Sie sind auf Seite 1von 153

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – CAMPUS V


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA REGIONAL E LOCAL

Edilma Oliveira Souza Quadros

Transformações na cidade: vivências urbanas em Santo Antonio de


Jesus/Ba (1950-1970)

Santo Antonio de Jesus


Janeiro / 2009
2

Edilma Oliveira Souza Quadros

Transformações na cidade: vivências urbanas em Santo Antonio de


Jesus/Ba (1950-1970)

Dissertação apresentada como requisito parcial


para a obtenção do título de Mestre, pelo
Programa de Pós-Graduação em História
Regional e Local, na Universidade do Estado
da Bahia.

Orientador: Prof. Dr. Charles D’Almeida


Santana

Santo Antonio de Jesus

Janeiro/2009.
3

FICHA CATALOGRÁFICA

Q1v Quadros, Edilma Oliveira Souza


Transformações na cidade: vivências urbanas
em Santo Antonio de Jesus: 1950-1970 / Edilma
Oliveira Souza Quadros. Santo Antonio de Jesus – BA, 2009.
153f.: il.

Orientador: Charles D’Almeida Santana

Dissertação (Mestrado em História Regional e Local) –


Universidade do Estado da Bahia, 2009.

1.Vivências urbanas. 2. Santo Antonio de Jesus. 3.


Urbanização. I. Santana, Charles D’Almeida. II. Universidade
do Estado da Bahia. III. Título.
4

Edilma Oliveira Souza Quadros

Transformações na cidade: vivências urbanas em Santo Antonio de


Jesus/Ba (1950-1970)

Dissertação apresentada como requisito parcial


para a obtenção do título de Mestre, pelo
Programa de Pós-Graduação em História
Regional e Local, na Universidade do Estado
da Bahia.

Banca Examinadora:

___________________________________________________
Profº. Drº. Charles D’Almeida Santana (UNEB) Orientador

___________________________________________________
Profº. Drº. Daniel Francisco dos Santos (UNEB) Examinador

____________________________________________________
Profº. Drº. Rinaldo César Nascimento Leite (UEFS) Examinador

Janeiro / 2009.
5

Aos meus pais,


Cornélio Maurício de Souza
e Maria Macária de Oliveira
6

AGRADECIMENTOS:

A realização desse trabalho tornou-se possível graças à participação de


pessoas que se colocaram à disposição em diversos momentos, seja ao emprestar
seus ouvidos para escutar as angústias do percurso, sobretudo relacionadas ao
tempo escasso e às longas noites de insônia, seja ao entender a ausência em
ocasiões que a presença tinha um significado tão importante. Meus sinceros
agradecimentos são para todos que, de alguma forma, deram a sua contribuição.
Especialmente, quero manifestar minha profunda gratidão aqueles que
acompanharam mais diretamente os caminhos percorridos até aqui.
Primeiramente, devo um agradecimento especial aos meus pais, que não
vacilaram ao tomar a decisão de migrar do campo para a cidade, na tentativa de
viabilizar a formação escolar minha e de meus irmãos. A minha família, pelo
incentivo e apoio constante, por ter compreendido os momentos de distanciamento e
reclusão.
Ao meu companheiro Fábio, por conseguir relevar os dias de mau humor e
intermediar os pequenos conflitos que surgiram na minha relação com a tecnologia
do computador.
Ao meu filho Kaian, por ter tornado mais leves aqueles dias cheios de
afazeres, convocando-me para brincar com ele. A meu sobrinho Kaique, que sempre
me divertia com a doçura da sua voz ao telefone, fazendo-me esquecer,
momentaneamente, as angústias.
Aos meus irmãos Edinélia, Edinaldo, Edilson e Érica, minhas cunhadas
Adriana e Cristiane pela preocupação em oferecer conforto em situações não tão
cômodas.
A Edinaldo e Edinélia, com quem compartilhei minhas reflexões, meu
agradecimento especial, pelo apoio incondicional, inclusive por encontrar, dentro dos
seus dias corridos, tempo pra ler os meus escritos e propor sugestões valiosas.
Ao professor Charles Santana, a quem sou profundamente grata, por não
ter desistido de me incentivar na pesquisa desde os tempos da graduação, pela
ampla contribuição intelectual e por ter me orientado, pacientemente, em cada fase
desse processo.
7

Ao professor Rinaldo Leite e Daniel Francisco dos Santos, pelas enormes


contribuições prestadas quando do exame de qualificação e por aceitarem o convite
para participar da banca examinadora deste trabalho. A este último, agradeço ainda
pela presença na minha trajetória acadêmica, desde a graduação.
A todos os depoentes que, gentilmente, aceitaram re-visitar suas memórias
ao abrir seus arquivos pessoais, oferecendo-me as fotografias, os jornais e a relatar
suas experiências de vida.
A todos os bibliotecários, arquivistas e demais funcionários das instituições
visitadas, que facilitaram o meu acesso aos documentos utilizados nesta pesquisa.
Pela dedicação e disponibilidade, referencio o Sr. Augusto, no arquivo Público
Municipal de Santo Antonio de Jesus e Nice, na biblioteca e arquivo da COELBA de
Salvador.
Aos amigos Lucas Virgolino, que oportunizou as minhas visitas à COELBA e
a Tau Tourinho por ceder fotografias do seu arquivo particular.
Aos colegas do Curso que, muitas vezes, ajudaram a suavizar as
dificuldades. Aos colegas de trabalho, do Colégio da Polícia Militar João Florêncio
Gomes, que se multiplicaram para não me sobrecarregar de atividades, deixando-
me mais livre para a pesquisa. Ao Major Maurício e a Célia Marina pela leitura e
correção da escrita.
8

“Poderia falar de quantos degraus são feitas as


ruas em forma de escada, da circunferência dos
arcos dos pórticos, de quais lâminas de zinco são
recobertos os tetos; mas sei que seria o mesmo
que não dizer nada. A cidade não é feita disso, mas
das relações entre as medidas de seu espaço e os
acontecimentos do passado”
(Ítalo Calvino)
9

RESUMO

O tema abordado neste estudo é a constituição das vivências que permearam o


cotidiano dos moradores da cidade de Santo Antonio de Jesus, nas décadas de
1950-1970, momento em que a cidade dava os primeiros passos em um processo
de urbanização marcado sobretudo pela modernização do seu espaço. Para tanto,
utilizamos como fontes: depoimentos orais, jornais, fotografias, documentos oficiais
do Legislativo e Executivo, processos trabalhistas, entre outras. Discute-se a
coexistência dos costumes rurais e citadinos e as novas formas de viver em Santo
Antonio de Jesus, configuradas pelos seus moradores, concomitantemente às
transformações processadas, num contexto em que os sujeitos forjaram estratégias
de sobrevivência nas suas práticas cotidianas e se envolveram numa multiplicidade
de negociações e tensões para manter-se na urbe. A partir do diálogo com a
historiografia recente sobre cidade e respaldado nos postulados teóricos da história
social e cultural, destaca-se o advento da energia elétrica em Santo Antonio de
Jesus e evidenciam-se alterações experimentadas pelos moradores nos espaços
públicos e privados, assinalando a sua participação nas atividades ligadas ao lazer.
Ao mesmo tempo, analisa-se os desdobramentos da utilização da eletricidade na
vida material e também nas práticas e hábitos sociais, sem perder de vista a
integração de tais aspectos a outras conjunturas vividas pela sociedade brasileira no
período.

PALAVRAS-CHAVE:

Vivências urbanas – Santo Antonio de Jesus – Urbanização


10

ABSTRACT

The theme addressed in this study is the constitution of that permeated the daily
experiences of the residents of the city of Santo Antonio de Jesus, in the decades
from 1950-1970, when the city gave the first steps in a process of urbanization
marked mainly by the modernization of your space. For both, we use as oral sources,
newspapers, photographs, official documents of the Legislative and Executive, labor
processes, among others. It discusses the coexistence of rural and city habits and
new ways of living in Santo Antonio de Jesus, set by its residents, to change
processed concurrently, in a context in which the subjects forged strategies for
survival in their daily practices and engaged in a multiplicity of negotiations and to
keep tensions in the city. From the dialogue with the recent historiography on city and
backed the theoretical postulates of social and cultural history, there is the advent of
electricity in Santo Antonio de Jesus showed up and changes experienced by
residents in public and private, noting the their participation in activities related to
leisure. At the same time, it examines the ramifications of the use of electricity in the
material life and social habits and practices, without losing sight of the integration to
other aspects of such situations experienced by Brazilian society in the period.

KEY WORDS:
Urban experiences - San Antonio de Jesus - Urbanization
11

ÍNDICE DE FIGURAS:

Figura 1 – Esquema Geral da Estrada de Ferro de Nazaré, 1973.............................20

Figura 2 - Localização de Santo Antonio de Jesus e cidades vizinhas..................... 23

Figura 3 - Feira de Santo Antonio de Jesus, 1957.................................................... 41

Figura 4 - Croqui de Santo Antonio de Jesus, anos 1940 - 1950..............................47

Figura 5 - Aspecto da Rua de Cima nos anos 1940, atual Rua Ruy Barbosa...........48

Figura 6 - A Igreja Matriz em construção...................................................................56

Figura 7 - Travessa Rio Branco, atual Travessa15 de novembro ...........................113

Figura 8 – Sessão no Cine Rex................................................................................130

Figura 9 - Sede da Rádio Clube/ Sociedade Palmeirópolis.....................................134


12

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS:

ACMSAJ – Arquivo da Câmara Municipal de Santo Antonio de Jesus

ALB – Academia de Letras da Bahia

AP – Arquivo particular

APMSAJ – Arquivo Público Municipal de Santo Antonio de Jesus

BNB – Banco do Nordeste do Brasil S/A

BPEB – Biblioteca Pública do Estado da Bahia

CHESF - Companhia Hidroelétrica de São Francisco

CLT – Consolidação das Leis do Trabalho

COELBA – Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia

CPE - Comissão de Planejamento Econômico

EMBASA – Empresa Baiana de Águas e Saneamento

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

RFFSA – Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima

SEI – Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia

SSVP – Sociedade São Vicente de Paulo

SUDENE – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste

UFBA – Universidade Federal da Bahia

UNEB – Universidade do Estado da Bahia


13

SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS.............................................................................. 14

CAPÍTULO I: DIMENSÕES DO CAMPO E DA CIDADE.................... ................ 36


1.1 Leituras da cidade.......................................................................................... 37
1.2 Reformas urbanas.......................................................................................... 46
1.3 Redefinindo espaços e costumes.................................................................. 61
1.4 Cenários urbanos e costumes rurais............................................................. 66

CAPÍTULO II: SOBREVIVÊNCIAS, TENSÕES E SOCIABILIDADES NA URBE


SANTOANTONIENSE......................................................................................... 77
2.1 Estratégias de sobrevivência urbana............................................................. 78
2.2 Práticas de solidariedade e caridade no cotidiano santoantoniense............. 90
2.3 Tensões no espaço urbano............................................................................ 96

CAPÍTULO III: ESPAÇOS DE LAZER............................................................... 107


3.1. A rua – espaço de encontros e festas......................................................... 108
3.2. A casa .............................................. ......................................................... 121
3.3. Outros espaços .......................................................................................... 126

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 137

FONTES E REFERÊNCIAS.............................................................................. 141


14

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A problemática da urbanização e seus corolários sociais se apresenta como


uma das mais importantes questões das sociedades contemporâneas. No Brasil, o
século XX assinala a transição de uma sociedade com população rural para uma
sociedade cada vez mais urbana, como um fenômeno que marcaria de forma
iniludível múltiplos aspectos da vida social.
O processo de urbanização vivenciado na Bahia, a partir de meados do
século XX, relaciona-se em grande medida com as iniciativas de investimentos no
setor industrial observadas, sobretudo, desde a década de 1950. Em sua fase inicial,
o processo de industrialização na Bahia esteve permeado pela influência e disputa
de, sobretudo, dois projetos de desenvolvimento econômico. Enquanto a política do
governo Vargas prosseguia seu intento nacionalista, outros setores desejavam a
internacionalização do capital brasileiro.
É nessa conjuntura, que algumas iniciativas são tomadas, com vistas a
dotar o Recôncavo de uma infra-estrutura capaz de permitir a instalação dos futuros
centros industriais: rodovias foram construídas e pavimentadas, empresas públicas
de eletricidade e telefonia, como também um Banco de Fomento foram criados.
Igualmente foram feitos investimentos em educação e saúde; iniciou-se a
implantação de indústrias em Aratu e acordos foram firmados para obras com a
Petrobrás; observou-se ainda a criação da CPE - Comissão de Planejamento
Econômico e a elaboração de um plano de diretrizes econômicas para o estado. Foi,
também, nessa década que a Usina de Paulo Afonso entrou em funcionamento para
gerar a energia elétrica que viabilizaria tal projeto de desenvolvimento.
Na década de 1950, ocorreu a construção da Refinaria Landulfo Alves. Já
nos anos 1960, no governo Lomanto Júnior, foi instalado o Centro Industrial de
Aratu. Nesse período, foram implementados vários centros industriais em municípios
do interior da Bahia, culminando com a implantação do pólo petroquímico de
Camaçari, no final dos anos 1970. Esse processo de industrialização foi
acompanhado pelo êxodo rural e pelo crescimento acelerado da população urbana,
tendo como desdobramento o fenômeno da favelização, a ocupação desordenada
do espaço urbano e o surgimento de muitas demandas sociais.
15

Por força do surgimento de um complexo conjunto de desdobramentos das


transformações urbanas por que passou a capital do estado, ampliou-se o interesse
pela questão urbana, desde os anos 1950. Geógrafos, cientistas sociais e
historiadores passaram a analisar o fenômeno da urbanização nos mais variados
ângulos. Os estudos, em grande parte, estiveram fortemente referendados pela idéia
de urbanidade da época, em que a cidade aparecia constantemente associada à
idéia de progresso, modernização, contrastando com o campo geralmente analisado
em termos de atraso, conservadorismo e ignorância. Nesse caso, a partir de uma
visão dicotômica, aqueles trabalhos não atentaram para a existência de relações de
complementaridade e interdependência que se estabelecem entre o campo e a
cidade. Thales de Azevedo e Rômulo Almeida, aqui na Bahia, podem ser incluídos
no universo de algumas dessas teses sociológicas dos anos 1950 e 1960.
À época, cristalizaram-se e generalizaram-se imagens e atitudes sobre o
campo e a cidade como “realidades separadas e contrastantes”, vinculando o campo
como o lugar onde se constituem modos de viver ligados à natureza, com uma
economia doméstica, formas simples de organização social, lugar de tranqüilidade,
mas também de ignorância e atraso; e a cidade, como o lugar das realizações, do
saber, da produção, da comunicação, do fortalecimento da política e da
administração, como também o lugar da multidão e do barulho. Tais idéias nos
intrigam e nos conduzem a outras possibilidades de análises, ao menos no sentido
de “reexaminar essa divisão e essa oposição e refletir sobre campos e cidades como
fatos sociais e como paisagens fortemente imbricadas, ou como dimensões de uma
mesma realidade”. A cidade e o campo constituem realidades dinâmicas que se
relacionam e estão em constante transformação.1
As distâncias entre o campo e a cidade encurtaram-se muito, a partir da
segunda metade do século XX. As trilhas foram substituídas pelas estradas de
rodagens e a velocidade do automóvel suplantou as tropas de homens, carroças e
animais. A abertura e o beneficiamento de ruas e avenidas, as escolas, os cinemas,
telefones e mercados modernizaram as cidades. Entretanto, os benefícios do
desenvolvimento econômico, que fomentou essa modernização urbana, deixaram de
fora uma grande parte da população. Nesse contexto, ampliou-se a expropriação no

1
KHOURY, Iara Aun. “Apresentação”. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e
do Departamento de História da Pontifica Universidade Católica de São Paulo, nº 18, Educ, São
Paulo, 1999, p 9-11.
16

campo e na cidade, como também se desencadeou um processo de reconstrução de


identidades e costumes no Recôncavo Baiano.
Localizado em torno da Baía de Todos os Santos e compreendendo uma
das mais antigas áreas de ocupação do território brasileiro, o Recôncavo Baiano,
desde o período colonial, teve sua formação histórica fortemente influenciada pelo
desenvolvimento de atividades econômicas, destinadas aos mercados externos
(como o açúcar e o fumo) e ao abastecimento da cidade de Salvador, sobretudo a
partir da produção de gêneros de subsistência. Era a economia do Recôncavo, com
a produção de açúcar, farinha e tabaco, entre outros produtos, que sustentava o
comércio de Salvador. Assim, qualquer problema que atingisse a região, como secas
e enchentes, provocava dificuldades para a população da capital. Pode-se afirmar,
ainda, que “essa região sempre foi determinada por relacionamentos com o exterior,
quase sempre processados através de Salvador”.2
No final do século XIX, a partir dos cenários inaugurados pela abolição da
escravidão e pela proclamação da República, começava a surgir uma visão
pessimista em relação à economia da Bahia. Naquele contexto, as elites baianas
sofreram duros golpes com as mudanças políticas e econômicas processadas que
abalaram profundamente a então frágil economia regional, com seus graves
problemas internos e externos. Diante disso, “o Recôncavo perdeu progressivamente
sua antiga importância econômica e política, passando a ocupar uma posição
marginal nos processos que então marcariam a vida nacional”.3 Os efeitos desse
quadro desanimador começavam a se fazer sentir no clima de pessimismo que
tomou conta das narrativas da intelectualidade baiana, através de projeções
saudosistas e tomando como referencial o desenvolvimento econômico do Sudeste
brasileiro. Esse olhar nostálgico levou um grupo de intelectuais, políticos e setores
da imprensa baiana a fomentar um acalorado debate em torno do quadro de
“retrocesso” com que avaliavam a posição da Bahia e do Recôncavo, buscando
compreender o porquê da não industrialização do Estado. Dessa forma, tentava-se
“desvendar o ‘enigma baiano’ para poder superá-lo”.4

2
PEDRÃO, Fernando. Novos e velhos elementos da Formação social do Recôncavo da Bahia de
Todos os Santos, Salvador, 2001, Mimeografado, p 1.
3
BRANDÂO, Maria de A. “Introdução”. In: BRANDÃO, M. de Azevedo (org.). Recôncavo da Bahia:
sociedade e economia em transição. Salvador: Fundação Casa de Jorge Amado; ALB; UFBA, 1998,
p. 34.
4
Em síntese, o “enigma baiano” consistia na não industrialização da Bahia, ou melhor, no porquê
dessa não industrialização. ALBAN, Marcus. O novo enigma baiano, a questão urbana-regional e a
17

Representando “um território em constante transformação, plural e


complexo, com uma multiplicidade de histórias e agentes econômicos e sociais”,5 o
Recôncavo contrasta com as demais regiões por possuir “identidade cultural única”
no Estado da Bahia. Para Milton Santos, o Recôncavo também constitui um
“complexo regional”, cuja unidade “provinha das relações mantidas de longa data
entre suas várias porções com vocações e atividades diferentes”,6 coordenados pela
cidade de Salvador. A diversidade identificada na região “possibilita-nos pensar o
Recôncavo como um grande conjunto composto por porções diferenciadas, que,
apesar de se integrarem, dão-lhe um caráter multifacetado” em que podem ser
encontrados “pequenos recôncavos”: o canavieiro, o fumageiro, o mandioqueiro e da
subsistência, o da pesca, o ceramista.7
Em uma dessas “porções”, hoje denominada de Recôncavo Sul, está
localizado o município de Santo Antonio de Jesus, uma das mais tradicionais áreas
de ocupação e colonização do território brasileiro, fora das tradicionais áreas
açucareiras que teve sua formação histórica marcada pela presença de uma
economia de subsistência, além da produção de alimentos e materiais de construção
que abasteciam a cidade de Salvador. Já em meados do século XX, a micro-região
constituía um mosaico de subáreas compostas por diferentes atividades que, além
da subsistência dos produtores, eram responsáveis pelo abastecimento das feiras
locais, ajudavam a prover a cidade de Salvador e até mesmo mantinham relações
com mercados externos, “através de pequenas exportações de artigos como fumo,
açúcar, café, minérios, madeira, cacau, couro, etc”.8
Ao estudar a evolução da sua rede de cidades, na década de 1950, Santos
assinala que “o Recôncavo é uma região de vida urbana notável e ao mesmo tempo

alternativa de uma nova capital. Anais do XI Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-
Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional – ANPUR, Salvador, maio de 2005.
5
MACHADO, Gustavo Bittencourt & SANTOS, Valdir J. dos. Desenvolvimento Regional e Arranjos
Produtivos no Recôncavo. Bahia Análise & Dados, Salvador: SEI, v.14, nº. 3, p. 551-561, dezembro
de 2004, p 1.
6
SANTOS, Milton. “A Rede Urbana do Recôncavo”. In: BRANDÃO, M. de Azevedo (org.). Recôncavo
da Bahia: sociedade e economia em transição. Salvador: Fundação Casa de Jorge Amado; ALB;
UFBA, 1998, pp. 63-65.
7
OLIVEIRA, Ana M. dos Santos. Recôncavo Sul: terra, homens, economia e poder no século XIX.
Dissertação de Mestrado em História, UFBA, Salvador, 2000, p 49.
8
SOUZA, Edinaldo A. O.. Lei e Costume: Experiências de Trabalhadores na Justiça do Trabalho (
Recôncavo Sul, Bahia, 1940-1960). Dissertação de Mestrado em História UFBA, Salvador, 2008, p
45.
18

onde as densidades rurais atingem índices bem elevados, os mais altos do estado”.9
O geógrafo identifica uma fase de grandes modificações na hierarquia” dos núcleos
urbanos da região, cujos agentes das mudanças seriam,

a superposição de uma rede de estradas de rodagem aos antigos


caminhos e ferrovias; a complementação de uma verdadeira rede de
estradas de ferro; o agravamento da decadência das lavouras de
fumo e cana-de-açúcar e o crescimento da cidade de Salvador,
acompanhado da elevação dos seus padrões de vida, exigindo um
abastecimento mais numeroso e animando o desenvolvimento de
10
novas regiões de produção alimentar.

Percebe-se que o processo de urbanização nos municípios do


Recôncavo estava diretamente ligado à evolução dos meios de transporte na
região. Com o aparecimento de políticas de infra-estrutura e de modernização,
iniciadas desde o período do Estado Novo, modificaram-se os papéis de cidades
tradicionais como Cachoeira, que deixou de ser a única “porta de entrada para o
Sertão, através do vale do Rio Paraguaçu, cedendo lugar a Santo Antonio de
Jesus, onde iniciou o plano de transporte rodoviário”.11

Costa Pinto observa que a introdução do transporte rodoviário, na


segunda metade do século XX, promoveu alterações significativas na hierarquia
das redes de cidades do Recôncavo, afirmando ainda que a ferrovia foi uma das
inovações tecnológicas relativamente recentes, que determinaram fundas
alterações nos padrões tradicionais e depois a rodovia e o caminhão promoveram
mudanças ainda mais profundas.12

O crescimento urbano verificado na espacialidade recôncava desenha-se a


partir do entrecruzamento de sua história com o desenvolvimento dos sistemas de
comunicação e transporte ferroviário e, posteriormente, rodoviário. Desde o final do
século XIX, havia a presença de uma estação de linha férrea, que ligava Santo
Antonio de Jesus à cidade de Nazaré e depois a São Roque do Paraguaçu, dando
acesso à capital. Com a ligação dessa ferrovia a Santo Antonio de Jesus,
9
SANTOS, Milton. “A Rede Urbana do Recôncavo”. In: BRANDÃO, M. de Azevedo (org.). Recôncavo
da Bahia: sociedade e economia em transição. Salvador: Fundação Casa de Jorge Amado; ALB;
UFBA, 1998, pp. 63-65.
10
Idem, op. cit., pp. 80-81.
11
PEDRÃO, Fernando. Op. cit, p 8-9.
12
COSTA PINTO, L. A. “Recôncavo: Laboratório de uma Experiência Humana”. In: BRANDÃO, M. de
Azevedo (org.). Recôncavo da Bahia: sociedade e economia em transição. Salvador: Fundação Casa
de Jorge Amado; ALB; UFBA, 1998, pp. 120-121.
19

abre-se, festivamente, em data de 7 de setembro de 1880, o tráfego


definitivo de Nazaré a Santo Antonio de Jesus, da Tram-Road,
depois denominada, Estrada de Ferro de Nazaré, cujos trilhos foram
prolongados até alcançarem a cidade de Jequié.13

Com a Tram-Road, o município passou a integrar uma expressiva rede de


comércio e de passageiros, fora da área de influência da Estrada de Ferro Central da
Bahia,14 o que o tornava um importante centro de convergência e circulação de
pessoas, com vistas a atender às mais diversas necessidades, como o escoamento
do café, fumo, açúcar e farinha de mandioca, cereais, madeiras e do minério de
manganês.15 Durante os dez anos que Santo Antonio de Jesus foi ponta de trilhos, a
estrada trouxe prosperidade para o município, que em pouco tempo tornou-se um
dos principais centros comerciais da redondeza.16 Contudo, sua ampliação, até
Jequié não diminuiu substantivamente sua importância regional.
O esquema a seguir apresenta o traçado da Estrada de Ferro de Nazaré
que permitia a ligação da cidade de Santo Antonio de Jesus à capital, através da
Baía de Todos os Santos.

13
Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, 2 de julho de 1958. Rio de Janeiro, XXI volume.
14
“A Estrada de Ferro Central da Bahia partia da borda do Recôncavo desde Cachoeira e São Félix,
para o interior da província, em direção à Feira de Santana e à Chapada Diamantina. Seu traçado
obedeceu à lógica locacional de conectar o interior da província da Bahia, através dos portos fluviais
do Recôncavo, com a capital, Salvador. A estrada de ferro deveria se apoiar na rede das estradas
gerais e caminhos de tropa do sertão”. ZORZO, F. A. . O Movimento de Tráfego da Estrada de Ferro
Central da Bahia e seu Impacto Comercial. Sitientibus, v. 1, p. 63-79, 2002.
15
SIMÕES, Lindinalva. As estradas de ferro do Recôncavo. Dissertação de Mestrado. Salvador-Ba.
Bahia: UFBA, 1970, p. 101.
16
ALVES, Isaías de Almeida. Matas do Sertão de Baixo. Bahia: Reper, 1967, pp. 171 e 233.
20

Figura I: Esquema Geral da ex-Estrada de Ferro de Nazaré, 1973.


Fonte: RFFSA. 4ª Divisão – Leste.

É uma imagem que provoca lembranças. Sr. Manoel Oliveira, nascido em


Santo Antonio de Jesus em 1931, viveu por longa data em Salvador. Há oito anos
voltou a morar na terra natal e ao ser entrevistado rememorou um tempo em que
viajar de trem era o único meio de chegar à capital, saindo da estação de Santo
Antonio até Nazaré:

Antigamente a gente ia pra Salvador no trem né, não tinha navio até
Nazaré. No dia que fui pra Salvador eu fui de trem, ainda não tinha
ônibus não... todo mundo andava de trem, não tinha outro transporte
[...] Era uma viagem muito demorada naquela época [...]
Antigamente só vinha até Nazaré o trem, aí pegava o navio [...] mas
quando o mar secava o navio encostava na areia, aí ficava atracado.
Agora, quando o mar enchia é que ele saía pra Salvador. Então, era
uma viagem muito demorada, naquela época. Era pra mais de
seiscentos saveiros ali. Carregava mercadoria pra Salvador era
21

através dos Saveiros.17 Depois que inventaram assim essa história


que vai até São Roque do Paraguaçu.18

Naqueles tempos, a aventura de “ir pra Bahia”, realizada por Sr. Manoel e
tantas outras pessoas, envolvia um percurso de 34 Km de trem, indo de Santo
Antonio de Jesus até Nazaré, e, a partir daí, uma longa viagem de saveiro até
Salvador. Era uma “viagem demorada”, pois além da baixa velocidade do trem,
devido às linhas irregulares e sinuosas, havia a necessidade de contar com a ajuda
das marés para seguir viagem pelo mar. Só em 1941 a Estrada de Ferro de Nazaré
alcançou São Roque do Paraguaçu e Nazaré deixou de ser o ponto final da ferrovia.
Esse prolongamento até São Roque do Paraguaçu “foi um acontecimento que
levantou muitas dúvidas, quanto ao acerto da medida”, pois os opositores a essa
decisão mostravam que Nazaré seria grandemente prejudicada, e não traria
nenhuma contribuição para o progresso da ferrovia, nem maior conforto para os
passageiros, que continuariam tendo de tomar o navio no terminal para alcançar
Salvador. Em seguida, “o tempo veio demonstrar o acerto dos que se colocaram
contra o prolongamento”, na medida em que “a cidade sofreu forte abalo em suas
atividades”.19
A partir daí, o percurso do trem aumentou e ficou mais curta a travessia de
saveiro que cruzava a Baía de Todos os Santos. É também nessa década que o
transporte rodoviário passa a ser outra opção para os santoantonienses, nos
deslocamentos para Salvador. Logo, a rapidez do transporte rodoviário e a falta de
manutenção da ferrovia provocaram o abandono e a decadência dessa Estrada de
Ferro, extinta em 1971, quando “não só Nazaré, mas toda a região servida pela
Estrada recebeu, impassível, o golpe fatal”.20
Anunciados nos discursos e projetos da política nacional-
desenvolvimentista, o planejamento econômico e seus ideais de progresso,
desenvolvimento e modernização se materializavam no Recôncavo, em meados do
século XX. Relacionavam-se, sobretudo, ao processo de implementação da indústria

17
Sobre os Saveiros da Bahia, ver CASTELLUCCI, Wellington J.. Pescadores da Modernagem:
Cultura, Trabalho e Memória em Tairu, Bahia. 1960-1990, 1ª Ed. São Paulo: AnnaBlume, v. 1, 2006.
18
Depoimento do Sr. Manoel Oliveira, em agosto de 2007, 76 anos de idade, nascido em Santo
Antonio de Jesus.
19
AUGUSTO, Lamartine. Porta do Sertão. 2ª ed. Salvador: Edições Kouraça, 1999.
20
Idem
22

petrolífera, da construção das rodovias, além de outras realizações financiadas por


instituições estatais como a SUDENE e o BNB.21
No final dos anos 1940, o clima de expectativa criado pela iniciativa estatal e
pela mobilização social em prol das atividades petrolíferas no Recôncavo, a chegada
da energia elétrica – viabilizada pela construção da Companhia Hidroelétrica de São
Francisco (CHESF), somados aos efeitos da política desenvolvimentista, como a
ampliação da malha ferroviária e a progressiva abertura de rodovias, foram
acompanhados com grande euforia pela imprensa e pela intelectualidade baianas,
contrastando com o pessimismo até então predominante.
Os novos ares de progresso e modernização, inaugurados com a
descoberta do petróleo na Bahia, mostram que os anos 1950 ficaram marcados por
fazer ceder a visão pessimista apresentada anteriormente. No Recôncavo Sul,
esses novos ares foram sentidos com a ampliação do uso do automóvel e dos
transportes rodoviários. De uma forma particular, com dinâmica própria, a região
experimentava a sua inserção nos ideais de modernização largamente propagados
pelas elites política e econômica nacionais.
Com a implementação do sistema de transporte rodoviário, a partir dos anos
1940, configuraram-se novos circuitos comerciais e de comunicações - processo que
favoreceu Santo Antonio de Jesus pela sua localização geográfica e sua posição
estratégica na malha rodoviária construída. Com a ampliação da oferta de serviços
urbanos, a partir dos anos 1950, alcançou um relevante crescimento urbano. Aos
poucos a cidade tornou-se pólo de atração comercial e de serviços, ampliando
significativamente sua população, com uma forte presença de migrantes do campo,
de toda a micro-região, que influenciaram nos modos de viver urbano da Capela do
Padre Matheus, como é também conhecida.22 A cidade experimentou um
significativo processo de urbanização. Já nos anos 1970, o crescente dinamismo
urbano23 e a localização privilegiada, margeada pela BR 101 e pela BA 028, que dá
acesso ao sistema ferry boat - responsável pela travessia de passageiros, veículos e
mercadorias a bordo de navios, de Itaparica para Salvador - dimensionaram o poder
21
MATTOSO, Kátia de Queiroz. “Prefácio”. In: BRANDÃO, M. de Azevedo (org.). Recôncavo da
Bahia: sociedade e economia em transição. Salvador: Fundação Casa de Jorge Amado; ALB; UFBA,
1998, p. 18.
22
Ver QUEIROZ, Fernando P.. A capela do Padre Matheus. Feira de Santana: Sagra, 1995.
23
Sobre a dinâmica urbana de Santo Antonio de Jesus ver SANTOS, Miguel C. dos. O Dinamismo
Urbano e suas implicações regionais: o exemplo de Santo Antonio de Jesus, Ba. Salvador. Editora
UNEB, 2002.
23

de atração que Santo Antonio de Jesus exerceu/exerce sobre os habitantes dos


municípios vizinhos. A este respeito, visualizemos o mapa abaixo:

D. M Costa

Figura II: Localização de Santo Antonio de Jesus e cidades vizinhas


Fonte: http://maps.google.com.br

A centralidade de Santo Antonio de Jesus mostra-se melhor evidenciada na


imagem. A rodovia construída acompanhando o leito da antiga ferrovia, entre Nazaré
e Varzedo cruza a BR 101, justamente na cidade. Para lá passam a convergir as
atenções de uma vasta quantidade de municípios. Ao mesmo tempo, algumas
iniciativas começaram a ganhar vulto, sobretudo implementadas pelo poder público
local, visando criar um aspecto mais urbano, mais afinado com as representações
das metrópoles modernas. Em geral, as reformas, então adotadas, sintonizadas com
os discursos e ideais desenvolvimentistas, não consideravam o antigo como algo
que devesse ser conservado. Assim, o “velho” passava a ser substituído pelo “novo”
de uma forma agressiva, representando um processo de “destruição criativa”,
segundo o qual, acreditava-se que seria necessário ”destruir o existente para a
24

construção de um novo mundo”.24 Ao longo do século passado, muitas cidades


brasileiras vivenciaram efetivamente essa perspectiva da experiência civilizadora,
como ação destruidora, em que “ser moderno é encontrar-se em um ambiente que
promete (...) autotransformação e transformação das coisas em redor – mas ao
mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que
somos”.25 Ainda que em Santo Antonio de Jesus esse espírito de modernidade
possa ter motivado alguns projetos do poder público local, a cidade carregava sua
própria temporalidade. De um modo geral, seus moradores possivelmente pouco se
identificaram com esse ambiente promissor de mudança, além do que nem todos
estavam dispostos a destruir tudo o que tinham, sabiam e eram, ou pretendiam
romper com os seus costumes de uma maneira tão abrupta.
Embora faça referência a outro período e outro local, Rinaldo Leite, ao
analisar o processo de modernização da cidade de Salvador, no contexto
compreendido entre 1912 e 1916, assinala que o processo de modernização das
cidades renegava todo e qualquer legado arquitetônico e cultural do passado que
pudesse representar um elemento de atraso. As noções de modernidade e de atraso
quase sempre tiveram como referência as idealizações elaboradas por segmentos
das elites urbanas, caracterizando, assim, a sua tendência demolidora, destruidora
de tudo que fosse tomado por velho, ou associado ao antigo.26
Pode-se observar que o cenário urbano de Santo Antonio de Jesus,
particularmente na década de 1950, também passou por significativas remodelações
no contexto do seu processo de urbanização, buscando substituir o que era tido
como antigo pelos símbolos do moderno. Assim, a velha igreja cedia lugar à nova
Matriz, a feira e o velho Mercado seriam afastados das áreas centrais. A energia
elétrica, símbolo marcante da urbanização, que durante longas décadas fora apenas
um sonho acalentado pela população, tornava-se um assunto de primeira hora.
Desde a década de 1930, O Palládio, periódico local que circulou durante cinqüenta
anos, já dedicava algumas notas ao assunto. Mas foi, sobretudo a partir das
décadas de 1940 e 1950, com a construção da Companhia Hidroelétrica do São
Francisco (CHESF) e o início das obras de eletrificação urbana no Recôncavo, que a

24
HARVEY David, Condição pós-moderna. Edições Loyola, São Paulo, 1992, p 26.
25
BERMAN Marshal. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo,
Companhia das Letras,1986, p 15.
26
LEITE, Rinaldo Cesar Nascimento. E a Bahia civiliza-se. Dissertação de Mestrado em História,
UFBA, Salvador, 1996, 14.
25

falta da eletricidade e os “limites” que ela impunha à vida urbana tornaram-se temas
recorrentes, tanto na imprensa como nos discursos dos políticos santoantonienses.27
Criada em 1945 e constituída em 1948, com a missão de produzir, transmitir
e comercializar energia elétrica para a Região Nordeste, a CHESF possibilitou a
extensão do serviço para todo o Estado da Bahia, através de um programa de
eletrificação, que não se deu ao mesmo tempo para todo o estado,28 o que em Santo
Antonio de Jesus só veio a se concretizar na década de 1960.
Além da energia elétrica, outra inovação freqüentemente cobrada pela
imprensa local era o melhoramento do sistema de abastecimento de água
encanada. As antigas fontes e a compra de água nas mãos dos aguadeiros
tornavam-se incompatíveis com os propósitos da modernização urbana. O novo
modelo de cidade deveria oferecer a seus moradores certo conforto, o que destoava
das caminhadas com as latas de água na cabeça. Afinal as idéias de civilidade
estavam associadas a imagens de cidades bem iluminadas e higienizadas.

