Sie sind auf Seite 1von 14

O empresariado industrial e a educação brasileira

O empresariado industrial
e a educação brasileira

Ramon de Oliveira
Universidade Federal de Pernambuco, Centro de Educação

Introdução Essas considerações deixam claro que a com-


preensão das políticas educacionais implementadas
De acordo com o empresariado industrial bra- nos últimos anos pelo governo brasileiro requer a aná-
sileiro, o combate à pobreza no Brasil depende do lise de como o empresariado tem interferido na con-
desenvolvimento de medidas que permitam às in- fecção dessas políticas. Este artigo busca contribuir
dústrias nacionais competirem, em igualdade de con- nesse sentido. Dialogando com as proposições edu-
dições, com as estrangeiras. Nesse sentido, além da cacionais do empresariado industrial tornadas públi-
necessária diminuição dos custos da produção, o cas no transcorrer da década de 1990, procurarei de-
empresariado advoga a reestruturação do sistema monstrar que há uma relativa sintonia entre as
educacional brasileiro, as quais, na sua compreen- propostas desse empresariado e o conjunto de refor-
são, são condições indispensáveis para o crescimento mas e políticas educacionais, implementadas pelo
industrial produzir também o aumento da oferta de governo Fernando Henrique Cardoso no transcorrer
empregos. dos seus dois mandatos consecutivos.
As posições assumidas pelo empresariado indus-
trial brasileiro são muito parecidas com as do Banco O empresariado e a educação
Mundial, tendo em vista o fato de esta instituição con-
siderar que o caminho para a nação brasileira é o Preocupado com a articulação entre competiti-
aumento da sua competitividade econômica e as re- vidade industrial e formação de capital humano, em
formas econômica e política. Defensor da reestrutu- 1988, no documento Competitividade industrial (Con-
ração do Estado e da redução de suas intervenções federação Nacional da Indústria – CNI –, 1988), o
nas áreas sociais – como saúde, educação e alimenta- empresariado desenvolveu um conjunto de críticas ao
ção –, o empresariado advoga o envolvimento dos sistema educacional brasileiro, apontando que sua fra-
setores econômicos e políticos nesse processo. gilidade contribuía para o constrangimento da forma-

Revista Brasileira de Educação 47


Ramon de Oliveira

ção de mão-de-obra qualificada para atender às no- Talvez a forma mais correta de entender e pro-
vas demandas existentes no mercado de trabalho. Em- blematizar os limites do pensamento empresarial para
bora direcionadas à educação básica, suas críticas pri- a educação seja conhecer qual o verdadeiro fim ou
vilegiaram o ensino superior, como podemos observar objetivo maior que busca realizar em cada momento
a seguir: histórico. Nesse sentido, não falo de um objetivo es-
pecífico, que seja exclusivamente seu e que possa se
1) Maior rigor na transferência de recursos para realizar independentemente da ação de outras forças
o sistema universitário. sociais, no interior da sociedade; falo de um projeto
2) Incentivos à participação de recursos privados social e econômico que possa se estabelecer enquan-
na manutenção do sistema de ensino público; to hegemônico, subordinando, inclusive, os interes-
3) Apoio à educação básica. ses das classes adversárias.
4) Melhores condições para a integração dos do- Esta discussão torna-se mais evidente quando se
centes em atividades fora da universidade. (p. 20) leva em consideração a análise desenvolvida por
Rodrigues (1998), destacando o pensamento pedagó-
Entendo que enquanto a primeira proposta se re- gico da CNI e afirmando que a eleição, pelo empresa-
fere à produtividade e à eficiência, que valorizam os riado, da educação como uma das prioridades nacio-
mecanismos de avaliação há muito estabelecidos nos nais é expressão de uma metamorfose dos objetivos
cursos de pós-graduação, a segunda demonstra o inte- desse sujeito econômico e político. Para o autor, pode-
resse do empresariado em intervir na gestão do siste- se visualizar que, desde sua formação, a CNI vem mo-
ma público de ensino. O empresariado não apenas se dificando seus objetivos e, à medida que essas altera-
apresenta como possível sócio no financiamento da ções acontecem, reelabora seu discurso e modifica suas
educação pública, mas advoga para si a possibilidade práticas de forma que alcance a hegemonia necessária
de interferir na direção dada ao seu financiamento. Já a para a concretização de seus interesses.
quarta proposta demonstra seu interesse em benefici- Para Rodrigues, a partir da década de 1980 o
ar-se da estrutura já existente nas instituições públicas télos da CNI é a concretização de uma economia
de ensino superior: propõe que, mesmo os profissio- competitiva. Este, como outros télos perseguidos por
nais mantendo o tempo integral nas universidades pú- essa instituição ao longo dos anos (nação industria-
blicas, possam prestar serviços à iniciativa privada. lizada, país desenvolvido), tem fundamentalmente
Deve-se considerar que, embora esse discurso do caráter econômico, o que provoca que outros con-
empresariado industrial direcione sua atenção à edu- ceitos subordinados a esse télos também passem a
cação básica, isso não significa que, em plano mais ter o mesmo caráter.
geral, esteja construindo estratégias que contribuam A educação, efetivamente, estaria inserida no con-
ou pressionem o Estado a direcionar mais recursos junto de conceitos subordinados a esse novo télos, e
para tal segmento da política educacional brasileira. talvez seja exatamente aí que podemos justificar a nossa
Efetivamente, há de se investigar, em uma am- afirmação anterior, de que é necessário ir além do dis-
plitude bem maior do discurso, o quanto um sujeito curso de valorização da educação básica para se com-
político tem real interesse em construir uma nova ins- preender o que de fato o empresariado está objetivan-
titucionalidade da educação. Nesse sentido, pode-se do com o processo educativo. A educação, assim como
observar que o empresariado não estabelece práticas as outras políticas sociais, passa a ser pensada dentro
concretas visando à constituição de um modelo eco- da lógica de custo/benefício e de contribuição para o
nômico e social includente. Assim, é de se questionar novo projeto político e social que a burguesia industri-
o quanto tem interesse em modificar a situação da al busca consolidar. Dessa forma, a valorização da edu-
educação básica. cação básica não implica em maiores investimentos,

