Sie sind auf Seite 1von 16

Apresentação

Em 1984, um pequeno grupo de agricultores reuniu-se na cidade de Nova Friburgo para implantar uma
das primeiras feiras de alimentos orgânicos do Brasil. No ano seguinte, esse mesmo grupo fundou a ABIO
- Associação de Agricultores Biológicos do Estado do Rio de Janeiro, com o objetivo de contribuir para a
expansão do movimento orgânico, então incipiente no país.

Os anos seguintes foram de muita luta. Além de aprender a produzir organicamente, os agricultores precisaram
criar canais de comercialização próprios, fazendo o alimento orgânico chegar diretamente ao consumidor.
Foi necessário, também, criar um conceito de agricultura orgânica, sistematizando as normas técnicas de
produção, o que foi feito, à época, pela ABIO, com base nos parâmetros da IFOAM – Federação Internacional
dos Movimentos de Agricultura Orgânica. Foram implantados mecanismos de controle, para garantir aos
consumidores que os produtos dos Associados cumpriam as normas estabelecidas de comum acordo. Os
produtores, alguns deles pesquisadores, professores e técnicos, se visitavam uns aos outros, e se avalizavam
mutuamente: era a certificação participativa.

A partir de meados da década de noventa do século passado, a ABIO participou direta e ativamente do
processo de regulamentação da agricultura orgânica no Brasil, lutando pelo reconhecimento de mecanismos
de controle da qualidade orgânica alternativos à certificação por auditoria. Esse processo culminou com a
promulgação da Lei nº 10.831, em 2003, seguida do Decreto nº 6.323, em 2007, e das Instruções Normativas,
a partir de 2008, que regulamentam os Sistemas Participativos de Garantia e o Controle Social para a Venda
Direta.

Em 2007, a Assembleia Geral da ABIO optou por criar o seu Sistema Participativo de Garantia e constituir
um OPAC – Organismo Participativo de Avaliação da Conformidade Orgânica, que foi credenciado Ministério
da Agricultura, Pecuária e Abastecimento em dezembro de 2010. Hoje vinte e quatro Grupos fazem parte do
SPG-ABIO, reunindo trezentos e trinta Associados.

Também em 2010, no mês de maio, foi inaugurado o Circuito Carioca de Feiras Orgânicas.

Desde meados dos anos noventa do século XX, as opções de escoamento dos produtos orgânicos se
restringiam às grandes cadeias de supermercados, além de uma única feira orgânica, a Feira Cultural e
Ecológica da Glória, criada pela ABIO e pela COONATURA em 1995. As dificuldades de comercialização
mantinham a agricultura orgânica no estado do Rio estagnada, e muitos agricultores desistiam dela. Diante
desse quadro, e partindo do princípio de que o acesso aos alimentos de qualidade é um direito de todos, a
ABIO estabeleceu como uma de suas prioridades criar meios para aproximar produtores e consumidores,
particularmente nas feiras orgânicas e nos mercados institucionais, como nas origens da Associação,
incorporando nessa relação os princípios da economia solidária e do comércio justo.

Atualmente, o Circuito Carioca de Feiras Orgânicas, regulamentado por decreto municipal, reúne quatorze
feiras, oito delas coordenadas pela ABIO, sendo uma delas a primeira feira orgânica no subúrbio carioca. A
ABIO é também responsável por uma feira no bairro de Icaraí, em Niterói. Essas feiras envolvem cento e
noventa agricultores e produtores associados à ABIO, individualmente ou em Grupos de Comercialização.

A ABIO participa de diversos fóruns, nos quais dá continuidade à luta que motivou a sua criação, em prol da
agricultura familiar, da pequena produção e da disseminação da agroecologia e da agricultura orgânica: a
Comissão da Produção Orgânica do Estado do Rio de Janeiro, a Articulação de Agroecologia do Estado do
Rio de Janeiro, a Campanha Permanente de Combate aos Agrotóxicos e pela Vida e o Fórum Permanente de
Combate aos Impactos dos Agrotóxicos.

Há muitos desafios pela frente, desde o fortalecimento da democracia e da transparência internas de uma
Associação de agricultores que cresce e se torna cada vez mais complexa, até a sustentação de relações
com os mercados moldadas pelos princípios da economia solidária e do comércio justo. Para enfrentá-los,
a ABIO, movida pela perspectiva de que a agricultura orgânica de base agroecológica deve se tornar a
alternativa predominante no campo e nas cidades, e representar melhoria de qualidade de vida - em todos os
aspectos – para agricultores, produtores e consumidores, vem, a cada dia, se fortalecendo e fortalecendo as
parcerias que a acompanharam nesses 30 anos.

Apostila.indd 1 18/05/2015 10:20:56


Sumário
PRODUÇÃO DE SEMENTES DE HORTALIÇAS DE BASE ECOLÓGICA .................................... 3
1. Introdução ....................................................................................................................................... 3
PRODUÇÃO DE SEMENTES DE HORTALIÇAS
2. Condições climáticas ...................................................................................................................... 3 DE BASE ECOLÓGICA
3. Zona de produção de sementes na unidade de produção agrícola ................................................ 6
Vladimir Ricardo da Rosa Moreira1
4. Florescimento .................................................................................................................................. 6
5. Isolamento ....................................................................................................................................... 8
6. Depuração ....................................................................................................................................... 8
7. Manejo ............................................................................................................................................ 9
8. Colheita ........................................................................................................................................... 9
9. Secagem ....................................................................................................................................... 11
10. Limpeza das sementes ............................................................................................................... 11
11. Armazenagem ............................................................................................................................. 11
12. Considerações finais ................................................................................................................... 12

VELHAS PLANTAS, NOVOS USOS: A BOTÂNICA ECONÔMICA NOS ASSENTAMENTOS


DE AGRICULTURA ORGÂNICA E FAMILIAR ..................................................................................... 13
1. Introdução ..................................................................................................................................... 13
2. Botânica econômica ...................................................................................................................... 14
3. Diversificação de culturas ............................................................................................................. 14
4. Riscos e precauções ..................................................................................................................... 15
5. Aproveitamento direto de plantas de áreas naturais conservadas ............................................... 15
6. Plantas ruderais como alimentos .................................................................................................. 16 1. Introdução
7. Cercas-vivas como estratégia de produção agrícola ..................................................................... 16 Uma produção de base ecológicas realizada a partir de sementes convencionais, não pode ser considerada
8. Plantas “estratégicas” ................................................................................................................... 17 sustentável, pois ocorre o rompimento do ciclo vital da vida no seu primeiro estagio. As sementes manejadas
com agrotóxicos e adubos químicos trazem consigo a identidade desses pacotes tecnológicos, e assim estão
9. Crudivoria: vertente alimentar promissora .................................................................................... 19
condicionadas a terem uma produção inadequada quando manejadas com agricultura de base ecológica.
10. A venda direta e as novas plantas alimentares ........................................................................... 20
Esta cartilha tem a intenção de subsidiar os agricultores e técnicos de ater algumas técnicas de produção de
11. Conclusão .................................................................................................................................... 20
sementes que estão ao alcance de todos.
12. Referências bibliográficas ........................................................................................................... 21
13. Agradecimentos .......................................................................................................................... 21
2. Condições climáticas
INTERAÇÕES DE FAUNA SILVESTRE COM CULTURAS ORGÂNICAS.................................... 22
Para que se tenha uma ótima produção de sementes de hortaliças, deve-se levar em conta o clima local
1. Introdução ...................................................................................................................................... 22 da região. As hortaliças quando manejadas para sementes apresentam um ciclo maior de vida quando
2. O equilíbrio da natureza ................................................................................................................ 23 comparadas com a produção comercial. Como exemplo, pode-se citar a alface, uma hortaliça que produz
3. O que são “pragas”? ..................................................................................................................... 23 cabeças comerciais com 45 a 60 dias no máximo. No caso da produção de sementes de alface o seu ciclo
chega a 180 dias do plantio a colheita das sementes.
4. Insetos ........................................................................................................................................... 24
5. Aves ................................................................................................................................................ 24 A produção de sementes apresenta como característica especifica uma época de cultivo definida, pois
depende de condições climáticas ideais para que as plantas floresçam e produzam sementes, diferentemente
6. Mamíferos ..................................................................................................................................... 25 da produção de hortaliças com fim de comercialização que podem ser cultivadas ao longo do ano, no campo,
7. Importância dos predadores ......................................................................................................... 25 ou em estufas.
8. Agricultura e os predadores domésticos ....................................................................................... 26 1
Possui graduação em Agronomia pela Universidade da Região da Campanha (1996). Atualmente é consultor de programas de produção
9. Proteção e recomposição das áreas naturais remanescentes ..................................................... 27 agroecológica de sementes, consultor em agricultura de base ecológica com enfase em agricultura sustentável. Assessor técnico de
diversas propriedades orgânicas e biodinâmicas de Minas Gerais e São Paulo, Instrutor técnico dos programas de Olericultura Orgânica
10. Sebes como estratégia agrícola .................................................................................................. 28 e Tomate Orgânico do SENAR de São Paulo, Consultor e docente do Centro de Educação Ambiental Monã de Canela no Rio Grande do
11. Importância das áreas úmidas .................................................................................................... 29 Sul, Consultor da Associação Brasileira de Agricultura Biodinâmica, Consultor da Associação de Agricultura Biodinâmica do Sul (ABDSul)
Consultor da Coordenação de Agroecologia (COAGRE) do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA). Consultor da
12. A Convivência é a chave do bom sucesso .................................................................................. 29 Associação de Produtores Orgânicos e Biodinâmicos Serras Verdes, Consultor das associações de agricultura agroecológicas do sul de
Minas Gerais, Associação de Agricultores Orgânicos e Biodinâmicos Serras de Santana, Associação de Produtores Naturais de Maria da
13. Referências bibliográficas ........................................................................................................... 30 Fé (APan Fé), Atuação profissional como coordenador técnico de 2003 a 2009 nas Empresa BioNatur Sementes Agrocológicas."

14. Agradecimentos .......................................................................................................................... 30


3

Apostila.indd 2-3 18/05/2015 10:21:04


Existem plantas que somente florescem após passarem por um período de frio, como é o caso do repolho, A-Vernalização da cenoura
cebola, cenoura, beterraba (muito frio), brócolis e couve-flor. Algumas espécies necessitam de temperaturas
amenas para a produção de sementes como alface, ervilha, feijão vagem e tomate, já outras exigem calor O método de vernalização da cenoura é realizado pelo método semente-raiz-semente, que consiste
e, neste caso o frio se torna um empecilho, como o pimentão, pimenta, abóboras, melancia e quiabo. Ainda primeiramente na produção de raízes e posteriormente a produção de sementes. O método pode ser assim
existem espécies exigentes em dois fatores climáticos correlacionados que é a temperatura com o fotoperíodo. realizado:

O fotoperíodo é a exigência em numero de horas de luz ou escuro, durante um dia que algumas espécies de - Escolha das cultivares – sempre utilizar cultivares de primavera - verão como, Brasília, Alvorada, Carandai,
plantas necessitam. Toma-se como exemplo a beterraba que para a produção de sementes exige temperaturas Brazlândia, Planalto e outras que estejam a disposição no mercado não sendo cultivares hibridas ou de
muito baixas e dias longos, condições estas que não existem naturalmente no Brasil, e por isso poucas inverno.
cultivares florescem naturalmente por aqui, e somente no Rio grande do Sul e em alguns locais de altitude
- Época de plantio para a produção de raízes – o plantio deve ocorrer em dezembro com a colheita das
em Santa Catarina. Outro exemplo são algumas cultivares de alface que somente florescem com a junção da
raízes entre 90 a 100 dias após o plantio.
temperatura amena com o aumento gradual de horas de luz por dia.
- Seleção de raízes - em março-abril deve-se colher e selecionar a partir de 100 raízes levando-se em
A umidade para a questão da produção de sementes é importante, pois ela é necessária na germinação da
conta o comprimento e formato, a tonalidade da coloração da cultivar, a não presença de ombro verde e
semente, no estabelecimento inicial das plantas, no florescimento e polinização, mas, na fase final que é a
ombro roxo, a resistência a ataques de doenças e insetos nocivos. Cortam-se as folhas na altura de cinco
fase de colheita e beneficiamento o clima deve ser seco, e assim, as sementes apresentarão uma melhor
(5) cm a partir do colo da planta antes de levar as raízes para a vernalização.
qualidade fisiológica, com menos doenças.
- Vernalização das raízes – após a seleção das raízes, as mesmas são colocadas em sacos plásticos
O vento também pode prejudicar a produção de sementes, pois diminuí a intensidade de insetos polinizadores,
abertos em numero de 10 raízes por saco e coloca-se na geladeira ou câmara fria em torno de 45 dias.
principalmente as abelhas (Apis mellifera). Também ajuda a estressar as plantas causando doenças e quando
Deve-se sempre colocar um pouco a mais de raízes para vernalizar e aquelas que brotarem muito cedo
em demasia retiram água do solo pela transpiração excessiva das plantas. O uso de quebra ventos atenua
devem ser eliminadas.
os fatores negativos citados.
- Plantio das raízes no campo – posteriormente ao tempo de vernalização, nos meses de maio-junho as
O período ideal para a produção de sementes de hortaliças na região Sudeste é considerado de março a
raízes são retiradas da geladeira na tarde anterior ao dia de plantio e novamente deve-se realizar uma
novembro, com plantios ocorrendo entre março e maio e colheita em outubro e novembro dependendo da
seleção eliminando-se raízes murchas, ou com sintomas de doenças.
espécie cultivada para tal fim. Pode-se sem duvida nenhuma produzir sementes de alface, coentro, salsa,
brócolis, couve-flor, repolho de verão, rabanete, rúcula, ervilha e feijão vagem na região. A cenoura e a cebola - Colheita das sementes – entre outubro e novembro ocorrera à colheita das inflorescências maduras das
são casos a parte e necessitam passar por um método chamado de vernalização, que será explicado a parte. plantas. A colheita é realizada parcelada, pois as plantas apresentam maturação desuniforme.
Ainda em relação à produção de sementes de cenoura somente podem-se produzir sementes de verão, pois
as cultivares de inverno necessitam de mais horas de frio que as existentes naturalmente no Brasil.
B-Vernalização da cebola

2.1. Vernalização A cebola no Brasil se comporta como uma planta bianual para a produção de sementes. No primeiro ano
ira produzir bulbos (cabeças), influenciada principalmente pelo fotoperíodo de dias longos. No segundo ano
Já foi mencionado que, algumas plantas são altamente exigentes em temperaturas baixas para a produção ocorrera o plantio dos bulbos no campo para a produção de sementes. ATENÇÃO, para a região Sudeste,
de sementes, entre elas destacam-se a cebola e a cenoura (figura 1). Na região Sudeste, fora as regiões somente devem ser cultivadas cultivares de ciclo médio e curto.
de altitude elevada, o numero de horas de frio não atendem as exigências requeridas para essas duas
espécies e é preciso lançar mão de um método mecânico denominado de vernalização, que nada mais é que As cultivares do tipo baia tem apresentado uma boa produção de sementes nos testes realizados. A produção
a artificialização do frio. É um método que usa ou câmara fria, ou uma geladeira. é realizada da seguinte forma:

- Escolha das cultivares - as recomendações mencionadas acima.

