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GRANDE DO SUL
DAVID WINTER
IJUI
2010
DAVID WINTER
Ijuí
2010
2
AGRADECIMENTOS
A minha querida esposa Enilza e meus filhos Pedro Henrique e Eduardo por
encher minha vida de alegria e de amor, meu muito obrigado.
3
RESUMO
4
ABSTRACT
5
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...........................................................................................................07
CONCLUSÃO.............................................................................................................67
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................................................70
6
INTRODUÇÃO
7
pedagógicas. Com isso chegamos aos paradigmas, e como falamos do campo
histórico, então, por conseqüência, falamos de paradigmas históricos, tão presentes
no ensino da história.
A razão desta escolha é que, embora pareça estar tão distante de nós, a
Escola Metódica da qual Ranke fazia parte lançou os alicerces para as posteriores
principalmente nas questões fundamentais que se referem à história como ciência e
como verdade objetiva. Também ainda está intimamente ligada ao fazer história
hoje, tanto ao estudo quanto ao ensino. Basta uma olhada nos índices dos livros de
história para constatar isso, pois lá estão enumerados os temas referentes aos
grandes, aos dominadores, às forças que juntas determinam o presente e o futuro
da humanidade, que declaram guerra, que matam, que oprimem ou que, quando
lhes convêm, libertam. Até mesmo nos livros que procuram fazer uma nova leitura
dos fatos históricos, uma leitura mais crítica tendo como ponto de vista o lado do
cidadão comum, do dominado ou da mulher. Ainda temos os livros que buscam uma
nova metodologia da ciência histórica, mais apurada e contextualizada no período
pós-moderno no qual nos encontramos. Mas em todos eles estão presentes os
resquícios do paradigma positivista, instalados ali como fonte de informação
histórica do passado, até porque esteve mais próxima dele para lhe narrar o curso já
8
terminado, agora apenas relembrado pelas palavras, outrora registradas pela escola
metódica.
É por isso que chegamos ao tema “Crítica às Pretensões da Escola
Metódica”, que como paradigma pode ajudar o professor de história a se posicionar
melhor diante de tantos paradigmas e da crise na educação. Mas para tal suas
principais asseverações precisam primeiramente passar pelo crivo da crítica para
que o valor de seu trabalho apareça.
9
Depois de acompanhar o desenvolvimento da história ao longo da história
voltamos a deter nosso olhar para a Escola Metódica. Comparando-a com as
escolas rivais ou complementares e com as outras ciências, surgem algumas
questões que a própria Escola Metódica debate e coloca como pontos principais de
seu fazer história. Primeiro aparece a questão da história vista como ciência. Afinal
de contas, o seu método e seu conteúdo são ou não dignos de confiança como as
demais ciências? Porque ela seria ou talvez não uma ciência, e se não for, o que ela
é então? É poesia, é uma arte? O que lhe falta para ser considerada ciência? Se for
ciência, que tipo de ciência, já que não pode ser do mesmo tipo das demais. Porque
é tão importante para a história ser considerada uma ciência, disso depende sua
confiabilidade?
Esses são os pontos que marcam o itinerário desta pesquisa, no fim da qual
esperamos traçar uma conclusão para ter alguma resposta para essas indagações
que constantemente se fazem presentes no momento de planejar e elaborar o
conteúdo e o material das disciplinas históricas.
10
CAPÍTULO 1
11
1.1 O Paradigma Antigo
É nesse período que fica muito claro a busca pelas origens, a vontade de
conhecer a origem do ser humano, de explicar a relação do mundo com os deuses.
Mesmo não tendo métodos mais aprimorados ou ditos científicos, sempre houve
uma tentativa de buscar, pela viagem ao passado, as explicações para o presente. A
resposta não estava no aqui e agora, mas naquilo que já foi, sendo necessário
revisitar o passado para entender o presente. Verdade ou não, o passado se tornava
uma chave poderosa para se obter o sucesso no futuro, para se viver uma vida mais
completa.
13
Hecateu foi seguido por Heródoto de Carnasso (490-425 a.C.), denominado
mais tarde por Cícero de “pai da história” exatamente por ter dado à história uma
configuração mais investigativa. Baseando-se em depoimentos orais escritos,
esforça-se em reconstituir a cadeia dos acontecimentos históricos bem como decifrar
o enigma das causas naturais. Com isso dá origem ao gênero da história factual
detalhada voltada às guerras. Seu intento é evitar com que “o tempo não apague os
trabalhos dos homens e que os grandes atos realizados seja pelos gregos, seja
pelos bárbaros, não caiam no esquecimento”. Fazendo a narrativa dos eventos
longíncuos, procura distanciar-se dos fatos imaginários, embora não consegue
realizar isso de forma plena. Ao mesmo tempo procura descrever os fatos dos quais
é testemunha ocular e que acredita ser digno de nota. Para isso faz uso do juízo de
historiador, escolhendo narrativas em detrimento de outras (SERRA, 2002, p. 2-
6). Sua única obra conhecida tem por título “Histórias” que provavelmente foi escrita
durante a guerra do Peloponeso que começa com as seguintes palavras:
Mas também transparece que ele não as tinha como fonte infalível, pois muitas
vezes rejeitou certos relatos e depoimentos por não os considerar dignos de crédito.
Assim, foi visto como ambivalente pelos historiadores que vieram após ele, inclusive
na Renascença.
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Tucídides (460-396 a.C.) se esforça para não ficar na mera compilação de
fatos e se inclina em direção ao conhecimento mais científico, busca uma razão
mais verdadeira. Contemporâneo e ator da Guerra do Peloponeso, critica as fontes,
restabelece os fatos, organiza-os após cuidadosa análise. Aqui temos um método
crítico ainda em forma fetal, mas “dá já provas o discurso histórico de Tucídides,
distanciando-se em relação a um passado longínquo demais para que se possa
atingi-lo a não ser sob a forma mítica (...). Preocupação com a verdade no
estabelecimento dos fatos, exigência de clareza no enunciado das mudanças que se
produzem durante a vida das cidades. (VERNANT apud TÉTART, 2000, p. 15). É
portanto mais observador, exercita mais o juízo levando em consideração para isso
o todo ao invés do singular, embora seus escritos não estão isentos da contribuição
individual do autor, de seus pontos de vista, de suas deficiências.
Para os gregos as canções do aedos foram um prato cheio, isso prova que a
desmitologização não foi praticada somente pelos teólogos liberais do século XX ao
procurar limpar as narrativas bíblicas dos exageros da época. Há todo um
movimento, todo um esforço em se aprimorar o que já se tinha em mãos e, para
isso, uma postura crítica é tomada em contrapartida à postura poética à base de
álcool. A razão versus a imaginação ingênua formava o quadro do embate que hoje
se apresenta de barbas longas, antes navegando no rio Reno, hoje na Internet.