48 Jan/Fev/Mar/Abr 2003 Nº 22
O empresariado industrial e a educação brasileira

mas em obter melhores resultados, se possível até com Para Gentili (1998), a crítica neoliberal ao mo-
menores investimentos (Gentili, 1998). delo educacional latino-americano – que, a meu ver,
No documento do Instituto Herbert Levy Ensino está em sintonia com a crítica que os empresários
fundamental e competitividade empresarial (IHL, fazem à educação brasileira – pode ser assim sinte-
1992), direcionando sua atenção ao ensino fundamen- tizada:
tal, seus formuladores destacaram duas problemáti-
cas como as mais expressivas. A primeira diz respei- Existe uma crise de qualidade porque os sistemas
to ao financiamento e a segunda, à qualidade. educacionais latino-americanos não se configuraram como
Sobre o financiamento, destaca que, tanto em sua verdadeiros mercados escolares regulados por uma lógica
concepção quanto em sua implementação, há distor- interinstitucional, flexível e meritocrática. A escola está em
ções que impedem um melhor rendimento por parte crise porque nela não se institucionalizaram os critérios
desse nível de ensino. Afirma que, além do Estado competitivos que garantem uma distribuição diferencial do
não cumprir o estabelecido na Constituição Federal serviço, que se fundamente no mérito e no esforço indivi-
no que diz respeito ao financiamento, também há in- dual dos “usuários” do sistema. No seu âmbito, não foi es-
competência ou ineficiência da burocracia estatal na tabelecido o necessário sistema de prêmios e castigos, que
aplicação dos recursos. Dessa forma, a primeira pro- recompensa ou pune as ações e decisões individuais; em
vidência a ser tomada é maior eficiência da máquina suma, um sistema em que os “melhores” triunfam e os “pio-
administrativa no controle e aplicação dos recursos res” fracassam. (p. 18)
disponíveis.
Essa posição do empresariado, apontando a ine- Dentro dessa lógica, como demonstra Rodrigues
ficiência estatal e a burocratização existente na ges- (1998), a questão a ser perseguida para solucionar a
tão educacional, faz lembrar o trabalho de Gentili problemática educacional não estaria no aumento dos
(1998) quando destaca que, no campo educacional, investimentos na educação, mas basicamente em
estabelece-se um verdadeiro “Consenso de Washing- como “gastar melhor”. Em síntese, o centro da ques-
ton”. Para esse autor, a ofensiva neoliberal no campo tão estaria em construir nova racionalidade na gestão
educacional, articulada ao conjunto de reformas es- educacional, daí o fato de os governantes neoliberais
truturais implementadas em boa parte da América buscarem reestruturar a administração educacional.
Latina, forja um novo senso comum tecnocrático que Ainda segundo o documento do IHL (1992), há
abre muito pouco espaço para se pensar a crise edu- diversas expressões da má qualidade do ensino fun-
cacional dos países desse continente fora da lógica damental. Os índices de reprovação, o tempo de per-
economicista e privatista. manência dos alunos nas escolas sem alcançarem o
Conforme a crítica neoliberal, a crise educacio- grau correspondente a esse tempo de estudo e os
nal decorre fundamentalmente da incapacidade do maus resultados de aprendizagem são demonstrati-
Estado articular a progressiva universalização do aten- vos de que o desempenho dos alunos brasileiros é
dimento educacional, ocorrido nesses últimos anos, inferior ao dos alunos de outras nações com indus-
com a manutenção/aumento da sua qualidade. Nesse trialização recente.
sentido, o problema fundamental da educação estaria Antes essas constatações, o documento propôs
no campo do gerenciamento. Essas críticas, segundo ao governo “atacar” duas questões fundamentais: o
Gentili, podem ser entendidas como contestação ao estabelecimento de novo modelo de financiamento da
papel interventor do Estado, que, segundo os neoli- escola pública e a implementação de mecanismos de
berais, teria como características a centralização e a controle da qualidade dessas escolas.
burocratização, as quais interferem diretamente na Quanto ao financiamento do ensino fundamen-
produtividade e na eficiência de seus serviços. tal, estipula:

Revista Brasileira de Educação 49


Ramon de Oliveira

1) O governo federal estabeleça e torne público as soluções para a educação podem e devem ser en-
um valor anual mínimo de recursos per capita contradas no interior do sistema educacional ou na
para todos os alunos das escolas de ensino restruturação administrativa do Estado.
fundamental. (p. 6) Se essa elite procurasse entender a problemática
2) O governo federal tome as medidas cabíveis educacional em maior amplitude perceberia que exis-
para garantir que todos os alunos do ensino tem limites sociais, criados e reforçados por ela pró-
fundamental recebam recursos que lhes fo- pria, que definem a impossibilidade de um contigente
rem prometidos, onde quer que estejam ma- maior da população ter acesso a uma escola de me-
triculados. (p. 8) lhor qualidade. Em outras palavras, há determinações
sociais que impedem que um contingente considerá-
Já no que se refere à análise da qualidade da edu- vel da população ingresse e permaneça com sucesso
cação, o documento afirma que qualquer empresa, no sistema educacional. Por outro lado, esse próprio
para garantir o controle de qualidade dos seus produ- sistema mostra deficiências crônicas e mesmo aque-
tos, necessita estabelecer coerência entre os instru- les que nele permanecem não conseguem alcançar um
mentos de aferição de qualidade e o produto elabora- nível de formação que seja considerado satisfatório
do. Agindo dessa forma, é possível detectar possíveis para um cidadão, nos dias atuais. Como diz Gentili
falhas e corrigir distorções existentes. Com o proces- (1994):
so educativo não seria diferente; basta definir o que o
aluno deverá saber ao final de um ciclo de estudos e Não existe “qualidade” com dualização social. Não
avaliá-lo para ver se isso acontece. existe “qualidade” possível quando se discrimina, quando as
Entendendo que o controle da qualidade do pro- maiorias são submetidas à miséria e condenadas à
cesso educacional é utilizado em todos os países do marginalidade, quando se nega o direito à cidadania a mais
Primeiro Mundo, assim como nos países recém-in- de dois terços da população [...]. [Não podemos aceitar] uma
dustrializados, e que o Brasil ainda não o havia colo- sociedade onde o discurso da qualidade como retórica con-
cado em prática, propõe o documento: servadora seja apenas uma lembrança deplorável da barbárie
que significa negar às maiorias seus direitos. (p. 177)
1) O governo federal implemente diretamente um
sistema nacional e permanente de controle de Quando o empresariado recomenda, para a me-
qualidade dos resultados do sistema escolar. lhoria da qualidade de ensino, os mesmos mecanis-
2) O governo federal, em colaboração com o mos utilizados no processo de produção, torna clara a
Senac e o Senai, avalie, através de testes pa- ótica economicista e fragmentária que norteia suas
dronizados, e de maneira sistemática, o al- proposições educacionais. Por outro lado, como des-
cance dos objetivos considerados como com- taca Gentili (1994), encontrar no âmbito do processo
petências básicas para operar em uma de produção saídas para os problemas da educação
sociedade industrialmente moderna e compe- expressa a quem os neoliberais reservam a capacida-
titiva. (p. 9) de de reverter o mau desempenho do sistema educa-
cional. Ou seja, se os homens de negócios souberam
Como apresentado nas críticas de Gentili (1998), enfrentar os seus desafios, se foram capazes de con-
em momento algum os setores ligados ao grande ca- seguir êxitos em suas empreitadas, devemos nos ins-
pital visualizam a problemática educacional intima- pirar neles para modificar o panorama educacional.
mente vinculada às relações de desigualdade que im- Para os empresários e outros neoliberais, somente
peram nos países da América Latina. O empresariado através do estabelecimento de uma lógica competiti-
brasileiro não se distancia daqueles que entendem que va e meritocrática no cotidiano escolar poderão ser

