Sie sind auf Seite 1von 73

UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO

GRANDE DO SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS

DAVID WINTER

HISTORIOGRAFIA E ENSINO DE HISTÓRIA:


CRÍTICA À ESCOLA METÓDICA

Orientador: Prof. Dr. José Pedro Boufleuer

IJUI

2010
DAVID WINTER

HISTORIOGRAFIA E ENSINO DE HISTÓRIA:


CRÍTICA À ESCOLA METÓDICA

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Educação nas Ciências
– Mestrado – da UNIJUÍ – Universidade
Regional do Noroeste do Estado do Rio
Grande do Sul, como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em Educação
nas Ciências.

Orientador: Dr. José Pedro Boufleuer

Ijuí

2010

2
AGRADECIMENTOS

Sempre me lembro de Deus em primeiro lugar, pois a criação do cosmos e da


vida me possibilitou a experimentar as conquistas, a família, os amigos e as
oportunidades que a vida me presenteou.

Aos professores do curso de mestrado, que me deram o privilégio de ouvi-los a


respeito de suas pesquisas, seus escritos, sua dedicação em ser mais pelo
conhecimento.

Ao meu orientador professor José Pedro, que mesmo coordenando o curso de


mestrado em educação nas ciências, implantando o doutorado em educação nas
ciências, lecionando junto aos dois cursos, organizando simpósios, escrevendo
artigos para revistas e coordenando as bancas de qualificação, ainda encontrou um
tempo para me ouvir e me orientar.

Aos membros da banca de qualificação, pela sua atenção despendida e


esforço em ler e pensar juntamente comigo para o aprimoramento de minha escrita.

A minha querida esposa Enilza e meus filhos Pedro Henrique e Eduardo por
encher minha vida de alegria e de amor, meu muito obrigado.

Sou grato aos meus colegas da Faculdade Batista Pioneira, às secretárias


Gladis e Camila por estarem sempre de prontidão quando precisei de seu auxílio; ao
diretor Renato Gusso por me incentivar a continuar os estudos; ao vice-diretor
Claitom Kunz por me dar a oportunidade de aplicar os conhecimentos adquiridos no
curso de Teologia.

3
RESUMO

A presente dissertação, intitulada Historiografia e Ensino de História: Crítica à


Escola Metódica tem por objetivo repensar o conhecimento histórico no que diz
respeito à sua construção a fim de auxiliar o professor de história ao se deparar com
vários paradigmas diferentes ao preparar suas aulas. A escola metódica foi
invocada porque representa um divisor de águas na forma de se construir e se lidar
com o conhecimento histórico. Por isso primeiramente é analisado o modo de fazer
história antes da Escola Metódica do qual fazem parte o paradigma antigo da
história onde gregos, romanos, cristãos e enciclopedistas fazem cada qual a sua
história dos eventos e também o paradigma moderno, no qual em meio ao século
das luzes a história é analisada pelos filósofos historiadores. Em seguida as
pretensões da Escola Metódica são apresentadas, demonstrando que esse tipo de
história estava na verdade a serviço da política por pesquisar basicamente a história
nacional num período onde os Estados estavam em um processo de unificação e
organização. Voltamos então o olhar para a história depois da Escola Metódica,
momento em que a Escola de Annales, a história marxista, as filosofias da história e
a Nova Escola são apresentadas. Por último, discutem-se os limites da Escola
Metódica em suas principais características que são a história tratada como ciência,
a busca por uma história objetiva e seu afastamento da filosofia da história.

Palavras-chave: Historiografia; Escola Metódica; Ciência; Objetividade e


subjetividade; Filosofia da História.

4
ABSTRACT

The present dissertation, entitled Historiography and History Teaching:


Critique to the Methodical School aims to rethinking the historical knowledge in what
it concerns to its construction to help the history teacher when faced with several
different paradigms to prepare his lessons. The methodical school was cited because
it represents a watershed in the way of constructing and dealing with the historical
knowledge. So it’s firstly analyzed the way of making history before the Methodical
School to which belong the old paradigm of history where Greeks, Romans,
Christians and encyclopedists make each ones their own history of the events and
also the modern paradigm, where in the midst of the Enlightenment, the history is
analyzed by philosophers historians. Subsequently the pretensions of the Methodical
School are presented, demonstrating that this kind of history was actually in the
service of the politics basically by searching the national history in a period where the
States were in a process of unification and organization. We turn the gaze then to the
history after the Methodical School, moment when the School of Annales, the Marxist
history, the philosophies of history and the New School are presented. Finally, are
discussed the limits of the Methodical School in its main features which are the
history treated as science, the search for an objective history and its separation of
the philosophy of history.

Keywords: Historiography; Methodical School; Science; Objectivity and subjectivity;


Philosophy of History.

5
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...........................................................................................................07

1. A HISTÓRIA ANTES DA ESCOLA METÓDICA.....................................................11


1.1 O Paradigma Antigo.............................................................................................12
1.1.1 Na Grécia antiga................................................................................................12
1.1.2 Em Roma...........................................................................................................16
1.1.3 A história cristã..................................................................................................18
1.1.4 A história secularizada nos séculos XII-XV.......................................................19
1.1.5 No renascimento...............................................................................................21
1.2 A História no Paradigma Moderno......................................................................22
1.2.1 No século das luzes..........................................................................................22

2. AS PRETENSÕES DA ESCOLA METÓDICA........................................................26

3. A HISTÓRIA DEPOIS DA ESCOLA METÓDICA... ...............................................35


3.1 Ainda no Paradigma Moderno..............................................................................35
3.1.1 O Tempo dos Annales.......................................................................................35
3.1.2 Histórias Marxistas e Marxizantes.....................................................................37
3.1.3 As Filosofias da História....................................................................................39
3.2 No Paradigma Pós-moderno................................................................................41
3.2.1 A Nova Escola ..................................................................................................41

4. LIMITES DA ESCOLA METÓDICA........................................................................44


4.1 História como Ciência...........................................................................................44
4.2 Histoire: entre Objetividade e Subjetividade.........................................................55
4.3 Afastamento da Filosofia da História....................................................................61

CONCLUSÃO.............................................................................................................67

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................................................70

6
INTRODUÇÃO

Estamos tratando de um tema que adentra nos campos da Teoria da História,


e tal escolha requer uma explicação inicial antes que comecemos de fato a discorrer
sobre o referido assunto. Tenho formação na área de História e, além do período de
estágio supervisionado, alguns anos de experiência no magistério no qual leciono as
disciplinas históricas do curso de Teologia. Não faltaram oportunidades para me
perguntar sobre a importância, necessidade, confiabilidade, enfim, sobre a razão de
ser da história e de seu ensino, quer no curso médio ou superior. Todas as vezes
que é preciso fazer o planejamento de um novo semestre letivo ou preparar uma
determinada aula é o momento de se fazer recortes, escolhas, tanto de conteúdo
como de métodos, apreciar ou se afastar de paradigmas, formas de se interpretar o
conteúdo estudado ou pretendido. Isso sempre me leva a repensar todas essas
questões de escolas históricas e suas metodologias, fato que é endossado
principalmente nas primeiras aulas, onde é reservado um espaço para a discussão
da necessidade ou razão de ser de tal disciplina, a fim de motivar o aluno para um
semestre de leitura, pesquisa e trabalho dentro daquele referido campo de estudos.

Temos ainda os desabafos dos colegas professores de história que


compartilham de suas dificuldades em fazer essas escolhas e se posicionar frente
às várias possibilidades ou paradigmas do ensino de história, endossados pelos
livros e disciplinas do curso de Licenciatura em História ou Pedagogia, os quais nos
falam de uma crise da educação que tem por base essa crise de paradigmas. Tal
prática descrita acima nos traz a dita crise, tendo inserido em seu meio e bem
próximos um do outro o aluno e o professor. O primeiro quer saber por que, estudar
os conceitos e conteúdos apresentados, o segundo precisa explicar isso ao aluno e,
além disso, ter muito claro para si a razão de seu ensino, de suas práticas

7
pedagógicas. Com isso chegamos aos paradigmas, e como falamos do campo
histórico, então, por conseqüência, falamos de paradigmas históricos, tão presentes
no ensino da história.

Daí que objetivamos falar sobre a Escola Metódica, um paradigma histórico


que já existe há mais de dois séculos e que no seu período lutou por conquistar o
respeito, a credibilidade e o reconhecimento da história que era pesquisada. Mas
isso nos leva a indagarmos sobre a razão da escolha deste paradigma histórico em
detrimento de outros, se ainda vale a pena debater algo tão presente no passado,
para muitos já suplantado pelas novas escolas históricas surgidas ao longo dos anos
seguintes, já que temos algumas temporalmente bem mais próximas dos dias atuais.
Afinal de contas, seu surgimento se deu em meio a uma época com um contexto
específico, muito diferente do que temos hoje. Como um conhecimento forjado em
tão diferente circunstância poderia ser útil para nós, estudantes dos tempos atuais e
ainda suscitar alguma discussão que poderia se prolongar tempo suficiente para se
chegar a alguma conclusão?

