Sie sind auf Seite 1von 6

VIDA SOCIAL DA CLASSE TRABALHADORA CARIOCA

CHALHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim: o cotidiano dos trabalhadores no


Rio de Janeiro da Belle Époque. São Paulo: Brasiliense, 1986. 367 p.

Partindo principalmente da análise de manuscritos de processos criminais


referentes à fins do século XIX e início do século XX, Sidney Chalhoub escreve essa
dissertação de mestrado, aprovada em 1984 na UFF (Universidade Federal Fluminense).
Além dessa dissertação, Chalhoub já publicou outros estudos, entre eles “Cidade febril:
cortiços e epidemia da Corte Imperial”, que em 1997 recebeu o Prêmio Jabuti de ensaio,
onde ele expõe a formação das políticas de saúde pública no Brasil por meio de estudos
da demolição de cortiços na cidade do Rio de Janeiro e de conflitos em torno da
transmissão da febre amarela e da resistência de comunidades negras à vacina
antivariólica. Atualmente, Chalhoub é professor da Unicamp (Universidade Estadual de
Campinas).

O livro (versão adaptada da dissertação) pretende compreender o cotidiano dos


trabalhadores da cidade do Rio de Janeiro, no período da Primeira República, época das
reformas urbanas propostas por Pereira Passos e início do sistema capitalista. Nessa
análise ele procura interligar todos os âmbitos da vida da classe trabalhadora.

A divisão da obra concerne em três longos capítulos, onde inicialmente, em sua


também longa introdução, Chalhoub nos situa em uma briga de bar envolvendo três
personagens da época, se utilizando disso para expor a complexidade de sua pesquisa.
Em seguida, no primeiro capítulo, ele aborda os conflitos e tensões relacionados ao
trabalho e à moradia, onde destaca a importância das rivalidades étnicas e nacionais. No
segundo capítulo, ele já se detém em analisar as relações pessoais e familiares desses
trabalhadores, onde destaca a relação homem-mulher daquela época. Já no terceiro e
último capítulo ele trata da dimensão do lazer popular, dos botequins e das ruas, mas
também da sua contrapartida, a repressão policial.

Introduzindo o livro, o autor nos revela uma briga de bar entre trabalhadores do
porto, resultando no assassinato de um deles pelo que parece ser uma disputa amorosa.
Os personagens dessa história são Zé Galego, Paschoal e Júlia. Através da análise desse
cenário, Sidney Chalhoub nos mostra as diferentes versões produzidas sobre o conflito,
aqui se utiliza do processo crime referente ao caso e notícias dos jornais Correio da
Manhã e Jornal do Commercio. Nesse contexto de versões contraditórias, o autor
procura nos mostrar o quão complexo é esse estudo. Porém, é justamente através da
exposição dessas dificuldades que Chalhoub tenta nos mostrar que embora difícil,
árduo, o trabalho do historiador não é impossível. O autor mostra um caminho por onde
o pesquisador possa se enveredar, que seria ultrapassando essas contradições,
analisando as incoerências, buscar compreender a constituição das diferentes versões, e
daí tirar-lhes também a repetição das relações entre as diferentes versões. Chalhoub
mostra as dificuldades contidas na tarefa de analisar processos crimes, mas também
lembra o cuidado que devemos ter, e que há possibilidades de se estudar uma época
desse modo.

No primeiro capítulo, “Sobrevivendo...”, Chalhoub faz uma divisão de cinco


tópicos, antecedidas por uma pequena introdução que ele chamou de “Inquietações
teóricas e objetivos” (presente em todos os capítulos), onde apresenta os objetivos
gerais e específicos do capítulo, bem como sua organização. Primeiramente, ele tenta
reconstruir o esforço das classes dominantes em elaborar uma ideologia do trabalho,
necessária pelo desejo de se introduzir o ex-escravo no sistema capitalista,
incentivando-o ao trabalho assalariado e procurando reprimir os que não se sujeitassem
a isso por meio da polícia, e de uma representação social de que não trabalhar, ser
ocioso, “vadiar”, é crime e é característica malévola. Fundamentando isto, o autor vai
fazendo referências ao projeto de repressão à ociosidade, elaborado pelo ministro da
Justiça, Ferreira Vianna, em 1888. Prosseguindo, o autor se refere aos conflitos em
questão de trabalho e moradia ressaltando as rivalidades étnicas e nacionais, onde
explica esses conflitos pela alta competitividade no trabalho, em vista da grande oferta
de mão-de-obra. Essa luta por sobrevivência se deu principalmente entre imigrantes e
brasileiros pobres, em especial os de cor. A qual era ampliada devido à predileção dos
empregadores pelos imigrantes, pois viam o negro como um mau trabalhador, e o
imigrante como um agente capaz de acelerar o processo capitalista.