50 Jan/Fev/Mar/Abr 2003 Nº 22
O empresariado industrial e a educação brasileira

efetuadas mudanças capazes de conquistar uma nova empresariado destaca a importância da educação como
realidade educacional. um aspecto importante na formação dos indivíduos
Uma complementação a essa análise de Gentili para a vivência em sociedade. Contudo, por possuir
pode ser feita ao considerarmos que o empresariado, uma compreensão economicista e fragmentária acer-
à medida que vai mudando seu projeto societário, vai ca das múltiplas relações nas quais os indivíduos es-
também redefinindo o papel da educação nesse pro- tão inseridos, termina por valorizar muito mais o pa-
cesso. Sendo fundamental criar novas bases para uma pel da escola como espaço de preparação do indivíduo
sociedade competitiva, o modelo de formação estabe- para o mercado de trabalho. Por conseguinte, ainda
lecido, bem como a própria institucionalidade da edu- que se esboce, nesse documento, a defesa da univer-
cação, precisam ser repensados. O que for expressão salização da educação básica, o fundamental para o
da continuidade é considerado arcaico e passível de empresariado era que a educação estivesse a serviço
modificação. Ou seja, se temos a crise de um projeto dos interesses imediatos da produção, como pode ser
societário e se instaura um novo télos, nada mais cor- evidenciado na citação a seguir:
reto, como podemos apreender de Rodrigues (1998),
que seja atribuída a novos sujeitos a capacidade de O que é necessário defender é um sistema educacional
solucionar os problemas educacionais, ao mesmo tem- que forme o homem auto-realizado, com uma instrução tão
po em que se estabelecem novos critérios de valoriza- completa e geral que o torne capaz de se recambiar nas di-
ção do que é uma educação de qualidade. versas tarefas e qualificações que a nova empresa exigirá e,
Entre suas recomendações, o IHL afirma a ne- portanto, capaz de se mover no interior da organização so-
cessidade de serem destinados maiores investimentos cial do trabalho; um sistema que tenha uma política de for-
para o ensino fundamental. Quanto a isso, todos mação para os possíveis “excluídos” da sociedade do traba-
estamos plenamente de acordo. Inclusive, esse aumento lho, aqueles que precisam, com urgência, desenvolver habi-
de recursos não deve restringir-se ao ensino funda- lidades que esta nova situação imporá. (CNI, 1993, p. 8)
mental, mas direcionar-se a toda a educação básica e
ao ensino superior. A incoerência das afirmações ex- Se no âmbito desse documento houve um redu-
pressa-se, exatamente, no momento que se coloca a cionismo da educação aos interesses imediatos do pro-
necessidade de diminuição de recursos para o ensino cesso produtivo, em outros momentos, o empresaria-
superior. Ora, os formuladores desse documento pare- do procurou afirmar a importância da educação como
cem esquecer que o ensino superior brasileiro está em elemento fundador de uma nova cidadania, para que
grande parte sob responsabilidade da iniciativa priva- os indivíduos tenham intervenção mais crítica no in-
da, cabendo ao poder público uma parcela inferior a terior da sociedade. Entretanto, quando isso ocorreu,
30% (INEP, 1999). A privatização do ensino superior o empresariado elegeu a educação como meta funda-
torna-se mais evidente quando observamos que entre mental para alavancar a modernização, responsabili-
os anos de 1994 e 1998 as matrículas na rede federal zando-a pela mudança na problemática social. Isso
cresceram apenas 12,4%, enquanto na rede privada pode ser constatado em uma entrevista concedida pelo
esse percentual chegou a mais de 36% (idem). presidente da Federação das Indústrias do Estado de
No documento Educação básica e formação pro- São Paulo (FIESP):
fissional: a visão dos empresários (CNI, 1993),1 o

taria de Formação Profissional (SEFOR), do Ministério do Traba-


1
O Senai foi um dos elaboradores desse documento. Anoto lho. Não é de causar espanto, pois, a proximidade desse documen-
também que a elaboração final dele ficou a cargo do professor to com o que veio a balizar as ações direcionadoras do PLANFOR,
Nassin Mehedff, que posteriormente assumiu a direção da Secre- sob a coordenação do mesmo Nassin Mehedff.

