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HISTÓRIA, FILOSOFIA E

Educação Faculdade Educacional da Lapa Org.)


SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

Faculdade Educacional da Lapa (Org.)


SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO
HISTÓRIA, FILOSOFIA E
´
Historia,
Filosofia e
Sociologia da
ç~
Educacao
Faculdade Educacional da Lapa (Org.)

2ª Edição

Curitiba
2016
Ficha Catalográfica elaborada pela Fael. Bibliotecária – Cassiana Souza CRB9/1501

H673 História, filosofia e sociologia da educação/ Organização da


Faculdade Educacional da Lapa. – 2. ed. – Curitiba: Fael, 2016.
302 p.: il.
ISBN: 978-85-60531-50-9

1.História da educação 2. Filosofia da educação 3. Sociologia


da educação
CDD 370

Direitos desta edição reservados à Fael.


É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael.

FAEL
Direção Acadêmica Francisco Carlos Sardo
Coordenação Editorial Raquel Andrade Lorenz
Projeto Gráfico Sandro Niemicz
Capa Evelyn Caroline dos Santos Betim
Imagem Capa Shutterstock.com/nathapol HPS
Arte-Final Evelyn Caroline dos Santos Betim
Sumário

1 História da educação: conceito   |  7

2 Educação no Brasil: da Colônia aos


anos de 1930 do século XX   |  19

3 Educação no Brasil: de 1930 ao Regime Militar   |  49

4 Educação no Brasil: o período de redemocratização   |  73

5 Educação contemporânea no Brasil  |  91

6 Pensamentos e movimentos histórico-


sociais pela educação   |  111

7 Educação Quilombola e Afrodescendente:


políticas e projetos   |  131

8 Educação Indígena: políticas públicas,


diretos e práticas pedagógicas   |  153

9 Cidadania, direitos humanos e o direito


à educação  |  173

10 O homem e sua relação com o mundo:


Filosofia e Educação   |  191

11 A filosofia como suporte para a


reflexão crítica do educador   |  243

12 Sociologia e Antropologia para a Educação   |  253

Referências   |  289
Apresentação

Caríssimo (a) acadêmico (a)


Seja bem vindo à disciplina de História, Filosofia e Sociologia
da Educação!
Neste livro, foram organizados textos de profissionais com
experiência na área de educação, notadamente ligados ao ensino da
história, da filosofia e sociologia da educação, com o objetivo de for-
necer uma base teórica que possibilite ao estudante o entendimento
do processo educacional construído historicamente.
Mas, o objetivo citado acima não é único, pois diante da
compreensão dos temas, procura-se também proporcionar ao
estudante uma reflexão crítica que possa alicerçar o presente e
que possa contribuir para a uma visão de futuro, onde por certo
novas transformações irão ocorrer na educação brasileira, sendo o
professor, senão o principal, um dos principais atores deste processo
de mudanças.
História, Filosofia e Sociologia da Educação

No que se refere a história da educação, será apresentado um recorte


temático da história da educação no Brasil, passando pelo Brasil- Colônia ate
os anos de 1930 do século XX e depois de 1930 até o Regime Militar, para
em seguida estudar o período de redemocratização do Brasil. A Educação
Contemporânea no Brasil também será abordada, bem como os pensamentos
e movimentos histórico-sociais pela educação. Será destacado o histórico de
lutas do movimento quilombola e do movimento negro que historicamente
estiveram à margem da sociedade, muito embora estejam entre os principais
protagonistas da nossa história. Da mesma forma é o reconhecimento da edu-
cação indígena e as políticas públicas para a área.
No capítulo que trata da cidadania, direitos humanos e o direito à edu-
cação, será dado destaque para o estudo de sua origem histórica e a legislação
atual e os princípios que a caracterizam enquanto tal e dos aspectos da reali-
dade que a tornam mais ou menos efetiva.
Na parte da filosofia da educação serão abordados o homem e sua rela-
ção com o mundo, uma vez que o homem, além de pertencer à natureza é
um ser cultural, pois pode agir no mundo e realizar transformações. Nesse
enfoque será trabalhada a importância da filosofia da educação e em capítulo
à parte, como a filosofia pode dar suporte para a reflexão crítica do educador.
Finalizando o livro, serão trabalhos assuntos ligados a Sociologia e
Antropologia para a Educação.
Assim, esperamos que os conteúdos possam ser de extrema valia para o
aprendizado acadêmico e para a vida dos futuros profissionais da educação.
Bons estudos!

Geovani da Rocha Gonçalves1


Organizador

1. Bacharel em Direito (2000) pela Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG e Licenciatura
em Filosofia (2011) pelo Centro Universitário Claretiano - CEUCLAR, especialista em Direito
Civil e Empresarial (2003) pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR) e em Gestão
Pública Municipal (2011) pela Universidade Estadual de Ponta Grossa - UEPG. Especialista em
Educação, Diversidade e Cidadania (2014) pela FAEL/PR. Atua como Procurador e professor de
Filosofia e Ética, na Faculdade Educacional da Lapa (FAEL/PR).

–  6  –
1
História da
educação:
conceito
Alicia Mariani Lucio Landes da Silva

Por que o estudo da História da educação é algo importante


na formação de profissionais da educação? Você já parou para pen-
sar nisso? Saiba que a situação atual do sistema de ensino, no Brasil,
é resultado de uma construção histórica, política e social.
Neste capítulo, compreenderemos o que é história da edu-
cação, suas origens e relações com as áreas das ciências sociais. Veri-
ficaremos, ainda, as últimas mudanças no estudo e no olhar que os
historiadores lançam sobre o passado, para entender as civilizações:
a chamada Nova História. Consequentemente, veremos qual a rela-
ção da Nova História com a história da educação.
História, Filosofia e Sociologia da Educação

Por fim, vamos conhecer os objetos de estudo que este campo da história
e da educação tem enfatizado (suas fontes, objetos e temas trabalhados,
atualmente, nas universidades).

1.1 História da educação:


suas origens e relações
A origem da história da educação tem seus estudos atrelados ao campo
da pedagogia. Inicialmente, o interesse sobre os assuntos escolares só se fazia
presente nos cursos de formação de professores. Como disciplina, ela surgiu
no final do século XIX, em universidades da Europa. Era um assunto mais
presente na pedagogia, porque, nesse período, a história voltava suas pesqui-
sas para assuntos econômicos e políticos. A história tradicional não se preo-
cupava com assuntos sociais ou culturais. Dessa forma, a escola ficava fora de
seu foco de interesse.
Sendo estudada pela pedagogia, a história da educação servia mais como
uma coletânea de informações do que uma análise. Listavam os fatos, as leis,
os pensadores, mas quase sempre não se historiava1 o conteúdo. Também era
chamada de história da pedagogia.
Segundo Lopes (2009), a história da educação começou a ser problema-
tizada no campo da sociologia, observe:
o caráter histórico da educação é dado de forma sistematizada
por Émile Durkhein (1858-1917) em sua Educação e socio-
logia, o que não significa, absolutamente, que antes disso não
se encontrem trabalhos de Educação de caráter histórico. No
entanto, Durkhein já anuncia o quadro teórico no qual por mui-
tos anos se inscreverá a História da Educação [...] A educação é,
na concepção positivista durkheinamiana, uma coisa social, que
cumpre, assim, esse enunciado em obediência à regra mais fun-
damental de seu método sociológico, qual seja, a de considerar
os fatos sociais como coisas (LOPES, 2009, p. 19).

Se a educação tinha um caráter social, por que torná-la descritiva e fac-


tual? Se ela possuía agentes ativos, poderia ser contada apenas por meio de

1 Entende-se aqui o verbo historiar como o ato de analisar a história e compreender suas
relações com outras áreas.

– 8 –
História da educação: conceito

dados e datas? Começa a surgir a necessidade de estabelecer as relações sociais


e culturais presentes no âmbito escolar. Ou seja, outras áreas do conheci-
mento começaram a estudar temas relacionados à educação.

1.2 Nova História e história da educação


Há aproximadamente trinta anos, ocorreu, gradativamente, uma
mudança no foco de pesquisa da história e, consequentemente, da história da
educação. Anteriormente, a história era pensada apenas pelo viés econômico
e quantitativo. Não havia outras fontes para o seu estudo, a não ser as oficiais
­(lembramos que as fontes históricas são os relatos do passado). Documentos
escritos, imagens, monumentos, objetos arqueológicos e entrevistas podem
ser considerados pistas do que já aconteceu. Os historiadores analisam essas
fontes para construir sua narrativa. No entanto, para a história tradicional,
apenas as fontes oficiais poderiam ser consideradas confiáveis. Estas últimas
referem-se a documentos produzidos por órgãos oficiais, como o governo,
ministério, prefeituras, entre outros (exemplos deste tipo de fonte: leis, atas,
publicações do governo em geral).
Todos que estudaram no antigo “ensino primário e secundário”, ou “1º
e 2º grau”, devem recordar como a história era estudada. Quem estudou
neste período ou já ouviu falar sobre isso lembra-se de como eram realiza-
dos os grandes eventos cívicos e de como eram exaltados os grandes vultos
da história brasileira. Exaltava-se certos nomes (quase em sua totalidade
pessoas envolvidas na política) e menosprezava-se a participação de outros
sujeitos da história.
De acordo com Chartier (1998), antes de 1980, a história dominante
estava fundamentada por dois pontos de vista: o estruturalista e o estatístico.
O primeiro discorria acerca dos grandes discursos, da história das estruturas e
das normas coletivas, bem como utilização de sistemas de posições, sem ater-se
às particularidades individuais, marginalizadas por gênero e classe. O último
procurava dar à história um tom de ciência social, ao aplicar procedimentos
de contagens e estimativas numéricas: a seriação.
A chamada Nova História enfrentou o desafio de provocar um
afastamento das ciências sociais. Reviu seus conceitos e mudou as antigas

– 9 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

visões para outras, como a preocupação com as redes de sociabilidade, as


situações vividas e as estratégias singulares. Neste sentido, a micro-história
entra como a abordagem do normal, do excepcional e das particularidades,
pois, sendo ela um estudo das sociedades, estes novos objetos devem ser
examinados em pequena escala.
A micro-história é o estudo de objetos selecionados na história. Por
exemplo: um pesquisador não consegue estudar a história de todas as escolas
de um estado. Ele escolhe uma determinada escola, para estudar o seu caso
específico e, dentro desta análise, faz as possíveis relações com o sistema
educacional desse estado.
Os grandes heróis dão espaço aos anônimos, o que não desestrutura
a história, pois sabe-se que a coletividade não desfigura o indivíduo. Tais
indivíduos e sociedades estão inseridos em um espaço de sociabilidades
marcado por diferenças e dependências. Contudo, para entender essas
relações, a história precisa enfrentar outro desafio, o de abrir o leque para
novos espaços de pesquisa, fontes, análises e conceitos. Não é possível
conhecer as relações sociais e culturais analisando apenas tabelas, gráficos ou
outras fontes numéricas. Outros documentos do passado começam a merecer
a atenção do historiador.
Cabe ao historiador explorar estes signos e o universo de símbolos
presentes na “linguagem das linguagens”, decifrando os seus significados,
que são encontrados nas fontes, sejam elas quais forem, pois, na perspectiva
cultural, qualquer produção humana foi produzida em um ambiente cultural
(BURMESTER, 2003) e pode ser utilizada para conhecer e compreender as
relações sociais.
Este tipo de análise trouxe para a historiografia uma mudança, mais do
que metodológica, conceitual. Conceitual no sentido de que são estudadas as
relações da micro-história em detrimento da macro. Ou seja, as coletividades
são deixadas de lado para dar espaço às questões do indivíduo, gerando
um campo de possibilidades maior com o estudo da singularidade, das
regularidades e das resistências existentes em um espaço que, sabe-se, não
é determinado nem determinante. Desta forma, os papéis sociais não são
definidos a priori e as divergências são permitidas em territórios fluídos e não
fixos, proporcionando ao investigador uma análise mais interdisciplinar.

– 10 –
História da educação: conceito


Como exemplo desta mudança de visão da história pode-
mos citar que, na historiografia tradicional, as relações
de escravidão eram vistas como fixas. O senhor de enge-
nho era o soberano que mandava no submisso escravo.
Atualmente, temos estudos que revelam as contradições
desta relação. Sabemos das fugas de escravos, de suas
insubmissões, das relações conjugais entre brancos e
negros e de acordos, concessões existentes entre senhor
e escravos, de escravos que tinham seu próprio ganho
e também possuíam seus escravos. Ou seja, os papéis
sociais não são predefinidos. Dentro da regra existem
exceções que devem ser conhecidas e estudadas.

Dentre os historiadores contemporâneos conceituados encontramos
Carlo Ginzburg, Emmanuel Le Roy Ladurie, Robert Darnton, Jacques Revel
e outros. Mesmo mantendo estilos diferentes (como a divergência sobre
a utilização da escala de análises), eles realizam estudos sobre o cultural e
possuem pontos em comum. Um desses pontos é o abandono das análises
firmadas nos modelos explicativos. Para alguns não se pode abandonar certos
princípios básicos, para outros, o “tempo das incertezas” é um momento
propício de estimulação da criatividade e das possibilidades (palavras-chave
desta corrente) de análises, fontes, vieses e escrita.
Para muitos destes estudiosos, tempos novos merecem uma Nova Histó-
ria, firmada na máxima de que “a história é sempre filha de seu tempo”. Uma
última característica da historiografia contemporânea é a tendência de redes-
cobrir autores já esquecidos e reler os clássicos, mas é claro que essa leitura se
dá a partir de um olhar atual, de nosso tempo.
As mudanças na historiografia influenciaram algumas das transformações
ocorridas na história da educação. Como já mencionado, na década de 1930,
ela não passava de uma disciplina escolar. Presente no curso de formação de
professores, estava fortemente marcada pela filosofia e possuía um caráter

– 11 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

formativo e moralizador. Já na década de 50 do século XX começaram a


surgir os estudos na área da história da educação, porém eram voltados para
um “presentismo pragmatista”. Neste viés:
o atrelamento originário da disciplina a objetivos institucio-
nais de formação de professores e pedagogos dificultou, até
muito recentemente, a sua constituição como área de inves-
tigação historiográfica capaz de se autodelimitar e de definir,
com base em sua própria prática, questões, temas e objetos.
Isso tornou a disciplina frágil diante das demandas postas a
partir de outros campos de investigação sobre educação que
hegemonizaram a produção da pesquisa, a partir da instala-
ção dos Programas de Pós-Graduação, na década de 70; o
que, do meu ponto de vista, reforçou a dificuldade de a dis-
ciplina definir-se a partir de questões postas do seu interior
(­CARVALHO, 2003, p. 330).

Como já afirmamos, nos últimos trinta anos a historiografia da educação


brasileira tem realizado debates sobre estudos voltados para a cultura, mais
especificamente a cultura escolar. Sob a influência de autores estrangeiros
(como André ­Chervel, Alain Chopin, Anne-Marie Chartier, Pierre Caspard,
Jean Hérbrand, Dominique Julia, António Novoa, Pierre Bourdieu, Roger
Chartier, entre outros) os pesquisadores brasileiros começaram a se dedicar
aos estudos voltados para aspectos culturais. Dentre esses autores podemos
destacar: José Mário Pires Azanha, Denice Catani, Cynthia P. de Souza, Marta
Maria Chagas de Carvalho, Luciano Faria Filho, Rosa Fátima de Souza, Maria
Lúcia Hilsdorf, Clarice Nunes e Diana Gonçalves Vidal.

Saiba mais
O presentismo pragmatista afirma que um estudo deve servir
apenas para resolver, praticamente, um problema atual. Nesta
visão, a história da educação servia apenas para responder
a questões imediatas e acabava deixando de lado a análise
historiográfica e as relações mais profundas de investigação
do passado. Procurava apenas respostas práticas sobre o que
estava acontecendo.

– 12 –
História da educação: conceito

Marta Maria Chagas de Carvalho e Clarice Nunes são, de acordo com


Vidal (2005), autoras que trilharam um caminho de interlocução muito pró-
ximo entre história da educação e a produção francesa do campo histórico.
Assim, entrelaçaram a história cultural com os interesses dos saberes pedagó-
gicos. Sobre a relação entre história da educação e história e, ainda, história
da educação e história cultural, Carvalho afirma:
é, entretanto, do inusitado prestígio adquirido pela pro-
dução historiográfica nos dias atuais que a disciplina extrai
forças para se renovar. As redefinições dos objetos e dos
critérios de rigor científico que transformam essa produção
vêm tendo enorme impacto na História da Educação, mati-
zando a pertinência dela ao campo das chamadas ciências
da educação e fortalecendo seu estatuto de saber historio-
gráfico especializado. [...] Nesse processo, são, sobretudo,
as perspectivas abertas e as questões lançadas pela chamada
Nova História Cultural que vêm redesenhando as fronteiras
e redefinindo objetos da História da Educação (CARVA-
LHO, 2005, p. 32).

Podemos observar que as mudanças ocorridas na historiografia a partir


dos anos 80 do século XX provocaram reflexos na maneira de escrever a his-
tória educacional.
A história cultural ampliou o leque de possibilidades de novos temas,
objetos e o uso de fontes que antes eram desprezadas e afastou-se da história
tradicional, que privilegiava a exaltação de grandes heróis e dos documentos
oficiais. Com essa reviravolta, a história da educação, que era secundarizada
apenas como uma disciplina escolar, começou a ganhar mais visibilidade a
partir do momento em que voltou suas preocupações para as questões cul-
turais e sociais. Desta maneira, fontes, como livros de chamadas, fotografias,
objetos pedagógicos, entre outros, passaram a fazer parte dos estudos histo-
riográficos, enriquecendo os trabalhos acadêmicos e tornando-os mais inte-
ressantes, pois já não eram apenas pragmáticos e presentistas.
Outro fator que mudou a forma de se escrever a história da edu-
cação foi a incorporação de conceitos advindos da história, sociologia,
antropologia e outras áreas das ciências sociais e humanas. Autores como
Roger Chartier, Dominique Julia, Guy Vincent, Viñao Frago e Michel
De Certeau estão sendo utilizados como referencial teórico em diversos

– 13 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

trabalhos acadêmicos. Tais autores não concordam totalmente na defini-


ção do termo cultura ou cultura escolar. Entretanto, chegam a um acordo
para afirmar que o pesquisador, ao analisar uma instituição, indivíduo ou
grupo, não pode desprezar a análise do contexto histórico. Isso deve ser
realizado conjuntamente com as questões que envolvem o cultural e o
social. Poderíamos, ainda, citar as contribuições de N
­ orberto Elias, Pierre
Bourdieu, Michel Foucault, André Chervel, Edward Thompson, Anne-
-Marie Chartier.
Apesar de, atualmente, estar presente como uma disciplina dos cur-
sos de licenciatura, a história da educação ainda não recebe a devida aten-
ção. Nos cursos de pós-graduação de Educação existem linhas de pesquisa
em história e historiografia. Nos cursos de História, a educação pode
aparecer, também, como uma linha de pesquisa ou temática. Para Lopes
(2009), a pedagogia precisa tomar para si a responsabilidade do estudo
da história da educação. Citando e concordando com alguns autores, ela
acredita que os melhores trabalhos de história da economia foram escritos
por economistas (e não por historiadores). Desta forma, a história da edu-
cação deve ser escrita por pessoas da área, que já dominam o conteúdo.
Por isso, afirma:
[...] trata-se de enfrentar, então, a questão da formação
do pesquisador da História da Educação, tarefa ainda não
assumida de forma mais generalizada pelos cursos de edu-
cação e de pedagogia. Na verdade, o educador ou peda-
gogo, não recebendo formação específica nem a metodo-
logia da pesquisa histórica nem das teorias da História,
dificilmente pode tornar-se um historiador. [...] A ciência
da história exige rigor e método; para o crescente enten-
dimento da História da Educação, que deve ser escrita
através de pesquisas rigorosas que obedeçam aos critérios
e as exigências da própria ciência da história (­LOPES,
2009, p. 39).

Será que somente os pedagogos deveriam escrever esse tipo de história ou,
ainda, que os historiadores não conheçam nada de educação? Como escrever
um texto com relações históricas sem saber os métodos da pesquisa histórica?
Como historiar a educação, sem conhecer as relações educacionais? Existe um
longo caminho a ser percorrido nessa área.

– 14 –
História da educação: conceito

Certo é que podemos perceber que, por meio de mudanças metodoló-


gicas e conceituais, a história da educação vem ampliando o seu campo de
pesquisa, atuação e participação em eventos e publicações, conferindo a si
mais credibilidade entre os estudiosos da educação e entre os historiadores.
São muitas as dificuldades que permaneceram das linhas tradicionais de pes-
quisa, porém a história da educação está caminhando por rumos mais claros
e evidentes ao privilegiar a cultura escolar, sem abandonar as visões sobre os
demais aspectos nos quais a educação está envolvida (político, social, econô-
mico, histórico, e outros).

1.3 História da educação: objeto de estudo


Quais são os novos temas abordados pela cultura escolar? Tudo que
possui uma história e pode ser contextualizado para se compreender a
realidade educacional pode ser estudado. Conheça alguns aspectos estudados
pela atual história da educação.
22 Arquitetura escolar e história das instituições escolares (estudo de
plantas escolares; como eram construídos os colégios e escolas; as
mudanças e permanências no espaço escolar ao longo dos anos;
locais e modos de construção; entre outros).
22 Tempos escolares (exemplos de estudo: organização e objetivo do
calendário escolar; divisão dos horários de aula; o recreio; ativida-
des que aconteciam nas férias).
22 Relações de gênero na escola (divisão da escola entre meninos e
meninas, as análises sobre escolas de meninos e escolas de meninas;
as diferenças entre os uniformes masculinos e femininos; e outros).
22 Intelectuais da educação (um exemplo deste estudo é a análise das
ideias de pensadores envolvidos diretamente ou não com a escola).
22 Escola e poder (as relações de poder existentes dentro da escola;
a ligação da escola com instâncias maiores, como o Estado, entre
outras situações).
22 Legislação educacional (estudo das leis, decretos e documentos
oficiais sobre a educação).

– 15 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

22 Projetos educacionais não escolares (projetos educativos


desenvolvidos pela mídia, por empresas ou pelo governo,
entre outros).
22 A escola e a religião (escolas religiosas, escolas dirigidas por reli-
giosos, a influência da religião na educação, etc.).
Visto as mudanças pelas quais passaram a história da educação e alguns
de seus objetos de estudo, surge uma indagação: por que estudar as relações
escolares através do tempo? Observe estas perguntas: Por que temos um
determinado grupo de disciplinas escolares para estudar? Por que estudamos
em um horário dividido por aulas, intervalos e períodos manhã, tarde, noite
ou integral? Qual a justificativa dos currículos escolares? Ou melhor: para
que serve a história da educação? Tentando dar pistas sobre uma possível
resposta, Lopes (2009, p. 43-44) afirma que:
Antoine Léon2 considera a abordagem histórica dos fatos
da educação um indi spensável instrumento de análise das
situações do presente, devido à preocupação em relativizar
os problemas atuais. Considera-a ainda como uma fase
preliminar da ação, ao evidenciar a ambiguidade de todas
as inovações, ao apontar os conflitos que pontuam todo
o processo evolutivo e ao introduzir a exigência de longo
prazo na avaliação dos efeitos educacionais.

Nesta visão, estudamos a história da educação para compreender as


relações do presente. Para Lopes (2009), o pesquisador está comprometido
com os problemas educacionais de hoje. Por isso, o seu olhar volta-se para o
passado, para descobrir onde esse problema surgiu e para tentar resolvê-lo.
No entanto, a história da educação não pode ser considerada pragmática.
Ela não serve para resolver problemas, apesar de poder encontrá-los.
A história da educação nos faz compreender o presente. Faz com que
entendamos por que as nossas escolas e instituições são o que são. Por
exemplo: o estudo das leis educacionais nos faz compreender a organização
da escola através do tempo. Ela é um instrumento de conhecimento e,
quando possível, de ação.

2 Lopes faz referência à obra de Antonie Léon, Introdução à História da Educação


(Lisboa: Dom Quixote, 1983).

– 16 –
História da educação: conceito

Da teoria para a prática


Durante a leitura deste capítulo, compreendemos que a “histó-
ria é filha de seu tempo”, o que significa dizer que a maneira
como olhamos o passado está relacionada com os fatos que
vivemos hoje. Em uma época em que a economia e a política
predominavam, os estudos históricos estavam voltados para
isso. Em outra época, na qual a preocupação era com as relações
socioculturais, o olhar era diferenciado. Compreendemos que o
estudo da história da educação também segue esse princípio.
Dentro desta perspectiva, produza um texto sobre a sua própria
história escolar. Utilize-se de sua fonte de memória sobre a
sua trajetória educacional e liste as lembranças que possui
de sua escola, dos métodos utilizados, dos professores, dos
uniformes, das mobilhas da sala de aula, dos materiais escolares
e dos conteúdos estudados. Saiba que estará produzindo um
texto de história da educação. Apesar de suas lembranças
serem singulares, ao final da produção, perceberá que tudo o
que escreveu está relacionado a um contexto histórico dentro
de uma estrutura governamental e legal de seu período.
Além disso, o estudo das arquiteturas escolares também faz
parte da pesquisa em História da Educação. Levando essas
informações em consideração pesquise fotografias, plantas ou
outros registros iconográficos de duas escolas distintas: uma
que tenha sido construída há mais de trinta anos e outra edi-
ficada há menos de dez anos. Estabeleça as semelhanças e
diferenças arquitetônicas e como isso pode estar ligado ao o
contexto histórico em que as escolas foram construídas. Pon-
tos a serem pensados: data, local, material utilizado para a
construção, tipo da instituição (pública ou privada), etc.

– 17 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

Síntese
Vimos, neste capítulo, que as origens da história da educação estão na
pedagogia, mas, ao longo dos anos, também tornaram-se objeto de interesse
de outras ciências sociais, como a história. Entendemos que o estudo da his-
tória passou por um processo de transformações nos últimos trinta anos, que
mudaram seu foco de pesquisa. Atualmente, a Nova História privilegia as
relações sociais e culturais, e não somente os aspectos políticos e econômicos
como acontecia anteriormente.
Outro assunto apresentado neste capítulo foi objeto de estudo da Histó-
ria da Educação, o qual, conforme observamos, envolve tudo o que se refere
ao passado do ensino e da educação: legislação, tempos escolares, arquitetura,
relações de gênero e outros temas.
Devemos compreender a importância da História da Educação, para
compreender, também, as atuais relações educacionais.

– 18 –
2
Educação no Brasil: da
Colônia aos anos de
1930 do século XX
Alicia Mariani Lucio Landes da Silva

Antes da chegada dos portugueses, nosso país era habitado


por diversos povos nativos. Os indígenas possuíam suas maneiras
de transmitir seus conhecimentos, rituais e cultura para as futuras
gerações. Podemos dizer que eles tinham um sistema informal de
ensino, pois a educação acontecia na explicação ou no exemplo de
algo transmitido de pais para filhos, ou dos mais velhos para os
mais novos.
História, Filosofia e Sociologia da Educação

Neste capítulo, contudo, vamos nos dedicar a conhecer e compreender


um panorama da História da Educação do Brasil a partir do início da colo-
nização. Nosso foco é a educação formal e a maneira como ela foi oferecida
pela religião e pelo Estado.
Inicialmente, vamos entender como as Grandes Navegações e a Reforma
Protestante influenciaram na chegada dos portugueses ao nosso país e qual
a sua relação com a educação religiosa existente no início da colonização.
Depois de observar o que foi o ensino jesuítico, conheceremos as mudanças
ocorridas com as reformas lideradas pelo Marquês de Pombal. Veremos a
influência da chegada da família real ao Brasil, a educação durante o Impé-
rio e a Primeira República.

2.1 Grandes Navegações e a


Reforma Protestante
Para entender os primórdios da educação no Brasil, é necessário
conhecer o cenário que antecedeu a chegada dos portugueses em nosso
país. Na civilização do ocidente medieval europeu a Igreja católica pro-
curava controlar o acesso à informação religiosa, moral e científica. A
alfabetização estava destinada quase exclusivamente a uma parcela dos
religiosos e todos os cientistas deveriam estar submissos aos preceitos da
Igreja. Qualquer conduta contrária seria considerada heresia e poderia
ser julgada e punida pelo Tribunal da Inquisição.
A partir do século XI, a Revolução Comercial, as Cruzadas e os
avanços do Humanismo deram abertura às transformações ocorridas na
Europa. As Grandes Navegações foram uma dessas mudanças e, neste
caso, Portugal estava em uma posição geográfica favorável. Dom João
I de Avis procurava poder ao promover grandes conquistas que desbra-
vavam o Oceano Atlântico. Parte dessa expansão aconteceu nas costas
africanas, contornando o continente e chegando à Índia em 1498. Era
a chamada rota de comércio das especiarias. Segundo Francisco Filho
(2004), a chegada dos portugueses ao Brasil foi apenas um coroamento
das conquistas, visto que outros domínios já haviam sido realizados ao
longo dos últimos cem anos. Continuando, o autor afirma que:

– 20 –
Educação no Brasil: da Colônia aos anos de 1930 do século XX

analisando de maneira ampla os acontecimentos, notamos que a


Idade Moderna (1453-1789) já estava caminhando a passos fir-
mes e o Mercantilismo (1ª fase do capitalismo) fornecia as bases
de pensamento econômico, amparado por um Estado poderoso,
que possuía exército, polícia, justiça, cunhava moeda, tinha con-
tornos territoriais definidos, com balança comercial favorável,
estoque de metais, apoiando as exportações, promovendo a exal-
tação do nacionalismo, adotando colônias para fornecer maté-
rias-primas e obedecer o estatuto dos monopólios estabelecido
pela Coroa. No tocante à educação, a hegemonia das Sete Artes
Liberais, Trivium (Gramática, Dialética e Retórica) e Quadrivium
(Aritmética, Geometria, Música e Astronomia) estruturadas du-
rante a Idade Média da Europa Ocidental (Século V ao XV), já
não atendia as necessidades do novo momento histórico. As ideias
de Santo Tomás de Aquino (1224-1274), procurando superar a
dicotomia fé-razão, não encontravam tantos seguidores, isto é,
a Escolástica estava em decadência, depois de muitos séculos de
soberania no campo educacional (FRANCISCO FILHO, 2004,
p. 10-11).

A economia e o comércio estavam mudando e, com isso, o


pensamento educacional. Uma nova configuração de sociedade estava
surgindo. Outro fator que contribuiu para tal transformação foi a
revolução tecnológica da imprensa a partir de Gutenberg3. Ao produzir
literatura em maior escala, aumentou-se o acesso ao conhecimento. O
que estava restrito ao campo religioso passou a ser manuseado pelos
leigos. A burguesia, classe em ascensão, tinha o desejo de ser alfabetizada
para conseguir ler os textos clássicos e religiosos.
Neste contexto surgiram movimentos contrários à Igreja Católica,
que seriam chamados de Reforma Protestante. O primeiro deles foi
liderado pelo monge agostiniano Martinho Lutero, que, em 1517,
declarou-se descontente com as práticas católicas (como a venda de
indulgências) e escreveu 95 teses como forma de denunciar a corrupção
que observava.

3 Em 1455 o alemão Johannes Gutenberg criou a tipografia. A partir de então os textos que antes
eram somente manuscritos passaram a ser impressos por meio de peças metálicas que recebiam
tintas para serem transferidas por pressão para o papel. O primeiro livro impresso pelo inventor foi
a Bíblia. Esse método ampliou a reprodução de materiais e tornou a transmissão do conhecimento
mais dinâmica e veloz.

– 21 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

A Reforma Protestante condenava a avareza, a usura e o paganismo.


Também criticava a Igreja quanto a não deixar os seus fiéis fazerem a leitura
e tirarem a sua própria interpretação dos textos sagrados. Lutero começou
a traduzir a Bíblia para o alemão e incentivou a sua leitura. A Reforma não
mudou apenas a forma como enxergar a religião, ela conseguiu mexer com
as ditas estruturas educacionais, já que a leitura e a escrita não eram mais
privilégio dos religiosos.
Com a Reforma Protestante e o Humanismo ganhando cada vez mais
adeptos, a Igreja incentivou as Grandes Navegações no objetivo de conquistar
territórios para a evangelização de novos fiéis. A Igreja estava perdendo territó-
rio missionário e precisava expandir seus horizontes.
A colonização do Brasil foi um meio para que os clérigos católicos
conseguissem aumentar o número de membros da Igreja. Assim, começa a
história da educação em território colonial, como veremos a seguir.

2.2 Educação jesuítica


Enquanto a Europa passava por movimentos de Contrarreforma,
um grupo de estudantes da Universidade de Paris (liderados por Inácio de
Loyola) uniu-se, em 1534, para montar uma congregação interessada em
combater o avanço da Reforma Protestante. Este grupo ficou reconhecido
através de bula papal, no ano de 1540.
Na intenção de ser um instrumento contra as ideias protestantes, a
então chamada Companhia de Jesus procurou manter a estratégia de, por
meio de seus ensinamentos cristãos, converter pessoas ao catolicismo.
Logo, a Companhia de Jesus tornou-se uma congregação religiosa pode-
rosa e eficiente. Possuía um caráter de milícia. Eram os soldados de Cristo
em favor da fé católica. Embora submetidos à autoridade do papa, os jesuítas
viviam em uma ordem religiosa, mas podiam transitar em espaços seculares.
Inicialmente, as suas atividades estavam voltadas somente para a caridade.
Ensinavam os “ignorantes”, aqueles que não tinham conhecimento da
fé e da linguagem e que de outra maneira não teriam acesso a elas. Tinham

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Educação no Brasil: da Colônia aos anos de 1930 do século XX

uma visão de combate perante o meio social, estavam dispostos a militar em


favor de sua fé. Segundo Neto (2008), seus principais fundamentos eram:
[...] a busca pela perfeição humana por intermédio da
palavra de Deus e a vontade dos homens; a obediência
absoluta e sem limites aos superiores; a disciplina severa e
rígida; a hierarquia baseada na estrutura militar; e a valori-
zação da aptidão pessoal de seus membros (SHIGUNOV
NETO; MACIEL, 2008, [s. p.]).

Inicialmente, o interesse na evangelização era espiritual. Desejava-se a


pregação, confissão e catequização. No entanto, gradativamente, a intenção
de ensinar foi ocupando espaços maiores no projeto jesuíta.
Depois de se fazer presente em países como Portugal, Espanha e Ale-
manha, a Companhia de Jesus desembarcou no Brasil, no ano de 1549.
Chegou à Bahia trazida pelo governador-geral Tomé de Souza. O primeiro
líder jesuíta no Brasil foi o sacerdote Manuel da Nóbrega.
Os jesuítas desembarcaram no Brasil com o objetivo de catequizar os
povos nativos e educá-los para que se tornassem pessoas civilizadas (na visão
do europeu). Os indígenas precisavam sair do seu aparente ócio para uma
postura produtiva. De início, o indígena foi visto como o“bom gentio”, mas
a sua falta de insubordinação foi logo encaradacomo um empecilho. Sair
do sistema de sobrevivência para o de acumulação não era algo fácil de ser
ensinado pelos jesuítas.
Em concordância com Shigunov Neto e Maciel (2008, [s. p.]),
que partem do pressuposto de que “o fenômeno educacional não é um
fenômeno independente e autônomo da realidade social de determinado
momento histórico [...]”, acredita-se que o projeto de educação jesuítica
no Brasil não se resumiu apenas a catequizar e ensinar a ler e a escrever
em português.
Os jesuítas contribuíram com os planos do rei de Portugal em trans-
formar a estrutura da sociedade presente na colônia. A Ordem dos Jesuítas
atendia aos interesses da Igreja e do Estado. Desta forma, o projeto educa-
cional jesuítico contribuiu para o processo de colonização almejado pelo
o governo português.

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História, Filosofia e Sociologia da Educação

Dica de Leitura
A missão
Um mercador de escravos indígenas arrepende-se de seus atos e
torna-se missionário jesuíta em uma das missões na América do Sul.
A MISSÃO. Direção de Roland Joffé. Estados Unidos; Reino Unido:
­Flashstar, 1986. 1 filme (125 min), sonoro, legenda, color., 35 mm,

O ensino não pretendia mudar politicamente a sociedade, era alheio à rea-


lidade social e estritamente voltado para a filosofia. Atendia aos interesses por-
tugueses e não incitava uma nova organização dentro desta sociedade fundada
na agricultura rudimentar e no trabalho escravo (ROMANELLI, 2010, p. 34).
Em agosto de 1549, foi fundada, na Bahia, a primeira escola de “ler e
escrever” no Brasil. Primeiramente, havia a necessidade de alfabetizar os indí-
genas na língua portuguesa, para, então, transmitir a doutrina católica. Após
esta primeira fase, os jesuítas dariam oportunidade para decidir entre o ensino
médio e o ensino profissionalizante.
Manuel da Nóbrega mandava construir aldeias de catequização próxi-
mas das cidades e vilas portuguesas. Eram habitadas pelos indígenas e pelos
padres jesuítas. Essas aldeias tinham três objetivos:
objetivo doutrinário – que visava ensinar a religião e a prática
cristã aos índios;
objetivo econômico – visava instituir o hábito do trabalho como
princípio fundamental na formação da sociedade brasileira;
objetivo político – visava utilizar os índios convertidos con-
tra os ataques dos índios selvagens e, também, dos inimigos
externos (SHIGUNOV NETO; MACIEL, 2008, [s. p.]).

Apesar de querer inserir o indígena no processo produtivo do trabalho, a


Companhia de Jesus sempre defendeu a liberdade dos nativos. Porém, não fazia
frente contrária à escravatura por causa da relação com a Coroa Portuguesa.
Neste sentido, até certo ponto, o padre Manuel da Nóbrega ficou conhecido
como grande defensor dos indígenas. Coube a ele a contribuição da fundação

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Educação no Brasil: da Colônia aos anos de 1930 do século XX

de diversas escolas no Brasil (cinco de instrução elementar: São Paulo de Pirati-


ninga, Porto Seguro, Ilhéus, São Vicente e Espírito Santo; e três colégios: Bahia,
Pernambuco e Rio de Janeiro).

Figura 1 - A fundação de São Paulo, de Antonio Parreiras. O povoamento de São Paulo


começou no dia 25 de março de 1554, juntamente com a construção de um colégio jesuíta.

Fonte: Fundação de São Paulo, 1913. Antonio Parreiras. Pinacoteca Municipal de São
Paulo. Óleo sobre tela. 179 x 279,5 cm.

Com o crescimento das escolas da Companhia de Jesus surgiu a neces-


sidade de adotar um método para unificar o trabalho educacional dos padres
jesuítas. Em 1599, ficou pronto um conjunto de regras que procurava nor-
matizar as ações da Ordem. As fontes de ensinamento eram Aristóteles e
Santo Tomás de Aquino, além da influência do Renascimento. O foco era a
formação humanista e literária.
O método utilizado pelos jesuítas era o Ratio Atque Institutio Studio-
rum Societatis Jesu, mais conhecido como Ratio Studiorum, composto por
uma coletânea de 467 regras que procuravam estabelecer uma definição
do trabalho pedagógico dos jesuítas. Em 1584, uma comissão ficou res-
ponsável por organizar e codificar as informações e experiências aconte-

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História, Filosofia e Sociologia da Educação

cidas no Colégio Romano e em outras escolas. Em 1586, o anteprojeto


foi submetido a críticas e a uma nova comissão. Em 1591, tornou-se um
texto redigido e, em 8 de janeiro de 1599, foi promulgado o texto do Ratio
Studiorum. Ele estabelecia todo o método de ensino (incluindo currículo e
orientações educacionais e administrativas) a ser seguido pelos padres jesu-
ítas. As orientações deveriam ser aplicadas na Colônia e na metrópole e em
todos os locais em que estavam estabelecidos.
Figura 2 - Capa do método jesuítico Ratio Studiorum.

Sua estrutura oferecia três cursos em dois níveis distintos:


a. “os estudos inferiores”, que compreendiam o ensino secundário. Tal
ensino durava entre cinco e seis anos. Estava destinado à formação
clássica, humanista e literária;

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Educação no Brasil: da Colônia aos anos de 1930 do século XX

b. os estudos superiores que ofereciam o curso de teologia e o de filoso-


fia, que duravam três anos. Shigunov Neto e Maciel (2008) afirmam
que, enquanto o ensino universitário estava destinado à formação
profissional do homem, os cursos secundários formavam o homem
para viver na sociedade.
Para Ribeiro, o Ratio Studiorum foi adaptado no Brasil para atender às
especificidades da Colônia. Começava pelo aprendizado da língua portuguesa
(ler e escrever) e a catequização; já a continuação do ensino era opcional:
podia-se aprender canto orfeônico, música instrumental, aprendizado
profissional e agrícola e aulas de gramática. Havia até mesmo a possibilidade
de realizar uma viagem de estudos à Europa (RIBEIRO, 1998, p. 21-22).
Francisco Filho faz um resumo de como acontecia o ensino em escolas
jesuítas: “A metodologia de ensino começava com uma preleção. Nas classes
elementares após a leitura era feito o resumo do texto, oprofessor tirava as
dúvidas. Mais tarde chegava-se à retórica, à arteda composição, à sintaxe e ao
estilo; o professor aceitava o diálogo.” (FRANCISCO FILHO, 2004, p. 32).
Além dos indígenas, outras pessoas poderiam frequentar as escolas
jesuíticas. Mamelucos e órfãos poderiam ser alunos internos e alguns filhos
de colonos, alunos externos. Tempos depois, já mais consolidada no Brasil,
a Companhia deu instrução para alunos provenientes da burguesia urbana,
como os filhos dos donos de engenho (esses filhos da burguesia poderiam
prosseguir seus estudos superiores em universidades na Europa).
Foi em 1550 e 1551 que chegaram ao Brasil os meninos do Colégio de
Jesus Órfãos de Lisboa. Com a autorização de Lisboa e a ajuda do governador
Tomé de Souza, que doou as terras para a construção, eles viveram e estudaram
em uma espécie de confraria chamada de Colégio dos Meninos de Jesus.
Chambouleyron (1999) lembra que essa instituição vivia uma situação jurídica
ambígua, pois, ao mesmo tempo em que era religiosa, também tinha um caráter
civil, por se tratar de um local que cuidava de órfão (sujeito a uma legislação
específica). Esses meninos eram ensinados a ser “pequenos catequistas e
doutrinadores”, acompanhando os padres nas procissões e romarias, auxiliando
no ato de levar a palavra de Deus aos nativos (CHAMBOULEYRON, 1999).
No entanto, essa mistura de caráter religioso e civil não era bem-vista
por moradores portugueses que viviam no Brasil. O fato da Ordem Jesu-

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História, Filosofia e Sociologia da Educação

íta ampliar o seu patrimônio físico e financeiro era questionado. Assim, na


segunda metade de 1550, a Companhia de Jesus em todo o mundo decidiu
deixar os encargos com meninos órfãos e o Colégio dos Meninos de Jesus
passou a se chamar Colégio de Jesus, tendo o caráter de um colégio canônico.
Os ideais propostos pela nova constituição da Companhia de Jesus
(1556) firmavam a proibição de manter nos internatos estudantes leigos que
não desejassem seguir a vocação religiosa. Como Manuel da Nóbrega não
concordava com isso, ocorreram alguns desentendimentos.
Além de tal problema, críticas externas surgiram. Os adversários políti-
cos dos jesuítas os acusavam de tornarem o pensamento intelectual uniforme,
dogmático e abstrato. Criticavam a ausência das ciências e das línguas moder-
nas (como o francês) no plano de estudo e rejeitavam o excesso de literatura
e retórica (AZEVEDO, 1976, p. 48).
O pensamento iluminista que ganhava força na Europa ajudou a refor-
çar a necessidade de se acabar com o modelo de educação jesuíta. Segundo
Shigunov Neto e Maciel (2008), as causas da expulsão dos jesuítas foram
políticas/ideológicas e educacionais. Veja as consideraões dos autores sobre as
causas da expulsão em 1759:
política – os jesuítas representavam um empecilho aos inte-
resses do Estado Moderno, além de ser detentora de grande
poder econômico, cobiçado pelo Estado;
educacional – a necessidade da educação formar um novo
homem – o comerciante e o homem burguês, e não mais o
homem cristão –, pois os princípios liberais e o movimento ilu-
minista trazem consigo novos ideais e uma nova filosofia de vida.
[...] A Companhia de Jesus teve suas atividades suspensas na
Colônia brasileira a partir de 1759, com o Decreto-lei de 3 de
setembro de 1759 promulgado pelo Rei D. José I. Com a pro-
mulgação da lei, o Ministro de Estado, Marquês de P ­ ombal,
exilava de Portugal e da colônia brasileira a Companhia de
Jesus, confiscando para a coroa portuguesa todos os seus bens
materiais e financeiros. Quando da assinatura do decreto pelo
Marquês de Pombal, havia no Brasil 670 membros da Com-
panhia de Jesus, incluindo noviços e estudantes, sendo repa-
triados para Portugal 417. Permaneceram no Brasil 253 mem-
bros, entre aqueles que ainda não haviam recebido ordens ou
os noviços que foram induzidos a deixarem a ordem religiosa
(SHIGUNOV NETO; MACIEL, 2008, [s. p.]).

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Educação no Brasil: da Colônia aos anos de 1930 do século XX


Os jesuítas podem ser considerados os
primeiros professores em território brasileiro.
Contribuíram com o plano do governo português
de transformar a estrutura da sociedade brasileira.
Catequizaram indígenas e ofereceram educação
para uma pequena parcela da população.

A partir de 1564 foram instaladas escolas dentro das vilas, como foi ocaso
do Colégio da Bahia e do Colégio de São Paulo de Piratininga.Chambouleyron
(1999, p. 78-79) ressalta que as escolas autorizadas pelo rei de Portugal (que
tinham alvará para funcionamento e recebiam uma dotação para sustento,
manutenção e despesas) eram muito diferentes das escolas que ficavam locali-
zadas nas aldeias. Há relatos de que os alunos chegaram a visitar as cadeias para
levar a palavra de Deus aos encarcerados. Além disso, nessas escolas era possível
observar a presença de cerimoniais acadêmicos portugueses, ou seja, atividades
como encenações, disputas, interesse em continuar os estudos, recepções de
autoridades e procissões eram práticas presentes nas escolas da vila.
Muito se fala e se estuda sobre a presença dos jesuítas na história da edu-
cação; no entanto, outras ordens religiosas católicas, como os franciscanos, tive-
ram importante participação no processo educacional ocorrido em território
brasileiro. Parte deste silêncio sobre as demais ordens religiosas pode se dar
ao fato de haver uma abundância de fontes historiográficas sobre os jesuítas
e, em contraponto, uma aparente escassez de fontes sobre as demais ordens
religiosas. No entanto, quebrando os paradigmas e rompendo o silêncio sobre
o assunto, autores como Sangenis (2004) apontam para a atuação dos francis-
canos e outros grupos religiosos.
Sangenis ressalta o fato de que, ao acompanhar as caravelas do primeiro
desembarque ao Brasil, podemos considerar que os franciscanos representaram
a primeira ordem religiosa católica que atuou na evangelização e educação do
povo nativo. Para o autor, não há dúvidas sobre a importância dos franciscanos
para a educação brasileira, já que:
foram os franciscanos os fundadores da primeira escola em
território brasileiro, os iniciadores das missões junto aos
indígenas, os sistematizadores de línguas nativas, os idealizadores

– 29 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

de uma Igreja autenticamente ameríndia, os estudiosos de


nossa história, da flora e da fauna, os propagadores de um
cristianismo confraternizante, os promotores da educação e
da cultura. A participação franciscana, na América e no Brasil,
é tão expressiva que aludir ao terceiro franciscano Cristovão
­Colombo, descobridor deste Continente, ou a Frei Henrique
­Soares, que, em nossa terra, plantou a primeira cruz, p
­ arece-
nos mera referência retórica (SANGENIS, 2004, [s. p.]).

Segundo o autor, os franciscanos tiveram uma atuação contínua e inin-


terrupta na história da educação brasileira, em diferentes níveis educacionais,
por isso é importante ressaltar a sua participação na construção educativa de
nosso país.

Dica de Leitura
Para aprofundar o conhecimento sobre a atuação dos franciscanos
na educação brasileira e suas relações com a ordem dos jesuítas,
sugerimos a leitura a seguir.
SANGENIS, L. F. C. Gênese do pensamento único em educação:
franciscanismo e jesuitismo na história da educação brasileira. Petró-
polis, Rio de Janeiro: Vozes, 2006.

É interessante ressaltar a existência de outras ordens religiosas, além do


fato de que elas estiveram presentes em toda a história da educação brasi-
leira até os dias de hoje. Ao mesmo tempo, verificamos que, em determinado
momento, a Companhia de Jesus (especialmente) já não atendia aos anseios
da Corte Portuguesa. A partir de então, ­podemos observar uma nova forma de
pensamento educacional ganhando espaço no Brasil, como veremos a seguir.

2.3 Reforma Pombalina


No século XVIII, Portugal estava atrasado em relação aos países consi-
derados as potências da época. O país queria passar de uma posição mercantil
para outra industrial. A Inglaterra, por exemplo, destacava-se por sua indus-

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Educação no Brasil: da Colônia aos anos de 1930 do século XX

trialização e avanços tecnológicos. Nesse cenário, um ministro português sur-


giu para causar muitas transformações no país: Sebastião José de Carvalho, o
Marquês de Pombal.
Pombal esteve no poder de 1750 a 1777 e foi o responsável pelas mudan-
ças ocorridas na economia, educação e administração de Portugal e suas colô-
nias. Apesar de serem influenciadas pelo Iluminismo, as reformas pombalinas
atendiam aos interesses do Estado e nada tinham de compromisso com a
liberdade individual do cidadão. Boto (2010, s.p.) afirma que a “escola pom-
balina não era conduzida pela utopia daemancipação”.
Com suas medidas, Pombal pretendia colocar Portugal em uma posição
de destaque entre as metrópoles europeias. Uma das ações foi tentar forçar o
progresso da industrialização no país, além de incentivar a construção naval.
Passou-se a cobrar impostos altíssimos de produtos importados para forçar o
avanço interno industrial. Segundo Maciel e Shigunov Neto (2006, [s. p.]),
podemos destacar que:
as principais medidas implementadas pelo marquês, por
intermédio do Alvará de 28 de junho de 1759, foram: total
destruição da organização da educação jesuítica e sua meto-
dologia de ensino, tanto no Brasil quanto em Portugal; ins-
tituição de aulas de gramática latina, de grego e de retórica;
criação de cargo de ‘diretor de estudos’ – pretendia-se que
fosse um órgão administrativo de orientação e fiscalização
do ensino; introdução das aulas régias – aulas isoladas que
substituíram o curso secundário de humanidades criado pelos
jesuítas; realização de concurso para escolha de professores
para ministrarem as aulas régias; aprovação e instituição das
aulas de comércio.

Pombal realizou mudanças na educação e decidiu expulsar os jesuítas


de Portugal e de suas colônias (escolas de outras ordens ­religiosas continua-
ram existindo). A sociedade que estava surgindo não ­necessitava mais de um
cidadão cristão. As prioridades e princípios mudaram e um novo homem
precisava surgir para atender às modificações dos Estados modernos.
O Brasil mudou a cobrança de impostos e investiu na organização da
mineração e extração. Transferiu a capital de Salvador para o Rio de Janeiro.
As capitanias hereditárias que ainda eram particulares foram compradas pela
Coroa e transformadas em capitanias reais. Com relação aos indígenas, Pom-

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História, Filosofia e Sociologia da Educação

bal foi o responsável por legalizar o fim de sua escravidão, em 1755, o que
desagradou os proprietários de escravos indígenas e os jesuítas. Ao libertar os
indígenas e expulsar os jesuítas, pretendia-se libertar a população local das
amarras do catolicismo e miscigenar colonos e indígenas para gerar um povo-
amento estratégico em terras brasileiras.
Extintos os colégios jesuítas4, a maior parcela do ensino passou a ficar
sob a responsabilidade do Estado. O fato de a educação ser laica não que-
ria dizer que atendia aos interesses dos cidadãos, pelo contrário, o Estado
queria garantir seu absolutismo, controlando, inclusive, o material didático.
Enquanto mudanças ocorriam em Portugal, o Brasil ficava estagnado.
Somente dezessete anos após a expulsão dos jesuítas, o Brasil conseguiu
ter novamente o ensino, porém, de uma maneira fragmentada e desarticu-
lada. Surgiu no país a escola pública de responsabilidade do Estado. Profes-
sores leigos e despreparados ministravam aulas avulsas (ou aulas régias) de
Latim, Grego, Retórica ou Filosofia, que não possuíam conexão. Segundo a
definição de Fonseca, redigida em forma de verbete no site da Unicamp, as
aulas régias:
[...] compreendiam o estudo das humanidades, sendo per-
tencentes ao Estado e não mais restritas à Igreja – foi a pri-
meira forma do sistema de ensino público no Brasil.  Apesar
da novidade imposta pela Reforma de Estudos realizada pelo
Marquês de Pombal, em 1759, o primeiro concurso para
professor somente foi realizado em 1760 e as primeiras aulas
efetivamente implantadas em 1774, de Filosofia Racional e
Moral. Em 1772 foi criado o Subsídio Literário, um imposto
que incidia sobre a produção do vinho e da carne, destinado
à manutenção dessas aulas isoladas. Na prática o sistema das
Aulas Régias pouco alterou a realidade educacional no Brasil,
tampouco se constituiu em uma oferta de educação popular,
ficando restrita às elites locais. Ao rei cabia a criação dessas
aulas isoladas e a nomeação dos professores, que levavam
quase um ano para a percepção de seus ordenados, arcando
eles próprios com a sua manutenção. Azevedo [1943, p.
315] menciona a abertura de uma aula régia de desenho e de
figura, em 1800, nas principais cidades da orla marítima e em

4 É importante ressaltar que a Igreja católica continuou atuando nas colônias após a expulsão
dos jesuítas. Continuaram realizando atividades as Ordens religiosas, como os franciscanos e
beneditinos, por exemplo.

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Educação no Brasil: da Colônia aos anos de 1930 do século XX

algumas raras do planalto e do sertão. Em 1816 consta que o


pintor Manoel da Costa Athaíde solicitou uma aula régia de
desenho em Vila Rica, obtendo a aprovação. 
A permanência praticamente inalterada do sistema das Aulas
Régias no Brasil da virada do século XVIII para o seguinte,
estendendo-se ainda durante o primeiro reinado, deveu-se
à continuidade dos modelos de pensamento em nossa elite
cultural. Existiu um grande descompasso entre o pretendido
pelo governo monárquico – tanto o português quanto o
brasileiro, após a independência – e aquilo que as condições
sociais e econômicas viriam permitir, dentro de um modelo
produtivo excludente, escravista e pautado em uma menta-
lidade que contribuía para se perpetrar tal situação. (CAR-
DOSO, 2004 apud FONSECA, 2012, [s. p.]).

Dica de Leitura
Para aprofundar o conhecimento sobre as aulas régias e compre-
ender melhor a educação nesse período histórico, leia CARDOSO,
T. M. R. F. L. As luzes da educação: fundamentos, raízes his-
tóricas e prática das aulas régias no Rio de Janeiro 1759-1834.
Bragança Paulista: Editora da Universidade São Francisco, 200

Dentro deste sistema, os alunos, filhos de uma pequena elite, eram edu-
cados para serem os novos nobres. O ensino procurava ser facilitado, pois a
entrada no ensino superior era o almejado. Maciel e ­Shigunov Neto (2006,
[s. p.]) fazem uma crítica contundente à Reforma Pombalina educacional,
dizendo que ela:
[...] pode ser avaliada como sendo bastante desastrosa para a
Educação brasileira e, também, em certa medida para a Edu-
cação em Portugal, pois destruiu uma organização educacio-
nal já consolidada e com resultados, ainda que discutíveis e
contestáveis, e não implementou uma reforma que garantisse
um novo sistema educacional. Portanto, a crítica que se pode
formular nesse sentido, e que vale para nossos dias, refere-se

– 33 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

à destruição de uma proposta educacional em favor de outra,


sem que esta tivesse condições de realizar a sua consolidação.

Desta feita, podemos concluir que a Reforma Pombalina não foi um


avanço na educação brasileira. Ao criticar a estrutura religiosa do ensino jesu-
ítico, ela desarticulou o ensino existente no Brasil. O país vem colhendo de
longa data este tipo de erro: querer implantar novas tendências em detrimento
de outras, sem ponderar o que é significativo e o que deve ser abandonado.
Passadas as reformas pombalinas, o Brasil recebeu a família real portu-
guesa, o que modificou o cenário político, social, econômico e, consequente-
mente, educacional.

2.4 Educação no Brasil: da sede


da Coroa para o Império
No início do século XIX, Inglaterra e França estavam em guerra. Na ten-
tativa de destruir economicamente a Inglaterra, o imperador francês Napo-
leão Bonaparte proibiu os países de fazerem comércio com os britânicos. Por-
tugal, que mantinha uma estreita relação financeira com esse país, continuou
negociando com seu parceiro. Por causa da pressão francesa e das invasões de
Napoleão, o rei de Portugal decidiu levar sua família e cerca de dez mil pes-
soas consigo para o Brasil. Em 1808, chegou a família real portuguesa.
O país deixava de ser uma simples colônia para se tornar a sede do Impé-
rio português. A Corte, que tinha sido transferida de Salvador para o Rio de
Janeiro, começou a se modernizar. Ruas foram abertas e pavimentadas, cons-
truções foram erguidas. Nessa época foram construídos oJardim Botânico, o
Museu Nacional e a Imprensa Régia, e o acervo da biblioteca de Portugal foi
trazido para o Rio de Janeiro. A sede estava ficando moderna.
O pensamento do mercantilismo deu lugar ao liberalismo inglês, base-
ado na industrialização. Adam Smith, um dos intelectuais mais citados,
defendia que cada nação deveria ser livre para fazer o comércio daquilo que
“produz mais e melhor, e fazer troca do excedente por produtos oferecidos
por outras nações” (FRANCISCO FILHO, 2004, p. 42). A Inglaterra teve
muita influência sobre o Brasil durante esse período. Apesar da abertura dos
portos brasileiros para todas as nações, o país britânico continuava obtendo

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Educação no Brasil: da Colônia aos anos de 1930 do século XX

privilégios. Os produtos ingleses eram os que pagavam menos impostos para


serem importados. A elite brasileira comprava produtos supérfluos só para
sentir-se “europeia civilizada”.
Devido aos conflitos na Europa, a família real e as elites (brasileira e
europeia recém-chegada) não podiam enviar seus filhos ao local para cursar
o ensino superior. O novo contexto exigiu a reformulação do pensamento
educacional. Instituições de ensino superior e técnico precisavam ser abertas
no Brasil para atender a essa fatia da população. Foram criadas instituições
como as elencadas a seguir.
22 Academia Real da Marinha, 1808.
22 Cursos de Cirurgia, Medicina e Anatomia, 1809.
22 Cursos técnicos de Agricultura e Indústria.
22 Academia Real Militar, 1810.
22 Laboratório de Química, 1812.
22 Curso de Agricultura, 1814.
22 Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, 1816.
Apesar das mudanças ocorridas no ensino superior, a educação conti-
nuou deixando as classes menos favorecidas de lado. A educação elementar
“não sofreu modificação, os cuidados continuaram a ser com o conhecimento
superior [...]. Não houve alteração na linha adotada durante a colonização
[...]” (FRANCISCO FILHO, 2004, p. 46).
Em 1822, o Brasil deixou de ser governado por Portugal. Sua indepen-
dência foi liderada pelo futuro sucessor do trono português. Dom Pedro I
tornou-se o primeiro imperador do Brasil, em uma ação planejada e desejada
(ao contrário do que muitos livros de história trouxeram antes de 1990).
Cursos superiores, técnicos e escolas religiosas, colégios públicos
e particulares continuaram sendo abertos na tentativa de acompanhar o
crescimento da elite brasileira. O discurso sobre a educação podia parecer
eficiente, mas na realidade faltavam verbas e a população menos abonada
continuava sendo esquecida. A elite estudava por meio das aulas avulsas,
muitas das vezes ministradas nas escolas confessionais. Francisco Filho
(2004, p. 62-63) afirma:

– 35 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

em 1834 o Ato Adicional à Constituição de 1824 centra-


lizou o ensino superior no governo Imperial e deu às pro-
víncias o direito de legislar e promover o ensino primário
e secundário. [...] As escolas de primeiras letras tiveram
pouca ascensão [...] As meninas da elite recebiam educa-
ção sobre afazeres domésticos e as meninas das camadas
mais pobres só recebiam a educação informal de mãe para
filha. [...] Foi instituído o ensino parcelado. Nas bancas
das faculdades eram feitas avaliações para ingresso no
ensino superior. A preparação, anterior, ficava por conta
do aluno, que não precisava frequentar o ensino seriado.
Somente a elite tinha condições de pagar professores ou
um colégio religioso.

As mulheres continuavam sendo educadas para o lar e o foco do


governo estava voltado para o ensino superior. A maioria dos colégios
secundários estava nas mãos de instituições particulares e só as elites
poderiam pagar seus estudos. Muitos desses colégios acabaram sendo ape-
nas um curso preparatório para o ensino superior. As famílias ricas que-
riam acelerar o acesso de seus filhos ao “rol dos homens cultos” (ROMA-
NELLI, 2010, p. 41).
A partir de 1840, o ­Brasil passou a ser governado por D. Pedro II, que,
por meio de um golpe de maioridade, assumiu o governo com 14 anos. Cha-
mamos este período de Segundo Reinado, o qual se estendeu até a Procla-
mação da República, em 1889. Durante seu governo, aconteceram muitas
manifestações políticas e sociais, entre elas o fim da Guerra dos Farrapos, a
Revolução Praieira e a Guerra do Paraguai.

Saiba mais
A Guerra do Paraguai (1864-1870) proporcionou a discussão
entre as camadas pobres e escravas sobre o direito de acesso
à educação. Nos navios os “homens comuns” compartilhavam
do mesmo sofrimento e desenvolviam com a mesma capaci-
dade as atividades dos jovens oficiais. Um movimento de classe
começava a surgir.culos para chegar à forma “definitiva”, que
conhecemos até hoje.

– 36 –
Educação no Brasil: da Colônia aos anos de 1930 do século XX

Foi durante o Segundo Reinado que o Brasil viu aumentar, significa-


tivamente, a produção de café. Os fazendeiros, conhecidos como barões do
café, enriqueceram por meio do trabalho escravo nas lavouras; ostentaram seu
poder econômico e político e com suas riquezas favoreceram a industrializa-
ção no país, sobretudo nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro.
Devido às discussões em âmbito internacional, os discursos abolicionis-
tas chegaram ao Brasil. Durante o Segundo Reinado, podemos destacar:
22 Lei Eusébio de Queiróz (1850) – extinção oficial do tráfico de
escravos no Brasil;
22 Lei do Ventre Livre (1871) – liberdade dos filhos de escravos nasci-
dos após a promulgação da lei;
22 Lei dos Sexagenários (1885) – liberdade aos escravos que comple-
tassem 65 anos de idade;
22 Lei Áurea (1888) – abolição da escravidão assinada pela Princesa
Isabel, filha do Imperador D. Pedro II.
Com o fim da escravidão sendo anunciado desde 1850, os fazendeiros
precisariam substituir a mão de obra que existia em suas lavouras e, por isso,
começou a acontecer um grande movimento imigratório. Imigrantes vindos,
principalmente, da Europa chegavam de navio ao país com a promessa de tra-
balho e moradia garantidos. No entanto, ao aportarem em terras brasileiras,
a realidade não parecia ser tão promissora. A maioria passou a trabalhar em
fazendas de café e alguns poucos conseguiram se estabelecer como comercian-
tes ou industriais.
Houve, também, uma abertura na liberdade religiosa. Nosso país já não
era mais exclusivamente católico (se ignorarmos as manifestações religiosas dos
povos indígenas e africanos que aqui já existam), pois muitos dos imigrantes
recém-chegados traziam, em suas bagagens, seus anseios, cultura e religião.
Desta forma, além dos grupos de evangelização católica, começaram
a chegar ao país grupos de missionários protestantes, a fim de levar os seus
dogmas a países da América. A cidade de Petrópolis, no Rio de Janeiro, rece-
beu a sua primeira turma de Escola Dominical (ensino da Bíblia mediante
preceitos protestantes) no ano de 1855, por i­ntermédio do casal de missio-

– 37 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

nários escoceses Sarah e Robert Kalley. Para ensinar a Bíblia, consequen-


temente, eles precisavam alfabetizar as pessoas que frequentavam as aulas.
Via-se, assim, a oportunidade de evangelizar e ensinar.
Em 1959, chegou ao Brasil o missionário presbiteriano Simonton, que,
entre outras coisas, tinha a missão de uma escola, um seminário e um jornal5.
Basicamente, a proposta de evangelização trazida por ele era:
1) a santidade da igreja deve ser ciosamente mantida no
testemunho de cada crente; 2) é preciso inundar o Brasil
de ­Bíblias, livros e folhetos; 3) cada crente deve comuni-
car o evangelho  a  outra pessoa; 4) é necessário formar um
ministério nacional idôneo; 5) escolas paroquianas para
os filhos dos crentes devem ser estabelecidas (CÉSAR, 
2000, p. 89).

A evangelização pessoal e nas igrejas alcançou um grupo de pessoas


menos favorecidas que tiveram a oportunidade de serem alfabetizadas para,
basicamente, ler a Bíblia. As escolas seriam a oportunidade dos protestantes
de também alcançar as classes mais abastadas.
Em 1869, foi fundada, em Campinas, pelo reverendo Nash ­Morton, a
primeira escola presbiteriana chamada de Colégio Internacional. A institui-
ção tinha como um de seus objetivos atender aos filhos dos presbiterianos
assegurando a continuidade da cultura e religião. Em 1870, também fundada
pelos presbiterianos, surgiu a Escola Americana, possuindo características
como classes mistas de meninos e meninas e uma nova pedagogia de ensino.
Essa escola começou a ganhar visibilidade pela dita qualidade de ensino, que
contava com professores qualificados. Uma das pessoas que teve sua atenção
voltada para o colégio foi o advogado Jonh Theron Mackenzie, que realizou
doações em vida e em herança para que a instituição crescesse. Em 1896,
ela passou a abrigar o curso superior de engenharia e tornou a se chamar
Mackenzie College6.

5 Este primeiro jornal protestante chamava-se Imprensa Evangélica e circulou entre 1864 a
1892.
6 O Mackenzie College é atualmente dividido ente a Universidade Presbiteriana M ­ ackenzie
e o Colégio Presbiteriano Mackenzie. Para saber informações sobre essas instituições a­ cesse:
www.mackenzie.br e www.emack.com.br.

– 38 –
Educação no Brasil: da Colônia aos anos de 1930 do século XX

Figura 3 - Escola. Ginásio Anglo-Brasileiro. Aula de física e química. São Paulo,


1910.

Reprodução Iconographia
Figura 4 - Instituto Granbery, Juiz de Fora, Minas Gerais, 1946.

Instituto Granbery

Já os metodistas fundaram seu primeiro colégio no ano de 1881, man-


tendo relações estreitas com a elite republicana. O Colégio Piracicabano era
elogiado por manter um grupo de professores seletos, formados nos Estados
Unidos ou na Europa. Mesquida (1994) lembra que esses professores eram

– 39 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

chamados por fazendeiros para ensinar, em casa, as primeiras letras a seus


filhos, tecnologias agrícolas ou mesmo religião, por isso o prestígio e proxi-
midade das elites de Piracicaba e região. Entre as características do Colégio
Piracicabano estavam:
prédios próprios, com arquitetura que os distinguia pelas
salas amplas e construídas especificamente para o ensino.
As classes eram mistas. As carteiras de estudante passaram a
ser individuais. Havia salas especiais para música, geografia,
com imensa quantidade de mapas, cartazes com esqueleto do
corpo humano, pesos e medidas para o ensino do sistema
métrico, microscópios. E, já no colégio Piracicabano, as dis-
ciplinas eram latim, português, inglês, francês, gramática,
caligrafia, aritmética, matemática, álgebra, geometria, astro-
nomia, cosmografia, geografia, história universal, história do
Brasil, história sagrada, literatura, botânica, física, química,
zoologia, mineralogia, desenho, música, piano, costura, bor-
dado e ginástica (ELIAS, 2005, p. 82).

O Colégio Piracicabano tinha à sua frente a missionária Martha Hite


Watts, que ajudaria a criar e liderar outros colégios como: Colégio Americano
de Petrópolis (1895); Colégio Mineiro em Juiz de Fora (1902); Colégio Iza-
bela Hendrix em Belo Horizonte (1905).
Foi também nesta época que surgiram os kindergarten ou, em nossa tradu-
ção, jardins de infância, destinados à educação das crianças pequenas, de zero a
seis anos. Cardoso Filho afirma que o primeiro jardim de infância do Brasil sur-
giu em 1862, na cidade de Castro, no interior do Paraná (CARDOSO FILHO,
2009, p. 49). O mais conhecido deles é o Colégio Menezes Vieira (1875-1887),
fundado pelo médico e educador Joaquim José de Menezes Vieira. Outros jar-
dins de infância conhecidos pela historiografia surgiram em 1877, em São
Paulo, na Escola Americana e no Colégio Piracicabano.

