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II COLÓQUIO BINACIONAL BRASIL-MÉXICO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO

01 a 03 de abril de 2009 – São Paulo – Brasil

CONSUMO DE MASSA E DISCURSO DA HISTERIA

JULIO CESAR LEMES DE CASTRO1

Resumo

Este trabalho propõe-se a entender o consumo de massa, que emerge na segunda metade do
século XIX, à luz do discurso da histeria, que integra a matriz dos quatro discursos de Jacques
Lacan. Ele mostra que o consumidor funciona como o sujeito dividido, impelido por seu
desejo, que questiona alguém no papel de significante-mestre, por exemplo o publicitário. O
resultado é a produção de um saber com características de sedução, como a publicidade.
Entretanto, a disjunção entre o saber e o objeto causa do desejo, característica desse discurso,
gera insatisfação e faz com que o processo se repita indefinidamente. O discurso da histeria é
complementado por seu oposto, o discurso da universidade, que se relaciona ao mundo da
produção, ambos representando os eixos hegemônicos da modernidade.

Palavras-chave

Consumo; histeria; modernidade

Lacan e os quatro discursos 
O esquema dos quatro discursos é enunciado pela primeira vez por Lacan no Seminário XVII,
O avesso da psicanálise, de 1969-70, na vaga do debate político de Maio de 1968 (LACAN,
1991). É retomado em “Radiofonia” (LACAN, 2001, p. 403-447), que reúne respostas a sete
questões formuladas por Robert Georgin, da Radiodiffusion Belge, em 1970. E aparece em
menor escala nos seminários XVIII, De um discurso que não seria do semblante, de 1971
(LACAN, 2006); XIX, O saber do psicanalista, de 1971-72 (LACAN, 1971-1972); e XX,
Mais, ainda, de 1972-73 (LACAN, 1975). Para Lacan, os discursos constituem os tipos mais
abrangentes de laços sociais. Cada um apresenta-se formalmente como um algoritmo com
quatro posições: o agente, o outro, a produção e a verdade.

Essas posições são ocupadas por quatro termos diferentes: S1, o significante-mestre; S2, a
bateria de significantes ou o saber; S, o sujeito barrado ou dividido; e a, o objeto a ou o mais-
gozar. Como a ordem entre os termos é fixa, sua rotação pelas posições, em movimentos de
um quarto de volta, resulta em quatro modalidades de discurso: do senhor, da universidade, da
histeria e do analista.

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Julio Cesar Lemes de Castro é graduado em Jornalismo pela USP, com mestrado em Comunicação e Semiótica
pela PUC-SP. Trabalhou como jornalista (Editora Abril, Círculo do Livro), foi professor de Comunicação
(FAAP) e atuou na área de Internet. Está concluindo pesquisa de doutorado em Comunicação e Semiótica na
PUC-SP, tendo como principal referência teórica Jacques Lacan. jccastro@osite.com.br

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A teoria dos discursos não tem a ambição de fornecer uma chave para interpretar a história.
Ela não postula uma correspondência entre um discurso e uma época, e tampouco a recíproca;
num dado período, com efeito, encontramos manifestações concomitantes de diferentes
discursos. Isso significa que não se pode conceber a história como sucessão de discursos, tal
como se pensa, por exemplo, a história como sucessão de modos de produção. Não obstante, é
perfeitamente possível associar determinados fenômenos históricos a determinados discursos,
como faz o próprio Lacan, ao identificar, no Seminário XVII, o capitalismo, a ciência moderna
e a burocracia com o discurso da universidade (mais tarde, o capitalismo é associado ao
discurso epônimo – um quinto discurso – e a ciência ao discurso da histeria). É igualmente
válida a constatação segundo a qual o peso relativo de cada discurso se altera de uma época
para outra; assim, Lacan, no mesmo seminário, relaciona o advento do capitalismo à
passagem do senhor antigo (representado pelo discurso do senhor) para o senhor moderno
(representado pelo discurso da universidade).