Ainda referindo-se à questão do trabalho, Chalhoub aborda também a relação


patrão-empregado da época, e faz uma comparação desta entre antes e durante a
transição para o capitalismo. A característica paternalística das relações entre esses
personagens é um fator já há muito discutido: o patrão era quem orientava e
aconselhava o trabalhador, que por sua vez demonstrava dedicação ao trabalho e
respeito ao patrão. Chalhoub lembra isso para poder explicar o quão eram raros os
conflitos entre patrão-empregado quando estava presente esse teor paternalista, e que
funcionava com maior eficácia (em termos de evitar esses conflitos) quanto menor fosse
a distância social entre ambos, isto é, quanto mais próxima fosse a relação do patrão
com o empregado. E ressalta que isso será uma dificuldade no modelo capitalista, em
vista de que a hierarquia social é ampliada, ficando uma grande distância entre o patrão
e o empregado, resultando no acirramento de conflitos frente ao interesses do patrão.

Chalhoub parte agora para uma abordagem da relação do indivíduo trabalhador


com sua moradia, e nos mostra a dificuldade presente no setor imobiliário quanto ao
número grandioso de habitantes da cidade do Rio de Janeiro naquela época,
principalmente frente às reformas urbanas propostas por Pereira Passos, que só
aumentavam a exclusão social. E entre estas reformas urbanas, o autor nos revela dois
grupos distintos: a burguesia comercial tradicional e a pequena burguesia, esta última
ocupada com a especulação mobiliária, a exploração de cortiços e casa de cômodos e
com o pequeno comércio varejista. Chalhoub nos mostra ainda a relação dos senhores
com os inquilinos, onde utiliza vários processos criminais que relatam brigas entre estes
personagens, e que predominam novamente as rivalidades nacionais e raciais.

Finalizando este capítulo, Chalhoub fala de um segmento específico da classe


trabalhadora: os trabalhadores portuários ou estivadores, onde tenta nos mostrar como
aspectos concretos da experiência individual de vida dos membros das classes
populares, como a competição pela sobrevivência e as rivalidades nacionais e raciais,
impõem limites bastante reais à eficácia das lutas de reivindicação.

No segundo capítulo (“...Amando...”), Chalhoub analisa quatro pontos no


tocante às relações familiares, afetivas e amorosas dos homens e mulheres dessa classe
trabalhadora, precedidos novamente por uma pequena introdução (“inquietações
teóricas e objetivos”), onde expõe as questões que procurou responder durante a
pesquisa, como por exemplo se aquela classe trabalhadora seguia o modelo
comportamental de “amor” definido pela elite dominante, como eles efetivamente
amaram, se forjaram ou não suas próprias formas de amar, se deram um outro valor ao
amor. Seguindo, o capítulo vai procurar analisar o processo de construção dos papéis
sexuais definidos pela classe burguesa emergente do período, no Rio de Janeiro, e
mostra os limites incontornáveis desses modelos, que se difundiam por discursos
médicos, pela imprensa e pela jurisdição, definindo lições de amor e sexo, paternidade e
maternidade, procurando estabelecer o papel social de cada homem e cada mulher.

No tópico seguinte, denominado “parentes, compadres e amigos”, Sidney


Chalhoub observa que as relações entre esses personagens, membros da classe
trabalhadora, visam a mostrar dois pontos: primeiramente, que devido às dificuldades
sofridas por suas condições, os laços de solidariedade e ajuda mútua entre os homens e
mulheres dessa classe constituíam um aspecto fundamental de sua estratégia de
sobrevivência; em segundo, os conflitos que se davam entre os parentes possuíam um
caráter político, sendo expressão de tensões originadas por lutas de poder e influência.
Aqui, Chalhoub vai ressaltar também que esses conflitos, seus ajustes violentos, em
geral resultaram de um processo relativamente longo de tensões, provocações e disputas
entre os indivíduos envolvidos no confronto. Lembra também a grande valorização da
solidariedade e da ajuda mútua entre essas pessoas, visto que as uniam num período e
situação em que a luta pela sobrevivência era difícil, e as dificuldades enfrentadas eram
as mesmas.

Continuando, Chalhoub discorre sobre o modo específico de inserção da mulher


pobre ao mundo do trabalho, que resulta da estratégia de sobrevivência das pessoas.
Como o mercado de trabalho era bastante competitivo quanto aos homens, e as
condições de vida eram precárias, assim como os salários, fez-se necessária a
construção do trabalho remunerado feminino, que ainda com sua conseqüente
valorização, acabou por influir nas formas que assumiam os relacionamentos amorosos.
Sua importância para a mulher era tal que o trabalho não constituía apenas sua
sobrevivência, mas também certa independência com relação aos homens; e também lhe
permitiam uma participação mais ativa no desenrolar de sua relação amorosa, visto que
agora algumas não se submetiam passivamente aos anseios de dominação do homem.