Outro aspecto importante da urbanização é a extensão dos espaços de


atuação da mulher. Atividades predominantemente femininas, desde o século XIX,
como as de ganhadeiras e vendedoras, são ampliadas em Santo Antonio de Jesus,
nos anos 1950, não obstante as resistências que aquelas mulheres encontravam no
mercado de trabalho. Nas barracas das feiras elas “vendiam flores, mingau de milho,
de tapioca ou carimã, entre outros produtos”;29 nos armazéns, realizavam o trabalho
da destalagem do fumo, abrindo e separando as folhas que chegavam amontoadas
em grandes fardos. Essa era uma função não muito bem aceita pelos maridos,
devido a grande presença masculina no ambiente do armazém, o que gerava certo
preconceito quanto àquele local de trabalho ser adequado ou não para as
mulheres.30 As funções de professora, costureira e bordadeira, também comumente
femininas de longa data, expandiram-se na cidade, durante o período. Nas escolas
predominava a presença feminina, onde se exercia quase que exclusivamente a
função de ensinar às crianças e adultos a ler e escrever. Algumas davam aula de
corte, costura e bordados em suas próprias residências. Havia uma preocupação de

27
Inúmeras matérias referentes a esse assunto podem ser encontradas no Jornal O Palládio,
especialmente nos exemplares nº. 2068, nº. 2184 e o nº. 2187.
28
NASCIMENTO, Luiz Fernando Motta, Paulo Afonso: luz e força movendo o nordeste, Salvador:
EGBA/ACHÉ, 1998, p 215.
29
Depoimento de José Santos Vieira, de 67 anos idade, em maio de 2007.
30
ASSIS, Cristina da Anunciação da Silva. Os trabalhadores dos armazéns de fumo. Monografia do
Curso de Especialização em História Regional, UNEB, CAMPUS V, fevereiro/2004.
26

ensinar as prendas domésticas, tidas como importantes requisitos para as moças


que pretendiam se casar. Os anúncios podiam ser vistos nos jornais O Palládio31 e A
Voz das Palmeiras.32 Essas tarefas eram mais aceitáveis pelos maridos e pela
sociedade em geral, pois além de tratar de atribuições consideradas femininas,
aconteciam em ambientes familiares e algumas vezes em pequenas escolas.
A investigação das experiências urbanas de Santo Antonio de Jesus aponta
nuances que por si só justificariam o tema. Entretanto, esse estudo insere-se entre
as iniciativas historiográficas que atualmente esforçam-se em compreender/analisar
as complexidades inerentes ao processo de urbanização em cidades de porte médio
do interior do Brasil ao longo do século XX, bem como as interações e inter-relações
entre as práticas sociais urbanas e rurais que permearam tal experiência. Refletir
sobre esse cenário urbano, os sentidos e significados atribuídos pelos diferentes
sujeitos sociais da cidade de Santo Antonio de Jesus, é também redimensionar
experiências minhas da infância e adolescência, onde se cruzam vivências rurais e
urbanas, particularmente a partir da migração do campo para esta cidade nos anos
1980, a fim de continuar os estudos.
As lembranças do cheiro de cabelo queimado pelas chamas do candeeiro a
querosene e do longo percurso a pé ou a cavalo para ir à cidade imbricam-se com
outras que vivenciei, quando junto com minha mãe e meus irmãos, fomos morar na
cidade em busca de trabalho e escola. Naquele momento não foi fácil deixar o
campo e aceitar a cidade com o seu ritmo acelerado. Mas, a adaptação não tardou.
Logo fui atraída pelas luzes que permitiam brincar na rua até tarde da noite, a
bicicleta que fascinava pela capacidade de locomoção, a proximidade da escola, da
igreja, do consultório médico, a manutenção das relações de vizinhança, a televisão
que nos nossos primeiros dias de vida urbana apresentou-se como um sonho que
enfim, virava realidade.
Minhas memórias ainda trazem à tona aventuras vividas nos caminhos da
roça para conhecer o mundo mostrado pela televisão. Um episódio vivido quando eu
e meus irmãos éramos crianças marcaria as nossas experiências de vida longe da
cidade. Nos anos 1970, morávamos em um sítio na zona rural do município de Dom
Macedo Costa, vizinho de Santo Antonio de Jesus. Mas, se na cidade a energia
elétrica havia chegado, naquela localidade a única iluminação existente era a dos

31
Jornal O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 9 abril de 1947, p 4.
32
Jornal A Voz das Palmeiras, Santo Antonio de Jesus, março de 1954, p 2.
27

lampiões e candeeiros. Possuir geladeira e televisão em casa era um luxo. Nós


tínhamos uma geladeira que funcionava a gás, pois o meu pai era dono de venda e
precisava oferecer cerveja e refrigerante gelados para os seus fregueses.
Era um domingo de carnaval. Os moradores ouviam no rádio, ou através de
pessoas que chegavam da capital, histórias e anúncios das atrações da grande
festa. A curiosidade era inevitável, e como não havia possibilidade de participar do
carnaval, podia-se satisfazê-la assistindo às atrações pela TV. Foi assim que minha
mãe tomou a iniciativa, juntamente com sua sobrinha Marlene, de levarem a mim e
meus três irmãos mais velhos, na velha jumenta da família, até a localidade do
Gandu, para assistirmos o carnaval na casa de D. Eufulosina, numa televisão em
preto e branco que funcionava à bateria. Lá fomos nós quatro distribuídos nos dois
panacuns e na cangalha, enquanto minha mãe e minha prima iam a pé, guiando o
animal. Tudo isso acontecia sem o conhecimento do meu pai que não aprovaria tal
aventura.
Inesperadamente, um acidente quase transforma aquele domingo de
carnaval numa lembrança triste. Ao atravessar o Riacho de Água Suja, em virtude
das fortes chuvas que haviam caído, a terra que sustentava uma pequena ponte de
troncos de árvores cedeu e a jumenta tombou, derrubando todos nós nas águas
escuras daquele riacho. O resgate foi rápido, e nós conseguimos sair a salvo, mas
assustados e enlameados. Naquele estado não seria possível seguir viagem. Então,
minha prima Marlene voltou em casa e pegou roupas limpas, sem que meu pai
desconfiasse de nada. Tomamos novo banho e, sem nos intimidar continuamos a
nossa viagem. Já na casa de D. Eufulosina, em frente à televisão, as imagens em
preto e branco nos encantava e divertia, fazendo-nos acreditar que havia valido a
pena a aventura que tornou aquele carnaval um momento inesquecível em nossas
vidas.
A experiência relatada diz do poder de sedução exercido pela televisão
sobre moradores do campo, atraídos pela novidade das imagens que aproximava
vivências rurais e urbanas. As limitadas oportunidades de lazer no meio rural e até
mesmo nas pequenas e médias cidades faziam/fazem da TV um grande instrumento
de diversão.
Já morando na cidade, os modos de viver urbanos foram sendo
incorporados às nossas práticas de vida, sem, contudo nos distanciar de costumes e
valores experimentados no campo. Certamente trata-se do que Raymond Williams
28

chamou de “terra de fronteira”, entendendo-a como “aquela terra em que muitos de


nós vivemos: entre a tradição e a instrução, entre o trabalho e as idéias, entre o
apego ao torrão natal e a vivência das mudanças.”33 Eis o lugar de onde falo, o ponto
de referência, o lugar social,34 a posição de partida das reflexões sobre Santo
Antonio de Jesus.
Entende-se, portanto, que os viveres rurais e urbanos imbricam-se,
interagem e tensionam; ampliam-se e se reelaboram através dos processos da
memória. Dessa forma, fazendo uso do cruzamento das memórias inscritas na
oralidade, na imprensa, nos documentos oficiais, na fotografia, buscou-se
desenvolver o estudo da temática das vivências urbanas em Santo Antonio de
Jesus. Contudo, conforme já havia notado Rezende, verifica-se que “cada cidade
contém todas as cidades, percorrer sua história é encontrar-se com a multiplicidade
e conviver com a sinfonia, às vezes dissonante, de todos os tempos”.35
Compreendendo a História, tal como concebida por Nora, uma
“reconstrução sempre problemática e incompleta”, a intenção dessa pesquisa é re-
visitar o passado através da memória, “aberta à dialética da lembrança e do
esquecimento, inconsciente de suas sucessivas deformações, vulnerável a todo tipo
de uso e manipulações”.36 Portanto, busca-se apreender modos de viver, idéias e
pensamentos forjados nas experiências de vida de homens e mulheres de diferentes
identidades étnicas e condições sociais, que se relacionavam e/ou se enfrentavam
cotidianamente na constituição da sociedade santoantoniense, durante seu processo
de urbanização entre 1950 e 1970.
Para além dos aspectos apresentados nas conjunturas nacional e estadual
presentes nas transformações em Santo Antonio de Jesus, o recorte justifica-se por
ter sido a partir dos anos 1950 que o serviço de energia elétrica ampliou-se na
cidade, estendendo-se a ruas, praças e casas, o que pode ser considerado um
marco para a construção das suas vivências urbanas, fortemente influenciadas pela
eletricidade. Por entender que as experiências de urbanização na cidade não têm
fim, mas trata-se de um processo que continua acontecendo, elegemos os anos
33
WILLIAMS, Raymond. O Campo e a Cidade na história e na literatura. São Paulo: Companhia das
Letras, 1989, p. 387.
34
CERTEAU, Michel de. Operação historiográfica. In: A Escrita da História: Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2006, p 65.
35
REZENDE, Paulo Antonio. O Recife: histórias de uma cidade. Recife: Fundação de Cultura Cidade
de Recife, 2002, p 135.
36
NORA, Pierre. Entre memória e História: a problemática dos lugares. In: Projeto História nº 10, São
Paulo, EDUSC, 1993, pp.7-28.
29

1970 para delimitar o término desse estudo. Afinal, trata-se de uma década em que
fatos importantes como a desativação da estrada de ferro, o asfaltamento da rodovia
BR-101, a transferência da feira, entre outros, inauguraram uma nova fase na vida
urbana santoantoniense.
Como o recorte temporal desse estudo é recente, tornando possível colher
depoimentos de pessoas que vivenciaram tais experiências, a memória oral foi uma
grande aliada, ainda que ela nos ofereça sempre “um sem número de
significados”.37 Considerada como um “instrumento e um objeto de poder”, a
memória é também “um elemento essencial do que se costuma chamar identidade,
individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos
e das sociedades de hoje, na febre e na angústia”.38 Além disso, através do
testemunho oral, “novas histórias” são geradas e estas, podem, “literalmente,
contribuir para o processo de dar voz a experiências vividas por indivíduos e grupos
que foram excluídos das narrativas históricas anteriores, ou foram marginalizados”.39
Através da apreensão dos registros da memória na voz dos próprios sujeitos
e do contato com suas práticas de vida, tornou-se possível surpreender pormenores
que, certamente, estão na contramão dos estudos oficiais sobre vivências urbanas.
A pesquisa oral, “além de romper com a tradicional distância entre pesquisador e
fontes, [...] permite ao historiador refletir sobre o sentido das falas, gestos e silêncios
dos sujeitos entrevistados”,40 portanto, extrapola o universo das palavras, além do
que “o resultado final da entrevista é o produto de ambos, narrador e pesquisador”.41
As experiências sociais relatadas nos depoimentos trazem lembranças de Sr.
Gregório Tavares da Silva, atualmente aposentado, que trabalhou no cultivo da
terra, na criação de animais e na feira vendendo carne do sol; lembra como era
“acanhada” a cidade quando ele chegou e como foi se modificando ao longo dos
anos. José Santos Vieira trabalhou comprando carne do sol na feira de Santo
Antonio para vender em Salvador, recorda as festas de largo, as micaretas, as
sessões de cinema, as diversões que a cidade oferecia. Seu Gilberto Mello, artista

37
MALUF, Marina. Ruídos da Memória. São Paulo: Siciliano, 1995, p.28.
38
LE GOFF, Jacques.História e memória.Campinas, SP: Editora UNICAMP, 1990, p.476.
39
THOMSON, Alistair. “Recompondo a Memória: questões sobre a relação entre a história oral e as
memórias”. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e o Departamento de
História – PUC/SP, Projeto História n.º 15, 1997.
40
SOUZA, Edinélia Mª Oliveira. Memórias e Tradições: viveres de trabalhadores rurais do município
de Dom Macedo Costa – Bahia (1930-1960). Dissertação apresentada ao Mestrado em História da
Pontifica Universidade Católica de São Paulo (PUC), São Paulo, 1999, p 11-12.
41
PORTELLI. Alessandro. “O que faz a História Oral diferente”. In: Projeto História nº 16, p. 21.
30

local, que viveu sua juventude em Santo Antonio de Jesus e há décadas mora em
Brasília, refere-se também às atividades de lazer, à lavagem da igreja na véspera de
Santo Antonio e à procissão do padroeiro que percorria as ruas principais da cidade
ao som das filarmônicas locais. José Souza Sampaio rememora as brincadeiras nas
ruas com a chegada e a partida do trem, as transformações trazidas com a
construção das rodovias e com a chegada da energia elétrica. Antonio Santana
Vieira e Manoel Oliveira recordam as relações de trabalho que se desenvolviam na
cidade, sobretudo nas alfaiatarias em que trabalharam; lembram que o movimento
era constante naquela época, pois não havia confecções, e se intensificava ainda
mais em tempos de festas. Adelino Silvério de Assis se lembra da luta pela
sobrevivência na cidade, dos percalços que passou para não voltar pra roça e se
adaptar à vida urbana. Irênio Santos Pereira, mestre em marcenaria, fala das
dificuldades enfrentadas pela família, de origem humilde, para viver na cidade e da
sua experiência como marceneiro. Edivaldo Oliveira Souza e Tereza Leal Vita Souza
denunciam a presença dos pobres na cidade e recordam as campanhas de caridade
desenvolvidas pela sociedade santoantoniense. Maria Soares de Jesus rememora a
dupla jornada de trabalho, nos armazéns de fumo e em casa, que ajudava a
sustentar a família; fala das missas e procissões, das rezas e dos brinquedos de
roda; recorda ainda as relações de solidariedade entre vizinhos. Maria da Conceição
Souza Silva fala dos valores da época, das festas, quermesses, do namoro, e das
mudanças nas ruas e nas casas, a partir da energia elétrica.
As experiências de vida acumuladas na cidade de Santo Antonio de Jesus
nas décadas de 1950 a 1970 e a disposição para relatá-las foram os principais
requisitos utilizados na seleção dos depoentes. Inicialmente, contatamos pessoas
que já tinham sido vistas contando seus casos na venda do meu pai. A partir daí, os
próprios entrevistados indicaram nomes de contemporâneos com os quais haviam
compartilhado suas histórias. Parentes e amigos, ao tomarem conhecimento da
pesquisa que estava sendo desenvolvida, também participaram desse processo,
sugerindo alguns nomes. Apesar de pessoas mais próximas dos entrevistados terem
intermediado os encontros, momentos de insegurança, dúvidas e ansiedades
acompanharam as visitas aos sujeitos. No primeiro contato ocorria apenas uma
conversa informal sem fazer uso do gravador. Nos encontros seguintes, com o
receio e a desconfiança já superados, as conversas passavam a ser gravadas. No
local de moradia ou de trabalho das pessoas realizaram-se as conversas. Nesses
31

momentos, foi possível perceber segurança, confiança e certo conforto para expor
suas memórias. Por vezes, evidenciou-se grande satisfação e auto-estima o fato de
estar sendo ouvido por alguém, talvez em virtude do pouco tempo que é dispensado,
de modo geral, aos mais velhos. O local da entrevista, a ausência de outras pessoas
no ambiente e o clima de proximidade que tentou-se propiciar através da linguagem
familiar, das palavras e dos gestos, foram aspectos importantes para deixar o
depoente mais a vontade ao narrar suas práticas de vida.
A utilização de textos memorialísticos foi de grande relevância para ajudar a
compor o mosaico constituído pelas vivências urbanas de Santo Antonio de Jesus.
Em produções ensaístas locais, como Matas do Sertão de Baixo,42o educador Isaías
Alves, descendente de uma das mais tradicionais famílias do município, registrou
suas memórias e impressões da infância e da mocidade, sobre o Recôncavo Sul
Baiano. Descreve o processo de ocupação da região e destaca momentos
memoráveis da cidade de Santo Antonio de Jesus, através da trajetória de algumas
famílias. Fernando Pinto de Queiroz, advogado, professor e pesquisador, em A
Capela de Padre Matheus,43 foi em busca das origens do primeiro povoamento
santoantoniense e reavivou a figura do padre fundador da Vila. Em Memórias de um
Pária,44 Eduardo de Souza Almeida, narrou sua história e registrou suas
reminiscências, desde o final do século XIX, quando migrou do campo para a cidade
de Santo Antonio de Jesus, onde viveu boa parte de sua vida, vindo a falecer em
1970. Embora priorizem períodos anteriores e não tratem especificamente de
trabalhos sobre o viver urbano, lançaram luz sobre alguns aspectos do cotidiano
urbano santoantoniense e sobre fontes documentais que contribuíram no caminhar
desta pesquisa. Sobre o período pesquisado, Santo Antonio de Jesus – 1965 – A
cidade que encontrei45, de Geraldo Pessoa Sales, morador local e oficial reformado
do Exército Brasileiro, possibilitou passear pelas antigas ruas e encontrar
personagens que protagonizaram a história da cidade. Constituem, portanto,
mananciais de dados e informações indispensáveis para quem se dedica a re-visitar
a memória da cidade.
Os jornais revelaram-se fontes de extrema importância pela riqueza de
informações sobre temas diversos do cotidiano urbano, mesmo considerando que

42
ALVES, Isaias. Matas do Sertão de Baixo. Rio de Janeiro: Reper, 1967.
43
QUEIROZ, Fernando P. A capela do Padre Matheus. Feira de Santana: Sagra, 1995.
44
ALMEIDA, Eduardo de Souza. Memórias de um Pária. Salvador: Adipro, 2006.
45
SALES, Geraldo Pessoa. Op. Cit.
32

por detrás de toda notícia está implícita uma visão de mundo que orienta o modo de
produzir a notícia, de veiculá-la, de propagar idéias e valores. Ressalto, sobretudo, o
semanário santoantoniense O Palládio, fundado e mantido pelo maragogipano
Antonio Mendes de Araújo, tendo circulado, ininterruptamente, desde 15 de
novembro de 1901 até o falecimento do seu fundador, ocorrido em 30 de maio de
1952; A Voz das palmeiras, do proprietário e diretor José Martins de Souza, circulou
na cidade semanalmente, a partir de 1953; O Detetive, dirigido por Artur M. da Silva
e redigido por Estevam M. Sampaio entre final dos anos 1940 e início dos anos
1950, de caráter humorístico e literário, apresentava notícias sobre a vida social e
cultural da cidade. Eles nos deram a possibilidade de “ler” a cidade a partir dos
discursos moralizadores e urbanistas que representavam os interesses das elites
urbanas da época e que procuravam estabelecer os critérios para elaboração de um
“novo homem” público. Contudo, por vezes, flagramos nesses periódicos, temas do
cotidiano das camadas populares, o que sugere que a elaboração de suas pautas
ultrapassava os limites do interesse das elites locais.
Cenas do cotidiano das camadas populares e de outros grupos sociais
também foram surpreendidas através de imagens fotográficas, que “assim como
textos e testemunhos orais, constituem-se numa forma importante de evidência
histórica”, pois, “registram atos de testemunho ocular”46 que descortinam elementos
da vida material da época. Sinalizaram aspectos da arquitetura, indumentária,
formas de trabalho, manifestações populares e outros elementos de infra-estrutura
urbana, tais como a iluminação, fornecimento de água, obras públicas,
proporcionando reflexões sobre as intenções daqueles que as produziram, bem
como quanto à seleção dos elementos que deviam ser mostrados e dos que deviam
ser ocultados, ao dirigir o olhar para um determinado ponto que se quer deixar em
evidência, obscurecendo e/ou ocultando o que, para o produtor da imagem, não é
relevante ou digno de ser registrado.47
As fontes iconográficas utilizadas nesse trabalho foram localizadas em
jornais locais, em arquivos pessoais de antigos moradores - verdadeiros guardiães
da memória de Santo Antonio de Jesus - e em textos de autores que também
reconhecem a importância da fotografia como fonte documental privilegiada pela sua

46
BURKE, Peter. Testemunha Ocular: história e imagem. São Paulo: EDUSC, 2004, p 17.
47
REZENDE, Eliana Almeida de Souza. A Cidade e o Sanitarista - imagens de um percurso. In:
Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História, PUC-
SP, 2000, p.265-279.
33

capacidade de sobreviver e de perpetuar a memória. Em outras palavras, “o


momento vivido, congelado pelo registro fotográfico, é irreversível” e jamais se
repetirá. Por outro lado, “os personagens retratados envelhecem e morrem, os
cenários se modificam, se transfiguram e também desaparecem”48. Foi vasculhando
caixas empoeiradas, arrumadas cuidadosamente num velho baú, em um quarto de
sua casa, que Sr. Edivaldo Oliveira, depoente desse estudo, reviveu a inauguração
do Cine Rex, através da cena gravada na imagem, que “contém em si um inventário
de informações acerca de um determinado momento passado”.49 O atelier do
cineasta Tau Tourinho, também guarda uma boa parte da memória santoantoniense,
pois naquele pequeno sótão de dimensão grandiosa em significado, abriga o seu
arquivo particular de imagens que atravessaram os tempos e se mantiveram para
contar a história da cidade. Lá encontrei um rico material fotográfico que apresenta
“sinais e indícios, fragmentos minúsculos de tempo e espaço”50 das vivências
urbanas dos santoantonienses.
Considerando que já não é mais possível se falar em uma história periférica
e uma história central, ou em uma grande história e uma pequena história, o estudo
sobre o espaço da cidade de Santo Antonio de Jesus, no seu processo de
urbanização, não pode prescindir de uma investigação mais acurada, no tocante às
implicações provocadas nos viveres citadinos, nas experiências históricas de
homens e mulheres, cujas identidades são ainda freqüentemente ignoradas. Nessa
perspectiva, esse estudo não tem a intenção de enquadrar a experiência de
urbanização santoantoniense em modelos pré-estabelecidos, pois concordando com
Certeau “a tarefa do historiador nos dias de hoje é encontrar os desvios, avançar na
pesquisa com maior quantidade de material para analisar profundamente para
descobrir o que não é evidente, o que não é modelo”51.

48
KOSSOY, Boris. Fotografia e História: São Paulo, Ateliê Editorial, 2001, p. 155-156.
49
Idem, op. cit. p 101.
50
FRAGA, E. K. C. . A Revolução Constitucionalista de 1932: Fotografia e Memória. Projeto História,
Edusc, v. 21, p. 301-309, 2000.
51
CERTEAU, Michel de. Operação Historiográfica. In: A Escrita da História. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2006, p 86.
34

Partindo da percepção da cidade como texto52, tentou-se, através desse


trabalho, fazer leituras possíveis das vivências dos moradores da cidade de Santo
Antonio de Jesus, entre os anos 1950 a 1970. Para tanto, foi necessário lançar mão
de um conjunto de fontes que, embora não tenham se apresentado como “janelas
escancaradas” ou possibilitassem um “acesso imediato à realidade”, ofereceram
pistas valiosas para decifrar as linguagens urbanas. Isso se tornou possível, através
de um trabalho metodológico orientado por preocupações de historiadores como
Ginzburg, ao tratar as fontes como “espelhos deformantes”53, que carecem “ser
desvendadas para delas extrair o não dito, as entrelinhas e aquilo que
potencialmente permite olhares e leituras diversas”.54
Esta dissertação está organizada em três capítulos. O primeiro capítulo
intitulado Dimensões do campo e da cidade discute a coexistência dos costumes
rurais e citadinos na pequena cidade que começava a se urbanizar, situação que
muito desagradava aqueles que queriam imprimir-lhe uma imagem de civilizada e
moderna. Em contrapartida, a experiência vivida pelos moradores urbanos, que
carregavam fortes vínculos com costumes e tradições rurais e se envolveram em
novas formas de viver na cidade, não passaria despercebida.
O segundo capítulo que leva o título Sobrevivências, tensões e sociabilidades
na urbe santoantoniense, tenta desvendar sociabilidades e práticas de sobrevivência
urbana, negociações e conflitos, como estratégias criadas nas experiências citadinas
da urbanização santoantoniense. Nesse contexto, as relações de solidariedade e
vizinhança foram constantemente re-elaboradas e fortalecidas, a partir das
experiências vivenciadas no ambiente rural. Surpreendidos pelas regras do viver
citadino, os moradores foram reinventando os seus modos de vida e se envolvendo
numa multiplicidade de negociações e tensões para permanecer na urbe.
No terceiro capítulo, intitulado Espaços de luzes, pretende-se destacar o
advento da energia elétrica em Santo Antonio de Jesus, evidenciando alterações
experimentadas pelos moradores nos espaços públicos (ruas, cinema, teatro,
estádio de futebol, etc.) e privados (residências), sobretudo assinalando a sua

52
BARTHES, Roland. Semiologia e Urbanismo. In: A aventura semiológica. São Paulo: Martins
Fontes, 2001, p.219-231.
53
GINZBURG, Carlo. Relações de força: história, retórica, prova. São Paulo: Companhia das Letras,
2002, p. 43-44.
54
FENELON, Déa R.. Cultura e História Social: Historiografia e pesquisa. Revista do Programa de
Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da PUC – SP. São Paulo: Educ,
1981, p.73 – 90.
35

participação nas atividades ligadas ao lazer. Buscou-se investigar os


desdobramentos da utilização da eletricidade na vida material e também nas
práticas e hábitos sociais, procurando, sempre, integrar tais aspectos a outras
conjunturas vividas pela sociedade brasileira no período.
36

CAPÍTULO I: DIMENSÕES DO CAMPO E DA CIDADE

“Era uma vez, uma Vila; Vila de gente pobre, de poucas ruas e
poucas casas e pouca gente; mas gente que quer ser gente,
que quer crescer, quer progredir... e o caminho das tropas que
chegavam a esta vila se tornou o mesmo caminho de trem de
ferro; e, por este caminho, chegou gente e saiu gente; chegou
mais do que saiu; saiu pra ser doutor, senador, governador,
ser gente grande; ficou pra ser gente grande e engrandecer a
Vila. E plantaram muitas Palmeiras; e as Palmeiras cresceram;
e a Vila também cresceu; cresceu quis ser cidade. Virou
cidade, CIDADE DAS PALMEIRAS; pequena, de pouca gente
e de poucas casas; e a capela pequena, capela do Padre
Matheus, cresceu, cresceu virou Matriz; no centro da grande
praça...
... e a cidade cresceu; chegou mais gente; fizeram casas
nasceram ruas, fizeram ruas e bairros...
... e a pequena Matriz cresceu, cresceu se tornou imponente...
... e a gente, que é muita gente, no adro se sua igreja, não se
cansa, não se poupa, de fazer a sua gente cada vez mais
gente grande.”

(Texto do ex-prefeito Ursicino Pinto de Queiroz extraído de O


Padroeiro, folhetim anual da Festa de Santo Antonio, de junho de
1969.)
37

1.1 Leituras da cidade

Entre fins do século XIX e meados do século XX, o Brasil viveu um processo
de intensas mudanças, tanto na vida material, quanto nas formas de compreensão
do tempo e dos espaços público e doméstico, dos hábitos cotidianos, das formas de
percepção da realidade, dos costumes e do comportamento social.55 De um certo
ângulo, pode-se observar transformações estritamente vinculadas à multiplicação de
usuários de energia elétrica.
O clima de desenvolvimentismo e os ideais de progresso propalados pelas
diretrizes políticas nacionais, cujos esforços “deveriam concentrar-se, no sentido de
incrementar o fornecimento de energia e de melhorar o sistema de transportes para
viabilizar o crescimento econômico”,56 encontraram desdobramento em Santo
Antonio de Jesus. A pequena cidade, sobretudo a partir dos anos 1950, com ritmo
próprio, passou a experimentar um processo de urbanização percebido nos hábitos,
costumes e práticas sociais dos santoantonienses.

Os jornais foram, sem dúvida, um dos principais porta-vozes dos discursos


e ideais urbanistas das elites locais. Periódicos como O Palládio, A Voz das
Palmeiras e O Detetive, geralmente dirigidos por pessoas ligadas às camadas
urbanas mais abastadas, freqüentemente veiculavam queixas em relação à
precariedade das condições apresentadas pela cidade, revelando grande
preocupação com a aparência de Santo Antonio de Jesus. Também eram comuns
as denúncias contra a abertura do comércio fora dos horários e dias estabelecidos.
Segundo A Voz das Palmeiras, “muitas lojas abriam suas portas em dias de
domingo e feriado, e nos dias úteis da semana, algumas vendas abriam às seis
horas da manhã, quando o regulamento determinava às oito horas”.57 Não se
observa, entretanto, nessas matérias, uma posição efetiva em defesa dos
trabalhadores. O motivo da insatisfação estaria no fato de que o descumprimento da
legislação afetava a imagem que queriam construir de uma cidade “civilizada”.58
Outro aspecto muito debatido na imprensa era a presença de mendigos e
crianças maltrapilhas nas portas, pedindo esmolas no centro da cidade. Tal

55
Centro de Memória da Eletricidade no Brasil. A vida cotidiana no Brasil moderno: a energia elétrica
e a sociedade brasileira (1880-1930). Rio de janeiro: 2001, p 27.
56
MANTEGA, Guido. A economia política brasileira. Petrópolis – RJ: Vozes, 1984, p 67.
57
“A cidade em revista”. A Voz das Palmeiras. Santo Antonio de Jesus, fevereiro de 1954, p 1.
58
Idem
38

realidade comprometia a imagem positiva da cidade que se queria passar aos


viajantes que a visitavam e que se deparavam com esses “quadros de vergonha”.
Entre 1945 e 1951, no material acessado do periódico O Palládio, considerando os
inúmeros exemplares que se perderam com o tempo pela falta de conservação e
cuidado, foram encontradas dez matérias que sinalizavam o problema das crianças
pobres. Em uma dessas matérias, intitulada “Clama ne cesses“, defendia-se a
“urgência e a precisão de uma colônia correcional para os menores que abundam à
toa nas ruas da cidade”.59
A imagem de cidade “civilizada”, ordeira e harmoniosa, tão defendida nos
periódicos locais, era colocada em cheque com a presença de menores
abandonados nas ruas. Em 1954, uma matéria de A Voz das Palmeiras exasperava
“Já está demais! Mendigos e crianças maltrapilhas, de segunda a sábado em nossas
portas! E a péssima impressão que tudo isso vinha causar aos viajantes vendo na
cidade semelhantes quadros de miséria”.60 Na ocasião, o periódico ensaiava uma
discussão sobre os conceitos de “civilização”, “progresso” e “adiantamento”, numa
crítica veemente ao modismo instalado na cidade por um grupo de jovens
santoantonienses que, em “altas horas da noite, saíam pelas ruas da cidade
cantando, gritando, correndo, urrando cantigas imorais e indecentes e soltando
palavras de fazer mover as pedras”.61
Os rapazes estariam freqüentando as casas de “mulheres de vida livre”, que
ficavam espalhadas por toda a cidade, inclusive nas chamadas “ruas de residência
de família”:

os moços quando para lá vão arrombam portas, quebram tudo de


dentro da casa, gritam, fazem o diabo e as famílias que moram nas
cercanias desses antros, além da perturbação do seu sagrado
sossego, ainda tem que ouvir o diabo e quase presenciar. 62

A mesma nota afirma ainda ser uma perda de tempo pedir providências a
esse respeito, pois os moços dizem que assim fazem porque têm força, o que nos
leva a pensar que se trata de pessoas com certa influência. O periódico
aparentemente critica a ação da polícia em tais circunstâncias, insinuando a
possibilidade de que viesse a prender algum inocente só para dizer que estaria

59
“Clama ne cesses”. O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 24 de novembro de 1950, p 2.
60
“Calúnias brancas”. A Voz das Palmeiras. Santo Antonio de Jesus, 12 de março de 1954, p 1.
61
“A cidade em revista”. A Voz das Palmeiras, Santo Antonio de Jesus, 27 de janeiro de 1954, p 1.
62
Idem.
39

agindo. Situação que nos reporta a uma prática ainda comum nos dias atuais. Mas
conclui afirmando que “os jovens dizem que isto é civilização, progresso e
adiantamento”.63
Pelo que foi possível apurar, as casas de “mulheres de vida livre”
encontravam-se espalhadas por vários bairros residenciais, conforme nos informa
também o Sr. José Santos Vieira, antigo morador da cidade de Santo Antonio de
Jesus. Com 67 anos de idade, Zeca Vieira, como é popularmente chamado, desde
que nascera mora na Rua Wellington Figueiredo, no bairro de São Benedito.
Lembra-se do tempo quando ali ainda era uma grande fazenda gerenciada por seu
pai. Em sua narrativa, percebe-se elementos também destacados pela Voz das
Palmeiras, a respeito dessas casas:

De ponta a ponta onde você fosse não tinha madame fulana de tal
não, onde tinha madame tinha uma puta do lado, uma casa [...]
muito brega. Era a feira de mulheres aqui. Aqui foi um dos lugares
que teve prostituta. A Rua do Gás, tudo era brega, a Maria Nunes,
tudo era brega, Espera Negro, tudo era brega.64

Parece que, em certo momento, a presença dessas casas passou a


incomodar, principalmente aos vizinhos mais próximos que provavelmente preferiam
uma vizinhança mais disciplinada, melhor comportada quanto aos costumes e
normas vigentes na cidade. No interior de uma perspectiva que entende a imprensa
como prática social e momento de constituição/instituição dos modos de viver e
pensar,65 compreende-se que a imprensa local colocava-se como porta-voz dessa
insatisfação, passando a insinuar a necessidade da transferência dessas casas para
um outro local.
É possível perceber que conceitos como “civilização” e “progresso” foram
sendo apropriados de diferentes formas e sentidos, dependendo da visão do grupo
que os utilizava.66 Talvez para os jovens, eles fossem entendidos como o amor livre,
o sexo sem compromisso, a liberdade. Já a imprensa local, tinha uma visão mais
moralista, empresarial e relacionava esses conceitos à idéia de cidade limpa,

63
Idem
64
Depoimento de José Santos Vieira, de 67 anos idade, em maio de 2007.
65
CRUZ, H. de F. reflete sobre as relações entre cultura letrada, periodismo e vida urbana na cidade
de São Paulo, entre os anos 1890 e 1915. In: São Paulo em papel e tinta. Educ, São Paulo, 2000, p
20.
66
Sobre o conceito de apropriação cultural, ver CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano – artes
de fazer. Vol. I, Petrópolis / RJ: Vozes, 1994, p 40.
40

higienizada, disciplinada, que cumpre as leis e que se mostra de forma harmônica,


sem a presença de pobres, mendigos, pedintes e até mesmo de feirantes na praça,
armando suas barracas antes do dia da feira.
Outra situação muito questionada na imprensa dizia respeito à organização
da feira livre. As cobranças insidiam, principalmente, sobre a fiscalização da
Prefeitura, especialmente no que se referia à armação das barracas, que começava
a ser feita “à uma hora da tarde de sexta feira, enfeando e quebrando a beleza da
grande praça”. Pedia-se que essa montagem “só começasse a ser feita sexta-feira à
noite já que era imprescindível a necessidade de amanhecer o dia com elas
armadas”. 67
Ao que parece, a pretensão era distanciar o mercado da praça, que
deveria estar livre e bela aos olhos dos transeuntes:

O antigo [referindo-se ao mercado municipal], da Praça Luiz Viana,


é um pardieiro já condenado pela época, pelo modernismo, pela
marcha progressiva das coisas de serventia pública. Não só é de
dimensões acanhadas, não permitindo todo o serviço ali dentro nos
dias de feira, como é, ainda, um prédio que afeia a praça em
questão. Desfigurando-a de modo incontestável. [...] Um mercado
com aspecto de coisa moderna é o que visamos ao escrever estas
linhas sobre assuntos urbanos. Um mercado, que, por sua
construção, dimensões, divisões, ventilação e higiene desperte
apreciação lisonjeira dos que nos visitam, dos que procuram aos
sábados o ponto em que se faz entre nós a vendagem de todas as
especiarias, cereais e gêneros de primeira necessidade. O antigo
mercado seria então convertido em jardim público, pois aqui temos
um só na cidade, coisa esquisita, aliás, porquanto todo mundo sabe
que Santo Antonio de Jesus é a terra por excelência – das flores.68

Matérias desta natureza eram publicadas insistentemente nos periódicos


locais e, por certo, acabavam por contribuir para a divulgação de um modelo de
organização e funcionamento que queriam implantar na cidade. Fonte de expressão
das elites, a imprensa é uma das instâncias sociais que mais colaboram na
execução dos seus projetos políticos, criando condições favoráveis à aceitação do
seu domínio, através da divulgação de idéias e valores.69 No novo modelo de cidade
não cabia mais a paisagem composta pelo velho mercado, “aquele pardieiro já
condenado pela época”, no meio da praça. Nesse caso, o que estava sendo

67
“A cidade em revista”. A Voz das Palmeiras, Santo Antonio de Jesus, fevereiro de 1954,p 1.
68
“Mercado Municipal”. O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 3 de fevereiro de 1949, p 1.
69
SOARES, Maria do Socorro. A Tarde e a construção dos sentidos. Dissertação de Mestrado em
História, UFBA, Salvador, 2002, p 13.
41

questionado pelo periódico era mais uma vez a imagem da cidade, sobretudo como
ela se apresentava esteticamente para os visitantes.
Numa época em que ainda não havia supermercados, a população
santoantoniense e também de cidades vizinhas, periodicamente, “fazia feira”, ou
seja, adquiria os produtos necessários à subsistência na feira livre. Nela, pessoas de
diferentes origens tanto compravam como vendiam produtos os mais variados.
Inicialmente, a feira livre ficava localizada no centro da cidade. A Praça da Matriz,
atual Praça Padre Matheus, era um local de concentração e grande movimentação
de pessoas, onde encontravam-se o Correio e Telégrafo, a imponente Matriz e o
Cine Glória. Era lá que se realizava a feira, inicialmente apenas aos sábados,
fazendo triplicar o número de pessoas na cidade.

Figura III - Feira de Santo Antonio de Jesus ( Fotografia de Pedro Carmelito –


1957, cedida pelo IBGE-DERE/NE I)70

A imagem em foco sugere que o fotógrafo compartilhava das influências de


idéias referentes à higienização e à disciplinarização que as metrópoles estavam

Extraída de SANTANA, Charles D’Almeida. Fartura e Ventura Camponesas: trabalho, cotidiano e


70

migrações: Bahia 1950-1980. São Paulo: Annablume, 1998. p. 89.


42

vivenciando desde o século XIX, como uma espécie de denúncia, tentando mostrar
a aparente desorganização que existia no espaço da feira. Todavia, seguindo as
pistas, numa tentativa de decifrar a referida fotografia, Santana observou que:

o ângulo escolhido e profundidade de perspectiva na imagem visual


descortinam seu interesse em registrar a pujança da feira de Santo
Antonio de Jesus. Um registro fundado, talvez, numa visão
melancólica que pressentia e já anunciava a sua transferência para
áreas mais distantes do centro da cidade em expansão. Prenúncio
de transformações várias nos modos de viver dos agricultores.
Previsões de mudanças capazes de afastar este importante espaço
social da proteção da igreja imponente, um templo monumental
abençoando a população que circula no mercado.71

Nessa perspectiva, o fotógrafo estaria eternizando, talvez, a última imagem


da antiga feira, onde sobressai certa contigüidade entre o rural e o urbano. Observa-
se a presença de animais e de pequenos caminhões, meios de transporte
geralmente utilizados para conduzir, das zonas rurais e cidades vizinhas, a farinha
de mandioca, o café, o fumo, a carne do sol, as frutas, as verduras, além de flores
como palmas de Santa Rita, rosas, angélicas e gérberas - muitas vezes
transportadas sobre as próprias cabeças -, que faziam da Terra das Palmeiras,
também, a cidade das flores, pela grande quantidade que produzia, matizando com
cores e cheiros o espaço da feira. Apesar de imagens fixas de um instante apenas,
as fotografias sugerem inúmeras histórias, representam uma vida em movimento e
um tempo que não para de passar.72
A história de vida de Sr. Gregório pode ser uma, entre tantas outras
registradas na fotografia. Nascido no vizinho município de Conceição do Almeida, o
Sr. Gregório mudou-se para Santo Antonio de Jesus em 1948, instalando-se com
familiares em um sítio nos arrabaldes da cidade, hoje praticamente integrado ao
espaço urbano. Durante 42 anos trabalhou na feira-livre comercializando carne de
sol. Começou ainda na feira velha. Toda sexta-feira ia, a pé, armar a sua barraca e
voltava sábado bem cedo para vender a carne que, segundo conta, vinha de Castro
Alves. No alto dos seus 99 anos, ele puxou pela memória para assim descrever a
cidade que ele encontrou:

71
SANTANA, Charles D Almeida. Fartura e Ventura Camponesas: trabalho, cotidiano e migrações:
Bahia 1950-1980. São Paulo: Annablume, 1998. pg. 88-89.
72
LEITE, Miriam Lifchitz Moreira. História e Fotografia, p 50. apud SANTANA, Charles D’Almeida.
Linguagens Urbanas, Memórias da Cidade: vivências e imagens da Salvador de migrantes. Tese de
Doutoramento em História. PUC/SP, 2001, p 70.
43

Quando eu cheguei aqui a cidade era uma caixa de fósforos. A feira


era uma bacatelazinha, na rua da Praça Padre Matheus. É tanto que
não tinha higiene, não tinha nada, tinha um mercado velho, tinha
desmanchado a igreja, feito uma igreja nova, mas não tinha
sanitário, não tinha nada. O pessoal se despachava ali mesmo [...] A
rua de meio dia pra tarde, os catingueiros botavam os animais pra
comer capim, ficava tudo sorto. Tinha um carçamento tudo coberto
de capim.73

A descrição de Sr. Gregório converge com a imagem apresentada na


fotografia e acrescenta dados que só a memória e a voz de quem vivenciou
determinadas experiências são capazes de trazer à tona, pois “há verdades que são
gravadas nas memórias das pessoas mais velhas e em mais nenhum lugar, eventos
do passado que só eles podem explicar-nos, vistos sumidos que só eles podem
lembrar”.74
Na fala do Sr. Gregório parece estar implícita a influência de idéias de
modernização e higienização do espaço urbano, contatadas ao longo da experiência
que acumulou como feirante. A sua preocupação em destacar a falta de sanitários,
os animais soltos na rua, ou ainda a ênfase que dá aos adjetivos quando se refere
ao mercado “velho” e a igreja “nova”, aponta um complexo exercício de memória,
sem conseguir estabelecer um tempo linear. As lembranças daqueles tempos estão
sempre misturando-se com o tempo presente, pois “nada é esquecido ou lembrado
no trabalho de recriação do passado que não diga respeito a uma necessidade
presente daquele que registra”.75 Nesse sentido, a forma como a cidade se
apresenta hoje para ele, acaba servindo como parâmetro, levando-o a estabelecer
comparações ao rememorar a cidade de ontem.
O processo de transferência da feira da Praça Padre Matheus para a atual
Praça Duque de Caxias, é relembrado por Sr. Gregório de uma forma que nos
sugere que algumas das idéias expressas em suas lembranças talvez não sejam
originais, mas ”foram inspiradas nas conversas com os outros”.76

73
Depoimento do Sr. Gregório Tavares da Silva de 99 anos de idade, em maio de 2007, morador da
cidade desde 1948.
74
SAMUEL, Raphael. História Local e História Oral. In: SILVA, Marco Antonio. (Org). Revista
Brasileira de História . História em quadro Negro: escola, ensino e aprendizagem. São Paulo:
ANPUH/Marco Zero, vol. 9, nº. 19, setembro de 1989 - fevereiro de 1990.
75
MALUF, Marina. Ruídos da memória, São Paulo: Siciliano, 1995.p 31.
76
BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade : lembrança de velhos. São Paulo: Cia. das Letras, 1994.
p 407.
44

Eu não achei ruim. Não achei ruim porque... Ficou ruim porque os
freguês ficava tudo sem saber a donde era, dispois acertou, pronto.
Segundo disso, quando passou pra a gente cortar carne no garpão
melhorou porque era encoberta. A gente vendia nas barracas de
tauba sabe? Aquilo era um desarranjo enorme. Toda sexta feira
armar, quando era de tarde desarmar e dava prejuízo à gente.
Dispois que fez o arpão, tinha bloco, conforme é até hoje, aí a gente
se desenvolvia melhor. Não, não, ninguém achou ruim porque se a
gente tava no tempo, então passou pra vender debaixo do bloco e
ternit, né, coberto demais. Deu pra todo mundo.77

A posição de Sr. Gregório sobre a mudança da feira começa meio confusa.


Apesar da firmeza inicial ao afirmar que não achou ruim, imediatamente ele lembra
que “ficou ruim porque os fregueses não sabiam onde era”. A infra-estrutura da nova
feira quase conseguiu fazê-lo esquecer esse fato, pois, logo em seguida ele recorda
nitidamente como ficou melhor em um local coberto, deixando de trabalhar “no
tempo”, sem ter que armar e desarmar a barraca toda semana. Segundo Sr.Zeca
Vieira, que comprava carne do sol e outras mercadorias na feira para vender em
Salvador, os feirantes “acharam o maior absurdo do mundo”, consideraram “um
desperdício, uma loucura aquele mundo de terra ali pra fazer a feira”, pois estavam
acostumados com o espaço limitado na Praça Padre Matheus e foram
surpreendidos com toda aquela área. Naquele local “era uma fazenda que tinha
animal, boi, burro [...] e era um fazendão retado, era fazenda mesmo”.78
É provável que tenha ocorrido insatisfação, sobretudo devido ao costume
das pessoas de fazerem a feira ali na praça, perto de tudo, e de repente ter que
andar um pouco mais para chegar até o local, o que pode ter provocado inicialmente
uma queda nas vendas, pelo menos até as pessoas se acostumarem com o novo
local. Entretanto, é possível que Sr. Gregório e outros companheiros seus tenham
sido convencidos da necessidade das mudanças pelas próprias denúncias do
incômodo que a presença da feira causava na praça central. Mas é também
provável que, com o tempo, eles tenham percebido benefícios com a mudança.
Se o funcionamento da feira na Praça Padre Matheus incomodava a alguns,
para outros ela já fazia parte daquele cenário e a sua saída deixaria uma enorme
lacuna, com a ausência de todo aquele burburinho comum nos dias de sábado. Nos
dias de feira a dinâmica de relacionamentos entre o campo e a cidade ficava ainda
mais visível, aprofundando-se a troca de experiências vivenciadas nesses universos

77
Depoimento de Sr.Gregório Tavares, já citado.
78
Depoimento do Sr. José Santos Vieira, já citado
45

inseparáveis; afinal “a cidade se alimenta daquilo que o campo a seu redor produz”79
e, concomitantemente, ajuda a prover o campo com gêneros que ele normalmente
não produz. Do campo, os trabalhadores abasteciam a cidade com farinha, café,
carne do sol e frutas que os feirantes traziam para a cidade; na volta, levavam para
casa querosene, cachaça, tecidos, tamancos, bacalhau, carne de boi fresca,
comprados com o dinheiro da venda de suas mercadorias.
Além da simples troca de mercadorias, as feiras eram também um espaço
de sociabilidade. Nelas discutia-se os mais diversos assuntos, trocava-se
informações sobre parentes e amigos, pilheriava-se, paquerava-se ou simplesmente
batia-se papo. Era o “dia do encontro na cidade” e esses encontros significavam
“comunicação entre lugares e povos e que a troca de bens não se dava sem a troca
de idéias e de prazeres”.80 Essa relação campo-cidade deixa continuamente suas
marcas no espaço vivido, de modo que a vida nas ruas da cidade abriga a presença
do campo, através das vivências rurais trazidas nas mentes e sentimentos das
pessoas que migram para lá e “em suas bordas pulsam viveres rurais, assim como
viveres engendrados na cidade vão penetrando no campo, modificando gestos e
rotinas, transformando olhares e perspectivas”.81
A transferência do mercado pode ser inserida também num processo mais
amplo de divisão e hierarquização do espaço público urbano. Com este fim, outra
iniciativa adotada seria o afastamento das prostitutas das regiões centrais da cidade.
Tentar-se-ia também evitar a penetração das camadas populares nas festas e outros
espaços de lazer freqüentados pelos mais ricos. As lavagens da igreja na festa de
Santo de Antonio, como recordou seu Gilberto Melo, agrônomo e artista que vive há
muitos anos em Brasília, fazem parte desse contexto. Segundo nos informa, eram as

79
Sobre esta relação entre o campo e a cidade, ver Raymond Williams “O Campo e a Cidade: na
história e na literatura”, p.75. Analisando “imagens” e “associações” conectadas a variadas
experiências históricas, Williams percebe que as atitudes inglesas em relação ao campo e às
concepções da vida rural persistiram com um poder extraordinário, de modo que, mesmo depois de a
sociedade tornar-se predominantemente urbana, a literatura, durante uma geração, continuou
basicamente rural; e mesmo no século XX, numa terra urbana e industrializada, é extraordinário como
ainda persistem formas de antigas idéias e experiências”.
80
CARDOSO Carlos Augusto de Amorim & MAIA Doralice Sátyro. Das feiras às festas: as cidades
médias do interior do Nordeste.IN Sposito Maria Encarnação Beltrão (org.). Cidades Médias: espaços
em transição 1.ed. São Paulo: Expressão Popular, 2007..
81
KHOURY, Iara Aun. “Apresentação”. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História
e do Departamento de História da Pontifica Universidade Católica de São Paulo, nº 18, Educ, São
Paulo, 1999, p 9-11.
46

camadas populares que, mais efetivamente, participavam,82 o que sugere uma


espécie de concessão às camadas populares para realizarem sua festa separada,
com os trajes, as danças, as músicas que possivelmente não seriam aceitas na
tradicional procissão do padroeiro.
O mesmo tipo de preocupação pode ser identificado nos apelos pela
construção de um abrigo para guardar as crianças pobres e maltrapilhas,
escondendo-as dos olhares dos visitantes; para que se desse um jeito nos animais
criados soltos pelas ruas, apagando as feições de “quintal” que a cidade
apresentava e pela transferência dos feirantes desarrumados e suas barracas que
enfeavam a Praça Padre Matheus para outro lugar, afastando-os da “sala de visita”.
Afinal, “as cidades são como as mulheres, os homens só as disputam e se
apaixonam quando elas se apresentam bem tratadas, enfeitadas e sedutoras”.83
Essa era a imagem que os políticos, empresários, comerciantes queriam imputar a
Santo Antonio de Jesus: uma cidade limpa, bonita e bem tratada, capaz de atrair e
seduzir cada vez mais pessoas para desfrutar dos produtos e serviços que oferecia.
Os melhoramentos efetivados intensificaram a oferta de serviços urbanos e
a cidade começou a receber um número crescente de pessoas que saíam do campo
em busca de escolas, atendimento na Santa Casa de Misericórdia, oportunidades de
trabalho em lojas, armazéns, feira livre, diversão no cinema, shows e festas.
Mudanças que se fizeram acompanhar de outras alterações, notadamente na
arquitetura urbana, no ritmo de vida, nas práticas de trabalho, no lazer, no cotidiano
do espaço público e do privado.

