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Janeiro/2009.
3
FICHA CATALOGRÁFICA
Banca Examinadora:
___________________________________________________
Profº. Drº. Charles D’Almeida Santana (UNEB) Orientador
___________________________________________________
Profº. Drº. Daniel Francisco dos Santos (UNEB) Examinador
____________________________________________________
Profº. Drº. Rinaldo César Nascimento Leite (UEFS) Examinador
Janeiro / 2009.
5
AGRADECIMENTOS:
RESUMO
PALAVRAS-CHAVE:
ABSTRACT
The theme addressed in this study is the constitution of that permeated the daily
experiences of the residents of the city of Santo Antonio de Jesus, in the decades
from 1950-1970, when the city gave the first steps in a process of urbanization
marked mainly by the modernization of your space. For both, we use as oral sources,
newspapers, photographs, official documents of the Legislative and Executive, labor
processes, among others. It discusses the coexistence of rural and city habits and
new ways of living in Santo Antonio de Jesus, set by its residents, to change
processed concurrently, in a context in which the subjects forged strategies for
survival in their daily practices and engaged in a multiplicity of negotiations and to
keep tensions in the city. From the dialogue with the recent historiography on city and
backed the theoretical postulates of social and cultural history, there is the advent of
electricity in Santo Antonio de Jesus showed up and changes experienced by
residents in public and private, noting the their participation in activities related to
leisure. At the same time, it examines the ramifications of the use of electricity in the
material life and social habits and practices, without losing sight of the integration to
other aspects of such situations experienced by Brazilian society in the period.
KEY WORDS:
Urban experiences - San Antonio de Jesus - Urbanization
11
ÍNDICE DE FIGURAS:
Figura 5 - Aspecto da Rua de Cima nos anos 1940, atual Rua Ruy Barbosa...........48
AP – Arquivo particular
SUMÁRIO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS.............................................................................. 14
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
1
KHOURY, Iara Aun. “Apresentação”. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e
do Departamento de História da Pontifica Universidade Católica de São Paulo, nº 18, Educ, São
Paulo, 1999, p 9-11.
16
2
PEDRÃO, Fernando. Novos e velhos elementos da Formação social do Recôncavo da Bahia de
Todos os Santos, Salvador, 2001, Mimeografado, p 1.
3
BRANDÂO, Maria de A. “Introdução”. In: BRANDÃO, M. de Azevedo (org.). Recôncavo da Bahia:
sociedade e economia em transição. Salvador: Fundação Casa de Jorge Amado; ALB; UFBA, 1998,
p. 34.
4
Em síntese, o “enigma baiano” consistia na não industrialização da Bahia, ou melhor, no porquê
dessa não industrialização. ALBAN, Marcus. O novo enigma baiano, a questão urbana-regional e a
17
alternativa de uma nova capital. Anais do XI Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-
Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional – ANPUR, Salvador, maio de 2005.
5
MACHADO, Gustavo Bittencourt & SANTOS, Valdir J. dos. Desenvolvimento Regional e Arranjos
Produtivos no Recôncavo. Bahia Análise & Dados, Salvador: SEI, v.14, nº. 3, p. 551-561, dezembro
de 2004, p 1.
6
SANTOS, Milton. “A Rede Urbana do Recôncavo”. In: BRANDÃO, M. de Azevedo (org.). Recôncavo
da Bahia: sociedade e economia em transição. Salvador: Fundação Casa de Jorge Amado; ALB;
UFBA, 1998, pp. 63-65.
7
OLIVEIRA, Ana M. dos Santos. Recôncavo Sul: terra, homens, economia e poder no século XIX.
Dissertação de Mestrado em História, UFBA, Salvador, 2000, p 49.
8
SOUZA, Edinaldo A. O.. Lei e Costume: Experiências de Trabalhadores na Justiça do Trabalho (
Recôncavo Sul, Bahia, 1940-1960). Dissertação de Mestrado em História UFBA, Salvador, 2008, p
45.
18
onde as densidades rurais atingem índices bem elevados, os mais altos do estado”.9
O geógrafo identifica uma fase de grandes modificações na hierarquia” dos núcleos
urbanos da região, cujos agentes das mudanças seriam,
13
Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, 2 de julho de 1958. Rio de Janeiro, XXI volume.
14
“A Estrada de Ferro Central da Bahia partia da borda do Recôncavo desde Cachoeira e São Félix,
para o interior da província, em direção à Feira de Santana e à Chapada Diamantina. Seu traçado
obedeceu à lógica locacional de conectar o interior da província da Bahia, através dos portos fluviais
do Recôncavo, com a capital, Salvador. A estrada de ferro deveria se apoiar na rede das estradas
gerais e caminhos de tropa do sertão”. ZORZO, F. A. . O Movimento de Tráfego da Estrada de Ferro
Central da Bahia e seu Impacto Comercial. Sitientibus, v. 1, p. 63-79, 2002.
15
SIMÕES, Lindinalva. As estradas de ferro do Recôncavo. Dissertação de Mestrado. Salvador-Ba.
Bahia: UFBA, 1970, p. 101.
16
ALVES, Isaías de Almeida. Matas do Sertão de Baixo. Bahia: Reper, 1967, pp. 171 e 233.
20
Antigamente a gente ia pra Salvador no trem né, não tinha navio até
Nazaré. No dia que fui pra Salvador eu fui de trem, ainda não tinha
ônibus não... todo mundo andava de trem, não tinha outro transporte
[...] Era uma viagem muito demorada naquela época [...]
Antigamente só vinha até Nazaré o trem, aí pegava o navio [...] mas
quando o mar secava o navio encostava na areia, aí ficava atracado.
Agora, quando o mar enchia é que ele saía pra Salvador. Então, era
uma viagem muito demorada, naquela época. Era pra mais de
seiscentos saveiros ali. Carregava mercadoria pra Salvador era
21
Naqueles tempos, a aventura de “ir pra Bahia”, realizada por Sr. Manoel e
tantas outras pessoas, envolvia um percurso de 34 Km de trem, indo de Santo
Antonio de Jesus até Nazaré, e, a partir daí, uma longa viagem de saveiro até
Salvador. Era uma “viagem demorada”, pois além da baixa velocidade do trem,
devido às linhas irregulares e sinuosas, havia a necessidade de contar com a ajuda
das marés para seguir viagem pelo mar. Só em 1941 a Estrada de Ferro de Nazaré
alcançou São Roque do Paraguaçu e Nazaré deixou de ser o ponto final da ferrovia.
Esse prolongamento até São Roque do Paraguaçu “foi um acontecimento que
levantou muitas dúvidas, quanto ao acerto da medida”, pois os opositores a essa
decisão mostravam que Nazaré seria grandemente prejudicada, e não traria
nenhuma contribuição para o progresso da ferrovia, nem maior conforto para os
passageiros, que continuariam tendo de tomar o navio no terminal para alcançar
Salvador. Em seguida, “o tempo veio demonstrar o acerto dos que se colocaram
contra o prolongamento”, na medida em que “a cidade sofreu forte abalo em suas
atividades”.19
A partir daí, o percurso do trem aumentou e ficou mais curta a travessia de
saveiro que cruzava a Baía de Todos os Santos. É também nessa década que o
transporte rodoviário passa a ser outra opção para os santoantonienses, nos
deslocamentos para Salvador. Logo, a rapidez do transporte rodoviário e a falta de
manutenção da ferrovia provocaram o abandono e a decadência dessa Estrada de
Ferro, extinta em 1971, quando “não só Nazaré, mas toda a região servida pela
Estrada recebeu, impassível, o golpe fatal”.20
Anunciados nos discursos e projetos da política nacional-
desenvolvimentista, o planejamento econômico e seus ideais de progresso,
desenvolvimento e modernização se materializavam no Recôncavo, em meados do
século XX. Relacionavam-se, sobretudo, ao processo de implementação da indústria
17
Sobre os Saveiros da Bahia, ver CASTELLUCCI, Wellington J.. Pescadores da Modernagem:
Cultura, Trabalho e Memória em Tairu, Bahia. 1960-1990, 1ª Ed. São Paulo: AnnaBlume, v. 1, 2006.
18
Depoimento do Sr. Manoel Oliveira, em agosto de 2007, 76 anos de idade, nascido em Santo
Antonio de Jesus.
19
AUGUSTO, Lamartine. Porta do Sertão. 2ª ed. Salvador: Edições Kouraça, 1999.
20
Idem
22
D. M Costa
24
HARVEY David, Condição pós-moderna. Edições Loyola, São Paulo, 1992, p 26.
25
BERMAN Marshal. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo,
Companhia das Letras,1986, p 15.
26
LEITE, Rinaldo Cesar Nascimento. E a Bahia civiliza-se. Dissertação de Mestrado em História,
UFBA, Salvador, 1996, 14.
25
falta da eletricidade e os “limites” que ela impunha à vida urbana tornaram-se temas
recorrentes, tanto na imprensa como nos discursos dos políticos santoantonienses.27
Criada em 1945 e constituída em 1948, com a missão de produzir, transmitir
e comercializar energia elétrica para a Região Nordeste, a CHESF possibilitou a
extensão do serviço para todo o Estado da Bahia, através de um programa de
eletrificação, que não se deu ao mesmo tempo para todo o estado,28 o que em Santo
Antonio de Jesus só veio a se concretizar na década de 1960.
Além da energia elétrica, outra inovação freqüentemente cobrada pela
imprensa local era o melhoramento do sistema de abastecimento de água
encanada. As antigas fontes e a compra de água nas mãos dos aguadeiros
tornavam-se incompatíveis com os propósitos da modernização urbana. O novo
modelo de cidade deveria oferecer a seus moradores certo conforto, o que destoava
das caminhadas com as latas de água na cabeça. Afinal as idéias de civilidade
estavam associadas a imagens de cidades bem iluminadas e higienizadas.
27
Inúmeras matérias referentes a esse assunto podem ser encontradas no Jornal O Palládio,
especialmente nos exemplares nº. 2068, nº. 2184 e o nº. 2187.
28
NASCIMENTO, Luiz Fernando Motta, Paulo Afonso: luz e força movendo o nordeste, Salvador:
EGBA/ACHÉ, 1998, p 215.
29
Depoimento de José Santos Vieira, de 67 anos idade, em maio de 2007.
30
ASSIS, Cristina da Anunciação da Silva. Os trabalhadores dos armazéns de fumo. Monografia do
Curso de Especialização em História Regional, UNEB, CAMPUS V, fevereiro/2004.
26
31
Jornal O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 9 abril de 1947, p 4.
32
Jornal A Voz das Palmeiras, Santo Antonio de Jesus, março de 1954, p 2.
27
1970 para delimitar o término desse estudo. Afinal, trata-se de uma década em que
fatos importantes como a desativação da estrada de ferro, o asfaltamento da rodovia
BR-101, a transferência da feira, entre outros, inauguraram uma nova fase na vida
urbana santoantoniense.
Como o recorte temporal desse estudo é recente, tornando possível colher
depoimentos de pessoas que vivenciaram tais experiências, a memória oral foi uma
grande aliada, ainda que ela nos ofereça sempre “um sem número de
significados”.37 Considerada como um “instrumento e um objeto de poder”, a
memória é também “um elemento essencial do que se costuma chamar identidade,
individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos
e das sociedades de hoje, na febre e na angústia”.38 Além disso, através do
testemunho oral, “novas histórias” são geradas e estas, podem, “literalmente,
contribuir para o processo de dar voz a experiências vividas por indivíduos e grupos
que foram excluídos das narrativas históricas anteriores, ou foram marginalizados”.39
Através da apreensão dos registros da memória na voz dos próprios sujeitos
e do contato com suas práticas de vida, tornou-se possível surpreender pormenores
que, certamente, estão na contramão dos estudos oficiais sobre vivências urbanas.
A pesquisa oral, “além de romper com a tradicional distância entre pesquisador e
fontes, [...] permite ao historiador refletir sobre o sentido das falas, gestos e silêncios
dos sujeitos entrevistados”,40 portanto, extrapola o universo das palavras, além do
que “o resultado final da entrevista é o produto de ambos, narrador e pesquisador”.41
As experiências sociais relatadas nos depoimentos trazem lembranças de Sr.
Gregório Tavares da Silva, atualmente aposentado, que trabalhou no cultivo da
terra, na criação de animais e na feira vendendo carne do sol; lembra como era
“acanhada” a cidade quando ele chegou e como foi se modificando ao longo dos
anos. José Santos Vieira trabalhou comprando carne do sol na feira de Santo
Antonio para vender em Salvador, recorda as festas de largo, as micaretas, as
sessões de cinema, as diversões que a cidade oferecia. Seu Gilberto Mello, artista
37
MALUF, Marina. Ruídos da Memória. São Paulo: Siciliano, 1995, p.28.
38
LE GOFF, Jacques.História e memória.Campinas, SP: Editora UNICAMP, 1990, p.476.
39
THOMSON, Alistair. “Recompondo a Memória: questões sobre a relação entre a história oral e as
memórias”. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e o Departamento de
História – PUC/SP, Projeto História n.º 15, 1997.
40
SOUZA, Edinélia Mª Oliveira. Memórias e Tradições: viveres de trabalhadores rurais do município
de Dom Macedo Costa – Bahia (1930-1960). Dissertação apresentada ao Mestrado em História da
Pontifica Universidade Católica de São Paulo (PUC), São Paulo, 1999, p 11-12.
41
PORTELLI. Alessandro. “O que faz a História Oral diferente”. In: Projeto História nº 16, p. 21.
30
local, que viveu sua juventude em Santo Antonio de Jesus e há décadas mora em
Brasília, refere-se também às atividades de lazer, à lavagem da igreja na véspera de
Santo Antonio e à procissão do padroeiro que percorria as ruas principais da cidade
ao som das filarmônicas locais. José Souza Sampaio rememora as brincadeiras nas
ruas com a chegada e a partida do trem, as transformações trazidas com a
construção das rodovias e com a chegada da energia elétrica. Antonio Santana
Vieira e Manoel Oliveira recordam as relações de trabalho que se desenvolviam na
cidade, sobretudo nas alfaiatarias em que trabalharam; lembram que o movimento
era constante naquela época, pois não havia confecções, e se intensificava ainda
mais em tempos de festas. Adelino Silvério de Assis se lembra da luta pela
sobrevivência na cidade, dos percalços que passou para não voltar pra roça e se
adaptar à vida urbana. Irênio Santos Pereira, mestre em marcenaria, fala das
dificuldades enfrentadas pela família, de origem humilde, para viver na cidade e da
sua experiência como marceneiro. Edivaldo Oliveira Souza e Tereza Leal Vita Souza
denunciam a presença dos pobres na cidade e recordam as campanhas de caridade
desenvolvidas pela sociedade santoantoniense. Maria Soares de Jesus rememora a
dupla jornada de trabalho, nos armazéns de fumo e em casa, que ajudava a
sustentar a família; fala das missas e procissões, das rezas e dos brinquedos de
roda; recorda ainda as relações de solidariedade entre vizinhos. Maria da Conceição
Souza Silva fala dos valores da época, das festas, quermesses, do namoro, e das
mudanças nas ruas e nas casas, a partir da energia elétrica.