A razão desta escolha é que, embora pareça estar tão distante de nós, a
Escola Metódica da qual Ranke fazia parte lançou os alicerces para as posteriores
principalmente nas questões fundamentais que se referem à história como ciência e
como verdade objetiva. Também ainda está intimamente ligada ao fazer história
hoje, tanto ao estudo quanto ao ensino. Basta uma olhada nos índices dos livros de
história para constatar isso, pois lá estão enumerados os temas referentes aos
grandes, aos dominadores, às forças que juntas determinam o presente e o futuro
da humanidade, que declaram guerra, que matam, que oprimem ou que, quando
lhes convêm, libertam. Até mesmo nos livros que procuram fazer uma nova leitura
dos fatos históricos, uma leitura mais crítica tendo como ponto de vista o lado do
cidadão comum, do dominado ou da mulher. Ainda temos os livros que buscam uma
nova metodologia da ciência histórica, mais apurada e contextualizada no período
pós-moderno no qual nos encontramos. Mas em todos eles estão presentes os
resquícios do paradigma positivista, instalados ali como fonte de informação
histórica do passado, até porque esteve mais próxima dele para lhe narrar o curso já

8
terminado, agora apenas relembrado pelas palavras, outrora registradas pela escola
metódica.
É por isso que chegamos ao tema “Crítica às Pretensões da Escola
Metódica”, que como paradigma pode ajudar o professor de história a se posicionar
melhor diante de tantos paradigmas e da crise na educação. Mas para tal suas
principais asseverações precisam primeiramente passar pelo crivo da crítica para
que o valor de seu trabalho apareça.

Para tanto, intencionalmente nos deteremos de agora em diante na origem do


fazer história, seu desenvolvimento, suas crises, desde o período mais remoto,
pertencente ao Paradigma Antigo. Não retrocederemos ao homem das cavernas,
mas sim ao período dos gregos, os quais eram bastante desenvolvidos para sua
época na questão cultural. Tirando os aedos, que eram mais boêmios do que de fato
historiadores, desde cedo homens se puseram em busca de um jeito de narrar os
acontecimentos históricos de uma forma que explicasse o desenrolar da vida.
Conquistando a Grécia, foi a vez dos romanos de narrar as guerras em busca de
explicações e narrativas verídicas. Com o surgimento do cristianismo, uma nova
roupagem foi dada à história, que agora teria um fim escatológico, tendo Santo
Agostinho como seu principal expoente.

Mas no Paradigma Moderno, com o renascimento, floresce uma outra história:


a secularizada. Filósofos se intrometem no fazer história, iluministas contam-na
através do crivo da razão, o que culmina na Escola Metódica, tendo como principal
expoente Ranke. Mas nem ela escapa da crítica. Surge, então, a Escola de Annales
com um novo espírito para contar a história de tudo e de todos. Mas os marxistas
ainda querem complementar tal narrativa, enfatizando a história dos oprimidos, da
luta de classes sociais.

Inaugurando o Paradigma Pós-moderno, a Nova Escola liderada por Le Goff e


Piere Nora interpreta o tempo de uma forma nova, encontra base documental nas
crenças populares, relatos, entrevistas orais. Tudo vira história.

9
Depois de acompanhar o desenvolvimento da história ao longo da história
voltamos a deter nosso olhar para a Escola Metódica. Comparando-a com as
escolas rivais ou complementares e com as outras ciências, surgem algumas
questões que a própria Escola Metódica debate e coloca como pontos principais de
seu fazer história. Primeiro aparece a questão da história vista como ciência. Afinal
de contas, o seu método e seu conteúdo são ou não dignos de confiança como as
demais ciências? Porque ela seria ou talvez não uma ciência, e se não for, o que ela
é então? É poesia, é uma arte? O que lhe falta para ser considerada ciência? Se for
ciência, que tipo de ciência, já que não pode ser do mesmo tipo das demais. Porque
é tão importante para a história ser considerada uma ciência, disso depende sua
confiabilidade?

Também consta no conteúdo das discussões da Escola Metódica sua busca


por uma história objetiva, isenta de julgamentos e interpretações do historiador. Mas
seria possível uma eliminação total da pessoa do historiador no momento dele
escrever a história? Vai de fato se afastar tanto a ponto de não interferir em nenhum
ponto da história, que agora é “sua história”? A história precisa e pode ser, portanto
objetiva, deixando a subjetividade totalmente de lado? Qual seria essa relação entre
a objetividade e a subjetividade no campo da história? Por isso a atitude da Escola
metódica de se afastar da Filosofia da História, já que rejeita toda e qualquer
especulação sobre as informações contidas nos documentos oficiais. Mas a filosofia
não poderia lançar luz sobre trechos obscuros da história?

Esses são os pontos que marcam o itinerário desta pesquisa, no fim da qual
esperamos traçar uma conclusão para ter alguma resposta para essas indagações
que constantemente se fazem presentes no momento de planejar e elaborar o
conteúdo e o material das disciplinas históricas.

10
CAPÍTULO 1

A HISTÓRIA ANTES DA ESCOLA METÓDICA

Deseja-se contemplar a história da história por um motivo muito simples. É que


se tenciona compreendê-la de uma forma satisfatória, tomar consciência de suas
nuances e acompanhar suas evoluções. Isto nos ajudará a mirar e nomear os
objetivos a alcançar, a indicar por onde vamos andar, aonde queremos chegar.
Demonstrará o que a história já foi, as crises pelas quais já passou, os avanços,
desafios enfrentados, ganhos e perdas (CHAUNU, 1976). Daqui já podemos
visualizar o grau de dificuldade que sente quem busca compreender bem a História,
pois não basta saber tudo sobre alguns fatos isolados, pois perdem parte de seu
sentido. Também não basta cavar profundamente um paradigma histórico sem saber
quase nada sobre os demais, pois mesmo que se acredite na superação de um
paradigma por outros, ainda assim eles se complementam, lançam luz a sua volta.
Bem disse Borges, “Para se compreender satisfatoriamente a história como hoje ela
se configura, é preciso se recapitular sua origem e sua evolução. Somente a história
da história pode nos fazer compreender como hoje ela se apresenta” (1981, p. 18). E
isso significa retroceder, e muito, no tempo e no espaço do ser humano que sempre
está em busca do conhecimento das origens, das causas e de sua própria razão de
ser, de existir.

11
1.1 O Paradigma Antigo

1.1.1 Na Grécia Antiga

Muito antes de se fazer a combinação da escrita fenícia com a grega e propiciar


uma comunicação mais abrangente entre os seres humanos através do alfabeto
resultante, os aedos gregos já compunham e sabiam de cor muitas e longas
canções. Aedo em grego antigo significa “cantor”; os aedos eram os poetas que,
antes da invenção do alfabeto, praticavam o culto da deusa Memória e das musas e
recebiam dessas divindades o dom de compor canções ao som da lira. Mais tarde,
com a divulgação do alfabeto, essas canções foram escritas e os aedos
desapareceram, e aos poucos se deixou de cultuar a deusa Memória. Mas é
daquela época remota que nos chegaram, entre outras canções, a Ilíada e a
Odisséia, cujo autor os gregos acreditavam ter sido Homero, um aedo da rica região
da Jônia, Ásia Menor, no século 8 a. C.

Contemporâneo de Homero, outro aedo chamado Hesíodo, que viveu na Beócia,


região norte da Grécia continental, transmitiu-nos também importantes canções.
Hesíodo e Homero estão nos umbrais da história grega, pois é a partir da época em
que viveram que se divulgou mais intensamente o uso da escrita na Grécia. Mas foi
como aedos (e não como escritores) que eles compuseram suas canções:
inspirados pelas deusas musas, guiados pela deusa Memória, e servindo-se de
técnicas de composição oral que durante séculos foram transmitidas de geração a
geração. Uma das canções de Hesíodo conta-nos como o mundo surgiu a partir dos
primeiros deuses, dos amores e das lutas entre os deuses. Os mestres-escolas da
Grécia clássica chamaram essa canção de Hesíodo de Teogonia, que em grego
significa “nascimento de deus” ou “dos deuses”. Esse nome teve tanto sucesso que
até hoje essa canção é chamada assim. Os mestres-escolas gregos utilizavam-na
para ensinar a ler e escrever: eles faziam leves marcas de letras em uma tabuinha
de cera mole e mandavam a criança reforçar as marcas, tornando as letras bem
visíveis, e depois explicavam o sentido dos versos (TORRANO, 2008, p. 2).

EM VERDADE, no princípio houve Caos, mas depois veio Gaia (Terra)


de amplos seios, base segura para sempre oferecida a todos os seres
12
vivos, [para todos os Imortais, donos dos cimos do Olimpo nevado, e o
Tártaro (Abismo) brumoso, no fundo da Terra de grandes sulcos] e
Eros, o mais belo entre os deuses imortais, o persuasivo que, no
coração de todos os deuses e homens, transtorna o juízo e o prudente
pensamento.
De Caos nasceram Érebo (Treva) e a negra Noite. E da Noite, por sua
vez saíram Éter e Dia [que ela concebeu e deu à luz unida por amor a
seu irmão Érebo.] Gaia logo deu à luz um ser igual a ela própria,
capaz de cobri-la inteiramente - Urano (Céu constelado) que devia
oferecer aos deuses bem-aventurados uma base segura sempre. Ela
pôs também no mundo os altos Montes, agradável morada das Ninfas,
habitantes de montanhas e vales. Ela deu à luz também Ponto (Mar)
de furiosas ondas sem ajuda do terno amor (CERQUEIRA & LYRA,
1996, p.1).

É nesse período que fica muito claro a busca pelas origens, a vontade de
conhecer a origem do ser humano, de explicar a relação do mundo com os deuses.
Mesmo não tendo métodos mais aprimorados ou ditos científicos, sempre houve
uma tentativa de buscar, pela viagem ao passado, as explicações para o presente. A
resposta não estava no aqui e agora, mas naquilo que já foi, sendo necessário
revisitar o passado para entender o presente. Verdade ou não, o passado se tornava
uma chave poderosa para se obter o sucesso no futuro, para se viver uma vida mais
completa.