1.2 Reformas Urbanas

Um conjunto de reformas urbanas empreendidas pelo poder público fazia


parte dos projetos e iniciativas que tinham como objetivo oferecer à cidade ares de
urbanidade, capazes de atrair e de seduzir pessoas, ao mesmo tempo em que
redimensionava as vivências citadinas. O olhar aqui lançado sobre essas vivências
privilegia algumas reformas que redefiniram espaços e costumes em Santo Antonio
de Jesus. À medida que novos elementos como a eletricidade, a água encanada,

82
Depoimento de Seu Gilberto Mello, 25 de maio de 2007.
83
A cidade em revista. A Voz das Palmeiras. Santo Antonio de Jesus, 12 de março de 1954, p 1.
47

uma nova arquitetura foram entrando na vida das pessoas, elas experimentaram,
vivenciaram e consumiram essas novidades dando-lhes, porém, novos significados.
Modificaram, portanto, os comportamentos, hábitos e costumes, na perspectiva da
“conjugação entre o efêmero e fugidio e o eterno e imutável”,84 para assim
constituírem suas práticas sociais.
Embora os projetos das reformas urbanas santoantonienses possam ter sido
pensados por uma parcela pequena da cidade, representada por empresários,
políticos e demais autoridades locais, a participação dos sujeitos que receberam, re-
significaram e vivenciaram esse processo, acabou transformando essas
experiências de urbanização numa construção social.
Recuando um pouco o olhar para o final dos anos 1930 e início da década
de 1940, observamos que a cidade de Santo Antonio de Jesus correspondia à Praça
Padre Matheus e algumas ruas adjacentes, formando um pequeno aglomerado de
casas residenciais e comerciais, conforme o desenho apresentado a seguir.

Av
en
ida
Lu
iz
Ar
go
lo
Rua Espera Negro (R. St°Antônio)
Rua Mª Nunes (R. Ant° Fraga)
BA-028
Rua P r ude nte d e M o r ae s ar
asp
re s

G
li x
co

Rua
a va

Fe
ran

We lli
ngton Casco
a Rua do
o T
o B

Rua de Cima ( Rua R aç Figue


ui Barbosa) Rua Pr ired
n d
Ri

Sil o
vaJa
a

rm a

rdim

Rua Chile (Rua


Almeida
Pr

La
Barros e
a A

ndulf
o Alv
es) Ave nida o do o
Ru

La rg Bene dit
Ru
ad

Praça Luiz Viana Av


en São
aC

id a
(Praça Padre Mateus) Lu
onc

Rua S iz
ete de Via
Setem
ei

bro na
ç ão

Rua Tiradentes

Rua C astr o Alv e s


(Rua d a s Q ueim a da s )

Figura IV: Croqui da cidade de Santo Antonio de Jesus – alguns logradouros


dos anos 1940 - 1950. Editoração: Zaca Oliveira.

84
HARVEY, David. Condição Pós-moderna, Edições Loyola, São Paulo, 1992, p 21.
48

A população urbana era composta por 9.052 habitantes.85 O Mercado


Municipal, no centro da praça, era o principal fornecedor de farinha, feijão, carne,
café, frutas e verduras; a Loja Celeste propagava que vendia “o melhor sapato do
Brasil feito na Bahia”;86 a Loja das Estrelas se encarregava dos tecidos finos, linhas
e demais aviamentos para costura; a Loja Bahia abastecia a população com tecidos,
perfumarias, chapéus, calçados, brinquedos, ferragens e artigos correspondentes ao
ramo de miudezas. Havia ainda a Casa Imperial, que oferecia artigos para vestidos,
casemira, calçados, brins, a Casa do Povo que fornecia bebidas, a Padaria Vitória, o
Café Santo Antonio que entregava também em domicílio, além de armazéns de
compra e venda de fumo e café, entre outros.
A imagem apresentada na fotografia a seguir permite visualizar alguns
aspectos do cotidiano “pacato” da pequena cidade, que ainda abrigava suas casas
comerciais nos casarões centenários que integravam a arquitetura do início do
século XX.

Figura V: Aspecto da Rua de Cima nos anos 1940, atual Rua Ruy Barbosa.
Foto do arquivo pessoal de Tau Tourinho.

85
Dados do IBGE e SEI 2001.
86
O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 6 de outubro de 1938, p 3.
49

Dimensões do campo e da cidade podem ser percebidas a partir dos


elementos que se misturam na imagem, como a pavimentação das longas ruas
calçadas, a movimentação de pessoas nas portas das lojas, a presença dos animais
- responsáveis pelo transporte daqueles que vinham das roças negociar na cidade.
O paletó, o chapéu e as botas sete-léguas, trajes indispensáveis àqueles que
mantinham fortes relações com o viver urbano, indicam também o abreviamento da
distância entre as fronteiras que demarcam os dois mundos.
Nesse cenário urbano, o lazer e a diversão ficavam, sobretudo, por conta
das festas. Na Rádio Sociedade Palmeirópoles, que funcionava na Rua Sete de
Setembro, aconteciam os bailes sociais das camadas mais abastadas. No
calendário de festas religiosas estavam a do Padroeiro Santo Antonio, de São
Benedito, de São José e do Senhor do Bonfim, patrono da Filarmônica Amantes da
Lira. Havia também a micareta, os ternos de reis, as festas juninas e as festas de fim
de ano. Eram diversões garantidas as apresentações das filarmônicas Amantes da
Lira, Carlos Gomes e do Jazz Tupi. Também faziam parte do lazer santoantoniense
o Cine Glória, o Cine Rex, os passeios de recreio a bordo de trem para cidades
vizinhas e o futebol que atraía, aos domingos, uma multidão para o campo do
matadouro e mais tarde, para o Estádio Municipal.
O Hospital da Santa Casa de Misericórdia, situado na Avenida Luiz Argolo,
e alguns consultórios médicos localizados próximos ao centro prestavam assistência
médica à população, dividindo espaços de cura com os curandeiros. Havia ainda
uma agência bancária, escolas primárias, pequenas escolas de costura espalhadas
nas ruas centrais.
A água chegava até as casas das pessoas através dos aguadeiros ou dos
próprios moradores que iam buscá-la na Fonte Santo Antonio, ali bem próximo da
Praça Padre Matheus, onde ainda hoje podem ser encontradas algumas pessoas
lavando roupas ou carros; ou na Fonte Maria Nunes, um pouco mais afastada da
praça, localizada na Rua Maria Nunes, atualmente denominada Rua Antonio Fraga.
Água encanada ainda era um problema a ser resolvido. Em 1938, o jornal O Palládio
anunciava o comprometimento do poder público com a realização de obras para o
abastecimento de água. De acordo com o periódico, “Santo Antonio de Jesus
50

precisava de um serviço de água à altura das cidades adiantadas do Estado”87.


Destarte,

Dando mão forte à obra da água, que vem melhorar a cidade, de


modo progressivo, no sentido hygiênico principalmente, o governo
da cidade em ação conjunta com o do Estado, promette a Santo
Antonio de Jesus esse commettimento.
Obra de utilidade geral, nivelando Santo Antonio às outras
localidades já providas deste grande recurso que se liga de perto
aos interesses vitais do povo, a perspectiva em que estamos, a
respeito, é a mais sympática e prazeirosa de quantas podiam nos
dominar o espírito. 88

Assim, a higiene era um dos requisitos exigidos a uma cidade que pretendia
alcançar o status de adiantada e a instalação do serviço de água encanada
garantiria melhoramentos nesse aspecto. A nota vincula a água encanada a uma
“utilidade geral” ou a “interesses vitais do povo”. Mas será que o projeto, ora em
andamento, incluía a grande maioria da população da cidade, sobretudo aqueles
moradores das áreas mais afastadas do centro?
Embora a concessão de financiamentos para implantação de rede de água
encanada nos municípios fizesse parte da pauta política desenvolvimentista, do
governo do estado na época, não foram poucos os percalços enfrentados para a
realização desse fim. Quase um ano depois de o prefeito e médico Gorgônio José
de Araújo ter assumido um compromisso público quanto à questão da água, O
Palládio informava, em tom eloqüente, a chegada de engenheiros e do diretor do
Serviço de Águas para inspecionar a primeira perfuração. Estes, depois de
inteirados das condições locais, definiram que a primeira perfuração seria feita
naquele mesmo dia ou no dia seguinte, em terrenos situados ao lado do prédio da
Usina Elétrica, na Rua Chile, no mesmo local onde atualmente funciona a
COELBA.89
Ainda em relação à década de 1930, campanhas pela reabertura do
Hospital da Santa Casa de Misericórdia são matérias recorrentes nos periódicos
locais, chamando a atenção para a necessidade de melhoria dos serviços de saúde
da cidade. Nos casos da luz e da água, essas campanhas destacaram-se pela

87
“O problema da água”. O Palládio, nº. 1879, Ano 37, Santo Antonio de Jesus, 6 de outubro de 1938,
p 4.
88
Idem
89
“A água em Santo Antonio de Jesus vai ser uma realidade”. O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 14
de julho de 1939, p 2.
51

criação de um forte clima de mobilização social. Na reinauguração teve missa


celebrada pelo padre Osvaldo da Silva Ramos, que benzeu as enfermarias,
quermesse patrocinada pela Congregação Mariana, discursos de agradecimento e
sons apresentados pela Filarmônica Amantes da Lira.90
A longa trajetória percorrida até chegar a esse momento contou com a
caridade daqueles que contribuíram financeiramente, bem como dos que se
envolveram e se dedicaram na organização de festas, passeios de recreio, sessões
de cinema, feiras, quermesses em prol da reforma. O dia da reabertura do Hospital
foi um dia de festa na cidade. A Mesa Administrativa da Santa Casa convidou as
autoridades, as sociedades locais, o professorado, a Congregação Mariana, as
bandas de música, todos os irmãos da Casa, as famílias e o povo para assistirem à
solenidade.91
O hospital era uma obra de interesse geral para os habitantes do município
e de toda região. Não era um lugar para atender apenas pobres, condição que
provavelmente estimulou as iniciativas realizadas para arrecadar fundos, contando
com a participação de pessoas ligadas ao poder político, religioso e econômico
local.
Já na década de 1940, a Santa Casa de Misericórdia aumentou suas
campanhas de donativos com a meta de construir o pavilhão de cirurgias, onde
seriam instalados os serviços de raio X e salas de operação. Motivado por esse
apelo, o Dr. Otávio Soveral, Vice-Provedor do hospital, instalou, durante dois dias,
numa casa espaçosa na Praça Félix Gaspar, próximo à antiga estação, o cinema
que mantinha nas minas de manganês, ficando os resultados das entradas para
auxílio das obras.92
A ampliação da Santa Casa e a abertura do cinema nas proximidades da
estação são dois indicadores daquilo que os santoantonienses começaram a
vislumbrar nos finais dos anos 1940. Esse importante processo de remodelação do
seu espaço urbano seria intensificado nas duas décadas seguintes. À medida que
obras iam sendo realizadas, a cidade adquiria novas feições. A pequena cidade que
se assemelhava a uma grande fazenda passou a ganhar contornos e expressões
novas. O conjunto de reformas na cidade alterou de forma significativa o cenário até

90
“A Santa Casa, afinal, renasce!“. O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 12 de agosto de 1939, p 1.
91
Idem.
92
“Uma diversão visando a caridade”. O Palládio, nº. 2319, Ano 48, Santo Antonio de Jesus, 6 de
setembro de 1949, p 2.
52

então existente e deu origem ao moderno espaço urbano, interferindo no cotidiano


das pessoas que viviam ou apenas transitavam por ela. Nessa perspectiva, a
mudança de paisagem significa muito mais do que uma série de alterações nas
características das construções, das vias de circulação, do traçado das ruas,
representando o estabelecimento de uma nova relação entre as pessoas e o seu
espaço.93
Espaço que ganhava novos desenhos a partir de desapropriações pelo
poder público municipal para fins de construção de prédios na região do centro da
cidade. Afinal, “as cidades são antes de tudo uma experiência visual”.94 Entre as
intervenções realizadas com tal finalidade, encontra-se a autorização do prefeito
Antonio Fraga, empresário, eleito no ano de 1956, de desapropriar uma área de um
terreno pertencente à família do médico Gorgônio de Almeida Araújo, na Rua
Monsenhor Francisco Manoel, medindo 20 metros de frente a fundo, para
construção do prédio dos Correios e Telégrafos, considerada uma obra de utilidade
pública e de extrema urgência.95 Também faz parte desse processo a
desapropriação, em 1951, de uma parte do prédio nº. 2, situado à Rua Armando
Tavares, pertencente ao Sr. Belarmínio Américo Franca, demolido para efeito de
alinhamento da referida rua96. Ou ainda a desapropriação, no mesmo ano, do prédio
nº. 7, da Rua Dr. Gorgônio José de Araújo, de propriedade do Monsenhor Francisco
Manoel da Silva, para construção de um “moderno” edifício destinado ao
funcionamento do Banco Econômico S/A.97 Embora a documentação encontrada
não nos permita afirmar que esses prédios possuíam algum valor histórico, a
ausência de processos na justiça e também de maiores desdobramentos sobre o
assunto nos jornais locais, ou de algum tipo de mobilização contra a demolição,
pode ser um indício de que se tratava de imóveis que representavam significado
apenas para os seus proprietários.

93
LUCAS, Meize Regina de Lucena. Imagens do Moderno: o olhar de Jacques Tati. São Paulo:
Annablume; Fortaleza: Secretaria da Cultura e Desportos, 1998, p 65.
94
BRESCIANNI, Maria Stella M.. História e Historiografia das Cidades, um Percurso. In:FREITAS,
Marcos Cezar (org). Historiografia Brasileira em perspectiva. 5ª. ed. São Paulo: Contexto, 2003.
95
Lei nº 15 de 7 de fevereiro de 1956. Arquivo Público Municipal de Santo Antonio de Jesus, Livro de
Leis, Decretos e Portarias da Prefeitura Municipal de Santo Antonio de Jesus.
96
Lei nº. 5 de 1º de junho de 1951. APMSAJ, Livro de Leis, Decretos e Portarias da Prefeitura
Municipal de Santo Antonio de Jesus.
97
Lei nº. 02, de 1º de junho 1951. APMSAJ, Livro de Leis, Decretos e Portarias da Prefeitura
Municipal de Santo Antonio de Jesus.
53

Ainda que eventualmente essas desapropriações pudessem carregar


interesses de perseguições a adversários ou favorecimento a aliados políticos, elas
não deixaram de representar despesas para o poder público municipal, que recorria
a empréstimos para pagá-las. As intervenções municipais e seus respectivos custos
eram justificados pela necessidade de dar à cidade um caráter de civilizado e
moderno, conforme podemos observar em inúmeras matérias de jornais à época,
legitimando a derrubada de uma memória arquitetônica que pouco restou. No
Palládio, periódico local de maior tempo de circulação, que foi editado por 50 anos,
de propriedade do jornalista Antonio Mendes, é notável a presença de matérias
difundindo essas idéias, ao mesmo tempo em que comparavam o ritmo de
“civilização” das cidades. As conotações que a palavra “civilização” assumia no
contexto da urbanização de Santo Antonio de Jesus estavam associadas a múltiplos
aspectos tecnológicos, ao refinamento dos hábitos, vestuário, entre outros.98
Jornais locais registraram a passagem da década de 1940 para 1950 como
uma fase de crescimento em Santo Antonio de Jesus. A cidade estava avançando
na organização do seu espaço urbano para alcançar aquilo que era considerado por
algumas autoridades da época como cidade adiantada: construções de estradas de
rodagem e de ferro, calçamento a paralelo das principais ruas, reconstrução da
cadeia pública, construção de novos prédios e abertura de estradas para o interior
do Município.99
Fazia parte desse conjunto de modificações urbanas, a construção da nova
Igreja Matriz, obra que mobilizou a participação dos fiéis católicos que não
pouparam contribuições. Os fortes apelos do padre nos seus sermões e das
comissões responsáveis pelas obras, através da imprensa, convenciam os
seguidores do padroeiro Santo Antonio a disponibilizarem animais ou outros bens
para os famosos leilões. Bois, carneiros, porcos, perus, galinhas, queijo, goiabada,
uísque, bolos eram alguns dos prêmios doados pela comunidade. Os leilões podiam
acontecer antes ou durante as trezenas. Um palanque todo ornamentado era
armado em frente à igreja, onde ficavam os prêmios, o leiloeiro e a comissão
responsável. Ao redor, autoridades locais, fazendeiros, comerciantes, empresários,
populares dividiam espaço para dar seus lances e adquirir os produtos ou apenas

98
De algum modo podemos aproximar o período aqui estudado com as reflexões de Nicolau
Sevcenko em relação ao termo “moderno” que passa a ser corrente no uso cotidiano dos anos 1920.
Ver do autor Orfeu extático na metrópole, São Paulo, 1922, p 227-231.
99
“A Nova Matriz”. O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 4 de março de 1949, p 1.
54

para participar da festa que incluía, dentre as suas distrações, barraquinhas,


quermesses e bandas musicais.100
Listas circulavam pela cidade e adjacências, com os nomes dos prováveis
doadores, que dificilmente retornavam em branco. Não se sabe até que ponto essas
contribuições eram movidas apenas pela fé. Sabe-se, entretanto, que o folhetim
anual, O Padroeiro, produzido pela igreja com o objetivo de divulgar a programação
da festa, e também os periódicos locais, publicavam os nomes dos contribuintes
com suas respectivas quantias,101 atribuindo-lhes certo status e notoriedade, até
porque, como advertiu Thompson, “um ato de doar deve ser simultaneamente visto
como um ato de ganhar”.102
Por ser um espaço de portas abertas para todos, a igreja atraía ricos e
pobres, criando um forte vínculo da população com a matriz; a festa do padroeiro
Santo Antonio, celebrada durante treze noites, no mês de junho, levava e ainda leva
muitos fiéis todas as noites ao templo. Comissões eram encarregadas da
ornamentação das fachadas das casas, passeios e ruas por onde a procissão iria
passar, o que gerava uma disputa na qual vencia a rua mais bonita. Durante os
treze dias de festa, cada noite era patrocinada por determinadas instituições ou
segmentos da sociedade. Havia a noite das escolas, dos comerciários, dos
funcionários públicos, dos motoristas e mecânicos, dos fazendeiros, comerciários,
artistas, bancários, entre outros.103 Tudo isso promovia uma aproximação das
pessoas com a igreja que seguia em construção, proporcionando encantamento aos
passantes.104
Com os esforços do vigário e da comissão responsável pela obra e com os
donativos dos mais diversos segmentos da população, apesar de pairar algumas
suspeitas de desvio do dinheiro arrecadado,105 o prédio da nova igreja foi erguido,
causando impacto aos que visitavam a Praça Padre Matheus. D. Maria Soares de
Jesus, mais conhecida como D. Senhora, reside em Santo Antonio de Jesus desde

100
“Diversões Populares”. O Padroeiro. Santo Antonio de Jesus, 1º de junho de 1944, p 3.
101
Idem
102
THOMPSON, E. P. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos, Editora Unicamp, Campinas –
SP, 2001, p 252.
103
Os exemplares de O Padroeiro, folhetim anual produzido pela Igreja Católica, trazem
detalhadamente a programação do Trezenário de Santo Antonio com os nomes dos responsáveis por
cada noite.
104
“A Nova Matriz”. O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 4 de março de 1949, p 1.
105
“A consciência popular da cidade de Santo Antonio de Jesus”. O Palládio, 4 de dezembro de
1942, p 1.
55

pequena, quando sua família, fugindo da seca no município de Ipirá, encontrou


abrigo e trabalho numa fazenda nos arrabaldes da cidade. Fazia charutos em casa
para vender e também trabalhou nos armazéns de fumo. Para ela, era uma obra
bonita de se ver e causava deslumbramento. Assim, lembra quando a torre da igreja
foi colocada:

Num dia de segunda feira eu vim na rua que eu ia comprar um


vestido [...] Tinha aquele bando de gente ali. Eu perguntei ao
homem. Alguma novidade? Ele disse: – Não é a igreja nova? [...]
Tava botando a pedra daquela nova igreja que ta ali. Graças a
Santo Antonio eu vi botar a pedra, vi fazer, na primeira missa eu
tava lá. A primeira missa daquela igreja nova foi com o padre
Gilberto Sampaio Piton, que se formou em Salvador [...] Mas foi
gente!!106

Ir ao centro da cidade, para além da intenção de fazer compras, significava


tomar contato com as novidades. As rememorações de D. Maria Soares, moradora
da Joeirana, bairro afastado do centro e próximo à BA 028, que liga Santo Antonio
de Jesus a Nazaré, evidenciam um pouco como certas pessoas que viviam longe do
centro, recebiam e viam essas obras modificadoras do cenário urbano. A
curiosidade, registrada na memória, pois “tinha aquele bando de gente ali”, indica
que as pessoas comuns não estavam alheias aos fatos. Estavam lá, nas rodinhas
de conversa, emitindo opiniões favoráveis ou contrárias. Sua expressão “Mas foi
gente!”, evidencia que muitos estavam presentes também na primeira missa
celebrada na nova igreja, ocasião em que provavelmente inaugurou o seu vestido
novo. É possível notar na sua fala uma forte carga de satisfação, sobretudo, ao
afirmar “eu vi botar a pedra, vi fazer, na primeira missa eu tava lá”, um forte
sentimento religioso de pessoas das camadas populares e o seu envolvimento com
a construção do templo católico, que ainda em 1º de junho de 1954 apresentava-se
sem a torre, conforme mostra a fotografia:

106
Depoimento de D. Maria Soares de Jesus, em nov. de 2007, de 84 anos de idade, moradora da
cidade desde os sete anos.
56

Figura VI – A Nova Igreja Matriz [O Padroeiro – folhetim anual da Festa de Santo


Antonio]107

A imagem é da primeira página do folhetim anual da Festa do padroeiro, no


ano de 1954, compondo uma matéria sobre o andamento dos trabalhos para
conclusão das obras da nova Igreja Matriz. Entretanto, imagens fotográficas trazem
em si não a reprodução mecânica e objetiva de um fato real, mas sim uma
reconstrução, uma representação de uma realidade,108 Sendo assim, quais
motivações estariam envolvidas no momento de sua produção? Considerando o
conjunto da qual a foto é parte integrante, teria sido intenção do fotógrafo criar uma
imagem capaz de sensibilizar os fiéis, tendo em vista a oferta de doações que
seriam utilizadas na construção da torre? A imagem estaria indicando até onde a
obra já havia chegado com as doações e o que restava para a sua conclusão? A
obra da matriz estava quase concluída, faltando para isso apenas alguns cruzeiros,
portanto era preciso reforçar a necessidade das contribuições e talvez a imagem
pudesse ajudar a transmitir essa mensagem aos fiéis.

“A Nova Igreja Matriz”. O Padroeiro, Santo Antonio de Jesus, 1º de junho de 1954, p 1.


107
108
LACERDA, A. L.. Os sentidos da imagem: Fotografias em arquivos pessoais. Acervo, Rio de
Janeiro, v. 6, n. 1-2, 1993, p 44.
57

Se ainda hoje a imagem fotográfica pode causar a sensação de que uma


parte importante na composição do conjunto da obra estava faltando, quais
sentimentos não teria provocado nos fiéis ao olhar para aquela construção grandiosa
inacabada, que, esteticamente, pedia o complemento? Na Praça Padre Matheus,
era para o templo majestoso que convergiam os olhares dos santoantonienses; além
da notável imponência da obra, havia certo orgulho por parte daqueles que durante
o longo período de construção atenderam aos apelos, contribuindo como podiam
para essa causa. Os pedidos de donativos naquele momento eram para a
construção da torre e para a compra dos sinos, pois a obra deveria ser concluída até
o final do ano.109
A construção da nova igreja fazia parte do processo de remodelação do
espaço vivenciado pela cidade, em que as obras de calçamento também tiveram um
significado importante. Em nota de O Palládio de 1949, vigilante, preocupado em
acompanhar, passo a passo, as obras, mencionava que a nova Rua Armando
Tavares, uma das mais centralizadas, estava com o seu calçamento a
paralelepípedo quase concluído e que a seguir iniciaria-se o calçamento da Rua
Santo Antonio,110 também nas proximidades do centro urbano.
Entre os serviços de utilidade pública, executados pela prefeitura, o
calçamento de algumas áreas era uma reclamação que começava a ser atendida,
“no sentido de dar uma feição especial de elegância e progresso a terra em que
habitamos”.111 O prefeito Antonio Fraga na sua primeira administração (1947 -1951),
apresentou mensagem à Câmara dos Vereadores na qual relata suas atividades
referentes ao exercício de 1949 e relaciona as obras de calçamento de áreas
próximas ao centro, como a Rua Armando Tavares, a Praça Rio Branco, o leito da
Estrada de Ferro Nazaré, e pavimentação de ruas mais afastadas, tais como
Conceição, Velha de São Benedito, das Queimadas, da Passagem, São José, Ponto
Chique, Bela Vista, Machado Bitencourt e Travessa para a Rua da Linha.112 Outros
melhoramentos ocorreram na Travessa Dois de Julho, que também recebeu

109
“A Nova Igreja Matriz”. O Padroeiro, Santo Antonio de Jesus, 1º de junho de 1954, p 1.
110
“Melhoramentos”. O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 25 de abril de 1949, p2.
111
“Vida Urbana”.O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 21 de março de 1949, p 2.
112
“Relatório das atividades no exercício de 1949”.O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 10 de maio de
1950, p 2 .
58

paralelepípedos, o que representou uma importante medida, pois no inverno era


aquela mais suscetível a alagamentos naquela época.113
Permeada pela idéia de “destruição criativa”, que “se baseia na
desvalorização ou destruição forçada de ativos antigos para abrir caminhos
novos”,114 a construção do novo mercado talvez tenha sido a obra mais polêmica da
cidade. Portanto, é um tema que merece ser retomado, do ponto de vista das
implicações que essa mudança trouxe para o viver citadino.Trata-se de uma luta já
travada pelo Palládio, desde os anos de 1920. Na publicação de 26 de janeiro de
1921, clamava por um novo mercado e afirmava que a demolição do barracão
municipal era uma medida de acerto para a estética da Praça Luiz Viana [atual
Praça Padre Matheus]. De acordo com o periódico, o barracão antigo era uma
construção do final do século XIX,

tempo em que a praça era uma espécie de brejo ninguém a


transpunha sem dificuldade, havia poças, musgo e lama, e a opinião
geral na cidade era que o barracão devia ali ser edificado. E assim
se sucedeu. Hoje o aspecto da praça é outro, são outros os tempos,
outras as exigências do progresso, e tudo indica e exige sem
hesitações a demolição daquela intendência [referindo-se ao prédio
do barracão] da praça principal da cidade [...] O mercado deve ser
feito em linha com os prédios que estão enfileirados ao lado direito
da praça [...] desaparecendo do meio da praça o barracão
antiquado. E então seja levantado o mercado higiênico e decente. 115

Se no final do século XIX, a presença do barracão na praça principal atendia


às necessidades daquele momento, no século seguinte esse quadro iria se alterar,
com as transformações provocadas no espaço da cidade e particularmente da praça
central, então projetada para ser o cartão-postal da cidade. O prédio do mercado ali
no “meio da praça” tornara-se, na visão de alguns, um incômodo que precisaria ser
removido. Defendia-se a demolição “daquele obsoleto barracão, verdadeiro
monstrengo, que tem dado motivo a tanta chacota por parte dos que transitam por
aqui”.116
Na visão daquelas pessoas, a melhoria da imagem da cidade justificava a
demolição do prédio; não cabia, em uma cidade urbanizada, aquele “prédio sem
arte, abarracado e feio [...] despertando o reparo, a crítica, a censura, de quantos

113
“Melhoramentos”. O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 13 de outubro de 1951, p 2.
114
HARVEY David. Op. cit., p 210.
115
“Mercado Municipal”. O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 26 de janeiro de 1921, p.1.
116
“Precisamos de um Mercado”. O Nazareno, Cidade de Nazaré, Bahia, 14 de março de 1957, p 3.
59

visitantes percorrem a cidade, de quanto hóspede divaga e passeia pela nossa


urbe”.117 O desaparecimento do barracão implicava na transferência da feira, que
funcionava dentro e ao redor dele, para um outro local. Isso mexia com o espaço de
trabalho dos feirantes da própria cidade, do campo e de cidades vizinhas que
vendiam farinha de mandioca, feijão, café, fumo, frutas, verduras e demais gêneros
de primeira necessidade. Seria preciso convencer aquelas pessoas da necessidade
da transferência. Incorporou-se, por isso, ao argumento da beleza, as questões da
higiene e da segurança.

Até que enfim foram iniciadas as obras de terraplanagem do local


em que será construído o Mercado Municipal. Outra não deveria ser
a atitude do executivo senão essa, pois é uma exigência da
população a construção do novo mercado, para que o “Monstrinho
da Praça” seja demolido, principalmente agora que já está se
colocando em perigo a vida de todos aqueles que são forçados a
irem até lá aos sábados, pois conforme já noticiamos e continuamos
a insistir, além da falta de higiene lá reinante, as paredes estão
desabando.118

Para desqualificar o antigo espaço, usou-se como argumento a feiúra, a


falta de higiene e até mesmo um suposto perigo de desabamento. Até que na
administração municipal de Florentino Almeida (1967-1971) começou a obra de
construção do novo mercado, na praça onde atualmente funciona a feira. Porém,
desde 1958 já havia sido aprovado um plano de obras para ser realizado, num
período de cinco anos, que incluía a construção de um Mercado Público na sede do
município. 119
Apesar da afirmação insistente dos periódicos de que um novo mercado era
uma “exigência da população”, essa mudança certamente não foi recebida com
unanimidade. É possível que inicialmente alguns feirantes tenham resistido a essa
mudança, temendo prejuízos financeiros. Em uma matéria do Jornal da Cidade,
defendendo “a necessidade da mudança da feira”, nota-se toda uma preocupação
em defender a justeza dessa mudança. Alguns comerciantes locais, donos de
vendas, contudo, viam na transferência da feira uma possibilidade de queda nos
seus negócios. Na nota, argumentava-se que “Nazaré, Jequié, Cruz das Almas e

117
“Notícias santantonienses”. Jornal da Bahia, 1968.
118
Idem.
119
Lei nº. 01 de 13 de fevereiro de 1958. Livro de leis, decretos e portarias de Santo Antonio de Jesus
1956-1963. APMSAJ.
60

outras tantas cidades tiveram as suas feiras transferidas de local e o comércio não
saiu em perseguição da feira. E o comércio dessas cidades não pereceu”.120 O medo
e a resistência inicial de alguns donos de vendas e feirantes não foram suficientes
para impedir que o projeto fosse levado adiante. Mas, podem ajudar a explicar,
acrescido ao argumento da falta de recursos, por que a obra teria demorado tanto
para ser realizada, já que desde as primeiras décadas do século XX havia o clamor
da imprensa e de autoridades para que acontecesse.
A memória oral de personagens envolvidos no episódio da transferência da
feira guarda sentimentos marcados por insegurança, incerteza e medo. Medo do
desconhecido, do que estava por vir. Dimensões e práticas de resistência podem ser
identificadas na reação declarada dos sujeitos, contrária à medida do prefeito
Florentino Almeida, considerado um “louco”, por muitos, naquele momento. Segundo
Sr. José Elias, que trabalhou medindo as terras da fazenda transformada em feira, a
insatisfação e a reprovação à decisão tomada, atingiu muita gente, incluindo
comerciantes, feirantes e até a Câmara dos Vereadores. Argumentavam que o novo
local “não valia nada” por ser distante, entretanto, “o prefeito não aceitou e botou pra
lá” mesmo121. Assim, a Praça Padre Matheus começava a ganhar novas feições.
Enfim, a fisionomia da cidade ia sendo modificada na medida em que se
tentava implantar melhoramentos nos serviços de água, energia elétrica, calçamento
de ruas, entre outros. Durante a década de 1950, por exemplo, os serviços de água
encanada ainda não haviam avançado. O seu regulamento só foi aprovado no
município na década de 1960.122 Somente em 1973, a Prefeitura firmou com a
Empresa Baiana de Águas e Saneamento S. A. – EMBASA termo aditivo e de re-
ratificação ao convênio de concessão dos serviços de águas e esgotamento
sanitário, celebrado em 8 de junho de 1965, com o Departamento de Engenharia
Sanitária do Estado da Bahia.123 Isso nos sugere que o caminho percorrido pela
água desde a perfuração dos poços, ainda na década de 1930, até chegar às
torneiras das casas foi um processo demorado, marcado pela morosidade muito
comum das obras públicas.

120
“Se eu fôra prefeito”. Jornal da Cidade. Santo Antonio de Jesus, 18 de março de 1962, p 2.
121
Depoimento de Sr. José Elias Silva Santos de 91 anos de idade. Entrevista realizada em 2 maio de
2008.
122
Livro de Registro Diário do Expediente do Prefeito de Santo Antonio de Jesus 1964 -1966.
APMSAJ.
123
Lei nº. 11 de 27 de outubro de 1972. APMSAJ. Maço de Leis do ano 1972 da Prefeitura de Santo
Antonio de Jesus.
61

1.3 Redefinindo espaços e costumes

A ausência de um serviço de abastecimento de água deixava a cidade fora


do ranking das mais adiantadas. A sua implantação significava, para as autoridades
locais, colocá-la no mesmo nível daquelas que já o possuíam. Na prática, a medida
estava inserida no projeto de higienização do espaço urbano, pois a água deixaria
de ser transportada por animais conduzidos pelos aguadeiros, ou mesmo nas latas e
potes sobre as próprias cabeças das pessoas, pelo menos nas áreas mais centrais.
Nos bairros afastados, isso só ocorreria na década de 1970. O Censo de 1960
aponta dados alarmantes para uma cidade em processo de urbanização. O
município possuía 7.115 domicílios particulares permanentes, dos quais, 1390
utilizavam serviços de poços ou nascentes e apenas 60 estavam ligados à rede
geral de abastecimento de água encanada.124
Algumas casas tinham água encanada das cisternas, usada para tomar
banho, lavar roupas e outros gastos. Parte da população até então tinha que
comprar a água, ou buscá-la nas fontes e a roupa era lavada na Fonte Santo
Antonio, na Maria Nunes ou no riacho da “Má Vida”. O bairro periférico de Santa
Madalena é popularmente chamado, “Má Vida”, provavelmente ganhou esse nome
devido às precárias condições de vida que o local dispunha. Com a ampliação do
fornecimento de água, alguns hábitos foram modificados, passando a ter mais
conforto e higiene.
O processo de abastecimento de água expandiu-se com a implantação da
energia elétrica na cidade, serviço que, em 1949, apenas iluminava precariamente
as praças e ruas centrais, com interrupções diversas e periódicos apagões. Em
fevereiro daquele ano, após entrevista com o prefeito Antonio Fraga, O Palládio
informava à população a respeito de estudos realizados por técnicos sobre as
condições, necessidades e providências que estavam sendo tomadas para a
implantação definitiva da energia elétrica na Terra das Palmeiras.125 No mês
seguinte, anunciava uma “Nova Era de Progresso”, que seria representada pela
chegada da luz em Santo Antonio de Jesus, com a construção da estação “Energia

124
IBGE – Censo Demográfico de 1960
125
“O caso da luz”. O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 3 de fevereiro de 1949, p 2.
62

das Bananeiras”.126 A nota dava conta da lei que autorizava a prefeitura a contrair
um empréstimo de quantia avultada com o Banco Econômico da Bahia, para a
aquisição e instalação do material necessário na montagem do serviço, no
município.127
Mesmo quando a energia elétrica finalmente chegou, os problemas de
fornecimento permaneceram nas manchetes, devido às restrições impostas pela
precariedade do serviço oferecido. Em 24 de abril de 1951, um grupo de vereadores
solicitou ao prefeito que fosse restabelecido o fornecimento de luz até as 5 horas da
manhã,128 provavelmente porque os “apagões” costumavam ocorrer mais cedo.
Somente em 24 de junho de 1962, com a presença do poder público municipal e do
governador do estado, realizou-se a inauguração da energização de Santo Antonio
de Jesus, através da linha de transmissão da Usina de Bananeiras, localizada em
Bananeiras, um pequeno distrito de Paulo Afonso.129
Na trajetória do crescimento de Santo Antonio de Jesus, o advento da
energia elétrica aparece como um divisor de águas. Marca o início de uma nova fase
da cidade, pois, além de possibilitar à iniciativa privada o investimento em pequenas
indústrias e fortalecer o comércio que já era um dos mais movimentados da região,
condicionou modificações decisivas de cenário, de práticas sociais e de hábitos
santoantonienses.
Como ainda não havia o temor da violência nos moldes da atualidade, era
possível caminhar, correr, brincar até mais tarde, sem os percalços da escuridão.
Todavia, se a energia elétrica, por um lado, trouxe a liberdade de percorrer as ruas à
noite, mais tarde seria responsabilizada por exercer uma forma de controle social,
uma vez que, diante de tanta claridade, todos estavam expostos aos olhares alheios.
Assim, o jeito de se vestir, o andar, as paqueras não passavam despercebidos
diante de tanta luminosidade. O simples ato de ir ao jardim à noite ou dar uma
voltinha na praça passava a exigir uma forma de se apresentar e de se comportar.

126
“A luz – Nova era de progresso”. O Palládio, Ano 48, nº. 2305, Santo Antonio de Jesus, 21 de
março de 1949, p 1.
127
Lei nº. 14 de 14 de fevereiro de 1949. Livro de Leis de 1949 da Prefeitura de Santo Antonio de
Jesus. APMSAJ.
128
Ata de 24 de abril de 1951. APMSAJ. Livro de Ata da Câmara dos Vereadores de Santo Antonio de
Jesus – 1948 a 1951.
129
“Inauguração da Luz”. Jornal da Cidade, Santo Antonio de Jesus, 8 de julho de 1962.
63

Aparecer em público de pijama, por exemplo, era motivo pra censuras, pois aquele
não era considerado um traje para estar em sociedade.130
Mesmo que não houvesse nesse momento leis ou regras explícitas
definindo esses comportamentos especificamente, a reprovação e a exclusão que se
davam por meio dos olhares e dos “falatórios”, tentavam criar uma forma de
normatização e controle social das pessoas nos espaços de uso coletivo, ao mesmo
tempo em que desencorajavam atitudes e posturas incomuns.131
As tentativas de padronização do espaço público e do privado, de controle
de habitação e vizinhança, praticadas, por exemplo, na cidade do Rio de Janeiro no
início da República, na análise de Marins, acabaram naufragando os anseios de
homogeneizar vizinhanças. Além de frustrar as elites nos seus planos de eliminar as
convivências de habitações e populações diversas, no seio da maior e mais
importante cidade brasileira de então.132 Embora o autor se refira a outro
tempo/espaço, é possível conjecturar que no contexto de Santo Antonio de Jesus
também houve iniciativas que visavam padronizar o modo de se comportar na
cidade. Entretanto, provavelmente a ausência de um rigor na fiscalização desses
comportamentos, bem como as adaptações e interferências dos moradores,
aceitando alguns, recusando outros, contribuíram para que as camadas populares
não fossem excluídas do processo, deixando suas marcas gravadas, sobretudo, no
jeito de falar, de se vestir, de andar, enfim, nos hábitos e costumes da cidade133.
Nesse particular, em matérias de O Detetive e nos depoimentos do Sr. José
Souza Sampaio e D. Maria Soares de Jesus, é possível perceber resistências no
comportamento daqueles moradores que mantiveram o hábito de ir para a rua
vestido de pijamas, ou descalço, ou ainda que, após as refeições, apareciam de
“palito entre os dentes”. Comportamentos reprovados pela sociedade que queria ser
reconhecida como “civilizada”, e quando não conseguia convencer as pessoas a
mudarem seus hábitos, essas por vezes, poderiam se tornar objeto de certo
“desprezo”.134

130
“Censurando”. O Detetive. Santo Antonio de Jesus, 27 de agosto de 1950, p 1.
131
“Censurando”. O Detetive. Santo Antonio de Jesus, 27 de agosto de 1950, p 1.
132
MARINS, Paulo César Garcez. Habitação e Vizinhança: limites da privacidade no surgimento das
metrópoles brasileiras. In: Nicolau Sevcenko (org.) Fernando A. Novaes (coord): História da vida
privada no Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, 1998. p 142-143.
133
Depoimento do Sr. Irênio Santos Pereira, em 3 de maio de 2008, 71 anos de idade, morador da
cidade desde que nasceu e do Sr. José Elias Silva Santos, em 2 de maio de 2008, 91 anos de idade.
134
“Censurando”. O Detetive. Santo Antonio de Jesus, 27 de agosto de 1950, p 1.
64

Essa nova cidade, cada dia mais atraente, passava a ter uma população
cada vez maior. Portanto, a ampliação e a redefinição dos seus espaços tornaram-
se imperativas. Já em 1960, um decreto estabelecia alterações nos limites das
zonas urbanas e suburbanas do município. Para fins censitários, considerava-se que
“a delimitação em vigor não correspondia mais às novas condições decorrentes do
desenvolvimento demográfico e econômico deste município”.135 Vale ressaltar que a
população urbana havia aumentado de 11.839 na década de 1950, para 15.489, na
década de 1960,136 por ter recebido um expressivo contingente populacional vindo
da zona rural e principalmente de cidades vizinhas, sonhando em melhorar de vida e
obter mais conforto. De acordo com o referido decreto, correspondia ao perímetro
urbano, uma área que:

partindo da Rua Justiniano Galvão [antiga da Cancela], prédio nº 3,


no trecho contíguo à Rua Antonio Fraga [antiga Maria Nunes], à
altura das casas nº 87 e 14, segue em linha reta, até a frente do
Cemitério Municipal, e desse ponto seguindo outra reta, vai até a
capela de São José, no chamado Largo do Andaiá e Machado
Bitencourt, de onde ruma para a Usina Elétrica e dessa, passando
pela “Fonte Santo Antonio”, vai até o final da Rua Tiradentes [ex-
Riacho], daí segue pela Rua Silvestre Evangelista [ex- Rua das
Flores], alcançando após essa, as Ruas dos Artistas e Saldanha
Marinho; ao final dessa última artéria ruma para a Rua Castro Alves
[antiga das Queimadas], até a casa de nº 33, daí incluindo pequeno
trecho da Rua Viriato Lobo [antiga da Rodagem do Campo], vai até
encontrar o final da Avenida Luiz Viana, de cujo ponto terminal, após
incluir a Rua do Expedicionário, vai até a extremidade norte do
Largo de São Benedito, de onde ruas em linha reta, até o ponto de
partida [junção da Rua Justiniano Galvão, nº 3 com a Rua Antonio
Fraga, nº 87 e 14].137

A descrição nos aproxima um pouco da idéia de urbanidade que


predominava na ótica daqueles que dirigiam a cidade. Com o crescimento
populacional, a acanhada cidade se expandia, estendendo o seu perímetro urbano
já não tão restrito, visto que nele estavam inseridos trechos de bairros anteriormente
considerados afastados do centro, como Andaiá e São Benedito. É possível
perceber, através dessa descrição minuciosa, o que eles entendiam por zona ou
espaço urbano. Era nesse espaço que aconteciam os melhoramentos ou obras

135
Decreto nº. 8 de 30 de março de 1960. Arquivo Público de SAJ. Livro de Leis, Decretos e Portarias
da Prefeitura Municipal de Santo Antonio de Jesus.
136
Dados do IBGE e SEI.
137
Decreto nº. 8 de 30 de março de 1960. Arquivo Público de SAJ. Livro de Leis, Decretos e Portarias
da Prefeitura Municipal de Santo Antonio de Jesus.
65

urbanas. A descrição nos situa também quanto aos antigos nomes das ruas,
instigando-nos a questionar sobre a sua origem, ao mesmo tempo em que nos
lembra que Santo Antonio de Jesus era também a Cidade das Flores, pela
quantidade ali cultivada, tão significativa que ficaria registrada em um dos seus
logradouros. Esse era um tempo em que as ruas tinham nomes simples que
retratavam as características do lugar e que o documento oficial reluta em esquecer.
Para fazer parte desse conjunto denominado perímetro ou zona urbana, de
acordo com o Código Tributário de 1966, documento criado para regulamentar as
taxas cobradas no município, seria necessário apresentar pelo menos dois
melhoramentos como: meio fio ou calçamento, abastecimento de água, sistema de
esgotos sanitários, iluminação pública, escola primária ou posto de saúde a uma
distância máxima de três quilômetros.138
A compreensão que a legislação municipal tinha sobre o espaço urbano
estava relacionada com a idéia de oferecer serviços aos seus moradores. Percebe-
se a partir do levantamento de leis, decretos, portarias e dos periódicos locais, que
esse foi o caminho trilhado pelo poder público para a definição do espaço urbano
santoantoniense. No mesmo sentido, algumas de suas normatizações procuravam
controlar e disciplinar a vida da população que crescia na cidade. O Código de
Posturas Municipais de 1965, em seu artigo 233º, por exemplo, proibia que se
lavasse roupas em chafarizes, fontes ou tanques situados nos logradouros públicos,
para preservar a higiene das vias públicas.139
Inspirado no modelo de convívio urbano, trespassado pelos procedimentos
de especialização espacial e segregação social, no cerne das medidas de controle
da habitação e vizinhanças implementados nas capitais brasileiras a partir do
advento da República,140 as determinações legais instituídas pelo Código, a priori,
pareciam incompatibilizar-se com a realidade vivenciada por uma grande parte da
população, que não dispunha de outros meios para a provisão de tais serviços.
Como seria possível seguir a determinação de não lavar roupas nas fontes, quando
a situação do abastecimento de água encanada ainda não havia sido resolvida?

