Sie sind auf Seite 1von 18

Caderno CRH

ISSN: 0103-4979
revcrh@ufba.br
Universidade Federal da Bahia
Brasil

de Barros Filgueiras, Fernando


GUERREIRO RAMOS, A REDUÇÃO SOCIOLÓGICA E O IMAGINÁRIO PÓS-COLONIAL
Caderno CRH, vol. 25, núm. 65, mayo-agosto, 2012, pp. 347-363
Universidade Federal da Bahia
Salvador, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=347632188011

Como citar este artigo


Número completo
Sistema de Informação Científica
Mais artigos Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal
Home da revista no Redalyc Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto
Fernando de Barros Filgueiras

GUERREIRO RAMOS, A REDUÇÃO SOCIOLÓGICA E O

RESENHA TEMÁTICA
IMAGINÁRIO PÓS-COLONIAL1

Fernando de Barros Filgueiras*

O aprimoramento recente da sociologia latino-americana caminha no sentido de reforçar e


valorizar a produção científica própria. Isso permite consolidar uma autointerpretação de sua
realidade social capaz de promover o desenvolvimento das diferentes potencialidades das so-
ciedades latino-americanas. O objetivo deste texto é resgatar as posições práticas e
epistemológicas de Alberto Guerreiro Ramos publicadas em diferentes meios e conhecidas
como “redução sociológica”. A partir das posições de Guerreiro Ramos apresentadas no II Con-
gresso Latino Americano de Sociologia, pretende-se relacionar os termos da redução sociológi-
ca com o imaginário pós-colonialista, observando proximidades e distanciamentos
metodológicos do ofício da sociologia e as inovações proporcionadas pelo autor a partir do
conceito de redução sociológica.
PALAVRAS-CHAVE: teoria sociológica, pensamento social brasileiro, epistemologia das ciências so-
ciais, nacionalismo, pós-colonialismo.

INTRODUÇÃO em que os valores e as percepções de mundo se


alinham aos valores e percepções constituídas
Do ponto de vista teórico, o pensamento pela cultura ocidental. O colonialismo não é ape-
pós-colonial propõe uma mirada crítica sobre os nas um arranjo de exploração econômica. É, tam-
conceitos de Ocidente e modernidade, ressaltan- bém, uma condição de subalternidade da cultu-
do os significados alternativos que culturas su- ra nativa, que tem consequências na construção
balternas propõem para os conflitos sociais con- das identidades. O sujeito colonizado é aquele
temporâneos (Spivak, 1994). O pensamento pós- que, em detrimento de sua cultura nativa, se sub-

CADERNO CRH, Salvador, v. 25, n. 65, p. 347-363, Maio/Ago. 2012


colonial procura compreender o modo como se mete aos valores e percepções constituídas pela
constituem esses significados e o que eles repre- cultura moderna.
sentam para consolidar uma saída própria em re- A condição colonial, portanto, não é ape-
lação aos conflitos inerentes às referidas culturas. nas uma condição de dominação econômica, mas
De acordo com essa premissa que caracte- também a submissão a um padrão de conheci-
riza o pensamento pós-colonial, a condição de mento dirigido e imposto pela cultura moderna.
colônia não se resume a um arranjo político e É nesse sentido que a discussão da condição pós-
econômico de opressão e exploração, mas tam- colonial deve tratar, antes de qualquer coisa, das
bém à construção de uma cultura subalterna, condições epistemológicas em que o conhecimen-
to social é constituído. O discurso moderno da
1
Agradeço o apoio do Instituto de Pesquisa Econômica e Apli- ciência impõe as condições do conhecimento,
cada (IPEA), que viabilizou a pesquisa realizada sobre o pensa-
mento de Guerreiro Ramos que deu ensejo a este artigo. criando concepções de verdade que não resul-
* Doutor em Ciência Política. Professor da Universidade tam em autonomia, mas reproduzem condições
Federal de Minas Gerais (UFMG), no Departamento de Ci-
ência Política. Coordenador do Centro de Referência do a partir das quais o colonialismo se reproduz e
Interesse Público (CRIP), da mesma universidade.
Av. Antônio Carlos, 6627, sala 4085 Pampulha. Cep: 31270- se fortalece (Santos, 2003).
900 - Belo Horizonte - MG - Brasil. ffilgueiras@fafich.ufmg.br A questão central das teorias pós-coloni-

347
GUERREIRO RAMOS, A REDUÇÃO SOCIOLÓGICA...

ais é ressaltar o papel que as culturas subalter- perspectiva interdisciplinar que compreende os
nas exercem no conhecimento social e sua im- parâmetros traçados pela sociologia, pela políti-
portância para a construção da autonomia da ca, pela economia e pela literatura, compondo
sociedade na construção do desenvolvimento. um ramo de interpretação e significação da cul-
Nesse sentido, valorizam-se essas culturas, res- tura com o objetivo de fortalecer as identidades
saltando a importância da solidez dessas identi- nacionais e buscar caminhos próprios para o
dades. A identidade é importante a partir do desenvolvimento.
momento em que não se justifica que uma cul- No caso da América Latina, o movimento
tura possa ser capaz de impor um padrão único pós-colonialista foi recebido em comparação com
de conhecimento. O fundamento do pós- os processos de independência dos países orien-
colonialismo é que as culturas podem estabele- tais e africanos. É marcante, nos debates funda-
cer diálogo sem haver um padrão de valores e dores das ciências sociais, a influência que o pen-
percepções que se imponha a outras culturas. samento latino-americano recebeu do movimen-
Esses diálogos culturais têm sido a tônica, to pós-colonial. O movimento pós-colonialista
no âmbito das ciências sociais, da construção de latino-americano surgiu no mesmo contexto de
uma perspectiva crítica de culturas hegemônicas meados do século XX, por influência da discus-
da modernidade. Eles significam a possibilidade são sobre o papel do conhecimento nos movi-
de outra via para a questão do desenvolvimento mentos nacionalistas. No caso brasileiro, mere-
político, social e econômico que se configura pela cem destaque as posições defendidas por Alberto
valorização das identidades. Tendo em vista a dis- Guerreiro Ramos, as quais podem ser enquadra-
cussão sobre as identidades, duas têm sido as pos- das como pós-coloniais à medida que valorizam
sibilidades abertas pela perspectiva pós-colonialista: o papel da cultura brasileira na constituição de
(1) a constituição do diálogo sul-sul, com o objeti- uma real independência e procura pela consti-
vo de possibilitar o desenvolvimento das culturas tuição de um significado para o nacionalismo
do sul e a construção de uma aliança contra a brasileiro no contexto do desenvolvimento naci-
hegemonia do ocidente; (2) a reinterpretação e a onal. Isso fica claro nas teses defendidas por
ressignificação do nacionalismo. Guerreiro Ramos no II Congresso Latino-Ameri-
O movimento pós-colonial é apresentado cano de Sociologia, ocorrido em São Paulo e no
como uma perspectiva pós-moderna. Todavia a Rio de Janeiro em 1953.
CADERNO CRH, Salvador, v. 25, n. 65, p. 347-363, Maio/Ago. 2012

primeira utilização do termo e a construção do A partir desse enquadramento, o objetivo


seu significado surgiram nos movimentos de deste texto é discutir a tese da redução socioló-
descolonização dos países do sul, incluindo os gica e seu papel na constituição de um imaginá-
países da África e os do oriente, em especial a rio pós-colonial no Brasil, com especial enfoque
Índia. Historicamente, os movimentos pós- na questão do desenvolvimento nacional. Mos-
colonialistas surgiram em meados do século XX, traremos como a tese da redução sociológica de
no contexto pós-segunda grande guerra e por Guerreiro Ramos resultou em uma concepção
meio dos movimentos de independência dos pa- instrumental de desenvolvimento que visa a sa-
íses africanos e asiáticos. Dessa maneira, é im- tisfazer uma concepção pós-colonial da cultura
portante frisar que o pós-colonialismo não cons- brasileira. Também mostraremos as possibilida-
titui um movimento único. Ele deve ser com- des da crítica aberta por Guerreiro Ramos ao
preendido, por um lado, como valorização dife- próprio nacionalismo brasileiro, com o objetivo
renciada das culturas nacionais e, de outro, como de ressaltar suas particularidades frente à socio-
um movimento de constituição do conhecimen- logia brasileira.
to que valorize as culturas locais. Esse conheci-
mento pós-colonialista do social passa por uma

