Relações entre o filme “Simplesmente Martha” e o artigo “Comida como
narrativa da memória social”
O filme “Simplesmente Martha” inicia com a personagem descrevendo
suas receitas em uma sessão de terapia em um consultório. Ela vai toda a semana, pois sua chefe a obrigou, senão, seria demitida. Entretanto, ela alega para o terapeuta que não sabe o que está fazendo ali. Durante as sessões, ela não se abre, só sabe falar de comidas e fazer o terapeuta provar seus pratos, sem progredir no tratamento. Martha é uma Chef Alemã conceituada, segundo sua chefe, é considerada a segunda melhor da cidade. Entretanto, tem uma personalidade forte e vive criando conflitos com os clientes do restaurante onde trabalha. Ainda no início do filme, ela perde a irmã e tem que assumir a guarda da sua sobrinha, chamada Lina, a qual deseja conhecer o pai, porém não mantém contato com ele e do qual não sabe nem o sobrenome. Então, Lina vai morar com Martha e começa um processo de adaptação. Retornando para o restaurante, após sua chefe exigir que ela ficasse em casa, Martha encontra o excêntrico Chef Italiano, Mário, que, diferente dela, adora ouvir música, dançar e quebrar as regras. Inicialmente rola um conflito entre os personagens por causa do comando exclusivo da cozinha, mas no final Martha aceita a presença de Mário. Simultaneamente, Lina começa a se aproximar do vizinho de Martha, quando a Chef e Sam se aproximam no cotidiano, sempre rola um clima, e em um certo dia, além de servir de babá de Lina, pois a babá contratada abandonou a menina, Sam convida Martha para sair, porém ela não aceita. Já no restaurante Martha e Mário estão cada dia mais próximos e o cozinheiro irá auxiliar na busca pelo pai de Lina. A menina começa a frequentar o restaurante e a relação dela com Martha, aos poucos, começa a ficar mais maternal. Mesmo Martha cometendo alguns erros, como esquecer a menina no colégio, por exemplo. A amizade de Martha, Lina e Mário cada dia fica mais forte. A menina planeja um jantar onde ela e Mário irão cozinhar para Martha, nesse dia surge um clima de romance entre os cozinheiros. Martha é chamada na escola e descobre que a menina está faltando às aulas. Após o ocorrido, surge um conflito entre Lina e Martha, assim enfraquecendo a relação, gerando questionamentos em ambas. Lina foge de casa e tenta comprar uma passagem para Itália para encontrar o pai, porém a menina é encontrada pela polícia, e Martha vai buscá-la na delegacia. Mas no final as duas se reconciliam e fica tudo bem. Mário aparece de surpresa no apartamento de Martha e os dois se beijam e se envolvem emocionalmente. Na manhã seguinte, estão os dois tomando café com Lina, quando de repente a campainha toca, e surpreendentemente era Giuseppe, o pai de Lina na porta. A menina arruma as coisas e vai embora com o pai. Martha fica triste, mas Mário está ao seu lado para reconfortá-la. A Chef rejeitou o afeto e volta para o restaurante, onde arruma uma confusão com um cliente e no final se demite. Vai até a casa de Mário, e pede sua ajuda para buscar Lina na Itália. No final Martha se casa com Mário, e os três vivem “felizes para sempre”. O terapeuta de Martha vira uma espécie de cozinheiro amador, e os dois provam suas receitas durante as sessões. O artigo “Comida como narrativa social” desenvolve o argumento de que se a comida é uma voz que comunica, assim como a fala, ela pode contar histórias. As autoras sugerem que a comida e as práticas da alimentação podem se constituir como narrativa da memória social. Entre outras teorias abordadas ao longo desse texto. O artigo se relaciona com o filme a partir de algumas teorias. A primeira teoria trata-se de quando a autora escreve uma carta para sua tia avó pedindo as receitas que eram preparadas na casa da avó, para que ela possa fazer uma espécie de livro e entregar para os familiares. Esta relação pode ser visualizada na cena em que o cozinheiro tenta convencer Martha a provar o macarrão, durante o período da tarde, mesmo ela não estando com fome, alegando que a receita era um segredo de família, que foi passado por sua mãe, no leito de morte. Embora tudo não passasse de uma estratégia para diminuir a “arrogância” da Chef e fazê-la provar a comida, pois a mãe do cozinheiro ainda estava viva. Nesse trecho específico, podemos relacionar o filme com o artigo, pois revela a importância de transmitir as receitas para as próximas gerações: o personagem usou a teoria abordada no artigo como argumento para persuadir a Chef, pois o que estava em jogo não era apenas um alimento, mas, sim, o sabor do alimento naquela família, a herança cultural, a partilha de saberes que forma a memória social, e a identidade de uma família/povo. O alimento é mais do que algo nutritivo, está diretamente relacionado ao poder simbólico