Sie sind auf Seite 1von 15

ALOCAÇÃO DE RECURSOS PÚBLICOS E ECONOMIA DA

CULTURA1

Tiago Costa Martins2


Victor Oliveira3

Resumo: A proposta deste artigo é apresentar os resultados parciais da pesquisa que


procura relacionar a alocação dos recursos públicos municipais na economia da cultura.
São utilizados dados primários oriundos dos gastos públicos das prefeituras de 25
municípios da região das Missões do Rio Grande do Sul. As informações são
disponibilizadas pelo Tribunal de Contas do Estado e possibilitam a compreensão da
relação entre oferta e demanda de bens e serviços e o deslocamento desses recursos em
outros territórios.

Palavras-chave: economia da cultura, despesas públicas, política cultural.

Há de se conferir na dinâmica histórica entre economia e cultura um processo de


distanciamento como elementos com polaridades diferentes. Criação cultural e
interesses econômicos seriam dicotômicos: a cultura seria uma questão do Estado e da
sociedade; a produção e o comércio dos bens culturais uma questão do mercado. A
revisão dessa premissa nos estudos da cultura denunciam que o mercado insere-se à
cultura, integrando-a em circuitos de produção e distribuição, ao mesmo tempo que os
conteúdos culturais moldam a produção, distribuição e consumo de bens e serviços
econômicos. Por essa ordem fala-se, inclusive, em processos competitivos e
concorrenciais. Cultura, assim, é um fator estratégico de competitividade das
instituições do mercado e um fator estratégico para a ação do Estado; e um setor gerador
de emprego e renda.
A cultura e sua transversalidade e a presença de diferentes instituições (do
mercado, do Estado e até da sociedade civil) reconfiguram a dinâmica da produção,

1
Este artigo é o resultado parcial da pesquisa intitulada “A alocação de recursos públicos e a
possibilidade de configuração de um arranjo produtivo da cultura regional”, tendo como
instituição financiadora o Ministério da Cultura – MinC – e como instituição executora o
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq.
2
Professor do Curso de Relações Públicas – ênfase em Produção Cultural – da Universidade
Federal do Pampa – UNIPAMPA – campus São Borja, RS, doutorando em Desenvolvimento
Regional, Universidade de Santa Cruz do Sul. tiago.martins@pq.cnpq.br
3
Geógrafo, doutorando em Geografia no Programa de Pós-Graduação em Geografia da
Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. victorsoliveira@hotmail.com
distribuição, uso, apropriação e consumo. A característica transversal sugere que as
práticas sociais estão entrelaçadas por agentes e instituições, constituindo um sistema
cultural com ações e movimentos, por vezes concomitante, de mãos visíveis e
invisíveis. É nessa ordem que se estabelece uma das premissas que problematiza o
referido estudo: o entrelaçamento constante entre política e economia no campo
institucionalizado da cultura. Assim, o pano de fundo desta problematização é entender
que na produção cultural o Estado pode ser a mão visível que organiza, fomenta e
impulsiona o setor cultural econômico. Ele gera consequências positivas para a
economia e o desenvolvimento local; estabelece relações com a oferta privada e o
consumo público do mercado da cultura; e exerce um efeito de alavancagem sobre as
coletividades territoriais (TOLILA, 2007).
Essa perspectiva destaca o efeito de deslocamento dos gastos públicos,
mobilizando organizações de diferentes coletividades territoriais (outros municípios,
regiões, Estados). Quando há um ganho de escala territorial – região – a confluência
para esse recorte traz consigo fatores que ampliam a dinâmica cultural (identidade,
pertencimento, interação e unidade) e incidem sobre as práticas econômicas. É o que se
quer verifica na configuração da região das Missões no Rio Grande do Sul, objeto de
estudo dessa pesquisa.
Assim, a proposta desse artigo é apresentar os resultados parciais da pesquisa
que objetiva verificar, por meio das ações realizas pelas prefeituras municipais na região
das Missões, o papel das políticas públicas na alavancagem de um arranjo produtivo
da/na cultura regional. Apresenta-se um breve resumo metodológico empreendido
através do levantamento de dados primários oriundos da alocação de recursos públicos
de 25 municípios da região das Missões do Rio Grande do Sul e visualiza-se a relação
entre oferta e demanda de bens e serviços e o deslocamento desses recursos em outros
territórios.