As experiências de vida acumuladas na cidade de Santo Antonio de Jesus
nas décadas de 1950 a 1970 e a disposição para relatá-las foram os principais
requisitos utilizados na seleção dos depoentes. Inicialmente, contatamos pessoas
que já tinham sido vistas contando seus casos na venda do meu pai. A partir daí, os
próprios entrevistados indicaram nomes de contemporâneos com os quais haviam
compartilhado suas histórias. Parentes e amigos, ao tomarem conhecimento da
pesquisa que estava sendo desenvolvida, também participaram desse processo,
sugerindo alguns nomes. Apesar de pessoas mais próximas dos entrevistados terem
intermediado os encontros, momentos de insegurança, dúvidas e ansiedades
acompanharam as visitas aos sujeitos. No primeiro contato ocorria apenas uma
conversa informal sem fazer uso do gravador. Nos encontros seguintes, com o
receio e a desconfiança já superados, as conversas passavam a ser gravadas. No
local de moradia ou de trabalho das pessoas realizaram-se as conversas. Nesses
31
momentos, foi possível perceber segurança, confiança e certo conforto para expor
suas memórias. Por vezes, evidenciou-se grande satisfação e auto-estima o fato de
estar sendo ouvido por alguém, talvez em virtude do pouco tempo que é dispensado,
de modo geral, aos mais velhos. O local da entrevista, a ausência de outras pessoas
no ambiente e o clima de proximidade que tentou-se propiciar através da linguagem
familiar, das palavras e dos gestos, foram aspectos importantes para deixar o
depoente mais a vontade ao narrar suas práticas de vida.
A utilização de textos memorialísticos foi de grande relevância para ajudar a
compor o mosaico constituído pelas vivências urbanas de Santo Antonio de Jesus.
Em produções ensaístas locais, como Matas do Sertão de Baixo,42o educador Isaías
Alves, descendente de uma das mais tradicionais famílias do município, registrou
suas memórias e impressões da infância e da mocidade, sobre o Recôncavo Sul
Baiano. Descreve o processo de ocupação da região e destaca momentos
memoráveis da cidade de Santo Antonio de Jesus, através da trajetória de algumas
famílias. Fernando Pinto de Queiroz, advogado, professor e pesquisador, em A
Capela de Padre Matheus,43 foi em busca das origens do primeiro povoamento
santoantoniense e reavivou a figura do padre fundador da Vila. Em Memórias de um
Pária,44 Eduardo de Souza Almeida, narrou sua história e registrou suas
reminiscências, desde o final do século XIX, quando migrou do campo para a cidade
de Santo Antonio de Jesus, onde viveu boa parte de sua vida, vindo a falecer em
1970. Embora priorizem períodos anteriores e não tratem especificamente de
trabalhos sobre o viver urbano, lançaram luz sobre alguns aspectos do cotidiano
urbano santoantoniense e sobre fontes documentais que contribuíram no caminhar
desta pesquisa. Sobre o período pesquisado, Santo Antonio de Jesus – 1965 – A
cidade que encontrei45, de Geraldo Pessoa Sales, morador local e oficial reformado
do Exército Brasileiro, possibilitou passear pelas antigas ruas e encontrar
personagens que protagonizaram a história da cidade. Constituem, portanto,
mananciais de dados e informações indispensáveis para quem se dedica a re-visitar
a memória da cidade.
Os jornais revelaram-se fontes de extrema importância pela riqueza de
informações sobre temas diversos do cotidiano urbano, mesmo considerando que
42
ALVES, Isaias. Matas do Sertão de Baixo. Rio de Janeiro: Reper, 1967.
43
QUEIROZ, Fernando P. A capela do Padre Matheus. Feira de Santana: Sagra, 1995.
44
ALMEIDA, Eduardo de Souza. Memórias de um Pária. Salvador: Adipro, 2006.
45
SALES, Geraldo Pessoa. Op. Cit.
32
por detrás de toda notícia está implícita uma visão de mundo que orienta o modo de
produzir a notícia, de veiculá-la, de propagar idéias e valores. Ressalto, sobretudo, o
semanário santoantoniense O Palládio, fundado e mantido pelo maragogipano
Antonio Mendes de Araújo, tendo circulado, ininterruptamente, desde 15 de
novembro de 1901 até o falecimento do seu fundador, ocorrido em 30 de maio de
1952; A Voz das palmeiras, do proprietário e diretor José Martins de Souza, circulou
na cidade semanalmente, a partir de 1953; O Detetive, dirigido por Artur M. da Silva
e redigido por Estevam M. Sampaio entre final dos anos 1940 e início dos anos
1950, de caráter humorístico e literário, apresentava notícias sobre a vida social e
cultural da cidade. Eles nos deram a possibilidade de “ler” a cidade a partir dos
discursos moralizadores e urbanistas que representavam os interesses das elites
urbanas da época e que procuravam estabelecer os critérios para elaboração de um
“novo homem” público. Contudo, por vezes, flagramos nesses periódicos, temas do
cotidiano das camadas populares, o que sugere que a elaboração de suas pautas
ultrapassava os limites do interesse das elites locais.
Cenas do cotidiano das camadas populares e de outros grupos sociais
também foram surpreendidas através de imagens fotográficas, que “assim como
textos e testemunhos orais, constituem-se numa forma importante de evidência
histórica”, pois, “registram atos de testemunho ocular”46 que descortinam elementos
da vida material da época. Sinalizaram aspectos da arquitetura, indumentária,
formas de trabalho, manifestações populares e outros elementos de infra-estrutura
urbana, tais como a iluminação, fornecimento de água, obras públicas,
proporcionando reflexões sobre as intenções daqueles que as produziram, bem
como quanto à seleção dos elementos que deviam ser mostrados e dos que deviam
ser ocultados, ao dirigir o olhar para um determinado ponto que se quer deixar em
evidência, obscurecendo e/ou ocultando o que, para o produtor da imagem, não é
relevante ou digno de ser registrado.47
As fontes iconográficas utilizadas nesse trabalho foram localizadas em
jornais locais, em arquivos pessoais de antigos moradores - verdadeiros guardiães
da memória de Santo Antonio de Jesus - e em textos de autores que também
reconhecem a importância da fotografia como fonte documental privilegiada pela sua
46
BURKE, Peter. Testemunha Ocular: história e imagem. São Paulo: EDUSC, 2004, p 17.
47
REZENDE, Eliana Almeida de Souza. A Cidade e o Sanitarista - imagens de um percurso. In:
Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História, PUC-
SP, 2000, p.265-279.
33
48
KOSSOY, Boris. Fotografia e História: São Paulo, Ateliê Editorial, 2001, p. 155-156.
49
Idem, op. cit. p 101.
50
FRAGA, E. K. C. . A Revolução Constitucionalista de 1932: Fotografia e Memória. Projeto História,
Edusc, v. 21, p. 301-309, 2000.
51
CERTEAU, Michel de. Operação Historiográfica. In: A Escrita da História. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2006, p 86.
34
52
BARTHES, Roland. Semiologia e Urbanismo. In: A aventura semiológica. São Paulo: Martins
Fontes, 2001, p.219-231.
53
GINZBURG, Carlo. Relações de força: história, retórica, prova. São Paulo: Companhia das Letras,
2002, p. 43-44.
54
FENELON, Déa R.. Cultura e História Social: Historiografia e pesquisa. Revista do Programa de
Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da PUC – SP. São Paulo: Educ,
1981, p.73 – 90.
35
“Era uma vez, uma Vila; Vila de gente pobre, de poucas ruas e
poucas casas e pouca gente; mas gente que quer ser gente,
que quer crescer, quer progredir... e o caminho das tropas que
chegavam a esta vila se tornou o mesmo caminho de trem de
ferro; e, por este caminho, chegou gente e saiu gente; chegou
mais do que saiu; saiu pra ser doutor, senador, governador,
ser gente grande; ficou pra ser gente grande e engrandecer a
Vila. E plantaram muitas Palmeiras; e as Palmeiras cresceram;
e a Vila também cresceu; cresceu quis ser cidade. Virou
cidade, CIDADE DAS PALMEIRAS; pequena, de pouca gente
e de poucas casas; e a capela pequena, capela do Padre
Matheus, cresceu, cresceu virou Matriz; no centro da grande
praça...
... e a cidade cresceu; chegou mais gente; fizeram casas
nasceram ruas, fizeram ruas e bairros...
... e a pequena Matriz cresceu, cresceu se tornou imponente...
... e a gente, que é muita gente, no adro se sua igreja, não se
cansa, não se poupa, de fazer a sua gente cada vez mais
gente grande.”
Entre fins do século XIX e meados do século XX, o Brasil viveu um processo
de intensas mudanças, tanto na vida material, quanto nas formas de compreensão
do tempo e dos espaços público e doméstico, dos hábitos cotidianos, das formas de
percepção da realidade, dos costumes e do comportamento social.55 De um certo
ângulo, pode-se observar transformações estritamente vinculadas à multiplicação de
usuários de energia elétrica.
O clima de desenvolvimentismo e os ideais de progresso propalados pelas
diretrizes políticas nacionais, cujos esforços “deveriam concentrar-se, no sentido de
incrementar o fornecimento de energia e de melhorar o sistema de transportes para
viabilizar o crescimento econômico”,56 encontraram desdobramento em Santo
Antonio de Jesus. A pequena cidade, sobretudo a partir dos anos 1950, com ritmo
próprio, passou a experimentar um processo de urbanização percebido nos hábitos,
costumes e práticas sociais dos santoantonienses.
55
Centro de Memória da Eletricidade no Brasil. A vida cotidiana no Brasil moderno: a energia elétrica
e a sociedade brasileira (1880-1930). Rio de janeiro: 2001, p 27.
56
MANTEGA, Guido. A economia política brasileira. Petrópolis – RJ: Vozes, 1984, p 67.
57
“A cidade em revista”. A Voz das Palmeiras. Santo Antonio de Jesus, fevereiro de 1954, p 1.
58
Idem
38
A mesma nota afirma ainda ser uma perda de tempo pedir providências a
esse respeito, pois os moços dizem que assim fazem porque têm força, o que nos
leva a pensar que se trata de pessoas com certa influência. O periódico
aparentemente critica a ação da polícia em tais circunstâncias, insinuando a
possibilidade de que viesse a prender algum inocente só para dizer que estaria
59
“Clama ne cesses”. O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 24 de novembro de 1950, p 2.
60
“Calúnias brancas”. A Voz das Palmeiras. Santo Antonio de Jesus, 12 de março de 1954, p 1.
61
“A cidade em revista”. A Voz das Palmeiras, Santo Antonio de Jesus, 27 de janeiro de 1954, p 1.
62
Idem.
39
agindo. Situação que nos reporta a uma prática ainda comum nos dias atuais. Mas
conclui afirmando que “os jovens dizem que isto é civilização, progresso e
adiantamento”.63
Pelo que foi possível apurar, as casas de “mulheres de vida livre”
encontravam-se espalhadas por vários bairros residenciais, conforme nos informa
também o Sr. José Santos Vieira, antigo morador da cidade de Santo Antonio de
Jesus. Com 67 anos de idade, Zeca Vieira, como é popularmente chamado, desde
que nascera mora na Rua Wellington Figueiredo, no bairro de São Benedito.
Lembra-se do tempo quando ali ainda era uma grande fazenda gerenciada por seu
pai. Em sua narrativa, percebe-se elementos também destacados pela Voz das
Palmeiras, a respeito dessas casas:
De ponta a ponta onde você fosse não tinha madame fulana de tal
não, onde tinha madame tinha uma puta do lado, uma casa [...]
muito brega. Era a feira de mulheres aqui. Aqui foi um dos lugares
que teve prostituta. A Rua do Gás, tudo era brega, a Maria Nunes,
tudo era brega, Espera Negro, tudo era brega.64
63
Idem
64
Depoimento de José Santos Vieira, de 67 anos idade, em maio de 2007.
65
CRUZ, H. de F. reflete sobre as relações entre cultura letrada, periodismo e vida urbana na cidade
de São Paulo, entre os anos 1890 e 1915. In: São Paulo em papel e tinta. Educ, São Paulo, 2000, p
20.
66
Sobre o conceito de apropriação cultural, ver CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano – artes
de fazer. Vol. I, Petrópolis / RJ: Vozes, 1994, p 40.
40
67
“A cidade em revista”. A Voz das Palmeiras, Santo Antonio de Jesus, fevereiro de 1954,p 1.
68
“Mercado Municipal”. O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 3 de fevereiro de 1949, p 1.
69
SOARES, Maria do Socorro. A Tarde e a construção dos sentidos. Dissertação de Mestrado em
História, UFBA, Salvador, 2002, p 13.
41
questionado pelo periódico era mais uma vez a imagem da cidade, sobretudo como
ela se apresentava esteticamente para os visitantes.
Numa época em que ainda não havia supermercados, a população
santoantoniense e também de cidades vizinhas, periodicamente, “fazia feira”, ou
seja, adquiria os produtos necessários à subsistência na feira livre. Nela, pessoas de
diferentes origens tanto compravam como vendiam produtos os mais variados.
Inicialmente, a feira livre ficava localizada no centro da cidade. A Praça da Matriz,
atual Praça Padre Matheus, era um local de concentração e grande movimentação
de pessoas, onde encontravam-se o Correio e Telégrafo, a imponente Matriz e o
Cine Glória. Era lá que se realizava a feira, inicialmente apenas aos sábados,
fazendo triplicar o número de pessoas na cidade.
vivenciando desde o século XIX, como uma espécie de denúncia, tentando mostrar
a aparente desorganização que existia no espaço da feira. Todavia, seguindo as
pistas, numa tentativa de decifrar a referida fotografia, Santana observou que:
71
SANTANA, Charles D Almeida. Fartura e Ventura Camponesas: trabalho, cotidiano e migrações:
Bahia 1950-1980. São Paulo: Annablume, 1998. pg. 88-89.
72
LEITE, Miriam Lifchitz Moreira. História e Fotografia, p 50. apud SANTANA, Charles D’Almeida.
Linguagens Urbanas, Memórias da Cidade: vivências e imagens da Salvador de migrantes. Tese de
Doutoramento em História. PUC/SP, 2001, p 70.
43
73
Depoimento do Sr. Gregório Tavares da Silva de 99 anos de idade, em maio de 2007, morador da
cidade desde 1948.
74
SAMUEL, Raphael. História Local e História Oral. In: SILVA, Marco Antonio. (Org). Revista
Brasileira de História . História em quadro Negro: escola, ensino e aprendizagem. São Paulo:
ANPUH/Marco Zero, vol. 9, nº. 19, setembro de 1989 - fevereiro de 1990.
75
MALUF, Marina. Ruídos da memória, São Paulo: Siciliano, 1995.p 31.
76
BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade : lembrança de velhos. São Paulo: Cia. das Letras, 1994.
p 407.