348
Fernando de Barros Filgueiras

A REDUÇÃO SOCIOLÓGICA COMO MARCO Mas é importante frisar que Guerreiro não
DO EXISTENCIALISMO BRASILEIRO defendia o endosso entusiástico das “sobrevivên-
cias africanas”. Para ele, o erro de sociólogos e
É mais do que conhecido o fato de que antropólogos, quando discutem a questão do
Guerreiro Ramos buscava para a sociologia um negro do Brasil, é tratá-los como objeto exótico,
sentido prático, que congregasse, ao mesmo tem- desalinhado e estrangeiro em relação à própria
po, os avanços da ciência social e os problemas cultura nacional. Em sua disputa com Costa Pin-
práticos da sociedade brasileira no que diz res- to, Guerreiro Ramos afirmava que o preconceito
peito às condições do nosso atraso. Também é em relação ao negro, no Brasil, não era de raça,
mais do que conhecido o fato de que a sociologia mas de cor, o que significaria o fato de que, ao
defendida por Guerreiro Ramos tem o caráter contrário de outras sociedades, o preconceito não
de engajamento nas questões sociais, mesmo que se constitui, no Brasil, por linhas de castas.2 O
isso significasse, a seu juízo, o sacrifício da obje- fato de o preconceito contra o negro não se cons-
tividade da ciência. A sociologia deveria ter, de tituir por linhas de castas é que permite que ele
acordo com o autor, o tom de uma ciência possa ser integrado no conjunto da Nação. Os
interpretativa (Oliveira, 1995). estudos sobre o negro no Brasil seriam aliena-
Sua militância no Teatro da Experimenta- dos, de acordo com Guerreiro, porque se
ção Negra (TEN) exerceu forte influência sobre o espelhavam nos parâmetros sociológicos das re-
tipo de conhecimento necessário para a consti- alidades sociais europeia e norte-americana. A
tuição da autonomia, seja de estratos sociais espe- saída para o negro, de acordo com Guerreiro
cíficos, como o caso dos negros, seja da sociedade Ramos, seria ascender socioculturalmente por
brasileira em seu conjunto. O fato é que Guerrei- meio da luta de classes, constituindo, por conse-
ro Ramos procurou defender uma sociologia guinte, um processo de cooperação que lhe per-
engajada, com a preocupação constante de influ- mita participar da cultura nacional (Maio, 1997).
enciar e participar da vida política nacional. No O mesmo se pode dizer de outro ramo de
caso de sua sociologia sobre o negro brasileiro, conhecimento sociológico ao qual Guerreiro Ra-
influenciada pelas posições de Abdias do Nasci- mos se dedicou. O tema da administração pú-
mento, ele propõe que ela fosse uma espécie de blica e das organizações do Estado deveria rom-
voz do próprio negro. Ou seja, a sociologia da per com os projetos de modernização desenvol-

CADERNO CRH, Salvador, v. 25, n. 65, p. 347-363, Maio/Ago. 2012


questão racial no Brasil deveria ser feita pelo pró- vidos pela cultura ocidental e buscar uma rota
prio negro, o qual tomaria consciência de sua pró- própria de constituição das instituições políticas
pria negritude e assumiria uma posição militante e burocráticas. Guerreiro Ramos foi um dos res-
capaz de influenciar a agenda política. A posição ponsáveis por introduzir a sociologia de Weber
dessa sociologia do engajamento do negro, forte- no Brasil, quando de sua atuação no Departa-
mente influenciada por Franz Fanon, quer rom- mento de Administração do Serviço Público
per o estatuto colonial do racismo para difundir 2
A sociologia sobre o tema das raças de Costa Pinto cir-
uma perspectiva de autonomia, constituída, so- cunscreve-se no projeto da UNESCO, voltado para a cons-
trução de um conceito científico de raça que pudesse se
bretudo, pela ação política. Contra as posições de contrapor às matrizes racialistas. De acordo com Costa Pin-
to, a questão do negro no Brasil deve ser compreendida na
Gilberto Freyre (2000) e de Arthur Ramos (2002), dimensão das classes, observando-se, sobretudo, a posi-
que tendiam a olhar o negro como um objeto fol- ção do negro-proletário. Ademais, é fundamental observar
o conflito intra-raça, que promove a ascensão isolada de
clórico, Guerreiro defendia, nessa posição de uma negros e mulatos, constituindo um quadro de tensão soci-
al que envolve uma elite negra de classe média, que en-
sociologia engajada, o rompimento da condição frenta a barreira representada pelos valores tradicionais
do branco, o qual tenta colocar, a todo instante, o negro
de cultura colonizada da negritude, difundido e “em seu lugar”. É nesse sentido que a questão racial asse-
apoiando os valores que são inerentes às suas tra- melhar-se-ia a um domínio de castas, em que o problema
fundamental é o da hierarquia social estabelecida em tor-
dições (Ramos, 1950; Maio, 1997). no de valores. A esse respeito, conferir Maio (1997).

349
GUERREIRO RAMOS, A REDUÇÃO SOCIOLÓGICA...

(DASP). Como funcionário do DASP e, mais tar- gico. Para Florestan, não importavam as particu-
de, assessor de Getúlio Vargas, Guerreiro Ramos laridades históricas e sociais de uma sociedade
se dedicou a diferentes pesquisas empíricas e à para que o trabalho científico fosse possível. A
introdução e discussão de diferentes matrizes sociologia é, para ele, uma ciência positiva, o que
teóricas da sociologia das organizações. Para ele, demanda uma especialização voltada para a cons-
a organização do serviço público deveria ter uma trução do conhecimento, cujo trabalho é feito por
base científica, voltada para temas práticos, tais acadêmicos treinados nas doutrinas e atividades
como a mortalidade infantil, o orçamento fami- inerentes ao trabalho empírico. As ciências soci-
liar, o processo de industrialização e urbaniza- ais brasileiras, de acordo com Fernandes, deveri-
ção, as transformações nos padrões de consumo am romper com o padrão ensaístico que então a
da sociedade. Esses temas, aos quais Guerreiro dominava, institucionalizando o ofício de soció-
se dedicou, quando funcionário do DASP, fir- logo em torno de padrões científicos universais
maram o pressuposto de que, para ele, o conhe- (Fernandes, 1977). Para Guerreiro Ramos, por
cimento sociológico é, antes de qualquer coisa, outro lado, o trabalho da sociologia no Brasil
um conhecimento prático, voltado para os pro- deveria buscar uma perspectiva de afloração da
blemas sociais contemporâneos. O que essa so- consciência. A tarefa primordial da sociologia
ciologia engajada jamais poderia perder, segun- no Brasil, observando as condições histórico-so-
do ele, é o caráter de promoção existencial da ciais da Nação, seria a busca de uma condição
autonomia da vida social. Como intelectual, existencial da sociedade, fazendo-a tomar cons-
Guerreiro Ramos procurou constituir essa soci- ciência de suas condições e possibilitando-a re-
ologia prática, mas seu trabalho foi realizado de ver suas trajetórias e fins (Ramos, 1996).
forma quase isolada, sem um contexto Em função dessa controvérsia, Guerreiro
institucionalizado que lhe desse apoio e susten- Ramos procurou organizar suas teses sobre a
tação. A exceção é o período em que ele atuou epistemologia das ciências sociais no Brasil em
no Instituto Superior de Estudos Brasileiros A redução sociológica, originalmente publicado
(ISEB) e depois quando ajudou a fundar a Esco- em 1965. Para o autor:
la Brasileira de Administração Pública da Fun-
A redução sociológica é um método destinado a
dação Getúlio Vargas (Schwartzman, 1983). habilitar o estudioso a praticar a transposição de
Essa posição de uma “sociologia em man- conhecimentos e de experiências de uma pers-
CADERNO CRH, Salvador, v. 25, n. 65, p. 347-363, Maio/Ago. 2012

pectiva para outra. O que a inspira é a consciên-


gas de camisa” e pouco institucionalizada fez cia sistemática de que existe uma perspectiva
Guerreiro Ramos tomar parte em uma das prin- brasileira. Toda cultura nacional é uma perspec-
tiva particular. Eis porque a redução sociológica
cipais controvérsias que configuraram a sociolo- é, apenas, modalidade restrita de atitude geral
que deve ser assumida por qualquer cultura em
gia brasileira. No âmbito do II Congresso da As- processo de fundação (Ramos, 1996, p. 42).
sociação Latino-Americana de Sociologia, em
1953, Guerreiro Ramos apresentou as suas teses A influência que o pensamento pós-colo-
a respeito do conceito de redução sociológica, nial de Franz Fanon e de Balandier exerceu em
originalmente apresentadas em Cartilha brasi- Guerreiro Ramos está no fato de que a atividade
leira do aprendiz de sociólogo. A controvérsia sociológica configura-se, epistemologicamente,
se deu pelas críticas que Florestan Fernandes fez no que ele está nomeando como perspectiva. Uma
em relação às teses da Cartilha, tendo em vista perspectiva, para Guerreiro, é o modo segundo
questões epistemológicas e também político-ide- o qual se constitui um tipo de olhar diferencia-
ológicas. Para Florestan Fernandes, a sociologia, do sobre um objeto de estudo, olhar que se con-
como ciência, deveria seguir um padrão forma e ganha substrato normativo por meio de
institucionalizado e universal, não importando uma cultura que o insere em um conjunto de
os recursos disponíveis para o trabalho socioló- valores e de percepções de mundo. A sociologia