E na parte que fecha este capítulo, o autor foca sobre o relacionamento entre
homens e mulheres em si mesmo, tentando organizar algumas de suas regras de
funcionamento e identificar alguns de seus elementos de tensão. Chalhoub relembra
aqui três aspectos fundamentais da vida dessa classe trabalhadora que poderiam
determinar o seu ato de amar: a necessidade da existência de fortes laços de
solidariedade entre parentes, compadres e amigos, que resultaria na interferência de
outros indivíduos nos problemas de relacionamento do casal; o fato da mulher pobre ter
trabalho remunerado, o que lhe garantia certa independência em relação ao homem; o
grande desequilíbrio numérico entre os sexos, visto que naquela época havia mais
homens que mulheres, o que tornava o ato de amar competitivo. Aqui percebemos que o
tipo de relacionamento que é desencadeado na classe trabalhadora é diferente dos
estereótipos dominantes da relação homem-mulher, e embora todos esses fatos
indiquem até uma menos durabilidade e instabilidade nessas relações, ao possibilitarem
uma relação mais equilibrada, dão espaço a um relacionamento mais significativo no
sentido de afeto, com presença de amor e carinho. Chalhoub afirma que devido às
condições de vida dessas pessoas, os seus modos de pensar e agir os levavam a praticar
uma relação homem-mulher que tendia a uma bipolarização. E fala também que as
crises amorosas em geral resultavam da não aceitação por parte do homem da conduta
independente da mulher, que, aliás, surgiu de acordo com suas dificuldades de
sobrevivência.

No terceiro capítulo, “...‘Matando o bicho’ e resistindo aos ‘meganhas’”, Sidney


Chalhoub trata do mundo do lazer popular, numa época de formação de um mercado
capitalista de trabalho assalariado que buscava o controle social também por repressão
policial. Aqui, Chalhoub vai tratar conflitos referentes às ruas, aos botequins, mas
também como se dava a repressão ao que a classe dominante chamava de “ociosidade”.
Mas o capítulo pretende ir além, pois propões uma interpretação global do sentido da
cultura popular na cidade do Rio de Janeiro nesta época de grandes transformações
sociais.

Após aquela breve introdução, “inquietações teóricas e objetivos”, o autor


começa a tratar sucessivamente da vida no botequim, da relação existente entre
populares e guardas-civis (“meganhas”) nas ruas da cidade, e também trata da
dramatização e ritualização dos conflitos na hora de “matar o bicho”, hora da bebida.
Inicialmente, Chalhoub aborda as relações entre o dono do botequim e seus fregueses,
revelando que nem sempre era caracterizada pela animosidade, visto que a posição do
dono do botequim é um tanto ambígua, pois por um lado há a relação antagônica em
vista de que ele é o proprietário, mas por um outro lado ele também fazia parte do
mundo dos populares, compartilhando visões e assimilando seu código de conduta.
Tanto que o botequim é geralmente visto como o abrigo preferido de populares que
procuram escapar da ação da polícia e de outros agressores.
Há também certas atitudes de desconfiança e resistência à autoridade entre os
populares, e não apenas em casos isolados ou de pequenos grupos, mas de maneira
geral, principalmente quando esses trabalhadores pobres avaliavam uma determinada
medida governamental como abusiva e lesiva a seus interesses.

Continuando, Chalhoub procura mostras que a desconfiança e a resistência dos


populares em relação à intervenção das autoridades policiais e judiciárias em suas vidas
têm um sentido cultural bem mais profundo, que se encontra enraizado no próprio modo
de vida da classe trabalhadora, em que essa classe possuía normas próprias reguladoras
de suas desavenças, noções próprias de justiça e até seguiam rituais de conduta muitas
vezes opostos aos da classe dominante, quando em situações de conflito. Chalhoub fala
aqui também sobre o entendimento de machismo naquela época, que é a linguagem
fundamental simbólica por onde se expressam as tensões, e naquela época foi enraizado
como ser é fazer , e não possuir, até porque pouco ou nada possuíam.

Finalizando o capítulo, o autor faz uma análise do comportamento dos


indivíduos presentes na cena de um conflito (circundantes), indicando que o caráter
violento era visto pelos protagonistas como uma possibilidade legítima de solucionar
certas tensões. Mas não indica que a violência era o principal mecanismo de resolução
entre esses homens.

Na última parte do livro, no epílogo, Sidney Chalhoub volta com os personagens


que abriram este livro: Zé Galego, Paschoal e Júlia, e nos situa em disposições finais de
sua história. Aqui, o autor também nos fala da noção que essas histórias retratadas
passam de que nossas próprias vidas estão sendo continuamente inventadas, mas lembra
também de que é possível nós nos reinventarmos, dando ênfase a versões e atos
diferentes dos que são esperados de nós.

O livro de Chalhoub é ideal tanto para quem quer saber sobre como foi a vida
social da classe trabalhadora no período da Primeira República, como para quem deseja
analisar processos crimes, visto que Chalhoub explica como o fez, expondo dificuldades
encontradas e apontando caminhos para atravessar. E também inspira novos estudos,
visto que é muito informativo e o autor deixa linhas a serem trabalhadas.

Andressa Aryelle Fontenele Araújo é graduanda no curso de Licenciatura em História


na UFPI (Universidade Federal do Piauí).

Das könnte Ihnen auch gefallen