44
Eu não achei ruim. Não achei ruim porque... Ficou ruim porque os
freguês ficava tudo sem saber a donde era, dispois acertou, pronto.
Segundo disso, quando passou pra a gente cortar carne no garpão
melhorou porque era encoberta. A gente vendia nas barracas de
tauba sabe? Aquilo era um desarranjo enorme. Toda sexta feira
armar, quando era de tarde desarmar e dava prejuízo à gente.
Dispois que fez o arpão, tinha bloco, conforme é até hoje, aí a gente
se desenvolvia melhor. Não, não, ninguém achou ruim porque se a
gente tava no tempo, então passou pra vender debaixo do bloco e
ternit, né, coberto demais. Deu pra todo mundo.77
77
Depoimento de Sr.Gregório Tavares, já citado.
78
Depoimento do Sr. José Santos Vieira, já citado
45
inseparáveis; afinal “a cidade se alimenta daquilo que o campo a seu redor produz”79
e, concomitantemente, ajuda a prover o campo com gêneros que ele normalmente
não produz. Do campo, os trabalhadores abasteciam a cidade com farinha, café,
carne do sol e frutas que os feirantes traziam para a cidade; na volta, levavam para
casa querosene, cachaça, tecidos, tamancos, bacalhau, carne de boi fresca,
comprados com o dinheiro da venda de suas mercadorias.
Além da simples troca de mercadorias, as feiras eram também um espaço
de sociabilidade. Nelas discutia-se os mais diversos assuntos, trocava-se
informações sobre parentes e amigos, pilheriava-se, paquerava-se ou simplesmente
batia-se papo. Era o “dia do encontro na cidade” e esses encontros significavam
“comunicação entre lugares e povos e que a troca de bens não se dava sem a troca
de idéias e de prazeres”.80 Essa relação campo-cidade deixa continuamente suas
marcas no espaço vivido, de modo que a vida nas ruas da cidade abriga a presença
do campo, através das vivências rurais trazidas nas mentes e sentimentos das
pessoas que migram para lá e “em suas bordas pulsam viveres rurais, assim como
viveres engendrados na cidade vão penetrando no campo, modificando gestos e
rotinas, transformando olhares e perspectivas”.81
A transferência do mercado pode ser inserida também num processo mais
amplo de divisão e hierarquização do espaço público urbano. Com este fim, outra
iniciativa adotada seria o afastamento das prostitutas das regiões centrais da cidade.
Tentar-se-ia também evitar a penetração das camadas populares nas festas e outros
espaços de lazer freqüentados pelos mais ricos. As lavagens da igreja na festa de
Santo de Antonio, como recordou seu Gilberto Melo, agrônomo e artista que vive há
muitos anos em Brasília, fazem parte desse contexto. Segundo nos informa, eram as
79
Sobre esta relação entre o campo e a cidade, ver Raymond Williams “O Campo e a Cidade: na
história e na literatura”, p.75. Analisando “imagens” e “associações” conectadas a variadas
experiências históricas, Williams percebe que as atitudes inglesas em relação ao campo e às
concepções da vida rural persistiram com um poder extraordinário, de modo que, mesmo depois de a
sociedade tornar-se predominantemente urbana, a literatura, durante uma geração, continuou
basicamente rural; e mesmo no século XX, numa terra urbana e industrializada, é extraordinário como
ainda persistem formas de antigas idéias e experiências”.
80
CARDOSO Carlos Augusto de Amorim & MAIA Doralice Sátyro. Das feiras às festas: as cidades
médias do interior do Nordeste.IN Sposito Maria Encarnação Beltrão (org.). Cidades Médias: espaços
em transição 1.ed. São Paulo: Expressão Popular, 2007..
81
KHOURY, Iara Aun. “Apresentação”. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História
e do Departamento de História da Pontifica Universidade Católica de São Paulo, nº 18, Educ, São
Paulo, 1999, p 9-11.
46
82
Depoimento de Seu Gilberto Mello, 25 de maio de 2007.
83
A cidade em revista. A Voz das Palmeiras. Santo Antonio de Jesus, 12 de março de 1954, p 1.
47
uma nova arquitetura foram entrando na vida das pessoas, elas experimentaram,
vivenciaram e consumiram essas novidades dando-lhes, porém, novos significados.
Modificaram, portanto, os comportamentos, hábitos e costumes, na perspectiva da
“conjugação entre o efêmero e fugidio e o eterno e imutável”,84 para assim
constituírem suas práticas sociais.
Embora os projetos das reformas urbanas santoantonienses possam ter sido
pensados por uma parcela pequena da cidade, representada por empresários,
políticos e demais autoridades locais, a participação dos sujeitos que receberam, re-
significaram e vivenciaram esse processo, acabou transformando essas
experiências de urbanização numa construção social.
Recuando um pouco o olhar para o final dos anos 1930 e início da década
de 1940, observamos que a cidade de Santo Antonio de Jesus correspondia à Praça
Padre Matheus e algumas ruas adjacentes, formando um pequeno aglomerado de
casas residenciais e comerciais, conforme o desenho apresentado a seguir.
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Rua Espera Negro (R. St°Antônio)
Rua Mª Nunes (R. Ant° Fraga)
BA-028
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(Praça Padre Mateus) Lu
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ç ão
Rua Tiradentes
84
HARVEY, David. Condição Pós-moderna, Edições Loyola, São Paulo, 1992, p 21.
48
Figura V: Aspecto da Rua de Cima nos anos 1940, atual Rua Ruy Barbosa.
Foto do arquivo pessoal de Tau Tourinho.
85
Dados do IBGE e SEI 2001.
86
O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 6 de outubro de 1938, p 3.
49
Assim, a higiene era um dos requisitos exigidos a uma cidade que pretendia
alcançar o status de adiantada e a instalação do serviço de água encanada
garantiria melhoramentos nesse aspecto. A nota vincula a água encanada a uma
“utilidade geral” ou a “interesses vitais do povo”. Mas será que o projeto, ora em
andamento, incluía a grande maioria da população da cidade, sobretudo aqueles
moradores das áreas mais afastadas do centro?
Embora a concessão de financiamentos para implantação de rede de água
encanada nos municípios fizesse parte da pauta política desenvolvimentista, do
governo do estado na época, não foram poucos os percalços enfrentados para a
realização desse fim. Quase um ano depois de o prefeito e médico Gorgônio José
de Araújo ter assumido um compromisso público quanto à questão da água, O
Palládio informava, em tom eloqüente, a chegada de engenheiros e do diretor do
Serviço de Águas para inspecionar a primeira perfuração. Estes, depois de
inteirados das condições locais, definiram que a primeira perfuração seria feita
naquele mesmo dia ou no dia seguinte, em terrenos situados ao lado do prédio da
Usina Elétrica, na Rua Chile, no mesmo local onde atualmente funciona a
COELBA.89
Ainda em relação à década de 1930, campanhas pela reabertura do
Hospital da Santa Casa de Misericórdia são matérias recorrentes nos periódicos
locais, chamando a atenção para a necessidade de melhoria dos serviços de saúde
da cidade. Nos casos da luz e da água, essas campanhas destacaram-se pela
87
“O problema da água”. O Palládio, nº. 1879, Ano 37, Santo Antonio de Jesus, 6 de outubro de 1938,
p 4.
88
Idem
89
“A água em Santo Antonio de Jesus vai ser uma realidade”. O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 14
de julho de 1939, p 2.
51
90
“A Santa Casa, afinal, renasce!“. O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 12 de agosto de 1939, p 1.
91
Idem.
92
“Uma diversão visando a caridade”. O Palládio, nº. 2319, Ano 48, Santo Antonio de Jesus, 6 de
setembro de 1949, p 2.
52
93
LUCAS, Meize Regina de Lucena. Imagens do Moderno: o olhar de Jacques Tati. São Paulo:
Annablume; Fortaleza: Secretaria da Cultura e Desportos, 1998, p 65.
94
BRESCIANNI, Maria Stella M.. História e Historiografia das Cidades, um Percurso. In:FREITAS,
Marcos Cezar (org). Historiografia Brasileira em perspectiva. 5ª. ed. São Paulo: Contexto, 2003.
95
Lei nº 15 de 7 de fevereiro de 1956. Arquivo Público Municipal de Santo Antonio de Jesus, Livro de
Leis, Decretos e Portarias da Prefeitura Municipal de Santo Antonio de Jesus.
96
Lei nº. 5 de 1º de junho de 1951. APMSAJ, Livro de Leis, Decretos e Portarias da Prefeitura
Municipal de Santo Antonio de Jesus.
97
Lei nº. 02, de 1º de junho 1951. APMSAJ, Livro de Leis, Decretos e Portarias da Prefeitura
Municipal de Santo Antonio de Jesus.
53
98
De algum modo podemos aproximar o período aqui estudado com as reflexões de Nicolau
Sevcenko em relação ao termo “moderno” que passa a ser corrente no uso cotidiano dos anos 1920.
Ver do autor Orfeu extático na metrópole, São Paulo, 1922, p 227-231.
99
“A Nova Matriz”. O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 4 de março de 1949, p 1.
54
100
“Diversões Populares”. O Padroeiro. Santo Antonio de Jesus, 1º de junho de 1944, p 3.
101
Idem
102
THOMPSON, E. P. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos, Editora Unicamp, Campinas –
SP, 2001, p 252.
103
Os exemplares de O Padroeiro, folhetim anual produzido pela Igreja Católica, trazem
detalhadamente a programação do Trezenário de Santo Antonio com os nomes dos responsáveis por
cada noite.
104
“A Nova Matriz”. O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 4 de março de 1949, p 1.
105
“A consciência popular da cidade de Santo Antonio de Jesus”. O Palládio, 4 de dezembro de
1942, p 1.
55
106
Depoimento de D. Maria Soares de Jesus, em nov. de 2007, de 84 anos de idade, moradora da
cidade desde os sete anos.
56
109
“A Nova Igreja Matriz”. O Padroeiro, Santo Antonio de Jesus, 1º de junho de 1954, p 1.
110
“Melhoramentos”. O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 25 de abril de 1949, p2.
111
“Vida Urbana”.O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 21 de março de 1949, p 2.
112
“Relatório das atividades no exercício de 1949”.O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 10 de maio de
1950, p 2 .
58
113
“Melhoramentos”. O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 13 de outubro de 1951, p 2.
114
HARVEY David. Op. cit., p 210.
115
“Mercado Municipal”. O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 26 de janeiro de 1921, p.1.
116
“Precisamos de um Mercado”. O Nazareno, Cidade de Nazaré, Bahia, 14 de março de 1957, p 3.
59
117
“Notícias santantonienses”. Jornal da Bahia, 1968.
118
Idem.
119
Lei nº. 01 de 13 de fevereiro de 1958. Livro de leis, decretos e portarias de Santo Antonio de Jesus
1956-1963. APMSAJ.
60
outras tantas cidades tiveram as suas feiras transferidas de local e o comércio não
saiu em perseguição da feira. E o comércio dessas cidades não pereceu”.120 O medo
e a resistência inicial de alguns donos de vendas e feirantes não foram suficientes
para impedir que o projeto fosse levado adiante. Mas, podem ajudar a explicar,
acrescido ao argumento da falta de recursos, por que a obra teria demorado tanto
para ser realizada, já que desde as primeiras décadas do século XX havia o clamor
da imprensa e de autoridades para que acontecesse.
A memória oral de personagens envolvidos no episódio da transferência da
feira guarda sentimentos marcados por insegurança, incerteza e medo. Medo do
desconhecido, do que estava por vir. Dimensões e práticas de resistência podem ser
identificadas na reação declarada dos sujeitos, contrária à medida do prefeito
Florentino Almeida, considerado um “louco”, por muitos, naquele momento. Segundo
Sr. José Elias, que trabalhou medindo as terras da fazenda transformada em feira, a
insatisfação e a reprovação à decisão tomada, atingiu muita gente, incluindo
comerciantes, feirantes e até a Câmara dos Vereadores. Argumentavam que o novo
local “não valia nada” por ser distante, entretanto, “o prefeito não aceitou e botou pra
lá” mesmo121. Assim, a Praça Padre Matheus começava a ganhar novas feições.
Enfim, a fisionomia da cidade ia sendo modificada na medida em que se
tentava implantar melhoramentos nos serviços de água, energia elétrica, calçamento
de ruas, entre outros. Durante a década de 1950, por exemplo, os serviços de água
encanada ainda não haviam avançado. O seu regulamento só foi aprovado no
município na década de 1960.122 Somente em 1973, a Prefeitura firmou com a
Empresa Baiana de Águas e Saneamento S. A. – EMBASA termo aditivo e de re-
ratificação ao convênio de concessão dos serviços de águas e esgotamento
sanitário, celebrado em 8 de junho de 1965, com o Departamento de Engenharia
Sanitária do Estado da Bahia.123 Isso nos sugere que o caminho percorrido pela
água desde a perfuração dos poços, ainda na década de 1930, até chegar às
torneiras das casas foi um processo demorado, marcado pela morosidade muito
comum das obras públicas.
120
“Se eu fôra prefeito”. Jornal da Cidade. Santo Antonio de Jesus, 18 de março de 1962, p 2.
121
Depoimento de Sr. José Elias Silva Santos de 91 anos de idade. Entrevista realizada em 2 maio de
2008.
122
Livro de Registro Diário do Expediente do Prefeito de Santo Antonio de Jesus 1964 -1966.
APMSAJ.
123
Lei nº. 11 de 27 de outubro de 1972. APMSAJ. Maço de Leis do ano 1972 da Prefeitura de Santo
Antonio de Jesus.
61
124
IBGE – Censo Demográfico de 1960
125
“O caso da luz”. O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 3 de fevereiro de 1949, p 2.
62
das Bananeiras”.126 A nota dava conta da lei que autorizava a prefeitura a contrair
um empréstimo de quantia avultada com o Banco Econômico da Bahia, para a
aquisição e instalação do material necessário na montagem do serviço, no
município.127
Mesmo quando a energia elétrica finalmente chegou, os problemas de
fornecimento permaneceram nas manchetes, devido às restrições impostas pela
precariedade do serviço oferecido. Em 24 de abril de 1951, um grupo de vereadores
solicitou ao prefeito que fosse restabelecido o fornecimento de luz até as 5 horas da
manhã,128 provavelmente porque os “apagões” costumavam ocorrer mais cedo.
Somente em 24 de junho de 1962, com a presença do poder público municipal e do
governador do estado, realizou-se a inauguração da energização de Santo Antonio
de Jesus, através da linha de transmissão da Usina de Bananeiras, localizada em
Bananeiras, um pequeno distrito de Paulo Afonso.129
Na trajetória do crescimento de Santo Antonio de Jesus, o advento da
energia elétrica aparece como um divisor de águas. Marca o início de uma nova fase
da cidade, pois, além de possibilitar à iniciativa privada o investimento em pequenas
indústrias e fortalecer o comércio que já era um dos mais movimentados da região,
condicionou modificações decisivas de cenário, de práticas sociais e de hábitos
santoantonienses.