Para fazer frente a esse costume os gregos do século VI e V a.C. viviam em


um momento onde a filosofia e as ciências antigas despertavam. Neste contexto
criaram os escritos em prosa, uma nova maneira de descrever as origens, por isso
foram denominados de logógrafos. Coletando as informações sobre a origem do
mundo grego na tradição oral, na poesia épica, nos costumes locais, buscavam uma
maior racionalidade e a fuga do mito presente nos poemas e canções populares.
Aqui nós já temos uma intenção de utilizar certa metodologia mais apurada, que
pudesse passar por certa crítica. Hecateu de Mileto (540-476 a.C.) ficou conhecido
pelos seus mapas que aperfeiçoaram os de Anaximandro e pela busca sincera do
real. Como historiador, elaborou genealogias de famílias que argumentavam ter um
herói ou um deus como ancestral. As únicas palavras que sobraram de Hecateu
demonstram sua postura crítica: “Escrevo o que creio ser verdadeiro; pois as
palavras dos gregos são pelo que me parece numerosas e ridículas” (TÉTART,
2000, p. 12). Alguém já fazia frente à narrativa desordenada sem critérios e sem
método. Era um desenvolvimento, embora pequeno, mas importante da história.

13
Hecateu foi seguido por Heródoto de Carnasso (490-425 a.C.), denominado
mais tarde por Cícero de “pai da história” exatamente por ter dado à história uma
configuração mais investigativa. Baseando-se em depoimentos orais escritos,
esforça-se em reconstituir a cadeia dos acontecimentos históricos bem como decifrar
o enigma das causas naturais. Com isso dá origem ao gênero da história factual
detalhada voltada às guerras. Seu intento é evitar com que “o tempo não apague os
trabalhos dos homens e que os grandes atos realizados seja pelos gregos, seja
pelos bárbaros, não caiam no esquecimento”. Fazendo a narrativa dos eventos
longíncuos, procura distanciar-se dos fatos imaginários, embora não consegue
realizar isso de forma plena. Ao mesmo tempo procura descrever os fatos dos quais
é testemunha ocular e que acredita ser digno de nota. Para isso faz uso do juízo de
historiador, escolhendo narrativas em detrimento de outras (SERRA, 2002, p. 2-
6). Sua única obra conhecida tem por título “Histórias” que provavelmente foi escrita
durante a guerra do Peloponeso que começa com as seguintes palavras:

Heródoto de Halicarnasso, suas investigações são nesse ponto


registradas para preservar a memória do passado assentando as
surpreendentes conquistas tanto nossas quanto de outros povos; e
mais particularmente para mostrar como elas entraram em conflito (
HUGHES-WARRINGTON, 2004, p. 184).

Assim ele demonstra seu desejo de investigação desde o início, propondo


demonstrar padrões de desenvolvimento e declínio ao longo da história. Alguns
questionam a veracidade dos fatos descritos por ele, inclusive perguntam se ele foi
pai da história ou foi mais pai da mentira por constar em suas narrativas relatos
sobre formigas gigantes, ovelhas com caudas gigantes e serpentes voadoras. De
fato ele tinha uma queda pelo maravilhoso e seu respeito pelas evidências
oraculares, como ele mesmo comentou que

Não posso negar que há verdade nas profecias, e de forma alguma


sinto o desejo de desconsiderá-las quando elas são expressas em
uma linguagem sem ambiguidades (HUGHES-WARRINGTON, 2004,
p.188).

Mas também transparece que ele não as tinha como fonte infalível, pois muitas
vezes rejeitou certos relatos e depoimentos por não os considerar dignos de crédito.
Assim, foi visto como ambivalente pelos historiadores que vieram após ele, inclusive
na Renascença.

14
Tucídides (460-396 a.C.) se esforça para não ficar na mera compilação de
fatos e se inclina em direção ao conhecimento mais científico, busca uma razão
mais verdadeira. Contemporâneo e ator da Guerra do Peloponeso, critica as fontes,
restabelece os fatos, organiza-os após cuidadosa análise. Aqui temos um método
crítico ainda em forma fetal, mas “dá já provas o discurso histórico de Tucídides,
distanciando-se em relação a um passado longínquo demais para que se possa
atingi-lo a não ser sob a forma mítica (...). Preocupação com a verdade no
estabelecimento dos fatos, exigência de clareza no enunciado das mudanças que se
produzem durante a vida das cidades. (VERNANT apud TÉTART, 2000, p. 15). É
portanto mais observador, exercita mais o juízo levando em consideração para isso
o todo ao invés do singular, embora seus escritos não estão isentos da contribuição
individual do autor, de seus pontos de vista, de suas deficiências.

Em Políbio (205-120 a.C.) temos uma busca incessante para entender a


conquista do mundo pelos romanos nos séculos III e II. Considerava “pueril, não só
tudo o que se afasta de um princípio lógico, mas também o que está fora do
possível”. Elabora então uma problemática, busca a causa e elabora sua
demonstração, obrigando o historiador a abordar todas as questões, recusar as
aparências enganosas e a parcialidade. Chega a destacar as razões da decadência
grega para explicar melhor a velocidade da conquista romana, adotando o
racionalismo com mais intensidade que seus predecessores (TÉTART, 2000, p 17.).
Já é uma história que explica, busca as causas, enumera as consequências,
demonstra uma trajetória racional, puramente humana, sem interferência dos
deuses.

Para os gregos as canções do aedos foram um prato cheio, isso prova que a
desmitologização não foi praticada somente pelos teólogos liberais do século XX ao
procurar limpar as narrativas bíblicas dos exageros da época. Há todo um
movimento, todo um esforço em se aprimorar o que já se tinha em mãos e, para
isso, uma postura crítica é tomada em contrapartida à postura poética à base de
álcool. A razão versus a imaginação ingênua formava o quadro do embate que hoje
se apresenta de barbas longas, antes navegando no rio Reno, hoje na Internet.
Muda-se o nome do rio, mas o embate é o mesmo, sempre contínuo, presente na
sala de aula. Nisto está a beleza daquilo que já possui tons grisalhos, que não se
15
movimenta mais com as próprias pernas e que não fala mais com suas próprias
palavras. Aí está o papel do professor: ser a voz do que já não fala sozinho,
fazendo-o chegar até os alunos, demonstrando a beleza e a sabedoria do que era e
já não é mais.

1.1.2 Em Roma

A historiografia romana foi impedida de surgir antes do terceiro século a.C. por
causa do domínio da cultura grega sobre a romana, pobreza de arquivos,
desaparecimento de documentos por causa das guerras constantes e porque a
própria idéia de um império leva muito tempo para aflorar. Iniciada então pelos assim
chamados analistas, que são freqüentemente medíocres em suas obras por terem
um sentimento utilitário. Pouco preocupados com a crítica das fontes do passado,
realizam uma compilação cronológica esclarecida, recorrendo aos cantos
apresentados em banquetes, calendários antigos, listas de sacerdotes. Pode-se
dizer que houve certo retrocesso no fazer histórico, o qual era guiado puramente por
uma ideologia dominante. O importante era dar respaldo às práticas da elite sem se
importar se era verdade ou não, ou sem querer levantar novos fatos, ou colocar algo
diante da crítica.

Já no século II a. C. há um esforço para estudar as instituições e os quadros


cronológicos. Como resultado disso, no século seguinte começa-se a construir uma
história onde Roma é o ator principal. A busca pelas origens distantes perde força e
cede espaço à memória da política e dos movimentos militares de Roma. Em Cícero
(106-43 a.C.) a eloqüência e a retórica são ferramentas para o historiador exaltar a
nação romana. É uma história altamente nacionalista, e por isso carregada de
exageros e imaginações sobre a grande nação romana. Aqui falta a crítica das
fontes, a fidelidade aos fatos e a rigorosidade metodológica, dificultando a aceitação
de toda a história produzida nesses moldes.

Com Tito Lívio (59 a. C. – 17 d.C.) a história deu “atenção à vida, aos
costumes, aos homens, aos meios pelos quais, interna ou externamente, o império
cresceu (...) embora sem método, porque o importante era dar atenção aos
exemplos na história a serem seguidos, aproximando a história de um sermão
16
(TÉTART, 2000, p. 25). Não podemos dizer que a história progrediu com essa
prática, já que mesmo falando do singular, o sujeito que importava era o que fazia o
império progredir, o grande personagem, e não o homem comum, que tinha pouca
importância.

Tácito (56 d.C. -117 d.C) de estilo apologético se esforça para pensar o
assunto e por isso mostra-se como “um dos maiores historiadores da época por sua
penetração psicológica dos motivos humanos e por sua análise equilibrada dos
grandes acontecimentos” (TÉTART, 2000, p. 27). Suetônio (70-122 d.C.) segue no
mesmo caminho e elabora uma enciclopédia de exemplos ilustres e multiplica as
fontes de informação, guardando atas senatoriais e documentos genealógicos. Este
junto com Plutarco (46-120 d.C.) estabelece um método biográfico que será utilizado
como modelo na Idade Média. De tendência moralizadora, explica os tempos
passados pelas qualidades das pessoas, buscando satisfazer um imediatismo: evitar
o enfraquecimento de Roma.

Os historiadores romanos criaram um discurso específico do passado, que


buscava uma uniformidade, mas também demonstra suas peculiaridades distintas
de acordo com as circunstâncias de suas próprias realidades. Por isso era uma
história muito carregada de um nacionalismo, onde o elemento subjetivo estava
muito presente e ativo na construção da história, bem como dos fatos que a
compunham. Disso resultou uma história muito parcial, interessante, que é repetida
ainda assim nos dias de hoje: o Grande Império Romano, a Grande Roma. Isto
demonstra a falta de crítica às fontes por parte dos historiadores modernos.

Os romanos também não ficaram para trás nessa busca incessante por
respostas, não se contentando em ficar ouvindo lorotas nas festas de banquetes
regadas a muito vinho que, embora delicioso para o paladar, era tortuoso para o
raciocínio. Fazendo uso da crítica chegaram a um método mais apologético,
psicológico, mas moralista. Hoje não é diferente, porque se tiramos exemplo de fatos
históricos para nossa vida moralizamos a História, o que também não é ruim, já que
encontramos mais uma utilidade para a História em sala de aula, mais uma

17
contribuição para a educação do aluno, já que além de conhecimento desejamos
que ele aprenda a colocar em prática as informações recebidas.

