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SOCIOLOGIA

SÉRIE
ENSINO
MÉDIO

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SOCIOLOGIA
Nelson Dacio Tomazi

PODER, POLÍTICA E ESTADO


1 O Estado moderno . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
O Estado absolutista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .4
O Estado liberal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .5
Os Estados nacionais no século XX. . . . . . . . . . . . . . . . .6
O Estado e a nova configuração mundial . . . . . . . . . . . . .7
2 O poder e o Estado. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
As teorias sociológicas clássicas sobre o Estado . . . . . .13
Democracia, representação e partidos políticos . . . . . . .17
A sociedade disciplinar e a sociedade de controle . . . . .20
3 Poder, política e Estado no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . 25
O Estado até o fim do século XIX . . . . . . . . . . . . . . . . .25
O Estado republicano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .26
4 A democracia no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
Democracia e representação política . . . . . . . . . . . . . . .37
Reflexões sobre o Estado e a sociedade no Brasil . . . . .40
Conexão de saberes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
Leituras e atividades. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
2137658 (PR)

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MÓDULO
Poder, política e Estado

Os atos políticos e as ações do Estado fazem parte de nossa vida, e é


atuando politicamente que entendemos e assumimos nosso papel na
sociedade. No entanto, quando ouvem falar em poder e política, as
pessoas quase sempre pensam em troca de favores, conchavos e falca-
truas, e, quando ouvem falar em Estado, muitas pensam em burocracia,
impostos elevados e mau uso do dinheiro público. Essas associações
negativas resultam de certos estereótipos a respeito da política e do
papel do Estado e servem de argumento para justificar a omissão e a
recusa à participação nos assuntos públicos.

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THOMAZ FARKAS/ACERVO DO INSTITUTO MOREIRA SALLES

Inauguração do Palácio do Congresso Nacional em Brasília, em 21 de abril de 1960.

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CAPÍTULO

1 O Estado moderno

Veja, no Guia do Professor, o quadro de competências e habilidades desenvolvidas neste módulo.


O Estado moderno surgiu da desintegração do mundo

MUSEU BRITÂNICO, LONDRES, INGLATERRA/ERICH LESSING/ALBUM/LATINSTOCK


Objetivos:
feudal e das relações políticas até então dominantes na Eu-
c Definir e Reconhecer o ropa. Como já vimos, no período medieval o poder estava
Estado moderno e os nas mãos dos senhores feudais, que mantinham o controle
elementos essenciais
sobre a maior parte das terras e sobre toda a sociedade.
que o caracterizam.
Esse tipo de dominação foi pouco a pouco sendo mi-
c Analisar de uma nado pelas revoltas sociais dos camponeses, pela recusa ao
perspectiva histórica pagamento das obrigações feudais e pelo crescimento das
as várias formas de cidades e do comércio, que apressaram a desagregação dos
Estado existentes. feudos. Paralelamente, a partir do século XIV, ocorreu um
processo de centralização e concentração:
das Forças Armadas e do monopólio da violência;
da estrutura jurídica;
da cobrança de impostos — um signo do poder e, ao
mesmo tempo, o meio de assegurar a manutenção das
Forças Armadas, da burocracia e do corpo jurídico;
de um corpo burocrático para administrar o patrimônio
público, como as estradas, os portos, o sistema educa-
cional, a saúde, o transporte, as comunicações e outros
tantos setores.
Nem senhores feudais, nem servos: nas A centralização e a concentração desses poderes e
cenas representadas nesta iluminura
italiana do final do século XIV, banqueiros instituições caracterizam o Estado moderno, que assumiu
emprestam dinheiro a seus clientes. A diferentes formas até hoje.
intensificação da circulação de moeda
e das atividades comerciais sinaliza o
advento do mercantilismo.

O ESTADO ABSOLUTISTA
Surgido no contexto da expansão do mercantilismo, o Estado absolutista foi implantado inicial-
mente em Portugal, no final do século XIV, com a Revolução de Avis. Posteriormente, estabeleceu-se
em vários lugares da Europa e teve seu ponto alto na França, no reinado de Luís XIV (1638-1715). A
concentração de poderes, isto é, o poder absoluto, do Estado é bem expressa na frase atribuída a
esse rei: “O Estado sou eu!”.
Ao assumir o controle das atividades econômicas, o Estado intervinha na concessão dos mo-
nopólios, fixava preços e tarifas, administrava a moeda e os metais preciosos. O acúmulo de metais
preciosos era a expressão máxima da riqueza de um país. O Estado absolutista assumia também
a responsabilidade de centralizar e praticar a justiça e de cuidar do contingente militar, formando
exércitos profissionais. Para financiar essas atividades, foram fixados os impostos gerais.
O matemático, teórico político e filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679) procurou fun-
damentar a necessidade de um Estado absoluto. Para ele, as pessoas viviam em luta por causa do
egoísmo e da ambição, e a vida em sociedade era muito difícil. Somente um poder superior ao dos
indivíduos poderia garantir a segurança de todos. Esse poder deveria ser absoluto, para que nin-
guém o contestasse, e duradouro, para que não se rompesse o equilíbrio racional necessário a uma
convivência também duradoura. Justificava-se assim a continuidade das monarquias baseadas na
hereditariedade.

4 Poder, política e Estado

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Outro fundamento do absolutismo foi a teoria do direito divino dos reis, elaborada pelo bispo

MUSEU DO LOUVRE, PARIS, FRANÇA/THE ART


ARCHIVE/GIANNI DOGLI ARTI/AFP
francês Jacques Bossuet (1627-1704). Ele afirmava que os reis eram os representantes de Deus na
Terra, e sua autoridade era sagrada, tendo como limites somente os mandamentos divinos, bem
definidos pelo catolicismo.
O absolutismo colocou frente a frente os interesses dos estamentos feudais dominantes (a no-
breza e o clero) e os da burguesia, a classe em ascensão naquela época. Tais interesses eram referentes
à justiça, à administração do patrimônio público e à administração econômica.

O ESTADO LIBERAL Luís XIV, o Rei Sol, em pintura de


Hyacinthe Rigaud, 1701. Seu reinado
O liberalismo emergiu no século XVIII como reação ao absolutismo, tendo como valores pri- foi um dos mais centralizadores que a
mordiais o individualismo, a liberdade e a propriedade privada. Ganhou projeção como adversário da Europa conheceu.
concentração do poder pelo Estado, principalmente no que dizia respeito às atividades econômicas.
Nessa época, os resquícios feudais foram sendo extintos, enquanto o capital industrial se implantava
e o trabalho assalariado tornava-se fundamental para o desenvolvimento da indústria.
O Estado liberal apresentava-se como representante da sociedade, tendo o papel de “guardião
da ordem”: não lhe caberia intervir nas relações entre os indivíduos e seus interesses privados, mas
manter a segurança para que todos pudessem desenvolver livremente suas atividades. Em sua esfera
de atuação, estava o trato da coisa pública (res publica), o interesse ou bem comum — como os
portos, as estradas, os edifícios públicos e posteriormente, até os dias de hoje, a educação e a saúde.
Com o Estado liberal concretizou-se a ideia, concebida no absolutismo, de separação entre o público
e o privado. O monstro do monopólio,
Politicamente, o Estado liberal se fundamenta no conceito de soberania popular, que se expressa charge de 1884, de autor
por meio de eleições regulares. Esse conceito se encontra nas constituições liberais, como a do Brasil, desconhecido, divulgada nos
na qual se lê, no parágrafo único do artigo 1o.: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio Estados Unidos. Lançando
seus tentáculos em todas
de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. as direções, o polvo voraz
Com base nesse princípio, os cidadãos votantes elegem seus representantes, e estes formam o concentra a riqueza e devasta
Parlamento (no caso brasileiro, a Câmara dos Deputados e o Senado), que é a instituição central do as concepções liberais.
Estado liberal, a expressão máxima da soberania popular.

COLEÇÃO PARTICULAR/STOCK MONTAGE/GETTY IMAGES


De acordo com o pensamento liberal, o Estado não deve intervir nas
atividades econômicas. A fórmula laissez-faire, laissez-passer (“deixai fazer,
deixai passar”) expressa bem a concepção de que as atividades econômicas
não devem ser reguladas pelo Estado, mas por si mesmas, ou seja, pelo
mercado — a mão invisível, de acordo com o economista escocês Adam
Smith (1723-1790). A plena liberdade para a produção e a circulação de
mercadorias garantiria, conforme o pensamento liberal, o progresso das
empresas e das nações, contribuindo até para a paz mundial.
Essas concepções do pensamento liberal começaram a ruir no final
do século XIX. A intensa concorrência entre as empresas foi provocando
o desaparecimento das pequenas firmas, que faliam ou eram compradas
pelas maiores. A partir do final do século XIX, começaram a surgir grandes
conglomerados na forma de holdings (sistemas que controlavam financei-
ramente diversas empresas formalmente independentes) e trustes (fusões
de empresas do ponto de vista jurídico e econômico).
A concentração ficou tão grande e o capital na mão de tão poucos
que a concorrência passou a se desenvolver em outros termos. A “guerra”
de mercado entre empresas transformou-se em conflito armado entre paí-
ses, que buscavam novas fontes de matérias-primas e mercados consumi-
SOCIOLOGIA

dores. As crises econômicas tornaram-se frequentes e a competição entre


as nações ficou ainda maior. Para dar um exemplo, basta verificar que em
1875 somente 10% do território do continente africano estava sob domínio
estrangeiro, principalmente europeu. Em 1900 quase toda a África estava
ocupada por países não africanos. A eclosão da Primeira Guerra Mundial
teve origem nessas disputas entre as nações europeias.

Poder, política e Estado 5

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OS ESTADOS NACIONAIS NO SÉCULO XX
Nas primeiras décadas do século XX, esgotado pelas condições sociais e econômicas que o
geraram, o Estado liberal desestruturava-se, pois os interesses dos vários grupos e classes em diversas
sociedades entravam em conflito e já não se observava a estabilidade proposta por aqueles que
idealizaram essa forma de Estado. Ele continuou existindo, mas surgiram duas novas formas de or-
ganização estatal: o Estado soviético e o Estado fascista.
Manifestação de soldados na Rússia em O Estado soviético
14 de outubro de 1917.
O Estado socialista soviético decorreu da Revolução Russa, iniciada em 1917. Por meio
da implantação de um Estado socialista, procurava-se fazer frente às condições precárias de
vida dos trabalhadores, tanto urbanos como rurais. É bom lembrar que as ideias socialistas
já estavam presentes na Europa havia mais de meio século e se concretizavam naquele mo-
mento.
A base econômica dessa forma de Estado era a propriedade socializada ou coletiva.
A produção tinha de seguir planos e programas que definiam previamente o que, como e
quanto produzir.
O poder político organizou-se como um Estado planificado e centralizado, cujos órgãos
estavam ligados ao Partido Comunista. Só tinham direito à participação política os filiados a
esse partido. Quaisquer manifestações políticas contrárias eram reprimidas.
Essa forma de Estado ampliou sua abrangência a partir de 1922, com a constituição da
União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Faziam parte da URSS inicialmente quatro
repúblicas. Em 1956, o Estado soviético continha 15 “repúblicas unidas”, que correspondiam
aos atuais: Rússia, Armênia, Azerbaijão, Bielorrússia, Estônia, Lituânia, Geórgia, Casaquistão,
Quirguistão, Letônia, Moldávia, Tajiquistão, Turcomenistão, Ucrânia e Usbequistão.
HULTON-DEUTSCH COLLECTION/CORBIS/LATINSTOCK

O Estado fascista
Essa forma de Estado foi implantada e se desenvolveu nas décadas de 1920 a 1940, primeiro
na Itália, depois na Alemanha e em vários outros países europeus, com pequenas diferenças. A base
econômica desse Estado era a capitalista, mantendo-se a propriedade privada como um de seus
fundamentos.
No Estado fascista, a participação política significava plena adesão ao regime e a seu líder má-
ximo (Benito Mussolini na Itália e Adolf Hitler na Alemanha), ou seja, ninguém podia fazer qualquer
crítica ou oposição ao governo.

ROGER_VIOLLET/AFP
STAPLETON COLLECTION/CORBIS/LATINSTOCK

Acima, desfile da juventude


nazista em Nuremberg, na
Alemanha, em 1933. À direita,
Mussolini discursa para a
multidão na praça da Catedral
de Milão, na Itália, em 1935.

6 Poder, política e Estado

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As concepções que fundamentaram o fascismo podem ser assim sintetizadas:
A ideia de uma comunidade nacional. O povo constitui uma grande comunidade de interesses
formada por indivíduos que compartilham o mesmo destino. Todos aqueles que não fazem parte
dessa comunidade são inimigos da nação, no plano interno e no externo. No caso da Alemanha,
onde o fascismo se assentou sobre bases racistas, os grandes inimigos da nação eram os eslavos e
os judeus, considerados inferiores aos germânicos.
O princípio da autoridade. A sociedade era estruturada segundo o princípio da ordem e da obe-
diência, de acordo com o modelo da hierarquia rígida do exército. A autoridade era reforçada em
todos os domínios da vida social: na família, a do pai; na escola, a dos professores; na empresa,
a do empresário; no Estado, a do líder máximo. O lema dos jovens fascistas era “crer, obedecer e
combater”. Nesse sentido, pode-se afirmar que uma das características do fascismo era o uso da
violência como instrumento político.

O ESTADO E A NOVA CONFIGURAÇÃO MUNDIAL


A expansão militar do fascismo, principalmente por parte da Alemanha, atingiu vários países
europeus e estendeu-se ao norte da África. Isso ocasionou a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
No fim desse conflito, derrotados os fascistas, os vitoriosos constituíram dois blocos política e eco-
nomicamente diversos: o socialista e o capitalista.
O bloco socialista, liderado pela URSS, incorporou países do leste europeu, como a Polônia, a Manifestação de apoio ao líder Kim
Jong-un, na praça Kim il Sung, em
Hungria, a Iugoslávia e a Tchecoslováquia. Posteriormente, fora da Europa, outros Estados socialistas Pyongyang, na Coreia do Norte, em abril
foram instituídos, como a Coreia do Norte (1948), a China continental (1949) e Cuba (1959). de 2012.
REUTERS/LATINSTOCK

SOCIOLOGIA

Com o processo de globalização e em decorrência de problemas internos, a partir de 1985, a


URSS entrou em processo de dissolução. O modelo soviético de Estado começou a ruir nos países
que o adotavam. A queda do Muro de Berlim, em 1989, assinalou de modo emblemático o fim do
Estado soviético e o questionamento do poder concentrado num só partido. Mas essa forma de
organização estatal continua vigente, com variações, em Cuba, no Vietnã, na Coreia do Norte e na

Poder, política e Estado 7

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China, com a manutenção de um partido único e a planificação central da economia.
Nos países do bloco capitalista, liderados pelos Estados Unidos da América, foi mantida a es-
trutura política do Estado liberal, mas com mudanças significativas, relacionadas principalmente à
necessidade de intervenção maciça do poder público na economia.

O Estado de bem-estar social


O bloco dos países capitalistas, após a Segunda Guerra Mundial, tentou reconstruir a economia
ocidental sobre novas bases. Disseminou-se então a forma de organização estatal chamada de Estado
de bem-estar social ou, simplesmente, Estado social.
As bases teóricas do Estado de bem-estar social já haviam sido formuladas, em 1936, pelo eco-
nomista inglês John Maynard Keynes (1883-1946), no livro Teoria geral do emprego, do juro e da moe-
Sala de aula em escola de Paris, França, da (1936). Como forma de organização estatal, a teoria começou a ser esboçada quando o governo
em 1951: o ensino de qualidade como
uma das metas para a promoção do estadunidense estabeleceu políticas para sair da profunda depressão desencadeada pela crise de 1929.
bem-estar social. Esse modelo permitia enfrentar, por um lado, os movimentos de trabalhadores, que exigiam me-
lhores condições de vida, e, por outro, as necessidades do capital,
que buscava alternativas para a construção de uma nova ordem
econômica mundial diante do bloco socialista. No período pos-
terior à Segunda Guerra Mundial, ele se consolidou nos Estados
Unidos da América e em boa parte dos países da Europa.
O Estado de bem-estar social tinha como finalidade e carac-
terística básica a intervenção estatal nas atividades econômicas,
regulando-as, subsidiando-as, executando grandes investimentos
e obras, redistribuindo rendimentos, visando sempre, pelo menos
teoricamente, ao bem-estar da maioria da população. A ideia era
romper com o centenário princípio do liberalismo, que rejeitava
qualquer função intervencionista do Estado.
Com base nesse conceito, propunham-se moradia digna,
educação básica pública, assistência à saúde, transporte coletivo,
lazer, trabalho, salário e seguro-desemprego, enfim, o mínimo de
bem-estar econômico e social. O Estado passou a redimensionar
suas prioridades e investir maciçamente para proporcionar traba-
lho e algum rendimento à maior parte da população, a fim de que
ela se tornasse consumidora e, assim, possibilitasse a manutenção
da produção sempre elevada. Configurou-se o que alguns cha-
mam de “cidadania do consumidor”, ou seja, a cidadania entendida
AFP

como um mecanismo de mercado.

O chamado Estado neoliberal


A partir da década de 1970, após a crise do petróleo, houve nova necessidade de mudança na
organização estatal. O capitalismo enfrentava então vários desafios. As empresas multinacionais pre-
cisavam expandir-se; o desemprego crescia nos Estados Unidos da América e nos países europeus;
os movimentos grevistas se intensificavam em quase toda a Europa; aumentava o endividamento
dos países em desenvolvimento.
Os analistas, tendo como referência os economistas Friedrich von Hayek (1899-1992) e Milton
Friedman (1912-2006), atribuíam a crise aos gastos dos Estados com políticas sociais, o que gerava
déficits orçamentários, mais impostos e, portanto, aumento da inflação. De acordo com a avaliação
deles, a política social estava comprometendo a liberdade do mercado e até mesmo a liberdade in-
dividual, valores básicos do capitalismo. Por causa disso, o bem-estar dos cidadãos deveria ficar por
conta deles mesmos, já que o Estado gastava muito com saúde e educação públicas, previdência e
apoio aos desempregados idosos. Ou seja, os serviços públicos deveriam ser privatizados e pagos por
quem os utilizasse. Defendia-se assim o Estado mínimo, o que significava voltar ao que propunha
o liberalismo antigo, com o mínimo de intervenção estatal na vida das empresas e dos indivíduos.
Nasceu dessa maneira o que se convencionou chamar de Estado neoliberal.

8 Poder, política e Estado

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PATRICIA SANTOS/FOLHA IMAGEM

As expressões mais claras da atua-


ção dessa forma estatal foram os gover-
nos de Margareth Thatcher (de 1979 a
1990), na Inglaterra, e de Ronald Reagan
(de 1981 a 1991) nos Estados Unidos da
América. Mas, mesmo no período des-
ses governos, o Estado não deixou de
intervir em vários aspectos, mantendo
orçamentos militares altíssimos e muitos
gastos para amparar as grandes empre-
sas e o sistema financeiro. Os setores mais
atingidos por essa “nova” forma de libe-
ralismo foram os que beneficiavam mais
diretamente os trabalhadores e os seto-
res marginalizados da sociedade, como
assistência social, habitação, transporte,
saúde pública, previdência e direitos tra-
balhistas.
Os neoliberais enfatizavam as ideias
de que era necessário mais rapidez para
tomar decisões no mundo dos negócios e
de que o capital privado precisava de mais
espaço para crescer. Reforçavam assim os As privatizações de organismos do setor
valores e o modo de vida capitalistas, o individualismo como elemento fundamental, a livre iniciativa, o público, como bancos, companhias
livre mercado, a empresa privada e o poder de consumo como forma de realização pessoal. telefônicas, de energia e estradas,
Com essas propostas, o que se viu foi a presença cada vez maior das grandes corporações geraram protestos de grupos contrários à
concepção neoliberal de Estado mínimo.
produtivas e financeiras na definição dos atos do Estado, e as questões políticas passaram a ser do- Na fotografia, manifestação de bancários
minadas pela economia. Além disso, o que era público (e, portanto, comum a todos) passou a ser contra a privatização do Banespa, em
determinado pelos interesses privados (ou seja, por aquilo que era particular). São Paulo (SP), 2000.
Desde a crise financeira de 2008 e suas repercussões, a situação política nos países capitalistas
começou a se alterar novamente, pois as bases econômicas fundamentadas no neoliberalismo passa-
ram a ser questionadas em várias partes do mundo, até mesmo nos Estados Unidos. Com o crescente
poder do sistema financeiro global sobre o poder político dos Estados, as sociedades que adotaram as
propostas defendidas pelos neoliberais defrontaram-se com o desemprego e a diminuição do cresci-
mento econômico. A situação colocou mais uma vez em discussão a necessidade de intervenção do
Estado para regularizar as atividades econômicas, como foi feito nos anos após a grande crise de 1929.

NAS PALAVRAS DE IANNI

O neoliberalismo e o Estado neoliberal


O neoliberalismo compreende a liberação crescente e generalizada das atividades econômicas, compreendendo a produção,
distribuição, troca e consumo. Funda-se no reconhecimento da primazia das liberdades relativas às atividades econômicas como
pré-requisito e fundamento da organização e funcionamento das mais diversas formas de sociabilidade; compreendendo não só
as empresas, corporações e conglomerados, mas também as mais diferentes instituições sociais. “Neo” liberalismo porque se impõe
e generaliza em escala mundial, alcançando inclusive os países nos quais se havia experimentado ou continua a experimentar-se
o regime socialista ou o planejamento econômico centralizado. Sob o neoliberalismo, reforma-se o Estado [...]. O poder estatal é
liberado de todo e qualquer empreendimento econômico ou social que possa interessar ao capital privado nacional e transnacio- SOCIOLOGIA
nal. Trata-se de criar o “Estado mínimo”, que apenas estabelece e fiscaliza as regras do jogo econômico, mas não joga. Tudo isso
baseado no pressuposto de que a gestão pública ou estatal de atividades direta e indiretamente econômicas é pouco eficaz, ou
simplesmente ineficaz. O que está em causa é a busca de maior e crescente produtividade, competitividade e lucratividade, tendo
em conta os mercados nacionais, regionais e mundiais. Daí a impressão de que o mundo se transforma no território de uma vas-
ta e complexa fábrica global, ao mesmo tempo que shopping center global e disneylândia global.
Ianni, Octavio. Capitalismo, violência e terrorismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. p. 313-314.

Poder, política e Estado 9

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CENÁRIOS DO ESTADO MODERNO

Estado e liberdade

ERIC DRAPER/AP PHOTO/GLOW IMAGES


Depois que nos livrarmos do preconceito de que
tudo o que faz o Estado e a sua burocracia é errado, mal-
feito e contrário à liberdade, e de que tudo o que é feito
pelos indivíduos particulares é eficiente e sinônimo de
liberdade — poderemos enfrentar adequadamente o ver-
dadeiro problema. Reduzido a uma só frase, o problema
consiste em que, em nosso mundo moderno, tudo é po-
lítico, o Estado está em toda parte e a responsabilidade
política acha-se entrelaçada em toda a estrutura da
sociedade.A liberdade consiste não em negar essa inter-
penetração, mas em definir seus usos legítimos em todas
as esferas, demarcando limites e decidindo qual deve ser
o caminho da penetração, e, em última análise, em sal-
vaguardar a responsabilidade pública e a participação de
todos no controle das decisões.
Manifestante oferece flores a policial na cidade estadunidense de
MANNHEIM, Karl. Liberdade, poder e planificação democrática. São Paulo: Seattle, em 1999, durante protesto contra a Organização Mundial
Mestre Jou, 1972. p. 66. do Trabalho divulgado por meio da internet.

Foi assim que vimos uma série de novos movimen-


1 Como o Estado se mostra presente em seu cotidiano? Dê tos utilizarem redes sociais e comunicação móvel para
exemplos e reflita: a presença do Estado é necessária nessas furar bloqueios governamentais e sair às ruas. Essa nova
situações? Por quê? organização política — popular, digital e sem lideranças
— cresceu principalmente em 2011, quando vimos esse
2 Em sua opinião, a iniciativa privada poderia desenvolver ati- tipo de movimento ganhar as ruas dos países árabes, ir à
vidades na área de educação, saúde, segurança, transporte e Europa (primeiro na Espanha, depois em Londres) e fi-
habitação, de modo que todos tivessem acesso a serviços de nalmente chegar aos Estados Unidos, onde um grupo de
boa qualidade, sem a presença do Estado? Justifique. ativistas resolveu seguir o exemplo de árabes e europeus
e acampar, sem prazo para ir embora, no centro financei-
Um novo conceito de política ro de Manhattan.
Ativismo digital não é mais novidade. Usar a inter- As críticas que fazem ao movimento Occupy Wall
net para conectar pessoas, divulgar causas e reunir mul- Street são as mesmas que fizeram sobre as manifestações
tidões é algo que teve início ainda nos anos 90, quando no Egito, na Tunísia, na Síria, na Espanha e na Europa.
o Subcomandante Marcos, do Exército Zapatista de Li- De que são apenas jovens desempregados, que não têm
bertação Nacional, usava a internet para espalhar o dra- causa definida, nem reivindicação clara ou outra solução
ma dos índios no sul do México. Ou quando uma multi- para o problema que apontam. Mas a indignação já dei-
dão se reuniu em Seattle, em novembro de 1999, para xou de ser localizada em determinada cidade e ontem,
protestar contra encontros de cúpula da Organização dia 15 de outubro (ou 15O, como escolheram codificar),
Mundial do Trabalho. Mas a internet e as mídias digitais vários manifestantes em dezenas de cidades do planeta
só começaram a se popularizar de verdade no início da saíram às ruas para protestar contra corporações e gover-
década passada, por isso esse tipo de organização políti- nos.
ca ainda estava restrito a militantes mais engajados. O que está acontecendo, na verdade, é o despertar
Mas a internet deixou de ser uma rede de geeks. de uma consciência global. Quando os meios impressos
Celulares se tornaram o principal meio de comunicação surgiram, foi o alcance de sua distribuição que determi-
do planeta. Além de fotografar e filmar, ainda se conec- nou as fronteiras dos países para, num segundo momen-
tam à web para divulgar o que foi registrado onde for. to, consolidá-los como nações, um conceito que não tem
nem 500 anos de existência. Foi a partir disso que a po-
lítica moderna, a de representação, surgiu. Mas à medida
que o século 20 foi despertando a consciência de que

10 Poder, política e Estado

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todos somos parte de um mesmo planeta (graças à iminência de uma guerra nuclear e pela ecologia), aos poucos vem
caindo a ficha de que a política de séculos passados se esgotou. E o que estamos vendo, nessas manifestações populares,
é o clamor por um novo tipo de política. É só o começo.
MATIAS, Alexandre. É só o começo. Link Estadão. São Paulo, 16 out. 2011.
Disponível em: <http://blogs.estadao.com.br/alexandre-matias/
2011/10/16/e-so-o-comeco>. Acesso em: 31 ago. 2012.
MOHAMMAD HANNON/AP PHOTO/GLOW IMAGES

THOMAS RASSLOFF/CITIZENSIDE
“Unidos por uma mudança global”: manifestações contra governos
e corporações em diversas cidades do mundo, no dia 15 de
novembro de 2011. À esquerda, protesto diante da embaixada
norte-americana em Amã, Jordânia; acima, manifestação na praça
Alexander, em Berlim.

1 De seu ponto de vista, qual é o significado dos movimentos políticos mencionados no texto? Eles anunciam uma nova forma
de fazer política?

2 No lugar onde você vive, estão se manifestando novas formas de participação política? Explique.

TAREFA PARA CASA

1 O francês Jaques Bossuet foi um dos maiores defensores do a) Quais as diferenças básicas entre a concepção de Estado
absolutismo político. No seu livro A Política tirada da Sagrada de Bossuet e a de Madison?
Escritura, publicado postumamente em 1709, ele defende Na resposta a esta questão, o aluno deverá observar que Bos-
suet procura legitimar o poder por meio de argumentos reli-
que todo poder viria de Deus. Os governantes agiriam como giosos, enquanto Madison assenta a legitimação do poder na
ministros de Deus e seus representantes na terra. Conse- vontade geral da população.
quentemente, o trono real não seria o trono de um homem,
mas o trono do próprio Deus. b) Qual é a relação entre indivíduo e Estado na concepção
Já James Madison, presidente dos Estados Unidos entre 1809 de Bossuet e na de Madison? SOCIOLOGIA
e 1817 e um dos principais formuladores da constituição fe- A principal diferença na concepção da relação entre indivíduo
deral estadunidense, entendia que o poder político emana e Estado nas duas formulações é a participação. Enquanto em
do povo. Em uma de suas emendas à constituição, definiu um Estado monárquico absolutista o indivíduo é um súdito
obediente, mero receptor das decisões estatais, no Estado
que todo o poder é originalmente concedido ao povo e, con- constitucional de direito, ele participa do governo, seja ele-
sequentemente, emanou do povo. gendo seus representantes, seja ocupando cargos públicos.
Considere essas informações e responda às questões:

Poder, política e Estado 11

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2 Leia os textos e identifique a forma de organização estatal c) Surgiu como resposta à crise econômica de 1929, con-
descrita em cada um. solidando-se nas décadas seguintes em decorrência da
a) Com forte apelo nacionalista, implantou-se em vários paí- necessidade de fortes investimentos estatais nos países
ses da Europa durante as primeiras décadas do século XX, dizimados pela Segunda Guerra Mundial. São suas ca-
distinguindo-se pelos altos gastos em armamento, pela racterísticas a regulação estatal da economia e grandes
manipulação da mídia visando à construção de símbolos investimentos em obras públicas. Com esse tipo de or-
nacionais e por um rigoroso controle político da popu- ganização estatal, os direitos sociais, como o direito à
lação. Não se permitia oposição e a participação política educação e à saúde, ganharam relevância nas agendas
implicava a adesão total ao regime. políticas do século XX.
Estado do bem-estar social.
Estado fascista.

b) Predominou na Europa ocidental durante o século XIX, d) Teve seu auge na França durante o reinado de Luís XIV
caracterizando-se pela não interferência na economia, (1638-1715). Caracterizado principalmente pela defesa
com o intuito declarado de promover o indivíduo, a li- dos interesses da nobreza e por um severo controle da
berdade de troca e a propriedade privada. Segundo o sociedade, essa forma de organização estatal é conside-
filósofo e economista escocês Adam Smith (1723-1790), rada por alguns historiadores, em razão da pressão que
nesse tipo de organização estatal a economia deveria ser exerceu sobre a população, como um dos fatores res-
regida pela mão invisível do mercado. ponsáveis pela eclosão da Revolução Francesa em 1789.
Estado absolutista.
Estado liberal.

ANOTAÇÕES

12 Poder, política e Estado

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CAPÍTULO

2 O poder e o Estado

Veja, no Guia do Professor, o quadro de competências e habilidades desenvolvidas neste módulo.

Objetivos: De acordo com Norbert Elias (1897-1990), no livro A sociedade dos indivíduos (1987), há uma
tendência nas ciências sociais de não considerar o Estado como objeto da Sociologia. Ele afirma que
c Discutir sobre outras
isso vem de uma antiga tradição intelectual que vê o Estado como algo extrassocial ou até oposto
formas de poder que
à sociedade. Desde o século XVIII, o termo “sociedade” — ou “sociedade civil” — era usado como
estão fora do sistema
contraposição a “Estado”, pois havia interesse da classe em ascensão, a burguesia, em acentuar essa
estatal.
separação. Naquela época, a burguesia procurava destacar a ideia de que a nobreza detinha o mo-
c Identificar e nopólio do poder do Estado.
Reconhecer a Essa ideia de separação entre sociedade e Estado dominou por muito tempo e prejudicou a
sociedade disciplinar e compreensão de que o Estado se estrutura nas questões públicas e sua constituição decorre de um
de controle. processo histórico. Neste capítulo vamos verificar como os autores clássicos da Sociologia abordaram
essa questão.

AS TEORIAS SOCIOLÓGICAS CLÁSSICAS


SOBRE O ESTADO
Karl Marx (1818-1883), Émile Durkheim (1858-1917) e Max Weber (1864-1920), os três au-
tores clássicos da Sociologia, tiveram, cada um a seu modo, uma vida política intensa e fizeram
reflexões importantes sobre o Estado e a democracia de seu tempo. Vamos ver o que pensavam
sobre esses temas.

Karl Marx
Em seus estudos, voltados à análise das relações de produção na sociedade capitalista, Marx
não formulou uma teoria específica sobre o Estado e o poder. Num primeiro momento, ele se apro-
ximou da concepção anarquista, definindo o Estado como uma entidade abstrata, contraposta à
sociedade, que procurava conciliar os interesses de todos, mas principalmente garantir o daqueles
que dominavam economicamente.
No livro A ideologia alemã, escrito em 1847 em parceria com Friedrich Engels (1820-1895),
Marx identificou a divisão do trabalho e a propriedade privada, geradoras das classes sociais, como
a base do surgimento do Estado, que seria a expressão jurídico-política da sociedade burguesa. A
organização estatal apenas garantiria as condições gerais da produção capitalista, não interferindo nas
relações econômicas. Em 1848, no Manifesto comunista, Marx e Engels afirmaram que os dirigentes
do Estado moderno funcionavam como um comitê executivo da classe dominante (a burguesia).
Nos livros escritos entre 1848 e 1852, As lutas de classe na França e O Dezoito Brumário de
Luís Bonaparte, analisando uma situação histórica específica, Marx declara que o Estado nasceu
para refrear os antagonismos de classe e, por isso, favorecer a classe dominante. Existem momentos,
porém, em que a luta de classes é equilibrada e o Estado se apresenta com independência, como se
fosse um mediador.
SOCIOLOGIA
Analisando a burocracia estatal, Marx afirma que o Estado pode estar acima da luta de classes,
separado da sociedade, como se fosse autônomo. É nesse sentido que pode haver um poder que
não seja exercido diretamente pela burguesia. Mesmo dessa forma, o Estado continua criando as
condições necessárias para o desenvolvimento das relações capitalistas, principalmente o trabalho
assalariado e a propriedade privada.

Poder, política e Estado 13

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Para Marx, a democracia representativa, por meio dos parlamentos, foi a forma mais apro-
priada que o capitalismo criou para transmitir a ideia de que todos os indivíduos são iguais, livres,
independentes e autônomos. Essa igualdade, entretanto, é puramente formal. De acordo com ele, a
democracia só pode existir independente do Estado e de toda forma de mediação política.
No livro A guerra civil na França, escrito em 1871, Marx trata da Comuna de Paris e volta a ana-
lisar a questão do Estado de uma perspectiva que se aproxima da anarquista. O desaparecimento do
Estado seria resultante da transferência do poder para os trabalhadores organizados.

HULTON-DEUTSCH COLLECTION/CORBIS/LATINSTOCK
Barricada erguida pelos integrantes da Comuna de Paris. Constituída na crista de um levante popular, na fase
final da guerra franco-prussiana, a Comuna estabeleceu em Paris, na França, o autogoverno dos trabalhadores
e o voto universal, aboliu a Guarda Nacional e decretou o congelamento dos preços de produtos de primeira
necessidade. O governo revolucionário sobreviveu de março a maio de 1871.

NAS PALAVRAS DE MARX E ENGELS

Estado e burguesia
[...]
Cada etapa da evolução percorrida pela burguesia foi acompanhada de um progresso político correspondente. Classe
oprimida pelo despotismo feudal, associação armada e autônoma na comuna, aqui república urbana independente, ali terceiro
estado tributário da monarquia; depois, durante o período manufatureiro, contrapeso da nobreza na monarquia feudal ou
absoluta, base principal das grandes monarquias, a burguesia, com o estabelecimento da grande indústria e do mercado mun-
dial, conquistou, finalmente, a soberania política exclusiva no Estado representativo moderno. O executivo no Estado moder-
no não é senão um comitê para gerir os negócios comuns de toda a classe burguesa.
[...]
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto comunista. São Paulo: Boitempo, 1998. p. 41-42..

14 Poder, política e Estado

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Émile Durkheim
Ao analisar a questão da política e do Estado, Durkheim teve como referência fundamental a
sociedade francesa de seu tempo. Como sempre esteve preocupado com a integração social, inseriu-
-a de forma clara na questão. Para ele, o Estado é fundamental em uma sociedade que fica cada dia
maior e mais complexa, devendo estar acima das organizações comunitárias.
Durkheim dizia que o Estado concentrava e expressava a vida social. Sua função seria eminente-
mente moral, pois deveria realizar e organizar o ideário do indivíduo e assegurar-lhe pleno desenvolvi-
mento. E isso se faria por meio da educação pública voltada para a formação moral sem fins religiosos.
Para Durkheim, o Estado não é oposto ao indivíduo. Foi o Estado que emancipou o indivíduo
do controle despótico e imediato dos grupos secundários, como a família, a Igreja e as corporações
profissionais, dando-lhe um espaço mais amplo para desenvolver sua liberdade. De acordo com ele,
portanto, o Estado é uma organização com conteúdo próprio, ou seja, os interesses coletivos.
Na relação entre o Estado e os indivíduos, conforme Durkheim, é importante saber como os
governantes se comunicam com os cidadãos, para que estes acompanhem as ações do governo.
A intermediação deve ser feita por canais como os jornais e a educação cívica ou pelos órgãos
secundários que estabelecem a ligação entre governantes e governados, principalmente os grupos
profissionais organizados, que são a base da representação política e da organização social.
De acordo com Durkheim, por meio da democracia a sociedade pode chegar à consciência
de si mesma. Uma sociedade é mais democrática onde há deliberação, reflexão e espírito crítico na
resolução dos assuntos públicos e menos democrática onde não há consciência, os sentimentos são
obscuros e há atos que não podem ser revelados.
Quando se refere aos sistemas eleitorais, Durkheim critica os aspectos numéricos do que se
entende por democracia. Ao analisar, por exemplo, as eleições de 1893 na França, Durkheim afirma
que havia no país, naquele ano, 38 milhões de habitantes. Tirando as mulheres, as crianças, os ado-
lescentes e todos os outros que eram impedidos de votar por alguma razão, apenas 10 milhões eram
eleitores. Desses 10 milhões, foram votar em torno de 7 milhões. Os deputados eleitos, ou seja, os
vencedores das eleições, somaram 4.592.000 votos e os que não venceram tiveram 5.930.000 votos,
número superior ao dos vencedores. Conclui Durkheim no livro Lições de Sociologia: “[...] se nos
ativermos às considerações numéricas, será preciso dizer que nunca houve democracia”.

NAS PALAVRAS DE DURKHEIM

Estado e interesses coletivos


[…] Como é necessário haver uma palavra para designar o grupo especial de funcionários encarregados de representar essa
autoridade, conviremos em reservar para esse uso a palavra Estado. Sem dúvida é muito frequente chamar-se de Estado não o
órgão governamental, mas a sociedade política em seu conjunto, o povo governado e seu governo juntos, e nós mesmos empre-
gamos a palavra nesse sentido. Assim, fala-se em Estados europeus, diz-se que a França é um Estado. Porém, como é bom que
haja termos especiais para realidades tão diferentes quanto a sociedade e um de seus órgãos, chamaremos mais especialmente de
Estado os agentes da autoridade soberana, e de sociedade política o grupo complexo de que o Estado é o órgão eminente. […]
Eis o que define o Estado. É um grupo de funcionários sui generis, no seio do qual se elaboram representações e volições
que envolvem a coletividade, embora não sejam obra da coletividade. Não é correto dizer que o Estado encarna a consciência
coletiva, pois esta o transborda por todos os lados. É em grande parte difusa; a cada instante há uma infinidade de sentimentos
sociais, de estados sociais de todo o tipo de que o Estado só percebe o eco enfraquecido. Ele só é a sede de uma consciência
especial, restrita, porém mais elevada, mais clara, que tem de si mesma um sentimento mais vivo. […] Podemos então dizer
em resumo: o Estado é um órgão especial encarregado de elaborar certas representações que valem para a coletividade. Essas
representações distinguem-se das outras representações coletivas por seu maior grau de consciência e de reflexão.
[…] SOCIOLOGIA
DURKHEIM, Émile. Lições de sociologia. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 67-71.

Max Weber
Cinquenta anos depois da publicação do Manifesto Comunista por Marx e Engels, em um mo-
mento no qual o capitalismo estava mais sólido e burocratizado, Weber escreveu sobre as questões
do poder e da política. Questionava: como será possível o indivíduo manter sua independência diante

Poder, política e Estado 15

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da total burocratização da vida? Esse foi o tema central da sociologia política weberiana.
Se Durkheim tinha como foco a sociedade francesa, Weber manifestava preocupação especí-
fica com a estrutura política alemã, mas levava em conta também o sistema político dos Estados
Unidos e da Inglaterra. Além disso, estava atento ao que acontecia na Rússia, principalmente após a
revolução de 1905.
De acordo com ele, na Alemanha unificada por Otto von Bismarck (1815-1898), o Estado era
fundamentado nos seguintes setores da sociedade: o Exército, os junkers (grandes proprietários de
terras), os grandes industriais e a elite do serviço público (alta burocracia). Em 1917, escrevendo sobre
Bismarck, dizia que este havia deixado uma nação sem educação e sem vontade política, acostumada
a aceitar que o grande líder decidisse por ela.
Ao analisar o Estado alemão, Weber afirma que o verdadeiro poder estatal está nas mãos da
burocracia militar e civil. Portanto, para ele, o Estado é uma relação de dominação entre homens
mediante a violência, que é considerada legítima, e por meio de uma associação compulsória que
organiza esta dominação. Para que essa relação exista, é necessário que os dominados obedeçam à
autoridade dos que detêm o poder. Mas o que legitima esse domínio? Para Weber, há três formas de
dominação: a tradicional, a carismática e a legal.
A dominação tradicional é legitimada pelos costumes, normas e valores tradicionais e pela
“orientação habitual para o conformismo”. É exercida pelo patriarca ou pelos príncipes patrimoniais.
A dominação carismática está fundada na autoridade do carisma pessoal (o “dom da graça”),
Policiais reprimem manifestação pela
mudança do sistema de ensino em da confiança na revelação, do heroísmo ou de qualquer qualidade de liderança individual. É exercida
Valparaiso, no Chile, em 2011. De acordo pelos profetas das religiões, líderes militares, heróis revolucionários e líderes de partidos políticos.
com Weber, instituições militares, como A dominação legal é legitimada por um estatuto da competência funcional e por regras racio-
o exército e a polícia, e civis, como as
nalmente estabelecidas. A forma mais visível desse tipo de dominação é a atuação dos “servidores
máquinas administrativas e burocráticas,
garantem ao Estado o monopólio do do Estado”. Para Max Weber, portanto, o Estado é uma das muitas organizações burocráticas da
poder e do uso legítimo da força. sociedade, sem conteúdo próprio.

REUTERS/LATINSTOCK

16 Poder, política e Estado

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NAS PALAVRAS DE WEBER

Estado e política
[…] O que é um “Estado”? Sociologicamente, o Estado não pode ser definido em termos de seus fins. Dificilmente haverá
qualquer tarefa que uma associação política não tenha tomado em suas mãos, e não há tarefa que se possa dizer que tenha sido
sempre, exclusivamente e peculiarmente, das associações designadas como políticas: hoje o Estado, ou, historicamente, as
associações que foram predecessoras do Estado moderno. Em última análise, só podemos definir o Estado moderno sociolo-
gicamente em termos dos meios específicos peculiares a ele, como peculiares a toda associação política, ou seja, o uso da
força física.
“Todo Estado se fundamenta na força”, disse Trotski em Brest-Litovsk. Isso é realmente certo. Se não existissem instituições
sociais que conhecessem o uso da violência, então o conceito de “Estado” seria eliminado, e surgiria uma situação que pode-
ríamos designar como “anarquia”, no sentido específico da palavra. É claro que a força não é certamente o meio normal, nem
o único do Estado — ninguém o afirma — mas um meio específico ao Estado. Hoje, as relações entre o Estado e a violência
são especialmente íntimas. […] porém, temos de dizer que o Estado é uma comunidade humana que pretende, com êxito, o
monopólio do uso legítimo da força física dentro de um determinado território. […] Especificamente, no momento presen-
te, o direito de usar a força física é atribuído a outras instituições ou pessoas apenas na medida em que o Estado o permite. O
Estado é considerado como a única fonte do “direito” de usar a violência. Daí “política”, para nós, significar a participação no
poder ou a luta para influir na distribuição de poder, seja entre Estados ou entre grupos dentro de um Estado.
[…]
WEBER, Max. Ensaios de sociologia. 5. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. p. 97-98..

DEMOCRACIA, REPRESENTAÇÃO E Sufrágio universal: o voto ou o fuzil.


Na gravura, produzida em 1848, na
PARTIDOS POLÍTICOS França, a defesa do voto como arma mais
As diversas formas que o Estado assumiu na sociedade capitalista eficaz para combater as injustiças.
estiveram ligadas à concepção de soberania popular, que é a base da
democracia. Mas tal soberania só se torna efetiva por meio da represen-
tação pelo voto. Para ampliar o número de pessoas com direito de votar
e ser votadas foram necessárias muitas lutas. Isso significa que o liberalis-
mo somente se tornou democrático porque foi forçado a isso. Na época
do liberalismo clássico, apenas os homens adultos e economicamente
independentes tinham instrução e eram considerados capazes de dis-
cernimento para tomar decisões políticas. Desse modo, a representação
durante muito tempo foi bastante restrita.
Tomemos como exemplo a Inglaterra, a pátria do parlamentarismo
e da democracia moderna. Logo após a chamada Revolução Gloriosa
(1688), que limitou os poderes do rei e atribuiu ao Parlamento autori-
dade sobre o governo, somente 2% da população tinha direito de voto.