O discurso da histeria 

No discurso da histeria, a posição dominante é ocupada por S, o que é bastante apropriado,


pois o sujeito histérico é o sujeito dividido exemplar, envolto em dúvida e questionamento.
Na forma clássica de histeria, a chamada histeria de conversão, o sujeito exibe as marcas do
significante em seu próprio corpo sob a forma de sintomas. Na medida em que estes
funcionam como enigmas a ser interpretados, questões que requerem respostas, a histérica
(Lacan, acompanhando Freud, considera a histeria uma modalidade tipicamente feminina de
neurose) funciona como um ponto de interrogação ambulante. O desejo da histérica (a) ocupa
a posição da verdade inacessível ao sujeito. Ele manifesta-se sob a forma da demanda,

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dirigida a um outro, que versa justamente sobre essa verdade à qual a histérica não tem
acesso: quem eu sou? o que eu quero? Ao interpelar aquele que ocupa a posição do outro do
discurso, ela encarrega-o de fornecer respostas, dá-lhe o poder de conferir sentido às coisas
como um significante-mestre, transforma-o num senhor (S1). E, com seu questionamento, a
histérica compele o senhor a fornecer um saber (S2): “A histérica é o sujeito dividido, dito de
outro modo o inconsciente em exercício, que empurra o senhor num canto para produzir um
conhecimento” (LACAN, 2001, p. 436). A histérica faz o homem, um homem movido pela
busca do saber, que não se cinge a reproduzir um saber assentado: “O que conduz ao saber
(...) é o discurso da histérica” (LACAN, 1991, p. 23). Esse saber, por sua vez, tenta dar conta
da causa do desejo da histérica, o objeto a. O exemplo mais trivial seria o saber psicanalítico,
suscitado no curso do tratamento de pacientes histéricas por Freud.
Em todos os discursos há uma disjunção de impotência na linha inferior: “A estrutura de cada
discurso necessita de uma impotência, definida pela barreira do gozo, a diferenciar-se como
disjunção, sempre a mesma, de sua produção a sua verdade” (LACAN, 2001, p. 445). De
forma semelhante, entre as posições do agente e do outro há outra disjunção, a da
impossibilidade: “A primeira linha comporta uma relação que é indicada aqui por uma flecha,
e que se define sempre como impossível” (LACAN, 1991, p. 202). No discurso da histeria, a
disjunção de impotência consiste no fato de que o saber secretado falha em dar conta do
desejo da histérica: a // S2. Em virtude dessa disjunção, persiste um desejo insatisfeito, e
novas tentativas são feitas para tentar dar conta de a via S2, redundando na contínua
proliferação de S2. A disjunção da impotência leva à disjunção de impossibilidade na linha
superior (S → S1). A posição da histérica em relação ao senhor é ambígua: por um lado, ela o
comanda, a partir da posição de agente, quando requer dele a produção de um saber; por outro
lado, ela depende dele, na medida em que se deixa definir por ele e seu saber. A ambiguidade
reflete-se na atitude da histérica diante do senhor, pois ela o desafia e ao mesmo tempo o
sustenta, aguarda dele respostas mas problematiza sua pertinência. “Ela desmascara entretanto
a função do senhor da qual ela permanece solidária” (ibid., p. 107). Ou seja, a relação entre a
histérica e o senhor implica uma inelutável desconformidade; no limite, o permanente
questionamento do senhor conduz à busca por um novo senhor.

Segunda modernidade e consumo de massa 
No limiar da segunda metade do século XIX, há sinais da eclosão de uma autêntica cultura do
consumo, que metamorfoseia a paisagem urbana e atiça o imaginário coletivo por meio das
vitrinas, dos cartazes, das lojas de departamento, das feiras comerciais. A energia da massa
que toma as ruas da metrópole, agindo tal qual um estupefaciente, fomenta o consumo: “A
mercadoria (...) retira o mesmo efeito da multidão inebriada e murmurante a seu redor. A
massificação dos fregueses que, com efeito, forma o mercado que transforma a mercadoria em
mercadoria aumenta o encanto desta para o comprador mediano” (BENJAMIN, 1989, p. 53).
A partir do final do século XIX e do início do século XX, a concepção de consumo de massa
toma corpo. A racionalização da produção, com a padronização dos componentes, a
otimização da divisão do trabalho (taylorismo) e a automação (linha de montagem), permite
que as mercadorias sejam manufaturadas em larga escala com custo reduzido. Juntamente
com outros fatores, isso contribui para que a produção de bens de consumo ganhe importância
vis-à-vis a de bens de capital. A urbanização crescente e a expansão das redes de transporte e
de comunicação possibilitam a formação de mercados cada vez mais vastos. Estruturam-se
corporações de grande porte, tanto no setor industrial como no varejista, capazes de atuação
coordenada nesses mercados. A identidade dos produtos é estandardizada através do design,
das embalagens, das marcas e da publicidade (SLATER, 1997, p. 13-14). Como corolário, os
incrementos salariais e a ampliação dos direitos trabalhistas e sociais, no bojo da regulação