Muda-se o nome do rio, mas o embate é o mesmo, sempre contínuo, presente na
sala de aula. Nisto está a beleza daquilo que já possui tons grisalhos, que não se
15
movimenta mais com as próprias pernas e que não fala mais com suas próprias
palavras. Aí está o papel do professor: ser a voz do que já não fala sozinho,
fazendo-o chegar até os alunos, demonstrando a beleza e a sabedoria do que era e
já não é mais.
1.1.2 Em Roma
A historiografia romana foi impedida de surgir antes do terceiro século a.C. por
causa do domínio da cultura grega sobre a romana, pobreza de arquivos,
desaparecimento de documentos por causa das guerras constantes e porque a
própria idéia de um império leva muito tempo para aflorar. Iniciada então pelos assim
chamados analistas, que são freqüentemente medíocres em suas obras por terem
um sentimento utilitário. Pouco preocupados com a crítica das fontes do passado,
realizam uma compilação cronológica esclarecida, recorrendo aos cantos
apresentados em banquetes, calendários antigos, listas de sacerdotes. Pode-se
dizer que houve certo retrocesso no fazer histórico, o qual era guiado puramente por
uma ideologia dominante. O importante era dar respaldo às práticas da elite sem se
importar se era verdade ou não, ou sem querer levantar novos fatos, ou colocar algo
diante da crítica.
Com Tito Lívio (59 a. C. – 17 d.C.) a história deu “atenção à vida, aos
costumes, aos homens, aos meios pelos quais, interna ou externamente, o império
cresceu (...) embora sem método, porque o importante era dar atenção aos
exemplos na história a serem seguidos, aproximando a história de um sermão
16
(TÉTART, 2000, p. 25). Não podemos dizer que a história progrediu com essa
prática, já que mesmo falando do singular, o sujeito que importava era o que fazia o
império progredir, o grande personagem, e não o homem comum, que tinha pouca
importância.
Tácito (56 d.C. -117 d.C) de estilo apologético se esforça para pensar o
assunto e por isso mostra-se como “um dos maiores historiadores da época por sua
penetração psicológica dos motivos humanos e por sua análise equilibrada dos
grandes acontecimentos” (TÉTART, 2000, p. 27). Suetônio (70-122 d.C.) segue no
mesmo caminho e elabora uma enciclopédia de exemplos ilustres e multiplica as
fontes de informação, guardando atas senatoriais e documentos genealógicos. Este
junto com Plutarco (46-120 d.C.) estabelece um método biográfico que será utilizado
como modelo na Idade Média. De tendência moralizadora, explica os tempos
passados pelas qualidades das pessoas, buscando satisfazer um imediatismo: evitar
o enfraquecimento de Roma.
Os romanos também não ficaram para trás nessa busca incessante por
respostas, não se contentando em ficar ouvindo lorotas nas festas de banquetes
regadas a muito vinho que, embora delicioso para o paladar, era tortuoso para o
raciocínio. Fazendo uso da crítica chegaram a um método mais apologético,
psicológico, mas moralista. Hoje não é diferente, porque se tiramos exemplo de fatos
históricos para nossa vida moralizamos a História, o que também não é ruim, já que
encontramos mais uma utilidade para a História em sala de aula, mais uma
17
contribuição para a educação do aluno, já que além de conhecimento desejamos
que ele aprenda a colocar em prática as informações recebidas.
Seguindo esta lógica surge Santo Agostinho (354-430 d.C.) que escreve sua
obra “Cidade de Deus” para responder à acusação feita aos cristãos de que o
Império Romano estava sucumbindo às invasões bárbaras porque havia
abandonado os deuses romanos. Na obra responde que Deus é o senhor da história
e que, “desde Caim e Abel, sempre houve duas cidades no mundo: a cidade de
Deus (os fiéis) e a cidade dos homens (a sociedade pagã). Embora elas se inter-
relacionem, Deus cuidará para que a cidade de Deus — a igreja — permaneça por
toda a eternidade” (CURTIS, 1991, p.42.)
18
os quais apresentam preciosas informações sobre a vida social, política e
institucional de sua época, e registram sua preocupação com a preservação desse
conhecimento, querendo “instruir a posteridade sobre o passado”. Somado isso com
o renascimento carolíngio, a história volta a se politizar. Um exemplo disso é o caso
do monge Paul Diacre (725-799 d.C.), que escreve a história romana e a história do
povo lombardo nas quais apresenta as virtudes nacionais e dinásticas, inaugurando
o renascimento historiográfico. Mesmo assim, as fontes bibliográficas são pobres, o
método resume-se na explicação do trabalho de copistas das obras antigas e ainda
é teológico. (CURTIS 1991, p. 93; TÉTART, 2000, p. 40).
A Idade Média é um tempo em que se “vive demais a historia para falar dela”
(CHAUNU apud TÉTART, 2000, p 43). Com a reforma gregoriana surge um clima
novo e mais propício para um pequeno, mas importante, crescimento da arte de se
escrever história. Orderic Vital (1075-1142 d.C.), em sua História Eclesiástica em
sete volumes, declara que “escrevo uma simples história na qual relato os fatos ano
a ano. Não quero esclarecer a vontade divina pela qual tudo acontece (...) a causa
19
das coisas”. Testemunha ocular da primeira cruzada, não iria romper com a
explicação teologizante da história para inaugurar uma nova era historiográfica, mas
havia um esforço sincero dentro da limitação cultural vigente, como declara Le Goff:
Para a maioria das pessoas, mesmo laica, na Idade Média, a
expressão do pensamento ou do sentimento era informada pela
religião, e ordenada para fins religiosos. Mais ainda, todo o
instrumental mental- vocabulário, enquadramento do pensamento,
normas estéticas e morais- era de natureza religiosa, e o “progresso”
a esse respeito será a laicização desses instrumentos da cultura
(apud TÉTART, 2000, p 44).
Como tudo dá muitas voltas, a História não está isenta também desse
movimento. E começa a sair dos mosteiros e viaja juntamente nas Cruzadas em
busca de outros povos, outras conquistas, lutas por territórios e assim se seculariza
novamente, servindo aos juízes, ao comércio burguês, ao desenvolvimento da Nova
Atenas em Paris. É uma nova época que se principia e estabelece novas relações
entre pessoas e saberes, novos caminhos com novas soluções para velhos temas e
problemas já anteriormente colocados à mesa. É uma mudança que não pode
passar despercebida pelo professor de História, pois daqui em diante a
secularização será cada vez mais acentuada e culminará na Modernidade, no
cientificismo triunfante.
20
1.1.5 No Renascimento
21
1.2 A História no Paradigma Moderno
1
Os Pais Apologistas, Polemistas e Apostólicos foram os líderes cristãos que exerceram grande liderança nos
primeiros quatro séculos depois de Cristo.