Como ainda não havia o temor da violência nos moldes da atualidade, era
possível caminhar, correr, brincar até mais tarde, sem os percalços da escuridão.
Todavia, se a energia elétrica, por um lado, trouxe a liberdade de percorrer as ruas à
noite, mais tarde seria responsabilizada por exercer uma forma de controle social,
uma vez que, diante de tanta claridade, todos estavam expostos aos olhares alheios.
Assim, o jeito de se vestir, o andar, as paqueras não passavam despercebidos
diante de tanta luminosidade. O simples ato de ir ao jardim à noite ou dar uma
voltinha na praça passava a exigir uma forma de se apresentar e de se comportar.
126
“A luz – Nova era de progresso”. O Palládio, Ano 48, nº. 2305, Santo Antonio de Jesus, 21 de
março de 1949, p 1.
127
Lei nº. 14 de 14 de fevereiro de 1949. Livro de Leis de 1949 da Prefeitura de Santo Antonio de
Jesus. APMSAJ.
128
Ata de 24 de abril de 1951. APMSAJ. Livro de Ata da Câmara dos Vereadores de Santo Antonio de
Jesus – 1948 a 1951.
129
“Inauguração da Luz”. Jornal da Cidade, Santo Antonio de Jesus, 8 de julho de 1962.
63
Aparecer em público de pijama, por exemplo, era motivo pra censuras, pois aquele
não era considerado um traje para estar em sociedade.130
Mesmo que não houvesse nesse momento leis ou regras explícitas
definindo esses comportamentos especificamente, a reprovação e a exclusão que se
davam por meio dos olhares e dos “falatórios”, tentavam criar uma forma de
normatização e controle social das pessoas nos espaços de uso coletivo, ao mesmo
tempo em que desencorajavam atitudes e posturas incomuns.131
As tentativas de padronização do espaço público e do privado, de controle
de habitação e vizinhança, praticadas, por exemplo, na cidade do Rio de Janeiro no
início da República, na análise de Marins, acabaram naufragando os anseios de
homogeneizar vizinhanças. Além de frustrar as elites nos seus planos de eliminar as
convivências de habitações e populações diversas, no seio da maior e mais
importante cidade brasileira de então.132 Embora o autor se refira a outro
tempo/espaço, é possível conjecturar que no contexto de Santo Antonio de Jesus
também houve iniciativas que visavam padronizar o modo de se comportar na
cidade. Entretanto, provavelmente a ausência de um rigor na fiscalização desses
comportamentos, bem como as adaptações e interferências dos moradores,
aceitando alguns, recusando outros, contribuíram para que as camadas populares
não fossem excluídas do processo, deixando suas marcas gravadas, sobretudo, no
jeito de falar, de se vestir, de andar, enfim, nos hábitos e costumes da cidade133.
Nesse particular, em matérias de O Detetive e nos depoimentos do Sr. José
Souza Sampaio e D. Maria Soares de Jesus, é possível perceber resistências no
comportamento daqueles moradores que mantiveram o hábito de ir para a rua
vestido de pijamas, ou descalço, ou ainda que, após as refeições, apareciam de
“palito entre os dentes”. Comportamentos reprovados pela sociedade que queria ser
reconhecida como “civilizada”, e quando não conseguia convencer as pessoas a
mudarem seus hábitos, essas por vezes, poderiam se tornar objeto de certo
“desprezo”.134
130
“Censurando”. O Detetive. Santo Antonio de Jesus, 27 de agosto de 1950, p 1.
131
“Censurando”. O Detetive. Santo Antonio de Jesus, 27 de agosto de 1950, p 1.
132
MARINS, Paulo César Garcez. Habitação e Vizinhança: limites da privacidade no surgimento das
metrópoles brasileiras. In: Nicolau Sevcenko (org.) Fernando A. Novaes (coord): História da vida
privada no Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, 1998. p 142-143.
133
Depoimento do Sr. Irênio Santos Pereira, em 3 de maio de 2008, 71 anos de idade, morador da
cidade desde que nasceu e do Sr. José Elias Silva Santos, em 2 de maio de 2008, 91 anos de idade.
134
“Censurando”. O Detetive. Santo Antonio de Jesus, 27 de agosto de 1950, p 1.
64
Essa nova cidade, cada dia mais atraente, passava a ter uma população
cada vez maior. Portanto, a ampliação e a redefinição dos seus espaços tornaram-
se imperativas. Já em 1960, um decreto estabelecia alterações nos limites das
zonas urbanas e suburbanas do município. Para fins censitários, considerava-se que
“a delimitação em vigor não correspondia mais às novas condições decorrentes do
desenvolvimento demográfico e econômico deste município”.135 Vale ressaltar que a
população urbana havia aumentado de 11.839 na década de 1950, para 15.489, na
década de 1960,136 por ter recebido um expressivo contingente populacional vindo
da zona rural e principalmente de cidades vizinhas, sonhando em melhorar de vida e
obter mais conforto. De acordo com o referido decreto, correspondia ao perímetro
urbano, uma área que:
135
Decreto nº. 8 de 30 de março de 1960. Arquivo Público de SAJ. Livro de Leis, Decretos e Portarias
da Prefeitura Municipal de Santo Antonio de Jesus.
136
Dados do IBGE e SEI.
137
Decreto nº. 8 de 30 de março de 1960. Arquivo Público de SAJ. Livro de Leis, Decretos e Portarias
da Prefeitura Municipal de Santo Antonio de Jesus.
65
urbanas. A descrição nos situa também quanto aos antigos nomes das ruas,
instigando-nos a questionar sobre a sua origem, ao mesmo tempo em que nos
lembra que Santo Antonio de Jesus era também a Cidade das Flores, pela
quantidade ali cultivada, tão significativa que ficaria registrada em um dos seus
logradouros. Esse era um tempo em que as ruas tinham nomes simples que
retratavam as características do lugar e que o documento oficial reluta em esquecer.
Para fazer parte desse conjunto denominado perímetro ou zona urbana, de
acordo com o Código Tributário de 1966, documento criado para regulamentar as
taxas cobradas no município, seria necessário apresentar pelo menos dois
melhoramentos como: meio fio ou calçamento, abastecimento de água, sistema de
esgotos sanitários, iluminação pública, escola primária ou posto de saúde a uma
distância máxima de três quilômetros.138
A compreensão que a legislação municipal tinha sobre o espaço urbano
estava relacionada com a idéia de oferecer serviços aos seus moradores. Percebe-
se a partir do levantamento de leis, decretos, portarias e dos periódicos locais, que
esse foi o caminho trilhado pelo poder público para a definição do espaço urbano
santoantoniense. No mesmo sentido, algumas de suas normatizações procuravam
controlar e disciplinar a vida da população que crescia na cidade. O Código de
Posturas Municipais de 1965, em seu artigo 233º, por exemplo, proibia que se
lavasse roupas em chafarizes, fontes ou tanques situados nos logradouros públicos,
para preservar a higiene das vias públicas.139
Inspirado no modelo de convívio urbano, trespassado pelos procedimentos
de especialização espacial e segregação social, no cerne das medidas de controle
da habitação e vizinhanças implementados nas capitais brasileiras a partir do
advento da República,140 as determinações legais instituídas pelo Código, a priori,
pareciam incompatibilizar-se com a realidade vivenciada por uma grande parte da
população, que não dispunha de outros meios para a provisão de tais serviços.
Como seria possível seguir a determinação de não lavar roupas nas fontes, quando
a situação do abastecimento de água encanada ainda não havia sido resolvida?
138
Lei nº. 71 de 24 de dezembro de 1966. APMSAJ. Código Tributário de 1965.
139
Lei nº. 66 de 4 de dezembro de 1965. Art. 233. APMSAJ.Código de Posturas de 1965.
140
MARINS, Paulo César Garcez. Op.cit..
66
Para o Sr. José Elias essa “era uma proibição que não devia ter”,141 pois não
condizia com as condições estruturais que a cidade apresentava naquele momento.
Ruas, praças e casas ganharam novos desenhos com as reformas.
Contudo, afirmar que o espaço urbano santoantoniense passou a ser exatamente
como foi pensado pelos que planejaram e efetivaram as obras, é não reconhecer
que a história acontece a partir das relações que os sujeitos experimentam nas suas
articulações diárias.142 Dito de outra forma, foi no contínuo das relações cotidianas,
processadas a partir dessas reformas, que se fizeram as experiências de
urbanização em Santo Antonio de Jesus, particularmente influenciadas pelas
camadas populares. Nessa perspectiva, até que ponto o sentido que os diversos
sujeitos urbanos santoantonienses deram às novidades da urbanização, coincidiu
com o que foi pensado pelos grupos que planejaram e implementaram essas ações?
No processo de apropriação dos produtos culturais143 recebidos, é possível inclusive
que algumas pessoas tenham resistido ao fascínio veiculado por certas novidades,
apesar dos atrativos e do conforto que representavam alguns desses símbolos,
atribuindo-lhes novos significados de modo que lhes possibilitassem sentir-se à
vontade na cidade.
rural. Uma das investidas mais sistemáticas foi o Código de Posturas Municipais de
1965. Sua dimensão coercitiva sugere a coexistência de costumes rurais e citadinos
na pequena cidade que começava a urbanizar-se, o que muito desagradava àqueles
que queriam imprimir-lhe uma imagem “civilizada”.145 As Posturas Municipais
estabeleceram regras que deveriam ser seguidas, com a justificativa de garantir aos
seus habitantes, entre outros, o direito de ir e vir, a segurança, um sistema de
trânsito eficiente, a limpeza e a conservação dos locais públicos.
Trata-se, portanto, de uma série de leis e decretos que pretendiam regular a
vida em sociedade, sobretudo no perímetro urbano, quer seja de indivíduo ou de
empresa, sob pena de multas e, no caso de estabelecimentos, até mesmo a
interdição, se houvesse descumprimento. Representou, portanto, um instrumento de
poder utilizado para tentar disciplinar a vida urbana, atacando costumes e práticas
tradicionais. Entretanto, “a cidade [...] é um lugar demasiado complexo para ser
disciplinada dessa forma; [...] a cidade é lugar em que o fato e a imaginação
simplesmente têm de se fundir”.146 Destarte, paradoxalmente às normas impostas
aos moradores urbanos, um dos atrativos da cidade encontrava-se justamente na
relativa liberdade de ação que as pessoas vislumbravam no espaço urbano.
No contexto de Santo Antonio de Jesus, à época, a idéia de
desenvolvimento do capitalismo era sentida através do processo de urbanização que
movia empresários e autoridades locais, no combate aos tradicionais costumes e
práticas sociais rurais presentes na vida urbana.147 Nesse sentido, a tentativa de
preservação desses costumes, num momento em que políticos e empresários
estavam empenhados em criar uma imagem nova para a cidade, também pode ser
percebida como uma postura rebelde, embora tradicional, “pois o costume, por sua
natureza, é conservador”.148
O poder normativo da legislação intervinha nos mais simples aspectos da
vida cotidiana. O artigo 47º, proibia “colher flores ou transitar pelos canteiros dos
145
Encontramos referências à existência de outras legislações nas décadas de 1940 e 1950,
versando sobre o comportamento dos moradores na cidade, cujo conteúdo muito se assemelha ao do
Código de Posturas de 1965; entretanto, até o momento não conseguimos acessá-las.
146
HARVEY, David. Op. cit., p 17.
147
THOMPSON, E. P..Analisando a cultura consuetudinária inglesa no século XVIII, Thompson
observa a manutenção de práticas e tradições ameaçadas pelo avanço do mercado capitalista e
como o povo inglês se situou em um complexo de relações sociais, tradições e rituais que exprimiram
uma cultura tradicional rebelde. In Costumes em comum: Estudos sobre a cultura popular tradicional.
São Paulo: Companhia das Letras, 1988.
148
THOMPSON, E. P.. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos, Editora Unicamp, Campinas –
SP, 2001, p. 233.
68
149
“Recadinho”. O Detetive, Santo Antonio de Jesus, 8 de janeiro de 1950, p 3.
69
Almeida, encontrou muitos sítios e roças, que viu, aos poucos, serem substituídos
por ruas e avenidas. Lembra-se do tempo em que o bairro de São Benedito e a
Avenida Barros e Almeida, que liga seu bairro ao centro, comportavam chácaras,
roças, pastagens e matas que, com o tempo, cederam espaço a casas e ruas, que
aos poucos estenderam-se até o pequeno sítio onde ainda reside, na localidade do
Casco, próximo à rodovia BA 028, que liga Santo Antonio de Jesus a Nazaré. Teve
sua terra cortada pela estrada, tomando-lhe duas tarefas, pelas quais recebeu
indenização que, segundo ele “era coisa muito pouca [...], uma bagatela”, que não
cobriu as “benfeitorias de bananeiras, manga, jaqueiras,150 suprimidas.
Suas idas e vindas aos sábados para vender carne do sol na feira eram
alternadas pelo trabalho na lavoura onde plantava feijão, milho, mandioca, frutas
diversas. Seus fregueses dividiam-se entre moradores do campo e da cidade.
“Gente grande”, como ele mesmo diz: “doutor, coletor, advogado, comerciante,
professora”, todos eram seus clientes. Embora tivesse cavalos, preferia não levá-los
para a feira, para não ter mais uma ocupação, pois ”ia cedo pra rua só vortava de
tarde e não precisava deixar os animais sortos, como arguns fazia”. Conta ainda que
“a rua [...] de meio dia pra tarde, os catingueiros botava os animá pra comer o capim,
dessa artura”.151
Foi nesse universo onde conviviam modos de vida urbano e rural que
algumas leis foram criadas pelos poderes públicos locais, tentando eliminar
costumes que não se encaixavam com as suas idéias de urbanização, como a
prática de deixar os animais soltos na rua. Quando Sr. Gregório chegou à cidade,
ela praticamente não possuía outro meio de transporte além do trem e dos animais
de carga. Os automóveis ainda eram novidade.
Quando cheguei pra aqui só tinha um carro. Era desse [...] Sinval Martim.
Tinha também Irineu, mas vinha de Cruz das Armas com caminhão, fazia
linha né. O pessoal viajava tudo no carro dele do Armeida, de Sapé tudo
pra aqui. [...] Tinha estrada, agora era cascalho [...] quando chovia tinha
lugar que o carro não passava.
Argum que tinha bicicleta, era pouquinha mesmo.[...] o povo não tinha
dinheiro pra comprar [...] o povo era muito fraco.152
150
Sr. Gregório Tavares, depoimento já citado.
151
Depoimento do Sr. Gregório Tavares, já citado. Nessa passagem “a rua de meio dia pra tarde...”, a
rua que S. Gregório se refere é o centro da cidade, particularmente a Praça onde acontecia a feira.
152
Idem
70
153
Lei nº. 66 de 4 de dezembro de 1965. Art.124. APMSAJ. Código de Posturas de 1965.
154
“A cidade em revista”. Jornal A Voz das Palmeiras, 11 de janeiro de 1954, p 4.