350
Fernando de Barros Filgueiras

é um tipo de atividade hermenêutica, em que as curou compreender dizem respeito à configura-


percepções acerca do próprio mundo social con- ção da identidade nacional no Brasil. O fato na-
figuram os problemas e o modo de abordar de- cional brasileiro diz respeito ao fato de o Brasil
terminada realidade social. Por influência da filo- ter deixado de ser um povo “natural” para se
sofia de Husserl, a perspectiva é um tipo de abor- tornar um povo “histórico”. As condições do
dagem do mundo social estipulada pela cultura. desenvolvimento acelerado na era Vargas propi-
De acordo com essa ideia de perspectiva, ciaram o aflorar dessa consciência crítica que
três elementos precisam ser destacados em rela- deveria ser organizada e refletida pela sociolo-
ção à tarefa da redução sociológica, de acordo gia. As condições do desenvolvimento brasilei-
com Guerreiro Ramos: (1) ela é um tipo de co- ro, que, segundo o autor, se expressam pela in-
nhecimento fundacional, inspirado na busca das dustrialização, pela urbanização e pela mudança
condições ontológicas e existenciais da cultura nos padrões de consumo, com a inclusão do meio
brasileira; (2) a redução sociológica ressalta a popular, suscitaram o estágio de uma consciên-
necessidade de se compreenderem as condições cia crítica do Brasil sobre si mesmo. O Brasil,
críticas para a ciência nacional; (3) as condições finalmente, havia chegado à sua condição histó-
dessa consciência crítica suscitam a existência rica, rompendo os padrões impostos pelo esta-
de uma cultura particular, e é essa cultura o ob- tuto colonial. E, pelo fato de ter alcançado a sua
jeto primordial da sociologia brasileira. Por essa condição histórica, é que o conhecimento socio-
perspectiva, não cabe, segundo Guerreiro, a exis- lógico se torna possível e necessário.
tência de uma sociologia institucionalizada se ela Observando o movimento de reação ao
não se der conta do fato nacional brasileiro e de colonialismo no mundo afroasiático, Guerreiro
seus problemas concretos. A tarefa da redução Ramos aponta para o fato de que a redução soci-
sociológica, frente a um padrão institucionalizado ológica é uma tarefa de construção de um co-
de conhecimento sociológico então em ascensão nhecimento em torno de uma perspectiva da
no Brasil, seria descortinar os problemas reais cultura nacional. O mesmo movimento que se
da sociedade brasileira, focados nos valores e verificava nas conferências de Badoeng (1955),
percepções definidos por nossa identidade naci- do Cairo (1957) e de Acra e Tânger (1958), o
onal. Não basta, segundo o autor, importar for- autor verificava no Brasil, tendo em vista ações
mas de conhecimento exteriores à nossa cultu- que se constituíam por normas derivadas de pro-

CADERNO CRH, Salvador, v. 25, n. 65, p. 347-363, Maio/Ago. 2012


ra, pois o resultado é reproduzir uma condição jetos autônomos de existência. A redução socio-
subalterna e alienada que contraria a própria lógica, portanto, é um movimento pós-colonial
existência da sociedade brasileira. Se a sociolo- de busca de um conhecimento existencial pró-
gia é um tipo de conhecimento prático, cabe a prio, que não nega os avanços da ciência, mas
ela buscar as bases interpretativas da cultura, não reproduz os termos hegemônicos de seu dis-
com o condão de focar e rever os problemas so- curso. A redução sociológica é, sobretudo, uma
ciais dela derivados. atitude consciente e crítica, cujo conteúdo não é
A obra de Guerreiro Ramos também re- parcial, mas de reivindicação universal de reco-
cebeu forte influência do existencialismo de nhecimento da própria existência. É nesse senti-
Sartre e da ontologia de Heidegger. Se o objetivo do que não é possível compreender a sociologia
da sociologia é descortinar as condições existen- de Guerreiro Ramos sem compreender suas te-
ciais da sociedade brasileira, atesta Guerreiro ses sobre o nacionalismo.
Ramos que todas as questões e perguntas susci- Se a redução sociológica significa um
tadas pela atividade sociológica devem se dirigir aflorar da consciência crítica de uma sociedade,
ao que ele nomeou como fato nacional brasilei- as identidades nacionais são fundamentais como
ro. As condições existenciais que Guerreiro pro- substrato normativo de uma sociologia engajada.

351
GUERREIRO RAMOS, A REDUÇÃO SOCIOLÓGICA...

É importante frisar que, para Guerreiro Ramos, pulados em uma cultura que delineia a direção
o nacionalismo não é um movimento político do poder político. A condição moderna do po-
baseado em heranças raciais ou fundamentalistas. der político exige que a vontade seja estipulada
O nacionalismo, para ele, é uma experiência de por uma razão normativa de fundo. A condição
ação comunitária, fundada em valores e fins ca- nacional, nesse sentido, é o aflorar de uma cons-
pazes de instituir, por meio do poder, as possibi- ciência crítica, capaz de configurar a vontade por
lidades contidas em uma etapa social determi- meio de uma existência autônoma de um povo.
nada. Em primeiro lugar, é necessário observar O nacionalismo, portanto, é um substrato
o que Guerreiro entende por poder. Seguindo o normativo capaz de informar a vontade coletiva
conceito weberiano, poder é “... a oportunidade por meio da ação comunitária e, dessa forma, con-
que possui um indivíduo, ou um grupo, de im- formar a ação social por meio da atividade políti-
por a sua vontade na ação comum, mesmo con- ca (1957). O nacionalismo, ademais, é a ruptura
tra a resistência de outros que dela participam” com a situação de dependência colonial, consti-
(Weber apud Ramos, 1957, p.18). O poder, para tuindo as premissas fundamentais para conduzir
Guerreiro, é um ingrediente inseparável de toda o processo emancipatório de um país (Ramos,
sociedade. O autor absorve esse conceito 1960; Souza, 2009).
weberiano de poder, observando o fato de que a O caso brasileiro, nesse sentido, revela o
vontade constitui o elemento primordial da ação fato de que o poder nacional emergiu com o pro-
comunitária. Seguindo a sociologia weberiana, cesso de desenvolvimento. A independência do
se a ação comunitária estabelece os valores fun- Brasil, em 1822, segundo Guerreiro Ramos, não
damentais da ação política, é necessário confi- proporcionou a emancipação social. O processo
gurar o conceito de poder em torno de situações de independência apenas estabeleceu uma forma
históricas dadas. É nesse sentido que, para Guer- nacional para a sociedade, sem a presença do
reiro Ramos, o conceito de poder deve ser segui- substrato normativo das identidades. O Brasil
do de um adjetivo. Nesse caso, o termo poder, Império e a República Velha seriam o domínio
para ele, deve ser seguido da característica naci- privado de fazendeiros, que se institucionalizava
onal, observando-se, nesse caso, o modo como a na forma de oligarquias mantidas em torno de
direção política de uma sociedade é exercida. A compromissos políticos. “O que sociologicamen-
característica nacional diz respeito ao olhar que te é relevante, porém, é assinalar que, durante o
CADERNO CRH, Salvador, v. 25, n. 65, p. 347-363, Maio/Ago. 2012

a sociologia nacionalista deveria lançar sobre o período de dominação dos fazendeiros, o Brasil
corpo político, tomando as posições das classes foi um país sem povo” (1957, p.14). A indepen-
dominantes e das classes dirigentes como objeto dência instituiu uma forma nacional, sem um
fundamental da interpretação política. Sendo o conteúdo de valores capaz de assegurar a exis-
nacionalismo uma experiência social que funda tência de uma identidade e de uma cultura naci-
os valores básicos da ação comunitária, o poder onal. A ruptura só ocorreria a partir da industri-
deve ser seguido da expressão nacional. alização e urbanização do Brasil, fazendo com
que os titulares do poder, os proprietários de
É o poder nacional o conjunto de todos os gru-
pos e indivíduos dirigentes que desempenham terras, perdessem suas posições dominantes.
papel ativo na organização de um país; de todos Contudo, não perderam sua condição dirigente.
os elementos políticos por excelência que con-
centram em suas mãos a direção econômico-so- A modernização brasileira criou um hia-
cial, o poder militar e as funções administrati- to, segundo Guerreiro, entre as classes dominan-
vas. (Ramos, 1957, p.11)
tes e as classes dirigentes. Esse desencontro seria
O nacionalismo, nesse sentido, não é a ex- o principal entrave à emergência do poder naci-
pressão exótica de uma orientação fundamentalista, onal no Brasil, uma vez que não propiciaria o
mas é o conjunto dos valores e percepções esti- fato de a vontade geral poder condicionar a ação