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fordista e da política econômica keynesiana, que alcançam seu apogeu no segundo pós-guerra,
asseguram a elevação do poder aquisitivo e estimulam a demanda.
Impulsionada pelo consumo, desenvolve-se no mesmo período uma cultura de massa, que é
essencialmente a cultura veiculada nos meios de comunicação de massa. Além da tipografia,
outras mídias, inventadas no período, vêm a desempenhar papel fundamental: a fotografia, o
cinema, o rádio e a televisão. Ao difundir-se, a cultura de massa coloniza a vida urbana, a
domesticidade, o lazer, a afetividade. Ela assume uma forma mercantilizada, como indústria
cultural; destrói a aura que circunda as obras de arte; submete-se aos caprichos da moda;
incita o culto às celebridades. Às estratégias disciplinares de reprodução social, ela acrescenta
as estratégias alternativas de sedução: “Alterando o sentido do controle social industrial, as
tecnologias de comunicação foram empregadas para transmitir uma inteligência que estava
aparentemente em contraste com a disciplina mecânica da produção industrial” (EWEN, S.;
EWEN, E., 1992, p. 21).
É sob a égide dessa cultura nascente que Baudelaire detecta, na Paris do Segundo Império, o
florescimento do que é para ele a modernidade. Seria mais preciso, no entanto, considerá-la
um período intermediário dentro da modernidade, a qual, entendida de forma mais ampla, se
estende por três fases. Na primeira modernidade, entre 1500 e 1850, marcada pela ascensão
do capitalismo, a forma prevalente de reprodução social é a produção. Na segunda
modernidade, entre 1850 e 1970, com o avanço do consumo, ele passa a rivalizar com a
produção como paradigma de reprodução social, conquanto ambos se entrelacem
progressivamente através dos mecanismos de regulação. E, de 1970 em diante, vivemos numa
terceira modernidade, das sociedades ditas pós-industriais, de consumo ou pós-modernas, que
testemunha a nítida predominância do consumo.

Consumo de massa e discurso da histeria 
A ascensão do consumo, na segunda metade do século XIX, é coetânea da entrada em
evidência, primeiro com Charcot e depois com Freud, de uma patologia individual: a histeria.
E é precisamente o discurso da histeria que será tomado aqui como uma ferramenta teórica
privilegiada para a compreensão do consumo. A essa altura, todavia, duas ressalvas são
pertinentes. É certo que as manifestações histéricas típicas dessa época caíram em dessuetude;
isso não significa, porém, que a histeria em geral tenha desaparecido – ela apenas se manifesta
sob novas roupagens. Mais importante ainda: o discurso da histeria não é simplesmente o
discurso proferido pela histérica, mas uma modalidade de maior alcance de laço social. Ou
seja, ele não está subordinado à estrutura nosográfica da histeria, seu agente não é
necessariamente qualificável como histérico do ponto de vista clínico. Por conseguinte, sua
aplicação nesse contexto não se deve a uma mera coincidência histórica.
A leitura do consumo pelo viés da histeria é proposta por Schutzman (1999) e Kehl (2004),
enquanto Stavrakakis (2000) opera diretamente com o conceito de discurso da histeria. Trata-
se de um caminho bastante promissor, apesar de relativamente pouco explorado, visto que não
é difícil definir as diferentes facetas do consumo no âmbito do discurso da histeria – tudo
parece encaixar-se naturalmente. Na posição do agente, coloca-se o próprio consumidor,
como sujeito dividido (S). Ele não tem acesso ao objeto causa de seu desejo (a), na posição da
verdade. Por isso, indaga sobre seu desejo a alguém, na posição do outro, que funciona
portanto como um senhor (S1) – o publicitário, digamos. Como observa Baudrillard (1986, p.
314), o consumidor pode ler a qualquer instante na publicidade “o que ele é e o que ele
deseja”; ora, tal é precisamente a expectativa do sujeito histérico diante do senhor. A
publicidade produz um saber (S2) sob a forma de uma fantasia que tenta dar conta do desejo
do consumidor. Como, em virtude da disjunção a → S2, isso não acontece (sempre há um
resto), o processo se repete indefinidamente. Mantido insatisfeito, o consumidor