- Seleção dos bulbos mães - após a colheita dos bulbos no ano anterior (novembro-dezembro), selecionam-
se a partir de 100 bulbos observando que o peso dos mesmos tenha em torno de 70 a 80 g e com o
diâmetro de 5 a 6 cm. Deve-se observar o formato padrão da cultivar, a coloração da casca, a coloração
interna dos bulbos e resistência a ataque de doenças e insetos nocivos.

- Quebra de dormência dos bulbos - após a colheita os bulbos devem ficar em um local sombreado e
ventilado, dispostos em estrados, por mais de 30 dias, para que ocorra a quebra da dormência dos bulbos.
Os bulbos podem ficar cerca de 4 meses armazenados antes da vernalização, retirando-se do local bulbos
que brotarem precocemente e apodrecerem.

- Vernalização dos bulbos – Nos meses de março a abril os bulbos selecionados irão para uma geladeira
ou câmara fria de 45 a 60 dias.

- Plantio dos bulbos no campo - posteriormente ao tempo de vernalização em maio-junho os bulbos são
retiradas da geladeira na tarde anterior ao dia de plantio e novamente deve-se realizar uma nova seleção.

- Colheita das sementes – Em outubro- novembro ocorrera à colheita das inflorescências maduras das
plantas. A colheita é realizada parcelada, pois as plantas apresentam maturação desuniforme.
Figura 1. Produção de sementes de cenoura.

4 5

Apostila.indd 4-5 18/05/2015 10:21:19


De acordo com alguns estudos, as melhores épocas para a produção de sementes no Sudeste com relação Mas a forma mais importante que se deve levar em conta é a forma sexuada. Neste formato de reprodução
ao clima estão dispostas na tabela 1 abaixo. existem plantas autógamas, plantas alógamas e ainda plantas com frequente alogamia.

Tabela 1. Épocas ideias para plantio e espaçamento indicados para a produção de sementes de hortaliças A- Plantas autógamas
na região sudeste.
As plantas autógamas se caracterizam por apresentarem a parte masculina e a parte feminina na mesma flor,
Espécie Época de plantio Época de colheita das Espaçamento de plantio ocorrendo o que se chama de autofecundação. Esse tipo de planta apresenta uma taxa de fecundação cruzada
sementes Entre linhas e plantas (cruzamentos) muito baixa chegando ao máximo de 5%. Os descendentes ocasionados pelo acasalamento
Alface Abril-maio Outubro-novembro 1,0m X 0,20m são muito parecidos ou idênticos aos pais. Para manter a população pura nesta classe de plantas é mais
Fevereiro-março Outubro-novembro 0,8m X 0,60m fácil, pois não são necessárias longas distancias de isolamento entre cultivares, ou muitos dias entre um
Brócolis *
Fevereiro-março Outubro-novembro 0,8m X 0,60m
florescimento e uma cultivar e outra.
Couve-flor*
Repolho de verão* Março-abril Novembro 1,0m X 0,60m B- Plantas alógamas
Rúcula Junho-julho Outubro-novembro 0,8m X 0,20m
Julho-agosto Outubro-novembro 0,8m X 0,20m Nas plantas alógamas ocorre o inverso, e as espécies desta categoria apresentam taxa de fecundação
Rabanete
cruzada acima de 95%. A polinização é realizada pelos insetos, principalmente abelhas, sendo a principal
Ervilha grão Março a maio Outubro-novembro 0,60m X 0,20m
a Apis mellifera, ou pelo vento. Isso significa que os cuidados com a manutenção da pureza das cultivares
Ervilha torta Março a maio Outubro-novembro 1,20m X 0,20m
tem que ser maior. As cultivares e em alguns casos as espécies exigem isolamentos maiores em distancia, ou
Feijão vagem Fevereiro-março Julho-agosto 0,60m X 0,20m pelo menos 30 dias de intervalo entre o plantio de uma cultivar e outra, ou, até mesmo de espécies passíveis
determinado (rasteiro) de cruzamentos como ocorre na família Cucurbitáceae, principalmente do gênero Cucúrbita (abóboras e
Feijão vagem Fevereiro-março Julho-agosto 1,20m X 0,20m morangas), ou nas Brássicas oleraceas (repolho, couve-flor, brócolis, couve de folhas, couve rábano) que
indeterminado (trepador) apresentam cruzamentos não somente entre cultivares como nas espécies citadas
Salsa Março a maio Setembro-outubro 1,0m X 0,20m

Coentro Março a maio Agosto-setembro 0,80m X 0,20m C- Plantas autógamas com frequente alogamia
Cebola ** Março a maio Outubro-novembro 1,20m X 0,20m
As espécies encontradas nesta categoria de planta, são intermediarias entre as outras duas classes e
Cenoura** Março a maio Outubro-novembro 1,20m X 0,20m
possuem taxas de cruzamentos acima de 5 até 95%.
Abóboras e morangas Fevereiro a março Julho-agosto 3 a 4m X 3 a 4m

Quiabo *** Março Julho-agosto 1,0m X 0,50m


Tabela 2. Lista hortaliças autógamas, alógamas e com frequente alogamia.
Milho verde *** Março Setembro 1,0m x 0,20m
Plantas autógamas Plantas autógamas com Plantas alógamas
* em regiões de altitude frequente alogamia
** através do método de vernalização Alface, chicória, almeirão Quiabo Repolho, couve-flor, brócolis, rúcula,
*** em regiões de clima quente que possibilita o plantio o ano todo rabanete, couve chinesa, mostarda,
couve de folhas
Tomate, pimenta, pimentão. Berinjela Abóbora, abobrinha de tronco, moranga
3. Zona de produção de sementes na unidade de produção agrícola
Ervilha, feijão vagem, fava Melancia
Melão
O ideal é que a produção de sementes esteja isolada da produção comercial e isso se deve a:
Beterraba, acelga
a. Diferença de tempo de cultivo entre o produto comercial e a produção de sementes - caso se use
Cebola, cebolinha
canteiros de produção comercial, ocorre a inviabilidade do canteiro por um período maior de tempo.
Salsa, coentro, cenoura
b. Irrigação - a irrigação deve ser por gotejo, principalmente no florescimento até a colheita das sementes.

c. Seleção negativa de plantas - muitas vezes o agricultor que produz para o comercio acaba vendendo as É importante salientar novamente, que a família das Brassicas oleraceas, a qual é representada pelo repolho,
melhores plantas e retirando sementes das piores plantas que ficam por fim nos canteiros. couve-flor, couve de folhas, couve rábano, brócolis cruzam entre si em todas as direções. Outra família de
difícil controle é a família das Cucurbitáceas, principalmente com relação a abóboras, morangas, mogangos,
d. Espaçamento de cultivo - na maioria das espécies de hortaliças para a produção de sementes o os quais também cruzam entre si.
espaçamento usado é maior que o espaçamento usado nos cultivos para comercialização.
Na família das Brássicas apenas os representantes das Brassicas oleraceas cruzam entre si, não ocorrendo
cruzamentos com rúcula, rabanete, mostarda e couve chinesa, que são espécies diferentes, e que cruzam
somente entre cultivares da mesma espécie. Exemplo: cultivares de rúcula cruzam com outras cultivares de
4. Florescimento rúcula , mas não cruzam com cultivares de repolho . Cultivares de repolho cruzam com cultivares de couve-
flor, cultivares de brócolis, e nas outras citadas e vice versa ocorre da mesma maneira.
Para que uma planta produza sementes é necessário que antes ocorra o florescimento e neste ponto pode
estar à chave para o sucesso, ou para o fracasso na produção de sementes. As plantas se reproduzem Na família das cucurbitáceas em relação a cruzamentos espontâneos, estes ocorrem principalmente entre
e assexuadamente e sexuadamente. Na produção assexuada não ocorre o acasalamento entre partes cultivares de aboboras (Cucurbita moschata) com cultivares de morangas (Cucúrbita máxima) e com cultivares
masculinas e femininas e o meio de reprodução das hortaliças é através de mudas, rizomas, tubérculos e de abóbora tipo Itália e mogango (Cucurbita pepo). Cultivares de aboboras, morangas, abóboras tipo Itália
outras partes. As principais hortaliças que se reproduzem desta forma são a batata doce, a batata, o inhame, e mogangos, não cruzam com cultivares de melancia, de melão, de pepino e de maxixe. Mas, cultivares de
o chuchu, assim como alguns condimentos como o alho, o açafrão entre outras espécies. melancia cruzam entre si, assim como cultivares de melão cruzam somente entre si. E isso vale para as
cultivares de pepino e de maxixe.

6 7

Apostila.indd 6-7 18/05/2015 10:21:19


5. Isolamento 7. Manejo
Para evitar os problemas de cruzamentos existe a técnica do isolamento que nada mais é que isolar as O espaçamento para a produção de sementes deve ser maior que para a produção comercial, e algumas
espécies e cultivares que possam acasalar no espaço ou no tempo. plantas necessitam de aterramento que nada mais é que chegar terra ao pé da planta por até três vezes até
a fase de florescimento. Este manejo deve ser realizado principalmente nas culturas da cebola, cenoura,
repolho e tomate, que ajudará a fixar melhor as plantas ao solo e a emitir raízes adventícias (superficiais). O
A- Isolamento no espaço
tutoramento de plantas de crescimento indeterminado é importante principalmente para cultivares de tomate,
O isolamento no espaço é realizado através do plantio em uma distância segura entre um cultivo e outro que ervilha torta, e feijão vagem. Nas cultivares de brócolis tipo ramoso é importante a castração da primeira
possam apresentar cruzamento. Ele é realizado em metros de distância. inflorescência que sai na parte central da planta, e assim ocorrera um estimulo maior do florescimento nas
axilas das folhas. No repolho, quando formar cabeças no inverno, como no caso da cultivar União, deve-se
realizar um corte em “X” a uma profundidade de no máximo 2 cm, na fase de florescimento inicial, e assim
B- Isolamento no tempo aumentando o florescimento unificado da maioria das plantas (figura 2).
O isolamento no tempo é os dias de intervalo entre um plantio e outro de cultivares que possam apresentar
cruzamentos aleatórios principalmente nas plantas alógamas. Nesse caso, não podem ocorrer florescimentos
momentâneos das espécies ou cultivares que possuem potencial de cruzamento.

Tabela 3. Isolamento de hortaliças em relação ao cruzamento de cultivares e espécies.

Isolamento no espaço Isolamento


Espécie
(metros) no tempo (dias)

30 0
Alface

Repolho de verão couve-flor, Brócolis, couve de folhas, 600 a 1000 30


couve rábano
600 30
Rúcula
600 30
Rabanete
30 0
Ervilha grão e torta
30 0
Feijão vagem
1000 30
Salsa
1000 30
Coentro
1000 30 Figura 2. Corte em “X” cabeça repolho
Cebola
1000 30
Cenoura

Abóboras, abóbora Itália, 30


8. Colheita
1000
mogango e moranga
A colheita das plantas deve ocorrer o mais próximo da maturação fisiológica da semente. Neste ponto a
1000 30
Melancia semente apresenta o maior potencial de germinação e vigor, mas como problema apresenta uma grande
Melão 1000 30 quantidade de umidade. Cuidados devem ser tomados, para que se colham sementes em sua fase de
400 a 600 30 maturação fisiológica e entre eles destaca-se a separação das espécies que se apresentam dentro de frutos
Quiabo
úmidos (abóbora, melancia, melão, pepino, tomate, pimentão e outros), as quais são mais fáceis de identificar
400 30
Milho verde o ponto de maturação fisiológica das sementes, das espécies que se apresentam dentro de frutos secos
Tomate 50 0 (repolho, cenoura, cebola, coentro, salsa e outras).
400 30
Pimentão

Berinjela 400 30 A- Sementes úmidas


Nas espécies de plantas que apresentam as sementes dentro de frutos, pode-se observar o ponto de maturação
fisiológica da semente mais facilmente. Um método a ser observado é quando os frutos no campo perdem o
6. Depuração brilho e passam para uma coloração mais opaca, ou ainda quando passam da coloração verde brilhosa para
a coloração final de maturação (figura 3). Os frutos devem ser imediatamente colhidos neste ponto, passando
A depuração é a técnica chamada de “roguing”, que nada mais é que a eliminação das plantas que podem ter posteriormente por um período de repouso de 7 a 30 dias dependendo da espécie. O tomate e o pimentão
cruzado em gerações passadas, ou que estão retornando para estágios anteriores (segregação). Além disso devem passar por um período de repouso de 7 dias, assim como o pepino, já a berinjela necessita de 10 dias.
devem ser eliminadas plantas com baixa resistência a doenças e ataques de insetos nocivos. A depuração é As abóboras e morangas devem passar aproximadamente 3 semanas (21 dias) e o melão aproximadamente
realizada em três fases: pré-florescimento, florescimento e formação de frutos. 15 dias. A melancia pode chegar de 20 a 30 dias.
O agricultor deve observar e se acostumar com as características das cultivares de acordo com porte, cor das Algumas espécies como o tomate, pepino e o melão após a retirada das sementes depois do período de
folhas e frutos, arquitetura da planta (formato), ciclo e outras características. A partir daí devem ocorrer visitas repouso necessitam passar pela fermentação das sementes. Cortam-se os frutos e coloca-se a polpa sem
nas zonas de produção de sementes e observarem-se as plantas, o que por si só já é realizado há cerca de adição de água em uma vasilha e deixa-se por 2 a 3 dias removendo a polpa com sementes duas vezes ao
15 mil anos no processo de domesticação das plantas. dia (figura 4). Após lava-se com água corrente e as sementes vão para a secagem.