352
Fernando de Barros Filgueiras

política. O Brasil da era Vargas seria o Brasil do Como a redução sociológica é a tarefa me-
desencontro entre as classes dominantes e as clas- diante a qual se descobrem os pressupostos
ses dirigentes. O problema principal, de acordo referenciais dos objetos e fatos da realidade social
com o autor, é o fato de que o desenvolvimento (Ramos, 1996, p.71), ela não é ditada pelo impe-
brasileiro segue um modelo de complementaridade. rativo do conhecimento pelo conhecimento, mas
Ele não permite o aflorar de uma cultura capaz por sua atividade prática, balizada nas necessida-
de romper com a dependência colonial. Uma vez des reais da comunidade e no projeto de sua exis-
que a classe dirigente alinha-se a todo o atraso tência histórica. A sociologia é fundamental ao
brasileiro, originado do estatuto colonial, cria-se afloramento de uma mentalidade nacional à me-
um processo complementar de desenvolvimen- dida que ela sirva à busca das experiências exis-
to que reproduz as amarras de uma cultura de- tenciais de um povo. Mas, antes de qualquer coi-
pendente. O desenvolvimento, sem o substrato sa, ela exige, segundo Guerreiro Ramos, uma po-
normativo do nacionalismo, terminaria por re- sição metódica e científica. A redução sociológica
produzir as condições de dependência colonial. é um processo de conhecimento. O autor postula
O desenvolvimento seria uma espécie de fuga um conjunto de enunciados que configuram esse
para a frente, sem proporcionar um processo processo, conforme é posto a seguir:
sólido de emancipação social. O nacionalismo
no Brasil, segundo Guerreiro Ramos, seria o fa- § A redução sociológica é uma atitude metódica

tor de ruptura, dependente da posição que as


classes dominantes exerceriam no processo de Com isso, o autor quer dizer que o conhe-
afloramento de uma cultura pós-colonial. O fun- cimento sobre a sociedade exige a obediência a
damental é romper com a complementaridade regras que se pautem pelo esforço de depurar o
do desenvolvimento, pois: objeto de estudo, com o objetivo de formulação
exaustiva e radical do seu significado. A atitude
Jamais poderemos levar a bom termo o nosso metódica não é uma atitude espontânea. Ela pre-
processo de emancipação, se as instâncias do
poder, em suas mais diversas modalidades, fo- tende dar conta dos significados mais profundos
rem apenas receptivas ao que se contém de pos- da realidade social, indo além dos aspectos ex-
sibilidade material nesse processo, e não senti-
rem a exigência ética nele incluída, isto é, o seu ternos dos fenômenos sociais. A atitude metódi-
conteúdo de valor. Na medida em que tais ins-
ca não trata de afirmar ou aceitar os aspectos da

CADERNO CRH, Salvador, v. 25, n. 65, p. 347-363, Maio/Ago. 2012


tâncias de poder pautarem sua ação em critérios
correspondentes ao que aqui estamos chamando realidade social, mas invertê-los com o fim de
de complementaridade, estarão não só embara-
çando o processo de emancipação, como desvir- fazer do conhecimento uma ferramenta para a
tuando-o, degradando-o (Ramos, 1957, p.30). emancipação social.

O surgimento de uma mentalidade nacio- § A redução sociológica não admite a existência,


nal (ou pós-colonial) no Brasil dependeria de uma na realidade social, de objetos sem pressupostos
modificação das bases interpretativas da socie-
dade, capazes de romper com o processo com- Para Guerreiro Ramos, seguindo a socio-
plementar do desenvolvimento. A redução soci- logia weberiana, a realidade social é sistemática
ológica, nesses termos, serviria para a constru- e representa um conjunto de fatos que guardam
ção de bases interpretativas do Brasil solidifica- conexões entre si. A realidade social é dotada de
das em uma mentalidade nacional. Não se pode sentido, e são suas conexões de sentido que esta-
compreender, por conseguinte, o problema belecem as significações sociais. Os pressupos-
epistemológico da sociologia, lançado por Guer- tos dizem respeito ao processo de valoração so-
reiro Ramos, sem a compreensão de suas teses cial que estabelece o significado dos objetos de
sobre o nacionalismo. estudo do sociólogo. Logo, é fundamental ao pro-

353
GUERREIRO RAMOS, A REDUÇÃO SOCIOLÓGICA...

cesso de conhecimento, por meio da redução § Os suportes para a redução sociológica são
sociológica, absorver essas valorações com o ob- coletivos e não individuais
jetivo de compreender melhor os vínculos que
os fenômenos sociais guardam entre si. O trabalho do sociólogo é inserido na soci-
edade em que ele vive, criando situações que li-
§ A redução sociológica postula a noção de mundo mitam sua margem de especulação. A sociologia,

nas palavras de Guerreiro, é um conhecimento


Seguindo a filosofia de Husserl, a redução operativo e não especulativo, uma vez que seus
sociológica deve dar conta do fato de que a cons- suportes são coletivos. A sociologia só é possível
ciência ocorre à luz da reciprocidade de pers- em uma sociedade que assuma sua autoconsciência
pectivas. A consciência e os objetos relaciona- como processo coletivo. Isso explica o fato de a
dos à realidade social são reciprocamente relaci- sociologia só ter sido possível com a modernidade.
onados, fazendo com que a primeira seja, por A sociologia fundamenta-se em uma lógica
definição, intencional e estruturalmente referi- imanente à existência da sociedade.
da aos objetos. “O mundo que conhecemos e em
que agimos é o âmbito em que os indivíduos e os § A redução sociológica é um procedimento crí-
objetos se encontram numa infinita e complica- tico-assimilativo da experiência estrangeira
da trama de referências.” (Ramos, 1996, p.72).
A noção de mundo estipula, portanto, que é fun- Pelo fato de os suportes da redução socio-
damental à redução sociológica buscar os ele- lógica existirem em torno da autoconsciência das
mentos referenciais da cultura para estipular seus sociedades e em torno do fato nacional que a
fins. A atividade interpretativa proporcionada explica, isso não significa que ela deva prescin-
pela sociologia deve dar conta dessa noção de dir dos avanços proporcionados pela ciência e
mundo, em que os objetos do conhecimento não de teorias constituídas em outros países. A ciên-
estão dissociados do sujeito que procura cia, para Guerreiro Ramos, tem uma aspiração
interpretá-los. Nesse sentido, o próximo postu- universal e diz respeito a problemas que podem
lado suscita a ideia de que o essencial para a vir a afetar diferentes sociedades. Mas o fato de
redução sociológica é o fato de ela trabalhar com a ciência ter uma pretensão universal não elimi-
perspectivas. na o fato de ela ser mediatizada pelo local, pelo
CADERNO CRH, Salvador, v. 25, n. 65, p. 347-363, Maio/Ago. 2012

regional ou pelo nacional. A redução sociológica


§ A redução sociológica é perspectivista não se opõe à transplantação de conceitos e ca-
tegorias fundamentais ao conhecimento socioló-
Guerreiro Ramos parte da premissa de que gico, mas exige que eles sejam submetidos a cri-
a perspectiva segundo a qual os objetos são to- térios de seletividade. Conceitos e categorias im-
mados os constitui. Dessa maneira, o autor esti- portados devem ser reinterpretados pela cultura
pula que o objeto de estudo não pode estar des- nacional, de forma a adequá-los ao seu conteúdo
ligado de seu contexto. A perspectiva é informa- de sentido.
da, sobretudo, pela cultura, a qual estabelece o
conteúdo de sentido definido para o objeto de § Embora os suportes coletivos da redução so-
estudo. Se a sociologia é perspectivista, ela é uma ciológica sejam vivências populares, ela é uma
ciência que se insere nos suportes coletivos da atitude altamente elaborada
realidade social.
A atitude redutora, como nomeia Guer-
reiro Ramos, não é uma modalidade de
impressionismo com relação às vivências popu-

