aquele erro moral, é um erro
censurável ou um erro não censurável. Ou seja, se era um erro censurável, porque era um
erro evitável, e consoante um caso ou outro, assim a consequência, desta forma:
- Se o erro era um erro inevitável, não censurável, a culpa será excluída nos termos do art.
17º/1 CP;
- Se, pelo contrário, for um erro censurável, porque era um erro evitável, aí o agente
responde pelo crime doloso que cometeu, podendo a pena beneficiar de uma atenuação
especial e facultativa (art. 17º/2 CP).
Relativamente ao art. 16º/1 CP pode-se esquematizar da seguinte maneira:
I. Erro sobre elementos (de facto) do tipo:
1) Erro sobre o objecto:
a) Desvio no processo causal:
- Essencial;
- Não essencial.
b) Erro sobre a eficácia do processo (a “aberratio ictus”)
2) Erro sobre as qualidades do autor;
3) Erro sobre o processo causal;
4) Erro sobre os elementos acessórios.
II. Erro sobre os elementos normativos:
1) Erro sobre qualidades normativas do autor;
2) Erro sobre qualidades normativas do objecto:
a) Extensão do conceito normativo
III. Erro sobre proibições
1) Erro sobre a existência de proibições;
2) Erro sobre a extensão de proibições.
No art. 16º/1 CP encontram-se várias proposições:
- O erro sobre elementos de facto do tipo;
- O erro sobre elementos normativos de um tipo legal;
- O erro sobre proibições cujo conhecimento seja razoavelmente indispensável o agente
ter para tomar consciência da ilicitude do facto.
Todas estas circunstâncias, a estarem presentes, têm como consequência nos termos do
art. 16º/1 CP a exclusão do dolo. No art. 16º/3 CP ressalva-se a punibilidade por
negligência nos termos gerais.
I. Erro sobre elementos (de facto) do tipo
88. Erro sobre o objecto
a) Erro sobre a existência
Pode tratar-se de uma daquelas situações descritas de erro ignorância porque, o erro é um
total desconhecimento ou um imperfeito desconhecimento da realidade e do seu
significado. Neste sentido, nas situações de erro ignorância o agente desconhece
totalmente a realidade.
Nestas situações de erro sobre o objecto, nomeadamente erro sobre a existência do
objecto, também é possível configurar situações de erro suposição, ou seja, aquela
modalidade de erro intelectual em que o agente conhece mal, ou imperfeitamente, a
realidade.
Nas situações de erro sobre o objecto, nomeadamente erro sobre a existência do objecto,
também é possível configurar situações de erro suposição, ou seja, aquela modalidade de
erro intelectual em que o agente conhece mal, ou imperfeitamente, a realidade. Para
averiguar a relevância deste erro, tem-se de verificar se entre o objecto representado pelo
agente e o objecto efectivamente atingido ou agredido com a conduta do agente, existe ou
não uma distonía típica. Tem-se de verificar se entre o objecto representado pelo agente e
que ele quis atingir, e o objecto efectivamente atingindo, se a lei valora da mesma forma,
em termos de tipo, aquele comportamento. Havendo distonía típica, o erro é relevante; se
não existe distonía típica, o erro não é relevante, se não é relevante, então não se afasta o
dolo do tipo e não se aplica a consequência do art. 16º/1 CP.
b) Erro sobre as características
Estas características do objecto típico podem ser fácticas ou normativas.
Exemplo:
A, conhece e quer destruir um livro, mas desconhece que aquele livro que ele quer possui
um valor histórico grande. Desconhece pois aquela característica fáctica do objecto.
Então, o agente conhece e quer danificar o livro. Portanto, ele conhece e quer incorrer no
crime de dano. Mas na realidade, aquilo que acontece é que o agente, devido ao valor
histórico do objecto do tipo, está a incorrer no crime de dano agravado.
Qual é a consequência deste erro?
Desconhecendo, o agente, o carácter ou o valor histórico do livro, desconhece
efectivamente esta característica fáctica do objecto do tipo e isso leva a que o agente seja
responsabilizado pelo crime de dano (simples) e não pelo crime de dano qualificado.
Quanto ao erro sobre as características normativas, exemplo:
Suponha-se que A, conhece e quer destruir um pinheiro, desconhecendo porém que
aquele pinheiro se encontra numa zona florestal protegida por lei, pelo que a sua
destruição implica uma agravação: constitui um crime de dano substancialmente mais
agravado.
Em bom rigor, isto é um erro já da segunda parte do art. 16º CP sobre elementos
normativos, mais concretamente um erro sobre qualidades normativas do objecto. Neste
caso, a consequência será também a de punir o agente pelo crime de dano simples, na
medida em que o agente ignorava aquele elemento normativo que qualificava o crime.
89. Erro sobre as qualidades do autor
Os tipos legais de crime, quanto ao autor, numa das modalidades mas conhecidas, se
podem distinguir entre crimes gerais ou comuns e crimes específicos, podendo estes ser
crimes específicos em sentido próprio ou crimes específicos em sentido impróprio.
Chama-se agora à colação a noção dos crimes específicos ou próprios que são aqueles
que exigem determinadas qualidades, naturalísticas ou outras, da pessoa do autor. Ou
seja, nem todas as pessoas podem ser autoras daqueles tipos legais de crime, mas apenas
as pessoas que tenham a qualidade típica descrita na lei.
É um erro que se insere também no art. 16º/1 CP e que leva à exclusão do dolo[35].
90. Erro sobre o processo causal
Pode apresentar duas modalidades fundamentais:
- Pode tratar-se de um desvio no processo causal, que pode por seu turno ser um desvio
essencial ou um desvio não essencial;
- Ou pode tratar-se de um erro sobre a eficácia do processo causal.
Há quem não considere o erro sobre o processo causal como um erro de tipo. E isto desde
logo devido às consequências que a relevância deste tipo de erro tem.
A relevância do erro sobre o processo causal não é a mesma, em termos de
consequências, do que está preceituado no art. 16º/1 CP – não leva nunca à exclusão do
dolo, mas tem antes relevância ao nível da imputação objectiva.
Porquê então tratar aqui o erro sobre o processo causal, ao lado das situações de erro do
tipo?
Isto é assim porque o nexo causal o nexo de causalidade ou nexo de imputação é um
elemento objectivo do tipo, normalmente um elemento não escrito do tipo. Portanto,
como elemento do tipo que é, faz sentido tratar este erro ao lado das verdadeiras situações
de erro de tipo, como se de um verdadeiro erro de tipo se tratasse.
Mas note-se, que a relevância do erro sobre o processo causal, quer o desvio seja
essencial ou não essencial, quer do erro sobre a eficácia do processo causal, não é a
mesma em termos consequências do processo no art. 16º/1 CP não havendo exclusão do
dolo.
a) Desvio no processo causal
Tem-se um desvio no processo causal quando o resultado típico efectivamente pretendido
pelo agente se verifica por um processo causal diferente daquele que foi perspectivado
pelo próprio agente.
Tem-se que se ver quando é que se está perante um desvio no processo causal que seja
essencial, ou quando é que esse desvio no processo causal é não essencial, porque de
acordo com uma ou outra conclusão assim a consequência em termos de tratamento
jurídico-penal é diferenciada; assim:
- Se estiver perante um desvio no processo causal essencial, o agente só pode ser punido
por tentativa;
- Se pelo contrário, se estiver perante um desvio no processo causal não essencial, o
desvio não assume qualquer relevância e o agente é punido por facto doloso consumado.
Então, o cerne da questão está em saber quando é que um desvio no processo causal é
essencial e quando é que não é.
Para se determinar esta situação da essencialidade ou não essencialidade do desvio, vai-se
utilizar precisamente os critérios que se utilizou para firmar a imputação objectiva.
Nomeadamente partindo desde logo duma ideia de previsibilidade, isto é, perguntando se
da conduta adoptada pelo agente era previsível que, em termos de criação de um perigo
ou de um risco juridicamente desaprovado pela ordem jurídica, o resultado típico viesse
de facto a correr mercê do processo causal realmente verificado na prática. Ou seja, vai-
se verificar se era previsível para um homem médio, colocado nas mesmas circunstâncias
que o agente tendo os mesmos conhecimentos que ele tinha, etc.[36] Que daquela
conduta que visava um determinado processo causal tivesse ocorrido o processo causal
que não realidade ocorreu.
b) Erro sobre a eficácia do processo causal
São situações em que o agente se engana quanto à eficácia do processo, por si
perspectivado para levar a cabo o resultado típico por ele pretendido.
Quanto ao tratamento a dar a esta situação de erro a eficácia do processo causal, existe
uma divergência doutrinal.
Há quem veja nestas situações de erro sobre a eficácia do processo causal, uma situação a
que se pode chamar dolo geral, em que há um processo unitário levado a cabo pelo
agente com dolo geral: o agente conhece e quer matar uma pessoa e acaba por conseguir
naquilo que efectivamente quis.
A conclusão será responsabilizar o agente por crime doloso consumado.
Há quem pense de maneira diferente, distinguindo consoante a segunda acção levada a
cabo pelo agente e que acaba por ser o processo causal real que determina o resultado
lesivo típico já tivesse ou não sido planeada pelo agente.
E então dizem:
- Se a segunda acção, que deu origem ao resultado pretendido pelo agente, já tivesse sido
por este planeada quando ele empreendeu a primeira acção; e se esta segunda acção for o
desenvolvimento lógico do plano do agente, então nesse caso o agente deve ser
responsabilizado por crime doloso consumado.
- Se pelo contrário esta segunda acção, que determina o resultado lesivo pretendido pelo
agente numa primeira acção, não tiver sido planeada pelo agente e ocorrer
momentaneamente, não se tratando cuja do desenvolvimento dum plano inicialmente
concebido pelo agente, então o agente deve ser punido em concurso efectivo com uma
tentativa de homicídio e um homicídio negligente.
Mas nestas situações de erro sobre a eficácia do processo causal seja mais aceitável a
figura do dolo geral, vendo nestas acções um processo unitário levado a cabo pelo agente
com dolo geral e punido pois o agente por facto doloso consumado.
91. A “aberratio ictus”
Também designada erro sobre a execução ou execução defeituosa não é em rigor uma
situação de erro intelectual.
Nas situações de aberratio ictus” não existe uma representação errada da realidade, o que
se verifica, sim, é um insucesso do facto, ou um fracasso do facto.
Nas situações de “aberratio ictus” o agente representa bem o objecto e a vítima; a
realidade é integralmente representada em termos concretos pelo agente. Portanto, erro
intelectual não há.
Também aqui, existem várias posições doutrinais:
Uma delas, é a da Profa. Teresa Beleza, que dá a estas situações de “aberratio ictus”
exactamente o mesmo tratamento que dá às situações de erro sobre a identidade do
objecto, ou seja, entende que se deve averiguar se existe distonía típica entre o objecto
representado pelo agente e o objecto efectivamente atingido e tratar a situação como se de
um erro sobre o objecto se tratasse.
De acordo com outra posição perfilhada entre outros autores pelo Prof. Castilho Pimentel,
Dra. Conceição Valdágua e também pelos Profs. Cristina Borges Pinho e Costa Pimenta
será de entender que nestas situações de “aberratio ictus” se deve dar um tratamento
diferente, em termos de punir o agente em concurso efectivo com uma tentativa (de
homicídio ou outra) em relação ao objecto visado ou representado pelo agente e um
homicídio negligente (ou facto negligente) em relação ao objecto efectivamente atingido.
Admite-se em determinadas situações concretas de “aberratio ictus” que a solução matriz
agora referida possa não ser esta, mas possa ser antes uma tentativa em relação ao objecto
representado mas não atingido pelo agente, em concurso efectivo com um crime
consumado com dolo eventual.
São aquelas circunstâncias em que há um insucesso ou um fracasso de facto, nas
situações de “aberratio ictus” em que o agente, representando um determinado objecto
mas que o resultado se irá verificar num objecto diferente e mesmo assim actua,
conformando-se com essa situação.
92. Erro sobre elementos acessórios
Estes elementos acessórios de um tipo legal de crime podem constituir agravantes ou
atenuantes, quer genéricas, quer fundamentando um tipo autónomo de crime ou um tipo
diferenciado de crime.
Nestas circunstâncias, há que entender que se deve responsabilizar o agente pelo crime
que ele julga estar a cometer.
II. Erro sobre elementos normativos
93. Erro sobre as qualidades normativas do autor
Erro sobre elementos normativos, é a segunda proposição do art. 16º/1 CP: erro sobre
elementos de direito de um tipo legal de crime.
Exemplo:
O agente é um funcionário público, mas desconhece que tem aquela categoria:
desconhece que é funcionário público porque se convence que funcionários públicos só
são os funcionários que têm uma determinada graduação hierárquica, isto é, os
funcionários superiores da administração.
Desconhecendo o agente essa qualidade que na realidade tem, é um erro da 2ª parte do
art. 16º/1 CP relevante em termos de exclusão do dolo.
94. Erro sobre as qualidades normativas do objecto
É necessário para o erro sobre o objecto.
Exemplo:
Um pinhal situado numa região florestal protegida por lei: o agente desconhece a
existência dessa lei que enquadra aquela região numa zona protegida e que, em
consequência, pune criminalmente de uma forma mais severa o crime de dano (arrancar,
serrar ou por qualquer forma danificar as árvores).
A relevância do erro é a mesma, no sentido de excluir o dolo do crime de dano
qualificado, devendo o agente ser responsabilizado pelo crime de dano simples.
Ainda quanto ao erro sobre elementos normativos, há que referir a extensão do conceito
normativo.
Muitas vezes o agente ao actuar tem consciência, sabe, que determinado elemento
fáctico, que o objecto por ele visado, tem uma componente normativa, só que erra quanto
à extensão do conceito normativo.
Este erro sobre a extensão do carácter normativo é já um erro moral ou de valoração que
se há-de aferir em termos de relevância e consequência, em sede do art. 17º CP.[37]
Este erro sobre a extensão do carácter normativo há-de ser ponderado segundo um
critério de censurabilidade ou não censurabilidade, porque no fim de contas é um erro
moral ou de valoração.
III. Erro sobre proibições
95. Erro sobre a existência de proibições
Em primeiro lugar importa referir quais são estas proibições que se filiam em sede do art.
16º/1 CP e não saltam já para o campo do art. 17º CP como erro moral ou de valoração.
Das proibições legais são só e tão só aquelas ditas proibições artificiais ou proibições que
não têm um carácter ético ou social enraizado em termos de serem valorativamente
neutras no sentido de que os cidadãos não têm delas consciência ético-jurídica ainda
formulada; ou então as proibições novas.
No fim de contas, proibições que em termos de axiologia não representem uma
interiorização de comando em termos de lesão ético-jurídica de bens jurídicos reputados
como verdadeiramente fundamentais ou essenciais.
96. Erro sobre a extensão das proibições
Não se trata já de um erro ignorância, mas é um erro suposição.
Nestas situações em que se está perante um erro sobre a extensão de proibições, em que o
agente conhece a proibição mas engana-se tão só quanto à sua extensão, já não se está
perante um erro a ser valorado em termos do art. 16º/1 CP mas sim, está-se perante uma
situação de erro moral ou de valoração, a ser valorado à luz dos critérios do art. 17º CP.
Ter-se-á depois de fazer filtrar este erro, pelos critérios da censurabilidade ou não
censurabilidade para, em conformidade com o que dispõe o art. 17º/1 CP exclui a culpa,
ou, nos termos do art. 17º/2 CP punir o agente pelo crime doloso consumado respectivo
cumpra especialmente atenuada.
[33] E o perigo é sempre uma possibilidade ou uma probabilidade de lesão.
[34] Está-se a falar obviamente do dolo de lesão, porque o dolo de perigo só se verifica e
só é exigível nos chamados crimes de perigo concreto.
[35] Exclusão da imputação dolosa.
[36] Cá está o critério da adequação a funcionar em termos de previsibilidade.
[37] Não entronca já nas situações de erro intelectual previstas no art. 16º CP.

ILICITUDE
A. REGIME DAS CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE
a) Legítima defesa
b) Direito de necessidade
c) Outras causas de exclusão da ilicitude
97. Introdução
O conceito de ilicitude material foi uma conquista dos neoclássicos que também
analisaram quais eram as consequências relevantes da distinção entre ilicitude material e
ilicitude formal.
Nomeadamente a partir dum conceito de ilicitude material permita-se uma graduação do
conceito de ilicitude, ao mesmo tempo que permitia descobrir novas causas de
justificação e aderir à chamada justificação supra legal.
Quanto ao conceito de ilicitude pessoal e o contributo dado para esta categoria pelos
finalistas.
Uma acção é penalmente relevante, essa acção pode ser subsumível aos termos gerais e
abstractos dum tipo legal de crime.
Se a tipicidade objectiva e subjectiva estiver preenchida, tem-se que o tipo indicia a
ilicitude.
A um facto típico está indiciado um juízo de ilicitude, ilicitude formal, no sentido de que
aquilo que se fez é algo que contraria a ordem jurídica na sua globalidade, é algo que é
contrário à lei.
Mas este juízo de ilicitude indiciado pela tipicidade pode ser excluído, e é excluído pela
intervenção relevante das chamadas causas de exclusão da ilicitude ou causas de
justificação. Estas são causas, que visam excluir a ilicitude do facto típico; visam dizer
que aquele facto, que é típico, é aprovado pela ordem jurídica porque é um facto que está
justificado.
Mas um facto justificado[38], não deixa por esse facto de ser um facto típico. Portanto
um facto justificado permanece típico – tão só se exclui a ilicitude.
Um facto, ainda que justificado, não deixa de ser típico, porque os factos, ainda que
aprovados pela ordem jurídica (factos cuja ilicitude esteja excluída) não são
valorativamente neutros.
A própria função que o tipo deve desempenhar inculca a que se faça uma análise
tripartida do facto punível, com as categorias da tipicidade, de ilicitude e da culpa. E isto
porque o juízo que é dado sobre a tipicidade de um facto que acaba por ser justificado é
um juízo que não volta atrás: o tipo tem uma função de apelo, desde logo pelos fins das
penas, visível em cada tipo legal de crime, quer-se dizer com isto que o legislador quando
tipifica comportamentos o faz com uma determinada intenção.
Portanto, o tipo tem uma certa função de apelo:
- No sentido de que as pessoas não devem empreender essas condutas que a lei considera
proibidas;
- Ou no sentido de fazer com que as pessoas adoptem determinadas condutas que a lei
exige.
Esta função de apelo inerente aos tipos só se satisfaz se ainda que o facto esteja
justificado, o tipo permanecer intacto: em princípio não se deve matar, no entanto aprova-
se que alguém mate outrem em legítima defesa.
98. Juízo de ilicitude
É um juízo que é feito pela ordem jurídica, um juízo generalizado, um juízo de desvalor
que incide sobre o facto praticado, ou seja:
- A ordem jurídica fórmula um juízo negativo sobre quem adopta um determinado facto
que a ordem jurídica considera um facto proibido;
- Ou faz incidir um juízo de desvalor, porque efectivamente a pessoa não adoptou o
comportamento que devia ter adoptado quando a lei o exigia.
Neste sentido tem-se que o juízo de ilicitude é um juízo de desvalor generalizado que
incide sobre o próprio facto.
Este juízo de ilicitude diverge de um juízo de culpa, ou de um juízo de censura de culpa.
No juízo de censura de culpa há também um juízo de desvalor, mas que é já um juízo
individual, é um juízo feito pela ordem jurídica mas que incide já não sobre o facto
praticado, mas recai sobre o agente, precisamente porque o agente actuou tendo praticado
um facto ilícito, quando podia e devia ter-se decidido diferentemente, quando podia e
devia ter actuado de harmonia com o direito. Portanto, no juízo de censura de culpa, o
que se reprova é o agente (por isso é um juízo individualizado) por ele, naquele caso
concreto, ter actuado ilicitamente, quando podia e devia ter actuado de forma diferente,
ou seja, licitamente. Donde, o juízo de ilicitude é um juízo que procede necessariamente
o juízo de censura de culpa: se em sede de culpa a ordem jurídica dirige ao agente um
juízo de desvalor porque ele praticou um facto ilícito, então o juízo de ilicitude tem de ser
anterior; tem se der firmado anteriormente que o facto praticado pelo agente é um facto
ilícito.
99. Regras gerais e princípios que enformam as causas de exclusão da ilicitude
As causas de exclusão da ilicitude são determinada circunstâncias que, a estarem
presentes excluem a ilicitude do facto praticado, ou justificam o facto típico praticado
pelo agente.
Vigora um princípio, que é o princípio da unidade da ordem jurídica, ou o concerto
unitário de ilicitude, princípio esse que está expresso no art. 31º CP. Portanto, o facto, não
é ilícito quando a ilicitude for excluída pela ordem jurídica na sua globalidade.
Quando a ilicitude de um facto for excluída por qualquer elemento do ordenamento
jurídico, então esse facto não deve ser visto, para o direito penal, como um facto ilícito,
como um facto não justificado.
Como explicar este conceito unitário e esta exclusão da ilicitude, em sede de exclusão da
ilicitude?
Desde logo por força do princípio da subsidiariedade do direito penal.
Se o direito penal, de harmonia com este princípio, só deve intervir e emprestar a sua
tutela robusta quando a tutela fornecida por outros ramos do direito não for
suficientemente eficaz para tutelar cabalmente bens jurídicos reputados como
fundamentais e essenciais à sociedade; então se os outros ordenamentos jurídicos para
determinados factos consideram que o comportamento é lícito, não deve vir o direito
penal incriminar e emprestar a sua tutela àquele facto, que não merece tutela jurídico-
penal, precisamente porque outros ordenamentos jurídicos prescindiram da sua
consideração como facto ilícito, mas consideram-no um facto aprovado.
As causas de justificação, como visam excluir a ilicitude e irresponsabilizar o agente, são
normas penais favoráveis. Assim sendo, a elas não estão ínsitos os princípios de garantia
e as limitações impostas, enquanto garante do princípio da legalidade, como acontece
com as normas positivas ou normas que fundam positivamente a responsabilidade
jurídico-penal do agente.
As causas de exclusão da ilicitude em direito penal não são apenas as que estão
enumeradas no art. 31º CP mas todas aquelas que o ordenamento jurídico na sua
globalidade considera como relevantes para afastar a ilicitude de um determinado facto.
Inerente a toda a justificação existe uma ideia comum: não há participação em facto
justificados, ou seja, a participação num facto justificado não é punida.
Quando existe comparticipação criminosa, quando existe um envolvimento plural de
vários agentes no mesmo crime, uns desses agentes podem ser qualificados como autores
e outros como participantes. A participação está prevista no art. 27º CP e participantes são
os cúmplices e também, para alguma doutrina, os instigadores.
Quando se diz que não existe participação penalmente relevante, em termos de punição,
dum facto justificado, significa que não existe punibilidade da participação num facto
típico justificado.
Outra ideia comum às diferentes causas de justificação é a seguinte: inerentes a todas as
causas de justificação existem elementos subjectivos. O elemento subjectivo da causa de
justificação é, um elemento comum a todas as causas de justificação.
Toda a doutrina concorda num ponto: havendo elemento subjectivo da justificação só está
aprovado, só está justificado, se se verificarem simultaneamente os elementos objectivos
e subjectivos das causas de justificação.
Porém, verificando-se tão só a situação objectiva de justificação mas faltando o elemento
subjectivo:
b) Para determinada doutrina o facto é ilícito, mas o agente é punido por tentativa;
c) Para outro sector da doutrina o facto é também ilícito, mas o agente é punido por facto
consumado;
d) Outros autores distinguem consoante a causa de justificação tenha, quanto ao elemento
subjectivo um elemento intelectual e um elemento volitivo:
· Nas causas de justificação cujo elemento subjectivo tenha esta dupla estrutura, se o
elemento subjectivo tenha esta dupla estrutura, se o elemento subjectivo não estiver
preenchido o agente é punido por facto consumado;
· Se o elemento subjectivo da justificação prescindir do elemento volitivo e se contentar
só com o elemento intelectual do conhecimento, ou seja, se o elemento subjectivo não
tiver uma estrutura dupla, estão faltando o elemento subjectivo o agente é punido por
facto tentado.