2.5 Educação na República Velha


Chamamos de República Velha ou Primeira República o período que
vai de 1889 a 1930, quando o Brasil proclamou a sua independência e
passou a ser governado por presidentes. Durante este período histórico,
podemos ressaltar o surgimento dos grupos escolares, instituições de ensino
primário que existiram até o ano de 1971. Os grupos escolares surgiram no

– 40 –
Educação no Brasil: da Colônia aos anos de 1930 do século XX

estado de São Paulo e representavam o ideal republicano presente na edu-


cação. Estes locais educativos procuravam ser modelares e padronizadores
da educação primária completa. Utilizavam um ensino enciclopédico e seus
métodos e processos pedagógicos eram considerados modernos para a época
(SOUZA, 1996).
Souza (1996, p. 118) afirma que, em 1929, já havia 297 grupos escolares
no estado de São Paulo, sendo 47 instalados na capital e 250 localizados
nas demais cidades. Estudos recentes da história da educação têm percebido
que o modelo de grupo escolar de São Paulo acabou sendo uma tentativa de
padronização para os demais estados, ou seja, muitas das características presentes
nesses grupos foram incorporadas por outros estados brasileiros. Nas palavras
de Souza e Faria Filho (2006), esta inovação significou uma transformação da
organização da educação pública dos estados brasileiros, assim:
o novo modelo de escola exigia altos investimentos, pois pres-
supunha a edificação de espaços próprios e adequados para o
funcionamento das escolas, professores habilitados, mobiliá-
rio moderno e abundante material didático. A racionalidade
e a uniformidade perpassavam todos os aspectos da ordena-
ção escolar, desde o agrupamento homogêneo das crianças
(alunos) em turmas mediante a classificação pelo grau de
conhecimento, consolidando a noção de classe e série, o esta-
belecimento de programas de ensino (distribuição ordenada
de atividades e dos saberes escolares), a atribuição de cada
classe a um professor, a adoção de uma estrutura burocrá-
tica hierarquizada – uma rede de poderes, de vigilância e de
controle envolvendo professores, diretores, porteiros, serven-
tes, inspetores, delegados e diretores de ensino. Perpassavam
também a ordem disciplinar impingida aos alunos – asseio,
ordem, obediência, prêmios e castigos (SOUZA; FARIA
FILHO, 2006, p. 28).

Como vimos, a instalação deste modelo de escola possuía um custo


muito alto. Era necessária uma arquitetura escolar específica, um mobi-
liário considerado moderno, professores preparados e, por este motivo,
somente os estados de maior posse financeira conseguiram implantar a pro-
posta dos grupos escolares com mais sucesso. Souza e Faria Filho (2006)
destacam São Paulo, Minas Gerais e Pará como os estados que consegui-
ram ampliar, significativamente, as vagas e implantar um sistema moderno
de ensino.

– 41 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

Nos estados de melhores condições, a construção dos prédios dos grupos


escolares era grandiosa. A arquitetura era inovadora: as divisões do ambiente,
o pátio escolar, a separação entre a rua e a sala de aula geravam uma postura
diferenciada entre ter um comportamento de criança na rua e outro como
aluno na escola. No entanto, os demais estados, apesar de também contarem
com grupos escolares (talvez não tão suntuosos), dividiam o sistema primário
com as já existentes escolas isoladas.

Dica de Leitura
Para saber mais sobre os grupos escolares indicamos a seguinte leitura:
BENCOSTTA, M. L. Grupos escolares no Brasil: um novo modelo de
escola primária. In: STEPHANOU, M.; BASTOS, M. H. C. História
e memórias da educação no Brasil. Século XX. Petrópolis: Editora
Vozes, 2005. v. 3.

Figura 5 - Grupo Escolar Dom Pedro II, Ouro Preto/MG, década de 20 do século XX.

APM – Escola Estadual Dom Pedro II

– 42 –
Educação no Brasil: da Colônia aos anos de 1930 do século XX

Figura 6 - Sala de aula. Rio de Janeiro, 22 de outubro de 1914.

Reprodução Iconographia
Figura 7 - Instituto Muniz Barreto (escola – sala de aula
só para meninos). Rio de Janeiro, 1904.

Reprodução Iconographia

– 43 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

Com relação ao período histórico, os cafeicultores paulistas e fazendei-


ros mineiros detinham o poder político. Eles revezavam-se na presidência e
controlavam o cenário econômico brasileiro. Este sistema ficou conhecido
como política do café com leite. A presidência do Senado e da Câmara dos
Deputados Federais ficava dividida entre os políticos do Rio de Janeiro e do
Rio Grande do Sul. Existiam muitas fraudes nas eleições e não havia uma
fidelidade aos partidos políticos. Francisco Filho (2004, p. 76) resume o perí-
odo afirmando que:
tudo tinha como alicerce o coronelismo, que nomeava auto-
ridades e altos funcionários e em troca apoiava os candidatos
aceitos pelas bases do governo. [...] O voto era de “cabresto”
e os coronéis tinham “pequenos exércitos particulares arma-
dos” para manter a segurança. [...] Nesse período surgiram
alguns movimentos de peso, o Tenentismo em 1922 e depois
a Coluna Prestes, no campo militar. No plano intelectual
surge a Semana de Arte Moderna, também em 1922, alte-
rando os rumos da cultura.

No campo educacional, logo no início da República, em 1890, Ben-


jamim Constant troca a tradição humanista pelos princípios positivistas.
Segundo Francisco Filho (2004), o ensino era seriado, enciclopédico, obri-
gatório e gratuito. Novas disciplinas passaram a fazer parte do currículo:
Política, Economia, Noções de Sociologia, Direito e Ciências. O ensino pas-
sava pela tendência de imitar a educação francesa. Com o fim do Império, o
Colégio Dom Pedro II teve seu nome mudado para Ginásio Nacional. Era a
tentativa de modernizar o país e esquecer as antigas estruturas.
Vamos observar no quadro a seguir algumas leis e reformas que ocorre-
ram neste período.
Quadro 1

Nome e data Objetivos legais

• O ensino secundário continuava prepa-


rando para o ensino superior;
Reforma Epitácio
Pessoa – 1901 • O ensino secundário passava a ter seis anos de duração;
• Continuava a liberdade de ensino.

– 44 –
Educação no Brasil: da Colônia aos anos de 1930 do século XX

Nome e data Objetivos legais

• Ofereceu autonomia aos estabelecimentos de ensino;


• Muitos estabelecimentos de ensino voltaram ministrar um
Lei Orgânica ensino parcelado, o que pode ser considerado um retrocesso;
Rivadávia
• Fim do caráter oficial do ensino;
Corrêa – 1911
• Volta dos exames de admissão para o ensino superior;
• O estado não controlava a emissão de títulos e diplomas.
• Cancelava as alterações de 1911;
Reforma • Cancelava o ensino parcelado;
de Carlos
Maximiliano • Obrigava a conclusão do curso secundá-
– 1915 rio para ter acesso ao curso superior;
• Criava o vestibular para ingressar no curso superior.
• Última lei antes da Era Vargas;
• Era contrária às ideias da Escola Nova;
• Considerada reacionária e conservadora;
Lei Rocha
Vaz – 1925 • O Estado controlava ideologicamente
através de inspeções e autorizações;
• Moral e Cívica tornou-se disciplina obrigatória
na escola primária e secundária.

Como pudemos observar no quadro, ocorreram algumas mudanças na


educação brasileira. Parte dos interesses imperiais foi substituída pelos novos
objetivos da oligarquia café com leite. O discurso da República deu aber-
tura para a discussão de uma escola gratuita para todos. Porém, a elite conti-
nuou sendo educada e os menos favorecidos continuavam deixados à parte.
É certo que, em sua maioria, os ideais humanistas foram substituídos pelo
Positivismo, mas o ensino ainda estava longe de preparar cidadãos atuantes e
conscientesde seu papel na sociedade. Ainda havia um longo caminho para
ampliar a democratização do ensino.

– 45 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

Outro assunto discutido na época foi o aumento significativo de mulhe-


res procurando ser professoras de escolas primárias. Elas procuravam as esco-
las normais para “obter conhecimentos, preparo para a vida no lar e também
ter uma profissão que lhes permitisse sobreviver com seu próprio rendimento”
(ALMEIDA, 2009, [s. p.]). O Positivismo, que regia a tendência educacional,
valorizava a mulher moralmente (apesar de vê-la como ser frágil e incapaz) e
sua função de professora muito se assemelhava à de mãe, por isso era social-
mente aceita. Os homens que se formavam nas escolas normais procuravam
cargos de direção e chefia nas escolas.
Na época, houve uma discussão sobre a introdução de classes mistas na
escola primária. Se uma professora ministrasse aulas para meninos e meninas,
a sua formação também deveria estar voltada para os assuntos e conhecimen-
tos do universo masculino. Apesar de opiniões contrárias, e o conhecimento
de “assuntos” que eram considerados exclusivos do sexo oposto, o “instinto
maternal” superou as críticas. As professoras seriam mais afáveis e protetoras
no desempenho desse papel. Era a mulher ganhando espaço na educação
brasileira.
No próximo capítulo, abordaremos os acontecimentos ocorridos entre
1930 e o período do Regime Militar.

Da Teoria para a prática


Vimos, neste capítulo, que os jesuítas, juntamente com outros reli-
giosos, foram os primeiros professores em território brasileiro. For-
maram e catequizaram uma parcela da população do país. Quando já
não atendiam mais às necessidades da Coroa Portuguesa, acabaram
sendo expulsos de suas colônias. Sabe-se que outras ordens religiosas
puderam continuar exercendo suas atividades, no entanto, apesar da
expulsão da Companhia de Jesus e da repressão realizada, a Ordem,
posteriormente, no século XIX, voltou a exercer suas atividades e,
hoje, atua, inclusive, no âmbito educacional.
Realize uma breve pesquisa sobre a presente atuação dos jesuítas
no Brasil. Procure saber se em sua região existem escolas lideradas
pelos jesuítas e quais são os princípios organizadores e norteadores

– 46 –
Educação no Brasil: da Colônia aos anos de 1930 do século XX

pelos jesuítas e quais são os princípios organizadores e norteadores


dessas instituições educacionais. Veja, também, com quais níveis de
educação essa ordem religiosa está envolvida.

Síntese
O início da educação brasileira foi dirigido pelos padres jesuítas, que
procuravam novos fiéis da Igreja católica e transmitiam sua religião e cultura
baseados na obra de Aristóteles e Santo Tomás de Aquino. Com a tentativa
de modernidade, liderada por Marquês de Pombal, eles foram expulsos
e a educação ficou fragmentada, nas mãos de professores, geralmente,
despreparados.
A partir de 1808, com a chegada da família real ao Brasil, houve a
preocupação de investir no ensino superior, já que a Corte e a elite não
estavam indo à Europa para finalizar seus estudos. O Império continuou
privilegiando o ensino superior em detrimento do primário e secundário.
A República Velha tentou romper com as antigas estruturas do Império e
investiu nas ideias positivistas e na discussão das escolas gratuitas, apesar do
ensino ainda ser algo inalcançado pela maioria da população.

– 47 –
3
Educação no Brasil: de
1930 ao Regime Militar
Alicia Mariani Lucio Landes da Silva

O século XX trouxe mudanças significativas para a história


do Brasil, bem como para a história da educação brasileira. Os avan-
ços alcançados pela Revolução Industrial, as guerras mundiais, os
pensamentos sociais e políticos transformaram esse século em uma
profusão de informações e acontecimentos.
Neste capítulo, estudaremos três momentos diferentes da
educação brasileira paralelamente a três momentos históricos distin-
tos: a Era Vargas, o período de democratização e o Regime Militar.
Na primeira parte do capítulo, veremos como Getúlio Var-
gas conseguiu permanecer no poder durante quinze anos, quais
foram suas medidas educacionais e a proposta de seu Ministé-
rio da Educação. Depois, encontraremos o momento em que o
Brasil passou por um período de democratização, no qual o país
procurou se modernizar (apesar das dívidas externas) e promul-
História, Filosofia e Sociologia da Educação

gou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, em 1961. Para encerrar, o


tema abordado será o período do Regime Militar e seus reflexos no con-
texto educacional.

3.1 A educação e a Era Vargas


A partir de 1930, a política regida pelas estruturas rurais começou a per-
der força. O Coronelismo e a política oligárquica, conduzida pelas famílias
ricas de Minas Gerais e São Paulo, começaram a entrar em decadência. Um
novo Estado estava configurando-se no cenário nacional. A agricultura deu
espaço para um novo movimento: o da industrialização.
A aristocracia rural voltava-se para os investimentos na industrialização
e a política dos governadores, o Coronelismo e a política do café com leite
já não atendiam aos seus interesses. Esta nova burguesia saiu do campo e
migrou para os centros urbanos que estavam em ascensão.
No campo das ideias também aconteceram mudanças. O ideário mar-
xista e anarquista já havia conquistado adeptos. A fundação do Partido
Comunista, o Tenentismo e a Semana de Arte Moderna também influen-
ciaram o pensamento da época. No campo educacional, surgiu a Escola
Nova, que estudaremos com mais dedicação no capítulo 5 deste livro.
O ano de 1930 era de eleições presidenciais, no entanto, prevendo
a decadência da aliança da política café com leite, os paulistas decidiram
romper com o acordo e indicaram Júlio Prestes para o cargo. Os mineiros
aliaram-se ao Rio Grande do Sul e lançaram a candidatura de Getúlio Var-
gas. Júlio Prestes venceu as eleições, porém, uma série de acontecimentos
foi aumentando a rivalidade entre os partidos, culminando no assassinato
de João Pessoa (vice de Getúlio Vargas nas eleições).
Vargas aproveitou a situação unindo-se aos tenentes no movimento
Tenentismo e, em 3 de outubro, seguiram rumo ao Rio de Janeiro, para
impedir a posse de Júlio Prestes. Antes de chegar ao Rio, Vargas recebeu a
notícia de que o então presidente Washington Luís havia sido deposto por
uma junta militar. Vargas tornou-se o novo presidente do Brasil.
O governo de Getúlio Vargas passou por algumas fases. Observe o quadro:

– 50 –
Educação no Brasil: de 1930 ao Regime Militar

Quadro 1
Nome Período Características e acontecimentos
• Política de valorização do café.
Governo • Conseguiu transformar os pau-
1930-1934
provisório listas em seus aliados.
• Início do populismo.
• Ideias fascistas e anticomunistas.
Governo
1934-1937 • Culto ao líder e valorização do nacionalismo.
constitucional
• Plano Cohen.
• Regime Militar.
• Criação da Vale do Rio Doce, investi-
mentos na siderúrgica nacional e a forma-
Estado Novo 1937-1945 ção do conselho nacional de petróleo.
• Consolidação das Leis Trabalhistas.
• Segunda Guerra Mundial.
Vargas tornou-se o líder supremo do país. Um ditador que reprimia
com censura tudo e todos que se posicionassem contrários às suas ordens.
Apesar de apoiar os Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial, ele
era simpatizante das ideias fascistas e nazistas, vindas, respectivamente, da
Itália e Alemanha.
O momento histórico exigiu mudanças na sociedade e, consequente-
mente, na educação. Havia o interesse de romper com as antigas estruturas
do ensino. A sociedade, predominantemente rural, passou a se tornar mais
industrializada e necessitou de uma nova mão de obra.
O analfabetismo precisava ser diminuído, pois o trabalhador urbano
teria que ter conhecimento e preparo para desenvolver as suas funções. Nessa
época, foi criado o ensino supletivo para alfabetizar os trabalhadores que não
tiveram oportunidade de estudar durante a infância e a juventude. Apesar da
criação do ensino supletivo, a alfabetização não foi prioridade, o que estava
em foco era a educação das elites. O ministro Capanema, por exemplo, acre-
ditava que “com verdadeiras eli-tes se resolveria não somente o problema do
ensino primário, mas o da mobilização de elementos capazes de movimen-

– 51 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

tar, desenvolver, dirigir e aperfeiçoar todo o mecanismo de nossa civilização”


(BOMENY, 1999, p.139). Essa elite seria preparada e selecionada no ensino
secundário esua instrução completa se daria no ensino superior.
Francisco Filho (2004, p. 86) faz uma crítica a este sistema de ensino,
afirmando que:
algumas coisas não mudaram, persistiu no seio da escola um
sistema dual. De um lado, escolas preparando para carreiras
universitárias, do outro, escolas preparando para a força de tra-
balho. Eram escolas para as classes médias e ricas e outra diferen-
ciada para os mais pobres, os trabalhadores. Esse sistema ainda
perdura neste início do século XXI. Foram criados, também,
cursos rápidos e rapidíssimos para treinamento dos trabalha-
dores das diversas profissões emergentes. Em geral, era uma
população urbana procedente da área rural, empurrada
para as cidades pelas sucessivas ondas de êxodo rural, que
se avolumava.

O Ministério da Educação e Saúde Pública foi criado em 1930 e nomeou


Francisco Campos como seu responsável. Em 1931, foi realizada a reforma
do Ensino Secundário, que pretendia preparar o aluno não só para a entrada
na universidade, mas também a entrada em vários setores da sociedade.
22 Foi estabelecido o ensino seriado e de frequência obrigatória. O
funcionamento ficou dividido da seguinte maneira:
22 Grupo Escolar7: quatro anos; ensino primário, obrigatório e gratuito;
22 1º Ciclo do ensino secundário: cinco anos;
22 2º Ciclo do ensino secundário (pré-universitário): dois anos.
Esse sistema acabou sendo popularmente conhecido como 452.
Segundo Francisco Filho (2004, p. 88), muitos estudiosos apon-
tam falhas no sistema educacional alegando que prosseguiu dando uma
importância e valorização ao ensino superior em detrimento dos outros
níveis. O ensino técnico continuou sendo desvalorizado e a estrutura do

7 Os primeiros Grupos escolares já haviam sido instalados no final do século XIX, como
é o caso do Primeiro Grupo Escolar de Campinas, de 1897, que, em 1917, foi denomina-
do Grupo Escolar Francisco Glicério e, atualmente, chama-se Escola Estadual Francisco
Glicério.

– 52 –
Educação no Brasil: de 1930 ao Regime Militar

primário e secundário prosseguiam sendo seletivas. “As decisões foram


excessivamente centralizadas, dificultando a articulação e continuidade
entre os níveis de ensino.”
Depois do golpe de Estado, em 1937, um aspecto que se destacou no
governo de Vargas foi o clima de guerra e militarização permeando a popula-
ção. Vargas utilizou-se do discurso de guerra para poder mani-pular e contro-
lar as ações do povo. Essa militarização também envolveu a educação do país,
cuja juventude foi mobilizada por meio do projeto de Organização Nacio-
nal da Juventude, chefiado pelo Minis-tério da Justiça. Em certo sentido,
as ideias organizadas pelo ministro Francisco Campos estavam pautadas no
fascismo e no nazismo e em organização similar, que acontecia em Portugal.
Seria uma organização paramilitar, que arregimentaria a juventude a favor da
nação (BOMENY, 1999, p. 147).
Esse projeto alcançou espaço nas escolas utilizando-se, principalmente,
das disciplinas de Educação Física e Educação Moral e Cívica. Era o jovem
aluno/soldado, defensor da nação, preparado fisicamente e moralmente para
reconhecer o seu país com patriotismo e devoção. Em 1940, foi instituída
pelo Decreto-Lei n. 2.072 a Juventude Brasileira.
Assim, a forte militarização que surgiu em 1938 foi, gradativamente,
deixada de lado.

Em 1938, havia um projeto do ministro Francisco Campos
para organizar a Juventude Brasileira. O projeto de Organiza-
ção Nacional da Juventude tinha o objetivo de unir os jovens
brasileiros em uma organização paramilitar muito semelhante
à que existia em países fascistas. No entanto, o ministro Eurico
Dutra contrariou a tentativa paramilitar e questionou os ideais,
classificando-os como estranhos à ideologia brasileira. Em
março de 1940, durante o ministério de Gustavo Capanema,
foi instituída a Juventude Brasileira, obscurecendo o caráter de
milícia, tentando tornar-se um movimento cívico de culto aos
símbolos nacionais. Com a entrada do Brasil na Segunda Guerra
Mundial, a organização esvaziou-se e, em 1945, deixou

– 53 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

de existir. Para saber mais sobre a Juventude Brasileira,


leia o capítulo 4 da obra de Schwartzman (2000).
SCHWARTZMAN, S. Tempos de Capanema.
São Paulo: Paz e Terra, 2000..

Figura 1 - Desfile da Juventude por ocasião da visita de
Capanema a Curitiba, 14 de outubro de 1943.

FGV – CDPOC – Arquivo Gustavo Capanema

Figura 2 - Desfile da Juventude Brasileira durante


o Estado Novo, foto de Peter Langue.
FGV – CDPOC – Arquivo Gustavo Capanema

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Educação no Brasil: de 1930 ao Regime Militar

Romanelli (2010, p. 157) destaca que, em 1937, as “lutas ideológicas


em torno dos problemas educacionais entraram em uma espécie de hiberna-
ção”, pois apesar de intelectuais ainda lutarem no campo das ideias para uma
melhoria no ensino, estavam fadados a uma luta individual, já que esta não
poderia se concretizar em um movimento social. A Constituição de 1934,
que afirmava que a educação era um dever do Estado, foi substituída pela
Constituição de 1937, que não outorgava obrigação ao ele, o que, segundo a
autora, foi uma conquista das mentalidades conservadoras e dos moldes do
regime do Estado Novo.
Em 1942, outras mudanças ocorreram a partir do ministério de Gustavo
Capanema, foram as chamadas Reformas de Gustavo Capanema. Ele realizou
reformas em diferentes níveis da educação. Veja a seguir a lista de algumas
destas leis orgânicas do ensino e acontecimentos relacionados à educação.
22 Decreto-Lei n. 4.048, de 22 de janeiro de 1942: criação do Serviço
Nacional de Aprendizagem Industrial – Senai.
22 Decreto-Lei n. 4.073, de 30 de janeiro de 1942: regulamentação
do Ensino Industrial.
22 Decreto-Lei n. 6.141, de 28 de dezembro de 1943: regulamentação
do Ensino Comercial.
22 Os cursos técnicos tinham duração de três ou quatro anos.
22 Eram cursos técnicos do 2º ciclo do ensino secundário:
administração, comércio, propaganda, contabilidade, estatística
e secretariado.
22 Decreto-Lei n. 4.244, de 9 de abril de 1942: regulamentação do
ensino secundário. O 1º ciclo do ensino secundário passou a se
chamar ginasial e o 2º ciclo de colegial. Este último ficou reestrutu-
rado como Clássico e Científico.
22 Em 1943, a CLT (Consolidação das Leis de Trabalho) exi-
giu a implantação de creches em empresas para os filhos
de funcionários.
22 Fundação da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
(UFRRJ), em 1943.

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História, Filosofia e Sociologia da Educação

22 O ano de 1944 marcou a criação da Revista Brasileira de Estudos


Pedagógicos, que divulgava as orientações do Instituto Nacional de
Estudos Pedagógicos (Inep).
22 Decreto-Lei n. 8.529/46: regulamentação do ensino primário.
Voltado para crianças de 7 a 12 anos, o ensino era dividido em
elementar (4 anos) e complementar (mais um ano). Os adultos e
adolescentes que não tiveram oportunidade para estudar podiam
cursar o ensino primário supletivo, em dois anos.
Sobre o ministério de Gustavo Capanema Bomeny (1999) afirma que
foi o:
ministério dos modernistas, dos Pioneiros da Escola Nova, de músi-
cos e poetas. Mas foi também o ministério que perseguiu comunistas,
que fechou a Universidade do Distrito Federal (UDF), de vida ativa
e curta, expressão dos setores liberais da intelectualidade do Rio de
Janeiro (1935-1939). Foi, ainda, o ministério que apoiou a política
nacionalizante de repressão às escolas dos núcleos estrangeiros exis-
tentes no Brasil. O ministério Capanema nos desafia ao refinamento
da análise e a escapar das associações mais apressadas entre políticas
e comportamentos e entre os limites das ações dos atores diante da
imponderabilidade dos processos (BOMENY, 1999, p. 137).

Dentro desta análise podemos destacar que o ministério de G ­ ustavo


Capanema foi marcado pela ideologia do Estado Novo ou, então, que ele
mesmo ajudou a marcar esta ideologia. As reformas p
­ ropostas pelo ministério
de Capanema estavam, basicamente, focadas nos níveis secundário e superior.
O ensino primário, mais uma vez, acabou por ser esquecido. Porém, no que
se propõem as reformas, podem ser consideradas bem-sucedidas.
A visão pautada para o ensino secundário era de formar um “novo
homem”. Ora, um Estado Novo, pautado no nacionalismo e paternalismo
precisava de um novo cidadão e de novos profissionais para atender a esta
sociedade emergente. Cidadão culto ou trabalhador técnico? Ensino clássico
ou prático? Estas dúvidas opostas (ou complementares) permearam o pensa-
mento de estruturação do novo ensino secundário. Segundo Bomeny (1999,
p. 138):
confrontavam-se nesse momento posições distintas a respeito do teor
que se deveria imprimir à formação dos jovens cidadãos. Educação
humanista versus educação técnica; ensino generalizante e clássico

– 56 –
Educação no Brasil: de 1930 ao Regime Militar

versus ensino profissionalizante são pares de oposição (falsa oposi-


ção?) que até hoje permanecem como desafios à reforma do ensino
secundário. O Estado Novo resolveria o problema com uma solução
engenhosa. Ao lado da reforma do ensino secundário, onde acabou
prevalecendo a matriz clássica humanista, montou-se todo um siste-
ma de ensino profissional, de ensino industrial que deu origem ao
que conhecemos hoje como “Sistema S”, ou seja, os Senai, Senac, Sesi
etc. Coroando todo o empreendimento, o ministério reestruturaria o
ensino superior, criando e dando corpo ao projeto universitário.

Uma nova identidade estava sendo forjada. Para isso, um sentimento


de nacionalidade ou de brasilidade estava sendo embutido nas mentes e
nas ações dos trabalhadores. A ideologia estado-novista era transmitida por
meio da cultura, das ações sociais e, agora, por meio da educação. Podemos
afirmar que:
politização da educação, holismo pedagógico ou educação integral são
termos que traduzem o ethos estado-novista. A concepção de demo-
cracia que os atores políticos e ideólogos do Estado Novo defendiam
se articulava precisamente na crítica ao individualismo desagregador,
conflitivo, efêmero e excessivamente pragmático. Democracia se refe-
re à totalidade, à comunhão de uma ideia, à integração de cidadãos
em um estado benfeitor e condutor das mentalidades (BOMENY,
1999, p. 164).

Neste sentido, o sistema educacional brasileiro servia de um meio de


propagação do plano de controle nacionalista de Getúlio Vargas. Democracia
era a união da nação brasileira e um dos meios de pregação deste ethos era
via educação.
Para alcançar o intuito de unificar o país em um só sentimento, o Minis-
tério da Educação acabava esbarrando em dois obstáculos:
[...] a sobrevivência de uma prática regionalista e a presença de nú-
cleos estrangeiros nas zonas de colonização. À primeira dificuldade o
Estado deveria responder com um projeto de padronização do ensi-
no e de centralização de atividades escolares pela defesa da unidade
de programas, de material didático etc. [...] A segunda dificuldade
exigiria intervenção mais enérgica: tratava-se de “homogeneizar”
a população, afastando, assim, o risco de impedimento do grande
projeto de identidade nacional. A esta última intervenção conven-
cionou-se chamar a questão da nacionalização do ensino, ou na termi-
nologia da época, “abrasileiramento” do ensino (BOMENY, 1999,
p. 151-152, grifos do autor).

– 57 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

Estas duas questões foram combatidas durante o governo do Estado


Novo. Escolas de imigrantes foram fechadas, a obrigatoriedade do uso
da língua portuguesa foi reforçada e a unificação do sentimento de bra-
silidade foi imposta. No entanto, Vargas não ficaria muito tempo mais
no governo, pois um período de democratização estaria por vir, como
veremos adiante.

3.2 Educação e o período de democratização


Durante os últimos anos do período ditatorial do governo de Getúlio
Vargas houve manifestações favoráveis à democratização do país. Em 1943,
o Manifesto dos Mineiros foi assinado por políticos e profissionais liberais.
Em 1944, a oposição começou a organizar o partido que mais tarde
seria conhecido como União Democrática Nacional (UND). No mesmo ano,
o Brasil já estava diretamente envolvido com a Segunda Guerra Mundial.
Apesar de ser simpatizante das ideias fascistas e nazistas, Vargas aliou-se aos
Estados Unidos e enviou a Força Expedicionária Brasileira para combater os
fascistas e nazistas na Itália.
Um ato adicional foi assinado por ele, em 1945, convocando eleições
diretas. Alguns partidos organizaram-se, como o Partido Trabalhista Bra-
sileiro (PTB), União Democrática Brasileira (UDN), Partido Comunis-
ta Brasileiro (PCB) e Partido Social Democrático (PSD). A continuidade
de Vargas no poder parecia anunciada. O PTB divulgou o “Queremismo”,
movimento daqueles que queriam que Vargas continuasse no poder. No
entanto, os partidos contrários articularam-se para que os rumos da política
mudassem e, em 29 de outubro do mesmo ano, o presidente Getúlio Vargas
acabou sendo deposto pelos militares.
Entraram na disputa o Brigadeiro Eduardo Gomes (UDN) e o General
Eurico Gaspar Dutra (PTB e PSD), este último saiu eleito como o novo
presidente do Brasil. A partir de seu governo o país passou a apresentar uma
política econômica voltada para o capital financeiro internacional, consequ-
ência do mundo Pós-Guerra, baseado em uma nova ordem mundial.
No âmbito educacional, em 1946, a nova Constituição determinou a
obrigatoriedade do ensino primário e fixou que a educação como “direito de

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Educação no Brasil: de 1930 ao Regime Militar

todos”. Outros ocorridos durante o mandato de Dutra, em 1946, são desta-


cados a seguir.
22 Ministro da Educação Raul Leitão da Cunha baixou os Decretos-lei.
22 Decreto-Lei n. 8.529, de 2 de janeiro, regulamentava o ensi-
no primário.
22 Decreto-Lei n. 8.530, de 2 de janeiro, regulamentava o ensi-
no normal.
22 Decretos-Lei n. 8.621 e n. 8.622, de 10 de janeiro, criavam o Senac
(Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial).
22 Decreto-Lei n. 9.613, de 20 de agosto, regulamentava o ensi-
no agrícola.
22 Fundação da Universidade Federal de Pernambuco e a Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo.
Vargas voltou ao poder nas eleições de 1950, com o apoio dos sindica-
listas. O país voltou à prática do populismo e muitos acreditavam que ele
desejava manter-se no poder mediante algum ato de intervenção. O país pas-
sou por um período de desenvolvimento, no qual foi criada a Petrobrás, Ele-
trobrás e BNDE (Banco Nacional de ­Desenvolvimento Econômico). Apesar
do desenvolvimento, Getúlio sofreu oposição de empresários nacionais e de
empresários ligados ao capital estrangeiro.
Também em 1950, a Lei n. 1.076 iria a mudar barreira existente no
ensino técnico, até então marginalizado. Até 1950 quem cursava o ensino
técnico era obrigado a fazer também o ensino secundário, para podercur-
sar o ensino superior. Com a nova lei, os ensinos técnicos e secundários
tornaram-se equivalentes. A Lei n. 1.821/53 permitia a entrada, no ensino
superior, dos alunos que concluíssem o 2º ciclo, desde que fizessem exames
das disciplinas que não haviam cursado no ensino secundário (ginasial e
colegial). Porém, a equivalência só aconteceu em 1961, com a Lei n. 4.024,
que incluiu o ensino industrial, comercial e agrícola no ensino médio.
Depois do episódio da Rua do Tonelero, Vargas suicidou-se, em 24 de
agosto de 1954, e seu vice, Café Filho, assumiu o poder. Dezesseis meses depois
desse acontecimento , o país passou a ser governado por Juscelino Kubitschek.

– 59 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

Saiba mais
O atentado da Rua do Tonelero foi a tentativa de assassinato
do político e jornalista Carlos Lacerda. Ele era um dos maio-
res opositores de Getúlio Vargas e o acusou de ter armado a
emboscada em frente à sua residência.

Seu governo foi marcado por metas de desenvolvimento. A capital do


Brasil foi transferida para a recém-projetada Brasília. Hidrelétricas foram
construídas e indústrias de bens duráveis foram instaladas (como automobi-
lísticas e de eletrodomésticos); no entanto, a dívida externa, o desemprego e
a inflação aumentaram.
Em 1961, subiu ao poder o presidente Jânio da Silva Quadros. Seu go-
verno foi marcado pelo populismo caricato. Aproximou-se de países socialis-
tas, como Cuba, URSS e China. Depois de seis meses, em 25 de agosto de
1961, Quadros acabou renunciando e deixando a cadeira presidencial para
seu vice João Belchior Marques Goulart.
Todo esse cenário político influenciou as decisões em relação à educação
brasileira, pois já no ano de 1948 o ministro Clemente Mariani havia enviado
um projeto de lei educacional, projeto esse que foi regulamentado somente
em1961. Após muitas discussões entre católicos e adeptos da Escola Nova,
entre simpatizantes do centralismo e os contrários a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional, a lei foi aprovada, mas na prática, segundo Francisco
Filho (2004), não trouxe grandes mudanças em relação à Lei Orgânica de Ca-
panema (FRANCISCO FILHO, 2004, p. 104). A educação, a partir da Lei
n. 4.024/61, ficou assim organizada:
Quadro 2

Nomenclatura Duração Abrangência


Crianças com até seis Englobava escolas mater-
Pré-primário.
anos de idade. nais e jardins de infância.
Ensino primário. Mínimo quatro anos. Crianças com sete anos ou mais.

– 60 –
Educação no Brasil: de 1930 ao Regime Militar

Nomenclatura Duração Abrangência


Dois ciclos.
Abrangia toda a antiga estru-
Ginasial: mínimo
Ensino secundário. tura do ensino médio, incluindo
de quatro anos.
cursos técnicos e normal.
Colegial: mínimo três anos.
Considerava aulas, Graduação e
Ensino superior.
pesquisa e extensão. pós-graduação.
Fonte: Adaptado da Lei n. 4.024/61 e Francisco Filho (2004, p. 104-105).

Romanelli (2010) lembra que a promulgação da lei gerou diversos


sentimentos. Houve aqueles que a encararam como a “carta libertadora da
educação nacional”, até aqueles que a viram de forma pessimista. Ainda ressalta
que nenhuma lei educacional pode, por si só, ser cocretizada com sucesso se
não faz parte de um pojeto geral de reformas existentes. Ou seja, depende da
infraestrutura e da adequação da lei às reais necessidades a ela destinadas. “Enfim,
a eficácia de uma lei depende dos homens que a aplicam.” (ROMANELLI, 2010,
p. 185). Certo é que, segundo a autora, a lei de 1961 praticamente anulou
a obrigatoriedade do ensino primário, com seu Art. 30. Neste sentido,
podemos perceber que, em determinados aspectos, a lei acabou retrocedendo
e anulando direitos já conquistados.

Observe o Art. 30 da Lei de Diretrizes
e Bases da Educação de 1961:
Art. 30.
Parágrafo único – Constituem casos de isenção (da obrigato-
riedade), além de outros previstos em lei: [...]
c. comprovado estado de pobreza do pai ou responsável;
d. insuficiência de escolas;”.
e. matrículas encerradas;
f. doença ou anomalia grave da criança. (BRASIL, 1961)

– 61 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

Em uma sociedade em que a maioria da população mal tinha condições


para sobreviver, a educação seria algo fora do alcance de muitos. Segundo
Romanelli (2010, p. 188), a “sua única vantagem talvez esteja no fato de não
ter prescrito um currículo fixo e rígido para todo território nacional, em cada
nível e ramo”. Na verdade, essa abertura se deu praticamente na teoria da
própria lei, pois, na prática, os governos estaduais não modificaram, em geral,
seus programas, por falta de professores, por exemplo.
O mundo passava pelo período da Guerra Fria e, apesar de ser latifundi-
ário, Jango (como ficou conhecido João Goulart), era simpatizante das ideias
socialistas. Foi responsável pelo estabelecimento do regime parlamentar no
Brasil; porém, em 1963 o país volta a ser republicano. Seu governo realizou
algumas reformas de base nas áreas agrária, política e educacional (como a
LDB, de 1961), em meio as oposições.
A situação política do país acabou se tornando insustentável e, em 31 de
março de 1964, Jango foi deposto pelos militares. A história do Brasil entrou
em uma nova fase, como veremos no próximo tópico deste capítulo.

3.3 A educação e o Regime Militar


A instabilidade do governo de João Goulart, juntamente com a insatis-
fação em relação às suas promessas de diminuir a inflação do país e realizar
uma reforma de base na economia, agricultura e educação, atrelados ao medo
da classe média de que o socialismo fosse instituído no país, gera-ram movi-
mentos sociais e manifestações contrários ao governo de Jango.
Em 31 de março de 1964, os militares tomaram o poder e passaram a
comandar o Brasil. O general Humberto de Alencar Castelo Branco assumiu
a Presidência da República. Apesar de seu discurso de posse estar voltado para
a promessa de defender a democracia do país, seu governo foi marcado por
medidas autoritárias. Dissolveu os partidos políticos e acabou com as eleições
diretas para presidente. Como a antiga constituição já não atendia aos anseios
do Regime Militar, em 1967 foi promulgada uma nova Constituição, mol-
dada aos interesses militares.
Arthur da Costa e Silva assumiu o governo em 1967 sob protestos e
insatisfação popular. Os estudantes da União Nacional de Estudantes (UNE)

– 62 –
Educação no Brasil: de 1930 ao Regime Militar

organizaram manifestações e passeatas demonstrando o seu repúdio ao con-


trole autoritário instalado no país. Em Minas Gerais e São Paulo, operários
entraram em greve. Um clima de guerrilha urbana assombrava o governo, que
tomou uma medida radical para tentar conter os insatisfeitos. Em 1968, foi
instituído o Ato Institucional Número 5 (AI-5), o mais duro e repressivo de
todos os atos.
Com o auge da repressão, reforçou-se a ideia de nacionalismo. Não muito
diferente do que já havia acontecido durante o Estado Novo, esse governo mili-
tar ditatorial apropriou-se de algumas disciplinas escolares para tentar controlar
a população e condicioná-la aos seus interesses. A disciplina de Educação Física,
velha conhecida do Ministério de Guerra, foi novamente utilizada para treinar
a população à obediência, mas, também, para afastá-la da vida política. A lógica
era que um jovem que estivesse envolvido com treinos e atividades desportivas
não teria tempo para engajar-se em movimentos de esquerda.
A disciplina de Educação Moral e Cívica também foi voltada para a
dominação das massas. Cunha e Góes nos trazem uma listagem dos objetivos
dessa disciplina, pautada nas “tradições nacionais”. Vejamos:
a. a defesa do princípio democrático, por meio da preser-vação do
espírito religioso, da dignidade da pessoa humana e do amor à
liberdade com responsabilidade, sob a inspiração de Deus;
b. a preservação, o fortalecimento e a projeção dos valores espirituais
e éticos da nacionalidade;
c. o fortalecimento da unidade nacional e do sentimento de solida-
riedade humana;
d. o culto à Pátria, aos seus símbolos, tradições, instituições, e aos
grandes vultos de sua história;
e. o aprimoramento do caráter, com apoio na moral, na dedicação à
família e à comunidade;
f. a compreensão dos direitos e deveres dos brasileiros e o conhe-
cimento da organização sociopolítico-econômica do País;
g. o preparo do cidadão para o exercício das atividades cívicas, com
fundamento na moral, no patriotismo e na ação construtiva vi-
sando ao bem comum;
h. o culto da obediência à lei, da fidelidade ao trabalho e da integra-
ção da comunidade (CUNHA; GÓES, 2002, p. 73).

– 63 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

A disciplina seria ministrada do ensino primário ao ensino superior e


pós-graduação (no ensino superior teria o nome de Estudos de Problemas
Brasileiros). A disciplina era uma mistura do catolicismo conservador, do
movimento reacionário e dos ideários nacionalistas.
De 31 de agosto a 30 de outubro de 1969, devido à doença de Costa
e Silva, o país passou a ser comandado por uma Junta Militar formada por
ministros: Aurélio de Lira Tavares (Exército), Márcio de Sousa e Melo (Aero-
náutica) e Augusto Rademaker (Marinha).
Considerado o presidente mais repressivo do período do Regime, Emílio
Garrastazu Médici foi eleito pela Junta Militar em 1969. Em seu mandato,
que se estendeu até 1974, áreas da cultura e imprensa foram duramente cen-
suradas. Jornais, revistas, teatros, compositores, filmes foram recriminados e
proibidos de chegarem ao seu público. Foi um período bastante turbulento
para o país, gerando investigações, até os dias atuais, sobre os fatos ocorridos,
tanto pelos repressores quanto pelos reprimidos. Igualmente é fato que a
oposição ao Regime Militar também fez uso da força e de atos terroristas.
Em contrapartida, aconteceu o chamado “milagre econômico”, no qual
a economia do país cresceu e recursos foram investidos na infraestrutura.
Grandes obras foram realizadas (como a Rodovia Transamazô-nica e a Ponte
Rio-Niterói) e milhares de empregos foram gerados, No entanto, este cresci-
mento teve um preço alto a ser pago. A dívida externa do país cresceu muito
e os prejuízos arrastaram-se por vários anos.
Francisco Filho (2004, p. 116) nos lembra que entre 1960 e 1970 o
número de analfabetos do país praticamente estacionou. E continua, ao afir-
mar que:
a educação por essa época passou a ter caráter compensatório, teria
de contribuir decisivamente para romper com o atraso da nossa so-
ciedade. Foram assinados acordos internacionais para orientação do
esquema a ser seguido.

Não há como afirmar que a educação privilegiava as camadas marginali-


zadas da sociedade, assim como, anteriormente, isso também não aconteceu.
Os intuitos eram outros. Nesta época de crescimento econômico e abertura
de novas vagas de emprego, o país necessitava de um grande número de mão
de obra especializada. Foi neste contexto que o tecnicismo ganhou força.

– 64 –
Educação no Brasil: de 1930 ao Regime Militar

O regime político implantado em 1964 veio reforçar o desejo de ace-


leramento da economia do país, aumentando o capitalismo e consolidando
uma sociedade urbano-industrial que já vinha sendo delimitada pelo “milagre
econômico”. Neste sentido, Ferreira Junior e Bittar (2008) afirmam que o
projeto de educação que aconteceu durante o Regime Militar estava intrinse-
camente ligado à economia brasileira. Os autores ainda ressaltam que:
na esteira desse processo, o regime militar implantou as reformas edu-
cacionais de 1968, a Lei n. 5.540, que reformou a universidade, e a
de 1971, a Lei n. 5.692, que estabeleceu o sistema nacional de 1º e 2º
graus, pois ambas tinham como escopo estabelecer uma ligação orgâ-
nica entre aumento da eficiência produtiva do trabalho e a moderni-
zação autoritária das relações capitalistas de produção. Ou seja, depois
damaterialização dessas diretivas no âmbito educacional. A sucessão
dos fatos surgiu a seguinte linha do tempo: Plano de Ação Econômica
do Governo (1964-1966), Plano Decenal deDesenvolvimento Eco-
nômico e Social (1967-1976), Programa Estratégico de Desenvolvi-
mento (1968-1970), ReformaUniversitária (1968) e Lei de Diretrizes
e Bases para o Ensinode 1º e 2º graus (1971). Ou seja: no contexto
da estratégiade crescimento acelerado e autoritário do capitalismo
brasileiro, adotada duramente no Regime militar, a educaçãoseguia
a lógica dos interesses econômicos (FERREIRAJUNIOR; BITTAR,
2008, p. 340-341).

Seguindo esta lógica, o governo trocava os políticos pelos técnicos nos


ministérios. Havia o anseio de transformar o país em um estado de “grande
potência” e, para tanto, a administração começou a ser comparada com a de
uma grande empresa, em que os técnicos especialistas assumiriam os papéis
antes destinados aos políticos. Na educação, seguindo estes mesmos princí-
pios, os tecnocratas (como ficaram conhecidos esses técnicos) aplicavam a
“teoria do capital humano”. De acordo com esta teoria, a educação era um
bem de consumo, ou seja, seus valores estavam ligados ao caráter econômico.
Esta relação direta entre educação e economia acontecia “na medida em que
atribuía a primeira a capacidade de incrementar a produtividade da segunda.
Portanto, a educação deveria ser condicionada pela lógica que determinava
o crescimento econômico da sociedade capitalista” (FERREIRA JUNIOR;
­BITTAR, 2008, p. 344).
Com um discurso unilateral, a educação era posta como a ativi-
dade capaz de “maximizar a produtividade do PIB, independente da dis-

– 65 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

tribuição da renda nacional”, no entanto, podemos dizer que esta lógica


de ação pretendida pelos tecnocratas do governo fracassou. Tal fracasso
ocorreu, pois, apesar de tentar criar um grupo de mão de obra integrado
ao sistema produtivo, não conseguiu modificar a realidade brasileira de
analfabetismo (FERREIRA JUNIOR; BITTAR, 2008, p. 350-351).
Ensinava-se pouco e mal. À população em geral eram oferecidas noções básicas
de uma formação técnica. Em contrapartida, os índices de analfabetismo não
baixavam satisfatoriamente e a grande massa do povo continuava sem acesso
ao universo de um conhecimento mais profundo e libertador. Durante este
período foram promulgadas duas importantes leis educacionais: a Reforma
Universitária de 1968 e a Lei n. 5.692/71, que fixou a Lei De Diretrizes e
Bases para o Ensino de 1º e 2º Grau.

Saiba mais
A Teoria do Capital Humano surgiu em meados dos anos
50 do século XX, nos Estados Unidos. Seu autor, Theo-
dore W. Schultz, dizia que o trabalho humano realizado por
meio da qualificação adquirida pela educação ampliava a
produção econômica.

O contexto do Regime Militar fez aflorar vários movimentos de contes-


tação entre professores e alunos do ensino superior; por outro lado, em alguns
casos, as Universidades também colaboraram com o governo, cedendo seus
professores para a formação do quadro dosMinistérios, por exemplo. A União
Nacional dos Estudantes (UNE) ganhava força ao lutar por seus direitos e rei-
vindicar mais vagas e verbas; assim, os confrontos com o exército tornaram-se
cada vez mais frequentes. De acordo com Sousa (2008, p. 119):
Na tentativa de minimizar os descontentamentos, o governo mi-
litar firmou vários acordos com os norte-americanos, por intermé-
dio da Agency for Internacional Development dos Estados Uni-
dos (Usaid). Devido a esses acordos, foi constituída a Equipe de
Assessoria de Planejamento do Ensino Superior (EAPES), que em
1968, produziria um documento sobre as reais carências da área
educacional brasileira, apontando soluções. O encaminhamento

– 66 –
Educação no Brasil: de 1930 ao Regime Militar

dado ao Ensino Superior era essencialmente privatizante e elitista,


tendo em vista que a partir dos anos 1960 o Estado passou a ter a
iniciativa privada como parceira na oferta de ensino superior. En-
tão, a política de educação superior começou a adquirir contornos
em que a diferenciação entre o público e o privado tendeu a ser
frágil e diluída, em virtude da confluência de alguns fatores.

Como visto, o ensino superior estava abrindo mais ainda as suas por-
tas para as instituições particulares. As vagas das universidades particulares
deveriam atender aos alunos oriundos das classes menos favorecidas que não
conseguiriam entrar nas universidades públicas. Além disso, as preocupa-
ções estavam voltadas para o mercado de trabalho. Como lembra Germano
(1994), a reforma do ensino universitário visava:
1) Controle político e ideológico da educação escolar, em todos os
níveis [...] 2) Estabelecimento de uma relação direta e imediata, se-
gundo a “Teoria do Capital Humano”, entre educação e produção
capitalista e que aparece de forma mais evidente na reforma do ensino
do 2° grau, através da pretensa profissionalização. 3) Incentivo à pes-
quisa vinculada a acumulação de capital. 4) Descomprometimento
com o financiamento da educação pública e gratuita, negando, na
prática, o discurso de valorização da educação escolar e concorrendo
decisivamente para a corrupção e privatização do ensino, transfor-
mada em negócio rendoso e subsidiado pelo Estado. Dessa forma, o
Regime delega e incentiva a participação do setor privado na expansão
do sistema educacional e desqualifica a escola pública de 1º e 2º graus,
sobretudo (GERMANO, 1994, p. 105).

A Lei n. 5.540, de novembro de 1968, e o Decreto-lei n. 464, de 11 de


janeiro de 1969, fizeram fixar em lei as seguintes mudanças:
22 o ensino superior deveria funcionar preferencialmente em Univer-
sidades;
22 estimulou a privatização;
22 criou a departamentalização e deu fim às cátedras;
22 criou a matrícula por disciplina;
22 adotou o vestibular unificado e classificatório;
22 regulamentou os cursos de pós-graduação.
Segundo as afirmações de Germano (2000), verifica-se que:

– 67 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

com efeito, a reforma assimilou certas demandas e reivindicações


oriundas do movimento estudantil e de parcela do professora-
do. Ao mesmo tempo incorporou, embora de forma desfigurada,
experiências tidas como renovadoras, como a desenvolvida na
UnB. [...] A reforma acarretou, finalmente, a efetiva implanta-
ção da pós-graduação, tornando possível a pesquisa universitária,
ainda que permeada de notórios limites.
[...] apesar dos golpes desferidos na educação pelo Regime Mili-
tar, a reforma universitária contém, sem dúvida, elementos de
renovação, sobretudo na ­ pós-graduação. Ao mesmo tempo que
o estado exercia o mais severo controle político-ideológico da
educação, possibilitava, contraditoriamente, o exercício da crí-
tica social e política, não somente ao regime político vigente no
país, mas também do próprio capitalismo no âmbito universi-
tário. Estamos nos referindo, evidentemente, à pós-graduação
em Ciências Humanas. Por sua vez, isso revela que o aspecto res-
taurador [da ordem] não elimina a possibilidade de ocorrerem
mudanças efetivas, que se tornam matrizes de novas modifica-
ções, segundo ­Gramsci (1977, p. 767 apud GERMANO, 2000,
p. 145-148).

Com esta citação podemos concluir que o período de Regime Militar


no Brasil não excluiu por completo as vozes de luta e resistência. A busca
pela melhoria do ensino superior foi um exemplo disso.
Outra lei importante oriunda deste período foi, como vimos, a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação n. 5.692, de 11 de agosto de 1971. Ela veio
fixar as normas para a educação de 1º e 2º grau. Em seu Art. 1º podemos
observar o seu objetivo geral:
Art. 1º. O ensino de 1º e 2º graus tem por objetivo geral pro-
porcionar ao educando a formação necessária ao desenvolvimento
de suas potencialidades como elemento de autorrealização, qua-
lificação para o trabalho e preparo para o exercício consciente da
cidadania (BRASIL, 1971, [s. p.]).

A lei aumentava a obrigatoriedade escolar para oito anos (assim os


alunos deveriam permanecer na escola dos 7 aos 14 anos) e o ano letivo
deveria ter 180 dias. O ensino de 1º grau teria uma duração de oito anos
e uma carga horária de 720 horas anuais. Esse nível era obrigatório,
destinado às crianças e pré-adolescentes. Já o ensino de 2º grau podia
durar 3 ou 4 anos. Os cursos de três anos teriam uma carga horária de

– 68 –
Educação no Brasil: de 1930 ao Regime Militar

2.200 horas e os de quatro seriam de 2.900 horas, destinados à forma-


ção do adolescente. Seguindo a lógica educacional do período do Regime
Militar, os cursos eram destinados à inicialização ou ao ensino profissi-
onal/técnico.
Os Artigos 4 e 5 fixavam as normatizações em relação aos conteúdos
curriculares e às disciplinas, determinando o seguinte:
Art. 4º Os currículos de 1º e 2º graus terão um núcleo comum,
obrigatório em âmbito nacional, e uma parte diversificada para
atender, conforme as necessidades e possibilidades concretas, às
peculiaridades locais, aos planos dos estabelecimentos e às diferen-
ças individuais dos alunos.
Art. 5º As disciplinas, áreas de estudo e atividades que resultem das
matérias fixadas na forma do artigo anterior, com as disposições ne-
cessárias ao seu relacionamento, ordenação e sequência, constituirão
para cada grau o currículo pleno do estabelecimento.
§1º Observadas as normas de cada sistema de ensino, o currículo
pleno terá uma parte de educação geral e outra de formação especial,
sendo organizado de modo que:
a. no ensino de primeiro grau, a parte de educação geral seja exclu-
siva nas séries iniciais e predominantes nas finais;
b. no ensino de segundo grau, predomine a parte de formação es-
pecial.
§ 2º A parte de formação especial de currículo:
a. terá o objetivo de sondagem de aptidões e iniciação para o tra-
balho, no ensino de 1º grau, e de habilitação profissional, no
ensino de 2º grau;
b. será fixada, quando se destina a iniciação e habilitação profissio-
nal, em consonância com as necessidades do mercado de traba-
lho local ou regional, à vista de levantamentos periodicamente
renovados (BRASIL, 1971, [s. p.]).

Além das disciplinas comuns e da parte diversificada, a lei trouxe a


inclusão das seguintes disciplinas na grade curricular: Educação Moral e
Cívica, Educação Física, Educação Artística e Programas de Saúde. Sobre
as disciplinas comuns, podemos observar o quadro elaborado por Roma-
nelli (2010), que traz um resumo acerca dos conteúdos destinados ao 1º e
2º grau.

– 69 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

Quadro 3

1º grau 2º grau
Atividades Áreas de estudo Disciplinas
Núcleo
6ªs, 7ªs 1ªs, 2ªs,
1ªs, 2ªs, 3ªs, 4ªs e 5ªs
e 8ªs. 3ªs e 4ªs.
1. Comunicação 1. Comunicação 1. Língua Por- 1. Língua Portuguesa
e Expressão e Expressão tuguesa
2. Literatura Brasileira
2. Estudos 1. Integração Social 2. Estudos Sociais
1. História
Sociais
2. Iniciação às 1. Matemática
2. Geografia
3. Ciências Ciências
2. Ciências
3. Organização Social
e Política Brasileira
1. Matemática
2. Ciências Físicas
e Biológicas
Fonte: Romanelli (2010, p. 253).

As disciplinas de História, Organização Social e Política Brasileira, Edu-


cação Moral e Cívica e a Educação Física colaboraram para a formação do
cidadão almejado pelo governo ditatorial.
O ensino de 1º grau, mas, principalmente, o de 2º grau, procurava for-
mar técnicos, ou seja, profissionais de áreas específicas que formariam uma
grande massa de trabalhadores não graduados. A esses trabalhadores restaria
uma remuneração baixa, o que encorpava o número de trabalhadores, mas
não onerava os empregadores, seguindo a lógica do capitalismo e da Teoria
do Capital Humano.
Em 1974, o General Ernesto Geisel tornou-se o novo presidente em
pleno fim do “milagre econômico”. Os empréstimos estrangeiros diminuíram
devido à recessão mundial e à crise do petróleo.
Vendo-se neste cenário, Geisel anunciou que começaria uma lenta e gra-
dual abertura política no país (o que gerou insatisfação por parte dos militares

– 70 –
Educação no Brasil: de 1930 ao Regime Militar

linha dura). Uma das medidas que indicou a abertura foi o fim do AI-58 e
a restauração dos habeas corpus. A democracia estava chegando aos poucos.
Entre 1979 e 1985 o Brasil teve o seu último presidente no Regime
Militar, o general João Baptista Figueiredo. Ele continuou o processo de
abertura política realizando a Lei da Anistia; também o pluripartidarismo foi
reestabelecido. Enquanto a recessão e a inflação aumentavam, novos partidos
e sindicatos começaram a ganhar poder na política nacional. O movimento
“Diretas Já”, lançado em 1984, encontrou milhares de adeptos e exigiu as
eleições diretas para presidente. Em 1985, por meio de uma eleição indireta,
o Colégio Eleitoral elegeu Tancredo Neves como presidente do país; porém,
ele veio a falecer antes da posse e seu vice, José Sarney, assumiu o governo
como o primeiro presidente do período democrático após o Regime Militar.

Da Teoria para a prática


Durante o período de Getúlio Vargas e do Regime Militar, a disciplina
de Educação Física era vista como uma preparação civil-militar. Os
jovens estudantes eram considerados soldados que deveriam ser treinados
e condicionados para defender a sua nação. A disciplina de Educação
Moral e Cívica também era um meio de interferência do Estado dentro
das escolas. Vultos nacionais, símbolos e hinos eram ensinados nas
escolas com o objetivo de implantar o sentimento nacionalista, obrigando
uma dedicação patriota de todos os alunos/cidadãos.
Quando você estudou, como eram ministradas as aulas de Educação
Física? Atualmente, como esta disciplina é vista pelo governo, professores
e alunos?

8 O AI-5 (Ato Institucional n. 5) foi instituído em 13 de dezembro de 1968, durante


o governo do presidente Costa e Silva, e vigorou até dezembro de 1978. Ele ampliava
o poder do presidente e contrariava várias garantias da constituição brasileira. Suas
determinações fizeram com que a censura e a repressão exercida durante o período do
Regime Militar aumentassem. O seu 5º Art. suspendia direitos políticos e o Art. 10
suspendia a garantia de habeas corpus no caso de crimes políticos. A imprensa, o teatro,
o cinema e a música foram rigorosamente censurados e punidos.

– 71 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

Faça uma breve pesquisa em sites, livros ou revistas especializadas no


tema, para verificar se aconteceram mudanças ou não na forma de pen-
sar e executar esta disciplina. Se desejar, pode realizar uma visita a uma
escola, para conversar com professores e alunos da área.

O século XX representou profundas transformações na sociedade brasi-


leira. As mudanças no cotidiano das pessoas influenciaram, inclusive, a edu-
cação. A sociedade, anteriormente rural, passou a viver na cidade e a trabalhar
na área urbana. O ensino básico começou a ser ofertado gradativamente para
a população e o analfabetismo começou a ser “combatido” como um mal que
assolava a nação.
Durante este período, o país passou por dois momentos ditatoriais, nos
quais o nacionalismo foi embutido na mentalidade da sociedade por meio
de propagandas, ações governamentais e até das disciplinas escolares (como
Educação Física e Educação Moral e Cívica).
As leis educacionais, durante o Regime Militar, estavam voltadas para
a Teoria do Capital Humano e seguiam a lógica de ensinar para aumentar a
produtividade do país. Assim, por meio de pouca formação técnica, profis-
sionais foram “preparados” para ser mão de obra especializada, sem, necessa-
riamente, passar pelo ensino superior.

– 72 –
4
Educação no Brasil:
o período de
redemocratização
Alicia Mariani Lucio Landes da Silva

Os anseios e as expectativas, com o fim do Regime Militar,


eram muito grandes. O país estaria liberto da censura, opressão e
repressão para entrar em um período de redemocratização, segundo
o qual o povo poderia participar dos rumos da política nacional. No
entanto, os desafios a serem enfrentados eram igualmente grandes:
inflação e dívida externa estavam entre eles.
Como o antigo modelo político já estava ultrapassado, a
herança de sua legislação, consequentemente, também necessitava
ser trocada. Neste momento, os intelectuais e políticos de direita e
esquerda reuniram-se para discutir a nova Constituição Brasileira, que
seria aprovada em 1988. Não encaramos a promulgação da Consti-
tuição como rupturas com as amarras do passado, no entanto, foram
grandes os avanços proporcionados por ela, inclusive no tocante
à educação.
História, Filosofia e Sociologia da Educação

A década de 1990 viria permeada por uma educação pautada na lógica


do mercado. Ou seja, concordamos com a afirmação dos autores que aqui se-
rão apresentados de que a Lei de Diretrizes e Bases, aprovada em 1996, estava
pautada na lógica mercadológica, na qual a educação serve para aumentar a
produtividade da economia.

4.1 Breve contexto histórico e educacional


Como já afirmamos no capítulo anterior, a partir de 1979 começou,
gradativamente, a abertura política do país. Intelectuais, artistas e políticos
engajaram-se para que a democracia voltasse a ter seu devido lugar no Bra-
sil. Em 1984, grandes comícios foram realizados em favor das “Diretas Já”
(movimento que lutava pelas eleições diretas e pelo voto secreto). Em 1985,
foi eleito, de maneira indireta, o presidente Tancredo Neves, que faleceu antes
de assumir o governo.
Seu vice, José Sarney, assumiu a presidência da república em meio às tur-
bulências da transição democrática, juntamente com a alta inflação e as cons-
tantes greves. Nesta época, vários partidos foram reorganizados e legalizados,
inclusive os de cunho comunista. Uma nova Constituição para o país foi
promulgada, em 1988, e, apesar de trazer algumas novidades, manteve-se, em
parte, conservadora em certos “direitos antigos e obsoletos” (FRANCISCO
FILHO, 2004, p.133).
Em 1989, foi realizada a tão esperada eleição direta para presidente.
Nesta eleição, o ex-prefeito de Maceió e ex-governador de Alagoas, F
­ ernando
Collor de Melo venceu o segundo turno com 34 milhões de votos. Com seu
tipo carismático, de postura jovem e atlética (assim vendida pelos meios de
comunicação) tentou convencer a população de que seria um “caçador de
marajás”, ou seja, que iria conseguir acabar com a corrupção no país. Collor
era adepto do neoliberalismo, bloqueou aplicações financeiras e depósitos
bancários por dezoito meses, investiu na importação e congelou salários e
preços. Suas medidas prejudicaram milhares de brasileiros, gerando um clima
de insatisfação.
No tocante à educação, em 1991, Collor lançou os Centros Integrados
de Apoio à criança, os CIACs, baseado no projeto dos Centros Integrados

– 74 –
Educação no Brasil: o período de redemocratização

de Educação Pública (CIEPs), que já existiam no Rio de Janeiro. Esses cen-


tros faziam parte do “Projeto Minha Gente”. Tinham oobjetivo de atender
a crianças e adolescentes nos aspectos que envolvessem educação em tempo
integral, saúde, lazer, cursos, etc. Foram construídas cerca de 5 mil escolas
neste formato. Houve várias críticas ao investimento, que chegou a dois
milhões de dólares por unidade. Muitos defendiam que seria mais viável
investir este dinheiro nas escolas já existentes. Com o fim do governo Collor,
o ministro Murílio Hingel continuou o projeto com algumas mudanças. A
partir de 1992, sua nomenclatura foi mudada para Centros de Atenção Inte-
gral à Criança (CAICs).
Figura 1- Centro de Atenção a Criança e ao Adolescente
(CAIC), que foi implantado em 1992.

UFRRJ

O fato de não ter a maioria parlamentar e não estabelecer um bom


diálogo com o Congresso Nacional, fez com o governo de Fernando
Collor começasse a se desestabilizar. Escândalos políticos envolvendo seu
irmão, Pedro Collor, e o político Paulo Cesar Faria foram investigados
por uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito). Era o início do fim
do governo Collor.

– 75 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

Para completar a situação, milhares de pessoas descontentes com seu


governo (em sua maioria estudantes) foram para as ruas, em um movimento
chamado “caras pintadas”, e exigiram o impeachment do presidente. Em
1992, o presidente Collor renunciou ao cargo e seu vice, Itamar Franco, assu-
miu a presidência.
Itamar Franco realizou, em seu governo, uma significativa mudança para
a economia brasileira. Em 1994, juntamente com o Ministro da Fazenda Fer-
nando Henrique Cardoso, realizou o Plano Real, o que gerou, além de outras
medidas, a adoção da atual moeda brasileira, o Real. Na época a moeda em
vigência era o Cruzeiro Real. Respeitado por sua intelectualidade e por sua
participação no Plano Real, Fernando Henrique Cardoso ganhou as eleições
para a presidência da república em 1994. Foi em seu governo que mudanças
mais profundas aconteceram na educação brasileira. Um exemplo é a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação (LDB) n. 9.394, de 1996, como veremos
melhor a seguir.
Frigotto e Ciavatta analisam o governo de Fernando Henrique Cardoso
e definem seu projeto neoconservador da seguinte maneira:
o conjunto de pressupostos assumidos e partilhados pelo projeto
econômico-social do Governo Cardoso é extraído da cartilha neoli-
beral do Consenso de Washington e pode ser resumido nos seguintes:
primeiramente que acabaram as polaridades, a luta de classes, as ide-
ologias, as utopias igualitárias e as políticas de Estado nelas baseadas.
A segunda ideia-matriz é a de que estamos em um novo tempo – da
globalização, da modernidade competitiva, de reestruturação produ-
tiva, de reengenharia –, do qual estamos defasados e ao qual devemos
ajustar-nos. Este ajustamento deve dar-se não mediante políticas pro-
tecionistas, intervencionistas ou estatistas, mas de acordo com as leis
do mercado globalizado, mundial (­FRIGOTTO; CIAVATTA, 2003,
p. 105-106).

O governo passou a ter um caráter privado. O país abandonou o Regime


civil-militar e passou a ser regido pelo Regime da ideologia do mercado (FRI-
GOTTO; CIAVATTA, 2002). Este pensamento mercadológico refletiu-se na
educação em uma perspectiva pedagógica “individualista, dualista e fragmen-
tária, coerente com o ideário da desregulamentação, flexibilização e privati-
zação e com o desmonte dos direitos sociais, ordenados por uma perspectiva
de compromisso social coletivo” (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2003, p. 108).

– 76 –
Educação no Brasil: o período de redemocratização

Não casualmente, os Parâmetros Curriculares Nacionais tratam de habi-


lidades e competências como mecanismos de avaliação.
Apesar de certas turbulências, neoliberalismo e outros fatores, Fernando
Henrique conseguiu (aparentemente) manter um governo tranquilo ao ponto
de conseguir a reeleição e governar o país por mais quatro anos.
De forma geral, a década de 1990 foi um período em que o Brasil
foi “pressionado” a superar as altas taxas de analfabetismo, já que, naquele
momento, ainda era um dos países com a maior taxa de cidadãos analfabetos.
Foi nesta década, também, que o país estreitou seus laços com os interesses
do Banco Mundial, retomando a teoria do capital humano e dando atenção
às relações de custo/benefício. Ou seja, a educação deveria diminuir a pobreza
e, em contrapartida, aumentaria a produtividade, preparando trabalhadores
(FRIGOTTO; CIAVATTA 2003, p. 100).

4.2 Constituição de 1988 e a educação


A Constituição de 1988 trouxe, em sua redação, um avanço em rela-
ção às anteriores, pois, em seu texto, ela declarou o direito à educação. No
entanto, a permanência na escola e as condições para tal ainda foram pontos
esquecidos. Reportando-se ao momento histórico, lembramos que a socie-
dade dos anos 80 do século XX estava em busca de uma democratização. A
Constituição refletia este desejo de romper com as amarras do militarismo e
promover a plena cidadania, porém, os laços com o passado político conser-
vador eram muito fortes.
Com a tentativa de ser a mais democrática possível, a lei apresentou seu
Art. 205 afirmando que “a educação, direito de todos e dever do Estado e
da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade,
visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988, [s. p.]). Pros-
seguindo o seu discurso, o Art. 206 trouxe as finalidades a que se destina a
educação brasileira. Em seu texto podemos observar os intuitos legais:
I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamen-
to, a arte e o saber;

– 77 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência


de instituições públicas e privadas de ensino;
IV – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
V – valorização dos profissionais da educação escolar, garan-
tidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclu-
sivamente por concurso público de provas e títulos, aos das
redes públicas (Redação dada pela Emenda Constitucional
n. 53, de 2006);
VI – gestão democrática do ensino público, na forma da lei;
VII – garantia de padrão de qualidade;
VIII – piso salarial profissional nacional para os profissionais da edu-
cação escolar pública, nos termos de lei federal (Incluído pela Emenda
Constitucional n. 53, de 2006) (BRASIL, 1988, [s. p.]).

Reflita
Apesar de em seu texto lermos os termos “igualdade”, “liber-
dade”, “valorização”, “qualidade”, sabemos que a educação
brasileira ainda tem um longo caminho para chegar ao ideário
da Constituição. Na prática, os índices ainda revelam um grande
número de pessoas fora da escola, sem condições de acesso
ou permanência. A legalização já aconteceu em 1988, espera-
mos agora por sua realização plena, ainda que pareça utopia.

Como lembra Oliveira (1999), os principais mecanismos que reforçam


o direito à educação estão presentes no Art. 208. Conforme o texto original
de 1988, o:
I – ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que
a ele não tiveram acesso na idade própria;
II – progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino
médio.
III – atendimento educacional especializado aos portadores de defici-
ência, preferencialmente na rede regular de ensino;

– 78 –
Educação no Brasil: o período de redemocratização

IV – atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis


anos de idade;
V – acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação
artística, segundo a capacidade de cada um;
VI – oferta de ensino noturno regular, adequado às condições
do educando;
VII – atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de
programas suplementares de material didático-escolar, transporte,
alimentação e assistência à saúde (BRASIL, 1988, [s. p.]).

Podemos destacar alguns comentários em relação a estes incisos do


Art. 208:
22 1º O ensino médio se tornou gratuito com a Emenda Constitucio-
nal n. 14, de 1996, porém, ainda não era considerado obrigatório.
Somente em 2009 uma emenda constitucional aprovou a obriga-
toriedade gradativa do Ensino Médio, no entanto, os governos têm
até 2016 para fazer as adequações;
22 2º Ainda não temos um ensino completamente especializado para
receber portadores de deficiências na rede regular de ensino. Em
determinados casos esses alunos acabam sendo excluídos, ao invés
de incluídos, já que nem todas as instituições de ensino possuem
profissionais qualificados e ambiente planejado e adequado para
receber esses alunos;
22 3º Conflitos entre municípios e estados trazem prejuízos para os
alunos no que se refere ao direito de transporte, alimentação e assis-
tência à saúde. A precariedade desses serviços, em certas cidades
brasileiras, estampam diariamente os noticiários.
Na mesma perspectiva de melhora da qualidade de ensino, o Art. 214
trazia a meta de estabelecer “o plano nacional de educação, de duração pluria-
nual, visando à articulação e ao desenvolvimento do ensino em seus diversos
níveis e à integração das ações do Poder Público” (BRASIL, 1988, [s. p.]).
Esse plano estaria responsável pela:
I – erradicação do analfabetismo;
II – universalização do atendimento escolar;
III – melhoria da qualidade do ensino;

– 79 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

IV – formação para o trabalho;


V – promoção humanística, científica e tecnológica do País (BRASIL,
1988, [s. p.]).