MUSEU CARNAVALET, PARIS, FRANÇA/WHITE IMAGES/SCALA


Em 1832, quase 150 anos depois, após uma reforma eleitoral, esse índice
subiu para 5%. As mulheres só conquistariam o direito de votar em 1928.
Podemos entender melhor a “igualdade política” defendida pelo
pensamento liberal, que é a base ideológica do sistema capitalista, quan-
do lemos o que disseram grandes pensadores liberais, como Benjamin
Constant (1787--1874), Immanuel Kant (1724-1804) e Edmund Burke
(1729-1797).
O pensador francês Benjamin Constant afirmava que as pessoas
SOCIOLOGIA
condenadas pela penúria ao trabalho diário e a uma situação de eterna
dependência estavam tão mal informadas acerca dos assuntos públicos
como uma criança e, por isso, não podiam ter direito ao voto. Era indis-
pensável dispor de tempo livre para adquirir os conhecimentos e os cri-
térios justos. Só a propriedade proporcionava esse tempo livre e deixava
os indivíduos em condições de exercer os direitos políticos.
O filósofo alemão Immanuel Kant afirmava que, para exercer os

Poder, política e Estado 17

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direitos políticos, era necessário não ser criança nem mulher. Mas não bastava a condição de homem;
era preciso ser senhor de uma propriedade que lhe desse sustento. O dependente, o criado e o ope-
rário não podiam ser membros do Estado e não estavam qualificados para ser cidadãos.
Edmund Burke, pensador inglês de visão conservadora, ao analisar os perigos da Revolução
Francesa para a sociedade burguesa, afirmava que somente uma elite tinha o grau de racionalidade
e de capacidade analítica necessário para compreender o que convinha ao bem comum. Afirmava
ainda que a propriedade garantia a liberdade, mas produzia a desigualdade.
Essas ideias ainda estão presentes em nossa sociedade. Elas se expressam, por exemplo, nas
declarações de que o povo não sabe votar e de que, para ser deputado, senador ou presidente da
República, são necessários determinados atributos que, normalmente, só os membros das classes
proprietárias possuem, como nível universitário, experiência administrativa etc. A ação e o discurso
contra a presença de trabalhadores, ou daqueles que defendem seus direitos, no Parlamento ou em
cargos executivos são muito antigos e estão presentes na sociedade contemporânea.
Muitas pessoas pensam que só se pode fazer política institucional por meio dos partidos po-
líticos. Mas os partidos nasceram por causa da pressão exercida por quem não tinha acesso ao
Parlamento. No âmbito do Estado liberal, inicialmente, a ideia de partido era inaceitável, pois se
considerava que o Parlamento devia ter unidade de formação e pensamento, não comportando
divisões ou “partes” (o que a palavra partido expressa).
Somente quando outros setores da sociedade começaram a lutar por participação na vida
política institucional, principalmente os trabalhadores organizados, os partidos políticos começaram
a aparecer e a defender interesses diferentes: de um lado, o daqueles que queriam mudar a situação
e, de outro, o daqueles que queriam mantê-la.
Pelas razões expostas, o pensador francês Claude Lefort (1924-2010), em seu livro A invenção
democrática (1983), afirma que é uma aberração considerar a democracia uma criação da burguesia.
Essa classe sempre procurou impedir que o liberalismo se tornasse democrático, limitando o sufrágio
universal e a ampliação de direitos, como os de associação e de greve, e criando outras tantas artima-
nhas para excluir a maior parte da população da participação nas decisões políticas.
Por isso, para ele, a democracia é a criação contínua de novos direitos. Não é apenas consenso,
mas principalmente a existência de dissenso.
ISAAC KASAMANI/AFP

Manifestação por direitos políticos no distrito de Rukungiri, em Uganda, 2012.

18 Poder, política e Estado

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NAS PALAVRAS DE CHAUI

Democracia: criação de direitos


[…]
De fato, uma sociedade é democrática quando institui algo profundo, que é condição do próprio regime político, ou
seja, quando institui direitos. Essa instituição é uma criação social, de tal maneira que a atividade democrática realiza-se
socialmente como luta social e, politicamente, como um contrapoder social que determina, dirige, controla, limita e modi-
fica a ação estatal e o poder dos governantes. Fundada na noção de direitos, a democracia está apta a diferenciá-los de
privilégios e carências.
Um privilégio é, por definição, algo particular que não pode generalizar-se nem universalizar-se sem deixar de ser privi-
légio. Uma carência é uma falta também particular ou específica que desemboca numa demanda também particular ou espe-
cífica, não conseguindo generalizar-se nem universalizar-se. Um direito, ao contrário de carências e privilégios, não é particu-
lar e específico, mas geral e universal, seja porque é o mesmo e válido para todos os indivíduos, grupos e classes sociais, seja
porque embora diferenciado é reconhecido por todos (como é caso dos chamados direitos das minorias).
Uma das práticas mais importantes da política democrática consiste justamente em propiciar ações capazes de unificar a
dispersão e a particularidade das carências em interesses comuns e, graças a essa generalidade, fazê-las alcançar a esfera uni-
versal dos direitos. Em outras palavras, privilégios e carências determinam a desigualdade econômica, social e política, contra-
riando o princípio democrático da igualdade, de sorte que a passagem das carências dispersas em interesses comuns e destes
aos direitos é a luta pela igualdade. Avaliamos o alcance da cidadania popular quando tem força para desfazer privilégios, seja
porque os faz passar a interesses comuns, seja porque os faz perder a legitimidade diante dos direitos e também quando tem
força para fazer carências passarem à condição de interesses comuns e, destes, a direitos universais.
[…]
CHAUI, Marilena. Contra a violência. In: Fundação Perseu Abramo. São Paulo, 4 mar. 2007.
Disponível em:<www.fpa.org.br/contra-violencia-por-marilena-chaui>. Acesso em: 31 ago. 2012.

Aspectos institucionais da democracia

GLAUCO, 1977
A democracia também pode ser analisada com base nos aspectos
institucionais necessários para seu desenvolvimento e manutenção. De
acordo com Joseph Schumpeter (1883-1950), Giovanni Sartori (1924-),
Robert Dahl (1915-), Adam Przeworski (1940-) e Guillermo O’Donnell
(1936-2011), entre outros, para haver democracia em um país, é neces-
sário preencher alguns critérios:
eleições competitivas, livres e limpas para o Legislativo e o Executivo;
direito de voto, que deve ser extensivo à maioria da população adulta,
ou seja, cidadania abrangente no processo de escolha dos candidatos;
proteção e garantia das liberdades civis e dos direitos políticos me-
diante instituições sólidas, isto é, liberdade de imprensa, de expressão
e de organização, além do direito ao habeas corpus e outros que com-
preendem o componente liberal da democracia;
controle efetivo das instituições legais e de segurança e repressão —
poder Judiciário, Forças Armadas e forças policiais.

SOCIOLOGIA
Charge de Glauco publicada em 1977, durante o governo Geisel, quando
teve início a abertura política. Figura comum nas redações dos principais
veículos de imprensa, o censor vetava matérias, artigos e crônicas
considerados subversivos pela ditadura militar.

Poder, política e Estado 19

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NAS PALAVRAS DE SOUSA SANTOS

Os desafios à democracia
[...] Os desafios que são postos à democracia no nosso tempo são os seguintes. Primeiro, se continuarem a aumentar
as desigualdades sociais entre ricos e pobres ao ritmo das três últimas décadas, em breve, a igualdade jurídico-política entre
os cidadãos deixará de ser um ideal republicano para se tornar uma hipocrisia social constitucionalizada. Segundo, a demo-
cracia atual não está preparada para reconhecer a diversidade cultural, para lutar eficazmente contra o racismo, o colonia-
lismo e o sexismo e as discriminações em que eles se traduzem. [...] Terceiro, as imposições econômicas e militares dos
países dominantes são cada vez mais drásticas e menos democráticas. Assim sucede, em particular, quando vitórias eleitorais
legítimas são transformadas pelo chefe da diplomacia norte-americana em ameaças à democracia, sejam elas as vitórias do
Hamas [na Palestina], de Hugo Chavez [na Venezuela] ou de Evo Morales [na Bolívia]. Finalmente, o quarto desafio diz
respeito às condições da participação democrática dos cidadãos. São três as principais condições: ser garantida a sobrevi-
vência: quem não tem com que alimentar-se e à sua família tem prioridades mais altas que votar; não estar ameaçado: quem
vive ameaçado pela violência no espaço público, na empresa ou em casa, não é livre, qualquer que seja o regime político
em que vive; estar informado: quem não dispõe da informação necessária a uma participação esclarecida, equivoca-se quer
quando participa, quer quando não participa.
Pode dizer-se com segurança que a promoção da democracia não ocorreu de par com a promoção das condições de par-
ticipação democrática. [...]
SOUSA SANTOS, Boaventura de. O futuro da democracia. Visão. Paço de Arcos: Edimpresa, 31 ago. 2006. Disponível em:
<www.ces.uc.pt/opiniao/bss/164.php>. Acesso em: 11 ago. 2012.

JADSON MARQUES/AE

Essas condições institucionais garantiriam a efetivação da democracia


representativa. Elas podem ser usadas como parâmetros para avaliar o genuí-
no poder de governar das autoridades eleitas.
O sociólogo português Boaventura de Sousa Santos (1940-) propõe
outros elementos para analisar a questão da democracia e da representação.
Ele afirma que a democracia no mundo contemporâneo oferece duas ima-
gens muito contrastantes.
Por um lado, a democracia representativa é considerada internacional-
mente o único regime político legítimo. Por outro, existem sinais de que
os regimes democráticos, nos últimos 20 anos, traíram as expectativas da
maioria da população, principalmente das classes populares.
As revelações mais frequentes de corrupção permitem concluir que
alguns governantes legitimamente eleitos usam o mandato para enriquecer
à custa do povo e dos contribuintes. Há também o desrespeito dos partidos
por seus programas eleitorais logo após as eleições, o que faz os cidadãos
acreditarem cada vez menos na democracia representativa.
Cápsulas de munição nas proximidades
do Complexo do Alemão, no Rio de
Janeiro, após invasão empreendida
A SOCIEDADE DISCIPLINAR E A SOCIEDADE
pela polícia e pelas Forças Armadas em DE CONTROLE
novembro de 2010. Até aqui apresentamos análises sobre o poder e a política que privilegiam suas relações com o
Estado. Mas há pensadores que analisam a questão do poder e da política de modo diferente: não
dão primazia às relações com o Estado, mas a elementos que estão presentes em todos os momen-
tos de nossa vida. Entre eles, destacamos os franceses Michel Foucault (1926-1984) e Gilles Deleuze
(1925-1995).
Michel Foucault se propôs analisar a sociedade com base na disciplina no cotidiano. Para ele,
todas as instituições procuram disciplinar os indivíduos desde que nascem. Assim acontece na família,
na escola, nos quartéis, nos hospitais, nas prisões etc., pois o fundamental é distribuir, vigiar e adestrar
os indivíduos em espaços determinados. De acordo com ele, o poder dessas instituições desenvolve-
-se por meio de gestos, atitudes e saberes. É o que ele chama de “arte de governar”, entendida como a
forma de gestão das condutas dos indivíduos em uma sociedade. Nesse sentido, em seu livro Micro-
física do poder, ele defende a ideia de que tudo pode ser político, ou seja, tudo pode ser politizável.

20 Poder, política e Estado

book-SESI_EM_SOC_2SERIE.indb 20 21/11/16 18:47


Seguindo as pistas de Foucault, Gilles Deleuze declara que ainda vivemos em uma sociedade
disciplinar, mas estamos percebendo a emergência de uma sociedade de controle.

MUSEU PUSHKIN, MOSCOU, RÚSSIA/VINCENT VAN GOGH/L. KNYAJINSKIY/RIA NOVOSTI/AFP

Sociedade disciplinar: da família à escola, do


hospital à prisão, as instituições confinam,
adestram e vigiam os indivíduos. Na obra
A ronda dos prisioneiros, de 1890, seu último
ano de vida, Van Gogh se retrata entre os
prisioneiros. A tela foi pintada quando ele se
encontrava confinado em um hospital de
Saint-Rémy.

A sociedade disciplinar é a que conhecemos desde o século XVIII. Nela se organizam grandes
meios nos quais os indivíduos se reúnem: a família, a escola, a fábrica, o exército e, em alguns casos, o
hospital e a prisão. Nesse tipo de sociedade, os indivíduos passam de um espaço fechado para outro
e não param de recomeçar, pois em cada instituição devem aprender alguma coisa, principalmente
a disciplina específica do lugar.
Na sociedade disciplinar, a fábrica, por exemplo, é um espaço fixo e restrito onde se produ- SOCIOLOGIA
zem mercadorias. A fábrica reúne os indivíduos e estes parecem formar um só corpo, com a dupla
vantagem de facilitar a vigilância por parte dos patrões, que controlam cada elemento na massa, e
de facilitar a tarefa dos sindicatos, que mobilizam uma massa de resistência. Nessa sociedade o que
identifica os indivíduos, na escola, no exército, no hospital, na prisão ou nos bancos, é a assinatura e
o número na carteira de identidade ou na carteira profissional, além de diversos outros documentos.
A sociedade de controle está aparecendo lentamente, e alguns de seus indícios já são percep-
tíveis. Ela é como uma “prisão ao ar livre”, na expressão do filósofo e sociólogo alemão Theodor

Poder, política e Estado 21

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Adorno (1903-1969). Os métodos de controle utilizados são de curto prazo e de mudança rápida,
mas contínuos e ilimitados. São permanentes e de comunicação instantânea. Como não têm um
espaço definido, podem ser exercidos em qualquer lugar. Exemplos de modos de controlar as pessoas
constantemente são as avaliações permanentes e a formação continuada.
Outras formas de contro-

LAERTE, 2007
le contínuo são os “conselhos”
a respeito da saúde que estão
presentes em todas as publica-
ções, na televisão e na internet:
“Não coma isso porque pode
engordar ou aumentar o nível
de colesterol ruim”; “Faça exer-
cícios de manhã ou à tarde, des-
ta ou daquela maneira, para ter
uma vida mais saudável”; “Tome
tal remédio para isso, mas não
tome para aquilo”.
Os controles nos alcançam,
assim, em todos os momentos e
lugares. Não há possibilidade de
fuga. E isso está sendo amplia-
do pelo aumento significativo
de aparelhos celulares, tablets
e outras máquinas vinculadas à
internet.
Se na sociedade disciplinar
o elemento central de produção
Sociedade de controle:alguém precisa vigiar? é a fábrica, na de controle é a
empresa, algo mais fluido. Se na
fábrica já havia o sistema de prêmios, na empresa ele foi aperfeiçoado como uma variação para cada
salário, instaurando um estado de eterna instabilidade e desafios. Se a linha de produção é o coração
da fábrica, o serviço de vendas é a alma da empresa. O marketing é o instrumento de controle social
por excelência — é de curto prazo e mudança rápida, mas também contínuo e ilimitado, ao passo
que a disciplina é de longa duração, infinita e descontínua.
O lugar do marketing em nossa sociedade é evidente, uma vez que somos todos vistos como
consumidores. O convencimento é ao mesmo tempo externo (pela recepção da mensagem) e in-
terno (pela própria natureza do convencimento). Ao ser assimilada por nós, a coerção aparece como
algo de que não podemos fugir. Se tudo pode ser comprado e vendido, por que não as consciências,
os votos e outras coisas mais?
O que nos identifica cada vez mais é a senha. Cada um de nós é apenas um número, parte
de um banco de dados de amostragem. A quantidade de senhas de que necessitamos para nos
relacionar virtualmente com as pessoas ou com instituições é enorme e, sem elas, ficamos isolados.
Se na sociedade disciplinar há sempre um indivíduo vigiando os outros em várias direções
num lugar confinado, na sociedade de controle todos olham para o mesmo lugar. A televisão é um
bom exemplo disso, pois milhares de pessoas estão sempre diante do aparelho. Na final da Copa do
Mundo de futebol em 2010, por exemplo, cerca de 620 milhões de pessoas assistiram ao jogo entre
Espanha e Holanda pela televisão..

22 Poder, política e Estado

book-SESI_EM_SOC_2SERIE.indb 22 21/11/16 18:47


CENÁRIOS DA POLÍTICA E DO ESTADO CONTEMPORÂNEOS

Estado de exceção Para Agamben, o Estado de exceção significa simples-


Giorgio Agamben (1942-), filósofo italiano, era pro- mente a suspensão do ordenamento jurídico: a anulação
fessor convidado da Universidade de Nova York. Depois dos direitos civis do cidadão e seu estatuto jurídico como
do ataque às Torres Gêmeas do World Trade Center, em indivíduo. Ele defende a ideia de que o paradigma político
Nova York, nos Estados Unidos, em 11 de setembro de do Ocidente não é mais a cidade, mas o campo de concen-
2001, ao voltar de suas férias na Itália, Agamben desistiu tração. Vistas por essa ótica, as práticas de exceção con-
de lecionar naquela universidade, porque lhe foram im- temporâneas, engendradas por um Estado policial prote-
postas várias condições, no aeroporto, para que entrasse tor, fazem da política do terror e da insegurança o princípio
no país: fichamento, coleta de impressões digitais, revista gestor, estimulando, cada vez mais, a privatização dos es-
e outras exigências. Ele disse que não se submeteria às paços e o confinamento no interior deles.
imposições, pois eram procedimentos aplicados a crimi- VANDERLEI ALMEIDA/AFP PHOTO

nosos na prisão, e não a cidadãos livres. Esse fato teve


grande repercussão internacional, pois com sua postura
Agamben questionava o que estavam fazendo com cida-
dãos em todo o mundo.
O filósofo observa que hoje os cidadãos são continua-
mente controlados e consideram isso normal. É o primeiro
passo para que os regimes democráticos se tornem autori-
tários, com a carapaça de democracia.
Olhe a sua volta e observe que está sendo filmado em
todos os lugares. Há câmeras nas entradas e nos elevadores
dos edifícios residenciais e comerciais, nos bancos, nas Câmera de segurança na
Comunidade da Rocinha,
ruas e também nos corredores das universidades. no Rio de Janeiro,
Você sabia que somente na Inglaterra foram instala- em 2013. A contínua
das milhões de câmeras de vigilância e que um habitante vigilância dos indivíduos
de Londres é filmado trezentas vezes por dia? Mas não é – uma característica do
que Gilles Deleuze chama
só lá. Em Clementina, uma cidade de 6 mil habitantes no de sociedade disciplinar
interior de São Paulo, foram montadas torres de 25 me- e Giorgio Agamben, de
tros com câmeras para fazer a vigilância da cidade. A Estado de exceção – costuma ser mascarada ou justificada com avisos
justificativa é de que essas câmeras, que capturam ima- como “Sorria, você está sendo filmado” ou “Para sua segurança, esta
ligação está sendo gravada”..
gens a até dois quilômetros, intimidam os bandidos e
auxiliam a polícia.
Giorgio Agamben chama de Estado de exceção o tipo Em sua opinião, há medidas não repressivas ou invasoras da
de governo dominante na política contemporânea, que vida particular mais eficazes que a vigilância para prevenir a
transforma o que deveria ser uma medida provisória e ex- violência e a possibilidade de ações criminosas? Quais?
cepcional em técnica permanente de governo.

ANOTAÇÕES

SOCIOLOGIA

Poder, política e Estado 23

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TAREFA PARA CASA

1 Em julho de 1917, inspirados em doutrinas anarquistas e co- tipo ideal ao qual se relacionam. Explique suas opções.
munistas e organizados por sindicatos recentemente criados, a) A dominação do pai sobre seu filho.
trabalhadores urbanos, da indústria e do comércio, iniciaram Dominação tradicional.
uma greve na capital paulista que rapidamente refletiu em b) A dominação em um Estado regido por uma constituição.
outros municípios de São Paulo e mesmo em outros estados Dominação legal.
do sudeste e do sul. Reivindicando basicamente melhores c) A dominação exercida por Antonio Conselheiro, na Bahia,
condições de trabalho, como salários e jornadas de trabalho e pelo Padre Cícero, no Ceará.
mais adequados, os grevistas de 1917 foram duramente re- Dominação carismática.
primidos pela polícia. Exemplo da repressão estatal foi a mor- 2 Na maioria dos países ocidentais, a liberdade e a privacidade
te do jovem José Martinez, em 9 de julho de 1917, em conse- dos cidadãos são garantidas constitucionalmente. Porém, na
quência de um embate com a cavalaria da polícia em frente prática, os indivíduos são submetidos a poderosos mecanis-
à fábrica Mariângela, no bairro do Brás, na capital paulista. mos de controle.
Como a greve geral de 1917 no Brasil pode ser analisada à luz a) Dê exemplos de alguns dos mecanismos de controle so-
da concepção de Estado expressa por Karl Marx? cial aos quais os indivíduos estão sujeitos no Brasil atual.
Neste exercício, propõe-se a leitura de um fato histórico com base na b) Explique: por que se estabelecem mecanismos de contro-
concepção marxista de Estado. Se o Estado moderno é uma espécie le em organizações sociais baseadas na liberdade?
de comitê executivo da burguesia, então, a maneira como a República
brasileira abafou as greves gerais de 1917 pode ser vista como uma O enunciado da questão expõe uma contradição do Estado de-
forma de manter a dominação de classe vigente no Brasil do começo mocrático de direito para propor ao aluno uma reflexão acerca do
do século XX. controle social e dos limites da democracia em uma sociedade
estruturada para atender às necessidades de produção/consumo.
2 O sociólogo alemão Max Weber distingue três tipos ideais
de dominação legítima: a tradicional, a carismática e a legal.
Considere os exemplos de dominação a seguir e indique o

ANOTAÇÕES

24 Poder, política e Estado

book-SESI_EM_SOC_2SERIE.indb 24 21/11/16 18:47


CAPÍTULO

3 Poder, política e Estado


no Brasil

Veja, no Guia do Professor, o quadro de competências e habilidades desenvolvidas neste módulo.

Objetivos: Por mais de 300 anos, enquanto na Europa constituíam-se Estados absolutistas e depois liberais,
o Brasil permaneceu como colônia de Portugal — portanto, submetido ao Estado português. Com a
c Compreender o independência, em 1822, instituiu-se no Brasil um Estado monárquico do tipo liberal, mas com uma
conhecimento científico
contradição imensa, que perduraria por 66 anos: a escravidão.
como resultado do
Após a proclamação da república, em 1889, o Estado brasileiro assumiu diferentes feições ao
trabalho de gerações
longo do tempo, caracterizando-se como oligárquico, ditatorial ou liberal, sempre à sombra do poder
de seres humanos em
dos militares, cujas intervenções e golpes foram frequentes. Só a partir da Constituição de 1988 o país
busca da compreensão
passou a conviver com a perspectiva de um Estado democrático duradouro, mas também com uma
do mundo.
política econômica neoliberal, sem ter efetivamente passado por um Estado de bem-estar social.
c Diferenciar os tipos
básicos de padrões
celulares e associá-los
O ESTADO ATÉ O FIM DO SÉCULO XIX
à classificação dos Podemos dizer que o Brasil conheceu várias formas de organização do Estado, de acordo com
seres vivos. os caminhos que a história política do país traçou.

Período colonial (1500-1822)


No período colonial, todas as decisões políticas relacionadas ao Brasil eram tomadas pelo so-
berano português, que mantinha um Estado absolutista; os moradores da colônia só cumpriam as
decisões. Praticamente todas as iniciativas políticas daquela época, desde a implantação das capita-
nias hereditárias (1538) — que, conforme o próprio nome diz, passavam de pai para filho — até a
instituição do Governo Geral (1548), foram tomadas à revelia dos colonos. Ou seja, toda a estrutura
de poder na colônia estava ligada diretamente ao rei de Portugal. Isso ficou mais claro quando, em
1808, o príncipe regente de Portugal Dom João partiu com a corte para o Brasil, transplantando para
cá a forma de Estado vigente em Portugal.

FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL, RIO DE JANEIRO, RJ

SOCIOLOGIA

Representação do beija-mão,
no Rio de Janeiro, durante o
período joanino (1808-1820),
uma cerimônia da realeza
absolutista transplantada para
a colônia. Desenho de A.P.D.G.
do início do século XIX.

Poder, política e Estado 25

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Período monárquico (1822-1889)
Da independência à república, havia no país um Estado monárquico constitucional com os
poderes Executivo (Conselho de Estado), Legislativo (Assembleia Geral, composta do Senado e da
Câmara dos Deputados) e Judiciário (Supremo Tribunal de Justiça). Havia, no entanto, algo diferente
no Brasil monárquico desde o reinado de Dom Pedro I: o poder Moderador, exercido pelo imperador.
Charge de Angelo Agostini, publicada
O poder Moderador ficava acima dos outros três, pois o imperador nomeava os integrantes do
em 1885, ironiza a decadência política Conselho de Estado (o Executivo) e do Senado, escolhia os membros do Supremo Tribunal de Justiça,
do Império. O jornal O Paiz, no colo do podia dissolver a Câmara dos Deputados e utilizar as Forças Armadas quando achasse conveniente
imperador, é republicano.. para manter a segurança do império. Dom Pedro tinha o poder absoluto com uma maquiagem
liberal, já que havia uma constituição no país. Parecia vigorar um parlamentarismo, mas,
FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL, RIO DE JANEIRO, RJ

de fato, quem exercia o poder era o imperador. A sustentação política do Império, nesse
primeiro período, era assegurada pelos senhores de escravos, aliados aos militares e a
uma burocracia que mantinha fortes laços com Portugal.
Depois da abdicação de Dom Pedro I, com as regências e o governo de Dom Pe-
dro II, os laços da estrutura estatal com Portugal se afrouxaram e a gestão das questões
públicas brasileiras adquiriu maior autonomia.
O Brasil, nesse período, e os Estados Unidos da América, entre 1776 e 1861, talvez
tenham sido os únicos países do mundo em que uma constituição liberal coexistiu com
a escravidão. Isso é uma grande contradição, pois as constituições liberais dispõem que
todos os indivíduos são iguais perante a lei, e a escravidão é a negação disso. A perma-
nência dessa contradição se explica pelo fato de a escravidão ser um dos elementos
estruturais da monarquia brasileira. A escravidão foi abolida em 1888, e a monarquia
caiu em seguida.

O ESTADO REPUBLICANO
O Estado que nasceu com a implantação da república no Brasil caracterizou- -se, principalmen-
te, pela ligação da classe dominante com a cúpula da estrutura militar. Desde o início da república a
cúpula militar teve presença marcante na estruturação política nacional e esteve no posto máximo
de comando — a presidência da república — ou nos bastidores, influindo nas principais decisões
políticas.
Ao longo do período republicano, configuraram-se diferentes momentos de poder: o do poder
oligárquico (um governo de grupos), exercido pelos grandes proprietários de terras, os das ditaduras
explícitas, os de governos democráticos liberais com restrições etc. Enfim, em várias situações a de-
Charge de Angelo Agostini feita nos mocracia esteve por um fio ou foi suprimida.
primeiros anos da Primeira República
(1889-1930), ironizando as práticas Primeira República: o Estado oligárquico (1889-1930)
eleitorais da época. Não havia
mecanismos institucionais que pudessem Enquanto na Europa e nos Estados Unidos já havia um desenvolvimento industrial significativo
coibir as fraudes, pois o voto era aberto e um Estado liberal democrático estruturado, o Brasil era um país essencialmente agrário, com um
e não existia uma justiça eleitoral Estado oligárquico que excluía a participação popular.
independente.
A república no Brasil surgiu de um movimento da cúpula militar,
sem a participação da população. Segundo o jornalista republicano
Aristide Lobo (1838-1896), em sua coluna “Cartas do Rio”, escrita no
dia da proclamação e publicada no Diário Popular de 18 de novem-
bro de 1889, “o povo assistiu bestializado, atônito, surpreso, sem co-
nhecer o que significava”, ao movimento que derrubou a monarquia.
Após um período de governo provisório, entre 1889 e 1891, foi
promulgada uma constituição, que instituía a República dos Estados
Unidos do Brasil, de caráter federativo. Isso significava que o Brasil era
um conjunto de estados, os quais tinham autonomia e uma consti-
COLEÇÃO PARTICULAR

tuição própria que definia o Judiciário, as Forças Armadas, os códigos


eleitorais e a capacidade de criar impostos. Mas o poder da União
ficava resguardado, pois ela podia intervir nos estados para assegurar
a ordem, a estabilidade e o pacto federativo.

26 Poder, política e Estado

book-SESI_EM_SOC_2SERIE.indb 26 21/11/16 18:47


O poder nesse período caracterizava-se por duas práticas: a política dos gover-

ACERVO ICONOGRAPHIA
nadores e o coronelismo. À exceção do período compreendido entre 1889 e 1894,
quando os militares estiveram no comando da república, a chamada política dos go-
vernadores procurava evitar disputas entre o governo central e os estaduais, garantindo
assim a manutenção e o predomínio da máquina administrativa federal.
Essa política expressava um acordo entre o governo federal e as mais fortes oli-
garquias regionais, por meio da destinação de verbas da União para obras públicas
estaduais. Em troca, o governo recebia o apoio dos deputados e senadores para apro-
vação dos projetos de interesse do Executivo. Nesse quadro, foi marcante a chamada
política do café com leite, que expressou a presença dominante dos estados de São
Paulo e Minas Gerais no Executivo federal.
O coronelismo era uma forma de poder econômico, social e político encarnado
pelo proprietário rural, que controlava os meios de produção e os moradores da zona
rural e das pequenas cidades do interior. A prática político-social dos coronéis manti-
nha uma articulação local-regional e regional-federal, como nos tempos do Império, e
funcionava para manter o sistema eleitoral e o mandonismo local.

O período Vargas (1930-1945)


Três golpes de Estado marcaram esse período: um para colocar Getúlio Vargas no
poder, outro para lhe dar mais poderes e o último para derrubá-lo. A atuação parla-
mentar praticamente não existiu no governo Vargas e, quando houve, esteve atrelada
ao governo central.
Na década de 1930, o Brasil teve duas constituições: a de 1934 (que tinha funda-
mento liberal e durou muito pouco) e a de 1937 (que foi imposta por Getúlio Vargas, Charge de capa da revista Careta de setembro
com inspiração fascista e autoritária). de 1950 mostra um Getúlio Vargas sorridente
e tranquilo. Embaixo da charge, a chamada
“Véspera de festa” prenunciava a vitória de
Vargas nas eleições de 1950.
ERA VARGAS

1930 1934 1937 a 1945 1945


COLEÇÃO PARTICULAR

ACERVO ICONOGRAPHIA

AFP

COLEÇÃO PARTICULAR
Estado Novo
Golpe e instalação do governo Eleição de Vargas à presidência pelo
provisório Congresso Deposição de Vargas

Fonte: Elaborado pelo autor.

Com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, estabeleceu-se o que a Sociologia chama de po-
pulismo: uma relação de poder em que o governante buscava o apoio dos trabalhadores e também
da burguesia industrial (setor que de fato representava). Já que seu objetivo era implantar uma nova
ordem industrial, Getúlio entrou em divergência com o setor agrário dominante (mesmo não esten-
SOCIOLOGIA

dendo a legislação trabalhista aos trabalhadores do campo).


Para alguns sociólogos brasileiros, como Hélio Jaguaribe (1923-) e Alberto Guerreiro Ramos
(1915-1982), o traço marcante do populismo de Vargas foi a liderança carismática. Para outros estu-
diosos, como Francisco Weffort (1937-), o populismo getulista caracterizou-se como um fenômeno
de massas e de classes, com certo traço manipulador. Já de acordo com Octavio Ianni (1926-2004),
foi um fenômeno ideologicamente baseado no nacionalismo, com uma política que envolvia todas
as classes sociais.

Poder, política e Estado 27

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Em termos econômicos, havia uma aliança entre o governo e as elites urbanas, estabelecendo
o que se chamou de Estado de compromisso. A proposta era industrializar o país mediante o pro-
cesso de substituição gradual das importações, produzindo aqui o que era possível. Para isso foram
tomadas medidas como a modernização da estrutura estatal e também a incorporação, de modo
controlado e subordinado, das emergentes massas urbanas. O Estado aparecia como o principal
agente investidor na infraestrutura necessária a esse processo.
Sem perder de vista seu caráter autoritário e a repressão que desencadeou no Estado Novo
(1937-1945), o governo Vargas deixou um legado de leis trabalhistas (que só contemplavam o tra-
balhador urbano) e a concepção de um país com um projeto nacional que continuou nos anos
seguintes.

A república com a marca Vargas: o Estado liberal (1945-1964)


Terminada a Segunda Guerra Mundial, iniciava-se no Brasil um período de 19 anos de demo-
cracia liberal, delimitado por golpes militares. O primeiro deles foi o que derrubou Getúlio Vargas,
em 1945, e o último, o que depôs João Goulart, seu seguidor político, em 1964.
O Estado brasileiro estruturou-se, em 1946, com uma constituição considerada politicamente
liberal, mas que permitia a intervenção na economia, principalmente na infraestrutura necessária
ao processo de industrialização. No esforço de industrialização, o governo investiu em empresas
siderúrgicas, como a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e a Companhia Vale do Rio Doce, e
nacionalizou a produção e o refino de petróleo com a criação da Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras).
O objetivo era diminuir as importações, que ainda abrangiam os bens de consumo duráveis, como
as geladeiras, os fogões e outros eletrodomésticos.
Com Juscelino Kubitschek, finalmente se implantou a indústria nacional de bens duráveis, gra-
ças à estruturação da tríplice aliança — a conjugação entre o Estado, o capital nacional e o capital
estrangeiro —, que possibilitou grande desenvolvimento econômico e industrial no Brasil. O exemplo
mais claro dessa aliança foi a implantação da indústria automobilística nacional, com a vinda para
o país das grandes montadoras de veículos, como a Volkswagen, a Ford e a General Motors. Essas
empresas instalaram-se no Brasil com o apoio do governo federal, que desenvolvera uma indústria
siderúrgica, ampliara a produção de petróleo e construíra estradas, enquanto o capital nacional
participava com as indústrias subsidiárias, produzindo peças, equipamentos e acessórios para os
automóveis e caminhões.
O sucessor de Juscelino Kubitschek foi Jânio Quadros, que governou no
FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL/RIO DE JANEIRO, RJ

curto período de 31 de janeiro de 1961 a 25 de agosto do mesmo ano, quando


renunciou, alegando que “forças terríveis” o impediam de combater “a corrup-
ção, a mentira e a covardia que subordinam os interesses gerais aos apetites e
às ambições de grupos ou indivíduos, inclusive do exterior”1.

Charge de Théo, publicada na revista Careta, em janeiro de 1960. Jânio Quadros foi
eleito com a promessa de varrer a corrupção e a dívida pública com sua vassoura —
símbolo de sua campanha. No entanto, o que se viu foi uma renúncia mal explicada e
o começo de uma crise que culminou no golpe militar, em 1964.

1
Brasil. Câmara dos Deputados. Há 50 anos, a renúncia de um Presidente da República marcou a história política do país. Dispo-
nível em: <www2.camara.gov.br/noticias/institucional/noticias/ha-50-anos-a-renuncia-de-um-presidente-marcou-a-historia-
-republicana-do-pais>. Acesso em: 31 ago. 2012.

28 Poder, política e Estado

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DEMOCRACIA LIBERAL

1946 a 1950 1951 a 1954 1954 1954 a 1955

UH/FOLHAPRESS
ACERVO ICONOGRAPHIA
COLEÇÃO PARTICULAR

FOLHAPRESS
Governo de transição
comandado por Café Filho
Governo do general Eurico Governo de Vargas, eleito pelo voto Suicídio de Vargas
Gaspar Dutra, eleito pelo voto popular
popular

1956 a 1960 1961 1963 1964


FOLHAPRESS

ARQUIVO/AE
ARQUIVO/AE

ARQUIVO/AE
Governo e renúncia de Jânio
Governo de Kubitschek, eleito pelo Quadros. Posse de João Goulart. Volta do presidencialismo, com Deposição de Goulart por golpe
voto popular Implantação do parlamentarismo Goulart no comando militar em 1o de abril

Fonte: Elaborado pelo autor.

Após a renúncia de Jânio, os ministros militares tentaram impedir a posse do vice-presidente,


João Goulart (conhecido como Jango), por causa de suas posições políticas, comprometidas com o
trabalhismo getulista. Jango só assumiria a presidência em 7 de setembro de 1961, após mobilizações
de setores da população em defesa da legalidade e a adoção, aprovada pelo Congresso, do regime
parlamentarista, que limitava os poderes presidenciais. Esse regime vigorou até janeiro de 1963, quan-
do a volta do presidencialismo foi decidida por meio de um plebiscito.
Durante seu mandato, João Goulart propôs medidas que desagradaram os militares e outros SOCIOLOGIA
setores conservadores da sociedade — como o aumento constante do salário mínimo, a reforma
agrária e uma política industrial nacionalista. Em contrapartida, desenvolviam-se movimentos sociais,
no campo e nas cidades, que apoiavam essas medidas (retomaremos esse tema futuramente). Alguns
movimentos e personagens políticos propunham mudanças radicais na sociedade brasileira, mas não
tinham apoio da maioria da população.
O fim dessa fase chegou com o golpe militar de 1º. de abril de 1964, que derrubou João Goulart.
O golpe estava sendo tramado havia muito tempo, desde a renúncia de Jânio Quadros, em 1961. Só

Poder, política e Estado 29

book-SESI_EM_SOC_2SERIE.indb 29 21/11/16 18:47


demorou a ser posto em prática porque os golpistas precisaram articular as forças militares e civis,
incluindo a Igreja Católica, além da sustentação externa propiciada pelos Estados Unidos da América,
que não aceitavam a possibilidade de o Brasil distanciar-se de sua influência direta.
De acordo com o sociólogo brasileiro Caio Navarro de Toledo, o movimento que levou à instau-
ração de um novo período ditatorial no Brasil significou um golpe contra a democracia política que
se iniciara em 1946, as reformas sociais e políticas propostas por João Goulart, a crescente politização
dos trabalhadores e o debate de ideias que ocorria no país.

NAS PALAVRAS DE TOLEDO

Golpe contra as reformas e a democracia


a) Em toda nossa história republicana, o golpe contra as frágeis instituições políticas do país se constituiu em ameaça perma-
nente. Seu fantasma rondou, em especial, os governos democráticos no pós-46; com maior intensidade, a partir dos anos 60.
Assim, pode-se dizer que o governo Goulart nasceu, conviveu e morreu sob o espectro do golpe de Estado. Goulart foi
empossado em setembro de 1961, após a fracassada tentativa golpista de Jânio Quadros. Com sua inesperada renúncia, JQ
visava, contudo, o fechamento do Congresso que lhe fazia oposição. Não tendo o povo saído às ruas para exigir dos militares
a volta do renunciante, o golpe se frustrou. A emenda parlamentarista, imposta ao Congresso nacional pela junta militar, pode
ser interpretada como um “golpe branco”. O Congresso, acuado e ameaçado pela espada, reformou a Constituição sob um
clima pré-insurrecional, contrariando, assim, dispositivos constitucionais da Carta de 46.
[…]
Em abril de 1964, o golpe de Estado — permanentemente reivindicado por setores da sociedade civil — foi, então, ple-
namente vitorioso.
b) O golpe estancou um rico e amplo debate político, ideológico e cultural que se processava em órgãos governamentais,
partidos políticos, associações de classe, entidades culturais, revistas especializadas (ou não), jornais etc. Assim, nos anos 60,
conservadores, liberais, nacionalistas, socialistas e comunistas formulavam publicamente suas propostas e se mobilizavam
politicamente em defesa de seus projetos sociais e econômicos.
[…]
Inúmeras revistas especializadas e não acadêmicas, semanários e jornais traduziam e difundiam essas correntes teóricas e
ideológicas. A esse respeito, vejamos a questão do ângulo dos setores progressistas. Não tendo acesso aos meios de comunica-
ção de massa, a esquerda nacionalista e socialista, além de seus órgãos de imprensa (jornais, revistas etc.), buscava difundir as
propostas reformistas do nacional-desenvolvimentismo — ou mesmo da revolução socialista — por meio de experiências
como o teatro, o cinema, a música e as artes plásticas.
[…]
TOLEDO, Caio Navarro de. 1964: O golpe contra as reformas e a democracia. Revista Brasileira de História, v. 24, n. 47, 2004. Disponível em:
<www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-01882004000100002&script=sci_arttext>. Acesso em: 31 ago. 2012..

A república dos generais (1964-1985)


Por que houve o golpe militar em 1964? Segundo os golpistas, o objetivo era acabar com a
anarquia e a insegurança, que levariam o país ao comunismo, e deter a inflação, que estava absur-
damente alta.
REGIME DITATORIAL

1964 a 1967 1967 a 1969 1969


ACERVO ICONOGRAPHIA

ACERVO UH/FOLHA IMAGEM

FOLHA IMAGEM

Governo provisório do marechal Governo de Vargas, eleito pelo Governo do marechal Costa e Silva
Castelo Branco voto popular

30 Poder, política e Estado

book-SESI_EM_SOC_2SERIE.indb 30 21/11/16 18:47


Politicamente, podemos dizer que essa fase dividiu-se em três momentos: o do golpe propria-
mente dito e da organização do governo estabelecido; o do endurecimento do regime ditatorial; o
do processo de “democratização lenta e gradual” supervisionada pelos militares.
No primeiro momento, os militares, tendo à frente do regime o marechal Humberto de Alen-
car Castelo Branco, editaram, em 1964, o Ato Institucional no. 1 (AI-1), que suspendeu os direitos
políticos de centenas de pessoas. Com o Ato Institucional no. 2 (AI-2), em 1965, foram extintos os
partidos políticos e imposto o bipartidarismo. Passaram a existir, então, apenas a Aliança Renovadora
Nacional (Arena), de apoio ao governo, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), de oposição
consentida. Todas as eleições diretas para cargos executivos foram suspensas.
Nos primeiros anos do golpe, ocorreram muitos atos públicos, principalmente

ZIRALDO, 1984
de estudantes e trabalhadores, contra o regime militar. Os movimentos foram per-
mitidos inicialmente, mas depois passaram a ser reprimidos com violência.
O momento mais repressivo do período iniciou-se em 1967, sob a presidência
do general Arthur da Costa e Silva. Após grandes manifestações, principalmente de
operários e estudantes, em 13 de dezembro de 1968 foi editado o mais conhecido
e terrível Ato Institucional: o AI-5, que cassava todos os direitos civis, permitia a
cassação dos mandatos parlamentares e o fechamento do Congresso Nacional,
das Assembleias Legislativas e das Câmaras Municipais, sob a ordem direta do
presidente. Também limitava os poderes do Judiciário, ao suspender o direito de
habeas corpus em crimes contra a “segurança nacional”, e impunha a censura prévia
à imprensa e restrições à liberdade de reunião.
Costa e Silva não conseguiu completar o mandato, pois adoeceu (sofreu um
derrame cerebral em setembro de 1969), sendo substituído por uma junta militar,
que impediu a posse do vice-presidente, Pedro Aleixo. O mandato de Costa e Silva
e o de Pedro Aleixo foram declarados extintos em 6 de outubro de 1969.
A junta militar, composta dos ministros do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, baixou o A intransigência dos militares e as
Ato Institucional no. 13 (AI-13), que punia com banimento os brasileiros considerados “ameaça à arbitrariedades cometidas no período
posterior à edição do Ato Institucional no. 5
segurança nacional”, e o Ato Institucional no. 14 (AI-14), que instituía a pena de morte e a prisão desafiavam as evidências e a razão, como
perpétua para os envolvidos em “guerra revolucionária e subversiva”, além de sancionar a nova Lei de satiriza Ziraldo nesta charge de 1984.
Segurança Nacional. Diante desse aparato jurídico, os cidadãos não tinham mais nenhum amparo
legal para fazer frente aos poderes ditatoriais.
A junta militar aplainou o caminho para que o general Emílio Garrastazu Médici assumisse a
presidência da república em 1969, mantendo intensa repressão aos movimentos sociais organizados
e às manifestações públicas. Com o endurecimento, aumentou a oposição ao regime, e foram orga-
nizados movimentos de guerrilha na cidade e no campo.
Os militares reagiram com violência, colocando em prática a tortura, os assassinatos e o desapa-
recimento de ativistas de esquerda e de pessoas que eles afirmavam conspirar contra a segurança na-
cional. Paralelamente, o país passou por um processo que foi designado de “milagre econômico”, pois
houve um crescimento expressivo da produção nacional e grandes investimentos em infraestrutura.
Os últimos dez anos do regime militar (1975-1985) foram críticos, pois o país sofreu os reflexos

1969 a 1974 1974 a 1979 1979 a 1984


FOLHA IMAGEM

FOLHA IMAGEM

JAIR CARDOSO/JB

SOCIOLOGIA

Governo do general Emílio Garrastazu Médici Governo do general Ernesto Geisel Governo do general
João Batista Figueiredo
Fonte: Elaborado pelo autor.