22
cristianismo como a religião e a filosofia mais antigas, que antecederam as guerras
troianas e o pensamento grego. Viam na filosofia grega uma forma de levar as
pessoas a Cristo (CAIRNS, 1995). Contra os romanos era preciso convencer o
imperador do direito de legalização à prática do cristianismo dentro do Império. E
contra os filósofos tidos por pagãos a tarefa dos apologistas era a de apresentar a
religião cristã como uma verdade total, à diferença dos erros ou verdades parciais
presentes, segundo estes autores, na filosofia helenística (FRANGIOTTI, 1992).
Apesar disso, a educação praticada nesta época era feita, principalmente, nos
moldes das escolas filosóficas dominantes no período greco-romano, especialmente
das escolas estóicas e platônicas. Uma vez que a maioria dos apologistas eram
homens cultos, eles se haviam formado dentro dos padrões da filosofia pagã. Desse
modo seu discurso apoiava-se na filosofia antiga, tanto a perspectiva dos
argumentos utilizados em defesa do cristianismo quanto na tentativa de conciliar sua
mensagem com as verdades presentes naquela filosofia (HAMMAN, 1977).
Acreditavam que se as verdades da filosofia pagã são verdades parciais somente o
cristianismo poderia resgatá-las, integrando-as em um sistema completo e regido
pela verdade suprema da revelação. Uma das formas de diálogo entre as culturas se
dá através do método alegórico, usado para interpretar a Bíblia e empregado por
filósofos gregos na interpretação dos mitos e poemas de Homero. Orígenes fez um
esforço em conciliar a filosofia grega com o cristianismo, retirando elementos da
verdade para demonstrar que no cristianismo encontram sua unidade, seu
coroamento. Dessa forma reconhecia que Platão e outros filósofos, como também
os poetas gregos, enunciavam muitas idéias verdadeiras concernentes a Deus. Para
ele, fé e razão podiam ser conciliados, pois a filosofia poderia prestar relevantes
serviços ao cristão. O céu seria a verdadeira pátria do filósofo cristão. Orígenes
também tomou emprestado da filosofia grega a tricotomia platônica, a soma, a
psiché e a nous. Assim como Platão, Orígenes não queria apenas um corpo de
doutrinas a ser simplesmente resguardado e transmitido, mas um conhecimento vivo
e dinâmico. O Belo em si e por si, um Bom, um Grande intemporal, real e eterno que
Platão buscava, para Orígenes estava em Jesus Cristo (BERKHOF, 1992;
ALTANER, 1988).
23
Os iluministas, na tentativa de afastar-se dessa interpretação providencialista,
agora direcionam a fé para um novo alvo: o ser humano. Surgem, portanto, os
filósofos-historiadores, que interpretam a história como tendo um papel filosófico e
depois social. Com isso busca-se um sentido para a história, utilizada como guia
político racional. Sua finalidade não é compilar os acontecimentos, nem acumular
documentos, mas sim procurar explicações racionais para os acontecimentos do
presente, propor uma reflexão sobre o futuro, oferecer aos homens o domínio sobre
seus destinos guiando-os através do conhecimento do passado. Para Rousseau a
história torna-se subversiva (TÉTART, 2000, p.71).
Surge Montesquieu procurando hierarquizar as causas e identificar as leis.
Voltaire quer descobrir o significado da história e escrever uma história total. Assim
os enciclopedistas encontram o sentido pedagógico e cívico da história:
Aparece então a história como fato social crítico, que critica a escravidão, o
absolutismo, o colonialismo, o despotismo monárquico e religioso. Estabelece-se
uma noção de vida social onde a história teria um lugar privilegiado para mostrar o
sentido da existência social, base da Revolução Francesa. Mas a história ainda não
era vista como uma ciência, pois nos moldes iluministas ela está carregada de
elementos especulativos, filosóficos. Então surge uma escola histórica que se
propõe a eliminar tais resquícios da história, ficando apenas com os fatos históricos
tal qual aconteceram. Mas isso foi um processo cujo início não configurava um
movimento homogêneo (TÉTART, 2000).
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presta mais, como se não dependessem em nada do passado, como tendo
existência própria, nasceram sem a necessidade de pai ou mãe, foram paridos pelo
vento. Essas injustiças parecem ser próprias do espírito humano que muitas vezes
se embriaga com novas descobertas daquilo que não passa de velhos
conhecimentos contemplados por outro ângulo. Todos fazem parte do mesmo
triângulo, embora se posicionem de forma diferente em relação à hipotenusa e
possuam nomenclatura variada, mas estão presentes na soma dos ângulos, quer
internos ou externos. E nenhum ângulo pode dizer que não precisa dos demais, pois
ele está lá não por vontade própria, mas já determinado por uma força maior que
definiu tanto sua existência quanto sua localização no tempo e no espaço. Não tem
essa de querer descartar o outro, até porque tratamento igual lhe será dado no
futuro, quando ele também fará parte do passado, das idéias e dos paradigmas
suplantados, cobertos de mofo.
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CAPÍTULO 2
Esta não é uma pretensão moderna, pois há uma preocupação explícita com
a verdade desde Políbio, grego e historiador do II século a.C., o qual escreve:
27
Dentro da perspectiva de manutenção da ordem, o Positivismo de
Auguste Comte (1798-1857) recomendava a pacífica aplicação dos
métodos científicos e do conhecimento. Sua visão da evolução da
História o aproximava de Condorcet, da qual extraiu referências para
explicar “a marcha progressiva do espírito humano”, como algo
independente que era suficiente para compreender as mudanças. O
estado teológico, o estado metafísico ou abstrato e o estado científico
constituiram-se nos três estados de desenvolvimento intelectual da
humanidade.
A produção de Comte e a postura cientificista, segundo a qual a
ciência era considerada o único conhecimento possível e o método
das ciências da natureza o único válido, devendo ser estendido a
todos os campos da indagação e atividades humanas, não pode ser
separado do contexto da Revolução Industrial em que o advento da
máquina trouxe transformações profundas. Diante dos projetos que
não atendiam a demanda burguesa, Comte defendia a manutenção
da ordem e recomendava que “mulheres e proletários não devem se
converter em doutores”. Assim, no caso do historiador, seu trabalho
deve se pautar por reconhecer leis constantes e necessárias,
portanto invariáveis que regem a sociedade e aplicá-las à
investigação. A História é então uma construção evidenciada pelo
objeto que está contido nas fontes (mediador), analisadas com
extrema dose de rigor, reflexo fiel do passado, extirpado de todo o
fator subjetivo. Em outras palavras, a História é uma seqüência
congelada de estados definitivos( 2005, p.130).
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com o todo, captando suas tendências, elaborando a narrativa histórica estritamente
através da documentação. Essas expressões seriam possivelmente encontradas no
Estado e em seu fazer rotineiro, limitando a história à base documental oficial escrita
das realizações políticas (REIS, 1990, p.17).