A. REGIME DAS CAUSAS DE EXCLUSÃO DA


ILICITUDE
a) Legítima defesa
100. Introdução
A legítima defesa assenta precisamente numa reacção a uma agressão actual e ilícita que
ameaça interesses juridicamente protegidos do defendente ou terceiro. Essa reacção trem
de ser uma reacção adequada, necessária a afastar ou repelir a agressão actual e ilícita.
Existe doutrinas que fundamentam a existência da legítima defesa, como causa de
justificação: a doutrina monista e a pluralista.
a) Doutrina monista
Para esta doutrina todas as causas de justificação se filiam numa ideia comum; a noção de
ideia comum é que varia de autor para autor.
Poder-se-á dizer que inerente a todas as causas de justificação existe uma ideia de
ponderação de interesses: do interesse a salvaguardar do interesse ameaçado. Portanto,
uma ideia de ponderação de interesses.
b) Doutrina pluralista
Há quem considere diferenciadamente, para cada uma das diferentes causas de
justificação, diferentes fundamentos.
101. Fundamentação da legítima defesa
Não é tanto uma ideia de ponderação de interesses, uma ideia de proporção entre o
interesse ofendido e o interesse lesado com a defesa, mas a ideia de que o direito não
deve ceder ao não direito. Esta ideia é de alguma forma visível se distinguir na legítima
defesa duas vertentes:
- Uma vertente ao lado individual;
- Uma vertente ao lado colectivo-social.
E isto porque, inerente à legítima defesa, dum ponto de vista (ou dum prisma) meramente
individual, está uma ideia de auto-protecção.
Mas, quando se olha a legítima defesa já por um prisma social ou colectivo, vê-se que o
seu fundamento é a reafirmação do direito negado. Se há uma reacção contra uma acção
ilícita, de alguma forma está-se a repor um direito negado com a agressão, precisamente
porque a agressão é ilícita.
Partindo desta ideia do lado individual e do lado social da legítima defesa, pode-se
assentar no seguinte.
Em primeiro lugar, com base nesta ideia de auto-protecção (lado individual da legitima
defesa) não há legítima defesa de interesses públicos. Quer-se dizer com isto que a defesa
de interesses públicos é feita pelos meios coercivos normais, pelas forças públicas de
defesa. No entanto, existem determinados interesses públicos que, ao serem ofendidos,
podem ter uma certa repercussão pessoal na esfera jurídica dum titular. E se assim for
podem defender-se interesses ou bens de natureza pública.
Por outro lado, à ainda atendendo a esta ideia de auto-protecção, não há legítima defesa
de terceiros contra a vontade do agredido ou do ofendido, isto é, não há legítima defesa
de terceiros se esse terceiro não se quiser defender ou não quiser ser defendido por uma
determinada pessoa em concreto.
Como princípio, e ainda dentro da ideia de auto-protecção, diz-se que não há legítima
defesa contra tentativa impossível.
Na ideia de reafirmação do direito negado e já numa perspectiva social da legítima
defesa, pode-se assentar a seguinte ideia: a legítima defesa justifica-se e funda-se numa
ideia de prevenção geral, numa óptica de prevenção geral inerente aos fins das penas
visa-se evitar que as pessoas voltem a cometer crimes.
102. Distinção entre legítima defesa e direito de necessidade
Na legítima defesa, ao contrário com o que sucede com o direito de necessidade, não se
exige que haja uma sensível superioridade entre o bem que se pretenda salvaguardar e o
bem que é lesado com a defesa.
Já no âmbito do direito de necessidade, nos termos do art. 34º CP uma pessoa só actua em
direito de necessidade quando, para afastar um perigo que ameaça de lesão um
determinado bem jurídico, lesar outro bem jurídico que não seja superior ao bem que se
pretende salvaguardar. Portanto, tem de haver uma ideia de ponderação entre os
interesses a salvaguardar e os interesses lesados com o exercício do direito de
necessidade.
103. Elementos da legítima defesa
O defendente, defende-se duma agressão actual e ilícita.
Uma agressão, para efeitos de legítima defesa, é todo o comportamento humano que lese
ou ameace de lesão um interesse digno de tutela jurídica. Tem de ser uma agressão
humana. Dentro deste conceito de agressão também se entende que todos aqueles
movimentos corpóreos que não constituem acções penalmente relevantes, não são
considerados agressões para efeitos de legítima defesa, porque são movimentos que não
são dominados pela vontade humana.
A agressão pode consistir ou num comportamento positivo ou numa omissão.
A agressão pode ser dirigida quer a bens ou interesses de natureza pessoal, quer a bens de
natureza patrimonial do defendente ou de terceiro, consoante se esteja no âmbito de uma
legítima defesa própria ou alheia. E é uma agressão qualificada: para além de haver uma
agressão, ela tem de ser: actual e ilícita.
a) Agressão ilícita
É toda a agressão contrária à lei, não necessitando contudo de consistir numa actuação
criminosa. Para ser uma agressão ilícita, tem de se tratar de uma agressão não justificada,
contra legítima defesa não existe legítima defesa.
b) Agressão actual
É actual, a agressão que está iminente, isto é, prestes a ocorrer, a agressão que está em
curso ou em execução, ou simplesmente a agressão que ainda dura.
Nos crimes duradouros há actualidade enquanto durar a consumação, isto é, há
actualidade para efeitos de legítima defesa enquanto não cessar a consumação.
As situações em que falta o requisito da actualidade da agressão podem ser reconduzidas
a situações de acção directa (art. 336º CC).
Existem também determinadas causas de justificação supra-legais, nomeadamente a
legítima defesa preventiva.
São situações em que não existe uma agressão iminente, mas essa agressão é tido como
certa, e portanto o defendente tem de antecipar a defesa para um estádio anterior ao da
própria agressão. Por isso é que ela se designa legítima defesa preventiva.
Ainda em sede de legítima defesa e para caracterizar esta agressão actual e ilícita, tem-se
que distinguir os casos de mera provocação de pré-ordenação (ou provocação pré-
ordenada).
c) Mera provocação
A agressão que o defendente repele com a defesa há-de ser uma agressão que até pode ter
sido provocada pelo próprio defendente e aí, ainda existe legítima defesa. O que não pode
é a agressão que o defendente repele ter sido pré-ordenada pelo defendente com o intuito
de agredir simulando uma defesa.
Um outro elemento da legítima defesa, também de natureza objectiva, no entendimento
da Profa. Teresa Beleza a impossibilidade de recurso à força pública, ou a
impossibilidade de recurso em tempo útil aos meios coercivos normais.
A Profa. Cristina Borges Pinho na esteira de pensamento do Prof. Cavaleiro de Ferreira
considera que esta ideia de impossibilidade de recuso em tempo útil aos meios coercivos
normais não é tanto um pressuposto da legítima defesa, mas é um problema que se
reconduz à racionalidade do meio empregue, a adequação da defesa.
Vale mais não exigir como pressuposto da legítima defesa a impossibilidade de recorrer
em tempo útil aos meios coercivos normais; é depois, na análise do meio que o
defendente utiliza para repelir a agressão actual e ilícita é que se vai ver se há ou não uma
defesa necessária.
Se o defendente puder recorrer, em tempo útil aos meios coercivos e não o fizer,
defendendo-se por suas próprias mãos, então pode-se dizer que o meio já não é adequado,
mas é antes um meio excessivo.
Um outro elemento objectivo da legítima defesa é a racionalidade do meio empregue, ou
defesa necessária: meio necessário para repelir a agressão actual e ilícita que ameaça
interesses juridicamente protegidos do defendente ou de terceiro.
Para que se actue ainda legitimamente, para que se actue ao abrigo desta causa de
exclusão da ilicitude é preciso verificar se o meio utilizado para repelir uma agressão
iminente e ilícita de que esta a ser vítima, ou de que está a ser vítima um terceiro, é um
meio racional, adequado para afastar essa agressão. Se o meio utilizado pelo defendente
para afastar a agressão for um meio desajustado, um meio que ultrapassa os limites da
racional, então já não se está perante a situação de legítima defesa, estar-se-á no âmbito
de um excesso de legítima defesa (art. 33º CP).
O que seja efectivamente o meio necessário para repelir a agressão deve aferir-se sempre
no caso concreto.
Em teoria, pode-se dizer que o meio necessário é aquele dos vários meios que o agente
tem à sua disposição, de eficácia mais suave, ou seja, aquele que importa consequências
menos gravosas para o agressor. Mas, meio de eficácia suave, mas simplesmente meio
eficaz, ou de eficácia certa.
Quer-se dizer com isto que, em última análise, a necessidade do meio empregue para
repelir a agressão é aferida em concreto atendendo a múltiplos factores. Desde logo,
atendendo:
- Às características da vítima (do defendente) e do agressor;
- Aos meios que o ofendente tenha à sua disposição;
- Ao meio com que o agressor ameaça de lesão o interesse jurídico protegido do
defendente ou de terceiro;
- Etc.
104. Excesso de legítima defesa
As situações de excesso de legítima defesa, pela não verificação da racionalidade do meio
empregue na defesa, porque é um meio que ultrapassa o necessário, faz com que já não
esteja perante uma causa de exclusão da ilicitude. O facto é pois ilícito.
E sendo facto ilícito, contra um excesso de legítima defesa é admitida a legítima defesa.
Perante uma situação de excesso de legítima defesa, como o facto não está justificado,
como o facto é ilícito, pode-se efectivamente actuar em legítima defesa.
Se o defendente, podendo recorrer à força pública para evitar a agressão não o faz e
resolve actuar, mas usando um meio racional, tão só omitindo esta obrigação que é a de
recorrer aos meios coercivo normais, então entende-se que há aqui uma situação de
excesso de legítima defesa.
As situações de excesso de legítima defesa não justificam o facto praticado, este continua
a ser um facto ilícito.
Nestas situações de excesso de legítima defesa[39], o facto praticado pelo defendente é
um facto ilícito; pode ser objecto de uma atenuação especial facultativa da pena.
A defesa excessiva pode resultar também do art. 33º/2 CP onde se fala em não
censuráveis, esta não censurabilidade é uma causa de desculpa.
O facto é ilícito, mas o agente não é punido: ainda que o agente, para se defender, tenha
actuado ou respondido em excesso, ele não vai ser punido. O facto praticado pelo agente
é ilícito, sendo ilícito constitui uma agressão ilícita em termos de poder ser defendida
legitimamente.
Pode-se então dizer que o meio necessário para repelir a sua agressão é, dos vários meios
que o agente tem à sua disposição, o mais suave[40], mas um meio de eficácia certa.
105. Restrições ético-sociais à legítima defesa
São aqueles casos em que as agressões provêm de crianças, de pessoas com a sua
capacidade de avaliação sensivelmente diminuída, pessoas embriagada, etc. De um modo
geral, de pessoas inculpadas, de inimputáveis, ou também daquelas pessoas que têm
quanto à vítima uma relação de parentesco.
Nestes casos entende-se que o lado social da legítima defesa desaparece, ficando tão-só,
dentro da sua fundamentação, o lado individual, a necessidade de auto-tutela ou auto-
protecção de interesses.
Estas restrições traduzem-se precisamente em considerar mais exigente o meio necessário
para repelir essas agressões que partem das pessoas referidas.
106. Elemento subjectivo: “animus defendendi”
Há autores que entendem que as causas de justificação não têm elementos subjectivos e
referem inclusivamente que não existe nenhuma expressão literal, em sede por hipótese
de legítima defesa, que inculque a ideia ou a necessidade de ter presente este elemento
subjectivo que é o “animus defendendi”, ou seja, a consciência que uma pessoa tem de
que está na iminência de ser agredida é a vontade que tem de se defender.
A maior parte da doutrina considera que isso não é verdade. O elemento subjectivo do
consentimento é precisamente o conhecimento do consentimento.
Se existe consentimento na realidade, mas o agente desconhece esse consentimento, o
agente actua com falta do elemento subjectivo, porque não tem conhecimento do
consentimento. E a lei diz: se assim for, se houver consentimento mas o agente actuar
desconhecendo esse consentimento, ou seja, faltando o elemento subjectivo desta causa
de justificação, o agente é punido por facto tentado.
O “animus defendendi” é a consciência que uma pessoa tem de que está perante uma
agressão e a vontade que a tem de repelir, ou a vontade que tem de se defender dessa
mesma agressão.
Existe divergência doutrinária quanto à falta do elemento subjectivo, quando estão
preenchidos os elementos objectivos da legítima defesa.
Em primeiro lugar, existe unanimidade doutrinária (para aqueles que os elementos
subjectivos integram as causas de justificação) no sentido de que se faltar o elemento
subjectivo da legítima defesa ou de qualquer outra causa de justificação, concretamente
se faltar o “animus defendendi”, o facto não está justificado – o facto é um facto ilícito.
A doutrina não está de acordo quanto à forma de punir o agente, nestes casos em que
objectivamente está preenchida a causa de justificação, mas tão só falta o elemento
subjectivo.
É possível a analogia em direito penal?
Dentro deste entendimento, a analogia em direito penal só está proibida nos termos do
art. 1º/3 CP quanto a normas penais desfavoráveis, normas penais positivas que
fundamentam ou agravam a responsabilidade jurídico-penal do agente. Pelo agravamento
ou criação de pressupostos de punibilidade e de punição.
Tratando-se de uma analogia favorável ao agente, as razões que vedam o recurso à
analogia ínsitas no princípio da legalidade perdem razão de ser.
Ora, esta analogia do art. 38º/4 CP é favorável, porque é mais favorável ao agente ser
punido por facto tentado do que por facto consumado:
- Em primeiro lugar, porque nem sempre a tentativa é punível: a tentativa só é punível
quanto ao crime, a ser consumado corresponda pena superior a três anos de prisão (art.
23º/1 CP), a não ser que a lei expressamente diga o contrário;
- Por outro lado, na tentativa a pena é especialmente atenuada (art. 23º CP).
Portanto, é melhor ser-se punido por facto tentado do que por facto consumado.
107. Limite à legítima defesa resultado do art. 337º CC
Enquanto no Código Civil a legítima defesa exige que o prejuízo causado pela acção de
defesa não seja manifestamente superior àquele que se pretende evitar, portanto joga-se
aqui com uma ideia de ponderação de prejuízos entre os bens danificados com a defesa e
os bens que se pretendem defender. O art. 32º CP não joga com essa ideia.
Por outro lado e ainda em confronto com o art. 337º CC vê-se, que a legítima defesa na
lei civil apresenta um carácter subsidiário, ou seja, só é possível recorrer aos próprios
meios quando não seja possível fazê-lo através dos meios coercivos normais.
Essa situação não é um pressuposto da legítima defesa do art. 32º CP:
- Esta matéria em sede de direito penal é regulada não pelo Código Civil mas pelo
Código Penal;
- Depois, porque o Código Penal é em relação ao Código Civil lei posterior;
- Finalmente, porque esta interpretação que se propõe, confere uma maior cumplicidade
ao funcionamento da legítima defesa e, consequentemente, um alargamento da não
responsabilização criminal do agente; de outra forma seria alargar o campo de
punibilidade.
b) Direito de necessidade
108. Fundamentos
Esta causa de justificação vem prevista no art. 34º CP funcionando relevantemente,
afastar a ilicitude do facto punível.
Quanto ao seu fundamento, assenta já numa ideia de ponderação de interesses entre o
bem jurídico ou interesse ameaçado por um perigo e o bem jurídico ou interesse que se
sacrifica para afastar esse perigo.
Note-se que o interesse ou bem jurídico cujo perigo se afasta tem de ser superior ao
interesse sacrificado.
O estado de necessidade ora reveste a natureza de um verdadeiro direito de necessidade, e
então é uma causa de exclusão da ilicitude, ora tem a natureza de causa de exclusão de
culpa.
O Código Civil clarificou de algum modo a questão, admitindo no seu art. 339º CC um
verdadeiro direito de necessidade, por consagrar ser lícita a acção daquele que destruir ou
danificar coisa alheia com o fim de remover o perigo actual de um dano manifestamente
superior, quer do agente quer de terceiro.
Mas por esta via continuaram sem solução os casos de identidade de valoração de bens
jurídicos e aqueles em o sacrificado tem maior valoração que não cabiam nem cabem
manifestamente no direito de necessidade.
Por isso, a partir da vigência do Código Civil cimentou-se a teoria diferenciada do estado
de necessidade, segundo a qual esse estado abrange casos de exclusão da ilicitude
(havendo então um verdadeiro direito de necessidade) e de exclusão de culpa.
Nessa linha de orientação se integrou também o Código Penal ao estabelecer no art. 34º
casos de direito de necessidade e no art. 35º de estado de necessidade desculpante.
O direito de necessidade torna a conduta lícita, dai a imposição feita no art. 34º-b CP
quanto à superioridade do bem ou interesse jurídico a salvaguardar. Daí também que o
art. 34º CP tenha que se conjugado com o art. 35º CP, particularmente com o seu n.º 1, e
que uma vida nunca possa ser sacrificado no exercício de um direito de necessidade, já
que, sendo o bem jurídico de maior valoração, nunca qualquer outro lhe pode ser
superior.
Segundo a jurisprudência:
- O estado de necessidade surge quando o agente é colocado perante a alternativa de ter
de escolher entre cometer o crime ou deixar que, como consequência necessária de o não
cometer, ocorra outro mal maior ou pelo menos igual ao do crime. Depende ainda da
verificação de outros requisitos, como a falta de outro meio menos prejudicial do que o
facto praticado e probabilidade de eficácia do meio empregado.
109. Direito de necessidade
Esta causa de justificação vem prevista no art. 34º CP funcionando relevantemente afasta
a ilicitude do facto punível.
Quanto ao seu fundamento, assenta já numa ideia de ponderação de interesses entre o
bem jurídico ou interesse ameaçado por um perigo e o bem jurídico ou interesse que se
sacrifica para afastar esse perigo.
O interesse ou o bem jurídico cujo perigo se afasta tem que ser superior ao interesse
sacrificado. Isso diz-se expressamente um dos elementos do direito de necessidade,
nomeadamente pela verificação do preceituado do art. 34º-b CP.
A causa de justificação ou de exclusão da ilicitude, designada direito de necessidade ou
estado de necessidade objectivo, também dito estado de necessidade justificante (art. 34º
CP), precisamente para distinguir do art. 35º CP que prevê o chamado estado de
necessidade, também dito estado de necessidade subjectivo ou desculpante:
- Enquanto que o direito de necessidade, ou estado de necessidade objectivo ou
justificador é uma causa de exclusão da ilicitude;
- O estado de necessidade “tout court” ou estado de necessidade subjectivo ou
desculpante é uma causa de desculpa.
Consequências desta distinção:
Em primeiro lugar, enquanto no art. 34º CP é excluída a ilicitude do facto típico, no art.
35º CP não se exclui a ilicitude do facto típico mas tão só a culpa. É portanto uma causa
de desculpa, o facto permanece típico e ilícito.
Se assim é, é possível haver uma situação de legítima defesa perante uma situação de
estado de necessidade do art. 35º CP. Já não é possível haver uma situação de legítima
defesa face ao art. 34º CP porque este exclui a ilicitude e para efeitos da legítima defesa a
agressão tem que ser actual e ilícita. Se o facto está justificado pelo direito de
necessidade, contra facto justificado não há justificação.
Por outro lado, há uma importância também relevante porque, partindo da teoria da
acessoriedade limitada, não há comparticipação num facto justificado. Ou seja, não se
responsabilizam os comparticipantes se o facto imputado estiver justificado. Assim, se o
facto praticado pelo autor, o facto principal, for um facto justificado pelo direito de
necessidade do art. 34º CP os comparticipantes, virtualmente cúmplices ou instigadores,
não terão também responsabilidade jurídico-penal, uma vez que o facto praticado é um
facto lícito.
Já o contrário se passa no âmbito do estado de necessidade subjectivo ou desculpante do
art. 35º CP porque não há comparticipação num facto lícito, mas já há comparticipação na
culpa.
A culpa é um juízo de censura individualizado e pode existir uma causa de desculpa que
beneficie um determinado agente e não aproveitar aos demais. Então só beneficia da
causa de desculpa quem dela pode aproveitar, já podendo responsabilizar-se
criminalmente os comparticipantes a quem essa causa de desculpa não aproveita. É por
isso que a teoria se diz de acessoriedade limitada: porque delimita a responsabilidade
criminal dos comparticipantes a um facto típico e ilícito praticado pelo autor. Se o facto
for típico, mas não for ilícito, já falta um dos requisitos da acessoriedade limitada,
portanto, já não há responsabilidade do participante.
As situações do art. 35º CP que têm relevância em sede de culpa (são causas de desculpa)
são aquelas em que o agente age numa situação em que não tem uma normal liberdade de
avaliação, de determinação e não lhe era exigível que ele adoptasse um comportamento
diferente: ou porque está numa situação de flagrante desespero, de medo ou de coacção.
Pode-se então concluir que a superioridade que se exige nos termos do art. 34º CP entre o
bem jurídico sacrificado e o bem jurídico ameaçado pelo perigo não se mede em termos
de quantidade: a quantidade não implica superioridade qualitativa.
110. Elementos do direito de necessidade
Em primeiro lugar, viu-se que por força do preceituado no art. 34º CP a situação de
perigo não pode ter sido voluntariamente criada pelo agente, excepto se se tratar de
proteger um interesse de terceiro.
O perigo tem que ser um perigo real e efectivo. Se o perigo for uma mera aparência de
perigo, estar-se-á então no âmbito do chamado direito de necessidade putativo, aqui não
há um perigo real e efectivo, há tão só um perigo pensado ou suposto, o perigo é tão só na
cabeça do agente, é uma situação de direito de necessidade putativo, em que o perigo é só
penado na cabeça do agente e que se chama erro sobre os pressupostos de facto de uma
causa de justificação, cuja previsão normativa e regulamentação está no art. 16º/2 CP.
Por outro lado, o perigo que se visa afastar tem que ser um perigo actual, ou seja, tem que
ser um perigo que exista naquele momento ou que está iminente, perigo esse que pode
advir de factos naturais ou facto humanos[41].
É preciso ainda que cumulativamente se verifique outro elemento desta causa de
justificação previsto no art. 34º-b CP: que exista uma sensível superioridade entre o
interesse a salvaguardar relativamente ao interesse sacrificado.
Isto passa pela análise de se verificar qual é o interesse mais valioso, daí que a doutrina
por vezes aponte alguns índices para a determinação da sensível superioridade que tem de
existir entre o interesse salvaguardado e o interesse sacrificado:
- A medida das sanções penais cominadas para a violação dos bens jurídicos em causa,
por referência à axiologia constitucional;
- Deve atender-se também aos princípios ético-sociais vigentes na comunidade em
determinado momento;
- À modalidade do facto;
- À reversibilidade ou irreversibilidade das lesões;
- Às medidas de culpa;
- À medida do sacrifício imposto ao próprio lesado.
Note-se quando se trate de bens eminentemente pessoais o seu número é irrelevante para
aferir a superioridade entre um e outro. Em caso de igualdade de bens jurídicos, não há
lugar à aplicação do art. 34º CP.
O último requisito previsto no art. 34º-c CP: a razoabilidade da imposição ao lesado do
sacrifício do seu interesse, tendo em atenção o valor e natureza do interessa ameaçado.
Esta é uma limitação ético-social que visa proteger da violação a dignidade e autonomia
ética da pessoa de terceiro, pois o direito tem de se conter e de se manter de certos
limites, recuando mesmo, se necessário, em face desses valores.
Elemento subjectivo:
O agente tem de conhecer a situação de perigo, actuado precisamente para evitar esse
perigo, que é uma probabilidade de lesão.
Se o agente desconhece a situação de perigo, mas objectivamente está perante uma
situação de direito de necessidade “mutatis mutandis” aplica-se o regime geral da falta do
elemento subjectivo da causa de justificação, responsabiliza-se o agente por facto
tentado, se a tal houver lugar.
111. Estado de necessidade desculpante
Consagra-se no art. 35º/1 CP o estado de necessidade como obstáculo à existência de
culpa.
O agente fica excepcionalmente dispensado da pena (art. 35º/2, 2ª parte CP). É que a
isenção da pena e dispensa da pena são institutos diferentes (ver art. 74º CP),
enquadrando-se o art. 35º/2 CP o instituto da dispensa de pena, porque ainda há culpa,
embora em grau muito reduzido, e não no da isenção de pena, que afasta logo abinitio a
punibilidade do facto.
Os casos de identidade de valoração de bens jurídicos e aqueles em que o bem sacrificado
tem maior valoração que o ameaçado não cabem no âmbito do direito de necessidade e
têm portanto que ser resolvidos por via dos normativos deste art. 35º CP.
A lei escalona a valoração de alguns dos interesses, pelo que se deve observar a ordem
por que os enumera o art. 35º/1 CP. Trata-se de interesses eminentemente pessoais.
Para os casos em que a lei não refere expressamente, deverá entender-se que em princípio
os interesses eminentemente pessoais predominam sobre os patrimoniais e que a própria
lei, pela indicação dada através das sanções, estabelece o escalonamento entre os
interesses da mesma natureza.
A este respeito e dentro desta orientação, expendeu o Prof. Figueiredo dias “…são
conhecidas as dificuldades que uma avaliação em concreto da hierarquia dos interesses
conflituantes pode suscitar. Nesta matéria deve bastar-me com acentuar que pontos de
apoio para a levar a cabo são oferecidos quer pela medida das sanções penais cominadas
para a violação dos respectivos bens jurídicos, quer pelos princípios ético-sociais vigentes
na comunidade em certo momento, quer pelas modalidades dos factos, a medida da culpa
ou por pontos de vista político criminais. Como ainda e também, noutro plano, pela
extensão do sacrifício imposto e pela extensão e premência do perigo existente. Mas para
além disso no novo Código existe ainda, para a justificação, que seja razoável impor ao
lesado o sacrifício do seu interesse em atenção à natureza e ao valor do interesses
ameaçado. Esta limitação ético-social do direito de necessidade – independentemente de
saber se ela poderá ver-se já contida, ao menos em certa medida, na exigência de sensível
desproporção dos interesses conflituantes – é, minha opinião, de sufragar
incondicionalmente. O direito de necessidade, justificado, embora como disse por razões
de recíproco solidarismo entre os membros da comunidade jurídica, tem em todo o caso
de recuar perante a possibilidade de violação da dignidade e da autonomia ética da pessoa
de terceiro. E isso mesmo quer dar a entender a alínea c) do art. 34º CP…”
Por maioria de razão, deve entender-se que há lugar a indemnização, se se verificarem os
seus pressupostos no caso de estado de necessidade desculpante, pois que também o há
no caso de direito de necessidade.
c) Outras causas de exclusão da ilicitude
112. Acção directa
Na acção directa visa-se não tanto repelir uma agressão, como na legítima defesa, mas
evitar a inutilização prática de um direito.
Aqui se exige como pressuposto a impossibilidade de recurso em tempo útil aos meios
coercivos normais e diz-se que o agente, para evitar a inutilização prática de um direito,
pode adoptar um dos comportamentos aqui descritos: ou apropria-se de uma coisa, ou
destrui-la, ou deteriorá-la ou opor uma certa resistência.
Neste sentido, esta causa de justificação distingue-se também da legítima defesa porque
assenta já numa ideia de ponderação de interesses, na medida em que o interesse inerente
ao direito cuja inutilização o agente visa evitar tem de ser superior ao interesse lesado
com a actuação do exercício da acção directa.
Distingue-se também da legítima defesa na medida em que esta causa de justificação não
exige já o requisito da actualidade, exigindo como qualificativo da agressão na legítima
defesa.
113. Direito de retenção
O seu regime não está traçado no Código Penal, mas no Código de Processo Penal.
De um modo geral quando uma pessoa for apanhada em flagrante delito de um crime que
corresponde a pena de prisão, os agentes da autoridade devem deter esse indivíduo; os
outros indivíduos, que não os agentes da autoridade podem proceder à detenção.
Em princípio, enquanto que para as autoridade públicas se trata do cumprimento de uma
obrigação imposta por lei, para o comum dos cidadãos existe a faculdade de poder
exercer o direito de detenção.
E isto, porque de um modo geral as pessoas não se podem andar a prender umas às
outras, porque podem incorrer em responsabilidade criminal pelo tipo de sequestro; ou
eventualmente para deter outra pessoas podem ter de lhe lesar a integridade corporal e
pratica as ofensas corporais; ou podem ter de coagir o indivíduo a um determinado
comportamento, tudo isto são factos típicos penalmente relevantes.
114. Direito de correcção
Direito de correcção que os pais têm sobre os filhos e que os professores têm sobre os
alunos.
É esta uma causa de justificação entendida como de origem costumeira. O costume não é
fonte de direito em direito penal, mas quando funciona como contra-norma, ou seja,
afastando a responsabilidade penal do agente, portanto no âmbito de uma norma
favorável, já não lhe vê serem-lhe aplicadas as limitações decorrentes do princípio da
legalidade.
Portanto, o legislador aceita aqui o costume como causa de justificação ou de exclusão da
ilicitude.
Qual é o fundamento desta causa de justificação?
Só são detentores e só podem invocar esta causa de justificação determinadas pessoas que
tenham uma posição específica em relação a outra: pais em relação a filhos, professores
em relação a alunos.
Este direito de correcção deve ser aplicado utilizando precisamente o meio adequado a
exercer essa missão pedagógica do direito de correcção.
Quanto ao elemento subjectivo desta causa de justificação, tem-se o “animus
corrigendi”ou a intenção de corrigir. Portanto, o agente tem que se aperceber da situação
fáctica que carece de correcção e actuar com o objectivo de pedagogicamente corrigir
aquela situação.
Quando o agente, para corrigir, excede o limite imposto, quando se afasta do meio
necessário dentro da função pedagógica de reeducar, então já não há o preenchimento
desta causa de exclusão da ilicitude.
115. Consentimento
O consentimento do ofendido está previsto, como causa de exclusão da ilicitude no art.
38º CP. Importa distinguir:
- Por vezes, o consentimento é uma causa de exclusão da ilicitude;
- Noutros casos, o consentimento já não faz parte da ilicitude, não íntegra uma causa de
justificação, mas é um elemento do tipo ou da tipicidade, podendo ser um elemento
positivo ou um elemento negativo do tipo.
Existem determinados tipos legais que só estão preenchidos por exemplo sem o
consentimento do agente, neste caso o consentimento não é uma causa de exclusão da
ilicitude, mas um elemento negativo do tipo, tem que se verificar a ausência do
consentimento para que a tipicidade esteja preenchida.
Noutras vezes o consentimento é também um elemento do tipo, mas um elemento
positivo, nestes casos, para que o tipo esteja preenchido é necessário que a vítima de
alguma forma dê um certo consentimento à conduta desenvolvida pelo agente.
Quando o consentimento é um elemento do tipo e ele não está presente, o tipo está logo
afastado; já não se vai ver se o comportamento do agente é ilícito ou não.
Quando o consentimento não for um elemento do tipo, mas uma causa de justificação,
então é que se tem de verificar se o comportamento típico do agente está ou não
justificado pelo art. 38º CP.
Desde logo são de referir as características da pessoa que dá o consentimento, não é
qualquer pessoa que pode validamente prestar o consentimento: a lei indica desde logo no
art. 38º/3 CP: só maiores de quatorze anos podem, validamente consentir.
Por outro lado, tem de ser um consentimento actual (art. 38º/2 CP). E só se admite o
consentimento para justificar lesões a bens jurídicos que sejam livremente disponíveis
pelo seu titular.
A integridade corporal é um bem jurídico que pode ser de alguma forma disponível.
Portanto, há que adequar um pouco a motivação que leva ao consentimento da lesão e
também a relevância em termos de reversibilidade ou irreversibilidade da lesão.
Quanto ao elemento subjectivo desta causa de justificação, é ele o conhecimento do
consentimento. No art. 38º/4 CP prevê-se a punibilidade para o agente que actua perante
uma situação objectiva de justificação, mas com a falta do elemento subjectivo da causa
de justificação, ou seja, no art. 38º/4 CP prevê-se a punibilidade por facto tentado para
quem lesar um bem jurídico livremente disponível pelo seu titular, desconhecendo que o
seu titular consentia a lesão.
Consentimento presumido: vem previsto no art. 39º CP; neste há uma situação em que se
permite a lesão de determinados bens jurídicos, tendo em conta que se o titular desses
bens tivesses conhecimento das circunstâncias em que a lesão ocorre, teria consentido
essa mesma lesão.
116. Conflito de deveres
É uma causa de exclusão da ilicitude prevista no art. 36º CP. Trata-se daquelas situações
em que se torna lícito ao agente não cumprir um dever se cumprir outro dever de
categoria igual ou superior.
Se colidirem dois deveres a que o agente está obrigado, de igual valor, o agente tem a
liberdade de optar por um deles, não cumprindo o outro, sendo certo que só tem a
possibilidade de cumprir um deles.
Se colidirem dois deveres, um de natureza inferior e outro de natureza superior, então está
justificado o agente que não cumpre o dever de natureza inferior satisfazendo um dever
de natureza superior.
Colidindo imesuravelmente dois deveres, sendo certo que o agente só pode cumprir um
deles, está justificado o não cumprimento do outro dever ou da outra ordem, se tiver valor
igual ou inferior ao dever (ou ordem) que o agente cumpre.
Esta causa de justificação, justifica-se, quando o cumprimento de um dever superior em
deterimento de um dever jurídico ou de uma ordem de valor inferior, está aqui inerente
uma ideia de ponderação de interesses.
Para o Prof. Figueiredo Dias, no âmbito do art. 36º CP só há conflito de deveres quando
colidem dois deveres de acção; já não é assim quando colidem um dever de acção e um
dever de omissão.
Há quem entenda (e parece bem) que podem coexistir um dever de acção e um dever de
omissão, desde o momento em que se trate de bens eminentemente pessoais, ou de
natureza pessoal, aí o dever de acção cede sempre perante o dever de omissão.
117. Causas de justificação supra-legais
A justificação supra-legal não encontra o seu regime plasmado na lei, mas sai causas de
justificação que se constroem a partir dos princípios gerais do ordenamento jurídico e,
mais concretamente, a partir dos princípios que norteiam o regime jurídico da exclusão da
ilicitude.
Assim, costuma a doutrina apontar duas causas de justificação supra-legais:
1) A legítima defesa preventiva:
Esta é aceite naqueles casos em que o defendente actua antes da própria agressão, mas
com o intuito de a evitar, sendo aceite que o defendente não pode esperar pelo momento
da agressão sob pena da sua defesa ser absolutamente ineficaz.
2) O direito de necessidade (ou estado de necessidade) defensivo:
É uma causa de justificação supra-legal que nasceu para de alguma forma dar cabimento
à exclusão da ilicitude do crime de aborto, quando a interrupção voluntária da gravidez
era efectuada sob indicação médica na medida em que o nascimento do feto poderia
redundar na morte da mãe.
Para remover ou afastar o perigo de morte da mãe – mulher grávida – admitia-se esta
causa de justificação supra-legal.
Hoje em dia e face à nossa lei tem-se um regime especial de justificação para o crime de
aborto, e que se denomina precisamente “causas especiais de justificação do crime de
aborto”. São causas de exclusão da ilicitude especiais, em sentido próprio. E isto porquê?
As causas de justificação estão plasmadas na parte geral e valem, em princípio, para toda
a parte especial, ou seja:
- O consentimento enquanto causa de justificação pode servir para excluir a ilicitude de
uma ofensa corporal, ou a ilicitude de outro tipo qualquer;
- A legítima defesa pode efectivamente justificar um homicídio, uma ofensa corporal, ou
um outro tipo legal de crime, mesmo um furto.
Agora existem causas tipificadas na parte especial que o legislador cria para esses tipos
concretos. Donde, as causas de justificação que estão contidas na parte especial do
Código Penal e que valem só para aquele tipo legal de crime que a lei indica são
designadas causas de justificação especiais.
Mas ainda se pode encontrar na parte especial do Código Penal causas de justificação
especiais, umas que o são em sentido próprio e outras que o são em sentido impróprio.
Está-se perante causas de justificação especiais em sentido impróprio quando elas,
estando embora previstas na parte especial do Código Penal para determinado tipo de
crimes (e daí a sua especialidade) apresentam já uma semelhança muito grande com o
que esta preceituado na parte geral do Código Penal a propósito do regime das causas de
justificação. Outras causas de justificação há que, estando previstas na parte especial, têm
um regime jurídico que não pode ser reconduzido, não tem atinência ou semelhança com
o que está preceituado na parte geral. Essas são as designadas causas de justificação
especiais em sentido próprio, de que é exemplo a justificação do crime de aborto.
118. Erro sobre os pressupostos de facto ou elementos normativos de uma causa de
justificação
Tem-se “mutatis mutandis” precisamente o inverso do que acontece naquelas situações
em que existe objectivamente uma situação de justificação mas falta o elemento
subjectivo.
Aqui é precisamente o contrário: o agente tem o elemento subjectivo, falta é o elemento
objectivo da justificação, por isso é que é uma causas de justificação putativa.
São situações que são reconduzíveis ao art. 16º/2 CP que exclui o dolo; e nos termos do
art. 16º/3 CP ressalva-se a punibilidade a título de negligência.
São aquelas situações em que o agente representa erradamente que está perante uma
situação objectiva de justificação e actua com o elemento subjectivo correspondente a
essa mesma causa de justificação que ele julga que está efectivamente presente, quando
na realidade falta o elemento objectivo: falta um pressuposto de facto um elemento
normativo dessa causas de justificação.
Para estas situações de erro sobre os pressupostos de facto ou de direito de causas de
justificação, a solução esta consagrada no art. 16º/2 CP ou seja, o erro sobre um estado de
coisas que a existir excluiria a ilicitude do facto, exclui o dolo.
Viu-se em sede do art. 16º/1 CP que fala em “erro sobre os elementos do facto típico” –, o
dolo que estaria excluído seria o dolo do tipo.
Agora aqui pergunta-se: como é que o dolo do tipo pode estar excluído se o agente
actuou, ainda que na convicção errada de que estava actuar em legítima defesa, não
deixou, em termos de tipicidade, de conhecer e querer aquele resultado?
Como é que em termos de tipo ele actua como dolo e depois a consequência do art. 16º/2
CP é excluir o dolo?
Daí, várias formulações para explicar esta solução deste tipo de erro:
1) Teoria rigorosa da culpa
Os partidários desta teoria vêm dizer que no caso de erro sobre os pressupostos de facto
de uma causa de justificação, o dolo de tipo não está excluído. Então, aquilo de que o
agente pode beneficiar nestas situações de erro é de uma atenuação da culpa, ou mesmo
de uma exclusão da culpa.
E eles distinguem consoante o erro seja essencial ou não essencial, consoante seja um
erro evitável ou não evitável.
2) Teoria limitada da culpa
Para os partidários desta teoria, a consequência do erro sobre os pressupostos de facto ou
elementos de direito das causas de justificação deve ser a mesma das situações de erro de
tipo: aplica-se na mesma a exclusão do dolo como se de um erro de tipo se tratasse. E isto
por analogia, ou seja, eles chegam à conclusão de que nesta circunstância o dolo de tipo
deveria estar excluído, não porque dogmaticamente seja essa a solução, porque por um
processo analógico, ou por uma entidade de razão, se deve estas situações como se de um
verdadeiro erro de tipo se tratasse, portanto, por analogia aplicam o mesmo regime do
erro sobre elementos do facto típico – o erro do art. 16º/1 CP.
Esta posição é de alguma forma criticável, mesmo quando o agente está em erro sobre um
elemento que a existir excluiria a ilicitude do seu facto, ele do ponto de vista da
tipicidade não deixa de actuar dolosamente, portanto, não faz muito sentido excluir o
dolo de tipo. Mas repare-se: nas situações de exclusão do dolo de tipo (erro sobre
elementos de facto, de direito ou sobre proibições) do art. 16º/1 CP o dolo está excluído
porque:
- Ou há uma ignorância total da realidade;
- Ou há uma errada representação da realidade.
Porque há um erro ignorância ou um erro suposição.
3) Teoria dos elementos negativos do tipo
Elementos negativos do tipo são causas de justificação. O tipo é composto, para estes
autores, não só pela tipicidade positiva (elementos positivos do tipo), mas também por
elementos negativos, que são as causas de justificação, tudo isto faz parte do tipo de
ilícito, porque eles não separam tipicidade, ilicitude e culpa como categorias
diferenciadas.
Assim, as causas de justificação, que são elementos a ponderar em sede de ilicitude,
categoria autonomizada da tipicidade, para eles são elementos negativos do tipo.
Ora, se as causas de justificação são elementos negativos do tipo, não deixam de ser
elementos do tipo, logo, se há um erro sobre um elemento de uma causa de justificação,
não deixa de haver um erro sobre um elemento do tipo. Se é um erro sobre um elemento
do tipo então o dolo de tipo está excluído.
4) Teoria do Duplo enquadramento do dolo em sede de tipo e em sede de culpa (culpa
dolosa)
O dolo tem um duplo enquadramento não só em sede de tipo, como elemento subjectivo
geral, mas também em sede de culpa como elemento subjectivo do tipo, enquanto
referenciador do facto proibido pela ordem jurídica ou enquanto referenciador do facto
exigido pela ordem jurídica, é o chamado dolo de tipo, elemento subjectivo geral.
Mas em sede de culpa o dolo também tem alguma função a desempenhar: o dolo, ou a
culpa dolosa, manifesta já o grau mais censurável da deficiente posição que o agente
adopta para com a ordem jurídica quando se decide pela prática de um facto ilícito,
podendo e devendo decidir-se de forma diferente, podendo e devendo decidir-se pelo
lícito. Neste sentido ter-se-á a culpa dolosa e o referenciador do dolo de culpa.
Assim, para quem faz esta bipartição entre o dolo de tipo e a culpa dolosa (ou dolo de
culpa) é fácil dizer que nestas situações de erro sobre os pressupostos de facto de uma
causa de justificação o dolo de tipo não está excluído; então, quando muito, aquilo que se
exclui é a culpa dolosa.
Nos termos do art. 16º/2 CP a estatuição é o “preceituado do número anterior”, que é a
exclusão do dolo; e que o dolo abrange também o erro sobre pressupostos de facto ou de
direito de causas de justificação ou sobre elementos da culpa.
119. Erro sobre a existência e erro sobre os limites de uma causa de justificação (art. 17º
CP)
Ambas as modalidades – erro sobre a existência e erro sobre os limites de uma causa de
justificação – são espécies do chamado erro sobre a ilicitude indirecto ou erro sobre a
proibição indirecto.
No âmbito do erro sobre a existência de uma causas de justificação, como o próprio nome
indica, tem-se desde logo aquela situação em que o agente actua, tem consciência que
aquilo que está a fazer é um facto ilícito, é desaprovado pela ordem jurídica.
Mas pensa que aquele facto, no fim de contas irá ser aprovado pela ordem jurídica porque
ele está a actuar ao abrigo de uma causa de justificação que julga existir, quando na
realidade a ordem jurídica não conhece essa causa de justificação, nem é possível inferi-
la a partir dos princípios jurídicos gerais que norteiam o regime jurídico da exclusão da
ilicitude ou da justificação.
Erro sobre a proibição indirecto, porque o agente em princípio tem consciência da
ilicitude do facto, mas pensa que depois esse facto vai estar justificado quando na
realidade não vai. Por isso é um erro indirecto sobre a proibição.
As situações de erro directo sobre a proibição são aquelas em que o agente:
- Actua conhecendo que aquilo que está a fazer é proibido;
- Ou não actua, desconhecendo que agir era uma obrigação.
Nas situações de erro sobre a existência de uma causa de justificação, o erro sobre a
proibição já é indirecto, porque o agente tem consciência do carácter ilícito do facto que
pratica; ou tem consciência do carácter ilícito da omissão que desenvolve.
Simplesmente, julga que depois esses factos vão ser aprovados pela ordem jurídica, pela
existência de uma causa de justificação ou de exclusão da ilicitude que a ordem jurídica
afinal não conhece.
Um outro tipo de erro sobre a proibição indirecto e que tem a ver com causas de
justificação ou de exclusão da ilicitude é o erro sobre os limites de uma causa de
justificação.
Aqui o agente age desconhecendo o carácter proibido da conduta que empreende, mas
está convencido que está a actuar ao abrigo de uma causa de justificação, que na
realidade existe e é reconhecida na lei; mas o agente erra quanto aos limites dessa causa
de justificação.
Tem-se, portanto as situações de erro sobre a proibição indirecto ou erro sobre a ilicitude
indirecto, seja erro sobre a existência ou sobre os limites de uma causas de justificação,
que não erros intelectuais, mas erros morais ou de valoração, e como tal o regime de
relevância é dado pelo art. 17º CP.
Então distingue-se consoante esses erros sejam erros censuráveis ou erros não
censuráveis, consoante esses erros sejam erros evitáveis ou erros inevitáveis, e assim:
- Se o erro for um erro evitável, logo um erro não censurável, nos termos do art. 17º/1 CP
a culpa está excluída;
- Se pelo contrário for um erro censurável, porque evitável, nos termos do art. 17º/2 CP o
agente é punido com a pena correspondente ao crime doloso que pode ser especialmente
atenuada.
[38] Um facto que é aprovado pela ordem jurídica, porque nele intervêm relevantemente
causas de exclusão da ilicitude.
[39] E o excesso é dado porque o agente excedeu o meio necessário à defesa.
[40] Aquele que menores consequências tem para o agressor.
[41] Factos humanos, sejam eles lícitos ou ilícitos, culposos ou inculposos.