Poder, política e Estado 31

book-SESI_EM_SOC_2SERIE.indb 31 21/11/16 18:47


de uma crise econômica internacional decorrente do aumento explosivo dos preços do petróleo.
Politicamente, iniciava-se a ascensão da oposição ao regime, tanto no plano eleitoral quanto no dos
movimentos populares, com a emergência de manifestações reivindicatórias, principalmente nas
grandes cidades, por melhores condições de vida e de trabalho. As greves operárias ressurgiram e o
movimento dos trabalhadores, com nova configuração, reestruturou-se gradativamente.
O retorno dos exilados, decorrente da Diante dessa situação, no governo do general Ernesto Geisel, foram dados os primeiros passos
aprovação da Lei da Anistia, marca o ano para a “abertura” política do país. Inicialmente, Geisel precisou conter os vários setores das Forças
de 1979. Na imagem, a chegada do líder Armadas que queriam a continuidade do regime militar; depois, iniciou uma longa trajetória a fim
político Miguel Arraes ao Brasil, após dois
anos de exílio na Argélia.
de promover uma transição lenta e gradual para a democracia representativa, sob a vigilância dos
militares, tentando conter as manifestações políticas nas ruas.
JUCA MARTINS/OLHAR IMAGEM

No final do governo do general Geisel e no início do último governo


militar, o do general João Baptista Figueiredo, ocorreram alguns fatos impor-
tantes que merecem ser lembrados.
Em 1978 foi extinto o AI-5. Seus dispositivos, entretanto, foram in-
corporados à última constituição do regime militar sob o nome “estado
de emergência”. Em 1979 foi aprovada a Lei da Anistia, que possibilitou a
centenas de exilados voltar ao Brasil. Também nesse ano foi restabelecido
o pluripartidarismo, que possibilitou a legalização de partidos de diversas
tendências políticas. A Arena foi substituída pelo Partido Democrático So-
cial (PDS) e o MDB transformou-se no Partido do Movimento Democrático
Brasileiro (PMDB). Além desse rearranjo, foram fundados o Partido Demo-
crático Trabalhista (PDT) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Em 1982,
o Partido dos Trabalhadores (PT) teve seu registro aceito.
Durante o governo do general João Baptista Figueiredo, agravou-se a cri-
se econômica e intensificaram-se os movimentos grevistas e as manifestações
de protesto. Em 1984, uma campanha por eleições diretas para presidente da
República, conhecida como Diretas Já, agitou o país, e uma emenda à Cons-
tituição foi apresentada ao Congresso com esse objetivo, mas não obteve
aprovação. Conforme acordado pelos militares, o governo viria a ter um civil
na liderança, mas eleito indiretamente pelo Congresso Nacional.

O retorno à democracia (de 1985 a nossos dias)


Após a “abertura democrática”, o governo procurou definir as bases de convivência política do
Estado liberal democrático no Brasil. Essa fase se iniciou com a eleição indireta, pelo Colégio Eleitoral,
do primeiro presidente civil que deveria substituir os militares no governo.
O candidato eleito, Tancredo Neves, contou com o apoio dos partidos de oposição, mas era
um político de confiança dos militares, ou seja, era a garantia de que não haveria revanchismo contra
eles. No entanto, Tancredo morreu antes de tomar posse. Quem assumiu foi seu vice, José Sarney.
Ex-presidente do PDS (partido governista), Sarney fundara a Frente Liberal (mais tarde PFL), partido
pelo qual se tornou vice-presidente na chapa de Tancredo Neves.
Durante o mandato de José Sarney, em 1988, foi promulgada a atual Constituição brasileira,
chamada de Constituição cidadã, fato considerado fundamental para o desenvolvimento de uma
democracia estável no Brasil. Os governantes que o sucederam, eleitos pelo voto popular, puderam
atuar sem a vigilância das Forças Armadas. O Executivo, o Legislativo e o Judiciário desenvolvem,
desde então, suas atividades plenamente.
Numa situação de alta inflação, concentração de renda e desigualdade social, a preocupação
fundamental do Estado nesse período foi a redução e o controle da inflação. Vários planos econômi-
cos foram postos em prática, como o Plano Cruzado, o Plano Collor, o Plano Bresser e o Plano Real.
Somente o último, criado no governo Itamar Franco, alcançou os objetivos propostos, que eram frear
a inflação e estabilizar os preços das mercadorias, mas ainda foi mantido um dos maiores índices de
desigualdade social no mundo.
Desenvolveram-se, nos governos de Collor-Itamar e Fernando Henrique Cardoso, alterações nas
estruturas política e econômica características do que se convencionou chamar de Estado neoliberal.
Veja a seguir algumas dessas alterações:

32 Poder, política e Estado

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Na tentativa de integrar a economia do país à globalização, promoveram-

CLAUDIUS, 1992
-se a privatização de empresas estatais (nos setores de siderurgia, energia e
comunicações) e a abertura do mercado nacional a produtos estrangeiros,
derrubando barreiras de importação.
No sistema financeiro, foi permitida a livre atuação dos bancos e o mo-
vimento de capitais no mercado interno; renunciou-se ao controle da
moeda nacional e da política cambial, atrelando a moeda nacional ao
dólar, para facilitar as transações no mercado financeiro.
Alteraram-se os contratos de trabalho, o limite de horas na jornada de
trabalho, as férias remuneradas, além do sistema de aposentadorias, sendo
criado o sistema de previdência privada.
Incentivou-se a fundação de escolas privadas em todos os níveis, mas
principalmente no superior. Houve, com isso, a proliferação de faculdades
e universidades particulares no Brasil. O financiamento proporcionado
pelo Estado assegurou essa expansão, em detrimento das universidades públicas. Ascensão e queda de Fernando Collor,
Ampliou-se a presença das administradoras de planos de saúde, permanecendo na dependência afastado da presidência por meio de
impeachment, em charge de Claudius.
do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) apenas os mais pobres.
No governo de Luiz Inácio Lula da Silva, que sucedeu o de Fernando Henrique Cardoso, foi man-

RETORNO À DEMOCRACIA

1985 a 1990 1990 a 1992 1992 a 1994


FERNANDO SANTOS/FOLHAPRESS

LULA MARQUES/FOLHAPRESS

MARCIO ARRUDA/FOLHA IMAGEM


Governo de Fernando Collor de Melo,
Governo de José Sarney, eleito eleito pelo voto popular e cassado pelo
indiretamente como vice-presidente de Congresso por corrupção
Tancredo Neves Governo de Itamar Franco, vice de Collor

1995 a 2002 2003 a 2010 2010


ROBERTO CASTRO/AE

SERGIO LIMA/FOLHAPRESS

PEDRO LADEIRA/FRAME/AE

SOCIOLOGIA
Governo de Luiz Inácio Lula da Silva, eleito
e reeleito pelo voto popular

Governo de Fernando Henrique Cardoso, Governo de Dilma Rousseff, eleita pelo


eleito e reeleito pelo voto popular voto popular

Fonte: Elaborado pelo autor.

Poder, política e Estado 33

book-SESI_EM_SOC_2SERIE.indb 33 21/11/16 18:47


tida essa política econômica, permi-

ANGELI, 1994
tindo que os grandes conglomerados
industriais e financeiros obtivessem
lucros exorbitantes. Em contrapartida,
ampliaram-se as políticas de redistri-
buição de renda, visando amenizar a
situação precária da maior parte da
população brasileira.
Uma das medidas tomadas para
enfrentar o problema da distribuição
de renda foi o aumento do salário
mínimo acima da inflação e, conse-
quentemente, a ampliação do valor
das aposentadorias para os beneficiá-
rios que recebiam até um salário mí-
nimo. O que mais marcou o governo
Lula, entretanto, principalmente no
segundo mandato, foi a criação de
empregos estáveis, que possibilitou a
expansão do consumo a uma parcela
da população estimada em torno de
30 milhões de brasileiros.
Além disso, puseram-se em prá-
tica os programas Fome Zero e Bolsa
Família. Foram integrados ao Fome
Zero os programas implantados no
governo de Fernando Henrique Car-
doso: o Bolsa Escola, o Auxílio Gás e o
Na charge de Angeli, um Cartão Alimentação. A ampliação do
cotejo entre as relações programa Bolsa Família e similares propiciou uma renda mínima a milhares de famílias que viviam
políticas de Lula (PT) e as de em condições de miséria absoluta.
Fernando Henrique Cardoso A sustentabilidade das famílias visada por essas políticas requer a criação de empregos estáveis
(PSDB).
para a absorção não só dos desempregados, mas também dos jovens que estão integrando o merca-
do de trabalho no Brasil. Além disso, na perspectiva da elevação da participação política efetiva, essas
políticas poderiam estar alicerçadas no acesso à educação de qualidade do ensino, e não somente
na quantidade de alunos matriculados. A mesma observação pode ser feita em relação ao acesso à
assistência à saúde, que está longe de ser razoável.
Na avaliação desses programas, convém destacar ainda tratar-se de ações governamentais, que
podem incluir e excluir famílias dependendo do governante, não constituindo ações políticas de
Estado, que geram direitos.
Em termos representativos, houve nos últimos anos uma série de atuações governamentais
que contribuíram para despolitizar a prática política, limitando-a a uma participação quase somente
por meio do voto. A demanda social por maior participação foi neutralizada e canalizada de forma
burocratizada e controlada pelos agentes do governo mediante os vários conselhos e conferências
nacionais sobre o meio ambiente, os direitos da pessoa idosa, a segurança pública, os direitos da
mulher, o esporte, a igualdade racial, o acesso à saúde etc.
Do ponto de vista dos trabalhadores, os sindicatos passaram por um processo de despolitização,
uma vez que a luta por direitos coletivos foi pouco a pouco sendo substituída pela busca de soluções
possíveis para os problemas dos indivíduos. O resultado foi a desmobilização dos trabalhadores e
a burocratização das organizações sindicais mais combativas. Além disso, houve uma tendência à
cooptação dos líderes sindicalistas, que passaram a atuar em órgãos públicos.
Em 2011, assumiu a presidência da república Dilma V. Rousseff. A primeira presidenta do Brasil
deu continuidade aos projetos desenvolvidos no governo Lula.

34 Poder, política e Estado

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CENÁRIO DO ESTADO NO BRASIL

Estado, capital e sociedade amplos setores da sociedade civil. Operários, camponeses,


O forte comprometimento do Estado com o capital empregados, funcionários e outros, compreendendo ne-
implica a expansão do Poder Executivo, em detrimento do gros, mulatos, índios, caboclos, imigrantes e outros, sen-
Legislativo. Em um país de tradição política autoritária, no tem-se deslocados, não representados, alienados do poder.
qual predominam o pensamento e a prática que privile- […]
IANNI, Octavio. Estado e capitalismo. 2. ed. São Paulo:
giam a missão “civilizatória” do Estado na sociedade, o Brasiliense, 1989. p. 259-260.
alargamento do poder econômico do Estado implica a ex-
pansão do Executivo; implica o alargamento do poder po-
lítico e cultural do Executivo. Tanto assim que o Estado se 1 Esse texto, extraído de um livro publicado há mais de 45
transforma em um poderoso agente da indústria cultural, anos, aborda características fundamentais do Estado e de
por suas implicações não só econômicas, mas também po- suas relações com a sociedade no Brasil. Avalie a pertinên-
líticas e culturais. cia das características apontadas, considerando o cenário
O Legislativo se forma e reforma como o lugar das atual.
controvérsias, oposições, propostas alternativas. […] As
suas comissões parlamentares de inquérito podem chegar 2 Observe a foto abaixo.
a qualquer resultado, mas estes não se tornam decisões

DIDA SAMPAIO/AE
que afetem o Executivo. Não têm força para tal. Além do
mais, o Legislativo é continuamente cooptado pelo Execu-
tivo, por meio do empreguismo, das concessões de recur-
sos para atendimento de bases eleitorais, promessas de
escolha para ministérios, superintendências. Acontece que
a tradição política autoritária, uma cultura política que
combina o patrimonial com a racionalidade do grande ne-
gócio, impregna também o Legislativo.
Na prática, a independência entre os poderes Legisla-
tivo, Executivo e Judiciário dissolve-se na expansão e no
predomínio do Executivo. Em um país no qual a cultura
política das classes dominantes é essencialmente autoritá-
ria, essa expansão do Executivo caminha fácil, livremente. Manifestação contra a corrupção e a impunidade de
[…] Nesse contexto, verifica-se uma espécie de divórcio parlamentares na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, em
24 de outubro de 2007.
entre as tendências predominantes no âmbito do Estado e
aquelas predominantes no âmbito da sociedade. a) O que a foto lhe sugere?
À medida que se alarga o poder estatal, redefine-se e b) Junte-se a alguns colegas e façam uma pesquisa sobre a
modifica-se a relação do Estado com a sociedade, com- função de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) e as
preendendo as diversidades e desigualdades sociais, eco- CPIs em andamento no país. A seguir, troquem ideias sobre o
nômicas e outras. Na prática, dissocia-se o poder estatal de assunto.

ANOTAÇÕES

SOCIOLOGIA

Poder, política e Estado 35

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TAREFA PARA CASA

1 Entre 1970 e 1974, a ditadura militar brasileira promoveu uma b) Aponte a mensagem política contida nessa imagem e
intensa propaganda ufanista. Observe a imagem a seguir e relacione-a ao contexto do período.
depois responda às questões propostas. No mesmo período pode-se notar a preocupação do regime militar
com a propaganda, que procura, de forma ufanista, destacar o patrio-
tismo através de símbolos e frases de efeito, como a apresentada na

ACERVO ICONOGRAPHIA
imagem. Dessa maneira, aqueles que faziam oposição ao governo
eram considerados elementos antipatrióticos, que deveriam deixar o
país. O discurso militar da época era: ou você gosta do país do jeito
que ele é ou deve deixá-lo, não deve tentar mudá-lo.

2 Atualmente, o Brasil se constitui politicamente como uma


República presidencialista e democrática. A igualdade polí-
a) Quais eram as características econômicas e políticas desse tica garante uma igualdade social no Brasil contemporâneo?
período? Por quê?
O governo Médici foi caracterizado pelo que se convencionou chamar Questão para o aluno discorrer sobre a consolidação da igualdade na
de “milagre econômico”, época marcada por altas taxas de crescimen- sociedade brasileira. A priori, a igualdade política não garante a igual-
to econômico, devido ao grande ingresso de capitais estrangeiros, dade social. A igualdade consolidada na esfera política não corres-
o que possibilitou obras públicas de impacto que absorveram uma ponde à igualdade na esfera social. A partir dessa premissa, o aluno
parcela da mão de obra; ao mesmo tempo, a política de crédito atingiu pode levantar razões históricas para isso. Ele pode até mesmo partir
a classe média, com a possibilidade concreta de elevação do padrão das informações do livro para analisar as medidas tomadas recente-
de consumo, fazendo parecer que o nível de vida melhorava. Para a mente e desvendar os mecanismos pelos quais elas mantiveram ou
maioria dos assalariados foi um período de arrocho salarial, caracteri- até aumentaram a desigualdade social.
zado pela concentração de renda. Do ponto de vista político, a repres- 3 Reflita e responda: as políticas de compensação atualmente
são tornou-se maior, apoiada no AI-5, registrando-se perseguições
políticas, aparecimento de grupos paramilitares, tortura nos “porões
em vigor conseguirão, sozinhas, alterar significativamente no
da ditadura”, execuções de opositores do regime e forte censura aos Brasil a concentração de renda e a desigualdade social?
meios de comunicação. É uma boa oportunidade para o aluno pesquisar e avaliar essas polí-
Talvez, para chegar a uma resposta mais completa, os alunos preci- ticas e seu alcance real. Ele poderá perceber que, se um dos extre-
sem consultar outras fontes de pesquisa além do livro didático. mos das classes sociais (o mais baixo) se beneficia um pouco com
essas medidas, há no outro extremo (classes mais altas) grupos que
continuam se beneficiando, numa proporção muito maior, com as
ANOTAÇÕES políticas do Estado.

36 Poder, política e Estado

book-SESI_EM_SOC_2SERIE.indb 36 21/11/16 18:47


CAPÍTULO

4 A democracia no Brasil

Veja, no Guia do Professor, o quadro de competências e habilidades desenvolvidas neste módulo.

Objetivos: Analisar a questão da democracia no Brasil significa examinar não somente as instituições políti-
cas e as regras vigentes, mas também a maneira de viver a democracia. Pode-se dizer que ela é ainda
c Discutir sobre
uma possibilidade, pois as forças de manutenção de práticas antigas são muito poderosas. Vejamos
democracia e formas
alguns aspectos dessa questão no Brasil.
de representação.

c Explorar a diversidade DEMOCRACIA E REPRESENTAÇÃO POLÍTICA


dos mecanismos
democráticos a
Como vimos, a democracia envolve diferentes práticas e instituições. Vamos destacar algumas
fim de identificar e
delas para examinar o desenvolvimento da democracia no Brasil.
reconhecer que não há
apenas uma forma de
Regras e participação eleitoral
estruturação do poder. No Brasil, o processo de ampliação da participação política é recente. Os detentores do poder,
a serviço de uma minoria, por muito tempo mantiveram a maioria da população fora do processo
eleitoral. Só para termos uma ideia, da proclamação da república, em 1889, até 1945, os eleitores
representavam aproximadamente 5% da população, com poucas variações. Em 1960, esse índice
havia subido para 18%. Em 1980, 47% da população podia participar das eleições e, em 2006, perto
de 70% dos brasileiros tinham o direito de voto. Ou seja, cem anos se passaram para que a população
pudesse participar majoritariamente das eleições no Brasil.
Houve mudança também na consciência do eleitor. A prática de comprar o voto dos mais
pobres diminuiu gradativamente, à medida que se intensificou o processo de urbanização e se re-
duziu a pressão dos “coronéis” e seus comandados sobre a população rural, que era maioria em
1960. Contribuiu para essa mudança o desenvolvimento das regras eleitorais e das técnicas de votar,
principalmente o voto secreto com cédulas únicas impressas e a introdução de urnas eletrônicas,
além da fixação de regras mais claras e a fiscalização pela Justiça Eleitoral.

A luta por direitos e participação política


Após a proclamação da república, surgiram vários movimentos em busca de participação políti-
ca. Os movimentos de trabalhadores sempre estiveram à frente na reivindicação de melhores salários
e condições de trabalho. Várias lutas foram empreendidas, mas sempre reprimidas, pois a questão
dos direitos, por muito tempo, foi vista como um caso de polícia ou uma concessão por parte de
quem detinha o poder do Estado.
O crescimento da participação institucional nas decisões políticas é uma das conquistas da
população, que se mobiliza e cria organizações para isso, e não uma concessão dos governantes.
Há leis e disposições que geram direitos, mas com frequência não são regulamentadas e, portan-
to, não podem ser consideradas como garantia individual ou social. Os grupos que lutam por novos
direitos, até mesmo de maior participação política, ou que exigem o respeito aos direitos adquiridos
muitas vezes são vistos pelos governantes e por setores conservadores da população como pertur- SOCIOLOGIA
badores da ordem e insensíveis aos esforços do governo em fazer o melhor. Mesmo assim, observa-
-se que são crescentes, nos últimos anos, as manifestações e os movimentos sociais que procuram
ampliar os espaços de participação política não institucional.
A democracia no Brasil é algo muito recente e ainda está se consolidando. Ela continuará cres-
cendo se as regras institucionais para as eleições e o exercício do poder forem alteradas, para possi-
bilitar a participação da população, e se os movimentos sociais conquistarem mais espaço e voz na
luta pela manutenção dos direitos fundamentais e pela criação de novos direitos. Somente quando

Poder, política e Estado 37

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a maioria da população tiver educação de boa qualidade, condições de saúde e trabalho adequadas
e participar da vida social, teremos uma efetiva democracia no Brasil.
NILTON CARDIM/SIGMAPRESS/AE

Luta pelo direito de moradia: integrantes


da Comunidade do Pinheirinho, em Os partidos políticos no Brasil
São José dos Campos, São Paulo, tentam Os partidos políticos no Brasil foram, em sua maioria, representantes dos setores dominantes
resistir à ordem de reintegração de posse
da economia na sociedade. Até 1930, eram apenas agregados de oligarquias locais e regionais que
do terreno onde viviam cerca de
1.600 famílias. se organizavam para tirar vantagens do Estado. Havia apenas uma exceção: o Partido Comunista do
Brasil (PCB), criado em 1922, que propunha ser a voz dos trabalhadores.
Pode-se dizer que só depois da ditadura de Vargas formaram-se partidos nacionais. Os princi-
pais eram a União Democrática Nacional (UDN), que representava a burguesia industrial e as classes
médias urbanas, o Partido Social Democrático (PSD), que representava os setores rurais e semirrurais,
e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), que representava o sindicalismo e o movimento trabalhista.
O PCB permanecia ativo, mas, cassado em 1947, passou a atuar clandestinamente.
Em 1965, entretanto, com a nova ditadura militar, todos os partidos foram cassados e, em seu
lugar, foi imposta uma estrutura em que havia só dois partidos, como vimos: a Arena, que apoiava e
defendia o regime militar, e o MDB, de oposição, ainda que controlado pelos militares.
Com as mudanças econômicas e políticas — principalmente a emergência dos movimentos
sociais e a luta pela redemocratização — e o fim do período autoritário, desenvolveu-se uma nova
estrutura partidária no Brasil. Diversos partidos se organizaram, além dos já mencionados (PMDB,
PT, PDT e PTB), como o Partido da Frente Liberal (PFL) — hoje Democratas (DEM) — e o Partido
da Social Democracia Brasileira (PSDB), registrados, respectivamente, em 1986 e 1989.
Hoje há uma quantidade tão grande de partidos políticos e tamanha indefinição em relação

38 Poder, política e Estado

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a seus projetos para a sociedade brasileira que se torna difícil caracterizá-los como representação
política.
Alguns partidos são criados em datas anteriores e depois voltam a se cadastrar; outros resultam
de fusões de partidos já existentes; outros mudam de nome; outros, ainda, são formados por dissi-
dentes de vários partidos, procurando espaço para desenvolver as atividades relacionadas aos seus
interesses particulares. Em suas práticas, no plano interno, predominam a falta de democracia e a
pouca vontade de promover a alternância entre as diversas tendências, quando elas existem — o que
pode ser observado na tomada de decisões para a escolha dos candidatos aos cargos públicos. Como
destaca o sociólogo Rudá Ricci, mais do que um canal de participação dos cidadãos, os partidos são
“imensas máquinas de tipo empresarial em busca do voto” (leia o texto do boxe da página seguinte).
Os partidos políticos caracterizam-se cada vez menos como representantes de determinados
setores e interesses da maioria da sociedade, apresentando-se sem uma definição muito clara. As
diferenças entre um e outro são praticamente dissolvidas, pois há uma fragmentação de interesses
internos que os limites dos partidos não comportam. Assim, no cotidiano do Parlamento brasileiro, o
que se vê são grupos que se reúnem em torno de corporações de interesses — os grupos (bancadas)
ruralistas, evangélicos, sindicalistas — ou grupos regionais.

NAS PALAVRAS DE RUDÁ RICCI

A política, os partidos e os cidadãos


[…]
No final do século 20, ficou patente o desencanto e ressentimento generalizado com as lideranças e estruturas partidárias […].
Pesquisas recentes revelam o que parece um paradoxo entre o aumento de mecanismos de controle social e participação
cidadã na gestão pública e o afastamento progressivo do interesse e participação do cidadão comum. […]
O fato é que o Brasil seguiu a passos rápidos o que acontece há décadas na Europa e nos EUA e já se manifesta em parte
da Ásia: os partidos se transformaram em imensas máquinas de tipo empresarial em busca do voto.
[...] Como são os administradores (mais que os líderes que se candidatam aos cargos públicos) que dirigem o cotidiano
partidário, o militante vai se tornando uma figura folclórica, saudosista.
Nessa engenharia política, aumenta a corte: técnicos de marketing, institutos de pesquisa e elaboradores de programas de
governo tratam diretamente com os administradores partidários e criam um staff que tem seus dias de glória nos três ou quatro
meses que antecedem o dia das eleições. Não é incomum, a partir desse cenário, que os programas de campanha raramente
sejam executados depois que o candidato se elege. Também não é incomum que os coordenadores de áreas programáticas das
campanhas não atinjam cargos de destaque nos governos que logo se formam após a vitória. Chegam, no máximo, à equipe de
transição.
[…]
RICCI, Rudá. O ocaso dos partidos. Revista Espaço Acadêmico, n. 68, ano VI, jan. 2007.
Disponível em: <www.espacoacademico.com.br/068/68ricci.htm>. Acesso em: 31 ago. 2012..

PAULA GIOLITO/FOLHAPRESS
O Congresso Nacional, as Assembleias Legislativas e as Câmaras
de Vereadores — o Legislativo brasileiro em seus vários níveis — são
as instituições políticas com o mais baixo índice de credibilidade na-
cional. As instituições da democracia representativa, portanto, ainda
são vistas como espaços para conchavos, corrupção e negociatas, e
poucos de seus membros têm credibilidade perante a população.
Além disso, a erosão progressiva dos poderes do Parlamento
se estabelece quando sua função, na maioria das vezes, limita-se a
ratificar o que o poder Executivo envia para ser analisado, por meio
SOCIOLOGIA
de projetos de lei ou de medidas provisórias. A pauta de discussões
fica na dependência da maior ou menor sensibilidade do governante
em relação às questões que afetam a maioria da população brasileira.

As 594 vassouras fincadas na praia de Copacabana pela ONG Rio da Paz,


em 2011, representavam os 513 deputados e os 81 senadores. Uma placa
anunciava: “Congresso Nacional, ajude a varrer a corrupção no Brasil”.

Poder, política e Estado 39

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REFLEXÕES SOBRE O ESTADO E A SOCIEDADE
NO BRASIL
Como vimos, a estrutura estatal criada no Brasil após a independência se manteve até a procla-
mação da república, em 1889. Depois disso, muitas transformações ocorreram, mas algumas carac-
terísticas permaneceram, tornando a estrutura estatal do Brasil a expressão da articulação do novo
com o velho.
O Estado no Brasil sempre se sobrepôs à sociedade, como se fosse algo fora dela. Aprende-se
desde cedo que tudo depende do Estado e que nada se pode fazer sem a presença dele, atribuindo-
-lhe a responsabilidade pelos problemas da sociedade e por suas soluções. Assim, se o Estado é cul-
pado pelas dificuldades que a sociedade enfrenta, também dele se esperam socorro e proteção — o
que vale tanto para os proprietários de terras, os empresários industriais e os banqueiros quanto para
o restante da população. Para esclarecer essas características das relações entre o Estado e a sociedade
no Brasil, vamos examinar a relação entre o que é público e o que é privado.

Privatização do público
Podemos dizer que houve e há no Brasil uma apropriação privada do que é público, ou seja,
quem chega ao poder toma conta do patrimônio público como se fosse seu. Dessa forma, a insti-
tuição que deveria proteger a maioria da população — o Estado — adota como princípio o favo-
recimento dos setores privados, que dominam economicamente a sociedade e dão sustentação ao
governo.
Para o restante da sociedade, as políticas públicas são desenvolvidas na forma de “doação” ou de
dominação, em nome da tranquilidade social. Isso não significa que a população tenha sido sempre
passiva. Muitas ações do Estado resultaram da pressão dos movimentos sociais no país.

A política do favor: o clientelismo


Ilustração de Angelo Agostini, de 1886,
satiriza a distribuição de favores por D. A relação entre público e privado no Brasil pode ser caracterizada pela prática da política do
Pedro II, nos últimos anos do Império. favor. Ela se desenvolveu desde o período colonial e apresenta-se ainda hoje como um dos suportes
das relações políticas nacionais entre os que têm o poder político e os que têm o poder
ANGELO AGOSTINI/REVISTA ILLUSTRADA, 1886/FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL, RIO DE JANEIRO, RJ

econômico.
A troca de favores políticos por benefícios econômicos é conhecida como clien-
telismo. Ela pode ser observada, por exemplo, na distribuição pelo poder público de
concessões de emissoras de rádio e canais de televisão ou financiamentos para empre-
sas, sempre em busca de apoio e sustentação de um partido, de uma organização ou
de uma família no poder.
Isso ocorre nos vários setores da sociedade, até mesmo naqueles considerados
modernos, que sempre encontraram no Estado um aliado nos momentos de crise.
Quantas vezes ouvimos dizer que o governo socorreu determinadas empresas e bancos
que estavam em situação precária? Quantas vezes assistimos ao Estado oferecer finan-
ciamento com juros baixíssimos para grandes empresários que estavam quase falindo?
Instalou-se no Brasil um capitalismo sem riscos, pois o poder público sempre este-
ve pronto para salvar aqueles que se punham em perigo. São esses setores envolvidos na
troca de favores os primeiros a questionar o Estado quando este procura aplicar recursos
em educação, saúde, habitação ou transporte para beneficiar a maioria da população.
A economia e muitos outros setores da sociedade se modernizaram, mas as práticas
políticas no Brasil, com raríssimas exceções, continuam a reproduzir as velhas relações
políticas, com poucas modificações.
A política do favor aparece também no cotidiano, na relação dos indivíduos com
o poder público. Ela acontece na busca de ajuda para resolver problemas, emergências
de trabalho, saúde etc. Manifesta-se ainda na distribuição de verbas assistenciais e nas
promessas de construção de escolas, de postos de saúde e de doação de ambulâncias,
feitas às pessoas ou às instituições por vereadores, deputados e senadores. Tudo para
render votos futuros, assegurando a nossos representantes a reeleição ou eleição para
outro posto.

40 Poder, política e Estado

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Nepotismo e corrupção
Muita coisa mudou na administração pública desde as reformas administrativas implementadas
por Getúlio Vargas e outros governantes, que instituíram gradativamente concursos públicos para a
maioria dos postos de trabalho e procuraram implantar uma administração com certo grau de profis-
sionalização, no sentido definido por Max Weber, com a impessoalidade da função pública. Mesmo
assim, ainda há casos de manipulação nos concursos públicos e a prática do nepotismo, ou seja, o
emprego ou o favorecimento de parentes em cargos públicos, mesmo isso sendo proibido por lei.
Quando ocorrem atos de corrupção na administração pública, a reação costuma ser marcada
pelo moralismo, que se caracteriza pela atribuição ao caráter pessoal do funcionário ou político
envolvido a responsabilidade pela malversação dos recursos públicos. Não se procuram evidenciar
as relações políticas, econômicas, sociais e culturais que estão na raiz das práticas de favorecimento
e tráfico de influência. Assim, há uma simplificação desse fato, pois se acredita que bastaria fazer um
governo com os homens e mulheres “de bem” para que tudo fosse resolvido. Ademais, nunca são
investigados os corruptores.
A corrupção existe em todos os países do mundo, tanto nas estruturas estatais como nas
empresas privadas. No Brasil, ela se mantém no sistema de poder porque, como vimos, o favor e o
clientelismo continuam presentes. O combate à corrupção requer a criação de mecanismos que a
coíbam, garantindo que os envolvidos sejam julgados e condenados por seus atos. E isso tem sido
feito com a ajuda de funcionários públicos, promotores e juízes que não aceitam essas práticas.

A despolitização e a economia como foco


Com a ampliação das transformações produtivas e financeiras no mundo, principalmente de-
pois da década de 1980, a questão política no Brasil está cada vez mais dependente das questões
financeiras. De acordo com o sociólogo brasileiro Marco Aurélio Nogueira, a política brasileira, nos
últimos anos, resume-se a uma tentativa de controle da inflação, na qual o mercado está acima do
Estado, o econômico acima do político, o especulativo acima do produtivo e o particular acima do
geral.
Além das condições anteriormente mencionadas (clientelismo e favor), essa situação gera uma
despolitização crescente, pois a política está neutralizada e esvaziada como instrumento de mediação
entre o individual e o coletivo, campo de discussão das ideias e de projetos políticos divergentes e
em conflito. Novamente aparece um paradoxo no Brasil: houve no país nos últimos anos um grande
crescimento do eleitorado e, ao mesmo tempo, uma despolitização enorme, promovida por meca-
nismos diversos, entre eles a cooptação dos movimentos sindicais pelas instituições governamentais.

CENÁRIOS DA POLÍTICA NO BRASIL

Os “ratos” e os “queijos”... que eram feitas pelos chefões. Sua relação com seus par-
Antigamente, lá em Minas, a política era coisa séria. tidos não era ideológica. Nada tinha a ver com a inteli-
Havia dois partidos com nome registrado, programa de gência. Eles já sabiam que política não se faz com razão.
governo e tudo mais. Mas não era isso que entusiasmava Ganha não é quem tem razão. Ganha quem provoca
os eleitores. Eles não sabiam direito o nome do seu par- mais paixão. O entusiasmo que tomava conta deles era
tido nem se interessavam pelo programa de governo. O igualzinho ao entusiasmo que toma conta do torcedor
que fazia o sangue ferver era o nome do bicho e correla- no campo. [...] O que provoca o entusiasmo não é o
tos por que seu partido era conhecido. Em Lavras, os jogador. Jogadores são mercenários. Se o Real Madrid
partidos eram os “Gaviões” e as “Rolinhas”. Em Dores da oferecer um contrato vantajoso, eles dizem adeus ao Bra-
sil e se mandam para a Espanha. Tudo isso é esquecido
SOCIOLOGIA
Boa Esperança, onde nasci, eram os “Ratos” e os “Quei-
jos”. Os nomes diziam tudo. Ratos querem mesmo é co- quando o jogador entra em campo vestindo a camisa do
mer o queijo. E o queijo quer mesmo é se colocar de isca seu time. Donde vem o entusiasmo? O entusiasmo vem
na ratoeira para pegar o rato. do nome do time, vem da bandeira do time, vem da
[...] camisa do time, vem do barulhão da torcida. E quando
Como já disse, os eleitores nada sabiam dos progra- o time ganha o campeonato é aquela euforia, buzinação,
mas de governo nem prestavam atenção nas promessas foguetório, provocações.

Poder, política e Estado 41

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Naqueles tempos o entusiasmo não vinha nem da têm os seus méritos, não nego, mas a principal explica-
ideologia nem do caráter dos coronéis. O que fazia o ção é outra: os bancos detêm grande poder de mercado.
sangue ferver era o símbolo: “Eu sou Rato”, “Eu sou São poucos os setores da economia com tanto poder e
Queijo”. tanta lucratividade.
Corria o boato de que coronel Sigismundo, fazen- O sistema bancário é muito concentrado, e o grau
deiro, chefe dos “Ratos”, usava jagunços para matar seus de concentração vem aumentando. Poucos bancos detêm
desafetos. Não surtia efeito. Era mentira deslavada dos a quase totalidade dos ativos, dos depósitos e do capital.
“Queijos”. Corria o boato de que o doutor Alberto, mé- Um punhado de instituições comanda o mercado. A
dico rico, chefe dos “Queijos”, praticava a agiotagem. competição é imperfeita e limitada. Os bancos têm poder
Mentira deslavada dos “Ratos”. Os chefões, na cabeça dos de mercado [...] e conseguem impor pesadas tarifas de
eleitores, eram semideuses, padrinhos, sempre inocen- serviços bancários, especialmente aos pequenos clientes.
tes. O que dava o entusiasmo era o campeonato. Quem Conseguem também praticar taxas elevadíssimas de juro
ganharia? Os “Ratos” ou os “Queijos”? Quem ganhasse a nos empréstimos que fazem a empresas e pessoas físicas.
eleição seria o campeão, dono do poder, nomeações dos As empresas de menor porte e as pessoas físicas pagam
afilhados, até a próxima... taxas especialmente selvagens.
Mais de oitenta anos se passaram. Os nomes são [...]
outros. Mas nada mudou. Política é a mesma paixão pelo O poder econômico dos bancos é sustentado por
futebol decidindo o destino do país. Os torcedores se ampla rede de influência política e ideológica. O coman-
preparam para a finalíssima entre os “Ratos” e os “Quei- do do Banco Central, por exemplo, mantém há muito
jos”. É como era na cidadezinha de Dores da Boa Espe- tempo uma relação promíscua com o sistema financeiro.
rança, onde nasci73 anos atrás... O famigerado Copom (Comitê de Política Monetária do
ALVES, Rubem. Os “ratos” e os “queijos”... Folha de S.Paulo. São Paulo, Banco Central) é uma espécie de comitê executivo da
19 set. 2006. Cotidiano, p. C2. Disponível em: <http://acervo.folha.com.br/
fsp/2006/09/19/15>. Acesso em: 31 ago. 2012.
Febraban (Federação dos Bancos Brasileiros). Entra go-
verno, sai governo e o quadro não muda: a diretoria do
Banco Central é sempre dominada por pessoas que vêm
1 É possível comparar a política do interior de Minas Gerais de do sistema financeiro ou que para lá desejam ir. A in-
tempos atrás com o que acontece no Brasil de hoje? Por quê? fluência dos bancos se estende para outros segmentos do
Poder Executivo, como o Ministério da Fazenda. Com
2 O autor afirma que nada mudou nos últimos 80 anos. Será frequência, essas instituições conseguem obter tratamen-
que os partidos, o sistema eleitoral, as disputas e o cenário to tributário leniente e concessões de outros tipos.
político permanecem semelhantes? O que mudou e o que No Poder Legislativo, os bancos financiam campa-
não mudou durante esse período? Procure exemplos. nhas e têm a sua bancada. Na mídia, a sua presença é
sempre muito forte. A cada momento, o brasileiro inde-
feso é exposto às “teorias” e explicações dos “economis-
O poder dos bancos no Brasil
tas do mercado”, uma verdadeira legião a serviço dos
[...] interesses do sistema financeiro.
Nas economias modernas, os bancos sempre são É óbvio que interessa a qualquer economia moderna
poderosos. No Brasil, entretanto, o poder dos bancos é ter um sistema bancário sólido e lucrativo. Mas, no caso
extraordinário e já constitui há muito tempo uma agres- do Brasil, o poder dos bancos passou dos limites e está
são ao interesse público. prejudicando seriamente grande parte da economia. Se
Os balanços dos principais bancos privados e públi- o próximo governo quiser realmente colocar a economia
cos, divulgados nos últimos dias, mostraram lucros mui- em movimento, não poderá deixar de enfrentar esse pro-
to volumosos, que chegam a ser estarrecedores. Enquan- blema.
to a maior parte da economia brasileira patina na BATISTA JR., Paulo Nogueira. O poder dos bancos no Brasil.
mediocridade, enquanto a maior parte dos brasileiros Folha de S.Paulo. São Paulo, 17 ago. 2006. Brasil, p. B2. Disponível em:
vegeta na pobreza ou na miséria, os grandes conglome- <http://acervo.folha.com.br/fsp/2006/08/17/73>. Acesso em: 31 ago. 2012.

rados bancários expõem resultados exuberantes. Exube-


rantes, não. Nas circunstâncias do país, não é exagero 1 O Estado deve ter a capacidade de defender o interesse de
usar uma palavra mais forte: indecentes. todos. Isso acontece no Brasil? Quem está no poder atende
O que explica tal lucratividade? A versão benevolen- aos interesses da maioria da população?
te, que nem os porta-vozes dos bancos se animam a de-
fender com muita convicção, é que esses lucros refletem 2 De acordo com o texto, qual é a relação entre poder políti-
a sua excepcional eficiência e competência como organi- co e poder econômico?
zações empresariais. As instituições bancárias brasileiras

42 Poder, política e Estado

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TAREFA PARA CASA

1 O mandato de Fernando Collor de Mello como presidente 3 O Estado e a política podem parecer esferas sociais distantes e
da República brasileira começa em 1990. Como o primeiro desconectadas das nossas vidas. Porém, quanto mais aprende-
presidente eleito por voto popular depois de 29 anos, Collor mos sobre eles, mais percebemos como são cruciais para tudo
inicia seu governo prometendo acabar com as velhas chagas aquilo que fazemos. Como o Estado e a política influenciam
sociais do país, a inflação e a enorme desigualdade econômi- diretamente a sua vida? Dê um exemplo e explique.
ca da população. Essa é uma questão de reflexão geral sobre os capítulos da unidade.
Trata-se de um exercício de percepção da influência que o Estado e
Porém, em menos de um ano aparecem os primeiros casos de
a política exercem em nossas vidas. Aqui, o aluno tem a possibilida-
corrupção do seu governo. Uma comissão parlamentar de in- de de arregimentar todo o conhecimento adquirido e produzir uma
quérito (CPI) foi aberta na Câmara Federal para investigar o caso. reflexão bem aos moldes da imaginação sociológica, elucidando, em
Collor, diante do quadro desesperador, tomou uma atitude sua própria trajetória, os pontos de convergência com a sociedade.
intempestiva e desafiadora: convocou os brasileiros a saírem
COMPLEMENTARES
PARA PRATICAR
às ruas trajando as cores verde e amarela, em solidariedade a
ele, no domingo, 16 de agosto de 1992. O resultado foi inver- 1 (UEL, 2004)
so ao pretendido, pois muita gente foi às ruas de preto, em
“Formado nos quadros da estrutura familiar, o brasi-
sinal de protesto contra o governo.
leiro recebeu o peso das ‘relações de simpatia’, que dificul-
A partir daí, uma série de manifestações públicas tomou conta
tam a incorporação normal a outros agrupamentos. Por
do país, com impulso dado pelos estudantes secundaristas e
isso, não acha agradáveis as relações impessoais, caracterís-
universitários. Pedia-se ética na política e o impeachment de Col-
ticas do Estado, procurando reduzi-las ao padrão pessoal e
lor, medida legal para afastar o presidente da República quando
afetivo. Onde pesa a família, sobretudo em seu molde tra-
ele não cumpre a contento suas funções constitucionais.
dicional, dificilmente se forma a sociedade urbana de tipo
Em votação memorável no dia 29 de setembro de 1992, a moderno.”
Câmara Federal aprovou o afastamento de Collor da presi- Candido, Antonio. Prefácio. In: Holanda, Sérgio B. Raízes do Brasil.
dência. A sessão histórica foi assistida pela televisão em todo 10. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1976. p. XVIII.
o país. A população vibrou com o resultado e saiu para co- De acordo com o texto, a sociedade brasileira, apoiada nas
memorar pelas ruas: a pressão política sobre o Congresso foi relações de simpatia, encontra dificuldades de constituir rela-
a principal responsável pela aprovação do processo de im- ções próprias do Estado moderno. Assinale a alternativa que
peachment. indica corretamente uma das características que fundamen-
Com base nessas informações, responda: tam o Estado moderno a que se refere o autor.
a) Como foi a atuação da população brasileira no processo O sociólogo Antonio Candido afirma a dificuldade que o brasileiro,
de impeachment? educado numa estrutura familiar, com forte carga emocional e afe-
Mesmo tendo sido um impedimento de continuação do mandato tiva, tem para se situar num modelo em que imperam as relações
decidido pelo Congresso Nacional, o processo de impeachment impessoais, como as que ocorrem nas sociedades urbanas próprias
de Collor foi em boa medida um resultado da pressão popular. do Estado moderno.
Esse episódio da nossa recente história política, ocorrido pouco
depois do término da ditadura, foi crucial para a consolidação da a) Ênfase na afetividade.
democracia no Brasil. b) Uso do “favor” nas relações políticas.
c) Servilismo.
b) No primeiro parágrafo, afirma-se que Collor foi o primei- X d) Procedimento universal.
ro presidente eleito por voto popular depois de 29 anos. e) Recorrência ao expediente do “jeitinho”.
Por que a população brasileira ficou 29 anos sem ir às
urnas para escolher o presidente? 2 (UEM, 2010)
Por contraste, a partir do texto o aluno deve lembrar que a ditadu- Considerando o tema poder, política e Estado, assinale o que
ra militar, presente no Brasil entre 1964 e 1984, impôs eleições for correto.
indiretas à presidência até 1989.
SOCIOLOGIA
X 01) O Estado moderno surgiu da desintegração do mundo
2 O que falta, no seu ponto de vista, na democracia brasileira? feudal e das relações políticas dominantes até então na
O ideal é que o aluno analise: distribuição de renda, igualdade de Europa.
direitos, impunidade dos que têm recursos para obter proteção
02) Ao longo dos anos, o Estado capitalista manteve a mes-
ou prorrogar quase indefinidamente os processos, várias reformas
(tributária, política, previdenciária e outras), fragilidade da estrutura ma forma, não sendo a sua estrutura afetada pelas mu-
partidária etc. danças sociais.
X 04) É com o Estado liberal que se estabelece a separação