8 9

Apostila.indd 8-9 18/05/2015 10:21:20


Figura 5. Ponto de colheita inflorescência da cenoura.

9. Secagem
Figura 3. Ponto de maturação fisiológica pepino.
As inflorescências e as sementes devem ser secas ao sol evitando-se as horas mais quentes (12:00 até 14:00
horas). Devem-se colocar as sementes em finas camadas e fazer constantes revolvimentos das mesmas. O
tempo de secagem dependendo do clima e da espécie podendo levar de 5 a 14 dias. No tomate, na pimenta,
no pimentão e na berinjela, o ideal é que as sementes sejam secas à sombra e ao vento inicialmente e depois
uma secagem rápida ao sol (em torno de três a quatro horas). As espécies de frutos úmidos devem ser secas
em panos permeáveis e as sementes de frutos secos devem ser secas em lonas. As lonas de coloração preta
não devem ser usadas pois queimam as sementes com o calor excessivo.

10. Limpeza das sementes


Após a secagem, as sementes devem ser separadas da palha e de outros materiais. Primeiramente deve-
se bater sobre as inflorescências maduras com cambão, e até mesmo passar por cima com veículos leves
sobre as leiras e desta forma, desligando as sementes do material inerte. Posteriormente ocorre a abanação
ao vento ou com ventiladores dependendo da quantidade de sementes. Pode-se usar varias peneiras com
tamanhos de telas diferenciadas, para que se tenha uma limpeza mais homogênea e uniforme. No caso da
cenoura, a espécie apresenta pelos (aristas) na semente, que devem ser retirados. Podem-se passar as
umbelas em máquinas de moer pimenta do reino, para tal operação.

11. Armazenagem
Após a secagem e limpeza, as sementes devem ser armazenadas em frascos, de preferência de vidro, quando
as sementes forem sementes miúdas e sementes médias. No caso de sementes maiores e que são utilizadas
Figura 4. Fermentação semente tomate. em maior quantidade em uma unidade de área, podem ser armazenadas em garrafas “pet”. Se possível os
frascos devem ser colocados em geladeira (figura 6) ou câmara fria. Se as sementes de hortaliças estiverem
de 4,5 a 7% dependendo da espécie, as mesmas guardam seu poder de germinação por um bom período
B- Sementes de frutos secos
de tempo se forem armazenadas com o somatório de 55,5, que nada mais a soma da temperatura com a
Nesta categoria de plantas se torna difícil identificar o ponto de maturação fisiológica das sementes, pois umidade relativa do ar. Exemplo: se a temperatura estiver com 30°C no local da armazenagem, a umidade
as plantas das espécies relacionadas apresentam florescimentos descontínuos e em uma única planta o relativa do ar deve ser 25,5%. À medida que um fator sobe o outro deve cair, lembrando que quanto mais
florescimento pode levar em torno de 30 a 40 dias. Então o ideal é observar um meio termo para colheita. Na próximo de 4°C estiver a temperatura, maior será a conservação. Deve-se evitar o acumulo de oxigênio junto
alface o ideal é que as inflorescências apresentem 40% das flores com uma penugem branca. No repolho, à semente então se pode adicionar nas embalagens cinza de fogão de lenha, calcário ou talco. Coloca-se
brócolis, rúcula, rabanete, couve-flor, deve-se pegar uma amostras das síliquas (vagens) abrir e observar se uma camada de sementes e outra dos produtos citados, e assim sucessivamente até chegar à parte de cima
as sementes se encontram marrons e não se partam em duas ao serem apertadas entre os dedos. Já na das embalagens. Com o tempo os ingredientes descem e ocupam os espaços entre as sementes. Pode-se
cebola, deve-se colher as umbelas (inflorescências) quando as mesmas apresentarem 10% das sementes colocar ainda sílica gel na parte de baixo das embalagens com uma camada de algodão entre as sementes
pretas visíveis, e na cenoura as umbelas (inflorescências) apresentarem-se com a coloração marrom claro e a sílica gel.
(figura 5).

10 11

Apostila.indd 10-11 18/05/2015 10:21:20


VELHAS PLANTAS, NOVOS USOS: A BOTÂNICA
ECONÔMICA NOS ASSENTAMENTOS DE
AGRICULTURA ORGÂNICA E FAMILIAR
Celso Lago-Paiva2

“Alguns homens – os mais inteligentes e progressistas – foram


muito além do problema relativamente simples de produzir
grandes massas de alimento de qualidade inferior, destinados
apenas a manter a vida; aprofundaram-se mais, num esforço
por produzir o tipo de alimento e espécie de nutrição que criam
vegetais, animais e seres humanos sadios e vigorosos, indivíduos
com inteligência e vitalidade que possa, por seu turno, prosseguir
na luta incessante pela obtenção de conhecimentos cada vez
maiores o pelo aproveitamento desses conhecimentos na criação
de novas realidades”.
Louis Bromfield (1896 – 1956), “Eu e a terra”, p. 330-331

1. Introdução
Figura 6. Sementes armazenadas em geladeira. A agricultura comercial recuperou recentemente parte de seu prestígio, com o crescimento das culturas
orgânicas (incluindo todos os sistemas produtivos que não utilizem produtos sintéticos ou artificiais, como os
sistemas agro-florestais) e o fortalecimento da agricultura familiar (Lago-Paiva, neste volume).

12. Considerações finais Ao invés de comprometer a totalidade da área de sua propriedade com eucalipto, milho, soja ou girassol, agora
o agricultor podia diversificar as culturas, plantando alimentos para sua família, plantas fibrosas, árvores para
A produção de sementes na unidade de agricultura de base agroecológica é de extrema importância, madeira e diversas culturas comerciais e para trocas (id.).
pois permite aos agricultores soberania no seu meio de produção, não ficando os mesmos a mercê das
multinacionais do ramo sementeiro que formam um oligopólio muito grande, onde 60% da produção é A diversificação de culturas abriu novas possibilidades para o pequeno agricultor, o agricultor familiar e
dominada por apenas quatro empresas. orgânico, ecologicamente responsável, permitindo aproveitamento mais adequado de sua terra, e produzindo
sem eliminar a vegetação nativa.
Além desse fator, quando a produção é realizada com parâmetros agroecológicos, as sementes se adaptam
ao manejo utilizado nas unidades de produção, assim como ao clima local, e tendem a apresentar mais Novas fontes de renda surgiram, como a venda direta para o comprador, em mercados próximos e à beira
resistência a fatores bióticos como estiagens, resistência a ataques de insetos nocivos e doenças e por fim das rodovias, por encomenda e por escoamento através de associações de produtores, que recebem a
uma produtividade melhor. matéria-prima, a transformam e a escoam.

Produtos absolutamente frescos e, sem venenos (produtos agrotóxicos) e diversificados garantem aos
produtores e suas famílias alimentos promotores da saúde, inclusive pelo consumo de alimentos funcionais
(anticancerígenos, antioxidantes, vitamínicos, promotores da imunidade e fibrosos) ou nutracêntricos,
crescentemente pesquisados (Oliveira e outros, 2002; Moraes & Colla, 2006).

Alimentos colhidos maduros ou praticamente maduros, macios e plenos de sabor e de doçura, prontos para
serem consumidos, nada tem a ver com as frutas sofríveis fornecidas pela agricultura tradicional, que são
colhidas ainda verdes e amadurecem artificialmente, submetidas a gases suspeitos, que promovem sua
maturação forçada, mas não sabor, textura ou prazer no consumo.

Esses mesmos produtos, nutritivos e saborosos, isentos de produtos perigosos, são muito procurados por
consumidores esclarecidos e cada vez mais exigentes, o que garante mercado que tende a aumentar e se
tornar estável.

2
Engenheiro Agrônomo (ESALQ/ USP, 1990). Especialista em Botânica Econômica (com ênfase em palmeiras – Arecáceas, cactos –
Cactáceas e bromélias – Bromeliáceas). Coordenador de Conservação do Instituto Pró-Endêmicas, instituição do terceiro setor ligada à
conservação da natureza na América Latina, fundada em 2005. Servidor do Ministério do Meio Ambiente, lotado desde julho de 2003 no
Parque Nacional da Serra do Cipó, em Minas Gerais. celsodolago@hotmail.com.