Compreendemos que essas finalidades do Plano Nacional de Educação


ainda vêm sendo aos poucos conquistadas. Apesar das taxas terem diminuído,
o analfabetismo não foi “erradicado” e nem todos têm um ensino de quali-
dade, entre outras questões.
Os demais artigos da Constituição estão listados a seguir e são comenta-
dos para que possamos conhecer de forma geral todos os pontos relacionados
à educação. Vejamos.
Quadro 1

Comentário/
Artigo Texto legal
Complemento
“As universidades gozam de autono- As universidades podem con-
mia didático-científica, administrativa tratar seus próprios professores
207 e de gestão financeira e patrimonial, e dentro do processo da lei. O
obedecerão ao princípio de indissociabili- ensino superior é algo novo
dade entre ensino, pesquisa e extensão.” dentro das Constituições.
“O ensino é livre à iniciativa privada,
atendidas as seguintes condições:
Obrigação das instituições
I – cumprimento das normas
209 privadas de se submete-
gerais da educação nacional;
rem ao Poder Público.
II – autorização e avaliação de qua-
lidade pelo Poder Público.”
O ensino religioso aparece como
disciplina facultativa. Afirma-se
“Serão fixados conteúdos mínimos
a língua portuguesa como a lín-
para o ensino fundamental, de maneira
gua oficial ensinada nas escolas,
210 a assegurar formação básica comum
salvo em comunidades indígenas
e respeito aos valores culturais e
que têm liberdade para utilizar a
artísticos, nacionais e regionais.”
língua materna e seus próprios
métodos de aprendizagem.

– 80 –
Educação no Brasil: o período de redemocratização

Comentário/
Artigo Texto legal
Complemento

Com a redação atualizada


em 2006 pela Emenda
Constitucional n. 14, os
“A União, os Estados, o Distrito Federal
municípios ficam responsáveis
211 e os Municípios organizarão em regime
pela educação infantil e ensino
de colaboração seus sistemas de ensino.”
fundamental e os estados e
Distrito Federal atuarão no
ensino fundamental e médio.

“A União aplicará, anualmente, nunca


menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Fixou que o investimento
Federal e os Municípios vinte e cinco por da União seria de 18% e
212 cento, no mínimo, da receita resultante dos Estados, Municípios e
de impostos, compreendida a proveniente Distrito Federal seriam de
de transferências, na manutenção 25% da receita de impostos.
e desenvolvimento do ensino.”

“Os recursos públicos serão destinados às


escolas públicas, podendo ser dirigidos
a escolas comunitárias, confessionais ou
filantrópicas, definidas em lei, que:
I – comprovem finalidade não
Os recursos não são
lucrativa e apliquem seus excedentes
213 de exclusividade das
financeiros em educação;
escolas públicas.
II – assegurem a destinação de seu
patrimônio a outra escola comunitária,
filantrópica ou confessional, ou
ao Poder Público, no caso de
encerramento de suas atividades.”

Fonte: BRASIL (1988, [s. p.]).

– 81 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação


A Constituição foi um avanço para a sociedade bra-
sileira em muitos aspectos. Na área da educação ela
significou a chamada de atenção e a responsabilização
do Estado em questões antes deixadas à margem.

A próxima Lei específica sobre a educação seria promulgada oito anos mais
tarde, em 1996. É o assunto que abordaremos na próxima seção.

4.3 Lei de Diretrizes e Bases da Educação


Com a promulgação da Constituição de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação de 1961 foi considerada em desuso e, por isso, uma nova lei
precisava atender aos anseios do momento histórico presente. Em 1992, o
senador Darcy Ribeiro apresentou um projeto de reformulação da educa-
ção brasileira, destinado a fixar diretrizes e bases para a educação nacional.
No entanto, esse projeto seria sancionado pelo presidente somente oito anos
depois, em 20 de dezembro de 1996, sob o n. 9.394.
Estudiosos como Otranto, Frigotto e Ciavatta criticam a forma como a
nova LDB foi promulgada, já que veio a atender mais à lógica mercadológica
do governo do que à ideologia dos educadores. Ainda em 1996, pouco antes
da lei ser aprovada, Otranto (1996) fez a seguinte crítica:
assistimos, então, perplexos, a um confronto inusitado, entre um pro-
jeto que é fruto de seis anos de amplos debates, que se não é o ideal de
todos, pelo menos traduz a reivindicações de muitos, com um outro
de autor único, que só recentemente se submeteu a pouquíssimos
debates, apenas sob grande pressão de outros parlamentares e dos seg-
mentos organizados da sociedade civil (OTRANTO, 1996, [s. p.]).

A autora referia-se à comparação entre o substitutivo Cid Sabóia e o


substitutivo Darcy Ribeiro. A primeira sugestão da nova Lei Cid Sabóia já
tramitava no Congresso há mais tempo e havia sido submetida à discussão
e opinião de diversos intelectuais da educação, enquanto a outra proposta
– Darcy Ribeiro – retirava do Estado grande parte de sua responsabilidade.

– 82 –
Educação no Brasil: o período de redemocratização

Mesmo não representando as reais necessidades da educação no Brasil, a Lei


Darcy Ribeiro foi promulgada no final de 1996.
Neste mesmo sentido, acredita-se que até 1994 havia uma discussão de-
mocrática de construção da Lei, no entanto, a partir de 1995 a mudança
ocorrida no Congresso e no Senado, bem como a “coalizão conservadora que
elegeu Fernando Henrique Cardoso deram novos rumos para os projetos de
lei, em disputa no legislativo nacional, que estavam debatendo a nova LDB”
(ABREU, 2011, p. 56).
A nova LDB trouxe inovações em relação às leis anteriores, uma delas foi
a inclusão da educação infantil (creches e pré-escolas) na educação básica. Ela
está baseada no princípio de direito universal de educação para todos – apesar
de sabermos que, na prática, isso ainda é algo aguardado.
Após sua redação inicial, sua estrutura ficou com 92 artigos organiza-
dos da seguinte forma: Título I – Da educação; Título II – Dos Princípios
e Fins da Educação Nacional; Título III – Do Direito à Educação e do De-
ver de Educar; Título IV – Da Organização da Educação Nacional; Título
V – Dos Níveis e das Modalidades de Educação e Ensino; Capítulo I – Da
Composição dos Níveis Escolares; Capítulo II – Da Educação Básica; Se-
ção I – Das Disposições Gerais; Seção II – Da Educação Infantil; Seção III
– Do Ensino Fundamental; Seção IV – Do Ensino Médio; Seção V – Da
Educação de Jovens e Adultos; Capítulo III – Da Educação Profissional;
Capítulo IV – Da Educação Superior; Capítulo V – Da Educação Especial;
Título VI – Dos Profissionais da Educação; Título VII – Dos Recursos Fi-
nanceiros; Título VIII – Das Disposições Gerais; e Título IX – Das Dispo-
sições Transitórias.


Outra novidade da lei foi a divisão do ensino em dois
níveis: educação básica e ensino superior. A educação
básica é dividida em três etapas: educação infantil, ensino
fundamental e ensino médio. O ensino fundamental é de
obrigatoriedade e tem a sua oferta garantida pela lei..

– 83 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

Santos nos fornece uma listagem das principais novidades da Lei n.


9.394/96, bem como os seus principais artigos:
• gestão democrática do ensino público e progressiva autonomia
pedagógica e administrativa das unidades escolares – Art. 3º e 15;
• ensino fundamental e gratuito – Art. 4º;
• carga horária mínima de oitocentas horas distribuídas em duzen-
tos dias na educação básica – Art. 24;
• previsão de um núcleo comum para o currículo do ensino fun-
damental e do médio e uma parte diversificada em função das
especificidades regionais e locais – Art. 26;
• formação de docentes para atuar na educação básica de nível su-
perior – Art. 62;
• formação de especialistas da educação em curso superior de peda-
gogia ou pós-graduação – Art. 64;
• a União deve gastar, no mínimo, 18%, e os estados e municípios,
no mínimo, 25% de seus respectivos orçamentos na manutenção
e desenvolvimento do ensino público – Art. 69;
• o dinheiro público pode financiar escolas comunitárias, confes-
sionais e filantrópicas – Art. 77;
• previsão da criação do Plano Nacional da Educação – Art. 87
(SANTOS, 2011, p. 80).

Segundo a nova LDB, a educação infantil – primeira etapa da educação


básica – está destinada às crianças de 0 a 5 anos, sendo atendidas integral-
mente sob a responsabilidade do município. As orientações da lei referentes
à educação infantil estão expressas em seus Arts. 29, 30 e 31, como pode-
mos ler a seguir:
Art. 29 A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem
como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos
de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social,
complementando a ação da família e da comunidade.
Art. 30 A educação infantil será oferecida em: I – creches, ou entida-
des equivalentes, para crianças de até três anos de idade;
II – pré-escolas, para as crianças de quatro a seis anos de idade.
Art. 31 Na educação infantil a avaliação far-se-á mediante acompanha-
mento e registro do seu desenvolvimento, sem o objetivo de promoção,
mesmo para o acesso ao ensino fundamental (BRASIL, 1996, [s. p.]).

– 84 –
Educação no Brasil: o período de redemocratização

A educação infantil acaba sendo um espaço de ensinar e educar, aten-


dendo, em parte, às necessidades da realidade dos trabalhadores brasileiros.
Muitas famílias que trabalham precisam de um local para deixar suas crianças
em segurança. Até certo ponto, as creches e pré-escolas também realizam essa
função de cuidar da criança.
O ensino fundamental, de caráter obrigatório e direito de todo cida-
dão, ficou organizado de maneira que o aluno tenha direito a 800 horas de
aula, distribuídas, no mínimo, em 200 dias letivos; a carga horária mínima
é de quatro horas diárias, sendo ampliadas para período integral, conforme
possibilidade do estabelecimento; ensino ministrado na língua portuguesa,
assegurando, contudo, às comunidades indígenas o aprendizado de sua lín-
gua materna; que o ensino seja presencial, ocorrendo a distância somente
em situações emergenciais ou em casos de complementação do estudo. Estas
orientações legais sobre o ensino fundamental estão descritas a seguir, nos
Arts. 32 e 34.
Art. 32º O ensino fundamental, com duração mínima de oito anos,
obrigatório e gratuito na escola pública, terá por objetivo a formação
básica do cidadão, mediante:
I – o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios
básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo;
II – a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da
tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade;
III – o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em
vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de ati-
tudes e valores;
IV – o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidarie-
dade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social.
§ 1º É facultado aos sistemas de ensino desdobrar o ensino funda-
mental em ciclos.
§ 2º Os estabelecimentos que utilizam progressão regular por série
podem adotar no ensino fundamental o regime de progressão con-
tinuada, sem prejuízo da avaliação do processo de ensino-aprendiza-
gem, observadas as normas do respectivo sistema de ensino.
§ 3º O ensino fundamental regular será ministrado em língua portu-
guesa, assegurada às comunidades indígenas a utilização de suas lín-
guas maternas e processos próprios de aprendizagem.

– 85 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

§ 4º O ensino fundamental será presencial, sendo o ensino a distância


utilizado como complementação da aprendizagem ou em situações
emergenciais.
Art. 34º A jornada escolar no ensino fundamental incluirá pelo me-
nos quatro horas de trabalho efetivo em sala de aula, sendo progressi-
vamente ampliado o período de permanência na escola.
§ 1º São ressalvados os casos do ensino noturno e das formas alterna-
tivas de organização autorizadas nesta Lei.
§ 2º O ensino fundamental será ministrado progressivamente em
tempo integral, a critério dos sistemas de ensino (BRASIL, 1996, [s.
p.]).

Em 2006, com a Lei n. 11.274, o ensino fundamental passou de oito


para nove anos de obrigatoriedade. As crianças passaram a entrar no ensino
fundamental com um ano de antecedência, aos seis anos de idade. Os muni-
cípios tiveram até o ano de 2010 para iniciar esta transição, assegurando às
crianças o direito a um ano a mais de aprendizagem. Na antiga disposição,
o aluno estudaria da 1ª à 8ª série. Com a nova organização, entrou em vigor
outra nomenclatura: os alunos estudam do 1º ao 9º ano.
Tudo isso demandou uma corrida dos municípios e estados para
organizarem toda a proposta de ensino para os nove anos, ampliando o
atendimento, contratando profissionais e arrumando espaço físico para
atender à nova demanda. Este processo, apesar de iniciado, ainda está
em andamento.
O ensino médio era uma garantia de formação rápida, visto que nem
todos os estudantes vislumbravam a oportunidade de continuar seus estudos
e entrar no ensino superior. Como já vimos, o contexto histórico no qual sur-
giu a nova LDB era pautado em uma lógica mercadológica, em que as habili-
dades e competências eram voltadas para a formação geral básica destinada à
preparação do trabalho. As orientações da Lei foram:
Art. 35. O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração
mínima de três anos, terá como finalidades:
I – a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos
no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos;
II – a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educan-
do, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar

– 86 –
Educação no Brasil: o período de redemocratização

com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoa-


mento posteriores;
III – o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo
a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do
pensamento crítico;
IV – a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos
processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino
de cada disciplina BRASIL, 1996.

Já o Art. 36 trouxe as definições do que seria estudado no Ensino Médio,


vejamos:
Art. 36. O currículo do ensino médio observará o disposto na Seção I
deste Capítulo e as seguintes diretrizes:
I – destacará a educação tecnológica básica, a compreensão do significa-
do da ciência, das letras e das artes; o processo histórico de transforma-
ção da sociedade e da cultura; a língua portuguesa como instrumento
de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da cidadania;
II – adotará metodologias de ensino e de avaliação que estimulem a
iniciativa dos estudantes;
III – será incluída uma língua estrangeira moderna, como disciplina
obrigatória, escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda, em
caráter optativo, dentro das disponibilidades da instituição.
§1º Os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação serão
organizados de tal forma que ao final do ensino médio o educan-
do demonstre:
I – domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a
produção moderna;
II – conhecimento das formas contemporâneas de linguagem;
III – domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessá-
rios ao exercício da cidadania (BRASIL, 1996, [s. p.]).

Assim, um ensino que procurasse ofertar conhecimento geral e específico


aumentou a demanda, o que fez com que as turmas do período noturno
tivessem suas vagas ampliadas (SANTOS, 2011, p. 90).
Apesar de parecer ter caráter conclusivo, pois “consolida” o que foi apre-
endido no ensino fundam ental, o ensino médio apareceu como uma “pre-
paração básica para o trabalho e a cidadania” e base para o prosseguimento e
aperfeiçoamento de estudos posteriores (BRASIL, 1996[s. p.]).

– 87 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

Dica de Leitura
Para saber mais e aprofundar as discussões e análises sobre a educa-
ção nas constituições brasileiras e LDB, leia:
ABREU, D. C. Políticas públicas e legislação educacional. ­Curitiba:
Fael, 2011. .

Quanto ao ensino superior, as orientações são de que as instituições podem


ser privadas ou públicas (federais, estaduais ou municipais), desde que todas
estejam registradas e credenciadas pelo Ministério da Educação. O Art. 43 da
nova LDB n. 9.394/96 é o que normatiza sobre o Ensino Superior, em seu
texto ele define como sendo sua finalidade:
I – estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito cien-
tífico e do pensamento reflexivo;
II – formar diplomados nas diferentes áreas do conhecimento, aptos
para a inserção, em setores profissionais, e para a participação no
desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua forma-
ção contínua;
III – incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visan-
do o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão
da cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e
do meio em que vive;
IV – promover a divulgação de conhecimentos culturais, científi-
cos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comu-
nicar o saber através do ensino, de publicações ou de outras formas
de comunicação;
V – suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e pro-
fissional e possibilitar a correspondente concretização, integrando os
conhecimentos que vão sendo adquiridos em uma estrutura intelec-
tual sistematizadora do conhecimento de cada geração;
VI – estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente,
em particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados
à comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade;
VII – promover a extensão, aberta à participação da população, visan-
do à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural
e da pesquisa científica geradas na instituição (BRASIL, 1996, [s. p.]).

– 88 –
Educação no Brasil: o período de redemocratização

No interior destes níveis da educação existem algumas modalidades


de ensino previstas pela nova LDB para atender a situações diferenciadas,
são elas:
22 educação de jovens e adultos;
22 educação profissional;
22 educação especial;
22 educação a distância (EaD).

Dica de Leitura
Depois de publicada, a Lei n. 9.394/96 sofreu algumas modificações
em seu texto original, que podem ser verificadas no link <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm>.
BRASIL. Lei n. 9.934, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece
as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, 20 dez. 1996.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.
htm>. Acesso em: 11 nov. 2012.

Da teoria para a prática


Os Centros Integrados de Apoio à Criança – os CIACs - foram
implantados a partir de 1991 pelo governo Collor. Eram baseados no
projeto dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs), que já
existiam no Rio de Janeiro. Como já vimos no decorrer desse capí-
tulo, a construção dos CIACs (que seriam chamados posteriormente
de CAICs) foi duramente criticada por especialistas que alegaram
que o investimento altíssimo poderia ter sido aplicado em institui-
ções já existentes.
Pesquise se em sua região foi construído algum CAIC e verifique
qual a sua situação atual. Ainda está em funcionamento? Que ativida

– 89 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

des são desenvolvidas no espaço construído? Que instituição mantém


a parte física e humana que ali existem? Caso não exista algum em
sua região, ou próximo a ela, pesquise nos sites dos Conselhos Esta-
duais e descubra onde ainda existe, ou existiam. Entre em contato
com eles para realizar sua pesquisa.

Síntese
Neste capítulo, estudamos um panorama da educação brasileira depois
do fim do Regime Militar no país. Vimos um breve histórico dos primeiros
governos do período da abertura política e algumas de suas realizações. Como
mais significativo encontramos a Constituição de 1988 e a Lei de Bases e
Diretrizes da Educação de 1996.
A Constituição de 1988 foi um marco na história do país, pois
estabeleceu as leis para a nova sociedade democrática. Em seus arts. 205 a
213, a Constituição trata da educação como (em parte) responsabilidade do
Estado, aprova a obrigatoriedade gradativa do ensino médio (que está em
andamento) e inclui a educação infantil e o ensino superior.
Sobre a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996, estudiosos
como Otranto (1996), Frigotto e Ciavatta (2003) afirmam que a Lei foi
aprovada sem a discussão necessária dos intelectuais da educação. Na
verdade, ela veio a atender mais aos interesses mercadológicos do que às reais
necessidades educacionais.
Podemos encerrar lembrando que taxas de analfabetismo, evasão escolar
e falta de recursos destinados à educação são alguns dos problemas que os
governos brasileiros ainda precisam dar conta de resolver.

– 90 –
5
Educação
contemporânea
no Brasil
Alicia Mariani Lucio Landes da Silva

A educação contemporânea brasileira é um desafio. Vive-


mos um momento de intensa transformação da sociedade como
consequência da globalização e da chamada era da comunicação.
Atualmente, existe uma discussão sobre o uso das tecnologias em
salas de aula. Professores perguntam-se até que ponto os apare-
lhos tecnológicos devem fazer parte do cotidiano escolar. Alunos
requerem a utilização de tais aparelhos como parte de seu material.
Em certas regiões do país, professores, alunos e a população, de
maneira geral, não têm acesso a toda esta tecnologia. Vivemos em
um mundo global e tecnológico, mas que ainda, infelizmente, não
alcançou todas as regiões geográficas e classes sociais.
História, Filosofia e Sociologia da Educação

De outro lado, temos uma falta de definição metodológica. Professores


misturam os métodos que receberam, enquanto estudantes, com aqueles
sobre os quais foram orientados a lecionar. Quando perguntados, respondem:
“eu misturo um pouco de tudo”. Realmente, o século XXI trouxe novidades
e incertezas para a educação.
Atreladas a este cenário, ainda vamos verificar algumas mudanças ocorridas
a partir da década de 1990, como a política neoliberal, os financiamentos
da educação, o mundo globalizado, a sociedade da informação e algumas
leis educacionais.

5.1 Política neoliberal e


agências internacionais
A educação brasileira, a partir dos anos de 1990, leva a crer que foi
marcada pela intensa presença do capitalismo, em que o Estado assinala a sua
participação com ações de políticas públicas, para manter a reprodução do
capital. Neste contexto de fim do Regime Militar e abertura política, chegam
ao Brasil as ideias do neoliberalismo. O governo brasileiro das duas últimas
décadas do século XX e da primeira do século XXI começou a delegar parte
de suas funções para o mercado e empresas privadas. Sobretudo no governo
de Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, intensificaram-se as priva-
tizações de organizações estatais e a procura de financiamentos para manter
sua política de governo. Era o Estado de atuação mínima.
A teoria neoliberal estimula a competição e a liberdade do comércio,
pois, segundo ela, quando o mercado tem livre funcionamento, cresce, gera
empregos e aumenta o acúmulo de capital. Em contrapartida, o Estado corta
gastos com a privatização de setores, como usinas de energia, indústrias de
base, construção e administração de estradas e portos, e enxuga as despesas
referentes à saúde, moradia e educação. Em outras palavras, “[...] os direitos
sociais tornam-se mercadorias e o movimento econômico restringe a esfera
social da cidadania em favor da projeção do mercado” (GIRON, 2008, p.
19). Privatizam-se as instituições e até a escola torna-se um empreendimento
comercial. Como o Estado não se sente o responsável por atender toda a
demanda educacional, escolas públicas são crescentemente deixadas de lado,

– 92 –
Educação contemporânea no Brasil

funcionários são “trocados” por voluntários (pois a sociedade também teria o


dever de ajudar) e escolas particulares ganham espaço e competem por alu-
nos/clientes.
Agências internacionais e, principalmente, o Banco Mundial tornam-se
os grandes prestadores de empréstimos para a educação dos países pobres e,
dentre esta lista, encontra-se o Brasil. Os financiamentos não são ingênuos e
livres de interesses. Instituições como o Banco Mundial veem estas “ajudas”
como um controle do capitalismo. O ato de investir na educação não pressu-
põe a sua democratização. A visão está voltada para dar condições mínimas
para as classes subjugadas, que se transformariam em uma massa de trabalha-
dores que fazem as empresas e instituições privadas manterem seu ritmo de
trabalho. Há, ainda, uma preocupação das potências mundiais (em destaque
os EUA) de atender, minimamente, aos países pobres, para não gerar um
povo revoltoso ou revolucionário.

Saiba mais
O neoliberalismo é uma teoria criada em 1947, por Friedrich
August Von Hayek. Foi inicialmente aplicada nos governos
de Margareth Thatcher (Reino Unido) e Ronald Reagan
(Estados Unidos). O neoliberalismo parte do princípio de
que o mercado regula a sociedade. O mercado tem um papel
mínimo, restando a ele e às empresas privadas o papel de
atender à sociedade.

As consequências desta política podem ser duramente percebidas na


educação brasileira. Como sustenta Andrioli (2002), podemos levantar al-
guns pontos que refletem essas consequências:
1 – Menos recursos, por dois motivos principais: a) diminuição da
arrecadação (através de isenções, incentivos, sonegação); b) não apli-
cação dos recursos e descumprimento de leis;
2 – Prioridade no Ensino Fundamental, como responsabilidade dos
Estados e Municípios (a Educação Infantil é delegada aos municípios);
3 – O rápido e barato é apresentado como critério de eficiência;

– 93 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

4 – Formação menos abrangente e mais profissionalizante;


5 – A maior marca da subordinação profissionalizante é a reforma do
ensino médio e profissionalizante;
6 – Privatização do ensino;
7 – Municipalização e “escolarização” do ensino, com o Estado re-
passando adiante sua responsabilidade (os custos são repassados às
prefeituras e às próprias escolas);
8 – Aceleração da aprovação para desocupar vagas, tendo o agravante
da menor qualidade;
9 – Aumento de matrículas, como jogo de marketing (são feitas ape-
nas mais inscrições, pois não há estrutura efetiva para novas vagas);
10 – A sociedade civil deve adotar os “órfãos” do Estado (por exem-
plo, o programa “Amigos da Escola”). Se as pessoas não tiverem aces-
so à escola a culpa é colocada na sociedade que “não se organizou”,
isentando, assim, o governo de sua responsabilidade com a educação;
11 – O Ensino Médio dividido entre educação regular e profissionali-
zante, com a tendência de priorizar este último:  “mais ‘mão de obra’
e menos consciência crítica”;
12 – A autonomia é apenas administrativa. As avaliações, livros didá-
ticos, currículos, programas, conteúdos, cursos de formação, critérios
de “controle” e fiscalização continuam dirigidos e centralizados. Mas,
no que se refere à parte financeira (como infraestrutura, merenda,
transporte), passa a ser descentralizada;
13 – Produtividade e eficiência empresarial (máximo resultado com o
menor custo): não interessa o conhecimento crítico;
14 – Nova linguagem, com a utilização de termos neoliberais
na educação;
15 – Modismo da qualidade total (no estilo das empresas privadas) na
escola pública, a partir de 1980;
16 – Os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) são ambíguos
(possuem 2 visões contraditórias), pois se, por um lado, aparece
uma preocupação com as questões sociais, com a presença dos te-
mas transversais como proposta pedagógica e a participação de in-
telectuais progressistas, por outro, há todo um caráter de adequação
ao sistema de qualidade total e a retirada do Estado. É importante
recordar que    os PCNs surgiram já no início do 1º mandato de
FHC, quando foi reunido um grupo de intelectuais da Espanha,

– 94 –
Educação contemporânea no Brasil

Chile, Argentina, Bolívia e outros países que já tinham realizado


suas reformas neoliberais, para iniciar esse processo no Brasil. A par-
te considerada progressista não funciona, já que a proposta não vem
acompanhada de políticas que assegurem sua efetiva implantação,
ficando na dependência das instâncias da sociedade civil e dos pró-
prios professores.
17 – Mudança do termo “igualdade social” para “equidade social”,
ou seja, não há mais a preocupação com a igualdade como direito de
todos, mas somente a “amenização” da desigualdade;
18 – Privatização das Universidades;
19 – Nova LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional)
determinando as competências da federação, transferindo responsabi-
lidades aos Estados e Municípios;
20 – Parcerias com a sociedade civil (empresas privadas e organizações
sociais) (ANDRIOLI, 2002, [s. p.]).

Transferência de responsabilidades, parcerias, foco longe da quali-


dade, priorização de uma educação rápida e, de preferência, sem repe-
tência, entre outros fatores lidos anteriormente, marcaram a política e o
período, e permanecem até os dias atuais. Lamentavelmente, podemos
visualizar que, por trás de um discurso de ajuda internacional, o que
realmente aconteceu foi um controle das potências em relação aos países
periféricos, sendo normal a ausência do Estado. Tentando “remar contra a
maré”, movimentos e educadores posicionaram-se contra este sistema. A
busca pela democracia e qualidade de ensino permeou a história da edu-
cação brasileira, como descrito no capítulo anterior. No entanto, essa luta
foi e é muito difícil mediante os instrumentos legais e ações do Estado.

Dica de Leitura
Para ampliar o estudo e conhecimento sobre a atuação das agências
multinacionais e sua interferência na educação brasileira é interes-
sante a leitura da obra citada:
OLIVEIRA, R. de. Agências multinacionais e a educação profis-
sional brasileira. Campinas: Alínea, 2006

– 95 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

5.2 Mundo globalizado e


sociedade de comunicação
Concomitantemente às práticas neoliberais, anda a chamada globaliza-
ção, influência de métodos e recursos. Vivemos um período em que o mundo
está interligado, no sentido positivo ou negativo, dependendo do ponto de
vista. Atualmente, as notícias e informações podem transitar de uma parte
do mundo para outra em fração de segundos. A era da comunicação (por
meio do rádio, telefone, televisão e, principalmente, da internet) faz o mundo
estar interligado. O fluxo de informações tornou-se cada vez maior, a sua
transmissão também tenta seguir o mesmo ritmo. Por outro lado, a glo-
balização também procura transmitir uma homogeneidade cultural e uma
política mundial.
Além de afetar o âmbito político, econômico e social, a globalização
alcança o espaço da educação. Neste sentido, Dale (2004) apresenta duas
abordagens que relacionam a globalização e a educação. A primeira, chamada
de Cultura Educacional Mundial Comum, (CEMC), criada por John Meyer,
“defende que o desenvolvimento dos sistemas educativos nacionais e as cur-
riculares se explicam através de modelos universais de educação, de estado e
de sociedade, mais do que através de fatores nacionais distintivos” (DALE,
2004, p. 425). A segunda ­abordagem, desenvolvida pelo autor através de
estudos recentes sobre economia política internacional, é chamada de Agenda
Global Estruturada para a Educação (AGEE). Nestes últimos estudos de
Dale, baseia-se em trabalhos recentes de economia política internacional que
encaram “a mudança de natureza da economia capitalista mundial como a
força directora da globalização e procuram estabelecer o seus efeitos, ainda
que intensamente mediados pelo local, sobre os sistemas educativos” (DALE,
2004, p. 426).
Baseada no estudo de Dale (2004), Enes (2010) apresenta uma síntese
comparativa entre a AGEE e a CEMC:
a diferença fundamental entre as abordagens CEMC e AGEE reside
na compreensão da natureza do fenômeno global. Para a CEMC, a
globalização é um reflexo da cultura ocidental, baseada em torno de
um conjunto particular de valores que penetram em todas as regiões
da vida moderna. Para a AGEE, a globalização é um conjunto de dis-
positivos político-econômicos para organização da economia global,

– 96 –
Educação contemporânea no Brasil

conduzido pela necessidade de manter o sistema capitalista, mais do


que qualquer conjunto de valores.
Outro aspecto relevante das discussões apontadas por Dale (2004) é
a teoria da agência e o parque das organizações internacionais que,
como estratégia, explicam dados sobre o crescimento dos sistemas
educativos, e deixam de lado os fatores econômicos e funcionais do
estado nação. Utilizam como argumento a autoridade dos cientis-
tas e especialistas que, com racionalidade técnica, podem acelerar o
processo de padronização educacional, por meio de grupos, corpos
científicos e profissionais. Esse argumento é ideal para a operação de
processos de imitação, difusão de modelos e categorias como deseja a
globalização. Essa estratégia é encontrada no trabalho de organizações
como a UNESCO, a Organização para Cooperação e Desenvolvi-
mento Econômico – OCDE, o Banco Mundial e muitas outras que
assumem uma pertença global (ENES, 2010, p. 4-5).

Enes (2010) continua sua reflexão afirmando que, apesar do anseio de


estabelecer padrões globais para a educação, sabemos que nela não existe uma
técnica “para implementar um ‘fazer’ padronizado. Há muitos modelos de
desenvolvimento, e na adoção de um desses modelos é mais baseado na polí-
tica do que nos fundamentos técnicos” (ENES, 2010, p. 5).
Acima podemos conhecer duas teorias sobre a globalização e a educação.
Porém, de maneira mais comum, também podemos perceber a globalização
e a sociedade de comunicação como algo que interliga a escola ao restante do
mundo. Nesta visão, os atuais educadores precisam ter a consciência de que,
atualmente, é quase impossível viver isoladamente (ainda que este isolamento
mantenha relações de convivência e importância local). Livros didáticos,
internet, correio, jornais e outros meios de comunicação fazem o ser humano
entrar em contato, diariamente, com novos conhecimentos, novas culturas e
novas informações.
Um profissional da educação dificilmente consegue usufruir das possibi-
lidades de estar ligado ao que acontece no mundo sem dominar a utilização
dos recursos tecnológicos. Cada vez mais temos acompanhado a chegada da
inclusão digital nas salas de aula, na tentativa de alcançar padrões do que
já acontece em muitos países. Uma sociedade globalizada é uma sociedade
conectada. Como exemplo desta prática conectada, encontramos cursos a
distância, transmitidos por diversas mídias. Com uma sociedade na qual a
tecnologia está em constante evolução, a formação não é estática e, muito

– 97 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

menos, tem um fim (no sentido de esgotar). Ela passa por um processo de
formação continuada.
Vivemos em uma sociedade em que os meios de comunicação têm
tomado parte do convívio das pessoas. E as relações sociais e o convívio
podem ser mais virtuais do que presenciais. O que não devemos esquecer
é que ainda existe um número expressivo de brasileiros que não têm acesso
a estas tecnologias, assim, o mundo globalizado é, por efeito, um universo
excludente, individualista (paradoxalmente) e competitivo.

5.3 As novas leis educacionais


Depois da promulgação da LDB de 1996, novas leis foram inseridas
no contexto educacional, como forma de complementar a organização da
escola e do magistério. Dentre elas, podemos citar a Lei n. 10.172, de 9 de
janeiro de 2001, que aprova o Plano Nacional de Educação (PNE), a Lei n.
11.494, de 20 de junho de 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção
e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da
Educação (Fundeb) e a Lei n. 10.639, de janeiro de 2003, que estabelece dire-
trizes e bases da educação nacional e trata da obrigatoriedade da inclusão do
tema “história e cultura afro-brasileira” no currículo oficial da rede de ensino.
Sobre a Lei n. 10.172/2001 o plano traz os seguintes objetivos: a eleva-
ção global do nível de escolaridade da população; a melhoria da qualidade
do ensino em todos os níveis; a redução das desigualdades sociais e regionais
no tocante ao acesso e à permanência, com sucesso, na educação pública; a
democratização da gestão do ensino público, nos estabelecimentos oficiais,
obedecendo aos princípios da participação dos profissionais da educação na
elaboração do projeto pedagógico da escola; e a participação das comunida-
des escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes (BRASIL, 2001).
Logo a seguir, na descrição dos intuitos propostos, o texto legal já intro-
duz uma justificativa do grau de dificuldade que é transportar para a prática
estes objetivos. Alega que “os recursos financeiros são limitados e que a capa-
cidade para responder ao desafio de oferecer uma educação compatível, na
extensão e na qualidade, à dos países desenvolvidos precisa ser construída
constante e progressivamente [...]” (BRASIL, 2001).

– 98 –
Educação contemporânea no Brasil

Justificado que a contemplação do texto legal não será tarefa imediata e


até (aparentemente) possível, a lei propõe que alguns aspectos passem a ser
a prioridade do plano, conforme o “dever constitucional e as necessidades
sociais”. Veja na íntegra do texto legal quais são os princípios:
1. Garantia de ensino fundamental obrigatório de oito anos a todas as
crianças de 7 a 14 anos, assegurando o seu ingresso e permanência na
escola e a conclusão desse ensino. Essa prioridade inclui o necessário
esforço dos sistemas de ensino para que todas obtenham a forma-
ção mínima para o exercício da cidadania e para o usufruto do pa-
trimônio cultural da sociedade moderna. O processo pedagógico
deverá ser adequado às necessidades dos alunos e corresponder a
um ensino socialmente significativo. Prioridade de tempo integral
para as crianças das camadas sociais mais necessitadas.
2. Garantia de ensino fundamental a todos os que a ele não tiveram
acesso na idade própria ou que não o concluíram. A erradicação
do analfabetismo faz parte dessa prioridade, considerando-se a
alfabetização de jovens e adultos como ponto de partida e parte
intrínseca desse nível de ensino. A alfabetização dessa população é
entendida no sentido amplo de domínio dos instrumentos básicos
da cultura letrada, das operações matemáticas elementares,
da ­evolução histórica da sociedade humana, da diversidade do
espaço físico e político mundial e da constituição da sociedade
brasileira. Envolve, ainda, a formação do cidadão responsável e
consciente de seus direitos e deveres.
3. Ampliação do atendimento nos demais níveis de ensino – a educação
infantil, o ensino médio e a educação superior. Está prevista a exten-
são da escolaridade obrigatória para crianças de seis anos de idade,
quer na educação infantil, quer no ensino fundamental, e a gradual
extensão do acesso ao ensino médio para todos os jovens que com-
pletam o nível anterior, como também para os jovens e adultos que
não cursaram os níveis de ensino nas idades próprias. Para as demais
séries e para os outros níveis, são definidas metas de ampliação dos
percentuais de atendimento da respectiva faixa etária. A ampliação
do atendimento, neste plano, significa maior acesso, ou seja, garantia
crescente de vagas e, simultaneamente, oportunidade de formação
que corresponda às necessidades das diferentes faixas etárias, as-
sim como, nos níveis mais elevados, às necessidades da sociedade,
no que se refere a lideranças científicas e tecnológicas, artísticas e
culturais, políticas e intelectuais, empresariais e sindicais, além das
demandas do mercado de trabalho. Faz parte dessa prioridade a ga-
rantia de oportunidades de educação profissional complementar à

– 99 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

educação básica, que conduza ao permanente desenvolvimento de


aptidões para a vida produtiva, integrada às diferentes formas de
educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia.
4. Valorização dos profissionais da educação. Particular atenção
deverá ser dada à formação inicial e continuada, em especial
dos professores. Faz parte dessa valorização a garantia das
condições adequadas de trabalho, entre elas o tempo para estudo
e preparação das aulas, salário digno, com piso salarial e carreira
de magistério.
5. Desenvolvimento de sistemas de informação e de avaliação em todos
os níveis e modalidades de ensino, inclusive educação profissional,
contemplando também o aperfeiçoamento dos processos de
coleta e difusão dos dados, como instrumentos indispensáveis
para a gestão do sistema educacional e melhoria do ensino
(BRASIL, 2001, grifos do autor).

Assim, como prioridades temos a obrigatoriedade de oito anos escolares


para o ensino fundamental, garantia de acesso à escola para aqueles que
não a frequentaram em idade escolar adequada (­ priorizando o fim do
analfabetismo), o atendimento progressivo à educação infantil, ensino médio
e ensino superior, valorização do profissional do magistério (formação, tempo
para preparar aula, salário, condições de trabalho, etc.) e desenvolvimento de
sistemas de informação e de avaliação. Sabemos que essas prioridades estão
distantes de serem concretizadas. Ainda há um longo caminho para que a
Lei esteja completamente em prática, no entanto, o fato dela existir já é um
passo. Após estas apresentações, a Lei reflete sobre os níveis de ensino, as
modalidades de ensino, o magistério da educação básica e o financiamento e
gestão em três níveis: diagnóstico, diretrizes, objetivos e metas.

Dica de Leitura
O espaço não permite uma explanação detalhada deste conteúdo, mas
o leitor poderá conferir o texto integral da Lei n. 10.172/2001 no site
do planalto do governo, acessando o link <http://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/Leis/LEIS_2001/L10172.htm>.
BRASIL. Lei n. 10.172, de 9 de janeiro de 2001. Aprova o Plano

– 100 –
Educação contemporânea no Brasil

Nacional de Educação e dá outras providências. Brasília, jan.


2001. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/
LEIS_2001/L10172.htm>. Acesso em: 14 nov. 2012

A Constituição de 1988 promulgou que 25% da receita dos impostos


deveriam estar destinados para a Educação. Em 1996, 60% desse percen-
tual foi vinculado ao ensino fundamental, mediante Fundo de Manutenção
e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magisté-
rio (Fundef ), que funcionou de 1997 até 2006, quando foi substituído pelo
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valoriza-
ção dos Profissionais da Educação (Fundeb).
Sena (2008) nos traz uma listagem que permite visualizar as característi-
cas do Fundeb que foram adotadas diretamente do Fundef:
• natureza contábil do fundo;
• contas únicas e específicas com repasses automáticos;
• âmbito de cada estado, sem comunicação de recursos para além
das fronteiras estaduais;
• aplicação de diferentes ponderações para etapas e modalidades de
ensino e tipos de estabelecimento;
• controle social e acompanhamento exercido por conselhos nas
três esferas federativas;
• destinação a ações de manutenção e desenvolvimento do ensino
na educação básica (Art. 70 da Lei de Diretrizes e Bases da Edu-
cação Nacional – LDB);
• possibilidade de retificação dos dados do censo por demanda dos
entes federados;
• complementação da União (SENA, 2008, p. 322).

O projeto do Fundeb está programado para funcionar de 2007 a 2020,


atuando em toda a educação básica – da creche ao ensino médio e pretende
redistribuir os recursos da educação. Essa distribuição é realizada de acordo
com o censo escolar do ano anterior de cada escola.
O Fundeb está presente em todos os estados e no Distrito Federal. A sua
renda é composta de 20% das receitas do Fundo de Participação dos Estados
(FPE); Fundo de Participação dos Municípios (FPM); Imposto de Circulação

– 101 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

de Mercadorias e Serviços (ICMS); Imposto sobre Produtos Industrializa-


dos, proporcional às exportações (IPIexp); Desoneração das Exportações (LC
n. 87/96); Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCMD);
Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA); e de cota parte
de 50% do Imposto Territorial Rural (ITR) devida aos municípios.
Conforme informações do site oficial do governo, o aporte de recursos
do governo federal destinados ao Fundeb alcançou suas metas numéricas em
apenas três anos de funcionamento. Observe o quadro:
Quadro 1
Receita/Ano 2007 2008 2009 2010/2020
FPE 16,66% 18,33% 20%
FPM 16,66% 18,33% 20%
ICMS 16,66% 18,33% 20%
IPIexp 16,66% 18,33% 20%
Desoneração
16,66% 18,33% 20%
Exportações
ITCMD 6,66% 13,33% 20%
IPVA 6,66% 13,33% 20%
ITR – Cota Municipal 6,66% 13,33% 20%
Complementa- R$ 2 R$ 3,2 R$ 5,1
10% 
ção da União bilhões bilhões bilhões
Fonte: FNDE (2012, [s. p.]).

Os valores são definidos anualmente e também levam em consideração


fatores de ponderação que podem variar de acordo com desdobramentos da
educação básica, como sugere a lista a seguir.
1. Creche pública em tempo integral
2. Creche pública em tempo parcial
3. Creche conveniada em tempo integral
4. Creche conveniada em tempo parcial

– 102 –
Educação contemporânea no Brasil

5. Pré-escola em tempo integral


6. Pré-escola em tempo parcial
7. Anos iniciais do ensino fundamental urbano
8. Anos iniciais do ensino fundamental no campo
9. Anos finais do ensino fundamental urbano
10. Anos finais do ensino fundamental no campo
11. Ensino fundamental em tempo integral
12. Ensino médio urbano
13. Ensino médio no campo
14. Ensino médio em tempo integral
15. Ensino médio integrado à educação profissional
16. Educação especial
17. Educação indígena e quilombola
18. Educação de jovens e adultos com avaliação no processo
19. Educação de jovens e adultos integrada à educação profissional de
nível médio, com avaliação no processo.
Não nos alongaremos na discussão sobre o Fundef, visto que o tema já
foi mais amplamente abordado no livro Políticas Públicas e Legislação Educa-
cional, de Diana Cristina de Abreu.
Para finalizar esta seção, queremos mencionar que, em meio a tantas
discussões sobre as práticas neoliberais e o processo de globalização que
invade o século XXI, algumas discussões, no sentido de valorar e respeitar
o ser humano, ainda tentam florescer. Para complementar a Lei de Dire-
trizes e Bases da Educação de 1996, foram publicadas emendas e reformu-
lados artigos. Como exemplo, apontamos a Lei n. 10.639, de 9 de janeiro
de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para
incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática
“história e cultura afro-brasileira”. A Lei estabelece, em seus artigos e pará-
grafos, que:

– 103 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

Art. 26-A Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio,


oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e
Cultura Afro-Brasileira.
§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste Art. in-
cluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros
no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade
nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social,
econômica e política pertinentes à História do Brasil.
§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira
serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial
nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.
Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como
“Dia Nacional da Consciência Negra” (BRASIL, 2003).

É notório que a Lei reflete uma luta do movimento social negro. Para
Rocha (2006), ao analisarmos a Lei, podemos vislumbrar dois pontos de par-
tida. Ela pode ser considerada uma política afirmativa que representa avanços
significativos na educação e relações sociais? Ou ela faz parte de uma estraté-
gia das políticas dominantes de financiamento que dão uma falsa autonomia,
sentido e significado mínimo para os países dominados? Até que ponto a Lei
representa uma luta ou uma concessão?
Nosso país é fruto da herança da miscigenação que aconteceu entre
povos (principalmente na mistura entre índios, europeus e africanos). Devido
ao intenso processo de escravidão, o Brasil é um dos lugares com a maior
quantidade de afrodescendentes. A contribuição do povo africano em todos
os aspectos da cultura brasileira é inegável. Muito tempo foi desperdiçado ao
se deixar de lado o estudo e a valorização desta contribuição social.
Seria muita ingenuidade imaginar que a Lei só foi aprovada porque ins-
tâncias maiores queriam dar um mínimo significado para as classes popu-
lares brasileiras, como se dessem um pouco de felicidade para abafar possí-
veis revoltas sociais (como o pensamento neoliberal poderia imaginar). A Lei
reflete uma intensa luta pela igualdade das relações raciais e sociais. Pressões e
discussões foram calorosamente realizadas até a publicação do texto legal. Se
isso precisou tornar-se obrigatório é porque, na prática, o tema não era con-
siderado natural ou corriqueiro. Foi necessária uma lei para “forçar” escolas e
educadores a darem o devido valor para o assunto. Desta feita, concordamos
com a afirmação de Rocha (2006, p. 113):

– 104 –
Educação contemporânea no Brasil

[...] nosso entendimento é o de que a Lei 10.639/03, se trabalhada


dentro da perspectiva da superação da ideologia de dominação racial,
pode constituir-se como um instrumento importante, no campo do
currículo, para a explicitação das contradições presentes no sistema
econômico do capital. Aliando o específico ao universal, na perspec-
tiva de superação das bases constitutivas das desigualdades raciais e
sociais. Assim posto, os conteúdos relacionados à cultura e à história
da África e dos negros brasileiros poderão atuar no sentido de expor
as lacunas e as ideias que fundamentaram a ideologia de dominação
racial. [...] Ao explicitar as lacunas, os silêncios, a base constitutiva
da ideologia de dominação racial, a Lei colocará em xeque pilares
estruturais da produção das d ­ esigualdades raciais e sociais no país e,
consequentemente, pilares que dão sustentação ao atual ordenamento
econômico mundial.

A lei é um instrumento contraideológico, que busca uma afirmação


racial, inter-racial e de aceitação de identidades. Em busca da superação
do preconceito e do conhecimento histórico de um povo, a história da
África, dos africanos e dos descendentes de africanos é, hoje, um conteúdo
obrigatório em todas as escolas do Brasil. Um dos entraves da transmissão
desse conteúdo é que nem todos os professores possuem formação adequada,
já que profissionais formados há anos não tiveram, em sua matriz curricular
de magistério ou faculdade, este tema, pois, em nível de formação de
educadores, isso também só se tornou mais visível depois da Lei. Cursos de
História, de graduação e pós-graduação, reorganizaram-se para contemplar
o conteúdo. Os livros didáticos, essencialmente os de História, são crivados
pelos analistas do MEC, um dos critérios é a presença do estudo sobre a
cultura afro-brasileira (e indígena) desprendida de estigmas e preconceitos.
Para não cair em conflitos com outros grupos etnorraciais que
poderiam receber igual ênfase na legislação educacional (por ale-
gar semelhante importância na contribuição do povo brasileiro), a Lei
n. 9.394/96, no Art. 25, parágrafo 4º, afirma que “o ensino da história e do
Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a
formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígenas, africanas
e europeias” (BRASIL, 1996).
Em 2008, por conta de discussões, luta de representantes de grupos indí-
genas e valorização do povo (que já habitava nessas terras antes de serem
chamadas de Brasil) foi reformulada a redação do Art. 26 com a Lei n.
11.645/2008 para o seguinte texto:

– 105 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

Art. 26-A Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino


médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história
e cultura afro-brasileira e indígena.
§ 1o O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá di-
versos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação
da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como
o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos
povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro
e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas con-
tribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história
do Brasil.
§ 2o  Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e
dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo
o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de
literatura e história brasileiras” (NR).

Assim a Lei n. 11.645, de 10 de março de 2008, modificou e com-


plementou a Lei n. 10.639 (que já em 2003 incluía a obrigatoriedade da
temática História e Cultura Afro-Brasileira no currículo oficial da Rede
de Ensino), ampliando a obrigatoriedade para o ensino dos povos indí-
genas na formação da sociedade, bem como as suas contribuições. Cabe,
agora, a escola formar cidadãos conscientes de sua história e diversidade
cultural, acabando com as práticas de discriminação, racismo e violência.
Pois as leis não servem apenas de uma afirmação social, mas porque não
dizer, de transformação.

5.4 Desafios e perspectivas


Apesar de todas as concepções educacionais, de todos os movimentos pela
educação e do (a nosso ver) pouco investimento, a educação brasileira ainda
tem muitos desafios pela frente. Nosso país ainda possui pessoas analfabetas ou
analfabetas funcionais (que sabem ler, mas não compreendem a língua). Nossas
escolas continuam tendo prédios antigos e sem estrutura e nossos profissionais
da educação permanecem esperando a remuneração almejada.
Se fôssemos listar todos os desafios que a educação brasileira ainda tem
para superar, faríamos uma longa lista, mas vamos elencar apenas alguns pon-
tos, para deixar como provocação e reflexão para o leitor.

– 106 –
Educação contemporânea no Brasil

22 Reformulação da lei em aspectos inoperantes.


22 Discussão de uma legislação que represente o pensamento educa-
cional e não o político.
22 Definição clara de uma proposta pedagógica adequada para a rea-
lidade brasileira.
22 Preparação adequada e competente de profissionais da educação.
22 Contratação de funcionários formados e capacitados para o
ato de lecionar.
22 Revisão da estrutura funcional das instituições de ensino.
22 Democratização verdadeira e acesso à escola pública.
22 Valorização do profissional da educação em aspectos como tempo
de trabalho, condições e salário.
22 Atendimento adequado a alunos, respeitando suas necessida-
des especiais.
22 Construção de escolas equipadas e adequadas para a realidade.
22 Criação de meios coerentes de fiscalização e avaliação do siste-
ma escolar.
22 Melhoria da relação escola X família X comunidade.
Enfim, são inúmeros os pontos a serem pensados. Além de todas as ques-
tões políticas e burocráticas, precisamos considerar que, em uma sociedade de
informação, as metodologias e formas de aprender precisam ser reavaliadas.
Gadotti (2000), pautado nas ideias de Jacques Delore (1998), faz uma refle-
xão sobre a educação do futuro. O autor aponta alguns princípios que deve-
mos seguir para caminhar na educação do século XXI: aprender a conhecer;
aprender a fazer; aprender a viver juntos; aprender a ser.
Baseado nas informações levantadas por Gadotti (2000, p. 9-11), verifi-
camos as particularidades de cada pilar anteriormente citado.
Quadro 2

Pilar Princípio
Aprender a compreender, a pensar. Reinventar o pensar e
Aprender a conhecer
reinventar o futuro. É mais do que aprender a aprender.

– 107 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

Pilar Princípio
Competência para enfrentar situações. Traba-
lho em equipe. Vai além da qualificação pro-
Aprender a fazer
fissional (lembrando que muitos dos afaze-
res hoje são substituídos por máquinas).
Viver em conjunto. Administrar confli-
Aprender a viver juntos
tos. Participar de projetos comuns.
Desenvolvimento pleno do ser humano: criativi-
Aprender a ser dade, espiritualidade, inteligência, iniciativa, pen-
samento autônomo e crítico, entre outros fatores.
Fonte: Gadotti (2000, p. 9-10).
O autor completa seu pensamento citando algumas categorias necessá-
rias para que a educação se desenvolva, como exemplo:
22 cidadania;
22 planetariedade;
22 sustentabilidade;
22 virtualidade;
22 globalização;
22 transdisciplinariedade;
22 dialogicidade ou dialeticidade.
O certo é que a educação brasileira já conseguiu superar muitos desafios
educacionais. Retornando ao início deste livro, quando verificamos as ações
desenvolvidas pelos jesuítas com objetivos de catequização e de dominação,
passamos por tendências tradicionais, religiosas, laicas, que privilegiavam ora
o professor, ora o aluno, que procuravam a transformação da sociedade ou a
sua manutenção.
Se quisermos vislumbrar um futuro melhor para a educação brasileira,
um dos primeiros passos será cumprirmos o papel de cidadãos, no exercí-
cio da democracia, de maneira consciente e ativa. É importante escolhermos
melhor nossos representantes políticos, que, afinal, estarão criando, promul-

– 108 –
Educação contemporânea no Brasil

gando, assinando e vetando as leis que podem beneficiar a população brasi-


leira. Cabem, também, aos cursos de formação de profissionais da educação
capacitar educadores capazes de romper com as amarras do sistema e colabo-
rarem para uma transformação social. Ou seja, a educação brasileira é respon-
sabilidade de todos.

Da Teoria para a prática


A Lei n. 10.639/2003 decretou, em calendário escolar, a inclusão
do “Dia da Consciência Negra”. A data foi escolhida por fazer alu-
são ao dia da morte de Zumbi dos Palmares, em 1695. Zumbi foi
um dos líderes mais conhecidos do movimento negro de resistên-
cia da escravidão. Ele era o líder do Quilombo de Palmares, um
refúgio tão grande que estudiosos estimam que tivesse o tamanho
aproximado do país de Portugal.
Essa lei vigora na prática? As escolas realizam alguma comemora-
ção no dia 20 de novembro? É uma lembrança isolada e realizada
somente no dia ou existem práticas diárias de conscientização?
­Verifique, em uma escola, estas questões e aproveite para anali-
sar o livro didático de História selecionado pela instituição, verifi-
cando se ele traz informações sobre a cultura afro-indígena e sob
qual perspectiva elas são expressas.

Síntese
No decorrer do capítulo, montamos um breve panorama de pontos que
interferiram na educação brasileira a partir de 1990. Observamos que, com
a política neoliberal, a educação passou a ser tratada como uma mercadoria
comercial. De maneira crescente, o governo federal procurou isentar-se de suas
responsabilidades, realizando financiamentos e deslocando o compromisso
para outras instâncias.
Verificamos que a globalização pode ser vista como algo positivo ou
negativo. Positivo, por interligar os povos e realizar a comunicação entre

– 109 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

todos, transmitindo informações cada vez mais rápidas. Negativo, por querer
igualar as condutas sociais e espalhar modelos a serem seguidos.
Com as novas legislações, grupos sociais antes marginalizados conse-
guiram reconhecimento e espaço no currículo escolar. O estudo obrigatório
da cultura afro-indígena representou o rompimento de barreiras sociais e
valorização da identidade nacional. Por fim, provocamos a reflexão sobre
pontos e atitudes que precisam ser tomadas para uma educação do futuro.

– 110 –
6
Pensamentos e
movimentos histórico-
sociais pela educação
Alicia Mariani Lucio Landes da Silva

No capítulo anterior conhecemos quatro tendências ou


concepções da educação: tradicional religiosa e laica, Escola Nova e
a Pedagogia Tecnicista. Em continuação, trataremos de outras con-
cepções que influenciaram a educação brasileira. A diferença é que,
nesse capítulo, além de falar sobre a tendência pedagógica, conhece-
remos um pouco dos seus autores e de movimentos pela educação.
Num panorama geral, as teorias e teóricos que aqui veremos
são frutos do final do século XIX e decorrer do século XX. Recebe-
mos influências de intelectuais da educação da Europa, mas também
podemos ressaltar a importância de nossos pensadores brasileiros.
As teorias explanadas ao longo deste texto são: a educação
“montessoriana”, o Marxismo e a educação, o Construtivismo, a
pedagogia libertadora, além do movimento de educação de base.
A luta pela democratização do ensino irá perpassar esses temas e
História, Filosofia e Sociologia da Educação

veremos as contribuições para a educação brasileira e até as influências que


tais teorias tiveram entre si.

6.1 Educação montessoriana


A educação montessoriana teve importante influência nos estudos edu-
cacionais e nas escolas do Brasil. Este pensamento pedagógico foi criado pela
médica e educadora Maria Montessori. De nacionalidade italiana, a educa-
dora tinha como foco inicial de estudos acerca da aprendizagem de crianças
especiais – o que se estendeu para as crianças ditas normais.

Saiba mais
Maria Montessori fazia parte do grupo de intelectuais europeus
que estava buscando uma “nova educação”. Em 1946, Paris
sediou o primeiro Congresso da Educação Nova.

Na Itália, ela fundou, em 1907, a Casa dei Bambini, centros de educação


mais completos que as antigas escolas de instrução. As casas eram destinadas à
educação p­ ré-escolar, mas também se estendiam para crianças da segunda infân-
cia. Os materiais utilizados estimulavam os aspectos motores e sensoriais da
criança, com jogos atrativos.
Figura 1 - Maria Montessori.
Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos

– 112 –
Pensamentos e movimentos histórico-sociais pela educação

Montessori focava seus estudos, principalmente, nos aspectos biológicos


de aprendizagem, por isso, sua concepção de educação era pautada no desen-
volvimento e crescimento. Segundo suas conclusões, a educação ajuda o indi-
víduo a socializar-se e desenvolver a personalidade integral. Na concepção de
Montessori, a escola era um local de maior liberdade, não deveria ter carteiras
fixas, premiações ou castigos. O aluno precisava sentir-se livre para estudar e
crescer. Ela defendia que a escola deveria oferecer uma “educação para a vida”,
pois seu método respeitaria as etapas de desenvolvimento e das faixas etárias
dos alunos. Segundo Francisco Filho (2004, p. 168):
Montessori desejava criar um homem consciente, integrado à natureza,
com corpo e alma em harmonia, com capacidade para refletir, dialogar,
amar, com sensibilidade, feliz, procurando a autoconstrução, inteligente,
criativo, comunicativo, com mente consciente, capaz de comparar, de
viver a sua própria vida, encarnando a cultura, caminhando para a
­autorrealização, com raciocínio natural, com habilidade para leitura,
exercícios para a lógica, para valores e virtudes, com visão ampla, etc.

Os alunos poderiam escolher os jogos e atividades com materiais que a


educadora italiana havia criado para estimular a aprendizagem. Não caberia
ao professor intervir nesta aprendizagem, caberia a ele, na sala, acompanhar o
desenvolvimento e potencial de cada um.
Segundo Cambi (1999, p. 475), o método de Montessori teve mais
aceitação e ficou mais conhecido no exterior do que na própria Itália, onde
encontrou “forte resistência, em consequência da hegemonia idealista na cul-
tura filosófica e pedagógica”.
Não podemos definir com precisão quem foi o responsável por trazer as
ideias de Maria Montessori para o Brasil. Um dos primeiros indícios data de
1915, quando o Dr. Miguel Calmon Dupin e Almeida realizou uma pales-
tra na Bahia, divulgando os princípios da educadora italiana (ALMEIDA;
ALVES, 2010). Desde 1937, diversas escolas com este método foram instala-
das em nosso país, como a Casa da Infância do Menino Jesus, que estava sob
a responsabilidade da Liga das Senhoras Católicas de São Paulo.
A chegada das escolas montessorianas no Brasil não ocorreu como nos
ideários originais. Enquanto na Itália esse método atendeu a crianças despro-
vidas de condições financeiras, aqui no Brasil não existia uma estrutura para
montar escolas com o ambiente e materiais adequados. O custo era alto e isso

– 113 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

fez com que somente escolas particulares tivessem condições de equipar sua
instituição para desenvolver o método em sua plenitude.
A educação montessoriana ajudou a mudar o pensamento e as prá-
ticas de educadores brasileiros que antes adotavam a educação tra-
dicional. No entanto, não adiantava o aluno frequentar a pré-escola
montessoriana e depois ter que estudar em uma escola comum, que não
tinha os mesmos padrões de atendimento, materiais e quantidade de fun-
cionários como na primeira escola (FRANCISCO FILHO, 2004, p. 168).
A concepção de educação proposta por Maria Montessori ajudou a
mudar a maneira de pensar a criança e a escola e influenciou as ­mudanças
da Escola Tradicional para a Escola Nova. Até hoje essas ideias ­influenciam
o pensamento de muitos educadores. Segundo informações do site da Orga-
nização Montessori do Brasil, em 2012 existiam 57 escolas filiadas a esta
organização. Elas ficam nos seguintes estados: seis no Rio Grande do Sul;
quatro em Santa Catarina; uma no Paraná; uma no Mato Grosso do Sul;
nove em São Paulo; dez no Rio de Janeiro; três em Minas Gerais; três no
Distrito Federal; onze na Bahia; uma em Alagoas; duas em Pernambuco;
uma no Piauí; três no Maranhão; e duas no Pará.

Saiba mais
Para saber mais sobre a atual situação das propostas montessoria-
nas no Brasil, acesse o site da Organização Montessori no Brasil:
<www.omb.org.br>.

6.2 Marxismo e a educação


O século XIX marca, na Europa, a ascensão da burguesia ao poder. Esta
classe conseguiu o status de privilegiada e começou a dominar a classe pobre.
Neste contexto surgiram Marx e Engels, teóricos que passaram a analisar
os pensamentos de Hegel, o passado histórico e sua evolução política e
econômica, além das teorias utópicas.

– 114 –
Pensamentos e movimentos histórico-sociais pela educação

Em 1848, lançaram O manifesto comunista e publicaram, trinta anos


depois, os escritos de O capital. Em linhas gerais, a teoria marxista acredita
que a sociedade é formada por duas classes principais: a dominante e a
dominada. A classe dominante seria aquela formada pela burguesia, aquela
que detém o poder e o capital (a riqueza). A classe dominada seria formada
pela grande massa de trabalhadores que vendem a sua mão de obra por um
mísero salário.
Tal teoria possui teor anticapitalista. Rapidamente, ganhou adeptos e
espalhou-se pela Europa. Países utilizaram-se do discurso marxista para pro-
mover mudanças e revoluções. Em 1917, a Rússia tornou-se socialista – na
verdade, incorporou o socialismo real. Algo semelhante ocorre na China, em
1949. Depois da Segunda Guerra Mundial, Cuba, Moçambique e Angola
passaram a adotar este mesmo sistema.
Como lembra Francisco Filho (2004), as ideias de Marx foram um
tanto distorcidas, pois os governos autoritários passaram a manipular
a população por meio do discurso do socialismo/comunismo. O fato de
abolir a propriedade privada não significava o sucesso da implantação do
socialismo. Segundo o autor, estas tentativas práticas marxistas foram equi-
vocadas, pois:
fazendo uma análise rápida, não é difícil verificar que o socialismo
real estava muito distante dos ideais de Marx. Simplificou tudo,
pensando que apenas abolindo a propriedade privada, tudo es-
taria resolvido; criou uma burocracia muito mais parasitária que
a burguesia existente no capitalismo; continuou acreditando no
fatalismo histórico, isto é, que depois de esgotado o capitalismo,
naturalmente aconteceria o socialismo e depois como por um pas-
se de mágica cairia no comunismo, quando a sociedade de iguais
não teria nem mesmo necessidade do Estado. Na prática o socia-
lismo real é apenas o capitalismo de estado, e Marx ficaria muito
triste, se estivesse vivo, para ver a aplicação prática de suas teorias
(FRANCISCO FILHO, 2004, p. 170).

Há um ditado recorrente no meio acadêmico: “o problema não é o mar-


xismo, são os marxistas”. Ou seja, as falhas não estavam nas ideias de Marx,
mas nas formas como elas foram aplicadas.
Além de ser adotada, em alguns países, na vida prática, a teoria mar-
xista foi utilizada como meio de mudança intelectual, sobretudo de áreas

– 115 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

de história, sociologia, filosofia e outras ciências sociais, áreas notada-


mente influenciadas pelos pensamentos de igualdade social de Marx e
Engels (1978).
Para Marx, a educação era usada pela burguesia como meio de domi-
nação, na qual a classe dominante controlava o conhecimento adquirido da
classe dominada. A escola que servia aos interesses do capitalismo só pode-
ria se tornar um ambiente de transformação quando quebrasse as amarras
da alienação e dominação. Marx pregava uma educação que não fosse des-
tinada a uma classe específica. O conhecimento técnico e industrial deveria
chegar a todos. Somente uma escola que rompesse com as amarras do capi-
talismo poderia promover uma mudança social.
Os problemas educacionais passaram a ser considerados problemas
de ordem histórica. Para superar a fase do capitalismo e das desigualda-
des sociais, os educadores deveriam ser agentes ativos e conhecedores do
processo histórico. Segundo Marx e Engels (1978; 1997), as classes domi-
nantes escolhem o conteúdo a ser transmitido e limitam o conhecimento
dos operários, e isso se prolonga no decorrer da história. A tradição das
gerações passadas atormentaria como um pesadelo a geração atual.
Somente uma escola feita por educadores não alienados poderia mudar
essa situação. Seria a chance de mudar do capitalismo para o socialismo,
para um dia chegar ao ideal de sociedade que era o comunismo. A educação
seria um agente de libertação, principalmente das ideologias dominantes.
Neste sentido, podemos dizer que, apesar de não ser um teórico exclusivo
da educação, Marx (em seus poucos escritos sobre ela) nos propõe uma
política-educacional.
As ideias marxistas começaram a ser amplamente divulgadas no Brasil
a partir de 1930, pelo Partido Comunista do Brasil. Paschoal Lemme foi
um dos principais educadores a difundir o Marxismo.
Atualmente, as ideias marxistas estão presentes no estudo da história da
educação, entre outras áreas sociais. O Novo Marxismo, ou a Nova Esquerda
Inglesa, reúne um grupo de intelectuais que se baseiam nos pensamentos de
Marx para elaborar suas perspectivas de análise e pesquisa. Entre eles estão:
Raymond Williams (1921-1988), Edward Thompson (1923-1993), Eric

– 116 –
Pensamentos e movimentos histórico-sociais pela educação

Hobsbawn (1917-), Cristopher Hill (1912-2003), Perry Anderson (1928-)


e Maurice Dobb (1900-1976).

6.3 Construtivismo
O Construtivismo foi aplicado à educação, mas teve suas origens na psi-
cologia. Seus fundamentos estão baseados nos estudos de Jean Piaget, Emília
Ferreiro e Vygotsky. A ênfase está no aspecto cognitivo do aluno e, por isso, o
conhecimento das etapas do desenvolvimento é tão importante.
Segundo Piaget (apud DAVIS; OLIVEIRA, 1991, p. 56), o desenvol-
vimento humano engloba quatro etapas: a sociomotora, a pré-operatória,
a operatório-concreta e a operatório formal. É importante respeitar estas
etapas para que a aprendizagem ocorra de maneira natural. De acordo com
Davis e Oliveira (1991, p. 56):
Piaget acredita que a aprendizagem subordina-se ao desenvolvi-
mento e tem pouco impacto sobre ele. Com isso, ele minimiza
o papel da interação social. Vygotski, ao contrário, p
­ ostula que
desenvolvimento e aprendizagem são processos que se influen-
ciam reciprocamente, de modo que, quanto mais aprendizagem,
mais desenvolvimento.

Para o Construtivismo, o saber, como o próprio nome diz, é construído


pelo aluno mediante formulação de hipóteses e a resolução do problema.
O aluno socializa-se, busca, investiga e a “socialização da criança é ao
mesmo tempo o processo de sua individualização, de formação de sua
personalidade” (ARIAS; YERA, 1996, p. 11).
Nesta perspectiva, o papel do professor não é de transmitir o conhecimento,
mas estimular o aluno a ir em busca de sua autonomia intelectual. Ele é
um “instigador”. A avaliação é construída ao longo das aulas, por isso as
provas não fazem parte da proposta inicial do Construtivismo, no entanto,
grande parte dos professores acabam incorporando o conceito de construção
e transformando-o em avaliações escritas. Nesse contexto, a prova tem um
peso menor do que as aplicadas na Escola Tradicional e não pode ser realizada
por uma pessoa de fora do cotidiano de sala de aula (uma coordenadora, por
exemplo, como poderia acontecer na Escola Tradicional).

– 117 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

O erro não é visto como algo negativo, mas como parte do processo. O
aluno acaba errando algumas vezes na tentativa de acertar e construir o seu
conhecimento. Um exemplo clássico é quando uma criança de 4 ou 5 anos
pega uma bola de massinha de modelar e a transforma em uma cobrinha. Ela
acha que a cobrinha tem mais massa do que a bola por ser mais comprida.
A criança não errou, esse é apenas o raciocínio próprio de sua idade. Seu
desenvolvimento intelectual será evidenciado ao amadurecer para a próxima
etapa de desenvolvimento. Isso não significa que a escola não deva corrigir
o aluno. Quando necessária, a correção é feita como meio de proporcionar
a aprendizagem e não como forma de censura. A criança pode, inclusive, ser
retida de ano, caso não demonstre condições de acompanhar a série seguinte.
Ao contrário da Escola Tradicional, a competição não é estimulada. O
convívio e as atitudes de cooperação entre os alunos são valorizados. O estí-
mulo para avançar nos estudos fica por conta do educando encarar seus desa-
fios pessoais.
A rigidez no ensino, tão almejada na Escola Tradicional, é aqui cri-
ticada. A escola deve ser um ambiente acolhedor e estimulante. Além das
provas, o uso de materiais didáticos que não façam parte do cotidiano do
aluno é condenado. O ensino deve ser significativo e espontâneo. O aluno
deve estar rodeado de materiais que façam parte de seu universo pessoal. As
atividades de pesquisa em grupo também representam parte importante do
processo de aprendizagem.
Emília Ferreiro (apud NOVA ESCOLA, 1995) utiliza-se das teorias de
Piaget e as transfere para o estudo do processo de alfabetização de crianças,
chegando à conclusão de que uma criança pode ser alfabetizada espontanea-
mente, desde que esteja em um ambiente estimulador e propício. Veja como
acontece a alfabetização na visão de Ferreiro.
Quadro 1
Fase Aptidões Exemplo

A criança não relaciona a fala Ao escutar a palavra


Pré-silábica com a escrita. Escreve a letra BONECA, escreve
que lhe soou mais “simpática”. BBBBBBB ou OOOOOO.

– 118 –
Pensamentos e movimentos histórico-sociais pela educação

Fase Aptidões Exemplo


Pode escrever BONECA
Tem sua própria da seguinte maneira:
Silábica interpretação da letra e
BNA
atribui um valor silábico.
(B=BO, N=NE e A=CA).
Oscila entre a fase silábica e BONECA pode ser escrita =
Silábico-
alfabética. Faz sílabas completas
alfabética BONEK.
com mais frequência.
Domina o valor das Escreve BONECA
Alfabética
letras e das sílabas. corretamente.
Fonte: adaptado de Ferreiro (apud NOVA ESCOLA, 1995, [s. p.]).