Poder, política e Estado 43

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entre público e privado e a noção de que não se deve com regimes democráticos.
interferir nas atividades econômicas. III. As relações pessoais entre governantes e governados in-
X 08) Após a Segunda Guerra Mundial, o bloco de países capi- viabilizaram a instauração do fenômeno democrático no
talistas propôs uma nova forma de organização estatal: o país com a mesma solidez verificada nas nações que ado-
Estado de bem-estar social. taram o liberalismo clássico.
X 16) O Estado neoliberal é produto das mudanças socioeco- IV. A cordialidade, princípio da democracia, possibilitou que
nômicas ocorridas nos anos 70, e seus adeptos defendem se enraizassem, no país, práticas sociais opostas aos prin-
a ideia de um Estado mínimo. cípios do clientelismo político.
A somatória correta é . (01 + 04 + 08 + 16 = 29) Assinale a alternativa correta.
O teste faz uma revisão dos elementos que constituem os diferentes a) Somente as afirmativas I e II são corretas.
tipos de Estado.
X b) Somente as afirmativas I e III são corretas.
3 (UEM, 2010) c) Somente as afirmativas III e IV são corretas.
Considerando os seus conhecimentos sobre a formação do d) Somente as afirmativas I, II e IV são corretas.
Estado e as transformações ocorridas, principalmente no Es- e) Somente as afirmativas II, III e IV são corretas.
tado brasileiro, assinale a(s) alternativa(s) correta(s). Além de estabelecermos com facilidade relações pessoais em que
X 01) Os regimes democráticos contemporâneos têm como deveria predominar um relacionamento respeitoso da hierarquia,
mantemos forte ligação com atitudes paternalistas que não condi-
um de seus principais requisitos a liberdade de organiza- zem com o procedimento universal, mais adequado ao conceito de
ção partidária. democracia.
X 02) Partidos políticos são associações de indivíduos com a
5 (UEM, 2010)
finalidade de disputar eleições e, por esse meio, colocar
os seus membros no poder. Leia abaixo um resumo das conclusões apresentadas pela
X 04) Entre 1964 e 1984, o Estado brasileiro foi classificado pesquisadora Mayla Di Martino em relação ao perfil do po-
como uma “república de generais”, pois, com o golpe mili- lítico brasileiro.
tar, todas as eleições diretas para os cargos de governador “‘Para ocupar uma cadeira no Legislativo Nacional é
e presidente foram suspensas. preciso ter entrado no jogo da política e ter tido algum
08) O sistema bipartidário jamais foi adotado na república sucesso nele. É preciso se tornar um profissional, ter ven-
brasileira, a qual se constituiu ora de regimes multipar- cido eleições ou ter assumido cargos políticos indicados’,
tidários ora de regimes que aboliram completamente a afirma a pesquisadora. Nos últimos 15 anos, segundo ela,
organização de partidos políticos. os chamados novatos que entraram na Câmara dos Depu-
16) Os sindicatos e os movimentos sociais de trabalhadores tados venceram, em média, anteriormente pelo menos
jamais conseguiram organizar-se na história política brasi- duas eleições para outros cargos políticos e 80% deles ti-
leira, por meio de partidos políticos. veram algum tipo de experiência política prévia.”
A somatória correta é . (01 + 02 + 04 = 07) Aguiar, Joselia. Deputado Profissional. Revista Pesquisa Fapesp,
edição 169, mar. 2010. Disponível em: <http://revistapesquisa.fapesp.
A existência e o bom funcionamento de eleições livres, de partidos br/?art=4077&bd=1&pg+1&lg=>.
políticos, de sindicatos e de movimentos sociais são componentes do Acesso em: nov. 2013.
estado democrático que só por golpe são abolidos.
Tendo como referência os resultados acima apresentados e
4 (UEL, 2011) seus conhecimentos sobre as relações de poder no Brasil, as-
Leia o texto a seguir. sinale o que for correto.
Na verdade, a ideologia impessoal do liberalismo de- 01) O parlamento brasileiro é composto em grande parte
mocrático jamais se naturalizou entre nós. Só assimilamos por políticos sem nenhuma experiência prévia na política.
efetivamente esses princípios até onde coincidiram com a 02) Cantores, pastores, atores e apresentadores de TV têm
negação pura e simples de uma autoridade incômoda, con- maior chance de eleição, ao concorrerem para uma vaga
firmando nosso instintivo horror às hierarquias e permi- na Câmara dos Deputados, do que os chamados políticos
tindo tratar com familiaridade os governantes. profissionais.
Holanda, S. B. de. Raízes do Brasil. São Paulo: X 04) A presença de legisladores sem tradição política na Câ-
Companhia das Letras, 1995. p. 160. mara dos Deputados não é o padrão dos processos mais
O trecho de Raízes do Brasil ilustra a interpretação de Sérgio regulares da política brasileira.
Buarque de Holanda sobre a tradição política brasileira. X 08) Para ter sucesso no mundo da política, é necessário acu-
A esse respeito, considere as afirmativas a seguir. mular experiência em cargos diversificados e estabelecer
I. As mudanças políticas no Brasil ocorreram conservando relações com as políticas locais.
elementos patrimonialistas e paternalistas que dificultam 16) Os processos políticos brasileiros restringem completa-
a consolidação democrática. mente as eleições de novatos para cargos políticos de alto
II. A política brasileira é tradicionalmente voltada para a re- escalão, como a Câmara dos Deputados.
cusa das relações hierárquicas, as quais são incompatíveis

44 Poder, política e Estado

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A somatória correta é . (04 + 08 =12) se desdobra de maneira evidente na criminalidade, que
A formação do político brasileiro, em sua imensa maioria, é feita está presente em todos os redutos – seja nas áreas abando-
por meio do próprio exercício em cargos públicos não necessaria- nadas pelo poder público, seja na política ou no futebol.
mente obtidos por eleições, mas fruto de nomeações. Assim, é O brasileiro não é mais violento do que outros povos, mas
muito raro alguém, sem o mínimo de experiência na vida pública,
conseguir ser eleito. a fragilidade do exercício e do reconhecimento da cidada-
nia e a ausência do Estado em vários territórios do país se
6 (ENEM, 2011) impõem como um caldo de cultura no qual a agressivida-
Embora o Brasil seja signatário de convenções e tra- de e a violência fincam suas raízes.
tados internacionais contra a tortura e tenha incorporado Entrevista com Joel Birman. A corrupção é um crime sem rosto.
em seu ordenamento jurídico uma lei tipificando o crime, IstoÉ. Edição 2099. 3 fev. 2010.
ele continua a ocorrer em larga escala. Mesmo que a lei Texto 2
que tipifica a tortura esteja vigente desde 1997, até o ano Nenhuma sociedade pode sobreviver sem canalizar as
2000 não se conhece nenhum caso de condenação de tor- pulsões e emoções do indivíduo, sem um controle muito
turadores julgado em última instância, embora tenham específico de seu comportamento. Nenhum controle desse
sido registrados nesse período centenas de casos, além de tipo é possível sem que as pessoas anteponham limitações
numerosos outros presumíveis, mas não registrados. umas às outras, e todas as limitações são convertidas, na
Disponível em: <http://www.dhnet.org.br>. Acesso em: nov. 2013 (adaptado). pessoa a quem são impostas, em medo de um ou outro tipo.
ELIAS, N. O processo civilizador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993.
O texto destaca a questão da tortura no país, apontando que
a) a justiça brasileira, por meio de tratados e leis, tem conse- Considerando-se a dinâmica do processo civilizador, tal
guido inibir e, inclusive, extinguir a prática da tortura. como descrito no Texto II, o argumento do Texto I acerca da
X b) a existência da lei não basta como garantia de justiça para violência e agressividade na sociedade brasileira expressa a
as vítimas e testemunhas dos casos de tortura. a) incompatibilidade entre os modos democráticos de con-
c) as denúncias anônimas dificultam a ação da justiça, impe- vívio social e a presença de aparatos de controle policial.
dindo que torturadores sejam reconhecidos e identifica- b) manutenção de práticas repressivas herdadas dos perío-
dos pelo crime cometido. dos ditatoriais sob a forma de leis e atos administrativos.
d) a falta de registro da tortura por parte das autoridades c) inabilidade das forças militares em conter a violência de-
policiais, em razão do desconhecimento da tortura como corrente das ondas migratórias nas grandes cidades brasi-
crime, legitima a impunidade. leiras.
Criam-se muitas leis com grande facilidade no Brasil, mas poucas X d) dificuldade histórica da sociedade brasileira em institucio-
vingam. Fica claro que não é suficiente termos uma rigorosa le-
nalizar formas de controle social compatíveis com valores
gislação, sobretudo no caso da tortura praticada por profissionais
da própria polícia no exercício de suas funções de interrogar, es- democráticos.
clarecer crimes e encaminhar culpados à justiça. É indispensável e) incapacidade das instituições político-legislativas em for-
haver vontade política para o cumprimento dessas leis. mular mecanismos de controle social específicos à reali-
e) a justiça tem esbarrado na precária existência de juris- dade social brasileira.
prudência a respeito da tortura, o que a impede de atuar O sociólogo Norbert Elias, autor de A sociedade dos indivíduos,
nesses casos. obra comentada na Unidade 1, defende o controle do comporta-
mento dos indivíduos para a sobrevivência da sociedade. O psi-
7 (ENEM, 2012) quiatra e professor de Psicologia na UFRJ, Joel Birman, analisa
a atual situação de agressividade e violência social quase gene-
Texto 1 ralizada no país como fruto de falhas dos brasileiros, que não se
O que vemos no país é uma espécie de espraiamento sentem reconhecidos como cidadãos, e do Estado, que é histori-
e a manifestação da agressividade através da violência. Isso camente omisso em ações de controle do comportamento social.

ANOTAÇÕES

SOCIOLOGIA

Poder, política e Estado 45

book-SESI_EM_SOC_2SERIE.indb 45 21/11/16 18:47


O SIS
Até 196
transita
daquele
migrara
fugas e
conside

CONEXÃO DE SABERES adminis


muro, m
pesado
tinham
qualque
relativos
ALEX SILVA

O MURO DE BERLIM Exten


Construído em 1961, no contexto da Guerra Fria, o Muro de Berlim deixou a porção ocidental da cidade isolada dentro dividia
de um país considerado inimigo. O histórico e as características do muro exemplificam as formas de atuar do Estado Altura
autoritário e os mecanismos que este utiliza para suprimir os direitos civis e manter os indivíduos sob constante vigilância. Torres
Cães:
A GUERRA FRIA
No ano de 1989, Berlim
O Muro de Berlim é fruto e símbolo Oriental tinha cerca de
da Guerra Fria. Duas declarações, 1,2 milhão de habitantes
bastante anteriores à construção e uma área de 409 km²
do muro, ajudam a esclarecer seus que correspondia ao setor
principais significados. ocupado pelos soviéticos
Em 5 de março de 1946, em ao final da Segunda
discurso feito nos Estados Unidos, Guerra. Essa metade leste
Churchill alertou: de Berlim era a capital
Desde Stettin, no [mar] Báltico, até da República Democrática
Trieste, no [mar] Adriático, uma cortina da Alemanha (RDA), ou
de ferro desceu sobre o continente Alemanha Oriental.
europeu. Atrás dessa linha [...]
famosas cidades e suas populações
estão sob o que devo chamar de esfera
soviética, e todas elas sujeitas, não O local

NASA/GSFC/MIT/ERSDAC/JAROS, and U.S. Japan ASTER Science Team


apenas à influência soviética, mas visto ac
também a fortíssimas [...] medidas de complet
segurança de Moscou. Segund
Disponível em: <http://www.nato.int/docu/s- notoried
peech/1946/ a turnê
s460305a_e.htm>. Acesso em: 11 abr. 2013. show ne
Texto traduzido pelo autor. comem

No mesmo ano, Stálin, em uma


entrevista ao jornal russo Pravda, A metade oeste da cidade, chamada de Berlim
replicou o comentário de Churchill: Ocidental, correspondia aos setores ocupados por
Como resultado da invasão alemã, França, Inglaterra e Estados Unidos após a Segunda
a União Soviética teve perdas humanas Guerra. Oficialmente sua administração estava a
algumas vezes maiores do que a cargo dos Aliados Ocidentais até a fundação da
Bretanha e os Estados Unidos juntos. República Federal Alemã, com capital Bonn, em 1949.
[...] Reunificada em 1990, Berlim recuperou seu status de
Alguém pode perguntar, portanto, capital alemã. Na época da reunificação, a metade
o que há de tão surpreendente no fato ocidental de Berlim tinha aproximadamente 450 km²
de a União Soviética, desejando e população de quase 2 milhões de habitantes.
garantir sua segurança futura, tentar
conseguir que esses países tenham Berlim: imagem captada por satélite em 2002.
O traçado
governos cujas relações com a União Checkpoint Charlie é como ficou em amarelo
Soviética sejam leais? representa o
conhecido um posto de controle do
Disponível em: <http://www.fordham.edu/hal- O Portã
Muro de Berlim pelo qual podiam Muro de Berlim.
sall/mod/ séculos
1946stalin.html>. Acesso em: 11 abr. 2013. transitar militares e diplomatas. Nesse fiscais d
Texto traduzido pelo autor. local, como registra a fotografia ao lado, era um p
tanques soviéticos e estadunidenses se berlinen
A explicação oficial da Alemanha Oriental
para a construção do muro era proteger os postaram frente a frente em outubro de que fech
cidadãos alemães e todo o bloco socialista 1961. O perigoso confronto foi sustado a ser de
da influência de Berlim Ocidental, além de por um acordo entre os governantes presiden
impedir que houvesse deserções. das duas superpotências. discursa
DPA/ AFP

46 Poder, política e Estado

book-SESI_EM_SOC_2SERIE.indb 46 21/11/16 18:47


O
O SISTEMA
SISTEMA DE
DE SEGURANÇA
SEGURANÇA HISTÓRICO
HISTÓRICO
Até
Até 1961,
1961, os
transitar
os habitantes
transitar entre
habitantes de
entre os
os setores
setores e,
de Berlim
Berlim podiam
e, com
podiam
com isso,
isso, muitos
muitos
1945
OO tratado
tratado de
de Potsdam
Potsdam divide
divide

Alex Silva
daqueles
daqueles que que habitavam
habitavam oo setor
setor oriental
oriental
migraram
migraram parapara oo ocidental.
ocidental. Para
Para impedir
impedir as
as aa Alemanha
Alemanha em em quatro
quatro zonas
zonas
fugas
fugas ee oo contato
contato com
com ideias
ideias ee mercadorias
mercadorias de
de ocupação
ocupação controladas
controladas pelos
pelos
consideradas
consideradas perniciosas
perniciosas pelopelo regime,
regime, aa aliados
aliados França,
França, Inglaterra,
Inglaterra,
administração
administração comunista
comunista construiu
construiu não
não só
só um
um Estados
Estados Unidos
Unidos ee União
União
muro,
muro, mas
mas uma
uma complexa
complexa barreira
barreira com
com um
um Soviética.
Soviética. A
A cidade
cidade de
de
pesado
pesado sistema
sistema dede segurança,
segurança, com com guardas
guardas que
que Berlim
Berlim também
também éé dividida.
dividida.
tinham
tinham ordem
ordem dede atirar
atirar para
para matar
matar no
no caso
caso de
de
qualquer
qualquer tentativa
tentativa de
de travessia.
travessia. Veja
Veja alguns
alguns dados
dados
relativos
relativos ao
ao muro.
muro.

Extensão:
Extensão: 155155 km,
km, sendo
sendo que
que 43
43 km
km
dividiam
dividiam aa cidade
cidade de
de Berlim.
Berlim.
1949
Altura:
Altura: 3,6
3,6 m,
m, apenas
apenas oo muro
muro de
de concreto.
concreto.
Fundação
Fundação da da República
República
Torres
Torres de
de vigilância:
vigilância: 302,
302, além
além de 20 bunkers.
de 20 bunkers. Federal
Federal Alemã,
Alemã, com
com aa retirada
retirada
Cães:
Cães: 259.
259. das
das tropas
tropas dede ocupação
ocupação dosdos Número
Número de de mortos
mortos nana
Estados
Estados Unidos,
Unidos, França
França ee tentativa
tentativa dede travessia:
travessia:
Grã-Bretanha.
Grã-Bretanha. Fundação
Fundação da da oficialmente, 136,, mas
oficialmente, mas
República
República Democrática
Democrática Alemã
Alemã
estima-se
estima-se queque 256 pessoas
pessoas
no
no território
território dominado
dominado
foram
foram mortas
mortas aoao tentar
tentar
pelos
pelos soviéticos.
soviéticos.
atravessar
atravessar ouou em
em
algum
algum incidente
incidente com
com
os
os guardas
guardas dodo muro.
muro.
Número
Número de de pessoas
pessoas queque
conseguiram
conseguiram cruzar
cruzar oo muro:
muro:
1945-1961 5 mil aproximadamente.
aproximadamente.
Milhões
Milhões de
de pessoas
pessoas migram
migram
mm da
da
Alemanha
Alemanha Oriental
Oriental para erlim
erlim
para Berlim
Berlim
Ocidental
Ocidental ee demais
demais regiões ss da
regiões da
AFP

Alemanha
Alemanha Ocidental.
Ocidental. Em
Em
OO local
local conhecido como Potsdamer
conhecido como Potsdamer Platz,
Platz, agosto
agosto de
de 1961,
1961, oo governo
governo
NASA/GSFC/MIT/ERSDAC/JAROS, and U.S. Japan ASTER Science Team

visto
visto acima
acima em
em fotografia
fotografia de
de 1961,
1961, foi
foi soviético
soviético ordena ção
ção
ordena aa construção
construção
completamente
completamente devastado
devastado durante
durante aa do
do Muro
Muro dede Berlim.
Berlim.
Segunda
Segunda Guerra,
Guerra, oo que
que lhe
lhe deu
deu uma
uma triste
triste
notoriedade.
notoriedade. OO músico
músico Roger
Roger Waters
Waters iniciou
iniciou
aa turnê
turnê de
de seu
seu álbum
álbum “The
“The Wall”
Wall” com
com um um
show
show nessa
nessa praça
praça em
em 1990,
1990, como
como
comemoração
comemoração àà reunificação
reunificação da
da Alemanha.
Alemanha.
1987
O
O presidente
presidente estadunidense
estadunidense
se
se

DPA/ AFP
Ronald
Ronald Reagan,
Reagan, durante
durante
as
as comemorações
comemorações dos dos 750
750
00
anos
anos da
da cidade
cidade de
de Berlim,
Berlim,
Corpo
Corpo dede Peter
Peter Flech,
Flech, trabalhador
trabalhador
Roberto Pfeil/AP Photo/Glow Images

desafia
desafia oo Secretário-Geral
Secretário-Geral
baleado
baleado ee morto
morto por
por um
um guarda
guarda
do
do Partido
Partido Comunista
Comunista em
em 1968,
1968, quando
quando tentava
tentava
Soviético,
Soviético, Mikhail
Mikhail Gorbatchev:
Gorbatchev:
hev:
hev: cruzar
cruzar oo muro.
muro.
“Senhor
“Senhor Gorbatchev,
Gorbatchev,
derrube
derrube este
este muro!”.
muro!”.

1989
OO Portão
Portão de de Brandemburgo,
Brandemburgo, durante durante OO processo
processo dede insatisfação
insatisfação que
que
séculos,
séculos, foi
foi oo principal
principal ponto
ponto de de cobranças
cobranças culminou
culminou com
com aa derrubada
derrubada do do
fiscais
fiscais de
de Berlim.
Berlim.Após
Após aa Segunda
Segunda Guerra,
Guerra, muro
muro não
não foi
foi linear,
linear, nem
nem SOCIOLOGIA
era
era um
um ponto
ponto de de passagem
passagem livre
livre para
para os
os homogêneo.
homogêneo. Mas Mas oo dia
dia 99 de
de
berlinenses
berlinenses do do ocidente.
ocidente. O
O trecho
trecho dodo muro
muro novembro
novembro de de 1989,
1989, emem razão
razão
que
que fechou
fechou aa passagem
passagem foifoi um
um dos
dos primeiros
primeiros das
das manifestações
manifestações que que
aa ser
ser derrubado
derrubado em em 1989.
1989. Na
Na fotografia,
fotografia, oo puseram
puseram abaixo
abaixo diversas
diversas partes
partes
presidente
presidente estadunidense
estadunidense Ronald
Ronald Reagan
Reagan do
do muro,
muro, foi
foi estabelecido
estabelecido comocomo
discursa
discursa nono local
local em
em 1987.
1987. aa data
data de
de sua
sua queda.
queda.

Poder, política e Estado 47

book-SESI_EM_SOC_2SERIE.indb 47 21/11/16 18:47


LEITURAS E ATIVIDADES
PARAPARA REFLETIR
PRATICAR 1 O dramaturgo alemão Bertolt Brecht (1898-1956) descreve
em poucas palavras o analfabeto político e as consequên-
cias de sua postura. Cite exemplos de situações e atitudes
O analfabeto político
que possam caracterizar o analfabetismo político.
O pior analfabeto é o analfabeto político.
Ele não ouve, não fala, nem participa dos aconteci- 2 É possível viver em sociedade sem nenhum tipo de partici-
mentos políticos. pação política? Explique sua resposta.
Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, 3 Cite possíveis formas de participação política além do ato
do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do de votar ou ser votado.
remédio
dependem das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro que se orgulha Democracia e o voto
e estufa o peito dizendo que odeia a política.

LAERTE, 2007
Não sabe o imbecil que da sua ignorância política
nasce a prostituta,
o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos
que é o político vigarista,
pilantra, o corrupto e lacaio dos exploradores do
povo. 1 “Um homem, um voto — e a maioria decide.” Essa definição
vale para a democracia atual?
BRECHT, Bertolt. O analfabeto político. Apud: CITELLI, Adilson. Bertold
Brecht: comunicação, poesia e revolução. Comunicação & Educação, ano XII, 2 O modelo da democracia ocidental seria adequado para
n. 2, maio-ago. 2007. Disponível em: <www.revistas.univerciencia.org/index. organizar politicamente as várias sociedades existentes no
php/comeduc/article/viewFile/7101/6402>. Acesso em: 31 ago. 2012.
mundo, apesar da grande diversidade que se observa entre
elas?

praticada pelos políticos, à moda deles, focada na con-


PARA ORGANIZAR O CONHECIMENTO
quista e no manejo do poder. A política como atividade
O texto a seguir foi extraído da exposição feita pelo dos cidadãos — como luta por direitos, como interesse
sociólogo Marco Aurélio Garcia em um seminário sobre cívico, vontade de participar e interferir na tomada de
reforma política realizado na cidade de São Paulo em decisões, como preocupação com a vida comum e a boa
2010. Leia-o e procure discutir as questões propostas. sociedade —, essa não padece do mesmo mal, nem se
ressente de falta de prestígio, embora esteja despojada
Mais política dos cidadãos de potência e efetividade. […]
No mundo do capitalismo globalizado e da moder- […] No mundo social fragmentado, individualizado
nidade radicalizada, a política também parece destinada e meio fora de controle em que se vive, é muito mais
a girar em falso, a mostrar pouca eficácia e a produzir lógico participar e defender interesses do que se fazer
mais problemas que soluções, fato suficiente para que representar. A vontade de participar — de “agir”, de se
seja vista, pelos cidadãos, como um ônus, um mal ne- “movimentar” — tem a cara da modernidade turbinada
cessário. Ela está gravemente posta em xeque pela vida dos dias atuais.
e pelas disposições éticas hoje prevalecentes. […]
Há vários aspectos a serem considerados nessa dis- É na estrada da participação que estão as maiores
cussão. Primeiro: não é a política como um todo que está esperanças de recomposição social e recuperação da po-
vazia, sem consensos e com pouca legitimidade. O que lítica. Se a vontade de participar for devidamente politi-
está em estado de sofrimento é a política institucionali- zada — isto é, se a luta em defesa de direitos e a dispo-
zada — os sistemas, as regras, a organização da demo- sição participativa das pessoas forem vinculadas a um
cracia, as leis, os partidos — e mais ainda aquilo que desenho de vida coletiva — isso não somente dará corpo
podemos chamar de “política dos políticos”, qual seja, e consistência à democracia, como também “regenerará”

48 Poder, política e Estado

book-SESI_EM_SOC_2SERIE.indb 48 21/11/16 18:47


a representação. […] Precisamos, em suma, de mais também examina as relações entre a sociedade civil e o
“política dos cidadãos” e menos “política dos políticos”. Estado, as questões educacionais e trabalhistas e os perío-
[…] dos ditatoriais e democráticos.
GARCIA, Marco Aurélio. A reforma política, entre a expectativa e o O que é política, de Wolfgang Leo

EDITORA BRASILIENSE
silêncio. In: Governo do Estado de São Paulo. Fundação do Desenvolvimento
Maar. São Paulo: Brasiliense.
Administrativo. Políticas Públicas em Debate.
Ciclo de Seminários. Seminário Reforma Política. São Paulo, 10 ago. 2010. A política permeia diferentes
Disponível em:<www.fundap.sp.gov.br/debatesfundap/pdf/16_seminario/ dimensões da vida social: falamos
apres_marco_aurelio.pdf>. Acesso em: 31 ago. 2012..
em política estudantil, política
econômica, política da Igreja, en-
1 Qual é a relação entre o texto citado acima e o texto e a tre tantas outras, sem contar as
charge apresentados na seção “Para refletir”? vezes que nos referimos aos políti-
cos, à politicagem, ou classifica-
2 É possível relacionar os dois textos com a política atual? mos uma ação como atitude polí-
Exemplifique. tica. Nesse livro, o professor Wolfgang Leo Maar constrói
um painel elucidativo da atividade política na história,
desde a Antiguidade clássica até o Estado moderno.
PARA
PARA PESQUISAR
PRATICAR
Política: quem manda, por que

EDITORA OBJETIVA
Junte-se a alguns colegas e reúnam informações, manda, como manda, de João
por meio de textos, fotos ou gravações, sobre as propos- Ubaldo Ribeiro. Rio de Janeiro: Objeti-
tas de diferentes partidos políticos envolvendo os se- va.
guintes temas: política ambiental, segurança pública, Utilizando uma linguagem
política educacional, serviços de saúde e transporte co- clara, esse livro aborda temas da e
letivo. sobre a política. Trata de questões
Vocês podem pesquisar em jornais, revistas ou nos práticas e mostra como a vida co-
sites dos partidos. Se possível, conversem sobre esses tidiana é permeada pela política.
assuntos diretamente com representantes (vereadores,
prefeitos, deputados estaduais ou federais e senadores) Política pra quê? Atuação partidá-
EDITORA ATUAL

ou militantes dos partidos políticos. ria no Brasil contemporâneo de


Getúlio a Dilma, de Marcelo Ridenti.
A apresentação do resultado da pesquisa pode ser São Paulo: Atual.
feita em um painel. De modo simples e acessível,
o autor examina os acontecimen-
LIVROS RECOMENDADOS
PARA PRATICAR tos da história recente do Brasil e
A democracia, de Renato Janine
do mundo. Aborda as principais
PUBLIFOLHA

Ribeiro. São Paulo: Publifolha. perspectivas sociológicas (marxis-


Nesse pequeno livro, o filósofo e ta, positivista e weberiana) empre-
professor Renato Janine Ribeiro faz gadas na análise da política em
uma revisão da ideia de democracia seus vários aspectos. Além disso,
ao longo da história, desde a expe- analisa a atuação dos partidos e movimentos políticos no
riência ateniense até o ideal moderno Brasil a partir de 1945.
de democracia representativa, escla-
recendo o significado desse termo em SUGESTÃO
PARA DE FILMES
PRATICAR
diferentes contextos históricos.
A revolução dos bichos (EUA, 1999).
As possibilidades da política. Direção: John Stephenson.
DIREÇÃO DE JOHN STEPHENSON

Ideias para a reforma democrática


EDITORA PAZ E TERRA

Baseado no romance A revo-


do Estado, de Marco Aurélio Noguei-
ra. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998. lução dos bichos, de George Or-
well (autor do livro 1984), o filme
SOCIOLOGIA
Quais são as mudanças sociais
e políticas necessárias para viabilizar é uma alegoria crítica aos regimes
uma democracia efetiva no país? totalitários e às desigualdades do
Elas são possíveis? Refletindo sobre sistema capitalista e do socialismo
essas questões, o autor analisa a po- soviético. A trama se desenvolve
lítica brasileira desde a década de em uma pequena propriedade ru-
1930 até o final do século XX. Ele ral, onde animais se revoltam con-
tra o fazendeiro que os explora. Os bichos organizam

Poder, política e Estado 49

book-SESI_EM_SOC_2SERIE.indb 49 21/11/16 18:47


então uma granja com regras de convivência solidária e sem opressão. Entretanto, pou-
co a pouco, essa realidade vai se transformando em algo inesperado.
Gerente editorial: M. Esther Nejm
Mera coincidência (Estados Unidos, 1997). Direção: Barry Levinson.
DIREÇÃO DE BARRY LEVINSON/PLAYARTE

Editor responsável: Glaucia Teixeira M. Thomé


Esse filme é uma sátira da política praticada nos Estados Coordenador de revisão: Camila Christi Gazzani
Revisores: Cesar G. Sacramento, Eduardo Sigrist, Elza
Unidos nos últimos anos. Na trama, a 11 dias da eleição pre- Gasparotto, Felipe Toledo
sidencial uma jovem acusa o presidente estadunidense de tê-la Coordenador de iconografia: Cristina Akisino
Pesquisa iconográfica: Cesar Atti
assediado sexualmente. Um profissional de marketing é in- Licenciamento de textos: Érica Brambila
cumbido de desviar a atenção da mídia do escândalo sexual. Gerente de artes: Ricardo Borges
Ele resolve, então, inventar uma ameaça de guerra contra a Coordenador de artes: José Maria de Oliveira
Produtor de artes: Narjara Lara
Albânia e contrata um produtor de cinema para produzir as
Assistentes: Jacqueline Ortolan, Paula Regina Costa
imagens da guerra fictícia e manipular a imprensa. de Oliveira
Ilustrações: Alex Silva, Luigi Rocco, Rogerio Soud
Cartografia: Mario Yoshida, Portal de Mapas
Tratamento de imagens: Emerson de Lima
DIREÇÃO DE STEVEN SPIELBERG

Minority report (EUA, 2002). Direção: Steven Spielberg. Produtor gráfico: Robson Cacau Alves
Projeto gráfico de miolo: Daniela Amaral,
Esse filme, baseado em um conto do escritor Philip K. Talita Guedes
Dick, também autor de Blade runner, está ambientado no ano Colaboraram para esta Edição do Material:
de 2054, na cidade de Washington (Estados Unidos). A socie- Projeto Sistema SESI de Ensino
Gestão do Projeto: Thiago Brentano
dade vive, então, sob extremo controle, e os crimes são puni- Coordenação do Projeto: Cristiane Queiroz
dos antes de ser cometidos. Pessoas superdotadas fazem pre- Coordenação Editorial: Simone Savarego, Rosiane
Botelho e Valdete Reis
visões que levam às prisões. O controle da violência, antes
Revisão: Juliana Souza
mesmo de ser praticada, tem alto custo para a liberdade dos Diagramação: Lab 212
indivíduos e a possibilidade de defesa. Capa: Lab 212
Ilustrações de capa: Aurielaki/Golden Sikorka/
Sentavio/Macrovector/Shutterstock
V de Vingança (Estados Unidos, 2005). Direção: James McTeigue. Consultores
WARNER BROS./SILVER PICTURES/ANARCHOS
PRODUCTIONS INC./VIRTUAL STUDIOS

V de Vingança tem como cenário a sociedade inglesa num Coordenação: Dr. João Filocre
Sociologia: Dra. Vera Alice Cardoso da Silva
futuro próximo. A população, vigiada e temerosa, é submetida SESI DN
a uma estrutura política autoritária e policialesca que procura Superintendente: Rafael Esmeraldo Lucchesi
Ramacciotti
manter a ordem a qualquer custo. Um homem, V, desenvolve Diretor de Operações: Marcos Tadeu de Siqueira
ações concretas visando destruir o regime totalitário que do- Gerente Executivo de Educação: Sergio Gotti
mina o país. Quais são seus planos para mobilizar a população Gerente de Educação Básica: Renata Maria Braga
dos Santos
em torno de seus objetivos? Uma trama muito bem montada
que incita a reflexão sobre as possibilidades de ação política Todos os direitos reservados por SOMOS Educação S.A.
Avenida das Nações Unidas, 7221
num mundo quase totalmente controlado. Pinheiros – São Paulo – SP
CEP: 05425-902
DIREÇÃO DE EDUARDO ESCOREL E JOSÉ JOFFILY

(0xx11) 4383-8000
Vocação do poder (Brasil, 2005). Direção: Eduardo Escorel e José © SOMOS Sistema de Ensino S.A.
Joffily.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Esse documentário apresenta a campanha de seis candi- (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
datos a vereador nas eleições de 2004 no Rio de Janeiro. A Tomazi, Nelson Dacio
Sistema de ensino ser : sociologia : 2º ano :
produção do filme acompanhou todo o processo eleitoral: as professor / Nelson Dacio Tomazi. — 3. ed. — São
convenções partidárias, a panfletagem nas ruas, a apuração Paulo : Ática, 2017.

dos votos e a reação dos eleitos e dos derrotados. Por meio 1. Sociologia (Ensino médio) I. Título.

desse filme, percebe-se o distanciamento entre o eleitor e o 16-08240 CDD-301


eleito. Índices para catálogo sistemático:
1. Sociologia : Ensino médio 301
2016
ISBN 978 85 08 18422 4 (AL)
ANOTAÇÕES ISBN 978 85 08 18423 1 (PR)
3ª edição
1ª impressão

Impressão e acabamento

Uma publicação

50 Poder, política e Estado

book-SESI_EM_SOC_2SERIE.indb 50 21/11/16 18:47


SOCIOLOGIA
Nelson Dacio Tomazi

DIREITOS, CIDADANIA E MOVIMENTOS SOCIAIS


1 Direitos e cidadania . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
Direitos para todos? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .5
Direitos civis, políticos e sociais . . . . . . . . . . . . . . . . . . .6
Cidadania hoje. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .7
2 Os movimentos sociais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
Confrontos e parcerias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .13
O recurso da greve. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .14
Os movimentos sociais contemporâneos . . . . . . . . . . . .15
3 Direitos e cidadania no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
Uma sociedade com direitos para poucos . . . . . . . . . . .23
A cidadania regulada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .24
Os direitos cassados e a volta da cidadania . . . . . . . . .25
Cidadania hoje. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .26
4 Os movimentos sociais no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . 30
Período colonial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .30
Período monárquico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .31
Período republicano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .33
Conexão de saberes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
Leituras e atividades. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
2137658 (PR)

book-SESI_EM_SOC_2SERIE.indb 1 21/11/16 18:48


MÓDULO
Direitos, cidadania e
movimentos sociais
MAURICIO RUMMENS/FOTOARENA

Direitos, cidadania e movimentos sociais são temas frequentes nos pro-


nunciamentos e conversas de empresários brasileiros ou estrangeiros,
governantes e políticos de diferentes partidos, estudantes, trabalha-
dores e membros das camadas da sociedade que enfrentam as piores
condições de vida. Qual o significado desses temas para indivíduos per-
tencentes a grupos tão distintos?

A ideia de cidadania está relacionada ao surgimento do Estado


moderno e à expectativa de que este garanta os direitos essenciais dos
cidadãos em determinado território. A conquista, a manutenção e a
ampliação desses direitos dependem das ações dos indivíduos e dos
grupos que lutam por seus interesses por meio dos movimentos sociais.
Esse é o assunto desta unidade.

book-SESI_EM_SOC_2SERIE.indb 2 21/11/16 18:48


Ato em 2012, na cidade de São Paulo, em solidariedade ao povo Guarani-Kaiowá, que
teve suas terras ameaçadas por leis que beneficiariam pecuaristas.

book-SESI_EM_SOC_2SERIE.indb 3 21/11/16 18:48


CAPÍTULO

1 Direitos e cidadania

Veja, no Guia do Professor, o quadro de competências e habilidades desenvolvidas neste módulo.

Objetivos: Direitos de todos, das mulheres, dos negros, das crianças, dos adolescentes, do consumidor, dos
idosos… Há várias leis e decretos que os traduzem. Mas de que adianta haver tantas leis e decretos se
c Possibilitar uma visão não forem respeitados? Os direitos básicos dos cidadãos devem ser garantidos pelo Estado. Vamos
geral e introdutória dos ver como a relação entre direitos e cidadania foi tratada na história das sociedades.
temas relativos aos Alguns povos da Antiguidade tiveram suas normas e leis registradas por escrito. As leis dos
direitos e à cidadania. babilônios, por exemplo, foram registradas no Código de Hamurábi, no século XVIII a.C., e as normas
c Identificar e
que regiam a vida dos gregos de Atenas estavam contidas nas leis de Clístenes, elaboradas no século
Reconhecer a
VI a.C. As leis babilônicas reforçavam o poder do Estado e as atenienses definiam as instituições da
questão dos direitos democracia. Nenhuma delas, porém, tratava dos direitos humanos, cuja história é bem mais recente.
e sua relação com a Foi somente a partir do século XIII, na Inglaterra, que se criaram as primeiras cartas e estatu-
cidadania. tos que asseguravam alguns desses direitos: a Magna Carta (1215-1225), por exemplo, protegia os
homens livres e a Petition of Rights (1628) requeria o reconhecimento de direitos e liberdades para
os súditos do rei. A mais importante das “cartas de direitos”, porém, foi a Bill of Rights (1689), que
tornava a monarquia constitucional, submetendo-a à soberania popular. Cabe destacar ainda o Act
of Settlement (1707), que completava o conjunto de limitações ao poder monárquico, e o Habeas
Corpus Amendment Act (1769), que anulava as prisões arbitrárias. Todos esses atos eram dirigidos
apenas às pessoas nascidas na Inglaterra.
No século XVIII, quando as colônias inglesas da América do Norte se tornaram independen-
tes, foram elaborados alguns documentos importantes, como a Declaração de Direitos da Virgínia
(1776) e a Constituição de 1787. Nesse mesmo ano, foram ratificadas as dez primeiras emendas à
Constituição estadunidense, que determinavam os limites do Estado e definiam os campos em que
a liberdade devia ser estendida aos cidadãos. Embora as emendas garantissem liberdade de culto, de
palavra, de imprensa e de reuniões pacíficas, ainda promoviam distinções entre os seres humanos, já
que não aboliram a escravidão.

COLEÇÃO PARTICULAR/TOP FOTO/KEYSTONE

Representação produzida por autor desconhecido,


e não datada, do parlamento inglês na época de
Guilherme III, proclamado rei em 1689, depois
de ter assinado a Bill of Rights. Esse documento
consolidou a Revolução Gloriosa, limitando os
poderes reais.

4 Direitos, cidadania e movimentos sociais

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DIREITOS PARA TODOS?
Com a Revolução Francesa (1789), os direitos baseados nos princípios da liberdade e da igualda-
de foram declarados universais, ou seja, válidos para todos os habitantes do planeta. Entretanto, esses
direitos, expressos na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão aprovada pela Assembleia
Nacional francesa, não se estendiam às mulheres.
Os documentos originados da Revolução Francesa e da independência dos Estados Unidos são
a base da Declaração Universal dos Direitos Humanos elaborada pela Organização das Nações Unidas
(ONU), criada em 1948. Fortemente influenciada pelo horror e pela violência da primeira metade do
século XX, sobretudo pelas atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945),
a Declaração Universal dos Direitos Humanos estendeu a liberdade e a igualdade de direitos, até nos
campos econômico, social e cultural, a todos os seres humanos.
De acordo com essa concepção universalista, os direitos humanos estão acima de qualquer
poder existente, seja do Estado, seja dos governantes. Em caso de violação, os responsáveis devem
ser punidos.

Todos nascem livres e iguais… mas nem tanto


Com diferentes interpretações, muitos pensadores defenderam a ideia de que os seres humanos
nascem livres e iguais e têm garantidos determinados direitos inalienáveis.
Para o pensador inglês Thomas Hobbes (1588-1679), no livro Leviatã, publicado em 1651, os
seres humanos são naturalmente iguais e, por terem excessiva liberdade, lutam uns contra os outros
na defesa de interesses individuais, havendo a necessidade de um acordo (que ele chamava de contra-
to) entre as pessoas, a fim de que não se destruam. Conforme Hobbes, para evitar a autodestruição,
todos os membros da sociedade devem renunciar à liberdade e dar ao Estado o direito de agir em
seu nome e coibir todos os excessos.
Segundo outro pensador inglês, John Locke (1632-1704), no livro Dois tratados sobre o go-
verno, publicado em 1689, somente os homens livres e iguais podem fazer um pacto com o ob-
jetivo de estabelecer uma sociedade política. Homens livres e iguais são aqueles que têm alguma
propriedade a zelar.
A propriedade, nessa perspectiva, torna-se o elemento fundamental da sociedade capitalista,
ou seja, está acima de tudo, já que é o paradigma que define, até mesmo, a liberdade dos indivíduos.
Para John Locke, nem todos são iguais desde o nascimento.
De acordo com o pensador francês Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), no livro Do contrato
social, publicado em 1762, a igualdade só tem sentido se é baseada na liberdade, mas, segundo sua
definição, a igualdade só pode ser jurídica: “todos devem ser iguais perante a lei”.
Ora, no final do século XVIII, as diferenças entre as camadas sociais na Europa eram evidentes.
Ao propor a igualdade de todos perante a lei, criava-se um direito igual para desiguais. Em outras
palavras, as pessoas não eram iguais porque nasciam iguais e livres, mas porque tinham os mesmos
direitos perante a lei, feita por quem dominava a sociedade.
A igualdade total apregoada por muitos era a mais grave ameaça aos privilégios sociais da
burguesia e da aristocracia, que se mantinham no poder. Discutia-se se a liberdade e a igualdade
podiam conviver ou se eram uma antítese insuperável, sendo necessário escolher entre elas. Como a
sociedade capitalista funciona e se desenvolve movida pela desigualdade, a liberdade foi apregoada
como o maior valor, deixando-se a igualdade de lado.
Para Karl Marx (1818-1883), o trabalhador, como membro de uma classe, não se identificaria
como cidadão, pois a concepção de cidadania/cidadão corresponderia a uma representação bur-
guesa do indivíduo. A ideia de democracia passaria pelo critério da igualdade social, que só uma SOCIOLOGIA
revolução poderia tornar realidade. Marx diferencia a emancipação política da emancipação humana
e destaca que só no século XIX reconheceu-se a ideia dos direitos humanos, uma conquista dos
trabalhadores contraposta às tradições históricas vigentes até então. Nessa perspectiva, os direitos
humanos não são uma dádiva da natureza, mas fruto da luta contra os privilégios que se transmitem
hereditariamente.
Para Émile Durkheim (1858-1917), a ideia de cidadania está vinculada à questão da coesão social
estabelecida com base na solidariedade orgânica, que é gerada pela divisão do trabalho e se expressa

Direitos, cidadania e movimentos sociais 5

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no direito civil. Assim, quando o indivíduo desempenha diferentes funções sociais, está integrado
numa sociedade que se apresenta como um organismo estruturado. Seu papel como cidadão é
cumprir suas obrigações e desenvolver uma prática social que vise à maior integração possível. Ao
participar da solidariedade social, levando em conta as leis e a moral vigentes em uma sociedade, o
THE BRIDGEMAN ART LIBRARY, LONDRES,
indivíduo desenvolve plenamente sua cidadania.
INGLATERRA/KEYSTONE

DIREITOS CIVIS, POLÍTICOS E SOCIAIS


Na década de 1960, em seu livro Cidadania, classe social e status, o sociólogo inglês Thomas H.
Marshall (1893-1981) analisou a relação entre cidadania e direitos no contexto da história. De acordo
com esse autor, a questão da cidadania só começou a aparecer nos séculos XVII e XVIII, e ainda assim
de forma sutil, por meio da formulação dos chamados direitos civis. Naquele momento, procurava-se
garantir a liberdade religiosa e de pensamento, o direito de ir e vir, o direito à propriedade, a liberdade
contratual, principalmente a de escolher o trabalho, e, finalmente, a justiça, que devia salvaguardar
todos os direitos anteriores.
Esses direitos passaram a constar em todas as legislações europeias a partir de então. Isso não
significa que os direitos civis chegaram a todas as pessoas. O cidadão no pleno gozo de seus direitos
era o indivíduo proprietário de bens e principalmente de terras, o que mostra como a cidadania era
restrita.
Os direitos políticos estão relacionados com a formação do Estado democrático representativo
e envolvem os direitos eleitorais — a possibilidade de o cidadão eleger seus representantes e ser eleito
para cargos políticos —, o direito de participar de associações políticas, como os partidos e os sindi-
catos, e o direito de protestar. Considerados desdobramentos dos direitos civis, os direitos políticos
começaram a ser reivindicados por movimentos populares já no século XVIII, mas, na maioria dos
países, só se efetivaram no século XX, quando o direito de voto foi estendido às mulheres.
Propaganda antissemita de candidato No século XX chegou a vez de os direitos sociais serem postos em prática. Os indivíduos passa-
às eleições parlamentares de 1889 na ram a ter direito a educação básica, assistência à saúde, programas habitacionais, transporte coletivo,
França. No centenário da Revolução sistema previdenciário, programas de lazer, acesso ao sistema judiciário etc.
Francesa, o exercício dos direitos políticos Os direitos civis, políticos e sociais estão assentados no princípio da igualdade, mas não podem
exibia as marcas do nacionalismo e da
xenofobia. ser considerados universais, pois são vistos de modo diferente em cada Estado e em cada época. Con-
vém lembrar que há uma diversidade muito grande de sociedades que se estruturam de modo dife-
rente e nas quais os valores, os costumes e as regras sociais são distintos daqueles que predominam no
Ocidente. Entretanto, mesmo levando em conta essas diferenças, os países integrantes dos organismos
mundiais que se propõem defender os direitos humanos devem assumir a responsabilidade de assegu-
rar esses direitos a todos os seus cidadãos.
No final do século XX e no início do século XXI, outros direitos relacionados a segmentos e
situações sociais específicos — por exemplo, consumidores, idosos, adolescentes, crianças, mulheres,
minorias étnicas e homossexuais — consolidaram-se.
Como ressalta o filósofo político brasileiro Renato Janine Ribeiro (1949-), re-
centemente surgiram direitos difusos, que beneficiam a todos, e os mais expressivos
são os relativos ao meio ambiente. Há uma ironia nisso, segundo Janine Ribeiro,
porque a garantia ao ar, à água e ao solo mais limpos protege até os próprios po-
luidores. Hoje se afirmam também os direitos dos animais ou da natureza em geral.
De acordo com a tradição jurídica ocidental moderna, os direitos pertencem aos
seres humanos. Assim, a preservação das matas e dos animais em via de extinção
garante o direito dos humanos a um ambiente biodiversificado.