138
Lei nº. 71 de 24 de dezembro de 1966. APMSAJ. Código Tributário de 1965.
139
Lei nº. 66 de 4 de dezembro de 1965. Art. 233. APMSAJ.Código de Posturas de 1965.
140
MARINS, Paulo César Garcez. Op.cit..
66

Para o Sr. José Elias essa “era uma proibição que não devia ter”,141 pois não
condizia com as condições estruturais que a cidade apresentava naquele momento.
Ruas, praças e casas ganharam novos desenhos com as reformas.
Contudo, afirmar que o espaço urbano santoantoniense passou a ser exatamente
como foi pensado pelos que planejaram e efetivaram as obras, é não reconhecer
que a história acontece a partir das relações que os sujeitos experimentam nas suas
articulações diárias.142 Dito de outra forma, foi no contínuo das relações cotidianas,
processadas a partir dessas reformas, que se fizeram as experiências de
urbanização em Santo Antonio de Jesus, particularmente influenciadas pelas
camadas populares. Nessa perspectiva, até que ponto o sentido que os diversos
sujeitos urbanos santoantonienses deram às novidades da urbanização, coincidiu
com o que foi pensado pelos grupos que planejaram e implementaram essas ações?
No processo de apropriação dos produtos culturais143 recebidos, é possível inclusive
que algumas pessoas tenham resistido ao fascínio veiculado por certas novidades,
apesar dos atrativos e do conforto que representavam alguns desses símbolos,
atribuindo-lhes novos significados de modo que lhes possibilitassem sentir-se à
vontade na cidade.

1.4 Cenários urbanos e costumes rurais

As reformas urbanas implementadas em Santo Antonio de Jesus visavam


dar à cidade um aspecto de progresso e renegavam muito daquilo que pudesse
representar um elemento de atraso, procurando fugir do seu passado, destruir sua
memória, como se isso garantisse sua identidade moderna, deixando-se embriagar
com a mística do progresso.144
Entretanto, transformar o cenário que antes mais parecia uma grande
fazenda, dando ares urbanos, provavelmente não foi mais difícil que a tentativa de
alterar os hábitos dos seus moradores. As denúncias nos jornais e o desejo de
alguns não seriam suficientes para suplantar práticas cotidianas trazidas do meio
141
Depoimento do Sr. José Elias, já citado.
142
O conceito de experiência aqui se baseia em THOMPSON, E. P. Miséria da Teoria ou um
planetário de erros. Rio de Janeiro, Zahar, 1981.
143
O conceito de apropriação cultural ancora-se nas reflexões de CERTEAU, Michel de. A invenção
do cotidiano - artes de fazer. Vol. I, Petrópoles/ RJ: Vozes, 1994 p 40.
144
REZENDE, Paulo Antonio. O Recife: espelhos do passado e os labirintos do presente ou as
tentações da memória e as inscrições do desejo. Revista do programa de Estudos Pós-graduados em
História e do Departamento de História, 1999, p.158.
67

rural. Uma das investidas mais sistemáticas foi o Código de Posturas Municipais de
1965. Sua dimensão coercitiva sugere a coexistência de costumes rurais e citadinos
na pequena cidade que começava a urbanizar-se, o que muito desagradava àqueles
que queriam imprimir-lhe uma imagem “civilizada”.145 As Posturas Municipais
estabeleceram regras que deveriam ser seguidas, com a justificativa de garantir aos
seus habitantes, entre outros, o direito de ir e vir, a segurança, um sistema de
trânsito eficiente, a limpeza e a conservação dos locais públicos.
Trata-se, portanto, de uma série de leis e decretos que pretendiam regular a
vida em sociedade, sobretudo no perímetro urbano, quer seja de indivíduo ou de
empresa, sob pena de multas e, no caso de estabelecimentos, até mesmo a
interdição, se houvesse descumprimento. Representou, portanto, um instrumento de
poder utilizado para tentar disciplinar a vida urbana, atacando costumes e práticas
tradicionais. Entretanto, “a cidade [...] é um lugar demasiado complexo para ser
disciplinada dessa forma; [...] a cidade é lugar em que o fato e a imaginação
simplesmente têm de se fundir”.146 Destarte, paradoxalmente às normas impostas
aos moradores urbanos, um dos atrativos da cidade encontrava-se justamente na
relativa liberdade de ação que as pessoas vislumbravam no espaço urbano.
No contexto de Santo Antonio de Jesus, à época, a idéia de
desenvolvimento do capitalismo era sentida através do processo de urbanização que
movia empresários e autoridades locais, no combate aos tradicionais costumes e
práticas sociais rurais presentes na vida urbana.147 Nesse sentido, a tentativa de
preservação desses costumes, num momento em que políticos e empresários
estavam empenhados em criar uma imagem nova para a cidade, também pode ser
percebida como uma postura rebelde, embora tradicional, “pois o costume, por sua
natureza, é conservador”.148
O poder normativo da legislação intervinha nos mais simples aspectos da
vida cotidiana. O artigo 47º, proibia “colher flores ou transitar pelos canteiros dos

145
Encontramos referências à existência de outras legislações nas décadas de 1940 e 1950,
versando sobre o comportamento dos moradores na cidade, cujo conteúdo muito se assemelha ao do
Código de Posturas de 1965; entretanto, até o momento não conseguimos acessá-las.
146
HARVEY, David. Op. cit., p 17.
147
THOMPSON, E. P..Analisando a cultura consuetudinária inglesa no século XVIII, Thompson
observa a manutenção de práticas e tradições ameaçadas pelo avanço do mercado capitalista e
como o povo inglês se situou em um complexo de relações sociais, tradições e rituais que exprimiram
uma cultura tradicional rebelde. In Costumes em comum: Estudos sobre a cultura popular tradicional.
São Paulo: Companhia das Letras, 1988.
148
THOMPSON, E. P.. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos, Editora Unicamp, Campinas –
SP, 2001, p. 233.
68

jardins públicos ou deixar que animais os danifiquem”. No seu parágrafo único,


determinava que a inobservância dessas proibições importaria em multa de $ 5.000
a $10.000. Desobedecer a essa postura significava ter que desembolsar alguns
cruzeiros, sendo assim, tornava-se mais barato comprar flores na feira que correr o
risco de pagar a multa.
Até mesmo o poético costume de colher flores do campo não seria mais
permitido nos espaços públicos da cidade. Afinal, as praças e jardins deveriam ser
os principais cartões-postais da urbe. Outro costume que seria fortemente combatido
na cidade era a presença de animais nas ruas. Ainda que os burros e cavalos
fossem os principais meios utilizados pelos trabalhadores para transportar seus
produtos até a cidade nos dias de feira, a presença de animais nas praças e jardins,
um dos símbolos do entrelaçamento dos universos rural e o urbano, tornara-se
incômodo, incompatível com os ideais de urbanização.
Entretanto, alguns anos antes de ser instituído o Código de 1965, uma
espécie de crítica encontrada em O Detetive nos informa que na década de 1950 já
havia alguma legislação que tentava normatizar os comportamentos na cidade e
sugere ainda que as leis não eram pra todos.

__ Não dizem que é proibido se correr nas gramas do jardim?


__ É sim.
__ E como aquele colega está correndo e ninguém o prende?
__ A... aquele pode: é funcionário público, meu amigo...
__ Funcionário público, como?...
__ Ele puxa a carroça da Prefeitura.149

Tentando analisar o trecho destacado, podemos pensar que ele se refere a


algum animal que puxava a carroça da prefeitura e que estava solto no jardim.
Porém, considerando o perfil humorístico e literário do periódico, e o tom irônico do
diálogo, ele poderia estar fazendo uma denúncia à aplicação das leis na cidade, que
não estariam sendo obrigatórias para quem fosse ligado ao poder público da
prefeitura ou quem, numa linguagem metafórica, “puxa a carroça da prefeitura”,
levantando suspeitas sobre a existência de possíveis apadrinhados ou protegidos
pelo poder local.
Seu Gregório, morador do bairro do São Benedito, sempre viveu entre a
roça e a cidade. Quando chegou a Santo Antonio de Jesus, vindo de Conceição do

149
“Recadinho”. O Detetive, Santo Antonio de Jesus, 8 de janeiro de 1950, p 3.
69

Almeida, encontrou muitos sítios e roças, que viu, aos poucos, serem substituídos
por ruas e avenidas. Lembra-se do tempo em que o bairro de São Benedito e a
Avenida Barros e Almeida, que liga seu bairro ao centro, comportavam chácaras,
roças, pastagens e matas que, com o tempo, cederam espaço a casas e ruas, que
aos poucos estenderam-se até o pequeno sítio onde ainda reside, na localidade do
Casco, próximo à rodovia BA 028, que liga Santo Antonio de Jesus a Nazaré. Teve
sua terra cortada pela estrada, tomando-lhe duas tarefas, pelas quais recebeu
indenização que, segundo ele “era coisa muito pouca [...], uma bagatela”, que não
cobriu as “benfeitorias de bananeiras, manga, jaqueiras,150 suprimidas.
Suas idas e vindas aos sábados para vender carne do sol na feira eram
alternadas pelo trabalho na lavoura onde plantava feijão, milho, mandioca, frutas
diversas. Seus fregueses dividiam-se entre moradores do campo e da cidade.
“Gente grande”, como ele mesmo diz: “doutor, coletor, advogado, comerciante,
professora”, todos eram seus clientes. Embora tivesse cavalos, preferia não levá-los
para a feira, para não ter mais uma ocupação, pois ”ia cedo pra rua só vortava de
tarde e não precisava deixar os animais sortos, como arguns fazia”. Conta ainda que
“a rua [...] de meio dia pra tarde, os catingueiros botava os animá pra comer o capim,
dessa artura”.151
Foi nesse universo onde conviviam modos de vida urbano e rural que
algumas leis foram criadas pelos poderes públicos locais, tentando eliminar
costumes que não se encaixavam com as suas idéias de urbanização, como a
prática de deixar os animais soltos na rua. Quando Sr. Gregório chegou à cidade,
ela praticamente não possuía outro meio de transporte além do trem e dos animais
de carga. Os automóveis ainda eram novidade.

Quando cheguei pra aqui só tinha um carro. Era desse [...] Sinval Martim.
Tinha também Irineu, mas vinha de Cruz das Armas com caminhão, fazia
linha né. O pessoal viajava tudo no carro dele do Armeida, de Sapé tudo
pra aqui. [...] Tinha estrada, agora era cascalho [...] quando chovia tinha
lugar que o carro não passava.
Argum que tinha bicicleta, era pouquinha mesmo.[...] o povo não tinha
dinheiro pra comprar [...] o povo era muito fraco.152

150
Sr. Gregório Tavares, depoimento já citado.
151
Depoimento do Sr. Gregório Tavares, já citado. Nessa passagem “a rua de meio dia pra tarde...”, a
rua que S. Gregório se refere é o centro da cidade, particularmente a Praça onde acontecia a feira.
152
Idem
70

As lembranças do Sr. Gregório corroboraram com a imagem de uma cidade


com forte presença de elementos da vida rural, certamente vistos por autoridades
locais como sinais de atraso que deveriam ser substituídos. O automóvel e a
bicicleta eram novidades introduzidas na vida urbana, nem sempre acessíveis a
todos, certamente adquiridos por aquelas pessoas que desfrutavam de uma
condição econômica mais confortável. Restava aos trabalhadores, os animais e os
caminhões como meios de transporte nos deslocamentos mais curtos e o trem e
navio para chegarem à capital.
Nos anos 1960, apesar das mudanças que estavam se processando no
município, com a chegada do caminhão, o meio de transporte mais utilizado pela
maioria dos moradores ainda era o animal, embora a legislação municipal fizesse
algumas exigências quanto a esse costume, que naquele momento, continuava tão
necessário. Entre outras proibições, nota-se aquela que se referia à condução de
animais e veículos de tração animal em disparada, deixar animais sobre os
passeios, domar ou fazer equitação e amarrar em postes, árvores, gradis ou
portas.153
Se por um lado, as restrições estabelecidas criavam certa organização do
trânsito, facilitando a circulação dos moradores; por outro lado, dificultava o acesso
daqueles que vinham das roças, montados a cavalo, para fazer compras na cidade e
dos que conduziam, em tropas de burros, cargas de mercadorias como fumo, café,
farinha, aves, porcos, frutas e verduras de zonas rurais ou de cidades vizinhas, para
venderem na feira, pois era “mais uma ocupação” ter que providenciar um lugar para
deixar os animais.
O jornal A Voz das Palmeiras denunciava a presença de bois soltos nas
ruas da cidade, informando a existência de uma determinação municipal que
estabelecia as ruas por onde as boiadas deveriam passar. A mesma matéria informa
também que “ainda a semana passada enquanto dezenas de mulheres lavavam
roupas na fonte Santo Antonio, foram surpreendidas por enorme boiada, havendo
correria, sendo uma pobre mulher alcançada e pegada por um boi”.154 Em um
espaço denominado “Notícias santantonienses”, o Jornal da Bahia registrou também
quando “um boi [...] se desgarrou e fez um autêntico ‘carnaval’ no centro da cidade

153
Lei nº. 66 de 4 de dezembro de 1965. Art.124. APMSAJ. Código de Posturas de 1965.
154
“A cidade em revista”. Jornal A Voz das Palmeiras, 11 de janeiro de 1954, p 4.
71

pondo em polvorosa a população, invadindo casas”.155 Esses bois estavam sendo


levados para o matadouro localizado não muito afastado do centro, nos finais dos
anos 1960. As denúncias serviam para reforçar a cobrança que o jornal fazia da
transferência do matadouro para a periferia da cidade.
O hábito de criar animais domésticos e deixá-los soltos nas ruas da cidade,
era uma situação denunciada com freqüência nos periódicos. Entre 1945 e 1954,
nos exemplares dos jornais que se conservaram, pelo menos uma nota, todos os
anos, referia-se ao assunto.

Seja em que rua for, encontramos soltos nas ruas, perus, cachorros [
Avenida Barros e Almeida], porcos e as niadas atraz [ Rua 13 de maio],
galinhas e porcos [Praça da Matriz], jumentos e cães ferozes [ Rua da
Mangueira], e assim quase toda a cidade156.

Além de apontar a variedade de animais que perambulava pela cidade, a


nota indica que não havia um local específico de concentração destes, podendo ser
encontrados soltos em “quase toda a cidade”, inclusive em ruas centrais como a
Praça da Matriz e em logradouros mais afastadas, como a Avenida Barros e
Almeida, que inicia no largo de São Benedito, bairro considerado distante do centro,
na década de 1950.
Esse hábito não escapou das normatizações do Código de Posturas de
1965. O Título VIII trata exclusivamente Das propriedades e da Criação de Animais e
inclui dois capítulos específicos: um que tratava Dos fechos divisórios,
estabelecendo os critérios para a existência de cercas entre as propriedades
urbanas ou rurais e o outro, Dos animais e sua criação, determinava as condições
para a criação de animais no município bem como as punições para os proprietários
de animais encontrados soltos na cidade.
Do artigo 199 ao 209 do referido Código estão definidas as normas para a
criação de animais no perímetro urbano, proibindo “a pastagem de gado vacum,
cavalar ou muar e de outros”, estabelecendo as punições para os proprietários “dos
animais ou criações de caráter daninho” que fossem encontrados soltos pela cidade,
bem como, os procedimentos a serem tomados nessas ocasiões.
No final da década de 1950 e início dos anos 1960, a tentativa de controlar
a presença de animais soltos na cidade fez surgir o Curral da Prefeitura, uma

155
“Em cada coração uma saudade” – Jornal da Bahia, 7 e 8 de setembro de 1968.
156
“A cidade em revista”. Jornal A Voz das palmeiras, 5 de maio de 1954, nº. 38.
72

espécie de pasto, localizado nas proximidades onde atualmente é a Rua Tiradentes.


Para lá eram recolhidos os animais encontrados e só sairiam mediante pagamento
de uma taxa que incluía multa, despesas e indenizações pelos prejuízos157.
Essa forte presença de costumes rurais na espacialidade urbana era
combatida pela imprensa local, pois deixava a cidade como uma “impressão de
quintal”. Por isto, solicitava a colaboração da população no sentido de melhorar o
aspecto visual de Santo Antonio de Jesus. A experiência vivida por pessoas que
carregavam fortes vínculos com costumes e tradições rurais seguia sendo
surpreendida pelas novas normas do viver no espaço urbano. Tratava-se de um
daqueles contextos e situações em que homens e mulheres, ao se confrontarem
com as necessidades de sua existência, formularam seus próprios valores e criaram
sua cultura própria, seu modo de vida,158 a partir da capacidade que dispõem os
seres humanos, em certas condições, de agir, de negociar e de fazer escolhas,
processo que envolveu lutas contínuas e necessariamente irregulares e desiguais,
matizadas por uma complexa dinâmica de resistência e aceitação.159
Em outros artigos podemos notar como procuraram estabelecer restrições a
hábitos cotidianos como soltar fogos ruidosos, tomar banho nos rios fora dos limites
determinados pela Prefeitura, lavar roupa em chafarizes, fontes ou tanques situados
nos logradouros públicos.160 A proibição de lavar roupa nas fontes, além provocar
alterações diretamente no processo costumeiro de quarar a roupa, interferia no
encontro de mulheres que proporcionava conversas sobre assuntos diversos. Ficava
proibido também estender roupas nas janelas ou sacadas situadas nas fachadas
das vias públicas; atirar às vias públicas águas sujas ou outros detritos que
pudessem ser nocivos à saúde pública dos transeuntes; lavar e estender roupas nas
vias públicas, assim como colocar colchões, tapetes e outros objetos domésticos.161
Aquela imagem da casa decorada pelo colorido das roupas estendidas nos
varais e nas janelas não seria aceita nesse modelo de cidade que estava sendo
construído. O hábito de jogar coisas pela janela também não caberia nela. Eram

157
Lei nº. 66 de 4 de dezembro de 1965. Art.200, 201 e 204. APMSAJ. Código de Posturas Municipais
de 1965.
158
THOMPSON, E. P. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos, Editora Unicamp,Campinas –
SP, 2001, p 261.
159
SANTANA, Charles D’Almeida. Linguagens Urbanas, Memórias da Cidade: vivências e imagens da
Salvador de migrantes. Tese de Doutoramento em História. PUC/SP, 2001, p 26.
160
Lei nº. 66 de 4 de dezembro de 1965. Art.156, Art.159 e Art.233. APMSAJ. Código de Posturas
Municipais de 1965.
161
Lei nº. 66 de 4 de dezembro de 1965. Art. 155. APMSAJ. Código de Posturas Municipais de 1965.
73

considerados pelas autoridades locais como hábitos atrasados, ultrapassados, que


não elevavam a posição de Santo Antonio de Jesus para o status de uma “cidade
adiantada”.
As relações de vizinhança estavam sendo normatizadas, na medida em que
o Código previa a proibição de “conduzir sem as precauções devidas, quaisquer
corpos capazes de molestar a vizinhança” ou “queimar mesmo nos próprios quintais,
lixo ou quaisquer corpos, em quantidade capaz de incomodar a vizinhança”.162
Apesar das práticas de solidariedade e trocas que existiam no cotidiano da cidade, o
barulho do rádio do vizinho não passaria despercebido, assim como as invasões de
galinhas, perus e porcos no quintal.
Outro alvo do Código eram as práticas sociais tradicionais. As investidas
dos poderes públicos caminhavam na direção de restringir cada vez mais o espaço
dessas práticas, a exemplo do que estabelecia seu Art. 160 sobre o Candomblé:

Não é admissível a promoção de candomblés, sambas e batuques,


outros no perímetro da Cidade [...], sem a competente licença das
autoridades, não se compreendendo nesta restrição os bailes e
reuniões familiares.163

Contudo, o desconhecimento ou a desobediência à legislação se anuncia


com a permanência dessas práticas, registradas pela tradição oral e mantidas vivas
na cidade. Observa-se, portanto, a manutenção de experiências acumuladas e
herdadas dos antepassados, sobretudo, dos africanos que tiveram grande influência
em todo o Recôncavo, resistindo às pressões do poder dominante, através do
candomblé, fonte de preservação de valores, de identidade cultural. 164
Num recuo às décadas que antecedem a criação das posturas, do final dos
anos 1930 até início dos anos 1960, encontramos nos jornais locais notas sobre
preparativos e apresentações dos Ternos de Reis. O Rancho de Ciganos em 1938
percorria, sob os sons de uma charanga, as ruas da cidade, indo depois para os
salões da Rádio Palmeirópoles.165 Nos anos 1950, provavelmente o mesmo Terno,
com o nome de Terno das Ciganas, continuava a se apresentar na cidade. O Terno
162
Lei nº. 66 de 4 de dezembro de 1965. Art.232. APMSAJ. Código de Posturas Municipais de 1965.
163
Lei nº. 66 de 4 de dezembro de 1965, Artigo 160. APMSAJ. Código de Posturas Municipais de
1965.
164
Sobre as formas de resistência do candomblé na Bahia, ver Júlio Braga, pesquisador das práticas
divinatórias afro-brasileiras, em seu livro "Na Gamela do Feitiço - Repressão e Resistência nos
Candomblés da Bahia" .
165
“Rancho de Ciganos”. O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 28 de janeiro de 1938, p 4.
74

das Turcas, também nessa década, organizado por senhorinhas e senhoras da


cidade, começava a se manifestar, “embora não tivéssemos nada [...] na tradicional
Noite de Reis em nossa terra não quer dizer que esteja de tudo morta a tradição em
Santo Antonio de Jesus”.166
Apesar das tentativas de eliminar algumas tradições, o que já vinha
ocorrendo mesmo antes da instituição do Código de Posturas de 1965, percebe-se
que os Ternos foram, ao longo dos anos, através da iniciativa de particulares,
mantidos e reinventados e, de fato, essa não era uma tradição que estava “morta”,
portanto não seria uma prática esquecida apenas pela força da lei.
Nessa mesma cidade, que uns queriam moderna e adiantada, a Marujada e
a Burrinha,167 também nos anos 1950, faziam parte da programação da Festa de
São Benedito, apresentando-se no adro da igreja. A Marujada tinha espaço
garantido, quando percorria as ruas e dava um brilho especial ao Domingo de
Carnaval.168 Através dos depoimentos, percebemos como a manutenção dos Ternos
de Reis, a devoção a Cosme e Damião, as apresentações da Marujada e da
Burrinha permaneceram presentes no calendário festivo e religioso, fortalecidos pela
força da tradição e talvez porque o moderno e adiantado não pretendesse romper
com todas as tradições.
A devoção a Cosme e Damião também guardaria lugar nas convidativas
noites de setembro, quando aconteciam as ladainhas nas casas de alguns fiéis,
como D. Eugênia Santos, na Rua Maria Nunes [atual Rua Antonio Fraga], Sr. João
Moraes, na Rua 7 de setembro, Sr. Vavá Ayres, na Avenida Luiz Viana, Sr. Marciano
Castro, na Rua Rui Barbosa, Sr. Félix Sacramento, na Rua Tiradentes, e Sr. Altino
Sousa, nas Queimadas [atual Rua Castro Alves], Manoel Felix, na Rua Bela Vista,
entre tantos outros devotos anônimos. Nesses festejos que começavam com a reza,
eram oferecidos aos convidados licor de jenipapo, vinho de caju, moqueca de
galinha e não poderiam faltar os tradicionais caruru e vatapá. Mas a festa só
terminava mesmo depois do animado samba.169 Muita gente tomava parte das
“chulas calorosas de candomblé, inclusive figuras de alto valor”.170

166
“Terno das Turcas”. A Voz das Palmeiras, Santo Antonio de Jesus, 11 de janeiro de 1954, p 4.
167
“Festa de São Benedito”. O Detetive, Santo Antonio de Jesus, 5 de fevereiro de 1950, p 4.
168
“Última hora”. O Detetive, Santo Antonio de Jesus, 19 de fevereiro de 1950, p 4.
169
“Reportagem”. O Detetive, Santo Antonio de Jesus, 1º de outubro de 1950, p 4.
170
“Telegrama”. O Detetive, Santo Antonio de Jesus, 30 de setembro de 1951, p 4.
75

O sentido do termo “candomblé” utilizado no periódico parece fazer


referência ao samba de roda praticado nas rezas de São Cosme e Damião. Então,
as “chulas calorosas de candomblé” estavam associadas ao tipo de dança e música
popular do Recôncavo Baiano, bastante apreciadas nas festas populares e nas
ladainhas oferecidas aos santos gêmeos.
A tradicional devoção a Cosme e Damião ultrapassava os limites da
religiosidade e das condições econômicas, pois muitos fiéis - ricos ou pobres,
católicos ou praticantes de outras religiões - participavam organizando os festejos ou
apenas como convidados das ladainhas, das refeições e do samba.
O samba também está presente na memória de D. Maria, juntamente com
as lembranças de outras diversões preservadas171 nas práticas cotidianas, como os
brinquedos de roda:

Tinha tanta coisa [...] O negócio era samba, brinquedo de roda. Quer
ver? [...] Aí assunta, a gente cantava no brinquedo. As duas iam
dançando. Um tanto por fora e duas entrava pra dançar. Tinha uma
cantiga assim:
Vamos ver
Vamos, galopeia
Eu sei dançar, carinhosa
Eu sei dançar, carinhosa
Eu sei dançar, carinhosa.172

As reminiscências de D. Maria denunciam a presença de vivências


tradicionais de lazer na cidade. O prazer de relembrar aqueles tempos parece
querer apontar, além da saudade, a ausência de momentos onde ela possa
compartilhar com outras pessoas as “histórias antigas”, como ela costuma chamar
os casos que conta. É possível perceber também sinais de uma contra-hegemonia
de valores, sugerindo oposições a uma concepção de tempo e espaço
homogeneizados,173 que coloca de uma forma simplista o mundo dividido em dois
pólos: novo e velho, moderno e antigo. Nessa lógica, seria preciso excluir um para
que o outro viesse a se estabelecer. A narrativa de D. Maria caminha no sentido
contrário a esse modelo, e sinaliza a coexistência e a convivência da multiplicidade

171
Esta discussão sobre preservação de costume ancora-se no texto “Costumes em Comum”, no qual
Thompson faz reflexões sobre a importância da transmissão oral dos costumes do trabalho,
percebendo esses costumes como base dos primeiros direitos dos trabalhadores rurais da Inglaterra
no final do século XVIII. E. P. Thompson. Costumes em comum: Estudos sobre a cultura popular
tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.
172
Depoimento de D. Maria Soares de Jesus, já citado.
173
HARVEY, David. Op.cit, p 88.
76

de práticas sociais em Santo Antonio de Jesus. Mesclada por valores rurais e ao


mesmo tempo envolvida em outros valores trazidos pelo processo de urbanização, a
população mantinha fortes vínculos com costumes e práticas tradicionais que
marcaram profundamente a construção de suas linguagens/memórias e seus
envolvimentos na invenção de modos de vida urbanos.174
Costumes e tradições vividos na cidade sofreram alterações significativas a
partir da década de 1950, sobretudo devido ao processo de urbanização que
influenciou a vida dos sujeitos. Transformações urbanas que mexeram com idéias e
comportamentos e interferiram no modo de vida dos seus moradores provocaram a
re-elaboração de valores culturais enraizados nas experiências dessas pessoas.
Embora a documentação utilizada aponte, no processo de urbanização da
cidade, em alguns momentos, a aprovação e a incorporação de novidades urbanas
ao dia a dia dos moradores, a permanência de hábitos como soltar fogos, tomar
banho nas fontes e rios, criar animais soltos nas ruas, lavar roupas nas fontes ou
estendê-las em frente às casas, sair na rua com trajes simples, realizar as
tradicionais festas de Cosme e Damião e o Terno de Reis ou ainda manter práticas
religiosas mal vistas pelo poder público local, podem indicar sinais de resistência,
quer por desconhecimento das normas, quer por convicção. As recorrentes prisões
por desordens indicam que nem todos estavam satisfeitos com as regras da cidade
urbanizada, sugerindo a permanência de comportamentos que não eram
condizentes com as novas exigências.

SANTANA, Charles D’Almeida. Linguagens Urbanas, Memórias da Cidade: vivências e imagens da


174

Salvador de migrantes. Tese de Doutoramento em História. PUC/SP, 2001, p 26.


77

CAPÍTULO II: SOBREVIVÊNCIAS, TENSÕES E SOCIABILIDADES NA


URBE SANTOANTONIENSE

“Seu comércio se consolida e expande. A pequena indústria já


se faz presente, buscando diversificar-se. Os animais pouco a
pouco vão perdendo o seu papel de tração, substituídos
vantajosamente pela máquina. O velho mercado ao seu tempo
enorme, hoje desaparece por de traz de tanta gente, gente de
mãos calosas, gente cheia de anéis, gente vinda de longe,
gente daqui de perto, gente que enche a praça, se espalhando
pelas ruas convergentes, como se nela não desse todo esse
mundo de gente.”

(Texto extraído de O Padroeiro, folhetim anual da Festa de


Santo Antonio, de junho de 1968.)
78

2.1 Estratégias de sobrevivência urbana

Diferentes significados marcavam o viver na cidade de Santo Antonio de


Jesus no início dos anos 1950. As camadas mais abastadas, formadas por
pequenos empresários, comerciantes, profissionais liberais, professores, políticos,
fazendeiros, usufruíam de melhores condições de vida na cidade que se urbanizava.
Já a grande maioria, representada, sobretudo, por comerciários, feirantes, operários,
marceneiros, sapateiros, alfaiates, desempregados em geral, precisava criar
estratégias de vida que garantissem a sua sobrevivência no espaço urbano, numa
tentativa persistente de manter-se na cidade para não ter que voltar para a roça.
Estratégias de sobrevivência “nas quais as relações com o meio, os laços
societários primários, os ritos do dia a dia e os da religiosidade popular tiveram que
ser constantemente reelaborados”,175 como podemos observar em outras épocas e
lugares.
O jornal O Palládio, desde o início da década de 1940, anunciava melhorias
nas fontes de produção existentes na cidade com “as minas de manganês em
exploração”, com “a fábrica de amido promovendo a ampliação do plantio da
mandioca”, justamente na época do “paradeiro, fazendo surgir trabalho para todos
os operários que estavam sujeitos a essa fase – junho a fevereiro”. A nota
despertava otimismo, na medida em que ressaltava o “quanto devemos confiar no
futuro”.176 Entretanto, cinco anos após, uma avaliação feita da situação dos
trabalhadores, pelo dirigente comunista Sebastião Oliveira, no Jornal O Momento,
contrariava as expectativas anunciadas. A população da cidade crescia a cada dia,
sobretudo em virtude do abandono de áreas rurais do município pelos lavradores,
vítimas da exploração dos fazendeiros. E a migração do campo para a cidade não
acontecia apenas por parte dos camponeses sem terras - como meeiros, alugados e
rendeiros. Até os pequenos proprietários vendiam seus sítios aos grandes senhores
de terras que aumentavam cada vez mais suas extensas propriedades.177 Ainda que
pese os aspectos ideológicos envolvidos tanto no discurso do Palládio – periódico da

175
WISSENBACH. Maria Cristina Cortez. Da escravidão à liberdade: dimensões de uma privacidade
possível. In: História da Vida Privada no Brasil – República: da Bele Époque à Era do Rádio, vol. III, p
61.
176
“Duas grandes necessidades – Urge providências”. O Palládio. Santo Antonio de Jesus, 5 de
novembro de 1942.
177
“Reina a maior miséria entre os trabalhadores de S. Antonio de Jesus”. O Momento. Salvador, 15
de junho de 1946.
79

pequena elite intelectual de Santo Antonio de Jesus, quanto no discurso de O


Momento – jornal ligado aos sindicatos dos trabalhadores, os depoimentos de
pessoas que dependiam do serviço nos armazéns não dizem de uma situação
confortável, durante os meses de entressafra, e apontam as dificuldades
enfrentadas mesmo quando se tinha trabalho.
A vida no campo, além de não oferecer oportunidades de estudo e
trabalho, já não garantia mais condições de sobrevivência, devido à exploração que
os pequenos lavradores sofriam pelos grandes proprietários. Por isso, enquanto
aumentava a população da cidade, as roças iam aos poucos sendo abandonadas.
Nessa perspectiva, movidos pelo sonho de continuar a vida na sedutora cidade que
oferecia serviços médicos, festas, passeios no jardim, atrações no cinema e futebol
aos domingos, os trabalhadores na cidade buscavam a educação formal para os
filhos e abusavam da criatividade para ganhar algum dinheiro que lhes permitisse
permanecer nela. Nas suas múltiplas faces, Santo Antonio de Jesus apresentava-se
como “lugar para viver, trabalhar, rezar, observar, divertir-se, criar espaços de
sociabilidades e reciprocidade, no trabalho e no lazer, em meio às tensões
historicamente verificáveis, contrastando com a visão clássica de cidade unidade”.178
Ao trabalhar no comércio, nos cinemas, hotéis, bares, na feira livre, nos
armazéns de fumo e café, os moradores experimentavam a vida urbana. Realizar
serviços de pedreiros, carregar mercadorias da feira, vender água nas portas,
aceitar encomendas de doces, oferecer cursos de corte e costuras em casa, criar
animais e plantar nos quintais pimenta, limão, andu, mangalô para vender na feira,
constituem algumas possibilidades de ganhar a vida na cidade, inventadas pelos
moradores santoantonienses. A vida dessas pessoas tinha uma visível ligação com
a feira. Além de ser o local de adquirir produtos básicos para a sobrevivência por
preços mais baixos que os praticados pelas vendas e pelos grandes armazéns, era
o lugar para onde iam nas horas de aperto vender ovos de galinhas, perus, porcos,
grãos, frutas, remédios caseiros e tudo que conseguiam produzir nos seus próprios
quintais. Nesse sentido, a criação da feira nos dias de quarta-feira179 ampliou as
oportunidades de sobrevivência na cidade. Considerando as dimensões acanhadas

178
MATOS, M. Izilda S.. Focaliza o cotidiano urbano nas experiências vividas por sujeitos sociais e
suas diversas relações de trabalho na cidade de São Paulo no período de 1890 a 1940. MATOS, M.
Izilda S.. Cotidiano e Cultura: história, cidade e trabalho. 1ª ed. Bauru, EDUSC, 2002, v.1, p 35.
179
Lei nº. 5 de 1948. Arquivo Público Municipal de Santo Antonio de Jesus. Livro de Leis, Decretos e
Portarias de Santo Antonio de Jesus.
80

do Barracão da farinha, eram poucos os que tinham o privilégio de vender ali,


evitando a exposição ao sol ou à chuva. Os menos aquinhoados arrumavam suas
mercadorias na “pedra”, esparramadas pelo chão em panos, em folhas de
bananeiras ou utilizando caixotes, esteiras, tábuas e tabuleiros, forjando com
criatividade alternativas de sobrevivência no concorrido espaço da feira-livre180. As
feiras do Recôncavo configuram-se como importantes espaços alternativos de
emprego, “em vista da multidão de pessoas que as vivenciavam como se fossem
teatros da luta pela sobrevivência”.181
Os preços elevados dos produtos de primeira necessidade, como a carne e o
pão, eram sentidos cotidianamente pela população mais pobre, que mal podia pagar
por eles. A esse respeito vários requerimentos foram enviados à Câmara Municipal,
solicitando providências urgentes para a redução e uniformização dos preços,182
outros pediam que a prefeitura interviesse no sentido de permitir a venda dos
diversos gêneros, por atacado, apenas após as 14:00h, quando a população local já
estivesse abastecida. A aferição dos pesos e medidas em circulação nas feiras e
casas de comércio da cidade era outro ponto presente na pauta das seções da
Câmara,183 sinalizando, além das dificuldades de sobrevivência enfrentadas,
indícios de tentativas de interferências pelas camadas mais pobres na elaboração de
normas para o funcionamento da cidade. Tentar protelar o pagamento do Imposto de
Licença para vender na feira foi mais uma reivindicação dos trabalhadores para
permanecer no universo urbano.
Nesse teatro de luta pela sobrevivência na cidade, Sr. Manoel Oliveira foi
um entre tantos outros personagens. Iniciado desde cedo no ofício de alfaiate,
durante muitos anos ajudou a vestir os moradores locais e de cidades
circunvizinhas. Em vários momentos de sua vida teve que improvisar para garantir a
própria sobrevivência e da sua família, às vezes vendendo, na calçada da feira,
goiaba, banana, jenipapo, tangerina, produtos colhidos por ele mesmo no quintal de
casa, onde também cultivava mandioca e fumo. Ele lembra as negociações que

180
SANTOS, Hamilton Rodrigues dos. Vidas nas Fronteiras: práticas sociais e experiências de
feirantes no Recôncavo Sul da Bahia - Santo Antonio de Jesus 1948-1971. Santo Antonio de Jesus.
Dissertação de Mestrado em Cultura, Memória e Desenvolvimento Regional, 2008, p 64.
181
SANTANA, Charles D’Almeida. Dimensão histórico-cultural (Cidades do Recôncavo). Salvador:
Cadernos CAR – Programa de Desenvolvimento Regional Sustentável, 1999, p. 49.
182
Ata de 23 de agosto de 1948. APMSAJ. Livro de Ata da Câmara dos Vereadores de Santo
Antonio de Jesus – 1948 a 1951.
183
Projeto de Lei solicitando a aferição de pesos e medidas. Ata de 17 de maio de 1949. APMSAJ.
Livro de Ata da Câmara dos Vereadores de Santo Antonio de Jesus – 1948 a 1951.
81

eram feitas para pagar as contas e manter-se na cidade. Segundo nos conta, a
maior parte dos produtos era adquirida na feira, entretanto “os cereais, era nas
casas de cereais e carne fresca, era nos açougues”, pois “tinha as nossas amizades
nas casas de cereais; conhecido, comprava pra mês, por seis meses, porque tinha
que trabalhar primeiro pra pagar e só pagava com fumo e café”.184
Contudo, o Sr. Manoel migrou para Salvador por força da falta de trabalho.
A ausência de atividades que absorvessem, sobretudo os desempregados dos
armazéns nos meses de entressafra foi exaustivamente comentada pelo Palládio,
oito anos após publicar uma matéria com prenúncios otimistas sobre o futuro da
economia da cidade. A presença abundante de mão de obra e de freguesia, o fácil
acesso a matérias primas e a ligação com a população de municípios vizinhos,
razoavelmente aproximados por estradas de rodagem e de ferro, foram aspectos
favoráveis apontados para o estabelecimento das fábricas, numa matéria em que
analisava as condições que a cidade apresentava para a implantação de indústrias.
Em contrapartida, as duas grandes condições que faltavam eram a energia elétrica e
a água, requisitos necessários para o desenvolvimento das indústrias, que a cidade
ainda não dispunha naquele momento. Ao que tudo indica, tal situação favorecia
para o elevado índice de desemprego, pois “há muita gente para trabalhar, que não
acha emprego”,185 conforme ressaltou o periódico.
A prática de pessoas conhecidas comprarem mercadorias em vendas e o
proprietário anotar no caderno, para aguardar o pagamento após um ou até seis
meses, era costumeira numa sociedade em que a palavra valia tanto quanto
qualquer documento escrito. Tempo em que os armazéns de fumo e café eram os
locais de trabalho de um grande contingente de pessoas, que só tinham serviço nos
meses referentes ao período de colheita. Portanto, quando terminava a safra, era
preciso esperar seis meses para ter novamente trabalho e receber o salário para
pagar as contas. À medida que negociações como esta aconteciam, aumentavam as
oportunidades de sobrevivência das camadas mais pobres na cidade.
Comprar no vale, ou seja, comprar para pagar depois, com trinta dias ou até
em várias prestações, sem a necessidade do uso de cartões de crédito ou cheques,
é uma prática que se mantém em Santo Antonio de Jesus. Sr. Gregório, de 99 anos

184
Depoimento do Sr. Manoel Oliveira, em agosto de 2007, 76 anos de idade, nascido em Santo
Antonio de Jesus.
185
“Indústrias em Santo Antonio”. O Palládio. Santo Antonio de Jesus, 6 de novembro de 1950, p 1.
82

de idade, ex-comerciante de carne do sol, é morador do bairro periférico do Casco e


conhece bem esse hábito. Conta, orgulhoso, como as portas se abrem para os seus
filhos, já que ele agora vai pouco ao centro, quando é pronunciado o nome “Gregório
da carne do sol”, pois na

São Luis, ou quarquer casa na cidade, eu fico daqui e mando eles ir.
Telefono e mando despachar. Quer dizer eu tenho grande satisfação
com a minha procedência porque disse que o cidadão é roxo, não
tem valor. Agora, é desvalorizado aquele que quer se desvalorizar,
mas aquele que quer proceder bem, todo lugar cabe ele.186

As palavras do Sr. Gregório falam de honra, do orgulho sentido por quem


valoriza a honestidade e o nome limpo na praça, garantia de crédito em qualquer
casa comercial da cidade. Conhecedor do preconceito racial e das dificuldades a
mais que enfrentou por ser pobre e negro, utilizou-se disso como um incentivo para
mostrar, através da sua procedência, que é um equívoco dizer que “o cidadão é
roxo, não tem valor” e que pessoas como ele, de procedência exemplar, em “todo
lugar cabe”. Homens como Sr. Gregório são “dos tempos em que um fio de barba
[...] valia realmente um penhor e a segurança inquebrantável de uma palavra
empenhada, representava a honra de uma pessoa”187, afirmava-se em matérias de
jornais, por exemplo.
Nascido em outro pólo da cidade, na Rua Maria Nunes, atual Antonio Fraga,
o Sr. Irênio Santos Pereira começou aos doze anos de idade a ser iniciado na arte
da marcenaria, quando o seu pai o levava para a tenda do mestre Félix Sacramento,
onde ele e muitas outras crianças aprenderam o ofício. Segundo Sr. Irênio, nem
todos que começavam a aprender ficavam até o final. Ele só saiu quando sabia o
bastante para abrir sua própria tenda, pois entendia que era o caminho que deveria
ser trilhado para conseguir o seu espaço de trabalho e sobrevivência na cidade,
certamente eis um caminho seguido por muitas outras pessoas que não tiveram
acesso à educação formal, em virtude da ausência de escolas, vislumbrando nos
ofícios de marceneiros, alfaiates, sapateiros, oportunidades de serem iniciados em
uma profissão. Filho “de família pobre” não esquece as dificuldades que passava
nos meses que não tinha serviço para os pais, nos armazéns de fumo e café,

186
Depoimento do Sr. Gregório Tavares da Silva de 99 anos de idade, em maio de 2007, morador da
cidade desde 1948.
187
“No meu tempo”. O Detetive. Santo Antonio de Jesus, 22 de janeiro de 1950, p 1.
83

situação que muitas vezes o levou a trabalhar aos domingos “para ganhar um
dinheirinho a mais”.