1.1.3 A História Cristã

Neste período foi relegado à história um papel secundário, de pouca


curiosidade intelectual, já que cabia a ela cumprir com sua função de ajudar a
explicar e justificar a religião cristã. O período inicia por Eusébio de Cesaréia (265-
341 d.C.) e segue uma lógica providencialista que, em suma, diz que “graças à
revelação, o cristão possui um fio condutor que lhe permite pensar a totalidade da
história. Sabe que o universo tem uma história que começa na criação, que acabará
no juízo final” (MARROU apud TÉTART, 2000, p. 33).

Seguindo esta lógica surge Santo Agostinho (354-430 d.C.) que escreve sua
obra “Cidade de Deus” para responder à acusação feita aos cristãos de que o
Império Romano estava sucumbindo às invasões bárbaras porque havia
abandonado os deuses romanos. Na obra responde que Deus é o senhor da história
e que, “desde Caim e Abel, sempre houve duas cidades no mundo: a cidade de
Deus (os fiéis) e a cidade dos homens (a sociedade pagã). Embora elas se inter-
relacionem, Deus cuidará para que a cidade de Deus — a igreja — permaneça por
toda a eternidade” (CURTIS, 1991, p.42.)

Do século V ao XII a história reclusou-se nos mosteiros medievais, assumindo


a forma de hagiografias e continuando com o caráter escatológico encontrado em
Santo Agostinho: “o número de navios aumenta, a multidão incontável de
normandos não pára de crescer (...) eles tomam todas as cidades (...) assim se
realiza aproximadamente a ameaça que o senhor proferiu pela boca de seu profeta:
uma praga vinda do norte se espalhará sobre todos os habitantes da terra”. Por isso
a historiografia teve uma forma pobre e muito pouco desenvolvimento
(ERMENTAIRE apud TÉTART, 2000, p.39).

Para Tétart a manutenção da atividade de historiador nesse período se deu


através de Grégoire de Tours (538-594 d.C.) e de Isidoro de Sevilha (562-636 d.C.),

18
os quais apresentam preciosas informações sobre a vida social, política e
institucional de sua época, e registram sua preocupação com a preservação desse
conhecimento, querendo “instruir a posteridade sobre o passado”. Somado isso com
o renascimento carolíngio, a história volta a se politizar. Um exemplo disso é o caso
do monge Paul Diacre (725-799 d.C.), que escreve a história romana e a história do
povo lombardo nas quais apresenta as virtudes nacionais e dinásticas, inaugurando
o renascimento historiográfico. Mesmo assim, as fontes bibliográficas são pobres, o
método resume-se na explicação do trabalho de copistas das obras antigas e ainda
é teológico. (CURTIS 1991, p. 93; TÉTART, 2000, p. 40).

Nesse período cristão a História passa novamente e mais intensamente a ser


serva da religião, pois todos os povos que adoram algum deus seja ele uma
divindade desconhecida, um ser conhecido na natureza ou simplesmente a razão
pura, sempre se utilizaram dela para narrar ou comprovar a existência e os feitos de
seu deus. É uma História em que o início já vem dado e o fim determinado, bastando
seguir o fio condutor que irá guiar o ser humano pensante na caminhada em meio
aos extremos já dados. É uma questão de interpretação, pois a História precisa ser
encontrada, narrada para que os fatos sejam interpretados à luz da verdade já posta
por antecedência: Deus criou o mundo e este caminha em direção a um fim
escatológico onde todas as coisas cooperam para este fim, culminam nele.
Novamente há riqueza a ser explorada pelo professor em sala de aula, onde o aluno
pode ser guiado por tempos que sem dúvida nenhuma não voltam mais a desfilar
em nosso meio social. Ficar sem ele significa perder e muito a trajetória da
construção da sociedade pós-moderna, cristã e capitalista.

1.1.4 O Início de uma História Secularizada: séculos XII-XV

A Idade Média é um tempo em que se “vive demais a historia para falar dela”
(CHAUNU apud TÉTART, 2000, p 43). Com a reforma gregoriana surge um clima
novo e mais propício para um pequeno, mas importante, crescimento da arte de se
escrever história. Orderic Vital (1075-1142 d.C.), em sua História Eclesiástica em
sete volumes, declara que “escrevo uma simples história na qual relato os fatos ano
a ano. Não quero esclarecer a vontade divina pela qual tudo acontece (...) a causa

19
das coisas”. Testemunha ocular da primeira cruzada, não iria romper com a
explicação teologizante da história para inaugurar uma nova era historiográfica, mas
havia um esforço sincero dentro da limitação cultural vigente, como declara Le Goff:
Para a maioria das pessoas, mesmo laica, na Idade Média, a
expressão do pensamento ou do sentimento era informada pela
religião, e ordenada para fins religiosos. Mais ainda, todo o
instrumental mental- vocabulário, enquadramento do pensamento,
normas estéticas e morais- era de natureza religiosa, e o “progresso”
a esse respeito será a laicização desses instrumentos da cultura
(apud TÉTART, 2000, p 44).

É então no período das cruzadas que se descobre um novo gênero de


história, ajudado pela defesa dos direitos consuetudinário e o do Estado, em
especial o trabalho dos juízes em arquivar as provas documentais. O espaço e
tempo são ampliados com a busca da terra perdida ha quatro séculos para os
muçulmanos. Juristas, arquivistas, literatos e guerreiros se enquadram ativamente
no processo da humanização da história. A isso se somam as crônicas escritas em
língua vulgar por integrantes das cruzadas, quer por líderes quer por combatentes
comuns, e as escritas por historiadores viajantes sustentados pelas cortes
européias. O Resultado é uma historiografia burguesa, aristocrática, politizada,
divorciada quase de todo da ideologia clerical. Com a proliferação das
universidades, Paris é denominada de “Nova Atenas” e a história também passa a
ter a função de viabilizar um sentimento nacional, instrumento de exaltação de uma
identidade comum (CAIRS, 1982, p. 92).

Como tudo dá muitas voltas, a História não está isenta também desse
movimento. E começa a sair dos mosteiros e viaja juntamente nas Cruzadas em
busca de outros povos, outras conquistas, lutas por territórios e assim se seculariza
novamente, servindo aos juízes, ao comércio burguês, ao desenvolvimento da Nova
Atenas em Paris. É uma nova época que se principia e estabelece novas relações
entre pessoas e saberes, novos caminhos com novas soluções para velhos temas e
problemas já anteriormente colocados à mesa. É uma mudança que não pode
passar despercebida pelo professor de História, pois daqui em diante a
secularização será cada vez mais acentuada e culminará na Modernidade, no
cientificismo triunfante.

20
1.1.5 No Renascimento

Com essas transformações políticas, religiosas, mentais e técnicas do século


XVI e seu espírito renascentista a história recebe um novo fôlego. Três novos
conceitos emergem sob a égide desse espírito inovador. O primeiro está presente
em François Hotman (1524-1590 d.C.), o qual procura determinar a verdadeira
natureza do poder através de uma história-problema. Segue-se a relatividade em
Jean Bodin (1530-1596 d.C.), o qual procura provar a instabilidade, a relatividade de
todas as coisas, leis novas, costumes novos, instituições novas, ritos novos nascem
(TETART, 2000, p 59). Para completar o quadro, Henri Lancelot (1541-1608 d.C.),
historiador protestante, empreende um esforço no sentido de compreender o todo:

Quais foram as diferenças entre os povos gauleses, romanos e


germanos? Quando e como e por quem a religião cristã entrou, foi
recebida, aumentada, debatida e se manteve na Gália? (...) Porque
leis, costumes, formas de viver, de justiça e política, tanto na paz
como na guerra, esses povos se mantinham sob a deplorável
paciência de nossos velhos pais? (LANCELOT apud TÉTART, 2000,
p.60).

Já no século XVII a história passa a ser vigiada e censurada pela monarquia e


os historiadores são limitados a elogiar os soberanos. Também muda para uma
história literária que busca exaltar o belo e agradar ao leitor.

Com o renascimento surgem novas leis de conhecimento, métodos


inovadores e ousados de pensar e de se fazer História juntamente com a ciência,
não se querendo mais uma História fragmentada, mas o todo da história. A beleza
das narrativas dá o tom dessa totalidade histórica, querendo encontrar as diferenças
entre os povos, debater os problemas culturais, o que sem dúvida nenhuma tem um
lugar garantido na pauta das aulas de História hodiernas. É na análise do diferente
que reside a oportunidade de crescer, de ser mais, e isso precisa ser exposto ao
aluno, que muitas vezes vem para a sala com uma atitude utilitarista e imediatista
inculcada por uma sociedade que transmite tais valores equivocados. É tarefa do
professor trabalhar para que isso seja revertido, ou pelo menos atenuado.

21
1.2 A História no Paradigma Moderno

É inquestionável o fato de que a história carrega, em seu interior, as nuances


antropológicas de seu período, pois coexistem o objeto e o ser consciente num
processo de interação. Daí resulta que não é uma caminhada unívoca, mas sim uma
correlação de forças, eventos e entendimentos. Obtém-se como resultado todo um
emaranhado de pensamentos, questionamentos e afirmações que, eliminando as
divagações, desponta e aponta para a grande era a sua frente, buscando eliminar as
incertezas e apoderar-se de mais certezas. Para isso é preciso pensar para fazer
destoar o pensamento dos opositores, quer iluministas, enciclopedistas, positivistas,
filósofos da história, historiadores da filosofia positiva. Eis aí, então, que se forma o
quadro originário da escola histórica denominada positivista ou metódica. Um quadro
de confronto entre idéias e métodos no alvorecer do século das luzes. Deus não
está mais tanto presente, ademais se opta por deixá-lo mais a distância da ciência,
ou, como podemos dizer, Deus no céu e a ciência na terra. Portanto, a história não
pode mais ser explicada do ponto de vista teológico, o qual apontava o curso da
história como tendo um fim escatológico onde Deus então seria a origem e o fim de
todas as coisas, de todos os eventos. Disso resulta uma busca por um método mais
aprimorado para se fazer a narrativa da história, culminando no positivismo. Mas até
chegar aí é uma longa caminhada, que passa pela crise do iluminismo.