Revista Brasileira de Educação 51


Ramon de Oliveira

Em primeiro lugar está a educação. Evidentemente, ser a referência que o empresariado utiliza para pro-
ela cada vez toma mais lugar em tudo que se faz. Sem edu- mover suas interpretações e sugestões de políticas.
cação, sem instrução, você não tem trabalhador, não tem Nada mais coerente que essa articulação; afinal, para
dirigente, não tem empresa, não tem políticos, não tem im- quem não objetiva mudar radicalmente o real, só te-
prensa. Então a educação é a alavanca e o motor de tudo, ria sentido apoiar-se em uma “teoria” que em nada
ainda mais numa época de competição cada vez mais acir- contribui para pensar a educação sobre outras bases
rada, de luta por espaço. Enfim a educação realmente é o que não seja a de reprodução do modelo capitalista
capital humano, não apenas da indústria, mas de uma na- de produção.
ção que queira ser séria. Por ela é que vamos poder elimi-
nar as desigualdades, diminuir a fome, a miséria, vamos O empresariado e a educação:
poder participar dos benefícios da sociedade, do capitalis- participar para privatizar
mo e da democracia. Não adianta ter democracia se o sujei-
to é um ignorante, um esfomeado que não sabe se vota no A, No documento da CNI (1993), ao apresentar uma
no B ou no C, se não é capaz de entender um programa de proposta de política para a educação, o empresariado
governo, se não é capaz de entender uma prioridade, por que não reduziu seu papel ao de mero propositor de refor-
isto é isto, por que aquilo é aquilo [...]. (Ferreira, 1995, p. 5) mas; objetivou também tornar-se um sujeito ativo no
processo de reformulação da política educacional. Ao
Por mais que o empresariado procure, no discur- destacar a importância de se implementar um proces-
so, imputar à educação outras responsabilidades que so de desburocratização da política educacional, com
não exclusivamente a formação de capital humano, a conseqüente descentralização da gestão educacio-
não consegue desviar-se dela. Por parte dos setores nal, o empresariado, nesse documento, advogou sua
ligados ao capital, a leitura do real se assenta em pres- participação nos conselhos escolares. Reconheceu
supostos analíticos que não apontam de forma algu- para si, assim como para outros setores organizados
ma para a necessária ruptura com o modelo social vi- da sociedade, o direito de interferir diretamente na
gente. Para essa parte minoritária da população, as administração e na confecção dos currículos escola-
instituições sociais devem direcionar-se para a con- res, de forma que o processo educativo pudesse al-
servação dos valores e do status quo. A mudança é cançar os objetivos de produtividade e eficiência por
bem-vinda, desde que esteja atrelada a um projeto ele almejados.
maior de conservação dos interesses do capital. Essa preocupação do empresariado em partici-
A flexibilização das relações de trabalho, a rees- par diretamente na administração escolar pode tam-
truturação do papel do Estado, a modificação na for- bém ser vista como mais uma das formas de se bus-
mação dos trabalhadores e uma nova qualidade da car a privatização do sistema educacional. Como
educação básica são expressões de “transformações” destacou Gentili (1998), a privatização da educação
que são aceitas pelo capital, desde que consolidem não tem que seguir a mesma lógica que ocorreu com
mais ainda seus interesses. o conjunto de empresas estatais, quando o Estado pas-
Nesse conjunto de ações que “mudam para con- sou para a mão da iniciativa privada a oferta de certos
servar”, o estatuto da educação continua sempre sen- serviços como água, telefonia, energia elétrica, trans-
do determinado pelo econômico. Passa o tempo e o porte etc.
capital não consegue ver na educação outra coisa se- No processo educacional, a privatização pode
não um instrumento subordinado ao desempenho eco- ocorrer de várias formas, desde a iniciativa privada
nômico dos indivíduos e da sociedade. A teoria do ofertar diretamente o serviço, como buscar que os pró-
capital humano, ainda que reiteradamente criticada prios indivíduos financiem os seus estudos. De qual-
(Frigotto, 1989, 1995; Oliveira, 2001a), não deixa de quer forma, qualquer uma dessas modalidades de pri-

52 Jan/Fev/Mar/Abr 2003 Nº 22
O empresariado industrial e a educação brasileira

vatização deixa explícita uma diminuição da interven- bre a importância da educação no seu projeto de de-
ção estatal no provimento integral desses serviços. En- senvolvimento econômico, atribuiu-lhe um papel
tenda-se bem: provimento integral, o que não implica fundamental na qualificação dos trabalhadores. Para
dizer que o Estado deixe de intervir, visando assegurar a FIESP (1995), o poder público deveria investir em
ao capital privado maior apropriação de riqueza. ações de qualificação dos trabalhadores, porque uma
Se para o empresariado as debilidades do sistema maior qualificação atuaria diretamente na diminui-
educacional podem ser corrigidas pela modificação na ção da concentração de riqueza e no crescimento
forma de condução e gerenciamento da política educa- econômico da nação.
cional, nada aponta para que sua intervenção venha a
contribuir para tal objetivo. Talvez, além da arrogân- Os recursos humanos – a capacidade de iniciativa, a
cia da elite empresarial, marca da ofensiva neoliberal, competência profissional, a inventividade, a disciplina e o
outro fator que justifica essa tomada de posição seja a hábito de agir no presente tendo em vista o futuro – são
ofensiva publicitária que o empresariado utiliza nos dias fatores de produção pelo menos tão importantes para a cria-
atuais, buscando disseminar a imagem de que está aten- ção de riqueza quanto qualquer outro tipo de capital. A ten-
to e sensível às questões sociais. Procura passar a ima- dência no mundo moderno é clara no sentido de tornar o
gem para a população de que ele está desencadeando “cérebro”, cada vez mais, o fator decisivo para o sucesso
medidas, visando auxiliar o poder público a dirimir as econômico. (p. 101)
injustiças sociais e as distorções que existem, funda-
mentalmente, no sistema educacional. Daí provém o De acordo com esse documento, o Estado deve-
fato de serem cada vez mais propagadas ações que o ria desenvolver uma política social séria. Por isso, não
colocam como desenvolvendo atividades de apadrinha- poderia deixar de concentrar maiores esforços e re-
mento de alguma escola. cursos em áreas que eram fundamentais para as po-
Qualquer que seja o motivo encontrado como pulações jovens adquirirem competências que asse-
estimulador da ofensiva empresarial no campo edu- gurem a conquista de nova cidadania. Nesse sentido,
cacional, o mesmo estará imerso no novo padrão ci- maiores investimentos em educação básica e na ca-
vilizatório que as elites econômicas querem e bus- pacitação profissional dos jovens de famílias de bai-
cam estabelecer. Padrão esse no qual o direito à xa renda deverão ser assumidos como prioritários.
educação é passível de questionamento, discussão, Para a FIESP, em uma economia de mercado as
flexibilização e verificação de seu retorno econômi- pessoas devem defender seus próprios interesses. Ao
co. Ou seja, o direito à educação não está imune à Estado não cabe ser paternalista, mas sim assegurar as
lógica mercantil. Portanto, a intervenção empresarial condições mínimas para que esses setores de baixa ren-
no gerenciamento educacional pode e deve ser pen- da possam disputar com outros em melhores condições.
sada no âmbito de um movimento global que busca
A idéia básica é redistribuir não o resultado, o rendi-
desintegrar culturalmente a possibilidade mesma de existên- mento que cada indivíduo logra obter no mercado pelo seu
cia do direito à educação (como direito social) e de um aparato esforço e talento, mas sim a dotação inicial, isto é, a opor-
institucional que tenda a garantir a concretização de tal direi- tunidade que o indivíduo terá para desenvolver sua compe-
to: a escola pública. (Gentili, 1995, p. 230, grifos do autor) tência profissional e econômica. A igualdade de resultado
oprime, a igualdade de oportunidade libera. (FIESP, 1995,
Trazendo à discussão as proposições para a edu- p. 112, grifos meus)
cação da Federação das Indústrias do Estado de São
Paulo (FIESP), pode-se observar que a mesma, quan- O trecho grifado dessa citação deixa claro qual o
do tornou pública uma posição mais elaborada so- modelo de sociedade defendido pelo empresariado.