Minha mãe trabalhava no armazém de fumo. Meu pai trabalhava no


armazém de café. Quando acabava, quando não tinha o café. Aí fica
assim, aquela coisa ficava fraca. O fumo também tinha aquela coisa,
tinha tempo que não vinha porque o fumo não era daqui ele vinha no
trem, tinha trem né [risos]. O café também vinha no trem e aí tinha
aquele negócio, fazia aquela safra, aquele negócio e tal e daí discia,
como diz o tabaréu e aquela coisa fracassava um pouco e num tinha
e aquela falta de conhecimento dos mais velhos não sabia como
aproveitar aquele dinheiro para manter a família certinho e tal e tal e
tal aí os filhos sofrem.188

A vida difícil e as limitadas possibilidades de escolha em relação ao


trabalho, principalmente nos meses que “aquela coisa ficava fraca”, não o permitem
sentir saudades daquele tempo. Entretanto, a lembrança do trem trouxe à tona uma
emoção denunciada pelo tom da voz, pelos risos e por um brilho mais intenso nos
olhos, talvez por estar revivendo o único passeio que fez de trem a Varzedo,189
então distrito de Santo Antonio de Jesus, para assistir a um comício de Antonio
Fraga. A fala suave, pausada e a maneira cordial de tratar as pessoas que chegam
à marcenaria, ele afirma que adquiriu com o seu mestre, observando o seu jeito
educado de falar e de atender os fregueses, pois o tinha como mestre na arte e no
jeito de se comportar. Ao que podemos observar, o ambiente de trabalho na tenda
da marcenaria ameniza o trabalho extra.
Fazia-se constante também a companhia da música ouvida no rádio,
cantada durante o trabalho ou apresentada pelas Filarmônicas locais, já que muitos
sapateiros, marceneiros e alfaiates eram igualmente músicos.190 Afinal, “a música,
do mesmo modo que a festa, estava visceralmente vinculada ao cotidiano das
trabalhadoras e dos trabalhadores dos campos e das cidades”191 e esteve sempre
presente no ambiente de trabalho de Sr. Irênio, uma vez que o seu mestre
participava da Filarmônica Amantes da Lira. Quando o rádio da tenda não estava

188
Depoimento do Sr. Irênio Santos Pereira, em 3 de maio de 2008, 71 anos de idade, morador da
cidade desde que nasceu.
189
O atual município de Varzedo foi distrito de Santo Antonio de Jesus até 1989, quando a população
local, através de um plebiscito, decidiu pela sua emancipação política.
190
Ver MENEZES, Eliane. A Beneficente dos “Artistas” santantonienses. Santo Antonio de Jesus,
UNEB – Dissertação de Mestrado em Cultura, Memória e Desenvolvimento Regional, 2008.
191
SANTANA, Charles D’Almeida. Dimensão histórico-cultural (Cidades do Recôncavo). Salvador:
Cadernos CAR – Programa de Desenvolvimento Regional Sustentável, 1999, p. 81.
84

ligado, ele tentava reproduzir as canções que ouvia, numa demonstração de alegria,
“cantava porque tava alegre, trabalhava alegre”. Trata-se de um apaixonado pela
arte que desenvolve ainda hoje. A sua condição econômica não o impediu de
participar, ainda que timidamente, de momentos festivos e de diversão na cidade,
como as micaretas, as sessões de cinema, o futebol dos domingos, “apesar de
nunca ter sido de muita folia”.192
Sr. Gregório e Sr. Irênio tiveram poucas oportunidades de freqüentar
escolas, embora a mensagem apresentada pelo prefeito Antonio Fraga à Câmara
dos Vereadores, no exercício de 1949, informe que haviam sido instaladas 22
escolas municipais nos dois anos de administração [1949/1950] para a alfabetização
da população carente de instrução.193 O contato que mantiveram com a educação
formal foi apenas de um ano de estudo, quando aprenderam a ler e escrever. Mas
as dificuldades enfrentadas, quanto à adaptação ao ambiente escolar e aos horários
os fizeram entender que precisavam trabalhar. Talvez por ter percebido em suas
vivências o quanto foi mais difícil, devido a pouca intimidade ou quase nenhuma com
os estudos, hoje falam de estudar como um sonho não realizado. Mas será que
sonharam mesmo com isso ou seria uma re-elaboração dessa relação, a partir do
sonho, no presente? O vasto conhecimento que têm da vida, do trabalho, dos
negócios foi acumulado ao longo de suas experiências na observação do
comportamento de pessoas que para eles serviram como mestres. As poucas
escolas que havia na cidade funcionavam durante o dia, o que dificultava o acesso
de quem precisava trabalhar. Na documentação examinada, foi localizada apenas a
criação de três escolas noturnas na cidade, na década de 1940. Ações como essa
apareciam nos jornais como iniciativas de combate ao analfabetismo, voltadas para
“os filhos de operários”194 ou “uma escola para analfabetos”,195 insinuando que as
escolas diurnas não eram para eles.
As possibilidades de fazer-se profissional para os filhos dos trabalhadores
não se limitavam à aprendizagem da arte da marcenaria. O Sr. Antonio Santana,
alfaiate de 78 anos, traz recordações importantes sobre sua trajetória profissional.
Conhecido apenas como Sr. Eco, ele trabalha no mesmo local há 52 anos, na casa

192
Depoimento de Sr. Irênio, já citado.
193
“Relatório das atividades no exercício de 1949”.O Palládio. Santo Antonio de Jesus, 10 de maio de
1950, p 2 .
194
“Contra o analfabetismo”. O Palládio. Santo Antonio de Jesus, 23 de agosto de 1945, p 3.
195
“Pela instrução”. O Palládio. Santo Antonio de Jesus, 9 de abril de 1947, p 3.
85

branca de apenas uma porta e janela azul, que conserva a arquitetura original,
mesmo estando ao lado das modernas lojas da Galeria Moura, uma espécie de mini-
shopping que vende roupas, sapatos e outros produtos sofisticados. Ao lado de sua
tenda ainda se mantém uma pensão de construção também original, onde funcionou
o Hotel Palmeiras. As duas casas, destoando do desenho arquitetônico atualmente
predominante ao seu redor, guardam vestígios de uma época em que a cidade
comportava antigos sobrados e casarões das primeiras décadas do século XX.
Durante a entrevista, realizada no seu local de trabalho, por várias vezes
fomos interrompidos por buzinas, carros de som e pelo barulho das pessoas que
não paravam de passar. A alfaiataria de Sr. Eco está localizada próximo às Quatro
Esquinas, uma das melhores áreas para o comércio da cidade, desde quando havia
apenas casas de morada e “quatro predinhos, um cá, um lá”. Iniciado na arte de
alfaiate com o mestre Belarmino Ribeiro, nas décadas de 1950 e 1960, manteve até
seis operários confeccionando roupas para toda a cidade, inclusive para
autoridades. Costurava muita batina, jaquetão, calça e paletó, “bermuda a gente não
fazia naquele tempo, o homem que trabalhasse de bermuda, Ave Maria, era uma
confusão danada, homem de calça curta” não estava de acordo com os costumes da
época. Tempo em que a cidade possuía cerca de “22 ou 23 alfaiatarias; hoje não
tem; só tem eu e um rapaz ali, chamado Nôca”.196
Com ar saudosista, ele mostra as seis máquinas usadas pelos operários,
hoje aposentadas em um canto da loja. Os seus funcionários, aprendizes ou
profissionais, não recebiam salários, tinham o pagamento por cada peça produzida.
Nos anos áureos das alfaiatarias, “tinha semana que fazia 40 calças” e em épocas
de festa de Natal ou São João, o movimento “aumentava ainda mais”. Colega de
profissão de Sr. Eco, Sr. Manoel Oliveira, atualmente aposentado, lembra que “a
cidade tinha muitas lojas de tecidos, então as pessoas compravam brim e levavam
para a gente fazer, porque quem fazia roupa naquela época era nós, os alfaiates”.
Eram eles que vestiam a população, desde aqueles que podiam pagar mais e
compravam tecidos caros, àqueles que não tinham melhores condições e recorriam
aos mais baratos, mas não deixavam de fazer suas encomendas. Porém, essa
posição importante, ocupada pelos alfaiates, começou a ser alterada “depois que
começou a confecção, aí a gente ficou numa situação difícil, aí terminei com a minha

196
Depoimento do Sr. Antonio Santana Vieira, em 2 de novembro de 2007, 78 anos de idade,
morador da cidade desde que nasceu em 1929.
86

alfaiataria”197, partindo em seguida para Salvador. Convergindo com as idéias de


seu colega, Sr. Eco acrescenta que, com o surgimento das confecções na cidade, “a
procura diminuiu e os operários saíam, [...] saía porque queria. Nunca botei ninguém
pra fora.198
Sr. Eco e Sr. Salvador Palmeira Silva, conhecido como Sr. Nôca, são os
únicos alfaiates que mantém as portas abertas. Trabalham sozinhos, utilizando
apenas uma máquina, que é o bastante para atender às poucas encomendas que
chegam, quase sempre para consertos e ajustes. Ainda hoje, Sr. Eco abre as portas
a partir das 6:00h da manhã, todos os dias, inclusive domingos e feriados e só fecha
às 17:30h, temendo a chegada da noite, quando, segundo ele, a cidade fica mais
perigosa. Lá mesmo ele almoça. Às vezes as portas se fecham durante o dia por
alguns minutos, é que ele mantém o costume de dar uma escapadinha rápida até o
barzinho próximo para tomar uma cachaça nos intervalos do trabalho. Em poucos
minutos lá está ele pedalando a sua velha máquina Vigorelli, toda manual, em meio
a tubos, bobinas e roupas espalhadas, ouvindo o rádio já ligado na tomada. É como
se ali dentro estivéssemos em outro tempo, o qual termina ao cruzar a porta e dar de
frente com a agitação do Supermercado Rio Branco e com o barulho das Quatro
Esquinas. Vez por outra, ele olha o movimento da rua e, apesar de estar ali pertinho
da sofisticação da Galeria Moura, dividindo o mesmo espaço, não vê problema
algum nisso, pois são “eles lá e eu cá”. Não sabe até quando vai se manter ali, mas
acredita que “se sair daqui eu acho que eu vou morrer mais ligeiro”.199
Resistente, por ter sido muito dedicado ao trabalho, não consegue pensar
em parar de trabalhar. Sua vida está ligada àquele lugar, é o que o mantém disposto
a acordar todos os dias às 5:00h da manhã e saber que tem um longo dia pela
frente. Sua dedicação, entretanto, não o furtou de usufruir, nas horas vagas, nas
décadas de 1950 e 1960, de alguns momentos de lazer, freqüentando de vez em
quando o cinema ou participando da micareta, que acontecia ali mesmo nas Quatro
Esquinas. Nunca aprendeu a dançar, o que o faz pensar que é um tabaréu, mas o
que ele gostava muito mesmo era do futebol. Não perdia uma partida de Vasco e
Humaitá, dois grandes times locais da época. Praticante do futebol, nunca jogou nos
clubes principais, o que para ele significava que não era um bom jogador, “eu era

197
Depoimento do Sr. Manoel Oliveira, já citado
198
Depoimento do Sr. Antonio Santana Vieira, já citado.
199
Idem
87

ruim”, afirma, mas chegou a jogar no quarto quadro, uma espécie de quarta divisão,
que recorda com saudades.200
Numa sociedade em que predominava a presença masculina no mercado
de trabalho, a mulher foi aos poucos ampliando a sua participação, sobretudo para
garantir a sobrevivência na cidade, aumentando a renda da família ou mesmo
manter-se sozinha. Elas estavam em toda parte e experimentavam “novas maneiras
de viver, através da luta pela conquista de espaços de sobrevivência”,201 dominados
até então pelos homens. Trabalhavam nos armazéns de fumo e café, nas barracas
da feira, realizavam trabalho domiciliar,202 costuravam e davam aulas de corte e
costura, “cursos de flores, arremates, prendas e arte culinária”.203 Transformavam
suas casas em pensões, como fez D. Antonia Leal, recebendo “meninos e meninas
escolares para dar pensão”,204 realizavam serviços de enfermeira, como D. Rosalva
Caldas, quem anunciava no jornal aceite de “colocação para serviço”, por “conhecer
os trabalhos de enfermarias,205 praticavam o trabalho de parteira, como Antonieta de
Freitas Guimarães; ingressavam no serviço público, na função de professora ou em
outros cargos; e até mesmo ocupavam vaga na Câmara Municipal, como D. Maria
do Carmo Nogueira Amâncio, mais tarde “exonerada do serviço de assistência aos
pobres, em virtude de fazer parte do Legislativo Municipal como vereadora”.206
Em nota transcrita de uma revista, o jornal O Detetive discorre sobre a
marcha do progresso e as mudanças no mundo, destacando o avanço da
participação das mulheres no campo profissional, visto que “já trabalham e fazem
concorrência aos homens”. Estes, por sua vez,

habituaram-se à independência econômica feminina. Não mais


compreendem uma mulher sem emprego remunerado. Dizem que
toda professora pública jamais fica solteira, embora seja preferência
atribuída a homens interesseiros. 207

200
Depoimento do Ar. Antonio Santana Vieira, já citado.
201
SOUZA, Edinélia Maria O.. Diálogos sobre memórias do trabalho feminino no Recôncavo Sul da
Bahia. Anais do Encontro Estadual – ANPUH – Bahia, 2001.
202
Trabalho domiciliar aqui é entendido como aquele realizado na habitação do trabalhador. MATOS,
M. Izilda S.. Cotidiano e Cultura: história, cidade e trabalho, 1ª ed. Bauru, EDUSC, 2002, v.1, p 90.
203
“D. Dalva Vita”. O Palládio. Santo Antonio de Jesus, 30 de maio de 1950, p 3.
204
“Anúncio de Pensão”. O Palládio. Santo Antonio de Jesus, 13 de outubro de 1951, p 3.
205
“Mulher que trabalha”. O Palládio. Santo Antonio de Jesus, 13 de outubro de 1951, p 3.
206
Portaria nº 26/63 de 5 de julho de 1963. APMSAJ. Livro de Atas, Decretos e Portarias da
Prefeitura Municipal de Santo Antonio de Jesus.
207
“Não penses assim”. O Detetive. Santo Antonio de Jesus, 7 de maio de 1950.
88

Mesmo que a situação descrita estivesse mais adequada às grandes


cidades, sobretudo, por se tratar de transcrição de uma revista da cidade do Rio de
Janeiro, o texto não foi reproduzido aleatoriamente. Na sociedade santoantoniense,
as dimensões da presença feminina no mundo do trabalho, ainda que notadamente
por questões econômicas, apontam para esse caminho. Os tempos eram outros, as
mulheres eram outras e seus interesses certamente não eram os mesmos daqueles
tempos em que viviam apenas sustentadas pelo homem. Na trajetória do trabalho
feminino urbano, o tempo cotidiano mostrou-se distinto daquele dos homens.
Enquanto os homens vivenciavam a polarização entre tempo de trabalho e de não-
trabalho, as mulheres enfrentavam a rotina dos afazeres domésticos, do trabalho
externo ou do trabalho domiciliar. “Seu tempo era modelado pelo dos outros; seus
horários eram os do marido, dos filhos, do patrão, do mercado, da costura e dos
bordados”.208
D. Conceição, de 66 anos de idade, formou-se como professora em 1962,
começou a trabalhar em 1963, tendo se casado no ano seguinte. Acostumada a
trabalhar desde cedo, ajudando na padaria do seu pai, no turno oposto ao que
estudava, era uma mulher de certa autonomia. Segundo ela, seus pais tinham “uma
cabeça mais aberta” para essas questões e deixava que trabalhasse ainda menina e
mesmo depois de casada, “seu marido não implicava com isso”.209 A situação
confortável de D. Conceição não era comum às trabalhadoras urbanas. Muitas
tiveram que enfrentar a reprovação dos pais, as desconfianças dos maridos e os
falatórios alheios para trabalhar fora de casa, a depender da função que
desempenhavam e do local de trabalho. A matéria citada anteriormente aponta
como conseqüências dessa conquista uma situação paradoxal, em que ao mesmo
tempo “a mulher valorizou-se e se desvalorizou”. Valorizou-se porque demonstrou
“firmeza de vontade, eficiência, proveito do seu esforço”, e desvalorizou-se, no
aspecto sentimental “porque não mais se permitem requintes de delicadeza e
fidalguia, na labuta cotidiana nivela-se ao sexo contrário”.210
A labuta e o cansaço do dia a dia, o tempo escasso e a situação de ter que
dividir às vezes o mesmo espaço com o homem, como acontecia nos armazéns,

208
MATOS, M. Izilda S.. Cotidiano e Cultura: história, cidade e trabalho, 1ª ed. Bauru, EDUSC, 2002,
v.1, p 95.
209
Depoimento de D. Maria da Conceição Souza Silva, em dezembro de 2007, de 66 anos de idade,
moradora da cidade desde 1944.
210
“Não penses assim”. O Detetive. Santo Antonio de Jesus, 7 de maio de 1950, p1.
89

onde “as mulheres trabalhavam catando café e os homens trabalhavam enchendo o


saco de café”,211 talvez tenha aproximado alguns comportamentos da mulher de
traços da figura masculina, particularmente no aspecto da resistência a tarefas
árduas executadas diariamente.
Entretanto, entre as múltiplas formas assumidas pela modernização da
cidade, uma das preocupações estava relacionada à beleza pessoal como uma das
preocupações de algumas mulheres que pagavam pelos serviços oferecidos no
Salão de Beleza Bahia, onde realizavam “permanentes, penteados e serviços de
manicure”,212 pois

o tratamento das unhas deixou de ser um privilégio das classes ricas


para ser uma das mais gratas ocupações dos momentos dedicados
durante o dia à higiene pessoal. Recorre-se com freqüência a
manicure profissional.213

Ainda que o acesso a esses serviços de higiene pessoal nesse momento


não tenha atingido um número significativo de mulheres, já que muitas continuaram
sem trabalhar fora de casa e, portanto, não possuindo renda própria, é provável que
essas preocupações com o corpo e com a beleza tenham sido intensificadas com a
ampliação do trabalho feminino e das formas de socialização na cidade. Novas
possibilidades de vida social surgiam e o simples fato de sair de casa todos os dias
exigia uma atenção especial com a aparência física, estimulando a vaidade e a
busca, com mais freqüência, de uma melhor apresentação pessoal. Mas, era
principalmente para as festas, para ir ao cinema e à igreja que as mulheres mais se
arrumavam, escolhendo o vestido mais bonito, o sapato de passeio, caprichando na
arrumação do cabelo e na maquiagem, conforme recorda D. Maria Soares, antiga
trabalhadora dos armazéns de fumo: “eu comprei o vestido bonito pra poder ir pra
missa [...]. Ora, graças a Deus. O pano se chamava linho de seda”.214
Optar pelo trabalho das mulheres, para os patrões, significava economia, já
que pagavam salários menores. Já para as mulheres, significava adquirir certa
autonomia ao ocupar espaços de trabalho na cidade, anteriormente pertencentes
apenas aos homens. Nesse sentido, nas vivências urbanas de Santo Antonio de

211
Sr. Irênio Santos Pereira, depoimento já citado.
212
“Salão de Beleza Bahia”. O Palládio. Santo Antonio de Jesus, 8 de outubro de 1948, p 3.
213
“A Beleza das Unhas”. O Detetive. Santo Antonio de Jesus, 1º de outubro de 1950, p1.
214
Depoimento de D. Maria Soares de Jesus, em nov. de 2007, de 84 anos de idade, moradora da
cidade desde os sete anos.
90

Jesus, o trabalho feminino apresentou-se como mais uma dimensão, sobretudo,


exercido pelas camadas populares que buscavam sobreviver na cidade.

2.2. Práticas de solidariedade e caridade no cotidiano santoantoniense

Ainda nas primeiras décadas do século XX, a ausência de proteção social


pelo poder público local levou um grupo de trabalhadores a se unirem para fundar a
Sociedade Beneficiente dos Artistas. Eram marceneiros, ferreiros, alfaiates
estivadores, tipógrafos, músicos, homeopatas, comerciantes, carpinteiros, pintores,
pedreiros, ajudantes de pedreiros, funileiros, mestres-de-obras, ouríveres,
enfermeiros, cabeleireiros, ambulantes, comerciários, sapateiros, chapeleiros,
professores e barbeiros. O objetivo era prestar assistência aos seus sócios, através
de um pacto de solidariedade de assistência mútua e de defesa coletiva, para cuidar
da saúde do mutuário, zelar e garantir seu sustento e de sua família, quando
impossibilitado de executar sua atividade laborial.215 Prestar assistência aos sócios e
a pessoas carentes não pertencentes à associação bem como possibilitar
oportunidades de instrução e lazer, faziam parte das funções dessa Sociedade.216 A
solidariedade institucional fazia-se presente, também nos anos 1920, na cidade,
através da Sociedade São Vicente de Paulo, instalada em 18 de julho de 1915, que
assistia caritativamente a pessoas com dificuldades econômicas, assim como da
Santa Casa de Misericórdia217 de Santo Antonio de Jesus que, desde maio de 1918,
assumiu o compromisso de minimizar problemas de saúde da população carente.218
Com as transformações urbanas que se processaram na cidade, a partir do
final dos anos 1940, “a necessidade de adaptação levava ao estreitamento de laços
familiares e comunitários”, ao mesmo tempo em que possibilitava a criação de
“redes de solidariedade, através de múltiplas estratégias”.219 Os moradores eram
estimulados a inventar novas práticas de solidariedade e atualizar as que já
existiam. Algumas trazidas do cotidiano dos trabalhadores rurais, em que “as
215
Sobre práticas de associações mutualistas ver DE LUCCA, T. R. O sonho do futuro assegurado: o
mutualismo em São Paulo (1920-1934). São Paulo:Brasília: 1990. p. 165.
216
MENEZES, Eliane. Op. cit., pp. 27-28.
217
RUSSELL-WOOD, A. J. R. Fidalgos e Filantropos: A Santa Casa de Misericórdia da Bahia.
Brasília: 1995.
218
MENEZES, Eliane. Op. cit., pp. 27-28.
219
MATOS, Maria Izilda Santos de. A cidade, a noite e o cronista: São Paulo e Adoniran Barbosa.
Bauru, SP: EDUSC, 2007, p 52.
91

práticas de solidariedade generalizavam-se nas permutas mais simples de doces por


frutas [...] no empréstimo de litros de farinha ou de leite para as crianças”.220 Na
cidade, esses vínculos de vizinhança também eram comuns quando em uma casa
faltava um item no preparo da refeição, batendo-se frequentemente na porta de
alguém para pedir emprestado. Nesse sentido, a ajuda entre vizinhas, para realizar
algumas tarefas domésticas ou cuidar das crianças, permitiu que a mulher se
ausentasse de casa para trabalhar na rua. Esse tipo de relação caracterizou-se
como uma estratégia de vida urbana e envolveu “laços muitos fortes de
solidariedade e de vizinhança, que improvisavam e modificavam continuamente”.221
Nessa sociedade em que as diferenças sociais podiam ser sentidas na
presença de adultos e crianças pedintes nas praças e nas portas, medidas paliativas
para amenizar a situação foram frequentemente tomadas. Os exemplares
acessados do jornal O Palládio, entre os anos de 1932 a 1951, trazem 9 matérias
abordando a situação dos pobres e a caridade, e O Detetive, durante os anos de
1950 e 1951, apresenta mais 8 notas sobre o assunto, o que sugere que os
periódicos eram importantes instrumentos de divulgação das campanhas.
Iniciativas que incluíam exibição de filmes e festas em benefício dos pobres
foram constantes na cidade, promovendo uma aproximação entre o lazer e a
caridade. Comissões de professoras, freiras, senhoras e senhores representantes
da sociedade, encarregavam-se de organizar esses eventos. Por ser um espaço de
lazer dos mais apreciados pela população local, o cinema foi um dos recursos
utilizados para esse fim. Eram realizadas seções de cinema, cujos valores
arrecadados com a venda dos bilhetes destinavam-se à compra de alimentos para
as doações. Nos anos 1930, já se tem notícia de espetáculos que aconteciam “em
favor dos flagelados sertanejos que andam aqui na cidade”.222 Na década seguinte,
ampliou-se esse tipo de auxílio, recorrendo-se ao cinema também para obter ajuda
“em benefício da construção do pavilhão de cirurgia da Santa Casa de
Misericórdia”.223
Festa e caridade foram os ingredientes da iniciativa do Sr. Luiz Argolo,
provedor da Santa Casa de Misericórdia, ao realizar, em frente ao Hospital, a
220
SANTANA, Charles D’Almeida. Fartura e ventura camponesa: trabalho, cotidiano e migrações:
Bahia 1950-1980. São Paulo: Annablume, 1998, p 50.
221
DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Quotidiano e poder em São Paulo no século XIX. 2 ed.rev. São
Paulo: Brasiliense, 1995, p 15.
222
“Festa e caridade”. O Palládio. Santo Antonio de Jesus, 3 de fevereiro de 1933, p 3.
223
“Uma diversão visando a caridade”. O Palládio. Santo Antonio de Jesus, 6 de setembro de 1949.
92

matança de 18 bois, “oferecidos à pobreza de Santo Antonio de Jesus”, sendo a


carne “distribuída aos indigentes mediante cartões fornecidos anteriormente pela
provedoria da Santa Casa de Misericórdia”. Naquela manhã de 7 de janeiro de 1951

a população foi agradavelmente surpreendida com a chegada dos


três Reis: Bekchior, Baltazar e Gaspar, que ostentando luxuosos
trajes e montados em vistosos cavalos rumaram ao prédio do
Hospital da Santa Casa, a fim de visitar o Presépio e mimosear o
Deus Menino.224

A festa, que possuía um sentido simbólico, fazia parte das homenagens


pelo Dia de Reis e as ofertas naquela data reverenciavam a visita dos Reis Magos
para presentear o menino Jesus, conforme publicou O Palládio em “Ofertas de Reis
aos pobres”,225 ao relatar como tudo transcorreu e divulgar a lista dos “reis”
doadores, composta por políticos, fazendeiros, comerciantes, empresários locais e
um médico.
O elevado número de “desafortunados” nas ruas da cidade226 deu origem a
uma campanha em prol da construção de um abrigo noturno “para acolher os
transeuntes desvalidos que moram na alpendrada da Estação ou embaixo de uma
árvore”. Realizada pela comissão promotora do Abrigo Noturno, a campanha
solicitava “um tijolo, uma telha, a fim de que sejam, quanto antes, atacados os
serviços de construção da grandiosa obra de caridade”.227
A resposta acolhedora da sociedade santoantoniense aos pedidos de
auxílio para a reforma da Igreja Matriz, para a Santa Casa de Misericórdia ou para a
ajuda aos pobres, era publicada constantemente nos periódicos locais, através de
listas com os nomes dos doadores. Um apelo que a irmã Maria Natividade dirigiu
aos proprietários de padaria da cidade e aos que possuíam laranja, a fim de
proporcionar todas as tardes aos doentes hospitalizados uma merenda sadia, foi
notícia do Palládio que registrou “a maneira humanitária e caridosa” com que foi
aceita a idéia. “Em menos de 24 horas foram encontrados os doadores

224
“Festa da Caridade”. O Detetive. Santo Antonio de Jesus, 13 de janeiro de 1951, p 1.
225
“Ofertas de Reis aos Pobres”. O Palládio. Santo Antonio de Jesus, 16 de janeiro de 1951, p 2.
226
FRAGA FILHO, Walter. Mendigos, moleques e vadios na Bahia do século XIX. São Paulo: Hucitec;
Salvador: EDUFBA, 1996. Descreve o drama dos pobres no século passado, suas estratégias de
sobrevivência e resistência, o calendário da mendicância, as transformações na política de controle
dos pobres e suas ligações com diferentes modos de ver a pobreza.
227
“Albergue noturno”. O Palládio. Santo Antonio de Jesus, 8 de agosto de 1946, p 4.
93

samaritanos”,228 que receberam os agradecimentos e tiveram seus nomes


divulgados, o que podia significar reconhecimento, prestígio e status. Mas isso não
era o bastante para impedir, em alguns momentos, que “os cometas”, aqueles
doadores que “aparecem, para depois rapidamente desaparecer, na carreira
veloz”,229 abandonassem a caridade. Por isso, os jornais, além de insistentes,
chegavam a ser apelativos.
A esmola era tema debatido nas reuniões de amigos. O editorial de O
Detetive, de 11 de março de 1951, trazia ao público uma calorosa conversa que teria
acontecido na noite de Natal sobre a quem devemos dar esmolas. Entre opiniões
diversas e nem sempre convergentes, uns defendiam que não se deve dar esmola
aos que bebem e outros afirmavam que aqueles “são uns doentes, inutilizados,
infelizes”, portanto essa decisão deverá ficar por sua conta, “não sendo nosso o
direito de criticar, afinal é preciso lembrar do sábio ensinamento que diz faça-se o
bem sem olhar a quem”.230
O ato de dar esmolas em Santo Antonio de Jesus levou D. Tereza Leal Vita
Souza, professora aposentada, ex-moradora local, a referir-se à cidade como “a
Terra dos esmolés”. Recorda que “todo dia alguém pedia nas portas da gente. Toda
hora chegava gente. Botava um bocado de pão no corredor em cima de uma cadeira
ou então farinha, ia entrando e pegando. Cada dia era uma coisa”.231
As palavras da professora Tereza ajudam a entender as insistentes notas
nos jornais, incentivando a doação de esmolas. O número de pessoas que “pedia
nas portas” era significativo o bastante para preocupar aqueles que trabalhavam,
tinham comércio e viviam na cidade. Embora naquele momento, de acordo com os
depoimentos dos moradores, a cidade ainda se apresentasse calma, bem longe dos
índices de violência dos dias atuais, “a indigência em Santo Antonio [...] há muito,
vem assumindo proporções descomunais”.232 Aquela gente toda, além de incomodar
por causa da péssima impressão que causava aos viajantes,233 podia ser vista como
uma ameaça de possíveis arrombamentos e roubos, principalmente durante a noite,

228
“Merenda diária para os hospitalizados”. O Palládio. Santo Antonio de Jesus, 11 de junho de 1949,
p 3.
229
“...Que vivam, pois, os cometas!”. O Detetive. Santo Antonio de Jesus, 10 de setembro de 1950, p
1.
230
Idem
231
Depoimento de D. Tereza Leal Vita Souza, em 6 de dezembro de 2007, 84 anos de idade.
232
“Sociedade Protetora dos inválidos”. O Detetive. Santo Antonio de Jesus, 13 de julho de 1951, p
1.
233
“Calúnias brancas”. A Voz das Palmeiras. Santo Antonio de Jesus, 12 de março de 1954, p 1.
94

quando as luzes eram apagadas e não se tinha guardas noturnos. Para os pedintes,
a esmola recebida podia significar a oportunidade de continuar sobrevivendo numa
cidade cuja rua era o único espaço a que tinha direito. Os que davam esmola
podiam entender esse ato como humanitário, a garantia de obter “a chave do
céu”,234 um gesto de pura solidariedade, uma forma de dar o mínimo possível
àquelas pessoas, evitando talvez o uso da violência para conseguir o alimento. Mas,
“o ato de doar ainda pode sugerir outros aspectos” como um meio de obter
“prestígio”, reconhecimento popular, já que os nomes dos doadores eram
frequentemente publicados, ou incluir também “exemplos de generosidade
desinteressada relativos à minoritária tradição do paternalismo benevolente, como já
afirmou Thompson”.235
Sr. Edivaldo Oliveira, de 90 anos de idade, ex-vereador da cidade, casado
com a professora Tereza, lembra que foi estabelecido um dia certo de dar esmolas
“para não se pedir, nos outros”. O dia “era sexta-feira, depois passou para quinta
por causa da feira. O movimento do comércio [...] atrapalhava. Na padaria eu
pegava saco de pão e botava lá, cada um ia pegando e tirando o seu”.236
A prática de distribuir pães remete-nos à tradição do “pão de Santo
Antonio”, que sobrevive. A história do pão de Santo Antônio remonta a um fato
curioso que pode ser assim narrado: Antônio comovia-se tanto com a pobreza que,
certa vez, distribuiu aos pobres todo o pão do convento em que vivia. O frade
padeiro ficou em apuros quando, na hora da refeição, percebeu que os frades não
tinham o que comer, pois os pães tinham sido "roubados". O frade padeiro foi contar
ao santo o ocorrido. Este mandou que verificasse melhor o lugar onde os tinha
deixado. O Irmão padeiro voltou estupefato e alegre ao ver que os cestos
transbordavam de pão, tanto que foram distribuídos aos frades e aos pobres do
convento. O pãozinho de Santo Antônio é, por tradição, colocado pelos fiéis nos
sacos de farinha, com a fé de que, assim, nunca lhes faltará o que comer.237
Além de ofertarem pães da padaria da família, Sr. Edivaldo e D. Tereza
também participavam da “campanha do cruzeiro”, contribuindo semanalmente com a
quantia em dinheiro de um cruzeiro. Nota-se que a criação do dia da esmola fazia

234
“A caridade em marcha”. Jornal da Cidade. Salvador, 11 de maio de 1962, p 2.
235
THOMPSON, E. P. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos, Editora Unicamp, Campinas –
SP, 2001, p 246 e 247.
236
Depoimento de Sr. Edivaldo Oliveira Souza, em 6 de dezembro de 2007, 90 anos de idade.
237
Folhinha Sagrado Coração de Jesus, s.n.t..
95

parte de estratégias que provavelmente surgiam de acordos informais entre os


comerciantes e empresários locais, numa tentativa de não prejudicar os negócios.
Entretanto, a nota de O Detetive afirma que, para alguns mendigos, pedir constituía
“um grande sofrimento”, por esse motivo “é que se faz em Santo Antonio,
semanalmente, a cobrança do mencionado cruzeiro”,238 evitando assim o
constrangimento daqueles.
Desamparados, o velho Zacarias, a velha Januária, a cega Aura, Euzébia
do Vigário,239 eram alguns dos que recebiam parte do dinheiro arrecadado
semanalmente. Outros nomes estão registrados na memória de Sr. Edivaldo
Oliveira, como “Lingüiça, Antonio da Lira, Agostinho da Congregação, João do Galo,
tinha um bando”.

Lingüiça não tinha ninguém. Quando apareceu, ninguém sabe de


onde veio. Vivia e dormia pela rua. Chegava lá em casa todo dia,
vivia assim. Agora, todo domingo ia pra missa. Chamavam ele de...
comia em tudo quanto é lugar, comia galinha podre, chamavam ele
de boca de toné, ele danava, saía com um pau atrás correndo.
Ignorante, não sabia ler, não sabia nada.
Tinha outro popular lá. Antonio da Lira, só carregava as partituras da
Lira. Aonde a Lira ia, ia atrás. Perdia a noite por lá. Quando falava
em Carlos Gomes ele queria bater em todo mundo.240

A convivência diária com os personagens que viviam a perambular pelas


ruas, pedindo nas portas, dormindo na praça ou na Estação, está presente nas suas
lembranças. Ficaram gravados, também, os nomes, as características
comportamentais de cada um, permitindo distinguir aquele que “todo domingo ia pra
missa” ou o que “carregava as partituras da Lira”.
Os detalhes apontam certa proximidade com aquelas pessoas, relação que
Sr. Edivaldo provavelmente adquiriu quando foi membro da diretoria da Sociedade
São Vicente de Paulo, criada nas primeiras décadas do século XX. Nos anos
1930241, jornais locais trazem notas sobre essa Sociedade, ligada à Igreja Católica,
que conseguia donativos de roupas, leite, farinha de trigo, fubá de milho, óleo
doméstico, latas de manteiga que eram distribuídos aos pobres da cidade.242 Nas

238
“Em favor dos pobres”. O Detetive. Santo Antonio de Jesus, 9 de abril de 1950, p 1.
239
Idem.
240
Depoimento de Sr. Edivaldo Oliveira, já citado.
241
“Quem dá aos pobres, empresta a Deus”. O Palládio. Santo Antonio de Jesus, 1º de abril de 1932
242
“A caridade em marcha”. Jornal da Cidade. Santo Antonio de Jesus, 11 de maio de 1962.
96

décadas seguintes, os periódicos locais continuaram acompanhando o trabalho da


Sociedade São Vicente de Paulo.243
A partir das informações obtidas no material acessado, percebe-se que os
pobres que viviam nas ruas da cidade apresentavam um perfil variado. Homens e
mulheres, dos quais raramente se conhecia a origem. Alguns eram flagelados
fugindo da seca; outros, como Lingüiça, sem nenhum parente conhecido. Muitos
apresentavam algum problema de saúde física, mental ou visual, como o velho
Zacarias e Agostinho da Congregação, ambos cegos. Havia ainda uma enorme
quantidade de crianças. A situação das pessoas que moravam pelas ruas das
cidades baianas na década de 1950 foi retratada pelo governo estadual da época,
ao considerar o elevado número de menores que viviam entre “vadios e
vagabundos”,
sem educação, sem escola, praticamente abandonados pelos pais,
uma grande porção já de verdadeiros desajustados sociais,
degenerada pelo alcoolismo, entregando-se aos vícios mais torpes,
trilhando, enfim, o caminho do crime.244

Dentro desse quadro social, estavam as crianças que viviam de esmola e


moravam nas ruas de Santo Antonio de Jesus. Concordando com Thompson ao
considerar que “a estrutura, em qualquer relação entre ricos e pobres, sempre corre
em mão dupla, e essa mesma relação, quando girada e vista em perspectiva
inversa, pode expor uma heurística alternativa”, os atos de pedir e dar esmola
podem ser vistos como duas faces da mesma moeda. Podia representar ao mesmo
tempo, uma estratégia de sobrevivência para os pobres, pois “sabem que a recusa
da dádiva provoca a culpa em quem nega”, e para os doadores, uma condição para
ter a consciência leve, uma suposta garantia de não ser incomodados ou ainda a
“notoriedade da benevolência”.245

2.3 Tensões no espaço urbano

As intensas mudanças que ocorreram nas décadas de 1950 e 1960, em


Santo Antonio de Jesus, percorreram todos os níveis da experiência social.