71
Seja em que rua for, encontramos soltos nas ruas, perus, cachorros [
Avenida Barros e Almeida], porcos e as niadas atraz [ Rua 13 de maio],
galinhas e porcos [Praça da Matriz], jumentos e cães ferozes [ Rua da
Mangueira], e assim quase toda a cidade156.
155
“Em cada coração uma saudade” – Jornal da Bahia, 7 e 8 de setembro de 1968.
156
“A cidade em revista”. Jornal A Voz das palmeiras, 5 de maio de 1954, nº. 38.
72
157
Lei nº. 66 de 4 de dezembro de 1965. Art.200, 201 e 204. APMSAJ. Código de Posturas Municipais
de 1965.
158
THOMPSON, E. P. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos, Editora Unicamp,Campinas –
SP, 2001, p 261.
159
SANTANA, Charles D’Almeida. Linguagens Urbanas, Memórias da Cidade: vivências e imagens da
Salvador de migrantes. Tese de Doutoramento em História. PUC/SP, 2001, p 26.
160
Lei nº. 66 de 4 de dezembro de 1965. Art.156, Art.159 e Art.233. APMSAJ. Código de Posturas
Municipais de 1965.
161
Lei nº. 66 de 4 de dezembro de 1965. Art. 155. APMSAJ. Código de Posturas Municipais de 1965.
73
166
“Terno das Turcas”. A Voz das Palmeiras, Santo Antonio de Jesus, 11 de janeiro de 1954, p 4.
167
“Festa de São Benedito”. O Detetive, Santo Antonio de Jesus, 5 de fevereiro de 1950, p 4.
168
“Última hora”. O Detetive, Santo Antonio de Jesus, 19 de fevereiro de 1950, p 4.
169
“Reportagem”. O Detetive, Santo Antonio de Jesus, 1º de outubro de 1950, p 4.
170
“Telegrama”. O Detetive, Santo Antonio de Jesus, 30 de setembro de 1951, p 4.
75
Tinha tanta coisa [...] O negócio era samba, brinquedo de roda. Quer
ver? [...] Aí assunta, a gente cantava no brinquedo. As duas iam
dançando. Um tanto por fora e duas entrava pra dançar. Tinha uma
cantiga assim:
Vamos ver
Vamos, galopeia
Eu sei dançar, carinhosa
Eu sei dançar, carinhosa
Eu sei dançar, carinhosa.172
171
Esta discussão sobre preservação de costume ancora-se no texto “Costumes em Comum”, no qual
Thompson faz reflexões sobre a importância da transmissão oral dos costumes do trabalho,
percebendo esses costumes como base dos primeiros direitos dos trabalhadores rurais da Inglaterra
no final do século XVIII. E. P. Thompson. Costumes em comum: Estudos sobre a cultura popular
tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.
172
Depoimento de D. Maria Soares de Jesus, já citado.
173
HARVEY, David. Op.cit, p 88.
76
175
WISSENBACH. Maria Cristina Cortez. Da escravidão à liberdade: dimensões de uma privacidade
possível. In: História da Vida Privada no Brasil – República: da Bele Époque à Era do Rádio, vol. III, p
61.
176
“Duas grandes necessidades – Urge providências”. O Palládio. Santo Antonio de Jesus, 5 de
novembro de 1942.
177
“Reina a maior miséria entre os trabalhadores de S. Antonio de Jesus”. O Momento. Salvador, 15
de junho de 1946.
79
178
MATOS, M. Izilda S.. Focaliza o cotidiano urbano nas experiências vividas por sujeitos sociais e
suas diversas relações de trabalho na cidade de São Paulo no período de 1890 a 1940. MATOS, M.
Izilda S.. Cotidiano e Cultura: história, cidade e trabalho. 1ª ed. Bauru, EDUSC, 2002, v.1, p 35.
179
Lei nº. 5 de 1948. Arquivo Público Municipal de Santo Antonio de Jesus. Livro de Leis, Decretos e
Portarias de Santo Antonio de Jesus.
80
180
SANTOS, Hamilton Rodrigues dos. Vidas nas Fronteiras: práticas sociais e experiências de
feirantes no Recôncavo Sul da Bahia - Santo Antonio de Jesus 1948-1971. Santo Antonio de Jesus.
Dissertação de Mestrado em Cultura, Memória e Desenvolvimento Regional, 2008, p 64.
181
SANTANA, Charles D’Almeida. Dimensão histórico-cultural (Cidades do Recôncavo). Salvador:
Cadernos CAR – Programa de Desenvolvimento Regional Sustentável, 1999, p. 49.
182
Ata de 23 de agosto de 1948. APMSAJ. Livro de Ata da Câmara dos Vereadores de Santo
Antonio de Jesus – 1948 a 1951.
183
Projeto de Lei solicitando a aferição de pesos e medidas. Ata de 17 de maio de 1949. APMSAJ.
Livro de Ata da Câmara dos Vereadores de Santo Antonio de Jesus – 1948 a 1951.
81
eram feitas para pagar as contas e manter-se na cidade. Segundo nos conta, a
maior parte dos produtos era adquirida na feira, entretanto “os cereais, era nas
casas de cereais e carne fresca, era nos açougues”, pois “tinha as nossas amizades
nas casas de cereais; conhecido, comprava pra mês, por seis meses, porque tinha
que trabalhar primeiro pra pagar e só pagava com fumo e café”.184
Contudo, o Sr. Manoel migrou para Salvador por força da falta de trabalho.
A ausência de atividades que absorvessem, sobretudo os desempregados dos
armazéns nos meses de entressafra foi exaustivamente comentada pelo Palládio,
oito anos após publicar uma matéria com prenúncios otimistas sobre o futuro da
economia da cidade. A presença abundante de mão de obra e de freguesia, o fácil
acesso a matérias primas e a ligação com a população de municípios vizinhos,
razoavelmente aproximados por estradas de rodagem e de ferro, foram aspectos
favoráveis apontados para o estabelecimento das fábricas, numa matéria em que
analisava as condições que a cidade apresentava para a implantação de indústrias.
Em contrapartida, as duas grandes condições que faltavam eram a energia elétrica e
a água, requisitos necessários para o desenvolvimento das indústrias, que a cidade
ainda não dispunha naquele momento. Ao que tudo indica, tal situação favorecia
para o elevado índice de desemprego, pois “há muita gente para trabalhar, que não
acha emprego”,185 conforme ressaltou o periódico.
A prática de pessoas conhecidas comprarem mercadorias em vendas e o
proprietário anotar no caderno, para aguardar o pagamento após um ou até seis
meses, era costumeira numa sociedade em que a palavra valia tanto quanto
qualquer documento escrito. Tempo em que os armazéns de fumo e café eram os
locais de trabalho de um grande contingente de pessoas, que só tinham serviço nos
meses referentes ao período de colheita. Portanto, quando terminava a safra, era
preciso esperar seis meses para ter novamente trabalho e receber o salário para
pagar as contas. À medida que negociações como esta aconteciam, aumentavam as
oportunidades de sobrevivência das camadas mais pobres na cidade.
Comprar no vale, ou seja, comprar para pagar depois, com trinta dias ou até
em várias prestações, sem a necessidade do uso de cartões de crédito ou cheques,
é uma prática que se mantém em Santo Antonio de Jesus. Sr. Gregório, de 99 anos
184
Depoimento do Sr. Manoel Oliveira, em agosto de 2007, 76 anos de idade, nascido em Santo
Antonio de Jesus.
185
“Indústrias em Santo Antonio”. O Palládio. Santo Antonio de Jesus, 6 de novembro de 1950, p 1.
82
São Luis, ou quarquer casa na cidade, eu fico daqui e mando eles ir.
Telefono e mando despachar. Quer dizer eu tenho grande satisfação
com a minha procedência porque disse que o cidadão é roxo, não
tem valor. Agora, é desvalorizado aquele que quer se desvalorizar,
mas aquele que quer proceder bem, todo lugar cabe ele.186
186
Depoimento do Sr. Gregório Tavares da Silva de 99 anos de idade, em maio de 2007, morador da
cidade desde 1948.
187
“No meu tempo”. O Detetive. Santo Antonio de Jesus, 22 de janeiro de 1950, p 1.
83
situação que muitas vezes o levou a trabalhar aos domingos “para ganhar um
dinheirinho a mais”.
188
Depoimento do Sr. Irênio Santos Pereira, em 3 de maio de 2008, 71 anos de idade, morador da
cidade desde que nasceu.
189
O atual município de Varzedo foi distrito de Santo Antonio de Jesus até 1989, quando a população
local, através de um plebiscito, decidiu pela sua emancipação política.
190
Ver MENEZES, Eliane. A Beneficente dos “Artistas” santantonienses. Santo Antonio de Jesus,
UNEB – Dissertação de Mestrado em Cultura, Memória e Desenvolvimento Regional, 2008.
191
SANTANA, Charles D’Almeida. Dimensão histórico-cultural (Cidades do Recôncavo). Salvador:
Cadernos CAR – Programa de Desenvolvimento Regional Sustentável, 1999, p. 81.
84
ligado, ele tentava reproduzir as canções que ouvia, numa demonstração de alegria,
“cantava porque tava alegre, trabalhava alegre”. Trata-se de um apaixonado pela
arte que desenvolve ainda hoje. A sua condição econômica não o impediu de
participar, ainda que timidamente, de momentos festivos e de diversão na cidade,
como as micaretas, as sessões de cinema, o futebol dos domingos, “apesar de
nunca ter sido de muita folia”.192
Sr. Gregório e Sr. Irênio tiveram poucas oportunidades de freqüentar
escolas, embora a mensagem apresentada pelo prefeito Antonio Fraga à Câmara
dos Vereadores, no exercício de 1949, informe que haviam sido instaladas 22
escolas municipais nos dois anos de administração [1949/1950] para a alfabetização
da população carente de instrução.193 O contato que mantiveram com a educação
formal foi apenas de um ano de estudo, quando aprenderam a ler e escrever. Mas
as dificuldades enfrentadas, quanto à adaptação ao ambiente escolar e aos horários
os fizeram entender que precisavam trabalhar. Talvez por ter percebido em suas
vivências o quanto foi mais difícil, devido a pouca intimidade ou quase nenhuma com
os estudos, hoje falam de estudar como um sonho não realizado. Mas será que
sonharam mesmo com isso ou seria uma re-elaboração dessa relação, a partir do
sonho, no presente? O vasto conhecimento que têm da vida, do trabalho, dos
negócios foi acumulado ao longo de suas experiências na observação do
comportamento de pessoas que para eles serviram como mestres. As poucas
escolas que havia na cidade funcionavam durante o dia, o que dificultava o acesso
de quem precisava trabalhar. Na documentação examinada, foi localizada apenas a
criação de três escolas noturnas na cidade, na década de 1940. Ações como essa
apareciam nos jornais como iniciativas de combate ao analfabetismo, voltadas para
“os filhos de operários”194 ou “uma escola para analfabetos”,195 insinuando que as
escolas diurnas não eram para eles.
As possibilidades de fazer-se profissional para os filhos dos trabalhadores
não se limitavam à aprendizagem da arte da marcenaria. O Sr. Antonio Santana,
alfaiate de 78 anos, traz recordações importantes sobre sua trajetória profissional.
Conhecido apenas como Sr. Eco, ele trabalha no mesmo local há 52 anos, na casa
192
Depoimento de Sr. Irênio, já citado.
193
“Relatório das atividades no exercício de 1949”.O Palládio. Santo Antonio de Jesus, 10 de maio de
1950, p 2 .
194
“Contra o analfabetismo”. O Palládio. Santo Antonio de Jesus, 23 de agosto de 1945, p 3.
195
“Pela instrução”. O Palládio. Santo Antonio de Jesus, 9 de abril de 1947, p 3.
85
branca de apenas uma porta e janela azul, que conserva a arquitetura original,
mesmo estando ao lado das modernas lojas da Galeria Moura, uma espécie de mini-
shopping que vende roupas, sapatos e outros produtos sofisticados. Ao lado de sua
tenda ainda se mantém uma pensão de construção também original, onde funcionou
o Hotel Palmeiras. As duas casas, destoando do desenho arquitetônico atualmente
predominante ao seu redor, guardam vestígios de uma época em que a cidade
comportava antigos sobrados e casarões das primeiras décadas do século XX.
Durante a entrevista, realizada no seu local de trabalho, por várias vezes
fomos interrompidos por buzinas, carros de som e pelo barulho das pessoas que
não paravam de passar. A alfaiataria de Sr. Eco está localizada próximo às Quatro
Esquinas, uma das melhores áreas para o comércio da cidade, desde quando havia
apenas casas de morada e “quatro predinhos, um cá, um lá”. Iniciado na arte de
alfaiate com o mestre Belarmino Ribeiro, nas décadas de 1950 e 1960, manteve até
seis operários confeccionando roupas para toda a cidade, inclusive para
autoridades. Costurava muita batina, jaquetão, calça e paletó, “bermuda a gente não
fazia naquele tempo, o homem que trabalhasse de bermuda, Ave Maria, era uma
confusão danada, homem de calça curta” não estava de acordo com os costumes da
época. Tempo em que a cidade possuía cerca de “22 ou 23 alfaiatarias; hoje não
tem; só tem eu e um rapaz ali, chamado Nôca”.196
Com ar saudosista, ele mostra as seis máquinas usadas pelos operários,
hoje aposentadas em um canto da loja. Os seus funcionários, aprendizes ou
profissionais, não recebiam salários, tinham o pagamento por cada peça produzida.
Nos anos áureos das alfaiatarias, “tinha semana que fazia 40 calças” e em épocas
de festa de Natal ou São João, o movimento “aumentava ainda mais”. Colega de
profissão de Sr. Eco, Sr. Manoel Oliveira, atualmente aposentado, lembra que “a
cidade tinha muitas lojas de tecidos, então as pessoas compravam brim e levavam
para a gente fazer, porque quem fazia roupa naquela época era nós, os alfaiates”.
Eram eles que vestiam a população, desde aqueles que podiam pagar mais e
compravam tecidos caros, àqueles que não tinham melhores condições e recorriam
aos mais baratos, mas não deixavam de fazer suas encomendas. Porém, essa
posição importante, ocupada pelos alfaiates, começou a ser alterada “depois que
começou a confecção, aí a gente ficou numa situação difícil, aí terminei com a minha
196
Depoimento do Sr. Antonio Santana Vieira, em 2 de novembro de 2007, 78 anos de idade,
morador da cidade desde que nasceu em 1929.
86
197
Depoimento do Sr. Manoel Oliveira, já citado
198
Depoimento do Sr. Antonio Santana Vieira, já citado.