A política da cultura na economia

Ao destacar a cultura e sua constante definição e aplicação no decorrer dos


tempos, Néstor García Canclini (2009) menciona que é possível identificar mais de
vinte definições para o termo ao longo da história social. No entanto, Hall (1997) ao
abordar a centralidade que o vocábulo adquire na contemporaneidade sugere uma
importância singular que permeia o macro e o microcosmo da vida social. A cultura já
não é um elemento residual ou de apêndice, mas uma ação substantiva – lugar da cultura
na estrutura real e nas atividades, instituições e relações – e epistemológico – usada para
transformar nossa compreensão e modelos teóricos do mundo.
George Yúdice (2004), ao sugerir que a cultura já não pode ser pensada somente
como uma condição antropológica, ou como alta cultura, ou cultura de massa, mas
como uma ação recursiva, propõe uma visão transversal: recurso econômico; recurso
social (principalmente de inclusão); recurso político. Assim, é possível mencionar uma
cultura, ou uma produção cultural em diversos momentos da vida social.
A cultura no campo econômico parece ser bem expressa nas noções e aplicações
das políticas, do Estado e do mercado, em torno da “economia baseada no
conhecimento”. Há uma profunda aplicação econômica direcionada aos processos
produtivos de bens culturais e simbólicos. E, por essa ordem, um enquadramento da
cultura nos processos competitivos e concorrenciais. Isso pode ser visto quando é
utilizada dentro de um escopo de estratégias de desenvolvimento, como o territorial. A
tensão estabelecida, por exemplo, com a globalização sugere ou impõe o uso de
elementos competitivos organizados em torno da cultura. No entanto, tal como em
outras áreas econômicas, nem sempre o mercado é o agente principal do processo. No
setor cultural o consumo nem sempre pode ser considerado como o elemento chave da
produção cultural, mesmo porque a cultura apresenta características peculiares enquanto
bem, no sentido econômico do termo. Nesse sentido, as demais atividades do processo,
produção e distribuição de bens e serviços culturais, em muitos casos são mantidas,
organizadas e estruturadas pela ação do Estado.
O processo intervencionista do Estado exerce inúmeras ações no campo da
produção cultural. Segundo Yúdice (2004), pode-se falar em ações com fins
estritamente cognitivos, tais como aquelas que procuram enfatizar elementos
identitários e de pertencimento, ou aquelas estratégicas dentro da ordem material da
vida social que articulam o simbólico e o material, procurando evidenciar a
transversalidade da cultura no desenvolvimento. No Brasil essa última proposta já havia
sido articulada com Celso Furtado, em Ministério do Interior (1967), no destaque dado
às ações do Estado para compreender a realidade e diminuir as lacunas existentes entre
os investimentos entre setores e regiões. Com influência keynesiana, Furtado afirma a
necessidade do Estado como agente regulador, com a capacidade de reunir recursos e
oferecer um novo eixo para regiões em “subdesenvolvimento”, principalmente a partir
de iniciativas estatais centradas na diversidade cultural brasileira. O autor afirma que a
centralidade dos investimentos em atividades distintas dos circuitos tradicionais estava
sob controle de grupos privados que pouco interessava a descentralização e articulação
de diferentes economias aquém das áreas típicas de produção. Portanto, sob tutela do
Estado como ente de valorização da diversidade cultural, de novos eixos de inovação e
criatividade, circuitos distintos de desenvolvimento podem ser fomentados. Assim, é
possível falar em políticas públicas para os setores e as regiões, tal como se configura a
política cultural em relação à diversidade cultural brasileira. Mas o que é política
cultural?
No contexto latino-americano, Canclini (1987) entende as políticas culturais