243
Ver particularmente A Voz das palmeiras nº. 34, ano I e o Jornal da Cidade nº. 9, ano I.
244
Mensagem apresentada pelo Dr. Octávio Mangabeira, governador do Estado da Bahia à
Assembléia Legislativa, através da Imprensa Oficial da Bahia, em 7 de abril de 1950, p 17.
245
THOMPSON, E. P. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos, Editora Unicamp, Campinas –
SP, 2001, p 253.
97

Mudanças semelhantes a outras tantas que afetaram “desde a ordem e as


hierarquias sociais até as noções de tempo e espaço das pessoas”. Estas, por sua
vez, passaram a perceber os objetos, a reagir e organizar o mundo ao seu redor de
diferentes maneiras, podendo-se afirmar que em nenhum período anterior tantas
pessoas foram envolvidas de forma tão completa e tão rápida num processo que
transformou drasticamente seus hábitos cotidianos, suas convicções, seus modos
de percepção.246
As transformações urbanas ocorreram em concomitância com mudanças
nos modos de vida dos moradores. Entretanto, é possível afirmar que eles não
ficaram passivos apenas assistindo as mudanças. Por nem sempre entenderem e
aceitarem o que estava acontecendo, particularmente quando estavam envolvidos
costumes e valores há muito tempo incorporados às suas experiências, os sujeitos
urbanos tentavam dar significado às novidades em busca de algo seguro. É somente
através da experiência que o indivíduo desenvolve e incorpora valores. E tais
valores não podem ser compreendidos apenas como uma imposição, mas como
criação, subjetivação, re-significação. Nos costumes, no cotidiano, encontramos
férteis exemplos de resistência e luta; não somente nos fóruns institucionais.247
Nesse processo, pleno de incertezas e adaptações, que mexia profundamente com
os espaços, as relações de trabalho, os costumes e as práticas de solidariedade,
tensões ocorreram constantemente. Dessa forma, “incorporar à história tensões
sociais de cada dia implica a reconstrução da organização de sobrevivência de
grupos marginalizados do poder e, às vezes do próprio processo produtivo”.248
Estudos e abordagens que incorporam a análise do cotidiano têm revelado
todo um universo de tensões e movimento com uma potencialidade de confrontos,
descortinando formas peculiares de resistência/luta, integração/diferenciação,
permanência/transformação, no qual a mudança não está excluída, mas sim
vivenciada de diferentes formas, configurando a história do cotidiano como espaço
de resistência ao processo de dominação.249 Recuperar possíveis vivências das

246
SEVCENKO, Nicolau. O prelúdio republicano, astúcias da ordem e ilusões do progresso. In:
Nicolau Sevcenko (org)/ Fernando A. Novaes (coord): História da vida privada no Brasil. São Paulo:
Cia das Letras, 1998, pp7-8.
247
MELO, Victor Andrade. Lazer e Camadas Populares: reflexões a partir da obra de Edward Palmer
Thompson. Revista Movimento, Porto Alegre, v. 7, n. 14, p. 4-19, 2001, p. 4.
248
DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Quotidiano e poder em São Paulo no século XIX. 2 ed.rev. São
Paulo: Brasiliense, 1995, p 15.
249
HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. apud MATOS, Maria
Izilda Santos. Cotidiano e Cultura: história, cidade e trabalho. 1 ed. Bauru, EDUSC, 2002. v. 1, p.26.
98

tensões cotidianas de Santo Antonio de Jesus significa “desfiar a teia de diferentes


dimensões de experiência, fugindo dos dualismos e polaridades e questionando as
dicotomias”.250
Na tentativa de politizar o cotidiano santoantoniense, no período em foco, é
possível perceber experiências de tensões urbanas nos espaços privado e público,
ocorridas entre vizinhos, entre gerações diferentes, entre patrões e empregados,
com pessoas de camadas sociais diferentes ou não. Um recado encontrado no
Jornal O Detetive, pode ser um sinal de que na cidade, a relação entre vizinhos não
era marcada apenas pela solidariedade e harmonia, e revela possíveis
desentendimentos: “Como é isso? Depois do dominó liga o rádio em altas vozes e
não deixa a gente dormir?”.251
Situações simples do cotidiano como o incômodo do barulho causado com
“o rádio em altas vozes” são traços que singularizam e ao mesmo tempo podem
revelar resistência a alterações de costumes e valores culturais enraizados nas
experiências de vida de toda uma população, que estava habituada a dormir cedo,
com o silêncio da noite calma, ao som apenas do canto do galo, dos grilos e dos
pássaros. Assim, o volume do rádio que “não deixa a gente dormir”, pode não ter
sido o único motivo causador da tensão, mas foi o meio utilizado para dar vazão à
insatisfação diante da possibilidade de mudança nos hábitos cotidianos, já que o
horário de dormir seria afetado.
Por vezes, pessoas mais velhas sentiram-se incomodadas com
comportamentos praticados pelos jovens, ao tempo em que reprovavam “a falta de
escrúpulo que reina entre namorados no jardim não respeitando transeuntes”.252
Namorar no jardim não era um hábito muito aceito pelos moradores. “O namoro era
bem diferente, dava até medo. Só se namorava em casa, na rua não podia. E só era
pegar na mão”.253 O tipo de namoro que acontecia no jardim fugia dos padrões da
época, diferindo do modelo aceito e praticado pelas “moças de família”.
Incomodava os mais velhos também o comportamento dos “mocinhos
armados a atletas” que “altas horas da noite vivem rompendo o silêncio da cidade,

250
DIAS, Maria Odila Leite da Silva. “Teoria e método dos estudos feministas: perspectiva histórica e
hermenêutica do cotidiano”. In: Uma questão de gênero. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos:
Fundação Carlos Chagas, 1992, apud MATOS, Maria Izilda Santos. Cotidiano e Cultura: história,
cidade e trabalho. 1 ed. Bauru, EDUSC, 2002. v. 1, p. 26.
251
“Recado”. O Detetive. Santo Antonio de Jesus, 24 de junho de 1950, p 2.
252
“Última hora”. O Detetive. Santo Antonio de Jesus, 24 de setembro de 1950, p 2.
253
Depoimento de D. Maria da Conceição Souza Silva, já citado.
99

dando murros nos postes e nas paredes das casas alheias, nos postes da luz
elétrica”, sendo alvo de denúncia nos jornais. Alguns anos após a publicação dessa
matéria, esse tipo de comportamento seria acompanhado pelas desordens causadas
por aqueles jovens que altas horas da noite saíam pelas ruas da cidade gritando,
correndo, cantando “músicas imorais e indecentes” e pronunciando palavrões que
escandalizavam a população. Os novos modos de se comportar foram sendo
incorporados inicialmente à vida dos mais jovens, causando perplexidade e
incompreensão aos mais velhos, que só depois de algum tempo passaram a encará-
los com certa naturalidade, em nome “da civilização, progresso e adiantamento”. 254
Entretanto, a experiência de urbanização na cidade “não implicou uma padronização
total no estilo de vida”, não se tratou de uma “simples substituição de padrões”.
Pode-se dizer que houve uma redefinição dos elementos em que “formas de
vivência se mantiveram residuais, convivendo com experiências emergentes”,
comportando, ao mesmo tempo, “a resistência e/ou um inconformismo”.255
Era em nome do progresso que muitos defendiam a construção de um novo
mercado para a realização da feira, já que na praça onde funcionava o antigo, “o
burburinho tomou aspecto mais antipático, ocupando toda aquela área quase
encostando no passeio das casas os lençóis de verduras, os montes de frutas
postas no solo à disposição dos compradores aos sábados”.256 Ao que tudo indica, o
clima existente entre os feirantes e comerciantes, por um lado, que queriam a
permanência da feira na praça, e os moradores vizinhos do local e autoridades, por
outro lado, que pediam a sua saída dali para melhorar o aspecto da praça, era tenso
e culminou na transferência da feira para a Praça Duque de Caxias.
Contudo, alguns momentos de tensão poderiam ser resolvidos com
negociação. Nos dias em que a feira não dava lucro suficiente para o pagamento do
imposto obrigatório, os feirantes tentavam negociar, oferecendo aos fiscais um
pedaço de bolo, um cafezinho, um sorriso no rosto ou um olhar triste e cabisbaixo,
além do tratamento de cordialidade que dispensavam. Artifícios como esses, muitas

254
“A cidade em revista”. A Voz das Palmeiras. Santo Antonio de Jesus, 27 de janeiro de 1954.
255
WILLIAMS, R. Cultura e sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992, apud MATOS, Maria Izilda
Santos de. A cidade, a noite e o cronista: São Paulo e Adoniran Barbosa. Bauru, SP: EDUSC, 2007, p
68.
256
“Mercado municipal”. O Palládio. Santo Antonio de Jesus, 3 de fevereiro de 1949, p1.
100

vezes solucionaram, ainda que momentaneamente, o conflito entre feirantes e


fiscais no ambiente da feira.257
Na trama urbana, tensões e conflitos ocorriam com a presença de menores
que viviam “à toa nas ruas da cidade”, sendo um tema constante nos jornais e nos
discursos das autoridades locais, que definiu oposições entre solidariedades e
conflitos. Crianças que passavam o dia brincando em qualquer canto da cidade, sem
ir a escola, sem orientação ou regras de convivência podiam tornar-se um perigo
para a sociedade. Por isso algumas pessoas vislumbravam a construção de uma
colônia correcional, “um centro reformador de tendências perniciosas, visando
oferecer depois ao Brasil filhos aproveitáveis e bons”,258 como uma solução para o
problema. Nesse espaço eles iriam aprender os valores indispensáveis à vida em
sociedade, e os menores “regenerar-se-iam do aprendizado colhido nas ruas. Em se
tratando de ser civilizada a cidade, havia a obrigação de se possuir instituições
assistenciais de tal natureza”.259
Por viverem em situação de pobreza, passavam o dia pelas portas com
diversos adultos “cegos, loucos, doentes, mendigos. Juntos, compunham uma
imensa malha de indigentes e deserdados das ruas”,260 podendo ser comparada a
uma versão atualizada das classes perigosas,261 a pedir esmolas diante dos olhos
de todos, o que tornava, algumas vezes, tensas as relações cotidianas da cidade.
Muitos destes meninos e meninas “especializaram-se na arte de roubar na feira”,
praticando pequenos furtos de mercadorias consideradas de “pequeno porte” como,
cachos de bananas, melancias, fogareiros, chapéus, sandálias de couro, e
principalmente, animais como perus, porcos e galinhas.262 Nessa perspectiva, para
Santo Antonio de Jesus tornar-se “civilizada” e resolver os conflitos provenientes da
presença das crianças de rua, precisava de uma colônia correcional para recolher e
educá-las.

257
SANTOS, Hamilton Rodrigues dos. Op. cit., p 84.
258
“Clama ne cesses” O Palládio. Santo Antonio de Jesus, 24 de novembro de 1950.
259
LEITE, Rinaldo Cesar Nascimento. E a Bahia civiliza-s. Dissertação de Mestrado em História:
UFBA, Salvador, 1996, p 133.
260
Idem, op. cit. p. 134.
261
Embora a expressão “classes perigosas” possa ter surgido na primeira metade do século XIX, no
Brasil, ainda no Império, o conceito foi encontrado como um dos eixos de um importante debate
parlamentar ocorrido na Câmara dos deputados, após a abolição da escravidão, em maio de 1888.
CHALHOUB, Sidney. Classes Perigosas: trabalhadores. Primeira Versão, Campinas, n 6, p 2-22,
1990, p 5.
262
SANTOS, Hamilton Rodrigues dos. Op. cit., p 89.
101

O temor de que esses jovens crescessem na marginalidade era reforçado por


pequenos crimes cometidos por homens e mulheres adultos na cidade, como furto
de carteiras, arrombamentos, desordens, embriaguez e arruaças.263 A possibilidade
desses delitos aumentarem crescia à medida que nenhuma atitude era tomada em
relação às crianças. Numa noite de maio de 1950, o Sr. Hilário Bulhões foi uma das
vítimas da marginalidade na cidade, pois teve sua loja de tecidos arrombada e os
gatunos saíram “conduzindo da loja seis peças de tecidos de brins, chitas e tricoline,
além de um relógio [...] e mais 60 cruzeiros que se achavam na gaveta”.264
No contexto dessas vivências urbanas de Santo Antonio de Jesus, adicionado
ao problema dos roubos, estavam os aumentos abusivos nos preços dos gêneros de
primeira necessidade. Sobretudo, o custo da carne verde vendida nos açougues,
causava aflição e indignação aos moradores. De acordo com algumas matérias
jornalísticas, não encontravam justificativas para o fato, já que o número de
criadores não havia diminuído no Sertão da Bahia, pelo contrário, tinha aumentado;
não se tinha notícia de seca que tivesse dizimado os nossos rebanhos; não se
adquiria nenhuma informação de motivos sobre a alta da carne, “que precisava ser
investigada, estudada pelo governo, fonte de onde o povo poderia esperar o alívio
para as suas aflições”.265 Situações como essa deixavam a população,
particularmente as camadas menos abastadas, em polvorosa e mereciam destaque
nos jornais locais. Ao denunciarem cenas de conflitos entre consumidores e
comerciantes, nos remetem aos históricos motins contra a carestia.266
Mas esse não seria o único episódio protagonizado pelos comerciantes,
envolvendo circunstâncias tensas. O descumprimento de normas existentes, quanto
ao fechamento do comércio nos domingos, feriados e dias santos e sobre o horário
de abrir e fechar nos dias úteis, certamente gerava insatisfação dos comerciários.
Indignados ficavam também aqueles que acreditavam que para Santo Antonio de
Jesus tornar-se uma cidade adiantada, era preciso cumprir as leis, em caso contrário
a cidade permaneceria “com legítimo e verdadeiro aspecto de uma aldeia”.267 Do
outro lado, alguns comerciantes mantinham suas lojas abertas nos dias de domingo
263
“Delegacia de Polícia”. O Palládio. Santo Antonio de Jesus, 13 de outubro de 1951; “Presos”. O
Palládio. Santo Antonio de Jesus, 14 de agosto de 1951.
264
“Roubo”. O Palládio. Santo Antonio de Jesus, 30 de maio de 1950.
265
“Estude-se o caso dos açougues”. O Palládio. Santo Antonio de Jesus, 16 de janeiro de 1942.
266
Para maior aprofundamento no tema, ver o trabalho de: REIS, João José e AGUIAR, Márcia
Gabriela D. de. “Carne sem osso e farinha sem caroço”: O motim de 1858 contra a carestia na Bahia.
São Paulo: Revista de História – USP, no. 135, 1996, pp. 133-160.
267
“A cidade em revista”. A Voz das palmeiras. Santo Antonio de Jesus, 4 de fevereiro de 1954.
102

e feriado. Abriam suas portas mais cedo e fechavam depois do horário para
aumentar cada vez mais os seus lucros, à custa do trabalho alheio, configurando
assim, nuanças de “experiência de exploração” vivenciada pelos trabalhadores
locais.268
Importa lembrar que, ao refletir sobre as condições de vida dos
trabalhadores ingleses, durante a Revolução Industrial, Thompson destaca, ao lado
da melhoria material, que o povo foi submetido, simultaneamente, à intensificação
de duas formas intoleráveis de relação: a exploração econômica e a opressão
política, considerando a exploração “mais que a soma de injustiças e antagonismos
mútuos”, podendo ”ser encontrada em diferentes contextos históricos sob formas
distintas, que estão relacionadas a formas correspondentes de propriedade e poder
estatal”.269
Embora os entrevistados não tenham feito nenhuma referência a
recorrências à justiça do trabalho, talvez por naquele momento ainda não ser uma
prática tão comum, reclamações trabalhistas das décadas de 1950 a 1970,
descortinam relações conflitantes nas vivências entre patrão e empregado em Santo
Antonio de Jesus, quanto à garantia dos direitos trabalhistas. Maria dos Santos,
brasileira, solteira, analfabeta, residente na cidade, copeira do Hotel Central desde
1º de julho de 1959, por exemplo, apresentou reclamação em 11 de fevereiro de
1963 contra Raimundo Nunes de Souza, representante do referido hotel. A
reclamante alegava que nunca teve férias, nem lhe foi dado aviso prévio, nem pago
13º salário, como determinava a Lei nº 4090 de 13 de julho de 1962, publicada no
Diário Oficial da União em 26 de julho de 1962, além de ter sido demitida após
retornar do período de licença maternidade. A copeira pedia que o hotel pagasse
indenização, diferença de salário, aviso prévio, férias não gozadas, auxílio
maternidade acumulado durante o período de repouso em virtude da gravidez,
gratificação salarial de vida e custos sob pena de revelia. No dia da audiência, em
13 de março de 1963, apareceu apenas uma declaração da funcionária pedindo o
arquivamento da reclamação.270

268
THOMPSON, E. P.. Formação da classe operária inglesa, v. II. Rio de Janeiro: Paz e terra,
1987, 28.
269
Ibidem.
270
Autos da Reclamação Trabalhista de Maria dos Santos contra o Hotel Central, representado por
Raimundo Nunes de Souza, formulada em 11 de fevereiro de 1963. APMSAJ, pasta de Reclamações
Trabalhistas, de 1960 -1970.
103

Não é intenção desse trabalho refletir acerca do desfecho do processo,


entretanto, ao utilizar as reclamações trabalhistas como fonte, tornou-se possível
afirmar que nas tensões ocorridas entre patrão e empregado no espaço urbano
santoantoniense, quando não se obtinha sucesso nas negociações informais, a
justiça passou a ser um recurso buscado. No início da década de 1940, os
trabalhadores do Recôncavo-Sul da Bahia não só tomaram conhecimento, mas
também mostraram-se receptivos a algumas iniciativas da política trabalhista,
especialmente em relação à Justiça do Trabalho.271 Isso nos leva a crer que, em
momentos convenientes, os trabalhadores se apropriaram de algumas novidades
proporcionadas pelo ambiente modernizador que se vivia na cidade, para garantir
seus interesses.
Outro morador da cidade, que recorreu à justiça para tentar resolver
questões, foi o trabalhador José Silva Souza, analfabeto, solteiro, operário da
Exportadora de Fumo Suerdieck S/A, residente na Rua Castro Alves. De acordo com
o seu depoimento, ele teria “distorcido” o músculo do pescoço, do que diminuiu sua
capacidade de trabalho, em conseqüência da tarefa de transportar fardos de fumo.
Teria sido admitido em 12 de julho de 1966, porém sua carteira fora assinada como
tendo sido admitido em 1º de agosto e decorridos pouco mais de 90 dias fora
despedido, sem que fossem pagos seus direitos estabelecidos pela CLT. O acidente
de trabalho teria causado a sua incapacidade ou redução de capacidade para o
exercício da função. No dia 15 de outubro de 1966, após a 1ª audiência e realização
da perícia médica que apresentou resultados inconclusivos, antecipando-se à
realização de novos exames, as partes requereram a homologação de acordo
celebrada, em que o reclamado foi obrigado a pagar vinte diárias ao operário, 13º
salário proporcional, salário família, os custos do processo, honorários advocatícios
e indenização ao reclamante.272
Esse foi um dos processos analisados em que a conciliação deu-se através
de um acordo que atendia grande parte das reclamações do trabalhador.
Independente dos pareceres finais, os processos indicam que os trabalhadores
passaram a vislumbrar, através das instituições, novas possibilidades de luta pelos
271
SOUZA, Edinaldo A. O.. Lei e Costume: Experiências de Trabalhadores na Justiça do Trabalho (
Recôncavo Sul, Bahia, 1940-1960).Dissertação de Mestrado em História: UFBA, Salvador, 2008, p
84.
272
Autos da Reclamação Trabalhista de José Silva Souza contra a Exportadora de Fumo Suerdieck
S/A, formulada em 5 de outubro de 1966. APMSAJ, pasta de Reclamações Trabalhistas, de 1960 -
1970.
104

direitos sociais e a justiça funcionou como mediadora de tensões no espaço urbano.


Um outro caso foi o de Vital Pereira de Souza, alfabetizado, solteiro, operário,
residente na Rua Antonio Fraga reclamava contra José Esdras Diniz, proprietário da
sapataria à rua Silva Jardim por pagar salário por peça, abaixo do salário mínimo da
região, não receber repouso remunerado, e não gozar de férias desde 1954.
Alegava ainda que o patrão só lhe dava sete ou oito peças para fazer por semana,
quando ele tinha capacidade para fazer dez, e que terminava o serviço na sexta-
feira, ficando no sábado sem serviço. A defesa do patrão argumentava que pagava
ao funcionário o que ele pedia e que este teria abandonado o trabalho e viajado para
a capital, e quando de lá retornou, passou a se recusar a assinar as folhas de
pagamento bem como receber os trabalhos que executava. Na primeira audiência
realizada, não houve possibilidade de reconciliação, então o juiz passou a ouvir os
depoimentos das testemunhas de ambas as partes. O processo terminou com um
ofício assinado pelo advogado da empresa, Sr Almir Bastos e pelo Operário Vital
Pereira de Souza, datado de 16 de julho de 1958, solicitando ao juiz a designação
do dia e hora para lavratura de um acordo feito entre as partes, cujo resultado não
consta nos autos.273
Nesse mesmo sentido, caminhou a reclamação de Mário Alves de Andrade,
comerciário, brasileiro, solteiro, analfabeto, maior, contra o mesmo empregador,
também proprietário da casa de negócio Bazar Diniz. O comerciário afirmava que
desde 10 anos de idade era empregado do Sr José Esdras Diniz e sempre o
considerou, pois o tinha como um bom protetor. Entretanto, no início de janeiro,
depois de muito sofrer em seu estado de saúde, por estar de cachumba, o procurou
para que fosse encostado ao Instituto, mas o seu protetor não concordou. Ao
mesmo tempo teria recebido um aviso prévio que não fora assinado por seu
empregador.
A defesa do patrão recorreu à própria CLT no seu artigo 403, que proíbe o
trabalho do menor de 14 anos e o Código Civil, no seu artigo 5º, que afirma serem
absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil, os menores
de dezesseis anos. Um dos principais argumentos foi afirmar não ser verdadeira a
declaração do empregado quanto a ter começado a trabalhar desde os 10 anos de
idade. Defendia que jamais fora procurado pelo empregado quando estava doente.

273
Autos da Reclamação Trabalhista de Vítor Pereira de Souza contra José Esdras Diniz, formulada
em 4 de maio de 1953. APMSAJ, pasta de Reclamações Trabalhistas, de 1950 -1960.
105

Quanto ao aviso prévio, afirmou ignorá-lo e não ter autorizado ninguém a assiná-lo e
que o reclamante jamais teria deixado de ser empregado e, tanto assim que as suas
portas continuavam abertas ao reclamante. Ainda segundo a defesa, desse
entendimento teria resultado o reclamante ir para o seu emprego pedir trabalho ao
dito empregador, no que foi atendido. Porém, nesse dia o comerciário teria afirmado
que não iria mais trabalhar, abandonando o emprego. Em nova audiência, em 8 de
maio de 1953, as partes aceitaram uma proposta de conciliação feita pelo juiz, nas
seguintes condições: indenização por parte do empregador na importância de CR$
2.700,00 relativo a quatro anos de serviços, acrescido da quantia de CR$ 300,00,
dando-se por encerrado o processo.274
Os processos se repetem. O alfaiate Genebaldo Ferreira Macedo, solteiro,
maior, residente na Jueirana, empregado, desde abril de 1955, na Alfaiataria Elite do
Sr. Ezequias de Almeida Sampaio, havia sido demitido em julho de 1957. Tendo
protestado contra o empregador que teria deixado de cumprir alguns deveres para
com o empregado, como pagamento ao Instituto de Aposentadoria, aviso prévio,
indenização por tempo de serviço, salário mínimo inferior ao da região, horas
extraordinárias, inclusive noturnas, férias, salário correspondente ao repouso
remunerado nos domingos e feriados. Duas audiências ocorreram em que o
empregado insistia na argumentação apresentada inicialmente. O patrão negava
que existisse qualquer vínculo empregatício entre ele e o alfaiate, que apenas teria
trabalhado durante quinze dias na sua alfaiataria, no mês de junho, período de
grande demanda em virtude dos festejos juninos e que havia pago ao mesmo pela
sua produção. Sem alcançar conciliação, após ouvir as testemunhas, o processo foi
julgado em 7 de fevereiro de 1958, tendo condenado o reclamado ao pagamento do
aviso prévio, indenização de antiguidade, férias e as custas da lei.275
Recorrer à justiça não deve ter sido uma iniciativa fácil, uma vez que esta
decisão envolvia perdas e ganhos. É importante ressaltar algumas dificuldades que
os trabalhadores possivelmente enfrentavam ao acessar a justiça, como: “ficar
marcado” na cidade, o que diminuía as possibilidades de conseguir um novo
emprego; o tempo que o processo podia levar até chegar ao final; e ainda as

274
Autos da Reclamação Trabalhista de Mário Alves de Andrade contra José Esdras Diniz, formulada
em 4 de maio de 1953. APMSAJ, pasta de Reclamações Trabalhistas, de 1950 -1960.
275
Autos da Reclamação Trabalhista de Genebaldo Ferreira Macedo contra Ezequias de Almeida
Sampaio, formulada em 11 de setembro de 1957. APMSAJ, pasta de Reclamações Trabalhistas, de
1950 -1960.
106

restrições às informações jurídicas, já que muitos trabalhadores eram analfabetos.276


Por outro lado, considerando o conjunto das queixas apresentadas pelos
trabalhadores e os resultados dos processos analisados, era uma decisão
necessária, diante do quadro de exploração apresentado. Ainda que o pagamento
de salário abaixo do valor da região, a ausência de férias, do não pagamento de
horas extras, do descanso remunerado do fim de semana, entre tantos outros
direitos, apareçam nos processos como motivos das reclamações, colocar o patrão
na justiça era mais comum quando o empregado havia sido demitido.277 Sendo
assim, a demissão motivava e deixava o empregado mais à vontade para tomar
essa decisão. Dava-se início então, a um novo episódio das lutas entre patrão e
empregado, pois a experiência do dia a dia, relatada nos processos, já sinaliza
situações pouco harmoniosas e até mesmo tensas entre eles.
No contexto de re-significação de vivências que a cidade experimentava,
naquela época, estavam incluídas alterações nas relações de trabalho em que o
patrão aos poucos deixava de ser visto como o “bom protetor” e assumia cada vez
mais o papel daquele que tinha obrigações legais para com os seus empregados.
Na medida em que estas não eram cumpridas, os palcos da justiça podiam ser o
cenário de um novo episódio envolvendo esses personagens. Apesar das
hesitações dos trabalhadores, no momento que lhes fosse estrategicamente
conveniente - notadamente quando os tradicionais acordos de moldes
278
paternalistas não fossem eficientes - estariam dispostos a lançar mão de tais
instrumentos para fazerem valer seus interesses perante seus patrões.

276
SOUZA, Edinaldo A. O.. Op. cit., p 169 – 170.
277
SOUZA, Edinaldo A. O.. Op. cit., p 170.
278
Aqui utilizo o termo paternalismo na perspectiva adotada por E. P. Thompson. Em “patrícios e
plebeus”, apesar de considerá-lo um termo descritivo frouxo, e que pode levar à visão de uma
“sociedade de uma só classe”, sugere que ele não deve ser abandonado por ser totalmente inútil.
Mas, ao invés de indicar consenso, “sociedade de uma só classe”, resignação, ou inviolabilidade da
hegemonia cultural e das estratégias de poder e controle social dos “de cima”, deve pressupor
reciprocidade, conflito, disputas, trocas, negociações entre “os de baixo” e “os de cima”, onde cada
qual procura obter vantagens; formulam projetos próprios e interpretam o mundo a partir de sua
própria visão de mundo.
107

CAPÍTULO III: ESPAÇOS DE LAZER

Voltamos hoje, num êxtase de contentamento, a informar ao público


– que em entrevista ao nosso diretor com sua Excia. o Sr. Prefeito,
foi-nos por este assegurado, que, em face do seu entendimento em
dias da semana finda, com a direção da Cia de Energia da Bahia,
dentro de poucos meses teremos a nossa cidade servida por
aquela grande e poderosa empresa de eletricidade do norte do
país.
Acontecimento desta ordem concorre muito para elevação do nome
de nossa terra.
Consignamos, pois, esta auspiciosa notícia, levando ao povo os
nossos parabéns pela era de eletricidade, no despontar feliz de
seus raios brilhantes, trazendo aos santantonienses um complexo
de grandezas, para maior conforto dos nossos labores, elegância
das nossas ruas e maiores possibilidades à indústria, ao comércio
desta gleba tão justamente elogiada por quantos a visitam.

(Trecho de A Luz – Nova Era de Progresso. O Palládio, 21 de


março de 1949, p 1.)
108

3.1 A rua – espaço de encontros e festas

A introdução da energia elétrica no cotidiano das grandes cidades


brasileiras, no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, provocou
múltiplas transformações na vida pública e na vida privada. Além de afetar a cultura
material, condicionando significativas alterações no cotidiano urbano e de forma
iniludível, nos costumes, nas práticas e nos hábitos da população. Esse processo,
marcado por inclusão e exclusão social, apresentou variações de ritmo e intensidade
nos núcleos urbanos que compunham as diferentes regiões brasileiras. Isto pode ser
observado na dinâmica da implantação dos avanços tecnológicos, da propagação
das alterações e melhoramentos do espaço urbano e da oferta dos serviços
proporcionados pela nova fonte de energia.
Deslumbramento e euforia popular marcaram o aparecimento da
eletricidade, tida como a representação do moderno, do futuro e do progresso. Um
fenômeno que foi acompanhado pela transformação de hábitos, comportamentos e
costumes, desdobramentos das inovações tecnológicas em curso.279 As novas
máquinas e utensílios elétricos, aos poucos, ofereceram maior segurança e conforto
às pessoas, com reflexos sobre quase todos os aspectos do cotidiano, inerentes à
vida social e doméstica, incluindo o lazer, o trabalho, a saúde, a alimentação. Além
da iluminação propriamente dita – pública ou doméstica –, e dos meios de
transporte, a energia elétrica embasava e tornava possível a proliferação do uso de
eletrodomésticos e o desenvolvimento dos principais meios de comunicação, como o
telégrafo, o telefone e o rádio. Portanto, fica evidente que “nenhuma outra energia foi
capaz de conjugar de forma tão eficiente múltiplas funções como a eletricidade,
tornando acessível uma gama nunca vista de novas técnicas e de novos
produtos”.280
De acordo com Cid Teixeira, “a cidade de Salvador conheceu a energia
elétrica em 1885”, através da experiência feita por um professor da Faculdade de
Medicina que utilizou pilhas e iluminou, por algumas horas, os cômodos e a área
fronteiriça do prédio da Escola do Terreiro, causando espanto aos alunos e ao povo
aglomerado na rua. Com a expectativa criada na população, aumentava a pressão

279
CENTRO DE MEMÓRIA DA ELETRICIDADE NO BRASIL. A vida cotidiana no Brasil moderno: a
energia elétrica e a sociedade brasileira ( 1880-1930). Rio de janeiro, 2001, p 12 e p 27
280
Idem, p 14.
109

sobre o poder público para que fosse instalada a energia elétrica servindo na
iluminação pública e privada e nos transportes da capital. Nas cidades do interior,
porém, a eletricidade chegou num ritmo mais lento. Em outubro de 1920, foi
inaugurada a Usina Hidroelétrica de Bananeiras, localizada em Bananeiras, um
pequeno distrito de Paulo Afonso. Três décadas após, em meio às obras de infra-
estrutura para a implantação de centros industriais no Recôncavo, os anos 1950
ficariam marcados pela crise energética, provocada pelo aumento de consumo,
causado pela conjugação dos processos de ampliação da urbanização e de
industrialização que, conseqüentemente, ampliaram a difusão dos bens de consumo
duráveis, que precisavam de eletricidade para funcionar.281
De um modo geral, na Bahia, desde a segunda metade da década de 1950,
as administrações municipais sofriam grandes dificuldades para atender ao
crescente consumo de energia elétrica de suas populações. Essa situação se
refletiria em Santo Antonio de Jesus nos constantes “apagões” e nas normatizações
que limitavam os horários de funcionamento da iluminação pública na cidade. Em
1957 foi organizada uma comissão de planejamento econômico que concluiu ser
necessária a criação de uma concessionária de distribuição de energia, com o
objetivo de criar um programa no setor para o interior do estado. Através da Lei
estadual número 1196, de 1959, o governador do Estado da Bahia autorizou a
criação da Cia de Eletricidade do Estado da Bahia, COELBA, cujo objetivo era
prestar serviços essenciais de energia elétrica à comunidade do estado. Entretanto,
só em maio do ano seguinte, o governo federal concedeu autorização para o seu
funcionamento.282
Em 1960, foi aprovado o Plano de Eletrificação do Estado da Bahia,
elaborado pelo Departamento de Energia da Secretaria de Viação e Obras Públicas,
executado por intermédio da COELBA, que garantia a destinação, durante dez
exercícios, de pelo menos 5% da renda tributária do Estado para a sua execução.283
Para entender o processo que envolveu a chegada da energia elétrica em
Santo Antonio de Jesus, parece necessário recuar algumas décadas no tempo. Em
1925 a cidade passou a usufruir os serviços precários de luz e força, fornecidos pela
Empresa Fabril S/A de Nazaré das Farinhas. Antes, a iluminação da cidade era feita

281
TEIXEIRA, Cid. História da energia elétrica. Publicações e Publicidade, 2005 pp.68 e 187.
282
Idem, op. cit., p 187.
283
Diário Oficial do Estado da Bahia de 6 de agosto de 1960.
110

por meio de lampiões a gás. Em 1929, a prefeitura adquiriu um motor de fabricação


alemã, com capacidade de 200 kVA, que funcionava a óleo diesel e inaugurou uma
usina termoelétrica em que era usado um gerador que funcionava das 18:00 às
22:00h.284 Entretanto, isso apenas garantiu pequenos melhoramentos ao serviço.
Nos anos que se seguem, o fornecimento da energia na cidade continuava irregular,
sujeito a freqüentes apagões e constantes interrupções para reparos. A situação era
freqüentemente denunciada em jornais locais285 e um tema central dos discursos e
promessas dos políticos do município.
Nos anos 1950, a cidade de Santo Antonio de Jesus constituía-se de 62
logradouros, dos quais 15 eram pavimentados e 32 possuíam luz elétrica.286 Com a
instalação de uma máquina a vapor, na Usina Geradora da Empresa Luz e Força, o
serviço de energia elétrica pública e particular ultrapassou os limites do centro da
cidade e estendeu-se a ruas e bairros mais afastados, como o São Benedito, a
Avenida Luiz Viana, as ruas das Queimadas e Expedicionário. Ainda nessa década,
o serviço de iluminação pública foi ampliado até as 5:00 horas da manhã, dobrando
assim o trabalho desempenhado pelos funcionários da referida empresa.287 Em 1960
a prefeitura municipal assinou um convênio com a Companhia de Eletricidade da
Bahia, mediante o qual esta passaria a distribuir, fornecer e explorar a energia no
município;288 contudo, isso somente se concretizaria dois anos depois, com a
inauguração da linha de transmissão que ligaria a cidade à Usina Hidrelétrica de
Bananeiras. A chegada da energia elétrica às ruas foi marcada por festividades.
Assim rememora, o Sr. José Souza Sampaio, popularmente conhecido por Zé de
Candu, que mora na cidade desde que nasceu. Conforme lembra,

Quando a luz iluminou isso aqui, parecia um carnaval, saiu todo mundo
das casas. Cada um pras suas ruas, quer dizer era as ruas do São
Benedito, era Andaiá, era rua assim mais próxima. [...] E aí foi uma festa,
esse pessoal manheceu o dia, manheceu o dia ali, nunca tinha visto uma
boniteza daquela.289

284
SALES, Geraldo P. Santo Antonio de Jesus - a cidade que encontrei. p 47 e 48.
285
Ver os periódicos locais: O Palládio, A Voz das Palmeiras e O Detetive.
286
Dados do Censo de 1950. Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. Rio de Janeiro XXI volume.
287
Ver O Palládio: O caso da Luz, 03 de fev de 1949; A Luz – nova era de progresso, 21 de março
de 1949; Homenagem a Antonio Fraga , 14 de abril de 1950. Ver ainda Decreto nº 6 de 22 de abril de
1958. Livro de Leis, Decretos e Portaias de 1956- 1963. APMSAJ.
288
Lei nº 17 de 1960. Livro de Leis, Decretos e Portarias de 1956 – 1963. APMSAJ.
289
Depoimento do Sr. José Souza Sampaio, em junho de 2007, 62 anos de idade, morador da cidade
desde 1946.
111

Nas grandes cidades brasileiras, antes da ampliação da iluminação, as ruas


eram caracterizadas, nos discursos de médicos, autoridades públicas e policiais,
como lugares de perigo, insalubridade, violência e insegurança. Elas só teriam
assumido efetivamente a função de locais de reunião, após a eletricidade, quando
se consolidou uma relação entre segurança e iluminação noturna. Em Santo Antonio
de Jesus, em meados do século XX, ainda não era a violência que afastava os
moradores das ruas à noite e os levava a recolherem-se cedo e sim a falta de opção
de lazer público e algumas crenças sobrenaturais, geralmente associadas à noite e
à escuridão. Através da memória oral dos entrevistados, percebe-se que o medo
noturno, nesse momento, relacionava-se muito mais às lendas, superstições e
histórias de assombração que habitavam o universo mental, integrando o conjunto
de crenças e costumes locais. O lobisomem, a mula sem cabeça, as visagens que
são assombrações ou almas penadas, faziam parte desse universo sobrenatural,
nas noites escuras dos santoantonienses. Portanto, as mudanças nos códigos
culturais, proporcionadas pela eletricidade, refletiram-se também na superação dos
supostos perigos que a noite representava e a vida noturna “começava a crescer na
proporção em que se intensificava a expansão da iluminação elétrica, promovendo
progressivamente a ocupação popular do espaço público”.290
No bojo de tais mudanças, a utilização do tempo noturno ganhava novos
significados. Aos poucos superava-se o costume de dormir “na boca da noite” e
apesar dos limites impostos pelos apagões, ampliou-se a vivência noturna com a
prática de atividades diversas. As ruas e praças iluminadas permitiam que as
reuniões, os bate-papos e as paqueras se estendessem até mais tarde nos jardins;
as sessões de cinema ampliaram-se. Nesse sentido, a luz artificial permitiu também,
“escapar à dominação do ritmo dos dias e das noites, aos comandos do calendário”,
na medida em que as atividades noturnas passavam a depender apenas “da
artificialidade e da nova codificação da luz”.291 A lógica do tempo e do espaço
passava a ser alterada com o processo de urbanização, criando outras lógicas, outro
ritmo de organização e utilização do tempo/espaço em que já era possível, por
exemplo, trabalhar ou divertir-se à noite, nas ruas, em casa ou em outros espaços

290
CENTRO DE MEMÓRIA DA ELETRICIDADE NO BRASIL. A vida cotidiana no Brasil moderno: a
energia elétrica e a sociedade brasileira ( 1880-1930). Rio de janeiro, 2001, p 127.
291
RONCAYOLO, Marcel. Transfigurações noturnas da cidade: o império das luzes artificiais.
In:Projeto História.Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento
de História da PUC- SP. São Paulo, nº 18, Educ, 1999, p 97-101.
112

de lazer. Tais dimensões são aqui compreendidas não com um sentido único e
objetivo, mas como conceitos que são criados necessariamente através de práticas
e processos materiais que servem à reprodução da vida social. Na sua reflexão
sobre a experiência do tempo e do espaço, Harvey percebe a importância destes,
como mediadores, entre o dinamismo do desenvolvimento histórico-geográfico do
capitalismo e complexos processos de produção cultural e transformação
ideológica.292
Em outro momento de sua fala, Sr. Zé de Candu assim nos relatou seu
primeiro contato com a cidade iluminada: “eu corri a cidade de ponta a ponta. Eu
ainda era menino e fiquei fascinado com aquele clarão todo, acostumado a ver só
escuridão. Corri feito um louco por todas as ruas que tinham luz”.293 Fascinado com
o brilho das luzes, provavelmente experimentava também uma maior sensação de
liberdade; poderia desfrutar mais tempo do espaço da rua, agora ampliado com
outras opções de lazer.
As possibilidades geradas com a introdução dessa nova forma de energia,
provocam reflexões sobre o papel por ela desempenhado na vida social cotidiana.
Que significados simbólicos a conquista da luz elétrica assumiu, na mudança de
hábitos e de práticas sociais, tanto públicas quanto privadas, na cidade de Santo
Antonio de Jesus? Certamente, preocupações relativas à circulação e à
remodelação do espaço público, concretizadas através de obras públicas,
encurtavam o tempo e as distâncias, permitindo a aceleração da vida social e o
trânsito maior das pessoas em espaços diversos. Entretanto, de acordo com as falas
dos depoentes, isto não se fez sentir simultaneamente em todas as áreas da cidade,
nem foi experimentado de forma homogênea por todos os seus habitantes. Algumas
ruas tornavam-se mais atraentes e sedutoras com as luzes; firmavam sua função
principal de via de circulação e lugar de reunião, o que reforçava a exigência de
regulamentações e melhorias. Ao mesmo tempo em que os responsáveis pelos
projetos de modernização urbana buscavam excluir ou afastar das áreas centrais
atividades incompatíveis com esse processo, como por exemplo, o comércio
informal dos ambulantes, a figura dos aguadeiros, a presença de animais e pedintes,
vistas muitas vezes como desorganizadoras da cidade.

292
HARVEY D..Condição Pós-moderna, Edições Loyola, São Paulo, 1992, p 189.
293
Depoimento do Sr. José Souza Sampaio (Zé de Candu), já citado.
113

Para garantir rapidez e racionalidade na re-apropriação e re-significação dos


espaços, recorreu-se à pavimentação, aos alargamentos, à iluminação, à limpeza e
ao afastamento dos despossuídos das áreas centrais, pois sujeira, doença e miséria
não cabiam na cidade que se urbanizava. Foi nesse processo que ocorreu a
ampliação de bairros considerados periféricos e desprovidos de assistência dos
poderes públicos. A imagem apresentada a seguir testemunha melhoramentos
realizados nas proximidades centrais:

Figura VII: Travessa Rio Branco, atual Travessa 15 de novembro


Fotografia do arquivo pessoal de Sr. Edivaldo Oliveira Souza

A fisionomia do logradouro em destaque reúne alguns melhoramentos


urbanos, como a presença de calçamento, limpeza, passeios, meio-fios e, sobretudo,
postes de energia elétrica, que nos horários de funcionamento, iluminavam as ruas,
acentuando, ainda mais, tais características. Além de ser o local de trabalho dos
vendedores ambulantes, lugar de passagem dos transeuntes nos seus deslocamentos
cotidianos, as ruas eram também espaços de lazer e de sociabilidade; local do
encontro, dos parques, das festas, procissões, quermesses, micaretas e comícios.
Esses eventos reuniam grande parte da população e eram freqüentemente divulgados
nos periódicos locais O Palládio, A Voz das Palmeiras e O Detetive. No comício do
Partido Republicano santoantoniense, que apresentou Antonio Fraga como candidato
114

à Câmara dos Deputados e Justiniano Rocha Galvão para prefeito do município, em


1950, a Praça Padre Mateus ficou repleta de pessoas; tanto no coreto, onde estava a
diretoria do partido, como em toda adjacência da praça, havia abundância de luz e
entusiasmo prolongando-se até a meia noite.294 Era nas principais ruas, como a Praça
Luiz Viana, a Rua Silva Jardim, a Rua 15 de Novembro, a Rua Sete de Setembro,
entre outras, que aconteciam desfiles em comemoração a datas cívicas, caminhadas
e procissões religiosas, sempre acompanhadas pelas filarmônicas locais Amantes da
Lira e Carlos Gomes.295
Pari passu a essas múltiplas novidades urbanas, experimentadas em Santo
Antonio de Jesus, as ruas mudavam a sua aparência com a expansão da iluminação
pública, a conservação de logradouros, os serviços de calçamento e pavimentação.

Antigamente a Rua do Pau Preto [atual Expedicionário] não reguiava.