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eventualmente cede aos apelos de novos senhores (S1), que acenam com outras fantasias (S2)
para vender outros produtos.
O significante-mestre (S1), com o qual o sujeito se identifica, pode assumir várias formas.
Figuras idealizadas – atores, cantores, celebridades em geral – são alvos mais óbvios de
identificação, atraindo fãs e seguidores que nelas se inspiram, inclusive quanto a escolhas e
decisões de consumo. Capitalizando sua condição, elas endossam produtos em comerciais,
licenciam a utilização de seus nomes como marcas, exibem anúncios em seus trajes (como
fazem os esportistas) etc. É possível também identificar-se com um grupo que se aglutina via
hábitos de consumo compartilhados. Mesmo no caso dos movimentos sociais de juventude
que externam insatisfação e rebeldia em relação ao sistema, como os beatniks dos anos 50 ou
os hippies dos anos 60, a identidade numa boa medida é definida por elementos – um
determinado corte de cabelo, estilo de roupa ou gênero de música – que não fogem às normas
da sociedade de consumo. Pode ocorrer ainda que o sujeito, esforçando-se para assimilar as
tendências dominantes no mercado, se identifique genericamente com outros. É a ideia
contida numa expressão corrente em inglês, "keep up with the Joneses", que surge a partir de
uma tira de quadrinhos publicada durante décadas em jornais americanos, na qual os
protagonistas tentam acompanhar os padrões de consumo de uma família de vizinhos de
sobrenome Jones. E os outros imitados pelo consumidor podem, naturalmente, ser puramente
ficcionais, como sói acontecer na publicidade.
Na medida em que o sujeito se identifica com outrem, o objeto desejado por este tende a
transformar-se também no objeto de seu desejo – a identificação migra do outro para o objeto
do desejo do outro, estabelece-se diretamente com o objeto. No fundo, o consumidor tem
consciência de que as mercadorias são entes inanimados, criados industrialmente; a despeito
disso, ele tende a impregná-las de conteúdos emocionais e subjetivos, a tratá-las como
extensões de sua identidade. E as corporações, por sua vez, reconhecendo que seu negócio
não consiste exatamente nos produtos enquanto objetos palpáveis, investem em imagens e
valores intangíveis agregados a eles, produzindo um saber (S2) com o escopo de seduzir. Toda
uma tradição teórica, que culmina em nomes como Vance Packard (1957) e John Kenneth
Galbraith (1987; 1982), associa essa praxe à inculcação de necessidades artificiais nos
consumidores. Do ponto de vista lacaniano, contudo, não cabe falar em necessidade, natural
ou artificial – a necessidade é uma característica animal, no ser humano o que existe é o
desejo. Este sim não tem nada de natural, sendo construído pela fantasia. Além do mais, ele
carece de objeto – o objeto a não é o objeto do desejo, mas o objeto causa do desejo; não é a
rigor um objeto, mas uma falta.
A insatisfação, que reflete a disjunção entre S2 e a, manifesta-se sob a forma do que seria
aparentemente o oposto da identificação – a busca de diferenciação. Decisões sobre a
aquisição de bens muitas vezes são condicionadas pela competição por status com os
semelhantes – vizinhos, colegas, membros do mesmo grupo social. O conceito de “consumo
conspícuo”, introduzido por Veblen (1983), capta esse fenômeno. Originalmente aplicado ao
comportamento dos novos ricos, que põem em marcha seus recursos para ostentar poder e
prestígio, esse conceito generaliza-se para os hábitos de consumo da classe média, na medida
em que tais hábitos são igualmente influenciados pela emulação. A rivalidade contribui para o
dinamismo do universo do consumo, pois a receita comezinha para destacar-se é introduzir
novas tendências, ou seja, novos significantes-mestres. Na clássica pirâmide do consumo, o
vértice é ocupado pelos trendsetters e a base pela grande massa que adere por último. O ciclo
vital de cada nova moda é representado assim pelo percurso descendente de um significante-
mestre na pirâmide. Nos pontos intermediários desse percurso, temos impulsos tautócronos,
de identificação com quem está acima e de diferenciação em relação a quem está abaixo.
Os caminhos da propaganda política cruzam-se amiúde com os da publicidade comercial.
Edward Bernays, sobrinho de Freud nascido em Viena e radicado nos Estados Unidos,