“Venda simbólica da Terra” em ato promovido pela organização ambientalista Agir pour
l’environnement, em Paris, na França, em 2012, às vésperas da Conferência das Nações Unidas
sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20. A conferência da ONU marcaria o aniversário
de 20 anos da Cúpula da Terra, que ocorreu em 1992 e abriu o debate sobre o futuro do
planeta e de seus recursos. Na faixa está escrito: “A natureza é um patrimônio comum, não uma
mercadoria”.
MEHDI FEDOUACH/AFP

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NAS PALAVRAS DE MARSHALL

Cidadania e classe social


A cidadania é um status concedido àqueles que são membros integrais de uma comunidade. Todos aqueles que possuem
o status são iguais com respeito aos direitos e obrigações pertinentes ao status. Não há nenhum princípio universal que deter-
mine o que estes direitos e obrigações serão, mas as sociedades nas quais a cidadania é uma instituição em desenvolvimento
criam uma imagem de uma cidadania ideal em relação à qual o sucesso pode ser medido e em relação à qual a aspiração pode
ser dirigida. [...] A classe social, por outro lado, é um sistema de desigualdade. E esta também, como a cidadania, pode estar
baseada num conjunto de ideais, crenças e valores. É, portanto, compreensível que se espere que o impacto da cidadania sobre
a classe social tomasse a forma de um conflito entre princípios opostos. Se estou certo ao afirmar que a cidadania tem sido uma
instituição em desenvolvimento na Inglaterra, pelo menos desde a segunda metade do século XVII, então é claro que seu cres-
cimento coincide com o desenvolvimento do capitalismo, que é o sistema não de igualdade, mas de desigualdade. Eis algo que
necessita de explicação. Como é possível que estes dois princípios opostos possam crescer e florescer, lado a lado, no mesmo
solo? O que fez com que eles se reconciliassem e se tornassem, ao menos por algum tempo, aliados ao invés de antagonistas?
A questão é pertinente, pois não há dúvida de que, no século XX, a cidadania e o sistema de classe capitalista estão em guerra.

MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. p. 76..

CIDADANIA HOJE
Ser cidadão é ter a garantia de todos os direitos civis, políticos e sociais que asseguram a possi-
bilidade de uma vida plena. Esses direitos não foram conferidos, mas exigidos, integrados e assumi-
dos pelas leis, pelas autoridades e pela população em geral. A cidadania também não é dada, mas
construída em um processo de organização, participação e intervenção de indivíduos ou de grupos
sociais. Só na constante vigilância dos atos cotidianos o cidadão pode apropriar-se desses direitos,
fazendo-os valer de fato. Se não houver essa exigência, eles ficarão no papel.

Cidadania formal e cidadania real ROGÉRIO MONTENEGRO/ABRIL IMAGENS

Como vimos, o conceito de cidadania foi gerado nas lutas


que estruturaram os direitos universais do cidadão. Desde o sé-
culo XVIII, muitas ações e movimentos foram necessários para
que se ampliassem o conceito e a prática da cidadania. Nesse
sentido, pode-se afirmar que defender a cidadania é lutar pelos
direitos e, portanto, pelo exercício da democracia, que é a cons-
tante criação de direitos.
Thomas H. Marshall propôs uma análise da evolução da ci-
dadania vinculada a determinados direitos, com base na situação
da Inglaterra em meados do século XX. Na sociedade atual, po-
rém, há um grau de complexidade e de desigualdade tão grande
que a divisão dos direitos do cidadão em civis, políticos e sociais
já não é suficiente para explicar sua dinâmica. Como alternativa
a essa classificação, podemos pensar em dois tipos de cidadania:
a formal e a real (ou substantiva).
A cidadania formal é a que está na Constituição e em outras
leis específicas de cada país. É a que estabelece que todos são
iguais perante a lei e garante ao indivíduo a possibilidade de lutar
SOCIOLOGIA
judicialmente por seus direitos. Tal garantia é muito importante:
se não houvesse leis para determinar nossos direitos, estaríamos
nas mãos de uma minoria. Essa era a situação dos escravos, que não tinham direito algum. “Manifestação pelas eleições diretas em
Salvador, na Bahia, em 1984. Depois de
A cidadania substantiva ou real é a que está presente no dia a dia. A prática da cidadania 20 anos de ditadura militar, a sociedade
substantiva revela que, apesar das leis existentes, não há igualdade fundamental entre todos os seres se mobilizou para exigir seus direitos de
humanos — entre homens e mulheres; entre crianças, jovens e idosos; entre negros e brancos. participação política.
Vamos tomar como exemplos o direito à vida e o direito de ir e vir. O direito à vida é o principal.

Direitos, cidadania e movimentos sociais 7

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Sem ele, os demais nada valem. Mas milhares de

AHMAD AL-RUBAYE/AFP
pessoas, principalmente crianças, morrem de fome
todos os dias em vários locais do planeta. Essas pes-
soas não conseguiram ter o direito à vida, o direito
real e substantivo à cidadania.
O segundo direito básico em nossa sociedade,
o de ir e vir, é reconhecido desde o século XVII. No
dia a dia, entretanto, nem sempre as pessoas po-
dem se deslocar para qualquer lugar e ficar onde
querem. Tomando alguns exemplos bem próximos,
podemos citar o impedimento à livre circulação
dos cidadãos em algumas ruas (vias públicas), que
AFP

são fechadas e vigiadas por seguranças. Há também


praias, todas públicas, cujo acesso é vetado por pes-
soas que se comportam como suas proprietárias.
Nos shopping centers, os guardas garantem a segu-
rança dos frequentadores, mas também evitam o
“Todos são iguais perante a lei, acesso de pessoas que aparentem não ter poder
mas nem todos têm seus direitos de consumo. Nesses casos, o direito de ir e vir não
básicos garantidos. No alto,
menino iraquiano em lixão da é respeitado.
periferia de Bagdá. Ao lado, jovens Se esses direitos básicos ainda não são efetivos
chineses diante de loja de artigos para a maioria das pessoas, imagine o que acontece
de luxo em Shangai. com os demais!
Fotografias de 2013.
Ao analisar os direitos humanos nos dias de
hoje, no mundo globalizado, observa-se, por exemplo, que o direito à diferença não é levado em
conta, principalmente quando se trata de culturas muito distintas das ocidentais. O sociólogo por-
tuguês Boaventura de Sousa Santos (1940-) formula um questionamento importante: como ficam
os direitos dos indivíduos que sofreram os efeitos das numerosas guerras ocorridas depois de 1945,
nas quais se envolveram as nações que foram o berço dos documentos de direitos universais — In-
glaterra, França e Estados Unidos?
A reflexão suscitada por esse questionamento coloca em evidência dois importantes aspectos
da relação entre a cidadania formal e a substantiva. O primeiro é: como foi observado, os direitos civis,
políticos e sociais, bem como os direitos humanos, não são naturais, ou seja, resultam das relações
sociais em diferentes momentos históricos. Portanto, são produto da ação dos indivíduos na história
e foram sendo construídos num processo de ação e reação constante por parte dos grupos sociais
existentes.
O segundo é: a defesa dos direitos civis, sociais e políticos e também dos direitos humanos con-
vive com sua violação. A coerência entre os princípios e a prática dos direitos só pode ser estabelecida
se houver uma luta constante pela sua vigência, travada por meio de ações políticas ou movimentos
sociais. Direitos só se tornam efetivos e substantivos quando são exigidos e vividos cotidianamente.
NAS PALAVRAS DE BAUMAN

Direitos e comunidade
Somos todos interdependentes neste nosso mundo que rapidamente se globaliza, e devido a essa interdependência nenhum
de nós pode ser senhor de seu destino por si mesmo. Há tarefas que cada indivíduo enfrenta, mas com as quais não se pode
lidar individualmente. O que quer que nos separe e nos leve a manter distância dos outros, a estabelecer limites e construir
barricadas torna a administração destas tarefas ainda mais difícil. Todos precisamos ganhar controle sobre as condições sob as
quais enfrentamos os desafios da vida — mas para a maioria de nós esse controle só pode ser obtido coletivamente.
Aqui, na realização de tais tarefas, é que a comunidade mais faz falta; mas também aqui reside a chance de que a comu-
nidade venha a se realizar. Se vier a existir uma comunidade no mundo dos indivíduos, só poderá ser (e precisa sê-lo) uma
comunidade tecida em conjunto a partir do compartilhamento e do cuidado mútuo; uma comunidade de interesse e respon-
sabilidade em relação aos direitos iguais de sermos humanos e igual capacidade de agirmos em defesa desses direitos.
BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. p. 133-134.

8 Direitos, cidadania e movimentos sociais

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CENÁRIO DOS DIREITOS E DA CIDADANIA

O Congresso americano e a infame redu- entre os EUA e o México que, com 1.300 quilômetros,
equivale à cortina de ferro não apenas na extensão, mas
ção das liberdades individuais também na vergonha.
O Congresso dos Estados Unidos da América (EUA) Numa perspectiva institucional interna, os EUA fo-
aprovou, na semana passada (28 de setembro de 2006), ram, por muitos anos, um farol da liberdade a inspirar a
um projeto de lei que busca convalidar as práticas atenta- evolução internacional dos direitos humanos, das liberda-
tórias aos direitos humanos levadas a efeito pelo governo des democráticas, do estado de Direito e da própria demo-
Bush, após decisão adversa da Suprema Corte do país, cracia. Hoje, todavia, a lamentável situação jurídica em
tomada em junho deste ano, que declarava ilegal o trata- que se encontra o país evoca mais os tempos sombrios da
mento de combatentes insurgentes e os procedimentos Alemanha nazista, da União Soviética stalinista e da Itália
jurídicos daquela administração. fascista.
A nova lei rompe com uma tradição de juridicidade Por outro lado, o poderio militar incontrolado do país
que existe há mais de 200 anos no país ao convalidar não permitia sua categorização precisa como uma repúbli-
normas que suspendem o Bill of Rights, acabam com o ca banana, ainda que suas instituições políticas estejam em
habeas corpus, convalidam a tortura, cerceiam o direito de franco processo de aviltamento.
defesa, permitem o uso de provas obtidas ilegalmente, auto- De fato, para além da crise do poder legislativo dos
rizam a prisão sem culpa formada e por prazo indetermina- EUA, o executivo já demonstrou todos os vícios antide-
do e conferem ao presidente dos EUA o poder de “interpre- mocráticos e o judiciário tornou-se um poder subordinado
tar” convenções internacionais. ao executivo, balizando-se, por enquanto ocasionalmente,
A lei não se restringe aos chamados prisioneiros de na lealdade partidária mais do que na lei.
Guantánamo e tem uma aplicação ampla a todos que “in- Assim, o efeito deletério de tais sombrios desdobra-
tencionalmente e materialmente tenham apoiado hostili- mentos de ordem interna se fazem sentir nos foros inter-
dades contra os EUA”. Essa definição permite uma inter- nacionais, nos quais os EUA tornaram-se a força da opres-
pretação extraordinariamente ampla, que poderá inclusive são, do arbítrio e da miséria.
limitar o direito à liberdade de expressão de opiniões. Da
mesma forma, ela irá discriminar ainda mais os estrangei- GOYOS, Durval de Noronha. O Congresso americano e a infame redução
ros residentes no território do país norte-americano, ainda das liberdades individuais. Disponível em: <www.professor-noronha.adv.br/por/
ar249dnp.htm>. Acesso em: 14 set. 2012.
que legalmente.
Essa infame lei não é uma iniciativa isolada mas, ao
contrário, reforça uma tendência de aumento das restri- 1 Que princípios da cidadania e que direitos as ações governa-
ções ao império da lei e às liberdades civis, nos EUA. De mentais e a lei estadunidense comentadas no texto desres-
fato, na mesma semana, a Câmara dos Representantes peitam?
aprovou um projeto do governo de escutas telefônicas. Por
sua vez, contemporaneamente, o Senado aprovou a verba 2 É possível classificar como democrático um regime com essa
de US$ 1,2 bilhão para a construção do muro da infâmia lei? Explique, comparando-o com outros regimes citados no
texto.

ANOTAÇÕES

SOCIOLOGIA

Direitos, cidadania e movimentos sociais 9

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TAREFA PARA CASA

1 A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de será um ser vazio, reduzido a puro sofrimento e carên-
1789, aprovada no contexto da Revolução Francesa, pode cia, esquecido de dignidade e discernimento — pois
ser considerada um dos marcos iniciais da concepção de quem perde tudo, muitas vezes também perde a si mes-
cidadania. Qual é a ruptura social que a Declaração repre- mo; transformado em algo tão miserável, que facilmen-
senta, em fins do século XVIII, quando defende os ideais de te se decidirá sobre sua vida e sua morte, sem qualquer
liberdade e igualdade para todos (não incluindo as mulhe- sentimento de afinidade humana, na melhor das hipó-
res) em forma de lei? teses considerando puros critérios de conveniência. Fi-
cará claro, então, o duplo significado da expressão
A questão destaca o impacto resultante da garantia dos direitos de “Campo de extermínio”, bem como o que desejo ex-
liberdade e igualdade, na forma de lei. Afinal, a Revolução Francesa
aprovou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão no con-
pressar quando digo: chegar no fundo.
texto de uma sociedade caracterizada pela naturalização da desigual- LEVI, Primo. É isto um homem? Rio de Janeiro: Rocco, 1988. p. 24-25.
dade, proporcionada pela “verdade” da ordem estamental, e pelo
forte controle das possibilidades individuais de culto, opinião e ação. Agora, leia alguns artigos da Declaração Universal dos Di-
Assim, a resposta deve apresentar as noções de cidadania, liberdade reitos Humanos, documento aprovado pela Organização
e igualdade como uma novidade crítica em relação ao antigo regime. das Nações Unidas (ONU) em dezembro de 1948.
Artigo 2º
2 Leia, a seguir, um trecho do livro É isto um homem?, do italia- Todos os seres humanos podem invocar os direitos
no Primo Levi, um sobrevivente do holocausto, na Segunda e as liberdades proclamados na presente Declaração,
Guerra Mundial. Ele escreveu o livro com a intenção de refle- sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor,
tir sobre suas experiências em um dos campos de concen- de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou
tração nazista. outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nas-
cimento ou de qualquer outra situação. Além disso, não
[...] Estamos transformados em fantasmas como os será feita nenhuma distinção fundada no estatuto polí-
que vimos ontem à noite. tico, jurídico ou internacional do país ou do território
Pela primeira vez, então, nos damos conta de que a da naturalidade da pessoa, seja esse país ou território
nossa língua não tem palavras para expressar esta ofensa, independente, sob tutela, autônomo ou sujeito a algu-
a aniquilação de um homem. Num instante, por intuição ma limitação de soberania.
quase profética, a realidade nos foi revelada: chegamos ao Artigo 3º
fundo. Mais para baixo não é possível. Condição humana Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à
mais miserável não existe, não dá para imaginar. Não mais segurança pessoal.
é nosso: tiraram-nos as roupas, os sapatos, até os cabelos; Artigo 4º
se falarmos, não nos escutarão — e, se nos escutarem, não Ninguém será mantido em escravatura ou em ser-
nos compreenderão. Roubarão também o nosso nome, e, vidão; a escravatura e o trato dos escravos, sob todas as
se quisermos mantê-lo, deveremos encontrar dentro de formas, são proibidos.
nós a força para tanto, para que, além do nome, sobre Artigo 5º
alguma coisa de nós, do que éramos. Ninguém será submetido a tortura nem a penas ou
Bem sei que, contando isso, dificilmente seremos tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.
compreendidos, e talvez seja bom assim. Mas que cada Artigo 6º
um reflita sobre o significado que se encerra mesmo em Todos os indivíduos têm direito ao reconhecimen-
nossos pequenos hábitos de todos os dias, em todos esses to, em todos os lugares, da sua personalidade jurídica.
objetos nossos, que até o mendigo mais humilde possui: Artigo 7º
um lenço, uma velha carta, a fotografia de um ser amado. Todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm
Essas coisas fazem parte de nós, são algo como os órgãos direito a igual proteção da lei. Todos têm direito a pro-
de nosso corpo; em nosso mundo é inconcebível pensar teção igual contra qualquer discriminação que viole a
em perdê-las, já que logo acharíamos outros objetos para presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal
substituir os velhos, outros que são nossos porque conser- discriminação.
vam e reavivam as nossas lembranças. Disponível em: <www.ohchr.org/EN/UDHR/Pages/Language.
Imagine-se, agora, um homem privado não apenas aspx?LangID=por>. Acesso em: 29 nov. 2013.
dos seres queridos, mas de sua casa, seus hábitos, sua
roupa, tudo, enfim, rigorosamente tudo que possuía; ele Com base nesses textos e considerando a consolidação

10 Direitos, cidadania e movimentos sociais

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histórica da cidadania, explique a relação entre os aconteci- 3 A Constituição Federal brasileira aprovada em 1988 é co-
mentos da Segunda Guerra Mundial, notadamente o Holo- nhecida como “constituição cidadã” tanto pelo contexto
causto, e a aprovação da Declaração Universal dos Direitos no qual foi aprovada, no período de transição da ditadura
Humanos, na ONU, em 1948. militar para a democracia, quanto pelo seu conteúdo. No
O estudo sociológico das leis precisa se fundamentar em uma con- que se refere à cidadania substantiva, pode-se dizer que
textualização histórica e crítica dos documentos jurídicos. No caso ela está presente na realidade social do Brasil contempo-
da Declaração Universal dos Direitos Humanos, não é difícil relacio-
nar sua aprovação aos horrores da Segunda Guerra Mundial. Essa
râneo? Ou seja, existem discrepâncias entre a cidadania
questão demanda do aluno a percepção das conexões sociológicas formal e a substantiva no Brasil? Quais?
entre o corolário do preconceito, desenvolvido na Segunda Guerra,
Ressoando nosso livro didático, que discute as diferenças entre
e a tentativa de aboli-lo, empreendida pela ONU.
cidadania formal e substantiva, a questão destaca as contradições
existentes no Brasil atual relacionadas aos direitos civis, sociais
e políticos. Certamente, é muito importante garantir a cidadania
no plano jurídico, porém os direitos não se efetivarão se a própria
cultura social não corroborá-los. Ou seja, é preciso cultura cidadã
em conjunto com documentos cidadãos para o funcionamento
pleno da cidadania. O aluno deve deixar essa ideia clara, ainda
que apenas por meio de exemplos tomados da realidade social.

ANOTAÇÕES

SOCIOLOGIA

Direitos, cidadania e movimentos sociais 11

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CAPÍTULO

2 Os movimentos sociais

Veja, no Guia do Professor, o quadro de competências e habilidades desenvolvidas neste módulo.

Objetivos: Os movimentos sociais são ações coletivas com o objetivo de manter ou mudar uma situação.
Eles podem ser locais, regionais, nacionais e internacionais. Há vários exemplos de movimentos sociais
c Possibilitar uma visão em nosso dia a dia: as greves trabalhistas (por melhores salários e condições de trabalho), os movi-
geral e introdutória dos mentos por melhores condições de vida na cidade (por transporte, habitação, educação, saúde etc.)
temas relativos aos e no campo (pelo acesso à terra ou pela manutenção da atual situação de distribuição de terras), os
movimentos sociais. movimentos étnico-raciais, feministas, ambientalistas e estudantis.
c Tratar e discutir sobre Além dos movimentos organizados, existem outros que podemos chamar de conjunturais. São
os movimentos sociais os que duram alguns dias e desaparecem para, depois, surgir em outro momento, com novas formas
que lutam por direitos de expressão. Por causa dessa diferença e mobilidade, é preciso analisar cada tipo de movimento para
individuais, sociais, entender as ideias que motivam e sustentam suas ações, assim como seus objetivos.
civis ou políticos. Os movimentos sociais não são predeterminados; dependem sempre das condições específicas
em que se desenvolvem, ou seja, das forças sociais e políticas que os apoiam ou os confrontam, dos
recursos existentes para manter a ação e dos instrumentos utilizados para obter repercussão.
Os movimentos sociais que se mantêm durante longo tempo tendem a criar uma estrutura
de sustentação e uma organização burocrática, por mínima que seja, para continuar atuando. Ao
se institucionalizar, correm o perigo de perder o vigor, pois, para continuar sua ação, precisam obter
recursos e assumir gastos com aluguel de uma sede, telefone, pessoal de apoio fixo e materiais. A
preocupação que antes se concentrava em organizar as ações efetivas divide-se assim com a preo-
cupação de manter uma estrutura fixa, deslocando parte das energias para outro foco.

FRANKLIN DE FREITAS/ASSOCIATED PRESS/AE

“Manifestação de professores
municipais em Curitiba, no Paraná,
em março de 2012. Os professores em
greve exigiam aumento do piso salarial.

12 Direitos, cidadania e movimentos sociais

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CONFRONTOS E PARCERIAS
Os movimentos sociais são sempre de confronto político e podem trabalhar para transformar
ou manter determinada situação. Na maioria dos casos, eles têm uma relação com o Estado, seja de
oposição, seja de parceria, de acordo com seus interesses e necessidades. Observam-se várias formas
de atuação dos movimentos sociais:
contra ações do poder público consideradas lesivas aos interesses da população ou de um setor
dela, como determinada política econômica ou uma legislação que prejudique os trabalhadores
ou os outros setores da sociedade;
para pressionar o poder público a resolver problemas relacionados à segurança, à educação, à
saúde etc. (um exemplo são as ações que exigem do Estado medidas contra a exploração sexual
e o trabalho infantil);
em parceria com o poder público para fazer frente às ações de outros grupos ou empresas privadas
(é o caso dos movimentos de proteção ambiental);
para resolver problemas da comunidade, independentemente do poder público, muitas vezes to-
mando iniciativas que caberiam ao Estado (por exemplo, as várias ações realizadas por organizações
não governamentais — ONGs — e associações de moradores de bairros).
LAÍS TELLES/ESP. DP/D.A PRESS

Integrantes do Movimento dos Trabalhadores


Sem Teto (MTST) protestam contra o despejo
de famílias que ocupavam prédio do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na
cidade de Recife, Pernambuco, em 2011.
ALEXANDRE AMARANTE/D.A. PRESS

Marcha das Margaridas em Brasília, em


SOCIOLOGIA
2011. As “margaridas” são trabalhadoras
rurais que lutam por desenvolvimento
sustentável com autonomia, igualdade
e liberdade. Adotaram esse nome
em homenagem à líder camponesa
Margarida Alves, assassinada na Paraíba
em 1983. Em sua quarta edição (a primeira
ocorreu em 2000), a marcha reuniu 70.000
trabalhadoras rurais de todo o Brasil.

Direitos, cidadania e movimentos sociais 13

book-SESI_EM_SOC_2SERIE.indb 13 21/11/16 18:48


Existem também movimentos cujo objetivo é desenvolver ações que favoreçam a mudança da
sociedade com base no princípio fundamental do reconhecimento do outro, do diferente. Por meio
desses movimentos, procuram-se disseminar visões de mundo, ideias e valores que proporcionem a
diminuição dos preconceitos e discriminações que prejudicam as relações sociais. Exemplos são os
movimentos étnico-raciais, de minorias sexuais, feministas, pela paz e contra a violência.
Conforme o sociólogo alemão Axel Honneth (1949-), as lutas sociais vão além da defesa de
interesses e necessidades, tendo como alvo também o reconhecimento individual e social. Quando
um indivíduo se engaja em um movimento social, procura fazer que suas experiências com os sen-
timentos de desrespeito, vergonha e injustiça inspirem outros indivíduos, de modo que sua luta se
transforme numa ação coletiva, de reconhecimento pessoal e social. Honneth afirma:
[…] uma luta só pode ser caracterizada de “social” na medida em que seus objetivos se
deixam generalizar para além dos horizontes das intenções individuais, chegando a um
ponto em que eles podem se tornar a base de um movimento coletivo.
HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo: Editora 34, 2003. p. 256.

O RECURSO DA GREVE
A greve é um dos instrumentos mais utilizados pelos trabalhadores, na sociedade capitalista,
para reivindicar, por exemplo, a manutenção dos direitos adquiridos, melhores salários e condições
de trabalho mais dignas. A greve pode ser organizada pelos trabalhadores de uma empresa, de uma
categoria profissional ou, no caso de uma greve geral, pelos setores da sociedade que decidam de-
monstrar a insatisfação da população, por exemplo, com um governo.
A greve pode ser analisada, pelo menos, de acordo com dois pontos de vista: o de Émile Dur-
kheim (1858-1917) e o de Karl Marx (1818-1883).
O enfoque de Émile Durkheim tem como ponto de partida a ideia de que todo conflito é
resultado da inexistência de normas (anomia) que regulem as atividades produtivas e a organização
das várias categorias profissionais. A desordem (no caso, a greve) é, para ele, um momento especial
em uma ordem estabelecida e serve apenas para desintegrar a sociedade.
Para Durkheim, a questão social é também moral, pois envolve ideias e valores divergentes dos
da consciência coletiva. Ele defende que os desejos de alguns indivíduos ou grupos devem estar sub-
metidos aos sentimentos gerais da sociedade em vez de prevalecer sobre eles. Assim, uma sociedade
dividida não pode ser normal, pois o fundamental é manter a solidariedade orgânica decorrente da
divisão do trabalho social.
NAS PALAVRAS DE DURKHEIM

A questão social
Não se trata de substituir a sociedade existente por uma totalmente nova, senão
adaptar aquela às novas condições de existência social. Não é uma questão de classes,
de oposição entre ricos e pobres, de empresários e trabalhadores, como se a única so-
lução possível consistisse em diminuir a parte que corresponde a uns para aumentar a
dos outros. O que se requer no interesse de uns e outros é a necessidade de se refrear,
desde o alto, os apetites de ambos e assim pôr fim ao estado de desagregação, de agita-
ção maníaca, que não é produto da atividade social e que inclusive provoca sofrimentos.
Em outras palavras, a questão social concebida desta maneira não é uma questão de
dinheiro ou de força; é uma questão de agentes morais. O que domina não é a situação
de nossa economia, senão o estado de nossa moralidade.
DURKHEIM, Émile. El socialismo. Madrid: Nacional, 1982. p. 287-288. [tradução do autor].

Karl Marx entende a questão de outra forma. A greve aparentemente é apenas um movimento
reivindicatório por melhores salários e condições de trabalho. Mas, analisando um pouco melhor o
movimento, percebe-se que em uma greve operária existem sempre três atores sociais: o trabalhador,
o empresário capitalista e o Estado. O trabalhador representa a força de trabalho e só tem isso para
defender. Assim, sua luta por melhores salários e condições de trabalho o coloca em confronto com
o empresário, que representa o capital, cujo objetivo é conseguir o maior lucro possível. A greve, para

14 Direitos, cidadania e movimentos sociais

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Marx, é a expressão mais visível da luta entre a burguesia e o proletariado.

COLEÇÃO PARTICULAR/THE BRIDGEMAN ART LIBRARY, LONDRES, INGLATERRA/KEYSTONE


Ao Estado, que aparece na forma da legislação existente, cabe regular a relação entre
o trabalho e o capital: as leis que podem proteger o trabalhador e seus direitos (que foram
conquistados arduamente) também podem atuar em benefício do capital, o que acontece
normalmente quando os tribunais decidem as questões trabalhistas. Mas o Estado age
também com a força policial, a qual pode ser acionada para reprimir os trabalhadores em
nome da normalidade e da paz social.
Nessa perspectiva, numa greve questionam-se não só as condições de exploração em
que vivem os trabalhadores, mas também a ação do Estado e seu caráter de classe. Numa gre-
ve operária, questiona-se a estrutura da sociedade capitalista, que, em sua essência, é desigual
e perpetua a exploração dos trabalhadores.
Greves trabalhistas têm ocorrido desde o início do processo de industrialização. Dos
primeiros movimentos até nossos dias, os trabalhadores sempre lutaram por melhores salários
e condições de trabalho. Procuraram também regulamentar o trabalho infantil e o feminino,
além de reivindicar a diminuição da jornada de trabalho por meio de um movimento inter-
nacional pelas oito horas diárias. Mobilizaram-se, ainda, pela organização de sindicatos e por
melhores condições de trabalho nas empresas. Pouco a pouco passaram a visar à conquista
ou à efetivação de direitos, principalmente os sociais, como saúde, transporte, educação, pre-
vidência e habitação.
Com essas lutas, manifestou-se a preocupação de discutir questões gerais, como as po-
líticas econômicas que causam desemprego. Em março de 2012, por exemplo, milhares de
pessoas protestaram na Espanha contra uma reforma no mercado de trabalho empreendida
pelo governo. Na época, a Espanha apresentava índices de desemprego recorde.
Conclamação à greve geral na França
PEDRO ARMESTRE/AFP

em ilustração, produzida em 1910 pelo


cartunista socialista Henri Paul Gassier, de
folheto contendo a letra da canção “La
Grève Génerale”, de Georges Féline.

Manifestação em defesa dos direitos


dos trabalhadores na cidade de Madri,
em 11 de março de 2012.

OS MOVIMENTOS SOCIAIS CONTEMPORÂNEOS


Os movimentos sociais ocorrem nos mais diversos lugares do planeta sempre que um grupo SOCIOLOGIA
de indivíduos considera seus direitos desrespeitados ou se dispõe a lutar pela aquisição de novos
direitos. É o caso dos movimentos ambiental e feminista, que propõem questões importantes para
todos nós. Eles podem ser tomados como exemplos de movimentos sociais contemporâneos por
duas características comuns:
não têm uma coordenação única, pois se manifestam e se desenvolvem a partir de ações coletivas
nos planos local, regional e global e comportam uma diversidade muito grande de ideias e valores,
bem como de atuação e organização;

Direitos, cidadania e movimentos sociais 15

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suas ações se desenvolvem em torno de interesses e necessidades, mas também de reconhecimen-
to, visando criar uma nova maneira de viver em sociedade.

O movimento ambiental
Esse movimento é típico da sociedade industrial, pois a industrialização predatória afeta o meio
ambiente, contaminando a água, o ar e o solo e colocando em risco os seres vivos. Isso sem falar no
desmatamento desenfreado nas áreas ainda recobertas por florestas.
O movimento ambientalista surgiu no século XIX, quando foram percebidos os primeiros sinais
de distúrbios ambientais, mas desenvolveu-se lentamente até a década de 1970; desde então, vem
crescendo rapidamente.
Esse tipo de movimento envolve desde a ação de um pequeno grupo para salvar uma árvore
ANTONIO SCORZA/AFP
em área urbana até a ação de grupos e instituições internacionais pela
preservação de uma mata inteira. Ou seja, ele vai do local ao global, evi-
denciando a existência de uma consciência ecológica difusa no mundo
todo. Não é um movimento organizado mundialmente, mas um conjun-
to de movimentos que desenvolveu uma cultura ambientalista e criou
um direito: o de viver em um ambiente saudável. Organizações locais,
regionais ou internacionais lutam para limitar, por meio da legislação ou
pela ação direta, a presença predatória e poluente principalmente das
indústrias. No meio rural, lutam para conter, por exemplo, o uso indiscri-
minado de agrotóxicos e a cultura de alimentos transgênicos.
Em várias partes do mundo, grupos ambientalistas pressionam os
Estados a agir para que o direito a um ambiente sadio seja garantido por
meio de leis e de fiscalização. As ações desenvolvidas por movimentos
e organizações no mundo todo contribuíram para que a Organização
das Nações Unidas (ONU) passasse a orientar seus membros a respeito
das questões ambientais, recomendando medidas urgentes para resolver
muitos desses problemas.
Manifestação realizada no Rio de Janeiro, Vários são os questionamentos e motivações que animam os movimentos ambientalistas. Va-
em 2012, contra as políticas ambientais do
governo e as agressões ao meio ambiente.
mos resumir os mais importantes:
No foco dos protestos, a construção da a proteção da diversidade da vida na Terra contra a crescente eliminação de formas de vida animal e
usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. vegetal, o que provoca problemas ambientais significativos, gerando a superpopulação de espécies
animais e vegetais e alterando o equilíbrio da natureza (o desmatamento desenfreado das florestas,
onde estas ainda existem, é o principal foco dessa ação);
a preservação da qualidade de vida dos habitantes do planeta, que são atingidos por agentes po-
luidores na água, no ar ou no solo;
o controle da aplicação industrial de substâncias e processos propiciados pelo avanço científico e
técnico que possam trazer problemas à humanidade, como o uso de energia nuclear e de agrotó-
xicos e, mais recentemente, de produtos transgênicos e elementos nanotecnológicos;
o controle do uso dos recursos naturais, principalmente da água doce e daqueles oriundos da
atividade extrativa de elementos não renováveis, como o petróleo e vários minérios (ferro, cobre,
bauxita etc.).
Existem problemas ambientais que só podem ser tratados globalmente, como a emissão de
gases que provocam o efeito estufa, as mudanças climáticas do planeta e as alterações na camada de
ozônio que protege a Terra. Outras questões tratadas globalmente são a poluição dos mares pelos
navios-tanque de petróleo, a matança de baleias e o despejo de resíduos tóxicos nos rios ou mares
de todo o mundo, o que também compromete os oceanos.
Há também problemas regionais e nacionais, que devem ser resolvidos no local em que surgem.
Se uma indústria polui um rio, por exemplo, e este passa por vários países, é necessário que se dis-
cutam as providências a tomar para evitar que todos sofram prejuízos. Existem ainda questões am-
bientais locais, como o lixo nas cidades, que exigem soluções na coleta, no depósito e na reciclagem.
A cultura ambiental, que começou a se formar na década de 1970, está disseminada e tem
na vida cotidiana seu ponto fundamental, expressando-se em ações de pessoas que questionam e
buscam soluções para problemas que podem prejudicar o modo de vida de cada comunidade. A

16 Direitos, cidadania e movimentos sociais

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consciência ambiental tem estimulado pessoas, grupos, escolas e organizações a traduzir as grandes
preocupações em práticas e atividades concretas no local em que vivem. Além disso, as ações am-
bientalistas, em todos os níveis, conquistaram gradativamente um espaço importante nos meios de
comunicação de massa, gerando uma pressão social que forçou a apresentação de projetos de lei
visando à conservação da natureza em várias partes do mundo.
Os governos não podem mais ficar em silêncio e, assim, são obrigados dia após dia a controlar e
a fiscalizar os processos industriais poluidores, o desmatamento e a proteção ambiental, bem como
a forma de produzir alimentos. As empresas antigas fizeram muitas mudanças em seu processo
produtivo, tornando-o menos poluidor, e as novas empresas foram obrigadas a apresentar projetos
de impacto ambiental.
BIBLIOTECA MARGUERITE DURAND, PARIS, FRANÇA

O movimento feminista
A questão moderna sobre a posição da mulher nas diferentes
sociedades vem sendo discutida desde o século XVIII. Como vimos, os
direitos do homem e do cidadão referiam-se aos homens e excluíam as
mulheres. Mas elas não se calaram, como atesta o exemplo da ativista
e dramaturga francesa Olympe de Gouges (1748- -1793), que enca-
minhou à Assembleia Nacional da França, em 1791, uma Declaração
dos Direitos da Mulher e da Cidadã, pedindo que o documento fosse
tomado como fundamento da Constituição.
Em um dos textos que Olympe de Gouges publicou em plena
efervescência da Revolução Francesa, ela manifestou nos seguintes ter-
mos seu inconformismo com a discriminação da mulher:
Diga-me, quem te deu o direito soberano de oprimir o meu
sexo? […] Esta Revolução só se realizará quando todas as mulhe-
res tiverem consciência do seu destino deplorável e dos direitos
que elas perderam na sociedade.
Apud: ALVES, Branca Moreira. O que é feminismo 3: o feminismo como
movimento político. Em: Empoderando as mulheres. Disponível em: <www.
empoderandoasmulheres.com/2011/03/o-que-e-feminismo-3-o-feminismo-como.
html>. Acesso em: 14 set. 2012.

Por causa de suas posições políticas, Olympe de Gouges foi gui-


lhotinada em 3 de novembro de 1793. Mas não faltou quem conti-
nuasse a lutar contra a condição subalterna da mulher no trabalho, na
educação e na participação política. Entre outras, podem ser citadas a
inglesa Mary Wollstonecraft (1759-1797), que em 1792 publicou um
ensaio em defesa dos direitos da mulher, e as líderes operárias france-
sas Jeanne Deroin (1805-1894) e Flora Tristán (1803-1844), referências
importantes para o movimento feminista.
Uma frase de Olympe de Gouges extraída do artigo X de sua
Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã tornou-se lema do
Na representação do século XIX, a
movimento feminista do século XIX:
líder operária socialista Jeanne Deroin
é carregada pelas companheiras.
[…] A mulher tem o direito de subir ao cadafalso; ela deve igualmente ter o direito de Autodidata, escreveu em 1848 um
subir à Tribuna […]. Curso de Direito Social para as mulheres,
SOCIOLOGIA
visando contribuir para a mobilização e
In: Instituto Politécnico de Lisboa. Escola Superior de Educação. organização das trabalhadoras.
Disponível em: <www.eselx.ipl.pt/ciencias-sociais/tratados/1789mulher.htm>. Acesso em: 14 set. 2012. A gravura integra o livro Mulheres célebres
(Paris: Mazenod, 1848. Vol 1).
A luta das mulheres concentrava-se então na organização de movimentos e campanhas pelo
direito de votar. A conquista desse direito, no entanto, só ocorreu no século XX — primeiro na Nova
Zelândia (1902), depois na Finlândia (1906), na Inglaterra (1918) e nos Estados Unidos da América
(1920); na França, as mulheres votariam pela primeira vez apenas em 1945.

Direitos, cidadania e movimentos sociais 17

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BIANCHETTI STEFANO/LEEMAGE/AFP
Representação de manifestação
pelo direito das mulheres ao voto
em Londres, Inglaterra, 1908.
Gravura de autoria desconhecida.

Após as lutas pelo direito ao voto, o movimento das mulheres se enfraqueceu, sendo retomado
na década de 1960, quando ganhou força e difundiu-se rapidamente. Importantes estudos sobre
a condição feminina foram publicados desde então, entre os quais Mística feminina, em 1963, por
Betty Friedan (1921-2006), Política sexual, em 1960, por Kate Millet (1934-), e A condição da mu-
lher, em 1961, por Juliet Mitchell (1940-). Paralelamente, desenvolveu-se um movimento vigoroso
de reivindicação de direitos políticos, civis e sociais, além do questionamento das raízes culturais da
desigualdade de gênero.

O segundo sexo
Simone de Beauvoir, escrevendo no final da década de 1940 o livro intitulado O
segundo sexo, é uma voz isolada neste momento de transição. Denuncia as raízes
culturais da desigualdade sexual, contribuindo com uma análise profunda na qual
trata as questões relativas à biologia, à psicanálise, ao materialismo histórico, aos mi-
tos, à história, à educação para o desenvolvimento desta questão. Afirma ser necessá-
rio estudar a forma pela qual a mulher realiza o aprendizado de sua condição, como
ela vivencia, qual é o universo ao qual está circunscrita.
Simone de Beauvoir estuda a fundo o desenvolvimento psicológico da mulher e
os condicionamentos que ela sofre durante o período de sua socialização, condicio-
namentos que, ao invés de integrá-la a seu sexo, tornam-na alienada, posto que é
treinada para ser mero apêndice do homem.
ALVES, Branca Moreira; PITANGUY, Jacqueline. O que é feminismo. 8. ed. São Paulo: Brasiliense, 1991. p. 50-52.

Nas primeiras décadas da segunda metade do século XX, o movimento procurava contrapor-se
ao discurso que justificava a dominação masculina, segundo o qual as mulheres seriam inferiores aos
homens, isto é, fisicamente mais fracas, além de demasiadamente emocionais e sentimentais. Para
desmistificar esse discurso, destacava-se o caráter histórico, e não natural, da desigualdade sexual,
construída desde a Antiguidade para manter a opressão dos homens e a condição subalterna das
mulheres.
Nas décadas posteriores, ocorreu uma grande diversificação nas lutas e nos movimentos das
mulheres, bem como de suas organizações. Os seguintes temas se destacam hoje no movimento
feminista:
a crítica à sociedade patriarcal, baseada na dominação do homem como cabeça do casal e da família;
a igualdade de condições e de salários no trabalho;
o direito à liberdade de uso do corpo, no que se refere a reprodução, contracepção e aborto;
o questionamento da heterossexualidade como norma e o reconhecimento de outras manifesta-
ções da sexualidade, como a bissexualidade e o lesbianismo;

18 Direitos, cidadania e movimentos sociais

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a especificidade da visão feminina do mundo em todas as áreas do conhecimento;
a discussão sobre a identidade corporal e a sexualidade feminina.

Os indignados
O início da década de 2010 foi marcado por movimentos sociais que envolveram popu-
lações inteiras nos países árabes e uma variedade de atores na Europa e nos Estados Unidos.
Esses movimentos não eram centralizados nem tinham uma liderança definida. Os manifes-
tantes lutavam contra o poder financeiro e por um mundo melhor e mais democrático, no
qual se levassem em conta as necessidades da maioria da população.
O sociólogo brasileiro Giovanni Alves1 destaca algumas características desses novos
movimentos na Europa e nos Estados Unidos. De acordo com Alves, eles apresentam uma
densa e complexa diversidade social e expressam a proletarização crescente da população. Na
Europa, os manifestantes são jovens trabalhadores, desempregados, estudantes endividados e
inseguros em relação ao futuro e manifestam sua insatisfação em distúrbios de rua, como os
observados na Inglaterra e na França. Nos Estados Unidos, movimentos como o Ocupe Wall
Street agregam liberais, anarquistas, neo-hippies, jovens desencantados, trabalhadores organi-
zados e sindicalistas, entre outros. Os indignados (como os participantes desses movimentos
se denominam) europeus e estadunidenses expõem e criticam a concentração de riqueza
(dizem ser os 99% contra o 1%), a precariedade do trabalho e da vida e, principalmente, a
farsa democrática em seus países.
Esses movimentos, de caráter pacífico, utilizam com frequência as redes sociais e a estra-
tégia de ocupar áreas e edifícios para obter visibilidade social. Eles refletem as contradições do
sistema capitalista, mas não se pode dizer que são anticapitalistas. Constituem uma incógnita
social, pois são novos e de difícil classificação, por ora.

1 In: Ocupar Wall Street... e depois?. Carta Maior, 13 out. 2011. Disponível em: <www.cartamaior.com.br/templates/
materiaMostrar.cfm?materia_id=18687>. Acesso em: 14 set. 2012.

CENÁRIOS DOS MOVIMENTOS SOCIAIS

Políticos fartos de democracia, polícia nômica e democracia. Seu inimigo é a “corporatocracia”


que comprou governos e parlamentos, criou suas forças
contra o povo armadas, engajou- -se numa fraude econômica sistêmica
Ao que parece, os políticos estão fartos da democra- e saqueou ecossistemas e tesouros.
cia. Por todos os EUA, a polícia, atuando sob as ordens das […]
autoridades locais, vem pondo fim aos acampamentos Afinal, o que há de mais profundo no caso dos movi-
montados pelos manifestantes do movimento Ocupe Wall mentos de protesto não são as demandas, mas sim a in-
Street. Às vezes com uma violência escandalosa e total- fraestrutura nascente de uma humanidade comum. Por
mente gratuita. décadas o que se tem dito aos cidadãos é que se deve
[…] manter a cabeça baixa — seja num mundo de fantasia
Repentinamente, os EUA assemelham-se ao restante consumista ou na pobreza e na labuta — e deixar a lide-
do mundo que não é completamente livre, está furioso e rança para as elites. O protesto é transformador precisa-
protesta. De fato, muitos comentaristas não conseguiram mente porque as pessoas emergem, encontram-se face a
entender completamente que uma guerra mundial está face e, ao reaprender os hábitos da liberdade, criam novas SOCIOLOGIA
ocorrendo, mas que esse conflito é diferente de qualquer instituições, relacionamentos e organizações.
outro na História da humanidade. Pela primeira vez, as Nada disso pode ocorrer num ambiente de violência
pessoas no mundo todo não estão se identificando e se policial e política contra manifestações democráticas e pa-
organizando com base em posições religiosas ou nacionais, cíficas. Como indagou Berthold Brecht, após a brutal re-
mas em termos de consciência global e as demandas são pressão dos comunistas alemães orientais, em junho de
de uma vida pacífica, um futuro sustentável, justiça eco- 1952, “não seria mais fácil… para o governo dissolver o

Direitos, cidadania e movimentos sociais 19

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povo e eleger um outro?”. Por toda a parte nos Estados ativa, a situação social não se alterou. Nestas cidades, a
Unidos, e em muitos outros países, líderes supostamente participação eleitoral continuava sendo elevada, mesmo
democráticos parecem estar considerando seriamente a tomando em conta o fato de que o voto não é obrigatório.
irônica pergunta de Brecht. Ao contrário do que ocorria em cidades vizinhas, despro-
vidas deste tecido social e atingidas por distúrbios gene-
WOLF, Naomi. Fartos de democracia, políticos jogam polícia contra o povo. ralizados. Indo mais longe, muitos especialistas apontam
In: Conversa afiada, 4 nov. 2011. Disponível em: <blogs.estadao.com.br/radar-
global/visao-global-politicos-fartos-de-democracia-policia-contra-o-povo/>.
o declínio dos sindicatos e dos partidos políticos de extra-
Acesso em: 17 set. 2012 ção popular como um dos fatores que contribuem para a
eclosão de revoltas urbanas movidas pela violência.
Semelhanças nas revoltas na Inglaterra ALENCASTRO, Luiz Felipe de. Desemprego e decadência urbana explicam
com os tumultos na França revolta na Inglaterra e sua semelhança com tumultos na França. UOL Notícias,
13 ago. 2011. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/blogs-colunas/
Com várias noites de violência, cinco mortos, como- colunas/luiz-felipe-alencastro/2011/08/13/desemprego-e-decadencia-urbana-
explicam-revolta-na-inglaterra-e-sua-semelhanca-com-tumultos-na-franca.
ção nacional e prejuízos que ultrapassam 200 milhões de jhtm>. Acesso em: 17 set. 2012.
libras, os tumultos urbanos na Inglaterra começam a ser
comparados às insurreições que sacodem a França de ma-
neira recorrente.