12 13

Apostila.indd 12-13 18/05/2015 10:21:20


Uma das grandes vantagens da produção de produtos finos é que o produtor tem acesso a eles, enquanto A maior vantagem da diversificação de culturas é a relativa independência de variações imprevisíveis de
que aqueles que usam suas terras exclusivamente para implantação de culturas comerciais, como soja, cana- fatores ambientes, como pluviosidade (excessos de chuvas ou falta prolongada delas) e clima (ondas
de-açúcar, milho, café e eucalipto, além das pastagens, são obrigados a comprar tudo de que necessitam, prolongadas de frio ou de calor). Em casos de extremos indesejáveis desses fatores, nem todas as lavouras
vivendo escravos de agricultura que não promove nem a saúde, nem a riqueza ou a satisfação. Agricultores serão atingidas, e o socorro pelas associações será sempre menos necessário do que aquele que atinge
orgânicos são consumidores habituais, assim, de aspargo, alcachofra, gengibre, framboesas, caquis, uvas, regiões de monoculturas. Variações de preços de compras de produtos agrícolas são, igualmente, menos
pêssegos, nectarinas, pitaias e outros produtos de alto valor nutritivo, e que as pessoas “sem-terra” (como prejudiciais em regiões com alta diversidade agrícola.
os citadinos) tem de comprar por altos preços. A agricultura diversificada promove a democracia alimentar.
A independência alimentar e financeira dos pequenos agricultores é diretamente dependente da diversificação
No presente capítulo discuto questões ligadas à diversificação da flora manejada para fins alimentícios, quer de suas culturas, o que não significa que todos devam plantar de tudo, mas que, no âmbito de cada comunidade,
do agricultor e de sua família e agregados, como para comercialização. ou no universo de associados de cada cooperativa ou associação de produtores, exista não só produção
diversificada, mas fluxo garantido de produtos variados para consumo próprio. Feiras de escambo podem ser
realizadas, com trocas de produtos agrícolas, de forma a manter variado o cardápio de cada família, como o
mínimo de despesas.
2. Botânica Econômica
Essencial é que cada família possua sua horta e seu pequeno pomar, nos quais a diversificação seja máxima,
“Si a fazenda for tão feliz que nella habite alguma “dona” em função do espaço e da disponibilidade de tempo.
inteligente e velha, pode-se encontrar uma porção de variedades
que precisam de mais trato. A regra, porém, é que se encontra
somente o que “se pode tratar por si mesmo”; o mais difícil é
evitado ou já perdido”.
4. Riscos e precauções
Eugenio Warming, “Lagoa Santa”, 1908:155
A identificação positiva e indubitável de novas plantas alimentícias, realizada, de preferência, por botânicos
profissionais ou especialistas em plantas econômicas, é parte indissociável das atividades agrícolas e
A Botânica Econômica trata das espécies úteis ao homem (Pinto, 1873; Warming, 1908; Pio Corrêa, 1914; Pio culinárias.
Corrêa & Penna, 1984; Hoehne, 1937; Viégas, 1967; Rizzini & Mors, 1976; Thomas, 1988; Pott & Pott, 1994;
Soffiati, 1996; Lago-Paiva & Santos, 2006; Coradin, Siminski & Reis, 2011) em seus aspectos sistemáticos, A planta de horta “arnica-da-horta” (Porophyllum ruderalis, Asteráceas), e a própria “couve” (Brassica oleracea,
ecológicos, técnicos, econômicos, agronômicos e sociológicos. Brassicáceas), ambas alimentícias e inofensivas, podem ser confundidas com o “tabaco-paraguaio” (Nicotiana
glauca, Solanáceas), extremamente tóxica, o que deverá ser mortal. A planta alimentícia “gondó” ou “capiçoba”
Muitos milhares de espécies de plantas são empregadas pelos homens como alimentos, quer como fontes (Erechtites hieraciifolius, Asteráceas), apreciada em Minas Gerais como verdura, pode ser confundida com
de amido, proteínas, gorduras, vitaminas, minerais e fibras, considerados nutrientes essenciais, como de o “arrebenta-boi” ou “cega-olho” (Hippobroma longiflora, Campanuláceas), planta venenosíssima. As folhas
especiarias empregadas para conservar e aumentar a palatabilidade dos alimentos. Recentemente passou- da “taioba” (Xanthosoma taioba) podem ser inadvertidamente confundidas com as do “inhame” (Colocasia
se a ver alimentos como medicamentos, constituindo os chamados “alimentos funcionais”. esculenta, ambas Aráceas), muito ricas em cristais de oxalato de cálcio, o que poderá provocar edema de
glote e sufocação.
Cada região tem as suas plantas nativas, que podem ser ensaiadas para a cultura (Lago-Paiva & Santos,
2006). Cada região possui suas plantas já adaptadas aos solos, à meteorologia, ao clima e às correntes Questão relevante é a recomendação de plantas portadoras de substâncias anti-nutricionais, tóxicas,
imigratórias. Fala-se, portanto, em regionalização do conhecimento de plantas úteis, mas seria, nesse cancerígenas, irritantes abortivas ou alergênicas, que podem trazer riscos desnecessários à saúde ou
contexto, inapropriado se referir a “plantas não-convencionais”, uma vez que a grande maioria das plantas à segurança dos consumidores. É o caso da “nogueira-de-iguape” [Aleurites moluccanus (L.) Willd.,
úteis é bastante popular e de emprego convencional em certas regiões, apesar de desconhecidas em outras. Euforbiáceas], cujas sementes tem sido ocasionalmente preconizadas como fonte de alimento apesar de
poderem conter forbóis, substâncias tóxicas e ativamente cancerígenas (Matos, Lorenzi & Santos, 2011:70-
73; Wolters Kluwer Health, 2009), sendo contaminante ambiente, ou seja, forbóis resultantes da deterioração
3. Diversificação de culturas das partes da planta, acumulados no solo, podem contaminar pessoas, mesmo sem ingestão dos frutos; não
é razoável que espécies que possa acrescer riscos sanitários sejam incorporadas à rotina alimentar.
Grande parte da alimentação humana no Brasil se baseia em algumas poucas espécies: arroz, trigo,
mandioca, milho, feijão, alho, cebola, banana, laranja e poucas mais. Algumas dessas culturas estão fora
das possibilidades de produção do pequeno agricultor, quer por razões climáticas (trigo, alho, cebola), quer 5. Aproveitamento direto de plantas de áreas naturais conservadas
por exigências ecológicas específicas (arroz). O pequeno agricultor, ligado a essas culturas, vê-se vulnerável,
presa de instabilidade alimentar. Áreas naturais são essenciais à saúde do ecossistema agrário (Lago-Paiva, neste volume). No caso do
aproveitamento de plantas alimentares nativas, as matas, brejos, campos, cerrados e mais áreas naturais
A solução desse quadro de insegurança alimentar pode ser remediado pela alteração de hábitos alimentares,
poderão ser fonte direta de itens alimentares, quer para uso interno das propriedades, quer para comercialização
combinada à experimentação de culturas que, se não são totalmente estranhas aos agricultores, ainda não
dos produtos. É o caso da “castanha” (Bertholletia excelsa, Lecitidáceas) e do açaí (Euterpe oleracea,
foram incorporadas à rotina agrícola.
Palmáceas) na Amazônia, e do “caju” (Anacardium occidentale, Anacardiáceas) nas restingas nordestinas.
Trabalho meritório é o da introdução, ensaio e divulgação de novas plantas alimentares em cada região,
No cerrado se encontram diversos alimentos saborosos e de alto valor comercial, in natura e preparados,
cada assentamento humano, cada propriedade rural, de forma que novas possiblidades alimentares e novas
como: indaiá (Attalea geraensis, Palmáceas, de amêndoa útil), “pequi” (Caryocar brasiliense, Cariocaráceas),
oportunidades agronômicas e comerciais sejam testadas e comprovadas como viáveis.
“marolo” ou “araticum” (Annona crassiflora, Anonáceas), “mangaba” (Hancornia speciosa, Apocináceas),
Ainda mais interessante é que a economia nacional ganha com isso, pois muitas espécies, cujos produtos “ananaz” (Ananas microstachys, Bromeliáceas) e “cajuí” (Anacardium humile Anacardiáceas). A polpa seca
eram importados a alto custo, passaram a ser cultivadas no Brasil, economizando divisas, gerando empregos, do “jatobá-do-campo” (Hymenaea stigonocarpa, Leguminosas), rica em proteínas de alto valor biológico,
retendo o homem no campo e diversificando a alimentação de todos, com economia de recursos e variação pode enriquecer bolos, biscoitos e outros alimentos utilizados pelas familiares dos agricultores.
do cardápio.

14 15

Apostila.indd 14-15 18/05/2015 10:21:20


As áreas naturais sujeitas ao aproveitamento desses itens alimentares devem ser submetidas a planos de Plantas de interesse alimentício providas de espinhos e acúleos são as mais interessantes para condução em
manejo, de forma que não haja coleta excessiva, o que garantirá a sobrevivência dos animais nativos e a cercas-vivas, aliando proteção e produção, entre elas:
própria existência das plantas de interesse econômico.
1) “mandacaru” (Cereus jamacaru, Cactáceas), árvore de frutos saborosos;
Mesmo que algumas dessas espécies possam ser objeto de cultura especial, sempre se poderá enriquecer
2) “pitaias” (Hylocereus undatus, Cactáceas);
as áreas naturais com essas espécies, além de existirem, nessas áreas, inúmeras matrizes para fornecimento
de sementes. 3) “figo-da-índia” (Opuntia ficus-indica, Cactáceas), variedade com espinhos brancos, que fornece
frutos saborosos e ramos novos comestíveis, apreciados em Minas Gerais e no Nordeste brasileiro
As áreas naturais, conservadas, são estratégicas para o agricultor, para a conservação das encostas, a (“palma”);
hidratação lenta das encostas (reduzindo a necessidade de irrigação), o abastecimento dos mananciais (e
a consequente alimentação das nascentes) e o abrigo de espécies de animais polinizadores das plantas 4) “Palma” ou “palmatória” (Opuntia monacantha, Cactáceas), cujos ramos novos são alimento saboroso
agrícolas (incluindo abelhas sem ferrão – Meliponídeos e “mamangabas” – Apídeos), além de albergarem e nutritivo, além de ser regulador intestinal, pela abundância de mucilagem;
predadores nativos (que reduzirão as perdas agrícolas devidas a pragas) (Lago-Paiva, neste volume). 5) “ora-pro-nobis” (Pereskia aculeata, Cactáceas), trepadeiras com folhas comestíveis e nutritivas,
muito apreciadas em Minas Gerais, e produtora de frutos saborosos;
6) “quiabentos” (Pereskia grandifolia, Pereskia bahiensis, Pereskia violacea, Pereskia sacharosa,
6. Plantas ruderais como alimentos Pereskia bleo, Cactáceas), arbustos fornecedores de folhas igualmente comestíveis, nutritivas e
“O uso de ervas para propósitos medicinais era generalizado no saborosas;
meio popular [...] O mesmo valia para o hábito de se alimentar de 7) “saborosa” (Selenicereus setaceus, Cactáceas), “pitaia-amarela” (Selenicereus grandiflorus,
uma gama mais ampla de plantas silvestres do que hoje em dia”. Cactáceas) e “fruta-de-dragão” (Hylocereus undatus, Cactáceas), de valor comercial acentuado;
Keith Thomas, “O homem e o mundo natural”, 1988:86-87 8) “bocaiúva” (Acrocomia totai e Acrocomia mokayayba), “macaíba” (Acrocomia ventricosa), “macaúba”
Nos ambientes agrícolas surgem muitas espécies de plantas espontâneas ou ruderais; são as chamadas (Acrocomia utilissima) (Palmáceas), que fornecem amêndoas riquíssimas em óleo alimentício e proteína
“ervas-daninhas” ou “inços”. No entanto, entre elas existem diversas espécies utilizadas tradicionalmente de alto valor biológico, muito apreciadas como alimento (aliás bastante nutritivo) por crianças e adultos;
como alimentos, podendo garantir suprimento quase ilimitado de verduras: 9) “tucuns”, “brejaúba”, e “tucumãs” (Bactris e Astrocaryum, Palmáceas), muitas espécies de palmeiras
1) Amaranthus spp. (“carurus”); de polpa apreciada em várias regiões;
2) Bidens pilosa (“picão-preto”); 10) “pupunha” (Bactris gasipaes, Palmáceas), cujos frutos amiláceos saborosos podem substituir
3) Emilia fosbergii e Emilia sonchifolia (“serralha-vermelha”); parcialmente a mandioca, o arroz e a batata-inglesa;
4) Erechtites hieraciifolius (“gondó ou “capiçoba”); 11) “framboesas” (Rubus brasiliensis, Rubus fruticosus, Rosáceas), arbustos muito produtivos, de
5) Lactuca canadensis (“almeirão-paulista” ou “almeirão-roxo”); frutos saborosíssimos e excelentes para geléias;
6) Pluchea sagittalis (“quitoco”); 12) “jurubeba” (Solanum scuticum, Solanáceas), arbusto com frutos saborosos, muito apreciados como
7) Hypochaeris brasiliensis (“almeirãozinho-de-gramado”); alimento e como tônico hepático.
8) Porophyllum ruderale (“arnica-da-horta”); Os produtos gerados por essas plantas, in natura ou processados em conservas, podem garantir boa parte
9) Anredera cordifolia (“bertalha”); da dieta dos agricultores, além de gerar renda apreciável.
10) Lagenaria siceraria (“abóbora-d’água”, “porongueira”, “cabaceira”, “caxi”); Várias dessas espécies podem ser conduzidas como sebes, ou seja, cercas-vivas com uma ou poucas
11) Melothria pendula (“pepininho”); espécies.
12) Momordica charantia (“melão-de-são-caetano”); O espaço ocupado pelas cercas-vivas não é, portanto, perdido, mas ganho para a agricultura orgânica,
13) Portulaca oleracea (“beldroega”); reduzindo seus custos, aumentando a segurança, a estabilidade, a sanidade e a produtividade do sistema
14) Citrus x limonia (“limão-capeta”, “limão-creme”, “limão-cravo”); agrícola. As cercas vivas são aliadas estratégicas do agricultor esclarecido e diligente.
15) Urera aurantiaca (“cansanção”). Mais efetivas ainda serão as cercas-vivas que estiverem diretamente conectadas com áreas de vegetação
Existem muitas outras que, devidamente identificadas, poderiam concorrer para manter abastecida e variada natural, como matas, cerrados, caatingas e brejos, tornando-se “braços” dos sistemas naturais e aumentando
a mesa do agricultor. Algumas delas podem mesmo ser comercializadas. sua sanidade e utilidade.

7. Cercas-vivas como estratégia de produção agrícola 8. Plantas “estratégicas”


As “cercas-vivas” são formações vegetais plantadas ou surgiram espontaneamente em faixas, geralmente Certas espécies de plantas alimentares podem ser consideradas estratégicas, por permitirem segurança
ao longo de estradas e de cercas (Bromfield, sem ano:126-128) ou entre talhões ou quadras de cultura; são alimentar e econômica ao agricultor organizado e previdente. Essas culturas devem apresentar algumas
muitas e relevantes as utilidades das cercas-vivas (Lago-Paiva, neste volume), incluindo proteção contra características que, combinadas, as tornam especialmente interessantes para os agricultores:
animais domésticos e contra invasores humanos e redução do impacto negativo de ventos fortes sobre as
1) alta produtividade;
culturas (função de quebra-ventos).
2) fácil condução;
Cercas-vivas, criadas e mantidas pelo agricultor para diversas finalidades relevantes e mesmo essenciais
(Lago-Paiva, neste volume), ainda podem fornecer frutas, fibras e plantas medicinais para uso humano, desde 3) garantir alimentos básicos e alimentos funcionais de boa aceitação pela maioria das pessoas;
que manejadas pelo agricultor de forma inteligente e estudada.

16 17

Apostila.indd 16-17 18/05/2015 10:21:20


4) ser relativamente resistentes à flutuações inter-anuais meteorológicas ou pluviais, como invernos “abóboras” (Cucurbita maxima e Cucurbita moschata, Cucurbitáceas), que, além de matéria-prima para
especialmente quentes, verões muito quentes ou secas recorrentes; alimentos e doces de alto valor comercial, fornecem, como subproduto valioso, sementes de alto valor
nutricional (Veronezi & Jorge, 2012) que podem ser importantes na alimentação familiar e ser vendidas
5) produzir ao longo do ano, sendo indiferentes a fotoperíodos;
torradas, como alimento funcional valorizado;
6) não depender de práticas culturais complexas ou dispendiosas;
“favas”: “orelha-de-frade” (Lablab purpureus), e “feijão-de-lima” ou “fava” (Phaseolus lunatus, Leguminosas),
7) poder ser utilizadas tanto na subsistência quanto nas atividades produtivas e econômicas. que podem ser conduzidos sobre arbustos e em cercas-vivas, sem ocupar áreas de cultura;
Essas culturas podem dar ao agricultor relativa independência e estabilidade econômica e estacional,
“guandu” (Cajanus cajan), que, além de contribuir ativamente para a nutrição familiar, tem alto valor de venda
reduzindo suas compras de alimentos. Novas oportunidades comerciais surgem, pois várias dessas culturas
(sementes ou farofa pronta), com apreciação geral, sendo parte da culinária tradicional de várias regiões do
podem ser fornecedoras de produtos de comercialização segura e mercado garantido.
Brasil.