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considerado o pai da área de relações públicas e comissionado inúmeras vezes pela indústria
para promover seus produtos, começou sua carreira fazendo propaganda para o governo norte-
americano na Primeira Guerra e seus escritos chegaram mais tarde à biblioteca de Goebbels.
Curiosamente, aliás, uma das mais notáveis iniciativas do ministro nazista da Propaganda em
matéria de controle da linguagem, quiçá num esforço para apagar suas próprias pegadas, foi
reservar para o Estado o termo “propaganda”, vetando seu uso comercial: “Precisamente
nesse ponto, onde as esferas da política e da economia são separadas, a identidade de seus
métodos vem à luz” (Voigt, apud HAUG, 1986, p. 34). Já nos Estados Unidos, à mesma
época, a conexão entre essas esferas é explicitada sem titubeios, o consumo aparecendo
inclusive como modelo para o governo representativo: “As massas da América elegeram
Henry Ford. Elas elegeram a General Motors. Elas elegeram a General Electric Company, e a
Woolworth’s, e todos os outros grandes líderes industriais e de negócios de hoje” (Filene,
apud EWEN, S., 2001, p. 92). Para Bernays (1928, p. 19), se a democracia, em tese,
franqueou o caminho do poder para as massas, a propaganda permite a uma minoria persuadir
a maioria e reter a proeminência. Uma de suas estratégias favoritas era procurar influenciar os
chamados formadores de opinião. Nesse ponto ele, conhecido por não perder a chance de
alardear o parentesco ilustre, aproveita-se das ideias de Freud (1976), que destaca a
importância do líder na economia libidinal da massa. Lacan, entretanto, inscreve seu retorno
às lições do fundador da psicanálise, a partir dos anos 50, justamente no campo oposto ao
daqueles que visam “a adaptação do indivíduo ao ambiente social, a pesquisa dos padrões de
conduta e toda a objetivação implicada na noção das human relations” (LACAN, 1966, p.
245). E diagnostica a ação do mecanismo histérico mesmo entre os que se jactam de uma
postura contestatária, como no alerta dirigido aos estudantes que interrompem seu impromptu
em Vincennes, em 1969: “É a isso que vocês aspiram como revolucionários, a um senhor.
Vocês o terão” (LACAN, 1991, p. 239).

Complementaridade entre os discursos 

Independentemente de quaisquer divisões entre fases, o que unifica a modernidade é a


coexistência de dois eixos: o da produção, concernente à lógica da disciplina, ao
desencantamento do mundo e ao discurso da universidade, e o do consumo, concernente à
lógica da sedução, ao reencantamento do mundo e ao discurso da histeria.
Vale notar que, em diversos momentos, Lacan se refere à obtenção de um discurso a partir de
outro não apenas por intermédio do deslocamento de um quarto de volta, mas também via
inversão completa. Isto é, pode-se dizer que cada discurso resulta do que seria em tese seu
oposto. No Seminário XVII, essa inversão já está presente desde o título, O avesso da
psicanálise: “Deve começar a aparecer a vocês que o avesso da psicanálise é justamente isso
que eu avanço este ano sob o título de discurso do senhor” (LACAN, 1991, p. 99). O
seminário seguinte reelabora esse ponto: “O discurso do senhor não é o avesso da psicanálise,
ele é onde se demonstra a torção própria, eu diria, do discurso da psicanálise” (LACAN, 2006,
p. 9). Ou seja, a relação entre os polos aparentemente antinômicos da matriz dos discursos é
capturada mais precisamente pela fita de Moebius, que matiza a ideia de oposição
sobrepondo-lhe a ideia de continuidade. O fundamento disso se torna patente quando
atentamos para o detalhe de que, nesses casos, o termo ocupando o lugar da produção em um