como um conjunto de intervenções realizadas pelo Estado, as instituições civis e os
grupos comunitários organizados. Na mesma linha de pensamento Brunner (1987, p.
178) entende que as políticas culturais possuem como terreno e objetivo “la
combinación típica de agentes y de instancias institucionales de organización” que
formarão a matriz básica dos circuitos culturais. As políticas culturais atuam nos
circuitos culturais, sendo que tais circuitos combinam uma série de agentes e instâncias
institucionais que abarcam e estão contidas nas diferentes fases de produção, circulação
e consumo de formas e práticas culturais.
Para os objetivos desse estudo é preciso ter em conta a associação com os
circuitos culturais e a relação com o Estado. Os circuitos seriam os resultados
estabelecidos dentro de um conjunto específico de práticas culturais, como o
patrimônio, o artesanato, etc. e as instituições estatais que organizam e estruturam essa
prática. Os mecanismos institucionais da administração pública estariam direcionados à
criação, produção, circulação/distribuição e, até mesmo, no consumo.
Nesse ínterim, a conexão com a economia deve ser compreendida em todo o
processo de produção cultural, pois esta produção é, simultaneamente, material e
simbólica (CANCLINI, 1983), ou seja, em algum momento do processo, incluído a
criação, haverá processos de troca que não serão simplesmente simbólicos. Trata-se, por
exemplo, daquilo que Canclini (1979, p. 57) denominou de “organização material do
campo artístico”: os meios de produção (materiais, procedimentos, produtos, serviços
auxiliares, etc.) e as relações de produção estabelecidas com o público, as instituições
do Estado e do mercado, os críticos, etc. Transpondo isso para a economia da cultura a
relação material/simbólica sugere que os produtos e serviços culturais são mensagens
simbólicas, com valores cognitivos produzidos e/ou recebidos pelos indivíduos; e que
são trocadas em um mercado, com uma representatividade econômica. Assim, se
estabelecem relações diferenciadas com relação aos valores econômicos (de uso e de
troca) e os valores culturais (estético, social, histórico, espiritual) (REIS, 2007). É neste
ponto que é importante compreender que troca e valor possuem alguns argumentos
estabelecidos dentro da relação entre política e economia na cultura.
Um exaustivo estudo realizado pelo governo de Portugal em 2010 para
compreender a configuração do setor cultural e criativo no cenário econômico serve de
referência para entender esses elementos. Segundo o estudo é possível estabelecer seis
“falhas de mercado” dentro das características materiais/simbólicas dos bens e serviços
culturais. A primeira característica sugere que alguns bens respondem por aspectos
estritamente simbólicos que não podem ser trocados (transacionados). Assim, os
mecanismos de mercado não conseguem estabelecer, ajustar, o acesso do “cidadãos-
consumidores”. A segunda diz respeito ao caráter temporal, ciclo de vida, dos produtos
culturais e das próprias experiências dos consumidores. O terceiro aspecto estaria nas
possíveis barreiras estabelecidas pela propriedade intelectual, os direitos autorais. A
quarta corresponde às dificuldades em separar a relação material/simbólico de
determinadas produções culturais. A arquitetura é um exemplo de produção que se
estabelece de forma conjunta (funcional e cultural). A quinta característica está na
condição de algumas produções culturais dependerem da captação de públicos de
mercados exteriores, ou seja, determinados domínios culturais são dependentes da
circulação do consumidor, não do bem ou serviço cultural. Por fim, a sexta está
associada ao poder do consumidor, especialmente por este poder ser diminuído ou
distorcido pelas questões de despesa e de orientação das escolhas (ação de críticos,
avaliadores, etc.). Desta forma,