CULPA
120. Culpa em direito penal
Para responsabilizar alguém criminalmente é necessário que essa pessoa, para além de ter
uma acção penalmente relevante, ou seja, simultaneamente típica e ilícita, e também
necessário que sobre essa pessoa que pratica esse facto típico e ilícito recaia um juízo de
censura de culpa, é necessário também que o facto seja culposo.
A relação que se estabelece entre a ilicitude e a culpa não é feita nos mesmos termos,
porque a ilicitude não indica a culpa.
Um facto pode ser ilícito e não estar subjacente a esse facto qualquer juízo de censura de
culpa, por isso, a culpa é um pressuposto analítico da punibilidade autónomo e é também
um pressuposto material da punibilidade.
A culpa em direito penal em primeiro lugar é a negação da responsabilidade
objectiva[42]. A responsabilidade penal tem que se fundar numa culpa concreta, daí o
preceituado no art. 18º CP quando se diz que “a imputação do resultado, ainda que não
previsto ou não querendo pelo agente, tem que ser feita pelo menos a título de
negligência”.
Nesse sentido a imputação do resultado tem na sua base um juízo de censura da culpa,
uma culpa concreta do agente, dolosa ou negligente.
A culpa é também um princípio de política penal ou criminal.
A culpa é o fundamento e o limite da medida da pena, isto é, não é possível aplicar uma
pena, que é a sanção característica do direito penal, a quem não tenha actuado com culpa.
Daí que, a culpa seja o fundamento da pena. Mas a culpa é também o limite da medida da
pena, na medida em que consoante a maior ou menor culpa manifestada pelo agente na
prática do facto ilícito, daí a maior ou menor pena, de acordo com a graduação da medida
da pena (arts. 71º segs. CP).
121. Culpa como categoria analítica de juízo penal
A ilicitude consistia num juízo de desvalor formulado pela ordem jurídica, juízo de
desvalor esse dirigido ao agente pela prática de um facto contrário à ordem jurídica na
sua globalidade.
Na culpa passa-se algo de diferente, também o juízo de culpa é um juízo de censura, um
juízo de desvalor dirigido ao agente, já não diferente sobre o facto que ele praticado, mas,
pela atitude que o agente expressa na prática de um determinado facto, quando ao agente
foi dada a possibilidade e se ter decidido diferentemente, de se ter decidido de harmonia
com o direito (em vez de se ter decidido como decidido, pelo ilícito). Assim:
- Enquanto que na ilicitude se verifica a violação de um dever;
- Na culpa coexiste a ideia não de um dever, mas de um poder.
Na culpa, este juízo de censura é um juízo individualizado, dirigido ao agente. Aquilo que
se se censura ao agente é ele ter manifestado na prática de um determinado facto uma
certa atitude, querendo praticar esse facto (por hipótese), quando podia ter actuado de
uma forma diferente, quando podia ter actuado de harmonia com o dever ser, de
harmonia com o direito.
No juízo de censura der culpa aquilo que se censura ao agente é ele ter-se decidido pelo
ilícito, quando podia comportar-se de maneira diferente. Assim sendo, o juízo de ilicitude
tem de preceder necessariamente o juízo de culpa.
122. Elementos da culpa
Ela é integrada desde logo:
- Pela capacidade de culpa;
- Pela consciência da ilicitude;
Um terceiro elemento, contestado por alguns autor, filia-se na,
- Exigibilidade de adoptar um comportamento diferenciado.
Para fundamentar também um juízo de censura de culpa, é necessário que o agente, não
obstante ter capacidade de culpa e consciência da ilicitude do facto que comete, não tenha
actuado em circunstâncias tão extraordinárias, tão exorbitantes, de tal forma que a sua
liberdade de decisão, a sua liberdade de captação ou de avaliação não esteja diminuída.
Há quem entenda que a culpa é composta por:
- Dois elementos positivos:
· Capacidade de culpa;
· Consciência da ilicitude.
- Um elemento negativo:
· Ausência de causas desculpa.
Pode-se então dizer que verdadeiras causas de exclusão da culpa são aquelas que se
filiam na ausência de capacidade de culpa ou de consciência da ilicitude.
As causas de desculpa não excluem a culpa mas fazem com que aquele facto seja
tolerado pela ordem jurídica, em termos de não haver lugar à punibilidade, à punição.
123. Evolução do conceito de culpa enquanto categoria analítica
Para os clássicos a culpa era meramente psicológica, ou seja, cifrava-se na relação do
agente para com o facto praticado. E enquanto faziam parte da ilicitude típica todos os
elementos objectivos, era em sede de categoria analítica da culpa que os clássicos
arrumavam todos os elementos subjectivos.
Assim o dolo e a negligência seriam integrados, ou incluídos na culpa, como elementos
subjectivos (como formas de culpa).
Este conceito de culpa evoluiu, desde logo com os neo-clássicos, que passam a encarar a
culpa como um juízo de censurabilidade. Já não era só a relação psíquica do agente para
com o facto praticado que interessava, mas era também necessário valorar elementos
exteriores a essa relação psíquica, para fundamentar um juízo de censura de culpa.
A culpa aparece aqui já impregnada de alguns elementos normativos, já não é puramente
subjectiva.
Efectivamente, Frank ao traçar a distinção entre direito de necessidade e estado de
necessidade subjectivo ou desculpante chega a esta conclusão.
Na verdade uma pessoa, ao praticar um facto, pode estabelecer para com esse facto uma
relação de dolo ou uma relação de negligência. A pessoa pode ter querido praticar esse
facto, ou a pessoa pode ter dado origem àquele facto, porque precisamente não se
preveniu no sentido de evitar violar determinados deveres; e consequentemente, a
violação desses deveres deu origem à prática daquele facto.
Frank começa a filiar o fundamento das causas de desculpa com base na ideia de
exigibilidade: exigibilidade ou não de um comportamento diferenciado daquele que foi
tido pelo agente no caso concreto. A ilicitude:
- É um juízo generalizado que a ordem fórmula, dirigido ao agente, mas que incide sobre
o facto por ele praticado;
- É um juízo material e como tal, um juízo gradual: um facto pode ser mais ou menos
grave, ou mais ou menos ilícito.
No juízo da culpa, já não se trata de ver se o agente com o seu comportamento violou um
dever e se actuou em contrariedade com a ordem jurídica na sua globalidade[43]. Tem
antes a ver com a ideia de poder, consequentemente, é um juízo individualizado que recai
sobre cada agente em concreto. Então censura-se ao agente a atitude que ele revelou ao
ter-se decidido pela prática de um facto que viola as exigências de um dever, pela prática
de um facto ilícito, quando podia ter adoptado um comportamento diferenciado. E podia
porque:
- Tinha capacidade de culpa;
- Tinha consciência da ilicitude do facto; era-lhe exigível que adoptasse, no caso
concreto, um comportamento diferenciado, podia decidir-se de harmonia com as
exigências do dever, em conformidade com os ditames da ordem jurídica.
Os finalistas adoptaram um conceito normativo de culpa, porque para eles e de harmonia
com o próprio conceito de acção que eles tinham (quer era uma acção final), na culpa não
interessava nada a relação psicológica que o agente tinha com o facto praticado, porque
essa relação psicológica é transposta, no finalismo, para uma outra categoria analítica que
é o tipo.
Os finalistas incluíram precisamente no tipo o dolo como elemento subjectivo geral.
Assim, os tipos ou são dolosos ou são negligentes.
- São dolosos: o dolo é o elemento subjectivo geral do tipo;
- São negligentes: o elemento subjectivo é a própria negligência.
A relação psicológica que se estabelece entre o agente e o facto por ele praticado é
reconduzida e analisada em sede de tipicidade. A culpa ficava expurgada na sua
subjectividade.
Mas os finalistas levaram isto ao extremo e fundamentaram o juízo de censura de culpa e
a culpa em ideias puramente valorativas, portanto, um conceito de culpa normativo e
valorativo, composto por vários elementos:
- Capacidade de culpa;
- Consciência da ilicitude.
Para alguns autores:
- Exigibilidade de um comportamento diferenciado
E ainda, para outros autores:
- Inexistência de processos anormais de motivação.
Sendo assim, numa análise pós-finalista da categoria dogmática da culpa, pode-se
concluir que o fundamento do juízo de censura de culpa é o poder, a possibilidade que o
agente tinha de observar os comandos da ordem jurídica.
E o agente só tem possibilidade de observar esses comandos impostos pela ordem
jurídica, essas exigências do dever, se:
- Tiver capacidade de culpa;
- Tiver actuado com consciência da ilicitude;
- Não tiver actuado em circunstâncias tão extraordinárias que à ordem jurídica não lhe
reste outra alternativa senão tolerar ou desculpar o facto praticado.
124. Capacidade de culpa
Uma pessoa tem capacidade de culpa quando tem a possibilidade de conhecer as
exigências do direito e pautar o seu comportamento de harmonia com essas exigências.
Portanto, há capacidade de culpa quando o agente reconhece ou tem consciência ou pelo
menos, tem a possibilidade de ter tido consciência da ilicitude do facto e actua (ou pode
actuar) de harmonia com essa valoração.
O Código Penal não define capacidade de culpa pela positiva, diz, pela negativa, quem é
que não é capaz de culpa, ou seja, quem é inimputável[44]; assim, inimputáveis ou
incapazes de culpa, são:
- Os menores de dezasseis anos (art. 19º CP);
- Os portadores de anomalia psíquica ou de um estado patológico equiparado (art. 20º
CP).
Quem não tem capacidade de culpa não age com culpa. A falta de capacidade de culpa,
tal como a falta de consciência da ilicitude não censurável, leva à exclusão da culpa.
Inimputabilidade em razão da idade
O legislador penal entende que só têm capacidade de culpa, no sentido de poder
reconhecer as exigências da ordem jurídica e pautar o seu comportamento de harmonia
com essas exigências, os maiores de dezasseis anos, esse são penalmente imputáveis e
sobre eles pode recair um juízo de censura de culpa: têm culpa penalmente.
Um outro factor que pode excluir a capacidade de culpa, já não de razão etária, é a
verificação de um estado de anomalia psíquica que diminuía efectivamente a capacidade
de avaliação do agente, em termos de não lhe poder permitir reconhecer o carácter ilícito
dos seus factos e de se determinar de harmonia com essa avaliação. No art. 10º/1 CP
referem-se que é inimputável em razão de anomalia psíquica. No art. 20º/2 CP
equiparam-se situações de anomalia psíquica grave em que, não obstante o agente no
momento da prática do facto poder reconhecer a ilicitude do facto ou determinar-se de
harmonia com essa valoração, pode o juiz declarar inimputável essa pessoa.
No art. 20º/4 CP tem-se a chamada situação de inimputabilidade provocada: são aquelas
situações em que o agente propositadamente dá origem a uma situação de incapacidade
ou de inimputabilidade, tendo efectivamente previsto nesse estado praticar um
determinado crime, são as chamadas acções livres na causa em que, nestas situações de
inimputabilidade provocada, a capacidade de culpa não está excluída. E são acções livres
na causa porque embora no momento em que o agente pratica o facto penalmente
relevante ele não tenha capacidade de culpa, ele foi livre no momento anterior para
reconhecer o carácter ilícito do seu facto e pautar o seu comportamento de harmonia com
o direito. Consequentemente, o facto não é livre no momento da sua prática, mas é livre
na causa.
Nesse sentido designam-se acções livres na causa e nestas situações a capacidade de
culpa não está excluída.
125. Consciência da ilicitude
Uma pessoa actua com consciência de ilicitude quando sabe que aquilo que está a fazer é
proibido pela ordem jurídica na sua globalidade; ou quando a pessoa sabe que actuar era
uma obrigação e se abstém precisamente dessa actuação, omitindo portanto uma acção
que lhe era exigível.
Qual é a consciência da ilicitude que se exige ao agente?
Em primeiro lugar, aquilo que se exige ao agente não é uma consciência de ilicitude
formal, mas tão só uma consciência da ilicitude material.
Não se exige formalmente um conhecimento da proibição e da sanção imposta para a
violação daquele pressuposto legal, porque senão só tinha consciência da ilicitude quem
fosse de alguma forma jurista ou penalista. Portanto, o que se exige é uma consciência da
ilicitude material, no sentido de que aquele comportamento é valorado do ponto de vista
axiológico em termos de ser censurado ético-socialmente. Basta o conhecimento da
censura ético-social do comportamento para que se forme a consciência da ilicitude do
facto.
Por outro lado, esta consciência da ilicitude pode ser firmada e pode-se dizer que o agente
actua ainda com consciência da ilicitude, ainda que se trate de uma consciência da
ilicitude eventual.
O que filia o juízo de consciência da ilicitude não é o carácter moral ou imoral da conduta
empreendida pelo agente, porque a valoração moral ou imoral de um comportamento não
coincide sempre com a valoração jurídico-penal do comportamento ilícito.
Portanto, neste conceito de ilicitude, tão só basta a consciência da ilicitude material.
Pode acontecer contudo que uma pessoa actue e pratique um facto ilícito e venha depois a
juízo defender-se, dizendo que actuou sem saber que aquilo que fez é proibido, ou que
não actuou precisamente porque desconhecia que actuar era uma imposição.
Nestes casos, está-se perante situações de erro sobre a ilicitude em que o agente
desconhece o carácter ilícito daquilo que fez, ou desconhece o carácter ilícito daquilo que
efectivamente não fez (e ilícito porque deveria ter feito).
Estas situações de erro sobre a ilicitude estão plasmadas no art. 17º CP, o Prof. Figueiredo
dias chama de erro moral ou de valoração.
126. Erro sobre a ilicitude
A propósito do art. 17º CP costuma-se chamar-se-lhe de erro sobre a ilicitude ou erro
sobre a proibição, ainda que seja mais correcto chamar-lhe erro sobre a ilicitude, porque
factos ilícitos não são só acções que violam proibições, mas também omissões de acções
e/ou exigências, consoante os factos sejam por acção ou por omissão, consoante as
normas sejam proibitivas ou perceptivas. Neste sentido é mais abrangente a designação
de erro sobre a ilicitude, porque abrange quer as acções quer as omissões.
No âmbito deste erro sobre a ilicitude, também designado menos correctamente erro
sobre a proibição, distingue-se o erro sobre a proibição cujo conhecimento seja
razoavelmente indispensável e exigível ao agente para ele tomar consciência da ilicitude,
que é o erro que se encontra consagrado no art. 16º/1 3ª parte CP, esse sim um erro de
natureza intelectual.
A distinção do erro sobre as proibições do art. 16º/1, 3ª parte CP do erro do art. 17º CP
(erro moral ou de valoração) que é também um erro sobre as proibições é a seguinte:
- As proibições de que se fala na 3ª parte do art. 16º/1 CP são, dentro das proibições
novas, tão só aquelas que são axiologicamente neutras. Valorativamente neutras, ou que
não contenham em si uma censurabilidade ético-social.
O erro sobre a ilicitude ou sobre as proibições do art. 17º CP pode ser de duas naturezas:
ou de um erro directo sobre a ilicitude; ou um erro indirecto sobre a ilicitude.
Sendo que no âmbito do erro indirecto sobre a ilicitude, tem-se o erro sobre a existência
de uma causa de justificação e o erro sobre os limites de uma causa de justificação.
Portanto, um erro sobre normas permissivas.
No erro sobre a ilicitude tem-se aquelas situações em que no fim de contas o agente erra é
sobre a permissão do comportamento. Repare-se: na justificação de erro sobre a
existência de uma causa de justificação, o agente quando actua sabe que aquilo que está a
fazer é um facto ilícito, mas julga que esse facto ilícito vai ser aprovado pela ordem
jurídica pela intervenção de uma causa de justificação, causa de justificação essa que o
ordenamento jurídico português não conhece e que nem é possível inferir a partir dos
princípios que norteiam o regime jurídico da justificação.
Conforme diz o art. 17º CP tem-se de verificar se se tratam de erros censuráveis ou erros
não censuráveis, isto é, se se tratam de erros evitáveis ou não evitáveis.
Nos termos do art. 17º/1 CP se o erro sobre a ilicitude for um erro não censurável, for um
erro inevitável, então o agente age sem culpa, por isso, o erro sobre a consciência da
ilicitude não censurável exclui da culpa.
Pelo contrário, se o erro for censurável porque era um erro evitável, diz o art. 17º/2 CP
que o agente será punido com a pena correspondente ao crime doloso praticado, contudo,
pode beneficiar de uma atenuação especial facultativa da pena.
Pode-se dizer que o Código Penal traduz uma teoria da culpa em deterimento daqueles
que propunham uma teoria do dolo.
127. Teorias do dolo
Para os partidários desta teoria, o dolo fazia parte da culpa. E o dolo, dentro do seu
elemento, era integrado também pela consciência da ilicitude. O dolo, ao lado do
conhecer e querer um determinado facto era também integrado pela consciência da
ilicitude: o agente tinha de conhecer e querer um determinado facto sabendo que esse
facto era ilícito.
Para a teoria rigorosa do dolo este era integrado na culpa, porque a culpa era
predominantemente subjectiva. Sendo assim, faltando a consciência da ilicitude, faltaria
um elemento do dolo, faltando um elemento do dolo, ele tinha de estar excluído.
A esta teoria seguiu-se uma outra, a teoria limitada do dolo que diz: sendo embora o dolo
integrado na culpa e composto também pela consciência da ilicitude, se faltar a
consciência da ilicitude falta um elemento do dolo, logo não se pode punir o agente a
título doloso, com uma excepção: aqueles casos em que faltou a consciência da ilicitude
por cegueira jurídica ou inimizade ao direito.
As teorias do dolo levavam a esta situação: quando se actua sem consciência da ilicitude,
como esta é um elemento do dolo, falta um elemento do dolo, logo está afastado.
128. Teorias da culpa
Os partidários desta teoria vêm dizer, que o dolo é um elemento do tipo e é um elemento
subjectivo geral (foi uma conquista dos finalistas),
A consciência da ilicitude não é ponto de referência do dolo: a consciência da ilicitude
não integra o dolo, mas é antes um elemento autónomo da culpa, e consequentemente a
faltar a consciência da ilicitude o que pode estar excluído é a culpa. E é isso que se tem
no art. 17º CP:
- Se o agente actua sem consciência da ilicitude e se essa falta de consciência da ilicitude
não lhe é censurável, a culpa está excluída;
- Se pelo contrario o agente actua sem consciência da ilicitude, mas esse erro é um erro
censurável, então o agente é punido por dolo, podendo a pena ser atenuada na culpa
manifestada pelo agente.
O Código Penal secunda a teoria da culpa, ou seja, pode-se dizer que o entendimento das
teorias da culpa estão de harmonia com o preceituado no art. 17º CP.
129. Critérios de censurabilidade do erro no art. 17º CP
Existem vários critérios.
Um critério que tende de alguma forma a objectivar um pouco do critério da
censurabilidade ou não do erro, faz esta análise da evitabilidade ou inevitabilidade do
erro da seguinte teoria, coloca um agente médio na posição do agente real e pergunta se
para esse agente médio era nítido que o facto praticado era um facto ilícito ou não, e
assim:
- Se para um agente médio colocada nas mesmas circunstâncias também não fosse
evidente que o facto era um facto ilícito, ter-se-ia um erro não censurável, logo a ser
filtrado nos termos do art. 17º/1 CP;
- Se para esse agente médio colocado nas mesmas circunstâncias do agente o facto
praticado se manifestasse ilícito, então nesse sentido, ter-se-ia um erro censurável, com
relevância nos termos do art. 17º/2 CP.
Um critério um pouco mais complicado, é a teoria de Roxin faz a pergunta ao agente que
comete o facto de que vem alegar desconhecimento da sua ilicitude, ou desconhecimento
da sua proibição, faz perguntar se seria de alguma forma legítimo impor ao agente que ele
pelo menos suspeitasse do carácter ilícito do facto por si praticado.
Então, se se puder dizer que realmente naquelas circunstâncias era de alguma forma,
exigível que ele pelo menos desconfiasse do carácter ilícito do seu facto, e então se
desconfiou tinha a obrigação de se ir informar, saber se aquilo que ele suspeitou ser ilícito
era na verdade lícito ou ilícito.
Esta violação do dever de informação com base numa suposição funda e efectivamente a
censurabilidade do erro e, portanto, a possibilidade de punir o agente por facto doloso nos
termos do art. 17º/2 CP.
Se pelo contrário naquelas circunstâncias não fosse minimamente exigível que o agente
suspeitasse do carácter ilícito do facto, então ele também não teria nenhuma obrigação de
se informar. E daí a inevitabilidade do erro, em que todas as pessoas incorreriam. E o erro
não censurável aí teria relevância nos termos do art. 17º/1 CP, excluindo a culpa.
130. Exigibilidade de um comportamento conforme ao direito
Há autores que consideram um terceiro elemento da culpa, que é a exigibilidade de um
comportamento conforme ao direito, ou de harmonia com o dever ser.
Esta exigibilidade para determinados autores é, ao lado da capacidade de culpa e da
consciência da ilicitude, um verdadeiro elemento da culpa. E não existindo este elemento,
ou seja, não sendo no caso concreto exigível ao agente que ele adopte um comportamento
diferente, um comportamento de harmonia com o direito, então falta um elemento da
culpa e a culpa tem de estar excluída. É nomeadamente a posição de Frank.
Por outro lado, autores há que consideram que esta exigibilidade não é um verdadeiro
elemento da culpa.
A exigibilidade do comportamento conforme o dever ser, ou conforme ao direito, não
sendo elemento da culpa, não a exclui, pode é fundamentar uma desculpa, é o caso de
Roxin.
E há quem entenda que a exigibilidade é apenas um princípio de direito regulativo sem
conteúdo material, e consequentemente nem é elemento da culpa, nem fundamenta toda a
desculpa.
Donde, aquilo que se vai entender é que compõem a culpa dois elementos positivos:
- Capacidade de culpa;
- Consciência de ilicitude.
E um elemento de natureza negativa:
- A ausência de causas de desculpa.
Causas de desculpa, estas que, a verificarem-se, não excluem a culpa do agente, porque o
agente tem capacidade de culpa e consciência da ilicitude. Mas causas de desculpa
porque o agente, não obstante ter esses dois elementos da culpa actuam em circunstância
tão extraordinárias e de alguma forma tão anormais que toldam a normal capacidade de
avaliação e de determinação. Sendo certo que a ordem a ordem jurídica não pode deixar
de tolerar os factos praticados por essas pessoas nessas circunstâncias, consequentemente
procede a uma desculpa.
Pode-se dizer que, faltando um dos elementos da culpa:
- Capacidade de culpa;
- Consciência da ilicitude (não censurável).
A culpa está excluída, são as causas de exclusão da culpa.
131. Causas de exclusão da culpa
São três, as causas de exclusão de desculpa previstas no Código Penal:
- O excesso de legítima defesa (art. 33º CP);
- O estado de necessidade subjectivo ou desculpante (art. 35º CP);
- Obediência indevida desculpante (art. 37 CP).
A verificar-se uma destas situações, a culpa está excluída, mas o facto permanece
necessariamente ilícito, uma vez que o juízo de ilicitude procede necessariamente o juízo
de culpa.
a) Excesso de legítima defesa (art. 33º CP)
Neste artigo 33º CP tem dois números:
O n.º 1 onde prevê-se a legítima defesa excessiva, ou um excesso intensivo, que tem a ver
só com o excesso do meio empregue para repelir a agressão. Nesse sentido, esse excesso
intensivo pode ser um excesso consciente ou um excesso inconsciente.
Roxin diz que nestes casos de excesso intensivo previsto no art. 33º/1 CP:
- Quando ele é consciente, o agente pode ser punido por dolo;
- Quando ele é inconsciente, o agente pode ser punido por negligência.
Sendo certo que se tem de verificar sempre e em todo o caso a consequência do art. 33º/1
CP que leva a uma atenuação especial da pena[45].
No n.º 2 prevê-se a situação retinta de desculpa quando o excesso nos meios empregues
tiver resultado de medo, susto ou perturbação não censurável.
É um estado afecto asténico em que o defendente se encontra, e consequentemente esse
estado afecto a uma certa astenia leva à desculpa.
b) Estado de necessidade subjectivo ou desculpante (art. 35º CP)
Esta causa de desculpa exige uma ideia de uma certa proporcionalidade, porque se filia já
numa certa exigibilidade.
Também esta causa de desculpa tem um elemento subjectivo, que é a consciência que as
pessoas têm do perigo e a vontade que têm de actuar para remover esse perigo. No
entanto, esta causa de desculpa só existe verdadeiramente nos termos do art. 34º/1 CP
quando estiverem em perigo única e exclusivamente os bens jurídicos aí descriminados.
Quando estiverem em perigo outros bens que não estes, a solução é dada pelo n.º 2 do art.
34º e não pela n.º 1.
Por outro lado, esta causa de desculpa pode encontrar um determinado fundamento na
exigência de um comportamento contrário, de um comportamento conforme ao dever ser.
A exigibilidade inculca aqui, no âmbito do estado de necessidade, já uma ideia de
proporcionalidade.
Em primeiro lugar, tem de se afastar um perigo grave, não é qualquer perigo.
Depois, o facto ilícito praticado para remover esse perigo tem de ser o único facto
adequado e necessário à remoção do perigo. Não pode haver outro, porque se houver já
não há desculpa.
Significa que tem de haver sempre uma determinada proporcionalidade, sob pena de se
dizer que era sempre exigível a adopção de um comportamento diferenciado para a
remoção do perigo. Portanto, aqui a ideia de exigibilidade inculca uma ideia de
proporcionalidade entre o bem em perigo e o bem que se lesa para remover esse perigo.
A exigibilidade de adopção de um comportamento conforme o direito é de alguma forma
um princípio meramente regulativo. E isto porque a ser um verdadeiro elemento da culpa,
ou é para toda a gente ou não é para ninguém. Então a exigibilidade não sendo elemento
da culpa, pode fundamentar uma situação de desculpa, ou seja: poderá em determinados
casos dizer-se que há culpa, porque o agente tem a capacidade de culpa e consciência da
ilicitude e ainda lhe era possível actuar na harmonia com o direito.
c) Obediência indevida desculpante (art. 37º CP)
Ainda pode ser desculpado quem cumpre uma ordem de um superior hierárquico sem ser
pelo agente evidente, no quadro das circunstâncias em que o conhecimento daquela
ordem desembocasse na prática de um crime. Tem-se aqui uma situação de erro sobre a
ilicitude.
Cessa o dever de obediência hierárquica quando tal se traduzir na prática de um crime.
No entanto, quando o agente actua em obediência a uma ordem não sendo para si
evidente, no quadro das circunstâncias que ele representou, que essa ordem conduz à
prática de um crime, esse facto pelo agente praticado é um facto típico e ilícito, mas o
agente beneficia de uma desculpa.
132. Erro sobre os elementos de uma causa de desculpa
Este erro, em que o agente julga existir mas que na realidade não existe leva também, nos
termos do art. 16º/2 CP à exclusão do dolo, ressalvando-se nos termos do art. 16º/3 CP a
punibilidade por negligência nos termos gerais.
Este erro exclui o dolo ressalvando-se a punibilidade por negligência nos termos gerais.
Este erro exclui o dolo, ressalvando-se a punibilidade por negligência nos termos do art.
16º/3 CP.
Tipos de culpa
São elementos que caracterizam a atitude do agente expressa no facto. São elementos
caracterizadores da atitude do agente, são pois elementos objectivos daquilo que constitui
o juízo de censura de culpa.
133. Conclusão
A culpa é uma categoria analítica da sistemática do facto punível.
É uma categoria material e como tal, um conceito graduável, ou seja, o mesmo facto pode
ser passível de um maior ou menor juízo de censura de culpa, de harmonia com a atitude
expressa pelo agente na prática do facto, em termos de poder ter adoptado sempre um
comportamento diferenciado daquele que adoptou, o agente podia sempre ter actuado
licitamente e optou por actuar ilicitamente. E o agente podia ter actuado de harmonia com
o direito precisamente porque:
- Tinha capacidade de culpa, ou seja, tinha capacidade para avaliar o carácter ilícito do
facto e determinar-se, por essa avaliação;
- Teve conhecimento do carácter ilícito do seu facto; e
- Não actuou em circunstâncias tão extraordinárias que o desculpem.
Nesse sentido, a culpa é um conceito material e graduável:
- Quanto maior for a censura da culpa, maior a pena do agente;
- Quanto menor for a censura, menor a pena do agente conforme resulta dos arts. 72º
segs. CP.
Inclusivamente, que a culpa é um conceito graduável atestam entre outras:
- As normas do art. 17º/2 CP em caso de erro censurável sobre a ilicitude pode haver
lugar a uma atenuação especial da pena, que é fundada no grau de culpa manifestado pelo
agente;
- Prova-o o preceituado no art. 33º/1 CP em caso de excesso intensivo nos meios
empregues na legítima defesa, pode haver também lugar a uma atenuação;
- Prova-o o art. 35º/2 CP.
[42] Não há em direito penal responsabilidade objectiva.
[43] Isto é um conceito de ilicitude.
[44] Imputável significa, em direito penal capacidade de culpa; inimputável significa
incapacidade de culpa.
[45] Mas atenção, porque há autores que vêem nesta atenuação especial da pena, no caso
de excesso intensivo do art. 33º/1 CP uma atenuação que se funda não já na culpa, mas na
punibilidade em sentido estrito.
Outros autores entendem que esta atenuação, nos casos de excesso intensivo do art. 33º/1
CP tem ainda a ver com a culpa do agente, e portanto esta atenuação da pena terá a ver
com uma certa desculpa