Revista Brasileira de Educação 53


Ramon de Oliveira

Considerar que através do estímulo à formação pro- gualdade e assimetria. É até possível que se aumente assim
fissional o Estado assegurará oportunidades iguais a produtividade e a eficiência, mas é ainda preciso pergun-
para indivíduos de classes sociais diferentes é procu- tar a quem essa produtividade e eficiência, mais uma vez,
rar ocultar os motivos pelos quais a própria socieda- estarão servindo. (Silva, 1994, p. 24)
de apresenta fragmentações tão profundas.
A desigual apropriação da riqueza em uma so- A visão fragmentada dos fatores determinantes
ciedade marcada pelas relações capitalistas não de- dos níveis de pobreza existentes faz com que as eli-
corre das diferentes aptidões individuais; é a condi- tes empresariais, através de seus documentos, atri-
ção de sobrevivência e reprodução do próprio sistema. buam à educação a responsabilidade de sanar a pro-
É impossível pensar a igualdade de oportunidades, blemática social. Ocultam, no entanto, que, de fato,
como também de apropriação da produção material e o modelo econômico determinado pelas elites eco-
cultural, quando a própria base sobre a qual se sus- nômicas, como propugnado no documento da FIESP,
tenta a produção capitalista requer a existência de gru- define diretamente os índices de concentração de
pos e indivíduos em condições diferenciadas em re- riqueza.
lação à propriedade dos meios de produção. Tanto é verdade o descompromisso do empresa-
Utilizar o mérito individual como explicação das riado com a mudança radical da realidade social que
diferenças sociais, ao mesmo tempo em que se busca quando ele defende maior ação estatal em algumas
legitimar o sistema capitalista – retirando dele a res- áreas sociais, como é o caso da educação, sua reco-
ponsabilidade pelas desigualdades existentes –, é o mendação vem acompanhada de outra mais coerente
mesmo argumento neoliberal que advoga ser o mer- com as suas posições: a de que o Estado não precisa,
cado o espaço próprio para a realização individual. para isso, aumentar os investimentos nessa área.
Ou seja, para o neoliberalismo, os indivíduos, com A matemática de maiores investimentos na for-
base em seus méritos e em sua racionalidade, são os mação de capital humano sem o desembolso de mais
responsáveis pela prórpia realização pessoal. de recursos só se garantiria, evidentemente, a partir
No entanto, como destacou Silva (1994), essa ra- de uma mudança nos modos de financiamento
cionalidade empreendedora, capaz de se colocar aci- efetuados pelo Estado. Coerentemente, os empresári-
ma das contradições sociais, é mera especulação li- os retomaram a crítica ao governo no que se refere
beral, desprovida de um mínimo de sustentação teórica aos investimentos no ensino superior. Segundo o do-
e prática. No campo educacional essa posição é mui- cumento da FIESP (1995), em virtude de serem os
to mais inconseqüente, na medida em que termina por alunos dos setores economicamente privilegiados os
legitimar o processo de desconstrução dos direitos que ocupam as vagas nas universidades públicas, o
sociais alavancado pela ofensiva neoliberal. Estado brasileiro reforça as desigualdades sociais, fi-
nanciando quem pode pagar pela continuidade dos
[...] esse consumidor racional e individualista do pensamento estudos.
liberal é apenas uma ficção na exata medida em que sua Para evitar tal distorção, recomenda-se a privati-
suposta soberania está limitada e restringida pelas contin- zação do ensino superior e o estabelecimento de me-
gências de seu posicionamento na estrutura econômica e canismos compensatórios para assegurar aos alunos
social. Novamente, supor que haja a possibilidade de uma mais carentes a possibilidade de cursarem a universi-
escolha racional e livre é apenas diminuir as chances da- dade. Assim, para a FIESP, as bolsas de estudo e/ou o
queles que estão mal posicionados para fazer uma escolha crédito educativo são os mecanismos mais corretos
racional e livre, enquanto os mais bem posicionados conti- para criação da eqüidade entre os setores economica-
nuarão a fazer escolhas mais “racionais” e “livres”. Em mente diferenciados.
ambos os casos, o que se estará produzindo é mais desi- Para justificar essa posição, vale a pena conside-

54 Jan/Fev/Mar/Abr 2003 Nº 22
O empresariado industrial e a educação brasileira

rar quem o empresariado inclui no leque de priorida- implementar ações de cunho assistencialista por parte
des do Estado brasileiro: do Estado só tenderia a reforçar ainda mais a frágil
democracia brasileira. Não é focalizando a ação es-
A tarefa primordial da intervenção do Estado na área tatal que se estabelecerá a diminuição da desigual-
social deve ser proteger os interesses permanentes dessa dade social; muito menos é pela redução dessa in-
população altamente vulnerável, constituída por crianças e tervenção em áreas passíveis de privatização, como
adolescentes que vivem em famílias de baixa renda. É esse o ensino superior, que aparecerão os recursos para
o grupo que – mais do que qualquer outro e dentro de um minorar a exclusão social.
critério de eqüidade e eficiência – deveria representar o alvo A pobreza na sociedade brasileira não pode ser
privilegiado dos gastos sociais do governo em todos os ní- explicada pela má interferência estatal na condução
veis e do esforço da sociedade para promover a formação econômica ou pela intervenção equivocada em áreas
de capital humano. (FIESP, 1995, p. 211) que poderiam ser melhor trabalhadas se estivessem
sob a responsabilidade da iniciativa privada. Se nos
Essa citação evidencia o limite que o empresa- prendermos a explicações incapazes de visualizar a
riado coloca para as ações estatais. Selecionando a problemática social em uma dimensão mais ampla,
faixa da população para a qual o poder público deve terminaremos por aceitar verdades que as classes do-
direcionar suas atenções e utilizando o expediente de minantes procuram naturalizar, criando um verdadei-
criar uma cisão entre setores distintos da sociedade, ro consenso social. Ou seja, deixaremos de perceber
procura legitimar o “discurso da necessidade”. Enco- que quando o neoliberalismo se depara com um re-
berto por uma postura de questionamento do raio de sultado negativo, decorrente de seu receituário, não
ação da intervenção estatal, busca criar um senso co- reconhece sistematicamente sua responsabilidade por
mum no qual o Estado apresenta-se como ineficiente tal fato, mas sempre imputa o fracasso dos seus pro-
por não ter desenvolvido uma política mais seletiva. gramas de ajustes à ausência efetiva de uma econo-
Nessa interpretação empresarial, os privilegia- mia de mercado, além da contínua onipresença do
dos não têm sua existência explicada a partir de uma Estado (Salama, 1995).
materialidade. São elementos soltos no ar, explora- O Consenso de Washington afirmou que as raízes
dores das benesses estatais. Dessa forma, bastaria ra- dos problemas dos países latino-americanos estavam
cionalizar as ações estatais para que fosse garantido na estratégia de desenvolvimento por eles adotada
aos efetivamente necessitados o usufruto de seu tra- após a Segunda Guerra Mundial (Portella Filho, 1994).
balho. Note-se: o Estado no campo social não tem Essa é uma das explicações que buscam naturalizar a
por função ser um sujeito interventor; seu papel deve crise societária e, ao mesmo tempo, criar as condi-
se reduzir a mero agente caritativo ou assistencialista. ções ideais no campo do consenso político que asse-
Buscar que o Estado seja mais seletivo em sua gurem a implementação de reformas estruturais, ba-
intervenção na área social é de fato buscar jogar para sicamente marcadas pela diminuição da intervenção
o âmbito do mercado o acesso a tais direitos. Tal estatal no campo social. E é exatamente uma das con-
discussão nos faz lembrar Boron (1999), quando des- tradições do projeto neoliberal que merece ser ques-
taca que a política neoliberal, ainda que faça um dis- tionada e confrontada pelas forças democráticas. A
curso de maior democracia, na prática impulsiona ofensiva neoliberal radicaliza no seu discurso a afir-
um modelo social que se caracteriza pela exclusão mação de que o Estado mostrou-se incompetente para
social. Segundo esse autor, a verdadeira democracia conduzir a economia e os serviços sociais, requerendo
tem como objetivo maior integração social; afinal, para tanto a diminuição da sua intervenção. A reali-
em um regime democrático o governo deve voltar- dade tem demonstrado, no entanto, que para o neoli-
se para os interesses do povo. Nesse sentido, beralismo se concretizar enquanto projeto civilizató-