A. Plantas amiláceas
E. Plantas frutíferas
“Mandioqueira” (Manihot esculenta, Euforbiáceas), subutilizada no Brasil, quando poderia, com o milho,
“Bananeira-da-terra” ou “bananeira-pacová” (cultivares de Musa) e “bananeiras” (cultivares de Musa,
sobrepujar o trigo em grande parte do Brasil, além de fornecer produtos comerciais importantes;
Musáceas);
“bananeira-da-terra” ou “bananeira-pacová” e “bananeiras” (cultivares de Musa, Musáceas), que, colhida
“açaí” (Euterpe oleracea, Palmáceas);
imatura, é excelente fonte de alimento energético e saboroso;
“juçara” ou “palmiteiro” (Euterpe edulis Mart., Palmáceas); existe demanda para o aproveitamento da polpa de
“fruta-pão” (Artocarpus altilis, Moráceas), fruto amiláceo valioso em climas quentes (litoral, Centro-Oeste e
seus frutos, análoga à do “açaizeiro” (Euterpe oleracea Mart.); a polpa, extraída em máquina ou em peneiras,
Amazônia);
pode ser aproveitada na alimentação diária do agricultor e ser industrializada (pelo menos congelada, por
“batata-doce” (Ipomoea batatas, Convolvuláceas); motivos sanitários) já embalada pela associação, na forma de polpa, sorvetes simples ou mistos, bebidas
refrigerantes e energéticas, etc., todos de alto valor comercial e mercado cativo. As sementes, ainda férteis
“pupunha” (Bactris gasipaes, Palmáceas) outro fruto amiláceo promissor. após o processamento, retornam para a propriedade, podendo ser lançadas nas matas, para formação de
mais palmeiras. Com manejo correto e muitas palmeiras na propriedade, pode-se aproveitar a polpa e o
B. Plantas oleaginosas palmito, com proveito para o agricultor, tanto financeiro, quanto sanitário e alimentar;

“Macaúba” [Acrocomia sp. (antes, Acrocomia sclerocarpa, nome inválido) e Acrocomia viegasii, Palmáceas], As lagartas e outros insetos-praga podem ser parcialmente controladas por animais nativos protegidos pelo
“bocaiúva” (Acrocomia totai) e outras espécies de Acrocomia (Palmáceas) são fontes extremamente agricultor (Lago-Paiva, neste volume), não chegando a atingir populações que sejam significativas na redução
promissoras de óleo alimentar de grande aceitação e de gorduras industriais de ampla aplicação. da produção.

O babaçu (Orbignya speciosa, da mesma família), de vasta distribuição no Brasil, cujo potencial oleífero ainda As espécies sugeridas podem ser substituídas, em cada região, por espécies que se destaquem por suas
permanece quase totalmente potencial, poderia ser altamente compensador para pequenos agricultores e qualidades agrícolas, nutricionais ou organolépticas (sabor e prazer na ingestão). Os agricultores diligentes
suas famílias, se submetido a cultivo racional, que inclui condução em áreas naturais (com plano de manejo) poderão selecionar as espécies, divulgando-as entre seus vizinhos ou por meio de associações de agricultores,
e plantio em bases racionais, com beneficiamento em agroindústria coletiva (de associação). Existem muitas que deverão providenciar cursos sobre o plantio e a utilização desses itens alimentares e comerciais.
outras espécies promissoras de plantas oleaginosas que poderiam ser exploradas no Brasil, tanto para fins
domésticos, quanto comerciais.
9. Crudivoria: vertente alimentar promissora
A Crudivoria é o consumo preferencial de produtos crus, frescos ou desidratados, não cozidos, assados, fritos
C. Plantas condimentares, conservantes e medicinais ou fervidos. Alimentos são submetidos a tratamento térmico para se tornarem mais digeríveis e perderem
“Limoeiro-capeta” ou “limoeiro-cravo” (Citrus x limonia, Rutáceas); substâncias tóxicas e anti-nutritivas. No entanto, muitos alimentos assim tratados perdem parte de suas
propriedades nutricionais e medicinais e de seu sabor e sua textura na mastigação.
“açafrão” ou “açafrão-da-terra” (Curcuma longa, Zingiberáceas);
Muitas vezes o consumo de alimentos assados, fritos, ferventados ou cozidos está ligado a costumes ou
“gengibre” (Zingiber officinale, Zingiberáceas). tradições sem fundamentação racional, como a fritura de verduras, comum em Minas Gerais, quando, em São
Paulo, o mais comum é o consumo de saladas cruas. Muitas vezes o aproveitamento de itens alimentares
cozidos é tradicional, havendo tabu irracional contra sua utilização em estado cru; é o caso de jiló, quiabo,
D. Fontes de proteínas
beterraba, abóboras, repolho, couve.
“Macaúba” (Acrocomia utilissima, Palmáceas);
Proteínas e gorduras saudáveis podem ser parcialmente providas por polpas oleíferas, como as do “palmiteiro”
“bocaiúva” (Acrocomia totai, Palmáceas); e do “palmiteiro”, sementes como as de “caju”, “guariroba”, “babaçu”, “macaúba”, “bocaiúva” e outras.

“guariroba” ou “gueiroba” (Syagrus oleracea, Palmáceas); A desidratação solar de itens alimentares pode reduzir níveis de substâncias anti-nutricionais, tóxicas,
cancerígenas, irritantes abortivas ou alergênicas, ou eliminá-las completamente, mas essa transformação
“cajueiro” (Anacardium occidentale, Anacardiáceas), cujas sementes são aditivo alimentar importante, com deve ser conhecida para cada espécie de alimento. A desidratação ainda reduz o volume dos alimentos,
propriedades funcionais marcantes, além de poder garantir renda apreciável; facilitando sua conservação e armazenamento, podendo ser abreviada pela utilização de cloreto de sódio (sal
de cozinha) ou de açúcar (rapadura).
“ora-pro-nobis” (Pereskia aculeata) e “quiabentos” (Pereskia grandifolia, Pereskia bahiensis, Pereskia
violacea, Pereskia sacharosa, Pereskia bleo, Cactáceas), extremamente produtivos, fornecendo folhas ricas Vantagem significativa da crudivoria é a redução acentuada do consumo de combustíveis, como lenha e gás
em proteínas; de cozinha, para o preparo da alimentação.

18 19

Apostila.indd 18-19 18/05/2015 10:21:20


10. A venda direta e as novas plantas alimentares 12. Referências bibliográficas
A venda direta de parte da produção, quer na própria propriedade, quer em pontos de venda providenciados Bromfield, Louis, 1959. Eu e a terra. Companhia Editora Nacional, 402 p. Tradução de Oswaldo de Araujo Souza ([1955].
pela associação de produtores, ou em feiras-livres municipais, apresenta boas vantagens para o agricultor: From my experience).
Bromfield, Louis, sem ano. Vale Aprazível. São Paulo, Melhoramentos, 268p., il. Trad. José Reis (1946. Pleasant Valley).
1) maior lucratividade, pela eliminação da figura do “atravessador” e do distribuidor;
Coradin, Lidio; Siminski, Alexandre; Reis, Ademir, eds., 2011. Espécies nativas da flora brasileira de valor econômico
2) possibilidade da comercialização de produtos frescos diversificados e de alta qualidade (frutas e atual ou potencial. Plantas para o Futuro – Região Sul. Brasília, Ministério do meio Ambiente, 934 p., il. (Biodiversidade, 40).
verduras, sucos frescos, feijões e favas) e de produtos elaborados, como alimentos salgados (frescos, Hoehne, F. C., 1937. Botânica e agricultura no Brasil. Séc. XVI. São Paulo, Companhia Editora Nacional. (Brasiliana).
desidratados ou congelados), café torrado e moído, frutas e verduras desidratadas, sementes (secas 410p.
ou torradas: amendoim, soja, macaúba, guariroba, caju, macadâmia, etc.), rapaduras (puras ou
Hoehne, F. C., 1946. Frutas indígenas. São Paulo: Instituto de Botânica. 88 p.
com frutas ou especiarias), doces, geléias e sucos concentrados, bebidas fermentadas, vegetais
fermentados (picles, chucrute, pimentas), vinhos de frutas, iogurtes com frutas, temperos (alho com Hoehne, F. C.; Kuhlmann, Moysés; Handro, Oswaldo, 1941. O Jardim Botânico de São Paulo. São Paulo, Secretaria da
sal e especiarias, açafrão e gengibre, pimentas desidratadas e em molho, vinagre com ervas, molhos Agricultura, Indústria e Comércio de São Paulo, 656 p. + 48 pranchas, il.
de raiz-forte ou wasabi), vegetais em conserva (picles, chutneys, vegetais em salmoura temperada, Lago-Paiva, Celso; Santos, A. C., 2006. Taperas e suas plantas: etnobotânica dos antigos assentamentos humanos. Diálogos
conservas japonesas), além de mudas e vasos de plantas alimentícias e condimentares, e muitos 10(3):33-53, Maringá.
outros produtos; Matos, Francisco José de Abreu; Lorenzi, Harri; Santos, Lúcia de Fátima Lopes dos; Matos, Maria Elisa Oliveira; Silva,
Maria Goretti de Vasconcelos; Sousa, Mirian Pinheiro, 2011. Plantas tóxicas: estudo de fitotoxicologia química de plantas
3) demonstração, divulgação e escoamento e de itens alimentares pouco conhecidos, ou mesmo brasileiras. Nova Odessa, Instituto Plantarum de Estudos da Flora, [256 p.], il.
desconhecidos da maioria da população, que, por suas qualidades culinárias e importância alimentar e
Moraes, Fernanda P.; Colla, Luciane M., 2006. Alimentos funcionais e nutracêntricos: definições, legislação e benefícios à
funcional, merecem ter papel na alimentação da população. saúde. Revista Eletrônica de Farmácia 3(2):109-122.
Muitos consumidores esclarecidos e curiosos são ávidos por novidades, não hesitando em incorporá-las ao Oliveira, Maricê Nogueira de; Sivieri, Kátia; Alegro, João Henrique Alarcon; Saad, Susana Marta Isay, 2002. Aspectos
seu cotidiano alimentar, se aprovadas. A venda direta tem o poder de fidelizar consumidores, que encontram, tecnológicos de alimentos funcionais contendo probióticos. Revista Brasileira de Ciências Farmacêuticas 38(1):1-21.
sempre no mesmo local, produtos sadios, saborosos, variados e, muitas vezes, surpreendentes, como desafios Pinto, Joaquim de Almeida, 1873. Diccionario de botanica brasileira, ou Compendio dos vegetaes do Brasil, tanto
de consumo e alimentícios que podem ser compensadores para ambas as partes. Dependendo da escala e indigenas como acclimados. Coordenação Joaquim de Almeida Pinto. Rio de Janeiro: Livraria Popular, 435 p., il.
da assiduidade de produção, o agricultor poderá apor sua marca aos produtos, o que valerá como garantia de Pio Corrêa, Manoel, 1914. Flora do Brazil. As plantas alimentares, industriaes e medicinaes. Almanak Agricola Brazileiro
qualidade, especialmente se a associação de produtores (ou cooperativa) a validar com assistência técnica 1914:65-109. São Paulo, Chacaras e Quintaes, il.
competente (como selos de qualidade e análises de valor nutritivo).
Pio Correa, M., 1931. Dicionario das plantas uteis do Brasil e das exoticas cultivadas. Volume II. Rio de Janeiro,
Imprensa Nacional, 707 p., il.
Selos fornecidos por organizações de conservação da natureza, garantindo que a propriedade conserva suas
áreas naturais e seus recursos hídricos, são tão valiosos, para muitos consumidores, quanto os selos de Pio Corrêa, M.; Penna, Leonam de Azeredo, 1984. Dicionário das plantas úteis do Brasil e das exóticas cultivadas.
certificação de produtos orgânicos ou embalagens sofisticadas. Volume VI. Rio de Janeiro, Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, 777 p, il. 2.ed. (1.ed. 1974).
Pott, Arnildo; Pott, Vali J., 1994. Plantas do Pantanal. Centro de Pesquisa Agropecuária do Pantanal, Empresa Brasileira de
A venda direta pode ser responsável por parcela significativa da movimentação financeira das pequenas Pesquisa Agropecuária, 320 p., il.
propriedades, além de garantir aos consumidores produtos diversificados, sem agrotóxicos e de alta
Rizzini, Carlos Toledo; Mors, Walter B., 1976. Botânica econômica brasileira. São Paulo: EPU/ EDUSP., 230 p., il.
qualidade. Juntamente com os alimentos podem ser oferecidos produtos artesanais, como peneiras, cestaria,
móveis de madeira, bambu e cipós, ornamentos, confecções, bem como mudas de plantas ornamentais e Soffiati, Arthur, 1996. Os ecossistemas como fonte para a pesquisa em história humana. Teixeira, Simonne, coord. Jornada
outros produtos agrícolas ou produzidos em pequenas fábricas rurais, além de serviços de fornecimento de de Trabalho do Laboratório de Análise do Processo Civilizatório, Campos dos Goytacazes, RJ, 5 e 6 de dezembro de
1996. Anais. 1. Memória: contribuições para a sua preservação. Região Norte-Fluminense. Campos dos Goytacazes, Centro
hospedagem e guiagem a atrativos turísticos regionais e acolhimento de turmas escolares em atividades
de Ciências do Homem, Universidade Estadual do Norte Fluminense, 82 p., il.
didáticas.
Thomas, Keith, 1988. O homem e o mundo natural: mudanças de atitude em relação às plantas e aos animais (1500-
1800). São Paulo, Companhia das Letras, 454 p., il. Tradução de João Roberto Martins Filho.