COMPARTICIPAÇÃO CRIMINOSA
134. Introdução
A matéria da comparticipação encontra-se prevista nos arts. 26º, 27º, 28º e 29 CP.
A comparticipação criminosa postula em que várias pessoas concorrem para a prática de
um facto penalmente relevante.
Pode-se genericamente definir a comparticipação criminosa para o direito português
como uma situação de pluralidade de intervenientes num facto.
O problema que as regras de comparticipação criminosa visam responder é saber, dentro
da prática de um facto, quem é que é responsável, porquê e em que termos.
As regras da comparticipação criminosa são regras necessárias para no fundo se poder
aplicar as regras da parte especial a outras pessoas que não apenas àquelas que praticam o
facto por si mesmas.
Sendo certo que as normas da parte especial carecem em alguns casos das normas da
parte geral para integrar outros comportamentos, as normas dos arts. 26º e 27º CP são
normas que por si só não têm valor, são normas que se têm que relacionar com as normas
da parte especial.
E nestas relações entre as normas dos arts. 26º, 27 e até o art. 28º CP com as normas da
parte especial, tem-se no fundo um conjunto de outras regras.
As regras dos arts. 26º, 27º, e 28º CP são regras de extensão da tipicidade, ou seja, são
regras que visem no fundo tornar típicos comportamentos que não eram típicos.
As regras da comparticipação criminosa visam valorar contributos que não são
imediatamente subsumíveis aos tipos de ilicitude da parte especial.
Em segundo lugar, trata-se de regras que, em conjunto com a(s) regra(s) da parte especial,
criam uma nova regra de valoração jurídica, nesse sentido estendem a tipicidade da parte
especial.
A comparticipação criminosa assenta na distinção fundamental entre autoria e
participação.
As diversas figuras da autoria e da participação por referência à lei são as seguintes:
a) Autoria (art. 26º CP)
- Autoria singular;
- Autoria mediata; co-autoria
Figuras que estão previstas no art. 26º CP.
a) Participação criminosa são formas de envolvimento menos grave, pressupõem sempre
um autor e são:
- A instigação corresponde, aquele que dá uma indicação, dá uma ordem a outrem para
que esse outrem cometa um facto ilícito;
- A cumplicidade é o acto de auxílio, de apoio a um facto praticado por outrem.
135. Autoria
A ideia básica que está subjacente a um conceito extensivo de autoria é a da equiparação
causal dos diversos contributos: quem é causa de um facto, ou quem se torna causal por
um facto, é o autor do mesmo.
Este conceito extensivo pode ainda ser visto puramente como um conceito extensivo ou,
de uma forma mais radical, como um conceito unitário, isto é: há quem entenda que se
teria de partir de uma ideia de causalidade; e sempre que ela fosse essencial para o facto
ter-se-ia um autor.
Se porventura alguém fosse causal para o facto, mas o seu contributo não fosse essencial,
já não se teria autor[46].
Esta posição distingue-se de uma outra, também de base causalista, que é mais radical,
que é esta: a partir do memento em que se identifica que alguém é causa, não há
distinções a fazer, todos são autores (trata-se por exemplo do sistema seguindo no direito
austríaco).
O conceito extensivo parte de uma ideia de causalidade, mas há formas radicais de ler
este conceito extensivo:
- Um conceito causal de autor pode ser unitário, e no conceito unitário quem der causa ao
homicídio é autor sempre, independente da distinção que se possa fazer quanto à
essencialidade da causa.
- Num conceito meramente extensivo parte-se duma ideia de causalidade, mas pode-se
fazer distinções consoante o contributo seja essencial ou não seja essencial.
O Código Penal separou claramente os cúmplices dos autores, rejeitando um conceito
unitário de autor.
Se ler-se os arts. 26º e 27º CP vê-se que no art. 27º CP o cúmplice é sempre punido de
uma forma menos grave que o autor, o que é um elemento interpretativo bastante claro no
sentido de se poder dizer que o Código Penal não aceitou uma equiparação total entre os
diversos intervenientes, ou seja rejeitou o conceito unitário de autor.
Por outro lado, pode-se dizer também que rejeita um conceito extensivo de autor, e isto
por duas razões:
1) Porque prescindiu de qualquer referência à causalidade;
2) Porque na perspectiva do Prof. Eduardo Correia, quando os cúmplices prestassem um
contributo essencial seriam autores.
O Código Penal rejeitou um conceito extensivo de autor, porque o conceito extensivo de
autor admitia no fundo uma cisão da cumplicidade. O Código Penal não admite essa
cisão:
- Por referência ao conceito extensivo do autor quem forneça uma arma imprescindível
para a prática do facto ilícito é considerado autor desse facto ilícito;
- Para o Código Penal, quem forneça uma arma é sempre considerado cúmplice, por mais
essencial que seja o contributo.
Ao não admitir esta distinção a cumplicidade essencial e a cumplicidade não essencial o
Código Penal também rejeitou um conceito extensivo de autoria.
136. Conceito causal de autor no sistema comparticipativo
Uma primeira distinção fundamental consiste em distinguir os autores de participantes:
- Os autores dos factos são pessoas que perante o facto têm uma posição mais importante,
mais decisiva;
- Participantes são aqueles que têm um envolvimento mais distante com o facto, isto é,
um envolvimento menos importante.
Esta distinção entre autor e participante, que é uma distinção doutrinária, pode ser
concretizada por referência a diversos critérios, e há fundamentalmente três critérios que
pretendem operar esta distinção entre autor e participante:
1) O critério formal objectivo;
2) As teorias subjectivistas;
3) Os critérios materiais objectivos.
137. Teoria (ou critério) formal objectivista
Diz que o autor é o sujeito que executa a conduta típica. Se a conduta típica é matar, a
questão traduz-se em saber quem é que mata a vítima.
A conduta típica é matar alguém, a teoria formal objectiva diz que quem executa a
conduta típica é que é o autor. Então, tem-se o problema ainda por resolver, porque é
exactamente o problema de saber a quem é que pode ser imputado o facto total quando há
contributos parciais que se tem em mãos na comparticipação criminosa, ou seja, a teoria
formal objectiva supõe que está definido que pretende definir: é a execução da conduta
típica.
A teoria formal não permite dar uma resposta, ou seja, não resolve o problema
fundamental da comparticipação criminosa que é saber, quando existe divisão de tarefas,
como é que essas diversas tarefas são valoradas.
Em rigor, a teoria formal objectiva mais não seria do que a aplicação dos próprios tipos
da parte especial. E por essa razão parece que ela não resolve coisa alguma do ponto de
vista de esclarecer a comparticipação criminosa. O problema fundamental está em saber
como é que se podem valorar certos contributos perante a execução de um facto típico
quando há divisão de tarefas.
Quando há divisão de tarefas, por regra há pessoas que não praticam o facto típico tal
como ele está integralmente descrito, isto é, praticam apenas parcelas daquilo que poderia
ser o facto típico.
Portanto, a teoria formal objectiva é nesta perspectiva uma teoria consideravelmente
inútil. Seria aparentemente respeitadora do princípio da tipicidade, mas mesmo assim não
permitira resolver os casos mais complicados, que seriam sempre os de divisão de tarefas
ou da intervenção de uma pluralidade de pessoas.
138. Teoria subjectivista
A teoria subjectivista distingue-se os autores dos participantes com base na seguinte ideia
fundamental:
- Autor é aquele que tiver “animus auctoris”, ou seja, quem tiver intenção de se envolver
no facto como autor;
- Participante será aquele que tiver “animus socii”, ou seja, de mero envolvimento,
desligado no fundo do próprio facto; tem um envolvimento, mas não tem intenção de se
comportar verdadeiramente como autor.
Esta teoria padece de vários vícios.
O primeiro é um vício de técnica jurídica ou dogmática jurídica que é este: o problema da
comparticipação criminosa é um problema de tipicidade objectiva e traduz-se em saber
como é que certos contributos, que são objectivos, podem ser vistos na valoração de um
facto concreto.
Um outro problema é o da imprecisão das teorias subjectivas. O que é o “animus
auctoris” e que é o animus socii”? A doutrina maioritária nesta sede, que se defendem
estas teorias, reportava-se no fundo ao interesse na prática do facto, mas quando aplicado,
este critério gerou situações perfeitamente bizarras.
Isto subverte completamente o problema objectivo, isto é, o problema da comparticipação
criminosa é um problema de tipicidade objectiva e em função do interesse na prática do
facto subverte-se completamente a postura dos agentes perante a lesão do bem jurídico.
Por outro lado e em terceiro lugar, as teorias subjectivas não têm qualquer apoio legal,
reportam-se a elementos da intencionalidade que não fazem parte dos tipos, sintetizando:
- Em primeiro lugar, são critérios tecnicamente contraditórios porque tentam resolver
problemas de tipicidade objectiva, ou seja, de contributos, com base em critérios
subjectivos;
- Em segundo lugar, são critérios muito imprecisos, mas se identifica bem qual é no
fundo o “animus” relevante;
- Em terceiro lugar, conduz a soluções discrepantes, ou seja, quem tem interesse mas não
pratica o facto é autor; quem pratica o facto mas não tem interesse em rigor não é autor.
139. Critérios materiais objectivos
O critério do Prof. Eduardo Correia é um critério material objectivo, isto é, o conceito
causalista de autor tem uma base material de natureza objectiva: quem presta um
contributo que é essencial ao cometimento do facto é considerado autor.
Na perspectiva do Dr. Costa Pinto o conceito causalista de autor não deve ser aceite, por
duas razões fundamentais.
Em primeiro lugar, o preenchimento do tipo a título de autor depende de factores
completamente aleatórios, porque repare-se: quando se valora um contributo como
essencial ou não essencial, esta essencialidade pode depender de factos que são alheios ao
contributo e que são aleatórios.
Por outro lado, depende de factores completamente aleatórios.
Mas há ainda uma segunda crítica que é mais importante do que esta: é a teoria causalista
do Prof. Eduardo Correia, trata da mesma forma contributos que, de acordo com a
experiência comum, são diferentes.
A tese causalista trata da mesma forma realidades que de acordo com a experiência
comum são diferentes, contudo a teoria causalista uniformiza-os a todos, trata todos da
mesma forma. E nesta medida em que uniformiza realidades que de acordo com a
experiência comum são diferentes, viola o núcleo elementar do princípio da justiça, viola
o princípio da proporcionalidade, as valorações jurídicas não podem ser as mesmas
porque o contributo lesivo de cada um destes actos é diferente.
140. Teoria do domínio do facto
Esta é ainda uma teoria material objectiva.
Ela é formulada pela primeira vez de uma forma mais rigorosa por Welzel. Este autor
considerou, perante nomeadamente a sua concepção finalista, que o autor era a pessoa
que exercia o domínio final do facto, quem não tivesse esse domínio final do facto então
devia ser punido apenas como participante.
Este conceito que foi formulado por Welzel e que foi trabalhado posteriormente por
Roxin tem imensas virtualidades.
O que é o domínio do facto?
A ideia do domínio do facto parte desta ideia fundamental: o autor de um facto ilícito é
aquele que tem o poder de fazer avançar o facto ilícito, isto é, que tem o poder de
provocar a agressão no bem jurídico.
Domínio do facto é portanto um certo poder de fazer evoluir um perigo para um bem
jurídico, mas este poder de fazer evoluir algo significa duas modalidades fundamentais
no domínio, este domínio pode ser positivo ou negativo:
- O domínio do facto é positivo, na perspectiva de Roxin, quando o domínio de fazer
evoluir o facto para a consumação;
- O domínio do facto é negativo, é apenas o domínio de frustrar o avanço para a
consumação.
Roxin retira daqui um ideia extremamente importante: se qualquer pessoa pode ter no
fundo o domínio negativo, isso não caracteriza a autoria, o que caracteriza a autoria é o
domínio positivo do facto.
O que é o domínio positivo do facto?
Para Roxin é dominar a consumação do tipo, isto é, dominar a consumação do facto
ilícito descrito na parte especial.
De acordo com outro autor Bachmann, a única realidade dominável não são os resultados
é o perigo. O perigo sim, é que é uma realidade susceptível de ser dominada, e isto parece
correcto: o objecto do domínio é o perigo.
Por isso pode-se definir o conceito de domínio do facto, ou o conceito e autor, por
referência ao domínio do facto, como o exercício de um domínio positivo sobre o perigo,
ou seja:
- Quem tem o poder de fazer avançar o perigo para o bem jurídico é autor desse facto;
- Quem não detém esse poder, não é autor do facto, poderá ser participante.
Este conceito do domínio do facto aplica-se de forma diferente às diversas modalidades
de autoria, ou seja, em termos gerais é autor quem detém o domínio positivo do facto,
isto é, quem pode fazer evoluir o perigo para o bem jurídico. Mas depois, o domínio
particularizou-se em relação a cada uma das figuras previstas na lei.
141. Modalidades de autoria
a) Autoria material
O autor do facto é aquele que tem o domínio da acção.
Há um aspecto a referir: as figuras da comparticipação criminosa são regras de imputação
do facto a um certo sujeito. Enquanto a teoria da imputação objectiva relaciona uma
acção e um certo resultado, a teoria da comparticipação criminosa (teoria do domínio do
facto) relaciona um certo agente com uma acção.
Nos casos de autoria material o autor do facto ilícito é aquele que tiver materialmente o
domínio da acção típica. Mas estes casos não levantam particulares problemas, porque
quem tem o domínio do acção típica preenche desde logo o tipo da parte especial, em
rigor seria desnecessária previsão de uma situação de autoria material.
Corresponde à primeira proposição do art. 26º CP quando se diz que “é punível como
autor quem executa o facto por si mesmo”, deve entender-se esta expressão como aquele
que no fundo detém o domínio positivo da acção que integra o tipo de ilícito.
b) Autoria mediata
O domínio do facto já se materializa de uma forma diferente vem prevista na segunda
proposição do art. 26º CP e traduz-se naquela situação em que alguém pratica o facto
“por intermédio de outrem”.
Na perspectiva de Roxin significa que a pessoa não tem materialmente o domínio da
acção; mas tem ainda perante o facto uma situação de poder que lhe permite conduzir a
lesão para o bem jurídico.
Qual é a realidade sobre a qual incide esse poder?
Na perspectiva de Roxin é o domínio sobre a vontade do autor material, isto é, nas
situações de autoria mediata há um domínio da vontade que permite no fundo dizer que o
poder que o sujeito detém de fazer evoluir a agressão para um certo bem jurídico é o
domínio que esse sujeito tem sobre a vontade daquele que executa materialmente o facto.
A situação de autoria mediata, portanto, tem esta particularidade: a acção materialmente é
praticada por uma pessoa, mas existe uma outra que está por detrás dela que não
praticando materialmente a acção, tem um poder de conduzir o facto porque domina a
vontade da pessoa que tem poder materialmente sobre a acção.
Esta ideia de utilização, de instrumentalização, é fundamental para as situações de autoria
mediata, porque quem pratica materialmente a acção é instrumentalizado por outrem. E é
nesta instrumentalização que reside o momento do domínio: aquele que instrumentaliza
outra pessoa, levando-a a praticar um facto, detém sobre esse facto um poder que essa
outra pessoa não tem.
Como é que se podem concretizar estas formas de domínio da vontade?
1) Em primeiro lugar, existe domínio da vontade sempre que se verifica uma situação de
indução em erro relevante.
Genericamente pode dizer-se que a indução em erro relevante (aquele no fundo que
inculca o dolo) corresponde a uma situação de exercício do domínio do facto, por
referência ao domínio da vontade.
Quem induz outra pessoa em erro relevante exerce um domínio sobre a vontade dessa
pessoa e portanto o facto que essa pessoa pratica é imputável ao sujeito que a
instrumentaliza.
2) Um segundo conjunto de situações identificado por Roxin traduz-se num domínio
sobre vontades débeis e instrumentalizáveis, como por exemplo as crianças e os
inimputáveis em razão de uma anomalia psíquica.
Nestas situações entende Roxin que quem utiliza uma criança ou um inimputável
(incapaz de culpa genericamente) tem, em função da sua posição de ascendente sobre
essa pessoa, um domínio na possibilidade de conduzir o perigo para o bem jurídico.
Portanto, uma outra forma de praticar o facto através de outrem, ou instrumentalizando
outrem, é utilizar alguém que tenha uma vontade débil e que pode ser conduzida perante
o ascendente de outra pessoa: inimputáveis em razão da idade, pessoas que actuem sem
consciência da ilicitude ou inclusivamente alguém que seja inimputável por anomalia
psíquica.
3) Um terceiro grupo traduz-se nas situações de coacção psicológica irresistível
Roxin identificou um terceiro leque de situações que correspondem ao exercício do
domínio da vontade quando alguém exerce sobre outrem uma coação psicológica
irresistível.
Estes três conjuntos de situações:
- Situações de indução em erro relevante;
- Situações de utilização de inimputáveis, ou de vontades débeis ou instrumentalizáveis;
- Situações de coacção psicológica irreversível.
Conduzem a que o facto materialmente praticado pelo executor material seja atribuído,
imputado ao autor mediato, àquele que no fundo detém o domínio da vontade do executor
material. Roxin cria além disso, um quarto grupo de situações de autoria mediata: são
situações em que alguém exerce um domínio da vontade dentro de um aparelho
organizado de poder.
A ideia fundamental de Roxin traduzir-se-ia em identificar situações em que a cadeia
hierárquica entre várias pessoas era de tal forma forte que quem praticava materialmente
a acção em rigor praticava-a, mas essa acção era de outrem.
Importa frisar que nestas situações de autoria mediata, a figura é sempre uma figura
dolosa, e é dolosa por várias razões:
- Sendo uma extensão do tipo da parte especial, se o tipo é doloso a extensão também
será dolosa;
- Por outro lado a ideia de domínio do facto é incompatível com uma atitude negligente.
A ideia de domínio pressupõe consciência e vontade para que se possa no fundo dirigir o
perigo.
A Profa. Teresa Beleza diz que a teoria do domínio do facto é incompatível com os
crimes negligentes, e que, por outro lado, nos crimes negligentes é completamente
desnecessária a teoria do domínio do facto.
c) Co-autoria
Nestas situações tem-se uma repartição de funções em que existe, por parte de cada um
dos co-autores, um domínio funcional do facto, isto é, de acordo com o contributo que
presta, o sujeito, pelo papel que tem, pela função que desempenha dentro do plano, detém
um domínio funcional do facto.
A co-autoria está prevista na terceira proposição do art. 26º CP quando se diz “toma parte
directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros”.
Um dos elementos da co-autoria é um elemento de carácter misto, que é o acordo, ou
seja, para existir co-autoria é necessário que exista uma acordo, este é uma concertação
de vontades para a prática do facto; pode ser uma decisão conjunta prévia, ou pode ser
uma decisão no momento da prática do facto.
Esta concertação de vontades existe na co-autoria e não existe na autoria mediata:
- Na autoria mediata existe uma vontade de dirigir o facto por parte do autor mediato,
mas não há concertação de vontades;
- Na co-autoria há esta concertação de vontades.
Portanto, é necessário um acordo, este pode ser:
- Prévio ao facto;
- Ou pode ocorrer no momento da prática do facto.
Pode ser por outro lado:
- Expresso;
- Tácito.
O que é necessário é que exista um acordo que se traduz nesta concertação de vontades
para a prática do facto.
142. Tomar parte directa na execução
É um elemento de natureza objectiva muito importante, ou seja, é necessário que exista
um acordo mas não basta esse acordo.
O que é tomar parte directa na execução?
Supõe em primeiro lugar, um certo envolvimento presencial no facto que está em causa.
Como é esse acto? Como é que ele se deve delimitar?
A Profa. Conceição Valdágua entende que tomar parte directa na execução, ou seja, o
contributo típico do co-autor tem que ser um contributo também identificado em termos
de tipicidade. Portanto, isto supõe duas referências fundamentais:
- Primeiro, que exista uma execução em curso;
- Segundo, que tome parte directa nela.
São duas referências fundamentais para definir o contributo do co-autor, repare-se
porquê:
- É possível alguém ter alguém envolvimento numa execução sem tomar parte dela;
- Por outro lado, pode alguém tomar parte num facto ou num plano sem estar a participar
na execução.
A co-autoria no fundo tem uma baliza objectiva que é a execução do facto pelos autores,
e o acto típico do co-autor é o acto de tomar parte directa numa execução em curso.
E em que consiste tomar parte directa?
A Profa. Conceição Valdágua entende que para se respeitar o princípio da tipicidade em
matéria de responsabilidade dos diversos agentes, tomar parte directa tem que ser um
contributo minimamente típico, tem que ser um contributo que esteja pelo menos previsto
no art. 22º/2-c CP. Isto é, tem que ser um acto que faça supor que a seguir será praticado
o acto de execução, mas repete-se, tem que estar em curso uma execução.
Ora, tem que existir, para haver co-autoria, esta coincidência entre o momento do acto do
co-autor de tomar parte directa e a execução em curso:
- Se for antes da execução tem-se cumplicidade;
- Se for depois da execução, porventura o comportamento também apenas se poderá
reconduzir à cumplicidade.
A co-autoria não é sempre a mesma, ou seja, há modalidades diferentes de co-autoria.
O co-autor não detém o domínio total do facto, mas detém uma parcela importante do
domínio por referência a um poder sobre o seu contributo, isto é, o co-autor detém
realmente o domínio positivo do facto seu contributo: depende dele praticar ou não
praticar aquele acto de envolvimento; mas não detém o domínio global do facto, a sua
função é extremamente importante.
Há situações de co-autoria em que o envolvimento é mais forte, distinguindo
nomeadamente a chamada co-autoria complementar das situações de co-autoria
dependente.
a) Co-autoria complementar: os agentes que actuam não detêm totalmente o domínio do
facto, detêm-no de uma forma repartida;
b) Co-autoria dependente: alguém pratica um acto de domínio, mas esse domínio é
limitado, não está repartido com outras pessoas.
Portanto:
- Enquanto nos casos de co-autoria complementar os domínios dependem um do outro;
- Nos casos de co-autoria dependente o co-autor não tem verdadeiramente o domínio do
facto, apenas tem o domínio do contributo que presta.
Esta distinção é relevante, porque conduz a regimes de desistência diferentes:
- Os co-autores complementares desistem nos termos do art. 24º CP;
- Os co-autores dependentes desistem nos termos do art. 25º CP.
143. Formas de participação
As formas de participação são formas de envolvimento no facto em relação às quais não
se identifica no participante um momento de domínio, isto é, o participante é um sujeito
que contribui para um facto, mas não detém o domínio do facto, este domínio depende do
autor.
A participação caracteriza-se por o participante não ter o domínio do facto ilícito, apenas
tem o domínio do seu contributo.
As figuras da participação criminosa são a instigação e a cumplicidade.
- O instigador é aquele sujeito que de acordo com o art. 26º in fine CP determina outrem
à prática de um facto;
- O cúmplice é o agente que presta auxílio material ou moral à prática do facto.
Se o fundamento da responsabilidade dos participantes não é o domínio do facto, terá que
ser algo novo; qual é esse fundamento?
De acordo com o Código Penal é o princípio da acessoriedade limitada, ou seja, os
participantes são responsáveis não porque praticam um facto, mas porque prestam um
contributo para o facto.
Esta acessoriedade é limitada neste sentido: para existir responsabilidade do participante
é preciso que o autor material pratique um facto com algumas características. Que
características são essas?
Em parte estão referidas no art. 26º CP: é necessário que haja execução do facto ou
começo de execução. Para além disso, a doutrina divide-se em saber que características
devem ter esse facto: se tem que ser um facto típico, se tem que ser típico e ilícito, se tem
que ser típico, ilícito e culposo ou se, de uma forma externa, terá que ser típico, ilícito,
culposo e punível.
O Código Penal aponta para o princípio da acessoriedade limitada, isto é, o facto
praticado pelo autor material tem que ser típico e ilícito, e isto é suficiente para
responsabilizar o participante.
Da conjugação de três elementos retira-se que o facto tem que ser típico e ilícito:
1) Do conceito de execução: a responsabilidade dos participantes depende sempre de
execução por parte do autor;
2) Da existência do art. 28º CP: demonstra que o grau de ilicitude se comunica entre
participantes;
3) Do art. 29º CP: o que está para além da ilicitude, ou seja, a culpa e a punibilidade é
ponderado em termos pessoais.
Em matéria de comparticipação criminosa, quando existe uma causa de exclusão da
ilicitude, ela aproveita a todos.
Quer da instigação, quer da cumplicidade, dependem sempre desta execução de um facto
típico e ilícito por parte de terceiro, por parte do autor. O que significa que no sistema
português, não existe punição da cumplicidade tentada e também não existe punição da
instigação tentada.
144. Teoria da acessoriedade limitada (art. 28º CP)
O Código Penal em matéria da comparticipação criminosa distingue as figuras de autoria
e de participação. Claramente, há uma distinção entre cumplicidade e autoria, embora,
atendendo ao critério do domínio do facto, entenda que a instigação é também uma forma
de participação e não de autoria, neste sentido pode-se dizer que:
- Autores são o autor material, mediato e os co-autores que dependentes, quer
complementares;
- Participantes, tem-se os instigadores e os cúmplices, morais ou materiais.
A punibilidade da participação e dos participantes é sempre acessória da prática, pelo
autor, de um facto típico e ilícito. Nisto consiste a teoria da acessoriedade limitada, ou
seja, se o autor material pratica um facto que é típico, mas que está justificado, é evidente
que não há razão para punir o participante, seja ele instigador ou cúmplice.
Para se poder punir o participante é preciso que o(s) autor(s) tenha praticado um facto
típico e ilícito, já não se exige que o autor tenha praticado também um facto culposo. E
isto porque a culpa, conforme resulta do art. 29º CP é um juízo individualizado de
censura, efectivamente, o autor material pode praticar um facto típico e ilícito, mas
beneficiar de uma causa de exclusão da culpa, ou de uma causa de desculpa e acabar por
não ter responsabilidade jurídico-penal, enquanto que o participante, se não beneficiar
dessa causa de exclusão ou de desculpa será punido.
Assim, por hipótese se o autor material de um facto ilícito estiver a actuar ao abrigo de
um estado de necessidade, ou direito de necessidade subjectivo ou desculpante, ele
pratica um facto típico e ilícito, simplesmente, beneficia desta causa de desculpa e não
tem responsabilidade jurídico-penal, porque é desculpado. O participante, seja ele
cúmplice ou instigador, se não beneficiar dessa causa de desculpa, como o autor praticou
um facto típico e ilícito isso é suficiente para o responsabilizar criminalmente como
participante daquele facto.
Quando para o preenchimento de um tipo se exige uma qualidade específica do agente,
ou se exige que o autor tenha uma determinada relação com outra pessoa, esse é um
crime específico, mas sê-lo-á em sentido próprio se essa incriminação só existir para
aquele tipo de autor tipificado pela lei, aquele autor que tem essa qualidade ou essa
relação exigida pela própria tipicidade; sê-lo-á em sentido impróprio quando a norma
incriminadora em sede de tipicidade exija uma qualidade ou uma relação específica para
um agente, mas contenha uma incriminação paralela para todas as outras pessoas.
Nos crimes específicos (em sentido próprio ou impróprio) muitas vezes o grau de
ilicitude depende de determinadas qualidades ou de determinadas relações específicas do
agente.
Diz a lei, nos casos de se tratar de um crime específico em sentido próprio ou de um
crime específico em sentido impróprio, que basta que um dos comparticipantes tenha essa
qualidade ou que esteja nessa relação exigida pelo tipo, para o grau de ilicitude se
comunicar aos restantes comparticipantes, eles sim que não têm a qualidade ou que não
se encontram numa relação específica pelo tipo. Sendo assim, interessa delimitar o campo
do art. 28º/1 CP.
Em primeiro lugar, essa relação específica ou essas qualidades podem resultar de vários
factores:
1) Podem resultar de um elemento que tem em conta uma relação familiar, uma relação
de parentesco próximo;
2) Pode resultar de um elemento atido a relações de aspecto profissional;
3) Pode resultar ainda da prática esporádica de actos isolados.
Em situações de comparticipação, quando o grau de ilicitude depender de uma qualidade
ou duma relação específica, basta que ela se verifique num só comparticipante, para o
tipo pode ser aplicado a todos.
Nos termos do art. 28º CP basta que um dos participantes tenha a qualidade exigida pelo
tipo, para o poder tornar extensível aos demais.
Há aqui a chamada inversão da acessoriedade, que é feita dos participantes para os
autores materiais.
De que forma se podem comunicar essas circunstâncias?
Pode haver comunicação de circunstâncias:
- Entre co-autores;
- Do participante (seja ele cúmplice ou instigador) para o autor;
- Entre participantes.
Todas as figuras da comparticipação são figuras dolosas e são, também, extensões da
tipicidade. Como há uma extensão da tipicidade sendo a responsabilidade jurídico-penal
dolosa, o dolo tem que se estender a todo o tipo, por conseguinte, o comparticipante tem
de conhecer também dolosamente todos os elementos do tipo que fundamentam uma
agravação da ilicitude.
O grau de ilicitude e a comunicação de circunstâncias verifica-se também do participante
para o autor, também entre participantes pode haver esta comunicação de circunstâncias.
Nos tipos qualificadores e quando o grau de ilicitude varia no sentido de uma agravação,
a doutrina está toda de acordo em que haja uma comunicação das circunstâncias. Quando
o grau de ilicitude varia, no âmbito dos crimes específicos em sentido próprio ou
impróprio, no sentido de atenuar a responsabilidade penal (no sentido de privilegiar), já a
doutrina não concorda que se possam comunicar essas circunstâncias, nestes termos, é de
notar também segundo o entendimento da Prof. Teresa Beleza, que também nos tipos
privilegiados o grau de ilicitude e a comunicação das circunstâncias funcionar.
Neste sentido pode dizer-se que a acessoriedade limitada não funciona nos mesmos
termos no âmbito dos priviligiamentos e das qualificações.
145. Situações de erro sobre o estatuto do participante
Uma pessoa pode estar absolutamente convencida que está a instrumentalizar a vontade
de outra pessoa e portanto, pode estar convencida que está a ser autora mediata de um
crime, quando na realidade não está a instrumentalizar vontade nenhuma porque essa
pessoa pura e simplesmente não se deixa instrumentalizar. No fundo então o que se fez
foi determinar a outra pessoa à prática do crime (portanto é instigador).
Assim, quando o agente julga que está numa situação de autoria mediata, mas na
realidade está numa situação de instigador[47], como é que vai ser responsabilizado?
Vai-se responsabilizar esta pessoa por aquilo que ela conseguiu fazer: pela instigação.
Por outro lado, também é concebível distinguir estas situações:
- Enquanto que a tentativa de participação não é punível;
- Já a participação na tentativa é punível, isto é, basta que o autor pratique um acto de
execução com a intenção dolosa de cometimento de um crime, para que exista, para ele,
punibilidade por facto tentado.
Assim sendo, também para os participantes haverá essa punibilidade, a tentativa é um
facto típico e ilícito (é possível ser punido por tentativa) e o participante vê a sua
responsabilidade moldada no facto típico e ilícito praticado pelo autor.
Portanto: enquanto as tentativas de participação não são punidas, já a participação tentada
é punida.
Simplesmente, em termos de participação, os cúmplices, nos termos do disposto no art.
27º/2 CP são punidos com pena aplicável ao facto praticado pelo autor especialmente
atenuada (atenuação obrigatória).
Então, se o facto do autor for um facto tentado, o cúmplice beneficia de uma dupla
atenuação obrigatória:
- Atenuação da pena por ser cúmplice (art. 27º/2 CP);
- Atenuação da pena também obrigatória por facto tentado (art. 23º CP).
Diz a doutrina que estas situações de erro do autor material funcionam em relação ao
participante (instigador) como se de uma verdadeira “aberratio ictus” se tratasse.
Quando o instigador instrumentaliza ou quando o autor mediato dirige a sua acção para
um determinado facto, em relação a uma determinada pessoa, e o executor material ou o
autor material estão numa situação de erro sobre a identidade da vítima, tudo se passa
para o autor material ou para o instigador como se de uma verdadeira “aberratio ictus” se
tratasse.
[46] Posição do Prof. Eduardo Correia.
[47] Porque o que ele consegue é determinar o autor material à prática do facto.
PUNIBILIDADE
146. Introdução
Esta última categoria analítica do facto punível pode ser vista em duas perspectivas.
Punibilidade em sentido amplo que são todas as condições que concorrem para
fundamentar uma responsabilidade jurídico-penal do agente. Por isso é que se diz que
acção, tipicidade, ilicitude e culpa são categorias analíticas da punibilidade.
E depois, punibilidade em sentido estrito ou condições de punibilidade. Dentro das
condições de punibilidade, vê-se que elas só têm um elemento comum, embora surjam
com várias designações e com várias fundamentações, elas estão ligadas por um elemento
comum, que é uma ideia negativa: são condições que se verificam mas que se situam
fora, para além destas categorias de tipicidade, de ilicitude e de culpa. É algo exterior a
essas categorias. Mas são condições de punibilidade que concorrem para fundamentar
concretamente uma responsabilidade jurídico-penal do agente.
147. Condições objectivas de punibilidade
Estas condições dividem-se em dois grupos:
1) Condições positivas de punibilidade: são aquelas que se têm de verificar, que têm de
existir para que o agente seja punido;
2) Condições negativas de punibilidade: são aquelas que não se podem verificar para que
o agente seja punido.
148. Condições positivas de punibilidade
Uma condição objectiva de punibilidade é a propósito da punibilidade do facto tentado,
ou sejam, a tentativa regra geral, só é punível se ao facto consumado corresponder uma
pena superior a três anos de prisão.
Portanto, pode haver tipicidade do facto tentado e essa tentativa ser ilícita e culposa; mas
faltar a condição objectiva de punibilidade que é o crime consumado ter uma moldura
penal superior a três anos.
É condição objectiva de punibilidade por facto tentado que o crime, a ter sido
consumado, tivesse uma pena superior a três anos, a não ser que a lei diga expressamente
o contrário (art. 23º CP).
Ainda se tem dentro das condições positivas de punibilidade por exemplo o art. 25º CP
que se refere à aplicação da lei portuguesa a factos praticados no estrangeiro, em sede de
algumas alíneas, é condição de aplicabilidade da lei penal portuguesa o facto de o agente
ser encontrado em Portugal.
Outra condição é o crime de participação em rixa, em que o tipo do ponto de vista
objectivo e subjectivo está preenchido a partir do momento em que uma pessoa toma
parte numa rixa de duas ou mais pessoas, contudo, esse facto típico poderá não ser
punível, para o ser, é necessário que dessa rixa resulte a tal ofensa corporal grave ou a
morte, isso é uma condição objectiva de punibilidade.
149. Condições negativas de punibilidade
São aquelas condições ou circunstâncias que não podem verificar-se sem que o agente
seja punido[48] não obstante o agente ter praticado uma acção típica, ilícita e culposa.
1) Causas de isenção da pena
Têm diferentes fundamentos e podem ser causas de isenção pessoais ou materiais:
- São causas de isenção pessoais, aquelas que se ligam à própria pessoa do agente;
- E materiais as que se ligam ao facto praticado.
Para alguns autores a desistência é uma causa pessoal de isenção de pena. Para outros, a
desistência não é vista na pessoalidade e portanto não será uma causa pessoal, mas tem a
ver com o próprio facto, portanto uma causa material de isenção.
Qual é o fundamento da desistência?
Alguns autores, nomeadamente Roxin não Vêem a desistência uma causa de isenção de
pena, portanto fazendo parte da punibilidade em sentido estrito, mas vêem-na como uma
causa de exclusão de culpa.
Mas há autores que dizem que o que fundamenta este regime da desistência da tentativa e
de ficar impune dessa tentativa de que o agente voluntariamente desistiu é algo diferente.
Existem várias teorias, desde logo a teoria primial que diz que por uma razão de política
penal (ou criminal) o facto de o agente saber que desistindo voluntariamente da tentativa
do crime que decidiu cometer não será punido, isso funciona em relação a ele como um
prémio e leva-o a auto-suspender a execução do crime, logo, fará diminuir a
criminalidade, ou fará diminuir o número de crimes.
De qualquer forma, e por uma razão da teoria dos fins das penas, justifica-se a não
punição da desistência voluntária da tentativa, porque quer da óptica da prevenção geral,
quer da óptica da prevenção especial, não existem razões para responsabilizar
criminalmente alguém que acabou por voluntariamente desistir da prática de um crime.
Portanto, do ponto de vista da prevenção geral e mesmo da prevenção especial, se a
pessoa por si própria, voluntariamente, desistiu de prosseguir na execução criminosa, não
há fundamento para se responsabilizar criminalmente o agente.
Quanto à desistência e dentro dos autores que consideram que a desistência se filia em
sede de punibilidade em sentido estrito como causa de isenção da pena:
Uns autores, vêem a desistência com um enfoque objectivo no facto praticado, ou seja, o
agente já está a praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, mas auto-
suspende a execução, ou evita a consumação, e neste sentido a valoração é o aspecto
positivo da actuação fáctica, ou seja, o não desenvolvimento, a não prossecução de actos
lesivos do bem jurídico tutelado pela norma penal, e nesse sentido fazem entroncar a
desistência como uma causa de isenção material.
Outros autores, mediante o carácter voluntário da desistência, dizem que é relativamente
à pessoa, o mérito da pessoa que de alguma forma resolve auto-suspender a execução; ou
tendo já desenvolvido toda a execução evita a consumação típica. Consequentemente
atiram a desistência para uma causa de isenção pessoal da pena.
2) Causas de extinção da responsabilidade jurídico-penal
Uma causa de extinção da responsabilidade jurídico-penal é a morte do autor do facto.
Neste sentido, como a responsabilidade penal é pessoal e intransmissível, não há
possibilidade de fazer um incidente de habilitação de herdeiros, e, consequentemente,
morto o autor do facto, cessa a responsabilidade jurídico-penal, ela não é transmissível
por morte.
Para além da morte do autor (do agente da infracção) existem outras causas de extinção
da responsabilidade jurídico-penal:
- Prescrição do prazo do procedimento criminal;
- Caducidade do exercício do direito de queixa, no âmbito dos crimes semi-públicos e
particulares;
- Prescrição da pena.
3) Condições de procedibilidade (ou procedência) criminal
No âmbito das condições de procedibilidade também relevam alguma irresponsabilidade
do agente em sede de punibilidade em sentido estrito, ou seja, tudo aquilo que está para
além da prática, pelo agente, de uma acção típica, ilícita e culposa.
Em processo penal, ao distinguir a natureza dos crimes, entre crimes semi-públicos e
particulares, que nestes dois últimos é necessário para o desenvolvimento e prossecução
do processo criminal:
- Nos casos dos crimes particulares, queixa e acusação;
- Nos casos dos crimes semi-públicos, a queixa.
São estas as condições de procedibilidade do processo criminal, que culmina com a
prática de uma efectiva punição. Assim, se quem é titular do direito de queixa não quer
exercer esse direito, então não é pelo facto de o agente ter praticado um facto típico,
ilícito e culposo que ele vai ser punido, porque efectivamente falta uma condição de
procedibilidade.
[48] Se se verificarem, o agente não é punido.

TENTATIVA E DESISTÊNCIA
150. Introdução
O art. 22º CP define a tipicidade do facto tentado.
As regras da tentativa, à semelhança das regras de comparticipação criminosa, são regras
de extensão da tipicidade.
É facto penalmente relevante tanto o facto consumado como o facto tentado.
As regras da tentativa são regras acessórias, não há tentativa de nada, existem sempre
tentativas de factos tipificados na lei: tentativas, de furto, de homicídio, etc.
A tentativa é sempre dolosa não existem no direito penal a situação do facto tentado
negligente.
151. Tentativa como forma de extensão da tipicidade do facto
Interessa em primeiro lugar, caracterizar aquilo que se chama “inter criminis”ou o
caminho do crime.
Não é mais do que a progressão que na generalidade dos casos acontece e que vai desde a
decisão criminosa até à prática de actos preparatórios, passando pela execução do próprio
crime até culminar na consumação.
É perfeitamente concebível:
- A pessoa adoptar ou afirmar uma decisão criminosa: a pessoa pensa em cometer o
crime;
- Depois pratica actos preparatórios: que são actos que se destinam de alguma forma a
facilitar a execução do crime decidido pelo agente;
- Até que progride para a própria execução.
E consoante o agente leve a execução até ao fim ou não, consoante se tenha uma situação
de execução acabada ou de execução inacabada, poder-se-á verificar se o resultado típico
desejado pelo agente se verifica ou não, isto é, se desemboca essa execução numa
consumação, pelo menos formal.[49]
Com que critérios e quando é que a tentativa é punível?
A regra geral é a da impunidade “nuda cogitatio” ou da decisão criminosa não
exteriorizada materialmente em actuações.
Significa isto que o que é objecto de responsabilização jurídico-penal não são os
pensamentos, não são os sentimentos das pessoas não exteriorizados materialmente, na
prática.
Em primeiro lugar, porque o nosso direito penal é tendencialmente um direito penal do
facto e não um direito penal do agente, o direito penal responsabiliza sim os agentes, mas
precisamente porque eles praticaram factos ilícitos tipificados na lei.
Por outro lado, por uma razão de política criminal, não faria sentido punir-se a mera
decisão criminosa não exteriorizada na prática material de actos, porque então se a pessoa
que tivesse tão só manifestado a sua intenção de cometimento do crime fosse
responsabilizada, então ela nunca se auto-suspendia, levava mesmo o crime para a frente.
Ao passo que, se de alguma forma ela sabendo que mesmo que tenha exteriorizado essa
intenção tão só por palavras não é punida, pode ainda auto-suspender-se, precisamente
porque essa “nuda cogitatio” não é punida.
152. Actos preparatórios
O art. 21º CP diz que, regra geral os actos preparatórios não são puníveis.
Esses actos preparatórios visam a facilitação da execução do crime não são em princípio
punidos. Mas já os actos de execução que em sede do art. 22º CP integram a tipicidade da
tentativa, dão lugar a responsabilização jurídico-penal.
Há uma importância prática na distinção entre o que são os actos preparatórios e o que
são já actos de execução:
- Enquanto os actos de execução preenchem o tipo da tentativa e podem levar à
responsabilização;
- A regra geral é que de actos preparatórios não se responsabiliza o seu autor.
Portanto, a diferença se é o acto preparatório ou de execução é extraordinariamente
importante.
O art. 21º CP diz que “os actos preparatórios não são puníveis, salvo disposição em
contrário”.
A regra geral é a impunidade dos actos preparatórios. As excepções podem revestir duas
formas:
1) Ou a lei penal incrimina autonomamente como um tipo de ilícito novo, actos que
normalmente são actos preparatórios mas têm uma incriminação autónoma;
2) Ou então por uma remissão pura e simplesmente genérica: “quem tentar matar o chefe
de Estado…” já e responsabilizado criminalmente, e aí a preparação é punida.
A distinção entre actos preparatórios e actos de execução é sempre feita em concreto, são
actos preparatórios ou de execução por referência a um crime concreto.
Os principais critérios de distinção entre actos preparatórios e actos de execução:
- Critério formal objectivo;
- Critério material objectivo;
- Critérios subjectivistas
O actos que não estiverem incluídos no art. 22º/2 CP são actos preparatórios.
a) Critério formal objectivo
São actos de execução os que correspondem à definição legal de um tipo de crime.
O critério formal objectivo dizendo que são actos de execução, aqueles que
correspondem à definição legal de um tipo de crime, faz com que acto de execução seja
desde logo o exercício da subtracção: a pessoa tirar a coisa e levá-la consigo.
As dificuldades surgem no âmbito da insuficiência do critério formal objectivo, é quando
os tipos legais de crime não pormenoriza, ou só muito genericamente fazem referência à
conduta típica.
b) Critério material objectivo
São actos de execução adequados a causar o resultado típico ou os que procedem (ou
antecedem) segundo a experiência comum, actos adequados a produzir o resultado típico,
assim são actos de execução:
- Os actos idóneos a causarem o resultado típico;
- Ou aqueles que, segundo a experiência comum, são de molde a fazer esperar que se lhes
sigam actos idóneos a produzir o resultado típico.
c) Critérios subjectivos
Estes critérios vêm dizer que actos de execução são todos os actos praticados em função
de uma decisão definitiva e incondicionada por parte do agente, ou seja, a partir do
momento em que o agente tem uma decisão definitiva e incondicionada de praticar o
crime, tudo o que, ele faz a seguir a essa decisão inabalável são actos de execução.
Este critério subjectivo é susceptível de várias críticas porque faz muitas vezes depender
a qualificação de actos de execução de circunstâncias que dependem do próprio agente,
mas de alguma forma qualificada diferem actos idênticos.
O Código Penal tenta resolver estes problemas de separar a preparação, não punível regra
geral, da execução, integrando-a já na tentativa e consequentemente implicando
responsabilidade jurídico-penal, dizendo que nos termos das várias alíneas do art. 22º/2
CP se consideram actos de execução:
a) Os que preenchem um elemento constituído de um tipo de crime é no fim de contas o
critério formal objectivo que aqui se encontra;
b) Os que são idóneos a produzir o resultado típico é o critério material objectivo;
c) Os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, são de
natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas
anteriores.
Nesta última alínea consagra-se também a experiência comum em sede de um critério
material objectivo para a determinação de actos de execução e que faz apelo à chamada
doutrina ou teoria da impressão, ou seja, para a generalidade das pessoas é previsível, no
sentido de que é evidente que, salvo situações anormais e processos imprevisíveis, após
aquela actuação seja de esperar a prática de actos formal ou materialmente espelhados
nas alíneas a) e b).
153. Tipo da tentativa
A tipicidade do facto tentado é composta por três elementos:
1) Elemento positivo e objectivo: actos de execução (alíneas do art. 22º CP);
2) Elemento de natureza objectiva, mas de conteúdo negativo – não obstante a prática de
actos de execução, não se pode verificar o resultado típico[50].
3) Tem também de existir um elemento subjectivo e positivo – o agente tem de praticar
esses actos de execução de um crime que decidiu cometer (tem de haver a decisão
criminosa de consentimento do facto), tem de existir dolo em qualquer das suas formas.
154. Desistência voluntária
Fala-se em desistência se o autor, numa tentativa, desistir voluntariamente dela, e isto
acontece quando o agente no âmbito de uma tentativa inacabada ou incompleta auto-
suspende o acto subsequente de execução, o agente desiste e não tem responsabilidade
jurídico-penal.
Ou aquelas situações, em que a tentativa já é acabada, porque já foram praticados todos
os actos de execução, e então, para desistir relevantemente deve impedir a consumação
típica.
Mas nos termos do art. 24º CP ainda é possível uma situação de desistência depois da
consumação, porque se diz que há desistência quando “…não obstante a consumação,
impedir a verificação do resultado não compreendido no tipo de crime”.
Isto aplica-se fundamentalmente aos crimes formais, mais concretamente os crimes de
resultado parcial ou crimes de intenção.
A tentativa deixa de ser punível quando o agente voluntariamente desiste.
Klaus Roxin vem dizer que a desistência voluntária da tentativa se deve entender
fundamentalmente no plano lógico da execução do crime.
A desistência, para ser voluntária, tem de aferir-se dentro do plano lógico da execução
criminosa do agente, pela contrariedade a esse plano, tem de contrariar precisamente esse
plano lógico de actuação criminosa, ou seja, o agente auto-suspende a execução do crime
voluntariamente, portanto não é coagido por terceiro, por motivação propriamente
internas ou externas, de natureza pessoal ou outra.
Para que se possa falar em desistência voluntária tem que se verificar um abandono da
execução criminosa dentro do quadro lógico traçado inicialmente pelo agente.
155. Fundamento da isenção da pena
Há quem veja no agente que desiste voluntariamente da tentativa razão em não o punir,
por uma razão de política penal, no sentido de uma teoria premial.
Se o agente sabe que se tentar, mas desistir voluntariamente da tentativa não será punido,
quando estiver a praticar o facto ainda pode auto-suspender-se, e isso, poderá conduzir a
uma diminuição da criminalidade, ou então por razões que têm a ver com os fins das
penas: se o agente por si, voluntariamente, voltou ao bom caminho, não existem dentro
dos fins das penas (prevenção geral ou especial), razões para aplicação de uma pena.
O art. 24º CP para efeitos de desistência, distingue três situações:
1) A situação de tentativa incompleta: o agente pode desistir voluntariamente através de
uma omissão, basta que se abstenha de praticar o subsequente acto de execução.
2) As situações da tentativa acabada ou completa: o agente praticou todos os actos de
execução, mas ainda pode desistir voluntariamente se impedir a consumação, aqui já não
basta uma atitude passiva, uma omissão dum acto de execução posterior, mas é
necessário que o agente de alguma forma promova um comportamento no sentido de
evitar o resultado.
3) “Não obstante a consumação, impedir a verificação do resultado não compreendido no
tipo de crime (art. 24º/1 CP): pensado basicamente para os crimes formais, em que a
consumação material e a consumação formal não são coincidentes.
156. Punibilidade da tentativa
A regra geral (art. 23º CP) é a de que a tentativa é punida tão só quando ao crime, a ser
consumado, corresponda uma moldura penal superior a três anos de prisão a regra é de
que nem todas as tentativas são puníveis.
Exceptuam-se os casos em que a lei disser o contrário.
Por outro lado, a tentativa é punida de forma diferente relativamente ao facto consumado.
A pena aplicável ao facto tentado é aquela que corresponda ao facto consumado, mas
obrigatoriamente especialmente atenuada, há uma atenuação que não é facultativa, mas
sim obrigatória, da pena, em matéria de facto tentado.
157. Tentativa impossível
Esta é o reverso da medalha do erro sobre o facto típico: um é um erro por defeito e o
outro é um erro por excesso.
As situações de tentativa impossível são aquelas situações em que o agente quer um
determinado resultado, mas esse resultado objectivamente não é possível verificar-se
porque existe uma inaptidão do meio empregue, ou porque inexiste o objecto, ou porque
o agente não tem a qualidade típica exigida para o preenchimento do tipo.
Se para a generalidade das pessoas e dentro de uma filiação duma teoria da impressão, for
visível for evidente, for retinto que aquele meio (usado para praticar o facto) é um meio
inepto, então há uma tentativa impossível, que não é punível.
Em conclusão: em princípio a tentativa impossível só não é punível quando existir uma
manifesta ineptidão do meio empregue ou quando for evidente, em termos de ser
manifestamente evidente a inexistência do objecto, ou quando for manifestamente claro
que a pessoa não tem a qualidade exigida pelo tipo. Daí que se possa falar em tentativa
impossível em relação ao:
- Meio;
- Objecto;
- Agente.
[49] A consumação formal e material podem não coincidir, e normalmente não coincidem
nos chamados crimes de intenção ou de resultado parcial.
[50] Porque se se verificar esse resultado típico, não se estará em sede de tentativa, mas
em sede de consumação.