As práticas construtivistas já estavam presentes no Brasil, mas tornaram-se


mais efetivas com a Constituição de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação de 1996, influenciadas por elas. Com a abertura democrática no
país, assim como todos os ramos da sociedade, a educação estava procurando
novos horizontes e possibilidades.
As ideias construtivistas, principalmente o método de alfabetização
de Emília Ferreiro, foram ganham espaço nas escolas brasileiras. Cada vez
mais os professores aderiam à nova prática pedagógica sem ao menos saber
com segurança como aplicá-la. Como afirmamos a­ nteriormente, a educação
é dinâmica e práticas pedagógicas não substituem por completo as suas
antecessoras. Assim, podemos observar a coexistência de métodos tradicionais
e construtivistas. Não é tão comum encontrar uma escola pública que tenha
espaço e material adequado, número de alunos pequeno e professor preparado
para ministrar aulas dentro desta proposta. O que ocorre, em muitos casos, é
a mistura de diferentes práticas pedagógicas, que refletem a formação inicial,
profissional e as experiências diárias de cada professor.

6.4 Movimento de Educação de Base


O objetivo de uma educação de qualidade e acessível a todos permeou
a luta de diversos teóricos educacionais. Muito possuem sonho de ver uma

– 119 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

escola aberta para todos, em que não exista o analfabetismo e a igualdade


possa alcançar os lares.
A educação de base seria o mínimo que um cidadão deveria receber de
conhecimentos, considerando suas necessidades pessoais, “mas levando em
conta os problemas da coletividade, e promovendo a busca de soluções para
essas necessidades e esses problemas, através de métodos ativos” (FÁVERO,
2004, p. 2).
Desde 1947, a Unesco, por exemplo, promoveu programas voltados
para a educação de adultos. Ela defendia a educação gratuita, universal e
obrigatória para as crianças. Recomendava-se que, assim como existiam as
escolas tradicionais para as crianças, deveria haver escolas de educação de
base para adultos.
Já, em 1950, bispos brasileiros da região do Nordeste realizaram expe-
riências educativas por meio de programas de rádio. O Movimento de Edu-
cação de Base (MEB) foi criado em 1961, pela Conferência Nacional de
Bispos do Brasil (CNBB). Era um programa de educação de base através de
escolas radiofônicas. O programa de rádio deveria alcançar regiões subde-
senvolvidas. Sua fundação teve o apoio e a parceria do presidente da Repú-
blica Jânio Quadros e de diversos ministros da época. Sua atuação abrangia
estados do Norte, Nordeste e C ­ entro-Oeste. Tinha como objetivo realizar
uma educação que superasse a visão materialista. A formação humana deve-
ria acontecer em todas as dimensões: política, social, cultural, espiritual,
moral, etc.
Até 1962 as escolas radiofônicas englobavam o ensino da leitura e
escrita com aulas de Português, Matemática, Orientação Agrícola, Econo-
mia Doméstica, Educação Cívica e Religiosa e Organização Comunitária. O
ensino pretendia ser uma ponte de integração social, baseado nos parâmetros
da Unesco. No entanto, as aulas ministradas encontravam-se longe da reali-
dade dos trabalhadores rurais que a escutavam.
Com a realização de pesquisas, estudos, conversas e trocas de experi-
ências, o MEB foi aprofundando suas ideias e, em 1962, com o Encontro
Nacional de Coordenadores, traçou um novo plano de ação para o movi-
mento. Os objetivos eram:

– 120 –
Pensamentos e movimentos histórico-sociais pela educação

1º – Alfabetização e iniciação em conhecimentos que se traduzam no


comportamento prático de cada homem e da comunidade, no que se
refere: à saúde e à alimentação (higiene); ao modo de viver (habitação,
família, comunidade); às relações com os semelhantes (associativismo);
ao trabalho (informação profissional); ao crescimento espiritual.
2º – Conscientização do povo, levando-o a descobrir o valor próprio
de cada homem; despertar para os seus próprios problemas e pro-
vocar uma mudança de situação; buscar soluções, caminhando por
seus próprios pés; assumir responsabilidades no soerguimento de suas
comunidades.
3º – Animação dos grupos de representação, promoção e pressão.
4º – Valorização da cultura popular, pesquisando, aproveitando
e divulgando as riquezas culturais próprias do povo (MEB,
1962c, p. 1).

Realizadas as mudanças de objetivos, o MEB consegue mais apoio


financeiro e aumenta seu atendimento. Segundo Fávero (2004), o período
áureo de sua atuação ocorreu entre 1961 a 1966. Segundo dados levantados
em relatórios oficiais do MEB pelo autor, a abrangência do movimento foi
a seguinte:
a) O número de escolas radiofônicas variou de 2.687, em dezembro
de 1961, ao máximo de 7.353, em setembro de 1963. A ampliação
do noticiário oficial “A Voz do Brasil” de 30 para 60 minutos, em
meados de 1963, comprometeu o melhor horário para as aulas
e ocasionou uma queda brusca no número de escolas: 5.573
em dezembro de 1963. Em março de 1964, no entanto, eram
novamente 6.260 e, apesar de todas as crises, em dezembro de
1965 ainda existiam mais de 4.500 escolas radiofônicas.
b) No início de 1964, ponto alto das estatísticas, o trabalho era rea-
lizado em 14 Estados: Amazonas, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará,
Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe,
Bahia, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e no Território de Ron-
dônia. Nessas unidades da federação, funcionavam 60 Sistemas
de Educação de Base e igual número de Equipes Locais, atingindo
cerca de 500 municípios, em 1963.
c) As Equipes Locais reuniam cerca de 500 pessoas, entre pessoal
administrativo e técnico, inclusive supervisores municipais. Por
sua vez, o Secretariado Nacional, com sede no Rio de Janeiro,
contratava outras 50 pessoas, quase todas em tempo integral.

– 121 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

d) Em cinco anos, cerca de 320 mil alunos concluíram o ciclo de alfa-


betização, dos quais quase 120 mil só em 1963. 29 emissoras irra-
diavam programas e aulas do MEB, estimando-se de 5 a 8 milhões
de pessoas direta e indiretamente atingidas por essas emissões.
e) No período estudado, foram realizados 35 treinamentos para 871
professores, supervisores e animadores das Equipes Locais, em uma
média de dez dias por treinamento. E, de 1961 a 1965, 518 treina-
mentos para 13.771 monitores de escolas radiofônicas e animadores
do grupo de base, com duração média de quatro dias por treina-
mento (FÁVERO, 2004, p. 13).

Os dados são expressivos e nos mostram um grande alcance. O que era


para ser uma proposta de cinco anos de existência já completou seus cin-
quenta anos. O MEB ainda está em funcionamento e, atualmente, está pre-
sente no Ceará, Piauí, Amazonas, Roraima, Distrito Federal e no Norte e
Nordeste de Minas Gerais.

Saiba mais
Para obter mais informações dobre o MEB, acesse o site oficial:
<www.meb.org.br>.

Segundo seu site1 oficial, a presente missão do MEB é “Contribuir


para a promoção humana integral e superação da desigualdade social por
meio de programas de educação popular libertadora ao longo da vida”. Sua
metodologia está referenciada na obra de Paulo Freire no que se refere à
alfabetização de adultos. Pelo fato do próximo tópico tratar da pedagogia de
Paulo Freire, consequentemente, compreenderemos melhor como o ensino e
a alfabetização de adultos acontece recentemente no ensino do MEB.

6.5 Paulo Freire e a educação


O educador Paulo Freire nasceu em 1921, em Recife, Pernambuco.
Formou-se na Escola de Direito de Recife, mas, rapidamente, desistiu de
advogar. Apaixonou-se pela educação com a experiência que teve como

1 Disponível em: <http://www.meb.org.br/index.php/missao>. Acesso em: 29 março 2013.

– 122 –
Pensamentos e movimentos histórico-sociais pela educação

professor de português do Colégio Oswaldo Cruz (no qual ele foi aluno do
ensino secundário).
Em 1947, tornou-se diretor do setor de Educação e Cultura do Sesi
de Pernambuco e de 1954 a 1957 esteve à frente da superintendência desta
instituição. No ano de 1960, já com o título de doutor, foi nomeado para o
cargo de professor efetivo de Filosofia e História da Educação na Universidade
do Recife. Participou, em 1960, do Movimento de Cultura Popular (MCP)
que aconteceu no Recife e, dois anos depois, foi diretor do Serviço de Extensão
e Cultura (SEC) da Universidade do Recife. Em 1963, foi presidente da
Comissão Nacional de Cultura Popular e, em 1964, tornou-se coordenador
do Programa Nacional de Alfabetização.
Seus estudos voltados para a alfabetização de adultos só começaram a
ficar conhecidos no Brasil em “1963, quando o seu método de alfabetização
de adultos foi divulgado em ampla campanha publicitária promovida pela
Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Norte” (BEISIEGEL,
2010, p. 14).
Com o início do Regime Militar, Freire pediu exílio político para o
Chile, onde ficou até 1969. Neste período, trabalhou no Instituto de Pesquisa
e Treinamento Agrária, no Escritório Especial para a Educação de Adultos,
na Universidade Católica de Santiago e no escritório regional da Unesco.
Lecionou em Harvard, nos Estados Unidos, em 1970. Voltou para o Brasil
em 1980, onde lecionou na PUC-SP, Unicamp e USP.
Figura 2 - Paulo Freire.
Folhapress/Bel Pedrosa

– 123 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

Esta descrição de vida e atuação nos serve para compreender a


importância do educador brasileiro no cenário da educação mundial. Seus
estudos contribuíram para pensar uma educação que se libertasse das amarras
das desigualdades. Freire foi mais um pensador que se utilizou do Marxismo
para desenvolver suas ideias. Por isso, para ele, a educação era um ato político.
Com ela, o cidadão poderia libertar-se da opressão da classe dominante.
Preocupado com a marginalização e a exclusão, ele voltou sua preocupação
para a formação das classes populares e desenvolveu um método de ensino
para jovens e adultos.

Dica de Leitura
Para aprofundar o conhecimento sobre os estudos de Paulo
Freire, sugerimos a leitura da obra Pedagogia do oprimido.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 18. ed. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

Freire firmava sua visão no pensamento cristão. Para ele, o homem era
criação divina e devia viver de forma consciente no espaço e tempo em que
estava inserido. A escola seria um meio pelo qual o homem alcançaria esta
consciência, conforme lembra Beisiegel (2010, p. 30):
Entre os numerosos temas do pensamento cristão renovador en-
volvidos nas reflexões entre educação e humanização, o tema do
comprometimento do homem com a sua realidade prevalece sobre
os demais. Aberto para o mundo, criador de cultura no âmbito das
relações que mantém com os outros homens, com o mundo e com
o Criador, é enquanto interfere que o homem realiza plenamente
sua humanidade. Mas as possibilidades de interferência do homem
se definiam e encontravam limitações no interior de uma realidade
histórica e social determinada. E somente a formação e o desen-
volvimento de uma consciência capaz de apreender criticamente as
características dessa realidade particular possibilitariam o exercício
de sua atuação criadora.

– 124 –
Pensamentos e movimentos histórico-sociais pela educação

Desta feita, seria dentro do processo educativo que o homem conseguiria


alcançar a plenitude de humanidade. Com consciência, poderia interagir com
a natureza e com os outros homens e, consequentemente, interferir na sua
realidade. A educação é agente transformador da sociedade.
Como princípio de democracia, Freire propõe uma educação com base no
diálogo, desprovida de opressão e violência. Isso reflete em muitos aspectos o
momento histórico vivido – Regime Militar. Ele critica a educação tradicional,
chamando-a de “educação bancária”, ou seja, os alunos são méritos depositá-
rios do saber. De acordo com a concepção freireana, ninguém educa ninguém
e ninguém se educa sozinho, pois a educação é um ato de amor e de comunhão
entre os homens.
Foi por este discurso de mobilização da sociedade e sentimento de liber-
tação que Freire precisou ficar exilado, porque foi considerado subversivo
pelo governo da época.
Acreditava que a própria nomenclatura utilizada no ambiente escolar era
uma forma de dominação e opressão, por isso, em seu método de alfabetiza-
ção de adultos, sugeriu uma mudança de nomes.
Figura 3
Classes Círculos de cultura

Alunos Participantes dos grupos de discussões

Professores Coordenadores de debates

Aula Debate ou diálogo

Programa Situações existenciais

Professor e aluno são entendidos como sujeitos ativos do conhecimento.


O professor é aquele que coordena os debates e consegue adaptar o
encaminhamento da aula conforme as necessidades e características do
grupo, permitindo que o aluno participe ativamente. Por meio de grupos
de discussões, conversas e entrevistas são selecionadas “palavras geradoras”
(provenientes do cotidiano dos alunos) para engatilhar o estudo da língua
portuguesa e demais disciplinas.

– 125 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

Visando a um melhor aproveitamento, esse grupo de “‘palavras gerado-


ras’ deveria conter todas as possibilidades silábicas da língua, para permitir o
estudo das diferentes situações que pudessem vir a ocorrer durante a leitura e
escrita” (BEISIEGEL, 2010, p. 49). As palavras que surgiam no diálogo eram
exploradas na ordem do grau de complexidade de leitura e escrita. Apresen-
tava-se a palavra, uma imagem que a representasse, sua divisão silábica, a
família silábica de cada sílaba, e assim por diante.
Este método dispensava o preparo rígido de aulas e conteúdos, visto
que o assunto a ser trabalhado partia das expectativas do cotidiano do adulto
trabalhador a ser alfabetizado. Neste sentido, a avaliação também não era
formal ou fixa. Ela acontecia na prática vivenciada entre professor e aluno,
mediante trabalhos escritos e autoavaliações que os educandos faziam e que
refletiam suas compreensões e reflexões sobre o tema estudado. O grupo de
alunos, de certa forma, realizava a avaliação firmando um “compromisso”
com a prática social.

6.6 Pedagogia Histórico-Crítica


Em pleno período do Regime Militar, surge, também, um novo pen-
samento educacional: a Pedagogia Histórico-Crítica. Podemos ­ assinalar
seu marco teórico em 1979. Esta prática é assim chamada por Saviani (seu
principal representante) por motivos simples: histórico por se tratar de um
pensamento que acredita que a educação tem o poder de interferir na socie-
dade e pode ser agente de transformação da história; e crítica por se tratar de
uma perspectiva consciente de sua ação educacional na sociedade. Segundo
o autor, esta concepção nasceu do anseio de propor algo novo, pois a Escola
Nova e a Tradicional já não correspondiam as necessidades do presente con-
texto histórico (Saviani, 2007).
Focando a transformação da sociedade, esta prática oferece a interação
entre a realidade concreta e o conteúdo. Percebe o conteúdo como uma pro-
dução construída historicamente e socialmente pelos homens, pretendendo
superar as antigas visões não críticas ou reprodutivistas do saber.
Assim como outros pensamentos educacionais, este se propõe a universa-
lizar o ensino e vai além ao afirmar que a escola é o local onde todas as cama-

– 126 –
Pensamentos e movimentos histórico-sociais pela educação

das sociais podem obter o saber universal. Este saber faz o aluno compreender
a sua realidade para poder atuar criticamente e democraticamente no sentido
de transformar a sua realidade.
A relação entre professor e aluno é dinâmica. Neste pensamento, tanto
professor quanto aluno são sujeitos ativos, seres sócio-históricos que fazem
parte de uma determinada classe social. O professor é aquele que direciona,
interfere e cria condições de aprendizagem, ou seja, ele interage junto ao
aluno na aquisição do conhecimento.
A interação professor e aluno é estimulada por meio do diálogo. Traba-
lhos que envolvam debates, leituras, discussões, conversas, exposições, traba-
lhos em grupos e individuais marcam a metodologia de ensino.
As provas tradicionais não fazem parte desta prática. A avaliação não está
voltada somente para o aprendizado do aluno. Por meio de uma avaliação
permanente e contínua (diagnóstica) o professor percebe o desenrolar de sua
prática pedagógica e pode reformular ou interferir para que o aprendizado
aconteça de maneira mais eficaz. Ao mesmo tempo, o aluno recebe o resul-
tado de sua avaliação para programar mudanças na sua forma de aprender.
Esta tendência utiliza-se de elementos provenientes da filosofia, psicolo-
gia e da didática. Suas influências vêm dos estudos do M
­ aterialismo Histórico-
-Dialético (de origem do pensamento de Marx) e da Teoria Histórico-Cul-
tural de Vygotsky. Utiliza-se, portanto, de dois teóricos que anteriormente
embasaram outros pensamentos da educação. No site da Unicamp Saviani
possui um link de glossário publicado sobre o verbete “Pedagogia Histórico-
-Crítica”. Em linhas gerais, o próprio intelectual define que:
essa pedagogia é tributária da concepção dialética, especificamente na
versão do materialismo histórico, tendo fortes afinidades, no que se
refere às suas bases psicológicas, com a psicologia histórico-cultural
desenvolvida pela “Escola de Vigotski”. A educação é entendida como
o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo sin-
gular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo
conjunto dos homens. Em outros termos, isso significa que a educa-
ção é entendida como mediação no seio da prática social global. A
prática social se põe, portanto, como o ponto de partida e o ponto
de chegada da prática educativa. Daí decorre um método pedagógico
que parte da prática social onde professor e aluno se encontram igual-
mente inseridos, ocupando, porém, posições distintas, condição para

– 127 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

que travem uma relação fecunda na compreensão e encaminhamento


da solução dos problemas postos pela prática social, cabendo aos mo-
mentos intermediários do método identificar as questões suscitadas
pela prática social (problematização), dispor os instrumentos teóricos
e práticos para a sua compreensão e solução (instrumentação) e via-
bilizar sua incorporação como elementos integrantes da própria vida
dos alunos (catarse) (SAVIANI, 2012, [s. p.]).

É neste sentido que surge um método de aprendizagem pautado em


cinco passos: prática social, problematização, instrumentalização, catarse e
prática social. Vejamos como cada um desenvolve-se.
22 Prática social – é o ponto de partida, no qual professor e aluno
demonstram seus conhecimentos sobre o conteúdo (cada um em
nível diferente). O docente apresenta o conteúdo, verifica o conhe-
cimento prévio dos alunos e instiga-os a saberem mais.
22 Problematização – momento de verificar a importância do con-
teúdo estudado e de problematizá-lo, ou seja, lançar mão de
questões que devem ser resolvidas para satisfazer a prática social.
22 Instrumentalização – ocorre a mediação pedagógica, professor
irá mediar o aluno ao conhecimento científico, abstrato e ­formal.
Os alunos fazem uma comparação mental entre sua vivência e o
conhecimento a fim de formar um novo conteúdo.
22 Catarse – através dos conhecimentos adquiridos no passo anterior,
o aluno faz um resumo de tudo que aprendeu por meio de uma
avaliação escrita ou oral, formal ou informal, refletindo em uma
tomada de consciência.
22 Prática social – é o ponto de chegada, no qual o aluno volta-se para
a prática social com um conteúdo concreto já organizado. Com o
conhecimento, ele pode atuar fora da sala de aula, consciente do
seu papel transformador na sociedade.
Todos estes passos pretendem alcançar os objetivos a que se propõe a
educação histórico-crítica e, neste caminho, Saviani (2008) define que a
tarefa dessa proposta pedagógica implica:
a) Identificação das formas mais desenvolvidas em que se expres-
sa o saber objetivo produzido historicamente, reconhecendo as

– 128 –
Pensamentos e movimentos histórico-sociais pela educação

condições de sua produção e compreendendo as suas principais


manifestações, bem como as tendências atuais de transformação.
b) Conversão do saber objetivo em saber escolar, de modo que se torne
assimilável pelos alunos no espaço e tempo escolares.
c) Provimento de meios necessários para que os alunos não apenas
assimilem o saber objetivo enquanto resultado, mas aprendam o
processo de sua produção, bem como as tendências de sua trans-
formação (SAVIANI, 2008, p. 9).


Podemos concluir que a Pedagogia Histórico-Crítica
pretende desenvolver cidadãos conscientes de seu lugar
histórico e social, que consiga transformar o saber objetivo
em saber escolar e que não apenas assimilem estes
conteúdos, mas que consigam utili-
zá-los como formas de transformação da sociedade.

Da teoria para a prática


O Construtivismo tem seus princípios vindos da psicologia, por isso uma
das preocupações é respeitar as fases do desenvolvimento da criança.
Piaget e Vygotsky são os principais pensadores que apresentam as bases
desta teoria. Nesta perspectiva, o aluno passou a ser um agente de investi-
gação. O conhecimento não está pronto, ele é construído.
Mesmo entendendo que não existe um modelo fixo e rígido de metodolo-
gia do Construtivismo, pois o conhecimento não é programado, podemos
conhecer alguns planos de aula que refletem esta concepção pedagógica.
Pesquise experiências pedagógicas construtivistas realizadas por pro-
fessores e alunos, em sites ou por meio de entrevistas, depois trace um
paralelo com a teoria de Piaget e Vygotsky, para verificar se a base do
Construtivismo está sendo empregada nas práticas ditas pertencentes a
este movimento educacional.

– 129 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

Síntese
Podemos afirmar que os pensamentos pedagógicos aqui explanados são
frutos do contexto histórico, social e econômico. As contribuições de Maria
Montessori refletiam o anseio europeu de uma educação diferenciada, que
atendesse às aspirações da nova vida moderna do século XX. Assim como
os estudos da médica e educadora Montessori foram transportados para a
educação, as análises psicológicas de Piaget, Vyigotsy e Emília Ferreiro foram
levadas para a Teoria do Construtivismo. Essa última teoria influenciou duas
legislações brasileiras e se faz presente (ainda que não no seu sentido original)
em muitas escolas do país.
Marx, por sua vez, apesar de ser um estudioso das relações de poder e das
estruturas, teve sua teoria transportada para o campo educacional influen-
ciando, inclusive, outros pensadores, como Paulo Freire.
Verificamos que as teorias desenvolvidas no século XX, apesar de
diferentes entre si, trazem algo em comum: o desejo de tornar o ensino mais
significativo e democrática para o aluno (embora a falta de recursos e de
estrutura das escolas públicas não permitam a implantação plena dos métodos
de ensino). Para encerrar, relembramos que, em determinados momentos,
essas teorias coexistiram, ou seja, uma não veio para substituir a outra.

– 130 –
7
Educação Quilombola
e Afrodescendente:
políticas e projetos
Cassius Marcelus Cruz

Estamos acostumados a pensar o conhecimento, a escola e


o processo educativo a partir do referencial epistêmico e cultural
do mundo ocidental. Façamos o exercício de questionar esses três
elementos: o conhecimento ocidental, de matriz eurocêntrica, é o
único conhecimento legítimo? A escola e os processos educativos,
que nela se desenvolvem, poderiam ser construídos por meio de
outros referenciais epistêmicos? Ampliemos as perguntas: as popula‑
ções indígenas e africanas possuem conhecimentos específicos pro‑
duzidos historicamente a partir de seu pertencimento etnorracial1?
Possuem ou possuíam processos educativos específicos? Caso essa
resposta seja positiva, quais elementos constituem essa especifici‑

1 O conceito etnorracial abrange o uso político e histórico do conceito de raça para


mobilização do movimento social negro, e o conceito etnia como categoria ligada à
dimensão cultural e identitária dos grupos étnicos afrodescendentes.
História, Filosofia e Sociologia da Educação

dade? Essas são algumas das questões que devem orientar a reflexão do texto
e das aulas sobre educação afrodescendente e quilombola.
Antes de se aprofundar nessas questões, reflitamos sobre os processos
históricos com os quais elas estão envolvidas.

7.1 Colonialismo, colonialidade e


descolonialidade do saber
Durante quatro séculos, o continente americano esteve submetido a um
sistema político, econômico e ideológico que consolidou relações sociais e
etnorraciais que, em certa medida, continuam estruturando a sociedade con‑
temporânea: o colonialismo moderno.
O processo de dominação dos povos indígenas e o tráfico de escravi‑
zados, iniciados no século XVI sob o regime colonial, não se restringiram
à exploração econômica dos povos submetidos ao projeto das metrópoles
europeias, mas se expandiram para a dominação intelectual, epistêmica e
cultural, que corroboraram para o processo de marginalização social dos
povos explorados.
Como aponta Fannon (1961), ao abordar os efeitos psicológicos do
colonialismo, os povos escravizados não foram excluídos apenas da perspectiva
de direitos e privilégios, mas também da possibilidade de manutenção
de seus pensamentos e valores. Nesse sentido, é necessário compreender
que a dominação política e a exploração econômica, levadas a cabo pelo
empreendimento colonial europeu, foram acompanhadas de uma tentativa
voraz de subtração da condição de ser humano – sujeito de vida, cultura e
história –, do indígena e do africano. Esses são aspectos fundamentais a serem
pensados pelas perspectivas emancipatórias de educação que denunciam os
processos sociais de opressão e anunciam práticas pedagógicas libertadoras,
tal qual a pedagogia freireana.
Andreola (1999), ao apontar nas obras de Paulo Freire o caráter
interdisciplinar de denúncia à opressão, identifica que a obra do pedagogo –
além de desvelar os aspectos econômicos e políticos dessa opressão – aborda
as dimensões psicológica, antropológico‑cultural, ontológica e pedagógica da
opressão colonialista.

– 132 –
Educação Quilombola e Afrodescendente: políticas e projetos

Do ponto de vista psicológico, assim como Fanon (1982, p. 21) – ao


afirmar que “El mundo colonial es un mundo cortado en dos” –, Andreola
aponta a denúncia freireana ao modo como a opressão gera uma “dualidade
existencial” do oprimido, tornando‑se “seres duplos e contraditórios” (1999,
p. 73), que hospedam em si o opressor, num misto de rejeição e admiração.
No que diz respeito às dimensões antropológico‑culturais da opressão,
Andreola (1999, p. 73) diz que elas “se resumem naquilo que Freire deno‑
mina cultura do silêncio, como interdição da palavra, do idioma, do gesto,
da arte e dos valores culturais do oprimido (grifo do autor)”. Em relação à
África, a cultura do silêncio se traduz naquilo que Freire (1978) denomi‑
nava “desafricanização”.
Essa estratégia de ação para subordinar os povos africanos, como todo
empreendimento ideológico, abrangia todas as esferas da vida social, inclusive
a escolar. A face escolar da desafricanização foi vivenciada por várias gera‑
ções de africanos durante todo o período escravista e colonial, perdurando
até o século XX. O historiador e antropólogo africano Hampâté Bâ, quando
criança, retrata sua experiência nas escolas dos colonizadores franceses na
África, cuja participação, aliás, era compulsória:
Não saberia descrever por que processo os novos alunos logo
aprendiam a falar o francês, porque o mestre não traduzia
para a língua local absolutamente nada das lições que minis‑
trava. A não ser em algum caso especial, estávamos proibidos
de falar as línguas maternas na escola, e quem fosse pego em
flagrante delito via‑se paramentado com um cartaz infamante
que chamávamos de o “símbolo” (2003, p. 228).

Essa interdição da palavra, que é a “cultura do silêncio”, é também uma


interdição do ser. Isso nos remete à “dimensão ontológica” da opressão colonia‑
lista. Ao circunscrever o sujeito africano aos limites da escravidão, impedi‑lo de
expressar‑se autenticamente e ser mais do que o projeto colonial o deixa ser, a
opressão o “desumaniza”, rouba‑lhe a humanidade e lhe reduz à condição de
coisa (ANDREOLA, 1999, p. 75). Nesse sentido, a educação formal, instru‑
mento de homogeneização imposto pelo colonialismo, circunscrevia os povos
colonizados aos limites dos objetivos de seus projetos políticos e econômicos.
Historicamente, a educação escolar no Brasil tem se caracterizado pelo
que Freire denomina de educação bancária, em que:

– 133 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

a) o educador é o que educa; os educandos, os que são edu‑


cados; b) o educador é o que sabe; os educandos, os que não
sabem; c) o educador é o que pensa; os educandos os pen‑
sados; d) o educador, o que diz a palavra; os educandos, os
que a escutam docilmente; e) o educador é o que disciplina;
os educandos, os disciplinados; f ) o educador é o que opta e
prescreve sua opção; os educandos, os que seguem a prescri‑
ção; g) o educador é o que atua; os educandos, os que têm a
ilusão de que atuam, na atuação do educador; h) o educador
escolhe o conteúdo programático; os educandos, jamais ouvi‑
dos nesta escolha, se acomodam a ele; i) o educador iden‑
tifica a autoridade do saber com sua autoridade funcional,
que opõe antagonicamente à liberdade dos educandos; estes
de vem adaptar‑se às determiUnações daquele; j) o educa‑
dor, finalmente, é o sujeito do processo; os educandos, meros
objetos (FREIRE, 1987, p. 59).

A educação bancária reproduz a dimensão pedagógica da opressão, que


objetiva estimular a cultura do silêncio. Na ação colonialista, a dimensão
pedagógica da opressão provocou a desarticulação dos processos educacionais
que transmitem os conhecimentos tradicionais dos povos oprimidos. Como
ressalta o historiador africano Hampaté Bâ (2004, p. 5):
Uma grande perturbação no campo cultural foi a ruptura
progressiva da transmissão dos conhecimentos tradicionais.
Até então, essa transmissão era feita oralmente de uma gera‑
ção a outra por meio das iniciações de ofício e das escolas
corânicas. As oficinas artesanais, por exemplo, eram verda‑
deiras escolas tradicionais, onde se ensinava não apenas uma
tecnologia, mas todo um conjunto de conhecimentos cien‑
tíficos e culturais ligados ao ofício. O aprendiz de ferreiro,
que trabalhava silenciosamente ao lado de seu mestre, tinha
acesso por meio do simbolismo dos instrumentos da forja
uma explicação particular do mundo e do papel do homem
no Universo, fundado na ideia de responsabilidade e inter‑
dependência de todas as coisas. Ele recebe, além disso, um
conjunto de conhecimentos concretos sobre, geologia, mine‑
ralogia, botânica e toda uma educação comportamental.

As dimensões psicológica, antropológico‑cultural, ontológica e peda‑


gógica da opressão colonialista são elementos que podem ser associados ao
conceito de colonialidade do poder cunhado por Quijano (2005), ao apontar
a centralidade da ideia de raça como classificadora social da população mun‑

– 134 –
Educação Quilombola e Afrodescendente: políticas e projetos

dial, corroborando, assim, para a compreensão do conceito de colonialidade


epistêmica ou do saber.
Como destaca Damázio (2009, p. 2)
A perspectiva de superioridade/inferioridade além de estar na
base do conceito de superioridade étnica, também implica a
superioridade epistêmica. O conhecimento produzido pelo
homem branco é geralmente qualificado como científico,
objetivo e racional, enquanto aquele produzido por homens
de cor (ou mulheres) é mágico, subjetivo e irracional. Esta
dimensão, a colonialidade epistêmica ou do saber, não ape‑
nas estabelece o eurocentrismo como perspectiva única do
conhecimento, mas também descarta as outras produções
intelectuais.

Foi com a consolidação da ciência moderna, a partir do século XVIII,


e a suposta neutralidade, a qual atribui a sua posição de produtora de
conhecimento universal para além dos condicionantes locais e temporais,
que foi possível situar‑se no que Castro Gomes denomina de epistemologia
do ponto zero e
ter o poder de nomear pela primeira vez o mundo; de tra‑
çar fronteiras para estabelecer quais conhecimentos são
legítimos e quais são ilegítimos, definindo quais compor‑
tamentos são normais e quais são patológicos. Por isso o
ponto zero é o do começo epistemológico absoluto, mas
também o do controle econômico e social sobre o mundo.
Localizar‑se no ponto zero equivale a ter o poder de insti‑
tuir, de representar, de construir uma visão sobre o mundo
social e natural reconhecida como legítima e autorizada
pelo Estado. Trata‑se de uma representação no qual os
varões ilustrados se definem a si mesmos como observado‑
res neutros e imparciais da realidade (CASTRO GOMES
apud DAMAZIO, 2009, p. 110).

A colonialidade do poder e a colonialidade epistêmica, ou do saber, não


se restringem ao colonialismo, ou seja, ao período colonial, mas constituem‑se
elementos estruturantes dos regimes que se estabelecem após esse período.
Exemplo disso pode ser percebido com a construção do regime republicano
no Brasil.
Com a difusão das teorias raciais no Brasil, ao final do século XIX, o pro‑
jeto de “branqueamento” da sociedade articulou‑se ao projeto político‑eco‑

– 135 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

nômico do novo regime, ou seja, consolidou‑se na mentalidade da elite nacio‑


nal a tese de que o desenvolvimento político, econômico e cultural do país
dependia do aumento da quantidade de europeus no país.
Assim, o processo de substituição da mão de obra negra escravizada
pela mão de obra europeia imigrante estava, também, relacionada ao “apa‑
gamento” das marcas culturais africanas e indígenas e ao enraizamento da
cultura dos imigrantes. As consequências evidentes desse processo podem ser
percebidas pelos dados derivados das pesquisas sobre a condição social da
população negra, que retratam o grau de marginalização social e de desigual‑
dade etnorracial ao qual essa parcela da população brasileira é submetida.
Considerando que a colonialidade epistêmica possui relações diretas com
as dimensões psicológica, antropológico‑cultural, ontológica e pedagógica da
opressão colonialista, e que é parte estruturante da sociedade contemporânea,
podemos pensar em processos e práticas educativas que rompam com esses
elementos de opressão social e etnorracial? Quais princípios deveriam orien‑
tar tais processos e práticas?
Freire (1978), em contraposição aos efeitos da invasão cultural na África,
afirma a necessidade de descolonização das mentes e reafricanização das men‑
talidades. Essa perspectiva apontada por Freire tem sido desenvolvida por teó‑
ricos latino‑americanos, que vem adotando os conceitos de descolonialidade
e interculturalidade.
Enquanto a descolonialidade implica no desvelamento da lógica da
reprodução da matriz colonial do poder, numa tentativa de ruptura com os
efeitos totalitários das subjetividades e categorias de pensamento ocidentais
(DAMÁZIO, 2009), a interculturalidade apresenta‑se como proposta polí‑
tica social, ética e intelectual, originada nos grupos etnorraciais e arraigada
em suas lógicas próprias.
É necessário destacar que o conceito de interculturalidade diverge das
perspectivas liberais do multiculturalismo, pois não se restringe ao reconhe‑
cimento, tolerância e incorporação da diferença na ordem vigente. Como
aponta Damázio (2009, p. 114):
A meta não é simplesmente reconhecer, tolerar nem tam‑
pouco incorporar o diferente dentro da matriz e estruturas
estabelecidas, mas é implodir a diferença nas estruturas colo‑

– 136 –
Educação Quilombola e Afrodescendente: políticas e projetos

niais do poder como provocação, proposta, processo e pro‑


jeto. Trata‑se de refundar as estruturas sociais, epistêmicas e
de existência que colocam em cena lógicas, práticas e modos
culturais diversos de pensar e viver. Por isso a intercultura‑
lidade não é um fato dado, mas algo em permanente cami‑
nho e construção. Mais que um conceito de inter‑relação ou
comunicação, significa potência e indica construir e fazer
incidir pensamentos, vozes, saberes, práticas, e poderes sociais
“outros”.

Não se trata, todavia, em uma negação do pensamento ocidental de


matriz europeia, mas da explicitação de suas dimensões de dominação e no
questionamento de sua hegemonia enquanto discurso produtor de verdades
e realidades universais.
A interculturalidade e a descolonialidade do saber são categorias que se
articulam às lutas dos movimentos indígenas e afrodescendentes2, na denún‑
cia da opressão colonialista e no anúncio das possibilidades de reorganização
das relações sociais e etnorraciais, a partir das lógicas próprias persistentes
nesses grupos. Dessa forma, apresentam‑se como categorias potenciais para a
construção de processos e práticas educativas que rompam com os elementos
de opressão social e etnorracial.
No que se refere à presença negra no Brasil, tal proposta pode arti‑
cular‑se a partir de um processo dialógico com as comunidades afro‑bra‑
sileiras, compreendidas aqui como coletivos com identidades etnorraciais
que desenvolvem ações culturais, políticas, econômicas e religiosas, dotadas
ou não de territórios delimitados, tais como as comunidades quilombolas,
os povos das religiões de matriz africana, os grupos de capoeira, as escolas
de samba e as diversas formas coletivas de expressão política e/ou cultural
afro‑brasileira.
Apesar do processo de exclusão e marginalização social, segmentos da
população negra têm experimentado, historicamente, processos educativos
específicos, a despeito das dificuldades de acesso e permanência à educação

2 O termo “afrodescendente” se refere aos/às descendentes de africanos(as) na diáspora, em


contextos de aproximação política e cultural, e é utilizado como correlato de negros(as) (ou, às
vezes “pretos”) nos países de língua portuguesa, como o Brasil, de african american, na língua
inglesa, em países como Estados Unidos (onde se usa também o termo black) (BRASIL,
2006, p. 215).

– 137 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

escolar que lhes foram impostas ao longo da história. Dentre essas experiên‑
cias de educação do negro3, podemos destacar:
22 as atividades realizadas pelas irmandades negras, durante os séculos
XVIII e XIX, ou por organizações negras, como a Frente Negra e o
Teatro Experimental do Negro, durante o século XX;
22 iniciativas de indivíduos negros com maior nível de educação for‑
mal, como o caso ocorrido em 1853, quando o educador negro
Pretextato dos Passos Silva4 apresentou requerimento à Corte, no
Rio de Janeiro, solicitando autorização para “criação de uma escola
destinada a meninos pretos e pardos”;
22 as experiências das inúmeras organizações que foram criadas a par‑
tir da década de 70 do século XX que, além da crítica à política
educacional, passaram a desenvolver processos educativos autôno‑
mos, tomando como base o estudo de história e cultura africana e
produzindo práticas educativas associadas à elevação da autoestima
da população negra, através, por exemplo, dos grupos de dança ou
blocos carnavalescos afro‑brasileiros;
22 as experiências de educação não escolar destinadas à manutenção e
fortalecimento dos laços ancestrais que permitem a persistente pre‑
sença dos territórios das religiões de matriz africana e das comuni‑
dades quilombolas, definidos anteriormente como processos edu‑
cacionais de transmissão de conhecimentos tradicionais.
Entretanto, desconsiderando os casos em que conseguiram articular‑se à
educação escolar, essas experiências foram e continuam sendo deslegitimadas

3 O conceito de negro aqui empregado tem base política, etnossemântica e ideológiga, e não
biológica. Trata‑se de um conceito reapropriado pelos movimentos negros, já que, no período
colonial, distinguia‑se do termo preto por indicar os sujeitos africanos escravizados ou descendentes
que tinham uma postura de resistência frente à escravidão. Em contraposição a brancos e mestiços,
o conceito de negro define pessoas com aparência marcadamente negroide.
4 O referido educador apresentou requerimento, acompanhado de lista de assinatura dos pais das
crianças negras, onde “argumenta que, sendo ele negro e compreendendo a vida daquelas crianças,
poderia ‘ensinar com perfeição e sem coação’. [...] Pretextato implantou e trabalhou em sua escola
por mais de 20 anos” (CUNHA JR, 2001).

– 138 –
Educação Quilombola e Afrodescendente: políticas e projetos

enquanto processos educativos que conferem conhecimentos, não apenas de


base étnica, mas também de base universal.
O que confere a esses diversos grupos uma identidade comum? Existe de
fato uma cultura afro‑brasileira, ou existem culturas afro‑brasileiras? Como
desenvolver práticas educativas específicas, ancoradas na interculturalidade e
na descolonialidade do saber a partir desses coletivos? Para responder a essas
perguntas, é necessário compreender os processos de desterritorialização e
reterritorialização da cultura africana e as africanidades, que afirmam a afro‑
descendência no Brasil.

7.2 Os processos de desterritorialização


e reterritorialização da cultura africana,
africanidades e afrodescendência no Brasil
Um dos processos derivados do colonialismo foi a desterritorializa‑
ção e reterritorialização5 da cultura africana a partir do escravismo, ou
seja, o fluxo cultural derivado da escravização de africanos para o conti‑
nente americano.
Ao falarmos de desterritorialização e reterritorialização da cultura afri‑
cana no Brasil, devemos levar em consideração que os grupos africanos que
foram forçosamente trazidos da África para a América, a partir do século
XIX, tiveram suas culturas constituídas antes do contato com os europeus.
Trata‑se, pois, de conhecer a história e a cultura dos povos africanos não ape‑
nas a partir de sua inserção no sistema colonial, mas, sobretudo, a partir da
reconfiguração de elementos estruturantes das culturas dos povos africanos
na diáspora6, considerando suas permanências e transformações a partir das
interações que se instauraram no período colonial.

5 OLIVEIRA, E. D. Cosmovisão africana no Brasil: elementos para uma filosofia


afrodescendente. Fortaleza: LCR, 2003..
6 Diáspora é uma palavra de origem grega que significa “dispersão”, designada, inicialmente,
“principalmente aos movimentos espontâneos dos judeus pelo mundo, hoje aplica‑se também à
desagregação que compulsoriamente, por força do tráfico de escravos, espalhou negros africanos
por todo o continente” (LOPES, 2004, p. 235).

– 139 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

Tal abordagem vem sendo adotada pelos pesquisadores das africa‑


nidades brasileiras e da afrodescendência7, entre eles, Henrique Cunha
Jr., Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, Álvaro Risoli e Válter Silvério,
responsáveis, segundo Cunha Jr. (2002) pelo uso mais sistematizado dos
referidos conceitos.
Tomando como referência os trabalhos de Chek Anta Diop, defende‑se
que a tese da existência de uma matriz cultural africana que se diversifica de
acordo com os contextos históricos, geográficos e econômicos do continente
africano, pode ser aplicada para outros contextos que receberam um contin‑
gente significativo de africanos escravizados, ou seja, também na América é
possível verificar uma (re)elaboração da matriz cultural africana. Assim:
Os elementos de base africana passam no Brasil pelas restri‑
ções econômicas e políticas do escravismo e do capitalismo
racista. É essencial, na compreensão da problemática afro‑
descendente brasileira, o entendimento das restrições do
político‑econômico, uma vez que admitimos que a (re)ela‑
boração destas culturas foi realizada sob forças de pressões e
dominação. É essencial ao conceito de Africanidades Brasilei‑
ras a ideia de (re)elaboração. As Africanidades Brasileiras são
(re)processamentos pensados, produzidos no coletivo e nas
individualidades, que deram novo teor às culturas de origem
(CUNHA JR., 2001).

É a esse processo de reelaboração da matriz cultural africana que


Oliveira (2003) se refere ao tratar de territorialização, desterritorialização
e reterritorialização da cultura africana no Brasil. Compreende‑se como
matriz cultural africana, ou como cosmovisão africana, determinadas con‑
cepções e experiências (de território, universo, força vital, palavra, tempo,
ancestralidade, família, entre outras) comuns e estruturantes na organi‑
7 “As Africanidades Brasileiras são (re)processamentos pensados, produzidos no coletivo e nas
individualidades, que deram novo teor às culturas de origem” africanas a partir de “reeleaborações”
– do “candomblé, da capoeira angola e dos quilombos”. Trata‑se da “existência de um conjunto
amplo, indo do pensamento brasileiro à base material da cultura brasileira. [...] formam um
paradigma poderoso para revisão dos conceitos e preconceitos vigentes na cultura brasileira.
Forjam‑se nas ações e nos discursos processados pelas camadas “racizadas” [...]. Produzem espaço
de liberdade intelectual, livre dos racismos e dos conceitos produzidos nos processos da dominação
historicamente vigentes na cultura brasileira. As Afrodescendências instruem sobre a diversidade
étnica brasileira, livre dos racialismos, reconhecedora da presença ampla, diversa, múltipla e
estruturada, de uma etnia predominante afrodescendente” (CUNHA JR., 2009).

– 140 –
Educação Quilombola e Afrodescendente: políticas e projetos

zação social, política e cultural das sociedades africanas, antes da invasão


europeia que, “apesar das modificações e rupturas, seguem estruturando
as concepções de vida dos africanos e seus descendentes espalhados pelo
mundo depois da Diáspora Negra” (OLIVEIRA, 2003, p. 40). As africa‑
nidades são as formas diversificadas como essas concepções e experiências
se reelaboram nos contextos em que os africanos escravizados e seus des‑
cendentes foram forçosamente inseridos, como as comunidades quilom‑
bolas no Brasil.
Enquanto as africanidades brasileiras apresentam‑se como elementos
produzidos nessa dinâmica de (re)elaboração da matriz cultural africana e de
suas diversificações, o conceito de afrodescendência nos remete aos processos
identitários associados ao que chamamos inicialmente de desterritorialização
e reterritorialização da cultura africana.
O conceito da Afrodescendência […] tem por base a his‑
tória e os processos de formação de identidade afrodescen‑
dente. As populações resultantes de imigrações forçadas
devido ao sistema de produção do escravismo criminoso
têm uma história em comum no Brasil. São originárias
de um território de formação histórica e cultural comum
que é o continente africano, a história e a cultura afri‑
canas. Esta população estabelece novas relações sociais e
sofre as transformações condicionadas, de certa maneira,
pelo sistema escravista e depois pelo capitalismo racista.
Nestes processos sociais produzem novas identidades que
resultam de uma origem comum e de uma história de con‑
tornos comuns. Afrodescendência é um conceito de base
étnica dado pela história sociológica dessas populações. Os
contornos desta identidade afrodescendente são de natu‑
reza política e cultural (CUNHA JR., 2001).

A afrodescendência aborda, então, as identidades produzidas, por exem‑


plo, nas religiões de matriz africana, nas diversas comunidades de terras de
preto, mocambos, lugar de preto, dentre outras designações das comunidades
que hoje identificam‑se como quilombolas, e nas diversas formas de expres‑
são, coletivas ou individuais, associadas à base cultural africana. A abordagem
dessas identidades envolve, também, as análises dos processos de dominação
e de marginalização social da população negra – dentre eles o racismo anti‑
negro – que acarretam consequências no campo estrutural das relações de
trabalho, da cultura e da educação (CUNHA JR., 2006).

– 141 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

Nessa perspectiva, a educação afrodescendente pode ser considerada


como o processo educativo que emerge dos territórios afrodescendentes,
afirma identidades étnicas, propiciou e propicia a reelaboração das culturas
afro‑brasileiras e inscreve as africanidades nos territórios da diáspora negra.
A educação quilombola é compreendida, aqui, como a singulariza‑
ção da educação afrodescendente em quilombos, ou seja, os processos
educativos que emergem desses territórios. Como a maioria das comu‑
nidades quilombolas localiza‑se no campo, incorpora, então, as especifi‑
cidades (histórico, conflitos, contradições, potencialidades e demandas)
desse contexto.
Dessa maneira, para pensarmos uma educação quilombola e afrodescen‑
dente é necessário compreender, inicialmente, a definição de quilombo.

7.3 Quilombo: conceito político


e científico em construção
Ao abordar o conceito de quilombo deve‑se, inicialmente, compreender
que ele possui variações de acordo com as disciplinas, com os campos e os
contextos em que foi elaborado e que, atualmente, a definição desse conceito
está diretamente relacionada com a demanda de regularização fundiária dos
territórios dos grupos que se autodefinem como Comunidades remanescen‑
tes de quilombo. Nesse sentido, como aponta Leite (2000, p. 333), “falar dos
quilombos e dos quilombolas no cenário político atual é, portanto, falar de
uma luta política e, consequentemente, uma reflexão científica em processo
de construção”.
Segundo Clóvis Moura, a primeira referência a quilombo em docu‑
mentos oficiais portugueses data de 1559, mas só em 1740 o Conselho
Ultramarino define‑o como “toda habitação de negros fugidos que passem
de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados
nem se achem pilões neles” (MOURA, 1987, p. 16). Essa definição de
quilombo, produzida pelas autoridades portuguesas para referirem‑se aos
agrupamentos negros livres do domínio colonial e que coloca a fuga e fixa‑
ção na terra como centralidade do conceito, foi a abordagem predominante
na historiografia brasileira.

– 142 –
Educação Quilombola e Afrodescendente: políticas e projetos

Para além das abordagens historiográficas podemos identificar, ao final da


década de 70 do século XX, frente ao contexto de reabertura política e de consti‑
tuição dos movimentos negros contemporâneos, a emergência de outras aborda‑
gens. Nesse momento, “intelectuais envolvidos com o ’estudo da cultura negra’ e
a construção de uma identidade negra [...] apresentam uma noção de quilombo
que é correlata das formulações empreendidas no âmbito do movimento negro
e tentam aplicá‑la aos seus estudos e reflexões” (RATTS, 2006, p. 312). Dentre
eles, podemos destacar Beatriz Nascimento, Ney Lopes e Abdias do Nascimento.
Algumas das características das produções desses pesquisadores são: a
recuperação dos sentidos atribuídos ao termo quilombo em sua origem afri‑
cana, o apontamento de suas continuidades e especificidades no contexto his‑
tórico brasileiro e, por fim, sua utilização como instrumental conceitual ope‑
rativo na transformação das condições sociais da população afro‑brasileira.
Abdias Nascimento é o defensor dessa última posição, em que quilombo é
assumido explicitamente como:
Um instrumental conceitual operativo [que] se coloca, pois, na
pauta das necessidades imediatas da gente negra brasileira. Ele
não deve e não pode ser o fruto de uma maquinação cerebral
arbitrária, falsa e abstrata. Nem tampouco pode ser um elenco
de princípios importados, elaborados a partir de contextos e de
realidades diferentes. A cristalização dos nossos conceitos, defini‑
ções e princípios deve exprimir a vivência de cultura da coletivi‑
dade negra. Só assim estaremos incorporando nossa integridade
de ser total, em nosso tempo histórico, enriquecendo e aumen‑
tando nossa capacidade de luta. Onde poderemos encontrar essa
vivência de cultura coletiva? Nos quilombos (1991, p. 206).

Parte dos movimentos sociais negros buscou essa vivência de cultura cole‑
tiva nas terras de preto, mocambos, lugar de preto, dentre outras designações de
comunidades negras rurais. Locais onde as questões fundiárias e etnorraciais pre‑
sentes no país se cruzam e fornecem outra abordagem do conceito de quilombo.

7.4 Quilombo: direito ao território


e a igualdade etnorracial
A questão fundiária e a questão etnorracial são elementos estruturantes
da desigualdade no país. Desde a perspectiva jurídica, podemos situar a Lei de

– 143 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

Terras, de 1850, e a Lei Euzébio de Queiróz como os marcos legais legitima‑


dores do latifúndio e da desigualdade etnorracial. Por meio da Lei de Terras,
que determinou que a aquisição da terra no país deveria ocorrer através de
compra, as camadas populares formadas, sobretudo por indígenas, africanos
escravizados e afrodescendentes, têm o acesso a terra limitados pela condição
econômica e social em que se situavam. No que se refere à Lei Euzébio de
Queiróz, que estipulava o fim do tráfico internacional de escravos, iniciou‑se
um lento processo de abolição da escravidão. Ambos os processos se articula‑
vam com a substituição do trabalho cativo do africano e dos afrodescendentes
escravizados pelo trabalho livre e assalariado dos imigrantes europeus.
Devemos salientar que a política de substituição da mão de obra escra‑
vizada pela mão de obra livre assalariada orientou‑se, de um lado, por uma
política de ação afirmativa para garantir as condições estruturais para a vinda
e inserção econômica dos imigrantes europeus e, de outro, pela inexistência
de políticas reparatórias dos ex‑escravizados após a abolição.
Apesar da ausência de políticas reparatórias, um contingente significa‑
tivo de africanos escravizados e de libertos tiveram acesso à terra por meio de
processos diferenciados, como a criação de comunidades de escravizados que
fugiam do cativeiro; criação de comunidades em terras doadas por senhores
escravocratas a seus escravizados; doação de terras por serviços prestados ao
poder público ou, até mesmo, por meio da aquisição de terra após inúmeras
maneiras de pecúlios, dentre outras inúmeras maneiras.
As comunidades criadas por essas inúmeras formas de acesso à terra
criaram territórios e estabeleceram práticas econômicas, políticas e culturais
próprias, através da reelaboração dos elementos da base cultural africana, deli‑
neadas pelos contextos em que se inseriram. Entretanto, essas comunidades
negras, localizadas majoritariamente no campo, não tiveram a garantia de
permanecer em seus territórios.
A demanda por regularização dos territórios das comunidades negras só
encontra base legal um século após a abolição da escravidão, com a promulga‑
ção da Constituição de 1988, em que se define, no Art. 68 do Ato das Dispo‑
sições Constitucionais Transitórias, que aos “remanescentes das comunidades
dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade
definitiva, devendo o Estado emitir‑lhes os títulos”.

– 144 –
Educação Quilombola e Afrodescendente: políticas e projetos

É necessário ressaltar que, a princípio, os sujeitos que historicamente


demandavam a regularização de seu território não se identificavam, neces‑
sariamente, como remanescentes das comunidades de quilombo. Essa
categoria jurídica surge no contexto da Assembleia Nacional Constituinte
e deriva da mobilização de militantes e parlamentares negros, que deman‑
davam “a abertura de um espaço jurídico para proteção das comunidades
negras rurais remanescentes” (BANDEIRA, 1991, p. 18). Tal mobilização
é decorrente da pressão social exercida por essas comunidades e articula a
demanda de regularização fundiária a um processo de afirmação de iden‑
tidade étnica8.
Momento significativo para a organização das comunidades negras
rurais, hoje denominadas de comunidades remanescentes de quilombo, foi
o projeto “Comunidades Negras no Meio Rural Maranhense” iniciado em
1983 pelo Centro de Cultura Negra do Maranhão, sob coordenação da histo‑
riadora e ex‑presidente da instituição, Mundinha Araújo. Desse projeto deri‑
vou a realização do 1º Encontro de Comunidades Negras Rurais, realizado
em 1986, em São Luiz. Nesse encontro, que teve como tema central “O
Negro e a Constituição Brasileira”, foram elaboradas propostas com enfoque
na situação fundiária das comunidades negras rurais. Essas propostas foram
apresentadas na Convenção Nacional “O Negro e a Constituinte” – convo‑
cada pelo MNU e realizada em 1986 – e encaminhadas no Congresso Nacio‑
nal pela deputada Benedita da Silva (PT/RJ).
O Art. 68 do ADCTs, da Constituição de 1988, deriva dessas reivin‑
dicações. Entretanto, a categoria jurídica que define os sujeitos desse direito
ficou sendo a de remanescentes das comunidades de quilombo, e não a de
comunidades negras rurais ou das demais designações dos grupos que deman‑
davam a regularização de suas terras. Intensifica‑se então uma “política das
identidades”, na qual esses grupos passam a se autodeclarar como comunida‑
des remanescentes de quilombo.

8 Como aponta Almeida (2005, p. 17), “o processo social de afirmação étnica, referido aos
chamados quilombolas, não se desencadeia necessariamente a partir da Constituição de 1988,
uma vez que ela própria é resultante de intensas mobilizações, acirrados conflitos e lutas sociais
que impuseram as denominadas terras de preto, mocambos, lugar de preto e outras designações
que consolidaram de certo modo diferentes modalidades de territorialização das comunidades
remanescentes de quilombos.

– 145 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

Diante do impasse que começou a se estabelecer, a Associação Brasileira


de Antropologia (ABA) é convocada pelo Ministério Público Federal, em
1994, para dar seu parecer em relação às situações já conhecidas e enfocadas
nas pesquisas sobre quilombos. O conceito de quilombo passou a ser mais
abrangente. Segundo o documento da ABA,
Quilombo tem novos significados na literatura especializada,
também para grupos, indivíduos e organizações. Ainda que
tenha conteúdo histórico, vem sendo ressemantizado para
designar a situação presente dos segmentos negros em regiões
e contextos do Brasil. Quilombo não se refere a resíduos ou
resquícios arqueológicos de ocupação temporal ou de com‑
provação biológica. Também não se trata de grupos isolados
ou de população estritamente homogênea. Nem sempre
foram constituídos a partir de movimentos insurrecionais ou
rebelados. Sobretudo consistem em grupos que desenvolve‑
ram práticas cotidianas de resistência na manutenção e na
reprodução de modos de vida característicos, e na consoli‑
dação de território próprio. A identidade desses grupos não
se define por tamanho nem número de membros, mas por
experiência vivida e versões compartilhadas de sua trajetória
comum e da continuidade como grupo. Constituem grupos
étnicos conceituados pela antropologia como tipo organiza‑
cional que confere pertencimento por normas e meios de afi‑
liação ou exclusão (O’DWYER, 1995, p. 1).

Essa definição da ABA fundamenta a concepção de quilombo pre‑


sente no Decreto n. 4.887/03, que regulamenta o procedimento de titu‑
lação dos territórios quilombolas. Segundo esse decreto, remanescentes de
quilombos são
os grupos etnorraciais, segundo critérios de autoatribuição,
com trajetória histórica própria, dotados de relações territo‑
riais específicas, com presunção de ancestralidade negra rela‑
cionada com a resistência à opressão histórica sofrida.

Essa concepção é mais abrangente do que a definição consolidada his‑


toricamente de quilombo enquanto reduto de escravos fugidos, e engloba
inúmeros processos de territorialização das populações afrodescendentes.
Populações que, além do direito de regularização de seu território, possuem
o direito de uma educação escolar específica, que contribua para o fortaleci‑
mento de sua identidade étnica e cultural.

– 146 –
Educação Quilombola e Afrodescendente: políticas e projetos

Dessa forma, às perspectivas de escolarização que emergem dos quilom‑


bos somam‑se as reivindicações históricas dos movimentos negros por uma
educação afrodescendente das relações etnorraciais, que se articulam com as
reivindicações de escolarização dos movimentos sociais do campo.
Assim, na proposta de educação escolar quilombola que vem se con‑
solidando na pauta de reivindicação do movimento quilombola, a escola
passa a ser um instrumento fundamental para a manutenção e desenvolvi‑
mento dessas comunidades e deve articular, entre outros aspectos, práticas
educativas voltadas:
22 à superação das desigualdades etnorracias;
22 à afirmação de identidades étnicas;
22 à valorização e fortalecimento dos processos de inscrição das cultu‑
ras afro‑brasileiras no país;
22 à luta comunitária por regularização de seus territórios ancestrais.
A seguir, será analisada a legislação que garante aos quilombolas o direito
a uma política educacional diferenciada.

7.5 Referenciais legais e metodológicos para


a educação afrodescendente e quilombola
Como vimos anteriormente, a preocupação com a escolarização
da população negra pode ser percebida já em 1853, quando o educador
negro, Pretextato dos Passos Silva, requeriu à Corte a criação de uma escola
destinada a meninos pretos e pardos. Essa preocupação está presente, tam‑
bém, no 1º Congresso Nacional do Negro Brasileiro, realizado no Rio
de Janeiro, em 1950, pelo Teatro Experimental do Negro, em que é rei‑
vindicado no documento final: “o estímulo ao estudo das reminiscências
africanas no país, bem como dos meios de remoção das dificuldades dos
brasileiros de cor e a formação de institutos de pesquisas públicas e parti‑
culares com esse objetivo” (NASCIMENTO, 2008, p. 139).
Essas e outras reivindicações – como a do 1º Congresso Nacional do
Negro, realizado em Porto Alegre, em 1958, pela Sociedade Floresta Aurora,

– 147 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

no qual um dos temas centrais de discussão foi “a necessidade de alfabetização


frente à situação atual do Brasil” (GOMES, 2009) – só foram acolhidas pelo
poder público federal em 2003, com a sanção da Lei n. 10.639, que altera
a Lei de Diretrizes e Bases da Educação e inclui no currículo oficial da rede
de ensino a obrigatoriedade da temática “história e cultura afro‑brasileira9”,
e com a instituição das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das
Relações Etnorraciais e para o Ensino de História e Cultura Afro‑brasileira
e Africana, pelo Conselho Nacional de Educação, em 2004.
Entretanto, no caso das comunidades quilombolas e das comunidades
de terreiro ou religiões de matriz africana, além dessas referências, devemos
considerar a Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho, o
Decreto n. 6.040/07 e as Diretrizes Operacionais para uma Educação Básica
do Campo, como legislações que garantem o direito a uma organização esco‑
lar coerente com a cultura e com os processos próprios de educação existentes
nessas comunidades.

7.6 Lei n. 10.639/03 e DCNs para educação


das relações etnorraciais e para o ensino de
história e cultura afro‑brasileira e africana
As legislações referentes à educação das relações etnorraciais e para o
ensino de história e cultura afro‑brasileira e africana, que embasam a educa‑
ção quilombola e afrodescendente, além de estarem ligadas à demanda histó‑
rica anteriormente apresentada, embasam‑se nas produções de pesquisadores
vinculados aos movimentos sociais negros. Desde a década de 70 do século
XX, essas pesquisas vêm abordando e denunciando as práticas e os efeitos
do racismo no processo de escolarização e apontando a necessidade de (re)
educação das relações etnorraciais existentes no Brasil.
Essas abordagens contribuem para perceber como o racismo e a desi‑
gualdade etnorracial é reproduzida no ambiente escolar por meio:
22 da representação de negros, negras e indígenas nos livros didáticos;

9 Em 2007 se torna obrigatório, também, através da Lei n. 11.645/07 que complementa


o Artigo 26A da LDB, o ensino de história e cultura indígena.

– 148 –
Educação Quilombola e Afrodescendente: políticas e projetos

22 da distribuição desigual de atenção e afeto de professoras para


crianças de grupos étnicos diferenciados;
22 da ausência de conteúdos de história e cultura afro‑brasileira, afri‑
cana e indígena no currículo das escolas;
22 das práticas pedagógicas homogeneizantes, ou seja, que desconside-
ram a diversidade etnorracial, de gênero e orientação sexual existente
nas escolas, dentre outros elementos do processo de escolarização.
Na perspectiva da educação das relações etnorraciais, trata‑se de
pensar como, por meio da inclusão de novos conteúdos no currículo e da
mudança das práticas pedagógicas, a educação brasileira deve escolarizar
e contribuir para criar relações etnorraciais mais harmônicas entre
educandas de grupos etnorraciais diversos, contribuindo assim para a
eliminação das práticas de racismo.
Uma abordagem complementar à da educação das relações etnorraciais
é a educação afrodescendente. Enquanto a educação das relações etnorraciais
utiliza‑se do conceito histórico e politicamente construído de raça10, as
abordagens da afrodescendência dão centralidade à cultura e a etnia11,
esta compreendida enquanto categoria histórico‑sociológica articulada
aos processos históricos e à dinâmica das relações sociais e simbólicas do
sistema capitalista:
As relações capitalistas não implicam apenas em capital
econômico, mas abrange o capital simbólico. A etnia faz
parte das relações capitalista, por isto denominamos o
capitalismo racista. O conceito de etnia afrodescendente
é fundamental devido o fato de englobar processos his‑

10 “As ciências naturais contemporâneas negam as raças biológicas, referindo‑se a espécie


humana, porém, as ciências sociais, reconhecendo as desigualdades historicamente produzidas
com base no fenótipo das pessoas, especialmente em países que escravizaram africanos(as) tem
optado pela manutenção do termo raça como uma construção social que abrange essas diferenças
e os significados a elas atribuídos que estão na base do racismo. [...]. O que se define raça codifica
um olhar político para a história do negro no Brasil” (BRASIL, 2006, p. 222).
11 Nas ciências sociais, em especial a Antropologia, a “etnia” emerge após a II Guerra, em
contraposição ao termo “raça” que as ciências da natureza passaram a considerar inadequadas para
tratar das diferenças entre grupos humanos. Etnia é um grupo social que considera ter origem e
cultura comuns e, portanto, identidade marcada por traços distintivos (BRASIL, 2006, p. 218).

– 149 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

tóricos, deste do campo das ideias as praticas sociais de


apropriação dos bens sociais, materiais e imateriais. Nesta
construção histórica sociológica da dominação ocidental,
o fator político predomina sobre o econômico, invertendo
neste sentido a lógica marxista, sem, no entanto negá‑la,
mas procurando ultrapassá‑la para realizar uma explica‑
ção consistente da situação da população afrodescendente
(CUNHA JR, 2001).

Nas abordagens afrodescendentes, não se trata apenas de entender o


negro no Brasil, mas o Brasil a partir dos afrodescendentes (OLIVEIRA,
2007, p. 270). Nessa perspectiva, a própria educação é abordada pelo enfoque
das africanidades e da afrodescendência. Como na Pedagogia do Baobá, pro‑
posta por Oliveira, “busca‑se pensar a educação através do repertório cultural
de origem africana e não simplesmente pensar o negro na educação brasileira”
(2007, p. 271).
Nas críticas da descolonialidade do saber, trata‑se de questionar a hege‑
monia epistêmica eurocêntrica e enfrentar a epistemologia do racismo, pois:
A escola, de fato, é um espaço de conflito e confronto de
visões de mundo díspares. Etnocêntrica, ela privilegiou os
saberes e os valores eurocêntricos e, mais contemporanea‑
mente, norte‑americanos. Por isso não se pode apenas tra‑
tar do negro no Brasil, pois corre‑se o risco de manter estes
mesmos pressupostos filosófico‑culturais no trato da ques‑
tão. É preciso enfrentar a epistemologia do racismo pois o
“principal problema encontrado no processo de ensino e
aprendizado da História Africana não é relativo à história
e sua complexidade, mas é com relação aos preconceitos
adquiridos num processo de informação desinformada
sobre a África” (CUNHA JR, 2002, p. 58) (OLIVEIRA,
2007, p. 272).

Como enfatizam as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das


Relações Etnorraciais para o Ensino de História e Cultura Afro‑brasileira e
Africana, não se trata de substituir um olhar eurocêntrico por outro afrocên‑
trico, nem de descartar os conhecimentos historicamente produzidos e siste‑
matizados pela ciência ocidental, mas, como enfatiza Lopes da Silva (2002,
p. 28), de compreender que “a escola deve ser considerada não apenas ‘o
espaço para a apropriação do saber sistematizado’, como entendem algumas
concepções pedagógicas, mas também o espaço de reapropriação da cultura

– 150 –
Educação Quilombola e Afrodescendente: políticas e projetos

produzida pelos grupos sociais e étnicos excluídos12, como as comunidades


quilombolas, incluindo aqui os elementos que compõem epistemologias e
pedagogias específicas.
Dentre as determinações definidas pelas referidas diretrizes que legiti‑
mam esse enfoque, destacamos:
22 O ensino de História e Cultura Afro‑Brasileira e Africana,
evitando‑se distorções, envolverá articulação entre passado, presente
e futuro no âmbito de experiências, construções e pensamentos
produzidos em diferentes circunstâncias e realidades do povo negro.
É um meio privilegiado para a educação das relações etnorraciais
e tem por objetivos o reconhecimento e valorização da identidade,
história e cultura dos afro‑brasileiros, garantia de seus direitos de
cidadãos, reconhecimento e igual valorização das raízes africanas da
nação brasileira, ao lado das indígenas, europeias, asiáticas.
22 O ensino de História e Cultura Afro‑Brasileira e Africana se fará
por diferentes meios, em atividades curriculares ou não, em que: se
explicitem, busquem compreender e interpretar, na perspectiva de
quem o formule, diferentes formas de expressão e de organização de
raciocínios e pensamentos de raiz da cultura africana; promovam‑se
oportunidades de diálogo em que se conheçam, se ponham em
comunicação diferentes sistemas simbólicos e estruturas conceituais,
bem como se busquem formas de convivência respeitosa, além
da construção de projeto de sociedade em que todos se sintam
encorajados a expor, defender sua especificidade etnorracial e a buscar
garantias para que todos o façam; – sejam incentivadas atividades
em que pessoas – estudantes, professores, servidores, integrantes da
comunidade externa aos estabelecimentos de ensino – de diferentes
culturas interatuem e se interpretem reciprocamente, respeitando os
valores, visões de mundo, raciocínios e pensamentos de cada um.
22 O ensino de Cultura Afro‑Brasileira destacará o jeito próprio
de ser, viver e pensar manifestado tanto no dia a dia, quanto em

12 Considera-se, aqui, grupos sociais e étnicos histori­camente marginalizados aqueles grupos


que, ao longo da história do país, não tiveram acesso igualitário aos direitos sociais e aos serviços
públicos.

– 151 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

celebrações como congadas, moçambiques, ensaios, maracatus,


rodas de samba, entre outras (BRASIL, 2006).
Diante dessas determinações, destacamos as seguintes providências que
devem ser tomadas pelos sistemas de ensino e pelos estabelecimentos de edu‑
cação básica para execução dessas determinações:
22 Registro da história não contada dos negros brasileiros, tais como
em remanescentes de quilombos, comunidades e territórios negros
urbanos e rurais.
22 Organização de centros de documentação, bibliotecas, midiotecas,
museus, exposições em que se divulguem valores, pensamentos,
jeitos de ser e viver dos diferentes grupos etnorraciais brasileiros,
particularmente dos afrodescendentes.
22 Identificação, com o apoio dos Núcleos de Estudos Afro‑Brasileiros,
de fontes de conhecimentos de origem africana, a fim de seleciona‑
rem‑se conteúdos e procedimentos de ensino e de aprendizagens;
22 Incentivo, pelos sistemas de ensino, a pesquisas sobre processos
educativos orientados por valores, visões de mundo, conhecimen‑
tos afro‑brasileiros e indígenas, com o objetivo de ampliação e for‑
talecimento de bases teóricas para a educação brasileira.
22 Oferta de Educação Fundamental em áreas de remanescentes de qui‑
lombos, contando as escolas com professores e pessoal administrativo
que se disponham a conhecer física e culturalmente a comunidade e
a formar‑se para trabalhar com suas especificidades (BRASIL, 2006).
A execução dessas determinações e providências, em áreas quilombolas,
devem potencializar o reconhecimento de lógicas, práticas e modos culturais
diversos de pensar e viver, contribuindo, assim, para uma proposta de educa‑
ção quilombola e afrodescendente alinhada com a perspectiva de descolonia‑
lidade do saber e para um projeto de sociedade intercultural.
Devemos compreender, entretanto, que apenas ofertar a Educação Fun‑
damental em áreas de remanescentes de quilombos não é garantia de que a
escola seja quilombola, ou seja, que esteja articulada com o projeto político
de desenvolvimento socioeconômico e cultural da comunidade. Uma escola
no quilombo não é necessariamente uma escola do quilombo.