as principais características específicas dos bens e serviços culturais


(...) colocam desafios, igualmente específicos, nos processos de
formação de equilíbrios entre oferta(s) e procura(s), de afectação de
recursos, de coordenação institucional e formulação de políticas
públicas, isto é, de regulação dos mercados, de forma a garantir a
satisfação em quantidade e qualidade das necessidades culturais das
populações (AUGUSTO MATEUS & ASSOCIADOS, 2010, p. 15).

Nessa conjuntura as práticas do Estado na cultura podem ser vistas como ações
intervencionistas em diferentes domínios culturais cujo objetivo é reparar determinadas
falhas ao longo do processo de produção, distribuição e consumo de bens e serviços
culturais. Ao propor ações nos circuitos culturais o Estado, além de buscar a resolução
dessas “falhas”, realiza um mecanismo de fomento econômico através das “alocações de
recursos dirigidos” (TOLILA, 2007, p. 71). Trata-se do orçamento cultural que se
materializa com o gasto público no setor, gerando em última instância emprego e renda.
Paul Tolila elenca uma série de aspectos que situam a cultura (despesa pública no setor)
e sua contribuição à economia: gera consequências positivas para a economia e o
desenvolvimento regional/local. A justificativa está associada à disponibilização
institucional em termos de impacto direto sobre suas despesas e os salários que
distribui. “A economia local recolhe em geral uma parte muito importante desse total”
(TOLILA, 2007, p. 76); estabelece relações com a oferta privada e o consumo público
do mercado da cultura. Nesse aspecto importa destacar os bens e serviços que não são
culturais, mas que são fundamentais à produção cultural, tal como a prestação de
serviços (sonorização, segurança, alimentação, etc.); exerce um efeito de alavancagem
sobre as coletividades territoriais. Tolila (2007) destaca o efeito de deslocamento dos
gastos públicos, mobilizando organizações de diferentes coletividades territoriais
(outros municípios, regiões, Estados).
Nota-se que a relação entre gastos públicos, enquanto materialização de uma
política do setor, e a economia possuem conexões diretas e intensas em termos de
articulação e efeitos. Sentencia Tolila que a compreensão dessa abordagem terá uma
contribuição determinante para o valor e a condição do debate democrático sobre a
cultura.
Assim, conclusivamente, pode-se dizer que a alocação de recursos públicos na
cultura se comprova como uma ação prática que atua diretamente na oferta de bens e
serviços privados; estabelece uma organização material do setor cultural em atividades
nucleares, relacionadas e de apoio e; tem efeito de alavancagem sobre o conjunto de
empresas e instituições que estão além do município de origem destes recursos.
A analise do ambiente cultura e as ações estatais para fomento do setor tornam-
se pertinente na região das Missões do Rio Grande do Sul – noroeste do Estado –
devido a sua peculiaridade no que tange a ocupação e a diversidade, fator preponderante
ao perceber a cultura como promotora de alavancagem para o desenvolvimento.
Diferentemente de parte significativa do Brasil, o Rio Grande do Sul não foi
ocupado primeiramente pelo litoral. As primeiras incursões europeias4 no Brasil
Meridional foram realizadas pelos padres espanhóis jesuítas, em 1634, com a finalidade

4
Anteriormente à ocupação europeia, indígenas habitavam o território do atual Estado do Rio Grande do
Sul, sendo estes o motivo para as primeiras tentativas de ocupação do espaço meridional do Brasil.
de introduzir os índios ao catolicismo, ensinar-lhes técnicas de plantio, criação de gado
e também a leitura e escrita.
Localizados nas proximidades dos Rios Piratini e Jacuí, os grupos indígenas que
estavam organizados em pequenas reduções jesuíticas começaram a sofrer constantes
ataques de bandeirantes que visavam à obtenção da mão de obra indígena para trabalhar
no sudeste do país. Por conta destas interferências, muitas delas violentas, os padres
jesuítas viram-se na necessidade de abandonar as reduções em 16385, deixando no
território do Rio Grande do Sul, entretanto permaneceu uma rica contribuição social e
cultural ainda marcante na história do Estado.
Apesar de ser a primeira região do Estado a ser ocupada, as Missões foi a ultima
a ter um adensamento populacional, fato ocorrido apenas em meados do século XX com
imigrantes alemães e italianos que ocupavam o nordeste e centro do Rio Grande do Sul.
Devido ao pequeno módulo fundiário pertencente a grandes famílias de imigrantes que
fragmentava-se ainda mais por sucessão hereditária, houve a necessidade de migração
para áreas ainda pouco povoadas, em especial a região noroeste.
Esse processo histórico uniu no mesmo território uma diversa raiz cultural,
elemento preponderante para muitos teóricos na valorização da cultura, tanto no seu
aspecto social, quanto no econômico. Para além das relações teóricas, a própria política
nacional de fomento cultural promove a diversidade como aspecto essencial na
promoção de um desenvolvimento que mostra-se alternativo aos grandes circuitos
mercadológicos, tornando-se as Missões uma região que oferece interessante fato
histórico para análise.

Os dados primários das Prefeituras

Existem inúmeros instrumentos legais de fiscalização das despesas públicas,


especialmente as municipais. Com a informatização dos processos de fiscalização o
Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul (TCE) criou um sistema de
“Controle Social” das despesas realizadas pelos municípios gaúchos, oriundas do
Sistema de Informações para Auditoria e Prestação de Contas – SIAPC. O site do
Tribunal oferece acesso livre às despesas (e receitas) dos municípios através dos
empenhos, liquidados e/ou pagos pelas prefeituras por ano de exercício orçamentário .