Direito Criminal Especial

DOS CRIMES CONTRA A VIDA

HOMICÍDIO SIMPLES
1. Introdução
O crime de homicídio descrito no art. 131º CP constitui o tipo legal fundamental dos
crimes contra a vida.
É a partir deste tipo legal fundamental que a lei edifica os restantes tipos de crimes contra
a vida, ora qualificando-o, ora privilegiando-o, ora especializando as formas de ataque ao
bem jurídico ou tipo subjectivo de ilícito e o tipo de culpa congruente.
O bem jurídico protegido pelo homicídio, não é simplesmente a vida humana, mas, mais
rigorosamente, a vida de pessoa já nascida.
É a Constituição a impor a defesa da vida humana. O direito à vida funda-se na norma
constitucional que consagra a sua inviolabilidade e proíbe a pena de morte (art. 24º/2
CRP). Decorre da consagração deste direito o comando ao legislador ordinário para que
incrimine o homicídio e os comportamentos perigosos para a vida alheia mais relevantes.
2. O tipo objectivo de ilícito
O tipo objectivo de ilícito do homicídio consiste em matar outra pessoa. Atrás desta
aparente simplicidade esconde-se uma série de problemas dos mais complexos e de difícil
e contestável solução com que depara a doutrina do direito penal; e não só do direito
penal ou mesmo do direito, senão que de todo o pensamento filosófico e científico que
tem a ver com o homem.
3. O início da vida ou início da vida extra-uterino
Duas teses se apresentam como possíveis e têm, na verdade, sido defendidas na literatura
jurídico-penal. Segundo uma dessas teses a vida começaria, tal como para o direito civil é
prescrito pelo art. 66º/1 CC, com a completação do processo de nascimento (o
“nascimento completo e com vida”). Segundo uma outra tese a protecção dispensada
pelo crime de homicídio iniciar-se-ia não com a conclusão, mas pelo contrário com o
início do acto de nascimento.
A vida relevante para efeitos de homicídio ou de crimes de perigo para a vida do capítulo
I é a vida extra-uterina.
O momento de início da vida verifica-se quando se iniciar contracções ritmadas,
intensas e frequentes que previsivelmente conduzirão à expulsão do feto.
A capacidade de vida autónoma do feto não é pressuposto da qualidade de pessoa para
efeito de integração do tipo objectivo de ilícito. Suficiente é que a criança, no referido
momento inicial do nascimento, esteja viva. Por isso o crime de homicídio é possível
relativamente a crianças que, pelos mais diversos motivos não tenham nenhuma
possibilidade de continuar a viver fora do ventre materno.
4. O termo da vida
O momento a partir do qual cessa a tutela jurídico-penal dispensada por aquele tipo. A
qualidade da pessoa para efeito do tipo de ilícito objectivo do homicídio termina com a
morte. O critério adoptado é o da morte cerebral. Morte é assim, para este efeito, a
destruição anatómica estrutural do cérebro na sua totalidade; nunca, portanto, uma mera
lesão cerebral ou mesmo a chamada “morte neocortical”.
O tipo objectivo de ilícito do homicídio deve pois, dizer-se que ele se realiza com a morte
de uma pessoa, isto é, com o causar a morte de pessoa diferente do agente.
O “causar morte” significa que tem de se estabelecer o indispensável nexo de imputação
objectiva do resultado à conduta.
5. O tipo subjectivo de ilícito
O tipo subjectivo de ilícito do homicídio previsto no art. 131º CP, exige o dolo, em
qualquer das suas formas contempladas no art. 14º CP, directo, necessário ou eventual.
Trata-se por isso de um tipo relativamente ao qual se verifica aquilo que a doutrina chama
de total congruência entre a sua parte objectiva e a parte subjectiva. Importa todavia
sublinhar que, para se verificar dolo eventual relativamente a condutas objectivamente e
mesmo extremamente perigosas, não basta que o agente preveja o perigo de resultado e
se conforme com ele, tornando-se antes sempre necessário que aquele preveja e se
conforme com o próprio resultado; e o mesmo se dirá para as acções cometidas em estado
de afecto, por mais que as regras da experiência mostrem que as acções como a levada a
cabo se segue normalmente o resultado morte
6. As causas de justificação
Consentimento: seja ele presumido ou consentido (arts. 38 e 39 CP) não exclui, em caso
algum, a ilicitude do homicídio doloso, mas pode conduzir a que a punição venha ocorrer,
antes que pelo art. 131º CP, pelo art. 134º CP.
7. As formas especiais do crime
a) Tentativa
A tentativa do cometimento do homicídio é sempre punível por força do disposto no art.
23º/1 CP. Dada a particular gravidade do crime em questão, há por vezes tendência
jurisprudencial para antecipar o mais possível o início da tentativa, reputando actos de
execução o que verdadeiramente não passa de actos preparatórios, em princípio não
puníveis[1].
b) Comparticipação
Em matéria de autoria e de cumplicidade valem completamente as regras gerais.
Particulares dificuldades suscita todavia a questão de saber se, relativamente a um mesmo
crime de homicídio, pode um comparticipante ser punido por homicídio simples e outro
por homicídio qualificado ou privilegiado.
c) Concurso
O crime de homicídio do art. 131º cede sempre relativamente à sua qualificação como
homicídio privilegiado (art. 133º CP) ou qualificado (art. 132º CP).
Uma tentativa de homicídio (nomeadamente sobre a forma de tentativa impossível, nos
termos do art. 23º/3 à contrario CP) pode porem já concorrer, em concurso efectivo, com
um homicídio por negligência nos termos do art. 137º CP. Já porem relativamente ao
homicídio doloso consumado, o crime do art. 137º CP só aparentemente pode concorrer
com o do art. 131º CP.
8. Tipos de culpa “exclusivas”
A estrutura dos homicídios é refractária a que sejam “puros” tipo de ilícito, ou seja,
erguidos em função do maior ou menor desvalor material dos comportamentos homicidas
que registam, e só nessa base consideráveis.
A lei usa terminologia de onde se conclui que é a culpa que desencadeia a aplicação
destas normas. Tem de haver maior censurabilidade ou perversidade do agente para que o
homicídio qualificado (art. 132º CP) produza efeitos; tem de haver menor culpa, para que
o privilégio do art. 133º CP actue; o mesmo acontece nos arts. 134º e 136º CP.
Os homicídios dolosos são tipos de ilicitude e culpa, ou seja: eles não contêm só, nem
determinadamente, aspectos da figura-de-delito que respeitem à danosidade do
comportamento contêm aspectos que retratam a atitude do autor, mais ou menos
censurável.
[1] Esta tendência é injustificável e deve ser decididamente combatida.

HOMICÍDIO QUALIFICADO

9. Introdução
O critério generalizador, dos exemplos-padrão consubstancia-se num tipo de
culpa, cuja função é a de caracterizar de forma autónoma uma atitude do agente
actualizada no facto como especialmente censurável ou perversa.
A delimitação da noção do tipo de culpa é fundamental na apreensão do
critério generalizador utilizado pelo legislador. A sua existência e a sua missão
no âmbito de um conceito material de culpa, capaz de converter-se numa
medida susceptível de elevação ou diminuição para além dos limites fixados
pela graduação da ilicitude.
O homicídio qualificado não é mais que uma forma agravada do homicídio
“simples” previsto no art. 131º CP.
A qualificação deriva da verificação de um tipo de culpa agravado assente
numa cláusula geral extensiva e descrito com recurso a conceitos
indeterminados: a “especial censurabilidade ou perversidade” do agente referida
no art. 132º/1 CP, verificação indiciada por circunstâncias ou elementos uns
relativos ao facto, outros ao autor, exemplarmente elencados no art. 132º/2 CP.
Elementos estes assim, por um lado, cuja verificação não implica sem mais a
realização do tipo de culpa e a consequente qualificação; e cuja não verificação,
por outro lado, não impede que se verifiquem outros elementos
substancialmente análogos aos descritos e que integrem o tipo de culpa
qualificador. Deste modo devendo afirmar-se que o tipo de culpa supõe a
realização dos elementos constitutivos do tipo orientador que resulta de uma
imagem global do facto agravada correspondente ao especial conteúdo de
culpa tido em conta no art. 132º/2 CP.
Estes elementos são típicos de certas classes de crimes, designadamente
das que constituem grupos valorativos que exprimem um maior ou menor
desvalor da atitude relativamente ao tipo fundamental. Ou seja, são típicos os
crimes a que se pode chamar variantes que constituem especificações
dependentes através da adição ao tipo fundamental de elementos que exprimem
uma agravação ou uma atenuação quer do conteúdo da ilicitude quer do
conteúdo da culpa dando origem a tipos qualificados ou privilegiados.
Face ao art. 132º CP não parece porém que se possa defender outra doutrina
que não seja a de ver ali, elementos constitutivos do tipo de culpa. É exacto,
que muitos dos elementos constantes das diversas alíneas do art. 132º/2 CP, em
si mesmos tomados, não contendem directamente com uma atitude mais
desvaliosa do agente, mas sim com um mais acentuado desvalor da acção e da
conduta, com a forma de cometimento do crime. Ainda nestes casos, porém, não
é esse maior desvalor da conduta o determinante da agravação, antes ele é
mediado sempre por um mais acentuado desvalor da atitude: a especial
censurabilidade ou perversidade do agente é dizer, o especial tipo de culpa do
homicídio agravado. Só assim se podendo compreender e aceitar que haja
hipóteses em que aqueles elementos estão presentes e, todavia, a qualificação
vem em definitivo a ser negada. Tido isto tudo na conta devida não há objecções
de princípio a que se defenda que a agravação da culpa é em todos os casos
suportada por (ou se reflecte necessariamente em) uma correspondente
agravação (gradual-quantitativa) do conteúdo de ilícito.

10. Princípio da legalidade


O que está aqui em causa é o maior grau de culpa e não de ilicitude porque
nem todas as condutas do n.º 2 envolvem uma maior ilicitude. A ilicitude tem que
estar definida e não estar em aberto “são estas entre outras”, por isso a
técnica legislativa pelo legislador é incompatível com a ilicitude. A atitude interna
do agente tem a ver com a individualidade (culpa).
O fundamento de qualificação é a culpa agravada devido a especial
censurabilidade ou perversidade porque o ilícito é o mesmo do 131º, e por isso o
n.º 2 tem um carácter exemplificativo, exemplos padrão, “são estas entre
outras”. O n.º 1 do 132º é que tipifica, é que qualifica o homicídio e o n.º 2
apenas nos ajuda a orientar quanto ao fundamento para qualificar o crime, o n.º
1 é que é o critério para qualificar.
Primeiro vou ao n.º 2 para ver se se levantam indícios e depois ao n.º 1 para
ver se preenche o critério da especial censurabilidade ou perversidade. Pode-se
preencher o n.º 1 qualificando o crime sem preencher o n.º 2 porque são
exemplos.
Há autores que entendem que é um tipo misto de ilicitude e culpa (Teresa
Beleza, Costa Pinto, Fernanda Palma).
A qualificação assenta na culpa, critério para qualificar é a “especial
censurabilidade ou perversidade”, o agente actuou com uma exigibilidade
acrescida.
Os exemplos do n.º 2 só levam à qualificação se estiver preenchido o n.º 1, o
agente actua com culpa agravada, o facto típico e ilícito é o mesmo do 131º a
diferença está na culpa (é mais grave a culpa do agente).
Para Fernanda Palma, Teresa Beleza e Costa Pinto a culpa agravada é um
critério para a qualificação, mas não é o único fundamento, integram também
uma ilicitude acrescida (há um misto de ilicitude e culpa). Na alínea a) o
comportamento do agente revela um maior desvalor da acção (da conduta), é
um grau mais grave de ilícito e se fosse só a culpa não era necessário descrever
as situações porque a culpa é um juízo de censura. Na regra de determinação
da pena (moldura penal) não se pode ter um tipo de crime que assenta só na
culpa (art. 71º n.º 2), tem de ter também como fundamento a ilicitude.
Na posição defendida pelo Prof. Fernando Silva é exclusivamente um tipo de
culpa, a alínea a) envolve um maior desvalor da acção, mas nem todas as
alíneas o envolve, o preenchimento do n.º 2 não implica a qualificação, tem que
estar presente o critério qualificador. O legislador deu-nos exemplos padrão para
nos orientar no n.º 2. O art. 71º CP funciona no âmbito da determinação
concreta da pena, e ao integrar o agente no 132º a determinação concreta da
medida da pena é abstracta (de 12 a 25 anos) e só depois na determinação
concreta da pena é que se chama à colação o art. 71º.
Estrutura do homicídio qualificado:
Começa-se pelo art. 131º (homicídio doloso), depois vai-se ao art. 132º n.º 1
(é preciso especial censurabilidade ou perversidade), de seguida vai-se ao n.º 2
para ver se a conduta se integra nalguma das alíneas, e de seguida volta-se ao
n.º 1 para ver se o critério está presente.
Duas características do n.º 2 do art. 132º:
1) “É susceptível” (não funciona automaticamente), o facto de o n.º 2 estar
preenchido não significa que seja homicídio qualificado, só o é se estiver
preenchido também o n.º 1.
Contêm apenas elementos indiciadores (duplo efeito):
- Positivo (só se integra numa das alíneas, em principio revela especial
censurabilidade ou perversidade, indicia a circunstância mas pode não
revelar).
- Negativo (se o caso não se integra em nenhuma das alíneas, a partida
não revela especial censurabilidade ou perversidade, mas pode revelar)
2) “Entre outras” – carácter exemplificativo, não há um carácter taxativo,
pode-se fazer uma analogia orientada.
Fundamentos:
- Relação entre o agente e a vítima, n.º 2 a)
- Motivações do agente, n.º 2 c)
- Modos de praticar o facto, n.º 2 c)
Duplo critério para aplicar o art. 132º num caso não previsto nas alíneas:
 Aproximação quantitativa, (se se pode aplicar analogamente numa das
alíneas).
 Integração do critério qualitativo, (saber se revela especial
censurabilidade ou perversidade).
Para o Prof. Fernando Silva – é compatível com a constituição, porque
mesmo que se integre no n.º 2 tem de se ver se a conduta revela especial
censurabilidade ou perversidade (faz-se analogia para chamar à colação certas
circunstâncias), não é inconstitucional, porque o critério está presente no n.º 1.
Para Figueiredo Dias – não se viola um princípio constitucional (princípio da
legalidade), porque estamos a falar da culpa.
Conclusão: As circunstâncias do n.º 2 não funcionam automaticamente, e as
circunstâncias têm um carácter meramente exemplificativo.

11. Do ilícito penal


A estrutura do ilícito penal não pode deixar de reflectir a concepção que se
adopte acerca da essência da ilicitude. Esta, por seu turno, depende
decisivamente da posição que se perfilhe sobre a natureza das normas jurídicas,
em especial das normas jurídico-penais.
Assim, uma conduta é ilícita na medida em que contradiz uma norma jurídica
(ilicitude formal) e, ao contrariá-la, lesa ou põe em perigo os bens jurídicos
protegidos pela norma (ilicitude material).
As normas incriminadoras constituem verdadeiros imperativos endereçados a
todos, impondo a quem o seu conteúdo afecta uma conduta conforme ao direito.
Daí que se deva concordar que a vontade dirigida ao fim a alcançar pertence ao
tipo de ilícito dos crimes dolosos.
A norma incriminadora não é só norma de determinação, é também norma de
valoração. Desde logo porque a razão de ser da própria imperatividade deve
buscar-se no valor que há-de ser realizado pela conduta prescrita.

12. Da culpa jurídico-penal


A culpa é, ao lado da ilicitude, o outro pressuposto material fundamental da
punibilidade.
Desde logo, importa referir que a problemática da culpa pode ser vista a partir
da sua consideração como categoria dogmática ou dando corpo ao princípio
jurídico-constitucional da culpa. A culpa a apreciar em ambos os casos é,
obviamente, uma e a mesma entidade.
De acordo com aquele princípio, a culpa é fundamento da pena e limite da
sua medida, ou seja, não há pena sem culpa, e a medida da pena não pode
ultrapassar a medida da culpa. Esta decorrência do princípio da culpa, a que há
que reconhecer a natureza de princípio constitucional da política criminal,
integrante da Constituição em sentido material. O princípio da culpa deduz-se do
reconhecimento da dignidade da pessoa humana (art. 1º CRP), do direito à
integridade moral e física (art. 25º/1 CRP) e do direito à liberdade (art. 27º/1
CRP), podendo acrescentar ainda que constitui pressuposto de várias outras
disposições constitucionais. De acordo com este princípio, a pena pressupõe a
culpa, e esta consiste num juízo de censura dirigido ao agente que, tendo podido
actuar segundo o dever, optou por agir ilicitamente, evidenciando uma atitude
contrária ao direito. Ou seja, o fundamento de uma agravação ou de uma
atenuação que altera uma moldura penal pode não ser um fundamento de
ilicitude, mas apenas um fundamento da culpa.
O princípio da culpa visa a realização da justiça, limitando assim as
exigências que de outros pontos de vista se façam à responsabilização do autor,
e a maximização da liberdade individual, duas funções que não têm a ver com a
teoria dos fins das penas.

13. Tipos de culpa agravadores da pena


O especial tipo de culpa do homicídio doloso é em definitivo conformado
através da verificação da “especial censurabilidade ou perversidade” do agente.
À primeira vista dir-se-ia que, traduzindo-se a culpa jurídico-penal, em último
termo, em um juízo de censura, apelar tipicamente para uma especial
censurabilidade só poderia ter o significado tautológico e, como tal, inútil e
equívoco, de apelar para uma culpa especial.
A ideia de censurabilidade constitui conceito nuclear sobre o qual se funda a
concepção normativa da culpa. Culpa é censurabilidade do facto ao agente, isto
é, censura-se ao agente o ter podido determinar-se de acordo com a norma e
não o ter feito. No art. 132º CP trata-se de uma censurabilidade especial: as
circunstâncias em que a morte foi causada são de tal modo graves que
reflectem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma
determinação normal de acordo com os valores. Nesta medida, pode afirmar-se
que a especial censurabilidade se refere às componentes da culpa relativas ao
facto, ou seja, funda-se naquelas circunstâncias de um maior grau de ilicitude.
Com a referência à especial perversidade tem-se em vista uma atitude
profundamente rejeitável, no sentido de ter sido determinado e constitui indício
de motivos e sentimentos que são absolutamente rejeitados pela sociedade.
Significa isto, pois, um recurso a uma concepção emocional da culpa e que pode
reconduzir-se “à atitude má, eticamente falando, de crasso e primitivo egoísmo
do autor”.
Importa salientar que a qualificação de especial se refere tanto à
censurabilidade como à perversidade. A razão da qualificação do homicídio
reside exactamente nessa especial censurabilidade ou perversidade revelada
pelas circunstâncias em que a morte foi causada.
A natureza jurídica que se atribui aos exemplos-padrão, no art. 132º CP é a
de determinação de uma moldura penal agravada, e, de modo algum, a de
elementos do tipo. A relação entre uma especial maior culpa e uma moldura
penal agravada está perfeitamente de acordo com o princípio da culpa.
a) Artigo 132º/2-a CP: “ser descendente ou ascendente, adoptado ou
adoptante, da vítima”:
Neste, se tem pretendido encontrar uma particular justificação para a ideia de
que circunstâncias como esta seriam particularmente indicativas de que a
agravação do homicídio tem de que ver também com um maior desvalor do tipo
de ilícito, só por essa via relevando para a verificação de um tipo de culpa
especialmente agravado.
b) Artigo 132º/2-b CP: “praticar o facto contra a pessoa particularmente
indefesa, em razão da idade, deficiência, doença ou gravidez”:
Consagrou-se neste exemplo-padrão cuja estrutura valorativa se liga, de forma
clara, à situação de desamparo da vítima em razão de idade, deficiência, doença
ou gravidez, independentemente do carácter insidioso ou não do meio utilizado
para matar.
c) Artigo 132º/2-c CP: empregar tortura ou acto de crueldade para aumentar
o sofrimento da vítima”:
Traduz-se em o agente se servir de uma forma de actuação causadora da
morte em que o sofrimento físico ou psíquico infligido, pelo acto de matar ou
pelos actos que o antecedem, ultrapasse sensivelmente, pela sua intensidade
ou duração, a medida necessária para causar a morte, com a precisão, em todo
o caso de que o acto de crueldade tem de ter lugar para aumentar o sofrimento
da vítima: relação meio/fim.
d) Artigo 132º/2-d CP: “ser determinado por avidez, pelo prazer de matar ou
de causar sofrimento para excitação ou para satisfação do instinto sexual
ou por qualquer motivo torpe ou fútil”:
É estruturado com apelo a elementos estritamente subjectivos, relacionados
com a especial motivação do agente. Ser determinado matar por:
 Avidez: significa a pulsão de satisfazer um desejo ilimitado de lucro à
custa de uma desconsideração brutal da vida de outrem;
 Pelo prazer de matar: significa o gosto ou a alegria sentidos com o
aniquilamento de uma vida humana, sem que todavia eles devam
reconduzir-se a uma “anomalia psíquica” nos termos e para os efeitos do
art. 20º CP;
 Para excitação ou para satisfação do instinto sexual: significa que a
motivação requerida se verifica não apenas quando a morte da vítima visa
determinar a libertação do agente da pulsão sexual, mas também sempre
que aquela serve a prática de actos necrófilos ou simplesmente visa
despertar do instinto sexual;
 Por qualquer motivo torpe ou fútil: significa que o motivo da actuação,
avaliado segundo as concepções éticas e morais ancoradas na
comunidade, deve ser considerado pesadamente repugnante, baixo ou
gratuito, de tal modo que o facto surge como produto de um profundo
desprezo pelo valor da vida humana.
e) Artigo 132º/2-e CP: “ser determinado por ódio racial, religioso ou político”;
f) Artigo 132º/2-f CP: “ter em vista preparar, facilitar, executar ou encobrir um
outro crime, facilitar a fuga ou assegurar a impunidade do agente de um
crime”:
Não é necessário que este outro crime venha a ter lugar, ainda que mesmo só
sob a forma tentada, bastando que, no plano do agente, o homicídio surja
(relação meio/fim) como determinado, ainda que só de forma eventual, pela
perpetração de um outro crime. Como necessário não é, por outro lado, que o
homicida seja agente do outro crime, podendo este ser cometido por “terceiro”.
Como necessário é ainda que o homicídio seja cometido com dolo intencional ou
directo, bastando dolo eventual.
g) Artigo 132º/2-g CP: “praticar o facto juntamente com, pelo menos, mais
duas pessoas ou utilizar meio particularmente perigoso ou que se traduza
na prática de crime de perigo comum”:
Juntam-se nesta alínea três constelações que se deixam reduzir à mesma
estrutura através da ideia da particular perigosidade do meio empregado e da
consequente maior dificuldade de defesa em que se coloca a vítima.
i) Praticar o facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas:
Constitui uma circunstância cujo exacto sentido pode dar lugar a fundadas
dúvidas. Pode pensar-se desde logo que, para que ela tenha lugar, necessário
se torna que ocorra no quadro de uma associação criminosa que tenha pelo
menos três membros.
O teor literal do preceito, nomeadamente na parte em que se serve do
adjectivo “juntamente”, parece indicar que o exemplo-padrão só deverá
considerar-se preenchido quando no facto comparticipem pelo menos três
agentes em co-autoria: “juntamente com outro ou outros” é precisamente a
expressão de que se serve o art. 25º CP para definir a co-autoria; além de que o
cúmplice verdadeiramente não pratica um facto de homicídio, mas participa em
um facto praticado por outrem.
ii) Utilizar meio particularmente perigoso: é servir-se para matar de um
instrumento, de um método ou de um processo que dificultem
significativamente a defesa da vítima e que crie ou sejam susceptíveis de
criar perigo de lesão de outros bens jurídicos importantes.
iii) Crimes de perigo comum: são os constantes dos arts. 272º a 286º CP
sendo certo que a ligação entre este exemplo-padrão e o tipo de culpa
deve fazer-se através da falta de escrúpulo em princípio revelada pela
utilização de um meio adequado à criação ou produção de um perigo
comum.
h) Artigo 132º/2-h CP: “utilizar veneno ou qualquer outro meio insidioso”:
Meio “insidioso” será todo o meio cuja forma de actuação sobre a vítima
assuma características análogas à do veneno – do ponto de vista pois do seu
carácter enganador, sub-reptício, dissimulado ou oculto.
i) Artigo 132º/2-i CP: “agir com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios
empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de 24 horas”;
j) Artigo 132º/2-j CP: “praticar o facto contra membro de órgão de soberania,
do Conselho de Estado, Ministro da República, magistrado, membro de
órgão do governo próprio das Regiões Autónomas ou do território de
Macau, Provedor de Justiça, governador civil, membro de órgão das
autarquias locais ou de serviço ou organismo que exerça autoridade
pública, comandante de força pública, jurado, testemunha, advogado,
agente das forças ou serviços de segurança, funcionário público, civil ou
militar, agente de força pública ou cidadão encarregado de serviço público,
docente ou examinador, ou ministro de culto religioso, no exercício das
suas funções ou por causa delas”;
l) Artigo 132º/2-l CP: “ser funcionário e praticar o facto com grave abuso de
autoridade”.
14. Relações entre tipo objectivo, o tipo subjectivo de ilícito e o tipo de
culpa.
O homicídio qualificado é, tal como o homicídio simples um tipo unicamente
punível a título de dolo sob qualquer uma das suas formas inscritas no art. 14º
CP: intencional, directo ou eventual. Uma vez que os exemplos-padrão não
fazem parte do tipo de ilícito, uma de duas: ou se mantém em plena congruência
entre o tipo objectivo e tipo subjectivo de ilícito – caso em que o dolo não será
necessária nem a representação, nem a vontade de realização dos elementos
integradores dos exemplos-padrão, tudo se passando nesta sede como se de
um homicídio simples se tratasse; ou, em nome de argumentos específicos de
protecção e defesa do agente, análogos aos que dão corpo ao princípio da
legalidade, se exige que o agente tenha representado e querido os elementos
que constituem os exemplos-padrão, pelo menos aqueles “que respeitem ao
lado objectivo do ilícito, isto é, ao desvalor objectivo da conduta”.

15. As formas especiais do crime


a) Tentativa
Se o tipo objectivo de ilícito do homicídio qualificado é, como tem vindo a
defender-se, exactamente o tipo objectivo de ilícito do homicídio simples, então
nada haverá nesta matéria a apontar de particular quanto à necessária
caracterização dos actos constitutivos de uma tentativa como actos de
execução para efeito do disposto no art. 22º CP; nem tão-pouco quanto ao dolo
que os deve abranger. Questão será saber se – partindo uma vez mais da
factualidade representada pelo agente – os actos de execução praticados
revelam já a especial censurabilidade do agente. Em caso afirmativo o agente
deve ser punido por tentativa de homicídio qualificado (arts. 22º, 23º e 132º CP);
em caso negativo por tentativa de homicídio simples (arts. 22º, 23º e 131º CP).
Situação diversa será a de o homicídio simples se ter consumado mas as
circunstâncias que fundamentam o exemplo-padrão terem sido apenas tentadas.
A concepção vincadamente objectiva que caracteriza a tentativa no Código
Penal refere-se igualmente nos critérios em que se funda a definição de actos de
execução, nas diversas alíneas do art. 22º/2 CP; são actos de execução:
1) Os actos que “preenchem um elemento constitutivo de um tipo de crime”;
2) Os actos que “são idóneos a produzir o resultado típico; e
3) Os actos que “segundo a experiência comum e salvo circunstâncias
imprevisíveis, são de natureza a fazer esperar que se lhe sigam os actos
das espécies indicadas nas alíneas anteriores”, ou seja, os que
preenchem um elemento constitutivo de um tipo de crime ou são idóneos a
produzir o resultado típico.
Característica comum a esta definição tripartida de actos de execução é a
referência aos elementos constitutivos do tipo de crime, integrando, deste modo,
“a exigência da criação de um perigo de lesão do bem jurídico tutelado para se
afirmar a existência de um acto executivo”.
Existe uma norma na parte geral que prevê a punibilidade da tentativa. Esta
resulta, assim, da conexão daquela norma da parte geral (o art. 23º CP) com
cada um dos tipos da parte especial, atento o art. 74º CP que contem os termos
da atenuação especial ex vi art. 23º/2 CP. Deste modo se estende à tentativa a
punibilidade do crime consumado. O homicídio tentado é sempre punível (arts.
131º e 23º/1 e art. 132º CP).
b) Comparticipação
A técnica utilizada pelo Código Penal em matéria de qualificação do homicídio
simplifica altamente as questões relativas à autoria e participação em matéria do
homicídio qualificado. Se todas as circunstâncias contidas no art. 132º/2 CP não
são mais que casos exemplares que podem conduzir à integração do tipo de
culpa agravado consagrado no art. 132º/1 CP, e se, como é indispensável à
afirmação do dolo, para integração daquele tipo tem de partir-se das
representações do agente – fica então próxima a afirmação de que a
contribuição de cada um dos agentes para o facto tem de ser valorada
autonomamente, enquanto fundamentadora ou não de uma especial
censurabilidade ou perversidade do agente respectivo.
A apreciação a efectuar deverá incluir a contribuição de cada comparticipante,
valorando-a autonomamente enquanto reveladora ou não de uma especial
censurabilidade ou perversidade20[2]. A acessoriedade prescreve a aplicação da
moldura penal modificada apenas quando se trate de uma modificação com
natureza típica, ou seja, de uma regulamentação legal fechada das
circunstâncias modificativas da pena.
No art. 132º CP a cláusula geral exemplificada – a especial censurabilidade
ou perversidade – integra um tipo de culpa. O que significa que o legislador
entendeu fornecer ao juiz um critério decisivo, à luz do qual têm, de ser
consideradas as diversas alíneas do art. 132º/2 CP e a própria noção de Leitblid
dos exemplos-padrão do homicídio qualificado. Daí que não baste um aumento
– ainda que essencial – do grau de ilicitude para se afirmar a especial
censurabilidade ou perversidade do agente, devendo também verificar-se uma
atitude particularmente rejeitável ou desviada relativamente aos valores.
Dir-se-á que um aumento essencial da ilicitude se reflecte, em regra, num
aumento também ele essencial da culpa.
c) Concurso
Não pode aceitar-se a existência de problemas de concurso nem entre a
verificação de diversos exemplos-padrão, nem entre tipo fundamental (art. 131º
CP) e regra de determinação da moldura penal do grupo valorativo de homicídio
especialmente grave, nem entre esta e a regra de determinação da moldura
penal contida no art. 133º CP. E isto é assim, em virtude destes preceitos não
conterem verdadeiros tipos de crime, mas apenas regras modificativas das
molduras penal do homicídio.
Dai que não possa encarar-se como concurso ideal o caso do homicídio
qualificado em que se verifica o preenchimento de dois ou mais exemplos-
padrão.
d) A proibição da dupla valoração
A proibição do duplo aproveitamento ou da dupla valoração de elementos do
tipo de crimes na determinação da medida concreta da pena está prevista no art.
72º/2 CP. Nestes termos é proibido aproveitar mais uma vez circunstâncias que
20
levaram à formação da moldura penal, e que são pressupostos da sua
aplicação, na fixação da medida da pena no caso individual. A fundamentação
desta proibição é evidente: os elementos do tipo de crime foram já ponderados
no âmbito da determinação da moldura penal, e deste modo, constituem já
pressupostos da medida concreta da pena, que há-de ser escolhida dentro dos
limites daquela moldura, sem que os referidos elementos a possam voltar a
influenciar.
21
[2] Teoria da acessoriedade limitada

HOMICÍDIO PRIVILEGIADO
16. Fundamento e consequências
O art. 133º CP é construído com base em três conceitos-tipo de natureza emocional,
embora de forma mais acentuada nuns casos que noutros – a emoção violenta; a
compaixão e o desespero; e com base num conceito-tipo de natureza ético-social – um
motivo de relevante valor social ou moral. Qualquer destes conceitos-tipo deve sempre
ser entendido objectivamente, isto é, é matéria de facto que, ou não exige o recurso a
valorações, ou então exige o recurso a valorações em boa medida extra-jurídicas.
O art. 133º CP assenta ainda em duas cláusulas de valoração. Uma delas é particular e
refere-se apenas à emoção violenta, a compreensibilidade, e a outra é geral, a diminuição
sensível da culpa do agente.
O art. 133º CP consagra hipóteses de homicídio privilegiado em função, em último termo,
de uma cláusula de exigibilidade diminuída legalmente concretizada. A emoção violenta
compreensível, a compaixão, o desespero ou um motivo de relevante valor social ou
moral privilegiam o homicídio quando e apenas quando “diminuam sensivelmente” a
culpa do agente. Esta diminuição não pode ficar a dever-se nem a uma imputabilidade
diminuída, nem a uma diminuída consciência do ilícito, mas unicamente a uma
exigibilidade diminuída de comportamento diferente.
Sempre que o juiz considere verificados os pressupostos de que depende o
privilegiamento, deve necessariamente renunciar a uma atenuação especial da pena. O
princípio da proibição da dupla valoração de que o disposto no proémio do art. 71º/2 CP
constitui apenas uma manifestação, proíbe que o mesmo substrato considerado para
integração do art. 133º CP seja de novo valorado para efeito de atenuação especial da
pena. Mas é evidente que, para além dos elementos descritos no art. 133º CP, podem no
caso convergir outros e diferentes elementos relevantes para efeito dos arts. 71º e 72º CP.
Nada impede nestes casos que, determinada a medida da pena face ao art. 133º CP aquela
seja depois especialmente atenuada face às regras especiais de determinação da pena
contidas nos arts. 72º e 73º CP.
17. Os elementos privilegiadores
a) Compreensível emoção violenta que domina o agente
Ao colocar como circunstância privilegiante do crime o estado emocional do autor, o art.
133º CP acentua: no grau de emoção e a necessidade de ela se verificar no momento da
prática do facto, como causa do crime (“foi levado a matar”). Trata-se pois, de um estado
psicológico que não corresponde ao normal do agente, encontrando-se afectadas a sua
21
vontade, a sua inteligência e diminuídas as suas resistências éticas, a sua capacidade para
se conformar com a norma.
A compreensível emoção violenta é um forte estado de afecto emocional provocado por
uma situação pela qual o agente não pode ser considerado e à qual também o homem
normalmente “fiel ao direito” não deixaria de ser sensível.
O requisito da “compreensibilidade” da emoção representa por isso ainda uma exigência
adicional relativamente ao puro critério de menor exigibilidade subjacente a todo o
preceito.
b) Compaixão
Há casos de homicídio por compaixão em que o autor age em autêntica situação de
desespero ou dele próxima: a decisão homicida só surge ao fim de uma longa e
desgastante luta interior que acaba por se tornar insuportável.
Nas basta a valia objectiva da compaixão, como se o homicídio fosse menos ilícito pela
realização de um valor, embora de menor valia que a vida, a ordem jurídica quer proteger.
É necessário que o motivo exerça uma forte pressão sobre o agente de forma a alterar a
sua capacidade de determinação, afectar a sua vontade diminuir as suas capacidades.
c) Desespero
Embora muito próximo da emoção violenta, distingue-se dela porque coincide, em geral,
com situações que se arrastam no tempo, fruto de pequenos ou grandes conflitos que
acabam por levar o agente a considerar-se numa situação sem saída, deixando de
acreditar, de ter esperança.
A lei, mais uma vez, não exige apenas que o agente esteja desesperado, mas que tal
desespero diminua sensivelmente a sua culpa.
Os casos de desespero não podem identificar-se com os casos de emoção violenta
compreensível quanto ao fundamento da atenuação. Nos casos de desespero o art. 133º
CP além dessa emoção, exige que ela diminua consideravelmente a culpa, o que só
poderá entender-se se levar em conta os motivos do autor. Motivos que ter a ver com o
amor maternal ou a salvaguarda da própria dignidade, em casos em que não é exigível
que alguém suporte um tal grau de humilhação que ponha em causa aquela dignidade.
d) Motivo de relevante valor social ou moral
Esta é uma cláusula cujo conteúdo é manifesto e tem a ver com sociedades concretas e
com morais concretas. Não poderão estar em causa apenas os valores sociais dominantes
ou a moral dominante. Em qualquer caso a cláusula há-de ter conteúdo objectivo. Esse
conteúdo deve ser positivamente valorado, sob pena de se abrir porta a todo o tipo de
fanatismos ou de fundamentalismos. Está aqui em causa uma menor ilicitude, dado o
valor que a ordem jurídica atribui àqueles motivos. Porém, esse menor grau de ilicitude
não basta para fundamentar o privilégio, funcionando como mero indício da diminuição
sensível da culpa. Também se exige que o agente esteja dominado pelos motivos em
causa, para que eles revistam um carácter de essencialidade e, por isso, afectem o seu
normal discernimento e a sua capacidade de se determinar de acordo com essa vontade.
18. As formas especiais do crime
a) Tentativa
Nos termos combinados dos arts. 23º/1 e 133º CP a tentativa é punível.
b) Comparticipação
Se o homicídio se torna privilegiado por força de circunstâncias que actuam ao nível da
culpa, então é perfeitamente possível que um comparticipante deva ser punido por
homicídio privilegiado, outro por homicídio simples ou qualificado.
c) Concurso
Só pode dar-se entre os elementos objectivos, nunca entre tipos de culpa respectivos,
jamais pode coincidir uma especial censurabilidade ou perversidade do agente com uma
diminuição sensível da sua culpa.
19. Tipo subjectivo
O crime do art. 133º CP é doloso, como resulta da sua conjugação com o art. 13º CP.
Qualquer das modalidades do dolo, previstas no art. 14º CP (directo, necessário ou
eventual) permite preencher o tipo subjectivo.
O dolo deve abranger todos os elementos que integram o tipo objectivo – deve referir-se à
acção e ao objecto da acção.
Assim qualquer problema de erro sobre as circunstâncias do facto deve resolver-se nos
termos do art. 16º/1 e 3 CP.
20. Culpa
As várias situações previstas no art. 133º CP são elementos subjectivos do tipo de culpa,
isto é, é exigida uma circunstância externa, mesmo que só representada pelo autor, que
haja efectivamente incidir na formação da vontade. Mas, verificados os elementos
subjectivos do tipo de culpa, nem por isso se presume uma diminuição sensível da culpa
do agente. Ela deve ser comprovada em cada caso concreto.