LUKE MACGREGOR/REUTERS/LATINSTOCK
[…]
Do lado das semelhanças há o detonador que, tanto
na França em 2005 e 2007, como agora na Inglaterra,
originou-se num enfrentamento em que a polícia, volun-
tária ou involuntariamente, causou a morte de um jovem
vivendo numa zona urbana desleixada pelos poderes pú-
blicos. Em seguida, há também a reação dos governantes
e da maioria da mídia que, na França de ontem e na Ingla-
terra de hoje, negam prontamente a responsabilidade po-
licial e o mal-estar social dos jovens.
[…]
De fato, por trás das revoltas há o desemprego, a de-

JOEL SAGET/AFP
cadência de áreas urbanas, a falta de perspectivas para jo-
vens saídos de famílias europeias modestas ou de comuni-
dades de imigrantes instalados na França e na Inglaterra.
Este último ponto levou a extrema direita — e não só ela
— a atribuir a responsabilidade dos tumultos às minorias
étnicas e aos estrangeiros.
Na realidade, os processos dos envolvidos na bader-
na em Londres têm mostrado que a esmagadora maioria
dos acusados tem a nacionalidade britânica. A mesma
constatação foi feita na França em 2005 e 2007: os con-
denados por vandalismo eram majoritariamente france-
ses. Aliás, mesmo quando são estrangeiros na Inglaterra,
Imagens do mal-estar social na Europa: no alto, protesto dos estagiários
muitos dos acusados são cidadãos de outros países da
franceses em frente ao Ministério do Trabalho em Paris, em 2005; acima,
União Europeia. Dispondo assim de livre acesso e estadia confronto entre jovens e policiais em Londres, em 2011.
no território inglês.
No final das contas, as razões mais profundas do mal- 1 Com base nos dois textos, responda: qual é a relação entre
-estar social e das revoltas parecem residir na falta de cui-
dado e diálogo das autoridades locais com as comunidades revoltas, inconformismo e luta por direitos e democracia?
de jovens deixados de lado pelo mercado de trabalho e
2 Aponte semelhanças e diferenças entre os movimentos so-
pelos serviços públicos. Segundo estudos feitos sobre os
motins franceses de 2005 e 2007, nas cidades suburbanas ciais da década de 2010 abordados no capítulo e os movi-
onde os vereadores, os representantes sindicais, comuni- mentos sociais anteriores. Fundamente suas considerações
tários e os serviços públicos e culturais tinham presença com exemplos extraídos dos textos citados. .

20 Direitos, cidadania e movimentos sociais

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TAREFA PARA CASA

1 Entre 1979 e 1980, uma série de greves eclodiu nas cidades dos discursos produzidos pela sociedade para classificar
que formam o chamado ABC paulista. Lideradas pelo então e controlar as práticas homoeróticas, ele está questio-
sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva, essas greves tinham nando essa relação de poder presente na sexualidade.
como objetivo melhorar os salários e as condições de tra- Mais do que isso, ele está reagindo a essa relação de
balho dos funcionários das empresas automobilísticas da re- poder, propondo novas formas de conhecimento que
gião. Contudo, não foram raros os comícios e encontros dos lutam em duas direções: por um lado, combatem e des-
grevistas que acabaram em confrontos com a polícia e, até constroem os discursos dominantes, e, por outro, ela-
mesmo, na prisão de vários manifestantes. boram novas formas de entendimento para as práticas
homoeróticas.
a) Considerando as relações entre capital e trabalho, como
FERRARI, Anderson. Revisando o passado e construindo o presente: o
se justificam as greves como forma de reivindicação? movimento gay como espaço educativo. In: Revista Brasileira de Educação,
jan. /fev. / mar./ abr., n. 25, 2004, p. 108. Disponível em: <www.scielo.br/pdf/
Se nas relações sociais entre capital e trabalho o primeiro prepon- rbedu/n25/n25a09.pdf>. Acesso em: 29 nov. 2013.
dera sobre o segundo, as greves se justificam como forma de o
trabalhador reclamar por melhores condições de vida. Ou seja, se De acordo com o autor, o movimento gay se propõe a
é com sua força de trabalho que o trabalhador entra nas relações combater e desconstruir os discursos dominantes e apre-
sociais de produção, ele encontra na interrupção periódica das sentar novas formas de compreensão do homoerotismo.
suas tarefas trabalhistas um meio de lutar por melhores salários
e condições de trabalho. Esses propósitos podem ser relacionados à construção da
cidadania? Por quê?

b) Utilizando o instrumental teórico de Émile Durkheim, Sim. Os movimentos sociais que visam legitimar as diferenças das
como você analisaria as greves gerais do ABC paulista? identidades sexuais contribuem para a aceitação e o reconhecimen-
to do outro como igual e, assim, para a construção da cidadania.
As greves expressariam uma situação de anomia, isto é, resul- 3 Leia a matéria a seguir e responda à questão.
tariam da inexistência de regras e normas capazes de regular
as atividades produtivas e a organização das várias categorias [...]
sociais. Para Durkheim, a questão social é também moral, pois Moradores de Higienópolis, bairro de alto poder
envolve ideias e valores divergentes dos da consciência coletiva.
Assim, ao sobrepor os desejos de alguns grupos ou de alguns aquisitivo da região central de São Paulo, andam incon-
indivíduos aos sentimentos gerais da sociedade, as greves con- formados com a vida.
tribuiriam apenas para a desintegração da sociedade, quando o Insatisfeitos com o que dizem ser mais deveres do
fundamental seria preservar a coesão social e manter a solidarie- que direitos, fundaram um grupo para lutar por uma
dade orgânica decorrente da divisão do trabalho social.
causa comum, o bem-estar e a prosperidade de ilustres
habitantes daquela vizinhança, os cães.
c) Agora, analise as greves utilizando os conceitos de Karl Assim surgiu o Sindicato dos Cachorros, um grupo
Marx. de cachorreiros, como os donos gostam de ser chamados.
Para Marx, as greves são a expressão mais visível da luta de No estatuto do sindicato, “os cachorros são como
classes na sociedade capitalista e envolvem sempre três atores as vacas na Índia, animais sagrados”, e criar os bichos
sociais: o trabalhador, o empresário e o Estado. No caso das gre- “não é uma mera vaidade, mas um estado de espírito”.
ves do ABC, a participação do Estado foi particularmente acen-
tuada: mobilizando-se para lutar por melhores condições salariais O grupo, que já reúne mil filiados, de médicos a
e de trabalho num momento histórico em que vigorava a ditadura advogados, diz ter se juntado para “dar representativi-
militar, os trabalhadores confrontavam não só o patronato, mas o dade, proteção e apoio político e social aos cachorros e
próprio regime, tendo sido duramente reprimidos. assim conquistar seus direitos”.
2 Leia o texto a seguir e responda à questão. Na pauta de reivindicações do parque Buenos Ai-
res, o reduto dos cachorros no bairro, tanques para os
Mas pensar a articulação entre sociedade, intimidade
cães se refrescarem; esterilização do solo; novo bebe- SOCIOLOGIA
e sexualidade é pensar, principalmente, na relação de po-
douro e melhorar o piso de barro, que fica enlameado
der que organiza essa associação. À luz do pensamento
na chuva.
foucaultiano, o poder que se organizou em torno da se-
[...]
xualidade não se caracterizou apenas como repressor. Ele GALVÃO, Vinícius Queiroz. “Sindicato” com mil afiliados levanta bandeira
foi capaz de produzir prazer e reação. Nesse sentido, dos cães. Folha de S.Paulo. São Paulo, 12 dez. 2010. Disponível em: <www1.
quando o movimento gay se dispõe a pensar a organização folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1212201018.htm>. Acesso em: dez. 2013.

Direitos, cidadania e movimentos sociais 21

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Sob o ponto de vista sociológico, o “Sindicato dos Cachorros” pode ser considerado um movimento social? Por quê?

Ao refletir sobre a questão proposta, os alunos poderão perceber que os movimentos sociais nem sempre envolvem confrontos com o
Estado ou entre classes, podendo canalizar interesses diversos dos variados segmentos da sociedade. Um movimento voltado para a
defesa dos direitos dos animais, como o mencionado no texto, também é, da perspectiva sociológica, um movimento social.

ANOTAÇÕES

22 Direitos, cidadania e movimentos sociais

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CAPÍTULO

3 Direitos e cidadania no Brasil

Veja, no Guia do Professor, o quadro de competências e habilidades desenvolvidas neste módulo.

Objetivos: Pensar em direitos e cidadania no Brasil significa refletir sobre a história da população brasilei-
ra e as características das relações políticas e sociais que aqui se estabeleceram. De acordo com o
c Compreender que historiador brasileiro José Murilo de Carvalho (1939-), no livro Cidadania no Brasil: o longo caminho,
os direitos foram publicado em 2001, a sequência histórica da conquista de direitos no Brasil foi diferente da que
conquistados examinamos anteriormente, proposta por T. H. Marshall. Aqui, primeiro se estabeleceram os direitos
gradativamente sociais; depois, os políticos e os civis. Neste capítulo, vamos verificar como isso aconteceu.
e, dessa maneira,
estruturou-se a
cidadania. UMA SOCIEDADE COM DIREITOS PARA POUCOS
Cem anos após a independência, nos anos 1920, o legado colonial, principalmente da escra-
c Analisar historicamente vidão, continuou presente na sociedade brasileira. Os valores de liberdade individual praticamente
e entender que muitas inexistiam na sociedade escravocrata e pouco significavam para a maioria da população. Para os não
pessoas lutaram para escravos, os direitos civis só existiam no papel.
conquistar direitos que
Se a maioria estava abaixo da lei, os senhores coronéis estavam acima dela. Os direitos de ir e
estão incorporados ao
vir e de propriedade, a inviolabilidade de domicílio e a proteção da integridade física dependiam do
nosso dia a dia e são
poder dos coronéis. São da época dos coronéis, por exemplo, algumas expressões que continuam
garantidos por lei.
vivas: “Para os amigos, pão; para os inimigos, pau”; “Para os amigos, tudo; para os inimigos, a lei”.
c Compreender que os Somente no final da década de 1920, em decorrência da imigração e da luta dos trabalhadores
direitos e a cidadania nas grandes cidades, principalmente São Paulo e Rio de Janeiro, algumas pequenas conquistas foram
garantidos por lei, alcançadas, como os direitos de organização, de manifestação, de escolha do trabalho e de fazer
devem ser exigidos e greve. Mas, como aos olhos dos governantes a “questão social era uma questão de polícia”, houve
exercidos em plenitude. muita repressão.
Os direitos políticos eram igualmente restritos. A Constituição de 1824 permitia que votassem
c Analisar o
todos os homens (as mulheres não votavam) acima de 25 anos, com renda de 100 mil réis, mesmo
desenvolvimento dos
que fossem analfabetos; com isso, apenas 13% da população tinha condição de votar. O voto era
direitos e da cidadania
obrigatório, como é ainda hoje. E, como já vimos, as eleições eram controladas pelos coronéis locais
no Brasil desde o
ou pelas oligarquias regionais, o que significava que a decisão do voto estava na mão de quem tinha
período colonial.
o poder. Era o chamado voto de cabresto.
Em 1881, a Câmara de Deputados votou uma lei que aumentava a renda dos eleitores para 200
mil réis e proibia o voto dos analfabetos. Como somente 15% da população era alfabetizada, 80%
dos homens perderam o direito de votar. Nas eleições parlamentares de 1886, por exemplo, votaram
pouco mais de 100 mil pessoas, ou 0,8% da população brasileira.
Essa situação legal não mudou com a primeira Constituição da República, promulgada em 1891.
No ano seguinte, apenas 2,2% da população votou e, em 1930, 5,6% dos brasileiros foram às urnas.
Como podemos ver, os governantes eram escolhidos por pouquíssimas pessoas.
Com os direitos civis e políticos tão restritos, quase não existiam direitos sociais durante o perío-
do imperial e a Primeira República. A assistência social estava nas mãos das irmandades religiosas ou SOCIOLOGIA
de sociedades de auxílio organizadas por pessoas leigas. Essas instituições funcionavam para quem
contribuía, fazendo empréstimos, garantindo apoio em casos de doença, auxílio funerário e, em
algumas circunstâncias, pensão para viúvas e órfãos. Existiam, também, sociedades de auxílio mútuo
que eram organizadas por trabalhadores e sindicatos. O Estado não se envolvia nessas questões.
Os direitos dos trabalhadores das cidades não existiam e, quando se estabelecia alguma regu-
lamentação — como a da jornada de trabalho infantil (1891) ou a do direito de férias (1926) —, seu
cumprimento não era levado em conta nem cobrado pelas autoridades. Na zona rural, prevalecia a

Direitos, cidadania e movimentos sociais 23

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dependência do trabalhador em relação ao grande proprietário, que em geral forne-

ACERVO ICONOGRAPHIA
cia alguma assistência médica e remédios, numa atitude paternalista que encobria a
exploração.
Na área do ensino, a Constituição de 1824 estabelecia como obrigação do Estado
fornecer educação primária, mas essa determinação nunca foi efetivada. A Constitui-
ção de 1891 retirou essa obrigação do Estado, ou seja, a educação passou a ser uma
questão particular.
Muitos foram os movimentos sociais que surgiram nesse período para modificar
o cenário político e social em várias partes do Brasil, o que demonstra que a população
tinha noção de seus direitos e dos deveres do Estado. Mas tais movimentos refletiam
muito mais reações aos abusos sofridos do que tentativas de proposição de novos
direitos.

A CIDADANIA REGULADA
Entre 1930 e 1964, o tratamento da questão dos direitos civis e políticos variou
bastante, mas na maior parte do tempo eles foram restritos ou abolidos. Os direitos
O sapateiro eleitor. Na charge de Rafael
sociais, por sua vez, avançaram, embora sob o controle do Estado. Configurou-se o que o sociólogo
Mendes Carvalho, publicada em 1840,
um sapateiro exibe desenhos na parede a brasileiro Wanderley Guilherme dos Santos (1935-) chamou de “cidadania regulada”, uma cidadania
um candidato que lhe pede voto. Em um restrita e sempre vigiada pelo Estado, do ponto de vista legal ou policial.
dos desenhos, um político eleito derruba De 1930 a 1945, os direitos civis e os direitos políticos evoluíram pouco porque foi curto o
o que o ajudou a conquistar o cargo. Em
outro, um candidato sobe ao poder por
período de vigência da Constituição liberal de 1934. Com a Constituição de 1937, no contexto do
uma escada formada pelo povo. Estado Novo (o regime ditatorial que se prolongou até 1945), a participação da população restringiu-
-se às votações para o Legislativo, pois as eleições para os cargos executivos foram indiretas ou não
ocorreram.
De 1945 a 1964, os direitos civis e políticos retornaram a uma situação estável, com liberdade de
imprensa, de manifestação e de organização partidária, mas houve exceções: o Partido Comunista
Brasileiro (PCB), por exemplo, teve seu registro cassado em 1947, e as greves só eram consideradas
legais quando autorizadas pela Justiça do Trabalho.
Quanto às eleições, a Constituição de 1946 determinava a extensão do direito ao voto a todos
os cidadãos (homens e mulheres) maiores de 18 anos, menos os analfabetos. Assim, a participação
da população nas eleições cresceu lentamente: em 1945 era de 13,4%; em 1950, subiu para 15,9%; em
1960, o índice de participação chegou a 18% (ainda muito baixo).
No âmbito dos direitos sociais, o período do governo de Getúlio Vargas, mesmo durante a di-
tadura do Estado Novo, ficou conhecido como aquele em que se colocaram em prática as reformas
trabalhistas no Brasil. Um dos primeiros atos desse governo, ainda em 1930, foi a criação do Ministério
do Trabalho, Indústria e Comércio. Já na vigência da ditadura estadonovista, em 1o. de maio de 1943,
entraria em vigor a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Essa legislação continua vigente com poucas alterações importantes. As disposições mais signi-
ficativas dessas leis, que não regulavam o trabalho rural, foram a jornada de oito horas diárias para os
trabalhadores do comércio e da indústria, a regulamentação do trabalho de menores e do trabalho
feminino, o direito a férias remuneradas e a implantação do salário mínimo. É importante lembrar
que essas disposições eram reivindicadas pelos trabalhadores desde o início do século XX.
Para que esses direitos se efetivassem, foi montada uma estrutura sindical, previdenciária e jurídi-
ca que envolveu a criação de diversos órgãos e instituições, entre os quais a Justiça do Trabalho, com
tribunais regionais, o Tribunal Superior do Trabalho e os Institutos de Aposentadorias e Pensões por
categoria profissional, como a dos industriários, comerciários, ferroviários, bancários. Houve a criação
da Carteira de Trabalho como o documento do trabalhador, importante para que fossem esclareci-
das pendências jurídicas entre patrões e empregados, e do Imposto Sindical (valor correspondente
a 1/30 do salário mensal ou de um dia de trabalho), que serviria para a manutenção dos sindicatos.
A estrutura sindical foi construída como órgão colaborador do Estado. Para que os sindicatos
existissem oficialmente, era exigido seu reconhecimento pelo Ministério do Trabalho. Assim, o mo-
vimento operário tinha um dilema: ganharia a proteção do Estado e perderia a liberdade. Se quisesse
ter liberdade, perderia a proteção do Estado.

24 Direitos, cidadania e movimentos sociais

book-SESI_EM_SOC_2SERIE.indb 24 21/11/16 18:48


OS DIREITOS CASSADOS E A VOLTA DA CIDADANIA
Com a ditadura, a partir de abril de 1964, os direitos civis e políticos foram restringidos. Para isso,
o governo militar, como já vimos anteriormente, utilizou os Atos Institucionais (os AIs), que tornavam
legal a ausência de direitos.
Nesse período, os direitos civis básicos foram todos violados, com a proibição das greves, a
execução de prisões arbitrárias, a violação de domicílios e correspondência e a promoção de tortura
nas prisões. Para que a ditadura parecesse legítima, foi mantido em atividade o Congresso Nacional
— que era totalmente vigiado e só funcionava quando os militares permitiam. Também contribuindo
para a aparência de legitimidade, a Constituição de 1946 foi mantida até 1967, quando se votou uma
nova Constituição, que incorporava os dispositivos jurídicos dos Atos Institucionais e estabelecia
que somente o Executivo podia enviar propostas para alterá-la. O poder Legislativo restringia-se a
um espectador das propostas de mudanças e votava sempre conforme determinava o Executivo.

ACERVO ICONOGRAPHIA
Comemoração do Dia do Trabalho no
estádio do Pacaembu, em São Paulo,
SP, 1º. de maio de 1944.
ARQUIVO/AE

Em frente à Igreja da Candelária,


no Rio de Janeiro, RJ, agentes do
Departamento de Ordem Política
e Social (Dops) e policiais militares
agridem os participantes da missa de
sétimo dia em memória do estudante
secundarista Edson Luís de Lima
Souto. Ele foi assassinado pela polícia
militar durante uma manifestação de
estudantes no restaurante Calabouço,
em 28 de março de 1968, no Rio de
Janeiro. SOCIOLOGIA
A partir de 1978 esboçou-se a chamada “abertura lenta e gradual” proposta pelos militares. O
Congresso Nacional pôde votar o fim do AI-5 e da censura prévia aos meios de comunicação e o
restabelecimento do habeas corpus para crimes políticos. Em 1979, foi votada a Lei de Anistia, que
permitiu a volta dos brasileiros exilados. Assim continuou o processo de “abertura”, sempre condu-
zido e vigiado pelos governos militares. Somente no governo de José Sarney (1985-1990) a abertura
efetivou-se. Em 1988, o Congresso aprovou a Constituição que vale até hoje, apesar das emendas e
modificações.

Direitos, cidadania e movimentos sociais 25

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Se os direitos civis e políticos foram praticamente aniquilados durante a ditadura, os direitos
sociais foram utilizados para deixar transparecer um mínimo de cidadania e, como no período ante-
rior, para cooptar setores populares. Assim, houve alguns ganhos nesse setor. O mais importante foi
a unificação do sistema previdenciário, com a criação, em 1966, do Instituto Nacional de Previdência
Social (INPS, hoje Instituto Nacional do Seguro Social — INSS), que deixava de fora apenas o funcio-
nalismo público, mantido em regime próprio.
Em 1971, criou-se o Fundo de Assistência Rural (Funrural), que, pela primeira vez na história do
país, dava ao trabalhador rural o direito à aposentadoria, à pensão e à assistência médica. Em 1972 e
1973 foram incorporadas ao sistema previdenciário duas categorias profissionais: a dos empregados
domésticos e a dos trabalhadores autônomos. Assim, só ficavam fora do sistema de previdência
nacional os chamados trabalhadores informais.

U. DETTMAR/FOLHAPRESS

A Lei de Anistia, votada pelo Congresso


Nacional em 1979, é um marco do processo
de abertura gradual iniciado em 1978, com
a revogação do AI-5. Na foto, Leonel Brizola
é recebido em sua cidade natal, São Borja,
Rio Grande do Sul, em setembro de 1979,
depois de um exílio de 15 anos.

Entre as ações do governo militar, no plano social, cabe ainda destacar a tentativa de facilitar a
compra da casa própria pela população de baixa renda. Para isso, foram fundados o Banco Nacional
de Habitação (BNH) e o Sistema Financeiro de Habitação (SFH), que disciplinavam o financiamento
No dia 3 de outubro de 1988, em Brasília,
o presidente do Congresso Constituinte, de imóveis.
Ulysses Guimarães, ergue a Constituição
que seria promulgada dois dias depois.
CIDADANIA HOJE
A Constituição de 1988, chamada de Constituição Cidadã, tornou possível pela primeira vez
na história do Brasil a vigência de uma legislação democrática, garantindo a plenitude dos direitos
civis, políticos e sociais.
O aspecto mais marcante dessa Constituição é o fato de os direitos e garantias fundamentais
aparecerem antes das disposições sobre o funcionamento dos poderes do Estado. Isso significa que
o Estado está a serviço dos cidadãos e esses direitos não podem ser abolidos. Em outras palavras, os
direitos civis, políticos e sociais estão acima do Estado e legalmente definidos.
Os direitos humanos ganharam tal posição na Constituição porque, nos últimos anos da dita-
dura militar, ocorreram muitos movimentos sociais em defesa deles. No entanto, para que se tornem
substantivos, é necessário que sejam efetivados no cotidiano dos indivíduos.
Como vimos, o histórico dos direitos no Brasil parece estar invertido em relação ao que se ob-
LULA MARQUES/FOLHAPRESS

servou nos Estados Unidos e nos países europeus. Os direitos civis e políticos foram restritos na maior
parte de nossa história, e as propostas de direitos sociais tiveram sempre o sentido de minimizar as
condições precárias de vida da população. Só recentemente podemos dizer que a maioria dos direitos
clássicos foi estabelecida nas leis do país. Ainda assim, há muito por fazer para que os indivíduos pos-
sam de fato viver dignamente, com educação de boa qualidade, sistema de saúde eficiente, direitos
trabalhistas permanentes, terra para trabalhar e habitação digna.

26 Direitos, cidadania e movimentos sociais

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CENÁRIO DOS DIREITOS NO BRASIL

Democracia, educação e cidadania Estranho no paraíso


O lado dramático e cruel da situação educacional bra- O morador de rua M. M. da S., 68, teve garantido
sileira está exatamente aí. O homem da camada social do- pela Justiça seu direito de transitar livremente pelas ruas
minante tira proveito das deformações de sua concepção de São Paulo e permanecer onde desejar.
de mundo. Ao manter a ignorância, preserva sua posição O idoso, que costumava dormir em uma praça da
de mando, com os privilégios correspondentes. O mesmo Vila Nova Conceição, área nobre da capital paulista, e aca-
não sucede com o homem do Povo. As deformações de sua bou no Hospital Psiquiátrico Pinel em meio à pressão de
concepção de mundo atrelam-no, indefinidamente, a um alguns vizinhos contra seu mau cheiro, pode agora “ir, vir
estado de incapacidade, miséria e subserviência. Transfor- e ficar sem qualquer restrição ou impedimento por quem
mar essa condição humana, tão negativa para a sociedade quer que seja”, conforme decisão da juíza Luciane Jabur
brasileira, não poderia ser uma tarefa exclusiva das escolas. Figueiredo, do Dipo (Departamento de Inquéritos Poli-
Todo o nosso mundo precisaria reorganizar-se para atingir- ciais e Polícia Judiciária).
-se esse fim. No entanto, é sabido que as escolas teriam O caso de S., que morava havia 20 anos nas ruas do
uma contribuição específica a dar, como agências de for- bairro, na praça Pereira Coutinho, onde apartamentos
mação do horizonte intelectual dos homens. Cabia à lei chegam a custar R$ 15 milhões, foi relatado pela Folha no
fixar certas condições, que assegurassem duas coisas es- final de maio, quando ele tinha sido encaminhado ao Pinel
senciais: a equidade na distribuição das oportunidades pela prefeitura. Dois dias após a publicação, foi liberado e
educacionais; a conversão das escolas em instituições so- levado para a Oficina Boracea, abrigo para moradores de
cializadoras, pondo cobro ao divórcio existente entre a rua, onde não quis ficar e saiu na mesma semana.
escolarização e o meio social. Ainda aqui a lei se mostra [...]
parcial e inoperante. Atende aos interesses dos novos cír- A medida é uma garantia individual estabelecida na
culos de privilegiados da sociedade brasileira, como as Constituição para quem sofrer ou estiver ameaçado de so-
classes médias e ricas das grandes cidades, e detém-se frer, por ilegalidade ou abuso de poder, restrição a sua li-
diante do desafio crucial: a preparação do homem para a berdade de locomoção.
democracia, que exige uma educação que não seja aliena- A juíza do Dipo considerou que “se foi liberado do
da política, social e historicamente. hospital psiquiátrico é porque não houve conclusão mé-
FERNANDES, Florestan. Educação e sociedade no Brasil. São Paulo: Dominus/ dica de que representasse perigo à própria saúde ou à saú-
Edusp, 1966. p. 537.
de de outrem”. “Somente a ele pode caber a decisão sobre
o que seja melhor para si; se quer voltar para as ruas, se
quer permanecer no abrigo ou, ainda, se prefere uma ou-
1 Qual é a função da educação em uma sociedade democrática? tra via pública para estar”, escreveu Figueiredo.
[...]
2 Que problemas o autor identifica na educação no Brasil?
IZIDORO, Alencar. Estranho no paraíso. Folha de S.Paulo. São Paulo, 19
jul. 2005. Cotidiano, p. C7. Disponível em: <http://acervo.folha.com.br/
fsp/2005/07/19/15>. Acesso em: 20 set. 2012.

1 De que direitos M. M. da S. tem sido privado ao longo de sua


vida?

2 Que direitos foram feridos quando ele foi proibido de “morar”


na praça?

ANOTAÇÕES
SOCIOLOGIA

Direitos, cidadania e movimentos sociais 27

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TAREFA PARA CASA

1 Ao comentar a repressão desencadeada contra os populares meço do século XXI?


no evento conhecido como Revolta da Vacina, que teve lugar Nessa questão, solicita-se do aluno uma análise comparativa,
com base no texto de Sevcenko. Não há uma resposta conclu-
no Rio de Janeiro, então capital federal do Brasil, em 1904, o siva, uma vez que é possível destacar tanto aspectos positivos
historiador Nicolau Sevcenko faz a seguinte análise da socie- quanto negativos na comparação dos períodos históricos. O im-
dade brasileira: portante é que o aluno identifique o foco da questão — a cidada-
nia — e considere as transformações que ocorreram no Brasil no
[...] que diz respeito à relação entre Estado e indivíduo, principalmen-
O estilo da repressão adotado na Revolta da Vacina te o pobre. Provavelmente, ele irá observar que a repressão e a
era indicativo ainda de outros elementos discriminató- intenção regenerativa não são tão salientes nas políticas públicas
rios e brutais, ligados à política de contenção e controle hoje, mas que ainda se vive no Brasil uma intensa desigualdade
social, econômica e racial, que fere severamente os direitos bá-
das camadas humildes. O aprisionamento arbitrário dos sicos de todo cidadão, pobre ou rico.
pobres da cidade, a humilhação pelo desnudamento, a
fustigação cruenta revelam um comportamento sistemá- 2 A situação dos direitos civis e políticos no Brasil durante a
tico e pontual da autoridade pública. A inspiração dessa ditadura militar é comentada no texto a seguir.
estratégia procede do modelo de tratamento reservado O secular desinteresse político dos brasileiros foi
aos escravos e que vigorou até a Abolição. A revelação potencializado nos anos da ditadura militar, que esva-
notável é que o que antes fora uma justiça particular, ziou as atividades partidárias, reprimiu a oposição, im-
aplicada no interior das fazendas e casas senhoriais, tor- pôs censura aos meios de comunicação, implantou uma
nou-se prática institucional da própria autoridade públi- reforma educacional que massificou o ensino, retiran-
ca no regime republicano. do-lhe quase todo o aspecto crítico, proibiu greves e a
Aos pobres em geral, nessa sociedade, não se atribuiu livre associação para trabalhadores e estudantes, divul-
a identidade jurídica de cidadãos, inerente à República. gou a ideologia governamental por todos os meios, es-
Na prática, era reservado a eles um tratamento similar ao pecialmente pelo uso da propaganda na televisão, en-
aplicado aos antigos escravos, controlados pelo terror, fim, fez o possível para que o povo deixasse os
ameaças, humilhações e espancamentos, com o Estado interesses coletivos nas mãos de especialistas do gover-
assumindo as funções de gerente e de feitor. Nesse mo- no. A ideologia difundida era a de que cada membro da
mento de transição brusca e traumática da sociedade se- sociedade deveria dar o máximo de si para colaborar no
nhorial para a burguesa, muitos dos elementos da primei- projeto de desenvolvimento do país, formulado de cima
ra foram preservados e assimilados pela segunda, para baixo por técnicos, intelectuais, políticos e milita-
sobretudo no que diz respeito à disciplina social. A vasta res do governo, que saberiam melhor do que ninguém
experiência no controle das massas subalternas da socie- os caminhos para a felicidade e o desenvolvimento da
dade imperial não podia ser desperdiçada pela nova elite. Nação. [...]
SEVCENKO, Nicolau. A Revolta da Vacina. São Paulo: Cosac Naify, 2010. p. 116.
RIDENTI, Marcelo. Política pra quê? São Paulo: Atual, 1992. p. 85.
a) De acordo com o historiador, a República brasileira, que
em 1904 completava 15 anos de existência, não atribuiu De acordo com o texto, o desinteresse dos brasileiros pela
aos pobres o estatuto jurídico de cidadãos. Explique política foi potencializado pela ditadura militar, que anu-
essa afirmação. lou quase todos os direitos civis e políticos no país, sobre-
A questão demanda tão somente uma interpretação do texto de tudo depois de 1968. Os direitos sociais não são mencio-
Sevcenko: nas primeiras décadas da República brasileira, podia- nados no excerto. O modo como os governantes militares
-se observar a herança da sociedade senhorial (colônia e império) lidaram com esses direitos também pode ter contribuído
no tratamento dado à população pobre. As elites concebiam as para potencializar o desinteresse político de boa parte da
camadas menos favorecidas da população como uma barreira ao
progresso ordenado, no melhor espírito positivista. À moderniza- população?
ção da capital federal corresponderam a limpeza e a regeneração
Sob o argumento de que era preciso estabelecer a ordem para
dos pobres, tirando-os do centro e vacinando-os contra doenças
incentivar o desenvolvimento da nação, os militares praticamente
contagiosas. Como houve oposição popular a essas medidas, a
cancelaram todos os direitos civis e políticos e, como forma de
polícia garantiu o cumprimento das políticas públicas pela força.
apaziguar possíveis manifestações críticas da sociedade civil, im-
b) Comparando a realidade abordada no texto e a do Brasil plementaram políticas voltadas para a garantia de direitos sociais.
Ou seja, o avanço nos direitos sociais funcionou como um manto
contemporâneo, quais são as diferenças e semelhanças ideológico para as políticas repressivas da ditadura militar, contri-
entre a sociedade do começo do século XX e a do co- buindo assim para manter a população brasileira distante de uma
participação substancial na política nacional.

28 Direitos, cidadania e movimentos sociais

book-SESI_EM_SOC_2SERIE.indb 28 21/11/16 18:48


3 Observe a charge a seguir. a) Utilize seus conhecimentos sobre a cidadania no Brasil
para interpretar a charge e responda: qual é o contexto

ANGELI
histórico da situação apresentada? Que elementos jus-
tificam essa conclusão?
A charge faz alusão ao período pós-ditadura militar. Tal contexto
fica explícito nas palavras da personagem central da charge, a
senhora que agradece aos céus por não haver mais no país per-
seguições políticas e censura à manifestação pública de opinião
contrária aos poderes estabelecidos.

b) Qual é a contradição social apresentada na charge?

Se a questão a) conduz à interpretação, a questão b) demanda a


reflexão. A contradição se manifesta no fato de a senhora agra-
decer aos céus pelo fim da repressão ditatorial em um cenário
de pobreza alarmante. A reflexão suscitada é: resolveu-se um
problema político, mas o problema social foi mantido e agravado.

ANOTAÇÕES

SOCIOLOGIA

Direitos, cidadania e movimentos sociais 29

book-SESI_EM_SOC_2SERIE.indb 29 21/11/16 18:48


CAPÍTULO

4 Os movimentos sociais
no Brasil

Veja, no Guia do Professor, o quadro de competências e habilidades desenvolvidas neste módulo.

Objetivos: Há registros de movimentos sociais no Brasil desde o primeiro século da colonização até nossos
dias. Esses movimentos demonstram que os que viviam e os que vivem no Brasil sempre procuraram,
c Compreender como de uma ou de outra forma, lutar em defesa de seus ideais e projetos.
se constituíram e
se organizaram os
movimentos sociais.
PERÍODO COLONIAL
Durante o período colonial (1500-1822), os movimentos sociais mais significativos foram os dos
c Conhecer os ideais e indígenas e os dos africanos escravizados. Além desses, ocorreram vários movimentos políticos, dois
projetos que moveram pela independência do Brasil.
esses movimentos.
Movimentos indígenas e
de escravos Resistência indígena na Colônia
Os povos indígenas lutaram do

MARIO YOSHIDA
século XVI ao século XVIII para não ser
escravizados e para manter suas terras e Equador
Rio Neg on
maz as
seu modo de vida. Veja, no mapa ao lado, ro
Ri
oA
Rio Itapecuru
Rio Canindé

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onde ocorreram alguns dos principais us

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movimentos indígenas do Brasil colonial.

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Rio Tocantins
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Os escravos africanos também não

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Rio A

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ficaram passivos diante das condições em

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ão Fra
que viviam. As principais formas de resis- bá

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tência que eles utilizaram foram as revoltas o Taqu
Ri
localizadas e a formação de quilombos,

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Rio Gran

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de
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que existiram do século XVII até o fim da guai
Para
íba do Sul

et
Rio

ê
Trópico de Capricórnio Rio Para
escravidão. Confederação dos Tamoios
(1555-1567)
O maior e mais significativo quilom- Guerra dos Aimorés
(1555-1673)
bo foi o de Palmares, que se localizava no Guerra dos Potiguaras
OCEANO
ATLÂNTICO

Fonte: Elaborado pelo autor.


(1586-1599/1617-1621)
atual estado de Alagoas. Ele começou a Revolta Mandu-Ladino
(1712-1719)
Grandes quilombos do se formar por volta de 1630. Mantido até Guerra dos Manaus
(1723-1728)
Brasil escravocrata 1694, abrigou de 20 mil a 30 mil habitan- Resistência Guaicuru
(1725-1744)
tes. Outros grandes quilombos se forma- Guerrilha Mura
0 645 1290
MARIO YOSHIDA

(1560-1689)
Equador
ram em diferentes épocas e lugares da Guerra dos Açus
km
(1686-1692)
Rio Neg
ro
Ri
oA
maz
onas
Belém colônia. Veja, no mapa ao lado, onde se
Alcobaça

localizavam alguns deles.


íb a

GRÃO-PARÁ
na

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io Recife
aia
Rio Tocantins

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ragu

o Palmares

Movimentos pela independência


Xique-
Rio A

sc

Xique
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BAHIA
Salvador
oS

Kalunga

No período colonial, entre os conflitos e revoltas motivados pelas políticas metropolitanas, dois
Ri

GOIÁS MINAS
GERAIS
Ambrósio
Rio Gran Bambuí
Campo
Grande
de
movimentos se destacaram por propor a independência em relação a Portugal: a Conjuração Mineira
(1789-1792) e a Conjuração Baiana (1796-1799). Ambos tinham por base as ideias disseminadas pela
Fonte: Elaborado pelo autor.

SÃO PAULO Rio de Janeiro


Trópico de Capricórnio São Paulo
Jabaquara

OCEANO
ATLÂNTICO
Revolução Francesa, mas havia diferenças em seus objetivos. Os inconfidentes mineiros propunham
a independência e um governo republicano, mas não o fim da escravidão. Já os conjurados baianos
defendiam a independência e o fim da escravidão, um governo republicano, democrático, com li-
Área de quilombo
berdades plenas, o livre-comércio e a abertura dos portos. Esses movimentos foram reprimidos de
0 645 1290
Cidade
km
modo violento, e seus líderes, presos, degredados ou enforcados.
Fonte: CAMPOS, Flávio, DOLHNIKOFF, Miriam. Atlas História do Brasil. São Paulo:
Scipione, 1993.

30 Direitos, cidadania e movimentos sociais

book-SESI_EM_SOC_2SERIE.indb 30 21/11/16 18:48


MUSEU HISTÓRICO NACIONAL, RIO DE JANEIRO, RJ

Leitura da sentença dos conjurados, óleo


sobre tela, sem data, de Eduardo Sá
(1866-1940): uma contribuição do artista
à construção de um herói nacional,
Tiradentes, integrante da Conjuração
Mineira, julgado em 18 de abril de 1792.

PERÍODO MONÁRQUICO
No período monárquico, entre 1822
e 1889, ocorreram movimentos pelo fim Rebeliões no Império

MARIO YOSHIDA
da escravidão e contra a monarquia, ten-
do como objetivo a instauração de uma Cabanagem
(1835-1840)
república no Brasil ou a proclamação de Balaiada
(1839)
repúblicas isoladas. Ocorreram ainda
Confederação do
movimentos em que se lutou por ques- Equador (1824)
Equador
tões específicas, contra as decisões vin- Belém
Manaus
das dos governantes, percebidas como São Luís
Fortaleza
autoritárias. Os mais expressivos estão Natal
Paraíba
indicados no mapa ao lado. Revolução Praieira
(1848)
Recife

Todos esses movimentos foram re-


Fonte: ALBUQUERQUE, Manoel Maurício de (org.).

Salvador
Atlas histórico escolar. Rio de Janeiro: Fundação

primidos violentamente. A ideia do go- Sabinada


Revolta dos (1837-1838)
verno em vigor era torná-los exemplos a Malês (1835)
Nacional de Material Escolar, 1973. p. 30.

OCEANO
não seguir. ATLÂNTICO
io Rio de Janeiro
Trópico de Capricórn

Revoltas regionais
Três movimentos regionais podem Porto Alegre Guerra dos Farrapos
(1835-1845)
ser tomados como exemplos de revoltas
contra políticas governamentais específi-
cas: a Revolta Ronco da Abelha, a Revolta Capital do Império
0 750 1500
do Quebra-Quilos e a Revolta das Mu- Cidade
km
lheres. A primeira ocorreu em 1851, com Fonte: ALBUQUERQUE, Manoel Maurício de (org.). Atlas histórico escolar. Rio de Janeiro:
SOCIOLOGIA
manifestações em várias províncias do Fundação Nacional de Material Escolar, 1973.

Nordeste contra o decreto que exigia o registro civil de nascimentos e óbitos. Dizia-se que essa era
uma forma de escravizar os recém-nascidos.
A Revolta do Quebra-Quilos começou na Paraíba em 1874 e se alastrou por todo o Nordeste,
motivada pelas arbitrariedades dos cobradores de impostos e pela imposição dos novos padrões de
pesos e medidas de acordo com o sistema decimal.
A Revolta das Mulheres ocorreu em 1875, em várias províncias do Nordeste. Tinha como alvo

Direitos, cidadania e movimentos sociais 31

book-SESI_EM_SOC_2SERIE.indb 31 21/11/16 18:48


um decreto que alterava a forma de recrutamento para o serviço militar.
De caráter mais amplo, separatista, foi o movimento que teve início no Rio Grande do Sul em
1835 e prolongou-se até 1945. Conhecido como Guerra dos Farrapos ou Revolução Farroupilha,
caracterizou-se como antimonarquista. Os farrapos (como ficaram conhecidos os integrantes do
movimento) propunham a criação de uma república separada do império brasileiro: a República
Rio-Grandense ou República de Piratini.

Movimentos nacionais
Dois grandes movimentos sociais, a partir de 1850, alcançaram âmbito nacional: o movimento
abolicionista e o republicano. Eles se desenvolveram paralelamente, mas com composições diferentes,
e foram fundamentais para a queda do império e a instauração da república no Brasil.
Tanto o movimento abolicionista quanto o republicano utilizaram a imprensa e a discussão
em vários níveis sociais. O fim da escravidão no Brasil, em 1888, abriu as portas para a implantação
da República, em 1889.
O movimento abolicionista
O movimento abolicionista agregou muitos negros e pardos libertos, além de políticos, inte-
lectuais, poetas e romancistas. Cresceu lentamente, pois sofria a oposição dos grandes proprietários
de terras e de escravos.
Vários passos foram necessários para a extinção da escravidão no Brasil. O primeiro foi dado
em 1850, quando, sob pressão da Inglaterra, o governo aboliu o tráfico de escravos, por meio da Lei
Eusébio de Queiroz.
Em 28 de setembro de 1871, a Câmara dos Deputados aprovou a Lei do Ventre Livre, que de-
terminou a liberdade para os filhos de escravos nascidos a partir daquela data. Na prática, porém,
o nascido livre ficava com a mãe até completar 8 anos de idade. Então, o senhor podia decidir se
libertaria a criança, em troca de uma indenização paga pelo Estado, ou se a manteria cativa até que
completasse 21 anos.
Em 28 de setembro de 1885, a Lei dos Sexagenários libertou os escravos com mais de 60 anos.
Essa lei tinha pouco efeito prático, pois a maioria dos escravos não chegava a essa idade.
Também contribuiu para o fim da escravidão a Guerra do Paraguai (1864-1870), pois eram
libertos todos os escravos que ingressavam no exército brasileiro. Pessoas livres que conviveram com
escravos nas fileiras do exército acabaram abraçando a causa abolicionista.
A tudo isso se pode agregar a presença das ideias liberais e republicanas nos últimos anos
do Império, que motivaram a criação de várias organizações, como a Sociedade Brasileira contra a
Escravidão (em 1880), a Confederação Abolicionista (em 1886) e a Caixa Emancipadora Luís Gama
(em 1882), além de jornais, como a Gazeta de Notícias, a Gazeta da Tarde, O Cabrito, O Mulato e O
Homem de Cor, que possibilitaram a divulgação da causa abolicionista.

ANTÔNIO LUIZ FERREIRA/FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL, RIO DE JANEIRO, RJ

“Sede da Gazeta de Notícias, no Rio de


Janeiro, RJ, em 1888. O jornal abolicionista
teve entre seus redatores, desde 1877,
José do Patrocínio, um dos principais
propagandistas da causa da libertação dos
escravos.

32 Direitos, cidadania e movimentos sociais

book-SESI_EM_SOC_2SERIE.indb 32 21/11/16 18:48


ANTÔNIO LUIZ FERREIRA/FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL, RIO DE JANEIRO, RJ

A escravidão no Brasil deixou de existir oficialmente em 13 de maio de 1888, mas a abolição não Multidão reunida em frente ao Paço
garantiu melhores condições de vida para os ex-escravos, que foram abandonados à própria sorte. Imperial, no Rio de Janeiro, RJ, após a
assinatura da Lei Áurea, em maio de 1888.
Essa situação deu início a uma questão social que ainda está presente no Brasil: a discriminação racial
e a enorme desigualdade social e econômica entre brancos e negros.
O movimento republicano
O movimento republicano foi dominado pelos segmentos mais ricos e poderosos da socieda-
de e contou com pouca participação popular. Seus organizadores buscavam uma nova forma de
acomodar os grupos que desejavam o poder sem a presença do imperador e da monarquia. Houve
a participação de liberais que defendiam uma república democrática, mas eles foram afastados e os
conservadores se apossaram do poder.
O movimento teve apoio também do exército brasileiro, que estava descontente com a mo-
narquia desde a Guerra do Paraguai. Os motivos desse descontentamento eram a resistência
do governo em abolir a escravidão e a exclusão dos integrantes do exército do processo de tomada
de decisões políticas. Jornais e organizações como a maçonaria, com forte presença do positivismo,
também difundiram ideias antimonarquistas.
A proclamação da República, em 1889, foi liderada por um militar, o marechal Manoel Deodoro
da Fonseca (1827-1892), monarquista e próximo ao imperador dom Pedro II — ou seja, a república
SOCIOLOGIA

no Brasil começou com um grande acordo entre os grupos dominantes.

PERÍODO REPUBLICANO
Desde as primeiras décadas da República registraram-se no Brasil, no campo e nas cidades,
movimentos sociais caracterizados por distintas motivações, formas de luta e abrangência. Exami-
naremos a seguir alguns deles.