2
O nome Res Gestae significa Ações Realizadas. Foi emprestado de Heródoto (o pai da História),
um grego que viveu no século V a.C. Esse termo também pode ser definido como investigação,
busca, pesquisa, gestão. Pronuncia-se res geste (como em curriculum vitae).
29
Logo, para a história ser científica, era imprescindível que fosse, embora
originária da pessoa de um sujeito cognoscente, um ser da consciência, um ser
epistêmico, mas em contrapartida neutralizado axiologicamente e
epistemologicamente. Estaria fora de cogitação o julgamento e a problematização do
real por ele analisado. Seria a busca da verdade objetiva contida nos fatos em seu
estado bruto, sem recortes, para que não houvesse alguma forma de distorção
subjetiva. Era o período em que a relação com o objeto de conhecimento era
caracterizada pela certeza das coisas, passando longe da alteridade, das incertezas.
Objetivo e experimental, quantitativo e rigoroso, somente o conhecimento positivo
seria capaz de chegar às razões dos fatos. A história muda o olhar, pois deve
observar e examinar, não mais apenas contemplar ou admirar, exercitando muito
mais a razão do que a imaginação (REIS, 1990).
30
Pelo menos isso é o que pensa o autor acima, já que Ranke não expôs essa
asseveração de forma direta, mas foi assim interpretado por aquele. Se a
interpretação foi enunciada de forma correta, ou se está influenciada pelo viés
marxista, é algo a se pensar. Afinal, onde o autor se cala é melhor o leitor não falar,
ou se falar, como é o caso acima, fazê-lo com muita cautela. Talvez aqui fosse
importante se despir por um momento da ideologia, atitude tão vicejada nos escritos
de Ranke e sua história positiva.
Um fato que deve ser observado é que a história nos moldes positivistas da
Alemanha não é a mesma da que surgiu na França. Os positivistas franceses
seguem princípios um tanto diferentes dos defendidos por Ranke, embora todos
busquem a objetividade do conhecimento histórico. Conforme Reis, Ranke dá eco às
idéias de Hegel, enquanto que na França floresce o positivismo iluminista, de cunho
evolucionista, progressista, anti-revolucionário. Ele foi influenciado principalmente
pela filosofia positivista comteana, daí surge sua interpretação de que o Espírito
perde o papel principal como causa primeira da história, relegando esse lugar ao
povo-nação e os seus dirigentes que administram o Estado. Estes últimos seriam os
“esclarecidos”, por isso sabem o que fazem e a história é, na verdade, aquilo que
esses indivíduos planejaram realizar. É sempre um fim fraterno, buscando uma
sociedade moral, que para isso precisa evoluir e progredir. O que ela fez foi
defender a República, combater a Igreja Católica e anunciar o nacionalismo (REIS,
1990, p.22).
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Neste trecho do manual percebe-se sua principal intenção: dispensar atenção
à heurística, à pesquisa nos documentos e sua localização; bem como operar de
forma analítica, expondo os documentos à crítica interna e externa; somada a isso
se opera de forma sintética, a fim de que seja elaborada a história, a ordenação dos
fatos, a exposição e a escrita da história. E para que tal intento seja alcançado, é
lançado mão de várias ciências auxiliares, tais como a epigrafia, paleografia,
diplomática, filologia, história literária, arqueologia, numismática e a heráldica. Nisso
podem-se observar os principais traços que transformam a escola positiva em um
corpo coeso de doutrinas. Parte da ênfase do documento que para alguns autores
chega a beirar à adoração, o esforço sempre presente e constante de filtrar o falso e
o verdadeiro, a prudência quanto ao engano sobre as fontes, a indagação de cunho
metódico e sistemático, e a obsessão do fato histórico. Eles são expressos da
seguinte forma por seus autores:
33
do historiador. É uma pérola que o professor de história não pode deixar no fundo
do mar, no interior obscuro de uma concha, mas deve mergulhar no fundo do mar
para resgatar tal preciosidade e trazer à tona, em plena sala de aula discutindo com
o aluno e levando-o a refletir sobre tais possibilidades.
34
CAPÍTULO 3
35
Os Annales buscam investigar a maneira pela qual se dá o sistema
fundamental de uma sociedade nas dimensões temporal, espacial, humana, social,
econômica, cultural e faz uma tríade entre uma peça e o conjunto, contrariando o
método que busca o antecedente e o conseqüente (STOIANOVITCH apud REIS,
2001, p. 69).
O espírito dos Annales pode ser descrito através de três elementos básicos: a
apreensão da totalidade e da coesão vital dos períodos históricos; a idéia de que a
história é determinada por agentes externos ao ser humano, embora não
completamente neutras como a geografia e o clima ou as tradições intelectuais; e a
firme decisão de praticar um reducionismo quanto ao tema relativo da área de
incompreensão através de uma análise estatística rigorosa. Com isso a História
sairia do seu lugar de isolamento e se tornaria amiga das demais ciências sociais,
conseguindo com isto instaurar uma grande mudança no conhecimento histórico.
Abandonando a história tradicional, passearam pelos terrenos da
interdisciplinaridade antes proibidos para a história, procurando obter uma visão
mais nítida do processo histórico. Aproximaram-se então da sociologia, da geografia,
da economia, da demografia e da psicologia, a fim de olhar o mesmo alvo e obter
uma visão mais totalizante e minuciosa (ROPPER apud REIS, 2001, p.70 ).
Marc Bloch também foi um dos expoentes dos Annales, que inova não muito
na metodologia, mas no enfoque, na escolha dos temas, das histórias a serem
narradas. Criticando a falta de ambição dos historiadores positivistas, cegados pela
crítica aos documentos, diz ele que acabaram por limitar muito o estoque dos
documentos. Deseja e incentiva o uso não exclusivamente de documentos escritos,
mas também das fontes arqueológicas, artísticos e numismáticos. Para Bloch a
história das invasões bárbaras, por exemplo, seria conhecida pelo exame das
crônicas e das cartas, mas também pela arqueologia funerária e pelo estudo dos
nomes locais. Foi graças às descobertas arqueológicas de templos, teatros,
mercados, casas, ruas e praças que alguns historiadores puderam completar sua
obra sobre a história de Roma. Mas Marc Bloch deseja também explorar novos
domínios, alargando o campo da história para diferentes direções e por isso
aproxima-se de Marx para vislumbrar a história sobre o enfoque econômico e para a
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pré-história, pois é nesse vaivém entre passado e presente que o conhecimento
histórico é enriquecido (BOURDÉ & MARTIN, 2003, pp 124-128).
