Sie sind auf Seite 1von 3

A Humanidade, de Bruno Dumont

L'Humanité, França, 1997

Somos informados sobre um crime logo no início de A Humanidade. Uma menina


de 11 anos foi assassinada, mas não temos a informação de quem a matou. A
única pista é dada na primeira cena, um plano aberto de um descampado, no
fundo do qual passa um homem, sem sabermos de quem se trata. Essa falta de
certeza será mantida até o final. Embora não sejamos conduzidos por uma
narrativa clássica policial, na qual os caminhos da coleta de pistas ocupam o
papel principal, a revelação da identidade do assassino é de fundamental
importância. Chega a levar o filme a dar um salto em sua estatura e alcance.
Isso não significa que, antes do desvendar do mistério, somos mantidos no
escuro. Luzes são jogadas sobre o meio em que a ação quase sem ações é
desenvolvida.
Que meio é esse? Uma cidadezinha francesa modorrenta, nas região de
Flandres, próxima à Inglaterra, onde não há muito para ser feito. A passagem de
um veículo em alta velocidade pelas ruas desertas constitui um evento nesse
cenário tedioso. O ambiente aparentemente harmonioso e pacífico, no entanto,
carrega um peso no ar compatível com o crime investigado. Há algo de sombrio
naquela região cercada de natureza por todos os lados. Os impulsos violentos
dos personagens começam a ser lentamente projetados na tela enquanto o
protagonista ajuda na solução do caso. Tal sujeito é um policial abobalhado. Está
apaixonado pela namorada do amigo, carrega o fardo de uma perda traumática
e é afetado pela morte da menina. Nada mais sabemos dele.
O enfoque se fecha nesses três tipos: o policial, seu amigo e a namorada deste.
Diante da falta do que fazer e do que falar, o protagonista apenas trabalha, tem
umas conversas fiadas com a namorada do amigo e acompanha o casal em
passeios bocós. É expressiva a cena em que, diante do mar, com a Inglaterra ao
fundo, eles mantém o olhar pedido. Estão presos em uma condição da qual não
têm como sair, escravos de si mesmos e de suas naturezas. Também são
sintomáticas as cenas de sexo entre o amigo e a namorada. Só naquela
atividade física eles encontram escape para seus impulsos. Quase
sorumbáticos, os personagens estão prestes a explodir. Seja pela violência,
pelas lágrimas ou pelo sexo.
A Humanidade é o segundo longa-metragem de Bruno Dummont. Representa
uma evolução em relação a A Vida de Jesus, embora seja quase um
complemento àquele, também ambientado em uma cidadezinha que, em sua
excessiva tranquilidade, estimula os instintos obscuros dos seres. O diretor é
preciso ao fazer o ambiente dos dois filmes invadir a tela e a nós mesmos. Somos
tomados por seu tédio, por seu peso e por seu vazio, a ponto daquilo ficar quase
insuportável. E não é apenas o ritmo devagar quase parando que é captado pela
narrativa não menos e pertinentemente arrastada. A câmera também reproduz
o ponto de vista do policial palerma ao olhar para as imperfeições das pessoas
ao seu redor (a mão da mãe, o pescoço do chefe). Isso mesmo: é com
imperfeições que estamos lidando aqui.
E sem maquiagem. Não há nenhum efeito nas imagens, nenhum enfeite no
enquadramento, nenhuma firula na montagem, nenhuma sustentação de climas
pela música, a não ser a de um orgão tocado em cena. Esse rigor franciscano,
confundido com excesso (no caso da metragem), em tudo se diferencia, por
exemplo, dos frutos do Dogma 95. Em vez de um estilo que berra aos olhos,
temos o estilo sussurante. O suficiente para criar um universo por inteiro. É
quase impossível, como sempre se faz quando se escreve sobre Dummont, não
citar Robert Bresson. Não apenas pela composição, mas pelo esboço da vida.
Estamos em um mundo em que há muitas questões sem soluções. O homem
como impasse. A vida como uma experiência sem um sentido dado de antemão.
É preciso buscá-la. E a procura é tortuosa.
Um cinema de imagens que falam e sons que nos fazem enxergar. Ora com
ruídos locais (de pássaros, do vento, do mar, de galos, de uma velha ofegante),
as cenas prescindem de palavras. Quando elas são ditas, não dizem muita coisa.
Porque esta é uma obra rompida com os psicologismos verbalizados e
estruturada exclusivamente sobre a exteriorização dos personagens por meio de
expressões faciais, sonoras e corporais. Nada será entregue em diálogos.
Apenas em gestos, olhares, respirações, gemidos e choros. Essa busca pela
comunicação visual, nem sempre cristalina em suas evidências, abre o leque de
abordagens. Melhor para o filme, ótimo para nós. Fechar portas em vez de
mantê-las abertas, ou semi-cerradas, seria banalizar várias questões ali tocadas.
Ou uma grande questão, se assim quiserem: a questão do homem, da vida, da
existência em geral. Esse é um cinema maiúsculo em suas ambições. Quer o
total pelos detalhes.
A escolha de um título tão simples quanto extenso em sua significação e a opção
pela atividade policial do protagonista são achados dramáticos de raro poder
símbólico e de síntese. No papel de investigador, o personagem, mais que o
crime, investiga seu mundo. Não a si próprio, nem sua cidade, mas a espécie. A
humanidade. Naquela cidade onde é rarefeito o peso da cultura humanista, com
sua repressora chamada à ordem, os instintos bárbaros estão à flor da pele.
Nosso herói de superfície quase letárgica tem essa consciência. Acaricia um
traficante marroquino e beija um outro homem ao final por vislumbrar a sombra
existente por trás do projeto iluminista. Sabe como sua espécie não nasceu para
a civilização e a todo momento pode sair do controle. Acima de tudo, expressa-
se pelo toque. Comunica-se com o corpo. Dummont escancara essa radiografia
do animal-homem ao enquadrar em close a vagina da namorada do amigo do
policial. Nada a define melhor que a entrega à sexualidade. O sexo é mostrado
como rompimento com a cultura, mergulho nos instintos, prova de amor e
mobilizador da violência. A vagina é, portanto, sua alma. Um ser sensorial, não
intelectual.
E qual o papel da arte nisso tudo? Contraponto à violência incontrolável da
humanidade e vacina contra a ameaça à civilização buscada pela cultura, a arte
cumpre seu papel domesticador do homem-selvagem por meio do quadro
pintado pelo avô do herói: justamente a imagem de uma criança, metáfora idílica
de uma pureza idealizada, mas sempre contestada por atos perversos. A criança
do quadro representa um projeto em oposição à criança morta no início do filme,
Dummont é irônico nessa obra aparentemente pessimista. Pois o mais civilizado
dos personagens, afinal, é justamente o protagonizista com lerdeza mental. Está
nele o equilíbrio entre o homem bárbaro e o homem domesticado. E sua tarefa
como policial é menos a de punir criminosos e mais de lembrar a necessidade
de não se ultrapassar certos limites. A Humanidade não deixa de ser um
diagnóstico da crise do humanismo sem deixar de ser humanista em seu
enfoque. Só não fica a fazer – e aí está sua grandeza – propaganda disso.

Cléber Eduardo
Contracampo: http://www.contracampo.com.br/tv/humanidade.htm

Das könnte Ihnen auch gefallen