1.2.1 No Século das Luzes

Os historiadores instituem a providência racional rejeitando as crenças e o


providencialismo cristão que teve suas origens no segundo e terceiro séculos d.C,
período em que a igreja cristã exprimiu sua autoconsciência na forma literária dos
Pais Apologistas e dos Pais Polemistas1. Estes, juntamente com os Pais Apostólicos
do quarto século, foram os líderes do cristianismo da época. O primeiro grupo
procurava convencer os dirigentes do estado romano de que os cristãos não eram
seus inimigos e o segundo fez frente aos movimentos heréticos dentro da Igreja. O
último escreveu exclusivamente para o ensino dos cristãos (BENOIT, 1966).
Fazendo um apelo racional, eram mais filósofos do que teólogos. Apontavam o

1
Os Pais Apologistas, Polemistas e Apostólicos foram os líderes cristãos que exerceram grande liderança nos
primeiros quatro séculos depois de Cristo.
22
cristianismo como a religião e a filosofia mais antigas, que antecederam as guerras
troianas e o pensamento grego. Viam na filosofia grega uma forma de levar as
pessoas a Cristo (CAIRNS, 1995). Contra os romanos era preciso convencer o
imperador do direito de legalização à prática do cristianismo dentro do Império. E
contra os filósofos tidos por pagãos a tarefa dos apologistas era a de apresentar a
religião cristã como uma verdade total, à diferença dos erros ou verdades parciais
presentes, segundo estes autores, na filosofia helenística (FRANGIOTTI, 1992).

Apesar disso, a educação praticada nesta época era feita, principalmente, nos
moldes das escolas filosóficas dominantes no período greco-romano, especialmente
das escolas estóicas e platônicas. Uma vez que a maioria dos apologistas eram
homens cultos, eles se haviam formado dentro dos padrões da filosofia pagã. Desse
modo seu discurso apoiava-se na filosofia antiga, tanto a perspectiva dos
argumentos utilizados em defesa do cristianismo quanto na tentativa de conciliar sua
mensagem com as verdades presentes naquela filosofia (HAMMAN, 1977).
Acreditavam que se as verdades da filosofia pagã são verdades parciais somente o
cristianismo poderia resgatá-las, integrando-as em um sistema completo e regido
pela verdade suprema da revelação. Uma das formas de diálogo entre as culturas se
dá através do método alegórico, usado para interpretar a Bíblia e empregado por
filósofos gregos na interpretação dos mitos e poemas de Homero. Orígenes fez um
esforço em conciliar a filosofia grega com o cristianismo, retirando elementos da
verdade para demonstrar que no cristianismo encontram sua unidade, seu
coroamento. Dessa forma reconhecia que Platão e outros filósofos, como também
os poetas gregos, enunciavam muitas idéias verdadeiras concernentes a Deus. Para
ele, fé e razão podiam ser conciliados, pois a filosofia poderia prestar relevantes
serviços ao cristão. O céu seria a verdadeira pátria do filósofo cristão. Orígenes
também tomou emprestado da filosofia grega a tricotomia platônica, a soma, a
psiché e a nous. Assim como Platão, Orígenes não queria apenas um corpo de
doutrinas a ser simplesmente resguardado e transmitido, mas um conhecimento vivo
e dinâmico. O Belo em si e por si, um Bom, um Grande intemporal, real e eterno que
Platão buscava, para Orígenes estava em Jesus Cristo (BERKHOF, 1992;
ALTANER, 1988).

23
Os iluministas, na tentativa de afastar-se dessa interpretação providencialista,
agora direcionam a fé para um novo alvo: o ser humano. Surgem, portanto, os
filósofos-historiadores, que interpretam a história como tendo um papel filosófico e
depois social. Com isso busca-se um sentido para a história, utilizada como guia
político racional. Sua finalidade não é compilar os acontecimentos, nem acumular
documentos, mas sim procurar explicações racionais para os acontecimentos do
presente, propor uma reflexão sobre o futuro, oferecer aos homens o domínio sobre
seus destinos guiando-os através do conhecimento do passado. Para Rousseau a
história torna-se subversiva (TÉTART, 2000, p.71).
Surge Montesquieu procurando hierarquizar as causas e identificar as leis.
Voltaire quer descobrir o significado da história e escrever uma história total. Assim
os enciclopedistas encontram o sentido pedagógico e cívico da história:

Se o homem pode predizer com segurança quase total os fenômenos


cujas leis conhece; se, mesmo quando elas lhe são desconhecidas,
ele pode, segundo a experiência do passado, prever com grande
probabilidade os acontecimentos do futuro; por que se consideraria
quimérica uma história que traça, com alguma verossimilhança, o
quadro dos destinos futuros da espécie humana segundo os
resultados de sua história? (CONDORCET apud TÉTART, 2000,
p.77).

Aparece então a história como fato social crítico, que critica a escravidão, o
absolutismo, o colonialismo, o despotismo monárquico e religioso. Estabelece-se
uma noção de vida social onde a história teria um lugar privilegiado para mostrar o
sentido da existência social, base da Revolução Francesa. Mas a história ainda não
era vista como uma ciência, pois nos moldes iluministas ela está carregada de
elementos especulativos, filosóficos. Então surge uma escola histórica que se
propõe a eliminar tais resquícios da história, ficando apenas com os fatos históricos
tal qual aconteceram. Mas isso foi um processo cujo início não configurava um
movimento homogêneo (TÉTART, 2000).

A própria história muitas vezes comete o sacrilégio de diminuir os


conhecimentos manuseados por outros paradigmas, prática muito presente e
aguçada no século das luzes. O próprio título já sugere uma superação das trevas
pelos iluminados, deixando de lado com um movimento brusco de mão o que já não

24
presta mais, como se não dependessem em nada do passado, como tendo
existência própria, nasceram sem a necessidade de pai ou mãe, foram paridos pelo
vento. Essas injustiças parecem ser próprias do espírito humano que muitas vezes
se embriaga com novas descobertas daquilo que não passa de velhos
conhecimentos contemplados por outro ângulo. Todos fazem parte do mesmo
triângulo, embora se posicionem de forma diferente em relação à hipotenusa e
possuam nomenclatura variada, mas estão presentes na soma dos ângulos, quer
internos ou externos. E nenhum ângulo pode dizer que não precisa dos demais, pois
ele está lá não por vontade própria, mas já determinado por uma força maior que
definiu tanto sua existência quanto sua localização no tempo e no espaço. Não tem
essa de querer descartar o outro, até porque tratamento igual lhe será dado no
futuro, quando ele também fará parte do passado, das idéias e dos paradigmas
suplantados, cobertos de mofo.

Aí reside novamente a tarefa árdua do educador em alertar seus discípulos


sobre tais descaminhos do conhecimento histórico. Não se estuda história apenas
para desmerecer o outro, para ver quanto era ridículo, contemplar a fraqueza do
pensamento de outros tempos e de outros paradigmas para ver o quanto somos
bons hoje, o quanto crescemos no conhecimento. Olhamos para outros paradigmas
porque eles ainda e também nos ensinam coisas que nem a própria pós-
modernidade pode nos ensinar, pois já está “em outra”, preocupada com questões
viciadas pelo novo, moderno, num mundo que tem valores e um ritmo ditado por
outra ciência. É a ciência da produtividade capitalista, onde quem e o que produz
mais subsiste, o demais é escanteado por não ser totalmente bom, capaz, como se
o novo realmente assim o fosse.

25
CAPÍTULO 2

AS PRETENSÕES DA ESCOLA METÓDICA

No início do período da escola metódica ou positivista foram frisadas as


paixões literárias e políticas. É uma história descritiva, oposta ao gênero filosófico,
que cumpre o papel de um compilador esclarecido:

A história deve ser escrita sem reflexão; deve consistir na simples


narrativa dos acontecimentos e na pintura dos costumes; deve
apresentar um quadro ingênuo, variado, cheio de episódios (...), não
se deve olhar [os personagens] através de nossas próprias opiniões
(CHATEAUBRIAND apud TÉTART, 2000, p.82).

A história está a serviço da política. São historiadores politizados que


representam ou a corrente liberal ou a corrente republicana. Aqueles desejam a
primeira revolução e invocam a história moderna como base para seu intento. Já
estes a utilizam para louvar a revolução como O Acontecimento da história da
França, reinado dos povos e o evangelho dos direitos sociais.

Como os Estados estavam em organização ou em processo de unificação, a


história nacional foi amplamente pesquisada (BORGES, 1982, p 15).

Fustel de Coulanges (1830-1889) defende a busca da objetividade histórica e

da história como ciência e não poesia:

Pôr suas idéias no estudo dos textos e um método subjetivo (...).


Vários pensam que é útil e bom ter preferências, idéias “mestras”
[que dão] à obra mais vida e mais encanto; é o sal que corrige a
insipidez dos fatos. Pensar assim é enganar-se muito sobre a
26
natureza da história. Ela não é uma arte, é uma ciência pura (...), o
melhor historiador é o que mais se atém aos textos (apud TÉTART,
2000, p.94).

Seria o método científico que poderia garantir a objetividade do historiador na


busca pelo entendimento da realidade humana, realidade esta permeada de
simbologias originárias nas criações humanas carregadas de significações que
poderiam comportar uma gama de interpretações igualmente válidas.