Outro erudito, Braudel, também se aproxima dessa escola para dar a ela
ainda outra característica, fugindo da história historicizante e aproximando-se da
geografia humana. Com isso realiza a diálogo maior entre a história e a geografia,
fundando uma geo-história que capta a pluralidade das durações do tempo, antes
apenas histórico, agora geográfico, social e individual. Daí resulta três níveis
distintos, onde o primeiro apresenta uma história quase imóvel, é o relato das
relações do homem com o meio em que vive. O segundo nível entra no campo do
estruturalismo por discorrer sobre grupos e agrupamentos, conjunturas sociais e
econômicas. Por último se encontra a história tradicional, o indivíduo e o tempo de
pequena duração, que é tempo de vida do personagem que a história faz a narrativa
(BOURDÉ & MARTIN, 2003, pp 128-132).
37
ponto de inércia e entra em movimento. A segunda estabelece que a postura ativista
das classes sociais no processo produtivo, a qual denota o movimento da história, é
que irá determiná-las. Por último, o entrelaçamento entre forças produtivas e
relações de produção estabelece o objeto principal da história-ciência, observada
pelo prisma dos conceitos de modo de produção e formação social (REIS, 2001, p.
55).
38
O marxismo instala um novo método de análise da realidade. Marx
Com um caráter duplo que se alterna entre o histórico e o dialético Marx situa-
se no materialismo histórico e com isso afirma seu caráter de classe e estabelece
seus limites históricos. Traça a formação de consciência do proletariado sobre o
monopólio da informação da classe dominadora e com isso busca formar a sua
própria história, através do processo científico e do conhecimento da estrutura
econômica construir e desenvolver a nova vida em sociedade (JORDAN, 1997,
p.111).
Foi somente no século XVIII e influenciada pelo período das Luzes que uma
filosofia da história surgiu, fruto da indagação de filósofos diante da história. Kant, o
primeiro deles, mistura uma teleologia herdada de sua tradição cristã e uma reflexão
filosófica comum da era das Luzes. Em sua obra “Conjecturas sobre os inícios da
história humana” ele comenta:
39
mudança. No que respeita à natureza, preocupada em orientar o fim
que reserva ao homem tendo em vista a sua espécie, foi um ganho.
O indivíduo ter portanto razão em inscrever à sua conta como seu
próprio erro todos os males que sofre...mas, ao mesmo tempo, como
membro de sua espécie, tem razão para admirar a sabedoria da
ordenação. (BOURDÉ & MARTIN, 2003, p. 45).
Com isso Kant inaugura uma filosofia da história onde busca uma história
universal, fato claramente visto no título de uma de suas obras nomeada de “A Idéia
de uma História Universal sob um ponto de vista cosmopolítico”.
3
Principalmente a Inglaterra e a Alemanha, ambas objeto de observação e pesquisa de Toynbee.
41
compreender seus mecanismos, de afirmar sua pluralidade (ANDRE
BURGUIERE apud TÉTART, 2001, p. 98.).
42
onisciente e onipotente, que poderia abranger toda a história e tudo sobre a história.
Cada um cuida de um aspecto diferente da história, igualmente necessário. Isso vai
ao encontro da definição de história que lembra que, pelo fato de ser uma ciência,
está em evolução constante por causa das novas descobertas, novos paradigmas,
novas formas de se contemplar as velhas histórias. Não haveria, portanto, ruptura
mas complementação, novos direcionamentos, novidade histórica que se apóia no
factual, já conhecido e que de seus ombros depende para poder visualizar novos
horizontes históricos.
43
CAPÍTULO IV
É por tudo isso que reservamos uma parte da pesquisa para os limites da
Escola Metódica, deixando um lugar para os demais paradigmas sem escamotear o
nosso principal personagem. Ao que tudo indica, quando destacamos os pontos
fortes de algo, esconde-se os fracos e o contrário também é verdade. Mas o que se
pretende aqui é discutir de forma equilibrada essa questão de paradigmas que já
falamos anteriormente entendermos sob o enfoque da complementaridade e não da
suplantação. Com isso contemplamos com respeito o que outros pensaram e não
apenas com uma crítica que seja mera pretensão de quem ainda tem muito para
caminhar e que talvez ou provavelmente nunca chegue aonde os autores analisados
chegaram. Falamos deles, mas fazemos justiça a suas conquistas, pois não nos
tornamos mais por menosprezar outros, mas sim por ver o que os tornou mais para
que também o possamos alcançar. Corremos então uma carreira que já tem trilhos
fundos, rastros de sangue, chão umedecido pelo suor e lágrimas daqueles que nos
precederam. Também não queremos ser como aqueles que retrocedem, pois não há
mérito nisso e nem tampouco pode haver.
44
de fato importante que ela assim seja considerada. Mas para isso ser defendido é
igualmente importante não querer exigir uma classificação para história do mesmo
patamar das ciências naturais mais privilegiadas pela definição em pauta. Referimo-
nos à física e à matemática, que para muitos são as únicas formas de ciência
existentes por tratar, como dizem eles, com coisas concretas e comensuráveis
passíveis de inúmeras repetições quanto forem necessárias. A história de fato tem
certas limitações por não poder repetir infinitamente os mesmos fatos históricos e
nem conseguir chegar sempre aos mesmos resultados através de uma fórmula
matemática ou cálculo numérico. Cada historiador vai chegar a um resultado
diferente do anterior e do subseqüente, porque a história tem por objeto um ser
móvel, inconstante e cheio de artimanhas, o espírito humano que a antropologia e a
psicologia procuram elucidar. Ações com propósitos não declarados, reações com
motivos não expostos, vontade inexplicável, tendências temperamentais,
necessidades psicológicas, medos escondidos, tudo isso e muito mais completam o
quadro instável do alvo da história que se movimenta e muda de coloração a todo
instante.
Para Ranke é de suma importância que a história seja tratada como ciência,
pois disto depende sua veracidade. Quanto mais ciência, mais verdade será. É uma
questão de reconhecimento do mundo acadêmico, pois nada mais triste para a
História do que ser relegada ao patamar de mera arte, literatura. Mas da onde veio
essa afirmação sobre a história? Para Nagel o próprio Aristóteles já havia tratado da
questão da cientificidade da história ao afirmar que a Poesia, tal como a Ciência
teórica, apresenta-se com maior potencial filosófico e possui maior relevância do que
a história. Como justificativa, assevera que aquela se atém ao geral e universal,
enquanto esta ao especial e singular. Uma afirmação dessas não deixaria nenhum
historiador feliz, já que demanda tanto esforço no seu trabalho e merece um
reconhecimento melhor do que esse. Nagel entende tal afirmação de Aristóteles
como que pautada na distinção muito utilizada entre dois tipos de ciências
aparentemente distintas, as nomotéticas e as ideográficas. A primeira trabalha para
encontrar leis gerais abstratas de eventos e processos indefinidamente repetíveis, a
segunda persegue o singular e o não-repetido. Assim já fica bem melhor, pois é
reservado um lugar para a história em meio às demais ciências, mas se são
45
exatamente iguais, é outra discussão. Mas o primeiro passo já foi dado, reconhecer
a história como ciência. Nagel ajuda a explicar isso, pois para ele aí reside a
justificativa de muitos defenderem que as ciências naturais e algumas das sociais
são nomotéticas, ao passo que a história como explicação dos eventos humanos de
forma distinta dos outros eventos é, em sua base, ideográfica. Disso resulta a
diferença na estrutura lógica dos conceitos e explicações entre as da história
humana e as das ciências naturais (apud SILVA, 1976, p. 25).