– 152 –
8
Educação Indígena:
políticas públicas,
diretos e práticas
pedagógicas
Lilianny Rodriguez Barreto dos Passos

No Brasil, durante séculos, a diversidade sociocultural dos


povos indígenas era vista como um entrave ao modelo de memória,
história e identidade que o Estado brasileiro pretendia construir para
a Nação: positivista1, homogênea e nacional. Em outras palavras,
as línguas, as crenças, os rituais, os conhecimentos e a produção
material dos povos indígenas não contribuíam para a imagem que
se pretendia construir da Nação brasileira.
1 Nessa perspectiva valoriza-se, sobretudo, a história política, oficial, cronológica,
dos grandes heróis que lutaram bravamente na construção da pátria brasileira.
História, Filosofia e Sociologia da Educação

Nessa perspectiva, compreende-se que o respeito, a valorização e a sal-


vaguarda2 dos bens culturais dos povos indígenas não eram do interesse do
Estado brasileiro. Nesse sentido, primeiro o Estado português e posterior-
mente o brasileiro, desenvolveram políticas e ações com o objetivo de destruir
a diversidade sociocultural dos povos indígenas.
Nesse processo, a educação escolar foi um importante instrumento
utilizado pelo Estado. Através da escola, foram transmitidos os valores e os
códigos da sociedade não indígena, principalmente, a língua portuguesa e
os ensinamentos do evangelho. Mais que isso, em vários contextos, a escola
reprimia, coagia e punia aqueles que insistiam em usar a língua indígena
e praticar seus rituais. De fato, pode-se afirmar que durante séculos a edu-
cação escolar voltada aos povos indígenas esteve a serviço dos interesses
Estado brasileiro.
Entretanto, no cenário atual, através de um conjunto de documentos
legais, assegura-se como direito dos povos indígenas, que as políticas e ações
de educação escolar e, sobretudo a escola indígena, esteja a serviço dos ideais e
interesses das comunidades. Atualmente, a educação escolar e as escolas indí-
genas, são importantes instrumentos políticos dos povos indígenas, através
do qual ainda adquirem os conhecimentos, códigos e valores não indígenas,
como por exemplo, a escrita e a matemática. Contudo, esses recursos são
utilizados em favor de suas lutas por demarcação de terras, em suas reivindi-
cações por políticas educacionais que atenda seus interesses e atendimento a
saúde diferenciada. Ou seja, atualmente, a educação escolar e a escola indí-
gena é um importante instrumento para as negociações em contextos de rela-
ções interétnicas, acima de tudo, com o Estado brasileiro.
É bem verdade que esse conjunto de documentos legais propõe e garante
políticas públicas e ações para professores indígenas e escolas inseridas no
interior das Terras Indígenas. Entretanto, outros contextos precisam de espe-
cial atenção, como exemplo, as escolas e os professores não indígenas que
recebem alunos indígenas fora de suas terras. Nesse sentido, neste artigo

2 Segundo estabelece o Artigo nº 2, da Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural


Imaterial, de 2003, “Entende-se por “salvaguarda” as medidas que visam garantir a viabilidade
do patrimônio cultural imaterial, tais como a identificação, a documentação, a investigação, a
preservação, a proteção, a promoção, a valorização, a transmissão – essencialmente por meio
da educação formal e não-formal – e revitalização deste patrimônio em seus diversos aspectos”.

– 154 –
Educação Indígena: políticas públicas, diretos e práticas pedagógicas

busco também, através das mesmas orientações e diretrizes legais, fornecer


alguns subsídios para a reflexão acerca das práticas pedagógicas em escolas
que recebem alunos indígenas fora de suas terras.

8.1 Os povos indígenas: direitos, políticas


públicas e ações educacionais
Nos primeiros séculos de colonização do território brasileiro, missioná-
rios e evangélicos foram os responsáveis pelo processo de catequese dos povos
indígenas. Destaca-se nesse período, a atuação dos missionários da Compa-
nhia de Jesus que investiram no processo de “assimilação”3 dos povos indí-
genas. Para tanto, construíram escolas e internatos voltados a transmitir os
códigos e os valores da sociedade não indígena, tais como, a história, a língua
portuguesa e, sobretudo, os ensinamentos do evangelho (FERREIRA, 2001,
p. 72-73).
Esse modelo de educação se estendeu por aproximadamente quatro sécu-
los, e tinha como objetivo destruir a diversidade sociocultural dos povos indí-
genas. Ferreira (2001, p. 72-73) citando Fernandes (1975, p. 25-27), observa
que em seus trabalhos os missionários “[...] concentraram esforços para des-
truir instituições nativas, como o xamanismo e os sistemas de parentesco, ins-
taurando relações de submissão e dominação e perpetuando, de forma cres-
cente, desigualdades sociais”.
O primeiro momento de políticas oficiais de educação escolar indígena
está diretamente relacionado à criação do Serviço de Proteção ao Índio (SPI)4,
em 1910. A política indigenista oficial implementada pela instituição, foi
marcada pela tutela, na medida em os povos indígenas eram, juridicamente,
considerados “incapazes”. Seguindo os mesmos propósitos assimilacionistas
dos missionários, o Estado pretendia a civilização, pacificação e integração
dos povos indígenas. Nesse sentido, a educação escolar foi um poderoso ins-
3 Para missionários, evangélicos e o Estado português os povos indígenas deveriam “assimilar”
aspectos do modo de vida europeu, tais como, o modelo econômico, as crenças, os valores, etc.
4 Órgão indigenista oficial criado para intermediar as relações entre o Estado brasileiro e os
povos indígenas. Em 1967, o órgão foi substituído pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI).

– 155 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

trumento do Estado e exerceu papel fundamental no processo de controle e


submissão dos povos indígenas.
Como método de civilização, as políticas oficiais proibiam os povos
indígenas de praticar seus rituais e de se expressar nas suas línguas indígenas.
Ou seja, eram impossibilitados de reproduzir sua organização sociocosmoló-
gica, seus sistemas de crenças e suas especificidades lingüísticas. Cabe destacar
que, para tal, em muitos contextos utilizou-se de métodos violentos de coer-
ção. No entanto, também com apoio de missionários e evangélicos, a política
de pacificação5, ao longo do século XX, deu-se através do intenso processo de
conversão dos povos indígenas às igrejas cristãs.
Como método de integração, o SPI demarcou aldeamentos e os
povos indígenas encontraram dificuldades em desenvolver sua economia,
historicamente, baseada na caça, na pesca, na coleta de frutos e cultivo do
milho, atividades estas diretamente organizadas a partir da estrutura familiar.
Como meio de sobrevivência, a política indigenista de integração, inseriu os
indígenas à economia regional como trabalhadores assalariados, contratados
como mão-de-obra em fazendas agrícolas. Para tanto, nesse período,
destacam-se os programas educacionais instituídos pelo SPI destinados à
produção agrícola6 dos povos indígenas, como meio de integração destes à
economia regional.
Quanto à política de educação escolar, nessa primeira fase, destaca-se
a partir da criação da FUNAI, em 1967, a parceria da instituição com o
Summer Institute of Linguistics (SIL)7 e outras missões evangélicas. Apoiados
pelo órgão indigenista o SIL assumiu a responsabilidade pela educação escolar
indígena até a década de 1980.

5 A política de “pacificação” incluía também alterações no sistema de chefia indígena. Em outros


tempos, a chefia estava ancorada na organização do parentesco. Atualmente, esta passou a ser
exercida pelo cacique, representando politicamente a totalidade das relações internas e externas
da aldeia. Além do cacique, a organização política das aldeias conta com o apoio das lideranças
(diretamente ligadas às chefias familiares).
6 Segundo Ferreira (2001, p. 75), o SPI criou “Clubes Agrícolas”, buscando amenizar a imagem
negativa da escola para os povos indígenas.
7 Organização cristã, norte-americana, voltada aos estudos e pesquisas de línguas, entre elas as
línguas indígenas. A organização tem como objetivo traduzir a Bíblia para essas línguas com o
propósito de evangelizar os mais diferentes povos.

– 156 –
Educação Indígena: políticas públicas, diretos e práticas pedagógicas

Ferreira (2001, p. 77) destaca que FUNAI e missão tinham interesses


bem definidos através dessa parceria. Segundo Ferreira (2001, p. 77), ancorada
no Estatuto do Índio (1973), que obrigava o ensino das línguas indígenas
na escola, assim como, na Convenção de Genebra (1967), que orientava
sobre a proteção dos povos indígenas, a FUNAI através dessa parceria
pretendia garantir o ensino das línguas indígenas na escola e construir uma
política de respeito a sociodiversidade lingüística desses povos, reconhecida,
principalmente, no contexto internacional.
Nesse sentido, com apoio da FUNAI, ou seja, da política oficial
do Estado brasileiro, o SIL investiu na educação escolar bilíngue. Como
método, os alunos indígenas eram alfabetizados em suas línguas indígenas
e, posteriormente, a língua portuguesa era, gradativamente, aprendida.
No entanto, os missionários seguiam os mesmos princípios dos tempos da
colonização: através do conhecimento e domínio das línguas indígenas,
procuravam transmitir os valores da sociedade não indígena8, principalmente,
a conversão às religiões cristãs e a integração econômica dos povos indígenas
(Ferreira, 2001, p. 77).
Ferreira (2001) aponta significativas críticas que recaíram sobre
esse modelo de educação escolar indígena implementada pela FUNAI:
“Conjugando linguística e proselitismo, este modelo educacional colocou-se,
em última análise, a serviço das políticas governamentais de integração dos
povos indígenas à sociedade nacional” (2001, p. 79). E mais, “As escolas,
nesse sentido, eram desconectadas da realidade indígena”, colaborando na
dominação e desrespeito da diversidade sociocultural desses povos (2001,
p. 80-83).
Entretanto, vale lembrar que nesse período, o SIL empreendeu a descrição
linguística, traduziu o evangelho e produziu material pedagógico nas línguas
indígenas. No caso de algumas línguas, este foi o único trabalho linguístico
realizado até o presente momento. Desse modo, embora o material produzido
tenha cunho religioso, muitas escolas indígenas, ainda utilizam as análises
linguísticas, a ortografia e o material pedagógico produzido por este instituto.

8 Como metodologia de ensino, o processo de alfabetização das crianças indígenas era realizado
por professores não indígenas, e os indígenas eram contratados como “monitores bilíngues”, isto é,
serviam apenas como tradutores de uma língua à outra.

– 157 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

Como desdobramento dessa política de civilização e pacificação empre-


endida pelo SPI-FUNAI, atualmente, observa-se que as comunidades e a
escola indígena apresentam variados contextos sociolinguísticos. Primeira-
mente, nos contextos em que se proibia o uso da língua indígena, os alunos
indígenas foram alfabetizados em português. Desse modo, atualmente, domi-
nam a leitura e a escrita nessa língua, porém sentem sérias dificuldades no
domínio das mesmas habilidades em relação à língua indígena. Vale ressaltar
que, nos cenários onde os métodos de imposição dos códigos não indígenas
foram arduamente aplicados, a língua portuguesa passou a ser a primeira lín-
gua de sociabilidade de toda a comunidade indígena. Paradoxalmente, nos
contextos em que o SIL atuou, a língua indígena foi utilizada no processo
de alfabetização escolar. Desse modo, nesses cenários, os alunos indígenas
possuem habilidades na leitura e escrita das línguas indígenas, e encontram
dificuldades com a língua portuguesa.
Além da língua, outros aspectos da cultura dos povos indígenas sofreram
intervenções do SPI-FUNAI e SIL. A política desenvolvida pelos órgãos atin-
giu de sobremaneira sobre o abandono dos rituais, das danças, dos cantos, do
sistema de crenças, na produção do artesanato. Através da política de integra-
ção, a nova relação com o trabalho interferiu, diretamente, na economia de
reciprocidade familiar, característica entre os povos indígenas.
Desses fatos, na concepção não indígena, atualmente, os povos indí-
genas, em alguns contextos, se apresentam bastante desorganizados no que
tange a padrões culturais conceitualmente elaborados como tradicionais. De
fato, atualmente, a diferença entre, indígenas e não indígenas, pode não ser
percebida inicialmente. Por compartilharem e dominarem os conhecimentos,
os valores e os códigos da sociedade não indígena, como a língua portuguesa,
o acesso e uso de recursos materiais, a crença em religiões cristãs, como tam-
bém o grande número de casamentos interétnicos, é comum classificá-los
de mestiços e aculturados, atribuir-lhes interesses segundo os princípios e
lógicas da economia capitalista.
Vale lembrar, como apontado no primeiro artigo desta disciplina, que
as representações historicamente construídas pelos não indígenas, em nada
colaboram para se compreender o contexto contemporâneo das comuni-
dades indígenas, na medida em que acentuam os estereótipos e reforçam
preconceitos. Mais que isso, esses julgamentos etnocêntricos, em nada cola-

– 158 –
Educação Indígena: políticas públicas, diretos e práticas pedagógicas

boram para uma educação escolar que atenda os sujeitos da diversidade.


Inegavelmente, o contato com a sociedade não-indígena alterou os costu-
mes dos povos indígenas. No entanto, a escola tem o papel de superar o
conceito estático de cultura, assim como, os preconceitos, e buscar com-
preender a contemporaneidade dos povos indígenas através da perspectiva
desses povos (SAHLINS, 1997).
É bem verdade que nos discursos dos povos indígenas aparecem também
elaborações quanto as suas “perdas culturais”, como efeito do contato com a
sociedade não indígena. Entre estes, a relação com o passado é marcada pela
perda da língua, dos rituais, dos cantos, da medicina tradicional, da religião,
dos territórios. Como desdobramento desse discurso reivindicam através de
políticas públicas a preservação da sua cultura. No entanto, segundo Albert
(2002), cultura é, também, uma categoria que passa pela ressignificação dos
povos indígenas Observa-se que esta retórica de perda cultural opera em
momentos específicos de política de relações interétnicas, como nos encon-
tros entre as lideranças indígenas, entre organizações indígenas e com repre-
sentantes de instituições do Estado. Nesse espaço político “é preciso falar de
si, trazer seus representantes e mostrar sua cultura” (MOREIRA, 2005, p.
9). Assim, nesse cenário, se elegem os “verdadeiros conhecedores das tradi-
ções”, os modos de representar a “verdadeira indianidade” e a necessidade
de “preservá-la”.
Nesse sentido, se em outros tempos a escola teve papel fundamental na
desestruturação da organização sociocultural indígena, veremos que, atual-
mente, para os povos indígenas essa instituição é apreendida como espaço
de revitalização de tais aspectos. Isto é, a escola tem papel fundamental na
revitalização das línguas, das danças, dos cantos, do artesanato e na produção
agrícola. Impõe-se aí, um grande desafio para não apenas para o Estado, para
os professores e os alunos indígenas.
A segunda fase de políticas e ações educacionais voltadas aos povos
indígenas compreende o contexto de redemocratização do país, isto é,
entre o final dos anos de 1970 e início de 1980. Nesse período a arti-
culação entre organizações não governamentais9 e o movimento indí-

9 Entre as organizações não governamentais destacam-se a Comissão Pró-Índio de São Paulo


(CPI/SP), o Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI), a Associação Nacional

– 159 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

gena defendiam uma educação escolar indígena voltada aos interesses e


ao respeito às especificidades socioculturais desses povos. Nesse cenário,
segundo Ferreira (2001, p. 87) surgiram projetos alternativos e encontros
de educação para índios. Ressalta-se o para, na medida em que, embora as
pautas dos encontros girassem em torno da discussão dos direitos, neces-
sidades e especificidades de cada comunidade, os eventos aconteciam sem
a participação dos indígenas.
De todo modo, esses encontros foram extremamente significativos
para uma mudança nas diretrizes políticas que orientam as ações educa-
cionais voltadas aos povos indígenas, na medida em que impulsionaram a
mobilização indígena, na luta pela garantia legal de seus direitos à diferença.
A terceira fase de políticas públicas educacionais para os povos indíge-
nas está diretamente relacionada a esse contexto de lutas e reivindicações do
movimento indígena, que se iniciou na década de 80. Nesse cenário, o movi-
mento indígena apropriou-se das categorias cultura e etnia10, transformando-
-as em pano de fundo para um conjunto de reivindicações (SAHLINS, 1997,
p.125). Segundo Sahlins (1997), na contemporaneidade o culturalismo dos
povos indígenas, acentuado nos contextos de relações interétnicas, pode ser
compreendido como uma constante reivindicação pelo seu direito à diferença.
Diferenças expressas na continuidade histórica, em suas práticas e organiza-
ção social, no modo como estabelecem suas relações, seja no interior ou com
outros grupos, nas concepções de tradição, na diversidade das relações econô-
micas, religiosas ou com o Estado (SAHLINS, 1997, p. 136).
Os povos indígenas estenderam a defesa de seus direitos e interesses
para além do cotidiano das aldeias, buscando o reconhecimento legal de sua

de Apoio ao Índio (ANAÍ), Centro de Trabalho Indigenista (CTI) e Operação Amazônia Nativa
(OPAN) (FERREIRA, 2001, p. 87).
10 De fato, atualmente, a palavra “cultura” e “etnia” são ouvidas com freqüência no discurso
dos povos indígenas. Note-se, entretanto, que não se pode simplificar o discurso indígena, a
simples reprodução de categorias não-indígenas. De acordo com Albert, “o discurso indígena
das últimas décadas se funda em um duplo enraizamento simbólico: numa auto-objetivação
por meio das categorias brancas da etnificação (“território”, “cultura”, “meio ambiente”) e numa
reelaboração cosmológica dos fatos e efeitos do contato.” (2002, p. 242). Ou seja, há que se
compreender também nesses discursos a reelaboração destas categorias a partir dos esquemas
sociocosmológicos indígenas.

– 160 –
Educação Indígena: políticas públicas, diretos e práticas pedagógicas

diversidade cultural e étnica. Em suas lutas, nesse período, reivindicavam


políticas públicas e ações que, efetivamente, atendessem suas especificidades
socioculturais11 e também garantissem a valorização de sua cultura e o forta-
lecimento de suas identidades étnicas.
Para tanto, a educação escolar tornou-se um importante instrumento polí-
tico dos povos indígenas. Nesse contexto, lideranças indígenas passaram a rei-
vindicar a construção de uma política nacional de educação escolar indígena em
acordo com as especificidades das suas organizações sociais, com o contexto de
cada comunidade, que colabore na construção da autonomia e na valorização de
seu patrimônio cultural, material e imaterial.
Nesse contexto, não apenas no Brasil, mas em todos os continentes o
intenso movimento político das lideranças indígenas, com apoio de diversos
setores da sociedade civil, culminou no reconhecimento legal da diversidade
sociocultural dos povos indígenas. O marco desse reconhecimento foi a pro-
mulgação da Constituição Federal da República de 1988, que garantiu no
Art. 210 que “o ensino fundamental será ministrado em língua portuguesa,
assegurada as comunidades indígenas também a utilização de suas línguas
maternas e processos próprios de aprendizagem”. No Art. 231, “são reconhe-
cidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições,
e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, com-
petindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
No Brasil, a partir da Constituição Federal, promulgada em 1988, um
conjunto de leis, decretos e portarias interministeriais garante aos povos indí-
genas, juridicamente, uma série de direitos em relação aos seus territórios, à
educação diferenciada, atendimento específico de saúde e ao respeito, valori-
zação e salvaguarda de suas especificidades socioculturais.
No sentido de construir um entendimento acerca desse novo momento,
identifico nesse artigo os documentos legais que orientam as políticas públi-
cas nacionais e ações de educação escolar indígena. Esta abordagem é rele-
vante considerando que as ações e políticas devem estar ancoradas nas dire-

11 Nesse período, o movimento indígena, em todo o país, promoveu encontros entre as


lideranças indígenas, que passaram a buscar soluções para a defesa de seus territórios, o
respeito à sociodiversidade linguística e cultural, assistência médica e atendimento escolar
específico e diferenciado.

– 161 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

trizes apresentadas nesses documentos. Como apontado na introdução, os


documentos legais estão voltados ao atendimento escolar no interior das
comunidades indígena. Entretanto, esses documentos, podem ser um hori-
zonte para a reflexão de uma pedagogia que atenda as especificidades esco-
lares desses povos, nos contextos em que estão fora de suas terras indígenas.
Cabe também uma reflexão crítica acerca desses documentos, ou seja, cabe
refletir até que ponto no cotidiano da comunidade está assegurado, efeti-
vamente, a construção de uma educação escolar, que respeita e valoriza a
diversidade sociocultural.
Após a promulgação da Constituição Federal, uma série de leis, decre-
tos e resoluções, passou a regulamentar e garantir aos povos indígenas direi-
tos específicos em relação à educação escolar, na construção de uma escola
intercultural, bilíngue, diferenciada e de qualidade. Entre os documentos12,
destacam-se:
22 O Decreto Presidencial n. 26, de 1991, que transferiu da FUNAI
para o Ministério da Educação a responsabilidade pela coordena-
ção das ações de educação escolar indígena, através das Secretarias
Estaduais ou Municipais de Educação. Além disso, reconheceu a
diversidade sociocultural e linguística dos povos indígenas.
22 Como desdobramento desse decreto, a Portaria Interministerial
MJ/MEC n. 559, também de 1991, garante aos povos indígenas:
22 a educação escolar básica, laica e diferenciada, que respeite e forta-
leça os costumes, tradições, línguas, processos próprios de aprendi-
zagem e as organizações sociais específicas;
22 a educação escolar intercultural, isto é, o acesso aos códigos da
sociedade não indígena;
22 o ensino bilíngue, em português e na língua indígena;

12 Além dos documentos nacionais, há também uma série de documentos internacionais que
garantem direitos específicos para os povos indígenas. Entre eles, a Convenção sobre os Povos
Indígenas – OIT 169, adotada em 1989, a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural
Imaterial, de 2003, a Declaração das Nações Unidas sobre os Povos Indígenas, concluída em 2006,
a Estratégia de Meio Termo, finalizada em 2007 e a Declaração Universal dos Direitos Linguísticos,
de 1996.

– 162 –
Educação Indígena: políticas públicas, diretos e práticas pedagógicas

22 a criação no Ministério da Educação, da Coordenação Nacional


de Educação Indígena;
22 educação escolar com conteúdos curriculares, calendário, metodo-
logias, materiais didáticos, e avaliação adequada à realidade socio-
cultural de cada grupo étnico;
22 educação escolar que respeite ao ciclo de produção econômica e as
manifestações socioculturais das comunidades indígenas;
22 critérios específicos para a formação de professores indígenas e de
profissionais envolvidos nessa modalidade de ensino;
22 escolas indígenas de ensino fundamental no interior das áreas indígenas.
22 A Lei n. 9.394 – Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDBEN), de 1996, assim como a Constituição assegura o direito
do ensino escolar nas línguas maternas e reconhece a pluralidade
de práticas pedagógicas nas escolas indígenas através dos proces-
sos próprios de ensino aprendizagem dos povos indígenas. Além
disso, assegura o direito a uma educação escolar sobretudo valorize
a história, a memória, as línguas, e os conhecimentos dos povos
indígenas na garantia de fortalecer os processos de afirmação de
suas identidades étnicas.
22 O Parecer n. 14 – Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação
Escolar Indígena, de 1999, cria a categoria Escola Indígena no sis-
tema de ensino e define critérios para sua administração. Estabelece
ao Estado13 a oferta da educação escolar indígena, e ao Sistema
Estadual de Ensino a sua criação, autorização, reconhecimento,
credenciamento, supervisão e avaliação em consonância com a
legislação federal. Este documento ressalta a necessidade de regula-
rizar as formas de contratação dos professores indígenas e estabelece
diretrizes para a formação dos professores indígenas.
22 A Resolução n. 03/CEB-CNE, de 1999, reconhece às escolas
indígenas normas e ordenamentos jurídicos próprios, estabe-
lece e reforça o atendimento escolar ofertado por solicitação da

13 Através das Secretarias Municipais ou Estaduais de Ensino.

– 163 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

comunidade, ou com anuência desta. Garante as comunidades


indígenas participação na organização da escola, na definição do
modelo de gestão, calendário escolar diferenciado, projeto polí-
tico-pedagógico próprio, formação específica para os professores
indígenas e atividade docente exercida, prioritariamente, por pro-
fessores indígenas.
22 O Plano Nacional de Educação (PNE), Lei n. 10.172, de 2001
reforça direitos garantidos em documentos anteriores. Além disso,
assegura a autonomia das escolas indígenas, e transporte escolar,
livros didáticos, bibliotecas e merenda que atenda as especificidades
da comunidade escolar indígena. Estabelece a regulamentação nos
sistemas de ensino da criação da categoria Professor Indígena, e a
formação destes em nível superior.
Além desses documentos legais, cabe destacar também a Lei n. 11.645,
de 2008, que estabelece em seu artigo n. 26: “Nos estabelecimentos de Ensino
Fundamental e de Ensino Médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o
estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena”. Com essa lei, o Estado
brasileiro procura desconstruir os estereótipos, e ampliar as reflexões sobre esses
povos nas escolas não indígenas. Desse modo, essa lei visa ampliar a visibili-
dade, garantir o respeito e a valorização dos aspectos referentes a cultura dos
povos indígenas.
Da análise desse conjunto de documentos legais e de garantias de direito,
pode-se afirmar que de fato houve uma mudança significativa nas diretrizes
que orientam as políticas públicas voltadas à educação escolar indígena. Atu-
almente, há também, nacional e internacionalmente, uma preocupação em
garantir a esses povos a continuidade da reprodução de suas especificidades
socioculturais. Ou seja, atualmente todas as políticas e projetos voltados aos
povos indígenas, devem assegurar e respeitar o seu direito à diferença.
Entretanto, apenas a legislação não garante a construção efetiva de uma
educação escolar indígena que atenda os interesses das comunidades. Vale
lembrar que os conceitos em torno do qual se constrói essa legislação educa-
cional, tais como, revitalização cultural, identidade, autonomia, intercultu-
ralidade, etnodesenvolvimento, bilinguismo, específica, é elaborada a partir
de concepções não indígenas. Além disso, no contexto atual, verifica-se que

– 164 –
Educação Indígena: políticas públicas, diretos e práticas pedagógicas

há vários atores envolvidos na política educacional que estão ancorados na


burocracia legal. Por outro lado, há a dinâmica específica das organizações
sociocosmológicas indígenas, onde a legislação e estes conceitos muitas vezes,
encontram significados diferenciados (GALLOIS, 2005). Desse modo, pode-
se afirmar que entre os envolvidos na educação escolar, entre indígenas e não
indígenas, tem-se uma relação marcada por diferentes perspectivas frente a
essas categorias. E, sobretudo, diferentes expectativas frente à educação esco-
lar e à escola.
De todo modo, na perspectiva indígena, como também para os não
indígenas, os a educação escolar passou a ter um papel político fundamental
na construção da autonomia e autodeterminação dos povos indígenas, na
medida em que, legalmente, garantiu-se a participação da comunidade na
organização e gestão da escola indígena. Garantiu-se também a participação
em todas as etapas de construção de políticas e projetos voltados as comuni-
dades indígenas. Mais que isso, com a conquista dos direitos legais, se pode
afirmar que a histórica política oficial de educação escolar para a dominação e
submissão dos povos indígenas, foi superada na medida em que os indígenas
passam a ser os responsáveis pela construção das diretrizes educacionais de
sua própria escola. Entretanto, cabe observar que ainda em muitos contextos,
subvertendo a legislação vigente, inúmeras instituições valem-se da prerro-
gativa de anuência da comunidade para desenvolver ações e políticas apenas
através da “consulta” as aldeias.

8.3 A educação escolar indígena em


escolas não indígenas: propostas
de práticas pedagógicas
Como apontado acima, na Portaria Interministerial MJ/MEC n. 559, de
1991, a obrigatoriedade de oferta de educação escolar para os povos indígena
recai sobre o Estado brasileiro, mais precisamente, das Secretarias Estaduais
de Educação. Esta Portaria garante também, a oferta de ensino fundamental
no interior das Terras Indígenas. No entanto, observa-se que grande parte das
escolas indígenas brasileiras, o atendimento escolar está limitado às séries ini-
ciais do ensino fundamental. Desse modo, para dar continuidade aos estudos,

– 165 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

os alunos indígenas, precisam se deslocar para escolas fora de suas terras, isto
é, complementam seus estudos em escolas não indígenas14.
Entretanto, segundo Both, se a escola não indígena, reproduzir um
modelo de educação monoculturalista, corre-se o risco de os alunos indígenas
não se reconhecerem nelas (2009, p. 99). Segundo Silva e Grupioni, a edu-
cação escolar deve colaborar na “[...] afirmação da possibilidade e análise das
condições necessárias para o convívio construtivo entre segmentos diferencia-
dos da população brasileira, visto como processo marcado pelo conhecimento
mútuo, pela aceitação das diferenças, pelo diálogo” (2004, p. 15).
Desse modo, os professores e as escolas não indígenas, devem estar pre-
parados para construir conhecimentos críticos acerca diversidade sociocul-
tural e linguística que permeia o cotidiano da escola, assim como, da socie-
dade brasileira:
O papel do professor é encarado na escola como o ator que
direciona e conduz o processo de ensino, domina o conte-
údo, contribui para que o estudante supere o universo do
sendo comum. Essa visão, como se pode perceber, associa-se
a pedagogia histórico-crítica ou pedagogia crítico-social dos
conteúdos (SILVA, 1999, p. 86 apud BOTH, 2009, p. 99).

Como apontado no primeiro artigo, primeiramente, cabe aos professo-


res buscar informações acerca desse contexto de diversidade, elaborar con-
ceitos científicos acerca desses aspectos e nesse sentido construir uma prática
pedagógica voltada a inclusão dos alunos indígena. Ressaltando novamente,
sobre os povos indígenas vale refletir sobre:
Qual o contexto sociolinguístico em que estão inseridos? Ou seja, o
português é a primeira ou segunda língua de sociabilidade utilizada pela
comunidade? Dessa informação se compreende as diferentes dificuldades que
os alunos indígenas apresentam, ou não, frente aos seus processos de alfabeti-
zação, escrita e leitura na língua portuguesa.
Quais os significados que adquirem em suas comunidades a língua indí-
gena? Segundo relatos dos povos indígenas, observa-se que em muitos con-
textos, os alunos indígenas, quando fora de suas terras, são proibidos de se

14 Cresce também, cotidianamente, o número de indígenas desaldeados, vivendo em ambientes


urbanos e que, inevitavelmente, frequentam as escolas não indígenas.

– 166 –
Educação Indígena: políticas públicas, diretos e práticas pedagógicas

expressarem em suas línguas. Como vimos anteriormente, através da língua


os povos indígenas expressam e constroem elementos de identidade coletiva.
Desse modo, a escola deve respeitar a comunicação entre os alunos indígenas
em suas línguas.
] Nos sistemas de crenças dos povos indígenas estão expressos os valo-
res, códigos e a visão de mundo, transmitidos pela comunidade aos alunos
indígenas. Os tabus (alimentares, na primeira mestruação, nascimento das
crianças, antes da caça, etc.) e rituais fazem parte do cotidiano. Os rituais
estabelecem importantes momentos de passagem e nos permite entender as
diferentes fases da vida em que se encontram os alunos. Segundo Silva (2002,
p. 21), “O estudo das categorias de idade socialmente definidas, das etapas do
ciclo de vida e do processo de aprendizado e formação da pessoa continua útil
como via de acesso à compreensão da categoria “criança” e seu lugar e sentido
em contextos socioculturais específicos”. Os povos indígenas, geralmente,
casam-se e tem filhos muito cedo e esses rituais marcam a entrada na fase
adulta. Esse conjunto de crenças, tabus e rituais estão presentes nas escolas
marcando, as relações sociais com a sociedade não indígena e, sobretudo, na
frequência e permanência dos alunos.
Como organizam sua sociedade? Importante saber também, qual o
espaço que os alunos indígenas ocupam nessa comunidade. Em quais rela-
ções hierárquicas, políticas e quais os recursos que estes possuem. Em muitos
casos, o acesso a educação escolar é um importante recurso na construção de
futuras lideranças políticas.
Como produzem seus alimentos, quais os seus meios de subsistência? Os
povos indígenas estabelecem diferentes relações com a produção de alimentos
e com a alimentação, marcada constantemente, pelos tabus e rituais religiosos.
Nesse sentido, cabe pode-se compreender as relações que estabelecem com a
merenda da escola. Em muitos contextos, as crianças participam ativamente da
produção econômica. Desse modo, deve-se observar a frequência dos alunos,
na medida em que, podem se afastar por longos períodos.
Qual o significado da educação escolar para as comunidades indígenas?
Diferentemente da educação escolar não indígena, para os povos indígenas a

– 167 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

educação escolar assume um caráter coletivo. Nesses contextos, os saberes da


escola servem de instrumento a toda comunidade.
De que maneira, em que momentos e por quem são transmitidos os
conhecimentos? Ou seja, quais os métodos de ensino aprendizagem mais
valorizados nas sociedades indígenas? Como vimos anteriormente, a trans-
missão de conhecimentos entre os povos indígenas adquire momentos e
métodos específicos. Nessas sociedades, o aprendizado através das narrativas
mitológicas e da oralidade ocupa um espaço central. Mais que isso, os povos
indígenas constituem-se como sociedades ágrafas. Desse modo, se pode com-
preender não apenas as dificuldades encontradas com a escrita, mas também,
quais os sentidos que imprimem quando registram suas próprias histórias.
Dessas reflexões pode-se apontar os desafios enfrentados pelos professo-
res, pela escola e também pelos alunos indígenas em contextos escolares fora
de suas terras. Dentre as principais dificuldades dos alunos indígenas, destaca-
-se o domínio da língua portuguesa, da escrita e concepções da matemática.
Além disso, como visto anteriormente, os povos indígenas possuem diferentes
concepções acerca de sua história. Mais que isso, entre os povos indígenas,
os conhecimentos e saberes não estão compartimentados, hierarquizados ou
organizados em disciplinas. Nas narrativas mitológicas desses povos estão con-
ceitualmente elaborados, conhecimentos que a sociedade não indígena cos-
tuma classificar como botânica, matemática, ciências, medicina, mas também
concepções de chefia, hierarquia e sistemas de crenças.
A escola deve dar também especial atenção ao sistema de avaliação dos
alunos indígenas. Deve-se evitar a constante oposição estabelecida na ava-
liação escolar e consolidada na perspectiva ocidental, de sucesso e fracasso.
Buscando superar essa dicotomia, a avaliação dos alunos indígenas, deve ser
contínua, no dia a dia, valorizando seu rendimento em todos os momentos
(BOTH, 2009). Sobretudo, a escola deve valorizar a expressão oral dos alunos
indígenas, considerando que este é o método de transmissão de conhecimen-
tos mais valorizado nas comunidades.
Para os professores e a escola não indígena, há o desafio de construir
coletivamente uma proposta pedagógica que inclua os sujeitos da diversidade,
no sentido de superar os séculos de exclusão. Para tanto, a legislação nos
aponta alguns horizontes.

– 168 –
Educação Indígena: políticas públicas, diretos e práticas pedagógicas

Assim como nas escolas indígenas, a escola não indígena deve incluir
na proposta pedagógica a interculturalidade. Ou seja, os conhecimentos e
saberes dos alunos indígenas devem permear os conteúdos e o cotidiano da
escola com o mesmo status de igualdade que os conhecimentos não indíge-
nas. Em outras palavras, há que se valorizar em sala de aula, as contribuições
e os conhecimentos dos alunos indígenas, ou seja, os mitos, as histórias, a
botânica, a geografia, o artesanato e a matemática indígena. Outro impor-
tante recurso destacar as contribuições e a influência dos povos indígenas na
formação da cultura brasileira.
Ainda em relação as escolas indígenas, Tassinari (2001, p. 67-68) elabora
conceitualmente, a definição de escola de “fronteira”:
[...] enquanto “fronteira” é extremamente útil por englo-
bar tanto o reconhecimento das possibilidades de troca e
intercâmbio de conhecimentos e fluxo de pessoal quanto o
entendimento de situações de interdição dessa troca. Porém,
essas interdições não constituem meras barreiras estáveis, mas
funcionam também de forma dinâmica, fornecendo material
que vem reforçar diferenças ou manter distinções étnicas. É
por meio dessas zonas proibidas de diálogo que valores ou
critérios de distinção entre os povos em contato são criados
ou repensados. Falando concretamente, são esses limites que
reforçam preconceitos de ambos os lados. Do ponto de vista
da atuação prática nas escolas, o reconhecimentos dos limites
e das “zonas interditadas” é um primeiro passo para redirecio-
nar a atuação, e somente uma avaliação de cada caso poderá
decidir o que fazer: se é possível superar essas barreiras ou se
é o caso simplesmente de procurar contorná-las, ou de buscar
outras alternativas”.

É nesse sentido, através das trocas entre diferentes culturas e da consci-


ência de seus limites, que a escola não indígena pode construir um constante
diálogo entre os diferentes sujeitos que compõem o cenário escolar.

Síntese
No Brasil, desde o início da colonização e posteriormente, com a cria-
ção do Serviço de Proteção ao Índio, em 1910, a cultura dos povos indíge-
nas foi desvalorizada no processo de construção da identidade e da história

– 169 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

da nação brasileira. Durante esse período, o respeito, a valorização e salva-


guarda das especificidades socioculturais desses povos não eram objeto de
interesse do Estado brasileiro. Ao contrário, com políticas de civilização,
pacificação e integração, as ações voltaram-se no sentido de negar e destruir
a diversidade cultural. Para tanto, a educação escolar contribuiu, significati-
vamente, na consolidação desse processo. Através do ensino na língua por-
tuguesa, ou nas línguas indígenas, transmitiram-se os valores e os códigos
da sociedade não indígena. Entre eles, os valores da economia de mercado
e a conversão às religiões cristãs.
Entretanto, uma mudança significativa nas diretrizes e políticas, volta-
das ao respeito e valorização do patrimônio cultural indígena teve inicio no
final dos anos de 1970. Nesse período, cabe destacar a revisão no conceito
de cultura, que passou a orientar os trabalhos de etnologia brasileira, através
do pressuposto desenvolvido por Sahlins (1997) no qual define cultura como
uma dinâmica de construção simbólica, historicamente negociada pelos ato-
res de uma sociedade.
Mais que isso, cabe destacar também a autoconsciência cultural dos
povos indígenas, que passaram a ressignificar as categorias cultura e etnia,
como bandeira em nome de sua autodeterminação, lutas e reivindicações
em busca do reconhecimento legal da diferença. Nesse contexto, o protago-
nismo do movimento indígena, voltou-se para reivindicações de ações, polí-
ticas públicas e projetos que efetivamente atendessem suas especificidades.
Destaca-se como reivindicação, a construção de uma política de atendimento
escolar, específica e diferenciada que reconhece, valoriza e mantém a diversi-
dade sociocultural e linguística.
Como desdobramento desse contexto, consolidou-se a garantia jurí-
dica de valorização e salvaguarda de sua diversidade cultural. A partir da
Constituição Federal de 1988, um conjunto de instrumentos legais garante
que ações e políticas, voltadas aos povos indígenas, sejam desenvolvidas no
sentido de respeitar, valorizar e reafirmar suas especificidades socioculturais.
Desse modo, modificam-se as relações e negociações entre os povos indíge-
nas e o Estado brasileiro, como também, com não indígenas envolvidos nos
projetos (PASSOS, 2007).
Nota-se que as relações entre estes são permeadas por diferentes con-
cepções, em torno de economia, natureza, tradição, cultura, educação,

– 170 –
Educação Indígena: políticas públicas, diretos e práticas pedagógicas

saúde e autonomia indígena. Em outros termos, é entre economia do dom


e de mercado, estrutura e história, “tradição” e modernidade que estão
envolvidas as negociações e as relações entre o Estado e a educação escolar
indígena. Desse modo, embora os povos indígenas tenham conquistado
importantes direitos legais, há inúmeras contradições entre a burocracia
legal, estatal e ambiental e a lógica da organização sóciocosmológica ame-
ríndia. Nesse sentido, a escola abre a possibilidade de compreender as rela-
ções e as diferentes lógicas que orientam os projetos e anseios das comuni-
dades indígenas.
A partir desse contexto, rompe-se também com a histórica educação
escolar para os povos indígenas. Estes a partir de então, passam a participar
de todo o processo de implementação de políticas públicas. Para os povos
indígenas, a educação escolar, também ressignificada na contemporaneidade,
transforma-se num poderoso instrumento político, através do qual adquirem
conhecimentos importantes, para suas lutas, reivindicações, sobretudo, nos
contextos de relações interétnicas com o Estado brasileiro.
Embora a legislação educacional garanta direitos específicos às escolas
inseridas no interior das Terras Indígenas, as escolas não indígenas, que rece-
bem alunos indígenas também precisam refletir sobre seu contexto de diver-
sidade. Cabe reforçar que, como garantido na Portaria Interministerial MJ/
MEC n. 559, de 1991, os professores não indígenas que recebem alunos
indígenas, também tem assegurado o direito de formação específica, ofertado
pelo Estado.
Buscando superar uma educação monoculturalista, que exclui os dife-
rentes sujeitos da diversidade, as escolas não indígenas, devem construir,
coletivamente com estes, uma educação escolar em diálogo com seus valores
e códigos sociais. E mais, seus conhecimentos e saberes devem fazer parte
do cotidiano de suas práticas escolares. Nesse sentido, a interculturalidade,
torna-se uma proposta interessante. Através das trocas entre diferentes cultu-
ras, sem desconsiderar seus limites, desafios e a reflexão crítica, a escola não
indígena pode construir um constante diálogo entre os diferentes sujeitos que
compõem o cenário escolar.

– 171 –
9
Cidadania, direitos
humanos e o direito
à educação
Ana Cristina Gipiela Pienta

O direito à educação está intrinsecamente ligado à mate-


rialização dos direitos de cidadania próprios do Estado moderno
e encontra na legislação um poderoso instrumento para sua con-
solidação. Cabe lembrar que a aprovação do texto legal é elemento
importante, mas não suficiente para a realização do direito. Assim,
além da legislação, é fundamental a ação da população com vistas à
efetivação dos dispositivos legais.
No caso brasileiro, o direito à educação está disposto na
Constituição Federal de 1988 e em suas emendas. Contudo, não é
possível imaginar que exista uma relação direta e linear entre a lei e
a realidade. Portanto, a reflexão sobre a educação como um direito
social exige, necessariamente, o estudo de sua origem histórica, da
legislação atual, dos princípios que a caracterizam enquanto tal e
dos aspectos da realidade que a tornam mais ou menos efetiva.
História, Filosofia e Sociologia da Educação

9.1 Concepção de cidadania: elementos para


uma retrospectiva histórica
O termo cidadania foi construído ao longo da história da humanidade,
sua origem remonta à civilização grega e seu significado assumiu distintos
sentidos em diferentes tempos e sociedades. Como já vimos no capítulo
1 deste livro, na Antiguidade Grega era considerado cidadão o homem,
adulto, livre e proprietário, que tinha o direito de participar da vida política
da polis. Assim, o nascimento da ideia de cidadania é acompanhado da
criação do espaço público na perspectiva de existência de uma esfera de vida
comum aos cidadãos.
Cury (2007, p. 37) ressalta que a polis se caracterizava “como a
comunidade de pessoas, livres e iguais, politicamente organizadas, capazes
de decidir na agora11 os destinos da comunidade.” Dessa forma, pode
se compreender que o cidadão é o indivíduo que possui o direito de
exercer a cidadania e, portanto, participar das decisões políticas tomadas
coletivamente e em nome de toda a comunidade. Cabe lembrar que essa
classificação excluía as mulheres, crianças, escravos e estrangeiros, tornando
a cidadania um direito de poucos. Para Bendix (1996, p. 110), “à parte
algumas exceções notáveis, a cidadania a princípio exclui todas as pessoas
social e economicamente dependentes”.
O espaço público, da polis, se contrapõe ao espaço privado, da família,
e se materializa como espaço de liberdade, contrapondo-se à dimensão de
necessidade que caracteriza a ação familiar, como explica Arendt (2007), já
citada no capítulo 1. A liberdade, naquele momento histórico, se definia pela
possibilidade de participação nos processos decisórios que envolviam a vida
política da comunidade.
Vale lembrar que essa concepção de liberdade é muito distinta do conceito
atualmente disseminado, pois hoje a ideia de liberdade está intimamente
relacionada aos direitos individuais de ir e vir, manifestação de opiniões,
credo religioso, propriedade. É possível verificar, assim, uma transposição do
conceito de liberdade da esfera pública para a esfera privada.
1 A agora era um espaço para o encontro dos cidadãos, onde eram tomadas as decisões relacio-
nadas à vida pública. Também pode ser entendida como um espaço propício para a circulação
de pessoas e mercadorias, como uma praça.

– 174 –
Cidadania, direitos humanos e o direito à educação

A polis diferenciava se da família pelo fato de somente conhecer «iguais»,


ao passo que a família era o centro da mais severa desigualdade. Ser livre
significava ao mesmo tempo não estar sujeito às necessidades da vida
nem ao comando de outro e também não comandar. Não significava
domínio, como também não significava submissão. Assim, dentro da
esfera da família, a liberdade não existia, pois o chefe da família, seu
dominante, só era considerado livre na medida em que tinha a facul-
dade de deixar o lar e ingressar na esfera política, onde todos eram
iguais (ARENDT, 2007, p. 41 42).

Além de se situar unicamente na esfera pública, a liberdade estava


associada também à definição de igualdade, pois dependia da compreensão de
cada cidadão como um indivíduo com igual poder de intervenção e decisão
em relação aos demais. A liberdade, nessa perspectiva, é, em certa medida,
condicionada pela esfera pública e pela relação estabelecida com os outros
homens considerados igualmente livres.
O Império Romano contribuiu para a disseminação desses princípios, mas
o fez de forma a estabelecer uma distinção entre cidadania e liberdade. Em casos
de crime e condenação, o indivíduo poderia perder o direito à cidadania, à
participação nas decisões políticas, sem perder o direito à liberdade. O direito à
liberdade também poderia ser reduzido, chegando, no limite, à determinação de
redução do cidadão a escravo 2 . Dessa forma, cidadania e liberdade tornaram- se
objeto de concessão ou cassação, dependendo da situação.
O período medieval, que se construiu a partir da queda do Império
Romano33 , caracterizou-se pela supressão da esfera pública e concentração
de todas as questões concernentes à vida no espaço privado da família. As
famílias, regidas pelos senhores feudais, passaram a ter grande poder sobre
as decisões que impactavam a vida da população, sem que os indivíduos
pudessem expressar seus interesses e opiniões.
A transferência de todas as atividades humanas para a esfera privada
e o ajustamento de todas as relações humanas segundo o molde
familiar teve profundas repercussões [...]. O conceito medieval de
«bem comum», longe de indicar a existência de uma esfera política,
reconhecia apenas que os indivíduos privados têm interesses materiais
e espirituais em comum, e só podem conservar sua privatividade e

2 Para conhecer mais sobre esse processo, ver Cury (2007) e Bovero (2002).
3 Ver análises construídas no capítulo 1 desta obra.

– 175 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

cuidar de seus pró­prios negócios quando um deles se encarrega de zelar


por esses interesses comuns. O que distingue da realidade moderna
esta atitude essencialmente cristã em relação à política não é tanto o
reconhecimento de um «bem comum» quanto a exclusividade da esfera
privada e a ausência daquela esfera curiosamente híbrida que chamamos
de «sociedade», na qual os interesses privados assumem importância
pública (ARENDT, 2007, p. 44 45).

Assim, é possível afirmar que, na Idade Média, os servos são


condicionados, desde a infância, à ideia de serem comandados à imagem
da hierarquia e ao aspecto da obediência. É importante lembrar que todo
o direito medieval está baseado na hereditariedade. Nos países onde reina a
desigualdade permanente de condições e oportunidades, os senhores obtêm
de seus serviçais uma obediência pronta, completa, respeitosa e fácil. Os
trabalhadores ocupam uma posição subordinada, da qual eles não podem sair.

O processo de modernização da sociedade tem início justamente
com o fim da era medieval, a disseminação dos ideais iluministas,
a constituição do Estado nação e fortalecimento de sua soberania,
a retomada da importância da esfera pública, o estabelecimento
de direitos e deveres concernentes a todas as pessoas adultas
consideradas cidadãs. Ao mesmo tempo, a consolidação do
modo de produção capitalista, a urbanização e a industrialização
também foram determinantes para a modernização, além da
substituição do direito hereditário pelo contrato social.
A grande novidade trazida pela modernidade será o
reconhecimento do ser humano como portador de determinados
direitos inalienáveis: os direitos do homem. [...] A modernidade
acaba por se marcar pela ideia de direitos universais do
homem e cuja essência igualitária na vida e na liberdade deve
ser reconhecida pelo direito positivo (CURY, 2007, p. 41).

Assim, considera se que os direitos do homem, estabelecidos


inicialmente e defendidos pela Declaração de 1789, no coração da Revolução

– 176 –
Cidadania, direitos humanos e o direito à educação

Francesa, antecedem e anunciam os direitos de cidadania. Considerá-los


como inalienáveis indica a aceitação da igualdade irrestrita entre os seres
humanos, superando a visão de mundo sectária do período medieval. Essa
nova concepção proclama a construção de um mundo mais cosmopolita, no
sentido da integração e inclusão dos diferentes.
No entanto, esse processo de transformação social não se dá de maneira
uniforme e, tampouco, concomitante em todos os países. Com a intenção
de conhecer as diferenças entre os processos de modernização da sociedade
europeia e norte americana, Alexis de Tocqueville (1840) percebe que
nas sociedades aristocráticas, identificadas como as europeias, os homens
se comunicam muito pouco com os demais, o que fortalece as relações
hierárquicas. Já nas sociedades democráticas, como a norte americana,
essa situação se modifica, pois, embora continuem existindo privilégios, a
possibilidade de conquistá-los e a mobilidade entre os grupos sociais criam
uma proximidade entre os indivíduos que compõem a sociedade.
Essa possibilidade de mobilidade social e de conquistar privilégios pode
ser compreendida como consequência da consolidação e ampliação dos
direitos e deveres a todos os cidadãos, que passam a estabelecer uma relação
mais direta com o Estado e se tornam legalmente iguais perante o soberano. A
análise da transformação da sociedade medieval e sua estrutura política rumo
à sociedade com a estrutura política moderna indica a existência de
[...] tendências simultâneas à igualdade e a uma autoridade
governamental de âmbito nacional. A constituição de um Estado nação
moderno é tipicamente a origem dos direitos de cidadania, e esses
direitos são um símbolo da igualdade de âmbito nacional (BENDIX,
1996, p. 135).

Portanto, não é possível analisar a construção da cidadania isolada do


princípio de igualdade, visto que, na sua origem, os direitos de cidadania são
estabelecidos a partir da definição de direitos iguais perante a lei. É importante
salientar a diferença entre igualdade formal, definida pela legislação, e
igualdade real, construída nas relações sociais, pois não há uma transposição
direta e linear dos dispositivos legais para a realidade.
Outra contradição presente nesse processo é a concomitância entre
igualdade legal e desigualdade social e econômica. O dilema entre essas duas
dimensões acompanhou os debates e o processo de constituição das nações

– 177 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

durante todo o século XIX. Verifica se que “a igualdade formal perante a lei
beneficia a princípio apenas aqueles cuja independência social e econômica os
habilita a tirar proveito de seus direitos legais [...]” (BENDIX, 1996, p. 135),
deixando a classe trabalhadora em situação de maior precariedade de vida do
que os servos medievais. A igualdade legalmente estabelecida pelos princípios
de cidadania se desenvolve ao mesmo tempo em que as desigualdades de
classe se fortalecem.
No processo de formação de cada Estado nação é possível identificar
movimentos dos diferentes grupos e classes sociais no sentido de reivindicar,
pressionar, negociar com os demais a extensão dos direitos para além das
classes privilegiadas. Nessa dinâmica, percebe-se a importância do direito de
associação (sindical, por exemplo) e de educação formal como fundamentais
para a entrada da classe trabalhadora na política nacional. Trataremos da
questão da educação mais à frente, mas é importante ressaltar que
Esses direitos são também um produto dos processos sociais levados
adiante pelos segmentos da classe trabalhadora, que viram nele um
meio de participação na vida econômica, social e política. Algumas ten-
dências afirmam a educação como um momento de reforma social em
cujo horizonte estaria a sociedade socialista. Para outras tendências, a
educação, própria da classe operária e conduzida por ela, indicava uma
contestação da sociedade capitalista e antecipação da nova sociedade.

A história da classe trabalhadora, contada por vários historiadores como


E. P. Thompson ou Eric Hobsbawn, aponta que a educação se apresentava
como uma bandeira de luta de vários partidos, movimentos radicais populares
e de vários programas políticos de governo (CURY, 2002, p. 253).
Para compreender o avanço possibilitado pelos direitos de cidadania, é
preciso reconhecer os movimentos criados pela ampliação dos direitos civis,
políticos e sociais, como distinções dos direitos de cidadania. Entre os direitos
civis, Marshall (1967) destaca a liberdade pessoal, de fala, pensamento e
crenças, o direito à propriedade e à justiça. Entre os direitos políticos, o autor
enuncia o voto e o emprego em serviço público; e entre os direitos sociais
estão o bem estar, a segurança, o direito a uma vida civilizada e o acesso à
herança social.
Marshall (1967) procura identificar a evolução histórica dessas três
dimensões da cidadania, concluindo que o século XVIII propiciou o

– 178 –
Cidadania, direitos humanos e o direito à educação

desenvolvimento dos direitos civis; o século XIX foi palco do estabelecimento


de direitos políticos; e o século XX possibilitou a extensão da cidadania para
a dimensão social. Ainda que a tipologia criada por Marshall date de meados
do século XX, continua atual e quase unanimemente aceita entre os teóricos
da área. Uma das críticas a essa teorização reside na característica evolutiva
do pensamento apresentado, que indica a existência de etapas sequenciais na
consolidação de cada uma dessas três dimensões.
Nessa perspectiva, a radicalização da cidadania implica necessariamente
na garantia e universalização dos direitos humanos, ou seja, na compreensão
de cada ser humano em particular como um sujeito de direitos que não
podem lhe ser subtraídos. O consenso construído em torno da defesa dos
direitos humanos ultrapassa os limites e as fronteiras de cada Estado nação,
assumindo uma feição universal e generalizada.

Sugestão de Leitura
BOBBIO, N. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

Assim, os direitos humanos se constituem como um horizonte a ser


alcançado na construção da convivência humana. Para Cury (2007, p. 43), “esse
conceito continua sendo o patamar mais fundo pelo qual se combatem todas as
formas e modalidades de discriminação, inclusive de pertença étnica e, por ele,
pode se, então, assegurar o direito à diferença”. Desse ponto de vista, a garantia
universal dos direitos do homem poderia se manifestar como uma possibilidade
de superação das desigualdades, com vistas ao respeito às diferenças.
O autor indica, ainda, que compreende os direitos humanos como
direitos universais e os direitos de cidadania como particulares, pois esses
são vinculados ao Estado nação de origem de cada indivíduo. Se cada Estado
nação possui uma trajetória de desenvolvimento econômico, cultural, político
e social que lhe é peculiar, possuirá também uma história própria no processo
de definição dos direitos de cidadania.
Porém, não é possível pensar a cidadania apenas como condição legal,
como o conjunto de leis de determinado país que dispõe sobre os direitos

– 179 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

dos cidadãos, pois à legislação devem corresponder ações efetivas para a


garantia de realização desses direitos na prática cotidiana dos indivíduos. É
essa materialização dos direitos em políticas que se realizam e atendem às
demandas da população que confere concretude e realidade à cidadania.
Cabe lembrar que a própria legislação reflete o avanço e o amadurecimento
político da sociedade, ao mesmo tempo em que abre caminhos para novos
avanços, em um movimento contínuo de transposição de barreiras, avanços,
retrocessos e disputas entre grupos sociais com interesses antagônicos. O
processo de tramitação da legislação também encerra grandes disputas e
dissensos, o que exige a construção de consensos possíveis para sua aprovação.
Outra forma de compreender a cidadania, além de sua definição como
condição legal, é tomá la como atividade desejável, como um exercício ético,
fundamentado em valores emancipatórios. Gentili (2000, p. 147) defende
essa compreensão assinalando a importância de entender que “a cidadania se
constrói socialmente como um espaço de valores, de ações e de instituições
comuns que integram os indivíduos, permitindo seu mútuo reconhecimento
como membros de uma comunidade”.
Cabe ressaltar que a definição legal é imprescindível para a garantia dos
direitos de cidadania em suas diferentes dimensões, mas não é suficiente.
Como ensina Oliveira (2001), já possuímos uma legislação que defende os
direitos civis, políticos e sociais, então precisamos de pessoas que lutem para
a efetivação desses direitos, ou seja, para transformar a lei em ação prática.

9.2 Educação como direito de cidadania


A educação pode ser compreendida como um dos direitos sociais
fundamentais para a conquista da cidadania, por vários motivos, mas talvez
o mais importante seja a constatação de que o acesso à educação é, muitas
vezes, condição para o acesso a outros direitos sociais, civis e políticos. Essa
relevância da escolaridade se manifesta nas possibilidades de compreensão e
atuação sobre a realidade a partir das oportunidades construídas por meio do
acesso à leitura e à escrita, aos rudimentos das ciências sociais e naturais, às
diferentes linguagens, a visões abrangentes do mundo que nos cerca.
Historicamente, nas sociedades ocidentais, ao mesmo tempo em
que a escolarização se configura como direito se estabelece também como

– 180 –
Cidadania, direitos humanos e o direito à educação

dever. Assim, podemos afirmar que o direito à educação não pode ser
isolado do dever de frequentar a escola. Isso nos leva a compreender,
por um lado, o papel do Poder Público na oferta de escolarização para a
população44 e, por outro, o papel das famílias na garantia de frequência e
permanência das crianças e adolescentes em idade escolar em instituições
de educação e ensino.
A Constituição Imperial brasileira, aprovada em 1824, foi uma das
primeiras no mundo a estabelecer o direito à educação para toda a população5 ,
determinando em seu Art. 179 (BRASIL, 1824):
Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos
Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança
individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do
Imperio, pela maneira seguinte.
[...] ddddd
XXXII. A Instrucção primaria, e gratuita a todos os Cidadãos.

É preciso distinguir o texto legal da realização do direito à instrução


primária, pois, apesar de instituir a sua gratuidade, não houve uma política
que tornasse o dispositivo legal verdadeiramente efetivo. A educação inicial
da população ficava a cargo das províncias, que possuíam poucos recursos e
interesses para investir em escolarização.
Ainda que as constituições seguintes tenham apresentado avanços
e retrocessos em relação à definição do direito formal à educação, cabe
ressaltar que o Brasil iniciou o século XX com 65,3% da população
analfabeta, sem qualquer direito à instrução. O analfabetismo tornou
se uma preocupação das políticas públicas nacionais com o processo de
consolidação da República e da democracia. Não podemos esquecer que
o país teve dois longos períodos de ditadura durante o século XX e que
esses períodos omitiram, sobretudo, os direitos políticos da população, mas
mesmo os governos de exceção não conseguiram reduzir a importância da
educação como direito social.

4 No Brasil, com a aprovação da Emenda Constitucional n. 59/2009, a educação básica passou


a ser obrigatória dos 4 aos 17 anos de idade.
5 A esse respeito, é interessante verificar as análises sobre a Constituição mexicana, de 1917, e
a Constituição de Weimar, de 1919.

– 181 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

O século XX, no Brasil, concentra as principais ações e políticas para a


democratização do acesso à educação. Para a reflexão sobre os movimentos
que levaram à expansão do tempo de obrigatoriedade de ensino brasileiro,
Bruel (2010) apresenta um quadro com as alterações na legislação que trata
do ensino fundamental durante o período republicano, de 1891 até 2009.
Quadro O ensino fundamental na legislação brasileira no período republicano.
Disposição Conteúdo da legislação em relação à
Ano
legal obrigatoriedade e gratuidade
1891 CF Laicidade do ensino ministrado nos estabelecimentos públicos.
Ensino primário integral gratuito e de frequência obrigatória.
1934 CF216 Tendência à gratuidade do ensino ulterior ao primário.
Ensino primário obrigatório. Garantia de gratuidade apenas
1937 CF aos que alegam “escassez de recursos”. Contribuição
mensal dos estudantes para a “caixa escolar”.
Ensino primário obrigatório, ministrado na língua nacional
1946 CF e gratuito para todos. Ensino ulterior ao primário gratuito
aos que comprovam insuficiência de recursos.
Ensino primário com, no mínimo, quatro séries anuais de
LDB duração, podendo ser estendido para seis séries pelos sistemas
1961 de ensino, obrigatório a partir dos sete anos de idade. Isenção
n. 4.024 aos que comprovam estado de pobreza, quando houver
insuficiência de escolas ou a criança apresentar doença grave.
Ensino primário obrigatório para todos, dos 7 aos 14 anos, e
gratuito nas escolas oficiais. Ensino ulterior ao primário gratuito
1967 CF aos que comprovam insuficiência de recursos. Substituição
da gratuidade por distribuição de bolsas de estudos.
Ensino de 1° grau com oito anos de duração, obrigatório e
Lei gratuito dos 7 aos 14 anos de idade. Gratuidade nos níveis
1971 ulteriores para os que provam insuficiência de recursos
n. 5.692
e não tenham repetido mais de um ano letivo.
Ensino fundamental obrigatório e gratuito até para os
1988 CF que não tiveram acesso na idade própria. Gratuidade
do ensino público em estabelecimentos oficiais.
Ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada a
1996 EC n. 14 gratuidade para os que não tiveram acesso na idade própria.
6 Constituição Federal

– 182 –
Cidadania, direitos humanos e o direito à educação

Disposição Conteúdo da legislação em relação à


Ano
legal obrigatoriedade e gratuidade
LDB Ensino fundamental obrigatório e gratuito até para os que não tiveram
1996 acesso na idade própria, com, no mínimo, oito anos de duração.
n. 9.394 Gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais.
Lei Altera a LDB n. 9.394/96, estabelecendo o ensino
2006 fundamental com nove anos de duração, obrigatório e
n. 11.274 gratuito na escola pública, a partir dos seis anos de idade.
Educação básica obrigatória e gratuita dos 4 aos 17 anos de idade,
2009 EC n. 59 assegurada a gratuidade para os que não tiveram acesso na idade própria.
Fonte: Bruel (2010, p. 154 155).
Analisando o quadro pode se perceber que a primeira legislação a estabelecer
um tempo mínimo de obrigatoriedade de frequência, relacionada ao ensino
primário, foi a Constituição Federal de 1934, 110 anos depois da Constituição
Imperial, que estabeleceu a gratuidade da instrução primária. Verifica se,
portanto, que os princípios de gratuidade e obrigatoriedade não se estabelecem
de forma concomitante na história de expansão da educação brasileira.
Cabe ressaltar que as constituições aprovadas nos períodos ditatoriais,
em 1937 e 1967, não primavam pela manutenção da gratuidade do ensino,
garantindo a apenas aos alunos que alegassem escassez de recursos (CF de
1937, aprovada durante o Estado Novo) ou, então, transformando-a em
bolsas de estudo (CF de 1967, aprovada durante a ditadura militar). A exceção
está na Lei n. 5.692/71, aprovada em plena ditadura, que define a extensão
do período de obrigatoriedade para oito anos e flexibiliza a gratuidade apenas
aos níveis posteriores ao obrigatório.

Sugestão de Leitura
BRUEL, A. L. Políticas e legislação da educação básica no
Brasil. Curitiba: Ibpex, 2010.

Com o fim do período ditatorial e a abertura democrática, os


movimentos sociais voltaram a se organizar e explicitar as demandas pela
recuperação dos direitos políticos – cassados durante o regime de exceção – e
ampliação dos direitos civis e sociais, o que marcou a história dos anos 80 do

– 183 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

século XX. Em decorrência desse movimento de efervescência democrática,


muitas das reivindicações da sociedade civil foram incorporadas ao texto
da Constituição Federal, aprovada em 1988, que, por isso, ficou conhecida
como a “Constituição Cidadã”. Em um período caracterizado mundialmente
como de retrocesso em relação aos direitos sociais, devido à incorporação dos
princípios do neoliberalismo na condução das políticas de diferentes nações,
o Brasil aprovou uma constituição que ampliou consideravelmente os direitos
dos cidadãos.
O Art. 5º da CF estabelece os direitos civis e políticos fundamentais
dos cidadãos brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil, reconhecendo
o princípio de igualdade perante a lei. O caput do Art. 5º (BRASIL, 1988)
dispõe textualmente que “todos são iguais perante a lei, sem distinção
de qualquer natureza, garantindo se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade [...]”, e se desdobra em 78 incisos
que detalham os termos sob os quais a igualdade de todos se estabelece.
É importante lembrar que a igualdade legal não exclui a desigualdade em
outros aspectos da vida humana.
A CF reserva todo o Capítulo II para a descrição dos direitos sociais da
população. O caput do Art. 6º determina que “são direitos sociais a educação,
a saúde, a alimentação68 , o trabalho, a moradia79 , o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição” (BRASIL, 1988).
Especificamente sobre os direitos relacionados à educação, Oliveira
assinala que
A declaração do Direito à Educação é particularmente detalhada na
Constituição Federal (CF) da República Federativa do Brasil, de 1988,
representando um salto de qualidade com relação à legislação anterior,
com maior precisão da redação e detalhamento, introduzindo se, até
mesmo, os instrumentos jurídicos para a sua garantia. Entretanto, o

8 A alimentação é um direito social incluído no texto desse artigo por meio da EC n. 64


(BRASIL, 2010).
9 A moradia é um direito social inserido nesse artigo por meio das mudanças aprovadas com
a EC n. 26 (BRASIL, 2000).

– 184 –
Cidadania, direitos humanos e o direito à educação

acesso, a permanência e o sucesso na escola fundamental continuam


como promessa não efetivada (OLIVEIRA, 1998, p. 61).

Da análise realizada por Oliveira, depreende se que o direito à educação


toma novos contornos qualitativos. Ainda que a obrigatoriedade tenha-se
mantido nos oito anos de ensino fundamental810 , há outras questões que
contribuem para a ampliação desse direito. Entre elas, podemos ressaltar
os itens estabelecidos como dever do Estado por meio do Art. 208 da CF
(BRASIL, 1988):
22 A maior abrangência da gratuidade, que foi estendida a todos os
estabelecimentos públicos de ensino.
22 A garantia de oferta da educação gratuita para as pessoas que não
tiveram acesso na idade própria, superando a limitação de idade
entre 7 e 14 anos presente na legislação anterior.
22 A definição do ensino fundamental (e posteriormente do ensino
obrigatório) como direito público subjetivo, incluindo responsa-
bilização da autoridade competente pela sua não oferta. Assim, o
ensino passa a ser reconhecido como direito inalienável de todo
cidadão brasileiro e o Estado passa a ser responsabilizado por
sua oferta.
22 A ideia de progressiva universalização do ensino médio, indicando
uma preocupação com a continuidade da escolarização, o que dei-
xou espaço para a definição do conceito de educação básica estabe-
lecido posteriormente pela LDB n. 9.394/96.
22 A extensão da obrigatoriedade do ensino à educação básica dos 4
aos 17 anos de idade, ampliando o tempo de escolaridade obriga-
tório que antes da aprovação da EC n. 59/09 se limitava ao ensino
fundamental. O início do período obrigatório na etapa de educa-
ção infantil aos quatro anos de idade tem gerado muitas polêmicas
por não se configurar como consenso entre legisladores e intelectu-
ais da educação.

10 Sobre a alteração do tempo de escolaridade obrigatória depois da CF 1988, com a finali-


dade de expandi lo, ver o Plano Nacional de Educação (Lei n. 10.172/01), a Lei n. 11.274/06
e a Emenda Constitucional n. 59/09.

– 185 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

22 O atendimento especializado às pessoas com deficiência. Mesmo


que esse tema ainda seja alvo de muitas discussões e dissensões, foi
importante o seu reconhecimento pela CF.
22 A oferta de ensino noturno regular adequado às condições dos alu-
nos e o atendimento aos estudantes por meio de programas suple-
mentares indicam a preocupação do Poder Público com a satisfação
das necessidades dos alunos, a fim de garantir a sua permanência no
sistema de ensino.
Como já vimos, a maior inovação presente na CF de 1988 não reside
na definição da gratuidade do ensino, prevista já na Constituição Imperial,
tampouco no tempo de educação obrigatória, pois o texto aprovado em 1988
mantém os oito anos já determinados pela Lei n. 5.692/71, mas na determinação
dos mecanismos da justiça por meio dos quais a realização do direito à educação
pode ser requerida. Sobre isso, Oliveira (1998, p. 65) afirma que
O que é inovador, para além de uma maior explicitação dos direitos e
de uma maior precisão jurídica, evidenciada pela redação, é a previsão
dos mecanismos capazes de garantir os direitos anteriormente enuncia-
dos, estes sim, verdadeira novidade. São eles o mandado de segurança
coletivo, o mandado de injunção e a ação civil pública.

A partir da CF de 1988, portanto, a população passa a ter reconhecido


como inalienável o direito à educação e se estabelece o sistema de justiça
como espaço para discussão sobre a realização desse direito. O mandado de
segurança coletivo911 e o mandado de injunção1012 são direitos previstos no Art.
5º da Constituição, e a ação civil pública1113 está prevista no Art. 129, ao dispor
sobre as funções do Ministério Público.

11 Conforme Art. 5º da CF de 1988, inciso LXX, “o mandado de segurança coletivo pode ser
impetrado por: a) partido político com representação no Congresso Nacional; b) organização
sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há, pelo
menos, um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associado”.
12 Conforme Art. 5º da CF de 1988, inciso LXXI, “conceder se á mandado de injunção sem-
pre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades
constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”.
13 Conforme Art. 129 da CF de 1988, “são funções institucionais do Ministério Público: [...]
III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e
social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos” (BRASIL, 1988).

– 186 –
Cidadania, direitos humanos e o direito à educação


Dessa forma, se consolida a reciprocidade entre o direito à
educação como um direito social e o dever do Poder Público
enquanto ente responsável pela garantia desse direito.
Compreende se que a ação do Estado sobre a educação não se
esgota na oferta de vagas, mas abrange a garantia de acesso a
elas, permanência na escola e um padrão mínimo de qualidade
de ensino. Assim, não se pode falar em garantia do direito à edu
cação sem matrícula em instituição de educação ou de ensino
reconhecida pelo Poder Público, continuidade dos estudos com
vistas à conclusão, pelo menos, da educação básica, padrão de
qualidade que se reflita em aprendizagem efetiva do aluno.