5
Posteriormente, em 1682, os padres jesuítas retornam ao Estado a serviço da coroa espanhola, fundando
as missões. Sete delas estavam situadas onde atualmente é o Estado do Rio Grande do Sul, outras 23
estavam no Paraguai e na Argentina.
Para acompanhar os gastos públicos na cultura é possível optar por escolher o
“órgão” da prefeitura municipal responsável pelas atividades do setor. Isso pode variar
de acordo com a estrutura institucional. Há prefeituras que possuem a cultura como uma
unidade independente, Secretaria Municipal de Cultura, outras estão vinculadas à
educação ou ao turismo e eventos.
Ao escolher um ano de execução orçamentária é possível visualizar todos os
empenhos realizados pela prefeitura. Na descrição do histórico a prefeitura informa o
motivo da realização da despesa, tal como o exemplo: “Valor que se empenha para
pagamento referente a locação de sala na Avenida Presidente Vargas, nº 2095, para
Exposição dos Trabalhos de conclusão da Oficina de Pintura” (TCE-RS, 2013). Nota-se
que nessas descrições há referência ao produto ou serviço (locação) e ao domínio
cultural (Artes visuais, como a pintura). Por fim, os dados disponíveis ainda
possibilitam verificar, para os casos referentes à pessoa jurídica, qual a atividade
econômica principal (CNAE) e o local (município) do credor. Nesse sentido, vale dizer,
a metodologia da pesquisa versa sobre o tratamento das informações sobre as despesas
orçamentárias dos municípios. Se para os indicadores culturais do IBGE a análise dos
gastos governamentais com a cultura apresenta o padrão de alocação destas despesas, na
presente pesquisa procura-se apontar o perfil desses gastos e os desdobramentos que
estes resultam ao atuarem na difusão, preservação e promoção da cultura no que versa
aos custos de produção de cada atividade cultural.
Assim, para a relação entre política e economia da cultura as informações
disponíveis e o cruzamento destas oferece uma gama razoável de dados públicos. A
organização dessas informações possibilita a criação de variáveis numéricas e nominais
que podem receber tratamento estatístico oportuno para a consecução dos objetivos
estabelecidos na pesquisa. Para os fins metodológicos é preciso ater-se em alguns
pontos: (1) A alocação de recursos públicos está descrita no empenho em moeda
corrente, tendo por premissa o uso daqueles empenhos que efetivamente foram pagos
pela prefeitura; (2) A atividade principal e o município estão associados ao Cadastro
Nacional de Pessoa Jurídica, portanto obedecerá este registro na localização territorial
da empresa e na definição da Classificação Nacional de Atividades Econômicas-Fiscal,
CNAE-Fiscal; (3) A definição dos setores culturais será baseada na categorização
empreendida pelo Ministério da Cultura (SEC, 2011), especialmente associada às
atividades criativas; (4) Para analisar as despesas públicas na cultura nos municípios
formam ordenados os empenhos referentes ao tópico “Cultura”, código “13”, do
Tribunal de Contas do Estado. Assim, busca-se evitar as diferentes estruturas
administrativas empreendidas pelas prefeituras em tela.
Os dados da região

Ao sistematizar os dados dos 27 municípios considerados como a região das


Missões tem-se um valor total de empenhos pagos pelas prefeituras municipais de
R$635.432.230,80. No que diz respeito somente à cultura, considerando o apontamento
do código 13 no SIAPC, o valor baixa significativamente para R$ 3.238.426,01, o que
em termos percentuais representa 0,51 dos empenhos pagos pelas prefeituras em 2013
(para os municípios do RS a média percentual é de 0,91). Esses mais de três milhões
estão num universo aproximado de 320 mil pessoas. Isso representa um gasto per capita
em cultura de aproximadamente R$10,00 por ano (para os municípios gaúchos a cultura
por habitante gira em torno de R$17,00)6.
Notadamente, mesmo com a intensa associação com a história/cultura e a
presença sempre visível do Estado nas ações culturais, percebe-se que o gasto em
cultura no ano de 2013 não foi posto como uma ação principal no campo das políticas
públicas da região. No entanto, ao se ter em mente que esses recursos, mesmo que
parcos, são consequências de uma ação organizativa e promotora da cultura no espaço
local e regional visualiza-se um mercado de bens e serviços associados a estes recursos.
Assim, é possível apontar um panorama da oferta de bens e serviços privados, os setores
culturais dessas atividades e em que condição e posicionamento territorial se
estabelecem esses gastos. A partir da metodologia empregada por Valiati (2013) foram
sistematizados os dados dos empenhos de acordo com a sub-classe do CNAE das
empresas que forneceram bens ou serviços às prefeituras. O quadro abaixo apresenta as
vinte primeiras sub-classes mais destacadas nos gastos públicos.