Direitos, cidadania e movimentos sociais 33

book-SESI_EM_SOC_2SERIE.indb 33 21/11/16 18:48


Movimentos sociais rurais
Movimentos messiânicos: Canudos e Contestado
São chamados de messiânicos os movimentos sociais, de conotação religiosa, cujos integrantes
acreditam em um líder carismático, que identificam como “enviado de Deus” (um “messias”), que
os libertará da opressão, derrotará as injustiças e instituirá uma nova sociedade e o paraíso na Terra.
Em seu livro O messianismo no Brasil e no mundo, a socióloga brasileira Maria Isaura Pereira
de Queiroz (1918-) analisa uma série de movimentos messiânicos que ocorreram no Brasil desde o
período colonial, como o da Cidade do Paraíso Perdido, ocorrido por volta de 1817 em Alagoas e no
sul de Pernambuco; o do Reino Encantado, ocorrido por volta de 1836 em Pernambuco; o dos San-
tarrões, ocorrido em 1872 no Rio Grande do Sul; o do Beato do Caldeirão, ocorrido nas décadas de
1920 e 1930 no Ceará; e o do Povo do Velho Pedro, iniciado na década de 1940 no interior da Bahia.
Entre o final do século XIX e os primeiros anos do século XX, ocorreram no Brasil dois outros
expressivos movimentos rurais de caráter messiânico: a Guerra de Canudos e a Guerra do Contesta-
do. Eles foram marcados por duas semelhanças:
envolveram religiosidade, pobreza e insensibilidade política por parte dos governantes;
foram combatidos por forças policiais dos estados e pelo exército federal, ocasionando milhares
de mortes — cerca de 25 mil só em Canudos.

Guerra de Canudos e Guerra do Contestado

PORTAL DE MAPAS
Equador

CEARÁ
AMAZONAS
PARÁ RIO GRANDE
MARANHÃO
DO NORTE

PARAÍBA
PIAUÍ
PERNAMBUCO
Arraial ALAGOAS
o 1
de Canudos
SERGIPE
BAHIA
GOIÁS

Fonte: RESENDE, Maria Efigênia Lage de; Moraes, Ana Maria de. Atlas
Salvador
Sal
llvadd
dor OCEANO
O
MATO GROSSO
ATLÂNTICO
AT

histórico do Brasil. Belo Horizonte: Vigília, 1987. p. 66-67.


MINAS
GERAIS
OCEANO ESPÍRITO
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PACÍFICO SÃO
PAULO RIO DE JANEIRO Trópico
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rópico de Capricórnio
Rio de
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Caraguatá
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Taquaruçu
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1 Canudos (1893-1897) SANTA N
2 Contestado (1912-1916) RIO GRANDE CATARINA
DO SUL
Forças federais de repressão
aos movimentos messiânicos 0 440 km

60º O 40º O

34 Direitos, cidadania e movimentos sociais

book-SESI_EM_SOC_2SERIE.indb 34 21/11/16 18:48


FLÁVIO DE BARROS/MUSEU DA REPÚBLICA, RIO DE JANEIRO, RJ

Quinto Corpo da Polícia de Salvador, nas


O movimento de Canudos ficaria conhecido por esse nome porque foi em uma fazenda aban- proximidades do arraial de Canudos. Sob
donada chamada Canudos, localizada em um arraial do nordeste baiano, que, em 1893, se estabe- o comando do exército, esse grupo foi
leceram o cearense Antônio Conselheiro e seus seguidores. Lá constituíram uma comunidade que responsável pela conquista da trincheira
à frente da Igreja do Bom Jesus, último
chegou a ter cerca de 30 mil habitantes, agregando sertanejos de todo o Nordeste. reduto da resistência dos sertanejos.
Os moradores do arraial, ao qual o Conselheiro deu o nome de Belo Monte, viviam num siste-
ma comunitário: não havia propriedade privada e todos deviam entregar um terço do fruto de seu
trabalho para o sustento comum. A população dedicava-se ao comércio, às atividades agrícolas e ao
artesanato. As atividades religiosas permeavam o cotidiano da população.
Antônio Conselheiro não aceitava as instituições do governo republicano: considerava a separa-
ção entre Estado e Igreja Católica uma profanação da autoridade religiosa e condenava a celebração
do casamento civil. Opunha-se também à cobrança de impostos.
Temendo que o poder de Antônio Conselheiro perturbasse a ordem no campo, comprometen-
do a mão de obra necessária para as atividades rurais, ou afetasse o resultado das eleições, os proprie-
tários de terras e os governantes decidiram atacar o arraial sob o argumento de que os moradores
de Canudos eram perigosos monarquistas.
Em 1896, teve início a Guerra de Canudos, com o envio da primeira expedição de tropas mili-
tares para destruir o arraial. Essa expedição foi derrotada pelos moradores de Canudos, assim como
as duas seguintes. Em 1897, porém, a quarta expedição do exército venceu os sertanejos. A história
desse movimento ficou eternizada no livro Os sertões (1902), de Euclides da Cunha.
O outro movimento social rural que marcou as décadas iniciais da República, a Guerra Santa do
Contestado, ocorreu entre 1912 e 1916, em uma região de fronteira entre o Paraná e Santa Catarina,
que era disputada (contestada) pelos dois estados.
No início do século XX, muitos sertanejos que viviam na região estavam revoltados com as
condições de opressão impostas pelos coronéis locais. A situação piorou em 1908, quando a empresa
Brazil Railway Company obteve do governo uma faixa de terra de 30 quilômetros para construir uma
ferrovia ligando São Paulo ao Rio Grande do Sul. Os posseiros que viviam nesse local foram expulsos.
Em 1911, uma subsidiária dessa companhia, a Southern Brazil Lumber and Colonization, comprou
mais terras na região e expulsou mais moradores. Quando a ferrovia foi concluída, cerca de 8 mil
empregados da companhia foram demitidos sumariamente. Sem trabalho e sem moradia, sertanejos SOCIOLOGIA
e ex-empregados da ferrovia formaram uma grande população de desenraizados.
Na época, circulavam pela região andarilhos que eram chamados de “monges”. Eles faziam pre-
gações e rezas, indicavam penitências para evitar desastres pessoais ou comunitários e até “curavam”
doenças, de acordo com os crentes que os seguiam. Um desses monges, conhecido como José Ma-
ria, juntou mais de 20 mil sertanejos, com os quais fundou uma comunidade independente. Assim
como os moradores de Canudos, José Maria e seus seguidores viviam num sistema comunitário e
não obedeciam ao governo republicano.

Direitos, cidadania e movimentos sociais 35

book-SESI_EM_SOC_2SERIE.indb 35 21/11/16 18:48


A fim de expulsar essas comunidades das terras que ocupavam, os coronéis, apoiados por
tropas do governo, passaram a combater os sertanejos. José Maria morreu em um desses combates,
em novembro de 1912, e foi considerado “santo” por seus seguidores, que se rebelaram e passaram
a encarar o conflito com o governo como uma “guerra santa”.
Em 1914, os sertanejos controlavam um vasto território da região do Contestado. Em 1916,
forças policiais do Paraná e de Santa Catarina e integrantes do exército nacional, utilizando todo o
armamento do qual dispunham, inclusive bombardeio aéreo, conseguiram sufocar o movimento.

ARQUIVO HISTÓRICO DO EXÉRCITO, RIO DE JANEIRO, RJ


“Integrantes do movimento do
Contestado aprisionados em
Papanduva, Santa Catarina, em 1915.

Movimentos e organizações atuais


Os movimentos sociais rurais ocorridos no Brasil desde o século XX foram esparsos, mas in-
cessantes. Na década de 1950, os mais expressivos foram os movimentos de posseiros e pequenos
proprietários em Porecatu, no Paraná, e em Trompas e Formoso, no estado de Goiás.
A partir de 1955, os movimentos sociais e as revoltas no campo passaram a ter um caráter mais
amplo com a organização, em Pernambuco, das Ligas Camponesas, movimento que se estendeu
pelo Brasil até 1964. Por meio de ações populares, as Ligas Camponesas denunciavam as condições
precárias dos moradores do campo, bem como a estrutura da propriedade rural no Brasil, e propu-
nham a reforma agrária.

AE

Manifestação de camponeses no
Recife, Pernambuco, em 1961.

36 Direitos, cidadania e movimentos sociais

book-SESI_EM_SOC_2SERIE.indb 36 21/11/16 18:48


Nos últimos anos de enfrentamento contra o regime militar instaurado em 1964, o Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) desempenhou importante papel no questionamento da
situação da terra no Brasil. Organizado no Sul do país, a partir de 1979, com apoio de parte da Igreja
Católica (Pastoral da Terra), do Partido dos Trabalhadores (PT) e da Central Única dos Trabalhadores
(CUT), o MST criticava a estrutura da propriedade da terra no Brasil (onde o latifúndio é dominante)
e as condições de vida dos trabalhadores rurais.
Ainda hoje o MST é o movimento social rural mais atuante no Brasil. Uma das atividades do
grupo consiste na ocupação de terras improdutivas como forma de pressão pela reforma agrária.
Além dessa exigência, o MST reivindica financiamento e assistência técnica aos assentados, para que
estes possam produzir nas terras que conquistaram. O MST luta, ainda, pela construção de escolas
próximo aos assentamentos, de maneira que as crianças não precisem ir à cidade, a fim de fixar as
famílias no campo.
DIEGO MASCARENHAS/AE
ANDERSON BARBOSA/FOTOARENA

Manifestações do MST: acima, marcha de


5 mil integrantes pela reforma agrária, na
cidade de Salvador, Bahia, em 2010; ao lado,
ato público em abril de 2012, em São Paulo,
SP, para relembrar os 16 anos do assassinato
de 21 sem-terra no Pará e protestar contra
a violência empregada pela polícia durante
a reintegração de posse do Pinheirinho, em
São José dos Campos, SP, em 22 de janeiro
de 2012.

O movimento recebe apoio de organizações não governamentais e religiosas, do país e do ex-


terior, interessadas em estimular a reforma agrária e a distribuição de renda em países em desenvolvi-
mento. Sua principal fonte de financiamento, porém, é a contribuição dos camponeses já assentados.
Outra organização que está vinculada ao meio rural, mas não somente, é o Movimento dos
Atingidos por Barragens (MAB). O MAB organizou-se no fim da década de 1970, quando começaram
a ser construídas grandes usinas hidrelétricas em várias regiões do país. Para dar lugar à construção
de barragens, milhares de famílias foram expulsas de suas terras e casas. SOCIOLOGIA
A principal reivindicação do MAB era a indenização adequada das famílias desalojadas. Pos-
teriormente, as famílias passaram a exigir o direito de permanência na terra. Mais tarde a proposta
ampliou-se. O movimento passou a discutir as questões da água e da produção de energia, e da
integridade ambiental dos rios, da fauna e da flora.
Essa discussão tem sido ampliada para os centros urbanos, pois as altas tarifas de energia são
fruto do modelo energético implantado no país à custa da destruição das populações ribeirinhas. O
MAB tem montado a estratégia de juntar-se às populações urbanas, formando comitês para campa-
nhas de redução nas tarifas de energia. Atualmente, o MAB está organizado em 16 estados do Brasil.

Direitos, cidadania e movimentos sociais 37

book-SESI_EM_SOC_2SERIE.indb 37 21/11/16 18:48


Movimentos sociais urbanos
Os movimentos sociais de caráter urbano que marcaram o período republicano podem ser
agrupados em duas categorias principais: movimentos populares e movimentos ligados ao trabalho.
Movimentos populares
Vários movimentos foram organizados no decorrer do século XX para demonstrar a insatis-
fação popular com determinados atos de governantes em qualquer nível (municipal, estadual ou
federal). Um dos primeiros foi a Revolta da Vacina, que aconteceu em novembro de 1904, no Rio
de Janeiro. Milhares de habitantes tomaram as ruas em violentos conflitos com a polícia, revoltados
pela obrigatoriedade de se submeter à vacinação. Forças governistas prenderam quase mil pessoas
e deportaram para o Acre metade delas.
Muitos outros movimentos e revoltas esporádicos aconteceram nas cidades brasileiras duran-
te o século XX, reivindicando melhora nos transportes, mais escolas, fim das mortes no trânsito,
construção de passarelas sobre rodovias, fim da violência etc.
Movimentos mais duradouros também aconteceram nas cidades brasileiras. Um deles foi
o Movimento contra o Custo de Vida (MCV), que teve início em 1973, na cidade de São Paulo,
e chegou ao fim por ocasião do Plano Cruzado (1986), que reduziu por pouco tempo os preços
dos alimentos.
Outro movimento social duradouro é o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST),
que surgiu, em 1997, da necessidade de organizar a reforma urbana e garantir moradia a todos os
cidadãos. Começou nos municípios do Rio de Janeiro, Campinas e São Paulo e depois se dissemi-
nou para quase todas as metrópoles do país.
As formas de atuação do MTST variam de um local para outro, mas basicamente se desenvol-
vem por meio de ocupações de edifícios abandonados. O objetivo é pressionar o poder público a
permitir a ocupação desses espaços. O MTST também reivindica dos governos a implementação
de programas de moradia e acesso pela população de baixa renda a financiamentos para a compra
de imóveis.
Movimentos ligados à situação de trabalho
De 1889 até 1988, durante longos períodos, a greve foi proibida e até considerada crime. Em
alguns momentos, foi tolerada e sempre condicionada a análises do Ministério do Trabalho ou da
Justiça do Trabalho.
No início do século XX, as greves eram lideradas principalmente por imigrantes italianos, no Rio
de Janeiro e em São Paulo, sob forte influência anarquista. Esses movimentos grevistas denunciavam
as péssimas condições de vida dos trabalhadores, as longas jornadas de trabalho, os baixos salários,
a inexistência de leis trabalhistas e a exploração do trabalho feminino e infantil.
A repressão aos operários, sempre dura, apoiava-se em uma legislação que permitia expulsar
trabalhadores imigrantes e condená-los por “delitos ideológicos”, de acordo com critérios estabele-
cidos pelos governantes.
Com a crescente industrialização, principalmente após a década de 1950, formaram-se sin-
dicatos e centrais sindicais de âmbito nacional, que seriam silenciados no período militar iniciado
em 1964.
No processo de redemocratização do país, tiveram importante papel os movimentos grevistas
realizados na década de 1980 em São Paulo, principalmente no chamado ABCD (Santo André, São
Bernardo do Campo, São Caetano do Sul e Diadema), região que concentra o maior parque indus-
trial do Brasil e, portanto, o maior número de trabalhadores industriais. Eles questionaram não só as
condições salariais e de trabalho, mas também a legislação, que não permitia a livre organização dos
trabalhadores e o direito de manifestação. Desses movimentos nasceram a CUT e o PT.
A partir de então, os movimentos grevistas continuaram a se suceder e ainda são a principal
forma de luta dos trabalhadores, inclusive dos servidores públicos. Considerada crime contra a segu-
rança nacional durante o período ditatorial, a greve de servidores, conforme a Constituição de 1988,
é reconhecida como direito dessa categoria, sendo proibida apenas aos servidores militares. Todavia,
ainda não há regulamentação para o exercício desse direito. Por isso, as greves dos servidores públicos
são analisadas e julgadas como a dos trabalhadores do setor privado.

38 Direitos, cidadania e movimentos sociais

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Movimentos sociais contra as discriminações
Movimento negro
O moderno movimento político dos negros no Brasil desenvolveu-se a partir dos anos 1930.
Até então, havia um movimento baseado em organizações associativas, como clubes de recreação
ou literários e sociedades beneficentes. Com a fundação da Frente Negra Brasileira (FNB), em 1931,
o movimento se politizou. A FNB adotou um discurso nacionalista: destacava o caráter mestiço da
população brasileira e desconsiderava os laços históricos e culturais dessa população com a África.
As bases de seu programa eram a defesa da integração do negro na sociedade nacional e de classes
e o combate à discriminação racial, à qual se atribuía a pobreza da população afrodescendente.
Agregando ativistas e simpatizantes cujas posições políticas iam desde a nacionalista de direita até a
socialista, a organização foi posta na ilegalidade por Getúlio Vargas em 1937.
Em 1944, Abdias do Nascimento (1914-2011) e outros militantes do movimento negro fun-
daram o Teatro Experimental do Negro (TEN). A significativa produção teatral do grupo tinha por
objetivo desenvolver a consciência da negritude brasileira e ao mesmo tempo combater a discrimi-
nação racial. O grupo de Abdias propunha o resgate da cultura negra e todos os seus valores, que
haviam sido violentados, negados e desfigurados.
No plano da identidade nacional, o movimento procurava definir os negros não como uma
minoria de origem estrangeira, mas como a maioria, como o povo brasileiro. Nesse momento, pro-
curaram-se destacar as possibilidades de inserção e mobilidade social dos negros, pardos e mulatos,
e a reconstrução da autoestima por meio do teatro negro e de ações

ACERVO UH/FOLHAPRESS
como a promoção de concursos de beleza da mulher negra.
Nas décadas de 1950 e 1960, inspirados no TEN, outros grupos
teatrais vinculados ao movimento negro foram criados no Rio de
Janeiro e em São Paulo. Em 1968, no entanto, a repressão do regime
militar impediria as manifestações do movimento e levaria ao exílio
alguns de seus ativistas, entre os quais o fundador do TEN.
O movimento negro voltaria a emergir nos últimos anos da dé-
cada de 1970, apresentando significativas mudanças. O Movimento
Negro Unificado (MNU), fundado em 1978, e outras organizações
passaram a priorizar em sua luta a desmistificação do credo da de-
mocracia racial, negando o caráter cordial das relações raciais e afir-
mando que o racismo está entranhado na sociedade brasileira. A
defesa de políticas públicas voltadas à população afrodescendente
ganhou espaço, ferindo interesses e privilégios consolidados.
Hoje, o movimento negro, com uma diversidade enorme de
organizações, defende, entre outras medidas, o desenvolvimento
de políticas de reconhecimento de diferenças raciais e culturais, de
combate à discriminação, de afirmação dos direitos civis e de ações
afirmativas ou compensatórias.
Movimento das mulheres
O movimento das mulheres no Brasil seguiu inicialmente os
passos do movimento feminista internacional. Em 1918 a bióloga bra-
sileira Bertha Lutz (1894-1976) publicou na Revista da Semana uma
carta denunciando o tratamento discriminatório dado às mulheres.
Em 1919 criou a Liga pela Emancipação Feminina. Em 1921, no Rio de SOCIOLOGIA
Janeiro, fundou a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, que
lutava pelo voto, pela escolha do domicílio e pelo trabalho de mu-
lheres sem autorização do marido. Além dela devem ser lembradas,
entre outras ativistas pelo direito do voto, Mietta Santiago (1903-
1995), Luíza Alzira Soriano Teixeira (1897-1963) e Jerônima Mesquita Encenação da peça Sortilégio, de Abdias
(1880-1972). do Nascimento, pelo grupo Teatro
Graças à luta dessas mulheres, o Código Eleitoral de 1933 es- Experimental do Negro, no Rio de Janeiro,
em 1960.

Direitos, cidadania e movimentos sociais 39

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tendia o direito de voto e de representação política às mulheres. Na Constituinte de 1934 houve
uma representante das mulheres, a primeira deputada do Brasil: Carlota Pereira de Queirós (1892-
1982). Na década de 1930, as mulheres se fizeram presentes também nas greves operárias e na luta
JORGE ARAUJO/FOLHA IMAGEM
pelo acesso ao sistema educacional.
Como os demais movimentos sociais, o movimento das
mulheres também foi alvo de repressão e sofreu um refluxo
durante os períodos ditatoriais de Vargas (1937-1945) e dos
governos militares (1964-1985). No final da década de 1970 e
durante a década de 1980, porém, o movimento se ampliou e se
diversificou, com a participação nos partidos políticos, sindicatos
e associações comunitárias. O reconhecimento das questões de
gênero evidenciou-se na Constituição Federal de 1988, que in-
corporou propostas apresentadas pelos movimentos feministas
relativas aos direitos individuais e sociais das mulheres, e no fo-
mento a políticas públicas voltadas para o enfrentamento e a su-
peração da discriminação e da opressão. O resultado mais visível
das lutas do movimento foi a criação dos conselhos dos direitos
da mulher, das delegacias especializadas de atendimento à mu-
lher, de programas específicos de saúde integral e de prevenção
e atendimento às vítimas de violência sexual e doméstica.
Nas décadas de 1990 e 2000, a atuação do movimento so-
Ato público em defesa dos direitos da cial de mulheres ampliou-se por meio de numerosas Organizações Não Governamentais (ONGs),
mulher, em São Paulo, SP, em 1980.
com abrangência nacional e local e diversos projetos, estratégias, temáticas e formas de mobilização,
que incluem articulações de trabalhadoras rurais e urbanas, pesquisadoras, religiosas, negras, lésbicas,
entre outras.
Movimento LGBT
Primeira edição do jornal Lampião,
lançado em maio de 1978. O movimento atualmente denominado LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais
e Transgêneros) tem como objetivos lutar contra a discriminação e conquis-
tar direitos sociais, políticos e civis. A grande preocupação do movimento é
destacar o aspecto político-social da sexualidade para superar preconceitos,
estigmas e intolerância, rompendo com velhos padrões culturais.
O movimento teve expressões isoladas desde a década de 1940, mas
começou a ganhar força no Brasil em meados de 1970, com a formação de
grupos politicamente engajados. Em 1978, a criação do grupo Somos e o
lançamento do jornal Lampião da Esquina no eixo Rio de Janeiro-São Paulo
trouxeram um olhar político-social à discussão sobre a homossexualidade.
Ainda nesse período, as artes e a mídia se apropriaram de elementos andró-
ginos do universo contracultural, do qual fazia parte o movimento hippie.
A aparência andrógina contestava metaforicamente não apenas os padrões
machistas da sociedade patriarcal brasileira, mas também a opressão polí-
tica da época. Grupos musicais e performáticos como os Tropicalistas, Dzi
Croquettes e Secos&Molhados dedicavam grande parte de seu repertório,
figurino e performance aos temas da liberdade e da possibilidade de assumir
e vivenciar os próprios desejos.
Duas grandes demandas desenvolveram-se a partir de então. A pri-
ACERVO DO GRUPO DIGNIDADE, CURITIBA, PR

meira consistia em lutar para desvincular a homossexualidade da condição


de doença que o discurso médico do século XIX lhe atribuíra. Em 1973, a
homossexualidade deixou de ser vista como um distúrbio pela Associação
Americana de Psiquiatria e, em maio de 1990, a Organização Mundial de
Saúde (OMS) retirou-a da Classificação Internacional de Doenças (CID), dei-
xando claro que a homossexualidade não era nem doença, nem distúrbio,
nem perversão. Quatro anos depois, a nova classificação foi adotada por
todos os países membros das Nações Unidas.

40 Direitos, cidadania e movimentos sociais

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Ainda na década de 1980, a mesma luta

RAPHAEL CASTELLO/FUTURA PRESS


foi retomada quando se deu o enfrentamento
do maior desafio do movimento: a epidemia
do HIV (do inglês Human Immunodeficiency
Virus, vírus da imunodeficiência humana).
Defrontava-se mais uma vez a necessidade
de despatologizar a homossexualidade, que
passava a ser vinculada à síndrome provocada
pelo HIV, conhecida pela sigla aids (do inglês
Acquired Immunodeficiency Syndrome, síndro-
me da imunodeficiência adquirida). Posterior-
mente ficou demonstrado que os portadores
de HIV pertenciam a variados setores da so-
ciedade e não havia uma relação direta com a
homossexualidade, pois a transmissão ocorria Parada do Orgulho LGBT, em São Paulo,
através do sêmen e do sangue (por meio de relações sexuais, doação de sangue ou uso de seringas em 2008. Nessa 14ª.edição do evento o
contaminadas). tema foi “Homofobia mata! Por um Estado
A segunda mobilização é contra a homofobia (intolerância à homossexualidade). A população laico de fato”.
LGBT é uma das mais vulneráveis em relação à observância de seus direitos humanos. Nos últimos
20 anos, no Brasil, foram assassinados em torno de 2.500 indivíduos dessa população, vítimas do ódio
que se manifesta na forma cruel como são praticados tais homicídios. Entre as vítimas, 72% eram
gays e 25% travestis. Nem 10% dos assassinos foram identificados, colaborando com a impunidade,
a omissão e o mutismo de vizinhos e testemunhas. Nesse sentido, uma das reivindicações do movi-
mento LGBT é a criminalização das agressões motivadas por preconceito.
Desde a primeira metade da década de 1980, o crescimento do movimento homossexual acom-
panhava a gradual abertura política no país. As demandas do movimento caminhavam no mesmo
sentido do anseio da população por democracia, pelo fim da censura e pela liberdade de voto e
expressão. Assim, na década de 1990, o movimento embarca no contexto da redemocratização do
país com a proliferação de ONGs (organizações não governamentais) que visavam salvaguardar os
direitos básicos de grupos vulneráveis. Foram instituídas políticas públicas de prevenção e tratamento
das DSTs (doenças sexualmente transmissíveis) e o incentivo a ações pela conscientização do movi-
mento acerca da necessidade de lutar pelos direitos plenos de cidadania.
Na década de 2000, alguns partidos políticos passam a incorporar às suas pautas as demandas
do movimento LGBT, que são, resumidamente, as seguintes:
O direito à vida, independentemente de orientação sexual.
O direito à integridade social, refutando todas as formas de preconceito.
Os direitos civis, incluindo o direito ao casamento civil e à união estável entre pessoas do mesmo
sexo, com reflexos nos direitos de pensão, sucessão de bens, adoção de filhos etc. — ou seja, os
mesmos direitos já garantidos aos casais heterossexuais.
O direito a tratamento médico, no qual travestis e transexuais buscam ser atendidos pelos órgãos
de saúde públicos para realizar as mudanças hormonais e/ou cirúrgicas conforme o seu desejo.
O direito de revisão de nome e de sexo nos registros civis para transexuais.
Mais recentemente, por meio de eventos como as paradas gays, organizadas nas grandes cida-
des, o movimento procura divulgar essas demandas e conseguir o apoio de toda a sociedade civil.
A luta pelos direitos dos participantes do movimento LGBT tem, no entanto, enfrentado a atuação
de grupos contrários a seus avanços políticos, como as bancadas de fundamentalistas religiosos e
conservadores, o que parece ser o grande desafio do movimento para os próximos anos. SOCIOLOGIA

Movimentos militares e movimentos civis


No período republicano houve movimentos de caráter estritamente militar e outros nos quais
os militares tiveram apoio de uma parcela da população civil. Os envolvidos nesses movimentos se
manifestaram como articulações golpistas, intervenções armadas, ações de resistência e levantes,
relacionados à manutenção ou à derrubada de quem estava no poder. Vejamos alguns desses mo-
vimentos.

Direitos, cidadania e movimentos sociais 41

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Revoltas da Armada e da Chibata

ACERVO ICONOGRAPHIA
Entre o fim do século XIX e o início do século XX,
ocorreram dois movimentos importantes na Marinha:
a Revolta da Armada e a Revolta da Chibata.
A Revolta da Armada ocorreu no Rio de Janei-
ro, entre setembro de 1893 e março de 1894. Nessa
ocasião, quase todos os integrantes da Marinha se
posicionaram contra o então presidente da República,
Floriano Peixoto.
A Revolta da Chibata também ocorreu no Rio de
Janeiro entre 22 e 27 de novembro de 1910. Os mari-
nheiros que participaram do movimento reivindicaram
principalmente a eliminação de castigos físicos, o au-
mento do soldo, melhora da alimentação e melhores
condições de trabalho.
Movimentos tenentistas
Na década de 1920, emergiram os movimentos
Participantes da Revolta da Chibata no militares, com alguma participação civil, que ficariam conhecidos como tenentismo, por causa da
encouraçado São Paulo, Rio de Janeiro, forte presença de tenentes em sua organização e condução. Esses movimentos, cujos integrantes
RJ, 1910. tinham como objetivo pressionar ou conquistar o poder para promover as reformas necessárias à
modernização da sociedade, se estenderiam por vários anos.
Os tenentes rebeldes eram contra as oligarquias políticas regionais e a estrutura de poder que
as sustentava. Viam por trás delas a corrupção na administração pública e as fraudes eleitorais. Além
disso, defendiam um sistema econômico que não se sustentasse no setor agroexportador e propu-
nham uma educação pública abrangente. Consideravam-se responsáveis pela salvação nacional e
defendiam um Estado forte, pois julgavam a sociedade incapaz de promover as mudanças políticas
requeridas. Nesse sentido, tinham tendência autoritária.
O primeiro levante dos tenentes ocorreu em 5 de julho de 1922, no Forte de Copacabana, no
Rio de Janeiro. Nessa ação, para tentar impedir a posse do presidente eleito Arthur Bernardes, os
oficiais rebelados ameaçaram bombardear o Rio de Janeiro. A reação foi rápida e o movimento foi
controlado pelo exército. O pequeno grupo dos cerca de trezentos revoltosos do Forte de Copaca-
bana, que ficaria conhecido como os 18 do Forte, não aceitou a rendição e saiu à rua para enfrentar
as tropas do governo. Só dois deles sobreviveriam, Siqueira Campos e Eduardo Gomes.

CPDOC/FGV

Caminhada dos tenentes rebelados


pela Avenida Atlântica, no Rio de
Janeiro, RJ, no dia 5 de julho de 1922.

42 Direitos, cidadania e movimentos sociais

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O segundo levante ocorreu em 1924, em São Paulo, e reuniu cerca de mil homens. Eles ocu-
param os pontos estratégicos da capital paulista, fazendo que os governantes fugissem da cidade.
A reação também foi rápida e, com a ajuda de tropas do Rio de Janeiro, a situação foi controlada.
O líder da revolta de 1924, general Isidoro Dias Lopes, dirigiu-se com uma tropa numerosa para
o Sul do país, com a determinação de continuar a luta contra o governo. Assim nasceu a Coluna Pau-
lista, que, ao se encontrar com outros militares revoltosos, liderados por Luís Carlos Prestes, formou
a Coluna Prestes. De 1924 a 1926, os tenentes percorreram mais de 20 mil quilômetros do território
brasileiro, do Sul ao Nordeste, atravessando 12 estados, com o objetivo de levantar a população
contra o poder das oligarquias regionais.

A marcha da Coluna Prestes


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Fonte: MEIRELLES, Domingos. As noites das grandes fogueiras: uma história


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da Coluna Prestes. Rio de Janeiro: Record, 1995. Caderno de imagens.


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Avanço da Coluna
Retirada da Coluna URUGUAI 0 425 km

60º O 40º O

Movimentos e levantes políticos da década de 1930


Na década de 1930, marcada pela presença de Getúlio Vargas no poder, ocorreram três movimen-
tos que questionaram o governo estabelecido: a Revolução Constitucionalista, o Movimento da Ação
Integralista Nacional e o da Aliança Nacional Libertadora, tendo a participação de civis e de militares.
A Revolução Constitucionalista foi desencadeada em São Paulo em 9 de julho de 1932. O mo-
vimento teve por base as reivindicações da elite paulista, que se contrapunha ao governo de Vargas
e exigia a imediata elaboração de uma Constituição. Contando com grande participação popular,
constituiu um marco nas lutas em favor da democracia no Brasil. SOCIOLOGIA
O movimento foi esmagado pelas forças federais após três meses de resistência, mas resultou
na convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, em 1933, e na possibilidade de eleições
para cargos de vários níveis, o que não ocorria desde a Revolução de 1930.
O Movimento da Ação Integralista Nacional, também conhecido como integralismo, de ten-
dência fascista, foi criado em 1932 e liderado por Plínio Salgado. Tendo como lema “Deus, Pátria e
Família”, reuniu os setores conservadores da classe média, da Igreja e do Exército, e apoiou o governo
de Getúlio Vargas. Oficialmente extinto em 1937, tentou um golpe, fracassado, em 1938.

Direitos, cidadania e movimentos sociais 43

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ACERVO ICONOGRAPHIA

Integralistas no Rio
Grande do Sul, na
década de 1930.

A Aliança Nacional Libertadora (ANL) foi constituída em março de 1935 como uma frente
popular para combater o fascismo e o imperialismo. Defendendo o cancelamento da dívida externa,
a nacionalização das empresas estrangeiras e o combate ao latifúndio, promoveu grandes manifesta-
ções públicas até ser posta na ilegalidade por Vargas, alguns meses depois de sua fundação. Membros
do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e antigos tenentes que se agregavam na ANL passaram então a
articular um levante armado para depor o governo, sob a liderança de Luís Carlos Prestes. A tentativa
de golpe fracassou e o episódio, que ficou conhecido como Intentona Comunista, foi utilizado como
pretexto para que Vargas desse o próprio golpe em 1937, instaurando o regime ditatorial chamado
Estado Novo.

ACERVO ICONOGRAPHIA

Integrantes da ANL no Rio de Janeiro,


RJ, em novembro de 1935.

44 Direitos, cidadania e movimentos sociais

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Movimentos cívico-militares golpistas nas décadas de 1940 a 1960
A luta contra os países do Eixo na Segunda Guerra Mundial estimulou, no Brasil, manifestações
contra o autoritarismo de Getúlio Vargas. Este, ao mesmo tempo que apoiava e estimulava um mo-
vimento que possibilitasse sua manutenção no poder, procurava comandar o processo sucessório,
mostrando-se disposto a realizar as eleições marcadas para 2 de dezembro de 1945. A oposição, lide-
rada pela União Democrática Nacional (UDN), fundada em abril de 1945, e setores militares temiam
que Vargas cancelasse as eleições. As pressões que exerceram sobre o presidente aumentaram até
forçá-lo a renunciar, em 29 de outubro de 1945. No exercício temporário da presidência da República,
o presidente do Supremo Tribunal Federal, José Linhares, manteve a data das eleições, das quais saiu
vencedor o general Eurico Gaspar Dutra, apoiado por Vargas.
Mais uma vez alçado ao governo, dessa vez por meio das eleições presidenciais de 1950, Vargas
sofreu forte oposição da UDN e, em meio a uma violenta campanha por sua renúncia, suicidou-se
em agosto de 1954.
No ano seguinte a UDN estaria à frente de um novo movimento golpista, articulado com se-
tores das Forças Armadas, visando impedir a posse de Juscelino Kubitschek e João Goulart, eleitos
para presidente e vice-presidente da República, respectivamente. O movimento foi debelado pelos
militares legalistas sob o comando do então ministro da Guerra, general Henrique Teixeira Lott.
Novo movimento golpista comandado pela UDN e por grupos militares ocorreu em 1961,
opondo-se à posse na presidência do vice-presidente João Goulart, após Jânio Quadros ter renun-
ciado ao cargo, em agosto de 1961. Setores legalistas, liderados por Leonel Brizola, mobilizaram-se
contra o golpe, e João Goulart assumiu o cargo de presidente da República, mas sob o regime
parlamentar.
A volta do presidencialismo em 1963, decidida por meio de plebiscito, e as medidas anuncia-
das por João Goulart, como a reforma agrária e a reforma urbana, acirraram a oposição dos setores
conservadores ao governo. Esses setores apoiaram os militares quando estes deram o golpe de Esta-
A Passeata dos Cem Mil, em junho de
do que, em 1o. de abril de 1964, derrubou João Goulart. Teve início, então, o mais longo período de 1968, no Rio de Janeiro, RJ, foi a maior
ditadura no Brasil, que durou até 1985. manifestação pública até então realizada
contra a ditadura militar. No mesmo ano,
Movimentos contra a ditadura militar de 1964 a 1985 o governo decretou o AI-5, que, entre
Depois do golpe militar promovido em 1964, os movimentos dos estudantes e dos trabalha- outras disposições, proibiu manifestações
públicas.
dores continuaram atuantes e criaram
uma situação de contestação aberta ao
regime, até dezembro de 1968, quando
foi decretado o AI-5, que cassou todos
os direitos dos cidadãos, inclusive o de
manifestação.
Como resposta à escalada da re-
pressão praticada pela ditadura mili-
tar, grupos de militantes de diversas
tendências da esquerda optaram pela
organização de movimentos armados
(rurais e urbanos) visando combater o
regime e criar condições para a estru-
turação de uma sociedade de caráter
socialista no Brasil.
Entre as ações empreendidas nas
cidades pelos grupos armados estavam SOCIOLOGIA
os sequestros (a fim de trocar prisio-
neiros do regime pelos sequestrados) e
os roubos a bancos (para sustentar as
atividades contra o regime). No cam-
po, foram montados movimentos de
guerrilha com o objetivo de mobilizar a
população para fazer frente ao regime
CHICO NELSON/ABRIL IMAGENS

Direitos, cidadania e movimentos sociais 45

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militar — o mais conhecido foi a Guerrilha do Araguaia, apoiada pelo Partido Comunista do Brasil
(PCdoB). A repressão aos movimentos armados ocorreu de modo extensivo e cruel e, em meados
da década de 1970, todos eles estavam suprimidos.
Após o governo de Ernesto Geisel, que apresentou o projeto dos militares de promover um
retorno à democracia representativa de modo lento e gradual e sob vigilância, foram organizados
grandes movimentos políticos pela democratização da sociedade brasileira: o Movimento pela Anis-
tia, que resultou na assinatura da Lei de Anistia pelo presidente João Baptista Figueiredo, em 1979,
e o Movimento Diretas Já, entre 1983 e 1984, pelas eleições diretas para presidente da República.
Com a volta dos civis à presidência, tomou corpo o Movimento pela Constituinte, entre 1985
e 1986, que conseguiu a aprovação de instauração de uma Assembleia Constituinte a partir de 1986.
Dois anos depois, foi promulgada a nova carta constitucional, conhecida como Constituição Cidadã.

Movimentos sociais nos últimos anos: politização e despolitização


De 1988 aos dias atuais, podemos observar uma série de movimentos pela efetivação de direitos
existentes e pela conquista de novos direitos. Vivemos sob uma Constituição que privilegia os direitos
civis, políticos e sociais, e os movimentos sociais constituem instrumentos para o questionamento
das muitas desigualdades existentes no país.
Esses movimentos desenvolveram algo muito importante: a politização da esfera privada, ao
tornar as demandas das populações pobres (urbanas e rurais), dos negros, das mulheres, das crianças,
entre outras, uma preocupação de toda a sociedade, e não somente do Estado. Abriu-se no Brasil a
possibilidade de se desenvolverem movimentos sem o controle do Estado, dos partidos políticos ou
de qualquer instituição. Podemos citar, entre outros, os movimentos dos negros, das mulheres, dos
indígenas, dos ambientalistas, das minorias sexuais, dos sem-teto etc.
O objetivo desses movimentos não é alcançar o poder do Estado, mas fazer valer os direitos
existentes nas leis e criar outros. Por meio deles a população organizada participa politicamente sem
precisar estar ligada às estruturas estatais de poder. O que importa é ir além da legislação existente,
procurando construir espaços políticos públicos, nos quais possam ser debatidas todas as questões
importantes para uma sociedade mais politizada.
Apesar dos ganhos registrados nos últimos anos na luta por direitos, tem-se observado uma
tendência à despolitização e à perda de autonomia dos movimentos e organizações sociais, resultante
da cooptação de dirigentes para o exercício de cargos em órgãos do Estado e pelo financiamento de
ONGs por instituições governamentais.
Desde 2003, verificou-se uma redução do ritmo das reivindicações dos movimentos sociais. A
ascensão do PT ao poder representou, de modo paradoxal, a consagração dos movimentos sociais e
o advento de um grande dilema: o exercício do governo por um presidente oriundo do movimento
sindical e a perda de autonomia dos movimentos sociais diminuíram muito a capacidade de inter-
venção popular, bem como de mobilizações.
Há setores desses movimentos e organizações sociais, porém, que não perderam de vista a
necessidade de avançar na luta pela garantia de direitos já estabelecidos e pela conquista de novos
direitos, não aceitando a justificativa de que o governo está fazendo o que pode. Um exemplo claro
é o movimento grevista de servidores públicos em vários setores da administração pública no ano
de 2012.
Além disso, há que se fazer referência a movimentos sociais que sempre lutaram para a ma-
nutenção da situação vigente. Entre eles se podem citar as campanhas contra o divórcio, contra a
legalização do aborto ou contra os direitos civis de homossexuais. Outro setor que utiliza todos os
recursos contra qualquer alternativa de mudança é o agropecuário. Essa postura se expressa nas cam-
panhas contra mudanças na regulamentação do uso da terra no Brasil, envolvendo uma oposição
cerrada ao novo código florestal e a qualquer possibilidade de reforma agrária.

46 Direitos, cidadania e movimentos sociais

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CENÁRIOS DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL

Luta por moradia em São Paulo [...]


Mais de 3,5 mil pessoas ligadas a movimentos por Cortiços em regiões retratadas no passado por Alcân-
moradia ocuparam, na madrugada de segunda [7 de no- tara Machado no livro Brás, Bexiga e Barra Funda e tam-
vembro de 2011], dez prédios abandonados na capital bém nos antes requintados Campos Elísios abrigam deze-
paulista. A ação foi coordenada por 14 movimentos por nas de famílias. Sem o mínimo de saneamento básico, às
moradia, entre eles o Movimento dos Sem Teto do Centro vezes sem água e sem luz. A maioria dos moradores desses
(MSTC), a Unificação das Lutas dos Cortiços (ULC) e o locais prefere continuar assim, pois transporte é o que não
Movimento de Moradia do Centro (MMC). Eles também falta e a casa fica próxima ao trabalho — ao contrário do
denunciam acordos não cumpridos com o poder público. que acontece em bairros da periferia, onde o trajeto até o
Entre as demandas comuns a todas as 14 entidades centro chega a levar três horas, dentro de ônibus superlo-
envolvidas na ocupação, estão uma solução para os que tados.
foram vítimas da desapropriação dos Edifícios São Vito e [...]
Mercúrio, a garantia de 5 mil unidades habitacionais para A carta dos movimentos por moradia endereçada on-
o atendimento no Programa de Locação Social e de 5 mil tem ao governador Geraldo Alckmin e ao prefeito Gilber-
atendimentos no Programa Bolsa Aluguel para situações to Kassab desabafa: “Realizamos os principais serviços
emergenciais e o atendimento da demanda dos movimen- para o bom funcionamento desta cidade, entretanto nossas
tos de moradia que atuam no Centro dos 53 prédios que famílias estão espremidas por um conjunto de necessida-
a Prefeitura afirma estar desapropriando. des. Lutamos e trabalhamos muito para sobreviver, mas a
[...] cidade regida pelas leis do mercado, especialmente imo-
Enquanto isso, Estado e município não têm coragem biliário, impede que nossa renda assegure nossos direitos.
de enfrentar os grandes latifundiários urbanos. Há prédios Sabemos que a situação de nossas famílias decorre da in-
que devem milhões de Imposto Predial e Territorial Urba- justiça histórica. Sabemos também que, nas circunstâncias
no (IPTU) e poderiam ser alvo do Decreto de Interesse atuais, nosso sofrimento não tem razão de continuar. Por
Social, uma vez que permanecem vagos por anos. Mas em isso, nos organizamos e ocupamos esses imóveis abando-
uma sociedade cuja pedra fundamental são a intocabilida- nados, sem função social, respaldados por nossas Leis, que
de da propriedade privada e a possibilidade de lucro e não
assegurem nosso direito à moradia e por meio de nosso
o respeito à vida isso fica difícil.
direito de agir”.
[...]
VAGNER CAMPOS/NEWS FREE/FOLHAPRESS

A recuperação da área central de São Paulo não se


restringe a uma valorização estética das ruas, edifícios e
bens culturais. Inclui também o repovoamento do local,
trazendo vida à região, com incentivos para o estabeleci-
mento das classes média e baixa. O que tem sido feito até
agora é o contrário: expulsa-se o povão e erguem-se mo-
numentos à música e às artes.
Sabe o artigo 6o. da Constituição Federal que garante
o direito à moradia? Então, é mentira. Do mesmo tamanho
daquela anedota contada no artigo 7o. que diz que o salá-
rio mínimo deve ser suficiente para possibilitar “moradia,
alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene,
transporte e previdência social”.
Função social da propriedade? Por aqui, isso signi-
fica garantir que a divisão de classes sociais permaneça SOCIOLOGIA
acentuada como é hoje. Cada um no seu lugar. Afinal de
contas, viver em São Paulo é lindo — se você pagar bem
por isso.
SAKAMOTO, Leonardo. Ocupar prédios é preciso. Porque gente vale
Prédio ocupado por integrantes da Frente de Luta por Moradia (FLM), no mais que barata. Blog do Sakamoto, 8 nov. 2011. Disponível em: <http://
centro da cidade de São Paulo, SP, em 7 de novembro de 2011. blogdosakamoto.uol.com.br/2011/11/08/ocupar-predios-e-preciso-porque-
gente-vale-mais-que-barata>. Acesso em: 18 set. 2012.