354
Fernando de Barros Filgueiras

lares. A atitude redutora precisa ser justificada e sociológica se cerca de uma concepção pós-colo-
baseada em esforços elaborados de reflexão, nial que quer afirmar a identidade nacional como
mostrando as razões pelas quais se fundamenta. fundamental para a consolidação da consciência
A redução sociológica é, antes de tudo, um mé- crítica, a qual, por sua vez, possibilita o tipo de
todo para o conhecimento do social, que deve conhecimento constituído pela sociologia.
ser autorreferido à cultura que o cerca. A posição nacionalista de Guerreiro Ra-
Tendo em vista esses sete postulados tra- mos, nesse sentido, não é contraditória em rela-
çados por Guerreiro Ramos, a redução socioló- ção aos objetivos da redução sociológica. O co-
gica se fundamenta em quatro leis que organi- nhecimento produzido no estrangeiro é funda-
zam o trabalho do sociólogo: mental para o avanço universal da ciência e para
a) a lei do comprometimento; a interpretação crítica que as sociedades podem
b) a lei do caráter subsidiário da produção cien- fazer sobre si mesmas. Por essa razão é que a
tífica estrangeira; produção científica estrangeira tem um caráter
c) a lei da universalidade dos enunciados gerais subsidiário. O nacionalismo de Guerreiro Ramos
da ciência; circunscreve-se na ideia de que as identidades
d) a lei das fases. estão inscritas em valores e percepções de mun-
O caráter de lei significa que a redução do que se conformam sob a forma de uma na-
sociológica só é possível por essa mirada crítica ção, estabelecendo o caráter intencional e práti-
da posição do sociólogo frente às questões que co do conhecimento sobre o social. Transplantar
cercam a comunidade. A lei do comprometimen- conceitos e categorias desenvolvidos em outras
to procura incitar o conhecimento do social aos comunidades sem reduzi-los corresponde a utilizá-
objetivos derivados da cultura nacional. A soci- los envolvidos pela intencionalidade de que são
ologia engajada de Guerreiro Ramos exige que portadores. A utilização de produção científica
“... nos países periféricos, a ideia e a prática da estrangeira é fundamental para a elaboração teó-
redução sociológica somente podem ocorrer ao rica, de acordo com Guerreiro Ramos, mas ela
cientista social que tenha adotado sistematica- deve ser condicionada por fatores particulares da
mente uma posição de engajamento ou de com- sociedade em que vive (1996, p.115).
promisso consciente com o seu contexto.” (Ra- Com respeito à lei da universalidade, ele
mos, 1996, p.105). A posição engajada prescreve que a “redução sociológica só admite a

CADERNO CRH, Salvador, v. 25, n. 65, p. 347-363, Maio/Ago. 2012


corresponde ao fato de que cabe à redução socio- universalidade da ciência tão somente no domí-
lógica a busca dos significados existenciais da co- nio dos enunciados gerais.” (1996, p.123). A ci-
munidade. Essa concepção dista de um endosso ência não deve ser feita imbuída de jacobinismo,
entusiástico das heranças históricas ou dos traços porquanto representa, para Guerreiro, a conquis-
exóticos da cultura. A posição epistemológica de ta do esforço universal dos cientistas. No que
Guerreiro Ramos a respeito da redução socioló- diz respeito a essa terceira lei, o autor indaga
gica é coerente com a sua posição sobre as he- por que os esforços para a construção de uma
ranças africanas e a negritude brasileira. O com- sociologia nacional no Brasil não seriam profí-
prometimento não é a aprovação entusiástica da cuos. Uma sociologia nacional não postula que a
cultura nacional, mas a imersão sistemática do sociologia varie de nação para nação, mas que o
cientista social no ponto de vista da sua própria contexto e a cultura nos quais o conhecimento
comunidade. Dessa forma, o comprometimen- social é construído importam. O que explica o
to, como apontamos nas linhas anteriores, é co- insucesso de uma sociologia nacional no Brasil,
erente com a ideia de que a nação é o conjunto segundo Guerreiro Ramos, é a situação colonial.
dos valores e percepções que uma comunidade A situação colonial postula que o Brasil viveria
faz sobre si mesma. Por esse motivo, a redução uma essência alienada, em que a mentalidade

355
GUERREIRO RAMOS, A REDUÇÃO SOCIOLÓGICA...

dos analistas seria condicionada por fatores ex- munidade. Além disso, jamais permitiria que-
clusivamente externos. A universalidade da ci- brar o eixo de complementaridade que caracte-
ência está na produção de enunciados gerais, que rizou o desenvolvimento brasileiro até então. A
podem ser apropriados pelo cientista social a sociologia nacional no Brasil, seguindo a lei do
qualquer momento. Contudo, essa apropriação comprometimento, deve buscar a consolidação
ocorre em um contexto e, por conseguinte, deve de um imaginário pós-colonial capaz de estabe-
estar imbuída de uma intencionalidade que é lecer critérios adequados para a avaliação do de-
informada pelos valores e percepções constituí- senvolvimento e superar o caráter complemen-
das por uma cultura nacional. No que diz res- tar que o cerca.
peito à lei da universalidade dos enunciados ge-
rais da ciência, Guerreiro Ramos retira qualquer
possibilidade, ao contrário de Florestan O DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO A
Fernandes, de que a sociologia deva ser concebi- PARTIR DA ATIVIDADE DE REDUÇÃO SOCIO-
da como uma ciência positiva, realizada exclusi- LÓGICA
vamente por acadêmicos.
Por fim, a lei das fases postula que à “[...] A redução sociológica é um método para
luz da redução sociológica, a razão dos proble- as ciências sociais brasileiras, o qual está preocu-
mas de uma sociedade particular é sempre dada pado em estabelecer um conjunto de regras ne-
pela fase em que tal sociedade se encontra.” (Ra- cessárias para a construção do conhecimento so-
mos, 1996, p.129). Ou seja, existe uma razão his- cial. As leis da redução sociológica estão voltadas
tórica que conforma e estabelece as fases em que para evitar os problemas relacionados ao anacro-
os problemas relativos à sociedade se configu- nismo de conceitos e teorias, a falta de retificação
ram. A ideia de fase não corresponde à existên- dessas teorias em relação ao contexto que preten-
cia de um pensamento linear em termos de cau- de ser compreendido e uma interpretação correta
sa e efeito, mas à compreensão de momentos do problema do desenvolvimento brasileiro. A
históricos que formam os problemas centrais com atuação de Guerreiro Ramos no ISEB e no DASP,
os quais as sociedades se debatem. bem como sua atuação na esfera política propor-
Guerreiro Ramos teve a ousadia crítica de cionaram as bases práticas para o tratamento dis-
formular uma filosofia do conhecimento para pensado ao problema do desenvolvimento.
CADERNO CRH, Salvador, v. 25, n. 65, p. 347-363, Maio/Ago. 2012

atribuir o caráter nacional à sociologia brasilei- A abordagem de Guerreiro Ramos sobre


ra. Sua sociologia em “mangas de camisa”, forte- o desenvolvimento nacional brasileiro deve ser
mente influenciada por uma razão pós- compreendida, na coerência de sua obra, como
colonialista, não nega a universalidade do conhe- o ato de colocar a redução sociológica em prática
cimento sociológico, c0m0 conhecimento cientí- (Souza, 2009). Nesse sentido, sua concepção de
fico. Porém não admite que a atividade dessa desenvolvimento deve vir seguida do adjetivo
sociologia esteja imbuída de uma mentalidade nacional, porquanto ela mobiliza as diferentes
colonial. O caráter das leis da redução sociológi- teorias e concepções relacionadas ao processo de
ca não é o caráter de leis universais da modernização de maneira crítica e comprometi-
epistemologia, mas o condicionamento, ao mes- da com os problemas brasileiros. A concepção
mo tempo, de uma mentalidade pós-colonial da de Guerreiro Ramos sobre o desenvolvimento
comunidade científica brasileira, capaz de inse- nacional brasileiro é crítica à perspectiva segun-
ri-la na comunidade universal da ciência. A ma- do a qual o desenvolvimento econômico promo-
nutenção de uma mentalidade colonial na socio- veria o desenvolvimento social. Para ele, o de-
logia brasileira, com a institucionalização acrítica senvolvimento econômico de nada adianta se não
dos termos da ciência, jamais a inseriria na co- for vinculado às bases existenciais da cultura