Quadro 01 - Percentual dos gastos em cultura das prefeituras (região Missões) nas vinte
primeiras sub-classes CNAE (2013).
Sub-classe Descrição %
9430800 Atividades de associações de defesa de direitos sociais 13,08
9001999 Artes cênicas, espetáculos e atividades complementares 10,31
8230001 Serviços de organização de feiras, congressos, exposições e festas 5,84
4399103 Obras de alvenaria 5,66
4120400 Construção de edifícios 5,00
9001906 Atividades de sonorização e de iluminação 4,86
3514000 Distribuição de energia elétrica 2,81

6
Informações contidas no relatório parcial da presente pesquisa.
8592903 Ensino de música 2,71
4752100 Comércio varejista especializado de equipamentos de telefonia e comunicação 2,40
4744005 Comércio varejista de materiais de construção 2,39
9312300 Clubes sociais, esportivos e similares 2,26
9499500 Atividades associativas não especificadas anteriormente 2,19
9420100 Atividades de organizações sindicais 2,18
1354500 Fabricação de tecidos especiais, inclusive artefatos 2,12
9001902 Produção musical 1,97
9491000 Atividades de organizações religiosas 1,62
4756300 Comércio varejista especializado de instrumentos musicais e acessórios 1,45
6110801 Serviços de telefonia fixa 1,40
7739099 Aluguel de outras máquinas e equipamentos comerciais e industriais 1,31
1412601 Confecção de peças de vestuário 1,25
Fonte: MARTINS (2014), baseado nos dados do Tribunal de Contas do RS e Receita Federal [s/d].

A despeito das vinte primeiras sub-classes corresponderem a mais de 70% dos


gastos efetivados na cultura pelas prefeituras, também é fundamental apontar três
leituras iniciais para esses dados:
- Na região as atividades relacionadas a transferências governamentais são
representativas. Isso está representado pela leitura dos empenhos que estão direcionados
para “Atividades de associações de defesa de direitos sociais”, “Clubes sociais,
esportivos e similares”, “Atividades associativas”, “Atividades de organizações
sindicais”. No entanto, tal situação não anula a alocação dos recursos públicos no
consumo e oferta de bens e serviços do mercado cultural. O que se estabelece é uma
alocação indireta já que grande parte dessas transferências vai para instituições que
promovem atividades culturais como festividades, feiras e festas locais e regionais;
- No que diz respeito às atividades nucleares na economia da cultura, os dados
apontam para a segunda característica regional dos gastos em cultura. Percebe-se que as
atividades econômicas em cultura são diretamente “fomentadas” pelos recursos
públicos. Efetivamente se comprova que o Estado é um dos, quando não o único,
agentes “propulsores” da economia da cultura. No caso em tela é possível perceber que
as atividades econômicas apontam para o campo das artes de espetáculo (dança, música,
festividades, etc.);
- O terceiro apontamento dá conta da característica híbrida do Estado enquanto
instância organizativa e fomentadora da cultura. Dito de outra forma, ao propor a
organização e o fomento de determinadas atividades culturais o Estado concentra os
recursos públicos para estruturar essa prática. Assim, é possível perceber que as
despesas mobilizam recursos na economia em atividades de apoio aos processos
organizativos/fomentadores. Obras, serviços específicos como de telefonia, energia e
aquisição de materiais e demais equipamentos de apoio são justificados dentro da
alocação de recursos públicos. Mesmo não sendo atividades nucleares há uma
significativa mobilização de recursos em torno de atividades econômicas diversas, que
podem apontar a configuração dos demais elos de uma cadeia produtiva do setor.
Portanto, pela breve exposição das ideias acima é possível resumir que a
alocação de recursos públicos vai estabelecer processos na oferta e demanda de bens e
serviços quando transferem recursos para outras instituições “produzirem” cultural;
quando viabilizam a produção cultural como agente principal do processo, alocando
recursos nas atividades nucleares da economia da cultura; e quando realizam, de forma
estruturada, atividades que exigem bens e serviços que servirão de apoio ou de
manutenção das práticas institucionais do Estado.
No entanto, os dados disponíveis com a pesquisa também possibilitam
compreender o que Tolila (2007) apresentou como “efeito de alavancagem sobre as
coletividades territoriais”. A questão é saber como a alocação de recursos públicos vai
atuar sobre coletividades econômicas no espaço. Os bens e serviços das empresas
associadas ao CNAE estão dispersas de que forma no território? No próprio município,
na região ou em lugares mais distantes?
Ao cruzar os dados do Tribunal de Contas com a Receita Federal foi possível
identificar o município de origem dessas empresas contratadas. Desta forma, apresenta-
se o gasto do município em cultura em relação ao município de origem da empresa. O
quadro abaixo procura sistematizar essas informações7.