Essa discussão sobre o direito à educação suscita, de um lado, a reflexão
sobre a necessidade de busca da igualdade, no sentido de garantir condições
e oportunidades iguais para todos os indivíduos, com o intuito de superar
a discriminação, a segregação, os privilégios e construir uma educação mais
universal e democrática. Por outro lado, não faz sentido a defesa de uma
igualdade tão absoluta e abstrata que perca de vista as diferenças individuais
e sufoque os sujeitos. Esse dilema, que pode se apresentar como paradoxal,
encerra uma questão de fundamental importância: os perigos de relativização
de todos os princípios universalizantes, levando à confusão entre os conceitos
de diferença e desigualdade.
Assim, a defesa de uma educação que possibilite a construção de uma
sociedade mais justa e democrática é, necessariamente, aquela que garanta a
emancipação dos sujeitos. Para possibilitar essa emancipação, é fundamental
que o processo de escolarização atenda às suas necessidades de aprendizagem,
levando-os à superação de seus limites e à construção de um conhecimento
que possua caráter sistemático, histórico e crítico. O conhecimento pode se
materializar em instrumento de desenvolvimento omnilateral do ser humano
e, por isso mesmo, de fortalecimento da justiça social.
Uma educação que instrumentalize os cidadãos para que possam
compreender melhor a realidade em que se inserem e agir sobre ela,

– 187 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

transformando-a, a fim reduzir as desigualdades promovidas pela lógica


de organização da sociedade capitalista, é fundamental para promover o
necessário empoderamento da população. A redistribuição dos bens materiais
e culturais, dos saberes e poderes, das oportunidades e condições de existência
são essenciais para a democracia e a cidadania.
Nesse sentido, reafirma-se a relevância do papel do Estado, enquanto
ente que representa a esfera pública constituída, e de sua intervenção por
meio de políticas públicas destinadas a garantir os direitos fundamentais
da população, entre os quais se encontra a educação. Pois, isoladamente, a
escolarização pode ter pouco impacto sobre a garantia dos demais direitos ou
mesmo sobre o processo de democratização da sociedade. É preciso pensar
a educação no conjunto das políticas sociais, integrando e coordenando as
ações do Poder Público nas diferentes dimensões da vida cidadã.

Dica de Filme
O filme intitulado Sociedade dos poetas mortos apresenta uma his-
tória fictícia desenrolada em uma tradicional escola secundária. Um
professor com atitudes pouco convencionais procura mostrar aos
alunos que o conhecimento pode ser mais intrigante do que o cur-
rículo proposto pela escola. As consequências são desafiadoras e
inquietantes, tanto para os alunos quanto para quem assiste ao filme.
O filme, mostra que existem novas formas de ensinar.
SOCIEDADE dos poetas mortos. Direção de Peter Weir.
EUA: Buena Vista Pictures, 1989. 1 filme (129 min.).

Da teoria para a prática


Escolha uma das questões relacionadas à garantia do direito
à educação, considerando as disposições do Art. 208 da
CF de 1988 ou outro aspecto legalmente instituído. Procure

– 188 –
Cidadania, direitos humanos e o direito à educação

em reportagens de jornais/revistas e em sites oficiais , que


apresentam indicadores de realização da educação no país,
informações que comprovem, ou não, a realização desse
direito. Compare o texto legal com os dados obtidos e avalie o
que poderia ou deveria ser feito para atender integralmente às
necessidades da população, a fim de garantir a plena efetivação
do direito à educação.

Síntese
Neste capítulo discutimos a consolidação do direito à educação como um
direito de cidadania. A análise histórica do processo de definição de cidadania
mostra se de grande importância para a compreensão do movimento da
sociedade em torno da definição dos direitos sociais. Como a legislação é o
instrumento por excelência para a definição dos direitos, a reflexão sobre as
constituições federais do Brasil, em especial a aprovada em 1988, em vigor,
orientou a análise sobre elementos da política nacional voltados à realização
do direito à educação.

– 189 –
10
O homem e sua
relação com o mundo:
Filosofia e Educação
Carlos Euclides Marques

Estamos iniciando uma viagem que passará por diversas


abordagens da vertente essencialista ou metafísica da pedagogia.
Veremos mais detalhadamente o significado desta terminologia:
“essencialista” ou “metafísica”. Por ora, basta indicarmos que são
abordagens focadas em concepções filosóficas que buscam a essên-
cia do ser humano e das coisas no mundo. Para chegarmos a tais
História, Filosofia e Sociologia da Educação

abordagens, primeiramente, explicitaremos o que é Filosofia e o que é Educa-


ção, termos que compõem o nome desta disciplina: Filosofia da Educação.
Veremos, também, como Educação e Cultura se relacionam a certas formas
de Educação não-formais. Avançando no assunto, entraremos no mundo da
Antiguidade Grega, inicialmente, tratando das tradições míticas de Homero
e Hesíodo. Esta primeira incursão no mundo grego será o mote para abor-
darmos a passagem do Mito à Filosofia, apresentando alguns pensadores
originários: os pré-socráticos. Daí em diante, veremos com mais detalhes
a abordagem dos sofistas, a de Sócrates e de Platão, que se confundem, e
a de Aristóteles. Depois de um rápido apontar para o período Helenístico,
vislumbraremos a mentalidade medieval e caracterizaremos a Patrística e a
Escolástica, centrando, um pouco mais, em um expoente de cada corrente,
respectivmente, Santo Agostinho e São Tomás de Aquino.
Em todo este trajeto temos por objetivo caracterizar, principalmente,
os diferentes enfoques da abordagem essencialista ou metafísica, que, ainda
hoje, está por trás de certos discursos e práticas pedagógicas.
Então, preparados(as)?

10.1 Para início de conversa


Ao começar uma disciplina de Filosofia da Educação, uma primeira per-
gunta que pode vir à mente é: “O que é Filosofia da Educação?”. Eis uma
questão de difícil resposta. Mas, para não deixarmos nossa caminhada sem
pontos de partida, vamos apontar algumas possibilidades de resposta. Pri-
meiro, reforçando que os caminhos adotados são alguns dos muitos possíveis
para dar conta de uma resposta a esta pergunta.
Numa olhada rápida, vemos dois termos centrais: Filosofia e Educação.
Uma estratégia é, primeiro, tomarmos cada um separadamente. Então, defi-
nimos Filosofia e depois Educação. Isso, entretanto, não torna a tarefa mais
simples. Mas vamos seguir neste caminho.

10.2 Definindo a Filosofia


Talvez em razão do advento da obrigatoriedade da Filosofia no currículo
do Ensino Médio, a partir da Lei no 11.684, de 2 de junho de 2008, alguns

– 192 –
O homem e sua relação com o mundo: Filosofia e Educação

já tenham algum contato com a Filosofia como disciplina. Nessa perspectiva,


podemos partir de abordagens comuns em manuais de Filosofia destina-
dos ao Ensino Médio. Estes, geralmente, indicam que há muitas definições
possíveis para o termo Filosofia. E começam diferenciando o uso coloquial
do termo de seu uso técnico, mais acadêmico. Assim, certamente não é o
sentido de filosofia como “estratégia de atuação” ou “sabedoria de vida” ou
“visão de mundo”, preenchimentos que encontramos no senso comum1, que
queremos aqui.
Mais uma entre as estratégias adotadas por esses manuais é recuperar a
etimologia do termo Filosofia. Nesta, encontramos dois radicais gregos: philos
e sophia. O primeiro podemos traduzir por amigo, apaixonado; o segundo,
por sabedoria. Assim, a Filosofia seria a amizade pela sabedoria, a paixão pela
sabedoria. Isso remete à busca pelo saber. Entretanto, assim como as defini-
ções do senso comum, esta não dá conta, propriamente, de uma definição
mais técnica do termo Filosofia, pois um cientista ou mesmo um religioso
podem ser apaixonados por determinado saber e buscar, constantemente,
meios para dar conta desse saber, seja este a explicação de um fenômeno
natural, seja em relação ao sagrado.
Também encontramos, nos livros didáticos de Filosofia, esta estratégia
que a toma como uma atitude, uma reflexão sobre o mundo, sobre a reali-
dade. É partindo desta perspectiva que Dermeval Saviani, num texto origi-
nariamente escrito para estudantes da disciplina de Filosofia da Educação
I do curso de Pedagogia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP) em 1973 e, mais tarde, publicado como primeiro capítulo de seu
livro Educação: do senso comum à consciência filosófica, apresenta uma
definição de Filosofia. Atentemos para ela:
Com efeito, se a filosofia é realmente uma reflexão sobre os problemas
que a realidade apresenta, entretanto ela não é qualquer tipo de refle-
xão. Para que uma reflexão possa ser adjetivada de filosófica, é preciso
que se satisfaça uma série de exigências que vou resumir em apenas
três requisitos: a radicalidade, o rigor e a globalidade. Quero dizer, em

1 Conhecimento adquirido pela tradição e acrescido pela experiência do dia a dia; conjunto de
ideias, preceitos, técnicas que permitem a interpretação da realidade; conhecimento espontâ-
neo, por vezes, pouco sistematizado e contraditório.

– 193 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

suma, que a reflexão filosófica, para ser tal, deve ser radical, rigorosa
e de conjunto.
Radical:
Em primeiro lugar, exige-se que o problema seja colocado em termos
radicais, entendida a palavra radical no seu sentido mais próprio e
imediato. Quer dizer, é preciso que se vá até às raízes da questão,
até seus fundamentos. Em outras palavras, exige-se que se opere uma
reflexão em profundidade.
Rigorosa:
Em segundo lugar e como que para garantir a primeira exigência,
deve-se proceder com rigor, ou seja, sistematicamente, segundo
métodos determinados, colocando-se em questão as conclusões
da sabedoria popular e as generalizações apressadas que a ciência
pode ensejar.
De conjunto:
Em terceiro lugar, o problema não pode ser examinado de modo
parcial, mas numa perspectiva de conjunto, relacionando-se o
aspecto em questão com os demais aspectos do contexto em que
está inserido. É neste ponto que a filosofia se distingue da ciência
de um modo mais marcante. Com efeito, ao contrário da ciência,
a filosofia não tem objeto determinado; ela dirige-se a qualquer
aspecto da realidade, desde que seja problemático; seu campo de
ação é o problema, esteja onde estiver. Melhor dizendo, seu campo
de ação é o problema enquanto não se sabe ainda onde ele está;
por isso se diz que a filosofia é busca. [...] Além disso, enquanto a
ciência isola o seu aspecto do contexto e o analisa separadamente,
a filosofia, embora dirigindo-se às vezes apenas a uma parcela da
realidade, insere-a no contexto e a examina em função do con-
junto. (SAVIANI, 2007, p. 20- 21).

Reforça ainda o autor que esses termos – radical, rigorosa, de conjunto


– não podem ser vistos em separado para definir Filosofia. Dessa forma, nem
todo tipo de reflexão é filosófica, assim como nem toda avaliação rigorosa
ou de conjunto o é. Se ficarmos com essa definição de Saviani, veremos que
Filosofia da Educação é “uma reflexão radical, rigorosa e de conjunto sobre a
Educação”. Resta, então, pensarmos a noção de Educação.
Todos nós temos um sentido para este termo: Educação. Alguns o
tomam como sinônimo de instrução; outros, de postura moral; outros, ainda,
como a transmissão do legado de uma tradição.

– 194 –
O homem e sua relação com o mundo: Filosofia e Educação

Fonte: REMBRANDT, Harmensz van Rijn. Filósofo meditando, 1632. Louvre,


Paris, França.

Num sentido mais amplo, Educação se aproxima
de certo sentido do termo Cultura, pois, assim
como este, é um diferenciador do ser humano
em relação aos outros seres não humanos.
Admite-se, geralmente, que o ser humano se caracteriza não
só por responder aos estímulos do meio a sua volta, mas
também por alterar este meio e transmitir suas experiências
às gerações seguintes. O conjunto de técnicas, práticas,
teorias, instituições, preceitos morais e intelectuais é visto
pela Antropologia como Cultura. Entendendo Cultura
neste sentido é que podemos ver o ser humano como um
produtor de Cultura e, consequentemente, de Educação.

– 195 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

Nossa caminhada, doravante, deve ter em vista esta breve apresentação


das noções de Filosofia e Educação. Ao longo dos próximos capítulos, vere-
mos, de forma mais detalhada, diferentes abordagens, predominantemente as
filosóficas, sobre a Educação, passando por aspectos práticos e teóricos.
Vamos em frente?

10.3 A cultura antiga e a Educação


Se olharmos para história da humanidade, veremos uma diversidade de
culturas e modos de vida: divisão de trabalho; tratos sociais; hábitos alimen-
tares e de vestuário; valores; manifestações artísticas. Cada cultura tem formas
específicas de transmitir seu legado. Essas “formas de transmissão“ do legado
cultural podemos chamar “educação”. É bom lembrar, entretanto, que este
vocabulário não se restringe a algo formalmente institucionalizado.
De fato, por milhares de anos, o ser humano transmitiu seu legado cul-
tural de modo mais espontâneo. Não existiam profissionais especializados,
escolas, teorias educacionais ou leis – no sentido jurídico – específicas para dar
conta de processos que consideramos, hoje, partes de nossas vidas. O “educar”
poderia ser: um adestramento para uma atividade que era passada de pai para
filho; um conjunto de preceitos religiosos-morais aglutinadores de terminados
grupos. Esse aspecto do educar, alguns autores denominam “educação difusa”;
outros “educação não formal” ou “informal”, em oposição à educação for-
mal, mais característica nas sociedades letradas que estabeleceram instituições,
como a escola, para transmitir o legado cultural sistematizado.
Pensar a educação sistematicamente, teorizando seus fundamentos e suas
práticas, não é algo que encontramos desde os primórdios da humanidade.
Na realidade, se tomarmos a história da humanidade, tal perspectiva é tardia,
ou seja, muito mais próxima, cronologicamente, de nós do que pensamos.
Diante da diversidade cultural, mencionada anteriormente, precisamos ter
muito cuidado com a temática que temos pela frente.
O ato de educar é produto de cada concepção de mundo que predomina
em determinado tempo, lugar e cultura. Esse ato assume distintas formas,
produzindo diferentes pedagogias. Cabe esclarecer que a Pedagogia, enten-
dida como área de conhecimento, já é uma forma sistemática e teorizada

– 196 –
O homem e sua relação com o mundo: Filosofia e Educação

do ato educacional, uma Ciência da Educação. As diferentes pedagogias só


podem ser bem compreendidas se analisadas à luz de determinado momento
histórico, ideias e valores que a fundamentam. Se desprezarmos esses aspectos
em nossa reflexão, estaremos fadados a julgar uma cultura a partir de outra
e a cometer algum tipo de preconceito. O que implicaria não entendermos
adequadamente nosso objeto de estudo.


Aliando essas ideias às da Introdução, vislumbra-
mos uma tarefa para a Filosofia da Educação, a saber:
compreender ideias, fundamentos e princípios que
sustentam as variadas concepções pedagógicas.

Encontramos a “educação difusa” ou “não formal” nas sociedades tri-
bais, nas práticas de trabalho menos especializadas, nas brincadeiras infantis,
nas relações familiares e entre amigos, na transmissão das regras de compor-
tamentos morais e em outros tratos sociais2. É bom frisar que, mesmo no
espaço acadêmico, encontramos essa forma de “educação”.
Em geral, esse modo do ato de educar, principalmente nas sociedades
tribais e nas civilizações da Antiguidade, tem maior teor de transmissão do
legado cultural, de adestramento, e gera poucas modificações ao longo do
tempo. Tal tipo de “educação” é mais estável, mais estático. Contudo, isso não
significa que, também aqui, ao longo da história, não encontremos mudan-
ças, apenas que tais mudanças são mais demoradas e sutis.
Esse aspecto de maior estabilidade, como já foi apontado, encontramos
em certos procedimentos educacionais de algumas das grandes civilizações
antigas. Nas sociedades do Antigo Oriente, por exemplo, temos o predomí-
nio de um tradicionalismo pedagógico. Mas o que é isto? O tradicionalismo
pedagógico consiste na transmissão de uma doutrina sagrada; uma sabedo-
ria conquistada pela prática, objetivando conduzir o indivíduo à virtude e à
felicidade. Aqui, a educação se caracteriza pela busca da perfeição espiritual,
2 Refere-se a normas de conduta, comportamentos normativos não morais ou legais (Direito)
relacionados à forma de se portar à mesa, de se dirigir a outrem, de se vestir; à pontualidade etc.

– 197 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

que, por sua vez, é identificada como único caminho para a virtude e a vida
feliz. Temos, nessas culturas, o mestre ou preceptor como figura exemplar, ou
seja, que os discípulos e a própria sociedade devem tomar com modelo. Essa
prática se liga à visão mítica do mundo, que perpassa, ainda hoje, a Religião.
Seguindo as ideias anteriores, podemos traçar pontes entre Mito e Edu-
cação. Lembrando que a perspectiva mítica é anterior à perspectiva filosófica
e mais ainda à perspectiva científica, podemos compreender a perspectiva
mítica não como algo falso ou uma construção mirabolante, mas como uma
forma de conhecimento, uma visão de mundo, um conjunto de práticas e
valores que agregam certos grupos humanos. É característica da tradição
mítica a transmissão do legado cultural por artifícios mnemônicos, ou seja,
por meio de técnicas de memorização, que privilegiam aspectos sonoros, por
vezes, aliados a aspectos gestuais e imagéticos3. Dessa forma, há um privi-
légio da memória sonora e gestual-visual aliada a esta. Até porque a maior
parte dos membros dessas sociedades não dominam sistemas de escrita. Não
é à toa que, predominantemente, se manifestam por meio de poemas recita-
dos musicalmente, não raro acompanhados por certos tipos de instrumentos
musicais. Exemplos disso são os mantras, as leituras repetidas de textos sagra-
dos, os cânticos e a liturgia nas missas, as epopeias, as narrativas dos bardos4
e trovadores. De forma similar, poderíamos incluir as cantigas de trabalho, as
canções que transmitem valores sobre as relações amorosas etc.
Para entendermos um pouco mais a mentalidade mítica, devemos perguntar:
Qual o papel (função) do mito? Como o mito funciona (suas características)?
Primeiramente, como toda forma de conhecimento (modos de ver o
mundo), o homem, ao produzir mitos, ou seja, a consciência mítica, procura:
22 dar sentido à vida; ordenar as relações entre si e o Universo, geral-
mente sacralizado (divinizado), e entre os fenômenos deste;
22 justificar e consolidar práticas sociais (relações de trabalho, casa-
mento, condutas e posições sociais etc.);
22 “explicar” as origens do Universo, dos seres vivos e de práticas
sociais estabelecidas.

3 Relativo à imagem; que se revela pela imagem.


4 Nas sociedades celta e gaulesa eram os recitadores dos poemas épicos.

– 198 –
O homem e sua relação com o mundo: Filosofia e Educação

Desse modo, o ser humano se sente mais seguro no mundo. O que


difere o pensamento mítico das outras formas de conhecimento é como este
se organiza, suas bases, seus instrumentos.
Para reforçar o que já foi dito e complementar, tomemos o que diz Chaui
(1996, p. 161-163), baseada no antropólogo Claude Lévi-Strauss:
O mito possui três características gerais:

1. Função explicativa: o presente é explicado por al­guma ação passada


cujos efeitos permaneceram no tempo. [...];

2. Função organizativa: o mito organiza as relações sociais (de paren-


tesco, de alianças, de trocas, de sexo, de idade, de poder etc.) de modo a
legitimar e garantir a permanên­cia de um sistema complexo de proibições
e permissões. [...];

3. Função compensatória: o mito narra uma situação passada, que é


a negação do presente e que serve tanto para compensar os humanos
de alguma perda como para garantir-lhes que um erro passado foi
corrigido no presente, de modo a oferecer uma visão estabilizada e
re­gularizada da Natureza e da vida comunitária.

Podemos perceber que a narrativa mítica não é uma falsificação do real,


uma mentira ou mera alegoria ‒ no sentido de figura de retórica ‒, mas uma
mentalidade, uma visão de mundo, uma consciência que encontramos, ainda
hoje, arraigada em nossas vidas.

Dica de Leitura
Para aprofundar um pouco mais essa visão sobre o Mito, uma
leitura recomendável é Mito e realidade, de Mircea Eliade.

Quando pensamos a passagem do Mito à Filosofa, por volta do século


VI a.C., na Grécia Antiga, começamos refletindo sobre esta tradição, a mítica,
já apontado para aspectos característicos do filosofar. Eis por que partimos
dos poemas homéricos.
Os poemas atribuídos a Homero (século IX a.C. aproximadamente)
constituíram a fonte primária da educação grega desde os primórdios da

– 199 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

formação da mentalidade grega. O papel dessas narrativas era transmitir a


história, a cultura e a relação dos seres humanos com o sagrado por meio da
perspectiva mítica. A Ilíada cantava os feitos heroicos dos gregos contra os
povos do Oriente e a Odisseia evocava a força das tradições familiares e dos
costumes domésticos.
Os mitos, sejam das sociedades tribais, sejam dos povos da Antiguidade,
têm a função de revelar a faceta intuitiva da compreensão da realidade e de
transmitir valores e ensinamentos por meio de imagens, personagens e de
narrativas carregadas de grandes façanhas heroicas.
Nisso os chamados poemas homéricos foram exemplares dentro da
sociedade grega, desde a suas recônditas origens até os tempos de decadência
da mentalidade grega antiga, no período Helenístico. Mesmo Platão, filósofo
do período Clássico, que por diversas vezes apresenta posições contrárias à
paideia5 homérica, em alguns momentos reconhece Homero como “mestre
da Hélade6”.

Saiba mais
Homero, para os estudiosos, é uma figura de procedência discu-
tida. A ele são atribuídas a Ilíada e a Odisseia, que, aceitando
a vertente interpretativa mais difundida hoje quanto à questão da
gênesis das obras homéricas, não foram escritas por um único
homem, mas são – a Ilíada e a Odisseia – construções coletivas
de longos anos de compilações e rearranjos de narrativas orais.
Logo, obra construída por séculos para chegar à forma “defini-
tiva”, que conhecemos até hoje.

5 Palavra grega que pode ser traduzida por Educação. Mas, conforme Jaeger (1989, p. 1), tem
uma conotação muito mais complexa para o mundo grego, na Antiguidade: “Paidéia, não é
apenas um nome simbólico; é a única designação exacta do tema histórico nela estudado. Este
tema é, de facto, difícil de definir: como outros conceitos de grande amplidão (por exemplo os
de filosofia ou cultura) [...]. O seu conteúdo e significado só se nos revelam plenamente quando
lemos a sua história e lhes seguimos o esforço para conseguirem plasmar-se na realidade.”
6 Refere-se à Grécia, donde seu derivado heleno como sinônimo de grego.

– 200 –
O homem e sua relação com o mundo: Filosofia e Educação

Outro expoente importante da cultura mítica grega é Hesíodo, que


escreveu Os trabalhos e os dias e Teogonia. Parte do que temos da gênesis
dos deuses gregos vem dos escritos desse poeta, que viveu por volta do século
VIII a.C., na região da Beócia. Enquanto Homero retrata o ambiente aris-
tocrático, Hesíodo retrata o ambiente do campo, a vida dura do agricultor.
Nas obras do primeiro, os valores transmitidos são os dos guerreiros e de seu
ambiente: o vigor físico, o preparo para a batalha, a coragem e a inteligência
para estratégias bélicas. Já nas obras de Hesíodo, são os valores do campo:
a perseverança no trabalhos do dia a dia, mesmo diante das intempéries, a
esperança. Isso quanto ao universo masculino. Também quanto ao universo
feminino encontramos diferenças entre ambos. Nas narrativas do primeiro,
vemos a mulher bela e prendada, com seus dotes domésticos, fiel ao marido
e que administra a casa e cuida dos filhos. Nos escritos de Hesíodo, ela apa-
rece como um castigo dos deuses, mais uma boca a ser alimentada, o ser que
levará os homens à perdição. De um lado temos a figura de Penélope, esposa
de Odisseu ou Ulisses; de outro, Pandora, aquela mandada pelos deuses como
castigo, que, ao abrir uma jarra ‒ variantes da narrativa dizem caixa ‒, deixa
escapar todos os males da humanidade.

Saiba mais
Como nosso foco não é principalmente a “educação difusa” ou
“informal” e a mentalidade mítica, o que por ora foi apresentado
é suficiente para se ter uma ideia desses aspectos. Para um maior
aprofundamento recomendamos a leitura dos tópicos “Cultura e
Educação da nobreza homérica”, “Homero como educador” e
“Hesíodo e a vida do campo”, da obra de Werner Jaeger, Pai-
deia: a formação do homem grego. Imagens contemporâneas
sobre as narrativas homéricas encontramos no cinema, por exem-
plo, nos filmes: Odisseia (1997); Helena de Tróia: paixão e
guerra (2003); Tróia (2004).

Já que estamos nos pautando na Filosofia da Educação, é o nasci-


mento da filosofia grega que nos interessa mais, pois é a Filosofia que trará
à Educação, até a nossa época, características fundamentais para o desen-

– 201 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

volvimento de concepções pedagógicas ao longo do desenvolvimento da


civilização ocidental.
Tomando por foco, no próximo tópico, a filosofia grega na Antiguidade
e seus principais expoentes, vamos identificar os traços fundamentais das cha-
madas pedagogias essencialistas ou metafísicas.
Mas, antes de avançarmos, é preciso explicitar o que caracteriza as peda-
gogias essencialistas ou metafísicas. Para tanto, tomemos algumas passagens
do livro Filosofia da Educação, de Maria Lúcia de Arruda Aranha:
Na tradição filosófica em que predomina a concepção essencia-
lista ou metafísica, herdada dos gregos ‒ e que ainda hoje persiste
em algumas teorias pedagógicas ‒ busca-se a unidade na multi-
plicidade dos seres, ou seja, a essência que caracteriza cada coisa.
Também o conceito de humanidade é compreendido a partir de
uma natureza imutável: apesar de constatadas diferenças entre
os seres humanos, existiria uma essência humana, um modelo a
ser atingido.
[...]
Essas pedagogias tinham como característica o enfoque metafísico
próprio da filosofia antiga, que acentuava a atitude teórica de aná-
lise dos conceitos universais. Segundo essa perspectiva, educar seria
desenvolver as potencialidades da natureza humana, fazendo cada um
tender para a perfeição, para aquilo que pode vir a ser. (ARANHA,
2006, p. 150-151).

10.4 Do nascimento da Filosofia


à tradição socrática
Foi com os pensadores originais ou pré-socráticos, que nasceu a Filoso-
fia como um modo de buscar a sabedoria através de uma reflexão orientada
pela razão. Esses pensadores buscavam um princípio fundamental, conforme
interpretação aristotélica, para a existência de todos as coisas.
Aqui, antes de avançarmos, cabe esclarecer como entendemos a noção
de princípio fundamental. O termo grego que pode ser traduzido por prin-
cípio é arkhé. Conforme explica Marilena Chaui, em Introdução à história
da filosofia:

– 202 –
O homem e sua relação com o mundo: Filosofia e Educação

Esta palavra possui dois grandes significados principais: 1) o que está


à frente e por isso é o começo ou o princípio de tudo; 2) o que está
à frente e por isso o comando de todo o restante. No primeiro sigi-
nificado, arkhé é fundamento, origem, princípio, o que está no prin-
cípio ou na origem, o que está no começo de modo absoluto, ponto
de partida de um caminho; fundamento das ações e ponto final a
que elas chegam ou retornam. No segundo caso, arkhé é comando,
poder, autoridade, magistratura; coletivamente significa: o governo,
por extensão, reino, império. [...] Os dois sentidos estão fundidos na
cosmologia e, posteriormente, na metafísica de Aristóteles. É o princí-
pio absoluto, eterno, idêntico e incorruptível de todas as coisas e que
governa/comanda a realidade. (2002, p. 495-496).

Percebemos, no significado de arkhé, uma conotação essencialista ou


metafísica. Entretanto, cabe uma ressalva: esses termos ‒ essencialista e meta-
física ‒ não são empregados no período da Filosofia nascente e mesmo no
período Clássico para identificar tais concepções.
Voltemos aos pensadores originários. Ao buscarem um princípio não
divinizado e usarem a reflexão orientada pela razão, rompem com as expli-
cações míticas sobre o universo. Mas essa ruptura não é imediata, pois, se
analisarmos melhor, veremos certo parentesco entre algumas respostas dos
pensadores da Filosofia nascente e as narrativas míticas. Talvez, um dos aspec-
tos mais gritantes seja o fato de, em sua maioria, aquilo que nos restou dos
escritos desses pensadores ‒ os fragmentos e as doxografias ‒ estão em poesia.
Ainda assim, cabe indicar que a questão das semelhanças e diferenças entre
as narrativas da mitologia grega e as hipóteses defendidas pelos pensadores da
Filosofia nascente não é questão fechada e encontramos posições divergentes
sobre o tema. Porém, tal digressão não é nosso foco.
É pensando a passagem do Mito à Filosofia como algo lento e gradual
que vislumbramos a substituição do mýthos ‒ termo grego que traduzimos
por: ação de recitar; palavra; discurso; mensagem; mito ‒ pela afirmação do
lógos ‒ termo grego que podemos traduzir por: palavra; discurso, razão ‒ e,
com isso, o nascer da mentalidade Ocidental. Notadamente, esses dois ter-
mos gregos carregam a possibilidade de serem traduzidos por palavra, dis-
curso. Entretanto, são discursos com modos diferentes de operar. Enquanto
o primeiro tem um caráter mais intuitivo, mas “fechado”, o segundo é mais
racional, aberto às críticas.

– 203 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

Um exemplo claro dessa “abertura às críticas” é a sequência de hipóte-


ses apresentadas pelos três primeiros filósofos, todos da cidade de Mileto. Para
Tales, “Tudo é água”. Já Anaximandro, o filósofo na sequência de Tales, estabe-
lece uma arkhé mais abstrata se comparada à água: o ápeiron ‒ termo grego que
traduzimos por: ilimitado, indeterminado. Parecendo fazer uma mediana entre
seus antecessores, Anaxímenes diz ser o ar o princípio de tudo. Notemos que há
uma passagem de um princípio mais concreto ‒ a água ‒ para um mais abstrato
‒ o ápeiron ‒, caracterizando um primeiro movimento da “abertura às críticas”.
Por fim, numa segunda passagem, temos o ar como elemento primordial, que
não é tão concreto como a água nem tão abstrato como o ápeiron.
Assim, comparando a mentalidade mítica e a filosófica nascente, o que
temos são duas formas de conhecimento, cada qual pautada em fundamentos
diferentes mesmo que encontremos algumas similaridades entre elas. É esse
aspecto próprio da filosofia nascente, a reflexão racional, que conduz, já na
tradição filosófica grega, ao aparecimento da pedagogia num sentido mais
técnico, como Ciência da Educação.
Há em alguns fragmentos dos pensadores originários elementos que são
indicativos de uma tradição que começa a tentar se colocar no lugar da paideia
homérica e hesiódica. Típico disso são as críticas de Heráclito de Éfeso (cerca de
540-470 a.C.) às tradições que o precederam. Vejamos um fragmento:
Estão iludidos os homens quanto ao conhecimento das coisas visí-
veis, mais ou menos como Homero, que foi o homem mais sábio que
todos os helenos. Pois enganaram-no meninos que matando piolhos
lhe disseram: o que vimos e pegamos é o que largamos, e o que não
vimos nem pegamos é o que trazemos conosco. (HIPÓLITO, Refu-
tações, fragmento 56, IX, 9).

Alguns desses filósofos pré-socráticos foram líderes de movimentos polí-


ticos que propagavam ideais transformadores para as sociedades da época.
Exemplos destes são Pitágoras e os pitagóricos que viam a harmonia cósmica
como modelo para encontrarmos a harmonia nas relações humanas. A ori-
gem de tudo estava nos números, diziam eles. Entendendo por números,
principalmente, as relações de proporções. Assim, para os pitagóricos, desco-
brir a harmonia constitutiva do cosmo possibilitaria traçar, na concordância
com essa harmonia cósmica, regras para a vida individual e política. Há aí um
entendimento de que o macro (cosmo) se reflete no micro (vida humana).

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O homem e sua relação com o mundo: Filosofia e Educação

Embora predomine, nos fragmentos dos pensadores originários, a temática


da cosmologia e da busca de um princípio natural, não divino, encontramos em
alguns deles conselhos para uma vida regrada e comedida; regras para a convi-
vência social e política harmoniosas e mesmo orientações alimentares. Entre-
tanto, essas temáticas mais antropológicas são mais características do período
seguinte, denominado, na História da Filosofia, Socrático ou Antropológico,
que corresponde, geralmente, ao período Clássico da historiografia tradicional.
É bom entendermos melhor aquilo que tomamos por princípios naturais
como uma remissão a outra noção muito importante para compreendermos o
pensamento da Filosofia nascente que é a de phýsis ‒ natureza. Para esclarecer
melhor essa noção, tomemos uma passagem de Chaui (2002, p. 509):
Possui três sentidos principais: 1) processo de nascimento, surgi-
mento, crescimento de um ser [...]; 2) disposição espontânea e natu-
reza própria de um ser; características naturais e essenciais de um ser
[...]; 3) força originária criadora de todos os seres, responsável pelo
surgimento, transformação e perecimento deles. A phýsis é o fundo
inesgotável de onde vem o kósmos; e é o fundo perene para onde
regressam todas as coisas, a realidade primeira e última de todas as
coisas. Opõe-se a nómos [regra, lei, norma].

Com a retomada do comércio, a invenção da escrita alfabética, o advento


de leis escritas, culminando com o aparecimento e desenvolvimento da cidade-
-estado (pólis) como estrutura predominante na organização sociopolítica do
mundo grego ‒ fatores que ocorreram ao longo do período Arcaico (aproxi-
madamente do século VIII ao VI a.C.) ‒, novas preocupações apareceram. Isso
levou alguns estudiosos contemporâneos a afirmarem que: “A filosofia é filha da
pólis”. Esse mote se torna muito mais significativo no período Clássico (entre os
séculos V e IV a. C.), no qual Atenas floresce como uma pujante pólis.

10.4.1 Sofistas: os primeiros professores


Depois da vitória dos gregos sobre os persas, fechando as Guerras Médi-
cas (entre 490 e 479 a.C.), a acrópole de Atenas é reconstruída no comando
de Péricles ‒ grande general e, consequentemente, estrategista7. Reformas
políticas, aos poucos, levam ao aparecimento da democracia. Esses fatos,
além de propiciarem a ascensão de outras classes sociais atenienses que não a
7 Lembrar que a palavra estrategista vem do grego estrategos.

– 205 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

aristocracia, atraem, para Atenas, uma diversidade de pessoas: comerciantes,


músicos, escultores, pintores, arquitetos e pensadores de diferentes matizes.
Entre estes estão os sofistas. Mas quem foram esses homens e qual a impor-
tância deles para o desenvolvimento da pedagogia?

Os sofistas foram pensadores itinerantes, conhecidos,
principalmente, como mestres de Retórica e Oratória,
que cobravam por seus ensinamentos, aspecto que os
coloca como os primeiros professores particulares.

Em sua grande maioria os sofistas não são atenienses. Diferentemente
dos pensadores originários, os sofistas estabeleceram uma cisão entre as leis
da natureza (phýsis) e as leis do universo humano (nómos). Para eles, as leis
do universo humano não são a priori nem se mantêm sempre as mesmas. Ao
contrário das leis cósmicas, as do universo humano são arbitrárias, conforme
a sofística. Dessa forma, não há para os sofistas, no universo humano, valores
universalmente válidos. Aquilo que um determinado grupo social vê como
bom, justo ou belo pode ser, para outro grupo social, ruim, injusto ou feio.
O que faz uma dada sociedade assumir determinados valores são convenções
estabelecidas por estratégias de convencimento e o valor atribuído por certa
sociedade para isso ou aquilo não é, no fundo, melhor ou pior que os atribu-
ídos por outra sociedade. Tal visão expressa dois princípios: o relativismo e o
humanismo, ou antropocentrismo.
Apesar do relativismo e do antropocentrismo, há quem veja na sofística
aspectos da pedagogia essencialista ou metafísica, como indica esta passagem
de Aranha (2006, p. 150):
Os filósofos sofistas (século V a.C.) eram educadores, mas, quando ensi-
navam retórica, a arte de bem falar, na verdade estavam voltados para a
formação do homem público, capaz de defender com argumentos suas
idéias - e convencer os demais - na assembléia democrática.

No mundo da Atenas democrática, tais princípios ‒ relativismo e


humanismo ‒ combinam com os da própria democracia: a isonomia e
a isegoria. Para entender melhor essas noções e a de nómos, já utilizada,

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O homem e sua relação com o mundo: Filosofia e Educação

tomemos o glossário de termos gregos, apresentado por Chauí (2002, p.


503-506):
Nómos: Regra, lei, norma. O primeiro sentido desta palavra é aquilo
que se possui por partilha, aquilo que se usa porque atribuído por
uma partilha; por extensão: uso, costume conforme ao uso ou ao cos-
tume. Esta conformidade ao costume passa a significar a norma ou
regra costumeira de um comportamento de um grupo, as conven-
ções sociais que o grupo estabelece para seus membros. Mais adiante:
opinião geral, máxima geral, regra de conduta. [...] Nómos opõe-se
a physis: o nómos é o que é por convenção, por acordo e decisão dos
humanos, enquanto physis é o que é por natureza, por si mesmo inde-
pendentemente da decisão ou vontade dos homens. Os sofistas dirão
que tudo é pelo nómos, tudo é por convenção.
Isegoría: Palavra composta de dois elementos: ise-, que vem de isos
(igual, igual em número e em força; igualmente repartido, ter parte
igual; justo, equitável, equilibrado, nivelado), e -goria, derivada do
verbo agoreúo (falar em público, falar numa assembléia, discursar em
público). É o direito de cada cidadão de dizer sua opinião na assem-
bléia democrática. É a liberdade de expressão que cada um possui e de
que todos os cidadãos desfrutam.
Isonomía: Palavra composta por ise- (ver isegoría) e -nomia, vinda de
nómos (ver nómos). Inicialmente, significa repartição igual; a seguir,
significa igualdade de direitos perante a lei no regime democrático.

O regime democrático se pauta pelos debates na assembleia, que envol-


vem todos os cidadãos atenienses, que devem ter habilidades próprias da
Retórica e da Oratória. Logo, essas, para o regime democrático, são de fun-
damental importância.
Entre os grandes sofistas se destacam Protágoras de Abdera e Górgias
de Leontinos.
O primeiro afirma que: “O homem é a medida de todas as coisas, das
que são como são e das que não são como não são”. O que Protágoras está
afirmando é que o ser humano é quem atribui valores a todas as coisas e diz
que as coisas são dessa ou daquela forma, pois, se há uma essência das coisas,
tal essência não é passível de ser conhecida pelo ser humano. Por que o ser
humano não tem conhecimento da essência das coisas? Porque, segundo a
sofística, das coisas o ser humano só tem aquilo que lhe aparece, ou seja, o
fenômeno. Ainda há o fato de ser a partir da linguagem que os seres humanos

– 207 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

tentam dizer o que são as coisas. E a linguagem não é a coisa em si. Dizer
“casa” não é sentir, essencialmente, uma casa.
O segunda afirma: “Nada existe que possa ser conhecido; se pudesse
ser conhecido não poderia ser comunicado; se pudesse ser comunicado
não poderia ser compreendido”. Górgias é mais radical que Protágoras; ele
apresenta a impossibilidade do conhecimento, prenunciando o ceticismo do
período Helenístico.
Notemos que ambos os fragmentos nos colocam perante problemas rela-
tivos à possibilidade do conhecimento e a função da linguagem humana no
processo de comunicação da experiência sobre o mundo. Ou seja, questões
ligadas à pedagogia. Não bastasse isso, os sofistas foram os primeiros a elaborar
uma educação intelectual desligada da educação do corpo. Lembremos que
até então a educação grega combinava a educação do corpo com a educação
da alma: para a primeira a ginástica; para a segunda, a música ‒ aqui, sinô-
nimo de poesia. E, como atenta Aranha (1996, p. 43), os sofistas alargam a
noção de paideia, que inicialmente se referia à educação da criança, passando,
como os sofistas, a se referir, também, à educação continuada do adulto.


Os sofistas foram os primeiros a sistematizar um currículo
educacional, composto de gramática, retórica e dialética;
e, na linha dos pitagóricos, aritmética, geometria, astrono-
mia e música. Tal proposta é a precursora da tradicional
divisão das Sete Artes Liberais, que, na Idade Média, será
a base o currículo escolar, dividido em Trivium e Qua-
drivium, dos quais voltaremos a falar mais à frente.

A sofística não foi muito bem-vista pelos filósofos do período Clássico:
Sócrates, Platão e Aristóteles. A impressão que a tríade deixou sobre a sofística
foi de tal forma negativa que a imagem predominante por muito tempo na
História da Filosofia leva a crer que os sofistas foram apenas um bando de
charlatões, preocupados apenas em enriquecer. O prejuízo decorrente dessa
imagem foi, em parte, a perda das obras atribuídas a esses pensadores, res-

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O homem e sua relação com o mundo: Filosofia e Educação

tando de suas hipóteses esparsos fragmentos e alusões nos textos de seus opo-
sitores, como encontramos, por exemplo, nos Diálogos de Platão.
O próprio termo sofista e seu derivado passaram a ter conotações pejo-
rativas. Embora, por vezes, esqueçamos que o termo sofisticado venha de
sophisés, que traduzimos por sofista, e também, numa tradição anterior ao
advento da sofística, que significava sábio, excelente em uma arte ou técnica,
sensato, prudente.

10.4.2 A questão socrática


Como vimos, um dos opositores da sofística foi Sócrates. Mas quem foi
esse filósofo e que legado nos deixou?
De Sócrates não temos nada escrito, pois este, seguindo à risca a sua
visão sobre o texto escrito ‒ para ele, uma imitação da palavra falada e, como
tal, algo menor, que não contribuía muito para a busca do saber ‒, nada
escreveu. O que temos a repeito de Sócrates nos foi deixado, predominante-
mente, por seu mais ilustre discípulo, Platão. Mas também temos os relatos
de Xenofontes. Ambos, Platão e Xenofontes, por perspectivas e estilos dife-
rentes, dão-nos um Sócrates sábio e modelar. Platão chega mesmo a dizer que
Sócrates foi o homem mais justo que ele conheceu. Muito diferente dessa
imagem é a que nos deixou Aristófanes, um comediógrafo, contemporâneo
de Sócrates. A partir dele, temos um Sócrates malvestido, pobre, que vivia
nas nuvens e se utilizava de artifícios retóricos (aqui, no sentido pejorativo).
Tais registros divergentes e, provavelmente, não isentos de valores ‒ derivados
sejam da excessiva admiração ou da função ridicularizante, típica da comédia
clássica ‒ colocam Sócrates muito mais como um personagem. Disso deriva o
que os estudiosos chamam de “a questão socrática”.
Mesmo assim, sabemos que Sócrates jamais saiu de Atenas e que morreu
em 399 a.C., durante o regime democrático. Morte que fez dele uma espécie
de mártir da Filosofia. Lembramos que a maior parte dos textos que falam de
Sócrates são posteriores a sua morte. Sabemos, também, que ele vivia na ágora
‒ praça pública ‒ e nos ginásios questionando figuras ilustres e quem mais se
aproximasse das rodas de debates promovidas por sua estratégia dialogal. Em
razão disso, muitos jovens o seguiam. E uma das acusações que o levaram a
julgamento foi corromper os jovens; a outra, não crer nos deuses.

– 209 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

Saiba mais
Para saber mais sobre Sócrates assista ao filme Sócrates (1971).

Conta-se que, em certa ocasião, um amigo de infância e membro


do partido democrático de Sócrates, Querefonte, indo a Delfos, cidade
grega onde ficava o mais célebre oráculo da Antiguidade, teria consul-
tado o Oráculo, perguntando se havia homem mais sábio que Sócrates.
Recebeu a resposta de que não havia ninguém mais sábio que Sócra-
tes. Ora, Sócrates vivia dizendo que nada sabia. Como interpretar esse
aparente contrassenso?
O próprio Sócrates, personagem de Platão, na Defesa de Sócrates
(21b-e), responde:
Quando soube daquele oráculo, pus-me a refletir assim: “Que
quererá dizer o deus? Que sentido oculto pôs na resposta? Eu cá
não tenho consciência de ser nem muito sábio nem pouco; que
quererá ele, então, significar declarando-me o mais sábio? Natu-
ralmente, não está mentindo, porque isso lhe é impossível.” Por
longo tempo fiquei nessa incerteza sobre o sentido; por fim, muito
contra meu gosto, decidi-me por uma investigação, que passo a
expor. Fui ter com um dos que passam por sábios, porquanto, se
havia lugar, era ali que, para rebater o oráculo, mostraria ao deus:
“Eis aqui um mais sábio que eu, quando tu disseste que eu o era!”
Submeti a exame essa pessoa ‒ [...]Eis, Atenienses, a impressão
que me ficou do exame e da conversa que tive com ele; achei que
ele passava por sábio aos olhos de muita gente, principalmente aos
seus próprios, mas não o era. Meti-me, então, a explicar-lhe que
supunha ser sábio, mas não o era. A conseqüência foi tornar-me
odiado dele e de muitos dos circunstantes.
Ao retirar-me, ia concluindo de mim para comigo: “Mais sábio do que
esse homem eu sou; é bem provável que nenhum de nós saiba nada de
bom, mas ele supõe saber alguma coisa e não sabe, enquanto eu, se não
sei, tampouco suponho saber. Parece que sou um nadinha mais sábio que
ele exatamente em não supor que saiba o que não sei.”

Tal fragmento é indicativo de que Sócrates era um filósofo no sentido


mais etimológico do termo: não um sábio, mas um amigo da sabedoria, ou
seja, alguém que busca a sabedoria. Mas como se dá essa busca?

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O homem e sua relação com o mundo: Filosofia e Educação


Sócrates costumava dizer que nada ensinava, mas
procurava ajudar as pessoas a buscarem no inte-
rior de si mesmas o conhecimento que tinham.
Tal perspectiva é claramente essencialista ou metafísica, pois
revela uma concepção inatista do conhecimento: de alguma
forma nossa alma já traz – antes mesmo de nosso nasci-
mento, que corresponde ao estabelecimento de uma relação
corpo-alma, matéria-espírito – o conhecimento do Bem, do
Justo e do Belo. Entretanto, tal conhecimento se encontra
adormecido. Assim, segundo Sócrates, o que ele fazia era
ajudar as pessoas a recuperar esse conhecimento que estava
dentro de si. Para tanto, Sócrates inquiria seus interlocutores.

O depoimento de Sócrates, no fragmento da Defesa de Sócrates, apresen-
tado anteriormente, aponta para o método socrático que possuía duas etapas:
22 primeira, a ironia ‒ do grego eironia ‒, perguntar, fingindo igno-
rância ‒ que tem um caráter negativo, pois desconstrói a opinião
(dóxa) apresentada pelo interlocutor sobre algo;
22 segunda, a maiêutica ‒ maieutiké, relativo ao parto8 ‒, mais posi-
tiva, pois consistia em, a partir de outras perguntas, dar à luz as
ideias que cada um tem dentro de si.
Para Sócrates, conhecer era relembrar (anámnesis). Mas, para enten-
dermos tal concepção, devemos aceitar um fundamento religioso no pensa-
mento socrático e sua concepção de alma (psykhé). Ao final da parte Vida e
obra do volume Sócrates da coleção Os pensadores, José Américo Motta
Pessanha esclarece:

8 Sócrates revela (Platão, Teeteto, 148e-151a) que age como as parteiras, mas, enquanto
estas trazem ao mundo corpos, ele traz ideias. Sócrates reforça que, assim como as parteiras,
ela apenas ajuda no nascimento, não faz nascer. Lembremos que Sócrates era filho de uma
parteira, Fenárete.

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História, Filosofia e Sociologia da Educação

Na verdade, Sócrates criou uma nova concepção de alma (piquê), que


passou a dominar a tradição ocidental. Antes, como em Homero, a
psiquê era o “duplo” que podia se desprender provisoriamente durante
o sono ou definitivamente, com a morte, mas que nada tinha a ver
com a vida mental ou as “faculdades” da pessoa. [...] É a partir de
Sócrates – ou pelo menos é na literatura referente a ele e que se seguiu
à sua morte – que surge a concepção de alma como sede da cons-
ciência normal e do caráter, a alma que no cotidiano de cada um é
aquela realidade interior que se manifesta mediante palavras e ações,
podendo ter conhecimento ou ignorância, bondade ou maldade. E
que, por isso, deveria ser o objeto principal da preocupação e dos
cuidados do homem. (1987, p. XXI).

É essa concepção de alma que costura a relação entre conhecimento e


atitudes, fundamentando um “já-saber”. É porque outrora a alma vislum-
brou a perfeição e depois caiu, agarrando-se à matéria ou bebendo no rio do
esquecimento, que a alma participa das ideias, esquecendo-as posteriormente.
Cabendo ao mestre provocar no discípulo o desejo de autoconhecimento.
Sócrates tomou para si uma máxima que encontramos no Oráculo de Delfos:
“Conhece-te a ti mesmo”. Dessa forma, é preciso pensar bem para viver bem.
Outra máxima atribuída a ele: “Uma vida sem reflexão não vale a pena ser
vivida”. A ética de Sócrates parte da ideia de que a ação moral está intima-
mente ligada ao grau de conhecimento do bem. Conhecer o bem, de forma
racional, implica agir bem. Ter conhecimento racional (epistéme) é ser virtu-
oso. Esta, para ele, é uma relação direta.
Assim como os sofistas, Sócrates não se preocupa com a questão cos-
mológica pelo arkhé; traz a reflexão filosófica para um domínio centrado no
homem e em suas questões. Questionar sobre a natureza do bom, do belo e
do justo envolve o agir humano, tanto no aspecto individual (ética) como
no coletivo (política). Em oposição às tradições orientais, o homem ocupa o
centro do pensamento na cultura ateniense do período Clássico, eis por que
podemos falar num humanismo entre os gregos.
Mesmo sendo complicado estabelecer um limite, na obra platônica,
entre o que é de Sócrates e o que é de Platão, muitos estudiosos, ao classificar
as obras de Platão, denominam os Diálogos da juventude como “socráticos”
ou “aporéticos”. Para esses estudiosos, os Diálogos da juventude estão mais
próximos do que seria o pensamento de Sócrates; já os posteriores a esta fase
começariam a apresentar ideias propriamente de Platão. Outra característica

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O homem e sua relação com o mundo: Filosofia e Educação

dos Diálogos da juventude de Platão é serem inconclusos, ou seja, há uma


pergunta que inquieta os personagens, conduzidos por Sócrates. Eles procu-
ram uma definição para determinado objeto de estudo, mas não a encontram,
descobrindo, apenas, que as certezas que tinham sobre o objeto são apenas
opiniões parciais, que não servem para definir universalmente o objeto de
estudo. A esse questionamento que fica sem resposta chamamos aporia. Eis o
porquê da denominação aporético.
Vamos agora ao pensamento de Platão.

10.5 Platão: uma utopia, a


educação dos governantes
Platão nasceu em Atenas9 por volta de 428 a.C. e morreu em cerca de
348 a.C. Assim, viveu entre o apogeu e o declínio de Atenas e foi contempo-
râneo do enfraquecimento de Esparta, duas das mais importantes pólei (plural
de pólis) da época e que eram inimigas. É significativo que, dez anos após a
morte de Platão, Filipe da Macedônia domine a Grécia, perdendo, esta, para
sempre, sua autonomia.
Platão era de família influente e, por sua origem, tendia para a vida polí-
tica. Entretanto, a Grécia vivia em guerra; após o domínio de Esparta sobre
as cidades gregas, instaurou-se, em Atenas, um regime tirânico, denominado
o Governo dos Trinta, do qual participavam parentes e amigos de Platão.
Esse governo impopular foi derrubado pela democracia. Mas, ao que parece,
mesmo essa democracia recuperada não tinha a pujança da democracia dos
tempos de Péricles. Foi durante essa retomada da democracia que Platão pre-
senciou o julgamento, a condenação e a morte de seu mestre: Sócrates. Todas
essas circunstâncias levaram Platão a desacreditar da carreira política, o que
deixa claro na Carta VII (325c-326b):
A mim, que observava essas coisas e os homens que faziam política,
quanto mais examinava as leis e os costumes e avançava em idade,
tanto mais me parecia difícil ser correto o dedicar-me à política.
Pois, sem amigos e companheiros fiéis, não é possível agir. – Ora, não
era fácil achar quem tomasse a iniciativa, uma vez que nossa cidade não

9 Há quem diga que tenha nascido em Égina, uma pequena ilha do mar Egeu que se tornou
possessão de Atenas.

– 213 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

era administrada mais nos costumes e usos dos ancestrais, e não era pos-
sível conseguir com facilidade outros novos amigos e companheiros. –
A corrupção dos artigos das leis e dos costumes alastrava tão espantosa-
mente, que eu, que de início estava pleno de ímpeto para realizar o bem
comum, olhando para eles e vendo-os sendo completamente levados de
qualquer modo, acabei em vertigem. Não deixei, contudo, de esperar
um momento adequado, se, na verdade, a situação e todo o governo
melhorassem, para ainda aproveitar qualquer ocasião de realizar o bem
comum. Acabei por entender que todas as cidades de agora são mal
governadas, pois têm legislação quase incurável, e falta uma preparação
extraordinária aliada à fortuna. Fui obrigado a dizer, louvando a verda-
deira filosofia, que a ela cabe discernir o politicamente justo em tudo
dos indivíduos, e que a espécie dos homens não renunciará aos males
antes que a espécie dos que filosofam correta e verdadeiramente chegue
ao poder político, ou a espécie dos que têm soberania nas cidades, por
alguma graça divina, filosofe realmente.

Após a morte de Sócrates, Platão deixou Atenas, fez diversas viagens;


cogita-se que tenha ido ao Egito, à Ásia Menor, a Creta, ao Sul da Itália e
à Sicília. Numa dessas viagens é provável que tenha encontrado Arquitas,
governador de Tarento, da escola pitagórica. Voltando a Atenas, em torno
de 387 a.C., fundou a Academia – para alguns a primeira escola superior
do Ocidente – com o objetivo de formar o autêntico filósofo, através dos
estudos científicos. Mais ou menos nessa época teria escrito a maior parte
de seu mais conhecido Diálogo A república.

Fonte: SANZIO, Rafael. Escola de Atenas, pintado de 1508 a 1511. Afresco.


Stanza della Segnatura, Vaticano.
Em A república, Platão construiu uma cidade ideal como contraponto
à cidade real, corrompida. Nessa cidade idealizada o filósofo é o governante.

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O homem e sua relação com o mundo: Filosofia e Educação

Mas, para que este chegue a governar, tem de passar por uma longa etapa de
educação. Educação essa que servirá para pôr os olhos na direção correta, evi-
tando que a alma seja corrompida. Sabemos que por, ao menos três ocasiões,
Platão tentou implantar tal proposta. Em todas elas se saiu malogrado. Algo
que leva alguns estudiosos a compararem esta obra do período intermediário
da produção platônica com outra da velhice, que, ao que parece, ficou inaca-
bada: As leis.
Vamos contextualizar um pouco a Educação da época. Esparta e Atenas
eram as cidades modelares também nesse campo. Na primeira predominava
uma rígida educação militar: aos sete anos os jovens eram tirados de suas
famílias, entregues ao Estado; havia treinamento atlético militar rigoroso,
com a finalidade de modelar os espíritos à coragem; os educandos viviam
em comunidade e passavam por diversas provas, semelhantes, ou piores, às
militares de hoje. A segunda seguia um modelo mais privado, onde a edução
ficava sobre a responsabilidade da família; além de aspectos tradicionais da
paideia aristocrática – ginástica e música –, devido à ascensão de outras classes
sociais, Retórica e Oratória se tornaram partes do “currículo escolar”.
Para saber um pouco mais sobre a educação ateniense, tomemos uma
passagem do livro História da Educação, de Maria Lúcia de Arruda Aranha:
Vimos que, passado o período heróico, a educação ainda é aristo-
crática e uma incumbência da família. No final do século VI a.C., já
terminando o período arcaico, aparecem formas simples de escolas.
Embora o Estado demonstre al­gum interesse, o ensino não se torna
nem obriga­tório nem gratuito e continua predominantemente sob a
iniciativa particular.
A educação se inicia aos sete anos. Se a crian­ça é do sexo feminino,
permanece no gineceu, parte da casa onde as mulheres se dedicam
aos afazeres domésticos, pouco importantes em um mundo essencial-
mente masculino. Se é menino, desliga-se da autoridade materna e
inicia a alfabetização e a educação física e musical.
Acompanhado por um escravo, o pedagogo, o menino dirige-se à pales-
tra [lugar para exercícios de luta], onde pratica exercícios físicos. Sob a
orientação do pedó­triba (instrutor físico), é iniciado em corrida, salto, lan-
çamento de disco, de dardo e em luta, as cinco modalidades do pentatlo,
competição famosa de jogos. Aprende assim a fortalecer o corpo e a exercer
domínio sobre si próprio, já que a educação física nunca se reduz à mera
destreza corporal, mas vem acompanhada pela orientação moral e estética.

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História, Filosofia e Sociologia da Educação

Além do preparo físico, a educação musical é extremamente valorizada,


e por isso o pedagogo também leva a criança ao citarista, ou­professor de
cítara. Os gregos eram amantes da música (a arte das musas), de significado
muito amplo, abrangendo a educação artística em ge­ral. Assim, qualquer
jovem bem-educado aprende a tocar lira ou outros instrumentos, como
cítara e flauta. É cultivado o canto, sobre­tudo coral, bem como a decla-
mação de poesias, geralmente acompanhada por instrumento mu­sical. A
dança é expressão abrangente que in­clui o exercício físico e a música.
[...]
O ensino elementar de leitura e escrita, durante muito tempo, merece
menor atenção e cuidado do que as práticas esportivas e musicais já
referi­das. O mestre é geralmente uma pessoa humilde, mal paga e sem
o prestígio do instrutor físico. Com o tempo, à medida que aumenta a
exigência de melhor formação intelectual, delineiam-se três níveis de
educação: elementar, secundária e superior.
O gramático (grammata, literalmente “le­ tra”), também chamado
didáscalo (didasko, “eu ensino”), costuma reunir, em qualquer canto
– sala, tenda, esquina ou praça pública – um grupo de alunos para
ensinar-lhes leitura e escrita. Usa métodos­que dificultam a apren­
dizagem, em que é acentuado o recurso da silabação, repetição,
memo­rização e declamação. Geralmente as crianças apren­dem de cor
os poe­mas de Homero, de Hesíodo, as fá­bulas de Esopo e de outros
autores. Escrevem em tabuinhas enceradas e fazem os cálculos com o
auxílio dos dedos e do ábaco, instrumento de contar constituído de
pequenas bolas.
A educação elementar completa-se por volta dos 13 anos. As crianças
mais pobres saem então em busca de um ofício, enquanto as de famí-
lia rica continuam os estudos, sendo encaminhadas ao ginásio, pala-
vra com diversos sentidos. Inicialmente designa o local para a cultura
física onde, com freqüência, os gregos se apresentam despidos (daí
sua origem etimológica: gimno. “nu”). Com o tempo, as atividades
musicais as direcionam para discussões literárias, abrindo espaço para
o estudo de assuntos gerais com matemática, geometria e astronomia,
sobretudo sob a influência dos filósofos. Com a criação de bibliotecas
e salas de estudo, o ginásio adquire feição mais próxima do conceito
de local de educação secundária.
Dos 16 aos 18 anos, a educação adquire uma dimensão cívica de pre-
paração militar, instituição que se desenvolve por volta do século IV
a.C. e é conhecida como efebia (efebo significa jo­vem). Após a aboli-
ção do serviço militar em Atenas, a efebia passa a constituir a escola
em que se ensina filosofia e literatura.

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O homem e sua relação com o mundo: Filosofia e Educação

Apenas com os sofistas se inicia uma espécie de educação superior.


Eles também se dedicam à profissionalização dos mestres e à didática,
cuidando inclusive da ampliação das disciplinas de estudo.
[...]
Como se vê por este relato, a educação for­mal atende aos filhos da
elite, excluindo os demais. Segundo o legislador Sólon, “as crianças
devem, antes de tudo, aprender a nadar e a ler; em seguida, os pobres
devem exercitar-se na agricultura ou em uma indústria qualquer, ao
passo que os ricos devem se preocupar com a música e a equitação, e
entregar-se à filosofia, à caça e à freqüência aos ginásios”.
Isso significa também que não há preocupação com o ensino profis-
sional, pois os ofícios são aprendidos no próprio mundo do trabalho.
Uma exceção é a medicina, profissão al­tamente considerada entre os
gregos. Os ensinamentos de Hipócrates (460-377 a.C.) são acrescidos
de inúmeras observações, que tor­nam a medicina parte integrante da
cultura geral grega, ao lado de considerações éticas e regras de conduta.
Segundo o helenista Werner Jaeger, esta posição de prestígio decorre
da sua relação com a paidéia, ou seja, o médico é co­locado ao lado do
pedótriba (professor de ginástica), do músico e do poeta. Se o homem
sadio é um ideal grego, é preciso entender que ginastas e médicos con-
cebem a cultura física na sua dimensão espiritual. (1996, p. 52-53).

Com elementos da paideia espartana e da padeia ateniense, Platão com-


pôs sua paideia, que transparece, principalmente, no Diálogo A república.
Vemos, nesta obra platônica, elementos da velha paideia, como a ginástica e
a música. Entretanto, Platão expulsa de sua cidade ideal algumas artes como
certos tipos de pintura e de poesia. Há vasta literatura sobre a censura a essas
artes imitativas. Partamos da fala do próprio texto platônico:
Logo, devemos começar por vigiar os autores de fábulas, e selecio-
nar as que forem boas, e proscrever as más. As que forem escolhidas,
persuadiremos as amas e as mães a contá-las às crianças, e a moldar
as suas almas por meio das fábulas, com muito mais cuidado do que
os corpos com as mãos. Das que agora se contam, a maioria deve
rejeitar-se. (PLATÃO, A república, II, 377c).

O que está por trás disso?


Tentando responder ao dilema entre o mobilismo – o ser é constante
transformação – e o monismo – o ser é uno e sempre o mesmo – que vem da
tradição pré-socrática, do debate entre a Escola de Eléia e Heráclito de Éfeso,
Platão estabelece a separação entre dois mundos: o dos sentidos, mobista; e o

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História, Filosofia e Sociologia da Educação

das Ideias, imutável. Partindo dessa perspectiva, formula, também uma teoria
do conhecimento10, que trata as coisas do mundo sensorial como imitações
das ideias. E, dessa forma, considera o “conhecimento” gerado pelos sentidos
como ilusórios, frutos da dóxa (opinião). Tal concepção é sintetizada na cha-
mada Alegoria da Caverna, à qual votaremos mais à frente. As artes imitativas
– particularmente a poesia homérica, as tragédias e a pintura – são, então,
para Platão, imitações de imitações. Dessa forma, estão muito distantes dos
modelos dados pelas Ideias. E são tais modelos – essências – que devem ser
buscados, no processo de conhecimento.
Além disso, Platão pretendia uma reforma nas bases morais e tendia a
defender uma concepção religiosa monoteísta, aspectos que se chocam com
as características da tradição homérica e das representações dela derivadas na
tragédia e na pintura. Muitos estudiosos de Platão defendem que, no fundo,
sua crítica à paideia homérica é mais ética do que epistêmica, ou seja, refere-se
mais aos aspectos éticos e de conhecimento. Assim, deuses, como os descritos
pela tradição homérica, que mudam de forma, são vingativos, têm raiva e
outras paixões humanas, não servem como modelo ético para o agir humano.
Platão, assim como Sócrates, não tinha grande apreço pela escrita, pois
esta era imitação da linguagem oral. No entanto, Platão, diferentemente de
Sócrates, deixou-nos obras escritas. Mas optou por um estilo literário que
se mostra o mais próximo possível às conversas que tinha na Academia; por
isso, escreveu em forma de diálogo. Eis um claro exemplo de pensador que
reflete, na sua própria forma de escrever, princípios de seu método, do qual
falaremos à frente.

10.5.1 A dialética: muito mais que um método


O método platônico toma por base as etapas do método socrático, já
apresentado. O procedimento dialógico adotado por Sócrates serve para fazer

10 Na realidade, esta é uma terminologia mais adequada para a Modernidade. Em vista disso,
para alguns estudiosos, não haveria, propriamente, entre os filósofos gregos, uma preocupação
sobre se podemos ou não conhecer e como conhecemos o objeto, mas partiria de um pressu-
posto de que esse objeto já é um dado. Logo, não podemos duvidar da possibilidade do conhe-
cimento. Tal abordagem é controversa. Mesmo assim, em Platão, seria mais adequado dizer
uma Teorias das Ideias que tem reverberações na questão sobre o conhecimento.

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O homem e sua relação com o mundo: Filosofia e Educação

com que os interlocutores descubram a debilidade de suas opiniões (argu-


mentos). No entanto, Platão – e o Diálogo A república é um bom exemplo
disso – não mantém essa característica na totalidade em seu método, indo
além no processo de definição conceitual. Assim o processo proposto por Pla-
tão vai das opiniões (dóxa – escuridão) às essências (luzes, ideias – epistéme).
Este caminhar prático/teórico é a dialética; para Platão, a única forma em que
podemos filosofar.
O método da dialéctica é o único que procede, por meio da destrui-
ção das hipóteses, a caminho do autêntico princípio, a fim de tornar
seguros os seus resultados, e que realmente arrasta aos poucos os olhos
da alma da espécie do lodo bárbaro em que está atolada e eleva-os às
alturas […]. (Platão, A república, VII, 533c-d).

O falar está muito ligado ao raciocínio, à construção dos conceitos, ao


ser como essência. O homem é o único animal que fala, tem uma linguagem,
produz conceitos, juízos.
Assim, Platão aposta que o homem consegue se aproximar das coisas em
si, ir além das opiniões. Também crê na possibilidade humana de se chegar –
ou ao menos se aproximar – a algo irrecusável e seguro para todos enquanto
todos são racionais. E, se há essa possibilidade, também é possível, pensa
Platão, alcançar o Bem, o Justo e o Belo. Uma etapa para esse processo é o
procedimento dialogal, o cuidado com as definições conceituais no debate.
Entretanto, o cuidado com a linguagem, a tentativa de não se colocar em
contradição e o polimento na definição conceitual ainda não são suficientes,
pois estão no âmbito da linguagem. E Platão não discorda dos sofistas quanto
a ver na linguagem um dizer algo que esta não é. Eis porque os procedimentos
dialogais apenas prenunciam uma intuição de conhecimento. E, no fundo,
para Platão é essa intuição intelectual que leva o ser humano ao reconheci-
mento das essências (Ideias).
[...] a dialética é o instrumento próprio para chegar ao conhecimento
dos objetos do pensamento – as Idéias puras – e, finalmente, ao seu
objeto último, a Idéia do Bem. Podemos chamar a dialética de lógica
e metafísica, ou simplesmente de filosofia; mas, qualquer que seja
denominação, ela é não apenas o estudo de objetos percebidos pela
mente (mathémata); mas o exame dos primeiros princípios do ser, e
sobretudo daquele que é o primeiro e o último, a Idéia do Bem, causa
do ser e objeto final do conhecimento. (BARKER, 1978, p. 194).

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História, Filosofia e Sociologia da Educação

A dialética é o estágio mais elevado da caminhada que vai da dóxa


à epistéme, ocupando, na “grade curricular” estabelecida em A república,
o último nível, a educação superior. Depois da música, artes e ginástica,
matemática e ciências afins, vem a dialética. Esta dará ao guardião a con-
dição de ver além, de conseguir ver a Justiça, o Bem, as Ideias e tornar-se o
verdadeiro Filósofo.
Sir Ernest Baker (1978, p. 13-184) atualiza este procedimento, explicando-o:
[...] o professor “extrai” do aluno o que ele tem de melhor; na verdade,
seria mais próprio dizer que este “melhor” aparece por si, reagindo à
presença de certos fatores externos, e que a arte do professor consiste
justamente em expor tais fatos diante do aluno.

No próprio caminhar de A república vemos isso: o “professor”, aqui,


Sócrates, faz seus alunos descobrirem, ou reconhecerem, o que seja a Justiça em
sua essência. Dando estímulos que os desvelarão ao que está escondido no seu
“interior”. E aí conhecer-se a si mesmo equivale a conhecer o mundo, as ideias.
Em complemento a uma estratégia mais racional e de uso do raciocínio
lógico, o texto platônico recorre a vários Mitos, ou melhor, Alegorias. Mas
por que isso? Segundo Platão, há certas coisas muito difíceis de explicar. E
mais, há pessoas que não acompanham muito bem uma linguagem lógico-
-argumentativa. Assim, o recurso aos Mitos ou Alegorias facilitam a compre-
ensão, pois têm uma linguagem poética, sem distorções como as de Homero
e outros poetas, e que anima o espírito, provocando a imaginação.
Dessa forma o mito completa o diálogo, como nos esclarece François Châte-
let no volume 1. A filosofia pagã, de História da filosofia: ideias e doutrinas:
O método platônico é demonstrativo e seu instrumento é a “arte”
dialética. Entretanto, freqüentemente, o discurso lógico busca apoio
em imagens ou alegorias, freqüentemente também desemboca em
narrações míticas. Às técnicas indutiva e dedutiva ajuntam-se, pois,
procedimentos que repousam sobre o valor expressivo da analogia ou
da metáfora. […] Nos dois casos, a linguagem do saber é, ela também,
parcialmente inapta para dizer o que é. Duplamente inapta: dema-
siado envolvida no sensível, ela não consegue dizer completamente
a mais alta realidade; demasiado desligada dela, tem dificuldade em
fazer entender o que, “lá em cima”, aprendeu. A imagem, o mito com-
pensam essa insuficiência; compensam-na mas num sentido positivo,
se se pode dizer: a narração lendária enriquece a dialética, aumenta

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O homem e sua relação com o mundo: Filosofia e Educação

seu vigor, acrescenta uma lógica metafórica à lógica da demonstração.