Ninguém lhe falava no nome. Imundície, águas estagnadas aqui e ali,
casebres sem forma nem estilo, enfim figurava como a via pública da
cidade mais desprezível. Hoje é uma artéria urbana limpa, com prédios
bem regulares, habitados por famílias, com um aterro ótimo, bem
executado, oferecendo assim, um aspecto decididamente agradável.296

A chegada do calçamento na rua era motivo de comemoração para os


moradores. Segundo a professora Maria da Conceição, “quando chegava [o
calçamento] na porta, tinha que dar uma feijoada. Era uma folia”.297 Nessas ocasiões
os laços de vizinhança eram intensificados. A prática de oferecer alimentação aos
vizinhos além de ser uma forma de congraçamento pela conquista alcançada,
remete-nos a outras formas de sociabilidade, sobretudo predominantes entre os
moradores do campo, que através de mutirões ou adjutórios, juntavam-se para
construir casas, realizar plantações e colheitas, e em retribuição à ajuda recebida,
oferecia-se os “comes e bebes”.
A rua também era o espaço de moradia dos loucos e mendigos, conforme
freqüentemente denunciava a imprensa local. Em 1950, um colaborador do periódico
O Detetive, narrou que ao transitar por uma das ruas da cidade deparou-se com um
pobre velho pedindo esmola e que este, indagado sobre onde morava, lhe teria
respondido que “[...] minha casa é muito grande, meu senhorzinho, é a que vosmecê

294
“Grande comício”. O Detetive. Santo Antonio de Jesus, 30 de julho de 1950.
295
“Festa do Senhor do Bonfim”. O Detetive. Santo Antonio de Jesus, 28 de janeiro de 1951, p 2.
296
“Uma sugestão”. O Palládio. Santo Antonio de Jesus, 29 de setembro de 1948, p 2.
297
Depoimento de D. Maria da Conceição Souza Silva, em dezembro de 2007, de 66 anos de idade,
moradora da cidade desde 1944.
115

está vendo, olhe para cima que o senhor verá iluminada com as estrelas; este é o
meu teto”.298 Em outra edição do mesmo jornal consta que uma louca que vivia
pelas ruas, afirmava que morava “debaixo do céu e dorme sobre o leito duro e frio
dos passeios públicos, dos mercados, das estações, igrejas e casas comerciais de
largas marquises”.299 A multiplicidade de significados atribuídos à rua fazia dela um
espaço democrático, que precisava ser “civilizado” para proporcionar “novas áreas e
estabelecimentos voltados para o lazer público”.300
O jardim era o lugar preferido pelos mais moços que, após o dia de trabalho,
reuniam-se para os bate-papos e as paqueras até às 10:00 horas da noite, quando o
serviço de iluminação era desligado.301 Na praça, também eram armados os parques
de diversões que, com suas luzes coloridas a piscar, atraíam as crianças para
brincar no carrossel, na roda gigante e reunia a população em busca de distrações.
Um registro do bem humorado periódico, O Detetive, ilustra como os parques de
diversões fascinavam as pessoas e atraíam à praça:

Salomão chorar desbragadamente porque o Parque não quis continuar na


Praça Padre Mateus está certo, mas dizer que vai deixar a casa de
Moisés Barreto, a fim de acompanhar a Roda Gigante até onde ela for
não está certo.302

O encontro festivo nas ruas também dava-se na tradicional “Segunda-Feira


Gorda”, no mês de janeiro, antes do carnaval. A diversão popular começava às 4
horas da madrugada, quando a população santoantoniense era despertada pelo
Clube do Silêncio. No decorrer do dia, grupos mascarados apresentavam-se,
caminhões ornamentados transportando pessoas fantasiadas e uma alegre
charanga fazia a animação dos “populares”.303
Outra ocasião de grande animação era a Festa de São Benedito,
rememorada por Sr. Zeca Vieira, Sr. Irênio e Sr Zé de Candu como uma das
melhores da cidade. Antes da chegada da energia elétrica, os moradores do bairro
improvisavam uma iluminação feita com varas e gomos de bambu abastecidos de
querosene. Essa iluminação clareava o Largo de São Benedito durante toda a noite

298
“O Miserável”. O Detetive. Santo Antonio de Jesus, 22 de outubro de 1950, p 4.
299
“A louca”. O Detetive. Santo Antonio de Jesus, 23 de abril de 1950, p 3.
300
CENTRO DE MEMÓRIA DA ELETRICIDADE NO BRASIL. A vida cotidiana no Brasil moderno: a
energia elétrica e a sociedade brasileira ( 1880-1930). Rio de janeiro, 2001, p 127.
301
Depoimento de D. Maria da Conceição Souza Silva, já citado.
302
“Não está certo...” O Detetive, Santo Antonio de Jesus, 17 de junho de 1951, p 4.
303
“Segunda-Feira Gorda”. O Detetive. Santo Antonio de Jesus, 28 de janeiro de 1951.
116

e mantinha as pessoas na rua até o amanhecer. Além da face intensamente


religiosa, com a procissão e as missas, no largo ficavam as barracas que vendiam
comidas e bebidas. Variados brinquedos e jogos eram montados para a diversão de
adultos e crianças: pau-de-sebo, quebra-pote, roletas. O jogo da preá era o preferido
de Sr. Zé de Candu. Havia ainda muito forró e as tradicionais apresentações da
Marujada, da Burrinha e do Bumba-Meu-Boi.304 Como recorda o Sr. José Vieira,

A festa era uma tradição tão grande que o povo enlouquecia tudo [...] Só
se via gente viajar pra Salvador pra buscar gelo [...] Chegava aqui na
estação de trem tirava as “barrica”, os bujão de gelo pra poder gelar a
cerveja e refrigerante pra vender na festa.305

Considerada uma festa tradicional, freqüentada por moradores locais, de


cidades vizinhas e até de Salvador, a Festa de São Benedito mobilizava uma grande
quantidade de pessoas que, além da diversão, buscavam ganhar algum dinheiro.
Eram os vendedores ambulantes. Alguns viajavam para a capital em busca do gelo,
que chegava de trem e era transportado dentro de bujões de plástico com pó-de-
serra, para manter a conservação por até três dias e garantir a cerveja e o
refrigerante gelados para serem vendidos na festa, quando ainda não se podia
dispor da energia elétrica.
A tarde de 9 de abril de 1950 não seria como outra qualquer para os
moradores do arrabalde de São Benedito. Naquele domingo, de tarde alegre e céu
azul, às 16 horas, a comunidade local homenageava o então prefeito Antonio Fraga
pela ampliação da rede de iluminação pública até o largo.306 A partir daquele dia, a
Praça de São Benedito seria mais um lugar de encontros e bate-papos à noite e já
não seria mais preciso ir tão longe para se obter bebidas geladas.
Nas homenagens ao padroeiro Santo Antonio e ao Senhor do Bonfim, as
procissões percorriam as ruas, ornamentadas apropriadamente para essas ocasiões
com flores, plantas nas portas das casas e luzes coloridas. Ruas iluminadas
significavam noites mais longas, pois o lazer podia estender-se até mais tarde.
Nas tradicionais micaretas,

304
Ver depoimentos de José Santos Vieira, Irênio Santos Pereira e do Sr. José Souza Sampaio, já
citados.
305
Depoimento do Sr. José Santos Vieira, já citado
306
“A Festa de domingo”. O Detetive, Santo Antonio de Jesus, 16 de abril de 1950, p 1.
117

as Quatro esquinas, que é sempre o ponto central nas festas desse


gênero, exibia seleta e numerosa assistência, com extraordinário serviço
de alto-falante, dando banhos de trovoada nos ouvidos de todo mundo.[...]
O Largo da 2 de Julho e da Felix Gaspar, como arco-íris noturno,
apresentava extensa e magnífica rede de lâmpadas multicores, como
incentivo aos bailes que se prolongaram até a madrugada.307

A iluminação utilizada nas festas era um convite aos moradores para


permanecerem na rua até mais tarde. Além das “lâmpadas multicores”, a eletricidade
estava presente nos serviços de alto-falante tocando discos e na oferta de serviço
de “gelados”. Essas novidades seduziam muitas pessoas. As lembranças desses
eventos e o referencial das “Quatro Esquinas”, como principal lugar das festas, da
animação e do comércio, estão também registrados na memória de Sr. Eco, que
abriu uma alfaiataria ali próximo, em 1953. Ele recorda que nesse período “tinha
cada micareta danada“, que no local “era tudo casa de morada, mas depois foi
modificando, aí transformou tudo em comércio”.308 Ao pesquisar sobre a Baixa dos
Sapateiros, Milton Santos observou como naquela artéria urbana da cidade de
Salvador, “o papel residencial foi progressivamente sendo substituído pelo
comercial” e concluiu que “a rua tem os seus ritmos”309. Já no estudo sobre a cidade
do Rio de Janeiro, João do Rio defendeu que “a rua tem alma”.310 Nessa
perspectiva, pode-se afirmar que o ritmo acelerado, a animação e a euforia das
micaretas faziam parte da alma das “Quatro esquinas”.
Animação não faltava durante o mês de junho. A Terra das Palmeiras
ganhava um clima mais festivo, como escreveu Sr. Amarílio Orrico, jornalista de
ofício e ex-vereador da cidade:

Ao despontar de primeiro de junho já a cidade era despertada com o


espoucar de foguetes anunciando o início das festividades em louvor ao

307
“A Mi-Careta se apresentou como pode”. O Detetive, Santo Antonio de Jesus, 23 de abril de 1950,
p 1.
308
Depoimento do Sr. Antonio Santana Vieira, em 2 de novembro de 2007, 78 anos de idade,
morador da cidade desde que nasceu.
309
Em conferência pronunciada por Milton Santos no Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, no dia
22 de março de 1957, o geógrafo identifica a função residencial na Baixa dos sapateiros, como
“residual” e “com forte tendência a desaparecer”. SANTOS, Milton. A Baixa dos Sapateiros. In
REVISTA DO INSTITUTO GEOGRÁFICO E HISTÓRICO DA BAHIA, Nº 81, 1957, p.78.
310
RIO, João do. A alma encantadora das ruas. Rio de Janeiro. Secretaria Municipal de Cultura,
1987. Biblioteca Carioca 4.
118

glorioso Padroeiro, que, além das oblatas na Igreja Matriz, secundavam


as trezenas rezadas em duas ou três casas em cada rua.311

A Praça Padre Mateus, enfeitada de bandeirolas, era o cenário principal


para o Trezenário de Santo Antonio, que acontecia na Igreja Matriz de 1º a 13 de
junho, com a procissão que percorria algumas ruas da cidade, cuidadosamente
ornamentadas para a ocasião, encerrando as homenagens ao padroeiro. O dia de
São João era de festa no fim da Rua 7 de Setembro. Era muito concorrida a
brincadeira do pau-de-sebo. O tronco de uma árvore era descascado, revestido de
sebo e fincado ao chão. As pessoas tentavam subir para pegar prêmios, como
dinheiro e brinquedos, colocados bem no alto do tronco, mas muitos escorregavam
para garantir as gargalhadas dos presentes; na brincadeira do quebra-pote, dinheiro,
balas e outros prêmios eram colocados dentro de um pote de cerâmica preso a uma
corda. Os participantes individualmente, com os olhos vendados, eram rodados até
perder o senso de orientação. Em seguida, tentava-se localizar o pote e quebrá-lo
com um porrete. O auge da brincadeira era o momento em que este era quebrado e
os prêmios espalhavam-se pelo chão, sendo disputados por todos; em boca-de-
forno, uma pessoa, que era o mestre da brincadeira, mandava as crianças fazerem
uma tarefa e aquela que não conseguia realizar a ordem, “tomava bolo”; na corrida
de ovo, um ovo de galinha era colocado em uma colher presa pelo cabo entre os
dentes do participante. O vencedor era aquele que conseguia cruzar a linha de
chegada sem deixar o ovo cair. Todas essas diversões eram organizadas e
patrocinadas por uma comissão formada por pessoas ligadas ao comércio e
empresas locais.
No São João, além do movimento de pessoas de porta em porta, que
visitavam vizinhos, parentes e amigos, aquecidos pelo calor das fogueiras,
embalados pelo som do forró, podia-se deliciar com os tradicionais quitutes juninos,
como canjica, bolo de milho e aipim, amendoim, laranjas, licor de jenipapo. Tudo
isso acompanhado pelo brilho reluzente dos fogos de artifício, que invadiam as ruas
da cidade.
Cenário privilegiado do convívio social, as ruas eram espaços de muitos
encontros e, sobretudo, de lazer público dos moradores. Destarte, as preocupações

311
“Meu São João no tempo de menino”. Jornal Reconvalle, Ano VIII, nº 51, 10 de julho de 1992, p. 2.
119

com a limpeza e a higiene faziam parte da pauta política do Poder Legislativo local.
Melhoramentos nos diversos jardins da cidade,312 construção de um bueiro na Praça
Padre Mateus para nivelar o local,313 aquisição de um caminhão basculante para o
serviço de limpeza pública, constituem alguns dos projetos e requerimentos
encaminhados pela Câmara dos Vereadores nas décadas de 1950 e 1960.314 As
constantes investidas para manter as ruas limpas e higienizadas coincidem com a
ampliação do serviço de energia elétrica na cidade. Além da iluminação deixar as
ruas mais expostas, o que contribuiu para acentuarem-se os cuidados com a sua
aparência, o aumento da freqüência e da permanência de pessoas nelas,
pressionava para a efetivação dos melhoramentos.
Nos anos 1960, o Código de Posturas Municipais estabeleceu regulamentos
que deviam ser seguidos na organização dos logradouros públicos, como
nivelamento, alinhamentos, nomenclatura, numeração, arborização, ajardinamento,
colocação de anúncios, ocupação do espaço, circulação urbana, entre outros. Ainda
que se possa afirmar que grande parte das medidas era “bem-intencionada e
buscava beneficiar a população”, são notáveis as intenções normativas de controle
social do espaço público pelo poder municipal.315 Além disso, como afirmou Marins
ao analisar os primeiros anos da República na cidade do Rio de Janeiro, aqui
também buscou-se “estabelecer a caracterização dos espaços de abrangência
pública, reservada à circulação e lazer controlado,” ao tentar limitar “todos os
sujeitos a uma mesma gramática de comportamento”.316 Entre 1964 e 1966, na
documentação utilizada, observam-se muitas solicitações de licença, alinhamento e
aprovação de planta para construção de casas, além de metragens de meio-fios
para a construção de passeios de propriedades particulares.317 Tais solicitações
eram feitas ao chefe de fiscalização, encarregado de levar ao conhecimento do
prefeito, informações diárias sobre a cidade. Para tanto, todos os dias, o chefe

312
Ata da Seção da Câmara dos Vereadores de 19 de novembro de 1951. ACMSAJ.
313
Ata da Seção da Câmara dos Vereadores de 29 de setembro de 1953. ACMSAJ.
314
Projeto nº 12/63. Livro de Leis, Decretos e Portarias da Câmara dos Vereadores de 1963.
ACMSAJ.
315
Analisando a fase inicial de consolidação da República na cidade do Rio de Janeiro, Carvalho
observou que o Código de Posturas de 1890, bem como as reformas implementadas no período,
regulavam em pormenores várias atividades cotidianas e revelava fortes preocupações com o
controle da população. CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados: o Rio de Janeiro e a República
que não foi. São Paulo. Cia das Letras, 1987, p 35-36.
316
MARINS, Paulo César Garcez. Habitação e Vizinhança: limites da privacidade no surgimento das
metrópoles brasileiras. In: Nicolau Sevcenko (org.) Fernando A. Novaes (coord): História da vida
Privada no Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, 1998, p 136.
317
Livro de Registro Diário do Expediente do Prefeito de 1964 a 1966. APMSAJ.
120

escalava um fiscal que devia percorrer as ruas da cidade e anotar as necessidades,


bem como fiscalizar construções e exigir licença.318
Morar na cidade significava, também, submeter-se ao cumprimento de
normas e, em caso contrário, ao pagamento de multas à administração municipal.
Nesse sentido, Sr. Adelino Assis, de 85 anos de idade, nascido no município de
Conceição do Almeida, recorda o dia em que foi atravessar pelo meio do jardim
novo, construído na Praça Padre Mateus, empurrando o carrinho no qual vendia
mercadorias de porta em porta, quando um fiscal municipal o abordou para informá-
lo que era proibido passar por ali. Para evitar a punição prevista em lei, ele, muito
respeitosamente, respondeu que prometia não passar mais por ali, mas que “voltar,
não ia não”.319 O Sr Adelino seria enquadrado no artigo 121 do Código, o qual
determinava que os vendedores ambulantes, mercadores e carregadores não
podiam transitar pelos passeios, ou neles estacionar, a não ser o tempo necessário
para servir aos consumidores.320 Entretanto, pelo menos naquele momento, a sua
palavra empenhada foi suficiente para convencer o fiscal a deixá-lo passar sem
recorrer à aplicação da multa.
A disposição de padronizar os comportamentos no espaço urbano por parte
do poder instituído em Santo Antonio de Jesus, não destoa muito do conjunto de
iniciativas empenhadas pelos órgãos públicos em Salvador e em várias outras
cidades do mundo, intentando “criar dispositivos mais eficientes de controle da
multidão de homens pobres e trabalhadores, de modo a normatizar a vida
urbana”.321 Mas, a pretensão de criar espaços homogêneos, com regras definindo o
uso dos espaços urbanos, podia ser posta em xeque por possíveis transgressões de
seus moradores, ao inscreverem através de suas práticas outros rumos para a
cidade. Assim, segundo especificidades locais, algumas vivências, experimentadas
nas casas, nas ruas ou em outros espaços de lazer, estavam impregnadas de
intenções de padronização, entretanto, os sentidos e significados atribuídos pelos
diversos sujeitos, nesse processo, nem sempre direcionaram-se para esse fim e
muitas vezes provocaram deslocamentos do modelo totalizador de cidade planejada.
Por outro lado, percebe-se a extensão da iluminação como uma medida de grande
318
Livro de Leis, Decretos e Portarias de 1963. Portaria nº 6/63, de 9 de abril de 1963.APMSAJ.
319
Depoimento do Sr. Adelino Silvério de Assis, em 7 de setembro de 2008.
320
Lei nº. 66 de 4 de dezembro de 1965. Art. 121. APMSAJ. Código de Posturas de 1965.
321
JULIÃO, Letícia. Belo Horizonte: itinerários da cidade moderna. BH Horizontes Históricos, Eliana F.
Dutra (org), BH, C/Arte, 1996 p.55 apud FONSECA, Raimundo Nonato da Silva. "Fazendo
fita":cinematógrafos, cotidiano e imaginário em Salvador, 1897-1930. Salvador: EDUFBA, 2000.
121

aprovação pelos moradores, que se apropriaram das ruas durante a noite


intensificando a sua função primordial de espaço de encontros.

3.2 A casa

Na década de 1950, quando a iluminação pública ampliou-se para alguns


bairros da cidade que ainda não desfrutavam desse serviço, poucos domicílios
particulares dispunham de energia. Embora o número de consumidores ainda fosse
bastante restrito, havia algumas regras que precisavam ser seguidas para garantir a
manutenção do fornecimento nos domicílios. Assim, a Companhia Hidro Elétrica
Fabril de Nazaré, que atendia Santo Antonio de Jesus, informava aos consumidores
que:

Proceder-se- à em cada mês uma fiscalização nos limitadores e em caso


de violação nos selos ou no tubo flexível será suspenso incontinente o
fornecimento de luz.
Outrossim, o consumidor só poderá ter em sua instalação o número de
velas correspondente ao seu contrato e sendo encontrada quantidade
superior de lâmpadas, cobrar-se-à pelo número de velas excedidas, isto
é, as instalações sem limitadores.322

As medidas de fiscalização adotadas, além de combater as fraudes,


tentavam impedir que se ultrapassasse o limite de consumo permitido às casas,
baseado na quantidade de lâmpadas, o que poderia provocar a interrupção do
serviço, já que o equipamento da Companhia possuía uma capacidade reduzida,
que não suportaria o crescimento dessa demanda. Convém lembrar que ainda não
havia eletrodomésticos como televisores e refrigeradores ligados à rede elétrica,
apenas algumas lâmpadas com “aquela luzinha fraca e com hora certa pra
desligar”.323
O número de prédios existentes na cidade em 1955 era de 3.411; dentre os
quais apenas 900 eram iluminados à eletricidade.324 De acordo com o censo de
1960, dos 7.115 domicílios particulares permanentemente ocupados, apenas 846

322
“Serviço de luz”. O Palládio. Santo Antonio de Jesus, 16 de outubro de 1941.
323
Depoimento de Sr. José Elias Silva Santos de 91 anos de idade. Entrevista realizada em 2 maio de
2008.
324
Enciclopédia dos Municípios Brasileiros , 2 de julho de 1958. Rio de janeiro XXI Volume.
122

possuíam energia elétrica.325 É importante ressaltar que os dados ora apresentados


referem-se a períodos anteriores à inauguração da linha de transmissão que ligou a
cidade à Usina Hidrelétrica de Bananeiras, por intermédio da COELBA, o que pode
justificar o alcance restrito do serviço no espaço privado do lar, além da taxa fixa de
fornecimento criada também com esse fim.326 Em 1962, quando a energia fornecida
pela COELBA efetivou-se no município, o número de consumidores cresceu de
forma substancial para 4.074. Foi a partir daí que os eletrodomésticos passaram a
fazer parte efetivamente da casa do santoantoniense, como relata D. Conça:

Em 1964 compramos uma televisão, eu já era casada. Era uma festa, os


vizinhos iam assistir, já havia até lugares reservados. Dia de domingo ia
assistir, eu acho que era Sílvio Santos.
Quando ainda não tinha energia elétrica, não se tinha geladeira, fritava as
carnes para não perder e não se podia comprar muita coisa.
Com a energia elétrica, se comprava mais coisas, fazia mais merenda
gelada, os hábitos mudaram e todo mundo dia de domingo já sabia o que
ia fazer – assistir televisão.
Os carnavais, todos queriam assistir.
Antes da televisão, tinha o rádio para ouvir a Hora do Brasil.327

Nos anos 1940 e 1950 a fraca iluminação que havia nas casas de alguns
moradores da cidade, sobretudo daqueles que residiam nas ruas centrais, em torno
da Praça Padre Mateus, ainda possuía horário reduzido de funcionamento, com as
interrupções constantes. A baixa voltagem não oferecia as condições necessárias
para o funcionamento de eletrodomésticos, pois “não é possível ter-se em
funcionamento, uma geladeira, por exemplo, pois a voltagem é tão baixa que logo
danificaria irremediavelmente o aparelho”.328 A partir de 1962, embora a energia não
tenha atingido imediatamente os mais de 15.000 moradores que viviam na cidade,
as pessoas passaram a ter mais segurança quanto à regularidade do serviço nas
suas casas e intensificaram a aquisição de eletrodomésticos, que, aos poucos,
também tornavam-se mais acessíveis. Foi quando D. Conça comprou a televisão e
sua casa, principalmente aos domingos, transformou-se num lugar de encontro e
festa entre vizinhos, até com “lugares reservados”.

325
Censo Demogáfico de 1960.
326
Projeto de Lei nº 5 de 1955. Livro de Expediente do Prefeito de 1956 a 1964. APMSAJ.
327
Depoimento de D. Maria da Conceição Souza Silva, já citado.
328
“Deve ser obrigatório o uso do medidor de luz”. A Verdade, Santo Antonio de Jesus, 5 de agosto
de 1959, p 1.
123

O rádio de pilha, que até então ganhava toda atenção da família, para ouvir
A Hora do Brasil, começou a ceder espaço para as imagens sedutoras que a
televisão trazia das novelas, dos carnavais que “todos queriam assistir”. Além disso,
em casa, já era possível ler, costurar, bordar à noite, sem queimar os cabelos nas
chamas do fifó. Mas a grande novidade certamente foi a televisão, inicialmente ainda
pouco presente nas casas, em virtude do seu alto custo.
Dessa forma, a energia elétrica aqueceu não apenas o mercado de
eletrodomésticos como também de alimentos em geral e os hábitos domésticos
começavam a mudar. Se antes não era possível comprar muita carne para não
arriscar a perda do produto, com a geladeira, podia-se adquirir o alimento em maior
quantidade e conservá-lo pelo tempo que fosse necessário. Na casa de D. Conça
passou-se a fazer “merenda gelada” e já era possível, nos encontros dominicais,
oferecer aos vizinhos telespectadores sucos gelados, sorvetes, geladinhos e
abafabancas, espécie de picolé ou sorvete feito em casa que tinha como forma a
cuba para fazer gelo. Com a energia elétrica e a geladeira, em algumas casas, já era
possível beber água gelada, portanto, as moringas e talhas,329 utilizadas para
manter a água fresca, aos poucos foram sendo abandonadas nas dispensas. Seu
José de Candu também recorda a sedução que a televisão exercia sobre as
pessoas, quando ainda era uma novidade que começava a alterar a rotina diária
pois,

no começo só tinha televisão na casa de quem tinha condição. Na


rua que eu morava só tinha uma e quando dava seis horas fazia
aquela fila na janela. Todo mundo ia assistir 330

Percebe-se, através de sua fala, como o advento da energia elétrica,


acompanhado pela televisão, interferiu nos hábitos cotidianos dos santoantonienses,
porém, com certas especificidades, a depender da condição sócio-econômica ou
cultural dos sujeitos. Algumas pessoas, de fato, ganharam a rua, podendo passear à
noite, ir ao cinema, às festas, aos parques, ou simplesmente ficar em casa
assistindo televisão, ouvindo rádio, lendo, bordando ou costurando. Contudo, a
chegada da energia elétrica não significou o acesso de todos aos novos bens e
serviços que o mercado passou a oferecer, sem impedir que a criatividade fosse

329
Recipientes feitos de cerâmica usados para guardar e manter a água fresca.
330
Sr. José Souza Sampaio, depoimento já citado.
124

utilizada para inventar estratégias de inclusão na nova cidade que surgia. As


possibilidades de não pagar o alto custo da energia multiplicaram-se. Nesse sentido,
lançando mão do conceito de “apropriação cultural” de Certeau, somos convidados a
deslocar a atenção da suposta passividade dos consumidores para a criatividade
oculta, presente num emaranhado de astúcias silenciosas, sutis e eficazes pelas
quais cada um apropria-se dos produtos culturais recebidos.331

Em 1959, antes, portanto, da implantação do sistema da COELBA, o Jornal


A Verdade, Quinzenário da Associação Cultural e Esportiva local, Vasco da Gama,
redigido por Ary Gomes, no seu primeiro ano de circulação, liderou uma campanha
contra a taxa fixa paga pelos consumidores de energia elétrica e em defesa do uso
obrigatório do medidor de luz nas residências. Entre os principais argumentos
apresentados estavam a possibilidade de se pagar um preço mais justo e
equivalente à energia consumida; a qualidade deficiente do serviço oferecido que
poderia ser superada com o uso do medidor vinculado à aplicação do valor
arrecadado na melhoria do próprio serviço; o controle do desperdício, pois alguns
mantinham “acesas todas as lâmpadas da casa mesmo sem necessidade”; e o fato
da taxa fixa mensal já ter sido abolida nos grandes centros, sendo mantida em
inúmeras comunidades, com evidente prejuízo do progresso local.332 Ao que tudo
indica, o valor cobrado pela taxa fixa mensal não correspondia à baixa qualidade do
serviço prestado, o que causava indignação àqueles que pagavam e pouco tinham a
usufruir. Sendo assim, pretendia-se pagar apenas pelo consumo medido.
Seu Eco recorda quando a sua alfaiataria funcionava à base da luz do
aladim, uma luz forte que “clareava tudo aqui”.

Depois o rapaz me deu um ponto de luz. O rapaz chamava Aurelino Sales


[...] Me deu um ponto de luz desse hotel aí, uma luzinha fraquinha [...] E
com esse pontinho de luz eu tinha que trabalhar fechado pra ele não ver a
luz acesa, trabalhava de aladim.333

O Sr. Eco ilustra bem o que a matéria citada anteriormente apresenta como
problemas na qualidade e na prestação do serviço da energia fornecida na cidade.
Aponta a deficiência da energia, pois era uma “luzinha fraquinha” e uma entre as
331
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano - artes de fazer. Vol. I, Petrópoles/ RJ: Vozes,
1994, p 40.
332
“ Deve ser obrigatório o uso do medidor de luz”. A Verdade, Santo Antonio de Jesus, 5 de agosto
de 1959, p 1.
333
Depoimento do Sr. Antonio Santana Vieira, já citado.
125

razões que levaram alguns consumidores a defenderem o uso do medidor, ou seja,


a possibilidade de um único consumidor disponibilizar pontos de luz para outras
residências e continuar pagando a mesma taxa fixa dos demais, o conhecido “gato”
dos dias atuais. Ao mesmo tempo, indica uma das estratégias empreendidas por
aqueles que não tinham condição de pagar pelo serviço para dispor da energia.
Entretanto, para ele, no seu local de trabalho, “não teve o que melhorar não, pelo
menos a luz do Aladim era muito mais forte”, embora tivesse que pagar pelo
querosene, matéria-prima utilizada para o funcionamento desse equipamento,
permitindo que os trabalhos da alfaiataria se prolongassem até mais tarde.
Seu José Elias trabalhou na empresa que fornecia energia para a cidade e
acompanhou de perto todo esse processo, desde quando a rua era iluminada por
fortes lampiões de gás acesos apenas durante a noite e quando nas casas os fifós e
lampiões eram elementos indispensáveis. Recorda que, como a máquina utilizada
“não satisfazia o número de pessoas que necessitava”, a energia era limitada e
quando alguém ia solicitar uma ligação, recebia a delimitação da quantidade de
lâmpadas permitida. Isso prolongou-se até 1962, “quando chegou a energia de
verdade”; entretanto, a promessa da Usina de Bananeiras foi utilizada por muito
tempo para “tapiar o povo”, pois,

Quando chegava perto das eleições, era mei mundo de bananeiras.


Botava no caminhão um bucado de poste, saía por aí soltando foguete,
quando acabava jogava os postes tudo lá e pronto. Esperava outra
eleição, usava na outra eleição e era assim.334

Durante décadas a energia elétrica esteve presente na pauta dos discursos


de políticos locais, mas a promessa de estendê-la às casas só se cumpriu, de fato,
nos anos 1960. Portanto, não custa entender as razões da prática da instalação de
“gatos”, à época.
Com a eletrificação das casas, a vida doméstica foi modificada, pois se
passou a dispor de atividades de lazer antes só possíveis no espaço público;
ampliou-se o conforto doméstico e criaram-se novos hábitos e comportamentos
sociais, principalmente na medida em que eram oferecidas condições para a
utilização desse espaço nos horários noturnos. Assim, novos aparelhos de diversão
doméstica, como a televisão, contribuíram diretamente no processo de
334
Depoimento de Sr. José Elias Silva Santos, já citado.
126

transformação do espaço residencial, promoveram outras práticas de sociabilidades


e redefiniram as relações estabelecidas nos espaços público e privado.

3.3 Outros espaços

Longe de ser um esporte que simplesmente objetivava a disciplinarização


dos corpos e o afastamento de jovens da elite do ócio, mantendo-os em constante
atividade, como acontecia no momento de sua inserção no Brasil, no final do século
XIX - quando era praticado apenas no interior de alguns colégios335 - o futebol na
cidade de Santo Antonio de Jesus era uma atividade socializadora, que aproximava
as pessoas de diferentes segmentos sociais. Considerado um instrumento de
diversão e socialização, tanto pela imprensa local, incentivadora do esporte na
cidade, quanto nos depoimentos dos entrevistados, o futebol reunia no mesmo
tempo/espaço, trabalhadores e patrões, seja como jogadores dos clubes locais que
disputavam as partidas, ou como platéia que apenas assistia.
A idéia difundida pelos segmentos do sindicalismo brasileiro de que o
futebol seria "o ópio do povo", uma estratégia utilizada para afastar as pessoas dos
problemas do dia a dia, uma diversão alienante, servindo para obscurecer a atenção
do povo dos seus problemas fundamentais336parece não contemplar as
representações construídas pelos moradores de Santo Antonio de Jesus sobre tal
modalidade esportiva, ainda que esta possa ter sido uma das intenções dos
pioneiros na implantação do esporte na cidade. Submetido a processos de
apropriação e re-significação pela população urbana santoantoniense, o sentido
principal atribuído ao futebol, vinculava-se à distração nas tardes de domingo,
momento em que todos se encontravam, numa cidade que tinha pouco a oferecer de
lazer para seus moradores.337
Ao que tudo indica, nas primeiras décadas do século XX o santoantoniense
já se divertia com o esporte. Em 1938, O Palládio anunciava o renascimento do
entusiasmo pelo futebol, ao mesmo tempo em que insinuava que o esporte já havia

335
ROSA, André Luiz. Futebol: ópio ou prazer? Artigo encontrado no site: http://
www.historiaehistoria.com/materia.cfm?tb=artigos&id=33.
336
SHIKIDA, Cláudio D. & SHIKIDA Pery Francisco Assis. É o futebol o ópio do povo? Uma
abordagem econômica preliminar, p 5. Artigo encontrado no site
http://www.ceaee.ibemecmg.br/wp/wp19.pdf.
337
Essa afirmação respalda-se nos depoimentos do Sr. José Elias Silva Santos, do Sr. Antonio
Santana Vieira, José Santos Vieira e do Sr. Manoel oliveira.
127

chegado à cidade em anos anteriores, talvez como um desdobramento da “febre


esportiva” que assolou metrópoles, como o Rio de Janeiro, desde os primórdios do
século XX.338 A Sociedade Danúbio Foot-Ball Club havia sido fundada em 20 de
maio daquele ano e “um surto de animação sacode a mocidade na reabilitação
esportiva local”, promovendo “todos os domingos divertimento desse gênero na
praça”.339 Ainda não havia nesse momento estádio para a prática do esporte, que
era realizada na Praça Padre Mateus. Em 1946 o mesmo periódico informava que o
único campo de futebol da cidade, feito pela Provedoria da Santa Casa de
Misericórdia, na Avenida Barros e Almeida, estava decadente, abandonado e
desmoronando com as chuvas. Não era mais possível jogar naquele local que
precisava de uma reforma urgente para não deixar desaparecer um elemento
“proporcionador da diversão tão adotada pela mocidade patrícia, diversão a que
acorrem as famílias, numa terra como a nossa, onde os meios de entretenimento
são escassíssimos”.340
De acordo com a memória oral, nos anos 1950, o futebol experimentava
seu auge na cidade. Nessa década, Vasco da Gama e Humaitá eram os clubes mais
famosos da cidade e levavam aos domingos uma multidão para os jogos que
aconteciam no Campo do Matadouro. Também aconteciam disputas entre clubes
locais e clubes de cidades vizinhas, conforme anúncios veiculados na imprensa
local:
Com muito prazer levamos ao conhecimento de nossos leitores e ao
público santoantoniense, que hoje à tarde [...], vamos apreciar mais uma
esplêndida e convidativa função esportiva – entre o referido Vasco da
Gama, agremiação local e o valoroso e disciplinado Ipanema Futebol
Clube, da vizinha e bela cidade de Cruz das Almas.
Todos ao Campo do Matadouro!341

Certamente, Sr Eco foi um dos moradores que atenderam ao chamado do


jornal. Apaixonado pelo futebol, não perdia uma partida e lembra que havia forte
rivalidade entre Vasco e Humaitá.342 É possível que Sr Irênio, Sr Zé de Candu e Sr

338
SEVCENCO, Nicolau. A capital irradiante: técnicas, ritmos e ritos do Rio. In: História da vida
privada: República: da belle époque à era do rádio. Nicolau Sevcenko (org). V.3. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998. p. 568.
339
“Danúbio Foot -ball Club e O foot-ball renasce entre nós”. O Palládio. Santo Antonio de Jesus, 3 de
junho de 1938, p 1.
340
“O campo de futebol em Santo Antonio”. O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 27 de setembro de
1946
341
“Pelo esporte”. O Detetive. Santo Antonio de Jesus, 18 de março de 1951.
342
Depoimento do Sr. Antonio Santana Vieira, já citado.
128

Elias, todos apreciadores do esporte, também tenham ido ao Campo do Matadouro


naquele domingo torcer pelo Vasco. Sr José Elias, durante a gestão de Antonio
Fraga (1955-1959), trabalhou como diretor e tesoureiro do Campo de Futebol que
mais tarde seria transformado em estádio. Apesar de ainda não possuir uma boa
estrutura, pois era apenas um campo todo cercado de zinco, o então diretor
conseguiu levar técnicos de outras cidades para treinar times locais.
Posteriormente, o prefeito José Trindade Lobo no seu primeiro mandato (1963-1967)
retirou o zinco e construiu o muro com as arquibancadas de madeira e o alambrado.
Quando Florentino Almeida assumiu a Prefeitura pela primeira vez (1967-1971), fez
um alambrado de ferro e arquibancada de cimento.343
Embora o serviço de energia elétrica tenha sido implantado definitivamente
na cidade, através da COELBA em 1962, a rede de força do Estádio Municipal, que
alimentava os refletores, continuava precária no final dos anos 1970 e a Liga
Santoantoniense de Futebol teve que transferir todos os jogos que seriam realizados
às noites de sábado e quarta-feira, para as tardes dos domingos e feriados. Era
comum, durante os jogos noturnos, o serviço de iluminação “entrar em colapso” e
interromper a competição, com isso surgiam problemas para a administração do
estádio - que pelo Código de Posturas de 1965, seria obrigado a devolver o dinheiro
do ingresso -, e prejuízos para os clubes participantes.344
Depois de uma tarde esportiva, a noite de domingo reservava ainda a
possibilidade de assistir a uma sessão de cinema no Cine-Teatro Glória ou no Cine
Rex, ambos localizados nas imediações da Praça Padre Mateus. Além de exibir
filmes, ambos eram espaços onde também aconteciam recitais, apresentações
teatrais e musicais. O Rex possuía acomodações mais amplas e sofisticadas. O
Glória, reaberto no início dos anos 1940, era considerado mais acessível, pois, além
do salão principal de exibição, havia o “puleiro”, local com valor do ingresso mais
barato, de onde assistia-se ao filme “por detrás” da tela. O Sr. Manoel, quando ainda
era aprendiz de alfaiate, era um daqueles que usavam o puleiro.345
A rotina do Cine-Glória, nos anos 1950, era vivenciada por Lauro Fernando
de Oliveira Souza que trabalhava nas noites de domingo e feriado, das 19:00h às
21:30min, operando as máquinas que projetavam as imagens na grande tela. Além

343
Depoimento de Sr José Elias Silva Santos, já citado.
344
Portaria nº 15/79 de 4 de junho de 1979. Livro de Leis, Decretos e Portarias da Prefeitura de Santo
Antonio de Jesus de 1979. APMSAJ.
345
Depoimento do Sr. Manoel Oliveira, já citado.
129

de operador cinematográfico, fazia parte de suas atribuições, confeccionar cartazes


anunciando os filmes a serem exibidos e dar manutenção às máquinas. Sua
experiência como funcionário do Cine- Glória só terminaria naqueles palcos em
dezembro de 1956, quando o cinema foi adquirido pela Empresa Cine Rex Ltda.346
De acordo com o Sr. Zeca Vieira, o cinema era a única diversão noturna da
cidade, “freqüentado por todos, ricos e pobres”. Por ser muito concorrido, segundo
ele, “às vezes precisava duas ou três sessões” para atender ao público, que
caprichava na aparência e se apresentava sempre arrumado. Ele quem sempre ia
acompanhado por amigos e afirma que no cinema “não tinha bandoleiro, não tinha
vagabundagem. Os casais namoravam lá, [...] se beijavam, mas era com respeito.
Eu nunca presenciei uma briga ou qualquer confusão”. Afirma ainda que os pais
deixavam as filhas freqüentarem porque era “muito sofisticado, muito bem
organizado, arrumadíssimo mesmo”. E não eram apenas os jovens que iam, “tinha
pessoas de mais ou menos idade avançada também”.347 Outrossim, o
comportamento daqueles que dentro do cinema “não guardam a devida compostura,
gargalhando como se estivessem num meio em que tudo lhes fosse permitido”,348
era denunciado pela imprensa local por freqüentadores que primavam pela
manutenção da organização do espaço.
A foto cedida pelo Sr. Edivaldo Oliveira é reveladora:

346
Autos da Reclamação Trabalhista de Lauro Fernando de Oliveira Souza contra a Empresa Cine
Rex, representada por José Pereira Reis, formulada em 22 de dezembro de 1958. APMSAJ, pasta de
Reclamações Trabalhistas, de 1950 -1960.
347
Depoimento de Sr. José Santos Vieira, já citado.
348
“Censurando”. O Detetive, Santo Antonio de Jesus, 27 de agosto de 1950, p 1.
130

Figura VIII: Imagem do Cine Rex


(Fotografia do arquivo pessoal de Sr Edivaldo Oliveira Souza)

A imagem, captando os expectadores durante uma sessão do Cine Rex,


entre os anos 1950 e 1960, evidencia aspectos relatados pelo Sr. Zeca Vieira,
sobretudo quanto às vestimentas, ao comportamento e ao tipo de público que
freqüentava o cinema. Pessoas de paletó, calça e sapato social, além do que o
elevado número de presentes e a presença feminina constituem indícios da
aprovação desse espaço de lazer por homens e mulheres de rostos e cores
diferentes. A presença de mulheres no salão, sentadas discretamente em filas do
meio e mais ao fundo, pode significar certa timidez ou quem sabe alguma estratégia
utilizada no processo de adaptação a um ambiente de lazer ainda pouco conhecido.
O chapéu, que alguns podem considerar como um elemento simbólico da vida do
homem do campo, pode ser visto não na cabeça, mas sobre o joelho, provavelmente
para ser usado ao final da sessão, já fora daquele recinto, em sinal de respeito,
educação ou simplesmente para não atrapalhar a visão dos outros. Sinaliza ainda a
apropriação do espaço de exibição da sétima arte por pessoas com fortes vínculos
rurais, e ao mesmo tempo, dispostas a experimentar as diversões que a noite na
131

cidade podia oferecer, entretanto, “o historiador não pode se dar ao luxo de


esquecer que essas imagens foram produzidas num determinado contexto”.349
As memórias de D. Conça são igualmente denunciadoras:

ia ao cinema como todo mundo [...], ia com o namorado e com


alguém do lado pra não ficar falada, pois ficava falada quem saía
sozinha com o namorado. O nome era escrito no papel e colocado
na palmeira, próximo à estação.

Guardadas as devidas proporções, pode-se pensar que havia certa


tolerância por parte dos pais, quanto às moças freqüentarem os cinemas; entretanto,
percebe-se que, nessa flexibilidade, havia um limite a ser respeitado, a saber:
recomendava-se a companhia de uma terceira pessoa, geralmente uma irmã da
namorada que acompanhava o casal, para a moça não “ficar falada” e poder voltar
outras vezes.
Corroborando a fala do Sr. Zeca Vieira, Sr. José Elias reitera que a
“distração única que tinha era [...] ir pro cinema” e acrescenta que havia ainda outro
cinema chamado Aliança, na Rua Silva Jardim, atual Rua Landulfo Alves.350 Em
Memórias de um pária, Eduardo de Souza Almeida também faz referências a esse
cinema, quando recorda que “antes de inaugurar-se o Cinema Glória, João Esteves
teve cinema na Rua Silva Jardim que funcionou por muito tempo”.351
Mas, existiam aqueles que não freqüentavam os cinemas da cidade. D.
Maria Soares e Sr. Gregório, por exemplo, talvez por morarem nos arrabaldes da
cidade, o que dificultava por exemplo os deslocamentos noturnos até as ruas
centrais. Sr. Eco só “ia de vez em quando” e Sr Irênio, nunca foi de “fazer folia
demais”, foi muito pouco ao cinema, mas recorda do filme que assistiu sobre o
nascimento de Cristo.
Entre as limitadas opções do lazer santoantoniense, “o cinema destaca-se
pela influência que iria exercer, propiciando modificações de valores, costumes e
imaginário”.352 Atuaria, portanto, como um instrumento “civilizador” no sentido
adotado por Norbert Ellias, em que “civilizado era sinônimo de cultivado, polido,

349
BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. São Paulo: EDUSC, 2004, p. 139.
350
Depoimento do Sr. José Elias, já citado.
351
ALMEIDA, Eduardo de Souza. Memórias de um pária. Salvador: Adipro, 2006.
352
FONSECA, Raimundo Nonato da Silva. "Fazendo fita":cinematógrafos, cotidiano e imaginário em
Salvador, 1897-1930. Salvador: EDUFBA, 2000.
132

contido”.353 Ir ao cinema na cidade, além de ser uma ocupação agradável para a


noite, podia expressar ser “chique”, “requintado”, “fino”. As imagens da tela, com
algumas restrições, passavam a ser refletidas nas roupas da moda, no corte de
cabelo, na maquiagem, nas linguagens e sentimentos que despertavam na platéia.
Com um público tão diversificado, o estilo dos filmes exibidos nem sempre
podia seguir uma linha tão variada. Os jornais O Palládio e O Detetive trazem na
maior parte dos seus anúncios, filmes românticos como, “Ama-me sempre”, “Brinde
ao amor”, “Encontro inesperado”; filmes de aventura como, “A máscara de ferro”, “O
menino dos cabelos verdes”; algumas comédias e apenas um com título mais
sugestivo e ousado: “Prá lá de boa”. Provavelmente, priorizava temas de interesse
da maioria sem, contudo, baixar o nível para exibições de temas ainda tabus na
cidade, como sexo explícito e violência. Caso contrário, também poderia entrar em
choque com um artigo do Código de Posturas de 1965, que proibia “as
manifestações violentas de desagrado [...], assim como a representação de peças
ou números ofensivos a moral pública ou de desrespeito às autoridades
constituídas”.354 Além disso, afastaria as famílias e restringiria o cinema a um espaço
freqüentado, sobretudo, por um número restrito de pessoas. Porém, nem sempre o
público saía satisfeito. Nesse sentido, um telegrama divulgado por O Detetive, em
agosto de 1950, revela a indignação da platéia, após um espetáculo apresentado no
Cine-Glória:

Srs. Diretores d’O Detetive. – Acabamos de presenciar no palco do Cine-


Glória uma luta de boxe, com a qual expectadores não se conformaram
[com os] truques dos artistas, que além da sagacidade... caíam sem ser
atingidos. Nossa platéia que não é sopa nem dá água a pinto, quis a
muque reaver os monis do ingresso, o que não conseguiu porque os
sagazes se juntaram à polícia; mas mesmo assim só se ouvia alta hora da
noite, dos expectadores essas expressões: - Manda o meu!355

O “desagrado” dos expectadores relaciona-se com a baixa qualidade do


filme; refere-se à ausência de realidade nas cenas assistidas, sentindo-se ofendidos
e desrespeitados. O telegrama indica, sobretudo, o nível de exigência do público que

353
ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador, 2 vols. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.
______.Sociedade de Corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
354
Lei nº 66 de 4 de dezembro de 1965. Art. 174, Código de Posturas de 1965. Santo Antonio de
Jesus, APMSAJ.
355
“Telegrama”. O Detetive, Santo Antonio de Jesus, 27 de agosto de 1951, p 3.
133

“quis a muque reaver os monis” e a disposição de tomar atitude e exigir qualidade


nos espetáculos apresentados.
Além do cinema e do futebol, os circos e parques de diversões,
eventualmente montados na cidade, revelam-se, através da memória oral,
importantes espaços de lazer. As brigas de galo e corridas de cavalo também estão
presentes no restrito universo de atrações que o viver em Santo Antonio de Jesus
propiciava aos seus moradores.
Na década de 1950, nos dias de micareta, “após as 20 horas a
movimentação pelas ruas cessava e era comum dar-se início a bailes momescos”,
na Sociedade dos Artistas, no Mercado Municipal, na Sociedade Amantes da Lira,
no Prédio Escolar Félix Gaspar, no Solar Aprígio Alves e na Sociedade
Palmeirópolis. A Sociedade Beneficente dos Artistas, “por ser um ambiente
congregador de trabalhadores” atraía pessoas de todas as classes. “Constituía-se
[...] num espaço plural e quebrava barreiras da hierarquização de cor, classe e
gênero”. Assim, contrastava com a Rádio Clube Palmeirópolis, onde os eventos
festivos realizados não eram acessíveis às camadas populares, pois estavam
reservados aos “altos comerciantes, políticos, doutores e os investidores
estrangeiros envolvidos com a comercialização de fumo e do minério de manganês,
tão abundantes no período”.356

356
MENEZES, Eliane. Dissertação de Mestrado: A Beneficente dos “Artistas” santantonienses, UNEB,
2008, p 110-111.
134

FIGURA IX: Sede da Rádio Clube/ Sociedade Palmeirópolis


Arquivo pessoal de Tau Tourinho.