11. Conclusão Veronezi, Carolina Médici; Jorge, Neuza, 2012. Aproveitamento de sementes de abóboras (Cucurbita sp), como fonte
alimentar. Revista Brasileira de Produtos Agroindustriais 14(1):113-124, Campina Grande.
A diversificação de culturas, que pode ser local (em cada propriedade) ou regional, age em favor do agricultor
Viégas, A. P., 1967. Agricultura e botânica no vocabulário na língua brasílica. Campinas, Instituto Agronômico do Estado
e de seus dependentes e colaboradores, por reduzir sua vulnerabilidade e garantir possibilidades comerciais de S. Paulo, 60 p. (Boletim 179).
e econômicas igualmente diversificadas, graças à venda direta e aos canais sociais de escoamento da
produção (organizações coletivas, como associações de produtores e cooperativas). Warming, E., 1908. Terreno cultivado. (Roças e Hortas). Plantas de cultivo. Formações vegetativas secundarias. Hervas
damninhas (“Matto”). P. 153-168 in: Lagoa Santa: contribuição para a Geographia Phytobiologica. Belo Horizonte: Imprensa
Regiões nas quais predomine o agricultor com propriedades pequenas e médias, estáveis e economicamente Official do Estado de Minas Geraes. 284 p. 2. ed. Tradução de Alberto Löfgren.
rentáveis, nas quais exista assistência técnica e logística fornecida por organizações coletivas, não sofrem os Wolters Kluwer Health, 2009. Tung Seed. http://www.drugs.com/npp/tung-seed.html. Acessado 12 jan. 2014.
efeitos da concentração do capital, das terras e da renda.

Em regiões assim desenvolvidas o homem não vê razões para o êxodo rural, especialmente se estiverem 13. Agradecimentos
disponíveis entidades educacionais, de saúde, culturais e outros serviços básicos.
O autor agradece as pessoas que contribuíram direta ou indiretamente para este trabalho: Aristides Arthur
A agricultura praticada pelo agricultor familiar e orgânico tem grandes chances de se tornar modelo para Soffiati, Dr. (Campos dos Goytacazes RJ), Luís Henrique Santos Teixeira, Eng. Agrônomo (Teresópolis e
todo o país, podendo mesmo, se devidamente organizada, tornar-se a fonte de quase a totalidade dos Guapimirim RJ), a quem dedico este capítulo; Clóvis Ferraz de Oliveira Santos, Eng. Agrônomo (Piracicaba
alimentos necessários ao país, reduzindo a necessidade de importações e descaracterizando a agricultura de SP), Carlos Jorge Rossetto, Dr., Eng. Agrônomo (Votuporanga SP), Cristina Lúcia da Silva (Instituto Pró-
exportação como paradigma de desenvolvimento (o que, aliás, o grande agronegócio nunca foi, exceto para Endêmicas, Curvelo MG).
alguns privilegiados).

20 21

Apostila.indd 20-21 18/05/2015 10:21:20


INTERAÇÕES DE FAUNA SILVESTRE COM A vantagem competitiva da agricultura orgânica está na diferenciação do produto, em virtude da qualidade
auferida pela não utilização de insumos químicos, bem como na preocupação com o respeito ao ambiente
CULTURAS ORGÂNICAS (Augusto & Sachuk, 2007).
No presente capítulo discuto brevemente relações das culturas orgânicas com espécies animais nativas,
Celso Lago-Paiva2 sugerindo formas de manter equilibrado e saudável esse sistema agrícola.

“O homem não pode fugir à natureza. Nem pode dominá-la


inteiramente, na tentativa de explorá-la incessantemente, sem se 2. O equilíbrio da natureza
tornar afinal sua vítima”.
Louis Bromfield (1896 – 1956), “Vale Aprazível”, p. 220 “Onde quer que houvesse destruição e esterilidade, o homem
fôra o causador – por ignorância, por ambição e por uma
1. Introdução estranha crença, arraigadas nas mentes das primeiras gerações
de agricultores [...], de que a terra lhes devia o sustento”.
O prestígio da agricultura comercial foi perdido em décadas de ilusões vendidas de forma enganosa e Louis Bromfield, “Eu e a terra”, 1959:9
irresponsável por empresas produtoras de máquinas e equipamentos, sementes, adubos químicos, herbicidas,
fungicidas, inseticidas e hormônios, que traziam, a par de colheitas rentáveis, o envenenamento dos solos e A história da ocupação humana em todo o globo é história de destruição. Para quase todas as suas atividades,
das águas, a destruição dos solos, a morte de animais nativos e doenças para agricultores e consumidores especialmente para as atividades agrícolas, o homem necessita remover a vegetação natural, alterar o relevo,
de seus produtos. drenar e assorear áreas úmidas, irrigar áreas secas, introduzir espécies vindas de regiões distantes, destruir
Os sistemas agrícolas distanciados da natureza, baseados em terra arada e nua, levaram à laterização a matéria orgânica, a vida e a estrutura dos solos, além de caçar animais impiedosamente.
(endurecimento irreversível), à salinização e à erosão acentuada dos solos pela água e pelos ventos, Toda essa destruição gerou enorme desequilíbrio, erradicando espécies animais e vegetais, tornando muitas
desertificando-os. delas muito mais raras, dificultando a reprodução das espécies nativas, eliminando áreas antes utilizadas por
A perda dos quintais, que antes produziam alimentos abundantes e sadios, fez com que os consumidores espécies migratórias, baixando o nível de depósitos freáticos, secando lagoas, córregos e rios, criando vastos
das cidades ficassem reféns dos produtos que vinham de propriedades agrícolas nas quais os produtos desertos e gerando colônias de animais e plantas exóticas invasoras, que trouxeram ainda mais destruição à
agrotóxicos eram empregados sem limites razoáveis. natureza já tão agredida.
A diversidade de produtos agrícolas foi drasticamente reduzida, pois as empresas de produtos agrícolas Não se deve imaginar, no entanto, que o equilíbrio da natureza seja permanente e perfeito. A própria evolução
apenas se interessavam por grandes culturas, que significavam grandes vendas. Recentemente as sementes das espécies, que gera novas espécies constantemente, e a extinção natural, aliada a mudanças climáticas,
de cultivares híbridos e as sementes geneticamente modificadas tornaram os agricultores ainda mais erupções vulcânicas, terremotos, maremotos e incêndios naturais, sempre gerou desequilíbrios que alteravam
dependentes dessas empresas. longos períodos de relativa estabilidade. Mas as alterações impostas pelo homem à natureza são muito mais
rápidas que as perturbações com as quais a flora e a fauna antes lidavam. Nos últimos milhares de anos a
A agricultura comercial recuperou recentemente parte de seu prestígio, com o crescimento das culturas própria evolução natural das espécies foi crescentemente dificultada. Milhares de espécies desapareceram
orgânicas (incluindo todos os sistemas produtivos que não utilizem produtos sintéticos ou artificiais, como para sempre, muitas delas sem serem sequer conhecidas pela humanidade.
os sistemas agro-florestais) e o fortalecimento da agricultura familiar; com eles os solos agrícolas preciosos
tiveram reduzida suas taxas de erosão e de endurecimento (Bromfield, sem ano) e os consumidores tiveram As áreas naturais em grande parte do Brasil se resumem, hoje, a fragmentos relativamente pequenos e
novamente acesso a frutas, verduras e flores variados e sem venenos (Khatounian, 2001). Agricultores, isolados uns dos outros. Os animais que neles residem podem ter dificuldade em encontrar parceiros e
águas, os solos e os animais nativos deixaram de ser expostos a venenos perigosos, causadores de doenças alimentos em certas épocas do ano, o que não aconteceria se as áreas fossem mais extensas, nas quais,
e de mortes. mesmo exigindo longos percursos, seria possível encontrar manchas de plantas frutíferas. Nessas condições
de escassez os animais nativos, pressionados pela fome, podem procurar as culturas agrícolas, nas quais
Com a venda direta ao consumidor, sem a cadeia onerosa de atravessadores, a renda dos agricultores encontram alimentos abundantes.
aumentou significativamente (Khatounian, 2001). Vantagem significativa da venda direta é a comercialização
de frutas já maduras, carregados de sabor e de textura, sem os venenos utilizados para amadurecimento Normalmente o desequilíbrio de populações e de atividades de animais nativos que se tornaram pragas
artificial em estufas. agrícolas provém de alterações dos ambientes em que originalmente viviam (como desmatamento), alteração
da diversidade e da densidade de seus predadores e da disponibilidade de ambientes alternativos para
Agricultores aprenderam que o trabalho solidário, centrado em associações e cooperativas, que tem poder refúgio e alimentação. Por exemplo: uma ave rara que se nutra de sementes, expulsa das matas onde vivia,
econômico para contratar serviços profissionais especializados (veterinários, agrônomos, contadores, etc.) livre de predadores e podendo nidificar em áreas de silvicultura comercial, pode se tornar praga comum em
e providenciar serviços comunitários produtivos ou sociais, traz vantagens para todos, diferentemente do plantações de grãos.
processo de trabalho solitário e egoísta do agricultor isolado, sem assistência técnica.
Ao invés de comprometer a totalidade da área de sua propriedade com eucalipto, milho, soja ou girassol, agora 3. O que são “pragas”?
o agricultor podia diversificar as culturas, plantando alimentos para sua família, plantas fibrosas, árvores para
madeira e diversas culturas comerciais e para trocas. Consideram-se “pragas agrícolas” os animais que, deslocados de seus ambientes naturais, impõem redução
de produtividade de culturas agrícolas, quer por atacar a vegetação (raízes, colo, caule, ramos, folhas) ou as
Sistemas de “cultura na palha” (como o plantio direto e a utilização de cobertura morta) e o uso de “adubos flores e frutos, quer por consumir diretamente os produtos antes da colheita.
verdes” (leguminosas e gramíneas) e de “plantas companheiras”, ajudaram a conservar a matéria orgânica,
os microrganismos, a fauna do solo e a estrutura dos solos, destruídos por sistemas produtivos absurdamente O conceito de “praga” depende da intensidade de ataque. Perdas mínimas podem passar desapercebidas ou
dissociados da dinâmica da natureza. não importarem em redução significativa de colheitas ou de lucros, se comparadas a fatores imprevisíveis,
como chuvas em época de floração, redução de chuvas em períodos críticos da cultura, temperaturas muito
2 altas ou muito baixas para as exigências de cada cultura ou escassez de animais polinizadores.
Engenheiro Agrônomo (ESALQ/ USP, 1990). Especialista em Botânica Econômica (com ênfase em palmeiras – Arecáceas, cactos –
Cactáceas e bromélias – Bromeliáceas). Coordenador de Conservação do Instituto Pró-Endêmicas, instituição do terceiro setor ligada à A preocupação dos agricultores orgânicos com dada praga deve ser pautada em critérios objetivos que
conservação da natureza na América Latina, fundada em 2005. Servidor do Ministério do Meio Ambiente, lotado desde julho de 2003 no
Parque Nacional da Serra do Cipó, em Minas Gerais. celsodolago@hotmail.com.
apontem possibilidade de redução significativa das colheitas.

