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INSTITUTO DE ARTES
DEPARTAMENTO DE ARTES CÊNICAS
Brasília, DF
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2007
SUMÁRIO
1. APRESENTAÇÃO....................................................................................................4
3. USO DA MUSICALIDADE........................................................................................6
4. CONCLUSÃO.........................................................................................................10
REFERÊNCIAS..........................................................................................................11
ANEXOS.....................................................................................................................12
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1. APRESENTAÇÃO
Esse trabalho de pesquisa visa uma análise interpretativa dos elementos estruturais
na peça Quatro Por Quatro, dirigida pelo multiartista Hugo Rodas, buscando a
compreensão das suas influências referenciadas no roteiro. Para tanto, apresentarei
um breve contexto do processo criativo, através do resultado de uma entrevista
realizada com o artista. Logo após, buscarei identificar as formas e estilos utilizados
que correspondem ao aspecto da musicalidade inserido nas cenas.
Esse é um tempo
De grande doidura
Esta é a hora
De cair em cima
Ai que indecisão
Vamos lá irmão
(Quatro por Quatro)
No começo dos anos 70 a ditadura militar vive seu apogeu. A violência, a repressão
e o terror, institucionalizados pelo Estado traçavam um caminho escuro para as
artes, para a educação e para os movimentos sociais. No entanto, na metade do
decênio se seguiram diversos fatores que instigariam a volta da luta das resistências
(BOSI, 2014). Quatro por Quatro foi concebida para quem viveu em 1976, nesse
Brasil de pleno regime ditatorial e de grande crise econômica. Transbordava nos
artistas do Grupo Pitu o ideal de liberdade, assim como em diversos cantos do país.
Esse então era o momento “de cair em cima”, de expor a coragem, e guardar o
medo no armário.
Esse foi o impulso de Hugo Rodas, Johanne Hald Madsen, Antonio Herculano,
Cézar Leonardo, Patrícia Studart e Sônia Borges para a criação do quarto trabalho
autoral do grupo. O processo foi totalmente coletivo, e o roteiro crescia, assim como
crescia a convivência entre os integrantes, que na época viviam praticamente juntos:
alguns moravam no mesmo edifício. O Diretor Hugo Rodas conta em entrevista
como se confundiam as salas de ensaio e produção com os espaços da casa e
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momentos de conversas aleatórias. Entre um almoço, uma garrafa de vinho, estava
lá a ideia pairando sobre as palavras que cada um proferia. Em todos os momentos
discutindo, pensando, e fazendo teatro.
Era muito livre todo o trabalho naquela época. De alguma maneira éramos
livres de criar, é? Tudo dependia da inteligência com a qual você fazia isso,
é? Para que pudera ser ouvido e visto. (...) Tínhamos o momento de aula e
tínhamos o momento de ensaio mesmo, mas a criação (...) era uma coisa
que vinha no correr do dia (Hugo Rodas, 2019).
Hugo criava o roteiro em meio a esse contexto. O texto era breve, sem muitas
explicações e prevaleciam apenas elementos de orientações para aqueles que
estavam dentro do processo, “como um guia para o gesto que deveria ser realizado”.
Isso porque o que estava escrito no papel precisava de um nível de sutileza do qual
a censura não se permitisse perceber.
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em frente às adversidades da opressão, as decadências sociais, a subversão dos
valores convencionais e das formas de expressão envidraçadas da época, como se
vê em Quatro por Quatro, o cuidado com o texto é primordial. Nas palavras do
diretor: “Quando você está vivendo em uma época de censura, o que é fácil de
censurar é a palavra. O gesto é muito mais difícil de censurar” (Hugo Rodas, 2019).
3. USO DA MUSICALIDADE
Quatro por Quatro, além de ter um olhar sobre as adversidades que enfrentam os
tempos, também é uma representação das diversidades sexuais, étnicas, culturais,
dos ritmos e dos elementos. Nesse sentido, é importante analisarmos os
componentes que nos trazem esse retrato na estrutura da peça.
Uma das possibilidades que se nota como uso recorrente em Quatro por Quatro, é a
música como elemento de referência sócio-cultural. Na peça temos quatro quadros,
denominados, respectivamente, “Terra”, “Ar”, “Água” e “Fogo”. Cada quadro vai
corresponder a uma representação diferente.
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No primeiro quadro, a rubrica pede “Coreografia rápida, espírito positivo, decidido.
Os dançarinos dançam, tocam tambores e cantam a seguinte canção”. Os tambores
que os artistas tocavam, era, segundo Rodas, uma referência ao candombe:
manifestação da cultura popular afro-uruguaia, realizada normalmente no natal e no
carnaval. Há uma relação com a fala que está no texto: “Dia 13 de maio de 1888,
abolição da escravidão” e “Dia 1º de abril, liberação da mentira, verdade solta no ar”.
Ou seja, a peça relaciona um elemento musical que se remete à época da
escravidão com um contexto político que se caracteriza pela privação da liberdade.
O tambor seria o nosso golpe. Um golpe de ataque, de defesa. Um toque de
acabar com tudo o que tava aporrinhando a gente, no? E é no fundo um
pouco desse descontento que tínhamos todos, nesse momento, como fazer
para, por meio do trabalho, acordar as pessoas pra esse sentimento de luta,
pra esse sentimento de fortificarmos, junto com o público (Hugo Rodas,
2019).