A grande diferença entre essas duas ciências pode ser claramente vista no
fato dos enunciados da ciência natural e social ser em sua grande maioria do tipo
geral e possuírem poucas referências a objetos específicos, a datas ou lugares; ao
passo que na história existem na sua totalidade enunciados singulares,
impermeados de nomes próprios, especificações temporais particulares e
geográficas. Mas nem uma nem outra deixa de trabalhar com enunciados
característicos do outro grupo, sendo que tanto os enunciados gerais completam os
específicos como os específicos precisam dos gerais. Como exemplo temos a
geofísica ou a ecologia animal, ambas ramos das ciências naturais, as quais
trabalham com distribuições espaços-temporais e com o desenvolvimento de
sistemas individuais específicos, o que significa que estão na prática buscando
enunciados singulares. Já do outro lado o historiador chega a caracterizações de
conhecimentos individuais, as quais pressupõem vários tipos de ocorrências. Nisto
ele chega a regularidades empíricas, de certa forma determinadas e associadas
entre si. Situa-se dentro deste aspecto a expansão colonial grega do século VI a.C.
a qual, segundo certo historiador, teve origem nas necessidades dos interesses
comerciais combinadas com o espírito aventureiro dos gregos. Nisto é dado por
suposição que as pessoas têm vários tipos de necessidades, que cada tipo tem seus
modos de comportamento característicos e que é comum esses modos darem
origem à criação de colônias (NAGEL apud SILVA, 1976, p. 26-27).
Jean Piaget também comenta sobre esta distinção. Para ele as ciências
nomotéticas procuram estabelecer leis que muitas vezes possuem sentido de
relações quantitativas relativamente constantes e exprimíveis na forma de linguagem
matemática, mas também no sentido de fatos gerais ou de relações numéricas, de
46
análises estruturais trazidas através de uma linguagem corrente ou lógica. São
exemplos disso a Psicologia Científica, a Sociologia, a Etnologia, a Lingüística, a
Ciência Econômica e a Demografia. Quando se estuda a história das línguas, a
história da loucura, o desenvolvimento do comportamento, adentra-se na dimensão
histórica da ciência, aproxima-se, portanto, certas áreas das ciências nomotéticas
das ciências históricas. Existem os casos dos desenvolvimentos individuais da
linguagem e da inteligência que se encontram desenhados na história, pois se
repetem a cada geração, dando origem a controles experimentais e a uma variação
dos fatores, de forma que a procura de leis continua sendo o fator predominante,
neste caso de leis de desenvolvimento (apud SILVA, 1976, p. 30-31).
Tudo isso leva a uma diferenciação muito sutil, já que esta se encontra
assentada numa relação de complementaridade na forma de tratarem os fatores do
desenvolvimento temporal. Sobre esses fatores Piaget distingue quatro fatores
principais:
47
a) as determinações devidas a desenvolvimentos (sendo o
desenvolvimento uma sucessão regular ou mesmo seqüencial de
transformações qualitativas que assegurem uma estruturação
progressiva); b) as determinações devidas aos equilíbrios sincrônicos
na sua dinâmica própria; (c) as interferências ou eventos aleatórios e
( d) as decisões individuais ou coletivas. Ora, quando as disciplinas
nomotéticas consideram um desenvolvimento temporal chamado ou
não “História”, o seu esforço constante é no sentido de estabelecer
leis e para isso isolar, na medida do possível, as variáveis que
permitam obter esse resultado. Esforçar-se-ão, assim, por atingir leis
de sucessão (a) ou de equilíbrio (b); no que se refere ao acaso (c),
desprezarão os casos singulares, que são indetermináveis, para
caracterizar, pelo contrário, os efeitos de massas enquanto leis
4
estocásticas ; e, no que se refere às decisões (d), interessar-se-ão
menos pelos seus conteúdos do que pelo seu próprio processo, na
medida em que este possa ser analisado de maneira probabilista (
teoria dos jogos ou da decisão). O propósito do historiador é, pelo
contrário, e de maneira complementar (mesmo quando utilize, como
hoje acontece, todos os dados nomotéticos), não o de abstrair do real
a variáveis que convêm ao estabelecimento de leis, mas o de atingir
cada processo concreto em toda a sua complexidade e, por
conseqüência, na sua originalidade irredutível. Nos casos em que se
manifeste um desenvolvimento (a) ou um reequilíbrio (b), e mesmo
quando se interesse por suas leis, na medida em que elas lhe
permitam a compreensão, o historiador visa menos às leis do que aos
caracteres próprios a estes eventos particulares, precisamente
enquanto particulares. No que respeita a interferências (c), é,
evidentemente, o conteúdo incalculável, mas reconstituível, e cuja
reconstituição representa o objetivo mesmo da História. Quanto às
decisões (d), é igualmente no seu conteúdo que elas representam a
novidade contínua e específica do devir histórico humano enquanto
respostas às situações concretas, misturas inextricáveis de
determinação e de aleatório (a)-(c) (apud SILVA, 1976, p. 33).
4
O termo “estocástico” se refere a fatos que têm origem em processos não determinísticos, com
origem em eventos aleatórios.
48
mencionadas a geologia e a paleontologia, interessadas em estudar o passado e
não o presente. Soma-se a isso o fato de que o historiador não pára a sua pesquisa
ao narrar o que aconteceu, mas quer também descobrir por que aconteceu tal fato.
Nisto se encontra a reconstrução inteligente e inteligível mencionada acima, que não
se move apenas no campo do conhecimento perceptivo, mas também do científico.
Afinal de contas, entende-se como ciência um conjunto de conhecimentos
encontrados como resultado intencional de um estudo acerca de certo conteúdo de
uma maneira metódica, que se guia por princípios pré-determinados (WALSH, 1968,
p. 29-35).
Walsh destaca, ainda, que muitas vezes menciona-se o fato das produções
dos historiadores serem perfeitamente entendíveis para pessoas sem grandes
conhecimentos, ao passo que as produções dos estudiosos das ciências naturais
exigem muito mais dos leitores, a ponto de somente poder entender quem tem uma
formação específica na área. A resposta para esta questão é que a história utiliza-se
da linguagem corrente para expressar suas descobertas, não possuindo um código
especial, superior, complexo. Isso por tratar de fatos ao alcance de outras pessoas,
da esfera do ser humano que está em volta da história, vivendo conjuntamente. Isso
faz de todas as pessoas uma espécie de pequeno historiador, tornando a história
acessível, pelo menos em boa parte, ao ser humano sem especialidade na área. O
conhecimento histórico então seria uma ciência mais acessível às pessoas comuns,
sem especialização, embora o fazer história requeira tal especialização. Seria então
uma ciência com seus métodos próprios, os quais precisam ser dominados por
todos aqueles que desejam ser profissionais da história científica (WALSH, 1968, p.