22 23

Apostila.indd 22-23 18/05/2015 10:21:20


A observação atenta da natureza pode ajudar o agricultor em sua luta contra pragas. Grandes caracóis Diversas espécies de aves de porte pequeno e médio, das famílias Psitacídeos, Icterídeos e Traupídeos,
silvestres nativos do gênero Oxystilla foram por muito tempo considerados praga do “cafeeiro”, por causar livres de pressões significativas de predação, tiveram suas populações bastante aumentadas, passando a
danos às folhas; recentemente constatou-se que os caramujos se alimentavam, na realidade, de fungos se alimentar em grande número nas culturas de arroz, milho, sorgo e girassol, por vezes causando estragos
(“fumagina”) que cresciam sobre excreções de insetos nas folhas. Descobriu-se, depois, que o “caracol- de monta. A ave “caturrita” (Myiopsitta monachus, Psitacídeos), por exemplo, respondeu de forma explosiva
rajado” (Oxystilla pulchella) pode ser ainda mais benéfico ao se alimentar, em plantas cítricas, da cochonilha ao desmatamento e à redução das populações de predadores, adaptando sua nidificação aos eucaliptais e
daninha “ortézia-dos-citros”, produtora de fumagina (Orthezia praelonga) (Azevêdo, 2003) e praga importante sua alimentação às culturas de grãos (milho e sorgo) e de frutas no Rio Grande do Sul, constituindo praga
das plantas cítricas. O inimigo de antes revelou-se parceiro do agricultor. importante.
O conceito de “saturação” se aplica em caso de predação (destruição) de sementes, como o efetuado por
4. Insetos espécies de Psitacídeos (“araras”, “maracanãs”, “jandaias”, “periquitos”, “tuins”, “maitacas”): as plantas
Muitos insetos nativos podem constituir pragas de plantas cultivadas. Esse é o caso da “cochonilha-escama- fornecem tantos frutos que muitas sementes escapam da destruição.
dos-cactos” (Diaspis echinocacti, Diaspidídeos), que ataca cactos (Cactáceas) de importância econômica, Aplica-se, aqui, o conceito de “habituação”, que em Etologia (estudo do comportamento animal) designa
como o “figo-da-índia” (ou “palma-forrageira”, Opuntia ficus-indica) e a “palma-miúda” (Nopalea cochenillifera), a mudança de comportamento devida à repetição de dado estímulo ou desestímulo. Aves acostumadas a
podendo impedir a produção e mesmo matar os cactos. Essa cochonilha é controlada eficientemente pela predar frutas num pomar podem deixar de visitá-lo depois de algumas visitas em que encontre os frutos
“joaninha-preta-pequena” nativa Coccidophilus citricola (Coccinelídeos) (observação pessoal; Lima e outros, ensacados ou as árvores cobertas por telas.
2001). No Nordeste do Brasil, a “joaninha” Zagloba beaumonti foi assinalada como inimigo natural nativo de
Diaspis echinocacti (Lima e outros, 1992), até então a única praga de importância econômica da “palma-
forrageira” e da “palma-miúda”, importantes recursos alimentares para a subsistência do gado na época 6. Mamíferos
das secas, como suplemento alimentar humano nas regiões semi-áridas (como verdura e frutíferas) e para Diversas espécies de mamíferos podem consumir produtos agrícolas na lavoura, como:
cercas-vivas defensivas.
1) Taiassuídeos (porcos-do-mato): “cateto”, “queixada”, que ocasionalmente atacam roças de várias
Observou-se em São Paulo que lagartas que atacavam pesadamente talhões plantados do “pinheiro” nativa culturas; populações controladas pelas “onças”;
(Araucaria angustifolia, Araucariáceas) foram controladas de forma muito eficiente por diversas espécies de 2) Quirópteros de várias espécies: morcegos de espécies frugívoras (consumidoras de frutas); controlados
gaviões (Acipitrídeos) (Cory Teixeira de Carvalho, D.r, comunicação pessoal, 1986). por disponibilidade de locais propícios para nidificação, por gaviões e por diversos mamíferos do solo e
arbóreos, como os “gambás”;
Palmeiras de interesse econômico (“guariroba”, “babaçu”, “macaúba”, “pupunha”, “palmiteiro”, “açaí”,
etc.) plantadas em grandes plantios comerciais são vítimas de ataques severos de insetos-praga nativos 3) Cebídeos: primatas, como o “macaco-prego” (Sapajus, Cebídeos), que atacam milharais e pomares;
(cochonilhas, besouros, lagartas), mas aquelas plantadas entremeadas à vegetação nativa, ou em sistemas controlados por várias espécies de predadores de grande porte, como “onças”, “jaguatirica”, “gaviões”;
agro-florestais ricos em espécies, raramente sofrem com ataques de insetos, pois o número e a diversidade 4) Hidroquerídeos: “capivara” (Hydrochoerus), que ataca milharais e canaviais; controladas por “onças” e
de predadores e de parasitóides disponíveis (moscas, vespas) garante controle biológico satisfatório desses pela “sucuri”;
insetos. 5) Didelfídeos (“gambás” e “cuícas”), que consome frutos maduros nas árvores e no chão; controlados por
muitos predadores de portes médio e grande;
A “almas-de-gato” (Piaya cayana, Cuculídeos) são aves consumidoras de lagartas urticantes, cigarras e
6) Murídeos (“ratos-do-mato”) e Equimídeos (“ratos-de-espinho”) podem causar perdas importantes em
outros insetos grandes que podem causar perdas na agricultura. culturas de grãos, de palmeiras e de frutas, e em produtos armazenados. São predados por animais
As andorinhas (Hirundinídeos) fazem vôos sobre áreas de cultura e de vegetação nativa, consumindo enormes nativos, como “corujas” e serpentes, entre as quais as “jibóias”.
quantidades de insetos pequenos.
7. Importância dos predadores
Morcegos (Quirópteros) são predadores muito eficientes de insetos voadores médios e grandes, muitos dos
“Os tordos3 são insetívoros vorazes, e um filhote consome, por
quais são pragas agrícolas, como as “mariposas” (Esfingídeos) cujas larvas (lagartas) destroem folhas de
vezes, o dobro de seu peso em insetos, num único dia”.
“mandioca”, “eucaliptos” e “tabaco”.
Louis Bromfield, “Eu e a terra”, 1959:235
Insetos-praga são predados, ainda, por outros insetos, por aracnídeos, e muitas espécies de predadores,
como anfíbios e lagartos. Como comentado anteriormente, animais predadores reduzem as populações de suas presas, mantendo-
as em níveis que não ameacem a estabilidade dos ecossistemas naturais. Ao fazê-lo, são benéficos às
próprias espécies predadas, pois eliminam indivíduos doentes ou menos adaptados e impedem explosões
5. Aves populacionais (que gerariam esgotamento de recursos de alimentos e fome), aumentando a sanidade de
Muitas espécies de aves são frugívoras, ou seja, se alimentam de frutos nativos, podendo consumir frutas nas todos.
plantações. O “tucano” (Ramphastos toco, Ranfastídeos), por exemplo, come bananas maduras. A agricultura se beneficia diretamente da existência de fauna de predadores nas áreas agrícolas e nas áreas
Como as frutas não são atacadas antes da maturação é pouco provável que aves sejam responsáveis por naturais no entorno imediato. Se faixas de vegetação natural forem deixadas em meio à paisagem agrícola,
ataques importantes em pomares comerciais. Uma ou outra fruta poderá ser bicada para se experimentar a os benefícios para a agricultura serão amplificados. Essas áreas não são perdidas, pois atuam em favor do
maturação. Já na agricultura orgânica muitas vezes as frutas são colhidas maduras, para comercialização agricultor.
no mesmo dia ou no dia seguinte, e, nesse caso, as aves nativas poderão ser responsáveis por perdas Um casal de “sabiás” em fase reprodutiva pode consumir mais de mil insetos por dia, muitos deles
significativas, caso sua população seja descontrolada ou a espécie de fruta seja especialmente visada. potencialmente prejudiciais às plantas cultivadas. Imagine-se toda uma população de centenas de espécies
Deve-se entender que em condições naturais o consumo de frutos pelas aves é benéfica para as plantas, por de aves, lagartos, anfíbios, morcegos e insetos predadores caçando ativamente todos os dias do ano, em
proporcionar a dispersão das sementes para áreas onde elas poderão germinar e gerar novas plantas. Em muitos ambientes diferentes (no ar, sobre o solo, nos troncos, sobre os galhos, nas copas e mesmo na água),
áreas de cultura o consumo de frutos pode reduzir a produtividade e os lucros. muitas vezes nas próprias áreas agrícolas, algumas espécies de dia e outras de noite, e pode-se imaginar seu
impacto sobre as populações de insetos-praga.
Em áreas de fruticultura, como a produção de café, “jacus” (grandes aves da família Cracídeos, gênero
Penelope), o consumo de frutos maduros pode ser significativo. No entanto, essas aves são também 3
“Tordos” são aves da família Turdídeos, à qual pertencem várias espécies nativas no Brasil, algumas das quais comuns em propriedades
consumidores de insetos, o que aumenta na estação reprodutiva, incluindo insetos-praga da agricultura, agrícolas, como “sabiá-poca” (Turdus amaurochalinus), “sabiá-de-barranco” (Turdus leucomelas) e “sabiá-laranjeira” (Turdus rufiventris),
como lagartas, besouros, cigarras e gafanhotos. importantíssimos no combate a insetos-praga nas culturas.

24 25

Apostila.indd 24-25 18/05/2015 10:21:21


A “corruíra” (Troglodytes, Trogloditídeos), os “calangos” (Tropidurus, Tropidurídeos), várias “pererecas” Cães devem ficar confinados em recintos fechados por cercas impermeáveis a animais ao redor de
(Hilídeos) e “sapos” (Bufonídeos), todos nativos, freqüentemente visitam as residências dos agricultores, residências e edificações utilitárias. Existem opções de defesa mais eficientes, como utilização de animais
onde caçam insetos (pernilongos ou mosquitos, moscas, cupins, formigas, baratas) e aracnídeos (escorpiões de alarme não-infestantes nem predadores (gansos), emprego de equipamentos eletrônicos de vigilância
e aranhas) prejudiciais ao homem. (que são crescentemente menos onerosos) e contratação de vigilantes humanos (o que aumenta o potencial
empregador da agricultura).
São predadores de interesse agrícola, entre outros:
1) Felídeos: “onça-parda” e “gato-mourisco” (Puma), “onça-pintada” (Panthera), “jaguatirica”, “gato- Gatos domésticos devem ser castrados, impedindo que seus descendentes infestem as áreas naturais da
maracajá” e “gato-do-mato-pequeno” (Leopardus); propriedade.
2) Canídeos: “cachorro-do-mato” (Cerdocyon), “graxaim” e “lobinho” (Dusicyon), “lobo-guará” (Chrysocyon), A criação de porcos-domésticos em liberdade é questionável por razões éticas e por serem potencialmente
3) Procionídeos: “mão-pelada”, “quati”; infestantes de áreas naturais, onde causam danos severos às plantas e aos animais nativos.
4) Mustelídeos: “furão” (Galictis), “lontra” (Lutra), “irara” (Eira);
5) Primatas: “micos” (Callithrix); 9. Proteção e recomposição das áreas naturais remanescentes
6) Quirópteros: “morcegos”, predadores de insetos; A destruição e a desnaturação aceleradas das áreas naturais (matas, cerrados, caatingas, restingas, mangues,
7) Dasipodídeos (“tatus”) e Mirmecofagídeos (“tamanduás”), predadores de muitas espécies de cupins; campos, brejos, córregos, lagoas e rios) modificou o relativo equilíbrio antes existente, que mantinha estáveis
8) Didelfídeos (“gambás” e “cuícas”), que predam morcegos, roedores e outros animais de interesse as populações de animais e plantas, bem como os serviços dos ecossistemas (produção de água, estabilidade
agrícola; climática, encostas firmes, atmosfera equilibrada, proteção de espécies de animais polinizadores).
9) Accipitrídeos: “gaviões”, predadores diurnos e crepusculares; Já passamos da fase de se permitir eliminação das áreas naturais. Cada hectare de vegetação natural na
10) Bufonídeos e Estrigídeos: “corujas”, predadores noturnos e crepusculares, cuja ênfase alimentar em propriedade deve ser respeitado e protegido como precioso criadouro de espécies de interesse agrícola.
roedores (Equimídeos e Murídeos) e em “morcegos” pode aliviar a pressão desses animais sobre culturas
de grãos e de frutas; Solução para o quadro desequilibrado da natureza em constante desaparecimento pode ser conectar as áreas
de vegetação nativa sobreviventes com áreas de mata ciliar recuperada e com faixas de mata recomposta
11) outras aves de várias famílias, como os pica-paus, predadores de muitas espécies de formigas e
com essa finalidade. Através dessas faixas de mata os animais poderiam encontrar alimentos sem precisar
cupins, moscas parasitas do gado e “moscas-de-frutas”;
recorrer às áreas agrícolas.
12) Répteis: serpentes de várias famílias, como as “sucuris” (Eunectes, Boídeas) e “cobras-cegas” (que
consomem cupins e larvas de cigarras no solo); A criação de grandes unidades de conservação da natureza, espalhadas em meio à paisagem modificada
13) anfíbios (“pererecas”, “rãs”, “sapos”, “cecílias”), ativos predadores de muitas espécies de pragas pelo homem, é estratégia que pode garantir parte da estabilidade ecológica indispensável à atividade agrícola.
agrícolas; São unidades de conservação os Parques Nacionais, Reservas Biológicas, Monumentos Naturais, Parques
14) insetos, inúmeras espécies, muitas delas predadoras ou parasitas de pragas da agricultura; Estaduais, Parques Naturais Municipais, que devem ter todo apoio dos agricultores avançados.
15) aracnídeos, especialmente aranhas, vorazes consumidoras de insetos; grandes “aranhas- No interior das propriedades podem ser estabelecidas reservas perpétuas, chamadas Reservas Particulares
caranguejeiras” chegam a consumir filhotes de “jararacas”, conforme observações de Vital Brasil. do Patrimônio Natural.
Sem predadores, animais como os “jacus” podem passar por crescimento explosivo de suas populações e Em todas essas áreas naturais, no interior da propriedade agrícola e em sua vizinhança, pode-se ter como
invadir áreas agrícolas, consumindo frutos prontos para a colheita. Com “gaviões”, “jibóias” e “jaguatiricas” benefícios para a agricultura orgânica e ecológica:
vivendo nas mesmas matas que elas, seu número será sempre mantido dentro de limites seguros para as
1) garantia de fontes de água limpa e abundante para a irrigação;
atividades agrícolas.
2) garantia de populações de predadores que limitem as populações de espécies que atacam plantas
A maioria dos predadores tem suas populações controladas por super-predadores, como “onças”, que predam agrícolas;
“gatos-do-mato” menores. 3) garantia de populações de animais que façam a polinização das espécies agrícolas (abelhas, vespas,
A captura, o envenenamento e a caça de animais nativas devem ser sempre combatidas, pois, além de moscas, morcegos; Kerr e outros, 2001);
contraproducente, são incompatíveis com a filosofia que guia a agricultura orgânica e com a dignidade do 4) conservação de populações de organismos que garantem a estrutura, a sanidade das plantas e a
agricultor. fertilidade do solo agrícola, como minhocas, nematóides predadores, formigas, cupins, colêmbolos,
piolhos-de-cobra, fungos micorrízicos, bactérias noduladoras em leguminosas (Rhizobium), fungos e
bactérias que promovem a ciclagem de matéria orgânica e a formação do húmus, e bactérias fixadoras de
8. Agricultura e os predadores domésticos nitrogênio;
Nem todos os animais predadores são benéficos para a agricultura. Os predadores domésticos são predadores 5) estabilidade do clima;
oportunistas, que matam muitas por instinto e para “jogos de predação” (profundamente arraigados na 6) regulação das chuvas;
“programação” animal). 7) garantia das encostas contra escorregamentos provocados pelo homem;
É o caso de cães (Canis familiaris, Canídeos), gatos (Felis catus, Felídeos), porcos, javali e “javaporcos” (Sus 8) proteção dos cursos-d’água contra o assoreamento, o desbarrancamento e a poluição;
scrofa, Suídeos) e da “rã-touro” (Lithobates catesbeianus, Ranídeos), que podem matar, mutilar e afugentar 9) reserva de sementes para programas de revegetação;
muitas espécies de animais potencialmente úteis para a agricultura, incluindo predadores de pragas agrícolas. 10) “pasto” para abelhas nativas (Meliponídeas) criadas pelo agricultor (projetos de Meliponicultura);
Permitir que predadores domésticos perambulem pela propriedade é anular muitos dos esforços do agricultor 11) fornecimento de madeiras, frutos e outros produtos especiais oriundos de espécies nativas; alguns
pelo equilíbrio da complexa comunidade animal e vegetal que inclui as culturas e criações. desses produtos podem ser alvo de planos de manejo específicos, que visem seu aproveitamento
minimamente sustentável, calcado em estudos realizados por técnicos especializados;
A “rã-touro” é predadora muito ativa de peixes, pássaros, ratos-do-mato, pererecas, morcegos, tartarugas,
12) oportunidades de educação e formação de crianças e jovens para a conservação.
jacarés e todo e qualquer animal pequeno (especialmente filhotes) que possa capturar, incluindo rãs nativas.
Muitas vezes esse animal escapa das criações, geralmente como girino, e multiplica-se nos brejos e lagoas, Todas as áreas naturais devem ser cercadas, para se evitar que o gado as destrua e reduza sua diversidade.
passando a consumir muitas espécies de animais nativos; com isso desequilibram-se os ecossistemas de
baixadas úmidas, o que é altamente danoso para o agricultor.