356
Fernando de Barros Filgueiras

brasileira. Sem isso, as ciências sociais produzem sibilidades que se abrem em confrontação com
uma falsa compreensão do desenvolvimento, re- a cultura de massas. A premissa do problema
produzindo as condições de um subdesenvolvi- do desenvolvimento em Guerreiro Ramos é que
mento atrelado a uma mentalidade colonizada. a concepção do desenvolvimento deve ocorrer a
Essa crítica às perspectivas do desenvol- partir dos parâmetros de redução sociológica que
vimento brasileiro traçada por Guerreiro Ramos implicam o comprometimento do cientista soci-
dirige-se aos cientistas sociais que elaboram cri- al com o seu contexto, o trabalho metódico e a
térios comparativos de desenvolvimento, toman- apropriação de conceitos e categorias de forma
do como base conceitos e categorias derivados subsidiária. O desenvolvimento brasileiro, segun-
do pensamento hegemônico europeu e norte- do ele, exigiria um processo de modernização da
americano. Sem o processo de redução socioló- sociedade, aberto aos valores e percepções cons-
gica, os critérios comparativos adotados para a tituídas na cultura de massas. No caso brasilei-
compreensão do desenvolvimento brasileiro não ro, o desenvolvimentismo da década de 1950 e
permitem distinguir suas causas e os seus resul- 1960 proporcionou mudanças no cenário políti-
tados (Ramos, 1996, p.144). Para Guerreiro Ra- co, econômico e social brasileiro. Porém carecia,
mos, “[...] o desenvolvimento é uma promoção ainda, de uma perspectiva crítica capaz de
mediante a qual as regiões e nações passam de solidificá-lo no plano dos valores.
uma estrutura a outra superior” (1996, p.140). Para os objetivos desse texto, é fundamen-
O autor aborda esta questão como um problema tal perceber o modo como a sociologia de Guer-
estrutural das sociedades, tendo em vista uma reiro Ramos, tendo em vista o método da redu-
sociologia assentada em traços existencialistas ção sociológica, é influenciado por uma concep-
marcados pelo conceito de nação. É primordial ção pós-colonial, bem como essa concepção in-
a esta sociologia que o problema estrutural do fluencia uma perspectiva de desenvolvimento
desenvolvimento seja enquadrado na matriz de específica na obra do autor, capaz de enquadrar
problemas, perspectivas e valores balizados na os objetivos estratégicos da mudança social no
cultura de fundo. A sociologia nacional brasilei- quadro de valores e percepções definidos na cul-
ra, tendo em vista os conceitos centrais da redu- tura brasileira. Para tanto, é interessante obser-
ção sociológica, deve buscar um critério de de- var a crítica de Guerreiro em relação às teorias
senvolvimento adequado e informado pela cul- da modernização e a crítica do autor ao

CADERNO CRH, Salvador, v. 25, n. 65, p. 347-363, Maio/Ago. 2012


tura nacional. Nenhuma estratégia de desenvol- formalismo brasileiro.
vimento é possível apenas pelo crescimento quan- A concepção de desenvolvimento de Guer-
titativo de instituições, quadros e recursos. É reiro Ramos é construída em torno de um traba-
necessário que uma estratégia de desenvolvimen- lho de forte revisão da literatura sobre moderni-
to seja adequada ao plano estrutural das normas zação, administração pública e desenvolvimen-
sociais que são informadas pela cultura nacio- to econômico. Em Administração e estratégia do
nal. Nesse sentido, é fundamental que uma pers- desenvolvimento, o autor coloca em revisão os
pectiva nacional de desenvolvimento dê conta conceitos de burocracia, ação administrativa e
de um ponto de vista estratégico. A promoção modernização para buscar uma concepção ade-
do desenvolvimento é, segundo Guerreiro, um quada do desenvolvimento brasileiro. Traçar uma
ato político, e, como tal, exige a participação da estratégia de desenvolvimento no Brasil signifi-
sociedade na conformação dos objetivos e valo- ca aplicar os parâmetros metodológicos da redu-
res inerentes à sua fundação (Ramos, 1960). ção sociológica para compreender o melhor ca-
Guerreiro Ramos compreende por estra- minho da mudança social.
tégia não uma concepção instrumental de meios Em primeiro lugar, merece destaque a crí-
e fins, mas a definição de um horizonte de pos- tica do autor às teorias da modernização. Para

357
GUERREIRO RAMOS, A REDUÇÃO SOCIOLÓGICA...

Guerreiro Ramos, a mudança social deve ser um ça nos valores da sociedade capaz de encaminhá-
processo consciente, tendo em vista a mudança la para a modernidade. O formalismo, segundo
de etapas da estrutura social para compor um Guerreiro, “[...] é a discrepância entre a conduta
processo não-tautológico de evolução institucional. concreta e a norma prescrita que se supõe regulá-
O autor, apoiado nas sociologias de Eisenstadt e la” (Ramos, 1966, p.333). O formalismo é típico
de Don Martindale, afirma que a modernização de sociedades prismáticas, as quais apresentam
não obedece a um conjunto de pré-requisitos alto grau de heterogeneidade, uma vez que nelas
necessários à configuração de uma sociedade dita coexistem o tradicional e o moderno, o velho e o
moderna. As teorias da modernização erram e novo, o atrasado e o avançado. Sociedades
promovem tautologias ao procurar por pré-re- prismáticas, segundo o autor, é uma sociedade
quisitos da mudança social que sejam aplicáveis necessariamente dual e ambivalente, cuja práti-
universalmente. A análise comparativa dos pro- ca convencional é estipular processos de
cessos de mudança social deve constituir um sis- superposição de estruturas que assume a
tema de conceitos generalizados, capaz de possi- dualidade como marca fundamental das práti-
bilitar a comparação sistemática de diferentes cas sociais. O formalismo é a discrepância entre
sociedades e definir rotas de modernização e, ao o formal e o efetivo, fazendo com que o conheci-
mesmo tempo, distinguir fenômenos particula- mento objetivo sobre a realidade institucional
res da mudança (Souza, 2009). desse tipo de sociedade jamais possa ser consoli-
Na visão do autor, quando o processo de dado a partir de suas estruturas normativas e
desenvolvimento é analisado pelo olhar de pré- legais.
requisitos estruturais e funcionais estabelecidos O formalismo é típico de sociedades que
em realidades sociais distintas e ditadas pela ex- se estruturam em circunstâncias de dependên-
periência dos países do centro do capitalismo, cia em relação aos países do centro do capitalis-
políticos e administradores dos países periféri- mo e que têm um tipo de cultura fortemente
cos são tentados a adotar soluções hipercorretas elitista. O caráter dual do formalismo implica
para os problemas reais dessas nações. Ao invés que as normas sociais e legais são sempre adap-
de buscar soluções hipercorretas, que reprodu- táveis à realidade e têm um caráter convencio-
zem os caminhos adotados pelos países do cen- nal. É um tipo de comportamento de sociedades
tro do capitalismo, os países da periferia devem que carecem de forma, porquanto sua cultura se
CADERNO CRH, Salvador, v. 25, n. 65, p. 347-363, Maio/Ago. 2012

buscar soluções adequadas, as quais necessitam alinhe a parâmetros de uma mentalidade coloni-
de um ponto de vista estratégico (Ramos, 1966). zada. A não obediência às normas e sua adapta-
A estratégia administrativa deve estar voltada ção à realidade no cotidiano dos órgãos adminis-
para a busca de soluções adequadas ao quadro trativos do Estado é a tônica de sociedades
histórico-cultural da nação, com o objetivo de prismáticas. O resultado é que projetos de de-
superar os problemas práticos que se apresen- senvolvimento, que implicam mudança dos pa-
tam ao Estado. O Estado é propulsor do desen- drões normativos da sociedade, esbarram em
volvimento, segundo Guerreiro Ramos, e sua convenções previamente fixadas e em um com-
administração deve adotar essa perspectiva es- portamento ora irônico, ora histriônico das eli-
tratégica que exige, por sua vez, um processo de tes. A conduta política das elites ou se baseia em
redução sociológica (Souza, 2009). uma ironia de fundo ou em uma reação moralis-
Para Guerreiro Ramos, o principal entrave ta pouco organizada, fazendo com que o
ao desenvolvimento brasileiro seria o formalismo formalismo implique em um conservadorismo
presente na administração do Estado, o que acar- de base que impede a mudança dos valores da
reta o fato de, mesmo com os ganhos do desen- cultura social (Ramos, 1966, p.341).
volvimento econômico, não haver uma mudan- Em sociedades que convivem com o