38-40).
49
mesma, apenas um dos aspectos desta história (apud TAFFAREL,
1984, p. 11).
50
ou asseveração definitiva, caracterizando a função da indução. Disso comenta o
simpósio da UFSC, citando a teoria da fundação de Florianópolis como exemplo:
51
narrativas, e a investigação de toda sua vida foi historie no seu modo
jônico de falar... a história compreende duas operações distintas, uma
das quais, a investigação, está no campo da ciência, enquanto a
outra, a apresentação literária, está no campo da arte (apud
PIZZOLATTO, 1998, p. 2).
Toda esta discussão tem como pano de fundo o conceito de ciência dado por
Galileu, conforme indica Castoriadis:
Como ver a história então como ciência, digna de crédito e capaz de chegar a
resultados importantes, exatos e verdadeiros? Parece que o caminho é andar junto
com sua prima, as ciências exatas, sem querer ser exatamente igual a ela. Nem é
preciso, mesmo que ela tenha uma atitude arrogante e se ache a única dona da
verdade, pois esta não se encontra com aqueles que acreditam tê-la encontrado,
54
mas se apresenta para quem é capaz de entender e aceitar que o verdadeiro
conhecimento se forja na humildade, na aceitação do outro, das alteridades. A
questão então não é mais se é correto afirmar ser a história uma ciência, mas qual o
tipo de ciência que ela é, pois não é necessário existir somente um modelo
científico, isso cairia em um reducionismo que nos afasta como quase toda espécie
de reducionismo, da verdade. E como ninguém deseja isso, temos um espaço
reservado para que a história também tenha o seu lugar em meio às ciências mais
praticadas pela sociedade por estarem vinculadas à economia capitalista, fim último
da maioria esmagadora dos seres humanos utilitaristas, imediatistas e sedentos de
aumentar seu potencial de consumo e bem estar material.
A história é daquelas ciências que nos faz refletir sobre o nosso curso, nossa
vontade, nossa vida, nossa sociedade, nossos governos, leis, guerras, educação.
Ela então a primeira vista atrapalha a sociedade capitalista mais do que ajuda, pois
desmascara o uso que o ser humano tem dado à ciência natural, através da qual
algumas pessoas têm dominado a maioria, humilhado, subjugado, derrotado,
aprisionado, oprimido, deseducado e tudo isso sem pedir licença.
Por tudo isso é importante que a história da ciência esteja em sala de aula
para ser analisada e debatida pelos alunos, porque somente assim poderão ver seu
surgimento, suas inquietações, seu desdobramento até ao que temos hoje. A
questão do saber ser tido como científico é uma discussão sempre presente e que
tem lugar garantido nas grandes discussões do meio acadêmico. Discutir isso com o
aluno em sala é colocá-lo dentro do processo de construção do conhecimento e tirá-
lo da posição cômoda de mero receptor de conhecimentos em sua fase terminal, já
prontos bastando apenas memorizá-lo.
55
função social então é organizar o passado em função do presente e não julgar os
fatos a fim de elaborar a história, ainda que não se devam confundir os motivos
ideológicos ou políticos da investigação e de sua utilização e seu valor crítico. Para
obter proveito do discurso histórico, os historiadores construíram suas próprias
regras em que supõem que os sucessos são repetidos e, portanto, estudando o
passado as situações do presente são mais fáceis de manejar, sem dificuldades.
Mas com isso chega-se ao ponto onde a validade é independente de quem faz o
relato, sem perguntar se o conceito de utilidade seria indiferente ao da legitimidade.
Ou seja, é válido porque é útil ou é válido porque é legítimo?
Carr, como positivista, imaginava que para ter uma história realmente objetiva
os fatos históricos deveriam de ser os mesmos para todos os historiadores que
procurassem ser objetivos e neutros em sua narração e descrição para poder chegar
a resultados legítimos. Outras obras propuseram também que o trabalho da história
seria sintetizar e levantar uma hipótese sobre os dados que foram levantados para
criar uma totalidade e, assim, realizar uma reconstrução objetiva, de forma que não
fazê-lo seria cair em um relativismo onde cada historiador teria sua própria história,
sua verdade particular (SILVA, 2005, p. 182).
56
qualquer reflexão teórica e, mais especificamente, a filosófica, por serem prejudiciais
por causa de sua especulação (SCHAFF, 1991, p. 102-103).
Daí que a história foi considerada por muito tempo como um armazém onde
se conserva a memória social para que sejam guardados os sucessos importantes
da sociedade, da política, da economia, da religião como um conjunto de fatos que
ensinam e servem de exemplo.
Disso resulta que a história tem dois interesses que possuem tonalidade e
direção diferentes: a objetividade e a subjetividade. Já que a história é considerada
como ciência, espera-se que tenha por isso certo grau de objetividade (WALSH,
1968, p. 113).
57
sinônimo de, nas palavras de Freud, “tudo aquilo que é reconhecido pela
universalidade dos sujeitos, acima de seus desejos e opiniões; para Kant é algo
válido para qualquer um que esteja no uso da razão, das coisas que concebemos
muito clara e muito distintamente” (WEHLING, 1975, p. 7).
59
qualquer, no que o historiador considera como imposto aos homens,
numa coisa que deve ser realizada. A história do que é importante e
significativo para essa coisa... Será então perfeitamente “objetiva”, na
medida em que nunca teria podido ser objetiva a simples relação de
“fatos” arbitrariamente escolhidos.
Tal é o “relativismo objetivo” característico do saber histórico, como
de todos os tipos de saber. O saber é “objetivo” em um único
contexto definido: é sempre o conhecimento da estrutura e das
relações essenciais nesse contexto (apud SCHAFF, 1995, p. 301).
Talvez seja necessário apontar até onde vão os limites de uma possível
classificação como verdade objetiva para o resultado a que chegou o historiador em
seu trabalho. Isto seria, em outras palavras, e particularmente nas expressões
sempre repetidas de Ranke, recompor o passado como foi. Para alguns a História
não é objetiva por vários motivos claros e pontuais. Porque seu objeto de pesquisa
não é observável como o objeto da química o é; porque a documentação que retrata
o passado existe em forma fragmentada; porque o historiador precisa selecionar,
acomodar e relatar os resultados; porque acaba por estruturando o conhecimento do
60
passado em torno de interesses éticos e estéticos e para tudo isso é impossível
manter um espírito neutro. Mas estas considerações realmente comprovariam que a
história não pode ser considerada como objetiva, mas por causa de um certo
relativismo, acaba por se tornar não-objetiva? O problema maior surge porque está
em voga a discussão sobre questões éticas e estéticas, já que é primordial que o
historiador enuncie seus juízos de valor ao realizar sua pesquisa e a narrativa
histórica (DRAY, 1969, p. 37).