199
Idem
87
ruim”, afirma, mas chegou a jogar no quarto quadro, uma espécie de quarta divisão,
que recorda com saudades.200
Numa sociedade em que predominava a presença masculina no mercado
de trabalho, a mulher foi aos poucos ampliando a sua participação, sobretudo para
garantir a sobrevivência na cidade, aumentando a renda da família ou mesmo
manter-se sozinha. Elas estavam em toda parte e experimentavam “novas maneiras
de viver, através da luta pela conquista de espaços de sobrevivência”,201 dominados
até então pelos homens. Trabalhavam nos armazéns de fumo e café, nas barracas
da feira, realizavam trabalho domiciliar,202 costuravam e davam aulas de corte e
costura, “cursos de flores, arremates, prendas e arte culinária”.203 Transformavam
suas casas em pensões, como fez D. Antonia Leal, recebendo “meninos e meninas
escolares para dar pensão”,204 realizavam serviços de enfermeira, como D. Rosalva
Caldas, quem anunciava no jornal aceite de “colocação para serviço”, por “conhecer
os trabalhos de enfermarias,205 praticavam o trabalho de parteira, como Antonieta de
Freitas Guimarães; ingressavam no serviço público, na função de professora ou em
outros cargos; e até mesmo ocupavam vaga na Câmara Municipal, como D. Maria
do Carmo Nogueira Amâncio, mais tarde “exonerada do serviço de assistência aos
pobres, em virtude de fazer parte do Legislativo Municipal como vereadora”.206
Em nota transcrita de uma revista, o jornal O Detetive discorre sobre a
marcha do progresso e as mudanças no mundo, destacando o avanço da
participação das mulheres no campo profissional, visto que “já trabalham e fazem
concorrência aos homens”. Estes, por sua vez,
200
Depoimento do Ar. Antonio Santana Vieira, já citado.
201
SOUZA, Edinélia Maria O.. Diálogos sobre memórias do trabalho feminino no Recôncavo Sul da
Bahia. Anais do Encontro Estadual – ANPUH – Bahia, 2001.
202
Trabalho domiciliar aqui é entendido como aquele realizado na habitação do trabalhador. MATOS,
M. Izilda S.. Cotidiano e Cultura: história, cidade e trabalho, 1ª ed. Bauru, EDUSC, 2002, v.1, p 90.
203
“D. Dalva Vita”. O Palládio. Santo Antonio de Jesus, 30 de maio de 1950, p 3.
204
“Anúncio de Pensão”. O Palládio. Santo Antonio de Jesus, 13 de outubro de 1951, p 3.
205
“Mulher que trabalha”. O Palládio. Santo Antonio de Jesus, 13 de outubro de 1951, p 3.
206
Portaria nº 26/63 de 5 de julho de 1963. APMSAJ. Livro de Atas, Decretos e Portarias da
Prefeitura Municipal de Santo Antonio de Jesus.
207
“Não penses assim”. O Detetive. Santo Antonio de Jesus, 7 de maio de 1950.
88
208
MATOS, M. Izilda S.. Cotidiano e Cultura: história, cidade e trabalho, 1ª ed. Bauru, EDUSC, 2002,
v.1, p 95.
209
Depoimento de D. Maria da Conceição Souza Silva, em dezembro de 2007, de 66 anos de idade,
moradora da cidade desde 1944.
210
“Não penses assim”. O Detetive. Santo Antonio de Jesus, 7 de maio de 1950, p1.
89
211
Sr. Irênio Santos Pereira, depoimento já citado.
212
“Salão de Beleza Bahia”. O Palládio. Santo Antonio de Jesus, 8 de outubro de 1948, p 3.
213
“A Beleza das Unhas”. O Detetive. Santo Antonio de Jesus, 1º de outubro de 1950, p1.
214
Depoimento de D. Maria Soares de Jesus, em nov. de 2007, de 84 anos de idade, moradora da
cidade desde os sete anos.
90
224
“Festa da Caridade”. O Detetive. Santo Antonio de Jesus, 13 de janeiro de 1951, p 1.
225
“Ofertas de Reis aos Pobres”. O Palládio. Santo Antonio de Jesus, 16 de janeiro de 1951, p 2.
226
FRAGA FILHO, Walter. Mendigos, moleques e vadios na Bahia do século XIX. São Paulo: Hucitec;
Salvador: EDUFBA, 1996. Descreve o drama dos pobres no século passado, suas estratégias de
sobrevivência e resistência, o calendário da mendicância, as transformações na política de controle
dos pobres e suas ligações com diferentes modos de ver a pobreza.
227
“Albergue noturno”. O Palládio. Santo Antonio de Jesus, 8 de agosto de 1946, p 4.
93
228
“Merenda diária para os hospitalizados”. O Palládio. Santo Antonio de Jesus, 11 de junho de 1949,
p 3.
229
“...Que vivam, pois, os cometas!”. O Detetive. Santo Antonio de Jesus, 10 de setembro de 1950, p
1.
230
Idem
231
Depoimento de D. Tereza Leal Vita Souza, em 6 de dezembro de 2007, 84 anos de idade.
232
“Sociedade Protetora dos inválidos”. O Detetive. Santo Antonio de Jesus, 13 de julho de 1951, p
1.
233
“Calúnias brancas”. A Voz das Palmeiras. Santo Antonio de Jesus, 12 de março de 1954, p 1.
94
quando as luzes eram apagadas e não se tinha guardas noturnos. Para os pedintes,
a esmola recebida podia significar a oportunidade de continuar sobrevivendo numa
cidade cuja rua era o único espaço a que tinha direito. Os que davam esmola
podiam entender esse ato como humanitário, a garantia de obter “a chave do
céu”,234 um gesto de pura solidariedade, uma forma de dar o mínimo possível
àquelas pessoas, evitando talvez o uso da violência para conseguir o alimento. Mas,
“o ato de doar ainda pode sugerir outros aspectos” como um meio de obter
“prestígio”, reconhecimento popular, já que os nomes dos doadores eram
frequentemente publicados, ou incluir também “exemplos de generosidade
desinteressada relativos à minoritária tradição do paternalismo benevolente, como já
afirmou Thompson”.235
Sr. Edivaldo Oliveira, de 90 anos de idade, ex-vereador da cidade, casado
com a professora Tereza, lembra que foi estabelecido um dia certo de dar esmolas
“para não se pedir, nos outros”. O dia “era sexta-feira, depois passou para quinta
por causa da feira. O movimento do comércio [...] atrapalhava. Na padaria eu
pegava saco de pão e botava lá, cada um ia pegando e tirando o seu”.236
A prática de distribuir pães remete-nos à tradição do “pão de Santo
Antonio”, que sobrevive. A história do pão de Santo Antônio remonta a um fato
curioso que pode ser assim narrado: Antônio comovia-se tanto com a pobreza que,
certa vez, distribuiu aos pobres todo o pão do convento em que vivia. O frade
padeiro ficou em apuros quando, na hora da refeição, percebeu que os frades não
tinham o que comer, pois os pães tinham sido "roubados". O frade padeiro foi contar
ao santo o ocorrido. Este mandou que verificasse melhor o lugar onde os tinha
deixado. O Irmão padeiro voltou estupefato e alegre ao ver que os cestos
transbordavam de pão, tanto que foram distribuídos aos frades e aos pobres do
convento. O pãozinho de Santo Antônio é, por tradição, colocado pelos fiéis nos
sacos de farinha, com a fé de que, assim, nunca lhes faltará o que comer.237
Além de ofertarem pães da padaria da família, Sr. Edivaldo e D. Tereza
também participavam da “campanha do cruzeiro”, contribuindo semanalmente com a
quantia em dinheiro de um cruzeiro. Nota-se que a criação do dia da esmola fazia
234
“A caridade em marcha”. Jornal da Cidade. Salvador, 11 de maio de 1962, p 2.
235
THOMPSON, E. P. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos, Editora Unicamp, Campinas –
SP, 2001, p 246 e 247.
236
Depoimento de Sr. Edivaldo Oliveira Souza, em 6 de dezembro de 2007, 90 anos de idade.
237
Folhinha Sagrado Coração de Jesus, s.n.t..
95
238
“Em favor dos pobres”. O Detetive. Santo Antonio de Jesus, 9 de abril de 1950, p 1.
239
Idem.
240
Depoimento de Sr. Edivaldo Oliveira, já citado.
241
“Quem dá aos pobres, empresta a Deus”. O Palládio. Santo Antonio de Jesus, 1º de abril de 1932
242
“A caridade em marcha”. Jornal da Cidade. Santo Antonio de Jesus, 11 de maio de 1962.
96
243
Ver particularmente A Voz das palmeiras nº. 34, ano I e o Jornal da Cidade nº. 9, ano I.
244
Mensagem apresentada pelo Dr. Octávio Mangabeira, governador do Estado da Bahia à
Assembléia Legislativa, através da Imprensa Oficial da Bahia, em 7 de abril de 1950, p 17.
245
THOMPSON, E. P. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos, Editora Unicamp, Campinas –
SP, 2001, p 253.
97
246
SEVCENKO, Nicolau. O prelúdio republicano, astúcias da ordem e ilusões do progresso. In:
Nicolau Sevcenko (org)/ Fernando A. Novaes (coord): História da vida privada no Brasil. São Paulo:
Cia das Letras, 1998, pp7-8.
247
MELO, Victor Andrade. Lazer e Camadas Populares: reflexões a partir da obra de Edward Palmer
Thompson. Revista Movimento, Porto Alegre, v. 7, n. 14, p. 4-19, 2001, p. 4.
248
DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Quotidiano e poder em São Paulo no século XIX. 2 ed.rev. São
Paulo: Brasiliense, 1995, p 15.
249
HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. apud MATOS, Maria
Izilda Santos. Cotidiano e Cultura: história, cidade e trabalho. 1 ed. Bauru, EDUSC, 2002. v. 1, p.26.
98
250
DIAS, Maria Odila Leite da Silva. “Teoria e método dos estudos feministas: perspectiva histórica e
hermenêutica do cotidiano”. In: Uma questão de gênero. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos:
Fundação Carlos Chagas, 1992, apud MATOS, Maria Izilda Santos. Cotidiano e Cultura: história,
cidade e trabalho. 1 ed. Bauru, EDUSC, 2002. v. 1, p. 26.
251
“Recado”. O Detetive. Santo Antonio de Jesus, 24 de junho de 1950, p 2.
252
“Última hora”. O Detetive. Santo Antonio de Jesus, 24 de setembro de 1950, p 2.
253
Depoimento de D. Maria da Conceição Souza Silva, já citado.
99
dando murros nos postes e nas paredes das casas alheias, nos postes da luz
elétrica”, sendo alvo de denúncia nos jornais. Alguns anos após a publicação dessa
matéria, esse tipo de comportamento seria acompanhado pelas desordens causadas
por aqueles jovens que altas horas da noite saíam pelas ruas da cidade gritando,
correndo, cantando “músicas imorais e indecentes” e pronunciando palavrões que
escandalizavam a população. Os novos modos de se comportar foram sendo
incorporados inicialmente à vida dos mais jovens, causando perplexidade e
incompreensão aos mais velhos, que só depois de algum tempo passaram a encará-
los com certa naturalidade, em nome “da civilização, progresso e adiantamento”. 254
Entretanto, a experiência de urbanização na cidade “não implicou uma padronização
total no estilo de vida”, não se tratou de uma “simples substituição de padrões”.
Pode-se dizer que houve uma redefinição dos elementos em que “formas de
vivência se mantiveram residuais, convivendo com experiências emergentes”,
comportando, ao mesmo tempo, “a resistência e/ou um inconformismo”.255
Era em nome do progresso que muitos defendiam a construção de um novo
mercado para a realização da feira, já que na praça onde funcionava o antigo, “o
burburinho tomou aspecto mais antipático, ocupando toda aquela área quase
encostando no passeio das casas os lençóis de verduras, os montes de frutas
postas no solo à disposição dos compradores aos sábados”.256 Ao que tudo indica, o
clima existente entre os feirantes e comerciantes, por um lado, que queriam a
permanência da feira na praça, e os moradores vizinhos do local e autoridades, por
outro lado, que pediam a sua saída dali para melhorar o aspecto da praça, era tenso
e culminou na transferência da feira para a Praça Duque de Caxias.
Contudo, alguns momentos de tensão poderiam ser resolvidos com
negociação. Nos dias em que a feira não dava lucro suficiente para o pagamento do
imposto obrigatório, os feirantes tentavam negociar, oferecendo aos fiscais um
pedaço de bolo, um cafezinho, um sorriso no rosto ou um olhar triste e cabisbaixo,
além do tratamento de cordialidade que dispensavam. Artifícios como esses, muitas
254
“A cidade em revista”. A Voz das Palmeiras. Santo Antonio de Jesus, 27 de janeiro de 1954.
255
WILLIAMS, R. Cultura e sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992, apud MATOS, Maria Izilda
Santos de. A cidade, a noite e o cronista: São Paulo e Adoniran Barbosa. Bauru, SP: EDUSC, 2007, p
68.
256
“Mercado municipal”. O Palládio. Santo Antonio de Jesus, 3 de fevereiro de 1949, p1.
100
257
SANTOS, Hamilton Rodrigues dos. Op. cit., p 84.
258
“Clama ne cesses” O Palládio. Santo Antonio de Jesus, 24 de novembro de 1950.
259
LEITE, Rinaldo Cesar Nascimento. E a Bahia civiliza-s. Dissertação de Mestrado em História:
UFBA, Salvador, 1996, p 133.
260
Idem, op. cit. p. 134.
261
Embora a expressão “classes perigosas” possa ter surgido na primeira metade do século XIX, no
Brasil, ainda no Império, o conceito foi encontrado como um dos eixos de um importante debate
parlamentar ocorrido na Câmara dos deputados, após a abolição da escravidão, em maio de 1888.
CHALHOUB, Sidney. Classes Perigosas: trabalhadores. Primeira Versão, Campinas, n 6, p 2-22,
1990, p 5.
262
SANTOS, Hamilton Rodrigues dos. Op. cit., p 89.
101
e feriado. Abriam suas portas mais cedo e fechavam depois do horário para
aumentar cada vez mais os seus lucros, à custa do trabalho alheio, configurando
assim, nuanças de “experiência de exploração” vivenciada pelos trabalhadores
locais.268
Importa lembrar que, ao refletir sobre as condições de vida dos
trabalhadores ingleses, durante a Revolução Industrial, Thompson destaca, ao lado
da melhoria material, que o povo foi submetido, simultaneamente, à intensificação
de duas formas intoleráveis de relação: a exploração econômica e a opressão
política, considerando a exploração “mais que a soma de injustiças e antagonismos
mútuos”, podendo ”ser encontrada em diferentes contextos históricos sob formas
distintas, que estão relacionadas a formas correspondentes de propriedade e poder
estatal”.269
Embora os entrevistados não tenham feito nenhuma referência a
recorrências à justiça do trabalho, talvez por naquele momento ainda não ser uma
prática tão comum, reclamações trabalhistas das décadas de 1950 a 1970,
descortinam relações conflitantes nas vivências entre patrão e empregado em Santo
Antonio de Jesus, quanto à garantia dos direitos trabalhistas. Maria dos Santos,
brasileira, solteira, analfabeta, residente na cidade, copeira do Hotel Central desde
1º de julho de 1959, por exemplo, apresentou reclamação em 11 de fevereiro de
1963 contra Raimundo Nunes de Souza, representante do referido hotel. A
reclamante alegava que nunca teve férias, nem lhe foi dado aviso prévio, nem pago
13º salário, como determinava a Lei nº 4090 de 13 de julho de 1962, publicada no
Diário Oficial da União em 26 de julho de 1962, além de ter sido demitida após
retornar do período de licença maternidade. A copeira pedia que o hotel pagasse
indenização, diferença de salário, aviso prévio, férias não gozadas, auxílio
maternidade acumulado durante o período de repouso em virtude da gravidez,
gratificação salarial de vida e custos sob pena de revelia. No dia da audiência, em
13 de março de 1963, apareceu apenas uma declaração da funcionária pedindo o
arquivamento da reclamação.270
268
THOMPSON, E. P.. Formação da classe operária inglesa, v. II. Rio de Janeiro: Paz e terra,
1987, 28.