Quadro 02 – Percentual gastos em cultura das prefeituras em relação dispersão territorial


(2013)8.
Destino do empenho (em %)
Município Endógeno Exógeno
São Luiz Gonzaga 99,3 0,7
São Miguel das Missões 83,0 17,0
Cerro Largo 76,8 23,2
Santo Ângelo 75,7 24,3
São Nicolau 73,8 26,2
Santo Antônio das Missões 68,5 31,5

7
O quadro abaixo apresenta uma definição de gastos endógenos e exógenos. Traduz-se
simplificadamente na forma de relacionar o gasto feito pela prefeitura dentro do próprio município
(endógeno) e fora do município (exógeno).
8
Foram excluídos os municípios de Dezesseis de Novembro, Eugênio de Castro, Pirapó, Porto Xavier,
Rolador, Sete de Setembro e Ubiretama por não apresentarem despesas significativas em cultura,
conforme dados do Tribunal de Contas do RS para o ano de 2013.
Salvador das Missões 58,9 41,1
São Borja 54,8 45,2
Caibaté 49,1 50,9
Mato Queimado 32,5 67,5
Guarani das Missões 29,0 71,0
Entre-Ijuís 28,9 71,1
Giruá 27,8 72,2
São Paulo das Missões 27,3 72,7
Garruchos 26,5 73,5
Roque Gonzales 21,7 78,3
Itacurubi 19,9 80,1
Bossoroca 14,9 85,1
São Pedro do Butiá 14,3 85,7
Vitória das Missões 3,3 96,7
Fonte: MARTINS (2014), baseado nos dados do Tribunal de Contas do RS e Receita Federal [s/d].

Mesmo que os dados estejam requerendo um tratamento estatístico adequado e


incorrer em afirmações pode ser equivocado, vale dizer que a configuração de cada
município não deixa de apresentar a particularidade em lidar com a aquisição de bens e
serviços à cultura. Não se pode negar, assim, a própria configuração de um mercado,
seja ele cultural ou não, dentro de cada município suficiente para atender a demanda de
bens e serviços contidos na produção da cultura. Isso evidência, portanto, que se Vitória
das Missões adquiriu 96,7% de bens e serviços fora do município é por que o município
não tem um mercado adequado à atividade cultural (vale dizer, pensada enquanto
política cultural). Por seu turno, São Luiz Gonzaga ao definir as ações na cultura
encontra no próprio município os bens e serviços necessários para a execução de tais
atividades.
Ora, mas é na “fuga” da alocação dos recursos que vai indicar, ou dar pistas, do
efeito de alavancagem sobre as coletividades territoriais. Para onde vai o percentual
exógeno dos gastos públicos das prefeituras? O gráfico abaixo procura demonstrar a
economia da cultura em sua territorialidade dentro da alocação dos recursos públicos.
Gráfico 01 - Percentual de recursos em cultura recebidos da região (2013).

Fonte: MARTINS (2014), baseado nos dados do Tribunal de Contas do RS e Receita Federal [s/d].

A economia da cultura e sua territorialização, para os gastos públicos dos


municípios da região das Missões, estão concentradas na aquisição de bens e serviços
oriundos de três principais municípios: Santa Maria, Santo Ângelo e Ijuí. Juntos eles
respondem por 52% dos recursos recebidos em cultura. Santo Ângelo é o único
município pertencente à região com valores expressivos (todos os demais somam
apenas 13%). Há indícios de que tal município tende a ser um polo microrregional de
bens e serviços no setor cultural (isso é mais válido ainda para Santa Maria, fora da
região). Mas isso será mais bem trabalhado no decorrer do estudo.
Porquanto, vale dizer que, para o caso em tela o efeito de alavancagem dos
gastos públicos tem um alto índice de alocação externa à região. Assim, dos bens e
serviços que não são encontrados no próprio município são recorridos fora da região
(67%) e o restante dentro (33%).
Considerações