HOMICÍDIO A PEDIDO DA VÍTIMA


21. Introdução, razão de ser do art. 134º CP
O homicídio a pedido da vítima é um homicídio sui generis neste aspecto: há um diálogo
do homicida com a vítima, por via do qual esta lhe exprime o seu consentimento para que
a mate e provoca até, em princípio, a própria decisão do homicida, de modo a torná-lo
sensível às suas razões para não querer viver mais.
Há uma margem jurídica de relevância do consentimento que leva a retirar efeitos
jurídicos da opção de prescindir de viver, para além daqueles que no art. 134º CP
directamente retirou, mas segundo um critério de concordância com a axiologia dessa
norma.
O homicídio a pedido da vítima configura uma forma privilegiada do crime fundamental
de homicídio.
A caracterização da infracção como forma não autónoma do crime fundamental, significa
que o homicídio a pedido da vítima reproduz o núcleo essencial do ilícito típico de um
crime (“matar outra pessoa”).
O art. 134º CP configura uma norma especial, mesmo em relação ao art. 132º CP, face
ao qual emerge como “mais especial”. Em caso de concurso de ambas as normas, o
art. 134º CP afasta (por razões de especialidade) o art. 132º CP.
O regime de privilégio radica, por seu turno, no “pedido sério, instante e expresso” da
vítima, que determina tanto a redução do ilícito como da culpa do agente. No pedido
actualiza-se a autonomia e a autodeterminação da vítima bem como a sua renúncia à
tutela (penal) do bem jurídico. Com a consequente redução do conteúdo do ilícito – ao
menos na vertente do desvalor da acção. Enquanto isto é do lado do agente, avulta o
“pensamento fundamental de que, face à insistência da vítima, ele terá agido sob a
influência de representações de algum modo altruístas e será, por vias disso, menos
merecedor de pena do que o homicida comum”.
22. Conduta típica
Para além de matar outra pessoa, elemento de comunicabilidade com o crime
fundamental do homicídio (art. 131º CP), o que singulariza o homicídio a pedido da
vítima e explica o regime de privilégio que a lei lhe dispensa, é o facto de a produção da
morte resultar do exercício autoresponsável da autodeterminação da vítima. Para tanto
prescreve a lei um conjunto de exigências adicionais, vertidas na fórmula: “determinado
por pedido sério, instante e expresso que ela lhe tenha feito”.
Com a exigência do pedido quer a lei significar que não basta o simples consentimento da
vítima ou qualquer atitude passiva equivalente. Pedido, só por si, significa que a vítima
tem de intervir activamente no processo de formação da decisão do agente. Com o
pedido, a vítima tem de dar a conhecer a sua vontade de morrer e de receber a morte das
mãos da pessoa concretamente indicada.
Autonomia da vítima, o pedido tem de existir antes e durante a actuação do agente. E
pode ser revogado a todo o tempo. Para além disso, é o pedido que determina o quem,
quando e como da acção de produção da morte.
No que ao agente especificamente respeita, não pode desatender-se o alcance do inciso
“que ela lhe tenha feito”. O agente tem de ser individualmente determinado pela vítima,
que não pode dirigir o pedido a um conjunto, maior ou menor, e mais ou menos
heterogéneo de pessoas. Por outro lado e complementarmente, o pedido tem de ser
directamente dirigido ao agente e não pela mediação de um intermediário.
A seriedade – que aponta para a vontade verdadeira, não-influenciada e amadurecida –
desempenha um papel de travão ou inibição. Visa impedir a actuação apressada ou
precipitada, nomeadamente o aproveitamento da incapacidade duradoira ou ocasional ou
de um pedido inquinado por vícios da vontade. Pela positiva, trata-se de assegurar um
pedido sustentando por uma vontade livre, consciente do fim-de-produção-da-morte e
para ele finalisticamente orientada.
No que toca à capacidade, a vítima deve, pelo menos satisfazer as exigências de que a lei
(art. 38º/3 CP) faz depender a validade e eficácia do consentimento. Por vias disso, não
será nem relevante o pedido feito por menor de quatorze anos. Para além disso, tudo
dependerá de a vítima possuir ou não o discernimento necessário para avaliar o sentido e
alcance do acto e a liberdade para se decidir de acordo com aquela valoração.
O pedido terá de ser instante, seguramente a qualificação que, em definitivo, marca a
diferença entre o pedido relevante para efeitos de homicídio a pedido da vítima e o
normal consentimento. É a partir dela que, com algum fundamento, se pode caracterizar
este pedido como uma forma de consentimento qualificado.
O pedido tem de ser expresso, quer dizer inequívoco. Para ser expresso, o pedido não tem
de ser feito por palavras podendo ser transmitido por gestos, desde que unívocos.
Só pode beneficiar do regime do art. 134º CP o agente que tiver praticado o facto
determinado pelo pedido da vítima. Entre o pedido da vítima e a decisão do agente terá
de mediar um nexo de causalidade correspondente ao da doutrina da instigação. Por vias
disso, não pode considerar-se determinado pelo pedido o agente que, já antes (do pedido)
estava decidido à prática do facto e a quem o pedido apenas confirmou no seu propósito.
23. O tipo objectivo
Para se verificar a infracção, o agente tem de “matar outra pessoa”. Isto é, têm de se
verificar aqui todos os pressupostos do tipo objectivo do crime de homicídio, para cujo
regime cabe, por isso, uma remissão generalizada. O que vale sobretudo para as matérias
atinentes ao bem jurídico, objecto da acção, conduta típica, causalidade, imputação
objectiva, etc. A exigência da realização do ilícito típico do homicídio determina, por
outro lado, a exclusão do âmbito do homicídio a pedido da vítima dos factos que possam
levar-se à conta de suicídio, auxílio ao suicídio ou mesmo à chamada eutanásia indirecta.
24. O tipo subjectivo
O homicídio a pedido da vítima pressupõe o dolo do agente, normalmente, o dolo
directo. Embora excepcionais, sempre é possível representar hipóteses de dolo eventual.
O elemento intelectual do dolo exige a representação de todos os elementos pertinentes
ao tipo objectivo. Se o agente actua sem ter tido conhecimento da existência do pedido,
será punido por homicídio nos termos normais, não pode beneficiar do regime de
privilégio do art. 134º CP desde logo por não se poder afirmar que ele se decidiu
determinado pelo facto; se, inversamente, o agente actuou erradamente convencido da
verificação dos pressupostos objectivos da incriminação, não pode deixar de beneficiar,
nos termos da doutrina do erro, do regime de privilégio do art. 134º CP.
25. Ilicitude e justificação
De acordo com o sentido e a intencionalidade do preceito – pois, se até o pedido sério,
instante expresso (o chamado consentimento qualificado) só atenua a pena – está excluída
a possibilidade de o consentimento valer como causa de justificação. Uma exclusão que
se comunica a toda a ordem jurídica. Resumidamente, o consentimento nunca será
bastante para excluir a ilicitude da morte de outra pessoa: seja qual for a sua idade, seja
qual for o seu estado de saúde; e trate-se de homicídio doloso ou negligente.
26. As formas especiais do crime
a) Tentativa
É punível nos termos do art. 134º/2 CP. Em caso de concurso entre tentativa de homicídio
a pedido da vítima e ofensa corporal (consumada), há concurso aparente, excluindo-se a
punibilidade pelas ofensas corporais.
Já será diferente o regime em caso de desistência da tentativa (do homicídio a pedido da
vítima) se entretanto se tiverem verificado ofensas corporais: é a chamada tentativa
qualificada. Aqui, a desistência não parece prejudicar a punibilidade a título de ofensas
corporais. Tal parece resultar, desde logo, da intencionalidade normativa do art. 134º CP
apenas orientado para sancionar uma solução de privilégio para homicídio a pedido da
vítima. Acresce que, por via de regra, as lesões corporais não são cobertas pelo
consentimento. E se o fossem, estaria-se perante um consentimento contrário aos bons
costumes.
b) Comparticipação
Autor pode ser qualquer pessoa, desde que destinatária do pedido. Na definição do
âmbito da autoria suscitam-se problemas na linha de fronteira com o incitamento ou
ajuda ao suicídio; para além disso, suscitam-se aqui problemas no âmbito da
comparticipação.
A relação especial do agente, sobre que assenta o regime do homicídio a pedido da
vítima, releva também da ilicitude e é, qua tale, comunicável.
Quem fica sempre impune é a vítima que sobrevive à tentativa não consumada do
homicídio a pedido.
c) Concurso
Entre homicídio a pedido da vítima e as ofensas corporais valem as regras gerais relativas
ao concurso entre o homicídio e os crimes contra a integridade física e que, em princípio,
prescrevem a consunção destes por aquele. Devem em qualquer caso, ressalvar-se os
problemas específicos suscitados pela chamada tentativa qualificada. Para além disso, o
homicídio a pedido da vítima afastará normalmente (concurso aparente ex vi relação de
especialidade) as demais formas de homicídio. Isto vale também para o homicídio
privilegiado (art. 133º CP). Será concretamente, assim, sempre que o pedido e as
circunstâncias que o acompanham despertarem no agente; por exemplo, aquela
“compreensível compaixão” a que se refere o art. 133º CP.

INCITAMENTO OU AJUDA AO SUICÍDIO


27. Generalidades
O art. 135º CP pune quem incitar ou ajudar outrem ou suicídio.
Suicídio só pode ser a diminuição da própria vida pelo respectivo titular, tendo este o
domínio do acontecimento.
Segue-se que uma tal atitude tem de ser consciente e voluntária porque “incitamento”
tem a ver ou com a formação da decisão – o que obviamente não anula a vontade – ou
com um seu encorajamento; e “ajuda” significa cooperação em algo que o ajudado
conhece e pretende bem como reforço de tal pretensão.
Suicídio é pois um comportamento voluntário dirigido à própria morte, possuindo o autor
o domínio do acontecimento e um limiar de consciência bastante para compreender o
sentido existencial de tal conduta.
28. O bem jurídico
O bem jurídico típico é a vida humana e, mais precisamente a vida de outra pessoa.
É precisamente a identificação da vida humana (de outra pessoa) como bem jurídico
tutelado que empresta à incriminação do incitamento ou ajuda ao suicídio a indispensável
ligação material. Uma legitimação que alguns pretendem poder questionar ou mesmo
minar, a partir da irrelevância ou indiferença do suicídio para a ordem jurídico-penal.
A circunstância de o art. 135º CP que incrimina autonomamente formas de participação
no suicídio, estar inserido no capítulo dos crimes contra a vida, não significa que ali se
proteja exclusivamente a vida humana.
Na verdade, se há indícios que, embora arrumados noutros títulos, por protegerem outros
valores, não deixam de prever condutas também violadoras da vida humana, nada obsta
que no art. 135º CP classificado pelo legislador como “crime contra a vida”, estejam em
causa outras razões, para além da perigosidade para essa mesma vida das condutas ali
incriminadas.
O significado de suicídio no art. 135º CP:
O incitamento ou a ajuda, para se manterem dentro do quadro legal do preceito referido,
não podem ir ao ponto de negar, entendido o termo como privar, toda a autonomia e toda
a parcela de liberdade de decisão. No suicídio tem de existir ainda vontade. Ora, quando
há nele uma participação trata-se já de uma vontade que, embora não anulada, foi
atingida por uma interferência com um sentido específico. A ilicitude de tais
interferências reside, não só no perigo ou aumento de perigo para a vida, mas também na
intervenção numa esfera de autonomia própria, maxime tratando-se de um acordo tão
dramaticamente decisivo.
No art. 135º/1 CP suicídio consciente e livre tem na origem um desejo de morte não
patológico. A capacidade de valoração e determinação da vítima não está sensivelmente
afectada.
No art. 135º/2 CP suicídio com vontade imperfeita. Para além dos casos de ser efectuado
por menores de 16 anos em que há presunção legal de incapacidade, tem na sua origem
factos psicológicos mórbidos formalmente redutores do instinto de conservação. Tais
circunstâncias, embora não supressoras da vontade geram estreitamento da liberdade.
29. A fronteira entre o suicido e o homicídio (autoria mediata)
A identificação das situações concretas de suicídio como pressuposto típico do crime de
incitamento ou ajuda ao suicídio postula a definição de duas linhas divisórias que, com
Roxin pode-se designar como fronteira externa e fronteira interna. A fronteira externa
separa as águas entre o incitamento ou ajuda ao suicídio e o homicídio a pedido da vítima
a partir da definição e valoração dos contributos da vítima e do terceiro, vistos no seu
perfil exterior. Por seu turno, na fronteira interna procura determinar-se em que medida e
independentemente do recorte exterior, as coisas se extremam a partir da situação
psíquica ou espiritual da vítima.
Relativamente a esta questão, os autores e os tribunais têm acolhido privilegiadamente a
duas correntes: a chamada solução da culpa (ou da exculpação) e a solução do
consentimento.
A doutrina da culpa, a solução tradicional, é hoje particularmente representada por
Roxin. Chama-se solução da culpa porque recorre à aplicação analógica das regras ou
princípios da exclusão da culpa, nomeadamente a inimputabilidade e o estado de
necessidade desculpante. Segundo ela, deverá afirmar-se a responsabilidade por
homicídio em autoria mediata do terceiro quando a vítima actua em circunstâncias tais
que, na hipótese de ela lesar bens jurídicos alheios, veria afastada a sua culpa. Na síntese
de Roxin: “Não há suicídio quando o suicida se encontra numa situação que, segundo as
regras correntes do direito penal, excluíra a culpa”.
A solução do consentimento, em vez de apelar para as regras e critérios da culpa, esta
doutrina apela para as regras e critérios do consentimento e concretamente do
consentimento “qualificado” subjacente ao homicídio a pedido da vítima. Que são
critérios claramente mais exigentes e, por vias disso, a resultar num alargamento do
universo dos casos de autoria mediata de homicídio, isto é, em alargamento da punição
da comparticipação na autodestruição de outrem. Na verdade, agora só poderá falar-se de
suicídio quando a vítima satisfaz as exigências do consentimento – livre e esclarecido –
reforçadas sob a forma de pedido “sério, instante e expresso” (art. 134º CP).
Mais do que meros expedientes dogmáticos alternativos preordenados à superação do
problema em exame, a solução da culpa e a solução do consentimento revelam dois
grandes paradigmas de compreensão ética ético-jurídica do suicídio e da comparticipação
do suicídio. E como tais susceptíveis de emergir em afloramentos próprios em
praticamente todas as áreas problemáticas do regime jurídico-penal da comparticipação
no suicídio.
Como resulta do art. 135º/2 CP a lei portuguesa afastou-se tanto da solução da culpa,
como da solução do consentimento. Ao prescrever que o auxílio a menor de 16 anos
determina a agravação da pena (do incitamento e ajuda ao suicídio) a lei admite eo ipso
que possa haver suicídio de inimputável, nessa medida desrespeitando a solução da culpa
(e, por maioria de razão, a solução do consentimento).
À luz do direito português vigente o que é decisivo é a capacidade para representar o
carácter autodestrutivo da sua conduta e a liberdade para se decidir naquele sentido. Tal
capacidade terá seguramente de denegar-se a um menor de 14 anos. É certo que também
a inimputabilidade por anomalia psíquica há-de valer, em geral, como um sintoma
daquela incapacidade. Só que aqui tudo dependerá, em definitivo, das circunstâncias
pessoais do agente em concreto.
30. A conduta típica
Incrimina-se duas modalidades de conduta: o incitamento e a ajuda ao suicídio. Trata-se
de condutas de sentido e compreensão idênticas às da instigação e cumplicidade, só que
aqui não podem ser nomeadas em tais, uma vez que o suicídio não é um facto
criminalmente típico e ilícito.
Não podem, em qualquer caso, valer como típicas condutas que correspondem ao
exercício de um direito ou ao cumprimento de um dever.
· Incitar
Significa determinar outrem à prática do suicídio. A conduta do agente tem de
desencadear um processo causal, sob a forma de influência psíquica sobre a vítima,
despertando nela a decisão de pôr termo à vida. Tem de se tratar de uma decisão até ali
inexistente: se a vítima já estava decidida a suicidar-se, a acção do agente já só poderá
valer como ajuda. Pode incitar-se por qualquer meio desde que de meio idóneo e eficaz
se trate. Por via de regra o incitamento será pessoal e individualizado, não estando porém,
excluída a possibilidade de um incitamento colectivo.
· Ajudar
É toda a forma de cooperação que, não constituindo um incitamento, é causal em relação
à conduta do suicida na sua conformação concreta. Pode ser ajuda “material ou moral”
(art. 27º CP), física ou psíquica.
Incitar ou ajudar estão inscritas na factualidade típica como condutas alternativas, sendo
qualquer delas bastante para, só por si realizar o ilícito típico.
31. Tipo subjectivo
As condutas de incitamento ou ajuda ao suicídio têm um sentido final nelas incorporado
como qualidade própria e referido, justamente, à comissão do autocídio da vítima. No art.
135º CP não está pressuposto qualquer outro momento anímico autonomizável e
fundamentador do ilícito. E nem um entendimento da vontade num sentido estrito, que
não a deixe superar os limites dentro dos quais se explica o seu domínio, põe em causa
esta afirmação. O objecto do dolo pode abranger um resultado material cuja realização
seja efectuada por um terceiro no qual incidirá a atitude psicológica do autor, pelo menos
enquanto representação.
O dolo no crime de incitamento ou ajuda ao suicídio compreende, no seu aspecto
volitivo, uma atitude anímica tendente a provocar noutra pessoa uma decisão de suicídio
ou a contribuir para a execução de um propósito suicida.
A infracção só é punível a título de dolo[3], sendo suficiente o dolo eventual. O dolo tem
de abranger o suicídio: para além de compreender o incitamento ou a ajuda, tem de
abarcar também a realização do suicídio. Se o agente sabe que a sua decisão não é livre e
responsável, então ele “quer” cometer homicídio, devendo ser punido como tal. Já se o
agente pensa, erradamente, que a decisão da vítima é livre e responsável ou que ainda há
uma vontade de suicídio, então ele tenta cometer incitamento ou ajuda ao suicídio,
quando, objectivamente, está a praticar homicídio. Contudo ele só poderá ser punido pela
infracção menos grave, a do art. 135º CP.
32. O resultado típico do art. 135º CP
O art. 135º CP prevê um crime de resultado.
Num crime de mera actividade, o dolo “deve abranger unicamente circunstâncias
relativas à acção do agente, não sendo necessário que este queira ou conheça qualquer
resultado não compreendido no tipo”. Portanto, para se considerar o art. 135º CP como
prevendo um crime formal, o dolo do agente teria de dirigir-se apenas à própria acção
idónea para o incitamento ou (e) para a ajuda ao suicídio.
Deve atender-se a que a relevância jurídico-penal dos comportamentos, tecnicamente
classificados de determinação ou de cumplicidade, depende de ter havido actos
executivos por parte do autor material.
33. As formas especiais do crime
a) Comparticipação
Não punibilidade da vítima sobrevivente da tentativa de suicídio. Não punibilidade que se
mantém mesmo que tenha sido ela a determinar o agente à ajuda ao suicídio.
b) Tentativa
O facto só é punível “se o suicídio vier efectivamente a ser tentado ou a consumar-se”. A
partir daqui questiona-se se a tentativa é ou não punível converte-se em boa medida num
problema de índole prevalentemente dogmático-categorial. Tudo depende da estrutura
típica da infracção, nomeadamente do sentido e alcance da consumação no complexo
iter da incriminação.
c) Concurso
Se o agente incitar e ajudar a mesma pessoa cometerá apenas um crime de incitamento ou
ajuda ao suicídio. Pode haver concurso ideal com outras infracções quando o meio
utilizado para ajudar ou incitar configura um ilícito criminal, como o incêndio. Também
pode haver concurso ideal na hipótese de suicídio de uma mulher grávida, em caso de
aborto punível.
Pode haver concurso real com o homicídio a pedido da vítima. É o que acontece se o
agente aceita, a pedido da vítima, dar o “golpe de misericórdia”. Também pode haver
concurso real com o crime de homicídio. Tal será mesma a regra no chamado “suicídio
alargado” que se dá quando o suicida arrasta para a morte outras pessoas, normalmente
filhos menores ou outros dependentes.
34. Agravação
O art. 135º/2 CP prescreve a qualificação da infracção por circunstâncias atinentes à
pessoa da vítima: ser menor de 16 anos ou ter a sua capacidade de valoração ou de
determinação sensivelmente diminuída. Pelo menos ao nível da pena abstracta, não
revelam as circunstâncias atinentes ao agente, nomeadamente o facto de ele ter agido por
motivos egoístas. A qualificação está prevista para uma fenomenologia relativamente
extensa, onde podem ocorrer situações de homicídio em autoria mediata: a utilização da
vítima da autodestruição como um “instrumento”. Antes de se proceder à subsunção do
caso no regime do art. 135º/2 CP, há-de por isso, apurar-se se, em concreto, se está
perante uma situação de autêntico suicídio. Ou se, inversamente, o caso não há-de, antes,
ser levado à conta de homicídio.
[3] A negligência não é punível
INFANTICÍDIO
35. O privilegiamento e os seus elementos típicos
O fundamento do privilegiamento do homicídio da criança é pois, o estado de
perturbação em que se encontra a mãe durante ou logo após o parto. E estes são
simultaneamente os elementos constitutivos do tipo objectivo de ilícito. O estado de
perturbação pode ser condicionado tanto endogenamente como exogenamente.
O objecto do facto é o filho. Do ponto de vista do bem jurídico trata-se pois aqui da vida
de outra pessoa, nos precisos termos em que o elemento vale para efeito do tipo de
homicídio, não da vida intra-uterina que constitui o bem jurídico do crime de aborto (art.
140º CP).
36. Conduta
A conduta consiste em a mãe matar o filho durante ou logo após o parto e estando ainda
sob a sua influência perturbadora.
a) Matar
Assume, no presente contexto, precisamente o mesmo significado que igual elemento
típico no crime de homicídio. Apenas se salientará que a conduta deve ter lugar durante
ou logo após o parto, enquanto o resultado (a morte) pode ter lugar em momento
posterior.
O crime pode ser cometido por omissão.
b) A conduta tem lugar durante o parto
Se ela ocorre, a partir do momento em que se inicia o processo de nascimento, quer dizer
desde que se iniciam as contracções ritmadas, intensas e frequentes que previsivelmente
conduzirão à expulsão da criança ou, em alternativa, desde que tem início o processo
cirúrgico correspondente.
Que a conduta possa ter lugar logo após o parto é elemento relativamente ao qual suscita
dúvidas se deve conferir-se uma conotação especificamente temporal ou antes
psicológica, uma vez que, além deste requisito, se torna necessário que a mãe se encontre
ainda sob a influência perturbadora do parto; de outro modo a lei não teria referido as
exigências de que o facto ocorra durante ou logo após o parto e a mãe se encontre ainda
sob a sua influência perturbadora, mas apenas esta última. A conduta tem por isso de ter
lugar durante o qual é razoável supor segundo os pontos de vista objectivos dos
conhecimentos da medicina, que a influência perturbadora deste ainda subsiste.
37. As formas especiais do crime
a) Tentativa
É punível nos termos do art. 23º CP. Ela pressupõe que os actos de execução tiveram
lugar, ou persistiram, durante ou logo após o parto e sob a sua influência perturbadora.
b) Comparticipação
Autora pode ser apenas a mãe da criança. Autoria mediata é possível, por exemplo, no
caso de a mãe se servir de terceiro de boa fé para administrar uma poção fatal à criança. E
o mesmo se diga da instigação nos casos em que esta deva ser considerada dentro do
quadro da autoria (art. 26º in fine CP). Não se está por isso perante um crime de mão
própria, mas apenas perante um tipo que pressupõe determinada qualidade especial de
autoria, ser mãe da criança. Consequentemente não é punível – por este preceito mas
eventualmente pelos arts. 131º, 132º ou 133º CP – a autoria mediata de terceiro que se
serve da mãe para matar a criança durante ou logo após o parto e sob a sua influência
perturbadora. O mesmo devendo afirmar-se para a cumplicidade de terceiro.
c) Concurso
O infanticídio consome a exposição ou abandono do art. 138º CP[4]. Discutível pode ser
as relações de concurso do crime de infanticídio com crimes contra a integridade física.
[4] Concurso aparente.

HOMICÍDIO POR NEGLIGÊNCIA


38. Introdução
O Código Penal na sua parte geral (art. 15º CP) tipifica duas modalidades da mesma
negligência: aquela em que o agente representa como possível a realização de um facto
que preenche um tipo de crime, mas actua sem se conformar com essa realização (alínea
a)); e aquela outra em que ele nem sequer representa tal possibilidade de realização
(alínea b)). São respectivamente os casos de negligência consciente e de negligência
inconsciente. De comum, têm a conduta, activa ou omissiva, não cuidada, a que o agente
está obrigado (segundo as circunstâncias e de que é capaz).
Este homicídio tem dois efeitos constitutivos, um típico especial e outro típico/dogmático
geral.
Consagra a punição por negligência do homicídio, o que sempre seria necessário,
atendendo à excepcionalidade de tal incriminação, nos termos do art. 13º CP.
39. Os elementos constitutivos
Relativamente aos elementos constitutivos do tipo objectivo do ilícito não se depara aqui
com quaisquer especialidades notáveis, face ao tipo de ilícito do homicídio doloso.
O objecto do facto é outra pessoa, assumindo neste contexto uma importância ainda
maior que no homicídio doloso[5].
No que toca à conduta nada haverá que acrescentar ao que cuja foi referida no homicídio
doloso. Ela pode ter lugar tanto por acção, como por omissão.[6]
40. Critérios de imputação objectiva e a sua concretização
O tipo de ilícito do homicídio negligente não é preenchido quando o agente, com a sua
conduta, não criou, não assumiu ou não potenciou um perigo típico para a vida da vítima:
ou porque o perigo não chegou ao limite do judicialmente relevante; ou porque, sendo
embora a conduta em si perigosa, se manteve dentro dos limites do risco permitido, ou
mesmo porque o agente se limitou a contribuir para a autocolocação em perigo dolosa de
outra pessoa.
Na concretização dos critérios de imputação objectiva da morte à conduta cabe desde
logo particular relevo a violação de normas de cuidado da mais diversa ordem à “falta
de observância de algum regulamento”. Uma tal violação pode por isso constituir
legitimamente indício do preenchimento do tipo de ilícito, mas não pode em caso algum
fundamentá-lo.
A esta problemática – dos domínios especializados da vida – se liga estreitamente a
questão chamada da negligência na assunção ou na aceitação. Trata-se em geral, da
assunção de tarefas ou da aceitação de responsabilidades para as quais o agente não está
preparado, nomeadamente porque lhe faltam as condições pessoais, os conhecimentos ou
mesmo o treino necessário ao desempenho cuidadoso de uma actividade perigosa.
O critério fundamental de delimitação do tipo do ilícito negligente é hoje constituído pelo
chamado princípio da confiança. Segundo este princípio, que se comporta no tráfico de
acordo com as normas deve poder confiar que o mesmo se sucederá com os outros; salvo
se tiver razão concretamente fundada para pensar de outro modo.
O princípio da confiança vale na medida em que, por regra, o agente deve poder contar
com que outros não cometerão factos ilícitos-típicos dolosos. Salvo se, uma vez mais as
circunstâncias concretas do caso derem fundado motivo para pensar que um tal
consentimento pode muito bem ocorrer.
41. A questão do “critério generalizador” ou “individualizador” no homicídio
negligente
A doutrina dominante vai no sentido de considerar que o tipo de ilícito negligente se
preenche com a violação de um dever objectivo de cuidado, enquanto toda a questão da
capacidade individualizada do agente para o observar deve ser remetida para a culpa.
Essa faceta tem a ver com o relevo – ou com a falta dele –, logo ao nível do tipo de ilícito
do homicídio negligente, das capacidades individuais do agente, quando superiores ou
inferiores às do homem médio.
Em matéria de tipo de ilícito negligente vale um critério generalizador relativamente aos
agentes dotados de capacidades médias ou inferiores à média, um critério
individualizador relativamente a todos os agentes dotados de especiais capacidades
(superiores à média).
42. As causas da exclusão da culpa
Compreende-se que, relativamente ao homicídio negligente, funcione como causa de
exclusão da culpa a incapacidade individual do agente para corresponder aos deveres
ínsitos no tipo de ilícito (sobre o critério individualizador na culpa negligente, todavia
restringido, sem razão bastante, à incapacidade de compreensão). Haverá em todo o caso
que ressalvar as hipóteses da negligência na assunção ou a aceitação que, neste contexto,
assumirão particular relevo.
43. A negligência grosseira (art. 37º/2 CP)
A negligência grosseira constitui um grau essencialmente aumentado ou expandido de
negligência. Para além disso porém é importante decidir se o carácter grosseiro da
negligência constituir uma mera circunstância modificativa da moldura penal
exclusivamente operante ao nível da medida legal da pena; uma forma de culpa; uma
característica da atitude do agente; ou uma graduação do ilícito em função do especial
dever de cuidado violado, do perigo aumentado e (ou) da probabilidade de verificação do
resultado.
A razão existe, entre outros, a Roxin quando defende que o conceito implica uma especial
intensificação da negligência não só ao nível da culpa, mas também ao nível do tipo de
ilícito. A este último nível torna-se indispensável que se esteja perante uma acção
particularmente perigosa e de um resultado de verificação altamente provável à luz da
conduta adoptada. Mas daqui não pode deduzir-se sem mais que também o tipo de culpa
resulta logo dali inevitavelmente aumentado, antes se tem de alcançar a prova autónoma
de que o agente, não omitindo a conduta, relevou uma atitude particularmente censurável
de leviandade ou descuidado perante o comando jurídico-penal.
44. As formas especiais do crime
a) Comparticipação
Autor pode ser não apenas o autor imediato, como o autor atrás do autor, sob várias
formas concretas. Assim, desde logo, o mandante ou o incitador de um comportamento
que vem a terminar por um homicídio negligente. Frequentes são na verdade os casos de
autoria paralela, nomeadamente sob a forma em que o resultado é produzido
imediatamente por um mas só porque outro anteriormente violou um dever objectivo de
cuidado ou o risco permitido.
b) Concurso
Se através de uma mesma acção são mortas várias pessoas estar-se-á perante uma
hipótese de concurso efectivo, sob a forma de concurso ideal, com absoluta indiferença
porque a negligência tenha sido consciente ou inconsciente.
Concurso efectivo, sob a forma de concurso real, é possível entre o homicídio negligente
e a omissão de auxílio (art. 200º CP). Concurso aparente existirá em regra – se não
mesmo sempre – com crimes qualificados por evento mortal (art. 18º CP); a questão é
própria porém de cada um dos concretos crimes agravados pelo evento morte.
[5] Portanto o homicídio por negligência é punível, mas não o aborto por negligência.
[6] Omissão impura nos termos do art. 10º CP.