269
Ibidem.
270
Autos da Reclamação Trabalhista de Maria dos Santos contra o Hotel Central, representado por
Raimundo Nunes de Souza, formulada em 11 de fevereiro de 1963. APMSAJ, pasta de Reclamações
Trabalhistas, de 1960 -1970.
103
273
Autos da Reclamação Trabalhista de Vítor Pereira de Souza contra José Esdras Diniz, formulada
em 4 de maio de 1953. APMSAJ, pasta de Reclamações Trabalhistas, de 1950 -1960.
105
Quanto ao aviso prévio, afirmou ignorá-lo e não ter autorizado ninguém a assiná-lo e
que o reclamante jamais teria deixado de ser empregado e, tanto assim que as suas
portas continuavam abertas ao reclamante. Ainda segundo a defesa, desse
entendimento teria resultado o reclamante ir para o seu emprego pedir trabalho ao
dito empregador, no que foi atendido. Porém, nesse dia o comerciário teria afirmado
que não iria mais trabalhar, abandonando o emprego. Em nova audiência, em 8 de
maio de 1953, as partes aceitaram uma proposta de conciliação feita pelo juiz, nas
seguintes condições: indenização por parte do empregador na importância de CR$
2.700,00 relativo a quatro anos de serviços, acrescido da quantia de CR$ 300,00,
dando-se por encerrado o processo.274
Os processos se repetem. O alfaiate Genebaldo Ferreira Macedo, solteiro,
maior, residente na Jueirana, empregado, desde abril de 1955, na Alfaiataria Elite do
Sr. Ezequias de Almeida Sampaio, havia sido demitido em julho de 1957. Tendo
protestado contra o empregador que teria deixado de cumprir alguns deveres para
com o empregado, como pagamento ao Instituto de Aposentadoria, aviso prévio,
indenização por tempo de serviço, salário mínimo inferior ao da região, horas
extraordinárias, inclusive noturnas, férias, salário correspondente ao repouso
remunerado nos domingos e feriados. Duas audiências ocorreram em que o
empregado insistia na argumentação apresentada inicialmente. O patrão negava
que existisse qualquer vínculo empregatício entre ele e o alfaiate, que apenas teria
trabalhado durante quinze dias na sua alfaiataria, no mês de junho, período de
grande demanda em virtude dos festejos juninos e que havia pago ao mesmo pela
sua produção. Sem alcançar conciliação, após ouvir as testemunhas, o processo foi
julgado em 7 de fevereiro de 1958, tendo condenado o reclamado ao pagamento do
aviso prévio, indenização de antiguidade, férias e as custas da lei.275
Recorrer à justiça não deve ter sido uma iniciativa fácil, uma vez que esta
decisão envolvia perdas e ganhos. É importante ressaltar algumas dificuldades que
os trabalhadores possivelmente enfrentavam ao acessar a justiça, como: “ficar
marcado” na cidade, o que diminuía as possibilidades de conseguir um novo
emprego; o tempo que o processo podia levar até chegar ao final; e ainda as
274
Autos da Reclamação Trabalhista de Mário Alves de Andrade contra José Esdras Diniz, formulada
em 4 de maio de 1953. APMSAJ, pasta de Reclamações Trabalhistas, de 1950 -1960.
275
Autos da Reclamação Trabalhista de Genebaldo Ferreira Macedo contra Ezequias de Almeida
Sampaio, formulada em 11 de setembro de 1957. APMSAJ, pasta de Reclamações Trabalhistas, de
1950 -1960.
106
276
SOUZA, Edinaldo A. O.. Op. cit., p 169 – 170.
277
SOUZA, Edinaldo A. O.. Op. cit., p 170.
278
Aqui utilizo o termo paternalismo na perspectiva adotada por E. P. Thompson. Em “patrícios e
plebeus”, apesar de considerá-lo um termo descritivo frouxo, e que pode levar à visão de uma
“sociedade de uma só classe”, sugere que ele não deve ser abandonado por ser totalmente inútil.
Mas, ao invés de indicar consenso, “sociedade de uma só classe”, resignação, ou inviolabilidade da
hegemonia cultural e das estratégias de poder e controle social dos “de cima”, deve pressupor
reciprocidade, conflito, disputas, trocas, negociações entre “os de baixo” e “os de cima”, onde cada
qual procura obter vantagens; formulam projetos próprios e interpretam o mundo a partir de sua
própria visão de mundo.
107
279
CENTRO DE MEMÓRIA DA ELETRICIDADE NO BRASIL. A vida cotidiana no Brasil moderno: a
energia elétrica e a sociedade brasileira ( 1880-1930). Rio de janeiro, 2001, p 12 e p 27
280
Idem, p 14.
109
sobre o poder público para que fosse instalada a energia elétrica servindo na
iluminação pública e privada e nos transportes da capital. Nas cidades do interior,
porém, a eletricidade chegou num ritmo mais lento. Em outubro de 1920, foi
inaugurada a Usina Hidroelétrica de Bananeiras, localizada em Bananeiras, um
pequeno distrito de Paulo Afonso. Três décadas após, em meio às obras de infra-
estrutura para a implantação de centros industriais no Recôncavo, os anos 1950
ficariam marcados pela crise energética, provocada pelo aumento de consumo,
causado pela conjugação dos processos de ampliação da urbanização e de
industrialização que, conseqüentemente, ampliaram a difusão dos bens de consumo
duráveis, que precisavam de eletricidade para funcionar.281
De um modo geral, na Bahia, desde a segunda metade da década de 1950,
as administrações municipais sofriam grandes dificuldades para atender ao
crescente consumo de energia elétrica de suas populações. Essa situação se
refletiria em Santo Antonio de Jesus nos constantes “apagões” e nas normatizações
que limitavam os horários de funcionamento da iluminação pública na cidade. Em
1957 foi organizada uma comissão de planejamento econômico que concluiu ser
necessária a criação de uma concessionária de distribuição de energia, com o
objetivo de criar um programa no setor para o interior do estado. Através da Lei
estadual número 1196, de 1959, o governador do Estado da Bahia autorizou a
criação da Cia de Eletricidade do Estado da Bahia, COELBA, cujo objetivo era
prestar serviços essenciais de energia elétrica à comunidade do estado. Entretanto,
só em maio do ano seguinte, o governo federal concedeu autorização para o seu
funcionamento.282
Em 1960, foi aprovado o Plano de Eletrificação do Estado da Bahia,
elaborado pelo Departamento de Energia da Secretaria de Viação e Obras Públicas,
executado por intermédio da COELBA, que garantia a destinação, durante dez
exercícios, de pelo menos 5% da renda tributária do Estado para a sua execução.283
Para entender o processo que envolveu a chegada da energia elétrica em
Santo Antonio de Jesus, parece necessário recuar algumas décadas no tempo. Em
1925 a cidade passou a usufruir os serviços precários de luz e força, fornecidos pela
Empresa Fabril S/A de Nazaré das Farinhas. Antes, a iluminação da cidade era feita
281
TEIXEIRA, Cid. História da energia elétrica. Publicações e Publicidade, 2005 pp.68 e 187.
282
Idem, op. cit., p 187.
283
Diário Oficial do Estado da Bahia de 6 de agosto de 1960.
110
Quando a luz iluminou isso aqui, parecia um carnaval, saiu todo mundo
das casas. Cada um pras suas ruas, quer dizer era as ruas do São
Benedito, era Andaiá, era rua assim mais próxima. [...] E aí foi uma festa,
esse pessoal manheceu o dia, manheceu o dia ali, nunca tinha visto uma
boniteza daquela.289
284
SALES, Geraldo P. Santo Antonio de Jesus - a cidade que encontrei. p 47 e 48.
285
Ver os periódicos locais: O Palládio, A Voz das Palmeiras e O Detetive.
286
Dados do Censo de 1950. Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. Rio de Janeiro XXI volume.
287
Ver O Palládio: O caso da Luz, 03 de fev de 1949; A Luz – nova era de progresso, 21 de março
de 1949; Homenagem a Antonio Fraga , 14 de abril de 1950. Ver ainda Decreto nº 6 de 22 de abril de
1958. Livro de Leis, Decretos e Portaias de 1956- 1963. APMSAJ.
288
Lei nº 17 de 1960. Livro de Leis, Decretos e Portarias de 1956 – 1963. APMSAJ.
289
Depoimento do Sr. José Souza Sampaio, em junho de 2007, 62 anos de idade, morador da cidade
desde 1946.
111
290
CENTRO DE MEMÓRIA DA ELETRICIDADE NO BRASIL. A vida cotidiana no Brasil moderno: a
energia elétrica e a sociedade brasileira ( 1880-1930). Rio de janeiro, 2001, p 127.
291
RONCAYOLO, Marcel. Transfigurações noturnas da cidade: o império das luzes artificiais.
In:Projeto História.Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento
de História da PUC- SP. São Paulo, nº 18, Educ, 1999, p 97-101.
112
de lazer. Tais dimensões são aqui compreendidas não com um sentido único e
objetivo, mas como conceitos que são criados necessariamente através de práticas
e processos materiais que servem à reprodução da vida social. Na sua reflexão
sobre a experiência do tempo e do espaço, Harvey percebe a importância destes,
como mediadores, entre o dinamismo do desenvolvimento histórico-geográfico do
capitalismo e complexos processos de produção cultural e transformação
ideológica.292
Em outro momento de sua fala, Sr. Zé de Candu assim nos relatou seu
primeiro contato com a cidade iluminada: “eu corri a cidade de ponta a ponta. Eu
ainda era menino e fiquei fascinado com aquele clarão todo, acostumado a ver só
escuridão. Corri feito um louco por todas as ruas que tinham luz”.293 Fascinado com
o brilho das luzes, provavelmente experimentava também uma maior sensação de
liberdade; poderia desfrutar mais tempo do espaço da rua, agora ampliado com
outras opções de lazer.
As possibilidades geradas com a introdução dessa nova forma de energia,
provocam reflexões sobre o papel por ela desempenhado na vida social cotidiana.
Que significados simbólicos a conquista da luz elétrica assumiu, na mudança de
hábitos e de práticas sociais, tanto públicas quanto privadas, na cidade de Santo
Antonio de Jesus? Certamente, preocupações relativas à circulação e à
remodelação do espaço público, concretizadas através de obras públicas,
encurtavam o tempo e as distâncias, permitindo a aceleração da vida social e o
trânsito maior das pessoas em espaços diversos. Entretanto, de acordo com as falas
dos depoentes, isto não se fez sentir simultaneamente em todas as áreas da cidade,
nem foi experimentado de forma homogênea por todos os seus habitantes. Algumas
ruas tornavam-se mais atraentes e sedutoras com as luzes; firmavam sua função
principal de via de circulação e lugar de reunião, o que reforçava a exigência de
regulamentações e melhorias. Ao mesmo tempo em que os responsáveis pelos
projetos de modernização urbana buscavam excluir ou afastar das áreas centrais
atividades incompatíveis com esse processo, como por exemplo, o comércio
informal dos ambulantes, a figura dos aguadeiros, a presença de animais e pedintes,
vistas muitas vezes como desorganizadoras da cidade.
292
HARVEY D..Condição Pós-moderna, Edições Loyola, São Paulo, 1992, p 189.
293
Depoimento do Sr. José Souza Sampaio (Zé de Candu), já citado.
113
294
“Grande comício”. O Detetive. Santo Antonio de Jesus, 30 de julho de 1950.
295
“Festa do Senhor do Bonfim”. O Detetive. Santo Antonio de Jesus, 28 de janeiro de 1951, p 2.
296
“Uma sugestão”. O Palládio. Santo Antonio de Jesus, 29 de setembro de 1948, p 2.
297
Depoimento de D. Maria da Conceição Souza Silva, em dezembro de 2007, de 66 anos de idade,
moradora da cidade desde 1944.
115
está vendo, olhe para cima que o senhor verá iluminada com as estrelas; este é o
meu teto”.298 Em outra edição do mesmo jornal consta que uma louca que vivia
pelas ruas, afirmava que morava “debaixo do céu e dorme sobre o leito duro e frio
dos passeios públicos, dos mercados, das estações, igrejas e casas comerciais de
largas marquises”.299 A multiplicidade de significados atribuídos à rua fazia dela um
espaço democrático, que precisava ser “civilizado” para proporcionar “novas áreas e
estabelecimentos voltados para o lazer público”.300
O jardim era o lugar preferido pelos mais moços que, após o dia de trabalho,
reuniam-se para os bate-papos e as paqueras até às 10:00 horas da noite, quando o
serviço de iluminação era desligado.301 Na praça, também eram armados os parques
de diversões que, com suas luzes coloridas a piscar, atraíam as crianças para
brincar no carrossel, na roda gigante e reunia a população em busca de distrações.
Um registro do bem humorado periódico, O Detetive, ilustra como os parques de
diversões fascinavam as pessoas e atraíam à praça:
298
“O Miserável”. O Detetive. Santo Antonio de Jesus, 22 de outubro de 1950, p 4.
299
“A louca”. O Detetive. Santo Antonio de Jesus, 23 de abril de 1950, p 3.
300
CENTRO DE MEMÓRIA DA ELETRICIDADE NO BRASIL. A vida cotidiana no Brasil moderno: a
energia elétrica e a sociedade brasileira ( 1880-1930). Rio de janeiro, 2001, p 127.
301
Depoimento de D. Maria da Conceição Souza Silva, já citado.
302
“Não está certo...” O Detetive, Santo Antonio de Jesus, 17 de junho de 1951, p 4.
303
“Segunda-Feira Gorda”. O Detetive. Santo Antonio de Jesus, 28 de janeiro de 1951.
116
A festa era uma tradição tão grande que o povo enlouquecia tudo [...] Só
se via gente viajar pra Salvador pra buscar gelo [...] Chegava aqui na
estação de trem tirava as “barrica”, os bujão de gelo pra poder gelar a
cerveja e refrigerante pra vender na festa.305
304
Ver depoimentos de José Santos Vieira, Irênio Santos Pereira e do Sr. José Souza Sampaio, já
citados.
305
Depoimento do Sr. José Santos Vieira, já citado
306
“A Festa de domingo”. O Detetive, Santo Antonio de Jesus, 16 de abril de 1950, p 1.
117
307
“A Mi-Careta se apresentou como pode”. O Detetive, Santo Antonio de Jesus, 23 de abril de 1950,
p 1.