Esta não é uma pretensão moderna, pois há uma preocupação explícita com
a verdade desde Políbio, grego e historiador do II século a.C., o qual escreve:

Desde que um homem assume atitude de historiador, tem que


esquecer todas as considerações como o amor aos amigos e o ódio
aos inimigos... Pois assim como os seres vivos se tornam inúteis
quando privados de olhos, também a história da qual foi retirada a
verdade nada mais é do que um conto sem proveito (BORGES, 1980,
p. 19).

Políbio testemunha a ascensão de Roma. Sendo durante 16 anos refém em


Roma, procura saber como, em aproximadamente 50 anos, os romanos se tornam
donos do mundo habitado. (Id. Ib., p. 20).

Na Alemanha surge uma escola científica representada por Leopold Ranke,


cuja pretensão se apresenta na sua afirmação de que era necessário narrar os fatos
“como eles realmente se passaram”. Utiliza a crítica histórica, método erudito
desenvolvido na França nos séculos XVI e XVII. Como decorrência sua surge, mais
tarde, o positivismo histórico ou a escola metódica que escreve a história como uma
sucessão da fatos isolados, destacando os feitos políticos de grandes heróis, os
problemas dinásticos, as batalhas, os tratados diplomáticos. Mas não havia
preocupação na interpretação dos fatos, papel relegado à sociologia. Assim, os fatos
eram narrados de forma puramente mecânica e numa relação determinista de
causas e conseqüências (BORGES, 1981, p. 31; REIS, 1990, p. 15).

Não confundir com o positivismo de Auguste Comte que também procurava


um método científico para narrar os fatos históricos, como pode ser lido em Gomes:

27
Dentro da perspectiva de manutenção da ordem, o Positivismo de
Auguste Comte (1798-1857) recomendava a pacífica aplicação dos
métodos científicos e do conhecimento. Sua visão da evolução da
História o aproximava de Condorcet, da qual extraiu referências para
explicar “a marcha progressiva do espírito humano”, como algo
independente que era suficiente para compreender as mudanças. O
estado teológico, o estado metafísico ou abstrato e o estado científico
constituiram-se nos três estados de desenvolvimento intelectual da
humanidade.
A produção de Comte e a postura cientificista, segundo a qual a
ciência era considerada o único conhecimento possível e o método
das ciências da natureza o único válido, devendo ser estendido a
todos os campos da indagação e atividades humanas, não pode ser
separado do contexto da Revolução Industrial em que o advento da
máquina trouxe transformações profundas. Diante dos projetos que
não atendiam a demanda burguesa, Comte defendia a manutenção
da ordem e recomendava que “mulheres e proletários não devem se
converter em doutores”. Assim, no caso do historiador, seu trabalho
deve se pautar por reconhecer leis constantes e necessárias,
portanto invariáveis que regem a sociedade e aplicá-las à
investigação. A História é então uma construção evidenciada pelo
objeto que está contido nas fontes (mediador), analisadas com
extrema dose de rigor, reflexo fiel do passado, extirpado de todo o
fator subjetivo. Em outras palavras, a História é uma seqüência
congelada de estados definitivos( 2005, p.130).

Enquanto Comte expunha suas teorias na França que ficaram conhecidas


como positivismo, Ranke por sua vez se situava na Alemanha e para ser
diferenciado daquele utilizou-se para esse o termo denominado escola metódica.

A concepção filosófica de Ranke, embora sempre aspirando a um


afastamento dela, pode ser enunciada da seguinte maneira: “considerava que a
história era conduzida pelas idéias e que o historiador deveria descobrir as forças
espirituais de que a história era a realização” (REIS, 1990, p. 16). Carregava
lampejos das idéias de Hegel, embora quisesse romper definitivamente com a
filosofia e seu elemento especulativo. Era na objetividade do método histórico de
crítica das fontes que residiam suas principais asseverações metodológicas. A
história, para Ranke, era o local onde o espírito governava, manifestado no indivíduo
e por ele constituído. Essas individualidades possuíam estrutura interna e sentido
que não poderiam ser aplicados a outros elementos como fatos ou eventos
históricos, pois suas características eram pessoais e particulares. Eis o grande
motivo pelo qual o sujeito, que é o historiador, deve se concentrar no objeto, que são
os eventos, expressões máximas dessas individualidades. Eis, portanto, sua função
de historiador: reconstituir os eventos, descrever como se conectam entre eles e

28
com o todo, captando suas tendências, elaborando a narrativa histórica estritamente
através da documentação. Essas expressões seriam possivelmente encontradas no
Estado e em seu fazer rotineiro, limitando a história à base documental oficial escrita
das realizações políticas (REIS, 1990, p.17).

O início da história de Ranke estava nos documentos diplomáticos, e que


seguiria assumindo a forma de uma história do Estado e de suas relações
exteriores. Estava, portanto, interessado na originalidade dos povos, dos indivíduos,
na psicologia individual dos grandes homens políticos. Classificava-se, portanto,
como um conservador, nacionalista que defendia a atual situação da nobreza alemã
(REIS, 1990, p. 15-17).

Recusando-se a ser um historiador-filósofo, Ranke instituiu para si uma


dicotomia entre objetividade/subjetividade que praticamente tornou-se uma posição
solipsista. Apegou-se firmemente a seus princípios de método, como seguem:

(a) o historiador não é juiz do passado, não deve instruir


os contemporâneos, mas apenas dar conta do que realmente se
passou;
(b) não há nenhuma interdependência entre o historiador,
sujeito do conhecimento, e o seu objeto, os eventos históricos
passados. O historiador seria capaz de escapar a todo
condicionamento social, cultural, religioso, filosófico, etc. em sua
relação como objeto, procurando a “neutralidade”;
2
(c) a história - res gestae -, existe em si, objetivamente, e
se oferece através dos documentos;
(d) a tarefa do historiador consiste em reunir um número
significativo de fatos, que são “substâncias” dadas através dos
documentos “purificados”, restituídos à sua autenticidade externa
e interna;
(e) os fatos, extraídos dos documentos rigorosamente
criticados, devem ser organizados em uma sequência cronológica,
na ordem de uma narrativa; toda reflexão teórica é nociva, pois
introduz a especulação filosófica, elementos a priori subjetivistas;
(f) a história-ciência pode atingir a objetividade e
conhecer a verdade histórica objetiva, se o historiador observar as
recomendações anteriores (REIS, 1990, p. 17).

2
O nome Res Gestae significa Ações Realizadas. Foi emprestado de Heródoto (o pai da História),
um grego que viveu no século V a.C. Esse termo também pode ser definido como investigação,
busca, pesquisa, gestão. Pronuncia-se res geste (como em curriculum vitae).

29
Logo, para a história ser científica, era imprescindível que fosse, embora
originária da pessoa de um sujeito cognoscente, um ser da consciência, um ser
epistêmico, mas em contrapartida neutralizado axiologicamente e
epistemologicamente. Estaria fora de cogitação o julgamento e a problematização do
real por ele analisado. Seria a busca da verdade objetiva contida nos fatos em seu
estado bruto, sem recortes, para que não houvesse alguma forma de distorção
subjetiva. Era o período em que a relação com o objeto de conhecimento era
caracterizada pela certeza das coisas, passando longe da alteridade, das incertezas.
Objetivo e experimental, quantitativo e rigoroso, somente o conhecimento positivo
seria capaz de chegar às razões dos fatos. A história muda o olhar, pois deve
observar e examinar, não mais apenas contemplar ou admirar, exercitando muito
mais a razão do que a imaginação (REIS, 1990).

É neste período que a história entra para a universidade como disciplina,


tornando o papel de historiador uma tarefa acadêmica. O conteúdo estudado nessa
academia seriam os fatos possíveis de se narrar, especificamente falando, os
acontecimentos de cunho político, administrativo, diplomático, religioso, os quais
eram entendidos como a engrenagem principal do processo histórico. Esses eventos
eram únicos e isentos de repetição, portanto origem de todas as demais atividades
do ser humano na história. Mas rejeitavam absolutamente o socialismo e sua crítica
social, caindo em uma história que privilegia os fatos burocráticos e, em
contrapartida, solapa os conflitos sociais escamoteando-os, deixando a história livre
de sua presença. Conforme observa Fontana, sua intenção é desprestigiar os
grupos revolucionários e suas movimentações e defender que a história deve ser
uma serva que edifique uma política coesa e sem defeitos. Ainda conforme a
orientação de Ranke, as mudanças que ocorrem na história têm Deus por fator
originário, exatamente o oposto da concepção de progresso contido nas obras de
autores da ilustração. Lembremos que, para Ranke, na forma como Deus instituiu as
coisas, subsistem alguns indivíduos mais importantes do que outros, aparecendo o
rei como o expoente máximo dentre eles. Esse tipo de história acabou por servir
grandemente ao Estado, pois se os cidadãos fossem educados nos moldes desse
espírito nacional, desarticulando as idéias de lutas de classes, estariam prontos para
a obediência em relação ao Estado (REIS, 1990, p. 19).

30
Pelo menos isso é o que pensa o autor acima, já que Ranke não expôs essa
asseveração de forma direta, mas foi assim interpretado por aquele. Se a
interpretação foi enunciada de forma correta, ou se está influenciada pelo viés
marxista, é algo a se pensar. Afinal, onde o autor se cala é melhor o leitor não falar,
ou se falar, como é o caso acima, fazê-lo com muita cautela. Talvez aqui fosse
importante se despir por um momento da ideologia, atitude tão vicejada nos escritos
de Ranke e sua história positiva.