EXPOSIÇÃO OU ABANDONO

45. O tipo legal objectivo


O bem jurídico protegido no presente tipo legal é a vida humana. Trata-se porém, não de
um tipo de dano, mas sim de um crime de perigo concreto.
O agente tem de colocar em perigo a vida de uma pessoa, através de uma das duas
modalidades de conduta descritas no art. 138º CP. Este elemento típico implica
evidentemente que com o acto do agente, se crie um perigo ou se potencie um perigo.
Assim, não haverá crime quando o perigo já exista e não se encontre mais à disposição do
agente qualquer meio de diminui-lo ou atenuá-lo.
a) Exposição
O agente tem de expor a pessoa em lugar que a sujeite a uma situação de que não se
possa só por si defender. A exposição implica que a vítima deva ser transferida de um
local[7] para um outro menos seguro – o que significa que se tem de verificar uma
qualquer[8] deslocação espacial produzida pelo agente; dessa deslocação deve resultar
um agravamento de riscos de tal ordem que a vítima fique numa situação em que seja
incapaz de, por si só, defender-se[9]. Dois factores para se aferir o perigo:
· Atender ao local onde a vítima é exposta ou colocada;
· Características da própria vítima.
O agente tem uma conduta que faz nascer para a vítima uma situação de perigo.
Esta modalidade de conduta pode ser cometida por qualquer pessoa[10]. Pode também
ser cometida por omissão[11].
b) Abandono
Consiste em o agente abandonar a vítima sem defesa sempre que tenha um dever de a
guardar, vigiar ou assistir.
O abandono tem de ser realizado por um agente sobre o qual impenda um especial
dever[12] – com o que se trata de um crime específico próprio.
Este dever tem de ser pré-existente à situação de abandono e deve estar em directa
conexão com a ausência de defesa da vítima; ou seja: é necessário que o dever que sobre
o agente impende tenha por finalidade garantir o auxílio para situações de risco em que
incorpora a vítima.
Do abandono tem que resultar uma situação de agravamento de riscos[13] para o qual a
vítima não tenha, por si, capacidade de se defender.
46. O tipo legal subjectivo
O tipo legal só se preenche com dolo, bastando o dolo eventual. Este dolo tem
evidentemente de abarcar a criação de perigo para a vida da vítima, bem como a ausência
de capacidade para se defender por parte da vítima.
O dolo (do agente) tem que pressupor o conhecimento do perigo, o agente tem que querer
o perigo para a vítima, mas não quer a morte. O dolo de perigo é por natureza algo difícil
de verificar, o legislador tem que ver que o agente admitiu o perigo mas não se
conformou com a lesão.
A conduta, para além de abandono ou exposição, tem que vir a produção efectivamente
um perigo para a vida da vítima. O resultado tem que se autonomizar, se não houver a
consumação do perigo não é crime.
47. As formas especiais do crime
a) Tentativa
É punível a tentativa deste crime. Dada a especial configuração do tipo de crime, a
desistência pode ser relevante se o agente voluntariamente impedir a produção de
resultado não compreendido no tipo; ou seja, tendo já colocado em perigo a vida da
vítima, haverá desistência relevante se o agente diminuir o perigo criado, impedindo o
efectivo dano.
b) Comparticipação
São aplicáveis as regras gerais da comparticipação, no caso de exposição. No caso de
abandono, tratando-se de um crime específico, em princípio, haverá a derrogação
daquelas regras.
c) Concurso
O art. 138º CP é um crime de perigo concreto, pelo que, verificando-se dolo quanto ao
dano, não deverá ser aplicado.
Pode ser discutível a correcta ligação entre este crime (em especial no caso da
modalidade de conduta de abandono) e o crime de omissão de auxílio (art. 200º CP). A
correcta destrinça deve ser realizada em função do facto de o dever de auxílio (vigilância
e guarda), no caso de abandono, ser pré-existente à criação do risco, enquanto no crime
de omissão o dever de auxílio é exactamente consequência da situação de risco. Poderá,
contudo, verificar-se uma situação de concurso entre omissão de auxílio e exposição ou
abandono. Assim, no caso de, estando a vítima numa situação descrita no art. 200º CP, o
agente, além de não prestar auxílio, deslocar a vítima para outro local, criando ou
agravando o perigo para a vida da vítima.
48. As agravações
O art. 138º/2 e 3 CP prevê a agravação das molduras legais. Uma primeira agravação
resulta da especial qualidade do agente: ascendente, descendente, adoptante ou adoptado.
Uma segunda agravação reside na agravação da pena por um evento mais grave (crime
praeterintencional). Nestes dois casos (produção da morte ou uma ofensa à integridade
física da vítima) são aplicáveis as regras gerais de agravação da pena (art. 18º CP). De
qualquer modo, decisivo para a verificação do crime praeterintencional é que o resultado
produzido (a morte ou uma ofensa à integridade física grave, nos termos do art. 144º CP)
seja imputável à situação de perigo criado e directamente conexionada com a ausência de
capacidade de defesa por parte da vítima. Verificado um destes resultados, mas em
consequência de uma outra fonte de perigos, o princípio será o de afirmar um concurso
entre crimes e o crime negligente produzido.
[7] Relativamente seguro.
[8] Por mínima que seja.
[9] Face aos novos riscos criados pela exposição e que colocam em perigo a sua vida.
[10] É um crime comum.
[11] Segundo as regras gerais.
[12] De guardar, assistir ou vigiar.
[13] Para a vida da vítima.

DOS CRIMES CONTRA A VIDA INTRA-UTERINA

ABORTO

49. Introdução
Tal como decorre da própria lei, o legislador português adoptou a solução correspondente
ao modelo das indicações. Partindo do princípio da dignidade penal do bem jurídico da
vida intra-uterina, o legislador consagrou situações medicamente indicadas em que este
valor pode ser sacrificado face a outros valores constitucionalmente relevantes. Isto
significa essencialmente que a solução adoptada pelo legislador português se baseia na
impunidade da interrupção da gravidez fundada numa ideia de conflito de valores. A
concretização da solução desse conflito de valores dá-se exactamente pela
regulamentação das indicações[14].
Deste modelo resulta um princípio de punibilidade do crime de aborto, em
correspondência com a ideia de dignidade de protecção, constitucionalmente fundada, da
vida intra-uterina.
50. O bem jurídico
O bem jurídico protegido no crime de aborto é a vida humana intra-uterina. Trata-se de
um bem jurídico autónomo e também eminentemente pessoal. A autonomia do bem
jurídico resulta da consideração de que, no crime de aborto, não está protegida a vida
humana que é protegida nos crimes de homicídio, isto é, a distinção entre o crime de
homicídio e de aborto não é uma mera distinção de objectos da conduta criminosa.
Ao poder-se afirmar que o bem jurídico principal é a vida intra-uterina, resultam daí
imediatamente algumas consequências em termos de definição do objecto de protecção:
tem que estar em causa a vida humana implantada no útero da mãe.
Pode dizer-se, em suma, que o bem jurídico fundamental dos crimes de aborto é a vida
intra-uterina. Mas por forma diversa, intervêm ainda outros bens jurídicos na concreta
conformação típica do crime de aborto, em especial os valores da liberdade e da
integridade da mulher grávida.
51. O tipo objectivo de ilícito
Embora o tipo objectivo de ilícito não o refira expressamente, objecto de crime de aborto
é o feto ou o embrião. O crime de aborto não distingue, para efeitos de punibilidade,
entre feto e embrião, como cientificamente acontece.
O crime de aborto só se pode verificar até ao momento em que não se possa falar mais de
vida intra-uterina e se verifique o início da vida humana para efeitos de tutela penal;
pelo que a morte de uma criança após o início do acto de nascimento deverá ser
equacionada no âmbito dos crimes contra a vida.
A acção tem que consistir em fazer abortar. A expressão utilizada pelo legislador
português não é de todo inequívoca, pois abortar tanto significa expulsar o feto do ventre
materno, como a eliminação do feto. Dada a configuração do tipo legal e o bem jurídico
em causa, parece que o aspecto essencial é o resultado: morte do feto. O crime de aborto
é pois um crime de resultado.
A forma por que se provoca a morte do feto é irrelevante. Tanto pode ser por intervenção
directa sobre o feto como por intervenção indirecta, por actuação sobre a mulher grávida.
Decisivo é que aquela actuação torne o feto incapaz de vida.
O tipo de crime de aborto, como crime de resultado que é, pode também ser cometido por
omissão segundo as regras gerais (art. 10º CP). Saliente-se que o dever de garante recai
sobre a mulher grávida, mas recai também sobre o médico e, eventualmente, sobre o pai.
O crime de aborto assume distintas ilicitudes consoante o agente em causa e consoante a
mulher grávida preste o consentimento ao aborto ou não.
No caso mais grave, o crime pode ser praticado por qualquer pessoa (crime comum),
tanto por um leigo, como por um médico[15], mas sem o consentimento da mulher
grávida. Neste caso, aplicam-se as regras gerais da autoria e comparticipação.
A segunda hipótese é a de se verificar um crime comum, mas em que o aborto é realizado
com o consentimento da mulher grávida. Agente e mulher grávida constitui um factor de
redução do ilícito.
A terceira hipótese é a de ser a própria mulher grávida a realizar o aborto. O art. 140º/3
CP distingue a realização por facto próprio ou por facto alheio. Isto significa que a
realização pela mulher grávida do aborto pode assumir a forma de autoria mediata, co-
autoria ou autoria individual. Por outro lado, a mulher grávida pode, da mesma forma, ser
responsabilizada pelo assentimento dado ao aborto. Naturalmente que, neste caso, para se
verificar o assentimento é irrelevante saber de quem a iniciativa partiu.
52. O tipo subjectivo de ilícito
O crime de aborto tem de ser realizado dolosamente, sendo suficiente o dolo eventual. O
dolo tem evidentemente que se referir também ao resultado: a morte do feto. Este aspecto
pode contribuir para a resolução de problemas atinentes à punibilidade, ou não, do aborto
nas hipóteses de tentativa de suicídio da mulher grávida.
No art. 140º CP vêem consideradas três modalidades de aborto:
1) Aborto consentido: é praticado com o consentimento da mãe (art. 140º/2 CP), neste
tipo legal de crime o consentimento é um elemento positivo do tipo, para estar
preenchido o tipo tem que haver consentimento.
2) Aborto passivo: vem tipificado no art. 140º/1 CP, a diferença é a ausência do
consentimento, é um elemento negativo do tipo. O tipo para estar preenchido é necessário
a ausência do consentimento.
3) Aborto activo: o art. 140º/3 CP refere-se à conduta da mãe, ou ao dar consentimento
que se faça o aborto (o que é por si crime) ou à conduta de ela própria se fazer abortar.
Dar consentimento para praticar o aborto é uma conduta que é crime.
53. As formas especiais do crime
a) Tentativa
Não haverá punibilidade da tentativa seja para terceiro, seja para a mulher grávida – nos
casos em que a mulher grávida tente abortar ou der assentimento a um aborto tentado.
Mantém-se porém, punível a tentativa do crime de aborto mais grave, portanto, sem
consentimento da mulher grávida. Em regra, a tentativa iniciar-se-á com a intervenção
corporal sobre a mulher, em ordem a produzir o aborto. São pensáveis as tentativas
impossíveis e são também aplicáveis as regras gerais da desistência.
b) Comparticipação
A mulher grávida é quase exclusivamente punível como autora. É possível a afirmação
da cumplicidade por um terceiro.
c) Concurso
Uma vez que o bem jurídico protegido pelo crime de aborto é um bem jurídico pessoal, a
pluralidade de abortos implicará por regra a pluralidade de crimes.
As hipóteses de concurso de crimes podem manifestar-se de forma algo complexa nos
casos de aborto sem consentimento. De facto, o preenchimento do art. 140º/1 CP
envolverá necessariamente o preenchimento de crimes contra a integridade física e contra
a liberdade. Aplicar-se-ão aqui as regras gerais para esta forma de concurso de crimes.
No caso do aborto consensual já não serão pensáveis – além dos casos previstos no art.
141º CP – hipóteses de concurso. Eventualmente pode estar associado a crimes como o
de usurpação de funções (art. 358º-b CP) etc.
[14] A indicação médica – em sentido estrito – e em sentido lato; a indicação feteopática
e a indicação criminológica.
[15] Se não se verificar uma das indicações previstas no art. 142º CP.

ABORTO AGRAVADO
54. O crime de aborto agravado pelo resultado (art. 141º/1 CP)
O fim protectivo da norma é facilmente perceptível: agravar a punição por abortos
realizados em situação de particular risco para a vida e integridade física da mulher
grávida. É indiscutivelmente um caso praeterintencional, resultante da combinação entre
um crime fundamental doloso (o crime de aborto, art. 140º/1 e 2 CP) e um evento
agravante (a morte ou a ofensa à integridade física da mulher) que, nos termos gerais do
art. 18º CP deve ser imputado a título de negligência.
55. O tipo de ilícito
Pressupostos de realização do tipo legal de aborto agravado é, em primeiro lugar, a
realização de um crime de aborto pelo agente, podendo este ser realizado com ou sem
consentimento da mulher grávida.
Deve fazer-se notar que, a despeito de alguma equivocidade na descrição típica, o crime
de aborto tem de ser consumado, ou seja, tem de verificar-se a morte do feto. De facto,
embora o tipo legal refira o aborto ou os meios empregues, a verdade é que a pena
(agravada) é aplicável “àquele que a fizer abortar”. Assim a circunstância (o evento)
agravante pode estar associada aos meios utilizados, mas tem de verificar-se sempre um
aborto.
É necessário que do aborto ou dos meios nele empregues resulte um evento agravante: a
morte ou a ofensa à integridade física grave da mulher grávida. Para ambos os casos o
evento tem de ser imputado a título de negligência. O agente tem de cometer pela forma
descrita um homicídio negligente (art. 137º CP) ou uma ofensa à integridade física grave
por negligência (art. 148º/3 CP).
56. As formas especiais do crime
a) Tentativa
É possível a tentativa do crime de aborto agravado quando se tiver verificado um dos
eventos agravantes em razão dos meios empregues, não se verificando, porém, o aborto;
mas só é possível a tentativa, no caso do art. 141º/1 CP, havendo tentativa do crime
fundamental doloso com verificação do evento agravante.
b) Comparticipação
É admissível nos termos gerais em que esta é admissível nos crimes praeterintencionais.
As duas únicas excepções residem em que não é punível a comparticipação da mulher
grávida (sob qualquer forma), nem é concebível a cumplicidade, para este tipo de crime,
quando o aborto tenha sido realizado pela própria mulher grávida.
c) Concurso
Uma vez que o crime praeterintencional constitui uma derrogação às regras do concurso
de crimes, não se colocam quaisquer problemas, em geral, de concurso. A situação mais
corrente de concurso será eventualmente com as outras circunstâncias agravantes do
aborto, previstas no art. 141º/2 CP.
57. Agravação por habitualidade ou intenção lucrativa na prática de aborto punível (art.
141º/2 CP)
A primeira circunstância agravante é constituída pelo facto de o agente se dedicar
habitualmente à prática do aborto punível.
Para que se verifique a habitualidade é necessário que o agente tenha praticado, pelo
menos, dois factos que estejam por qualquer forma entre si conexionados. No direito
português o conceito de habitualidade estava sobretudo ligado aos crimes contra o
património.
A segunda circunstância agravante é o facto de o agente actuar com intenção lucrativa. O
ânimo do lucro coincide, neste contexto, com o enriquecimento e significa o propósito de
melhoramento, por qualquer forma, da situação patrimonial tal como decorre do elemento
intenção, é necessário que o agente actue com dolo previsto no art. 141º/1 CP, não sendo
necessário que o lucro seja o motivo principal, nem, evidentemente, que o agente obtenha
a melhoria da situação patrimonial.

INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ NÃO PUNÍVEL


58. A indicação médica (ou terapêutica) em sentido estrito
A interrupção da gravidez encontra-se justificada nos termos do art. 142º/1-a CP. A
interrupção tem de constituir não um meio simplesmente possível ou (e) adequado, não o
meio porventura mais pesado, física ou (e) psicologicamente, para a grávida, mas o único
meio de tutela dos valores ou interesses tipicamente protegidos, em suma, um meio sem
alternativa. É preciso que o perigo não seja removível de outro modo.
Necessário se torna, em segundo lugar, que a interrupção se revele indispensável não
simplesmente para evitar, mas para remover o perigo. É preciso por isso que o perigo seja
actual e não meramente potencial, que ele se encontre já “instalado” no momento em
que a intervenção tem lugar.
O perigo existente tem, por outro lado, de dizer respeito à vida ou ao corpo ou à saúde
física ou psíquica da mulher grávida.
Indispensável é ainda que o perigo se refira a uma lesão grave e irreversível do corpo ou
da saúde, devendo ter-se em atenção que estes requisitos são cumulativos e não
alternativos.
Verificada a existência de uma indicação médica em sentido estrito, a interrupção pode
ser levada a cabo em qualquer momento temporal de evolução da gravidez.
59. A indicação médica (ou terapêutica) em sentido lato
A interrupção de uma gravidez pode ser justificada, em segundo lugar nos termos do art.
142º/1-b CP. Há aqui um alargamento dos limites da indicação médica ou terapêutica.
Para além de se requerer que seja grave, não se exige aqui o carácter irreversível da lesão
do corpo ou da saúde mas sim que ela seja duradoura.
60. A indicação embriopática ou de fetopática
Encontra-se justificada no art. 142º/1-c CP. Exige-se, que recaía um juízo de previsão
fundada em motivos seguros. Esta previsão não pode deixar de ser medicamente
fundada.
À verificação da indicação torna-se necessário que o juízo de previsão se dirija a uma
doença grave ou malformação congénita incurável, isto é, a uma lesão do estado de
saúde que ou deixa ao nascituro pequenas hipóteses de sobrevivência ou lhe causa danos
irreparáveis físicos ou psíquicos.
61. A indicação criminal
Encontra-se justificada no art. 142º/1-d CP. Sérios indícios têm o significado de crença
fundada que o médico deve inquirir acerca de a mulher ter sido vítima de crime sexual e
deste ter resultado a gravidez.
62. Pressupostos comuns da justificação relativos à intervenção
O primeiro dos pressupostos é que ela seja “efectuada por um médico ou sob a sua
direcção” (art. 142º/1, 1ª parte CP). A razão de ser desta exigência é claramente a de, no
interesse da grávida, afastar a possibilidade de a interrupção ser feita por qualquer pessoa
não completa e oficialmente capacitada para levar a cabo diagnósticos e intervenções
médicas particularmente melindrosas.
O segundo pressuposto é o de que a interrupção tenha lugar “em estabelecimento de
saúde oficial ou oficialmente reconhecido” (art. 142º/1, 2ª parte CP). Ainda aqui se trata
principalmente de proteger o interesse da grávida assegurando-lhe um serviço que dê
garantias de qualidade e de responsabilização.
Um terceiro pressuposto é o de que a indicação se verifique “segundo o estado dos
conhecimentos e da experiência da medicina”.
63. Pressupostos comuns de justificação relativos ao consentimento
A interrupção da gravidez deve ter lugar “com o consentimento da mulher grávida” (art.
142º/1, 3ª parte CP).
Especialidades relativamente ao consentimento geral existem desde logo em matéria de
capacidade. Com efeito, capaz de consentir não é a mulher de 14 anos que possua o
discernimento necessário para avaliar o seu sentido e alcance; capaz de consentir é só a
mulher de 16 anos ou mais que seja psiquicamente capaz (art. 142º/3-b, 1ª parte CP).
Se a mulher for incapaz o consentimento é prestado “respectiva e sucessivamente,
conforme os casos pelo representante legal, por ascendente ou descendente ou, na sua
falta por quaisquer parentes da linha colateral” (art. 142º/3-b, 2ª parte CP).
64. Justificação da interrupção sem consentimento
A lei renúncia à exigência de consentimento da grávida como condição de justificação
(art. 142º/4 CP) no pressuposto da verificação cumulativa de dois pressupostos:
1) Que não seja possível obter o consentimento nos termos do art. 142º/1; e
2) Que a efectivação da interrupção se revista de urgência.
Não é possível obter o consentimento, relativamente a mulher maior de 16 anos e
psiquicamente capaz (art. 142º/3-a CP) se aquela se não encontrar em estado de poder
exprimir ou transmitir validamente a sua vontade.
A efectivação da interrupção é urgente quando o seu retardamento representa a criação
ou potenciação de um risco para os interesses que a lei tem em vista proteger ou permitir
a interrupção.
A decisão sobre a urgência pertence ao médico e deve ser encontrada tendo em atenção o
estado dos conhecimentos e da experiência da medicina.
65. Conhecimento da (e erro sobre a) justificação
Como em geral, também aqui o agente precisa de actuar no conhecimento dos
pressupostos de que depende a justificação. Se os não conhece, o agente deve ser punido
pelo art. 140º CP; se a título de aborto consumado, ou apenas tentado por aplicação
analógica do disposto no art. 39º/4 CP é questão que deve considerar-se não assumir aqui
qualquer especialidade relativamente à solução que se defenda, em geral, para as causas
de justificação.
Também se deve afirmar que o disposto no art. 16º/2, 1ª parte CP (“o erro sobre um
estado de coisas que, a existir, excluiria a ilicitude do facto…” exclui o dolo – e aqui a
punição) tem plena aplicação nestas hipóteses. Particularmente importante será verificar
se é efectivamente de um tal erro que se trata, ou se diferentemente o erro versa sobre o
âmbito ou os limites da justificação; neste último caso, como se sabe, o erro não constitui
um erro que exclui o dolo, nos termos do art. 16º/2 CP, mas sim um erro que só pode
revelar pela via da falta de consciência do ilícito, nos termos do art. 17º CP.

DOS CRIMES CONTRA A INTEGRIDADE FÍSICA

OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA SIMPLES

66. Generalidades
O crime de ofensa à integridade física simples surge como o tipo legal fundamental em
matéria de crimes contra a integridade física. É a partir da “ofensa ao corpo ou à saúde
de outrem” que se deixa constituir uma série de variações qualificadas, como ofensa à
integridade física grave (art. 144º CP), agravada pelo resultado (art. 145º CP), qualificada
(art. 146º CP), privilegiada (art. 147º CP) e por negligência (art. 148º CP). De realçar a
similitude entre a forma como passam a ser estruturados no Código Penal os crimes
contra a integridade física e contra a vida.
67. O bem jurídico
O bem jurídico protegido é a integridade física da pessoa humana.
Relativamente ainda ao conceito de integridade física e ao seu conteúdo cabe não perder
de vista que se, por um lado, não lhe deverá reconhecer uma amplitude excessiva, que
possa contender inclusivamente com a protecção dispensada a outros bens jurídicos pelo
Código Penal, por outra banda, é inegável que certas lesões do corpo ou da saúde, certos
“maus-tratos físicos”, acarretam necessariamente consigo consequências psíquicas, e que
é de considerar como lesão da saúde o abalo psicológico de certa gravidade.
Trata-se de um crime material e de dano. O tipo legal em análise abrange com efeito um
determinado resultado que é a lesão do corpo ou da saúde de outrem, fazendo-se a
imputação objectiva deste resultado à conduta ou omissão do agente de acordo com as
regras gerais. Está-se também perante um tipo legal de realização instantânea, bastando
para o seu preenchimento a verificação do resultado descrito.
68. O tipo objectivo de ilícito
A lei distingue duas modalidades de realização do tipo:
a) Ofensas no corpo;
b) Ofensas na saúde.
Muitas das vezes haverá coincidência entre estas duas formas de realização do tipo.
O tipo legal do art. 143º CP fica preenchido mediante a verificação de qualquer ofensa
no corpo ou na saúde, independentemente da dor ou sofrimento causados, ou de uma
eventual incapacidade para o trabalho.
Por ofensa no corpo poder-se-á entender “todo o mau trato através do qual o agente é
prejudicado no seu bem-estar físico de uma forma não insignificante”.
Objecto da acção é o corpo humano. Contemplam-se aqui unicamente “ofensas contra o
físico ou contra a parte corporal do homem”. O elemento típico “corpo” é ainda
susceptível de abranger próteses quando estas se encontrem ligadas à pessoa com carácter
de permanência.
A ofensa ao corpo não poderá ser insignificante. Sob o ponto de vista do bem jurídico
protegido não será de ter como relevante a agressão e ilícito o comportamento do agente,
se a lesão é diminuta. A apreciação da gravidade da lesão não se deve deixar fundar em
motivos e pontos de vista pessoais do ofendidos, necessariamente subjectivos e
arbitrários, antes deverá partir de critérios objectivos, se bem que não perdendo
totalmente de vista factores individuais.
Como lesão da saúde deve considerar-se “toda a intervenção que ponha em causa o
normal funcionamento das funções corporais da vítima, prejudicando-a”. É de
considerar como lesão da saúde, em primeiro lugar, a criação de um estado de doença,
seja através de uma infecção, do contágio de uma doença sexualmente transmissível, ou
por qualquer outra via.
Objecto da agressão é apenas empregando a expressão utilizada pelo legislador no art.
143º CP, “outra pessoa”. As chamadas auto-lesões não são puníveis como ofensa à
integridade física.
O preenchimento do tipo legal, tanto pode ter lugar por acção como por omissão quando
sobre o omitente recaía um dever jurídico que pessoal o obrigue a evitar o resultado
(dever jurídico de garante – art. 10º CP).
69. O tipo subjectivo de ilícito
O tipo legal do art. 143º CP exige o dolo em qualquer das suas modalidades (art. 14º CP).
O dolo de ofensa à integridade física refere-se às ofensas no corpo ou na saúde do
ofendido. A motivação do agente é irrelevante sob este ponto de vista, embora possa ser
tida em conta para efeitos de determinação da medida da pena.
Em matéria de erro sobre o tipo são aqui pensáveis várias situações, todas elas no entanto
recondutíveis às soluções vertidas pelo legislador no art. 16º CP.
70. Causas de justificação
O consentimento funciona aqui como uma verdadeira e própria causa de exclusão da
ilicitude, uma vez que, não obstante reconhecido o valor da autonomia do titular do bem
jurídico e penalmente tolerada a conduta, está em causa uma manifestação de danosidade
social que a ordem jurídica não pode ser indiferente.
O consentimento em causa tanto pode ser expresso (art. 38º CP) como presumido (art. 39º
CP).
71. As formas especiais do crime
a) Tentativa
O crime de ofensa à integridade física simples não é punível no estádio da tentativa. De
facto, o limite mínimo previsto para a punibilidade da tentativa (art. 23º CP) não é
atingido pela moldura penal do art. 143º CP que tem como limite máximo os três anos.
b) Comparticipação
É um crime individual, pelo que se aplicam as regras gerais sobre a comparticipação
criminosa.
c) Concurso
Encontram-se em concurso legal ou aparente com o tipo legal de ofensa à integridade
física simples os tipos legais de crime correspondentes aos arts. 144º, 145º, 146º, 147º e
148º CP. Da mesma forma mostra-se passível de excluir a aplicação do art. 143º CP, desta
feita em virtude de interceder entre os respectivos tipos legais uma relação de
consunção, a participação em rixa (art. 151º CP), os maus-tratos ou sobrecarga em
menores, de incapazes ou do cônjuge (art. 152º CP), a coacção (art. 154º CP), o roubo
(art. 210º CP). Pode haver concurso efectivo com o crime de difamação (art. 180º CP),
violação de domicílio (art. 190º CP), violação (art. 164º CP), ameaça (art. 153º CP) entre
outros.
Bastante discutida tem sido a questão do concurso entre os crimes de homicídio (art. 131º
CP) e de ofensa à integridade física. O problema não terá grande relevância sempre que o
homicídio venha a consumar-se, pois que aqui funcionam as regras gerais do concurso
aparente sob a forma da relação de subsidiariedade. Diferente será a situação se se
consuma o crime de ofensa à integridade física, tendo lugar ao mesmo tempo uma
desistência da tentativa relevante em relação ao crime de homicídio. Neste caso deve
punir-se o agente pelo crime doloso, na medida em que o dolo de homicídio parece conter
em si o dolo de ofensa à integridade física (aquele que pretende matar outrem tem que
ferir, envenenar, ou por outra forma lesar a integridade física de outrem). Envereda-se
assim pela aceitação de uma relação de subsidiariedade entre o tipo legal de ofensa à
integridade física e o de homicídio, independentemente de em relação a este último se ter
agido com dolo eventual ou outro qualquer tipo de dolo.

OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA GRAVE


72. Generalidades
O crime de ofensas à integridade física grave surge, em termos latos, como um delito
qualificado pelo resultado, que apresenta, precisamente pelo resultado a que conduz,
uma ilicitude mais grave do que a corresponde ou subjaz ao tipo de ilícito fundamental,
ofensas à integridade física simples. Não assume qualquer relevância o meio pelo qual o
resultado qualificado foi atingido.
73. O tipo objectivo de ilícito
Em causa terá que estar uma ofensa ao corpo ou saúde de outrem.
É susceptível de constituir uma ofensa à integridade física grave a conduta do agente que
“privar outrem de importante órgão ou membro ou que o desfigurar grave e
permanentemente”. Por órgão deve considera-se “toda a parte ou componente de um
corpo organizado, que tem uma função particular”. Membro será, toda a parte do corpo
com ele relacionada exteriormente através de articulações. Desfiguração está aqui em
causa uma alteração substancial da aparência do lesado. Terá de ser além disso
permanente. A permanência não vale aqui como exigência de perpetuidade, mas apenas
pretende significar que os efeitos da lesão sofrida são duradoiros, sendo previsível que
perturbem por um período de tempo indeterminado.
74. O tipo subjectivo de ilícito
O dolo tem que abranger não só o delito fundamental, como as consequências que o
qualificam. O dolo eventual é suficiente. Relativamente ao art. 144º-d CP, exige-se o
conhecimento das circunstâncias que tornam o comportamento perigoso sob o ponto de
vista do bem jurídico protegido (neste caso, a vida), não se tornando necessário a vontade
da lesão efectiva do mesmo bem jurídico.
75. As causas de justificação
Assume aqui particular relevo como causas de justificação o consentimento do ofendido,
colocando-se questões particulares como o da sua eficácia em relação a tratamentos
médicos que não assumem, pela sua novidade, o carácter de intervenção curativa, no
sentido do art. 150º CP, o da possibilidade de consentir numa dádiva de órgãos que vem a
beneficiar terceiros.
76. As formas especiais do crime
a) Tentativa
É possível e punível nos termos do art. 23º CP. Terá lugar sempre que o agente actua em
relação ao resultado (ofensa à integridade física grave) pelo menos com dolo eventual. É
indiferente sob esse ponto de vista se se assuma ou não o crime fundamental de ofensa à
integridade física simples (art. 143º CP). Acerca de todas aquelas situações em que o
crime projectado inicialmente vem a dar lugar a um resultado mais grave, por exemplo,
morte, art. 145º CP.
b) Concurso
O crime de ofensas à integridade física do art. 144º CP, cede sempre na sua aplicação
face aos tipos legais qualificados dos arts. 146º e 147º CP. Ofensas à integridade física
grave pode ter tido lugar negligentemente, caso em que encontrará aplicação a moldura
penal prevista no art. 148º/3 CP. Relativamente ao crime fundamental descrito no art.
143º CP tem aqui lugar um concurso aparente sob a forma de uma relação de
especialidade, pelo que a ofensa à integridade física simples determinar-se-á em via
residual.
Também poderá existir concurso aparente com o tipo legal dos arts. 151º CP (participação
em rixa), 158º/2-b) ou e) (sequestro), 160º/2-b (tomada de reféns), 210º (dano com
violência), 239º (genocídio), 241º (crimes de guerra contra civis), 244º (tortura e outros
tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos graves), 321º-b (mutilação para isenção de
serviço militar), entre outros.

AGRAVAÇÃO PELO RESULTADO


77. Generalidades
Está-se perante um delito qualificado pelo resultado que se caracteriza por uma especial
combinação de dolo e negligência[16]. O delito fundamental doloso é por si só
susceptível de punição, no entanto a pena é substancialmente elevada com base numa
especial censurabilidade do agente, uma vez que o perigo específico que envolve esse
comportamento se concretiza num resultado agravante negligente.
78. O bem jurídico
Através deste tipo legal protege-se a integridade física e a vida, uma vez que a não
existir essa disposição a punição seria feita através das regras do concurso, o que
implicaria a consideração autónoma e diferenciada dos dois bens jurídicos. Existe uma
punição agravada em relação aos dois crimes que pressupõe bens jurídicos distintos.
79. O tipo objectivo de ilícito
As condutas previstas por este tipo legal são as que correspondem ao preenchimento dos
tipos legais de lesões à integridade física simples e de lesões à integridade física graves.
O comportamento lesivo da integridade física tanto se pode traduzir numa acção, como
numa omissão; ponto é, que nesta última hipótese, recaía sobre o agente um dever
jurídico de garante.
80. O tipo subjectivo de ilícito
A lesão da integridade física tem que ter sido praticada a título doloso (o dolo eventual é
suficiente).
Em relação ao resultado morte deve o agente ter actuado pelo menos com negligência. A
questão que se coloca é a de saber se o evento agravante pode ter sido dolosamente
produzido. Embora genericamente esta combinação crime fundamental doloso-evento
agravante doloso possa ser uma possibilidade de acordo com a regra geral do art. 18º CP,
a solução mais acertada neste caso consiste em proceder à punição do agente de acordo
com as normas do concurso legal ou aparente de crimes, vale dizer, por homicídio doloso
consumado.
81. As causas de justificação
Relativamente ao consentimento do ofendido valem inteiramente as regras gerais (arts.
38º e 149º CP). Assim, onde o resultado último da conduta do agente é a morte, e dada a
natureza indisponível do bem jurídico em causa, a antinomia do titular do bem jurídico
não é relevante, vale dizer que o consentimento não se mostra susceptível de dirimir a
ilicitude. O ofendido poderá pois permitir a lesão da sua integridade física, e estar-se sob
essa perspectiva das coisas perante uma disposição relevante, mas cuja eficácia
justificativa cede onde intervém o resultado mortal.
82. As formas especiais do crime
a) Tentativa
A punibilidade da tentativa não é compatível com o que vem de afirmar-se, uma vez que
a verificação do resultado agravante supõe sempre a consumação do crime fundamental
doloso (ofensas à integridade física simples ou grave). Isto porquanto só uma vez
consumado este crime é que se poderá avaliar o perigo específico que aí se encerra para
posterior imputação do evento agravante. Se este tem lugar independentemente da
verificação da lesão dolosa ganha autonomia como crime negligente.
b) Comparticipação
Os comparticipantes serão punidos de acordo com a moldura praeterintencional sempre
que tiverem a consciência de que a ofensa estava ligado um perigo típico, perigo esse que
se podia concretizar num homicídio ou em ofensas à integridade física graves.
c) Concurso
Poderá haver concurso efectivo com o art. 200º CP se o agressor, além ter causado a
morte ou as ofensas à integridade física graves, omitiu as medidas necessárias para o
afastamento do perigo para a vida ou a integridade física do ofendido e que poderia tomar
sem grave risco para si. O dolo do agente, ainda que eventual, abrange a morte da vítima,
passará a existir concurso legal ou aparente entre esta disposição e os arts. 131º ou 132º
CP. Inversamente o homicídio negligente previsto no art. 137º CP é consumido pelo art.
145º CP.
[16] Crime praeterintencional.

OFENSAS À INTEGRIDADE FÍSICA QUALIFICADA


83. Fundamento e âmbito de aplicação do tipo qualificado
Repousa este tipo legal no mesmo pensamento que presidiu à construção do tipo legal de
homicídio qualificado (art. 132º CP), ou seja, a ideia de “uma especial censurabilidade
ou perversidade do agente”.
A aplicação deste art. 146º CP e o funcionamento da qualificação que aqui se prevê
supõem a verificação de uma lesão da integridade física simples (art. 143º CP), grave (art.
144º CP), ou a ocorrência de um dos resultados que nos termos do art. 145º CP são
susceptíveis de conduzir a uma agravação da responsabilidade do agente.
Além da verificação de qualquer destes resultados, necessário se torna que a conduta do
agente revele uma censurabilidade acrescida, uma “especial censurabilidade ou
perversidade”, para utilizar a expressão do legislador no art. 146º/1 CP, e que se mostra
susceptível de decorrer de uma das circunstâncias previstas no art. 132º/2 CP, entre
outras.
84. O tipo de culpa
Todas as circunstâncias referentes no art. 132º/2 CP são relativas à culpa, e é feita a
gravidade desta culpa assim indiciada que justifica, ou deixa fundar, a agravação de que
fala o art. 146º/1 CP. E esta última proposição é certa, quer enveredemos pela
caracterização destas circunstâncias como elementos da culpa, quer consideremos que
todas estas circunstâncias dizem respeito ao tipo de ilícito, uma vez que mesmo
sufragando esta última posição se terá que reconhecer que não basta o grau mais grave do
ilícito, é necessário que este reflicta uma especial censurabilidade do agente, vale dizer,
uma atitude não conforme com os valores fundamentais defendidos pelo ordenamento
jurídico-penal.
O crime de ofensa à integridade física qualificada apenas é punível a título de dolo; o
dolo eventual é suficiente.
85. As formas especiais do crime
a) Tentativa
A tentativa deste crime é punível sempre que o agente pratica actos de execução do crime
de ofensa à integridade física, sem que este chegue a consumar-se, em circunstâncias
susceptíveis de revelar especial censurabilidade. Será todavia necessário que em causa
estejam lesões da integridade física graves, uma vez que a moldura penal prevista para as
lesões da integridade física simples não admite a punição da tentativa, e, por outra banda,
afasta-se a consideração da tentativa relativamente ao crime praeterintencional do art.
145º CP.
b) Comparticipação
A qualificação das lesões da integridade física deixa-se fundar numa maior censura do
agente, ou seja, é ao fim ao cabo um problema de maior culpa. Assim sendo, em caso de
comparticipação encontra aplicação no art. 29º CP e não o art. 28º CP, sendo cada
comparticipante punido segundo a sua culpa.
c) Concurso
Verificando-se simultaneamente as circunstâncias objectivas de que depende a
qualificação (art. 146º CP), ou o privilegiamento (art. 147º CP), da ofensa à integridade
física tem plena aplicação as referencias ao homicídio privilegiado.

OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA PRIVILEGIADAS


86. Fundamento e âmbito de aplicação do tipo privilegiado
A aplicação deste art. 147º CP coloca ao juiz duas diferentes questões: a primeira
relacionada com o âmbito de aplicação desta disposição e com a análise dos seus
pressupostos; a segunda, uma vez que se tenha enveredado pela aplicação do tipo
privilegiado, com a atenuação especial da pena, a levar a cabo de acordo com as regras
gerais nesta matéria.
87. As formas especiais do crime
A não ser que se trate de lesões da integridade física enquadráveis no art. 143º CP a
tentativa deste crime é possível e punível.
Está-se nestes casos perante um concurso de circunstâncias modificativas atenuantes,
sendo à partida de admitir o funcionamento sucessivo de cada uma delas.

OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA POR NEGLIGÊNCIA


88. O bem jurídico
É intenção do legislador proteger aqui a integridade física da pessoa viva contra ataques
negligentes, pelo que o bem jurídico protegido é idêntico ao que subjaz aos tipos dolosos
de ofensas à integridade física.
89. O tipo objectivo de ilícito
Está-se perante um tipo legal de resultado, que se analisa em concreto na prática de
ofensas à integridade física simples ou graves.
Acerca das condutas que integram cada um destes tipos legais de crime (arts. 143º e 144º
CP). O tipo legal tanto pode ser preenchido por acção como por omissão, desde que,
neste último caso, se possa afirmar em relação ao agente a existência de um dever
jurídico que pessoalmente o obrigue a evitar o resultado (art. 10º/2 CP).
A lesão da integridade física terá que ser objectivamente imputada à conduta (ou
omissão) do agente. O que supõe, pelo menos no caso de comportamento negligentes, a
violação de um dever objectivo de cuidado.
É preciso ainda ter em conta aquelas situações em que, não tendo o agente respeitado o
deve objectivo de cuidado que sobre ele impendia, vem a causar um resultado que
provavelmente se produziria de igual modo se se tivessem observado todas as cautelas
impostas pela ordem jurídica.
Não parece todavia ser de excluir a imputação do resultado ao agente em todo e qualquer
caso em que provavelmente ele viria a verificar por outra via, como defende a teoria da
evitabilidade (há cuidados que têm que ser observados mesmo com probabilidade não
evitem o resultado), mas apenas naqueles casos em que a violação do dever de cuidado
não traduza uma potenciação do risco relativamente ao comportamento esperado e
exigido pela ordem jurídica (teoria da potenciação do risco).
Se desta forma (apurando o âmbito de protecção da norma, risco permitido,
comportamentos alternativos conforme ao direito, princípio da confiança) se afastam
todas aquelas situações em que o resultado não se deixa associar, sob um ponto de vista
normativo, à violação do dever de cuidado, nem por isso deixa de ser necessário recorrer
a um princípio de adequação para proceder à imputação do resultado produzido à conduta
do agente. Fala-se assim de previsibilidade objectiva, sendo de imputar ao agente a lesão
do bem jurídico sempre que esta surgir como uma consequência previsível e normal da
violação do dever de cuidado.
90. O tipo subjectivo de ilícito
Para que se possa punir o agente por ofensa à integridade física negligente é necessário
que este se encontre em condições de reconhecer as exigências de cuidado que lhe dirige
a ordem jurídica e de as cumprir. Trata-se de uma medida individual, subjectiva, aferida
de acordo com as suas possibilidade e capacidades concretas e que, em certos casos,
poderá revelar-se susceptível de afastar a responsabilidade penal.
É necessário ainda que ao agente fosse possível actuar de outro modo.[17].
91. As formas especiais do crime
a) Tentativa
De acordo com o art. 22º CP, há tentativa quando “o agente pratica actos de execução de
um crime que decidiu cometer”. Ao incorporar por esta via na tentativa um elemento
subjectivo, afastou-se a consideração deste instituto em relação aos crimes negligentes.
Rejeitou-se a construção da tentativa como mero “perigo para os bens jurídicos
tutelados”, concebido de forma geral e objectiva, e independentemente do seu
reconhecimento por parte daquele que actua[18], para assim se optar por uma construção
dualista da tentativa, ligada a um particular tipo de culpa que exclui a negligência.
b) Comparticipação
Se bem que o domínio do facto ainda esteja remotamente presente na negligência
consciente, não é por apelo a esta teoria que se deixa caracterizar a autoria nos crimes
negligentes, mas sim através da violação do dever jurídico de cuidado, que recai sobre o
agente.
c) Concurso
Intercede entre este tipo legal e a disposição sobre o roubo um concurso legal ou
aparente, sob a forma de uma relação de consumação, sendo de punir o agente através do
art. 210º CP. Entre o art. 148º CP e o art. 200º CP, bem como o art. 259º CP, pode-se
afirmar um concurso efectivo de crimes, sendo por conseguinte, de aplicar as regras
gerais sobre o concurso.
[17] Exigibilidade de um comportamento conforme à ordem jurídico-penal.
[18] Tentativa enquanto tipo de ilícito.

CONSENTIMENTO
92. Generalidades
Em rigor, este preceito não seria indispensável, tendo em conta o regime geral do
consentimento previsto nos arts. 38º e 39º CP. Este é, de resto, um dos aspectos que
singulariza o Direito Penal em matéria de consentimento: a previsão de um regime geral
da figura, no contexto da disciplina das derimentes gerais. A tendência do direito
comparado é para inscrever o consentimento como uma causa de justificação
exclusivamente associada às ofensas corporais e, por vias disso, arrumada no capítulo
correspondente da parte especial do Código Penal.
93. Tipicidade e ilicitude
Trata-se seguramente de uma causa de justificação.
A existência de um consentimento justificante, no contexto de um paradigma dualista da
concordância do portador concreto, pressupõe naturalmente o preenchimento da
factualidade típica das ofensas corporais. E tanto do tipo objectivo como do tipo
subjectivo. O art. 149º CP não se aplica, por isso, a factos ou eventos que, contendo
embora com a integridade física ou a saúde, não configurem, todavia, ofensas corporais
típicas.
94. Objecto do consentimento
À semelhança do que, em geral, acontece em relação às ofensas corporais se põe, com
particular relevo doutrinal e pragmático, o problema do objecto do consentimento. E
também aqui tem de se subscrever a resposta sustentada pela opinião dominante. No
sentido de que o consentimento tem de abranger cumulativamente:
a) O resultado lesivo, já pelo seu relevo como dimensão do ilícito penal e como referente
de segurança e estabilização do intersubjectiva; já, sobretudo, porquanto o poder de
controlo sobre o resultado, como expressão concreta da lesão e da renúncia à tutela penal,
é um elemento irredutível no regime do consentimento enquanto estatuto jurídico-penal
da autonomia do portador concreto do bem jurídico.
b) A acção entendida como a identificação do agente e a determinação das pertinentes
circunstâncias de tempo, lugar, etc.
95. Vícios da vontade
Para ser eficaz o consentimento tem de ser “livre e esclarecido” (art. 38º/2 CP). Por vias
disso, o consentimento nas lesões corporais pressupõe normalmente um dever de
esclarecimento ainda mais exigente do que o consagrado (art. 157º CP) para as
intervenções médico-cirúrgicas. Além do mais, porquanto aqui não intervém nem faz
sentido a invocação de qualquer limite correspondente ao chamado privilégio
terapêutico, previsto para as intervenções médico-cirúrgicas (art. 157º CP).
Deve considera-se ineficaz o consentimento em dois grupos de casos:
1º Erro sobre a finalidade altruística;
2º Situação análoga à do direito de necessidade.
Apesar de tudo, é o erro espontâneo não dolosamente provocado, que suscita as maiores
divergências. Descontada a orientação tradicional, propensa a dar relevância a todo o
erro, perfilam-se duas correntes divergentes.
A primeira privilegiando a posição do agente (e destinatário da declaração do
consentimento) e, por vias disso, considerando irrelevante o erro, salvo duas excepções:
a) Quando o erro é conhecido do agente, que dele se aproveita;
b) Quando sobre o agente impende o dever jurídico de esclarecer o ofendido.
A segunda entende, pelo contrário, que “o problema da origem do erro, saber se ele foi
fraudulentamente provocado ou ficou a dever-se a outra razão, não tem significado para
a eficácia do consentimento”. Por vias disso, estende a tese da invalidade do
consentimento a todo o erro referido ao bem jurídico, mesmo espontâneo. O que significa
tornar relevante o chamado erro na declaração e o erro sobre o conteúdo.
96. Bons costumes
A lei portuguesa exige os “bons costumes” em limite e eficácia do consentimento. O
intérprete e aplicador do direito acabarão, assim, por se confrontar com as dificuldades
conhecidas da experiência jurídico-penal comparatística.
Um dado, à partida, avulta como líquido: à vista da sua indeterminação e dos pertinentes
comandos constitucionais (legalidade/determinabilidade), a cláusula dos bons costumes
terá de ser interpretada restritivamente. De resto, não se trata de fazer depender a
validade do consentimento da conformidade com os bons costumes. O que tem de se
provar é, antes, que o facto contraria os bons costumes, devendo superar-se a favor do
arguido – isto é: da validade do consentimento – os casos de dúvida.
Para além disso, parece igualmente pacífico que o referente dos bons costumes é o facto –
a lesão da integridade física – e não o consentimento em si.
Antes de uma definição positiva de bons costumes, uma aproximação pela negativa, que
se projecta em duas conclusões decisivas:
a) Ao contrário do entendimento dominante durante um logo período, a cláusula dos bons
costumes não pode abrir porta à punição de lesões corporais (consentidas) em nome da
sua imoralidade;
b) Em segundo lugar, os bons costumes não podem sustentar a punibilidade de lesões
corporais consentidas só porque preordenadas à prática de condutas ilícitas, mesmo
criminalmente ilícitas.
Pela positiva, a fronteira dos bons costumes passa pela distinção entre ofensas ligeiras e
graves. Precisamente a divisória subjacente à separação entre os arts. 143º e 144º CP e,
por vias disso, entre os crimes semi-públicos e públicos. “Feitas todas as contas, parece
ser o carácter grave e irreversível da lesão que deve servir para integrar,
essencialmente, embora não só, a cláusula dos bons costumes”. No sentido de que as
lesões ligeiras escaparão, em princípio, à censura dos bons costumes. Só não será assim
nos casos excepcionais em que a lesão consentida viola uma expressa proibição legal
directamente referida ao bem jurídico típico das ofensas corporais, isto é, ditada pelo
propósito de proteger a integridade física.
O quadro é radicalmente outro do lado das ofensas graves e irreversíveis, que, por via de
regra, serão contrárias aos bons costumes. Só não será assim nos casos em que a lesão
esteja ao serviço de interesses de superior e inquestionável dignidade, reconhecida pela
ordem jurídica.

INTERVENÇÕES E TRATAMENTOS MÉDICO-CIRÚRGICOS


97. Generalidades
O art. 150º CP deve ser lido numa relação de integração sistemática e de
complementaridade normativa com os arts. 156º CP (intervenções e tratamentos
médico-cirúrgicos arbitrários) e 157º CP (dever de esclarecimento). Três preceitos que,
no seu conjunto, dão corpo positivado ao regime jurídico-penal das intervenções e
tratamentos médico-cirúrgicos. Trata-se, resumidamente, de um regime que se analisa em
dois enunciados fundamentais: em primeiro lugar, a proclamação da atipicidade das
intervenções médico-cirúrgicas na direcção dos crimes de ofensas corporais e de
homicídio; em segundo lugar, a punição dos tratamentos arbitrários como um autónomo e
especifico crime contra a liberdade.
O art. 150º CP ganha um duplo alcance normativo:
a) Por um lado, cabe-lhe dar expressão normativa à decisão político-criminal de excluir
as intervenções médico-cirúrgicas do alcance das incriminações das ofensas corporais;
b) Por outro lado, cabe-lhe definir o sentido e alcance do conceito jurídico-penal de
intervenção médico-cirúrgica, e, por vias disso, delimitar a área problemática coberta
pelo regime jurídico-penal das intervenções médico-cirúrgicas.
98. A definição legal e os critérios da atipicidade
O enunciado da lei portuguesa – “não se consideram ofensa à integridade física” – é
unívoco no sentido da atipicidade das intervenções médico-cirúrgicas na perspectiva das
ofensas corporais. E é assim tanto nos casos em que a intervenção tem sucesso como nos
casos em que ela falha.
A lei portuguesa assumiu, de forma consequente, a solução doutrinal que coloca a
intervenção medicamente indicada e prosseguida segundo as leges artis fora da área de
tutela típica das ofensas corporais e do homicídio. A produção dos resultados
indesejáveis só relevará como ofensa corporal típica, quando representar a consequência
adequada da violação das leges artis.
Para exclusão das intervenções médico-cirúrgicas da factualidade típica das ofensas
corporais é igualmente irrelevante a existência ou não de consentimento.
A definição legal de intervenção médico-cirúrgica integra um conjunto de elementos
subjectivos e objectivos. Concretamente: dois elementos subjectivos e outros tantos de
índole objectiva. Na síntese de Englisch, “só pode falar-se de intervenção terapêutica
nos casos em, que se verifica, não apenas a indicação objectiva e a execução segundo as
leges artis, mas também a direcção da vontade do agente para a terapia”. Numa
aproximação mais analítica, do lado subjectivo exige-se, para além da específica
qualificação do agente (há-de tratar-se de “médico ou pessoa legalmente autorizada”), a
intenção terapêutica, compreendida pela lei portuguesa em termos particularmente
amplos, abrangendo tanto o diagnóstico como a prevenção. Enquanto isto é do lado
objectivo, exige-se a indicação médica e a realização segundo as leges artis.
Os quatro elementos são de verificação necessariamente cumulativa, resultando, por isso,
reciprocamente redutores.
99. Criação de perigo por violação das “leges artis”
O art. 150º/2 CP, pôs de pé a criação de um perigo “para a vida” ou de “grave ofensa
para o corpo ou para a saúde”, como consequência de violação das leges artis. Com a
sua consagração, o legislador quis assumidamente alargar o arsenal de meios punitivos
dos ilícitos imputáveis aos médicos. Para além de responderem por ofensas corporais
negligentes (art. 148º CP) e por intervenções e tratamentos médico-cirúrgicos arbitrários
(art. 156º CP), os médicos passariam a responder também por um novo crime, que terá
sido pensado como um crime de perigo concreto.
No plano objectivo, a infracção configura um crime específico próprio com a estrutura de
um crime de perigo concreto. No tipo subjectivo só é punível o dolo, que tem de abarcar
para além da intervenção com violação das leges artis, o perigo (para a vida, para o corpo
ou para a saúde).

PARTICIPAÇÃO EM RIXA
100. Generalidades
A interpretação desenvolvida do tipo de crime de participação em rixa, bem como a
mediação sobre as razões de política criminal que nortearam o legislador, a par da análise
da técnica legislativa utilizada para prosseguir a protecção dos bens jurídicos são os
principais instrumentos para alcançar a dilucidação relativa à qualificação e classificação
deste tipo de crime.
101. Os bens jurídicos
A rixa pressupõe uma desordem, uma contenda física entre duas ou mais pessoas com
golpes de reciprocidade. A conduta prevista no tipo de crime consiste em “intervir” ou
“tomar parte”, assentando num envolvimento pessoal de cada um dos intervenientes, que
contribuem desse modo para a desordem. É possível identificar, a partir desta ideia de
rixa três elementos:
1) A existência de uma contenda, ou seja, uma briga envolvendo agressões físicas;
2) A participação de duas ou mais pessoas;
3) A vontade de intervir, ou tomar parte na rixa, pois está-se na presença de um tipo
doloso.
O tipo legal de crime do art. 151º CP, pode interpretar-se como sendo pluriofensivo,
integrando um leque de bens jurídicos que de forma mediata ou imediata conhecem nesta
incriminação uma tutela penal.
Os bens jurídicos protegidos pelo art. 151º CP, são a vida (art. 131º CP) e a integridade
física (art. 144º CP).
102. O tipo objectivo de ilícito
O tipo objectivo de ilícito consiste em intervir ou tomar parte em rixa de duas ou mais
pessoas. É que a ocorrência da morte ou de uma ofensa à integridade física grave, embora
seja um elemento do tipo legal condicionante da punibilidade, não integra, todavia, o
conteúdo do ilícito da participação em rixa.
Considera-se que este tipo de crime deve ser classificado como crime de perigo, a
conduta de intervir ou tomar parte na rixa revela-se por si perigosa para a vida e para a
integridade física, para além de ameaçar toda uma série de bens jurídicos que de forma
mediata surgem acautelados. No entanto, só pode responsabilizar-se a conduta dos que
intervêm na rixa nos casos em que essa perigosidade assume maiores proporções,
concretizadas na verificação de uma morte ou de um ofensa grave à integridade física. As
condições objectivas de punibilidade, neste caso, constituem uma indicação de quais os
bens jurídicos tutelados pela norma.
A morte ou às ofensa à integridade física graves constituem condições objectivas de
punibilidade do tipo legal de crime. O preenchimento do tipo esgota-se com a intervenção
ou com o facto de tomar parte numa rixa de duas ou mais pessoas, não constituem por
isso resultado típicos do crime. A exigência da verificação dos respectivos bens jurídicos,
bem pelo contrário, só seria incompatível a consideração da morte ou da ofensa grave
como resultado do tipo.
103. O tipo subjectivo de ilícito
Exige o dolo em qualquer das suas formas contempladas no art. 14º CP: directo,
necessário ou eventual. Mas este dolo refere-se exclusivamente à perigosidade da rixa e
não ao resultado morte ou lesão corporal. Assim, é indiferente a representação ou não da
eventualidade do resultado, indiscutível e suficiente é a representação e conformação com
a perigosidade da rixa: dolo de perigo concreto. Sendo a morte ou a lesão corporal grave
uma condição objectiva de punibilidade, evidente se torna a irrelevância da não
representação ou da não conformação com um tal resultado.
Considerada a acção descrita no art. 151º/1 CP como um tipo legal de crime de perigo
concreto, então não basta, para afirmação do respectivo dolo, a representação e
conformação com a perigosidade abstracta da participação na rixa, mas exige-se o
conhecimento do perigo que concretamente a rixa, em que se participa, constitui para a
vida ou integridade física substancial.
104. As causas de justificação
Dadas as particularidades do crime de participação em rixa (contribuição causal e
voluntária de cada um dos participantes na criação da situação de perigo para os bens
vida e integridade física substancial), resulta complexa a questão da justificação, tanto
mais quanto é certo que a prática de uma tal conduta de verdadeira participação em rixa
nunca está ao serviço da realização de qualquer interesse juridicamente protegido.
Não tem sentido a invocação do consentimento, uma vez que, sendo este pressuposto
pelo próprio conceito de rixa, mesmo assim a lei considera a rixa como crime. Além desta
decisiva razão, acresce ainda o facto de estarem em causa bens jurídicos indisponíveis: a
vida e a integridade física (art. 144º CP).
A única causa de justificação que é pensável em relação à participação em rixa é a
legítima defesa, própria ou alheia. Todavia, em relação à legítima defesa própria, uma
vez que cada um dos participantes é, simultaneamente, agressor e agredido, nunca poderá
um participante na rixa exercer qualquer direito de legítima defesa, enquanto não
abandonar, manifestamente, a rixa.
Diferente já é o caso da justificação de uma acção mortal praticada por um dos
participantes sobre um outro que, no decurso da rixa constituída por ofensas corporais
mesmo que graves, se decide e prepara para matar aquele. Aqui, poderá considerar-se
justificado o homicídio com base no direito de necessidade defensiva, mas não a acção
de participação em rixa.
Diferente é o tratamento da intervenção de um terceiro com o objectivo de separar os
contendores ou de defender um deles. O art. 151º/2 CP contém uma disposição específica
para estas situações: “a participação em rixa não é punível quando for determinada por
motivo não censurável nomeadamente quando visar reagir contra um ataque, defender
outrem ou separar os contendores”. Esta norma consagra expressamente um direito de
intervenção de um terceiro alheio à criação ou desenvolvimento da situação de rixa.
Apesar de na simples rixa (tipo legal de perigo abstracto que, como não está previsto no
art. 151º/1 CP) serem afectados apenas bens jurídicos disponíveis (a integridade física
simples: arts. 143º e 149º/1 CP), deve entender-se que mesmo em relação a esta rixa
mantém-se o direito de intervenção de terceiro, direito que, nesta hipótese, se traduz em
separar os contendores.
Considerar-se-á agora, o direito de intervenção de terceiro, quando a rixa constitui um
perigo concreto de lesão de vida ou da integridade física grave dos contendores:
a) A primeira hipótese prevista no art. 151º/2 CP – “quando visar reagir contra um
ataque”. Quando alguém se vê obrigado a envolver-se fisicamente com outrem que o vai
agredir, não está a participar ou a tomar parte numa rixa (nem sequer a pôr-lhe termo),
mas pura e simplesmente a reagir contra uma agressão, face à qual tem o direito de
legítima defesa ou, pelo menos, o direito de necessidade defensiva.
b) Segunda hipótese prevista no art. 151º/2 CP – “quando visar […] defender outrem” –
contempla as situações em que, no decurso da rixa um ou alguns dos corrixantes se vêem
na impossibilidade física de reagir contra as agressões do outro ou outros. A partir de um
tal momento, a intervenção de um terceiro pode configurar-se como um direito de
necessidade defensiva (“legítima defesa limitada”) alheia.
c) A terceira hipótese – “quando visar […] separar os contendores” – configura um
direito de necessidade defensiva alheia. Cada um dos contendores, dada a
indisponibilidade dos bens jurídicos lesados pela rixa, ou em risco de o serem, é
simultaneamente agredido e agressor. Assim, o terceiro tem em relação a todos eles,
enquanto agressores, o direito de impedir essas agressões. E, na medida em que todos são
agressores, tem esse direito em relação a todos eles (contendores). A forma de impedir
essas mútuas agressões é separá-los, pondo, assim, termo à rixa.
Esta intervenção positiva (no sentido de impedir danos ainda mais graves num dos
rixantes ou de pôr termo à rixa) pode converter-se de um direito num dever, quando sobre
o terceiro recaia um dever de garante, nos termos do art. 10º/2 CP, face aos rixantes ou
algum deles. É claro que este dever de intervenção está condicionado à inexistência de
riscos graves para a vida ou integridade física do terceiro.
105. As causas de exclusão de culpa
Nesta matéria, pouco há que registar de específico. Quanto aos verdadeiros participantes
na rixa (art. 151º/1 CP), apenas haverá que ter em conta a eventual inimputabilidade (art.
20º/1 CP) dos ou de algum dos participantes. Quanto à intervenção de terceiro (art. 151º/2
CP), poderá haver situações de excesso no exercício do direito de intervenção, devido a
eventuais perturbações não censuráveis (excesso do direito de necessidade defensiva),
aplicando-se, analogicamente, o art. 32º/2 CP.
106. Morte ou ofensa corporal grave como condições objectivas de punibilidade
Por condições objectivas de punibilidade stricto sensu, entende-se as condições que se
têm de verificar para que aqueles que praticam um facto típico ilícito e culposo possam
ser punidos.
Integram a categoria analítica da punibilidade e constituem situações positivas de cuja
verificação depende a possibilidade de responsabilização dos agentes. Para além de se
registar a existência de algumas destas condições com carácter geral, alguns tipos legais,
exigem especificamente que, para além da conduta do agente ter de preencher os
elementos objectivos e subjectivos do tipo, tenha ainda de provocar a verificação de
determinada situação objectiva.
No tipo legal de crime de participação em rixa a morte e a ofensa à integridade física
constituem condições objectivas de punibilidade. Neste crime a conduta do agente
consiste em intervir ou tomar parte na rixa, para o preenchimento do tipo de ilícito basta
que alguém dolosamente intervenha ou tome parte na rixa de duas ou mais pessoas.
Para a punibilidade dos participantes, quer o dano se verifique num dos participantes,
quer se verifique em terceiro que nada tenha a ver com a rixa; a única ligação necessária
é de carácter puramente objectivo, e traduz-se na existência de uma imputação objectiva
com a rixa. Podendo ocorrer a qualquer título de imputação subjectiva e em qualquer
vítima.
107. As formas especiais do crime
a) Comparticipação
É um tipo legal de crime de comparticipação necessária.
b) Concurso
Excluída fica à partida, qualquer possibilidade de concurso com o crime de ofensas
corporais simples (art. 143º CP). É que, pressupondo a participação em rixa a aceitação
livre de recíprocas ofensas corporais, estas, quando simples, não podem ser consideradas
ilícitas (art. 149º/1 CP).
Em rigor não se pode falar de verdadeiro concurso de crimes, mas tão só em concurso de
normas (concurso legal) o que se traduz num problema de determinação da norma
aplicável.
A relação de concurso aparente consagra-se por conexões de subordinação e hierarquia,
podendo identificar-se essencialmente três tipos de relações: especialidade (sempre que
um dos tipos incorpore os elementos essenciais do outro acrescentando-lhe elementos
especializadores que pretendem conceder maior precisão àquela situação. Uma norma
prevalece sobre a outra por particularizar dentro daquele tipo de crime a forma de
cometimento do mesmo. Centra-se numa conexão de relatividade, uma norma é especial
em relação a outra que é geral, ou então é ainda mais especializada do que outra já de si
especial. Uma das normas contém todos os elementos da outra, aditando-lhe elementos
suplementares que constituem a especialização); subsidiariedade (nos casos em que uma
norma vê a sua aplicabilidade condicionada pela não aplicabilidade de outra norma, só
se aplicando a norma subsidiária quando a outra não se aplique. A norma prevalente
condiciona de certo modo o funcionamento daquela que lhe é subsidiária. Está-se
perante um concurso por força da subsidiariedade nos casos em que as normas se
condicionam expressamente, ou seja, por imposição da própria lei – subsidiariedade
expressa; ou nos casos em que há uma relação lógica detectada através de um raciocínio
interpretativo que permite extrair essa conclusão – subsidiariedade implícita.);
consunção (sempre que um tipo de crime faça parte, por definição, de um outro. A
descrição típica de uma norma é de tal forma ampla que acaba por abranger elementos
da descrição típica da outra. O âmbito de protecção visado por uma das normas acaba
por ser consumida pela norma mais abrangente, tornando dispensável a sua aplicação,
uma vez que os interesses que pretende salvaguardar estão assegurados pela aplicação
da outra. A relação de consumação acaba por colocar em conexão os valores protegidos
pelas normas criminais. Não deve confundir-se com a relação de especialidade, pois ao
contrário do que se verifica naquela relação de concurso de normas, a norma prevalente
não tem necessariamente de conter na sua previsão todos os elementos típicos da norma
derrogada).
Quanto ao concurso existente entre o tipo legal de crime de participação em rixa e o de
homicídio. Sempre que esteja em causa determinar a responsabilidade daquele que
durante uma rixa mata alguém, deve proceder-se no apuramento da sua responsabilidade
criminal, a um concurso aparente, fruto da relação de consunção em que os tipos legais
de crime de participação em rixa e de homicídio se encontram.
A relação concursal aqui existente estabelece-se entre um crime de dano e um crime de
lesão para o mesmo bem jurídico[19].
O tipo legal de crime previsto no art. 151º CP procura tutelar a vida e a integridade física,
e o âmbito desta tutela fica salvaguardado se for possível imputar ao agente a prática de
um crime de homicídio, cuja abrangência envolve a tutela que a participação em rixa
pretende proteger.
No que diz respeito ao crime de ofensa à integridade física grave, previsto no art. 144º
CP, e à sua relação com a participação em rixa, entende-se haver igualmente um
concurso aparente por força da consunção. As razões invocadas para o homicídio
aplicam-se, mutatis mutandis, para este crime. O agente deve ser punido pelo crime mais
grave por ele praticado, ou seja, o de ofensas corporais graves. Uma vez que esta
situação configura um exemplo de dispensa de aplicação do crime de participação em
rixa. Pois também aqui se pune a consumação da lesão e se deve afastar a incriminação
do simples perigo por esta estar abrangida pela primeira.
Tratando-se de crimes que tutelam o mesmo bem jurídico, o crime de homicídio e o de
participação em rixa, têm um campo de aplicação que se entrecruza. A participação na
rixa protege a vida e a integridade física, nomeadamente em situações que envolvem
perigo para esses bens jurídicos, mas só faz sentido responsabilizar o agente que com a
sua conduta preenche os pressupostos desta incriminação se a sua conduta não lesou
efectivamente a vida ou a integridade física de outros intervenientes ou de terceiro. Pois,
neste caso, ele deverá ser incriminado pela norma mais abrangente e mais grave.
[19] Se o bem jurídico colocado em perigo e o que for efectivamente lesado não
corresponderem, ou seja, se não se estiver perante o mesmo, o concurso será
necessariamente efectivo, pois o desvalor do facto não pode ser abarcado por um só dos
tipos de crime mas apenas por ambos em conjunto.

MAUS-TRATOS E INFRACÇÃO DE REGRAS DE SEGURANÇA


108. Generalidades
A função do art. 152º CP é prevenir as frequentes e, por vezes, tão “subtis” quão
perniciosas – para a saúde física e psíquica e/ou para o desenvolvimento da personalidade
ou para o bem-estar – formas de violência no âmbito da família, da educação e do
trabalho. A necessidade prática da criminalização das espécies de comportamentos
descritos neste art. 152º CP resultou de um duplo factor: por um lado, o facto de muitos
destes comportamentos não configurem em si o crime de ofensas corporais simples (art.
143º CP), como é o caso das condutas descritas no art. 152º/1-b) e c) CP; por outro lado,
a criminalização destas condutas, com a consequente responsabilização penal dos seus
agentes, resultou da consciencialização ético-social dos tempos recentes sobre a
gravidade individual e social destes comportamentos.
109. O bem jurídico
A ratio do tipo não está, na protecção da comunidade familiar, conjugal, educacional ou
laboral, mas sim na protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana. O
âmbito punitivo deste tipo de crime inclui os comportamentos que, de forma reiterada,
lesam esta dignidade. Se, em tempos passados, se considerou que o bem jurídico
protegido era apenas a integridade física, constituindo o crime de maus-tratos uma forma
agravada do crime de ofensas corporais simples, hoje, uma tal interpretação redutora é,
manifestamente, de excluir.
110. O tipo objectivo de ilícito
O crime de maus-tratos, de sobrecarga ou de violação das normas de segurança no
trabalho pressupõe um agente que se encontre numa determinada relação para com o
sujeito passivo daqueles comportamentos. É, portanto um crime específico. Crime
específico que será impróprio ou próprio, consoante as condutas em si mesmas
consideradas já constituam crime, ou consoante as condutas não configurem em si
mesmas qualquer crime.
Sujeito passivo ou vítima só pode ser a pessoa que se encontre, para com o agente, numa
relação de subordinação existencial, de subordinação laboral, ou numa relação de
coabitação conjugal ou análoga. Relativamente aos que se encontram numa relação de
subordinação existencial, exige-se, ainda, que seja menor (de 18 anos) ou
particularmente indefesa, em razão da idade, doença, deficiência física ou psíquica, ou
gravidez.
111. O tipo subjectivo de ilícito
Este crime exige dolo. Todavia, uma vez que este crime tanto pode ser um crime de
resultado (caso de maus-tratos físicos) como de mera conduta, como ainda noutra
perspectiva, tanto pode ser um crime de dano como crime de perigo, o conteúdo do dolo
é variável em função da espécie de comportamento do agente.
112. As formas especiais do crime
a) Comparticipação
O crime previsto no art. 152º CP é um crime específico, que tanto pode ser próprio como
impróprio, isto é, a especial relação existente entre o agente e a vítima fundamenta, nuns
casos, a ilicitude do comportamento, e, noutros, apenas agrava a ilicitude deste. Ora,
atendendo-se quer à gravidade da pena, quer ao facto de poderem subsumir-se ao tipo
legal condutas pela incomunicabilidade das relações especiais, funcionando, pois, a
excepção prevista na parte final do art. 28º/1 CP. Autor ou cúmplice deste crime só pode
ser, pois, quem estiver, para com o sujeito passivo, na relação prevista no tipo legal.
Relativamente a pessoas que estejam nas relações de protecção previstas, então já são
possíveis as diversas espécies de autoria (nomeadamente a co-autoria) e a cumplicidade.
b) Concurso
Entre o crime de maus-tratos físicos ou psíquicos (art. 152º/1-a CP) e o crime de ofensas
corporais simples (art. 143º/1 CP) existe uma relação de especialidade, só se aplicando,
portanto, a pena estabelecida para aquele. O mesmo se diga da relação entre o crime de
maus-tratos (psíquicos) através de ameaças (art. 152º/1-a, 2ª parte CP), e o crime de
ameaça (art. 153º CP), de difamação (art. 180º CP) ou de injúria (art. 181º CP), em que
também o concurso é aparente, cedendo estes àquele.
Entre o crime de maus-tratos e o crime de ofensas corporais graves (art. 144º CP) há uma
relação de consumação, aplicando-se somente a pena prevista para este crime.
113. Agravação pelo resultado
O art. 152º/4 CP prevê duas hipóteses de agravação da pena dos crimes descritos no art.
152º/1, 2 e 3 CP. De acordo com o princípio geral de exclusão da responsabilidade penal
objectiva, o resultado mais grave e não representado pelo agente tem de poder ser
imputado ao agente a título de negligência (art. 18º CP).
A agravação da pena para prisão de 2 a 8 anos pressupõe o seguinte: lesão grave da
integridade física (art. 152º/4-a CP); relação de adequação, segundo o juízo ex ante, entre
a conduta ofensiva ou as múltiplas acções ofensivas da integridade física, a perigosidade
das actividades ou a perigosidade resultante da não observância das regras de segurança
no trabalho e a lesão corporal grave; não representação do resultado, embora o devesse
ter representado (negligência inconsciente) ou representação, do risco da ocorrência de tal
resultado, mas sem a conformação com tal risco (negligência consciente), pois caso o
agente aceite o risco de tal resultado há o crime de ofensas corporais graves (art. 144º
CP), aliás como refere a parte final do art. 152º/1-c CP.
A agravação da pena para prisão de 3 a 10 anos (art. 152º/4-b CP) pressupõe, do mesmo
modo, que entre o resultado morte e os maus-tratos, físicos ou psíquicos, as actividades
perigosas, o trabalho excessivo ou a não observância das regras de segurança haja uma
relação de adequação (previsibilidade objectiva) e uma violação do dever subjectivo de
cuidado.

BIBLIOGRAFIA
Ø Comentário Conimbricense do Código Penal Tomo I.
· Dirigido por Jorge de Figueiredo Dias.
Ø Os homicídios.
· Pereira, Maria Margarida Silva.
Ø Homicídio qualificado, tipo de culpa e medida da pena.
· Serra, Teresa.
Ø Sobre o crime de incitamento ou ajuda ao suicídio.
· Valadão e Silveira, Maria Manuela F. Barata.
Ø Homicídio Privilegiado.
· Ferreira, Amadeu.
Ø O crime de aborto e a reforma penal.
· Pereira, Rui Carlos.
Ø Direito Penal parte especial, crimes contra as pessoas.
· Palma, Maria Fernanda Palma.
Ø Contributo para o estudo de alguns problemas do crime de participação em rixa (o
concurso de crimes).
· Silva, Fernando.

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