26 27

Apostila.indd 26-27 18/05/2015 10:21:21


Oportunidade de negócio interessante, que vem sendo recentemente estudada e incentivada para o agricultor As sebes que se mantém naturalmente, sem cuidados e sem despesas para o agricultor, são melhores
familiar e orgânico, é a Meliponicultura (criação de abelhas nativas sem ferrão), baseada em espécies locais, e mais úteis. Pode-se plantar mudas de espécies de interesse do agricultor, como espécies madeireiras,
que fornece méis de alto valor sanitário e econômico (Kerr e outros, 2001). Essas abelhas são apenas ornamentais, frutíferas ou espinhosas (bromélias ou cactos, por exemplo). Devem ser evitadas e eliminadas,
fracamente ligadas às áreas agrícolas, dependendo das áreas de vegetação natural para sua sobrevivência nas sebes, as espécies de plantas e animais exóticos que possam vir a se tornar invasoras das matas nativas
(como encontro de cavidades para nidificação, variedade de flores ao longo de todo o ano, fontes de resinas e desequilibrá-las ao impedir o desenvolvimento normal das espécies nativas4.
e equilíbrio de inimigos naturais, como abelhas pilhadoras e parasitos).
Com o crescimento das árvores, surgirão cavidades (pela decomposição da madeira), que fornecerá
ecossistema para abrigo e nidificação de aves e morcegos muito úteis para controle biológico de pragas,
10. Sebes como estratégia agrícola e de abelhas que fazem polinização. “Mamangabas”, polinizadoras de muitas culturas, fazem seus ninhos
As “cercas-vivas” ou “sebes” são formações vegetais plantadas ou surgiram espontaneamente em faixas, em galhos mortos. Deve-se evitar, portanto, a retirada de madeira das sebes. Madeira deve provir de áreas
geralmente ao longo de estradas e de cercas (Bromfield, sem ano:126-128) ou entre talhões ou quadras de plantadas com essa finalidade (talhões silvestres).
cultura. A largura mínima de sebe verdadeiramente útil é a da copa de uma árvore grande; sebes muito estreitas são
São muitas e relevantes as utilidades das cercas-vivas: de utilidade reduzida. Quanto mais larga a faixa de sebe, e quanto maior for o número de espécies nativas, e
quanto mais velha, mais efetiva e útil será. Existem cercas-vivas de centenas de anos na Europa, que fazem
1) atraem predadores de pragas agrícolas (Bromfield, 1959:235-236); parte integrante dos sistemas agrícolas, sendo veneradas e respeitadas pelos agricultores esclarecidos.
2) atraem e servem de “viveiro” para multiplicação de aves, répteis, anfíbios, insetos e outros animais que
se alimentam de pragas (Bromfield, sem ano:128; Bromfield, 1959:235-236); Mais efetivas ainda serão as cercas-vivas que estiverem diretamente conectadas com áreas de vegetação
natural, como matas, cerrados, caatingas e brejos, tornando-se “braços” dos sistemas naturais.
3) fornecem refúgio para predadores de animas nativos que podem atacar as culturas;
4) permitem a infiltração da água de chuvas (que vão lentamente abastecendo de água as culturas encosta
abaixo, reduzindo a necessidade de irrigação das culturas);
11. Importância das áreas úmidas
5) reduzem o escoamento superficial da água de chuva (e, portanto, a erosão do solo e o assoreamento Áreas úmidas são elementos raros e fundamentais nas paisagens naturais: rios, córregos, lagoas, brejos
dos fundos de vales); (banhados), nascentes (“olhos-d’água” ou “minas”), áreas umedecidas em meio à mata, vazantes, sumidouros
e ressurgências. Nessas áreas os animais se dessedentam, consumindo a água indispensável à vida, que é
6) reduzem a intensidade dos ventos que podem comprometer a produtividade; tão rara em forma líquida no seio das matas e cerrados.
7) fornecem frutas, fibras e plantas medicinais para uso humano;
Muitas espécies de animais de importância agrícola se reproduzem exclusivamente nas áreas úmidas, como
8) dificultam o acesso de invasores humanos que possam caçar (Bromfield, 1959:99), subtrair produtos, os anfíbios (“pererecas”, “rãs” e “sapos”) e as “libélulas”, predadores ativos de muitas espécies de pragas
insumos e ferramentas, provocar incêndios e efetuar sabotagens; agrícolas, e que, mesmo podendo se distanciar das áreas úmidas onde nasceram, geralmente mantém por
9) garantem sombra para pausas na lida do agricultor; toda a vida sua ligação com as fontes de água. Dessa forma a proteção dessas áreas garante ao agricultor
10) albergam ninhos de espécies diversas de abelhas nativas (incluindo “mamangabas”) e outros animais que esses animais possam trabalhar para ele, consumindo enormes quantidades de insetos potencialmente
que polinizam as culturas e mantém alta a produtividade agrícola; daninhos às culturas.
11) fornecem “pasto” variado para abelhas nativas criadas pelo agricultor; Por outro lado, a própria existência das fontes de água depende da presença de áreas naturais bem
12) fornecem faixas de beleza para tornar mais viva, variada, florida e colorida a paisagem do campo, conservadas nas encostas acima. Sem essas áreas de vegetação, logo as áreas úmidas estarão assoreadas,
incorporando mais prazer ao trabalho agrícola; ou seja, cobertas de terra. A infiltração das águas de chuvas, que garante as nascentes, pouco acontece em
13) são fonte permanente de sementes e material vegetativo para produção de mudas; áreas de cultura, mas é muito eficiente onde a vegetação natural está bem conservada.
14) servem de banco genético de espécies vegetais de interesse econômico; A conservação de todas as áreas úmidas é, portanto, vital para a estabilidade ecológica das áreas de cultura,
15) mantém populações diversificadas de animais que garantem a estrutura, a sanidade das plantas e a para redução de despesas e para a economia de esforços do agricultor.
fertilidade do solo agrícola, como minhocas, formigas, cupins, piolhos-de-cobra e nematóides predadores;
16) conservam populações de microrganismos úteis à atividade agrícola: fungos micorrízicos, fungos e 12. A convivência é a chave do bom sucesso
bactérias que promovem a ciclagem de matéria orgânica e a formação do húmus e bactérias fixadoras de A Ética é o estudo das ações humanas do ponto de vista racional. Ela inclui o pensamento sobre nossa
nitrogênio; responsabilidade com todas as espécies existentes, especialmente aquelas que já existiam na região antes
17) protegem estradas rurais contra erosão e escorregamento de encostas; da chegada do homem (espécies nativas).
18) delimitam naturalmente as sub-áreas agrícolas, facilitando seu gerenciamento e organização, reduzindo Atitudes intolerantes e arrogantes, que colocam o Homem acima dos demais seres, como senhor da criação
despesas com mourões, arames e vigilância; e juiz do destino de todos os seres, farão do agricultor um guerreiro contra tudo e todas as criaturas, quando
19) permitem que os filhos e funcionários dos agricultores possam assistir a natureza em ação e aprender deveria aprender com eles a harmonia das relações equilibradas.
com isso. A convivência do homem agrícola com todos os animais e plantas nativos deve se basear no respeito e na
consideração com a vida, considerada não como algo que ele pode permitir ou conceder, mas como direito
O espaço ocupado pelas cercas-vivas não é, portanto, perdido, mas ganho para a agricultura orgânica, de todos os seres vivos, que ele deve admitir e respeitar. Esse respeito universal deve ser repassado às
reduzindo seus custos, aumentando a segurança, a estabilidade, a sanidade e a produtividade do sistema crianças, que crescerão em meio à consideração com todos os seres vivos.
agrícola. As cercas vivas são aliadas estratégicas do agricultor esclarecido e diligente.
O agricultor somente será integrado na vida do campo, e plenamente realizado e útil, quanto assumir
Sebes podem ser iniciadas com uma ou poucas fileira de mudas de espécies variadas de árvores e arbustos sinceramente que todos os animais e todas as plantas são nossos companheiros de jornada na aventura da
rústicos, produtores de frutos para a fauna, preferencialmente de espécies nativas e plantas espinhosas, vida sobre a Terra, que começou há quatro bilhões de anos, e que pode durar ainda muito mais.
plantadas em curvas de nível. Com o tempo o vento, as aves, os morcegos e outros mamíferos trarão mais
sementes, que, germinando, tornarão mais densa e rica a vegetação das sebes e, portanto, sua eficiência 4
São espécies invasoras perniciosas, por exemplo: “cinamomo” (Melia azedarach, Meliáceas), “leucena” (Leucaena leucocephala,
agrícola. Essa é a “sucessão vegetal”, que aumenta a diversidade (número total de espécies) com o passar Leguminosas), “sombreiro” (Clitoria fairchildiana, Leguminosas) “uva-japonesa” (Hovenia dulcis, Ramnáceas), “ipezinho” (Stenolobium
stans, Bignoniáceas), “pinus” (Pinus taeda, Pinus elliottii, Pináceas), “bambuzinho” (Phyllostachys aurea, Poáceas), “palmeira-australiana”
dos anos. (Archontophoenix cunninghamiana, Arecáceas) e muitas outras. A “abelha-africanizada” (Apis mellifera scutellata, Apídeos) rouba néctar
e pólen de muitas espécies agrícolas, reduzindo muito sua produtividade (Lago-Paiva, 2014).

28 29

Apostila.indd 28-29 18/05/2015 10:21:21


13. Referências bibliográficas
Augusto, Cleiciele Albuquerque; Sachuk, Maria Iolanda, 2007. Competitividade da agricultura orgânica no
Estado do Paraná. Caderno de Administração 15(2):9-18.
Azevêdo, Claudio Luiz Leone, 2003. Sistema de Produção de Citros para o Nordeste. Pragas. (Embrapa
Mandioca e Fruticultura, Sistema de Produção, 16).
Bromfield, Louis, 1959. Eu e a terra. Companhia Editora Nacional, 402 p. Tradução de Oswaldo de Araujo
Souza ([1955]. From my experience).
Bromfield, Louis, sem ano. Vale Aprazível. São Paulo, Melhoramentos, 268p., il. Trad. José Reis (1946.
Pleasant Valley).
Katounian, Armênio, 2001. A reconstrução ecológica da agricultura. Botucatu, IAPAR.
Kerr, Warwick Estevam; Carvalho, Gislene Almeida; Silva, Alexandre Coletto da; Assis, Maria da Glória Paiva
de, 2001. Aspectos pouco mencionados da biodiversidade amazônica. Parcerias Estratégicas 12:20-41.
Lago-Paiva, Celso, 2014. Projeto “Controle de populações de abelha-africanizada (Apis mellifera
scutellata) asselvajada no Parque Nacional da Serra do Cipó, Minas Gerais, Brasil”. Jaboticatubas,
Parque Nacional da Serra do Cipó, ICMBio/ MMA, 36 p., il. (cinco fotos, dois mapas), 25 maio, revisto 8 jun.
Manuscrito digital (Projeto_abelhas_Parque_Nacional_Serra_Cipo_MG_Lago¬Paiva_maio_2014_revisto.
pdf).
Lima, Iracilda M. M.; Gama, Noêmia S., 2001. Registro de plantas hospedeiras (Cactaceae) e de nova forma
de disseminação de Diaspis echinocacti (Bouché) (Hemiptera: Diaspididae), Cochonilha-da-Palma-Forrageira,
nos Estados de Pernambuco e Alagoas. Neotropical Entomology 30(3):479-481.
Lima, Iracilda Maria de Moura; Veiga, Antônio Fernando de Souza Leão; Padovan, Isaíras Pereira; Oliveira,
José Vargas de, 1992. Morfologia do ovo e das formas imaturas de Zagloba beaumonti Casey (Coleoptera,
Coccinellidae). Revista Brasileira de Zoologia 9(3-4):187-196 (Rev. Bras. Zool.).

14. Agradecimentos
O autor agradece as pessoas que contribuíram direta ou indiretamente para este trabalho: Luís Henrique
Santos Teixeira, Eng. Agrônomo (Teresópolis RJ); Carlos Jorge Rossetto, Dr., Eng. Agrônomo (Votuporanga
SP), Cory Teixeira de Carvalho, Dr. (Águas de Santa Bárbara SP).

30

Apostila.indd 30 18/05/2015 10:21:28

Das könnte Ihnen auch gefallen