A fotografia traz, pomposa, a imagem do palacete que pertenceu à família


Félix Gaspar de Araújo e Almeida, onde funcionou a Rádio Clube/Sociedade
Palmeirópolis, na antiga Rua de Baixo, atual Sete de Setembro. As iniciais SSVP,
gravadas na fachada do prédio, remete-nos ao período em que ali funcionou a sede
da Sociedade São Vicente de Paulo, na primeira metade do século XX. A presença
maciça de crianças, mulheres e homens bem vestidos, embora preparados e
posando para uma fotografia, insinua que aquele espaço foi cenário de muitas
histórias envolvendo pessoas das camadas mais abastadas da cidade, sobretudo
nos anos 1940 e 1950, até a sua demolição, no final da década de 1950. Os
anúncios dos soirées dançantes e bailes de Micareta convidavam “os seus
associados e suas dignas famílias” e solicitavam a apresentação do recibo da
mensalidade como ingresso, de modo a manter o ambiente restrito ao lazer de uma
minoria.
135

Já no Solar Aprígio Alves, onde hoje é a Pousada Vila das Palmeiras,


anteriormente pertencente à Landulfo Alves”,357 como rememora D. Conça,
aconteciam as “matinês dançantes”. Foi também no Solar, onde no domingo de 4 de
novembro de 1951, ocorreu uma grande festa em que Laura Souza recebeu a coroa
de rainha da primavera, Madalena Vieira dos Santos, aluna do Ginásio Santo
Antonio e Maria Cilene Araújo Queiroz, aluna da Escola Félix Gaspar, duas alunas
vencedoras de um concurso literário, receberam homenagens e prêmios. Durante a
festa promovida por professoras da cidade, houve apresentações de números de
piano, cantos e recitais e a todos que participaram, deixou uma ótima impressão,
registra o jornal O Detetive.358
O Tênis Clube Cultural Santoantoniense, após sua fundação nos anos 1960,
atraiu para lá alguns bailes. Na década de 70 entraram em funcionamento o Clube
dos 100, freqüentado por famílias mais abastadas e o Clube dos 1.000 (Associação
Operária Santoantoniense). Esses espaços tornaram-se importantes para a
sociabilidade dos moradores, locais de encontros para as comemorações de
aniversários, casamentos, formaturas, noivados e eventos de caráter político e
esportivo.359
Outra opção de lazer era representada pelos “passeios de recreio”, viagens
coletivas, inicialmente de trem, que os santoantonienses faziam para cidades
vizinhas como Cruz das Almas, Nazaré, Cachoeira, Valença, Castro Alves e
Aratuípe. Podiam acontecer com a finalidade de angariar recursos para as festas de
São Benedito, do padroeiro Santo Antonio, bem como em benefício das obras da
construção da Igreja Matriz ou ampliação da Santa Casa de Misericórdia.
Entretanto, constituíam em viagens nas quais as pessoas que nelas embarcavam
estavam em busca de diversão. Alguns desses passeios eram programados para
acompanhar disputas de futebol entre times locais e da cidade visitada, outros
levavam os santoantonienses para desfrutar dos banhos de mar das cidades
litorâneas ou ribeirinhas, como o passeio que levou um grupo de “cavalheiros,
senhoras e senhoritas”, no dia 14 de outubro de 1951, à cidade de Aratuipe.

Durante o tempo em que estiveram na vizinha cidade, os visitantes


gozaram bastante, não só dos banhos agradáveis, mas também dos

357
Depoimento de D. Maria da Conceição Souza Silva, já citado.
358
“Sobre as festas de domingo”. O Detetive. Santo Antonio de Jesus, 4 de novembro de 1951, p 1.
359
SALES, Geraldo P. .Santo Antonio de Jesus - a cidade que encontrei p14.
136

bailes que se desenvolveram ao som de excelente jazz, da filarmônica


local.360

A viagem que o trecho citado faz referência aconteceu em um caminhão, o


que podia ser um prenúncio da superação do transporte ferroviário pelo rodoviário.
O ritmo mais acelerado e a velocidade do caminhão, apesar das precárias condições
das estradas, podiam prejudicar um pouco a contemplação da beleza e a inspiração
poética motivada pelas belas paisagens das matas do Recôncavo Sul. Entretanto, o
grupo, muito entusiasmado, entoava “canções decentes e análogas”. Além de
“banhos agradáveis”, o passeio foi enriquecido, como era de costume, por músicas
da filarmônica local, que fazia parte da programação.361
Entre as limitadas opções de lazer, intensificadas, sobretudo, a partir da
energia elétrica, festas, futebol, cinema, parques, circos, passeios de recreio,
destacaram-se através da oralidade e da imprensa, como atividades que
intercalavam os dias de trabalho do santoantoniense. As ruas eram locais de
encontros e festas, freqüentados pelos moradores. A casa, com a energia elétrica,
tornou-se mais confortável, constituindo-se mais um espaço de lazer, que reunia
amigos, parentes e vizinhos para festas, ouvir música ou assistir televisão.

360
“O passeio de recreio desta cidade à Aratuipe”. O Detetive. Santo Antonio de Jesus, 21 de
outubro de 1951, p 4.
361
Idem
137

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A heterogeneidade e a diversidade das experiências vivenciadas no espaço


urbano santoantoniense, identificadas através da documentação utilizada,
sobretudo, nos jornais, nas fotografias e nos depoimentos orais, permitem vislumbrar
um processo marcado por descontinuidades, permanências e rupturas nos hábitos,
práticas e costumes cotidianos dos moradores da urbe. Isso pode ser observado,
por exemplo, na manutenção de práticas tradicionais, como os brinquedos de roda,
as festas de largo, as ladainhas de Cosme e Damião, enquanto a televisão passava
a fazer-se presente no dia a dia das pessoas.
No período analisado, observou-se significativas alterações no cenário
urbano santoantoniense, notadamente nos meios de transporte, nas relações de
trabalho, na diversificação do lazer e em todos os âmbitos da vida cotidiana na
cidade. Entretanto, os moradores da cidade não se comportaram como meros
expectadores das mudanças. Embora as iniciativas modernizadoras da cidade
tenham partido de um pequeno grupo, constituído, principalmente por
representantes da elite política e econômica locais, a população, na sua
complexidade, também foi responsável pela configuração dos modos de vida
urbanos que começavam a surgir. Seja aceitando, burlando ou negociando as
mudanças anunciadas, as iniciativas dos moradores foram decisivas na elaboração
dos viveres urbanos e evidenciam, nesse processo, uma reciprocidade de
influências, condicionada pela circularidade de relacionamento. Uma dessas
situações pode ser identificada na apropriação do cinema como espaço de lazer dos
moradores. Ao mesmo tempo em que se adaptaram às regras, como o cumprimento
de horário e o modo de se comportar, participaram da formatação desse ambiente,
através de queixas e exigências recorrentes da platéia.
As interferências e a participação dos moradores manifestam-se a priori
através da aprovação e incorporação de algumas novidades urbanas à sua
cotidianidade, mas também quando resistiram através da manutenção de práticas e
hábitos, que não eram considerados condizentes com os padrões de urbanização
que se pretendia implantar. A adaptação às novidades não ocorreu de forma
pacífica, mas envolvendo múltiplas estratégias, quase sempre sutis, de apropriação
que evidenciam criatividade e habilidade de negociação, buscando converter a seu
favor algumas das imposições do projeto urbanizador.
138

Nesse processo de urbanização/modernização, que influenciou de forma


indubitável a vida dos habitantes da cidade, costumes e tradições, idéias e
comportamentos foram alterados, mediante a re-elaboração de valores culturais já
enraizados nas suas experiências cotidianas. De modo geral, as experiências
analisadas sinalizaram a convivência de elementos ligados aos viveres rurais com
as novidades que anunciavam a inserção da urbe nos trilhos do progresso e da
modernidade. Verificou-se, portanto, o imbricamento de valores rurais e urbanos,
num momento em que Santo Antonio de Jesus era, ao mesmo tempo, campo e
cidade.
Apesar das normatizações impostas pelo poder público, a cidade, durante o
período pesquisado, continuou recebendo muitas críticas da imprensa local quanto à
postura de seus moradores. Estes, certas vezes, pareciam alheios às proibições que
definiam a forma como deveriam se comportar em espaços públicos e mesmo
privados. Isso, sem dúvida, deixaria marcas na identidade da sociedade urbana
santoantoniense, notadamente no que diz respeito ao forte vínculo com práticas
costumeiras, arraigadas à tradicional maneira de viver, sobretudo, oriundas do meio
rural e continuaram a criar seus animais soltos pelas ruas, a lavar roupas nas fontes,
a estendê-las nas portas das casas.
Apesar das particularidades apresentadas nas práticas vividas pelos
santoantonienses, é possível perceber similaridades em relação a experiências de
urbanização de muitas cidades. Entre elas notamos tentativas de hierarquização e
segregação sócio-espacial, identificadas no processo de afastamento dos feirantes e
das prostitutas das áreas centrais, reafirmando essa tendência. Igualmente podemos
destacar políticas de controle social, através de posturas proibitivas quanto ao
comportamento das pessoas em lugares públicos definindo, por exemplo, que nas
fontes não podiam lavar roupas ou tomar banho. No conjunto das aproximações a
outras realidades urbanas, evidenciam-se projetos de urbanização e modernização
implantados na cidade, pautados, sem sombra de dúvidas, em interesses políticos e
econômicos, que justificam os altos investimentos em desapropriações, bem como
os comprometimentos econômicos do poder público local com o governo estadual,
por meio de empréstimos freqüentes.
Entre mudanças e permanências, a urbe que atualmente carrega a marca
do “comércio mais barato da Bahia”, apresenta-se como uma cidade diurna, movida
pelo comércio, que durante o dia atrai populações de cidades vizinhas e garante o
139

ritmo acelerado e o movimento cotidiano. Quando a noite chega, a partir das 18:00h,
como numa espécie de mágica, aquele movimento todo desaparece. É nesse
horário que saem as últimas vans, microônibus e ônibus com destinos diversos,
levando aquelas pessoas às suas cidades de origem. À noite a cidade dorme. Com
poucas opções de lazer, além do pequeno movimento nas praças, nos bares,
restaurantes e cinema, os moradores descansam para no dia seguinte encontrar
outros rostos, outros sotaques, outras histórias, contadas por outros consumidores,
que certamente virão visitar e comprar no comércio santoantoniense: começa mais
um dia de encontros na cidade que, diariamente, reúne muitas outras cidades.
Em meio às experiências constituídas e reconstruídas pelos moradores, ao
longo dos anos, surgiu uma cidade que atualmente privilegia, acima de tudo, o seu
comércio. O perfil do Código de Posturas Municipais de 1965 já sinalizava para isso,
na medida em que regulamentava qualquer atividade comercial que pudesse gerar
divisas para o poder público local, através da cobrança de impostos. Essa posição
privilegiada ocupada pelo comércio pode ser observada atualmente através do
poder de interferência desse setor no traçado urbano, nas modificações do trânsito,
no patrocínio de eventos, particularmente voltados para o fortalecimento da
economia local, que tem essa atividade como principal sustentáculo. Outros
aspectos de relevante importância, para elevar a qualidade de vida na cidade como
a cultura e o lazer, há décadas foram relegados a um plano secundário, o que
colaborou para o peculiar quadro que atualmente a urbe apresenta - durante o dia,
têm-se um grande movimento de pessoas que se deslocam das cidades vizinhas
para comprar no comércio local. E à noite, apresenta apenas espaços vazios que
levariam um visitante desavisado a indagar: onde estão todas aquelas pessoas?
Resta dizer, enfim, que esse estudo partilha da percepção de que a cidade
pode ser lida e que o seu próprio espaço e a materialidade convertem-se em
narradores da sua história, assim como os próprios habitantes vão reescrevendo a
escrita de sua cidade permanentemente. Portanto, as possíveis leituras aqui
apresentadas ancoram-se na materialidade do espaço urbano, mas principalmente
nos gestos, sentidos e significados extraídos de histórias produzidas nos encontros
cotidianos dos seus moradores, que são, por excelência, os personagens centrais
dessa pesquisa. Os resultados apontados através desse estudo são transitórios,
como é a própria vida, a história e as cidades. Assim sendo, abrem caminhos para
que, a partir da investigação permanente e da persistência na articulação dos sinais
140

encontrados, continuemos a decifrar os mistérios e a tecer a história das práticas


vividas em Santo Antonio de Jesus.
141

FONTES E REFERÊNCIAS:

1. ARQUIVOS E BIBLIOTECAS:

APEB- Arquivo Público do Estado da Bahia

APMSAJ – Arquivo Público Municipal de Santo Antonio de Jesus.

Arquivo da Câmara de Vereadores de Santo Antonio de Jesus

Biblioteca da SEI, Salvador, Ba.

Biblioteca do IGHB (Instituto Geográfico e Histórico da Bahia)

Biblioteca Pública do Estado da Bahia.

Biblioteca da COELBA ( Companhia de Energia Elétrica da Bahia), Salvador, Ba.

Biblioteca da Fundação Clemente Mariani, Salvador, Ba.

Biblioteca da Faculdade de Arquitetura da UFBA.

Arquivo e Biblioteca do IBGE Salvador, Ba.

2. FONTES IMPRESSAS:

Censo Demográfico de 1950 e 1960.

Lei nº. 71 de 24 de dezembro de 1966. APMSAJ. Código Tributário de 1965.

Lei nº. 66 de 4 de dezembro de 1965. APMSAJ. Código de Posturas Municipais de


1965.

Mensagem apresentada pelo Dr. Octávio Mangabeira, governador do Estado da


Bahia à Assembléia Legislativa, através da Imprensa Oficial da Bahia, em 7 de abril
de 1950.

3. FONTES JORNALÍSTICAS ( JORNAIS E PERIÓDICOS)

O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 26 de janeiro de 1921. AP


O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 1º de abril de 1932. AP
142

O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 28 de janeiro de 1938. AP


O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 3 de fevereiro de 1933. AP
O Palládio. Santo Antonio de Jesus, 3 de junho de 1938. AP
O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 6 de outubro de 1938. AP
O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 14 de julho de 1939. AP
O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 12 de agosto de 1939. AP
O Palládio. Santo Antonio de Jesus, 16 de outubro de 1941. AP
O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 5 de novembro de 1942. AP
O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 4 de dezembro de 1942. AP
O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 16 de janeiro de 1942. AP
O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 23 de agosto de 1945. AP
O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 27 de setembro de 1946. AP
O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 9 de abril de 1947. AP
O Palládio. Santo Antonio de Jesus, 29 de setembro de 1948. AP
O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 8 de outubro de 1948. AP
O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 6 de setembro de 1949. AP
O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 11 de junho de 1949. AP
O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 3 de fevereiro de 1949. AP
O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 4 de março de 1949. AP
O Palládio, nº. 2068, nº. 2184 e o nº. 2187. AP
O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 21 de março de 1949. AP
O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 25 de abril de 1949. AP
O Palládio,Santo Antonio de Jesus, 24 de novembro de 1950. APMSAJ
O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 6 de novembro de 1950. APMSAJ
O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 10 de maio de 1950. APMSAJ
O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 30 de maio de 1950. APMSAJ
O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 13 de outubro de 1951. APMSAJ
O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 14 de agosto de 1951. APMSAJ
O Palládio, Santo Antonio de Jesus, 16 de janeiro de 1951. APMSAJ
O Palládio: 03 de fev de 1949; 21 de março de 1949; 14 de abril de 1950. APMSAJ
O Detetive, Santo Antonio de Jesus, 24 de junho de 1950. AP
O Detetive, Santo Antonio de Jesus, 24 de setembro de 1950.AP
O Detetive, Santo Antonio de Jesus, 7 de maio de 1950. AP
O Detetive, Santo Antonio de Jesus, 22 de janeiro de 1950. AP
143

O Detetive. Santo Antonio de Jesus, 30 de julho de 1950


O Detetive, Santo Antonio de Jesus, 1º de outubro de 1950. AP
O Detetive, Santo Antonio de Jesus, 10 de setembro de 1950. AP
O Detetive, Santo Antonio de Jesus, 9 de abril de 1950. AP
O Detetive, Santo Antonio de Jesus, 16 de abril de 1950. AP
O Detetive, Santo Antonio de Jesus, 23 de abril de 1950. AP
O Detetive, Santo Antonio de Jesus, 27 de agosto de 1950. AP
O Detetive, Santo Antonio de Jesus, 8 de janeiro de 1950. AP
O Detetive, Santo Antonio de Jesus, 5 de fevereiro de 1950. AP
O Detetive, Santo Antonio de Jesus, 19 de fevereiro de 1950. AP
O Detetive. Santo Antonio de Jesus, 22 de outubro de 1950. AP
O Detetive. Santo Antonio de Jesus, 28 de janeiro de 1951. AP
O Detetive. Santo Antonio de Jesus, 18 de março de 1951. AP
O Detetive, Santo Antonio de Jesus, 17 de junho de 1951. AP
O Detetive, Santo Antonio de Jesus, 30 de setembro de 1951. AP
O Detetive, Santo Antonio de Jesus, 13 de julho de 1951. AP
O Detetive, Santo Antonio de Jesus, 13 de janeiro de 1951. AP
A Voz das Palmeiras, Santo Antonio de Jesus, 11 de janeiro de 1954. AP
A Voz das Palmeiras, Santo Antonio de Jesus, 12 de março de 1954. AP
A Voz das Palmeiras, Santo Antonio de Jesus, março de 1954. AP
A Voz das Palmeiras, Santo Antonio de Jesus, 4 de fevereiro de 1954. AP
A Voz das Palmeiras, Santo Antonio de Jesus, 5 de maio de 1954. AP
A Voz das Palmeiras, Santo Antonio de Jesus, Fevereiro de 1954. AP
A Voz das Palmeiras, Santo Antonio de Jesus, 27 de janeiro de 1954. AP
O Padroeiro, Santo Antonio de Jesus, 1º de junho de 1944. AP
O Padroeiro, Santo Antonio de Jesus, 1º de junho de 1954. AP
Jornal A Verdade, Santo Antonio de Jesus, 5 de agosto de 1959. AP
Jornal Reconvalle, Ano VIII, nº 51, 10 de julho de 1992. AP
Jornal da Cidade, Santo Antonio de Jesus, 18 de março de 1962. AP
Jornal da Cidade, Santo Antonio de Jesus, 8 de julho de 1962. AP
Jornal da Cidade, Santo Antonio de Jesus, 11 de maio de 1962. AP
Jornal da Cidade, nº. 9, ano I. AP
O Nazareno, Cidade de Nazaré, Bahia, 14 de março de 1957. BPEB
Jornal da Bahia, Salvador, 1968. BPEB
144

Jornal da Bahia, Salvador, 7 e 8 de setembro de 1968. BPEB


O Momento, Salvador, 15 de junho de 1946. BPEB
Diário Oficial do Estado da Bahia de 6 de agosto de 1960. Arquivo da COELBA.
Folhinha Sagrado Coração de Jesus. AP

4. FONTES MANUSCRITAS:

Ata de 23 de agosto de 1948. APMSAJ. Livro de Ata da Câmara dos Vereadores de


Santo Antonio de Jesus – 1948 a 1951.

Projeto de Lei solicitando a aferição de pesos e medidas. Ata de 17 de maio de


1949. APMSAJ. Livro de Ata da Câmara dos Vereadores de Santo Antonio de Jesus
– 1948 a 1951.

Projeto de Lei nº 5 de 1955. Livro de Expediente do Prefeito de 1956 a 1964.

Projeto nº 12/63. Livro de Leis, Decretos e Portarias da Câmara dos Vereadores de


1963.

Lei nº. 5 de 1948. Arquivo Público Municipal de Santo Antonio de Jesus. Livro de
Leis, Decretos e Portarias de Santo Antonio de Jesus.

Lei nº. 01 de 13 de fevereiro de 1958. Livro de leis, decretos e portarias de Santo


Antonio de Jesus 1956-1963. APMSAJ.

Lei nº 17 de 1960. Livro de Leis, Decretos e Portarias de 1956 – 1963.

Livro de Registro Diário do Expediente do Prefeito de Santo Antonio de Jesus 1964 -


1966. APMSAJ.

Ata de 24 de abril de 1951. APMSAJ. Livro de Ata da Câmara dos Vereadores de


Santo Antonio de Jesus – 1948 a 1951.

Ata da Seção da Câmara dos Vereadores de 19 de novembro de 1951.

Ata da Seção da Câmara dos Vereadores de 29 de setembro de 1953.

Lei nº. 14 de 14 de fevereiro de 1949. Livro de Leis de 1949 da Prefeitura de Santo


Antonio de Jesus. APMSAJ.

Decreto nº 6 de 22 de abril de 1958. Livro de Leis, Decretos e Portaias de 1956-


1963. APMSAJ.

Decreto nº. 08 de 30 de março de 1960. Arquivo Público de SAJ. Livro de Leis,


Decretos e Portarias da Prefeitura Municipal de Santo Antonio de Jesus.
145

Lei nº 15 de 7 de fevereiro de 1956. Arquivo Público Municipal de Santo Antonio de


Jesus, Livro de Leis, Decretos e Portarias da Prefeitura Municipal de Santo Antonio
de Jesus.

Lei nº. 5 de 1º de junho de 1951. APMSAJ, Livro de Leis, Decretos e Portarias da


Prefeitura Municipal de Santo Antonio de Jesus.

Lei nº. 02, de 1º de junho 1951. APMSAJ, Livro de Leis, Decretos e Portarias da
Prefeitura Municipal de Santo Antonio de Jesus.

Portaria nº 6/63, de 9 de abril de 1963. Livro de Leis, Decretos e Portarias de 1963.

Portaria nº 26/63 de 5 de julho de 1963. APMSAJ. Livro de Atas, Decretos e


Portarias da Prefeitura Municipal de Santo Antonio de Jesus.

Portaria nº 15/79 de 4 de junho de 1979. Livro de Leis, Decretos e Portarias da


Prefeitura de Santo Antonio de Jesus de 1979.

5. FONTES DATILOGRAFADAS:

Autos da Reclamação Trabalhista de José Silva Souza contra a Exportadora de


Fumo Suerdieck S/A, formulada em 5 de outubro de 1966. APMSAJ, pasta de
Reclamações Trabalhistas, de 1960 -1970.

Autos da Reclamação Trabalhista de Vítor Pereira de Souza contra José Esdras


Diniz, formulada em 4 de maio de 1953. APMSAJ, pasta de Reclamações
Trabalhistas, de 1950 -1960.

Autos da Reclamação Trabalhista de Mário Alves de Andrade contra José Esdras


Diniz, formulada em 4 de maio de 1953. APMSAJ, pasta de Reclamações
Trabalhistas, de 1950 -1960.

Autos da Reclamação Trabalhista de Genebaldo Ferreira Macedo contra Ezequias


de Almeida Sampaio, formulada em 11 de setembro de 1957. APMSAJ, pasta de
Reclamações Trabalhistas, de 1950 -1960.

Autos da Reclamação Trabalhista de Maria dos Santos contra o Hotel Central,


representado por Raimundo Nunes de Souza, formulada em 11 de fevereiro de
1963. APMSAJ, pasta de Reclamações Trabalhistas, de 1960 -1970.

Lei nº. 11 de 27 de outubro de 1972. APMSAJ. Maço de Leis do ano 1972 da


Prefeitura de Santo Antonio de Jesus.

Lei nº. 27 de 08 de novembro de 1949. Maço de leis 1949 da Prefeitura de Santo


Antonio de Jesus. APMSAJ.

Decreto-Lei 1.237/19. APMSAJ.


146

6. FONTES ORAIS:

Depoimento de José Santos Vieira, de 67 anos idade, em maio de 2007, nascido em


Santo Antonio de Jesus.

Depoimento do Sr. Gregório Tavares da Silva de 99 anos de idade, em maio de


2007, morador da cidade desde 1948.

Depoimento de Seu Gilberto Mello, 25 de maio de 2007.

Depoimento de D. Maria Soares de Jesus, em nov. de 2007, de 84 anos de idade,


moradora da cidade desde os sete anos.

Depoimento do Sr. José Souza Sampaio, em junho de 2007, 62 anos de idade,


morador da cidade desde 1946.

Depoimento do Sr. Manoel Oliveira, em agosto de 2007, 76 anos de idade, nascido


em Santo Antonio de Jesus.

Depoimento do Sr. Irênio Santos Pereira, em 03 de maio de 2008, 71 anos de idade,


morador da cidade desde que nasceu.

Depoimento do Sr. Antonio Santana Vieira, em 02 de novembro de 2007, 78 anos de


idade, morador da cidade desde que nasceu.

Depoimento de D. Maria da Conceição Souza Silva, em dezembro de 2007, de 66


anos de idade, moradora da cidade desde 1944.

Depoimento de Sr. Edivaldo Oliveira Souza, em 6 de dezembro de 2007, 90 anos de


idade.

Depoimento de D. Tereza Leal Vita Souza, em 6 de dezembro de 2007, 84 anos de


idade.

Depoimento do Sr. Adelino Silvério de Assis, em 7 de setembro de 2008, 85 anos de


idade.

7. FONTES ICONOGRÁFICAS:

Arquivo particular de Tau Tourinho


Arquivo particular do Sr. Edivaldo Oliveira Souza
Acervo da RFFSA. 4ª Divisão – Leste.
Site: http://maps.google.com.br.
Acervo do IBGE-DERE/NE I.
Desenho de Zaca Oliveira.
147

8. LIVROS, ARTIGOS E TESES

ALBAN, Marcus. O novo enigma baiano, a questão urbana-regional e a alternativa


de uma nova capital. Anais do XI Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-
Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional – ANPUR, Salvador,
maio de 2005.

ALMEIDA, Eduardo de Souza. Memórias de um pária. Salvador: Adipro, 2006.

ALVES, Isaías de Almeida. Matas do Sertão de Baixo. Bahia: Reper, 1967.

ASSIS, Cristina da Anunciação da Silva. Os trabalhadores dos armazéns de fumo.


Monografia do Curso de Especialização em história Regional, UNEB, CAMPUS V,
fevereiro, 2004.

AUGUSTO, Lamartine. Porta do Sertão. 2ª ed. Salvador: Edições Kouraça, 1999.

BARROS, José D’ Assunção. Cidade e História. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.

BARTHES, Roland. Semiologia e urbanismo. In: A aventura semiológica. São Paulo:


Martins Fontes, 2001.

BERMAN, Marshal. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da


modernidade. São Paulo, Companhia das Letras,1986.

BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: lembrança de velhos. São Paulo: Cia. das
Letras, 1994.

BRAGA, Julio. Na gamela do feitiço: repressão e resistência nos Candomblés da


Bahia. Salvador: EDUFBA, 1995.

BRANDÂO, Maria de A. “Introdução”. In: BRANDÃO, M. de Azevedo (org.).


Recôncavo da Bahia: sociedade e economia em transição. Salvador: Fundação
Casa de Jorge Amado; ALB; UFBA, 1998.

BRESCIANNI, Maria Stella M.. “História e Historiografia das cidades, um percurso”.


In: FREITAS, Marcos Cezar (org). Historiografia brasileira em perspectiva 5. ed São
Paulo: Contexto, 2003.

BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. São Paulo: EDUSC, 2004.

CALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

CARDOSO Carlos Augusto de Amorim & MAIA Doralice Sátyro. Das feiras às festas:
as cidades médias do interior do Nordeste.IN Sposito Maria Encarnação Beltrão
(org.). Cidades Médias: espaços em transição 1.ed. São Paulo: Expressão Popular,
2007..
148

CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados; o Rio de Janeiro e a República que


não foi. São Paulo, Companhia das Letras, 1987.

CASTELLUCCI, Wellington J.. Pescadores da Modernagem: Cultura, trabalho e


memória em Tairu, Bahia. 1960-1990, 1ª Ed. São Paulo: AnnaBlume, v. 1, 2006.

CENTRO DE MEMÓRIA DA ELETRICIDADE NO BRASIL. A vida cotidiana no Brasil


moderno: a energia elétrica e a sociedade brasileira (1880-1930). Rio de janeiro:
2001.

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano v. 1. artes de fazer. Petrópolis, RJ:


Vozes, 1994.

______. Operação historiográfica. In: A Escrita da História. Rio de Janeiro: Forense


Universitária, 2006.

CHALHOUB, Sidney. Classes Perigosas: trabalhadores. Primeira Versão, Campinas,


n 6, p 2-22, 1990.

COSTA PINTO, L. A. “Recôncavo: Laboratório de uma Experiência Humana”. In:


BRANDÃO, M. de Azevedo (org.). Recôncavo da Bahia: sociedade e economia em
transição. Salvador: Fundação Casa de Jorge Amado; ALB; UFBA, 1998.

CRUZ, Heloísa de Faria. São Paulo em papel e tinta: periodismo e vida urbana –
1890-1915. Edusc, São Paulo, 2000.

DE LUCCA, T. R. O sonho do futuro assegurado: o mutualismo em São Paulo


(1920-1934). São Paulo:Brasília: 1990

DIAS, Maria Odila Leite da Silva. “Teoria e método dos estudos feministas:
perspectiva histórica e hermenêutica do cotidiano”. In: Uma questão de gênero. Rio
de Janeiro: Rosa dos Tempos: Fundação Carlos Chagas, 1992.

______. Quotidiano e poder em São Paulo no século XIX. 2 ed.rev. São Paulo:
Brasiliense, 1995.

ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador, 2 vols. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.
______.Sociedade de Corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

ENCICLOPÉDIA DOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS, 2 de julho de 1958. Rio de


janeiro XXI Volume.

FENELON, Déa R.. Cultura e História Social: Historiografia e pesquisa. Revista do


Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da
PUC – SP. São Paulo: Edusc, 1981.

FONSECA, Raimundo Nonato da Silva. "Fazendo fita":cinematógrafos, cotidiano e


imaginário em Salvador, 1897-1930. Salvador: EDUFBA, 2000.
149

FRAGA, E. K. C. . A Revolução Constitucionalista de 1932: Fotografia e Memória.


Projeto História, Edusc, v. 21, p. 301-309, 2000.

FRAGA FILHO, Walter. Mendigos, moleques e vadios na Bahia do século XIX. São
Paulo: Hucitec; Salvador: EDUFBA, 1996.

GINZBURG, Carlo. Relações de força: história, retórica, prova. São Paulo:


Companhia das Letras, 2002.

______. O queijo e os vermes. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

HARVEY, David. Condição Pós-moderna, Edições Loyola, São Paulo, 1992.

HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.

HERSCHMANN, Micael & PEREIRA, Carlos A. M. “O imaginário moderno no Brasil”.


In______.A invenção do Brasil moderno: medicina, educação e engenharia nos anos
20-30. Rio de Janeiro, Rocco, 1994.

JULIÃO, Letícia. Belo Horizonte: itinerários da cidade moderna. BH Horizontes


Históricos, Eliana F. Dutra (org), BH, C/Arte, 1996.

KHOURY, Iara Aun. “Apresentação”. Revista do Programa de Estudos Pós-


graduados em História e do Departamento de História, PUC/São Paulo: EDUC,1999.

KOSSOY, Boris. Fotografia e História: São Paulo, Ateliê Editorial, 2001.

LACERDA, A. L.. Os sentidos da imagem: Fotografias em arquivos pessoais.


Acervo, Rio de Janeiro, v. 6, n. 1-2, 1993.

LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas, SP: Editora UNICAMP, 1990.

LEITE, Miriam Lifchitz Moreira. História e Fotografia. Vozes (Cultura), Petrópolis, RJ,
v. 86, n. 3, p. 43-52, 1992.

LEITE, Rinaldo Cesar Nascimento. E a Bahia civiliza-se... Ideais de civilização e


cenas de anti-civilidade em um contexto de modernização urbana – Salvador, 1912-
1916. Dissertação de Mestrado em História, UFBA, Salvador, 1996.

LUCAS, Meize Regina de Lucena. Imagens do moderno: o olhar de Jacques Tati.


São Paulo: Annablume; Fortaleza: Secretaria da Cultura e Desportos, 1998.

MACHADO, Gustavo Bittencourt & SANTOS, Valdir J. dos. Desenvolvimento


Regional e arranjos produtivos no Recôncavo. Bahia Análise & Dados, Salvador:
SEI, v.14, nº. 3, p. 551-561, dezembro de 2004.

MALUF, Marina. Ruídos da Memória. São Paulo: Siciliano, 1995.

MANTEGA, Guido. A economia política brasileira. Petrópolis – RJ: Vozes, 1984.


150

MARINS, Paulo César Garcez. Habitação e vizinhança: limites da privacidade no


surgimento das metrópoles brasileiras. In: Nicolau Sevcenko (org.) Fernando A.
Novaes (coord): História da vida privada no Brasil. São Paulo: Cia das Letras, 1998.

MATTA, A. E. R.. “Governadores e Interventores da Bahia republicana. Testemunho


de transformações das estruturas sociais do estado”. In: Alfredo Eurico Rodrigues
Matta. (Org.). Bahia Republicana, Governadores e Interventores. 1 ed. Salvador:
Universidade Católica do Salvador, 2000.

MATOS, M. Izilda S.. Cotidiano e Cultura: história, cidade e trabalho. 1ª ed. Bauru,
EDUSC, 2002.

______. A cidade, a noite e o cronista: São Paulo e Adoniran Barbosa. Bauru, SP:
EDUSC, 2007.

MATTOSO, Kátia de Queiroz. “Prefácio”. In: BRANDÃO, M. de Azevedo (org.).


Recôncavo da Bahia: sociedade e economia em transição. Salvador: Fundação
Casa de Jorge Amado; ALB; UFBA, 1998.

MELO, Victor Andrade. Lazer e Camadas Populares: reflexões a partir da obra de


Edward Palmer Thompson. Revista Movimento, Porto Alegre, v. 7, n. 14, p. 4-19,
2001.

MENEZES, Eliane. A Beneficente dos “Artistas” santantonienses. Dissertação de


Mestrado em Cultura, Memória e Desenvolvimento Regional. UNEB, 2008.

NASCIMENTO, Luiz Fernando Motta, Paulo Afonso: luz e força movendo o nordeste,
Salvador: EGBA/ACHÉ, 1998.

NORA, Pierre. Entre memória e História: a problemática dos lugares. In: Projeto
História nº 10, São Paulo, EDUSC, 1993, pp.7-28.

OLIVEIRA, Ana M. dos Santos. Recôncavo Sul: terra, homens, economia e poder no
século XIX. Dissertação de Mestrado em História: UFBA, Salvador, 2000.

PEDRÃO, Fernando. Novos e velhos elementos da Formação social do Recôncavo


da Bahia de Todos os Santos, Salvador, 2001, Mimeografado, p 1.

PLANO DE AÇÃO INTEGRADA - PAI. Companhia de Desenvolvimento Urbano e


Articulação Municipal (Ba): Santo Antonio de Jesus – 1984.

PORTELLI. Alessandro. “O que faz a História Oral diferente”. In: Projeto História nº
16.

QUEIROZ, Fernando P.. A capela do Padre Matheus. Feira de Santana: Sagra,


1995.

REZENDE, Eliana Almeida de Souza. A cidade e o sanitarista - imagens de um


percurso. In: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do
Departamento de História, PUC-SP, 2000.
151

REZENDE, Paulo Antonio. O Recife: histórias de uma cidade. Recife: Fundação de


Cultura Cidade de Recife, 2002.

RIO, João do. A alma encantadora das ruas. Rio de janeiro. Secretaria Municipal de
Cultura, 1987. Biblioteca Carioca 4.

RONCAYOLO, Marcel. Transfigurações noturnas da cidade: o império das luzes


artificiais. In: Projeto História. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em
História e do Departamento de História da PUC- SP. São Paulo, nº 18, Edusc, São
Paulo, 1999.

ROSA, André Luiz. Futebol: ópio ou prazer?. Disponível em: http://


www.historiaehistoria.com/materia.cfm?tb=artigos&id=33.

RUSSELL-WOOD, A. J. R. Fidalgos e Filantropos: A Santa Casa de Misericórdia da


Bahia. Brasília: 1995.

SALES, Geraldo P. Santo Antonio de Jesus - a cidade que encontrei. s.n.t.

SAMUEL, Raphael. História Local e História Oral. In: SILVA, Marco Antonio da.
(Org.) Revista Brasileira de História. História em Quadro Negro: escola, ensino e
aprendizagem. São Paulo: ANPUH/Marco Zero, vol. 09, nº. 19, set/89 – fev./90.

SANTANA, Charles D’Almeida. Fartura e ventura camponesa: trabalho, cotidiano e


migrações: Bahia 1950-1980. São Paulo: Annablume, 1998.

______. Dimensão histórico-cultural (Cidades do Recôncavo). Salvador: Cadernos


CAR – Programa de Desenvolvimento Regional Sustentável, 1999.

______. Linguagens Urbanas, Memórias da Cidade: vivências e imagens da


Salvador de migrantes. Tese de Doutoramento em História. PUC/SP, 2001.

SANTOS, Hamilton Rodrigues dos. Vidas nas Fronteiras: práticas sociais e


experiências de feirantes no Recôncavo Sul da Bahia Santo Antonio de Jesus 1948-
1971. Dissertação de Mestrado em Cultura, Memória e Desenvolvimento Regional.
UNEB, 2007.

SANTOS, Milton. “A Rede Urbana do Recôncavo”. In: BRANDÃO, M. de Azevedo


(org.). Recôncavo da Bahia: sociedade e economia em transição. Salvador:
Fundação Casa de Jorge Amado; ALB; UFBA, 1998.

______. A Baixa dos Sapateiros. In REVISTA DO INSTITUTO GEOGRÁFICO E


HISTÓRICO DA BAHIA, Nº 81, 1957.

SANTOS, Paulo Silva. Âncoras de Tradição: luta política, inte-lectuais e construção


do discurso histórico na Bahia (1930-. 1949). Salvador: EDUFBA, 2000.

SEVCENCO, Nicolau. Orfeu extático na metrópole: São Paulo, sociedade e cultura


nos frementes dos anos 20. São Paulo, Companhia das Letras, 1992.
152

______. A capital irradiante: técnicas, ritmos e ritos do Rio. In: História da vida
privada: República: da belle époque à era do rádio. Nicolau Sevcenko (org). V.3. São
Paulo: Companhia das Letras, 1998.

______. O prelúdio republicano, astúcias da ordem e ilusões do progresso. In:


Nicolau Sevcenko (org)/ Fernando A. Novaes (coord): História da vida privada no
Brasil. São Paulo: Cia das Letras, 1998.

SHIKIDA, Cláudio D. & SHIKIDA Pery Francisco Assis. É o futebol o ópio do povo?
Uma abordagem econômica preliminar. Disponível em:
http://www.ceaee.ibemecmg.br/wp/wp19.pdf.

SILVA, Eduardo. As Queixas do povo. Rio de janeiro: Paz e Terra, 1988.

SIMÕES, Lindinalva. As estradas de ferro do Recôncavo. Dissertação de Mestrado.


Salvador-Ba Bahia: UFBA, 1970.

SOARES, Maria do Socorro.A Tarde e a construção dos sentidos. Dissertação de


Mestrado em História. UFBA, Salvador, 2002.

SOUZA, Edinélia Mª Oliveira. Memórias e tradições: viveres de trabalhadores rurais


do município de Dom Macedo Costa – Bahia (1930-1960). Dissertação apresentada
ao Mestrado em História da Pontifica Universidade Católica de São Paulo (PUC),
São Paulo, 1999.

______. Diálogos sobre memórias do trabalho feminino no Recôncavo Sul da Bahia.


Anais do Encontro Estadual – ANPUH – Bahia, 2001.

______. Cultura Popular no Recôncavo Sul da Bahia. Caderno do Encontro de


História Oral do Nordeste, São Luis do Maranhão, 2003.

SOUZA, Edinaldo A. O.. Lei e Costume: Experiências de Trabalhadores na Justiça


do Trabalho ( Recôncavo Sul, Bahia, 1940-1960). Dissertação de Mestrado em
História: UFBA, Salvador, 2008.

TEIXEIRA, Cid. História da energia elétrica. Publicações e Publicidade, 2005.

THOMPSON, E. P. Miséria da Teoria ou um planetário de erros. Rio de Janeiro,


Zahar, 1981.

______. Formação da classe operária inglesa, v. II. Rio de Janeiro: Paz e terra,
1987.

______. “Patrícios e plebeus” In: Costumes em comum: Estudos sobre a cultura


popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.

______. “Folclore, Antropologia e História Social”. In: As Peculiaridades dos Ingleses


e Outros Artigos. Campinas, Editora da Unicamp, 2001.
153

THOMSON, Alistair. “Recompondo a Memória: questões sobre a relação entre a


história oral e as memórias”. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em
História e o Departamento de História – PUC/SP, Projeto História n.º 15, 1997.

WILLIAMS, Raymond. O Campo e a Cidade na história e na literatura. São Paulo:


Companhia das Letras, 1989.

______. Cultura e sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

WISSENBACH. Maria Cristina Cortez. Da escravidão à liberdade: dimensões de


uma privacidade possível. In: História da Vida Privada no Brasil – República: da Bele
Époque à Era do Rádio, vol. III.

ZORZO, F. A. . O Movimento de Tráfego da Estrada de Ferro Central da Bahia e seu


Impacto Comercial. Sitientibus, v. 1, p. 63-79, 2002.

Das könnte Ihnen auch gefallen