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discurso é o agente no outro, e vice-versa. É essa a relação vigente entre o discurso da


universidade e o discurso da histeria na modernidade. Mas conferir destaque a eles não
implica resumir à metade o painel completo dos discursos. O discurso do senhor permanece
como referência subjacente tanto a um como a outro. E o discurso do analista, além de intervir
nas transições entre discursos, encarna o horizonte possível de transformação.
Não é fortuito que os discursos da universidade e da histeria sejam hegemônicos na
modernidade. Ambos resultam de uma rotação de um quarto de volta a partir do discurso do
senhor; num caso, o giro é no sentido anti-horário, no outro, é no sentido horário. Em
consequência, as posições de cada termo no discurso da histeria são exatamente simétricas às
posições no discurso da universidade. E, entre eles, há uma complementaridade. O discurso da
universidade produz um sujeito dividido (S), esvaziado do que o particulariza (a): o proletário
privado da mais-valia; o cidadão despojado de suas determinações empíricas (raça, credo,
sexo etc.) e transfeito no “homem” abstrato das declarações de direitos; o indivíduo anônimo
das metrópoles. O discurso da histeria traz esse mesmo sujeito (S) na posição de protagonista,
instigado pelo objeto do desejo (a). O estatuto do sujeito moderno é condicionado em última
instância pelo saber, que ocupa as posições extremas nos dois algoritmos: como um pêndulo,
ele oscila entre o saber que o disciplina (S2 como agente, no discurso da universidade) e o
saber que o seduz (S2 como produção, no discurso da histeria). Trata-se de estratégias
complementares, mas não isentas de contradição. Se a primeira modernidade assiste à
gestação de uma ética romântica, ligada ao consumo, que se mantém paralela à ética
protestante, ligada ao trabalho (Campbell, 1989), na segunda modernidade, com a conciliação
fordista entre produção em massa e consumo em massa, espera-se que o mesmo sujeito tenha,
paradoxalmente, uma postura ascética nas horas de trabalho e hedonista nos momentos livres
(Bell, 1978). Para completar o quadro, temos no discurso da universidade um senhor (S1) que
se eclipsa, na posição da verdade, sob a aparente neutralidade do saber técnico e burocrático,
ao passo que no discurso da histeria S1 está na berlinda, na posição do outro, respondendo à
demanda por um senhor. Esse é um fato conhecido da clínica: o busílis da histérica é que ela
não encontra uma figura paterna à altura de seu ideal, ou seja, do mandato simbólico do pai.
Tomem-se os casos de histeria tratados por Freud, que envolvem invariavelmente mulheres
cujos pais estão envelhecidos, doentes ou sexualmente impotentes: elas se acham, assim, na
condição de sustentáculos ou suplementos de uma figura paterna fragilizada (ver, por
exemplo, o caso Dora – FREUD, 1972). Nem o senhor camuflado do discurso da universidade
nem o senhor suscetível a questionamento do discurso da histeria correspondem portanto
àquele do discurso do senhor, embora de uma ou de outra posição eventualmente se possa
deslizar para a absolutização do senhor. Outro ponto a considerar é que, assim como a
universidade enquanto instituição se enquadra em princípio no discurso da universidade mas
admite em seu interior todos os tipos de laços, o fato de situarmos os fenômenos de massa no
contexto do discurso da histeria não impede que haja variações dentro desse contexto – um
comercial pode muito bem apelar para qualquer dos quatro tipos de discursos. Tudo isso
evidencia uma das vantagens de trabalhar com o esquema de Lacan: os discursos são
diferentes prismas pelos quais é possível captar simultaneamente a realidade, eludindo as
armadilhas de uma visão parcial.
Outra vantagem de peso é a possibilidade de integrar, com relativa fluidez, aquilo que é de
índole subjetiva e aquilo que é de índole social, pois os discursos seguem a lógica da
“extimidade” (“extimité”), neologismo cunhado por Lacan que indica como a ordem
simbólica (a teia da linguagem e da lei) se estende sem solução de continuidade do
inconsciente à vida em sociedade. E um insight disso, previsivelmente, já aparece em Freud
(1976, p. 91):

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Algo mais está invariavelmente envolvido na vida mental do indivíduo, como um modelo, um
objeto, um auxiliar, um oponente, de maneira que, desde o começo, a psicologia individual,
nesse sentido ampliado mas inteiramente justificável das palavras, é, ao mesmo tempo,
também psicologia social.

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