358
Fernando de Barros Filgueiras

formalismo, normalmente os indivíduos têm cons- Estado. Este idealismo implica o fato de as insti-
ciência das normas existentes, contudo sua ação tuições políticas distanciarem-se da cultura na-
concreta ocorre em contextos que procuram adap- cional, resultando, necessariamente, em um pa-
tar as normas existentes às necessidades reais. Esta drão apenas formal – e não efetivo – de cidada-
discrepância entre normas e comportamento im- nia e de direitos. Para Guerreiro Ramos, Viscon-
plica o fato de que o processo de desenvolvimen- de do Uruguay, Oliveira Vianna, Silvio Romero
to ocorra em torno de um processo de acomoda- e Alberto Torres foram os primeiros a fazerem a
ção. O desenvolvimento econômico e a moderni- crítica do formalismo brasileiro. Mas nenhum
zação administrativa do Estado não implicam uma deles, de acordo com o autor, logrou atingir uma
mudança estrutural profunda, mas apenas um compreensão satisfatória do formalismo brasi-
processo de acomodação da sociedade ao estilo leiro. Apesar de Guerreiro citar autores do pen-
de vida moderno. Como ressalta Guerreiro Ra- samento autoritário como importantes à crítica
mos, o formalismo não impede o desenvolvimen- do formalismo brasileiro, ele ressalta que os cor-
to econômico. Muitas vezes faz com que ele se retivos propostos refletem uma compreensão
torne necessário. Mas as mudanças sociais nunca parcial da natureza do fenômeno, ao acredita-
ocorrem de modo a serem inclusivas e profun- rem que o Estado, sobrepondo-se autoritariamen-
das. Respeitam apenas a um processo de acomo- te à sociedade, pudesse conduzir o Brasil ao ca-
dação e complementaridade, os quais não permi- minho da modernidade (Ramos, 1966, p.361).
tem uma institucionalização efetiva de normas Para Guerreiro Ramos, o formalismo bra-
modernas e um processo autêntico de transfor- sileiro implica um jeito como o genuíno proces-
mação. Em sociedades prismáticas, a mudança so para resolver dificuldades. O jeitinho é uma
social ocorre, mas sempre pautada por uma elite estratégia para contornar dificuldades a despei-
que reinventa seus valores tradicionais. to da lei ou mesmo contra ela. É uma condição
No caso brasileiro, segundo Guerreiro Ra- de sobrevivência do indivíduo em uma socieda-
mos, o formalismo ocorre exatamente pela falta de que carece de processos mais sólidos de
de forma à Nação. O processo de independência institucionalização da lei. É também uma estra-
foi apenas um processo formal de ruptura com o tégia de preservação do corpo social, no qual as
estatuto colonial. Pelo fato de Nação não ter for- leis são textos fora de contextos e não respeitam
ma, isso fez com que ela tivesse que tomar em- a cultura nacional de fundo. O Brasil seria uma

CADERNO CRH, Salvador, v. 25, n. 65, p. 347-363, Maio/Ago. 2012


prestado a outras nações os seus valores, modos sociedade que transplanta leis advindas de ex-
de vida, hábitos de consumo, padrões de traba- periências estrangeiras de forma acrítica, sem
lho, instituições políticas. Institucionalmente, a estabelecer a relevância delas para as necessida-
sociedade brasileira seria, em seu nascedouro, des reais do desenvolvimento. Importante frisar
uma sociedade formalística. Na literatura, have- que, para Guerreiro Ramos, o jeitinho não é uma
ria um estilo formalístico, preocupado com a for- regra do caráter nacional brasileiro, equivalente
ma e não com a autenticidade de seu conteúdo.3 a um traço de originalidade do brasileiro. Não é
O mesmo se pode dizer da política. Seguindo as um tipo de comportamento herdado do
contribuições de Alberto Torres e Oliveira patrimonialismo português. O jeitinho é a vi-
Vianna, a política brasileira seria pautada por gência do formalismo em um contexto de uma
um comportamento elitista que seguiria um “ide- estrutura de poder altamente oligárquica e dife-
alismo utópico” da organização institucional do renciada (Ramos, 1966, p.381).
Nesse sentido, frente ao formalismo e ao
3
Guerreiro Ramos apoia-se em Sílvio Romero para afirmar
que a literatura brasileira teria um tom formalístico. Para jeitinho na cultura brasileira, não basta a impor-
Romero, a literatura brasileira seguiria padrões dogmáticos tação de normas e leis definidas no estrangeiro.
definidos em estilos adventícios determinados pela cultu-
ra francesa. A esse respeito, conferir Ramos (1966, p.352). O resultado disso é constituir, na sociedade bra-

359
GUERREIRO RAMOS, A REDUÇÃO SOCIOLÓGICA...

sileira, uma devassa moral que pode resultar em missa de que qualquer estratégia de desenvolvi-
formas autoritárias e mais oligarquizadas de po- mento deve encará-lo como elemento central para
der. Importar soluções modernizantes sem o pro- a sua consecução. Uma vez que o formalismo é
cesso de redução sociológica implica a adoção de o elemento definidor da Nação, já que as regras
soluções hipercorretas, mas que geram reações con- sempre tiveram um caráter exógeno, derivado
servadoras na base da sociedade. O político e o de uma mentalidade colonial, qualquer projeto
administrador devem adotar, frente ao formalismo, de mudança social no Brasil deve adotá-lo como
não a busca de soluções hipercorretas, mas uma estratégia para o desenvolvimento. Se o desen-
concepção estratégica de desenvolvimento capaz volvimento, respeitando uma mentalidade pós-
de colocar o Brasil na rota da modernidade. Dessa colonial, deve estar alicerçado no plano dos va-
forma, o formalismo não deve ser uma espécie lores e percepções definido pela cultura, o
de inimigo inconteste da sociedade, nem mes- formalismo brasileiro deve ser um elemento cen-
mo se devem transplantar ideias e normas que tral para a constituição de uma estratégia de de-
serviram ao desenvolvimento de países do cen- senvolvimento sem a presença de soluções
tro do capitalismo. O formalismo brasileiro, ao hipercorretas.
ser concebido dentro de uma concepção estraté- Para Guerreiro Ramos é essa característi-
gica de desenvolvimento, com base no processo ca formal da sociedade brasileira que permite a
de redução sociológica, deve servir à moderni- sua articulação, como sociedade periférica, com
zação (Ramos, 1966, p.387). O fundamental é o mundo. A sociedade brasileira, em função do
romper com uma perspectiva elitista e coloniza- formalismo, mostra-se uma sociedade adaptável
da, constituindo estratégias próprias de desen- à mudança. No caso da administração pública, o
volvimento que alicercem um caminho próprio formalismo permite certa maleabilidade das ins-
para a modernização, sem as tautologias desig- tituições em relação à sociedade. Ademais, o ex-
nadas por uma concepção que queira estabele- cedente de pessoas diplomadas pode ser incor-
cer os pré-requisitos do desenvolvimento. porado no Estado, de modo que o formalismo
Seguindo a afirmação de Euclides da Cu- contribua para a mobilidade social ascendente.
nha de que o Brasil seria “[...] o único caso histó- A mobilidade ascendente de negros, por exem-
rico de uma nacionalidade feita por uma teoria plo, foi fortemente influenciada pela presença
política” (Cunha, 1999, p.341), Guerreiro Ramos deles no serviço público brasileiro (Ramos, 1960).
CADERNO CRH, Salvador, v. 25, n. 65, p. 347-363, Maio/Ago. 2012

afirma que a origem do formalismo está no pro- O formalismo, segundo Guerreiro Ramos, “[...]
cesso de construção nacional. Segundo ele: atesta que ela está em movimento histórico, as-
cendente, positivo; que está deixando de ser o
Os três poderes, nas velhas nações, foram pri- que era” (Ramos, 1966, p.395).
meiramente uma realidade, costumes coletiva-
mente consagrados e, depois, uma teoria formal O formalismo é um fenômeno inerente à
e sistemática, elaborada e discutida por autores. realidade social brasileira e é elemento impres-
No Brasil, por força da particularidade da sua
formação histórica, observa-se o inverso desse cindível de ser considerado em qualquer estraté-
processo. Não caminhamos do costume para a
teoria; do vivido concreta e materialmente para gia de desenvolvimento, uma vez que a base do
o esquema formal. É o inverso que se dá; cami- processo de construção nacional se deu a partir
nhamos, até agora, no tocante à construção naci-
onal (nation building), do teórico para o consue- de seu alcance. Portanto, ele é, no Brasil, um fe-
tudinário, do formal para o concretamente vivi- nômeno regular e normal, que existe em função
do. O formalismo é, nas circunstâncias típicas e
regulares que caracterizam a história do Brasil, de uma cultura política mais sólida. O formalismo
uma estratégia de construção nacional (nation é o momento de uma transição, que respeita um
building). (Ramos, 1966, p.389)
processo histórico em que a institucionalização
Romper com as interpretações tautológicas de normas deve obedecer a um processo regular
do formalismo brasileiro significa partir da pre- de gradativa institucionalização na cultura naci-