308
Depoimento do Sr. Antonio Santana Vieira, em 2 de novembro de 2007, 78 anos de idade,
morador da cidade desde que nasceu.
309
Em conferência pronunciada por Milton Santos no Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, no dia
22 de março de 1957, o geógrafo identifica a função residencial na Baixa dos sapateiros, como
“residual” e “com forte tendência a desaparecer”. SANTOS, Milton. A Baixa dos Sapateiros. In
REVISTA DO INSTITUTO GEOGRÁFICO E HISTÓRICO DA BAHIA, Nº 81, 1957, p.78.
310
RIO, João do. A alma encantadora das ruas. Rio de Janeiro. Secretaria Municipal de Cultura,
1987. Biblioteca Carioca 4.
118
311
“Meu São João no tempo de menino”. Jornal Reconvalle, Ano VIII, nº 51, 10 de julho de 1992, p. 2.
119
com a limpeza e a higiene faziam parte da pauta política do Poder Legislativo local.
Melhoramentos nos diversos jardins da cidade,312 construção de um bueiro na Praça
Padre Mateus para nivelar o local,313 aquisição de um caminhão basculante para o
serviço de limpeza pública, constituem alguns dos projetos e requerimentos
encaminhados pela Câmara dos Vereadores nas décadas de 1950 e 1960.314 As
constantes investidas para manter as ruas limpas e higienizadas coincidem com a
ampliação do serviço de energia elétrica na cidade. Além da iluminação deixar as
ruas mais expostas, o que contribuiu para acentuarem-se os cuidados com a sua
aparência, o aumento da freqüência e da permanência de pessoas nelas,
pressionava para a efetivação dos melhoramentos.
Nos anos 1960, o Código de Posturas Municipais estabeleceu regulamentos
que deviam ser seguidos na organização dos logradouros públicos, como
nivelamento, alinhamentos, nomenclatura, numeração, arborização, ajardinamento,
colocação de anúncios, ocupação do espaço, circulação urbana, entre outros. Ainda
que se possa afirmar que grande parte das medidas era “bem-intencionada e
buscava beneficiar a população”, são notáveis as intenções normativas de controle
social do espaço público pelo poder municipal.315 Além disso, como afirmou Marins
ao analisar os primeiros anos da República na cidade do Rio de Janeiro, aqui
também buscou-se “estabelecer a caracterização dos espaços de abrangência
pública, reservada à circulação e lazer controlado,” ao tentar limitar “todos os
sujeitos a uma mesma gramática de comportamento”.316 Entre 1964 e 1966, na
documentação utilizada, observam-se muitas solicitações de licença, alinhamento e
aprovação de planta para construção de casas, além de metragens de meio-fios
para a construção de passeios de propriedades particulares.317 Tais solicitações
eram feitas ao chefe de fiscalização, encarregado de levar ao conhecimento do
prefeito, informações diárias sobre a cidade. Para tanto, todos os dias, o chefe
312
Ata da Seção da Câmara dos Vereadores de 19 de novembro de 1951. ACMSAJ.
313
Ata da Seção da Câmara dos Vereadores de 29 de setembro de 1953. ACMSAJ.
314
Projeto nº 12/63. Livro de Leis, Decretos e Portarias da Câmara dos Vereadores de 1963.
ACMSAJ.
315
Analisando a fase inicial de consolidação da República na cidade do Rio de Janeiro, Carvalho
observou que o Código de Posturas de 1890, bem como as reformas implementadas no período,
regulavam em pormenores várias atividades cotidianas e revelava fortes preocupações com o
controle da população. CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados: o Rio de Janeiro e a República
que não foi. São Paulo. Cia das Letras, 1987, p 35-36.
316
MARINS, Paulo César Garcez. Habitação e Vizinhança: limites da privacidade no surgimento das
metrópoles brasileiras. In: Nicolau Sevcenko (org.) Fernando A. Novaes (coord): História da vida
Privada no Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, 1998, p 136.
317
Livro de Registro Diário do Expediente do Prefeito de 1964 a 1966. APMSAJ.
120
3.2 A casa
322
“Serviço de luz”. O Palládio. Santo Antonio de Jesus, 16 de outubro de 1941.
323
Depoimento de Sr. José Elias Silva Santos de 91 anos de idade. Entrevista realizada em 2 maio de
2008.
324
Enciclopédia dos Municípios Brasileiros , 2 de julho de 1958. Rio de janeiro XXI Volume.
122
Nos anos 1940 e 1950 a fraca iluminação que havia nas casas de alguns
moradores da cidade, sobretudo daqueles que residiam nas ruas centrais, em torno
da Praça Padre Mateus, ainda possuía horário reduzido de funcionamento, com as
interrupções constantes. A baixa voltagem não oferecia as condições necessárias
para o funcionamento de eletrodomésticos, pois “não é possível ter-se em
funcionamento, uma geladeira, por exemplo, pois a voltagem é tão baixa que logo
danificaria irremediavelmente o aparelho”.328 A partir de 1962, embora a energia não
tenha atingido imediatamente os mais de 15.000 moradores que viviam na cidade,
as pessoas passaram a ter mais segurança quanto à regularidade do serviço nas
suas casas e intensificaram a aquisição de eletrodomésticos, que, aos poucos,
também tornavam-se mais acessíveis. Foi quando D. Conça comprou a televisão e
sua casa, principalmente aos domingos, transformou-se num lugar de encontro e
festa entre vizinhos, até com “lugares reservados”.
325
Censo Demogáfico de 1960.
326
Projeto de Lei nº 5 de 1955. Livro de Expediente do Prefeito de 1956 a 1964. APMSAJ.
327
Depoimento de D. Maria da Conceição Souza Silva, já citado.
328
“Deve ser obrigatório o uso do medidor de luz”. A Verdade, Santo Antonio de Jesus, 5 de agosto
de 1959, p 1.
123
O rádio de pilha, que até então ganhava toda atenção da família, para ouvir
A Hora do Brasil, começou a ceder espaço para as imagens sedutoras que a
televisão trazia das novelas, dos carnavais que “todos queriam assistir”. Além disso,
em casa, já era possível ler, costurar, bordar à noite, sem queimar os cabelos nas
chamas do fifó. Mas a grande novidade certamente foi a televisão, inicialmente ainda
pouco presente nas casas, em virtude do seu alto custo.
Dessa forma, a energia elétrica aqueceu não apenas o mercado de
eletrodomésticos como também de alimentos em geral e os hábitos domésticos
começavam a mudar. Se antes não era possível comprar muita carne para não
arriscar a perda do produto, com a geladeira, podia-se adquirir o alimento em maior
quantidade e conservá-lo pelo tempo que fosse necessário. Na casa de D. Conça
passou-se a fazer “merenda gelada” e já era possível, nos encontros dominicais,
oferecer aos vizinhos telespectadores sucos gelados, sorvetes, geladinhos e
abafabancas, espécie de picolé ou sorvete feito em casa que tinha como forma a
cuba para fazer gelo. Com a energia elétrica e a geladeira, em algumas casas, já era
possível beber água gelada, portanto, as moringas e talhas,329 utilizadas para
manter a água fresca, aos poucos foram sendo abandonadas nas dispensas. Seu
José de Candu também recorda a sedução que a televisão exercia sobre as
pessoas, quando ainda era uma novidade que começava a alterar a rotina diária
pois,
329
Recipientes feitos de cerâmica usados para guardar e manter a água fresca.
330
Sr. José Souza Sampaio, depoimento já citado.
124
O Sr. Eco ilustra bem o que a matéria citada anteriormente apresenta como
problemas na qualidade e na prestação do serviço da energia fornecida na cidade.
Aponta a deficiência da energia, pois era uma “luzinha fraquinha” e uma entre as
331
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano - artes de fazer. Vol. I, Petrópoles/ RJ: Vozes,
1994, p 40.
332
“ Deve ser obrigatório o uso do medidor de luz”. A Verdade, Santo Antonio de Jesus, 5 de agosto
de 1959, p 1.
333
Depoimento do Sr. Antonio Santana Vieira, já citado.
125
335
ROSA, André Luiz. Futebol: ópio ou prazer? Artigo encontrado no site: http://
www.historiaehistoria.com/materia.cfm?tb=artigos&id=33.
336
SHIKIDA, Cláudio D. & SHIKIDA Pery Francisco Assis. É o futebol o ópio do povo? Uma
abordagem econômica preliminar, p 5. Artigo encontrado no site
http://www.ceaee.ibemecmg.br/wp/wp19.pdf.
337
Essa afirmação respalda-se nos depoimentos do Sr. José Elias Silva Santos, do Sr. Antonio
Santana Vieira, José Santos Vieira e do Sr. Manoel oliveira.
127
338
SEVCENCO, Nicolau. A capital irradiante: técnicas, ritmos e ritos do Rio. In: História da vida
privada: República: da belle époque à era do rádio. Nicolau Sevcenko (org). V.3. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998. p. 568.
339
“Danúbio Foot -ball Club e O foot-ball renasce entre nós”. O Palládio. Santo Antonio de Jesus, 3 de
junho de 1938, p 1.
340
“O campo de futebol em Santo Antonio”. O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 27 de setembro de
1946
341
“Pelo esporte”. O Detetive. Santo Antonio de Jesus, 18 de março de 1951.
342
Depoimento do Sr. Antonio Santana Vieira, já citado.
128
343
Depoimento de Sr José Elias Silva Santos, já citado.
344
Portaria nº 15/79 de 4 de junho de 1979. Livro de Leis, Decretos e Portarias da Prefeitura de Santo
Antonio de Jesus de 1979. APMSAJ.
345
Depoimento do Sr. Manoel Oliveira, já citado.
129
346
Autos da Reclamação Trabalhista de Lauro Fernando de Oliveira Souza contra a Empresa Cine
Rex, representada por José Pereira Reis, formulada em 22 de dezembro de 1958. APMSAJ, pasta de
Reclamações Trabalhistas, de 1950 -1960.
347
Depoimento de Sr. José Santos Vieira, já citado.
348
“Censurando”. O Detetive, Santo Antonio de Jesus, 27 de agosto de 1950, p 1.
130
349
BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. São Paulo: EDUSC, 2004, p. 139.
350
Depoimento do Sr. José Elias, já citado.
351
ALMEIDA, Eduardo de Souza. Memórias de um pária. Salvador: Adipro, 2006.
352
FONSECA, Raimundo Nonato da Silva. "Fazendo fita":cinematógrafos, cotidiano e imaginário em
Salvador, 1897-1930. Salvador: EDUFBA, 2000.
132
353
ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador, 2 vols. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.
______.Sociedade de Corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
354
Lei nº 66 de 4 de dezembro de 1965. Art. 174, Código de Posturas de 1965. Santo Antonio de
Jesus, APMSAJ.
355
“Telegrama”. O Detetive, Santo Antonio de Jesus, 27 de agosto de 1951, p 3.
133
356
MENEZES, Eliane. Dissertação de Mestrado: A Beneficente dos “Artistas” santantonienses, UNEB,
2008, p 110-111.
134
357
Depoimento de D. Maria da Conceição Souza Silva, já citado.
358
“Sobre as festas de domingo”. O Detetive. Santo Antonio de Jesus, 4 de novembro de 1951, p 1.
359
SALES, Geraldo P. .Santo Antonio de Jesus - a cidade que encontrei p14.
136
360
“O passeio de recreio desta cidade à Aratuipe”. O Detetive. Santo Antonio de Jesus, 21 de
outubro de 1951, p 4.
361
Idem
137
CONSIDERAÇÕES FINAIS
ritmo acelerado e o movimento cotidiano. Quando a noite chega, a partir das 18:00h,
como numa espécie de mágica, aquele movimento todo desaparece. É nesse
horário que saem as últimas vans, microônibus e ônibus com destinos diversos,
levando aquelas pessoas às suas cidades de origem. À noite a cidade dorme. Com
poucas opções de lazer, além do pequeno movimento nas praças, nos bares,
restaurantes e cinema, os moradores descansam para no dia seguinte encontrar
outros rostos, outros sotaques, outras histórias, contadas por outros consumidores,
que certamente virão visitar e comprar no comércio santoantoniense: começa mais
um dia de encontros na cidade que, diariamente, reúne muitas outras cidades.
Em meio às experiências constituídas e reconstruídas pelos moradores, ao
longo dos anos, surgiu uma cidade que atualmente privilegia, acima de tudo, o seu
comércio. O perfil do Código de Posturas Municipais de 1965 já sinalizava para isso,
na medida em que regulamentava qualquer atividade comercial que pudesse gerar
divisas para o poder público local, através da cobrança de impostos. Essa posição
privilegiada ocupada pelo comércio pode ser observada atualmente através do
poder de interferência desse setor no traçado urbano, nas modificações do trânsito,
no patrocínio de eventos, particularmente voltados para o fortalecimento da
economia local, que tem essa atividade como principal sustentáculo. Outros
aspectos de relevante importância, para elevar a qualidade de vida na cidade como
a cultura e o lazer, há décadas foram relegados a um plano secundário, o que
colaborou para o peculiar quadro que atualmente a urbe apresenta - durante o dia,
têm-se um grande movimento de pessoas que se deslocam das cidades vizinhas
para comprar no comércio local. E à noite, apresenta apenas espaços vazios que
levariam um visitante desavisado a indagar: onde estão todas aquelas pessoas?
Resta dizer, enfim, que esse estudo partilha da percepção de que a cidade
pode ser lida e que o seu próprio espaço e a materialidade convertem-se em
narradores da sua história, assim como os próprios habitantes vão reescrevendo a
escrita de sua cidade permanentemente. Portanto, as possíveis leituras aqui
apresentadas ancoram-se na materialidade do espaço urbano, mas principalmente
nos gestos, sentidos e significados extraídos de histórias produzidas nos encontros
cotidianos dos seus moradores, que são, por excelência, os personagens centrais
dessa pesquisa. Os resultados apontados através desse estudo são transitórios,
como é a própria vida, a história e as cidades. Assim sendo, abrem caminhos para
que, a partir da investigação permanente e da persistência na articulação dos sinais
140
FONTES E REFERÊNCIAS:
1. ARQUIVOS E BIBLIOTECAS:
2. FONTES IMPRESSAS:
4. FONTES MANUSCRITAS:
Lei nº. 5 de 1948. Arquivo Público Municipal de Santo Antonio de Jesus. Livro de
Leis, Decretos e Portarias de Santo Antonio de Jesus.
Lei nº. 02, de 1º de junho 1951. APMSAJ, Livro de Leis, Decretos e Portarias da
Prefeitura Municipal de Santo Antonio de Jesus.
5. FONTES DATILOGRAFADAS:
6. FONTES ORAIS:
7. FONTES ICONOGRÁFICAS:
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Letras, 1994.
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(org.). Cidades Médias: espaços em transição 1.ed. São Paulo: Expressão Popular,
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1890-1915. Edusc, São Paulo, 2000.
DIAS, Maria Odila Leite da Silva. “Teoria e método dos estudos feministas:
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