Um fato que deve ser observado é que a história nos moldes positivistas da
Alemanha não é a mesma da que surgiu na França. Os positivistas franceses
seguem princípios um tanto diferentes dos defendidos por Ranke, embora todos
busquem a objetividade do conhecimento histórico. Conforme Reis, Ranke dá eco às
idéias de Hegel, enquanto que na França floresce o positivismo iluminista, de cunho
evolucionista, progressista, anti-revolucionário. Ele foi influenciado principalmente
pela filosofia positivista comteana, daí surge sua interpretação de que o Espírito
perde o papel principal como causa primeira da história, relegando esse lugar ao
povo-nação e os seus dirigentes que administram o Estado. Estes últimos seriam os
“esclarecidos”, por isso sabem o que fazem e a história é, na verdade, aquilo que
esses indivíduos planejaram realizar. É sempre um fim fraterno, buscando uma
sociedade moral, que para isso precisa evoluir e progredir. O que ela fez foi
defender a República, combater a Igreja Católica e anunciar o nacionalismo (REIS,
1990, p.22).

Destacando muito o termo “método”, surgiu um manual dessa ciência


histórica positiva, editado por Langlois e Seignobos. Em sua introdução está bem
retratado, sob forma de advertência, que não pretendia mais ser uma filosofia da
história, mas aspirava ser antimetafísica, uma história positiva:

Propomo-nos a examinar as condições e os procedimentos e indicar o


caráter e os limites do conhecimento histórico. Como chegamos a
saber do passado o que é impossível e o que importa saber? O que é
um documento? Como tratar os documentos com vistas à obra
histórica? Que são os fatos históricos? E como agrupá-los para
construir a obra histórica? Um ensaio sobre o método das ciências
históricas (LANGLOIS & SEINOBOS, apud REIS, 1990, p. 23).

31
Neste trecho do manual percebe-se sua principal intenção: dispensar atenção
à heurística, à pesquisa nos documentos e sua localização; bem como operar de
forma analítica, expondo os documentos à crítica interna e externa; somada a isso
se opera de forma sintética, a fim de que seja elaborada a história, a ordenação dos
fatos, a exposição e a escrita da história. E para que tal intento seja alcançado, é
lançado mão de várias ciências auxiliares, tais como a epigrafia, paleografia,
diplomática, filologia, história literária, arqueologia, numismática e a heráldica. Nisso
podem-se observar os principais traços que transformam a escola positiva em um
corpo coeso de doutrinas. Parte da ênfase do documento que para alguns autores
chega a beirar à adoração, o esforço sempre presente e constante de filtrar o falso e
o verdadeiro, a prudência quanto ao engano sobre as fontes, a indagação de cunho
metódico e sistemático, e a obsessão do fato histórico. Eles são expressos da
seguinte forma por seus autores:

Raciocinamos a partir de certos dados positivos (p.32); substituir, na


aprendizagem do historiador, o estudo dos grandes modelos literários
e filosóficos pelo dos conhecimentos positivos, verdadeiramente
auxiliares das pesquisas históricas, é um grande progresso de data
recente (p.37); neste último estágio, o documento é levado a um ponto
em que se assemelha a uma das operações científicas pelas quais se
constitui uma ciência objetiva: ele se torna uma observação e pode
ser tratado segundo os métodos das ciências positivas (p.47); sem
erudição não há história (p. 90); e a crítica positiva da interpretação
(...) (p.119); a história, para se constituir como ciência (p.228); as
formas científicas da história (p. 263) (LANGLOIS & SEIGNOBOS
apud REIS, 1990, p.24).

Estão em voga os princípios da história com base científica, positivista, a qual


tem sua expressão máxima na primazia do acontecimento como dado, na constante
presença da dúvida, que através da observação e da erudição dispensam os moldes
literários e metafísicos. Esse manual dominou a produção historiográfica francesa
entre 1880 a 1945, surgindo nomes como Fustel de Coulanges, que especializou
mais ainda o método crítico. Introduzindo conceitos de Descartes, afirmava ser a
história uma ciência pura, diferente da arte. Dispensava sua fé somente no
demonstrado e documentalmente comprovado, caindo num dogmatismo, pois
acreditava que a história estaria habilitada a encontrar a verdade objetiva dos fatos.
Afasta-se um pouco do positivismo comteano ao não buscar leis históricas que
pudessem explicar o sentido da história. Queria se sentir seguro ao descrever sua
32
história e para isso se ateve aos fatos e não à intuição, à sua idéia pessoal deles.
Para Fustel a história

Consiste, como todas as ciências, em constatar os fatos, em analisá-


los, em aproximá-los, em estabelecer relações (...) o melhor dos
historiadores é aquele que se mantém o mais próximo possível dos
textos e que os interpreta com a máxima justeza, que só escreve e
só pensa segundo eles (REIS, 1990, p. 25).

Portanto surge o caráter positivo da historiografia positiva de Fustel nos


pressupostos da busca de algo que fale por si, as ciências naturais como modelo de
conhecimento objetivo que tenha por ideal o conhecimento verdadeiro e que tenha
por base a crítica textual norteada pela rigorosidade, dúvida, certeza e verdade.

É em meio a tudo isso que surge a Escola Positivista na Alemanha de Ranke.


Toda carregada de resquícios de sua época, antropologias e filosofias que ora se
complementavam, ora destoavam uma das outras dando as costas e procuravam
por novas companheiras de caminhada. O providencialismo cristão foi o primeiro a
perder muitos amigos, desta vez para o providencialismo racional, o que foi um
retorno à filosofia grega adotada pelos romanos. Um novo paradigma com velhas
filosofias, uma nova interpretação de antigos conceitos que foram forjados em um
período onde a sala de aula era o próprio campo de batalha, onde pensar errado
significava não pensar mais. Cito isso ao me lembrar das guerras que rodeavam os
filósofos gregos, capturados depois pelos romanos e que tanto viveram quanto
morreram por causa de suas filosofias. Mas agora o contexto é outro, essas
filosofias estarão a serviço não mais dos deuses gregos e romanos, nem mais do
cristianismo, mas da razão mesmo. E isso se chama Positivismo Histórico,
determinante para a verdadeira história que conta através dos documentos
encontrados nos palácios reais e salas dos governantes o que de fato aconteceu. Se
essa história é mais verdade do que as anteriores, é outra questão que merece uma
ampla discussão, e sem dúvida nenhuma a resposta não iria agradar muito a um
positivista. Ela conta o que outros fizeram ou deram a impressão de ter feito, o que
outros disseram ou aquilo que o historiador entendeu o que a alteridade disse. Disso
imergem questões intrigantes que nos fazem pensar sobre a possibilidade e a
suficiência de uma história meramente descritiva, sem reflexão, sem interferências

33
do historiador. É uma pérola que o professor de história não pode deixar no fundo
do mar, no interior obscuro de uma concha, mas deve mergulhar no fundo do mar
para resgatar tal preciosidade e trazer à tona, em plena sala de aula discutindo com
o aluno e levando-o a refletir sobre tais possibilidades.

E mesmo que a história contada nos moldes positivistas seja altamente


ideológica e voltada para o poder estabelecido, mesmo que ela procurasse se abster
disso, ela nos ensina e é sem dúvida nenhuma um conhecimento necessário para o
desenvolvimento de nossa cidadania hoje. As decisões dos reis e governadores,
suas guerras, sua vida, tudo isso deve ser buscado nos documentos por ele
guardados, sendo a heurística a principal metodologia utilizada para se escrever
esse tipo de história. Temos ainda documentos antigos que podem ser manuseados
pelos alunos para que aprendam a fazer conhecimento e não apenas recebê-lo
pronto, mastigado por outros, restando a ele apenas a tarefa de engolir a seco o que
lhes foi apresentado. Esse é o exercício que o modelo positivista propicia na hora de
ensinar história em sala de aula, já que é dessas questões que ele trata ao justificar
sua metodologia.

34
CAPÍTULO 3

A HISTÓRIA DEPOIS DA ESCOLA METÓDICA

3.1 Ainda no Paradigma Moderno

3.1.1 O Tempo dos Annales

Em fins dos anos 1920 surge, em torno de uma revista denominada de


Annales, uma série de historiadores que desejam romper com o velho ídolo da
história política factual. Um de seus integrantes, Febvre, comenta sobre a história
metódica também chamada de positivista:

Abro a história da Rússia: czares grotescos saídos de Ubo Roi,


tragédias palacianas, ministros concussionários, burocratas-
papagaios (...). Mas a vida forte, original e profunda desse país; a
vida da floresta e da estepe (...)? Sobre tudo isso que para mim é a
própria história da Rússia, quase nada, nessas 1400 páginas (apud
TÉTART, 2000, p. 65.).

Tudo é então objeto de história e problema. Interessa-se pela história do


cotidiano, da civilização material, das crenças, de tudo o que determina uma cultura,
uma economia, uma sociedade em um determinado tempo ou período.
Cria-se então a história estrutural-funcionalista, na qual a ação humana abandona a
categoria de exemplo para se tornar função, onde a mudança deixa de ser encarada
como um progresso que é sinal de uma evolução contínua e vigora como um
processo de estruturação, desestruturação e reestruturação (REIS, 2001, p. 68;
TÉTART, 2000, p. 70).

35
Os Annales buscam investigar a maneira pela qual se dá o sistema
fundamental de uma sociedade nas dimensões temporal, espacial, humana, social,
econômica, cultural e faz uma tríade entre uma peça e o conjunto, contrariando o
método que busca o antecedente e o conseqüente (STOIANOVITCH apud REIS,
2001, p. 69).

O espírito dos Annales pode ser descrito através de três elementos básicos: a
apreensão da totalidade e da coesão vital dos períodos históricos; a idéia de que a
história é determinada por agentes externos ao ser humano, embora não
completamente neutras como a geografia e o clima ou as tradições intelectuais; e a
firme decisão de praticar um reducionismo quanto ao tema relativo da área de
incompreensão através de uma análise estatística rigorosa. Com isso a História
sairia do seu lugar de isolamento e se tornaria amiga das demais ciências sociais,
conseguindo com isto instaurar uma grande mudança no conhecimento histórico.
Abandonando a história tradicional, passearam pelos terrenos da
interdisciplinaridade antes proibidos para a história, procurando obter uma visão
mais nítida do processo histórico. Aproximaram-se então da sociologia, da geografia,
da economia, da demografia e da psicologia, a fim de olhar o mesmo alvo e obter
uma visão mais totalizante e minuciosa (ROPPER apud REIS, 2001, p.70 ).