Revista Brasileira de Educação 55


Ramon de Oliveira

rio o Estado tem que se mostrar mais forte do que a) estimular a integração da universidade-em-
nunca; caso contrário, todo o processo implementado presa, vinculando o público ao privado;
pode ser colocado em perigo. b) estabelecer critério da competição para a dis-
tribuição das verbas entre os centros de ensi-
Um regime democrático, que graças a políticas de “ajuste no e pesquisas e institutos tecnológicos;
selvagem” empobrece a cada ano a um número cada vez maior c) buscar a aproximação dos centros educacio-
de cidadãos, ou que transforma em letra morta a separação de nais às necessidades do mercado;
poderes, ou que neutraliza por completo os débeis impulsos d) implementar a fiscalização a posteriori das
participativos desde a base, pode terminar cavando sua pró- pesquisas universitárias. (p. 81)
pria sepultura. Um regime, finalmente, que cancela a “cidada-
nia política” conseguida pela reinstauração da democracia com Com esses objetivos, em definitivo, buscava-se
a “descidadanização econômica e social” provocada pelo apo- submeter a estrutura das universidades aos interesses
geu do neoliberalismo pode projetar uma superficial impres- do setor produtivo, indo muito além do documento pro-
são de estabilidade, até que de repente se produz a débacle. A duzido no final da década de 1980 (CNI, 1988). Dessa
progressiva deslegitimação das novas democracias, produto vez, de forma mais incisiva, o empresariado não ape-
de sua incapacidade para melhorar a sorte das grandes maio- nas defendeu maior rigor na transferência de recursos
rias, dificilmente pode ser considerada um elemento positivo para as universidades, mas também propôs que os mes-
em sua estabilização. (Boron, 1995, p. 85) mos fossem transferidos em função da contribuição que
as universidades dessem às empresas.
Não há como implementar um conjunto de me-
didas, principalmente as ligadas à diminuição do aten- É imperativo o direcionamento da maioria dos recursos
dimento social, sem encontrar ações de contestação destinados à ciência e tecnologia para aqueles projetos com
por parte da sociedade; somente com um Estado forte maior afinidade com o setor produtivo. Isto é, projetos que
esse projeto pode tomar vida. Aliás, mais que um Es- busquem solucionar problemas reais do setor produtivo e que
tado forte, estarão se construindo as condições para a por isso serão rapidamente difundidos, contribuindo efetiva-
concretização de um modelo societário no qual a di- mente para o aumento da produtividade da economia e, con-
vergência ao projeto hegemônico passa a ser entendi- seqüentemente, para o crescimento econômico e para a com-
da como uma ação desestabilizante ao sistema social petitividade dos produtos domésticos. (CNI, 1998, p. 80)
e, portanto, passível de ser reprimida. Assim, não é
de causar espanto que os governos nacionais na Amé- Como se já não representasse um atraso para os
rica Latina tendam a reprimir cada vez mais as ações ideais de universidade pública e gratuita – envolvendo
de contestação a seus programas de ajustes econômi- o ensino, a pesquisa e a extensão como atividades in-
cos. Muito menos é de se espantar a subsunção que dissociáveis –, o empresariado também advogou que
os Poderes Judiciário e Legislativo vêm apresentan- fossem revistos os estatutos das universidades públicas
do em relação ao Poder Executivo. brasileiras. Sugeriu que as mesmas adotassem um mo-
delo de gestão semelhante ao da iniciativa privada e
O ensino superior x o setor produtivo: que passassem a ter maior flexibilidade administrativa,
subordinação a caminho não apenas para buscar recursos no mercado, mas tam-
bém para financiar suas próprias políticas de pessoal.
No ano de 1998, a CNI lançou o documento Com- Além desta “autonomia”, propôs que as univer-
petitividade e crescimento: a agenda da indústria (CNI, sidades fossem financiadas segundo sua vocação. Ou
1998), pelo qual recomendou para o ensino superior seja, o ensino e a pesquisa seriam tratados dissocia-
as seguintes mudanças: damente e, pelo seu perfil, cada universidade deveria