e cultural. Alimentar-se é mais do que uma necessidade do ser humano, é sentir os sabores, saber a história daquele prato, para que estas receitas que são feitas há gerações não se percam com o tempo. A segunda teoria abordada no artigo, é que a comida conta histórias. Neste sentido o próprio filme é um exemplo de uma narrativa construída a partir da comida. O filme mostra a rotina dentro da cozinha, os sabores, os preparos, as influências. Por exemplo, a cozinha Italiana de Mário e a cozinha Alemã de Martha. Segundo as autoras, “se a comida é uma voz que expressa significados, como a fala, ela pode contar histórias”. Ou seja, a voz da comida manifesta a memória de sabores e as vivências da comunidade, as identidades culturais, e narra as histórias cotidianas dos povos. Outra relação entre o artigo e o filme está presente na cena em que Martha encontra o excêntrico Chef Mário, pois os cozinheiros são de culturas diferentes, uma alemã e o outro italiano, e, no início, existe um conflito entre eles na cozinha. Ou seja, esse trecho pode ser relacionado com a parte do artigo que fala sobre “adaptação”, onde os imigrantes, ao saírem de seu país de origem levando consigo suas tradições, sua cultura e sua culinária, têm de se adaptar ao novo ambiente para o qual estão partindo. É de se esperar que no começo seja difícil, mas com o passar do tempo é necessária a adaptação de suas receitas com os ingredientes e tudo o mais que agora estão ao seu alcance. As duas (ou mais culturas) passam então a ficar tão ligadas uma(s) à(s) outra(s) que, em dado momento, já não se sabe mais distinguir as diferenças entre elas, fazendo surgir assim um novo universo, um novo prato, uma nova leva de pessoas que virão a experimentar e perpetuar esse prato pelas próximas gerações. E a última relação encontrada é referente a cena final, onde o terapeuta de Martha vira uma espécie de cozinheiro amador, e os dois provam suas receitas durante as sessões. Ou seja, troca de experiências despertadas pela curiosidade ou pelo que for. Pessoas tendem, após um certo período de relutância, provar o que é diferente. Não é exatamente isso que vemos nesse trecho, mas é a isso que ele pode ser resumido. Após várias sessões provando as receitas de Martha, o seu terapeuta acaba se acostumando e enfim gostando daquilo, e isso o leva a um novo horizonte, o de cozinheiro amador. Essa troca é extremamente importante para a perpetuação da cultura: se não há comunicação, não há o que se dividir. E se não há o que se dividir, não há troca de experiências, de sabores, de memória. Enfim, a comunicação é extremamente importante para que a cultura culinária de determinado povo, família, população seja perpetuada, levada a outros lugares, e nesses lugares seja então adaptada à cultura desse lugar, e a partir daí faça surgir novos sabores, aromas e novas pessoas sejam conquistadas por aquilo que antes era exclusivo de poucas pessoas, e assim continua a perpetuação da cultura culinária, muitas vezes tão difundida e sofrendo tantas alterações (o que é praticamente inevitável que aconteça) que seria difícil de uma pessoa que tem na sua memória gustativa o sabor "original" de determinado prato, reconhecer, em outro país, um prato que leva o mesmo nome e quase que os mesmos ingredientes, originária da cultura, do povo dessa pessoa, pelas alterações que sofreu. Temperos, especiarias, teor de sal, de gordura, de açúcar não são universais e podem ser modificados a qualquer momento por qualquer pessoa, além de vários outros fatores como a já mencionada necessidade de adaptação de determinadas receitas a novos lugares, contribuem para esse não- reconhecimento de um nativo em relação a um prato tão enraizado em sua memória e com uma importância tão grande para si e para os seus. O que não significa que esse novo prato "genérico" não possa ser apreciado por outras pessoas: muitas vezes o novo, o derivado também é bom. É necessário apenas que as pessoas tenham conhecimento da história daquilo que comem, e que não aceitem ou reprovem isso de imediato sem saber do que se trata, como e porque aquele prato foi parar na sua mesa de tal forma.
Considerações finais
Podemos concluir, enfim, que o artigo se relaciona com o filme em
vários aspectos, em grande parte com os seus tópicos principais, que são: a) Comunicação: observada pela interação entre todos os personagens, em vários ambientes, principalmente na cozinha, durante o preparo de pratos; b) Necessidade e importância de passar adiante a cultura culinária de um nativo; c) Adaptação: mostrada no filme de forma "disfarçada", porém de fácil identificação. REFERÊNCIAS
Panela de barro é que faz comida boa: uma sociologia da cultura sobre as narrativas, tradições e configurações identitárias das Paneleiras de Goiabeiras