Era toda uma crítica. E era uma crítica também, naquela época, a alguns
movimentos que se achavam absolutamente libertários, é? E que na
realidade, o que faziam era consumir o desejo de uma classe média alta,
que ia ao teatro para consumir aquilo (Hugo Rodas, 2019).
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Música e dança são momentos em que há uma forte atração para o espectador.
Dentro de um espetáculo no qual pessoas estão falando na maior parte do tempo, a
música ou a dança vão transformar o foco. Esses elementos geram mais estímulos
do que apenas a verbalização na cena. Os gregos se utilizavam desse formato que
alternava entre palavra verbalizada, canção e dança, para alterar o foco do
espectador. Na estrutura formal da tragédia é visível essa alternância entre versos
falados e versos cantados, incluindo os movimentos ritmizados entre personagens e
coro.
No entanto, no caso de Quatro por Quatro, as artes estão atreladas umas as outras.
Percebe-se no primeiro quadro o uso da canção com letra (texto cantado), a música
dos tambores e os passos da dança. Além disso, no espetáculo estão todos
cantando, e, mais ainda, temos a atuação. Ou seja, as pessoas que tocam e
dançam, também cantam e atuam. Esse elo entre as artes traz uma experiência
multissensorial, tanto para o espectador como para o artista em cena.
Nesse tipo de independência relacionada aos estilos musicais que se seguem nas
cenas, há também a influência estética da arte popular. Numa dramaturgia de base
mais erudita, as músicas mantém uma estrutura marcada por ritmos previsíveis e
lineares. No entanto, nos trabalhos de influência mais popular, as canções seguem
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uma tendência mais independente umas das outras. No teatro de revista, por
exemplo, as músicas apresentadas são um apanhado de vários artistas populares.
De acordo com Neyde Veneziano (2006), o teatro de revista é um gênero de teatro
musicado, dominante como estética do teatro brasileiro entre os anos 1920 a 1940,
que tem influências de estilos como o vaudeville e a opereta. Tinha como
característica a problematização do cotidiano e a exposição de questões sociais e
políticas, trabalhando com a paródia e a caricatura, se utilizando de personagens-
tipo, danças e cantos. Era composto pelo uso de esquetes e finais triunfantes.
Esse choque entre estilos de Quatro por Quatro também está relacionado ao efeito
de estranhamento, de Brecht. No teatro brechtiano, o estranhamento tem a função
de mostrar as estratégias da linguagem teatral. Produz certa deformação à cena,
trazendo à superfície o que estava escondido por traz da história. Isso faz com que o
público se aproxime do acontecimento. Segundo o teórico: “A finalidade da técnica
do efeito de distanciamento era fornecer ao espectador uma atitude examinadora e
crítica em face dos acontecimentos apresentados. Os meios usados eram artísticos”
(BRECHT 1967, p. 160).
4. CONCLUSÃO
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Diante do propósito original da pesquisa, pude conhecer um pouco sobre a vida e o
trabalho de Hugo Rodas. Percebo que traçar um caminho curto para o conhecimento
de toda a sua criação, é no mínimo um ato de ingenuidade, dada a importância da
sua história dentro do cenário artístico de Brasília. A relação de Hugo com a sua
história e suas influências nas artes apresenta muitos outros aspectos a serem
investigados. Portanto, concluo que essa pesquisa não está fechada e afirmo a
necessidade em, posteriormente, retornar a ela para que se torne um trabalho um
pouco mais completo.
REFERÊNCIAS
BRECHT, Bertold. Estudos sobre teatro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978.
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BRECHT, Bertoltd. Teatro Dialético. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967.
VENEZIANO, Neyde. De Pernas pro Ar: O Teatro de Revista em São Paulo. São
Paulo, 2006.
ANEXOS
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FICHA TÉCNICA:
Canções - criação coletiva do grupo, exceto “Marcha Polonesa”, de Frédéric Chopin, “Rio de
Janeiro” (anônimo popular) e “La española” (anônimo espanhol).
Dançarinos - Hugo Rodas, Johanne Hald Madsen, Antonio Herculano, Cézar Leonardo, Patrícia
Studart e Sônia Borges.
ROTEIRO:
“Este é um tempo
De grande doidura
Esta é a hora
De cair em cima
Ai que indecisão
Vamos lá irmão”.
A canção vai num crescendo, até virar carnaval. No auge, interrompe-se o canto e os
dançarinos dizem: “Grupo Pitu, 1976”. Recomeçam então a cantar a canção do início (“Este é um
tempo”... etc.).
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2º Quadro: O ar (roupas brancas)
Coreografia em ritmo de três, sugerindo uma dança de cavalos. Não há música, a não ser a
marcação do tempo de três pelos tambores. Na segunda parte, aparece a seguinte canção:
Coreografia sem música, sugerindo o movimento ora lento, ora rápido das águas, até que se
formam casais. Segue com uma lenta coreografia de amor e de relações de dominação dentro do
casal. Finalmente, há uma coreografia inspirada nas danças espanholas, com todos cantando a
seguinte canção do folclore andaluz:
Ao final, entra de novo a “Marcha Polonesa” e o grupo sai em bloco, em passo cadenciado.
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