56 Jan/Fev/Mar/Abr 2003 Nº 22
O empresariado industrial e a educação brasileira

ter um financiamento diferente. Em minha opinião, ensino superior construíram ao longo dos anos. Por
aquelas que não contemplassem as atividades ligadas outro lado, também se pode observar que as elites in-
ao que o empresariado compreende como sendo da dustriais, ao estabelecerem critérios mais rigorosos para
área de ciência e tecnologia dificilmente teriam con- o financiamento das entidades públicas, estão contri-
dições de manter-se com financiamento do Estado. buindo diretamente para essas instituições buscarem
Mas mesmo aquelas que se encontrassem nessa área outras formas de captação de recursos. Abre-se também,
teriam que ter o perfil de centros de excelência para no ensino superior, a possibilidade forçada do autofi-
serem merecedoras do financiamento estatal. nanciamento por parte dos estudantes; desejo perse-
Defendendo a continuidade dos mecanismos de guido pelo Banco Mundial e pelo Banco Interamerica-
avaliação das instituições de ensino superior, como o no de Desenvolvimento, co-autores das reformas
“provão”, o empresariado advoga que a qualidade do educacionais implementadas na educação brasileira na
ensino superior pode ser facilmente constatada por última década do século passado (Oliveira, 2001b).
empregadores. Essa posição de subordinar o ensino su-
perior aos seus interesses é plenamente coerente com Considerações finais
o movimento que as elites vêm estabelecendo no cam-
po educacional. Como já foi demonstrado em traba- A preocupação do empresariado industrial com
lhos anteriores que analisam a influência que as agên- a educação não é algo recente. Desde a criação da
cias internacionais têm na política educacional brasileira CNI, em 1938, esta instituição inseriu a educação na
(Tommasi et al., 1996, Oliveira, 2001b, entre outros), sua agenda, subordinando-a à consecução de seus
torna-se cada vez mais evidente que a educação é con- objetivos econômicos e políticos (Rodrigues, 1998).
siderada pelos economistas e políticos como um insumo Um dos pontos que denotam a diferença da im-
no processo de produção de mercadorias. Nesse senti- portância atribuída à educação no novo projeto
do, as ações do Estado no campo educacional são sem- civilizatório desencadeado pelas elites industriais é
pre analisadas a partir da relação custo/benefício. No que a ela não se atribui simplesmente o papel de for-
ensino superior, essa situação ainda é mais complexa, mação de mão-de-obra para atender aos interesses
na medida em que o grande capital internacional não industriais. Esse objetivo continua presente, mas para
vislumbra a necessidade de os países em desenvolvi- o empresariado essa mão-de-obra atualmente deve
mento fortalecerem seus sistemas de ensino superior, apresentar níveis de qualificação coetâneos às trans-
nem entendem como necessário o fortalecimento de formações sociais e econômicas vivenciadas em ní-
seu quadro de pessoal no campo da pesquisa. vel global. O novo trabalhador
Deve-se destacar que, além da política de priva-
tização do ensino superior, caracterizada pelo aumento [...] precisaria combinar velhas e novas habilidades, isto é,
da participação da iniciativa privada na oferta desse as características do padrão fordista de organização do pro-
nível de ensino, observamos também, na sociedade cesso de trabalho industrial e as da emergente especializa-
brasileira, por parte dos setores empresariais, a tenta- ção flexível: habilidades manipulativas para operar a ma-
tiva de forçar a diminuição do investimento estatal quinaria; e, simultaneamente, capacidade de abstração, a
nas entidades públicas, através do estabelecimento de fim de prever os erros do complexo produtivo integrado e
critérios rigorosamente econômicos, como, por exem- automatizado, cuja vulnerabilidade tecnológica é conside-
plo, o retorno que as pesquisas podem dar ao aumen- ravelmente maior do que aquela presente na linha de pro-
to da competitividade industrial. dução fordista. (Rodrigues, 1998, p. 138).
Na prática, um dos resultados desse movimento é
a apropriação, sem nenhum investimento, de todo um Nos documentos analisados, o empresariado na-
know how de pesquisa que as instituições públicas de cional, de diversas formas, busca demonstrar ao go-

Revista Brasileira de Educação 57


Ramon de Oliveira

verno e à sociedade a necessidade de o sistema edu- Ou seja, há mais fatores que definem a possibilidade
cacional sofrer alterações de forma a se tornar articu- de inserção no mercado de trabalho que apenas a apre-
lado aos interesses industriais. Fundamentalmente, es- sentação de um conjunto de competências que inte-
ses interesses dizem respeito à constituição de uma ressam ao capital.
economia competitiva e capaz de disputar o controle Da mesma forma que para os trabalhadores há
do mercado nacional e fatias do mercado mundial. um elenco bem maior de fatores que dizem respeito
Entretanto, a concepção de uma economia competiti- às facilidades ou dificuldades para inserir-se no mer-
va formulada por esse empresariado precisa ser ques- cado de trabalho, no campo da competitividade entre
tionada à luz do projeto global que as elites estão ins- nações não é diferente. Os apologistas do capital e da
tituindo, não só no interior da sociedade brasileira, competitividade evidentemente não revelam que os
mas pela maioria dos dirigentes nacionais em toda a papéis exercidos pelos países subdesenvolvidos na di-
América Latina. visão internacional do trabalho são fundamentalmen-
A articulação entre educação e competitividade te secundários e referem-se à produção de mercado-
industrial que o empresariado defende assenta-se na rias com menor valor agregado. Em outras palavras,
compreensão de haver, no contexto atual, uma igual- as economias periféricas apresentam desvantagem
dade de oportunidades para as economias nacionais. econômica, não em virtude da menor qualificação de
Sabe-se que essa igualdade é mera retórica. Além de seus trabalhadores, como propagam os defensores da
existirem diversos fatores econômicos, sociais e po- teoria do capital humano e da competitividade indus-
líticos que colocam as economias em desenvolvimento trial, mas têm um papel subordinado em virtude de
e as industrializadas em pólos distintos da competi- relações de dominação e de dependência política e
ção econômica, não se pode esquecer a dependência econômica, as quais só podem ser entendidas com-
e a subordinação em que as nações em desenvolvi- preendendo-se as novas estruturais globais presentes
mento vivem, em relação ao grande capital financei- na nova fase do capitalismo globalizado.
ro internacional. Não se pode ignorar essa dependên- Não se pode aceitar o discurso das elites empre-
cia como um elemento fundamental de impedimento sariais e das instituições ligadas ao capital, afirman-
para que essas economias possam estabelecer estra- do que a globalização da economia tem como corolário
tégias autônomas de desenvolvimento, principalmente a ampliação de oportunidades de soerguimento das
no que concerne a maiores investimentos na área de economias periféricas. Na verdade, há maiores possi-
ciência e tecnologia. bilidades de tais economias sucumbirem, em virtude
Os neoliberais escamoteiam que a competitivi- das relações de dependência que as mesmas têm com
dade industrial é definida com base em uma totalida- o sistema financeiro internacional, como demonstram
de, e não apenas na qualificação da mão-de-obra. Ora, os índices de pobreza cada vez mais exacerbados.
sabe-se que o capital, em seu processo de internacio- Conforme Chossudovsky (1999), a globalização tem
nalização, tem buscado áreas que lhe assegurem maior sido muito mais responsável por universalizar a po-
liberdade de reprodução, tanto no que se refere aos breza que por permitir o aumento da participação dos
aspectos ligados diretamente à produção, como é o países periféricos na partilha da riqueza produzida.
caso da qualificação dos trabalhadores, como também Outro ponto que merece ser destacado das afirma-
aos que têm uma relação direta com o conflito capital ções feitas pelo empresariado industrial brasileiro refe-
e trabalho, tais como a presença de uma organização re-se à modalidade de educação reservada para os se-
forte dos trabalhadores ou o conjunto de regulações tores populares. O empresariado advoga que o Estado
trabalhistas existentes em determinada nação. Essas deve assegurar para os setores populares educação pro-
questões interferem diretamente na possibilidade de fissional capaz de propiciar-lhes maiores oportunida-
contratação de novos trabalhadores no contexto atual. des de inserção no mercado de trabalho. Esse é o exato