61
estática. Esta não-inércia se dá pelo fato do próprio conceito de história ser histórico,
sofrer transformações de carona das últimas descobertas, novas escolas filosóficas,
as transformações que o mundo sofre e impõe. Este mundo se move não apenas
nos movimentos de rotação e translação, mas nas sociedades que nele habitam,
pois elas estão se movendo em diversas direções, construindo e destruindo
costumes, culturas, conceitos, vidas, fazendo guerras e salvando pessoas. Portanto,
a definição de história passa no mínimo pelos iluministas, positivistas, pelo marxismo
e pela Nova História. A situação fica mais conflitante ainda quando se define história
como uma ciência, pois esta terminologia também está constantemente sendo
discutida e modificada (BLOCH, 2001, p. 27; SILVA, 2005, p. 42).
Ademais, não existe uma lei da história, como as ciências exatas, pois ela tem
o ser humano como principal objeto de pesquisa e ele é muito complexo. Por isso é
exigida atenção e reflexão por parte do historiador que procura abeirar-se deste
problema para que possa compreender sua dinamicidade e interatividade, pois estão
presentes o individual e o social, as diferenças entre culturas, a interpretação de
quem a conta (VEYNE, 1995). Isto leva o historiador a se deparar com um problema
de ação, que o obriga a realizar escolhas. Ele lida com fenômenos humanos os
quais são muito delicados, fatos que são mais complexos do que qualquer outro
(BLOCH, 2001). As verdadeiras intenções que estavam por detrás dos atos não
aparecem, as razões de certas atitudes não são conhecidas.
63
Hegel, por exemplo, devotou grande interesse pela história e definiu a tarefa
do filósofo da história como sendo explicar a racionalidade dos fatos, introduzindo o
conceito de razão nos estudos desse campo. Afinal de contas, “a razão é a
soberana do mundo; e que o mundo, portanto, oferece a nossos olhos um processo
racional” (DRAY, 1969, p. 89.). Assim, vai se tornar claro a razão que realmente
opera no curso dos acontecimentos, esclarecendo tanto o objeto que se persegue
quanto a maneira que ele surge, aparece. A história faria então parte do reino do
espírito, uma metafísica que tem como principal característica o movimento, a
liberdade. Daí que vai aparecer a forma como a espiritualidade humana seguiu seu
curso, tendo como resultado final a conquista progressiva da liberdade humana. E
tudo isso resulta do estudo reflexivo, filosófico da história e não meramente do seu
estudo positivo, metódico.
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E por esse viés Hegel discorre sobre o fluxo da história do mundo, narrando
as sociedades da China, Índia e Pérsia, Grécia e Roma, apontando para a cultura
cristã germânica da Europa ocidental. As duas primeiras, a seu ver, eram estáticas,
onde a história limitava-se a simples narração de fatos isolados, a Ciência mero
conjunto de técnicas, a ética resumida a uma série de regras fixas sem lógica
racional. Os persas recebem o título de Primeiro Povo Histórico do Mundo, com um
Estado bem esclarecido e desenvolvido que, mesmo composto por vários povos,
protegia as idiossincrasias regionais (HEGEL, 1985, pp 215-287).
Portanto Hegel contribui para a história pelo fato de ter lançado um olhar
investigativo com um alcance maior, pois além de fitar a história momentânea e seu
objeto contido nos documentos também vislumbra o todo e as outras histórias
podendo chegar a conclusões mais abrangentes que o historiador sem a filosofia da
história não alcançaria.
65
encontra nos conceitos que escolhe pode ser altamente desastrosa
para sua própria intenção, na medida em que o que equipara o que é
historicamente estranho com o que lhe é familiar, e assim, mesmo
sem ter a menor pretensão, submete a alteridade do objeto aos
próprios conceitos prévios. Assim, apesar de toda metodologia
científica, ele comporta-se da mesma maneira que todo aquele que,
filho do seu tempo, é dominado acriticamente pelos conceitos prévios
e pelos preconceitos do seu próprio tempo (GADAMER, 2007, p.512).
Disso resulta que não podemos superestimar uma ciência nem subest imar
outra, pois ambas as atitudes caem num reducionismo que por sua vez desemboca
no isolacionismo metodológico que acaba castrando a ciência, impedindo-a de
produzir resultados mais elevados característicos de uma ciência em seu pleno
vigor. História sem hermenêutica não existe e negar esse fato é ingenuidade por
parte do historiador, pois é uma exigência que, segundo Gadamer, se apresenta
como “uma conseqüência natural da consciência histórica” (1997, p.513).
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CONCLUSÃO
É por isso que retroceder faz parte do movimento para a frente, e talvez o
movimento desejado rumo a um ponto mais elevado do conhecimento seja
diretamente proporcional a esse ato de retroagir, dado que quanto mais se viaja ao
passado mais se aprende o quão diferente é hoje o presente. E é nas diferenças que
está o grande ganho do aprendizado, nos paradigmas muitas vezes denominados
de ultrapassados, incompletos, esquisitos, de outros tempos. Por isso a utilidade em
trazer para a sala de aula a história da história, entendendo que na questão de
paradigmas há complementaridade e não apenas suplantação. Os pensamentos, as
visões de mundo, os conhecimentos forjados em tempos diferentes, as explicações
do mundo material, natural ou transcendental através dos paradigmas lançam luz
àqueles que de fato querem a luz no presente. Não é uma atitude reducionista que
irá elevar alguém para um patamar mais elevado de gnosiologia, como se pudesse
67
ignorar tudo o que já foi pensado anteriormente, num gesto que representa ao
mesmo tempo pretensão desmedida e suicídio intelectual.
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Permanece como desafio para o educador trabalhar em sala de aula assuntos
tidos como núcleos duros do conhecimento, tais como a história da ciência bem
como o significado de ciência hoje, conhecimentos já prontos e objetivos que devem
apenas ser apreendidos pelo aluno ou conhecimentos subjetivos que numa
interação com os livros, com o professor e com os colegas podem ser construídos
com base numa intersubjetividade, podendo se fazer ao final desse processo uma
comparação dos conhecimentos e das diferenças. Para completar o desafio do
educador lembramos por último da tarefa de considerar a filosofia da ciência para
pensar juntamente com os alunos o sentido de estarem dedicando suas vidas em
falar e ouvir sobre determinado conhecimento, seus significados, suas verdades e
incertezas, já que cada alteridade tem a sua hermenêutica como forma particular de
contemplar o quadro exposto para todos.
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