No que concerne à política e economia na cultura é evidente a preocupação de


relacionar os aspectos simbólicos e materiais que vão dimensionar a produção cultural.
Não se pode negar o objetivo de mensurar esses aspectos tanto na política quanto na
economia. O uso das informações sobre as despesas municipais pode ser uma
alternativa de pesquisa que articula as intervenções públicas com a troca e valoração dos
bens e serviços da produção cultural, especialmente no limite territorial do município e
sua relação com as demais escalas.
Acredita-se que trabalhar com os dados primários das despesas públicas
municipais é pertinente para compreender a economia da cultura. O estudo em tela
permite compreender que a alocação de recursos públicos na cultura é uma ação prática
que age diretamente na oferta de bens e serviços privados. Além disso, tem efeito de
alavancagem sobre o conjunto de empresas e instituições que estão além do município
de origem destes recursos. Assim, a apresentação dos gastos públicos dos municípios
das Missões, como materialização de uma política cultural, evidenciam que as conexões
em termos de efeitos sobre a economia serão mais diretas e intensas, endógenas e
exógenas, conforme for o potencial do mercado da cultura. Vale reafirmar, nesse caso,
que este mercado tem grande dose de fomento do Estado.
A região das Missões, mesmo com o parco recurso destinado à cultura,
demonstra alguns elementos peculiares na relação com a oferta de bens e serviços
privados: transfere boa parte dos recursos para ação de terceiros; direciona os gastos
para atividades nucleares de cultura, demonstrando claramente o seu papel provedor da
cultura; e tem índices elevados de gastos em bens e serviços de apoio às estruturas
municipais. Por fim, os recursos “aquecem” a economia numa dimensão que ultrapassa
os bens e serviços presentes no município e na região, configuram a economia da
cultura na região numa ordem dispersa territorialmente: o efeito de alavancagem sobre
as coletividades territoriais.

Referências

AUGUSTO MATEUS & ASSOCIADOS. O sector cultural e criativo em Portugal.


Lisboa: Estudo para o Ministério da Cultura, 2010. (Relatório Final).
BRUNNER, José Joaquín. La cultura como objeto de políticas. Santiago: FLACSO,
1985.
______. Políticas culturales y democracia: hacia una teoría de las oportunidades. In:
CANCLINI, Néstor García (Ed.). Políticas culturales en América Latina. Ciudad de
México: Editorial Grijalbo, 1987. 175-203 p.

CANCLINI, Néstor García. A produção simbólica: teoria e metodologia em sociologia


da arte. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.

______. As culturas populares no capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 1983.

______. Diferente, desiguais e desconectados: mapas da interculturalidade. 3. ed. Rio


de Janeiro: Editora UFRJ, 2009.

HALL, Stuart. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções do nosso tempo.


Educação & Realidade. Porto Alegre: Ufrgs/Faced, v. 22, n. 2, p. 15-46, jul./dez. 1997

MARTINS, Tiago Costa. A alocação de recursos públicos e a possibilidade de


configuração de um arranjo produtivo da cultura regional (relatório parcial de pesquisa).
São Borja: MinC/CNPq, 2014. 30p. (mimeo)

RECEITA FEDERAL DO BRASIL. Emissão de Comprovante de Inscrição e de


Situação Cadastral. [s.d.]. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br>.
Acesso em: 23 mar. 2013.

REIS, Ana Carla Fonseca. Economia da cultura e desenvolvimento sustentável: o


caleidoscópio da cultura. Barueri: Manole, 2007.

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Controle


social. [s.d.]. Disponível em: <http://www.tce.rs.gov.br>. Acesso em: 6 mar. 2013.

TOLILA, Paul. Cultura e economia: problemas, hipóteses, pistas. São Paulo:


Iluminuras/Itaú Cultural, 2007.

VALIATI, Leandro. Indústria criativa no Rio Grande do Sul: síntese teórica e


evidências empíricas. Porto Alegre: FEE, 2013.

YÚDICE, George. A conveniência da cultura: usos da cultura na era global. Belo


Horizonte: Ed. UFMG, 2004.

Das könnte Ihnen auch gefallen