58 Jan/Fev/Mar/Abr 2003 Nº 22
O empresariado industrial e a educação brasileira

limite da visão reducionista dessas elites; não vislum- , (1999). Os “novos Leviatãs” e a pólis democrática:
bram para a classe trabalhadora o acesso a níveis mais neoliberalismo, decomposição estatal e decadência da democra-
elevados na hierarquia do sistema educacional. cia na América Latina. In: SADER, E., GENTILI, P. (orgs.).
Para os representantes do capital, o máximo que Pós-neoliberalismo II: que Estado para que democracia? Petró-
deve ser garantido para os mais pobres é o acesso ao polis: Vozes.
ensino fundamental, no qual seriam disponibilizados,
CHOSSUDOVSKY, Michel, (1999). A globalização da pobreza:
a partir de uma mudança de sua qualidade, os conhe-
impactos das reformas do FMI e do Banco Mundial. São Paulo:
cimentos básicos que assegurariam aos trabalhadores
Moderna.
a aprendizagem de novos conhecimentos requisita-
dos pelo mundo do trabalho. Ou seja, para a elite, aos CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA (CNI), (1988).
filhos dos trabalhadores deve ser reservado apenas o Competitividade industrial: uma estratégia para o Brasil. Rio
conhecimento necessário para agregar valor à sua for- de Janeiro: CNI.
ça de trabalho.
, (1993). Educação básica e formação profissional:
Como foi tentado comprovar, por parte do em-
a visão dos empresários. Texto apresentado na VI Reunião de
presariado há não só a preocupação de articular a edu-
Presidentes de Organizações Empresariais Ibero-americanas
cação com o processo de desenvolvimento econômi-
realizada em Salvador, BA, de 12 a 16 de julho de 1993. Rio de
co, mas, fundamentalmente, a de garantir mudanças
Janeiro: Senai/Departamento Nacional.
na política educacional de forma que a mesma se tor-
ne coetânea das modificações estruturais que o em- , (1998). Competitividade e crescimento: a agenda da
presariado cobra do poder público. Em outras pala- indústria. Brasília: CNI.
vras, na análise das propostas empresariais para a FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO ESTADO DE SÃO PAU-
educação, devem ser consideradas tanto a sua postu- LO (FIESP), (1995). Livre para crescer: proposta para um
ra de buscar a subserviência do processo educativo
Brasil moderno. 5ª ed. São Paulo: Cultura.
aos interesses imediatamente econômicos, como tam-
bém de criar nova institucionalidade para a educação FERREIRA, Carlos E. Moreira, (1995). Entrevista concedida a

pública no âmbito de uma estrutura político-econô- Nair Keiko Suzuki e Alexandre Gambirasio. Noticiais, [s.n.],

mica de cunho neoliberal. 14 ago., p. 4-13.

FRIGOTTO, Gaudêncio, (1989). A produtividade da escola im-


RAMON DE OLIVEIRA, doutor em educação pela Uni- produtiva: um (re)exame das relações entre educação e estru-
versidade Federal Fluminense, é professor adjunto do Centro de tura econômica social e capitalista. São Paulo: Cortez.
Educação da UFPE. Publicações recentes: A teoria do capital hu-
, (1995). Os delírios da razão: crise do capital e meta-
mano e a educação profissional brasileira (Boletim Técnico do
morfose conceitual no campo educacional. In: GENTILI, Pablo.
SENAC, v. 27, nº 1, 2001); A divisão de tarefas na educação pro-
(org.). Pedagogia da exclusão: crítica ao neoliberalismo em
fissional brasileira (Cadernos de Pesquisa, nº 112, 2001); O Ban-
educação. Petrópolis: Vozes. p. 77-108.
co Mundial e a educação profissional (Boletim Técnico do SENAC,
v. 27, nº 2, 2001) e Elementos para a análise das reformas do ensi- GENTILI, Pablo, (1994). O discurso da “qualidade” como nova
no médio e da educação profissional no Brasil (Contexto e Educa- retórica conservadora no campo educacional. In: GENTILI,
ção, nº 64, 2002). E-mail: ramono@elogica.com.br P., SILVA, T.T. (orgs.). Neoliberalismo, qualidade total e edu-
cação: visões críticas. Petrópolis: Vozes. p. 111-177.
Referências bibliográficas
, (1995). Adeus à escola pública: a desordem neoliberal,
BORON, A., (1995). A sociedade civil depois do dilúvio neoliberal. a violência do mercado e o destino da educação das maiorias.
In: SADER, E., GENTILI, P. (orgs.). Pós-neoliberalismo: as In: GENTILI, Pablo (org.). Pedagogia da exclusão: crítica ao
políticas sociais e o Estado democrático. São Paulo: Paz e Terra. neoliberalismo em educação. Petrópolis: Vozes.

Revista Brasileira de Educação 59


Ramon de Oliveira

, (1998). A falsificação do consenso: simulacro e im- RODRIGUES, José dos Santos, (1998). O moderno príncipe
posição na reforma educacional do neoliberalismo. Petrópolis: industrial: o pensamento pedagógico da Confederação Na-
Vozes. cional da Indústria. Campinas: Autores Associados.

INSTITUTO HERBERT LEVY (IHL), (1992). Educação fun- SALAMA, Pierre, (1995). Para uma nova compreensão da crise.
damental & competitividade empresarial: uma proposta para In: SADER, E., GENTILI, P. (orgs.). Pós-neoliberalismo: as
a ação do governo. São Paulo: IHL. políticas sociais e o Estado democrático. São Paulo: Paz e

INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS (INEP), Terra.

(1999). Educação para o século XXI: o desafio da qualidade e SILVA, Tomas Tadeu, (1994). A “nova” direita e as transforma-
da eqüidade. Brasília: MEC/INEP. ções na pedagogia da política e na política da pedagogia. In:

OLIVEIRA, Ramon de, (2001a). A teoria do capital humano e a GENTILI, P., SILVA, T.T. (orgs.). Neoliberalismo, qualida-

educação profissional brasileira. Boletim Técnico do SENAC, de total e educação: visões críticas. Petrópolis: Vozes.

v. 27, nº 1, p. 27-37. TOMMASI, Lívia, WARDE, Mirian J., HADDAD, Sérgio (orgs.),

, (2001b). Políticas do ensino médio e da educação (1996). Banco Mundial e as políticas educacionais. São Pau-

profissional no Brasil – anos 90: subordinação e retrocesso lo: Cortez/PUC-SP/Ação Educativa.

educacional. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação


em Educação da Universidade Federal Fluminense.

PORTELLA FILHO, Petrônio, (1994). O ajustamento na Améri-


ca Latina: crítica ao modelo de Washington. Lua Nova, nº 32, Recebido em abril de 2002
p. 101-132. Aprovado em outubro de 2002

60 Jan/Fev/Mar/Abr 2003 Nº 22

Das könnte Ihnen auch gefallen