Direitos, cidadania e movimentos sociais 47

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A revolta dos estudantes portante no orçamento familiar. Com o movimento, eles
Na terceira semana de setembro de 2003, milhares de conseguiram que o prefeito e seus auxiliares sentassem
estudantes de 12 a 22 anos paralisaram por três dias a para discutir o aumento e a implantação da meia passagem
capital da Bahia, Salvador, manifestando-se contra o au- para os estudantes.
mento das passagens de ônibus. Em ações relâmpago, eles 1 Identifique os pontos em comum nos distintos movimentos
invadiam as principais ruas e avenidas e bloqueavam o abordados nos textos apresentados.
trânsito, sentando-se no chão para impedir a passagem dos
veículos. 2 Ao analisar as políticas públicas do setor habitacional, o autor
A manifestação ocorreu sem nenhuma articulação de do artigo sobre a luta por moradia em São Paulo contrapõe
organizações estudantis; muito ao contrário, os estudantes duas concepções: a da “intocabilidade da propriedade priva-
negaram a possibilidade de liderança tanto da União Na- da” e a da “função social da propriedade”. Que fatos ele utiliza
cional dos Estudantes (UNE) quanto da União Baiana dos para fundamentar sua argumentação em favor da segunda
Estudantes Secundaristas (Ubes), pois não queriam ser concepção?
acusados de servir como instrumentos políticos dessas or-
ganizações, que, na expressão deles, possuem vinculações 3 De acordo com suas observações e experiências, a pressão
partidárias. As ações relâmpago eram definidas em minias- exercida por movimentos sociais como o abordado no se-
sembleias e em cada ponto da cidade decidia-se quem po- gundo texto pode ser eficaz na consecução dos objetivos
dia passar ou não. A preocupação era não prejudicar as propostos? Ao explicar sua resposta, considere outras formas
pessoas que necessitavam chegar ao local de trabalho, além possíveis de participação na definição de políticas públicas
de garantir o livre trânsito de mulheres grávidas, idosos e para o setor mencionado.
portadores de alguma deficiência.
Em sua maioria, os participantes das manifestações 4 Você já participou de algum movimento de estudantes? Em
eram alunos que viviam na periferia da cidade, o que sig- caso afirmativo, comente sua experiência.
nifica que os gastos com transporte tinham um peso im-

ANOTAÇÕES

48 Direitos, cidadania e movimentos sociais

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TAREFA PARA CASA

1 O texto a seguir estabelece comparações entre o movimento a) Quais são as semelhanças apontadas pelos autores entre
liderado por Antônio Conselheiro em Canudos e o Movimen- Canudos e o MST, movimentos separados historicamente
to dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Leia-o e respon- por quase cem anos?
da às questões. Os dois movimentos contestam a concentração de terras e propõem um
novo projeto de sociedade. O latifúndio, marca da nossa colonização, não
Canudos (BA, 1893-7) foi um dos mais significativos desapareceu depois de tantas reformas modernizantes empreendidas pe-
episódios da História do Brasil. Comunidade de inspira- las elites.
ção religiosa sertaneja que intentou o projeto de reinven-
tar o Sertão, buscando novas formas de governo local, b) No último parágrafo do texto citado, os autores afirmam
produção e distribuição de riqueza coletiva e integração que a mídia nacional se empenha em desqualificar as
das dimensões social e espiritual do viver comunitário. reivindicações dos trabalhadores rurais. Dê um exemplo
Esta experiência, considerada à sua época grande ameaça desse tipo de atuação da mídia e explique seus possíveis
para a ordem republicana recém-implantada, oferecia al- efeitos sociais.
ternativas às populações privadas de seus direitos e até As lutas sociais não são travadas apenas no âmbito de suas demandas,
mas, em certos casos, no plano simbólico e midiático também. É importan-
mesmo de sua dignidade de ser humano. Massacrado em te que os alunos percebam que as relações de poder dominantes não se
quatro expedições militares que envolveram conjunta- mantêm só no plano econômico e político, mas também no plano simbóli-
mente cerca de 49,8% do efetivo do Exército Brasileiro de co. No caso em questão, sob o rótulo da objetividade do jornalismo, órgãos
da imprensa veiculam notícias nas quais os integrantes dos movimentos
então e quatro forças públicas estaduais (AM, BA, PA e sociais são apresentados como baderneiros responsáveis por invasões e
SP), o arraial de Bello Monte tombou em 5 de outubro de depredações de propriedades privadas. A desqualificação dos movimentos
sociais pela mídia impede que suas reivindicações sejam conhecidas e que
1897, ceifando mais de vinte mil vidas, após haver expe- a sociedade possa avaliá-las para se posicionar. Dessa maneira, o instru-
rimentado um crescimento populacional da ordem de mento midiático se mostra tão ou mais poderoso do que a lei ou a força.
10.335% nos seus breves quatro anos de existência.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra 2 No Rio de Janeiro, em 1969, um grupo de jovens sequestrou
(MST), por sua vez, surge quase cem anos depois de Ca- o então embaixador estadunidense no Brasil, Charles Elbrick,
nudos, como parte de um complexo processo de luta que, com o intuito de pedir, como resgate, a libertação de alguns
ao se reproduzir em diferentes formas, cria um elo com companheiros que tinham sido presos por criticar o regime
todas as outras campanhas travadas para a construção de político então vigente no Brasil e atuar contra ele.
uma sociedade mais justa.
Tal como Canudos, o MST luta por um novo projeto a) Em 1969, como era a relação entre o Estado e o indivíduo no
de sociedade, onde haja inclusão, formas mais democrá- Brasil?
O objetivo dessa questão é caracterizar o contexto político dos últimos
ticas de produção e de acesso aos direitos, distribuição anos da década de 1960, preparando o aluno para a pergunta seguinte.
mais justa de recursos, cidadania e dignidade. Como Ca- Ele deverá se lembrar de que nesses anos se observa a intensificação do
controle social do Estado sobre o indivíduo, exemplarmente representada
nudos, denuncia também o vigoroso trabalho na comu- pela aprovação do Ato Institucional nº 5, em dezembro de 1968.
nicação social, financiado pelos grandes latifundiários
nacionais e internacionais, para que a luta pela reforma b) Considerando o contexto político do final da década de
agrária — que é a luta por um outro projeto de sociedade 1960 no Brasil, como se pode explicar a opção pelo uso da
— seja vista não como uma luta construída e protagoni- violência, feita por grupos que lutavam contra a ditadura?
A questão demanda uma reflexão sobre as razões sociais do uso da vio-
zada pelos excluídos, o que mostraria poder e capacidade lência como forma de resistência política. Os alunos deverão observar que
organizativa, mas como uma luta protagonizada por ba- a opção pela luta armada foi feita em um contexto de recrudescimento do
derneiros, de modo a desqualificar perante a sociedade os controle social e da repressão, não havendo espaço para a reivindicação
de direitos civis, sociais e políticos, ou seja, para a prática da cidadania.
esforços de inclusão e de democratização da sociedade
realizados por estes dois movimentos sociais. 3 Leia a reportagem a seguir.
A audácia e a criatividade nas manifestações em de-
SOCIOLOGIA
MARTINS, Paulo Emílio Matos; LAGE, Allene Carvalho. Canudos e o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST): singularidades e nexos fesa do meio ambiente são características do Greenpeace.
de dois movimentos sociais brasileiros. In: VIII CONGRESSO LUSO-AFRO- Na semana passada, um grupo de cinquenta ativistas da
BRASILEIRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS, 8., 2004, Coimbra. A questão social no
novo milênio, Coimbra, 2004. p. 2-3. Disponível em: <www.ces.uc.pt/lab2004/ organização viajou cinco horas por estradas de terra para
inscricao/pdfs/painel47/PauloMartins_AlleneLage.pdf>. Acesso em: nov. 2013. estender sobre uma área de floresta recém-desmatada uma
faixa de dimensões inusitadas: quadrada, com 50 metros
de lado, ocupava uma extensão de 2.500 metros quadra-

Direitos, cidadania e movimentos sociais 49

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dos. Com os dizeres “100% crime”, imitava o selo nor-
malmente colado sobre caixas usadas para exportação. “autoritarismo socialmente implantado”, uma combinação
Tratou-se de um duplo protesto. O primeiro, contra o de elementos presentes na cultura política do Brasil, valo-
desmatamento propriamente dito. No início de janeiro, res e ideologia, em parte engendrados pela ditadura mili-
imagens de satélite revelaram uma área de 1.000 hecta- tar, expressos na vida cotidiana. Muitos desses elementos
res, ou mais de sessenta estádios de futebol, recém-aber- estão configurados em instituições cujas raízes datam da
ta na Floresta Amazônica a 120 quilômetros da cidade de década de 1930.
Santarém, no Pará. O segundo foi contra o plantio de PINHEIRO, P. S. Transição Política e Não Estado de Direito na República. In:
WILHEIM, J., PINHEIRO, P. S. (orgs.). Brasil – um século de transformações.
soja, que o Greenpeace considera inadequado à região São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 296-297.
amazônica. “Não achamos certo acabar com a Amazônia
para produzir comida de vaca”, diz Paulo Adário, coor- Em relação à violência, analise o texto anterior e selecione a
denador do Greenpeace na Amazônia. alternativa que corresponde à ideia desenvolvida pelo autor:
Técnicos do Ibama foram ao local desmatado e cons- a) A democracia brasileira é fortemente responsável pelo
tataram outro crime ambiental: a destruição de mais de surgimento de uma cultura da violência no Brasil.
1.000 castanheiras, árvores que chegam a atingir 60 me- b) Muito mais do que os traços culturais, é o desenvolvimento
tros de altura e cujo corte é proibido. O Ibama responsa- econômico que acarreta o desrespeito aos direitos humanos
bilizou pelo desmatamento o presidente da Associação dos no Brasil.
Produtores Agrícolas de Santarém, José Donizetti de Oli- c) Com a democratização, as não elites brasileiras finalmen-
veira, e o multou em 1,5 milhão de reais. te tiveram pleno acesso ao sistema judiciário e aos direi-
[...] “O mais espantoso é que a área desmatada não é tos próprios do Estado de Direito.
propriedade de Donizetti, mas da União”, diz Pedro Aqui- d) Historicamente, o desrespeito aos direitos humanos afeta
no, superintendente regional do Instituto Nacional de Co- de modo igual a brancos e negros, ricos e pobres.
lonização e Reforma Agrária (Incra). O Incra trabalha num X e) A violência no Brasil expressa-se na vida cotidiana e, para
projeto de transformação da área rica em castanheira numa ser superada, depende de ações da sociedade civil.
reserva extrativista. Precisará se apressar, pois corre o risco
Longos períodos de ditadura podem ter viciado o tratamento dado
de não sobrar floresta alguma em Santarém. à violência no Brasil como efeito de um “autoritarismo socialmente
implantado” que leva agentes do Estado a violar direitos humanos
VEJA on-line. São Paulo, 15 mar. 2006. Disponível em: <http://veja.abril.com. impunemente. A intervenção de organizações da sociedade civil tem
br/150306/p_114.html>.Acesso em: nov. 2013. suprido e/ou exigido a ação do Estado na superação desse problema.

2 (Enem, 2009)
A área desmatada citada na reportagem é propriedade da
União. Sua fiscalização, portanto, cabe ao governo. É legíti- Um aspecto importante derivado da natureza históri-
mo um movimento como o Greenpeace assumir uma fun- ca da cidadania é que esta se desenvolveu dentro do fenô-
ção do Estado? meno, também histórico, a que se denomina Estado-na-
ção. Nessa perspectiva, a construção da cidadania na
Discute-se nessa questão se os movimentos sociais devem realizar tare- modernidade tem a ver com a relação das pessoas com o
fas que competem aos órgãos oficiais. Coloca-se para o aluno a seguinte
reflexão: se o Estado não faz a sua parte, devemos reivindicar um Estado Estado e com a nação.
mais atuante ou fazer aquilo que ele não faz? A pergunta suscita polêmi- CARVALHO, J. M. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro:
ca e dúvidas; assim, um levantamento de questões sobre o tema pode Civilização Brasileira, 2002 (adaptado).
constituir uma boa resposta.
Considerando-se a reflexão apresentada, um exemplo re-
COMPLEMENTARES
PARA PRATICAR lacionado a essa perspectiva de construção da cidadania é
encontrado
a) em D. Pedro I, que concedeu amplos direitos sociais aos
1 (UEL, 2007)
trabalhadores, posteriormente ampliados por Getúlio Var-
A proteção e a promoção dos direitos humanos con- gas com a criação da Consolidação das Leis do Trabalho
tinuaram a se situar entre as principais carências a ser en- (CLT).
frentadas pela sociedade civil. [...] A enumeração das prin- b) na Independência, que abriu caminho para a democracia
cipais áreas de intervenção das organizações da sociedade e a liberdade, ampliando o direito político de votar aos
civil soa como demandas de séculos passados: a ausência cidadãos brasileiros, inclusive às mulheres.
do estado de direito e a inacessibilidade do sistema judi- c) no fato de os direitos civis terem sido prejudicados pela
ciário para as não elites; o racismo estrutural e a discrimi- Constituição de 1988, que desprezou os grandes avan-
nação racial e a impunidade dos agentes do Estado envol- ços que, nessa área, havia estabelecido a constituição
vidos em graves violações aos direitos humanos. Como anterior.
vimos, a nova democracia continuou a ser afetada por um

50 Direitos, cidadania e movimentos sociais

book-SESI_EM_SOC_2SERIE.indb 50 21/11/16 18:49


d) no Código de Defesa do Consumidor, ao pretender refor- [...] O reconhecimento da homossexualidade como for-
çar uma tendência que se anunciava na área dos direitos ma legítima de sexualidade foi parte da revolução sexual
civis desde a primeira constituição republicana. do ocidente. Ela está agora descriminalizada onde era
X e) na Constituição de 1988, que, pela primeira vez na his- ainda um delito, e em 1973 foi retirada da lista de de-
tória do país, definiu o racismo como crime inafiançável sordens mentais da Associação Psiquiátrica Americana.
e imprescritível, alargando o alcance dos direitos civis. Em 1975, a Comissão de Serviços Civis dos EUA retirou
A cidadania foi construída na história humana junto com a criação do sua interdição à contratação de homossexuais. Logo, a
Estado-nação. No Brasil, sua construção foi muito lenta e não ocorreu discriminação dos homossexuais é que passou a ser
para todos os brasileiros ao mesmo tempo. E ainda há muito a ser
feito nesse sentido. considerada um delito. A igualdade em relação à “orien-
tação sexual” esteve nas normas para a nomeação de
3 (UEM, 2008)
prefeitos na Holanda na década de 1980, por exemplo.
Grande avanço internacional foi sua inclusão na Cons-
De diferentes formas e portando objetivos variados, os mo-
tituição Sul-Africana pós-apartheid [em 1996]. [...] En-
vimentos sociais tiveram presença constante na história de
tretanto, o que é interessante nesse nosso contexto par-
muitas sociedades. A respeito desse tema, assinale o que for
ticular são as reivindicações de gays e lésbicas pelo
correto.
direito ao casamento e a aceitação parcial de suas exi-
01) A repressão exercida pelo regime militar instaurado no gências. O maior progresso aconteceu no norte da Eu-
Brasil em 1964 sobre a sociedade civil conseguiu blo- ropa [...]. [...] as parcerias de mesmo sexo foram inicial-
quear a organização dos movimentos sociais. Durante mente institucionalizadas na Escandinávia como tantas
toda a sua vigência até o período da transição para o re- outras coisas da moderna mudança da família. Desde
gime democrático, o país não experimentou movimen- 1970, as autoridades suecas reconheciam alguns direi-
tos de resistência. tos gerais de coabitação dos parceiros do mesmo sexo,
02) Como os movimentos sociais não visam à apropriação reconhecimento sistematizado em 1987 no Ato dos
do Estado, a sua história, de forma geral, mostra que eles Coabitantes Homossexuais. A primeira legislação nacio-
sempre tiveram impactos muito reduzidos no sistema nal sobre parcerias registradas entre casais do mesmo
político. sexo foi aprovada na Dinamarca, em 1989, e serviu de
X 04) A análise desenvolvida por Karl Marx no século XIX sobre modelo para outros países escandinavos. Na Holanda,
o capitalismo disseminou-se pela Europa e por outras a lei sobre parcerias registradas está em efeito desde
partes do mundo, inspirando e influenciando fortemen- 1998, na França desde 1999, abrangendo também re-
te o movimento operário do século XX. lações pessoais solidárias que não apenas homossexuais.
X 08) Movimentos como o ecológico, o feminista e os étnicos [...] No Brasil, um projeto de lei do Partido dos Traba-
passaram a ter uma presença marcante nas sociedades lhadores, então na oposição, foi apresentado antes das
contemporâneas. Alguns dos seus intérpretes afirmam eleições de 2002, mas não foi ainda votado. O casamen-
que eles contribuíram decisivamente para deixar visíveis to não está desaparecendo. Está mudando.
novas dimensões das contradições e das opressões exis- (THERBORN, G. Sexo e poder: a família no mundo, 1900-2000.
tentes nas relações sociais. São Paulo: Contexto, 2006. p. 329-331.)
X 16) Os movimentos sociais expressam ações coletivas que,
Os direitos dos homossexuais relatados no texto consti-
dependendo dos seus princípios norteadores e dos gru-
tuem-se em demandas expostas pelos
pos que mobilizam, podem tanto visar a mudanças na
sociedade como opor-se a elas. a) “clássicos” movimentos operários organizados em vá-
A somatória correta é (04 + 08 + 16 = 28) . rios países desde o século XIX, voltados para os pro-
blemas de classes sociais, direitos trabalhistas, parti-
Os movimentos sociais são um componente natural de todas as socie- cipação política e sindical, fortemente impulsionados
dades, seja como apoio, seja como oposição a determinações e atitudes pelos líderes sindicais.
dos detentores do poder tanto político como econômico. Sua ação tem
influenciado historicamente as condições de vida de setores da sociedade b) “tradicionais” movimentos religiosos da América Lati-
como o operariado, os discriminados e os grupos envolvidos na preserva- na e outros países, no século XX, voltados para huma-
ção do meio ambiente.
nização das relações sociais, direitos humanos, inclu-
são social e política, fortemente impulsionados pelos
SOCIOLOGIA
4 (UEL, 2008) líderes eclesiásticos.
c) “recentes” movimentos sociais surgidos em vários con-
Leia o texto a seguir: tinentes na década de 2000, voltados para a manuten-
Uma notável virada na história do casamento teve ção dos direitos civis, fortalecimento do casamento
início na década final do século XX, com a institucionali- como instituição familiar sólida e eficaz na preservação
zação oficial do casamento homossexual, ou “parceria”. da estrutura social patriarcal.

Direitos, cidadania e movimentos sociais 51

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d) “modernos” movimentos sociais surgidos em todo o No texto, relaciona-se a consolidação da democracia na
mundo na década de 1930, voltados para a consolidação África do Sul à superação de um legado
dos laços de solidariedade, união e civilidade, fortemente a) populista, que favorecia a cooptação de dissidentes
impulsionados pelos líderes do sindicalismo corporativo. políticos.
X e) “novos” movimentos sociais surgidos em vários países a b) totalitarista, que bloqueava o diálogo com os movimentos
partir dos anos de 1960, voltados para os problemas iden- sociais.
titários de grupos, gênero, etnias e políticas do corpo, for- X c) segregacionista, que impedia a universalização da
temente impulsionados pelas ativistas feministas. cidadania.
Entre as conquistas sociais mais recentes estão as várias propostas d) estagnacionista, que disseminava a pauperização social.
de aceitação legal por muitos países da união, parceria ou mesmo
casamento homossexual. O tratamento igualitário dos cidadãos, inde-
e) fundamentalista, que engendrava conflitos religiosos.
pendentemente da opção sexual de cada um, tende a se generalizar, O ganhador do prêmio Nobel da Paz Desmond Tutu propõe uma virada
mesmo que lentamente, desde os primeiros passos dados nesse sen- de página na história do apartheid, estrutura social implantada pelos
tido por associações médicas e governamentais em 1973. colonizadores ingleses e holandeses na África do Sul desde o século
XVII, transformada em lei em 1948 e abolida oficialmente em 1990.
5 (Enem, 2011) O apartheid negava aos negros do país qualquer direito de cidadania
exclusivo dos cidadãos brancos que colonizaram a região.
A Lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, inclui no cur-
rículo dos estabelecimentos de ensino fundamental e mé- 7 (Enem, 2013)
dio, oficiais e particulares, a obrigatoriedade do ensino Texto I
sobre História e Cultura Afro-Brasileira e determina que o Ela acorda tarde depois de ter ido ao teatro e à
conteúdo programático incluirá o estudo da História da dança; ela lê romances, além de desperdiçar o tempo a
África e dos africanos, a luta do negro na formação da olhar para a rua da sua janela ou da sua varanda; passa
sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo horas no toucador a arrumar o seu complicado pentea-
negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à do; um número igual de horas praticando piano e mais
História do Brasil, além de instituir, no calendário escolar, outras na sua aula de francês ou de dança.
o dia 20 de novembro como data comemorativa do “Dia Comentário do Padre Lopes da Gama acerca dos costumes femininos
da Consciência Negra”. [1839] apud SILVA, T. V. Z. Mulheres, cultura e literatura brasileira. Ipotesi –
Revista de Estudos Literários. Juiz de Fora, v. 2. n. 2, 1998.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: nov. 2013.
Texto II
A referida lei representa um avanço não só para a educação As janelas e portas gradeadas com treliças não
nacional, mas também para a sociedade brasileira, porque eram cadeias confessas, positivas; mas eram, pelo as-
a) legitima o ensino das ciências humanas nas escolas. pecto e pelo seu destino, grandes gaiolas, onde os pais
b) divulga conhecimentos para a população afro-brasileira. e maridos zelavam, sonegadas à sociedade, as filhas e
c) reforça a concepção etnocêntrica sobre a África e sua as esposas.
cultura. MACEDO, J. M. Memórias da Rua do Ouvidor [1878]. Disponível em:
<www.dominiopublico.gov.br>. Acesso em: 20 maio 2013 (adaptado).
d) garante aos afrodescendentes a igualdade no acesso à
educação. A representação social do feminino comum aos dois tex-
X e) impulsiona o reconhecimento da pluralidade étnico-ra- tos é o(a)
cial do país. X a) submissão de gênero, apoiada pela concepção pa-
A lei comentada no texto corresponde a uma vontade política de res- triarcal.
gatar os valores de um componente étnico e cultural preponderante
na formação da população brasileira.
b) acesso aos produtos de beleza, decorrência da abertu-
ra dos portos.
6 (Enem, 2013) c) ampliação do espaço de entretenimento, voltado às
distintas classes sociais.
Tendo encarado a besta do passado olho no olho,
d) proteção da honra, mediada pela disputa masculina
tendo pedido e recebido perdão e tendo feito correções,
em relação às damas da corte.
viremos agora a página — não para esquecê-lo, mas para
e) valorização do casamento cristão, respaldado pelos in-
não deixá-lo aprisionar-nos para sempre. Avancemos em
teresses vinculados à herança.
direção a um futuro glorioso de uma nova sociedade sul-
-africana, em que as pessoas valham não em razão de ir-
A condição das mulheres, exposta nesses dois textos do século XIX, pos-
relevâncias biológicas ou de outros estranhos atributos, sui características bem definidas de educação refinada. Ao lado disso,
mas porque são pessoas de valor infinito criadas à imagem impõe um regime de exagerada proteção, com uma vida muito próxima
da reclusão total, com o objetivo de evitar relacionamentos não desejados
de Deus. pelo patriarca encarregado de salvaguardar a honra da família.
Desmond Tutu, no encerramento da Comissão da Verdade na África do Sul.
Disponível em: <http://tv.camara.leg.br>. Acesso em: 17 dez. 2012 (adaptado).

52 Direitos, cidadania e movimentos sociais

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ANOTAÇÕES

SOCIOLOGIA

Direitos, cidadania e movimentos sociais 53

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CONEXÃO DE SABERES
OS COMEDORES DE BATATA
O quadro Os comedores de batata (1885) é considerado a primeira das grandes obras de Vincent van Gogh. Nele estão
representados valores e aspectos do modo de vida de camponeses europeus. Na década de 1880, quando o quadro foi
produzido, a Europa passava por um período de crescimento econômico e de grandes mudanças sociais relacionadas
ao avanço da Revolução Industrial, como o aumento nas taxas de nutrição e de natalidade. A situação das famílias
camponesas, porém, mudava muito lentamente. Se não havia mais crises de fome, as melhorias nas condições
materiais de vida eram pequenas, como mostra o infográfico a seguir.
OS COMEDORES DE BATATA
O quadro Os comedores de batata (1885) é considerado a primeira das grandes obras de Vincent van Gogh. Nele estão
No centro da valores
representados imagem, um lampião
e aspectos do modo de vida de camponeses europeus. Na década de Em torno
1880, da o quadro foi
quando
fornece toda
produzido, a luz passava
a Europa do ambiente
por um período de crescimento econômico e de grandes mudanças mesa,sociais
os relacionadas
representado
ao – uma casa
avanço da Revolução escura,
Industrial, como o aumento nas taxas de nutrição e de natalidade. camponeses
A situação das famílias
pequena e simples.
camponesas, Ressaltados
porém, mudava pela luz Se não havia mais crises de fome, as melhorias
muito lentamente. compartilham
nas condições
do lampião,
materiais os tons
de vida eramterrosos
pequenas, dominam o o infográfico a seguir.
como mostra o fruto da
ambiente e os personagens, como se a terra e do
vida dos camponeses se confundisse trabalho, a
No centro da imagem, um lampião Em torno da
com seu trabalho na terra.fornece toda a luz do ambiente batata. mesa, os
representado – uma casa escura, camponeses
pequena e simples. Ressaltados pela luz compartilham
do lampião, os tons terrosos dominam o o fruto da
ambiente e os personagens, como se a terra e do
vida dos camponeses se confundisse trabalho, a
com seu trabalho na terra. batata.

Museu Van Gogh, Amsterdã, Holanda /Vincent van Gogh / Diomedia

Museu Van Gogh, Amsterdã, Holanda/ Vincent van Gogh /Diomedia

Os comedores de batata, tela de Vincent van Gogh.


Os comedores de batata, tela de Vincent van Gogh.

54 Direitos, cidadania e movimentos sociais

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A IMPORTÂNCIA DA BATATA
Cultivada há mais de 8.000 anos na região dos Andes, a batata foi levada para
a Europa no século XVI e, desde então, se tornou parte da dieta básica das populações
dos mais variados países. Atualmente é o quarto produto alimentício mais cultivado no
planeta.
A FAO, órgão da ONU responsável pela agricultura e alimentação no mundo,
considera que uma dieta com leite e batata poderia suprir emergencialmente as
necessidades energéticas de um ser humano em situação de fome ou desnutrição.
Van Gogh procura valorizar A IMPORTÂNCIA
Veja, no quadro abaixo,DA BATATA e os principais nutrientes da batata.
a composição
a simplicidade da vida dos
CultivadaEhá mais de 8.000 anos na região dos Andes, a batata foi levada para
camponeses, ainda não COMPOSIÇÃO NUTRIENTES DA BATATA
a Europa no século XVI e, desde então, se tornou parte da dieta básica das populações
corrompida pela sociedade dosbatata
mais variados países.contém
Atualmente é oe quarto produto alimentício mais cultivado no
Uma de 100 gramas 87 kcal apresenta aproximadamente
industrial. São seres de planeta. composição e nutrientes:
a seguinte
feições duras, rudes,
A FAO, órgão
NUTRIENTE da ONU responsável pela agriculturaFUNÇÃO
QUANTIDADE e alimentação no mundo,
marcadas pelas dificuldades considera que uma dieta com leite e batata poderia suprir emergencialmente as
da vida no campo, porém, com Água 77 g Regula
necessidades energéticas de uminúmeras funçõesem
ser humano orgânicas
situação de fome ou desnutrição.
olhar inocente e doce,
Van Gogh como
procura valorizar Carboidratos Principais fontes de energia da dieta de seres humanos
20,13 g abaixo, a composição e os principais nutrientes da batata.
Veja, no quadro
se vê no adestaque.
simplicidade da vida dos Vitamina C 13 mg Importante antioxidante e anticoagulante
camponeses, ainda não COMPOSIÇÃO E NUTRIENTES DA BATATA
Potássio Importante para as funções neuronais e para o equilíbrio osmótico das células
379 mg
corrompida pela sociedade
industrial. São seres de CálcioUma batata de 100
5 mggramasFundamental
contém 87 kcal
nose movimentos
apresenta aproximadamente
de contração muscular, como os batimentos cardíacos
a seguinte composição e nutrientes:
o feições duras, rudes, Ferro 0,31 mg Essencial para as funções sanguíneas, principal componente da hemoglobina do sangue
NUTRIENTE QUANTIDADE FUNÇÃO
marcadas pelas dificuldades Fibras 1,8 g Importantes para as funções intestinais e na composição dos tecidos
da vida no campo, porém, com Água 77 g Regula inúmeras funções orgânicas
Fundamental para a absorção de vitaminas e a manutenção da temperatura corporal
Gordura 0,1 g
olhar inocente e doce, como Carboidratos 20,13 g Principais fontes de energia da dieta de seres humanos
Proteínas 1,87 mg Fontes de energia e principais componentes dos tecidos orgânicos
se vê no destaque. Vitamina C 13 mg Importante antioxidante e anticoagulante
Fósforo 44 Um dos principais componentes
neuronaisdo DNA e do RNA
Potássio 379mg
mg Importante para as funções e para o equilíbrio osmótico das células
Cálcio 5 mg Fundamental nos movimentos de contração muscular, como os batimentos cardíacos
Reúna-se
Ferro com alguns
0,31 mg
colegas
Essencial para aspara
funçõesexaminar os componente
sanguíneas, principal gráficosdaahemoglobina
seguir.doRespondam:
sangue
o que
Fibrasa análise 1,8
dos g dados representados
Importantes revela?
para as funções intestinais Apresentem
e na composição para a classe as
dos tecidos
conclusões
Gordura a que0,1 gchegaram.
Fundamental para a absorção de vitaminas e a manutenção da temperatura corporal
Proteínas 1,87 mg Fontes de energia e principais componentes dos tecidos orgânicos
m PRODUÇÃO E CONSUMO DA BATATA NO MUNDO
A figura que segura a xícara Fósforo 44 mg Um dos principais componentes do DNA e do RNA
expressa com os olhos e Maiores produtores (2007) Quantidade (em toneladas)
Reúna-se com alguns colegas para examinar os gráficos a seguir. Respondam:
gesto o sentimento de 1 China 72.040.000
o que a análise dos dados representados revela? Apresentem para a classe as
fraternidade que Van Gogh 2 conclusões a queRússia
chegaram.
36.784.200
considerava próprio da vida 3 Índia 26.280.000
4 PRODUÇÃO EEstados
CONSUMO Unidos
DA BATATA NO MUNDO 20.373.267
dos camponeses.
A figura que segura a xícara Ucrânia 19.102.300
5
expressa com os olhos e 6
Maiores produtores (2007)
Polônia Quantidade (em toneladas)
11.791.072
gesto o sentimento de 7 1 Alemanha
China 11.643.769 72.040.000
fraternidade que Van Gogh 8 2 Belarus
Rússia 8.743.976 36.784.200
considerava próprio da vida 9 3 Índia
Holanda 7.200.000 26.280.000
dos camponeses. 10 4 Estados Unidos
França 6.271.000 20.373.267
5 Ucrânia 19.102.300
6 Polônia 11.791.072
Maiores
7 consumidores (2005) Quantidade11.643.769
Alemanha (em toneladas)
1 8 Belarus
China
8.743.976
47.594.193
9 Holanda 7.200.000
2 10 Rússia
França 6.271.000 18.828.000
3 Índia 17.380.730
Estados Unidos
4 Maiores consumidores 17.105.000
(2005) Quantidade (em toneladas)
5 1 Ucrânia 6.380.850
China 47.594.193
6 2 Reino Rússia
Unido 6.169.00018.828.000
7 3 Alemanha
Índia 5.572.000 17.380.730
Museu Van Gogh, Amsterdã, Holanda/ Vincent van Gogh /Diomedia

8 4 EstadosPolônia
Unidos 5.000.00017.105.000
9 5 Bangladesh
Ucrânia 4.041.463
6.380.850
O alimento e a bebida que 10 6 Reino Unido
Irã 6.169.000
3.991.142
7 Alemanha 5.572.000
os camponeses partilham 8 Polônia 5.000.000
devem restaurá-los de uma Maiores
9 consumidores (2005)
Bangladesh Em kg per capita
4.041.463
O alimento e a bebida que 10 3.991.142
jornada de trabalho ou 1 Belarus
Irã
181
os camponeses partilham
prepará-los para outra. A de uma 2 Maiores consumidores
Quirguistão 143
devem restaurá-los (2005) Em kg per capita
3 1 Ucrânia 136
representação
jornadasugere issoou
de trabalho 181
4 2 Belarus
Rússia 131
porque oprepará-los
alimento retratado,
para outra. A Quirguistão
Polônia
143
131
5 3 Ucrânia 136
a batata,representação
possui um grandesugere isso
131 125
SOCIOLOGIA
6 4 Ruanda
Rússia
porque o e
valor nutricional, alimento retratado,
o líquido 7 5 Lituânia
Polônia 116
131
a batata, possui um grande 8 6 Letônia
Ruanda 125114
servido pela camponesa da 103
116
valor nutricional, e o líquido 9 7 Casaquistão
Lituânia
direita parece ser café, um Reino Letônia 114
102
servido pela camponesa da 10 8 Unido
Casaquistão 103
poderosodireita
estimulante
parece serfísico
café, um
9
102
Fonte10 ReinoeUnido
dos dados do quadro das tabelas: Divisão de estatística da Organização das Nações Unidas para a Alimentação
e mental.poderoso estimulante físico e a Agricultura (FAOSTAT). Disponível em: <http://www.potato2008.org/en/world/>. Acesso
Fonte dos dados do quadro e das tabelas: Divisão de estatística da Organização das Nações Unidasem:
para12a Alimentação
abr. 2013.
e mental. e a Agricultura (FAOSTAT). Disponível em: <http://www.potato2008.org/en/world/>. Acesso em: 12 abr. 2013.

Direitos, cidadania e movimentos sociais 55

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LEITURAS E ATIVIDADES
A empresa também se encarrega de alugar equipa-
PARAPARA REFLETIR
PRATICAR
mentos como megafones, apitos, caminhões e todo o res-
to necessário para uma verdadeira manifestação.
A crescente despolitização da população parece fazer
Site alemão oferece “manifestantes de com que nem mesmo aqueles afetados diretamente em
aluguel” seus interesses reúnam forças nem ânimo suficientes para
Promotores de causas perdidas ou simplesmente movi- sair às ruas.
mentos políticos sem apoio suficiente na Alemanha podem a Os responsáveis pela empresa garantem, no entanto,
partir de agora alugar seus próprios manifestantes que é impossível distinguir um manifestante real de um
Desde dançarinas de striptease até exuberantes Ferra- alugado.
ris figuram na relação do erento.com, um site alemão espe- Com uma carteira recheada, muitas iniciativas po-
cializado em alugar qualquer coisa imaginável. deriam simular um apoio popular inexistente, um pro-
Mas, a partir deste ano, a empresa começou a ofere- blema que já começa a preocupar juristas e políticos na
cer “manifestantes profissionais”, homens e mulheres, Alemanha.
geralmente estudantes, desocupados e aposentados, que CORREA, Sergio. Site alemão oferece “manifestantes de aluguel”. BBCBrasil.
com, 16 jan. 2007. Disponível em: <www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/
por um pagamento especial se transformam em defenso- story/2007/01/070116_manifestantealuguel_ac.shtml>. Acesso em: 18 set.
res de qualquer causa que se possa imaginar. 2012.
“Abrimos o serviço devido à crescente demanda”,
dizem os responsáveis pelo Erento, Chris Möller e Uwe No seu entendimento, os fatos narrados refletem uma des-
Kampschulte. “Em geral, não sabemos o que os manifes- politização da população ou o oportunismo de empresários
tantes contratados acabam fazendo, mas naturalmente que procuram diversificar suas fontes de rendimento? Eles
rechaçamos qualquer forma de agressividade ou extremis- sinalizam a necessidade de lutar pela ampliação da partici-
mo de direita”, afirmam. pação política ou a inutilidade de se manifestar, pois tudo
“está dominado”?
Honorários
Um manifestante não sai barato. Cada um custa em PARA ORGANIZAR O CONHECIMENTO
torno de US$ 150 por dia.
Alguns manifestantes, porém, cobram honorários
reduzidos por causas que os interessam. Os movimentos sociais e as transforma-
A empresa fica com 4,9% dos honorários de cada ções recentes
pessoa contratada.
[...] O universo dos movimentos sociais se amplia e
Criar uma manifestação de caráter massivo pode cus-
se restringe ao mesmo tempo. Ampliam-se as formas e
tar uma fortuna. Mesmo assim, a Erento afirma que ape-
restringem-se as esperanças quanto a suas potencialidades
nas na primeira semana de janeiro foi consultada por cer-
transformadoras. A defesa de particularismos, os radica-
ca de 50 clientes sobre os serviços desses “mercenários da
lismos e a intolerância de alguns têm levado analistas e
opinião”.
militantes a repensar a questão da transformação social. A
No final do ano, soube-se que uma manifestação em
liberdade, a igualdade, a solidariedade e a fraternidade
frente ao Parlamento, que reuniu cerca de 200 membros
estão a merecer novas reflexões sobre que trilhas seriam
da Associação de Médicos Alemães contra uma nova lei
necessárias para alcançá-las.
de saúde, havia sido coberta por 150 manifestantes alu-
Muitos movimentos se institucionalizaram em orga-
gados e rapidamente disfarçados com o avental branco.
nizações por meio de políticas sociais. A grande novidade
Alugar manifestantes também pode trazer benefícios
passou a ser a centralidade das ONGs no cenário das de-
de imagem. Se a causa carece de apoio jovem ou de adul-
mandas sociais [...]. O perfil do militante dos movimentos
tos, de imigrantes ou de estudantes, o cliente pode pes-
também se alterou. Nos anos 60, 70 e 80 os militantes não
quisar as fotos e os perfis de cada “manifestante” na pági-
dissociavam sua vida particular da atuação nos movimen-
na da Erento para escolher o que mais lhe favorece.
tos, e estes eram associados à política. [...]

56 Direitos, cidadania e movimentos sociais

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Nos anos 90, os antigos militantes envelheceram, ou
LIVROS RECOMENDADOS
PARA PRATICAR
cansaram-se, ou tornaram-se dirigentes de organizações,
parlamentares etc. E não se formaram novos quadros de
militantes. Os poucos novos que surgiram passaram a Cidadania no Brasil: o longo caminho,

EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA


atuar de forma radicalmente diferente. O slogan “o impor- de José Murilo de Carvalho. Rio de Ja-
tante é ser feliz” é bastante ilustrativo. Ninguém quer neiro: Civilização Brasileira.
mais sobrepor os interesses do movimento aos de sua Análise esclarecedora da situação da
vida pessoal, particular. A militância passou a ser mais cidadania no Brasil desde a colônia até
seletiva e qualitativa. A militância quantitativa — que os dias de hoje, em uma linguagem
dava visibilidade aos movimentos nas ruas, na mídia etc. simples.
— reduziu-se consideravelmente ou simplesmente desa-
pareceu. Estamos apenas constatando as novas opções
dos mais jovens. Usualmente, nos anos 90 se participa de
O que é cidadania, de Maria de Lour-

EDITORA BRASILIENSE
causas coletivas quando estas causas têm a ver com o
des Manzini Covre. São Paulo: Brasiliense.
mundo vivido pelas pessoas, e não porque estejam moti-
vadas pelas ideologias que fundamentam aquelas causas. Breve texto analisando os elementos
[...] fundamentais para entender a questão
Quanto a nós, preferimos continuar acreditando na da cidadania.
necessidade das utopias e esperando que as lições que os
movimentos sociais democráticos e progressistas têm
dado ao mundo venham a contribuir para a redefinição
dessas utopias, a reinstaurar a esperança e a crença de que
vale a pena lutar por uma sociedade mais justa e igualitá-
ria. SUGESTÃO
PARA DE FILMES
PRATICAR
[...] Os movimentos são fluidos, fragmentados, perpas-
sados por outros processos sociais. Como numa teia de
Justiça, (Brasil, 2003). Direção: Maria
DIREÇÃO DE MARIA AUGUSTA RAMOS

aranha eles tecem redes que se quebram facilmente, dada a


sua fragilidade; como as ondas do mar que vão e voltam, Augusta Ramos.
eles constroem ciclos na história, ora delineando fenômenos O documentário tem como palco o
bem configurados, ora saindo do cenário e permanecendo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e
nas sombras e penumbras, como névoa esvoaçante. Mas focaliza o cotidiano de pessoas que tra-
sempre presentes. balham no local (defensores públicos,
GOHN, Maria da Glória. Teorias dos movimentos sociais: paradigmas juízes, promotores) ou que estão de
clássicos e contemporâneos.São Paulo: Loyola, 2006. p. 339-342. passagem por lá (réus), além do siste-
ma carcerário. Nesse filme você poderá
Como vimos nesta unidade, muitos são os movimentos so- conhecer as estruturas do sistema judi-
ciais em defesa da manutenção e da criação de direitos. Mas ciário, os corredores do fórum, a disposição, o discurso e a
eles foram mudando no decorrer do tempo. Que mudan- postura de cada personagem. Como e para quem a justiça
ças você percebe nos movimentos sociais divulgados pelos funciona no Brasil é a questão que se apresenta nesse do-
meios de comunicação? cumentário, sem respostas definitivas ou julgamentos pre-
concebidos.
PARA
PARA PESQUISAR
PRATICAR
O que é isso, companheiro?, (Brasil, 1997). Direção: Bruno
Escolha uma organização ligada a algum movimento so- Barreto.
cial, como o sindical, o ambientalista, o feminista, o negro, Uma interpretação ficcional do movimento de resistência à
o estudantil, contra a violência ou pelos direitos humanos. ditadura implantada no Brasil a partir do golpe militar de SOCIOLOGIA
Levante informações sobre a história, os ideais, a estrutura e 1964. Em 1969, ano seguinte à decretação do AI-5, que su-
os resultados da atuação dessa organização. Procure saber primiu a liberdade de imprensa e os direitos civis, um grupo
também como ela obtém financiamento para suas ativida- de jovens guerrilheiros sequestra o embaixador dos Estados
des. Escreva um texto com os dados da pesquisa. Unidos no Brasil para trocá-lo por prisioneiros políticos.

Direitos, cidadania e movimentos sociais 57

book-SESI_EM_SOC_2SERIE.indb 57 21/11/16 18:49


DIREÇÃO DE NIGEL COLE/SONY PICTURES
Revolução em Dagenham, (Reino Unido, 2010). Direção: Nigel Cole.
A história, baseada em fatos reais, passa-se em 1968, na montadora
Gerente editorial: M. Esther Nejm
da Ford em Dagenham, que emprega milhares de homens e apenas
Editor responsável: Glaucia Teixeira M. Thomé
187 mulheres. As mulheres trabalham em um galpão abafado e ga- Coordenador de revisão: Camila Christi Gazzani
nham metade do que recebem seus colegas. Diante dessa situação, Revisores: Cesar G. Sacramento, Eduardo Sigrist, Elza
Gasparotto, Felipe Toledo
elas iniciam uma greve por equiparação salarial e pelo recebimento Coordenador de iconografia: Cristina Akisino
de horas extras. Os patrões entram em pânico. Uma revolução está Pesquisa iconográfica: Cesar Atti
em andamento. Licenciamento de textos: Érica Brambila
Gerente de artes: Ricardo Borges
Coordenador de artes: José Maria de Oliveira
Spartacus, EUA, 1960). Direção: Stanley Kubrick. Produtor de artes: Narjara Lara
UNIVERSAL PICTURES/BRYNA PRODUCTIONS

Assistentes: Jacqueline Ortolan, Paula Regina Costa


O filme apresenta a história de Spartacus, o gladiador que levou para de Oliveira
Roma a revolta dos escravos, e Varinia, a mulher que acreditou em sua Ilustrações: Alex Silva, Luigi Rocco, Rogerio Soud
Cartografia: Mario Yoshida, Portal de Mapas
causa. Inspirador conto da eterna luta do ser humano pela liberdade.
Tratamento de imagens: Emerson de Lima
Produtor gráfico: Robson Cacau Alves
Projeto gráfico de miolo: Daniela Amaral,
Talita Guedes
Colaboraram para esta Edição do Material:
Projeto Sistema SESI de Ensino
Gestão do Projeto: Thiago Brentano
Coordenação do Projeto: Cristiane Queiroz
Coordenação Editorial: Simone Savarego, Rosiane
Botelho e Valdete Reis
Revisão: Juliana Souza
ANOTAÇÕES Diagramação: Lab 212
Capa: Lab 212
Ilustrações de capa: Aurielaki/Golden Sikorka/
Sentavio/Macrovector/Shutterstock
Consultores
Coordenação: Dr. João Filocre
Sociologia: Dra. Vera Alice Cardoso da Silva
SESI DN
Superintendente: Rafael Esmeraldo Lucchesi
Ramacciotti
Diretor de Operações: Marcos Tadeu de Siqueira
Gerente Executivo de Educação: Sergio Gotti
Gerente de Educação Básica: Renata Maria Braga
dos Santos

Todos os direitos reservados por SOMOS Educação S.A.


Avenida das Nações Unidas, 7221
Pinheiros – São Paulo – SP
CEP: 05425-902
(0xx11) 4383-8000
© SOMOS Sistema de Ensino S.A.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Tomazi, Nelson Dacio


Sistema de ensino ser : sociologia : 2º ano :
professor / Nelson Dacio Tomazi. — 3. ed. — São
Paulo : Ática, 2017.

1. Sociologia (Ensino médio) I. Título.

16-08240 CDD-301

Índices para catálogo sistemático:


1. Sociologia : Ensino médio 301
2016
ISBN 978 85 08 18422 4 (AL)
ISBN 978 85 08 18423 1 (PR)
3ª edição
1ª impressão

Impressão e acabamento

Uma publicação

58 Direitos, cidadania e movimentos sociais

book-SESI_EM_SOC_2SERIE.indb 58 21/11/16 18:49


PROFESSOR

Capa_Sociologia FINAL.indd 7 18/11/16 18:44

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