(1981, p. 113).

Ao aliar várias estratégias em seus escritos, Platão pretende não só fisgar


um leitor ou, para sua época, também, um ouvinte especializado, mas qual-
quer um que se dispusesse a trilhar a via para fora da caverna.
Na Alegoria da caverna, o personagem Sócrates solicita a seus interlo-
cutores que imaginem uma série de seres humanos acorrentados no fundo
de uma caverna. Esses seres humanos só podem olhar para o fundo da
caverna. Entre eles e uma fogueira, há uma mureta, por trás da qual passam
vários viajantes, muitos deles carregando objetos na cabeça. O reflexo desses
objetos projeta, no fundo da caverna, sombras, que os prisioneiros acredi-
tam ser a realidade. Alguns até identificam certa regularidade nas sombras
e advinham o que virá. Mas eis que um desses prisioneiros é arrastado do
fundo da caverna para o lado de fora. Sócrates continua conjecturando
que provavelmente tal prisioneiro resistirá e terá dificuldades, no lado de
fora da caverna, de olhar para a luz durante o dia, ficando mais à vontade,
inicialmente, durante a noite. Mas aos poucos seus olhos se acostumarão à
luz e ele poderá, por fim, olhar brevemente para o sol. Esse prisioneiro, ao
voltar à caverna para contar a seus colegas o que realmente é a verdade, será
visto como um louco. E, em razão de sua insistência em mostrar a verdade,
poderá ser morto por seus antigos colegas. Eis um resumo da Alegoria da
caverna que você encontra nas primeiras páginas do Livro VII, do Diálogo
A república de Platão.
Certamente, uma das interpretações possíveis dessa alegoria nos remete
ao processo educacional e à função daqueles que buscam tirar outros de sua
ignorância. Algo que, não raramente, pode incomodar aqueles que desejam
manter o status quo, gerando a morte dos Sócrates que encontramos na vida.
Há aí também um caráter soteriológico em relação ao educador, ou seja, uma
visão deste como aquele que tem a missão de salvador. No fundo, aquele a
quem Platão aponta como o salvador (soter) é o verdadeiro Filósofo, que,
apesar de tudo, se dispõe à difícil tarefa de administrar uma cidade. Mas,
para Platão, apenas a este cabe o papel de administrador ou de conselheiro do
administrado por ser ele o que tem uma alma que mais se recorda da ideias,
das essências e modelos do mundo. Fica claro, então, o teor essencialista ou
metafísico da proposta platônica.

– 221 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

Na linha das diferenciações entre Sócrates e Platão – aceitando a


possibilidade de estabelecer um limite entre um e outro – é bom lembra-
mos, antes de passarmos para o pensamento de Aristóteles, que, enquanto
Sócrates se dedica apenas a questões antropológicas – afastando-se do
foco naturalista e cosmológico dos pensadores originários –, Platão alarga
seus estudos, estabelecendo relações entre cosmologia e antropologia.
Dessa forma, ele também retoma temáticas típicas dos pré-socráticos. A
ordem cósmica11 é tomada como modelo para a ordem política, que deve
ser modelo para a autorregulação do indivíduo. Aliam-se, então, teologia,
cosmologia, ética e política.
Essa retomada também fará parte do pensamento de Aristóteles.
Vamos a ele?

10.6 Do realismo aristotélico


à mentalidade medieval
Aristóteles nasceu em Estagira12 em 384 a.C. Seu pai, Nicômaco, que
morreu quando Aristóteles tinha uns sete anos, foi médico do rei macedônio
Amintos, como apuramos em Chaui (2002, p. 334). Mesmo que educado
por seu tio, Aristóteles se manteve no ambiente da formação médica. Eis algo
que, para muitos comentadores, influenciou sua tendência, mais tarde, aos
estudos da natureza e da biologia.
Aos dezoito anos Aristóteles vai para Atenas e ingressa na Academia de
Platão. É interessante notar que, na faixada de entrada da Academia, estava
escrito: “Aqui só entra matemático”. Mas Aristóteles estava mais ligado à
biologia. Talvez em razão disso corre uma anedota de que o estagirita tenha
entrado pela janela da Academia. Jocosidades à parte, a situação reflete a
oposição entre a mentalidade platônica e a aristotélica. Isso, entretanto, não
indica que o estagirita foi desafeto de Platão. Muito pelo contrário, ambos
tecem elogios entre si.
11 Que, se pensarmos etimologicamente, é um pleonasmo, pois kósmos, em grego, significa:
ordenado; ornado.
12 Cidade fundada por gregos, onde se falava grego, mas nos domínios dos macedônios. Algo
que fazia com que alguns gregos não vissem os estagiritas como gregos.

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O homem e sua relação com o mundo: Filosofia e Educação

Depois de um tempo na Academia, Aristóteles funda, em 335 a.C., o


Liceu. Este ficava num bosque dedicado às Musas e a Apolo Lício. Com-
punham o Liceu: uma edificação, na qual encontramos a primeira biblio-
teca e um museu ligados diretamente ao ensino; um jardim; e uma área
de passeio.


O termo grego para passeio é perípatos; a ação de pas-
sear, peripatéô. Termos formados por um prefixo perí-, que
indica: a volta de, em torno, sobre ou em vista de; e patéô,
que significa: pisar, marchar, caminhar, percorrer; conforme
apuramos em Chaui (2002, p. 508). Sabemos que no
Liceu as lições, por vezes, eram dadas em caminhadas.
Dessa forma, Aristóteles e os estudantes, transitando pelo
passeio do jardim liceísta, debatiam animadamente filosofia.
Eis o porquê da denominação peripatéticos para os mem-
bros da escola aristotélica. A dar conta de alguns relatos, o
Liceu alcançou prestígio grandioso, reunindo cerca de dois
mil alunos.

Diversas fontes atestam que, a partir dos quatorze anos, Alexandre, o


Grande, teve como seu preceptor – um tipo de professor particular – Aristó-
teles. Os registros de que o estagirita teria ensinado ao futuro imperador são
escassos. Entretanto, como aponta Chaui (2002, p. 335-336):
Pelos escritos políticos aristotélicos, porém, podemos inferir que,
pelo menos, duas ideias foram transmitidas a Alexandre: a de que
a Grécia não sobreviveria dividida em cidades rivais, mas preci-
sava ser pacificada sem recorrer a um governo central; e a de que
a Macedônia era mais grega do que oriental, que havia diferenças
profundas entre os gregos e os “bárbaros” e que não era possível
unificá-los, pois os primeiros estavam, por natureza e por costume,
habituados à liberdade enquanto os segundos eram, por natureza e
por costume, afeitos ao despotismo.

Pelo que sabemos da história, Alexandre não levou em consideração


nenhum desses ensinamentos.

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História, Filosofia e Sociologia da Educação

Dica de filme
Para ter em mente um pouco das atitudes de Alexandre em relação
a suas conquistas, recomendamos assistir ao filme Alexandre, o
Grande (2004). Nesse mesmo filme, encontramos uma sequên-
cia onde aparece Aristóteles dando aulas ao jovem Alexandre.

Alguns atenienses começaram a ver Aristóteles com desconfiança por


diversos fatores: ele ser de Estagira; ter sido preceptor de Alexandre – muitos
gregos não gostaram das investidas, por vezes, violentas do imperador macedô-
nio na Grécia –; ter divergências com outros membros da Academia, principal-
mente quanto ao papel central da matemática na paideia da Academia. Com
a morte de Alexandre, eclodiram, em Atenas, posições antimacedônicas mais
radicais. Eis os motivos que levaram Aristóteles a se retirar de Atenas e, ainda
conforme apuramos em Chaui (2002, p. 337), estabelecer-se em Cálcis, na
Eubeia, onde não tardou a falecer, em 321 ou 322 a.C., aos sessenta e três anos.
Quanto à sua obra, o que sobrou para a posteridade foram, no geral,
escritos para o público interno do Liceu. Escritos esses derivados, na maio-
ria, dos apontamentos que Teofrastos e Eudemo – auxiliares do estagirita no
Liceu – fizeram. Esse aspecto diferencia os registros que temos do estagirita
daqueles que temos de seu mestre: os de Platão são escritos para os de fora
da Academia; os de Aristóteles, para os peripatéticos. Além disso, boa parte
do que temos hoje desses escritos se perderam no Ocidente, já no final da
Antiguidade. Houve, também, transferências para o mundo Oriental, e, mais
tarde, esses escritos foram absorvidos pela cultura islâmica. Com a expansão
do Islã, durante o século VI d.C., chegando à Europa Ocidental a partir
do século seguinte, na Península Ibérica, os textos do estagirita voltaram à
Europa Ocidental.
Uma das principais divergências de Aristóteles com o seu mestre é
quanto à Teoria das Ideias. Para esta as essências (ou Ideias) estão no mundo
suprassensível (Mundo Inteligível ou das Ideias), caracterizando uma con-
cepção idealista; já aquilo que tomamos por realidade, o Mundo Sensível, é
mera cópia ou reflexo do Mundo das Ideias. Mas o estagirita não vê as coisas
assim. Defendendo que as essências estão nas próprias coisas, sua Metafísica

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O homem e sua relação com o mundo: Filosofia e Educação

ou Filosofia Primeira13 considera a substância ou essência (ousía) um com-


posto de matéria (idéa) e forma (hýle). A essa perspectiva, muitos dão o nome
de realista14.
Mesmo que trilhando caminhos diferentes, o idealismo platônico e o
realismo aristotélico são perspectivas essencialistas ou metafísicas, pois ambas
procuram determinar a essência de cada coisa, aquilo que define a natureza
própria de cada coisa, a despeito de suas características acidentais.


Explicitando melhor. Para Aristóteles, há dois tipos de catego-
rias – predicações, atribuições – para as coisas: substância e
acidentes. A substância é aquilo que faz de um objeto o que
este é; os acidentes ou atributos são características mutáveis dos
objetos, ou seja, com ou sem esses, o objeto continua a ser
o que é. Exemplificando: o enunciado “Sócrates é homem”
indica uma predicação substancial ou essencial de Sócrates. Já
“Sócrates é careca” enuncia um acidente, pois Sócrates outrora
ostentava vasta cabeleira

Ao usar esses pares de opostos – substâncias e acidentes –, Aristóteles


tentou, assim como seu mestre, responder ao dilema entre monismo e mobi-
lismo, deixados pela tradição pré-socrática. É o que Danilo Marcondes, em
Iniciação à história da filosofia, explicita:
Contra o monismo de Parmênides, Aristóteles defende a concepção
de uma natureza plural, na medida em que composta de indivíduos;
porém, isso não deve ser visto como problemático, desde que algu-

13 O termo Metafísica não é empregado por Aristóteles, mas deriva da catalogação das obras
de Aristóteles feita por Adrônico de Rodes, no século I d.C., consolidando o que chamamos
Corpus aristotelicus. Depois de catalogar as obras que tratavam da natureza, phýsis, sobraram
alguns escritos cujos temas não se encaixavam em nenhuma das classificações anteriores. A
estes Andrônico deu o nome de Metà tà phýsiká, ou seja, As coisas depois da física: Metafísica.
Aristóteles denominava os estudos sobre Ser enquanto Ser, com Próte Philosophía, ou seja,
Filosofia Primeira, conforme apuramos em Chaui (2002, p. 505).
14 É uma estratégia didática opor realismo a idealismo. Entretanto, no fundo, Platão também
é realista, só que, para ele, a realidade são as Ideias, e não o mundo concreto.

– 225 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

mas distinções básicas sejam feitas acerca da noção de ser. Há, na


verdade, segundo Aristóteles, uma confusão em torno dos vários
sentidos e usos do verbo “ser” em grego (einai). As coisas existem
de diferentes maneiras, ou seja, o modo de existência da substância
individual é diferente do das qualidades, quantidades, e relações, já
que estas dependem das substâncias. [...] A mudança só é conside-
rada contraditória pelos monistas porque ela envolve o problema
da identidade, é interpretada como equivalendo a dizer que o ser é
e não é. Contudo, o verbo “ser” nem sempre expressa identidade,
podendo ter um uso atributivo ou predicativo, designando uma
característica do objeto. (1998, p. 72-73).

Assim, entende o estagirita, o movimento é a passagem da potência ao


ato. Explicando melhor: uma semente tem em si uma potência de se trans-
formar em uma planta. Essa passagem do estado de semente para o de planta
não é por acaso. Eis aí outro aspecto importante na perspectiva aristotélica.
Para o estagirita, o ser se diz (ou se conhece) pelas causas, que são quatro:
22 Causa formal: forma ou modelo, aquilo que faz a coisa ser o que é.
22 Causa material: aquilo de que algo é feito.
22 Causa eficiente: aquilo que produz mudança em algo.
22 Causa final: o propósito ou a finalidade de algo.
Tomemos um exemplo para melhor explicitar isso. Para darmos conta
do que é um copo, Aristóteles diria que temos de fazer as seguintes perguntas:
22 Qual a sua forma? Resposta: cilíndrica (causa formal).
22 De que é feito? Resposta: ou plástico, ou vidro, ou argila (causa
material).
22 Como foi feito ou por quem foi feito? Resposta: por um processo
industrial; ou por um ceramista (causa eficiente).
22 Para que foi feito? Resposta: para conter algo, por exemplo, a água
que bebemos (causa final).
Ainda explicando o movimento, Aristóteles dirá que tudo tende para
a perfeição. Dessa forma, o movimento é derivado da necessidade de suprir
alguma carência. Se buscamos conhecimento é porque não o temos e tê-lo é

– 226 –
O homem e sua relação com o mundo: Filosofia e Educação

um estado de perfeição. Assim, discorda o estagirita de seu mestre quanto já


possuímos as Ideias ou conceitos universais.
Para Aristóteles chegamos aos universais a partir da experiência, ou
seja, de um conjunto de impressões particulares que, de alguma forma,
fazem com que venhamos a construir um modelo e, de um dado momento
em diante, passemos a identificar outros objetos semelhantes a um dado
conceito. Tomemos outra exemplificação para entendermos melhor a dife-
renciação entre Platão e Aristóteles nesse aspecto. Para Platão a noção de
Beleza é inata, ou seja, nossa alma já a carrega, por ter, outrora, participado
da perfeição, do Mundo das Ideias. Ao olharmos para algo belo, temos a
lembrança da Beleza. Aristóteles diria que experimentamos uma série de
coisas que tomamos por belas, seja por aspectos formais ou sensoriais (que
agradam); é desse conjunto de experiências que, a partir de certo momento,
formulamos o conceito de Beleza. Ou seja, o conceito de Beleza, para o
estagirita, não é algo inato. Entretanto, ainda podemos ver em Aristóteles
um inatismo quando indica que nenhum ser adquire aquilo que não está
apto a adquirir. Exemplo, não será impossível a um cego saber o que é
verde, pois lhe falta a faculdade da visão.
O exposto anteriormente releva a diferenciação entre Platão e Aristó-
teles quanto ao papel dos sentidos na Teoria do conhecimento. O primeiro
afirma serem os sentidos fonte de ilusões e, em razão disso, não conduzirem
ao conhecimento. Aristóteles, embora ainda privilegie o conhecimento inte-
lectual, dá ao conhecimento sensório um lugar no processo cognitivo. Isso o
faz, também, ter outra posição sobre o papel da imitação (mímesis) e, con-
sequentemente, das artes imitativas na paideia. Logo no início de sua obra
Metafísica, parece apontar para isso:
Todos os homens, por natureza, tendem ao saber. Sinal disso é o amor
pelas sensações. [...] e amam, acima de todas, a sensação da visão.
[...] E o motivo está no fato de que a visão nos proporciona mais
conhecimentos do que todas as outras sensações e nos torna manifes-
tas numerosas diferenças entre as coisas.
Os animais são naturalmente dotados de sensação; mas em alguns da
sensação não nasce a memória, ao passo que em outros nasce. Por isso
estes últimos são mais inteligentes e mais aptos a aprender do que os
que não têm capacidade de recordar. São inteligentes, mas incapazes
de aprender, todos os animais incapacitados de ouvir os sons [...]; ao

– 227 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

contrário, aprendem todos os que, além da memória, possuem tam-


bém o sentido da audição.
[...] Nos homens, a experiência deriva da memória. De fato, muitas
recordações do mesmo objeto chegam a constituir uma experiência
única. A experiência parece um pouco semelhante à ciência e à arte.
Com efeito, os homens adquirem ciência e arte por meio da experi-
ência. A experiência, como diz Polo, produz a arte, enquanto a inex-
periência produz o puro acaso. A arte se produz quando, de muitas
observações da experiência, forma-se um juízo geral e único passível
de ser referido a todos os casos semelhantes.
[...]
Ora, em vista da atividade prática, a experiência em nada parece dife-
rir da arte; antes, os empíricos têm mais sucesso do que os que pos-
suem a teoria sem a prática. E a razão disso é a seguinte: a experiência
é conhecimento dos particulares, enquanto a arte é conhecimento dos
universais; ora, todas as ações e as produções referem-se ao particular.
[...] Portanto, se alguém possui a teoria sem a experiência e conhece o
universal mas não conhece o particular que nele está contido, muitas
vezes errará o tratamento, porque o tratamento se dirige, justamente,
ao indivíduo particular.
Todavia, consideramos que o saber e o entender sejam mais próprios
da arte do que da experiência, e julgamos os que possuem a arte mais
sábios do que os que só possuem a experiência, na medida em que
estamos convencidos de que a sapiência, em cada um dos homens,
corresponda à sua capacidade de conhecer. E isso porque os primeiros
conhecem a causa, enquanto os outros não a conhecem. Os empíricos
conhecem o puro dado de fato, mas não seu porquê; ao contrário, os
outros conhecem o porquê e a causa. (A, 988a-981b).

Além de apontar para o papel dos sentidos, a passagem supracitada tam-


bém revela uma hierarquia do conhecimento: passando da sensação (aisthesis)
para a memória (mnemósine); desta para a experiência (empeiria); que resulta
na arte ou técnica (tékhne); e, finalmente, na teoria ou ciência (epistema).
Dessa hierarquização dos estágios do conhecimento, temos também, em
Aristóteles, a divisão do conhecimento em três tipos:
22 Prático (praxis): são os conhecimentos ligados à ética e à política,
que não dependem propriamente da verdade, mas dos resultados,
pois as ações éticas e políticas afetam a vida de cada um, produ-
zindo felicidade ou infelicidade.

– 228 –
O homem e sua relação com o mundo: Filosofia e Educação

22 Produtivo ou poético (poiesis): são os saberes que envolvem a


capacidade de produzir algo, que podem ser tanto objetos reais
como artísticos.
22 Teórico: são os conhecimentos que se referem à realidade – no
sentido de ser das coisas, essência ou substância –, dividindo-se em:
físicos (que tratam do mundo natural); matemáticos (que tratam
das quantidades e dos números); e, no nível mais elevado, a filosofia
primeira e a teologia.
Vejamos, agora, um pouco da psicologia – entendida, aqui, como
tratado sobre a alma (psýkhé) – de Aristóteles. O estagirita fala de facul-
dades ou funções ou partes da alma. Mais uma vez trazemos o texto
de Chaui (2002, p. 419-420) para ilustrar melhor. Assim, as almas ou
funções são:
• alma ou função nutritiva e reprodutiva, existente em todos os
seres vivos ou animados; opera para conservar e reproduzir a vida;
[...] não há nenhum exercício de conhecimento;
• alma ou função sensitiva, existente somente nos animais e sur-
gindo com diferentes capacidades à medida que se sobe na
escala dos seres vivos. [Nessa ordem]: tato, paladar, olfato,
audição e visão. Essa alma ou função dá início ao conheci-
mento: a sensação (aísthesis). [...] a alma sensitiva possui mais
duas funções: a de sentir prazer e dor, e no homem, [também],
tem a função de imaginar e lembrar;
• alma ou função locomotora-apetitiva, existente nos animais dota-
dos de sensação e memória: é o que faz buscar os objetos de pra-
zer e fugir dos que causam dor, ou seja, realiza o movimento do
apetite ou desejo; no homem, o apetite ou desejo refere-se não
só à sensação, mas também à imaginação. [...] [É] considerada
locomotora porque incita à mudança de lugar [...];
• alma ou função intelectual ou intelectiva, exclusiva do homem, res-
ponsável pelo conhecimento intelectual. Essa função subdivide-se
em duas: intelecto passivo, quando o conhecimento depende dos
objetos oferecidos pela sensação, pela memória, pela imaginação
e pelo apetite; intelecto ativo, quando o conhecimento depende
exclusivamente da atividade do próprio pensamento.

Aristóteles é o pai da Lógica. Mas o que é a Lógica e qual seu papel?

– 229 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

Resumidamente, a Lógica, para o estagirita, é um instrumento (órga-


non) que tem por função assegurar a possibilidade de um conhecimento
objetivo, ou seja, universal e necessário. Não entraremos, aqui, em detalhes
sobre o funcionamento da Lógica aristotélica, mas cabe indicar que Aristó-
teles, assim como muitos outros pensadores de sua época, identificou que
a linguagem comum apresenta ambiguidades e tais ambiguidades resultam
em problemas de comunicação. Ora, se é por meio da linguagem que os
seres humanos trocam experiências (conhecimentos), para ter conhecimen-
tos seguros temos que estabelecer regras de raciocínio.
Ao tratar das regras de raciocínio, Aristóteles estabelece princípios e
classificações de proposições. Combinando regra, princípios e classificações,
Aristóteles contribuiu para diminuir os problemas da linguagem comum,
facilitando o encadeamento de juízos adequados à formulação do
conhecimentos objetivos.

Saiba mais
Para entender melhor a Lógica de Aristóteles, consulte algum
manual de História da Filosofia. Recomendamos o de Marilena
Chaui, Introdução à história da filosofia, volume 1, Dos pré-
-socráticos a Aristóteles, e o de Giovanni Reale e Dario Anti-
seri, História da filosofia, volume 1, Filosofia pagã.

Apontamos anteriormente para a questão do papel das artes imitativas


em Aristóteles. Cabe retomarmos rapidamente esse aspecto, pois tem impli-
cações pedagógicas.
Há na Poética de Aristóteles uma passagem muito comentada, que
transcrevemos:
É pois a Tragédia imitação de uma ação de caráter elevado, completa
e de certa extensão, em linguagem ornamentada e com as várias espé-
cies de ornamentos distribuídas pelas diversas partes [do drama],
[imitação que se efetua não por narrativa, mas mediante atores, e que,
suscitando o “terror e a piedade, tem por efeito a purificação dessas
emoções”. (1449b-24-30).

O que Aristóteles parece apontar é que as artes – a tragédia em parti-


cular – têm um papel de fazer com que possamos reavaliar nossas próprias

– 230 –
O homem e sua relação com o mundo: Filosofia e Educação

atitudes, melhorando nosso caráter. Logo, essa função catártica – de purgação


ou purificação – é didática quanto ao aspecto ético. E mais, para o estagirita
boa parte do que aprendemos é por imitação, principalmente no campo dos
conhecimentos práticos e poéticos.
Para Aristóteles, as virtudes éticas e políticas podem ser ensinadas. Algo
bem diferente do que Sócrates – personagem de Platão – defende no Diálogo
Mênon, por exemplo. Enquanto Platão pensa num governo de aristocratas –
poucos e sábios –, Aristóteles pensa numa República governada por alguém
que não seja nem pobre nem rico, um homem de classe média. Aliás, a areté –
excelência moral, virtude –, para o estagirita, é resultante de um meio-termo
(meso metron) entre uma carência e um excesso, é uma disposição de caráter
para o bem agir. Entretanto, concorda com seu mestre que o governante e as
leis devem levar os cidadãos à vida harmoniosa.
Ética e política têm, em Aristóteles, a finalidade de propiciar a felici-
dade ou bem-estar (eudaimonia) para o ser humano. Ser este que o estagirita
definiu como animal político e racional, mais precisamente que usa o lógos,
ou seja, que fala. Logo, a realização humana, para o estagirita, consiste em
desenvolver aquilo que é mais próprio do ser humano: sua racionalidade,
orientada pela virtude da mediania, para atingir a felicidade, finalidade da
vida humana. Aqui, educar busca conduzir e preparar o ser humano para as
boas escolhas, vislumbrando a virtude e a felicidade.

10.6.1 Passando pelo período Helenístico


Antes de avançarmos à mentalidade medieval, é bom lembrarmos que
as contribuições deixadas pela mentalidade grega não terminaram como o
fim do período Clássico. Ainda sobre o domínio dos macedônios e dos roma-
nos, essa mentalidade deixou um grande legado para o Ocidente. O período
Helenístico, por exemplo, legou-nos a formulação dos manuais de gramática,
que ainda hoje servem de base para as chamadas Gramáticas Modernas; a
matemática euclidiana; a astrofísica de Aristarco de Samos, que, muito antes
de Copérnico, apresentou a teoria heliocêntrica. Além dessas contribuições,
na filosofia tivemos as visões do ceticismo, do epicurismo e do estoicismo.
Filosofias que têm um teor mais prático e tentaram dar respostas a um mundo
onde a autonomia política não era mais possível. Restava, então, pensar a
autonomia interior. Muitas dessas filosofias helenísticas chegaram ao mundo

– 231 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

da cultura greco-romana e, por fim, influenciaram e foram influenciadas por


uma nova mentalidade que surgia no limiar da Antiguidade: o cristianismo.
Eis o apontar para a mentalidade medieval.

10.6.2 A difusão do Cristianismo


Foi no contexto do Império Romano que surgiu o Cristianismo. Como
toda religião, inicialmente, sustentou-se na fé. Mas, ao que parece, para o seu
desenvolvimento e a sua aceitação, isso não foi suficiente. Por quê?
O Cristianismo ‒ como o próprio termo indica ‒ difundiu-se a partir
das pregações de Jesus de Nazaré pela Judeia, domínio do Império Romano,
no primeiro século da Era Cristã. O nazareno se anunciava como filho de
Deus, pregando o amor ao próximo, a benevolência e o desprezo aos valores
mundanos em troca de outra morada, a verdadeira, no reino dos céus.
Com a morte de seu mestre, os nazarenos, como se denominavam os
primeiros cristãos, mais particularmente os discípulos de Cristo ‒ os apósto-
los ‒, tomaram para si a tarefa de difundir a boa-nova15. Em suas viagens de
evangelização, chegaram a espaços dominados por outras culturas. Entre elas,
o espaço da cultura helenística.
Embora alguns vejam a cultura helenística como manifestação da deca-
dência da cultura grega, é incontestável que o mundo Ocidental ainda era
culturalmente grego. Enfrentar uma tradição milenar não era tarefa fácil.
Ainda que alguns dos primeiros grandes padres da Igreja Cristã tenham ten-
tado levar a boa-nova partindo tão somente da fé, isso só servia para propagá-
-la entre as classes sociais menos privilegiadas.

Antes de avançarmos, cabe um esclarecimento. Quando usamos
os termos “mentalidade medieval”, não estamos falando de algo
restrito à Idade Média, e sim de uma perspectiva que, embora
domine e caracterize a Idade Média, nasceu muito antes desta
e sobreviveu ao ocaso desta. O mesmo ocorre com o termo
“cultura helenística”, que ultrapassou o período Helenístico.

15 Em grego, eu aggelós, literalmente, boa mensagem, evangelho.

– 232 –
O homem e sua relação com o mundo: Filosofia e Educação

Para maior aceitação oficial do Cristianismo, a conversão de pessoas de


classes mais elevadas se fazia necessária. Para se chegar a elas, um discurso
mais elaborado era imprescindível, até porque a habilidade discursiva ‒ o
lógos ‒ era uma característica inerente à mentalidade greco-romana. E, se lem-
brarmos que, nos primeiros séculos da Era Cristã, os cristãos eram persegui-
dos, converter autoridades do Império também seria útil. Eis um dos papéis
da filosofia tomada pelos filósofos cristãos.

É nessa relação entre a classe intelectualizada da
cultura pagã e o nascente Cristianismo que encon-
tramos o dilema que perpassou toda a mentali-
dade medieval: o debate entre fé e razão.

Na linha dessa relação entre cultura grega e cultura cristã, na tentativa de
conciliar fé e razão, temos duas grandes perspectivas: a Patrística e a Escolás-
tica. Esta surge já no adiantado da Idade Média; aquela ainda na Antiguidade,
com os primeiros padres da Igreja Cristã.

Saiba mais
Patrística é a Filosofia dos primeiros Padres da Igreja, caracte-
rizada, principalmente, por defender a fé e procura converter
os não cristãos. Tem, predominantemente, um teor platônico.
A Escolástica determina o conhecimento elaborado e ensi-
nado nas escolas medievais, sobretudo nas “palacianas”, que
versava sobre a linguagem, a natureza, a filosofia e a teologia.
Tem uma ligação muito grande com as Universidades e possui
teor, predominantemente, aristotélico.

Mas, antes de nos aprofundarmos nessas perspectivas, precisamos enten-


der melhor os fatores sociais e políticos que evidenciaram o surgimento da
mentalidade medieval.

– 233 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

O Cristianismo, assim como as escolas Helenísticas, procura responder a


duas inquietações típicas do final da Antiguidade: o medo da morte e o medo
dos castigos dos deuses. À primeira inquietação, o Cristianismo responde
com a vida após a morte; à segunda, oferece a imagem de um deus único e
amoroso, do qual só o bem pode brotar.
A religião oficial, no período do aparecimento do Cristianismo, era a
romana. Uma religião politeísta, que havia absorvido uma série de elementos
da mitologia grega. O fato de o Cristianismo ser monoteísta e universal o
contrapõe à religiosidade romana.
Mas, como já dissemos em outro momento, a:
[...] maior ameaça à estrutura militar e escravista da Roma Imperial é
o fato de [o Cristianismo] condenar o militarismo e defender a igual-
dade entre os homens. Estas divergências levam a uma violenta perse-
guição aos cristãos. São conhecidas as narrativas de uso, por parte dos
romanos, de cristãos nos espetáculos de arena, onde estes – os cristãos
– eram jogados aos leões.
Entretanto, a resistência dos cristãos, produtora de mártires, é um dos
fatores importantes de sua divulgação e expansão. E, conforme a crise
do Império Romano ia se agravando, muitos se converteram para a
nova religião, particularmente cativos e pobres, pois estes visualiza-
vam alento para suas vidas na nova fé. Aos poucos, o Cristianismo
vai sendo aceito pelo Império Romano e, finalmente, em 313, com o
Edito de Milão, promulgado pelo imperador Constantino, é dada a
liberdade de culto aos cristãos.
Inicialmente, a estrutura hierárquica do Cristianismo era mais dilu-
ída. Nas primeiras comunidades, os presbíteros (ou padres) eram res-
ponsáveis pela divulgação da doutrina, da organização das reuniões e
pelo culto; os diáconos, pelas questões administrativas; e aos bispos
cabia zelar pela preservação dos princípios cristãos. Do século IV em
diante, o bispo de Roma passa a ter primazia em relação aos outros e,
com Leão I, em 455, cria-se o mais alto posto eclesiástico: o de Papa.
A partir daí, a Igreja vai tomando um caráter mais imperial, embora
ainda conviva com uma postura mais apostólica. (MARQUES; NESI,
2011, p. 35-36).

No limiar da Idade Média, devemos levar em conta outro elemento: as


invasões bárbaras, que aguçam os medos na fase inicial desse período. A pró-
pria demarcação historiográfica tradicional da Idade Média está relacionada
aos fatos que envolvem os povos bárbaros: a tomada de Roma pelos germanos

– 234 –
O homem e sua relação com o mundo: Filosofia e Educação

e a consequente derrocada do Império Romano do Ocidente, em 476; e o


ataque a Constantinopla, capital do Império Romano do Oriente, com sua
conquista pelos turcos otomanos em 1453.
Embora, no geral, os reinos que os diversos povos bárbaros constituíram
ao longo dos primeiros séculos da Idade Média não durassem muito, um
em especial teve grande importância para a consolidação da Igreja Cristã: o
Império Carolíngio, na figura de Carlos Magno.
Exemplar é a cerimônia de coroação do Imperador dos francos, Car-
los Magno, pelo Papa Leão III, no ano 800. Tal fato pode ser consi-
derado a primeira tentativa de recuperar a antiga unidade do Império
Romano, formando o Sacro Império Romano-Germânico. (MAR-
QUES; NESI, 2011, p. 37).

Com a consolidação do poder institucional da Igreja Cristã, estamos


próximos do aparecimento da Escolástica. É nesse período, final do domínio
da Patrística e início da Escolástica, que surgem as ordem monásticas cristãs;
a primeira é a dos Beneditinos, fundada por São Bento, em 529. Como atesta
Maria Lúcia de Arruda Aranha, em sua História da educação:
Criar escolas não é a finalidade principal dos mosteiros, mas a ativi-
dade pedagógica se torna inevitável à medida que é preciso instruir os
novos irmãos. Surgem então as escolas monacais (nos mosteiros), em
que se aprende o latim e as humanidades. Os melhores alunos coroam
a aprendizagem com o estudo da filosofia e da teologia.
Os mosteiros assumem o monopólio da ciência e se tornam o princi-
pal reduto da cultura. Guardam nas bibliotecas os tesouros da cultura
greco-latina, traduzem obras para o latim, adaptam algumas e reinter-
pretam outras à luz do cristianismo. Monges copistas, pacientemente,
multiplicam os textos clássicos. (1996, p. 76).

Eis um resumo do que constituiu o contexto do surgimento e desenvol-


vimento da Patrística. Mas, filosoficamente, como ela se caracterizava?
De forma bem básica podemos dizer que a Patrística caracteriza-se pelo
uso predominantemente da filosofia platônica ou do neoplatonismo dela
derivado para harmonizar fé e razão. Tem, como sintetiza Aranha (1996, p.
72), intenções apologéticas, que buscam defender a fé e converter os não cris-
tãos. Em termos filosóficos, divide-se em duas grandes correntes: a Grega e a
Latina. Um dos grandes expoentes da perspectiva latina foi Santo Agostinho.

– 235 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

10.6.3 Santo Agostinho


Aurélio Agostinho (354-430), o bispo de Hipona, nasceu em Targa,
Nnorte da África, e falaceu em Hipona, quando da invasão dos vândalos.
Passou por diversas correntes de pensamento da época, entre elas o mani-
queísmo16 e o neoplatonismo. A dar conta de alguns relatos, foi um jovem
inquieto de vida não muito exemplar para os modelos cristãos; matava aulas,
viveu em concubinato com uma mulher, pois, na época, por seu estrato social,
não poderia se casar com alguém de uma classe social inferior. Tudo isso foi
esquecido com sua conversão, que se deu aos 32 anos.

Dica de filme
Para se ter uma melhor ideia da vida de Agostinho, recomendamos
o filme Santo Agostinho: o declínio do Império Romano (2010).

As grandes contribuições de Agostinho para a Filosofia foram, como


apuramos em Marcondes (1998):
22 A formulação das relações entre teologia e filosofia, entre razão e fé.
22 A Teoria do conhecimento, enfatizando a questão da subjetividade
e da interioridade.
22 A Teoria da história, que relacionava a Cidade de Deus e a cidade
dos homens.
Uma de suas obras específicas sobre educação é De magistro. Obra
escrita de foma dialogal ‒ o que aponta para a influência do estilo literário
platônico ‒, nela Agostinho estabelece um diálogo fictício com Adelardo ‒
nome de seu filho ‒, no qual discutem sobre o que é ensinar e o que é apren-
der e qual o papel da linguagem nesse contexto.

16 Segundo o Houaiss eletrônico (2009): “[...] dualismo religioso sincretista que se originou na
Pérsia e foi amplamente difundido no Império Romano (s. III d.C. e IV d.C.), cuja doutrina con-
sistia basicamente em afirmar a existência de um conflito cósmico entre o reino da luz (o Bem) e
o das sombras (o Mal), em localizar a matéria e a carne no reino das sombras, e em afirmar que
ao homem se impunha o dever de ajudar à vitória do Bem por meio de práticas ascéticas [...]”.

– 236 –
O homem e sua relação com o mundo: Filosofia e Educação

Danilo Marcondes, em sua obra Textos de linguagem: de Platão a


Foucault, apresenta um resumo contextualizado dessa obra:
O diálogo De magistro (c.389) nos permite compreender bem a
posição agostiniana a respeito da questão do inatismo. [...] Na mesma
linha [de Platão], Santo Agostinho começa se interrogando sobre o
que é ensinar e apreender ‒ o que torna esse diálogo, em sua parte
inicial, um dos textos clássicos da pedagogia. lndaga-se, em seguida,
sobre o papel da linguagem e da comunicação no processo de ensino
e de aprendizagem, fazendo do diálogo também um dos clássicos da
teoria da linguagem e do significado, assunto de que Santo Agostinho
se ocupou [...] em várias de suas obras, sendo sua teoria do signo de
grande influência na tradição filosófica e linguística [...].
Após uma detalhada consideração da natureza do signo e do processo
de comunicação (De magistro l-Vlll), Santo Agostinho conclui, na
linha das concepções tradicionais na Antiguidade (Platão, Aristóteles,
os estoicos), que dada a sua convencionalidade ‒ isto é, as palavras
variam de língua para língua e são sinais arbitrários das coisas ‒, o
signo linguístico não pode ter qualquer valor cognitivo mais pro-
fundo. Portanto, não é através das palavras que conhecemos, e assim
sendo não podemos transmitir conhecimento pela linguagem. A pos-
sibilidade de conhecer supõe algo de prévio, que torna inteligível a
própria linguagem, ou seja: a luz interior. Sua posição é, assim, na
mesma direção da platônica, inatista, supondo que o conhecimento
não pode ser derivado inteiramente da apreensão sensível ou da expe-
riência concreta, mas necessita de um elemento prévio que sirva de
ponto de partida para o próprio processo de conhecer. Santo Agosti-
nho apelará então ao “mestre interior”, Cristo, que representa, nesse
sentido, nossa capacidade inata de conhecer. (2009, p. 31-32).

10.6.4 A Escolástica
Em que consistia o método escolástico?
Primeiramente, é preciso entender que Escolástica e Universidades estão
intimamente ligadas, conforme salientam Jacques Le Goff e Jean-Claude Sch-
mitt no Dicionário temático do Ocidente medieval, no verbete Escolástica.
Lembrando que as Universidades são um tipo de corporação, não é de se
estranhar que o método escolástico reflita um corporativismo. Nesse caso, o
corporativismo intelectual: a Escolástica dá “[...] forma normativa ao corpo
universitário e, ao mesmo tempo, prescreve os textos a ‘comentar’ (legere)
[...]” (LE GOFF; SCHMITT, 2002, p. 367), como também prescreve os

– 237 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

textos que não devem ser lidos. O papel dos mestres é supervisionar os estu-
dos, evitando qualquer desvio. Nesse contexto, o livro passa a ter uma grande
importância. A base do método escolástico é o uso da lógica aristotélica, pre-
dominantemente o silogismo ‒ tipo de raciocínio dedutivo, do qual se vai de
proposições gerais ou universais para conclusões particulares e gerais. Aliados
ao “princípio de autoridade”, os argumentos devem estar sustentados ou nas
Sagradas Escrituras ou nos grandes sábios já consagrados pela Igreja. Dessa
forma, como resume Maria Lúcia de Aranha (1996, p. 73):
Munidos do instrumental para a discussão, surgem inúmeros comen-
tadores dos textos sagrados da Bíblia e dos escritos dos Padres da
Igreja que alargam a reflexão pessoal, criando o método escolástico,
constituído por várias etapas: a leitura (lectio), o comentário (glossa),
as questões (quaestio) e a discussão (disputatio).

Os termos que denominam as etapas do método escolástico podem dar


a aparência de certa liberdade de expressão ou altos voos. Ledo engano, pois
não raro tais procedimentos “[...] acham vinculadas às verdades reveladas e ao
estrito controle da ortodoxia religiosa, temerosa dos desvios heréticos” (ARA-
NHA, 1996, p. 74). Na Modernidade, o filósofo empirista inglês Francis Bacon
(1561-1626) apresentará ferrenhas oposições ao método escolástico. Também
o eminente filósofo racionalista René Descartes (1596-1650) apontará equívo-
cos nesse procedimento. Ambos consideram que o uso do silogismo não possi-
bilita apontar novos conhecimentos e que o recurso à autoridade impossibilita
um conhecimento mais individual. Provavelmente, esteja na radicalização do
método escolástico que, com o passar do tempo, se torna distante da vivência
cotidiana e abusa da lógica com fins de disputas metafísicas, gerando forma-
lismo e verborragias, um dos motivos da crise da Escolástica.

Dica de filme
No filme Em nome de Deus (1988), que se baseia na vida de
um dos expoentes da Escolástica, Pedro Abelardo (1079-1142), há
uma cena em que aparece o mestre Abelardo dando aulas. Essa
cena apresenta o método escolástico em sua forma ainda não tão
radicalizada. Outro aspecto interessante, que não tocaremos aqui,
é o da educação feminina, particularmente de algumas mulheres
que, por fatores variados, ingressavam na vida religiosa. Heloise.

– 238 –
O homem e sua relação com o mundo: Filosofia e Educação

A datação do período Escolástico geralmente adotada vai do século IX


ao XVI. Outros estudiosos tomam como parâmetro para subdividir esse perí-
odo a figura de Santo Tomás de Aquino. Dessa forma, temos:
22 Fase Pré-Escolástica – entre os séculos VIII e X
Temos aí a Renascença Carolíngia, o renascimento das artes e da
literatura, onde há a organização das “escolas”, cujos programas
acabaram por manter a tradição das escolas antigas.
22 Fase da Alta Escolástica – entre os séculos XI e XII
Tem início na crise do sistema feudal, durante o surgimento de uma
espécie de pré-capitalismo; quando aconteceu um renascimento
das cidades europeias, o que produziu significativas mudanças polí-
ticas e sociais. Encontramos nesta fase duas forças contrárias que
agiram, respectivamente, nos séculos XI e XII: a primeira leva a um
enfraquecimento das escolas; a segunda produz mais um renasci-
mento pela retomada do estudo da língua grega e pelos trabalhos de
tradução dos pensadores bizantinos e muçulmanos, especialmente
na Itália e na Espanha. Muitas das obras antigas chegaram por
meio da cultura árabe; encontramos textos antigos traduzidos para
o siríaco e o árabe, não em sua língua originária, o grego, forçando
os tradutores a dominarem pelo menos três línguas. É também a
fase onde surgem as primeiras Universidades, que são derivadas das
corporações de ofícios ou guildas, onde professores e estudantes se
agrupavam, organizadamente, para o estudo das artes liberais ‒ o
Trivium e o Quadrivium ‒ acrescidas de noções de história, geo-
grafia e ciências naturais. Começa, aí, a substituição do latim pelas
línguas nacionais. São deste período, também, a primeira Cruzada
e o primeiro cisma da Igreja Cristã, dividindo-a em Romanos e
Ortodoxos. Nas artes temos o surgimento do estilo Gótico.
22 Fase do ápice da Escolástica – século XIII
É a fase na qual são finalizadas as traduções da obra de Aristóte-
les, que passa a ser estudado com mais profundidade em vários
aspectos. Com a obra de Tomás de Aquino, uma das figuras mais
proeminentes da Escolástica, o aristotelismo foi, definitivamente,
incorporado à reflexão teológica.

– 239 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

22 Fase da crise da Escolástica – do final do século XIII ao século XIV


Retomam-se questões da relação entre a lógica e a fé, a filosofia de
Aristóteles e o cristianismo. Duns Scot, um dos expoentes desta
fase, como seus irmãos franciscanos, nega que a razão pudesse ser
fundamento da fé. Segundo ele, enquanto a filosofia pertence ao
domínio teórico, a religião é relativa à vida prática. Também Gui-
lherme de Ockham representa essa fase da Escolástica.

10.6.5 Tomás de Aquino


Nascido em 1224, na Sicília, Tomás de Aquino estudou com os benedi-
tinos e, por volta dos vinte anos, ingressou na ordem dos dominicanos. Dife-
rentemente de Agostinho, dedicou-se desde cedo aos estudos. Com seu mes-
tre Alberto Magno estudou, principalmente, teologia. Com trinta e quatro
anos, obteve o título em Teologia na Universidade de Paris. Deixou extensa
obra. Podemos dizer que o trabalho de Tomás de Aquino foi, principalmente,
a organização do conhecimento teológico medieval. A ele devemos a cristia-
nização, por definitivo, da filosofia de Aristóteles.

Fonte: CRIVELLI, Carlo. Parte de ‘’Retábulo Demidoff”, 1476. Altar de San


Domenico, Ascoli Piceno, Itália.

– 240 –
O homem e sua relação com o mundo: Filosofia e Educação

Usando categorias aristotélicas, aliadas aos graus de hierarquia das coisas,


formulados por Platão, Tomás explica que as coisas do mundo têm causa, pois
não existe um efeito sem causa nem uma coisa que seja causa de si mesma.
Retrocedendo, segundo ele, encontramos algo que, não tendo causa, é a causa
de si e a primeira causa de todas as coisas do mundo (o “motor primeiro”):
Deus. Eis, resumidamente, a “prova da existência de Deus”.
Mesmo usando da argumentação lógica, Tomás prioriza a fé ao afirmar
que alguns conhecimentos revelados são superiores aos alcançados com o
simples exercício racional. Tais conhecimentos não podem ser demonstrados,
mas são verdadeiros, necessariamente, porque provêm da revelação divina.
Segundo Aristóteles, tudo caminha para um fim preestabelecido pela
própria natureza das coisas. Nessa linha, Tomás de Aquino vê o Universo
como algo ordenado e hierarquizado, dando a cada coisa uma função e um
grau de perfeição. Assim, tudo que existe é dirigido a um fim último: Deus.
O ser humano, explica o aquinatense, como os outros animais e as
plantas, constitui-se de corpo e alma. Esta responde pela razão; aquele, pelos
sentidos. Caso o corpo seja destruído, desaparecem as faculdades sensitivas.
Ainda assim, permanecem as faculdades inerentes à alma, pois esta é imor-
tal. A função dela é, então, obter conhecimento, particularmente, o que não
depende dos órgãos dos sentidos.
Tomás afirma, ainda, que existem outros conhecimentos além dos reve-
lados: aqueles obtidos por meio dos sentidos e organizados pela razão. Pri-
meiramente, os sentidos recolhem dados do mundo exterior. Depois, a mente
humana abstrai a essência desses dados, organizando os conceitos.
Tal conhecimento, para o aquinatense, deve levar o ser humano a dife-
renciar variados tipos de bem do Sumo Bem. Este é Deus. O erro, ao qual
o ser humano está sujeito, está em escolher um bem menor ou meramente
ligado ao prazer (sensorial).
Assim, a metafísica teológica de Tomás sustenta uma Teoria do conheci-
mento que, por sua vez, sustenta uma Ética que dá elementos para uma peda-
gogia. Tal pedagogia, como os outros matizes que estudamos até o momento, é
essencialista ou metafísica, vindo como mais um instrumento para alcançar Deus.
Percebemos, então, no ocaso da Idade Média, uma crise que virá separar
a Teologia da Filosofia, a fé da razão, apontando, entre outras coisas, para o

– 241 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

aparecimento de concepções pedagógicas não essencialistas ou não metafísi-


cas. Eis um dos assuntos que veremos a seguir.

Síntese
No percurso trilhado neste capítulo, passamos por diversas abordagens
da vertente essencialista ou metafísica da pedagogia. Começamos tratando do
significado dos termos Filosofia e Educação, que compõem o nome desta
disciplina: Filosofia da Educação. Passamos, então, à relação entre Educação
e Cultura. Vimos certas formas de Educação não formais ou difusas. Avan-
çando, passamos pelo mundo da Antiguidade Grega, inicialmente tratando
das tradições míticas de Homero e Hesíodo. Daí, abordarmos a passagem
do Mito à Filosofia, apresentando tanto as características da paideia homé-
rica e hesiódica como a abordagem de alguns pensadores originários: os pré-
-socráticos, seja quanto à crítica a tradição mítica, seja em relação à visão mais
racionalista desses primeiros filósofos. Passamos, então, para o ambiente do
período Clássico, mostrando o papel dos sofistas ‒ primeiros pedagogos ‒ no
contexto da democracia ateniense e as abordagens de Sócrates, Platão e Aris-
tóteles. De um brevíssimo apontar para a cultura helenística e suas contribui-
ções para o desenvolvimento intelectual do Ocidente, vislumbramos o apon-
tar da mentalidade medieval. Ao passarmos pela Idade Média, deparamo-nos
com duas correntes: a Patrística ‒ de cunho mais platônico ‒ e a Escolástica
‒ de cunho mais aristotélico. Ainda, caracterizamos cada uma dessas corren-
tes e focamos as ideias de Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, respecti-
vamente, representantes da Patrística e da Escolástica.
Em todo esse trajeto o objetivo central foi caracterizar, principalmente, os
diferentes enfoques da abordagem essencialista ou metafísica, para fortalecer
a indicação de que estas estão focadas em concepções filosóficas que buscam
a essência do ser humano e das coisas no mundo. E mais, desejamos que seja
entendido que o essencialismo pedagógico não consiste apenas na influência
de uma filosofia sobre a Educação. Mais que isso, trata-se de uma perspectiva
que reforça o caráter comum de diferentes pensamentos, tanto na Antiguidade
como na Idade Média, e mesmo na Modernidade, sobrevivendo em discursos
e práticas pedagógicas adotadas ainda hoje, como veremos nos próximos capí-
tulos. É partindo deste fundo inicial que entenderemos, também, na sequência
de nossos estudos, as críticas às abordagens essencialistas ou metafísicas e o
surgimento de outras abordagens pedagógicas. Então, sigamos em frente?

– 242 –
11
A filosofia como
suporte para a reflexão
crítica do educador
Geovani da Rocha Gonçalves

A filosofia como matéria ligada estritamente ao pensar crí-


tico tem despertado novos interesses em nosso país, principalmente
depois que a mesma tornou-se obrigatória no currículo da educação
básica. Nas universidades a importância da filosofia para a formação
do professor/educador, tem sido motivo de debates, de como pode
contribuir na formação destes profissionais que a sociedade afirma
serem “formadores de opinião”.
Com este olhar, da importância da filosofia na construção de
um suporte para a reflexão crítica do educador, trazemos algumas
questões, que não se esgotam, mas servem de instigação para outras
reflexões e aprimoramentos.
História, Filosofia e Sociologia da Educação

11.1 A filosofia como suporte


para a reflexão crítica do educador
Começamos este texto partindo da definição da palavra suporte.
Segundo o dicionário HOUAISS da Língua Portuguesa1, a palavra tem três
acepções mais comuns:
22 qualquer coisa cuja finalidade é sustentar (algo); escora, arrimo,
sustentáculo
22 aquilo que dá suporte, que auxilia ou reforça; reforço, apoio
22 peça em que (algo) é fixado ou assentado
Assim, colocando o tema em análise, de que forma a Filosofia, enquanto
ramo do conhecimento humano acumulado historicamente pode servir de
suporte, de sustentação, de reforço, de apoio ou ainda, de base, para uma
reflexão crítica do Educador?
Num mundo onde o pragmatismo2 impera, onde se buscam resultados
práticos na ação do homem, a filosofia pode ser vista de uma forma pejorativa
e que não atende a interesses políticos, econômico e até ideológicos.
Sob este aspecto CHAUI (2014, p. 20-21) comenta:
Ora, muitos fazem esta pergunta: afinal, para que filosofia? É uma
pergunta interessante. Não vemos nem ouvimos ninguém perguntar,
por exemplo, para que matemática ou física, para que geografia ou
geologia, para que história ou sociologia, para que biologia ou psico-
logia, para que astronomia ou química, para que pintura, literatura,
música ou dança? Mas todo mundo “acha” muito natural perguntar:
para que filosofia? Em geral, essa pergunta costuma receber uma res-
posta irônica, conhecida dos estudantes de filosofia: “a filosofia é uma
ciência com a qual e sem a qual o mundo permanece tal e qual”. Ou
seja, a filosofia não serve para nada. Por isso, costuma-se chamar de
“filósofo” alguém sempre distraído, com a cabeça no mundo da Lua,
pensando e dizendo coisas que ninguém entende e que são perfeita-
mente inúteis. Essa pergunta: “para que filosofia?”, tem a sua razão

1 Disponível em: http://houaiss.uol.com.br/busca?palavra=suporte. Acesso em 30 out.


2014.
2 Pragmatismo: Doutrina filosófica que adota como critério da verdade a utilidade
prática, identificando o verdadeiro como útil; senso prático.

– 244 –
A filosofia como suporte para a reflexão crítica do educador

de ser. [...]Para quem pensa dessa forma, o principal para a filoso-


fia não seriam os conhecimentos (que ficam por conta da ciência)
nem as aplicações de teorias (que ficam por conta da tecnologia), mas
o ensinamento moral e ético. A filosofia seria a arte do bem-viver.
Estudando as paixões e os vícios humanos, a liberdade e a vontade,
analisando a capacidade de nossa razão para impor limites aos nossos
desejos e paixões, ensinando-nos a viver de modo honesto e justo na
companhia dos outros seres humanos, a filosofia teria como finalidade
ensinar-nos a virtude, que é o princípio do bem-viver.[...].
Essa definição da filosofia, porém, não nos ajuda muito. De fato,
mesmo para ser uma arte moral ou ética, ou uma arte do bem-
viver, a filosofia continua fazendo suas perguntas desconcertantes e
embaraçosas: o que é o homem?; o que é a vontade?; o que é a pai-
xão?; o que é a razão?; o que é o vício?; o que é a virtude?; o que é a
liberdade?; como nos tornamos livres, racionais e virtuosos?; por que
a liberdade e a virtude são valores para os seres humanos?; o que é um
valor?; por que avaliamos os sentimentos e ações humanas?
Assim, mesmo se disséssemos que o objeto da filosofia não é o conhe-
cimento da realidade, nem o conhecimento da nossa capacidade para
conhecer, mesmo se disséssemos que o objeto da filosofia é apenas a
vida moral ou ética, ainda assim o estilo filosófico e a atitude filosófica
permaneceriam os mesmos, pois as perguntas filosóficas - o que, por
que e como - permanecem.

Portanto, buscar uma utilidade imediata na filosofia, dificilmente será


encontrado, mas nem por isso se pode afirmar que ela não tenha utilidade ou
que não sirva para algo. O conhecimento que a filosofia se propõe, produz
resultados na vida do indivíduo, pois orienta as suas ações, tanto no plano
individual, como também no social. MARCONDES e FRANCO (2011,
p.26), ao comentarem sobre o pensamento filosófico, afirmam:
Dificilmente o pensamento filosófico produz resultados práticos ime-
diatos para o próprio filósofo ou para a sociedade; seu objetivo não é
a produção de determinados efeitos. Como disse Nietzsche, o filósofo
se esforça por compreender o que seus contemporâneos se contentam
em viver. A compreensão do filósofo é anterior à dos homens de seu
próprio tempo, e esse é um dos motivos por que a maioria dos filóso-
fos só é reconhecida postumamente.

Tendo em vista que nem todos serão filósofos, de que forma então a filo-
sofia pode contribuir na formação do professor? Como ela pode dar suporte
às ações de prática docente?

– 245 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

Retomemos um pouco a história da filosofia, para relembrarmos que ela


nasce num momento, em que as primeiras explicações do mundo eram base-
adas em narrativas míticas. Quando o homem percebeu que as explicações
míticas não satisfaziam suas necessidades, até por conta de uma série de even-
tos históricos ocorridos ao longo de centenas de anos, como as navegações,
a invenção do alfabeto, da escrita, da moeda, a criação da polis (cidade), este
buscou algo mais racional para explicar a sua realidade, algo que pudesse ser
compreendido por todos. Portanto, a filosofia nasce da inquietação, da não
aceitação, do questionamento, da dúvida, da busca de respostas e é esse viés,
que permanece até os dias atuais. É esta a busca também que se espera do
educador: ser inquieto, instigante, questionador. Mas não é um questionar,
indagar, só por questionar ou indagar, para não cair no senso comum de um
ceticismo vulgar. É um indagar em busca de respostas, de reflexão e formação
de um pensamento racional, totalizante, compreensível, coerente, feito de
forma diária e constante.
Quando a palavra filosofia foi usada pela primeira vez por Pitágoras3,
este ao ser questionado se era um sábio, respondeu que não, que era um
filósofo, uma amante, amigo da sabedoria. E assim, entre outros aspectos,
filósofo é aquele que busca incessantemente o conhecimento, que ama o saber
e acredita estar crescendo intelectualmente, crente inclusive, que quanto mais
se busca o saber, menos tem a certeza de que sabe alguma coisa, tal qual
afirmara Sócrates quando disse que “só sei que nada sei”. Portanto, a origem
do conhecimento racional e por consequência da educação, encontra-se na
filosofia suas raízes, pois ela e mãe de todos os saberes que lhes são derivados.
Por isso, que a filosofia e a educação andam juntas, de mãos dados. Não
há como o profissional da educação ser um bom profissional se ele não for
construído, sustentado em bases sólidas de conhecimento, sendo que nesse
sentido a filosofia irá contribuir em muito para essa formação. A filosofia
desempenha um papel fundamental e imprescindível na formação do Edu-
cador, pois ajuda na sua reflexão, no seu senso crítico, papel este também
buscado pela educação, pelas escolas, que é formar um cidadão crítico, cons-
ciente do mundo em que vive e que possa influir de maneira positiva nas
relações sociais, sejam elas políticas, econômicas ou apenas de convívio.
3 O que não é historicamente comprovado, mas aceito...

– 246 –
A filosofia como suporte para a reflexão crítica do educador

Em linha semelhante, ao que aqui se expõe, de que a filosofia contribui


para uma reflexão crítica, SAVIANI (1996, p.10) comenta o que seja reflexão,
enquanto saber diferenciado das opiniões simples do cotidiano:
E que significa reflexão? A palavra nos vem do verbo latino “Yeflectere”
que significa “voltar atrás”. É, pois, um repensar, ou seja, um pensa-
mento em segundo grau. Poderíamos, pois, dizer: se toda reflexão é
pensamento, nem todo pensamento é reflexão. Esta é um pensamento
consciente de si mesmo, capaz de se avaliar, de verificar o grau de
adequação que mantém com os dados objetivos, de medir-se com
o real. Pode aplicar-se às impressões e opiniões, aos conhecimentos
científicos e técnicos, interrogando-se sobre o seu significado. Refletir
é o ato de retomar, reconsiderar os dados disponíveis, revisar, vascu-
lhar numa busca constante de significado. É examinar detidamente,
prestar atenção, analisar com cuidado. E é isto o filosofar. Até aqui a
atitude filosófica parece bastante simples, pois uma vez que ela é uma
reflexão sobre os problemas e uma vez que todos e cada homem têm
problemas inevitavelmente, segue-se que cada homem é naturalmente
levado a refletir, portanto, a filosofar. [...]

A filosofia como suporte para a reflexão crítica do educador, assume uma


maior importância, quando se discute, por exemplo, o papel da escola na vida
dos indivíduos. Para além da transmissão de conhecimentos, tem sido apon-
tada, a formação de um cidadão crítico, autônomo, que seja capaz de fazer
reflexões e que tenha a consciência de seus direitos e deveres. Interessante
artigo publicado na internet, FREITAS (2011), ao falar da função social da
escola e a formação do cidadão, no qual esta afirma que cabe a escola formar
cidadãos que sejam “[...] capazes de compreender a realidade em que vivem
preparados para participar da vida econômica, social e política do país e aptos
a contribuir para a construção de uma sociedade mais justa [...]”. A mesma
autora ainda comenta que a “[...] função básica da escola é garantir a apren-
dizagem de conhecimentos, habilidades e valores necessários à socialização do
indivíduo [...]”.
Desta forma, pode-se afirmar que a escola, por seus professores, deverá
proporcionar aos alunos o domínio, não só da escrita, da leitura e interpre-
tação, mas deverá inserir em suas propostas conteúdos culturais básicos, das
ciências, das artes, das letras e também de temas transversais que façam parte
da vida em sociedade.

– 247 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

A escola, dentro das concepções modernas de educação, tem, por-


tanto, uma função social. Para OLIVEIRA, MORAES e DOU-
RADO (2005, p.2)
Assim, a escola, no desempenho de sua função social de formadora
de sujeitos históricos, precisa ser um espaço de sociabilidade que pos-
sibilite a construção e a socialização do conhecimento produzido,
tendo em vista que esse conhecimento não é dado a priori. Trata-se de
conhecimento vivo e que se caracteriza como processo em construção.
A educação, como prática social que se desenvolve nas relações esta-
belecidas entre os grupos, seja na escola ou em outras esferas da vida
social, se caracteriza como campo social de disputa hegemônica, dis-
puta essa que se dá “na perspectiva de articular as concepções, a orga-
nização dos processos e dos conteúdos educativos na escola e, mais
amplamente, nas diferentes esferas da vida social, aos interesses de
classes” (FRIGOTTO, 1999, p. 25). Assim, a educação se constitui
numa atividade humana e histórica que se define na totalidade das
relações sociais

Portanto, é pensando nessa função social, de preparar um cidadão crí-


tico, autônomo, que seja capaz de fazer reflexões e que tenha a consciência de
seus direitos e deveres, que a filosofia vai assumir uma importância de suporte
e que irá contribuir na reflexão crítica do educador.
Mas para atingir esse objetivo, o professor precisa ser autônomo, capaz
de fazer reflexões e que tenha a consciência de seus direitos e deveres. Por-
tanto, não basta ao professor o domínio somente de sua área de formação,
ele precisa de outros saberes para formar uma visão de conjunto da sociedade
em que vive. E é, nesse contexto, que surge a importância da Filosofia para
o professor, pois como afirma André COMTE-SPONVILE “[...] a filosofia
é uma prática discursiva (ele procede “por discursos e raciocínios”) que tem
a vida por objeto a razão por meio e a felicidade por fim. Trata-se de pensar
melhor para viver melhor”
Veja-se, por exemplo, que a formação crítica dos alunos e a sua auto-
nomia, esta definido no artigo 35 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional. No art. 35, há a afirmação de que o ensino médio é a etapa final da
educação básica, com duração mínima de três anos e terá como finalidades:
I - a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adqui-
ridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento
de estudos;

– 248 –
A filosofia como suporte para a reflexão crítica do educador

II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando,


para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar
com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoa-
mento posteriores;
III - o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo
a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e
do pensamento crítico.” (grifos nosso).

Para atingir esses e outros objetivos, fica claro que a escola precisa ter
um norte, um caminho a ser seguido, estabelecendo de forma objetiva o que
se quer atingir em cada etapa do ensino. Esses objetivos, no entanto, não são
fruto apenas de uma política de estado ou da forma como equipe de direção,
equipe pedagógica ou professores acham que deve ser atingido - cada um
atuando de forma isolada e “cumprindo o seu papel” – mas, para além disso,
é um planejamento que envolve todos da comunidade escolar, aí entendido
o pessoal administrativo, pessoal de apoio, corpo docente, corpo discente,
equipe de direção, equipe pedagógica, conselho escolar, associação de pais
e mestres, de forma que todo o planejamento escolar reflita os interesses da
escola e da comunidade em que ela está inserida.
Dessa concepção de construção múltipla de objetivos, estão implíci-
tas algumas ações, como o pensar, o refletir, como algo capaz viabilizar na
prática aquilo que se pensa na teoria, e a filosofia vai possibilitar essa visão,
se bem trabalhado dentro dos currículos de licenciatura, pois o professor
poderá alcançar uma visão holística, totalizante, e não fragmentária, em
diversos assuntos.
A filosofia tem esse poder de promover a suspensão de juízos 4,
levando o indivíduo muitas vezes a duvidar das próprias crenças, de
conceitos pré-concebidos e nunca antes questionados. Quando o edu-
cador consegue romper com os conceitos pré-formados, quando ele
incorpora novos valores ou mesmo quando ele se abre a outras possi-
bilidades e modo de enxergar o mundo, consegue ver o outro também
de forma diferente, é capaz de compreender as diferenças e diminuir,
por exemplo, a forma preconceituosa como via certos assuntos. Por
isso que afirmamos anteriormente que a filosofia é indispensável para
o educador. Em monografia sobre o tema que aqui se discute SCA-
RIOTTO (2007, P. 30) afirma:

4 Interrupção temporária do fluxo de ideias prontas que uma pessoa tem sobre
determinado assunto.

– 249 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

A filosofia deve ter um lugar privilegiado na vida humana, pois além


de possibilitar a racionalidade, sempre esteve na origem das mudan-
ças decisivas na história da humanidade, por isso não é inútil como
pensam. Tem como objetivo a totalidade das coisas, desde as raízes, as
causas primeiras até as ultimas. Tudo o que diz respeito a vida refere-
-se à Filosofia e torna-se ponto de partida de sua reflexão. Ajuda a
desvendar os horizontes obscuro e incompreensível para o homem
comum, que pouco questiona sobre os sentidos das coisas. A Filosofia
é uma atividade humana indispensável. Pode nos livrar do conceito de
juízos antecipados, de uma abordagem superficial da realidade, fruto
da limitação da compreensão humana, sustentada por aparências, às
quais o homem se apega facilmente. Se a filosofia está começando a
encontrar novamente um lugar no ensino é porque educadores des-
cobriram que os jovens podem se encantar com ela e que ela contri-
bui significativamente para seu desenvolvimento educacional. Talvez
em nenhum outro lugar a Filosofia seja mais bem vinda do que na
sala de aula. Toda disciplina parece ser mais fácil de aprender quando
seu ensino é inspirado pelo principio aberto, crítico e de rigor lógico
característico da Filosofia, ajudando os alunos a refletirem efetiva-
mente sobre os valores que constantemente são importantes para eles.

Esse suporte que a filosofia dá ao educador irá facilitar também seu tra-
balho em sala de aula e que no conjunto com as outras disciplinas poderão
cumprir com aquilo que a Lei trás como uma das metas da educação que é “o
aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e
o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico.” (LDB, art.
34, inciso III). Daí que a filosofia não é importante só para o professor, mas
também para os alunos.
[..]. As teorias são importantes para a formação do professor. Todo
professor deveria ter em mente tais teorias para aperfeiçoar seu desem-
penho em sala de aula; estudar teorias, através da Filosofia da Educa-
ção, adentrando em filosofias atuais proporciona ao mestre qualidade
no seu desempenho enquanto professor. Pensar sobre a formação do
educador em nosso tempo consiste num grande desafio. A educação
assume faces diferentes em cada período histórico, mas a essenciali-
dade do professor em buscar a interação com seu aluno não modi-
ficou. Para o aluno, que está numa evolução de conhecimento, de
aprendizagem, a Filosofia é a essencialidade de sua busca do saber. A
Filosofia estimula o pensamento, o estudo, o relacionamento humano
e a liberdade da mente. A filosofia ajuda a partir do momento em que
oferece subsídios suficientes para o desenvolvimento do aluno na ati-
vidade intelectual para pensar. É imprescindível conhecer os filósofos,

– 250 –
A filosofia como suporte para a reflexão crítica do educador

suas histórias, seus pensamentos, pois, são exemplos de homens que


chegaram à uma realização, à uma busca pela verdade. São exemplos
de como o aluno pode conseguir compreender o seu redor, de como
a reflexão é importante para uma sociedade que anseia, e de como a
autocrítica é de sumo valor para a sua maturidade. A Filosofia é fun-
damental na vida de todo ser humano, visto que proporciona a prá-
tica de análise, reflexão e crítica em benefício do encontro do conhe-
cimento do mundo e do homem. O educando, tendo a filosofia como
companheira, se torna em um individuo de bom discernimento, de
bom senso, possível a uma auto avaliação e sempre buscara o novo.

A filosofia assim entendida irá contribuir para a emancipação do pró-


prio professor, sendo uma ferramenta de suporte, não só para a prática da
educação em sala de aula, mas também no seu convívio escolar com outros
educadores e na vida social.

Síntese
Transcorremos neste artigo, ainda que de forma parcimoniosa, que a
filosofia, enquanto um dos ramos do saber historicamente construído está
estritamente ao pensar crítico e por isso mesmo assume importância para a
formação do professor/educador.
Este olhar, da importância da filosofia como um suporte para a refle-
xão crítica do educador, exige de todos uma percepção diferenciada de ver a
mesma realidade, percepção esta assentada na crítica reflexiva e visão holística
em relação às mudanças que ocorrem na sociedade e que também vai ter
reflexo na educação de outros indivíduos.

– 251 –
12
Sociologia e
Antropologia para
a Educação
Alexandre Vieira

Com este capítulo, pretendemos inserir o leitor no ambiente


de trocas entre a sociologia, a antropologia e a educação. Ainda que
o façamos como uma aproximação de temas para debates cruzados
entre diferentes disciplinas de um mesmo campo de conhecimento,
procuramos manter a proposta de abordar o assunto a partir do
aprofundamento de tópicos específicos.
Privilegiamos as possibilidades de trocas entre saberes, e não
a produção de sínteses históricas profundas que pretendam esgotar o
campo. Por se tratar de um capítulo sobre os fundamentos sociológicos
e antropológicos para a educação, seguiremos recapitulando algumas
preocupações que clássicos do pensamento social dos séculos XIX
e XX produziram e que impactaram nos ambientes de formação
de professores e alunos, estivessem em escolas ou universidades da
Europa, da América do Norte, da América do Sul ou da África.
História, Filosofia e Sociologia da Educação

12.1 Educação e Sociologia: o empréstimo


dos clássicos
Em 1920, a Europa perdeu o último pensador clássico da ciência sociológica
europeia. Com a morte do alemão Max Weber (1864-1920), desapareceu o
sociólogo clássico que compunha o trio ao qual pertenciam o francês Émile
Durkheim (1858-1917) e o alemão Karl Marx (1818-1883). Pouca dúvida
subsiste quanto ao fato deste triunvirato ser considerado o alicerce por sobre
o qual se desenvolveu o pensamento sociológico contemporâneo em suas
diferentes ramificações. Esse modo de definir o status e a importância de um
sistema amplo de ideias, o clássico de um saber, está sustentado em consenso
acadêmico e muito marketing editorial (ALEXANDER, 1999, p. 39-41).
Antes de Marx, Durkheim e Weber, já existia uma preocupação intelectual e
científica com as sociedades modernas, suas culturas e dilemas. No entanto, o fato
de todos esses pensadores terem vivido em contextos de ampla industrialização e
estatização da vida social, possibilitou que seus planos rigorosos de investigação e
ação os tornassem referência em círculos intelectualizados e militantes de causas
manifestas, como a operária, a pequeno-burguesa e a civilizacional.
O amadurecimento das sociedades industriais, a massificação da
vida urbana e o fortalecimento dos Estados-nação na Europa – e em suas
inúmeras colônias e possessões ultramarinas, ainda no decurso do século
XIX – ocasionaram um conjunto de grandes transformações e a instalação de
cenários plurais de vida individual e social nunca antes experimentados pelos
europeus ou, quem sabe, pela própria humanidade.