360
Fernando de Barros Filgueiras

onal. Guerreiro Ramos era, antes de qualquer tico da cultura brasileira. Não se propala, então,
coisa, um otimista em relação ao Brasil. Para ele: uma fórmula universal para o desenvolvimento,
mas uma perspectiva estratégica e cientificamente
O desenvolvimento, no Brasil, enquanto persis- informada. A sociologia, nesse sentido, tem pa-
tir a dualidade, jamais implicará, em cada fase, a
substituição integral do velho pelo novo, mas, pel fundamental, à medida que não seja conce-
antes, a cooptação do velho pelo novo, dos ele- bida em um marco institucional universal, mas
mentos arcaicos e retardatários pelos elementos
modernos e atuais. (1966, p.417). que seja capaz de arregaçar as mangas em prol
de uma cultura em formação, que busca o seu
Sendo assim, o formalismo é uma estraté- lugar no mundo.
gia de mudança social, imposta pelo caráter dual No atual contexto de revisão e revisitação
da formação histórica brasileira e pelo modo como das estratégias de desenvolvimento, deflagradas
o Brasil se articula com o mundo. Reconhecido no atual estágio da sociedade brasileira, é im-
isso, é possível, segundo Guerreiro Ramos, supe- possível não perceber as possibilidades que tan-
rar a mentalidade colonial, para que a sociologia to o pensamento de Guerreiro Ramos quanto o
tenha o papel fundamental de compreender e tra- pensamento pós-colonial podem exercer na con-
balhar com o caráter existencial da cultura brasi- figuração de um caminho próprio. Isso significa
leira, a qual, de acordo com ele, ainda é fenôme- que há possibilidade de que os projetos sejam
no obscuro e passível de interpretação. Buscar as revistos e não se cometam os mesmos erros do
bases existenciais da sociedade brasileira, por meio passado. Nesse sentido, buscar as bases existen-
da redução sociológica, é reconhecer que a rota ciais da cultura brasileira pode ser um caminho
para o desenvolvimento deve estar alicerçada no aberto à imaginação, com o condão de refletir e
conjunto de problemas práticos que o fato nacio- deixar consolidar a própria identidade nacional
nal brasileiro implica. do Brasil. A janela de oportunidade ora aberta
exige medidas de conhecimento. Nesse caso, a
redução sociológica pode ser um caminho, den-
CONSIDERAÇÕES FINAIS tre vários apresentados à sociedade brasileira.

Este texto tratou das bases epistemológicas


fundamentais do pensamento social de Alberto (Recebido para publicação em 13 de fevereiro de 2012)

CADERNO CRH, Salvador, v. 25, n. 65, p. 347-363, Maio/Ago. 2012


(Aceito em 16 de abril de 2012)
Guerreiro Ramos. Mostramos que esse autor, ao
estabelecer o método da redução sociológica,
proporcionou a consolidação de uma concepção REFERÊNCIAS
própria de desenvolvimento para o Brasil, a qual
está preocupada, fundamentalmente, com as CUNHA, Euclides da. À margem da história. São Paulo:
Martins Fontes, 1999.
bases interpretativas da cultura, de forma a con-
FERNANDES, Florestan. A sociologia no Brasil. Petrópolis:
solidar uma via própria para a modernização. Vozes, 1977.
Esse movimento de discussão metodológica FREYRE, Gilberto. Casa grande e senzala. In: SANTIAGO,
do fazer sociológico no Brasil e a sua importân- Silviano (Org.) Intérpretes do Brasil. Rio de Janeiro: Nova
Aguilar, 2000. v.2.
cia para a interpretação de nossas condições exis- MAIO, Marcos Chor. Uma polêmica esquecida: Costa Pin-
tenciais proporcionaram a consolidação de uma to, Guerreiro Ramos e o tema das relações sociais. Dados:
revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v.40, n.1, 1997.
perspectiva de desenvolvimento alicerçada em
OLIVEIRA, Lúcia Lippi de. A sociologia do Guerreiro. Rio
um imaginário pós-colonial. Importante obser- de Janeiro: Ed. UFRJ, 1995.
var que esse imaginário pós-colonial é publica- RAMOS, Alberto Guerreiro. A redução sociológica. Rio de
Janeiro: Ed. UFRJ, 1996.
mente informado e orientado pelas bases
_______. Administração e estratégia do desenvolvimento. Rio
interpretativas abertas pelo conhecimento autên- de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1966.

361
GUERREIRO RAMOS, A REDUÇÃO SOCIOLÓGICA...

_______. O problema nacional brasileiro. Rio de Janeiro: SCHWARTZMAN, Simon. Painel sobre a contribuição de
Saga, 1960. Guerreiro Ramos para a sociologia brasileira. Revista de Ad-
ministração Pública, Rio de Janeiro, v.17, n.2, 1983.
_______. Condições sociais do poder nacional. Rio de Janei-
ro: MEC; Instituto Superior de Estudos Brasileiros, 1957. SOUZA, Márcio Ferreira de. Guerreiro Ramos e o desenvol-
vimento nacional: a construção de um projeto para a na-
_______. O negro no Brasil e um exame de consciência. In: ção. Belo Horizonte: Argumentvm, 2009.
______. Relações de raça no Brasil. Rio de Janeiro: Edições
Quilombo, 1950. SPIVAK, Gayatri C. Can the Subaltern Speak? In: WILLIAMS
Patrick; CHRISMAN, Laura (Ed.) Colonial discourse and
RAMOS, Arthur. O negro brasileiro. Rio de Janeiro: Graphia, Post-Colonial Theory: a reader. New York: Columbia
2002. University Press, 1994.
SANTOS, Boaventura de Souza. Crítica da razão indolen-
te. São Paulo: Cortez, 2003.
CADERNO CRH, Salvador, v. 25, n. 65, p. 347-363, Maio/Ago. 2012

362
Fernando de Barros Filgueiras

GUERREIRO RAMOS, THE SOCIOLOGICAL GUERREIRO RAMOS, LA RÉDUCTION


REDUCTION AND THE POST COLONIAL SOCIOLOGIQUE ET L'IMAGINAIRE POST-COLO-
IMAGINATION NIAL

Fernando de Barros Filgueiras Fernando de Barros Filgueiras

The recent improvement of Latin-American Le perfectionnement récent de la sociologie la-


sociology moves towards reinforcing and giving value tino-américaine se veut de renforcer et de valoriser une
to its own scientific production. This enables the production scientifique propre. Ceci permet la
consolidation of the self interpretation of its social consolidation d’une auto-interprétation de sa réalité
reality, capable of promoting the development of sociale capable de promouvoir le développement des
several potentialities in Latin-American societies. The diverses potentialités des sociétés latino-américaines.
objective of this text is to recover the practical and L’objectif de cette étude est de reprendre les opinions
epistemological positions of Alberto Guerreiro Ramos pratiques et épistémologiques d’Alberto Guerreiro Ra-
published in different media and recognized as a mos publiées dans différents milieux et connues en
“sociological reduction”. Based on Guerreiro Ramos’ tant que “réduction sociologique”. Partant des idées de
standpoints presented in the 2nd Latin-American Guerreiro Ramos présentées lors du IIe Congrès Lati-
Conference in Sociology, this paper aims at relating no-Américain de Sociologie, nous voulons faire le lien
the terms of sociological reduction to the post- entre les termes de la réduction sociologique et
colonialist imagination, observing methodological l’imaginaire post-colonialiste, à partir de l’observation
proximities and distances from the craft of sociology des rapprochements et des éloignements
and the innovations provided by the author, bearing in méthodologiques du travail de la sociologie ainsi que
mind the sociological reduction. les innovations apportées par l’auteur avec ce concept
de réduction sociologique.
KEY WORDS: sociological theory, Brazilian social thought, M OTS - CLÉS: théorie sociologique, pensée sociale
social sciences epistemology, nationalism, post- brésilienne, épistémologie des sciences sociales,
colonialism nationalisme, post colonialisme.

CADERNO CRH, Salvador, v. 25, n. 65, p. 347-363, Maio/Ago. 2012

Fernando de Barros Filgueiras - Doutor em Ciência Política. Professor adjunto da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG), no Departamento de Ciência Política (DCP), onde também ocupa a posição de chefe do
Departamento. Tem experiência na área de Ciência Política, com ênfase em teoria política, políticas públicas
e comportamento político, atuando principalmente nos seguintes temas: teoria política normativa, Estado e
governo, teoria democrática, direito e democracia, corrupção e bom governo. É pesquisador e coordenador do
Centro de Referência do Interesse Público da UFMG. Autor de “Corrupção, democracia e legitimidade”,
Editora UFMG, 2008.

363

Das könnte Ihnen auch gefallen