Marx, Durkheim e Weber tornaram-se,
rapidamente, por mérito de suas próprias
obras e por terem nascido no epicentro
de todas essas transformações, os privi-
legiados interpretadores dos problemas
do seu tempo e foram reconhecidos por
amigos e inimigos como mestres de fato.

– 254 –
Sociologia e Antropologia para a Educação

12.1.1 Educação ou Pedagogia?


Se quem estuda a sociedade pode ser chamado de sociólogo, como se deve
chamar quem estuda a educação? Educador ou pedagogo? Educadores, todos
somos, poderia dizer um iconoclasta como Marx. Contudo, a especificidade
da Educação é aquilo que a funda como a atitude de alguém que educa – o
que os gregos chamavam de paidós1, o ato fundante da pedagogia. A educação
passaria a ser definida, na era platônica (400-350 a.C.), como uma techné,
uma técnica inventada por sofistas como Protágoras, e não uma ciência ou
uma filosofia (JAEGER, 1994, p. 348-349).

De acordo com Amorin (2003), a palavra “educação”, que em português


foi dicionarizada no século XVII, possui origem latina. Sua etimologia
indica que educatio é sinônimo de ação de criar ou de nutrir, cultura,
cultivo. Designa um ato ou um processo e um efeito. Educação, ao
mesmo tempo, significa o ato ou processo de educar ou de educar-se e
o conhecimento e o desenvolvimento resultantes desse ato ou processo.
O educador e o educando estão unidos pela palavra educação. Além
disso, é possível a uma pessoa educar a si mesma, ou seja, ser educador
e educado.
De acordo com Saviani (2007), desde a Grécia, delineou-se uma dupla
referência para o conceito de pedagogia. De um lado, desenvolveu-se uma
reflexão estreitamente ligada à filosofia, elaborada em função da finalidade
ética que guia a atividade educativa. De outro lado, o sentido empírico e
prático inerente à paideia (entendida como a formação da criança para a
vida) reforçou o aspecto metodológico presente já no sentido etimológico
da pedagogia como meio, como caminho: a condução da criança.

Tanto o pensamento sociológico quanto o pensamento pedagógico


foram disputados e conquistados pelas universidades que surgiram na
1 Paidós é um termo grego que significa diretamente a palavra ‘criança’. Dela se origina o termo
pedagogia, que ampliadamente, significa ação educativa. A paidós antiga foi utilizada como
termo aceptivo para o ideal de educação do homem grego.

– 255 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

Europa em plena era vitoriana2. Nesse período, o pensamento sociológico


tornou-se um modo de sugerir que, aquele que o assumisse, possuiria um
compromisso prioritário com um programa de estudo e pesquisa de seu
objeto especializado – no caso, a sociedade industrial europeia e as suas
instituições de reprodução (que incluíam determinado tipo de organização
do indivíduo, da família, da escola, da fábrica, dos hospitais e dos
serviços públicos).
Nesse contexto, o sociólogo pode ser um intelectual, mas não existirá
mais como um agente livre de qualquer institucionalização (como Saint
Simon, 1760-1825, o espírito livre da revolução, ou Augusto Comte,
1798-1857, o precursor do catecismo positivista), exatamente porque tal
distinção tornou-se, por convenção, um usufruto da academia. O sociólogo
tornou-se, em fins do século XIX, um profissional educado e formado em
universidades. Sua ação no mundo da vida passaria a ser fruto de uma esco-
lha pessoal que, não raro, o identificava por toda uma existência, e tem sido
assim até hoje. O mesmo se pode dizer daquele que se dedica à Educação
ou à Pedagogia (MUCCHIELLI, 2001, p. 38).
O pensamento pedagógico, portanto, traduziria, já em fins do século
XIX, a existência de alguém que assumiu um compromisso de se dedicar
ao longo de um tempo variável a pensar as intrincadas situações de ensino e
aprendizagem em contextos determinados. No entanto, muitos se tornaram
educadores por paixão ou por necessidade, mais do que por formação
universitária. Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), o romântico filósofo
iluminista, autor de Emílio, ou da Educação (1762), é o melhor exemplo de
educador por paixão. Pestalozzi (1746-1827) e Fröbel (1782-1852), professor
e discípulo, considerados os primeiros pedagogos europeus contemporâneos,
também são exemplos de pessoas que desenvolveram a educação como uma
arte, mais do que como uma ciência. Por sua vez, já no último quarto do
século XIX, o pedagogo possuía o mesmo condicionante de um sociólogo,
antropólogo, economista ou historiador, então, tornou-se um profissional
acadêmico que estabeleceu sua intelectualidade em processos institucionais
de formação universitária profissionalizante (CAMBI, 1999, p. 415-7).
2 A era vitoriana foi o período em que a rainha Vitória (de 1837-1901) governou o Reino
Unido. Durante esse período a Inglaterra anexou a Índia ao império britânico e conduziu o
segundo e mais expansivo ciclo da Revolução Industrial.

– 256 –
Sociologia e Antropologia para a Educação

Dos clássicos citados, apenas Durkheim pode ser visto como


um pensador que domina tanto a sociologia quanto a pedagogia. Por
vários anos, na França, foi professor, pesquisador e autor em ambas as
disciplinas. Dessa forma, pode ser considerado um dos primeiros sociólogos
da educação.
De Weber, pode-se dizer que se tornou, na maturidade, sociólogo
de fato. Mas não possuiu propriamente um pensamento pedagógico,
do modo como estamos tratando. Já Marx não pode ser visto como um
sociólogo ou um pedagogo no sentido institucional do termo: ele era
doutor em filosofia e não privilegiou a pesquisa sobre a sociedade e a
educação ou a pedagogia. A sua formação era realmente o que chamamos
hoje de transdisciplinar. Durkheim, por comprometimento, compõe os
anais da história da pedagogia; Marx e Weber, por empréstimo, os anais
da história da Educação.
Marx, Durkheim e Weber foram redescobertos editorialmente e não
menos sincretizados por novas comunidades linguísticas interessadas em
“desvendar” o inaudito em suas obras e vidas. Os “pais fundadores” da
sociologia revivem todos os dias em milhares de universidades espalhadas
pelo mundo, ainda que de um modo não convencional ou linear. Tornaram-
se ícones de produtos industrializados como camisetas, brinquedos e revistas;
são alvo de piadas ou adoração na internet; são combatidos ou defendidos
por “soldados” entrincheirados em suas fileiras ideológicas, enfim, mantêm
uma popularidade que, notadamente, atravessa os altos muros dos saberes
disciplinares. Todas as tentativas de sacralização ou esfacelamento desses
corpos de saberes compõem apenas o choque entre o velho e o novo que
nunca cessa e que é a base do ritmo da mudança e da transição, a lei da
mudança e do movimento – a dialética.
É importante lembrar que, por trás da crítica e do desencanto com a
situação do mundo que marcou a visão geral desses pensadores durante boa
parte do século XIX, havia vida pulsante e em abundância, havia esperança,
vontade e alegria. Esses pensadores reuniam uma grande quantidade
de amigos, alegravam-se com a vida em família e nutriam boas relações
por onde fossem. Como simples seres humanos, eram tão vulneráveis às
emoções e aos enganos quanto vigorosos na defesa e no convencimento de
suas posições e escolhas.

– 257 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

12.1.2 Uma páidós chamada Marx e Engels


Karl Marx Friedrich Engels

O autor de O Capital, Karl Friedrich Marx, em comparação com Durkheim


e Weber, foi, certamente, o mais popular entre eles. Ao se estudarem os grandes
acontecimentos políticos do século XX, essa afirmação parecerá evidente.
Revoluções – como a Russa de 1905 e a de 1917, as duas grandes guerras
mundiais (1914-1918 e 1939-1945), as experiências da guerra fria (1950-1989),
a Revolução Cultural na China (anos 1960 e 1970), a Revolução Cubana (1959),
as ditaduras militares que rasgaram a África e a América Latina (anos 1950 a
1985), a corrida espacial e o mundo dividido entre países capitalistas (ou primeiro
mundo), países socialistas (ou segundo mundo) e países subdesenvolvidos (ou
terceiro mundo) – tiveram, em um dos lados, sempre, a ação humana e estatal
orientadas pelas teorias de Karl Marx (HOBSBAWM, 1995, p. 223-230).
Propaganda chinesa durante a Revolução Cultural (1960-1968). A
cartilha do comunismo nas mãos dos trabalhadores da cidade e do campo
compreendia a base de aprendizagem socialista do povo chinês.

– 258 –
Sociologia e Antropologia para a Educação

Marx (1818-1883) e Engels (1820-1895), amigos inseparáveis e


autodidatas, dominaram saberes disciplinares em vastíssima extensão. Marx
especializou-se em economia, história e matemática. Adorava literatura e
foi amigo de Charles Darwin, de cujas teorias sobre a evolução das espécies
era grande admirador. Então, ainda que não haja um saber pedagógico
sistematizado na obra de Marx, tal possibilidade se manifesta potencialmente
quando a mente aguçada do velho mouro – como gostava de ser chamado –
lidava com a crítica à luta de classes, com a análise da formação e do papel
histórico do proletariado e com a proposição de transformação e superação
radical da sociedade capitalista industrial, que tudo permeava e influenciava.
O materialismo histórico e dialético3, o socialismo científico e a economia
política reúnem-se em uma única obra, O Capital (1867), e compõem a síntese
final da filosofia, do método e da técnica de Karl Marx, refletindo o trabalho
de uma vida inteira. A educação e o ensino no pensamento do filósofo alemão
devem, portanto, se vincular a essa extensa e inultrapassável obra. É natural, por
sua vez, que a educação em Marx seja compreendida como uma manifestação
das condições materiais e históricas da luta de classes no século XIX. A educação
contrasta com o trabalho; o Estado se ocupa com a educação das elites, enquanto
o capital ocupa o trabalho infantil e feminino nas fábricas. Essa situação, grave
ao tempo de Marx, valeu a famosa reivindicação no Manifesto do Partido
Comunista: “Educação pública e gratuita para todas as crianças. Eliminação do
trabalho das crianças nas fábricas na sua forma atual. Unificação da educação
com a produção material etc.” (MARX, 1987, p. 54). Hoje, tal reivindicação
nos parece despropositada se observarmos que, de um modo ou de outro, ela é
uma preocupação rotineira de sociedades e Estados democráticos.
Qualquer marxista atento não deixaria de retrucar a afirmação de que
o capitalismo faz realmente melhor o que o socialismo apenas manifestou
como utopia. Não é preciso manifestar simpatia por esse ou aquele “ismo”
para entender que uma educação pública e o fim do trabalho infantil, mesmo
3 S. M. Rainha do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda, Imperatriz das Índias; S. M.
Imperador da Alemanha, Rei da Prússia; S. M. Imperador da Áustria, Rei da Boêmia etc. e Rei
apostólico da Hungria: S. M. Rei dos belgas; S. M. Rei da Dinamarca; S. M. Rei da Espanha;
o Presidente dos Estados Unidos da América; o Presidente da República Francesa; S. M. Rei da
Itália; S. M. Rei dos Países Baixos, Grão-Duque de Luxemburgo etc.; e S. M. Rei de Portugal
e de Algarves etc.; S. M. Imperador de todas as Rússias; S. M. Rei da Suécia e Noruega etc.; e
S. M. Imperador dos Otomanos.

– 259 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

compondo o discurso de cada Estado democrático liberal na atualidade, se


estabeleceu a partir de um árduo, incansável e doloroso confronto entre forças
progressistas (comunistas, socialistas, anarquistas e liberais) e conservadoras
(elites no poder, ainda que sejam socialistas, burocráticas e totalitárias)
detectadas em cada momento da história do ocidente nos últimos 150 anos.
A divisão social e técnica do trabalho – que coloca, de um lado, as classes
sociais ricas em condições de usufruir de um sistema de ensino altamente
qualificado e, de outro, as classes sociais empobrecidas em condição de servidão
fabril – motivou Marx e Engels a definirem que a abolição da divisão do trabalho,
a extinção do Estado e o estabelecimento de uma sociedade de indivíduos
cooperados em comunidades autogestadas seria o principal programa de combate
aos excessos do regime político e econômico do Capital (MARX, 1987, p. 48-50).
O detalhe aqui é que Marx e Engels não estão querendo restituir uma
paisagem, um cenário pré-capitalista e rural na Europa, em que a artesania se
associaria ao mundo bucólico, natural e romântico da lenta vida campesina.
Nada seria mais equivocado do que pensar assim. Os autores consideram
o capitalismo uma força extraordinária, que possui todo o vigor e reúne
condições de riqueza material como nenhum outro sistema econômico
jamais foi capaz de condensar. O problema com o capitalismo não está no
desenvolvimento da técnica e da indústria, mas no péssimo usufruto dessas
ferramentas, que poderiam salvar a humanidade da pobreza e da fome, como
muitos filósofos e economistas iluministas haviam acreditado no século
das luzes. Pelo contrário, a gestão capitalista do Estado e da sociedade, de
promessa, transformou-se em tragédia. Nunca antes na humanidade houve
tamanho aprofundamento das desigualdades sociais e humanas como na
Europa capitalista e nas suas possessões coloniais ultramarinas.

ATA GERAL REDIGIDA EM BERLIM EM 26 DE
FEVEREIRO DE 1885 entre França, Alemanha, Áustria-
-Hungria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos,
Grã-Bretanha, Itália, Países Baixos, Portugal, Rússia, Suécia,
Noruega e a Turquia, para regulamentar a liberdade do
comércio nas bacias do Congo e do Níger, assim como novas
ocupações de territórios sobre a costa ocidental da África.

– 260 –
Sociologia e Antropologia para a Educação

Em nome de Deus Todo-Poderoso, S. M. Rainha do Reino Unido


da Grã-Bretanha e da Irlanda, Imperatriz das Índias; S. M. Impe-
rador da Alemanha, Rei da Prússia; S. M. Imperador da Áustria,
Rei da Boêmia etc. e Rei apostólico da Hungria: S. M. Rei dos
belgas; S. M. Rei da Dinamarca; S. M. Rei da Espanha; o Pre-
sidente dos Estados Unidos da América; o Presidente da Repú-
blica Francesa; S. M. Rei da Itália; S. M. Rei dos Países Baixos,
Grão-Duque de Luxemburgo etc.; e S. M. Rei de Portugal e de
Algarves etc.; S. M. Imperador de todas as Rússias; S. M. Rei
da Suécia e Noruega etc.; e S. M. Imperador dos Otomanos.
Fonte: Cabeçalho da Ata Geral da Conferência de Berlim sobre o
Oeste da África, de 26 de fevereiro de 1885, que definiu os termos
de partilha da África entre os impérios europeus.

Portanto, ainda que as políticas educacionais na Europa, durante o
período da Revolução Industrial, tenham ampliado o acesso à educação e
tenham reduzido sensivelmente o analfabetismo, Marx e Engels, e tantos
de seus partidários, não se deixavam confundir. Sabiam claramente que o
resultado de tão “benéfica” associação entre Estado e Capital era a constituição
dos famosos exércitos industriais de reserva – que sempre se estabeleciam
para substituir os contínuos fluxos de trabalhadores derrotados pelos
numerosos acidentes de trabalho, pelas dívidas, doenças físicas e mentais,
pobreza, fome, esgotamento, desilusão e incapacidade de acompanhamento
do alucinante ritmo de alteração das qualificações técnicas requisitado pelo
sistema fabril capitalista.

12.1.3 O grand petit ami da sociologia francesa


Karl Marx morreu na Inglaterra em 1883. Nesse mesmo ano, um
jovem catedrático francês, de nome ÉMILE DURKHEIM, aos 25 anos,
iniciou uma carreira que seria marcada pelo brilhantismo e o reconheci-
mento internacional. Durante 18 anos ininterruptos, o cientista social
francês se ocupou com cátedras de ciência da educação em diferentes uni-
versidades e liceus na França. Ao contrário de suas obras magnas, como

– 261 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

Regras do Método Sociológico (1895), O Sui- Émile Durkheim


cídio (1897) e As Formas Elementares da Vida
Religiosa (1912), dois dos seus livros sobre Edu-
cação e Pedagogia, foram publicadas a partir da
compilação e organização das notas das aulas mi-
nistradas pelo sociólogo francês e, curiosamente,
apareceram como obras póstumas. Então, Edu-
cação e Sociologia (1922) e Educação Moral
na Escola Primária (1992) são obras comple-
mentares à monumental A Evolução Pedagógica
(1904-1905).
Os temas de sociologia e de educação parecem correr em paralelo na
obra de Durkheim, mas essa é uma visão enganosa. O cerne do pensamento
durkheimiano é o fato social4, a regra sociológica, a relação entre o indivíduo
e a sociedade. Por conta disso, todo e qualquer estudo disciplinar de
Durkheim mantém-se em estreita relação explicativa com as categorias de
seu pensamento sociológico. Não é demais relembrar que Durkheim, assim
como Marx e Max Weber, foi um autor abundante na publicação de obras
de sociologia, mas também de economia, filosofia social, ciência política,
antropologia, psicologia e, é claro, educação.
Durkheim conceituou fatos sociais como coisas. Tal conceito, essencial
em sua obra e de fácil compreensão para nos aproximarmos do autor,
traduzia o indivíduo como um ser manifestado materialmente no mundo
das ocorrências sociais externas ao indivíduo e provenientes da Educação,
do Direito e dos costumes. Os infindáveis fatos, como as coisas, possuem o
mesmo peso valorativo, pois sua existência é pura exterioridade e coercitividade
unifocada (DURKHEIM, 2007, p. 7).
A educação é um fato social criado pelo indivíduo, mas manifestado
como exterioridade em instituições sociais de coerção e disciplinamento,
como a família, a escola, a fábrica, a igreja e o Estado. A autonomia e a
liberdade no pensamento durkheimiano são temas secundários, uma vez
que sobra pouco espaço para a ação livre dos homens. Segundo Durkheim,
já nascemos em meio a miríades de instituições, rituais, modos e condutas,
4 Grupo específico de fenômenos que se distinguem das outras ciências por serem exteriores
aos indivíduos e provenientes do Direito e do Costume legados pela Educação.

– 262 –
Sociologia e Antropologia para a Educação

saberes, práticas jurídicas etc, que nos condicionam por completo.


Contudo, o sociólogo francês está ciente de que tal condição provoca
muitos conflitos, à medida que os indivíduos são compostos de desejos,
vontades e disposições internas e pessoais que se chocam diretamente com
essa primazia do social sobre o individual. Mas a libertação de uma regulação
social representa o aprisionamento em outra (DURKHEIM, 1978,
p. 47-50).


Em seu livro Educação e Sociedade, Durkheim (1978, p. 41) afirma:
A educação é a ação exercida, pelas gerações adultas, sobre
as gerações que não se encontram ainda preparadas para a
vida social; tem por objeto suscitar e desenvolver, na criança,
certos números de estados físicos, intelectuais e morais,
reclamados pela sociedade política, no seu conjunto, e pelo
meio especial, em que a criança particularmente se destine.

Note a perspectiva funcionalista que restringe o processo educa-


cional na infância à ação de interesses do Estado e dos ditames
do mundo adulto.

Durkheim, respeitando o mais elevado ethos científico positivista de seu


tempo, reservou-se ao que, a seu ver, estava acontecendo, e não prioritariamente
ao que se deveria fazer para superar o acontecimento como problema.
Ainda assim, tal espírito positivo, modulado por princípios como isenção e
neutralidade, é mero efeito de uma ação particular e estritamente acadêmica.
Durkheim foi muito além disso. Como homem de seu tempo, sentiu-se, por
vezes, compelido a tratar dos temas centrais de seu contexto político de vida.
Clássicas são as suas aulas sobre o fenômeno do comunismo na Europa e os
vários encontros engajados com parte da intelectualidade jovem, comunista e
francesa. Igualmente notável foi a sua militância em favor do Caso Dreyfus,
que resultou na publicação do texto Individualismo e os Intelectuais (1898).
A educação, para Durkheim, faz parte do conjunto de fatos sociais que
moldam o indivíduo. O Estado, os adultos e a escola formarão o indivíduo

– 263 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

e o prepararão para viver em sua própria sociedade, no estágio em que tal


sociedade se encontra. Não há, dessa forma, qualquer distinção significativa
entre indivíduo e sociedade, uma vez que o indivíduo se realiza através do
modo como os fatos sociais se constituem, sempre coletivamente e externos
a ele. Coisas ou fatos sociais mais aprimorados, como o Estado, por sua
racionalidade e abrangência usuais, deveriam orientar a ação dos indivíduos,
que, de outra forma, poderiam se mostrar conflituosos e desorganizados
por estruturas sociais não tão eficazes como a escola, a religião e a família
(DURKHEIM, 1978, p. 89).
Contudo, Durkheim não é meramente um determinista social. Não
radicaliza na defesa da Educação ou de qualquer outro fato social como sendo
exclusivamente o resultado do comando direto ou anunciado de instituições
maiores que o indivíduo, como o Estado, por exemplo. Tenhamos em mente
que o indivíduo é uma existência relevante em seu método sociológico. Mas
ainda que existam escolas privadas, ou o fortalecimento do papel da religião
ou da família como suporte pedagógico inescapável do indivíduo, a primeira
manifestação de existência é o próprio indivíduo.

12.1.4. A sociologia compreensiva de um brilhante


desencantado Max Weber
Nos mesmos anos em que Durkheim
esteve envolvido com a finalização e publicação
da obra A Evolução Pedagógica (1904-1905),
Maximilian Karl Emil Weber, ou Max Weber,
como ficou mais conhecido, publicou O
“Espírito” do Capitalismo. Nessa sua obra-
prima, definiu mais claramente o conceito
de capitalismo como um movimento social,
histórico e cultural diretamente associado a um
amplo conjunto de significados, dependente
mais de uma sociologia compreensiva5 do que
de leis inelutáveis da história.
5 Sociologia Compreensiva é o tipo de sociologia criada e utilizado por Max Weber. Por
meio da compreensão seria possível ampliar o significado dos fatos com base em sua inter-

– 264 –
Sociologia e Antropologia para a Educação

O capitalismo, reconhece Weber, existiu em muitos lugares e épocas


diferentes, mas somente na Europa e na América do Norte tomou a forma de
um anúncio ético particular fundado em virtudes do protestantismo como a
honestidade, o trabalho e a presteza. Tal ética seria condição essencial para reforçar
a lógica interna do capital, construída por expectativas de ganho econômico,
aumento de crédito e expansão do capital (WEBER, 2004, p. 45-46).
Para Weber, os processos de racionalização é que moviam os grupos ou atores
privilegiados de determinada época a manifestarem suas pretensões de vontade
e dominação. Assim, por exemplo, ainda que tenha surgido tardiamente na
Alemanha (se comparado com outras potências europeias), o capital industrial
trouxe consequências sociais e políticas similares às das primeiras nações
industrializadas. Dito isso, entendemos, de antemão, que Weber, Durkheim e,
antes deles, Marx, debruçaram-se particularmente na investigação das causas da
miséria, dos confrontos e das diferenças profundas nas sociedades industriais.
Marx buscou responder suas questões através da lei da história; Durkheim, por
meio do método sociológico; e Weber considerou movimentos particulares
da história do capitalismo para constituir a sua sociologia compreensiva. Para
Marx, importava a luta de classes, para Durkheim, o fato social, e para Weber,
o Tipo Ideal6 (QUINTANEIRO, 2002).
No caso de Weber, tal conceito fundou um referencial instrumental que
deveria possibilitar a qualquer investigador interessado em seus pressupostos
entender as micro e macro relações de dominação entre grupos desde uma
perspectiva da compreensão pessoal subjetiva, sem deixar de lado o cuidado
com a isenção ou a neutralidade axiológica7 característica de qualquer
cientista. Dos Tipos Ideais, poderia ser depreendida a famosa teoria da
dominação em Weber: a dominação racional ou burocrática, a dominação
pretação hermenêutica, ou seja, levando-se em consideração a multiplicidade interpretativa
dos fatos objetivos.
6 Tipo Ideal ou Tipos Puros é uma designação weberiana para um ferramental analítico que
permita ao cientista social fazer aplicações explicativas isento de avaliação moral. A base de
aplicação do conceito são os fatos ou fenômenos sociais capturados a partir de características
centrais que permitiriam a sua classificação, comparação e generalização.
7 Neutralidade Axiológica é um conceito de corte weberiano que se aplica a necessidade de que
as ciências sociais apliquem a máxima objetividade para a explicação de fatos. Ao cientista cabe a
capacidade de saber quando excluir seus juízos de valor em favor dos juízos de fato.

– 265 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

carismática e a dominação tradicional. A educação, ainda que não seja um


campo sociológico prioritário para Weber, seria facilmente interpretada à luz
dos tipos de dominação8. A depender de que tipo de relação de dominação
predominava em uma escola ou universidade, seria possível compreender,
sem maiores julgamentos, as motivações de pessoas (líderes carismáticos ou
tradicionais) ou instituições (burocráticas) que mantinham determinado tipo
de dominação de um grupo sobre outro (WEBER, 1999).
Leia, a seguir, o parágrafo final do famoso panfleto “Política como vocação.”

A política é como a perfuração lenta de tábuas duras. Exige tanto paixão


como perspectiva. Certamente, toda experiência história confirma a verdade
– que o homem não teria alcançado o possível se repetidas vezes não tivesse
tentado o impossível. Mas, para isso, o homem dever ser um líder, e não
apenas um líder, mas também um herói, num sentido muito sóbrio da
palavra. E mesmo os que não são líderes nem heróis devem armar-se com a
fortaleza de coração que pode enfrentar até mesmo o desmoronar de todas
as esperanças. Isso é necessário neste momento mesmo, ou os homens não
poderão alcançar nem mesmo aquilo que é possível hoje. Somente quem tem
a vocação da política terá certeza de não desmoronar quando o mundo, do
seu ponto de vista, for demasiado estúpido ou demasiado mesquinho para
o que ele lhe deseja oferecer. Somente quem, frente a tudo isso, pode dizer
“Apesar de tudo” tem a vocação para a política.
Fonte: Weber (1999, p. 153).

Dada a primazia da racionalidade do tipo estatal na Europa no início do


século XX, Weber foi capaz de sugerir que o tipo que predominaria cada vez mais
seria o racional-burocrático. Na compreensão do pensador alemão, a burocracia,
com sua impessoalidade tediosa, colocaria os seres humanos em gaiolas de ferro,
8 Tipos de dominação são três tipos puros (tipos ideais) que aparecem por quase toda a obra
weberiana. Seus enunciados são: Dominação legal ou burocrática, dominação tradicional e
dominação carismática. São usados por Weber para estudar as diferentes sociedades e culturas
e agrupa-las por comparação ou generalização.

– 266 –
Sociologia e Antropologia para a Educação

no centro de um mundo desencantado. Essa previsão dura e sombria deveria ser


aplicada a tudo que fosse permeado pela manifestação da vontade subjetiva do
Estado, incluindo, naturalmente, a Escola. A pergunta que fica é: Weber acertou?

12.2 Educação e Antropologia: novos olhares


O que a sociologia nascente justificou ou combateu do ponto de
vista de uma sociedade europeia, industrial e capitalista no século XIX, os
administradores coloniais o fizeram em possessões europeias ultramarinas não
necessariamente industriais e capitalistas.
A antropologia, diz Laplantine (2007, p. 64-65), é um projeto europeu
da era moderna. Nasce, em seus rudimentos, com o antropocentrismo
característico do último ciclo renascentista, no século XVI. Nesse período,
a antropologia não existia como ciência social, nem ao menos era assim
chamada. O que passou a existir já no século XVI foi um ethos, uma atitude
que a antropologia tomaria como parte da sua própria história três séculos
depois. As navegações e a chegada nas Américas mostraram que o olhar do
europeu sobre um nova modalidade de existência humana, de fato, produziu
um impacto na representação do outro.
A antropologia se desenvolve como ciência do homem em relação com
a cultura que o cerca somente na segunda metade do século XIX, quando
estudiosos como Émile Durkheim, Marcel Mauss e Gabriel Tarde, todos
franceses, criaram ou assumiram cátedras de antropologia nas principais
universidades do país, por exemplo, a Sorbonne (MUCCHIELLI, 2001,
p. 44-45). A antropologia se autonomiza como ciência juntamente com
outras ciências sociais. O exemplo mais notório é o da própria sociologia.
A tarefa da antropologia como ciência social autônoma é seguir
procurando pistas que expliquem os elos perdidos entre as sociedades.
Assim, antropologia pode ser definida como a ciência que busca estudar,
investigar os seres humanos de um ponto de vista da totalidade das suas
expressões de vida. O conceito de cultura serve à antropologia para sustentar
essa pretensão, uma vez que tudo no mundo externo é manifestação
simbólica de experiências de indivíduos em relação com os fenômenos do
mundo da vida. O modo inicial utilizado pela antropologia para estudar
a humanidade em seu contato com a totalidade do seu ser cultural foi

– 267 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

localizar o ser primitivo, ou seja, estudar as ditas sociedades primitivas


como elo vivo do nosso passado cultural com as sociedades civilizadas. E
a forte expansão imperial do final dos século XIX forneceu, como nunca
antes, a base de encontro entre o civilizado (curioso para entender os elos
da sua superioridade racial) e o primitivo (que, geralmente, ao modo de um
selvagem, era a comprovação da existência de tais elos).
O empreendimento antropológico no século vitoriano foi uma
extravagância financiada pelos diversos impérios europeus, que não encontrou
outros limites senão os que opõem à vontade de poder a capacidade de fazer.
Quanto maior foi a frota mercantil e o poderio militar, mais intensa e devastadora
foi a presença das nações ricas da Europa em meio aos territórios conquistados.
Seguramente, desde o século XVII, o Império Britânico e o Império
Francês estiveram à frente dos projetos de expansão do comércio e dominação
de novos territórios por toda a Ásia e a África. As companhias das Índias
Orientais, fundadas por vários países ainda na primeira metade do século
dezessete, associadas aos resultados promissores do Tratado de Utrecht9
(1713-1715) possibilitaram um completo reposicionamento geopolítico de
França e Inglaterra frente aos maiores impérios modernos ultramarinos até
então conhecidos: Espanha e Portugal (LAPLANTINE, 2007, p. 63-74).
Com o apagamento da maior parte dos tratados internacionais
fundados no marco jurídico de Tordesilhas (1494) e no Tratado de
Saragoça10 (1529), um vasto mundo inexplorado de riquezas naturais e seus
misteriosos seres passou a ser descoberto e conquistado pelos Europeus.
De olho em um promissor comércio ultramarítimo e transcontinental, os
europeus sabiam que a exploração e a dominação territorial da gigante Ásia
não poderiam ser conduzidas sobre as mesmas bases do projeto colonizador
9 O Tratado de Utrecht foi o resultado de dois anos de negociações diplomáticas entre as principais
nações européias do início do século dezoito e teve por objetivo revisar o conjunto dos tratados in-
ternacionais anteriores. O resultado imediato do Tratado de Utrecht foi o cancelamento de toda a
base normativa que regulava a partilha de territórios ultramarinos, como o tratado de Tordesilhas,
por exemplo, e a reinstituição de uma nova base jurídica geopolítica. Os principais ganhadores
foram Reino Unido e França e os principais perdedores foram Portugal e Espanha.
10 O Tratado de Saragoça foi a complementação jurídica do Tratado de Tordesilhas. Seu ob-
jetivo foi organizar o demarcação de territórios pertencentes a Portugal e Espanha na Ásia,
sobretudo no que trata da normalização da inclusão das ilhas Molucas e das Filipinas nas
possessões portuguesas.

– 268 –
Sociologia e Antropologia para a Educação

de espanhóis e portugueses. Como bem sabemos, o empreendimento


marítimo da península ibérica – que assombrou os europeus ao revelar um
imenso continente, mais tarde batizado de América –, mesmo resultando
na dizimação de milhares de indígenas e dezenas de civilizações muito
desenvolvidas como os Incas, Maias e Astecas, não se comparava em
quantidade de habitantes e em diversidade de culturas milenares com as
que já existiam na Ásia no momento em que as Companhias das Índias
Orientais foram fundadas (HOBSBAWM, 1995, p. 22).
Propaganda de Estado Imperial britânico em seu formato clássico
novecentista. A eterna luta da civilização contra a barbárie.
Publicado na Puck Magazine com o título: Do Cabo ao Cairo.

Fonte: UDO, Kepler, Desde o Cabo ao Cairo, Puck Magazine, 10 de dezembro


1902.

Portugueses e Espanhóis encontraram nas Américas vastos territórios


inexplorados e um número incontável de nações indígenas que viviam, aos
seus olhos, como a margem do potencial de riqueza a ser explorada.
Pelo contrário, ingleses e franceses criaram as Companhias com o
intuito de aprimorar as práticas comerciais já estabelecidas com chineses,
indianos, africanos, japoneses, indonésios e outros. Várias dessas civilizações
eram totalmente desenvolvidas para os padrões dos europeus, e as culturas
estranhas aguçavam a suas curiosidades.

– 269 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

12.2.1 O estabelecimento de uma


Antropo Logos educativa
A esse ponto, perguntamos: estamos tratando mesmo da relação entre
educação e antropologia? A resposta é: sim, pois, ainda que de forma indireta,
a expansão territorial marítima dos séculos XV e XVI e o mercantilismo do
século XVII resultaram na industrialização da Europa e, por consequência,
na reforma ou substituição de quase tudo que se parecesse com antiquaria. A
impressionante aventura humana que resultou nesses três grandes conjuntos
de eventos – as descobertas ultramarinas, o mercantilismo e a Revolução
Industrial – foram os momentos decisivos em que coisas e saberes foram
eliminados, reformados ou criados.


As novas coisas do mundo moderno foram pensadas e
instituídas para regular a ação e os interesses dessa nova
humanidade, carente de liberdades individuais e riqueza e
egocentrada em suas defesas territoriais. Exemplos desse
novo momento foram as reformas de universidades, o
estabelecimento de novas leis comerciais, civis e bélicas,
a criação de academias reais de ciências, a hiperespeciali-
zação da construção naval, a reestruturação da arquitetura
das cidades, a ligação viária e marítima entre Estados, a
criação de novas instituições de controle e disciplina moral
e corporal da população como escolas, fábricas, hospi-
tais, presídios, exércitos, oficinas, praças. Enfim, novas
profissões e ocupações humanas passaram a existir para
o novo ser humano (FOUCAULT, pp. 2004, 195-202).

A Antropologia, surgida em meados do século XIX, ainda que estivesse
diretamente associada à biologia e à filosofia natural do século das luzes,
manteve uma forte conexão causal com os grandes eventos que deram
surgimento à Era Moderna, como descrevemos anteriormente. Podemos
inclusive sugerir que a Sociologia está para a construção da interioridade do
Europeu assim como a Antropologia está para a sua exterioridade.

– 270 –
Sociologia e Antropologia para a Educação

Durante séculos, na história da humanidade, os europeus se viram


invadidos, combatidos, ameaçados, visitados, dominados por incontáveis
povos estrangeiros, como os persas, os unos, os mongóis, os árabes e os turcos.
Em todos os momentos de contato com outros mundos, os europeus,
basicamente, consolidaram escolhas, e a principal delas foi pela manutenção
da europeidade. O homem europeu, no início da idade moderna, foi
finalmente pacificado por uma contínua e vigorosa disposição de se colocar
no centro do mundo. O característico antropocentrismo moderno é a
legítima tradução para o estabelecimento de uma longa era de eventos
interpretados privilegiadamente pela visão europeia de tudo. Eis então o
eurocentrismo, o novo projeto civilizador na terra vigorante até fins do
século XIX (ELIAS, 1993, p. 263-274).
Como polemiza Foucault (2000, p. 470-473), a Antropologia foi a filo-
sofia social mais pretensiosa na corrida europeia pelo desvendamento dos
superpoderes dos homens. E, ironicamente, a antropologia foi a experiência
de elucidação do que somos que mais fracassou em seus intentos.
A relação da Antropologia como nova ciência social e humana
aplicada à Educação parece óbvia por dedução. Os europeus, ávidos por
novas histórias dos mundos incivilizados, produziram relatos de viagem,
investigações, ilustrações e crônicas como jamais outro povo havia feito.
Desde o século XV, essa cultura do registro escrito passou de costume a
obsessão (CAMBI, 1999, p. 21-23). Surgiu, portanto, um expressivo
manancial de informações sobre os hábitos, costumes e rituais dos povos
periféricos aos europeus que tanto os assombrou e excitou.
Vale a sentença: Para um projeto de poder, uma educação de poder. E o
poder, na era moderna, ao contrário do largo e profundo medievo, representou
poder de saber. O conhecimento, a informação, a descoberta, a investigação,
a minúcia, o detalhe, o acontecimento, a ocorrência, o costume, o hábito
tornaram-se, rapidamente, o pedagógico, a paidós moderna, que fundou
uma nova marca civilizacional na face da terra. Essa atitude de vontade de
conhecimento e intensas trocas com as culturas a serem submetidas permeou
os grandes projetos de expansão imperial, por exemplo, o império romano
na antiguidade ou o império mongol no medievo. Agora, a Europa se via
(justificadamente, do seu ponto de vista) como a síntese natural e vitoriosa
da história. A busca pelo conhecimento e pela riqueza das coisas do mundo

– 271 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

passaria a ser a mais emocionante aventura dos europeus desde o fim do


Império Romano no século IV. (CAMBI, 1999, p. 492-496).
A curiosidade generalizada que permeava todos os grandes centros
urbanos na Europa a partir das primeiras expedições ultramarinas teve,
nas universidades, Liceus e praças públicas, a grande fonte de troca e
estabelecimento dos conhecimentos, dos relatos e das crônicas trazidas das
viagens pelo mundo. Tal saber sobre o mundo que estava sendo descoberto
gerou expectativa nas sociedades europeias na era moderna de um modo
parecido com o que sentiríamos se, hoje, a mídia noticiasse a descoberta de
algum novo planeta que pudesse ser habitável.
Mas o divisor de águas aqui não é necessariamente saber dos tantos
novos conhecimentos que chegavam todos os meses das caravelas, dos navios
ou das embarcações que atravessavam os mares. A questão central é nos
situarmos sobre a qualidade da narrativa, da apresentação dos novos mundos
e dos novos seres encontrados. A observação que passaria a ser destacada seria
sobre como os habitantes dos novos mundos eram anunciados, como eram
retratados, que tipo de acolhimento tiveram na Europa durante toda a era
moderna (LAPLANTINE, 2007, p. 40-46).

12.2.2 O aprender por contato e por olhar


Por mais complexas, plurais e difusas que fossem as relações estabelecidas
entre exploradores e habitantes dos lugares explorados, alguns demarcadores
não podem ser dispensados. A relação entre europeus e o resto do mundo
foi sempre de fascinação, no primeiro momento, e de recusa, no segundo
momento. Foi assim na chegada do europeu nas Américas e nos primeiros
contatos com os ameríndios; foi assim no contato dos europeus com os
indianos e com os indonésios e com parte das nações tribais africanas: no
primeiro momento, os europeus se fascinaram, mas depois se recusaram
a aceitar o modus vivendi dos habitantes que viviam em suas terras como
verdadeiros detentores da autoridade territorial e governamental de suas
próprias culturas (BRUIT, 1995, p. 31-40).
Por sua vez, os europeus que ouviam as histórias dos viajantes ficavam
impressionados com o modo como eram representados os habitantes do
novo mundo: como bárbaros, selvagens, desumanos, desalmados, impúberes,

– 272 –
Sociologia e Antropologia para a Educação

antropófagos, preguiçosos, violentos. Enfim, tornaram-se lugares comuns


a humilhação, a representação dos povos não europeus como bárbaros
que contrastavam com os civilizados pela fraca capacidade de organização
social e o pouco respeito a qualquer autoridade política secular ou temporal
(LAPLANTINE, 2007, p. 56-57).
Por isso, extensas disputas jurídicas colocavam encomendieros e
exploradores de um lado e simpatizantes do novo mundo e religiosos de
outro, em disputas jurídicas que se prolongavam por meses. A mais famosa,
provavelmente, foi a Disputa de Valladolid, em Salamanca, nos anos 1550-
1551, que colocou, de um lado, os financiadores das expedições marítimas que
garimpavam riquezas; e de outro, a igreja e seus clérigos, que se dispunham a
conduzir os processos de evangelização dos habitantes das Américas.
Guiné de Sepulveda e Bartolomé foram os juristas que estiveram no
epicentro dessa disputa jurídica, a maior do início da era moderna, cujo
resultado foi a recomendação, por parte da Santa Sé, de que os espanhóis
parassem com a violência e os massacres sobre os nativos das Américas.
Segundo as atas da Junta de Valladolid, os indígenas deveriam ser protegidos
com humanidade, pois eram legítimos filhos de Deus, ou seja, possuíam alma
(BRUIT, 1995, p. 104-123).
Desde a disputa de Valladolid até o momento em que as ciências sociais
surgiram e firmaram seu status de fonte de produção de conhecimento válido,
já em meados do século XIX, o calor de disputas comparativas sobre o Novo
Mundo só se intensificou. O ponto alto desse longo processo de formação da
opinião pública europeia foi conhecida como a Querela do Novo Mundo,
que teve lugar, sobretudo em França, Inglaterra e Espanha e reafirmou a
intenção da Europa de dominar os povos conquistados por representação
ou por técnicas de saber-poder. Tal querela, levada a termo em meados do
século XVIII, colocou, de um lado, Buffon, Montesquieu e De Pauw como
principais denunciadores da degradação das Américas e de tudo que lá existia;
e, de outro lado, estudiosos de universidades como a Sorbonne e numerosa
opinião pública advinda de todos os cantos da Europa, que reconheciam as
Américas como um lugar pleno de riquezas e potencial de transformação
(GERBI, 1996).

– 273 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

Em síntese, Buffon apenas deu prosseguimento às teses criacionistas


e difusionistas sobre a degenerescência da flora e da fauna das Américas,
e o fez com roupagem semi-científica. Muitos depois dele (por exemplo,
Hume e Hegel) continuaram julgando e condenando por comparação
as Américas como um continente fraco, fecundo em podridão, dado à
inércia e à improdutividade. De acordo com esse raciocínio, o “espelho
do próspero” seria a Europa, civilização estável, forte, desenvolvida
e produtiva.

12.2.3 O século do evolucionismo darwinista


Em diferentes momentos, no século XX, os professores Antonello
Gerbi e François Laplantine nos alertaram para uma evidência histórica
importante para aqueles que possuem conexão ou interesse nos estudos
socioantropológicos e suas implicações nos vários campos disciplinares.


A discussão sobre o “bom ou mau selvagem” e sobre a
superioridade da raça europeia ganhou um sonoro enri-
quecimento no século XIX, quando a Antropologia e a
Sociologia passaram a acompanhar o ritmo de “descons-
trução” das velhas teses semi-científicas ou criacionistas
sobre o desenvolvimento da fauna e flora do Novo Mundo.

De político, o debate sobre as relações entre os europeus e territórios


já explorados passou a ser biológico em sua essência. O darwinismo foi
a base para a consolidação de teses científicas sobre a humanidade que
inelutavelmente recondicionou a visão que a Europa fazia de si mesma
e dos outros. Por outro lado, as teses de Darwin comprovavam que a
seleção natural entre as espécies, longe de levar à degeneração e extinção,
comprovaria de fato a força adaptativa das espécies. Essa foi uma
revolução silenciosa nas bases de conhecimento europeu sobre a biologia
e a sociedade que teve rápida repercussão internacional ainda em meados
do século dezenove.

– 274 –
Sociologia e Antropologia para a Educação

Charles Darwin no detalhe da


obra do pintor John Collier.

Diz Darwin (2002, p.39): “[...] é grande a capacidade do homem de ir


acumulando, através do processo de seleção, variações sucessivas e ligeiras”.
Não é à toa que o socialismo, de forma geral, e Karl Marx, de forma
particular, tiveram imediata e declarada simpatia por teses como essas. As
queixosas disputas entre as elites aristocráticas e burguesas do século das
luzes – que se opunham à aristocracia europeia, à explosão populacional e
ao inchaço das cidades que atulhavam as ruas com miseráveis, “bandidos”
e “desvalidos” vindos de todos os lugares – ganhariam novo tom. Buffon,
De Pauw, Hume e Montesquieu eram legítimos representantes desse grupo
restrito de aristocratas que defendiam o ancien regime contra as massas de
“degenerados e criminosos” que invadiam a Europa, vindas de todos os
cantos do planeta. Tais autores sustentaram suas ideias publicando obras
que legitimavam a contínua desconfiança dos poucos ricos em relação aos
muitos pobres. Usavam basicamente a razão e o poder de seu letramento
para convencer de suas teses quem fosse necessário.
Darwin dedicou sua vida e saúde para ultrapassar teses deterministas e
inverídicas como as de Buffon, Lamarck e as de seu próprio avô, a quem tanto
admirava. Finalmente, em meados do século XIX, havia bases científicas

– 275 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

para compor resistência contra teses deterministas e antievolucionistas que


insistiam em permanecer nos ciclos acadêmicos e nas instituições religiosas
que mantinham suas estruturas econômicas convencendo seus séquitos de
verdades teológicas metafísicas e mágicas demais para o novo pensamento
científico materialista.
No caso de Marx e Engels, por exemplo, a luta de classes estava salva
como conceito científico. Ainda que não concordassem com Darwin de
um modo geral, os socialistas alemães saudaram A Origem das Espécies
(1859), de Darwin, por ter aparecido no mesmo ano de Para a Crítica da
Economia Política (1859). A luta entre classes seria uma lei da história,
assim como a seleção natural das espécies era uma lei da biologia. Assim
como apenas as espécies mais adaptadas sobreviveriam, apenas o prole-
tariado seria capaz de vencer a luta evolucionária na senda da contínua
transformação e aprimoramento das sociedades políticas (MARX, 1983,
p. 371-4).
Ainda que a base teórica de Marx fosse um filosofia crítica (o
materialismo histórico e dialético), o evolucionismo acrítico darwiniano
poderia servir como mais uma frente reforçadora das teses de luta de classes e
do sucesso da revolução operária sobre os “burgueses capitalistas”. A seleção
natural e a possibilidade de que os homens fossem acumulando variações,
mudanças e possibilidades apenas fortalecia a tese da inevitabilidade da
história, uma vez que a contínua transformação de todas as formas vivas
era a lei da natureza, assim como a lei da história. Ricos e pobres seriam,
ambos, forças adaptadas e em constante processo de adaptação (e luta).
Ganharia o lado mais adaptado às condições de sobrevivência. Marx não
tinha dúvida quanto à vitória histórica da classe trabalhadora sobre as
classes proprietárias.

12.2.4 Uma nova Antropologia social


O esvaziamento dessas disputas e a realocação da Europa como um
projeto incompleto, suscetível, mas em franca evolução e adaptabilidade,
feito por Darwin, recolocou o problema de representação do lugar do outro
(não europeu) no imaginário e nos planos de formação da mentalidade do
novo sujeito do conhecimento.

– 276 –
Sociologia e Antropologia para a Educação


Já em meados do século XIX, a Europa empreendia um ritmo
acelerado de abertura de liceus, escolas e universidades
públicas e, por consequência, aconteceu a ampliação da
alfabetização das populações mais empobrecidas nas cidades
europeias (CAMBI, 1999, pp. 498-501). Lembremo-nos de que
esses resultados modernizantes eram fruto de uma democrati-
zação forçada, exigida pelo sistema industrial que alimentava
um ciclo de enriquecimento e manutenção de poder político
e econômico nas cidades europeias mais desenvolvidas.

Shirley (1987, p. 3-7) nos ajuda a entender que a Antropologia foi uma
invenção de britânicos, franceses e holandeses que, desde tempos remotos,
já prestavam mais atenção no comércio do que na religião. Alguns dos mais
destacados antropólogos do século XIX, como Tylor, Morgan e Frazer,
eram provenientes desses países. A Antropologia foi uma ciência surgida
por necessidade do Império vitoriano. O professor Shirley lembra-nos,
com precisão de fonte documental, que muitos administradores, fossem
governadores ou encarregados diretos de expedições a colônias inglesas,
foram os responsáveis por estudos acadêmicos muito completos sobre suas
possessões. Talvez os grandes exemplos sejam o de Sir Stamford Raffles, que
fundou a cidade de Cingapura e produziu um inigualável estudo sobre a
história e sociedade da ilha de Java. Os chamados “imperialistas eruditos”
existiram às centenas.

Dica de Filme
O filme Lawrence da Arábia é baseado na biografia de T.E.
Lawrence descrita no seu livro Sete Pilares da Sabedoria.
Assista ao filme para conhecer mais sobre esse famoso antropó-
logo, imperialista e erudito.

– 277 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

Ásia, África, Nova Zelândia, Austrália e Índia passaram rapidamente a ser


habitadas por administradores, e não mais por missionários, naturalistas ou via-
jantes. Como já dissemos, o “selvagem” seria substituído definitivamente pelo
“primitivo”, uma espécie de elo perdido da humanidade. A descrição detalhada
da vida desses primitivos e tudo mais relacionado aos seus modos de existência,
passam a constituir as matérias de etnologia comparada, biologia, psicologia,
economia, história e política nas grandes universidades europeias.

O projeto totalizador da Antropologia, sustentáculo filosófico


dos Impérios Europeus, instruiu as sucessivas gerações de uni-
versitários – que ansiavam por respostas cientificas a questiona-
mentos que antes eram respondidos por metafísicas religiosas,
pela literatura fantástica ou por sistemas filosóficos abstratos.

O trabalho antropológico, que informou continuamente o novo império


mundial, não conseguiu esconder o impacto negativo das dominações territoriais.
Além disso, a publicação dos estudos eruditos sobre as “sociedades primitivas”
suscitou crítica e contraposição ativa às políticas imperiais da Europa, por parte
de segmentos mais intelectualizados e críticos dos principais países.

12.3 Refundações na educação


etnográfica do olhar
Bastariam apenas duas décadas desde o fortalecimento do Imperialismo
oitocentista para que toda a geração de “pais fundadores” da Antropologia fosse
denunciada e criticada por seus mais proeminentes alunos. Já na virada do século
XX, isso ficou bem claro na atuação de brilhantes pensadores e etnógrafos como
Franz Boas e Bronislaw Malinowski, que constituíram o fundamento de uma
nova e disputada forma de ver e anunciar a experiência humana.

12.3.1 O nativo e o fim da divisão do trabalho


antropológico
Há um detalhe sobre o movimento geral da antropologia do século
XIX que não podemos deixar passar despercebido. Trata-se do fato de que

– 278 –
Sociologia e Antropologia para a Educação

o olhar sobre o outro, “incivilizado, primitivo, atrasado”, era, basicamente,


moldado por uma espécie de divisão social do trabalho11 antropológico.
Assim, aquele que escrevia os grandes tratados de Antropologia não
necessariamente era aquele que coletava as informações diretamente
no campo pesquisado: aquele que coletava as informações em campo,
geralmente através de fotos e a aplicação de inquéritos intermináveis, não
precisava ser o mesmo profissional contratado para sistematizar e preparar
os dados coletados em campo para serem enviados ao antropólogo. Dessa
forma, a Antropologia surgiu como uma disciplina rigorosamente assentada
em uma sociedade industrial. Então, passou a haver três nomenclaturas,
três profissões e três status: o antropólogo trabalhava em seu gabinete; o
etnólogo, em seu escritório; e o etnógrafo, com sua prancheta, papel, caneta
e uma máquina de fotografia pendurada a tiracolo.
O ofício do antropólogo era o de maior prestígio, pois representava o
trabalho final, geralmente assinado pelo chefe de uma pesquisa. Mas havia
outros postos de trabalhos associados à atividade fim da Antropologia.
Em uma dimensão imediata, vinculada com a pesquisa direta de dados,
estava o etnógrafo, pessoa responsável pela aplicação em campo dos questionários
produzidos a priori na Europa. A aplicação de infindáveis inquéritos, porém,
produzia absurdos na deturpação dos contatos entre europeus e nativos (selvagens
ou primitivos). Não raro, ficava encarregado disso um pesquisador local, um
funcionário de baixa patente, pago para ajudar na administração de uma colônia
e dar conta de produzir informações sistematizadas sobre a cultura local.
O mesmo se pode dizer do trabalho de organização e sistematização das
informações coletadas. Para isso, entrava em cena o etnólogo, ou o técnico de
gabinete local, que geralmente fazia seu trabalho, ainda que no mesmo campo
de coleta de dados, mas totalmente desconectado da necessidade de abordar
qualitativamente os dados dos inquéritos. O etnólogo, como um organizador
de dados, era o responsável por produzir dados estatísticos para o antropólogo
chefe escrever a “verdadeira” história de uma civilização.
Sir James Frazer e o seu monumental O Ramo de Ouro (1890-1915),
obra publicada em treze volumes e admirada por socialistas, anarquistas e
11 Divisão social do trabalho é o processo de crescente particularização da produção de mercadorias. A
especialização técnica e a segmentação profissional na indústria ou no comércio é o melhor exemplo.

– 279 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

aristocratas burgueses, talvez seja o melhor exemplo dessa circunstância


comum à época do surgimento da Antropologia como ciência social, em
fins do século XIX. O professor Frazer pretendeu abarcar nada menos que a
totalidade da vida cultural e simbólica da realeza sagrada em geral localizada
em diversas culturas, de diversas regiões. O fato de nunca ter visitado qualquer
civilização estudada para realizar estudos originais de campo provocou
contínuas reflexões por parte de simpatizantes e antipatizantes da obra desse
importante estudioso (FEDOSSEIEV, 2007, p. 68-70).
A divisão social do trabalho do antropólogo fez com que novas gerações
de estudiosos da cultura despertassem para os perigos da profissão que tanto
os encantava.
A perspectiva evolucionista centrava-se exageradamente na ideia de
“atraso” do povo primitivo em relação à primazia da elevação das sociedades
ditas civilizadas. Ainda assim, tal “atraso” não desconectaria os povos
primitivos da humanidade. Ao contrário, os povos primitivos passariam a ser
vistos como elos ancestrais da humanidade.
A gratidão dos europeus por esses povos foi demonstrada ao clássico
modo do paternalismo imperial. Uma vez descobertos os elos ancestrais que
explicariam por que as coisas aconteceram de determinada forma, algum tipo
de recompensa deveria ser dada a esses povos primitivos colaboradores. E a
melhor forma de fazê-lo seria acelerando o seu processo de evolução. Para isso,
tão bons tutores não somavam esforços para ensinar aos nativos de qualquer
possessão os modos de um civilizado.

Saiba mais
Podemos ver, em Tarzan e Mogli, exemplos de mitos que
expressam o sucesso da salvação do selvagem da sua condição
de bestiário. Vemos, através das histórias desses personagens, a
pedagogia evolucionista escancarada em sua plena manifestação
“antropo-euro-cêntrica”. A heroicidade desses personagens
não dissolve, contudo, a percepção de que são “selvagens” e
“primitivos” em sua essência.

– 280 –
Sociologia e Antropologia para a Educação

Lembremo-nos de que a abordagem do primitivismo, tão cara à


antropologia, tinha base evolucionista comum a quaisquer outras ciências
sociais e humanas tão novas quanto a própria antropologia. Alguém como
o psicólogo francês Gustave Le bon (1841-1931), ou mesmo o psicanalista
austríaco Sigmund Freud (1856-1939), podia formular teses evolucionistas
sobre a psicologia das massas sustentando “cientificamente” que as multidões
são instáveis, superficiais, exageradas e efêmeras (CONSOLIM, 2004, p. 6-8).
Laplantine (2007, p. 71), com justiça, nos recorda que não devemos julgar
os evolucionistas pela sua mentalidade mais ou menos conservadora. Nem
devemos julgar se suas teses ajudaram a consolidar os sistemas de dominação
imperial colonialista do século XIX. A teoria evolucionista era voga naquela
época e causou grande impacto em amplos círculos de intelectuais, como já
nos referimos anteriormente. Nem todos os autores que produziram obras
importantes sobre culturas exógenas à Europa eram antropólogos de fato,
muitos eram juristas, outros médicos ou geógrafos.
O fato a ser notado é que o contexto histórico em que se inseriram lhes
permitiu fazer o que fizeram. E os seus sentimentos de contribuição à grande mãe
Europa e à humanidade foram, muitas vezes, justificados pelo modo festivo e
honroso como eram tratados tais teóricos. Seus compromissos civis e aristocráticos
lhes permitiam atuar com a sincera determinação de coletar, sistematizar e
formular teses universalistas, confirmadas por vínculos aprioristas, ou seja, teses,
e não hipóteses, formuladas como verdade antes das pesquisas práticas que
deveriam validá-las. Isso significa afirmar que a confiança na interpretação dos
elos perdidos da humanidade dependeria mais da destreza intelectual do chefe da
pesquisa do que da qualidade do material coletado em campo.

12.3.2 A aventura da Antropologia funcionalista


A chave que abriu a Antropologia para o estudo de uma determinada
cultura a partir de suas próprias bases estava nas mãos de Franz Boas (1858-
1942), um americano de origem alemã, e de Bronislaw Malinowski (1884-
1942), um polonês radicado na Inglaterra.
As posturas desses pesquisadores foram inversas às de seus professores.
O primeiro procedimento que realizaram, ainda que não intencionalmente,
foi acabar com a divisão social das tarefas em Antropologia, que antes colo-

– 281 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

cava o antropólogo em gabinetes confortáveis na Europa, completamente


separado dos etnólogos e etnógrafos. Com esses pesquisadores, tal separa-
ção foi abolida.
Para eles, seria uma obrigação moral do antropólogo realizar as três
tarefas: ele próprio deveria coletar as informações, tratá-las e traduzi-las
em contextos analíticos mais elevados. Assim, aquele que escolhesse fazer
antropologia deveria ser também o etnólogo e o etnógrafo. É interessante
notar que, ao assumir tal postura profissional e científica, o antropólogo
estaria se comprometendo com uma mudança radical de procedimentos
que ia muito além e mais fundo do que tal fusão sugere. Em campo, dizia
Malinowski, o antropólogo não deve mais tratar os habitantes pesquisados
como selvagens ou primitivos, mas como anciões que receberiam os
antropólogos como visitantes temporários (LAPLANTINE, 2007,
p. 75-76).
A antropologia estava sendo convidada a deixar o gabinete e, literalmente,
se transformar em uma atividade ao “ar livre”. Os “selvagens” ou “primitivos”
não mais seriam interpretados por funcionários do Império Britânico e
registrados no idioma do império, mas escutados na sua própria língua ou
idioma por etnógrafos que falassem a sua língua e vivessem o mais próximo
de seus modos de vida cotidianos.
Passar um bom tempo, geralmente meses ou anos, entre os habitantes
pesquisados tornou-se praticamente uma regra de conduta para essa Antro-
pologia totalmente renovada.


Tal olhar antropológico aplicado à educação, cer-
tamente, resultaria em notável alteração no modo
como jovens e crianças poderiam ser vistos e traba-
lhados fora e dentro de sala de aula. Cada criança
seria reconhecida em sua natividade que, de dentro
de sua microssociedade, a sala de aula, teria a auto-
ridade legítima de manter em seus domínios um con-
vidado muito educado e agradecido – o professor.

– 282 –
Sociologia e Antropologia para a Educação

A antropologia, na sua etapa anterior, era evolucionista de um modo


que refletia em suas bases a mesma atmosfera evolucionista que perpassava
praticamente todos os domínios de produção de conhecimento na Europa
em fins do século XIX.
O lugar da criança e do jovem, nessa abordagem evolucionista,
era similar, como já mostramos, ao modo como os “primitivos” ou as
multidões eram, geralmente, retratados: como seres imaturos, que
deveriam ser tutelados e conduzidos ao caminho do desenvolvimento e
da aprendizagem por sistemas de saberes, notadamente masculinizados
e autoritários.
Com Malinowski, Boas, Rivers, Radcliffe-Brown, Evans-Pritchard e
outros da mesma geração, a atmosfera metodológica passava pela aplicação
do funcionalismo em todos os campos de conhecimento das ciências sociais e
humanas e, evidentemente, na educação.
O funcionalismo foi uma abordagem que privilegiava a compreensão
da totalidade de um campo de pesquisa que se realizava a partir do estudo
das funções sociais existentes. Entender a função social do parentesco, dos
rituais, do direito indígena, por exemplo, resultaria em uma preocupação,
por parte do antropólogo, em estudar a fundo a lógica de operação interna
de um sistema, e não mais estudá-lo para tão somente reforçar preconceitos e
validar teses aprioristas.


Dentro do contexto educacional, uma abordagem funciona-
lista tenderia a constituir pedagogias fundadas em um com-
prometimento dos professores e funcionários de uma escola
com as classes de alunos, tendo por referencial o respeito
pela visão de mundo desses sujeitos. Em relação ao aprio-
rismo, determinismo e geneticismo evolucionistas, encon-
tramos, no funcionalismo da primeira metade do século XX,
um salto, uma verdadeira transformação reveladora, mais
aberta, mais isenta de julgamentos, mais circunstancial, mais
orgânica e integradora e mais atenta aos sujeitos pesquisados.

– 283 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

Ainda assim, o funcionalismo foi uma corrente tão datada e criticada


quanto o evolucionaismo.

12.3.3 O olhar etnográfico de Franz Boas


O professor Franz Boas apresentava uma
Franz Boas particularidade: era um homem de campo, um
etnógrafo no sentido clássico do termo, mais
do que um antropólogo. Preferiu viver entre
os nativos do que se beneficiar do prestígio da
academia. Boas publicou alguns importantes
livros, como A Mente do Homem Primitivo
(1911), Antropologia da Vida Moderna
(1928) e Raça, Linguagem e Cultura
(1940). No entanto, escrever livros não era o
seu objetivo final. Como etnógrafo, gostava
mesmo era da pesquisa em campo – Boas
estava profundamente comprometido com a
demonstração da importância de se pesquisarem
microssociedades como totalidades.
Outra peculiaridade do pensamento e método de Franz Boas está
relacionada à sua preocupação em não permitir que o olhar da metrópole
invadisse ou maculasse a qualidade da cultura nativa que fosse pesquisada.
Assim, o antropólogo, durante o estágio de trabalho de campo, deveria
cortar completamente a sua comunicação com a Europa ou os Estados
Unidos, produzindo, desse modo, um efeito de isolamento e purificação
das “contaminações” decorrentes dos vícios do “mundo civilizado”
(LAPLANTINE, 2007, p. 78-79).
Como frisamos antes, falar, comer e pensar como o nativo do lugar
era uma preocupação das mais caras para essa geração de antropólogos. O
professor Boas era meticuloso e possuía muitos assistentes para o trabalho de
etnografia e de etnologia. Como o professor Franz Boas gostava de colecionar,
classificar e arquivar artefatos materiais e imateriais da cultura em que estivesse
inserido, era necessário que tivesse uma equipe grande com a qual pudesse
contar para dar conta da tarefa.

– 284 –
Sociologia e Antropologia para a Educação

O Professor Franz Boas possuía arquivos que continham extensas


coleções. Sua esperança, ao usar esse procedimento, passava pela crença de que,
se houvesse uma dizimação da humanidade, por exemplo, a reconstituição
fiel de culturas humanas poderia ser feita a partir da correta reorganização dos
artefatos que comporiam a totalidade de uma microssociedade (PEREIRA,
2011, p. 104-105).

12.3.4 Malinowski e o aprendizado


radical com o nativo Bronislaw Malinowski
A meticulosidade do professor Franz Boas
suscitou críticas por parte de colegas de profissão.
Por exemplo, o antropólogo social polonês
Bronislaw Malinowski considerava um exagero
tamanha criteriosidade de coleta de dados. Para
Malinowski, era suficiente localizar, em meio à
cultura pesquisada, um elo comum a que todas as
outras estruturas e fenômenos culturais pudessem
estar associadas. Com Malinowski, consolidava-se
o funcionalismo antropológico feito sob bases de minuciosa pesquisa
etnográfica.
Malinowski foi quem radicalizou a experiência de ruptura entre a metró-
pole e as colônias. Sua expectativa, durante duas longas passagens pelas ilhas
Trobriand, na Melanésia Central, era conhecer a mente do nativo para des-
cobrir em profundidade o modo como o outro pensava (MALINOWSKI,
1978, p. 16-19).
E por isso, melhor do que qualquer um de sua geração, esforçou-se
em apreender seus sistemas de crenças e comunicação no cotidiano da
pesquisa de campo a partir dessas habilidades de viver em meio a tribo ou
comunidade, tendo como suporte o compartilhamento do mesmo idioma
e da pesquisa não comparada. Para Malinowski, não importava a história de
uma tribo, mas sua condição no momento em que estava sendo pesquisada.
Esse detalhe metodológico, anunciado no prefácio de sua obra magna Os
Argonautas do Pacífico Ocidental (1922), arrasaria de vez as gastas teses
evolucionistas que relacionavam o atraso das sociedades primitivas a um tipo

– 285 –
História, Filosofia e Sociologia da Educação

de incompetência genética ou adaptativa que as impossibilitava de seguir o


ritmo das sociedades civilizadas. O historicismo evolucionista, que subjugava
as complexas culturas humanas espalhadas pelo globo, não resistiu à análise
funcionalista de Malinowski.
Os Argonautas do Pacífico Ocidental foi a obra em que o método
malinowskiano apareceu em seu maior esplendor. O etnógrafo polonês
utilizou um fenômeno econômico e social, o Kula, para explicar a totalidade
da vida cultural dos trobriandeses. O Kula, detectou Malinowski, era o
evento mais importante dos habitantes das ilhas Trobriand, a ponto de tudo
naquelas sociedades refletir os preparativos para esse grande ritual anual de
trocas, inclusive as relações de parentesco, as relações de dominação e de
reprodução cultural.
A radicalidade metodológica de Malinowski aplicada à Educação nos
sugeriria um maior isolamento entre o centro da investigação (no caso, a sala de
aula ou a escola) e o seu entorno (o Estado). Malinowski tenderia a investigar o
modo como as relações de ensino e aprendizagem se estabeleceriam desde uma
de suas formações simbólicas principais. Por exemplo, como a comunidade
escolar ou as crianças em uma sala de aula se relacionam a partir do momento
mais importante do ano escolar. Supondo que sejam as férias de final de ciclo,
o professor Malinowski estudaria, na linguagem da escola, o amplo conjuno de
rituais e processos simbólicos que surgiriam tendo por base os preparativos para
esse evento significativo. Eis o funcionalismo etnográfico de Malinowski em
uma conexão com um sugerido campo de pesquisa em Educação.

Síntese
Neste capítulo, realizamos algumas aproximações entre o pensamento
socioantropológico dos clássicos e o campo da Educação. Ao tratarmos dos
grandes temas que atravessaram o século XIX e o início do século XX, estu-
damos temas que foram decisivos para a instalação de uma sociedade do tipo
industrial como a nossa.
Procuramos deixar evidente que as principais teorias sociológicas
e antropológicas reproduziram e alimentaram um amplo conjunto
de compreensões sociais, políticas e culturais. O evolucionismo e o

– 286 –
Sociologia e Antropologia para a Educação

materialismo foram concepções filosóficas e científicas experienciadas e


discutidas por praticamente todos as novas ciências da sociedade, inclusive
a própria Educação.
No final do século XIX, o centro das novas concepções científicas sobre
a sociedade ainda era o homem, como indivíduo e como humanidade. No
entanto, a partir do início do século XX, uma profunda crença na diferença
entre esses homens os manteve, em uma perspectiva, na condição de civili-
zados, desenvolvidos, evoluídos e, em outra, na condição de bárbaros, invo-
luídos, inadaptados. Esse homem que se via como civilizado e bárbaro ao
mesmo tempo procurou de todos os modos possíveis sustentar o seu plano de
positividade e de poder através de variadas práticas de dominação. A racio-
nalidade teológica e as monarquias foram trocadas pela razão de Estado e
pela ciência. As antigas oficinas e o sistema medieval de produção, o domus12,
foram trocados pela indústria e pela fábrica como modelo de organização
social e institucional.
O século XIX, momento em que foram instituídos os fundamentos
“científicos” para explicar a própria humanidade, foi o tempo em que nos
manifestamos mais voraz e competitivamente sobre a face da terra. Contudo,
o mundo ocidental, desesperado pela defesa da visão masculina sobre todas
as coisas, não conseguiu sustentar tal projeto. Através das visões trazidas por
etnógrafos como Boas e Malinowski, e por sociólogos como Marx, Durkheim
e Weber, parte da humanidade, reduzida aos interesses do capital econômico
e ao auto-centramento individualista, teve a oportunidade de experimentar
sua própria auto-compreensão e formular ações de enfrentamento e libera-
ção. O resultado desse clamor não tardaria a lançar pistas. O século vinte foi
o palco desses anseios de liberação e as guerras e revoluções a sua violenta
manifestação estética.

12 Domus é a denominação greco-romano para um tipo de residência comum que abriga-


va moradia, hospedaria e pequenos comércios e oficinas. Fórmula resistente de organização
econômico-social pré-industrial que predominou até meados do século dezoito.

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-importancia-da-filosofia-para-a-educacao.-8374/artigo/. Acesso: 30 out.
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Neste livro, foram organizados textos de profissionais com experiência na área
de educação, notadamente ligados ao ensino da história, da filosofia e sociologia
da educação, com o objetivo de fornecer uma base teórica que possibilite ao
estudante o entendimento do processo educacional construído historicamente.
Assim, esperamos que os conteúdos possam ser de extrema valia para o
aprendizado acadêmico e para a vida dos futuros profissionais da educação.

ISBN 978-85-60531-50-9

9 788560 531509

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