Marc Bloch também foi um dos expoentes dos Annales, que inova não muito
na metodologia, mas no enfoque, na escolha dos temas, das histórias a serem
narradas. Criticando a falta de ambição dos historiadores positivistas, cegados pela
crítica aos documentos, diz ele que acabaram por limitar muito o estoque dos
documentos. Deseja e incentiva o uso não exclusivamente de documentos escritos,
mas também das fontes arqueológicas, artísticos e numismáticos. Para Bloch a
história das invasões bárbaras, por exemplo, seria conhecida pelo exame das
crônicas e das cartas, mas também pela arqueologia funerária e pelo estudo dos
nomes locais. Foi graças às descobertas arqueológicas de templos, teatros,
mercados, casas, ruas e praças que alguns historiadores puderam completar sua
obra sobre a história de Roma. Mas Marc Bloch deseja também explorar novos
domínios, alargando o campo da história para diferentes direções e por isso
aproxima-se de Marx para vislumbrar a história sobre o enfoque econômico e para a

36
pré-história, pois é nesse vaivém entre passado e presente que o conhecimento
histórico é enriquecido (BOURDÉ & MARTIN, 2003, pp 124-128).

Outro erudito, Braudel, também se aproxima dessa escola para dar a ela
ainda outra característica, fugindo da história historicizante e aproximando-se da
geografia humana. Com isso realiza a diálogo maior entre a história e a geografia,
fundando uma geo-história que capta a pluralidade das durações do tempo, antes
apenas histórico, agora geográfico, social e individual. Daí resulta três níveis
distintos, onde o primeiro apresenta uma história quase imóvel, é o relato das
relações do homem com o meio em que vive. O segundo nível entra no campo do
estruturalismo por discorrer sobre grupos e agrupamentos, conjunturas sociais e
econômicas. Por último se encontra a história tradicional, o indivíduo e o tempo de
pequena duração, que é tempo de vida do personagem que a história faz a narrativa
(BOURDÉ & MARTIN, 2003, pp 128-132).

3.1.2 Histórias Marxistas e Marxizantes

Cria-se um modelo histórico de materialismo dialético que busca integrar uma


totalidade da história num sistema ideológico. Marx e Engels abandonam o
acontecimento e reduzem a história a uma luta de classes, engendrando um
determinismo onde essa luta, sozinha, faz história (TÉTART, 2001, p. 96). Esse
materialismo histórico de Marx é analisável, observável, objetivável, quantificável,
que não são mais as expressões do espírito (a religião, o Estado, a cultura, a arte,
tratáveis intuitivamente), mas as estruturas econômicas e sociais. Conforme VILAR,
a matéria histórica é estruturada e pensável, cientificamente penetrável como toda
outra realidade (apud REIS, 2001, p. 54). Com isso Marx criou uma teoria geral do
movimento das sociedades humanas, a qual se constituía de um conjunto de
hipóteses a serem submetidas à análise lógica e verificação.

Tais hipóteses se resumem em três definições, sendo que a primeira afirma


que uma transformação histórica depende exclusivamente da produtividade. Ou
seja, se não há uma metamorfose das forças produtivas ocorre uma estabilização do
poder de criação da vida humana, e, se elas se modificam, a totalidade sai do seu

37
ponto de inércia e entra em movimento. A segunda estabelece que a postura ativista
das classes sociais no processo produtivo, a qual denota o movimento da história, é
que irá determiná-las. Por último, o entrelaçamento entre forças produtivas e
relações de produção estabelece o objeto principal da história-ciência, observada
pelo prisma dos conceitos de modo de produção e formação social (REIS, 2001, p.
55).

Como ciência da história, o marxismo coloca o olhar sobre as contradições,


os conflitos sociais, contrariando as teorias históricas anteriores as quais buscavam
a harmonia, a unidade, a continuidade entre as diversas esferas sociais
(HOBSBAWM, 1982 apud REIS, 2001). Logo, o marxismo se coloca como uma das
primeiras teorias estruturais da sociedade, desviando o olhar do evento e trilhando
um caminho da história científica. Agora a verdade de uma sociedade qualquer não
se encontra mais na individualidade ou coletividade em si, no Espírito, mas em uma
estrutura formada por forças produtivas e relações de produção. Como resultado o
ser humano é fazedor de história, se liberta do jugo metafísico e passa de uma
síntese dialética, da continuidade, do evolucionismo para uma ruptura, uma
descontinuidade entre as estruturas históricas e os modos de produção (REIS,
2001).

Adotando um otimismo insuperável, onde “o presente é consumido pelo


futuro, não pela evolução gradual e pacífica, mas pela crise permanente”, Marx
combina a razão prática, a intervenção racional, a intervenção crítica e teórica-
prática do ser humano no mundo social. Assim ele deixa rastros do pensamento
iluminista revolucionário e especialmente do idealismo alemão de Kant e Fichte.

O marxismo leva o historiador a tomar posição frente à história, a fim de


conhecer as razões dos grupos em que a sociedade é constituída. Isso o leva a
asseverar que “a parcialidade a favor da classe revolucionária corresponderia à
objetividade no conhecimento social e histórico”. Para Marx isso se deve ao fato da
classe revolucionária ser mais transparente quanto às questões das divisões da
realidade, dos processos sociais, porque deseja ardentemente expor sua qualidade
de contraditório, de tensão, de divergência (BORGES, 1981).

38
O marxismo instala um novo método de análise da realidade. Marx

Entende que todos os conceitos devem ser suficientemente concretos


do ponto de vista de sua aplicação em situações históricas concretas.
Assim, busca estabelecer um nexo lógico entre todas as categorias
abstratas e sua utilização como categorias históricas. A relação entre
um conceito que tenha aplicabilidade real e um conceito sem
funcionalidade, cuja razão de ser é meramente ideológica, pois
acoberta as contradições da realidade social (GRIN, 1997, p 109).

Com um caráter duplo que se alterna entre o histórico e o dialético Marx situa-
se no materialismo histórico e com isso afirma seu caráter de classe e estabelece
seus limites históricos. Traça a formação de consciência do proletariado sobre o
monopólio da informação da classe dominadora e com isso busca formar a sua
própria história, através do processo científico e do conhecimento da estrutura
econômica construir e desenvolver a nova vida em sociedade (JORDAN, 1997,
p.111).

Para Marx “o modo de produção da vida material condiciona o processo de


vida social, política e intelectual em geral”, frase que tipifica seu materialismo
histórico que por sua vez ora aponta para um determinismo social que elimina toda
decisão do ser humano em suas relações sociais, ora evita cair em tal determinismo
introduzindo o conceito de práxis na prática social, onde o ser humano precisa
empenhar-se no processo de mudança ( BOURDÉ & MARTIN, 2003, p.158 )

3.1.3 As Filosofias da História

Foi somente no século XVIII e influenciada pelo período das Luzes que uma
filosofia da história surgiu, fruto da indagação de filósofos diante da história. Kant, o
primeiro deles, mistura uma teleologia herdada de sua tradição cristã e uma reflexão
filosófica comum da era das Luzes. Em sua obra “Conjecturas sobre os inícios da
história humana” ele comenta:

A história da natureza começa pelo bem, porque ela é obra de Deus;


a história da liberdade começa pelo mal, porque ela é obra do
homem. No que respeita ao indivíduo que, fazendo uso da sua
liberdade, só pensa em si mesmo, houve perda desta por altura desta

39
mudança. No que respeita à natureza, preocupada em orientar o fim
que reserva ao homem tendo em vista a sua espécie, foi um ganho.
O indivíduo ter portanto razão em inscrever à sua conta como seu
próprio erro todos os males que sofre...mas, ao mesmo tempo, como
membro de sua espécie, tem razão para admirar a sabedoria da
ordenação. (BOURDÉ & MARTIN, 2003, p. 45).

Com isso Kant inaugura uma filosofia da história onde busca uma história
universal, fato claramente visto no título de uma de suas obras nomeada de “A Idéia
de uma História Universal sob um ponto de vista cosmopolítico”.

Hegel segue fazendo uma filosofia da história ao buscar encontrar as “Lições


sobre a Filosofia da História”, na qual encontra o realismo da Antiguidade, o
nominalismo da Idade Média, culminando num idealismo absoluto entre o sujeito e o
objeto, entre o conhecer e o ser:

O espírito tem justamente em si mesmo o seu centro; não há


unidade fora dele mas encontrou-a, está em si e consigo...O espírito
sabe-se a si mesmo; é o julgamento da sua própria natureza; é
também a atividade pela qual vota a si, se produz assim, se faz o que
é em si. Segundo esta definição, pode dizer-se da história universal
que é a representação do espírito no seu esforço para adquirir o
saber daquilo que é... Devemos procurar na história um objetivo
universal, o objetivo final do mundo, não um objetivo particular do
espírito subjetivo ou do sentimento humano. Devemos compreendê-lo
com a razão porque a razão não pode ter interesse em nenhum
objetivo acabado particular, mas apenas no objetivo absoluto
(BOURDÉ & MARTIN, 2003, p. 49).

Com isso Hegel introduz temos novos no estudo da história, como a


dimensão da temporalidade, de um plano escondido até então invisível à
consciência humana, de uma astúcia da Razão onde tudo culmina no Estado
moderno, este encarna a moral, a liberdade e a razão sendo a forma última do
progresso.

Fora da Alemanha a Filosofia da História também ganha o seu lugar ao ser


explorado por Toynbee na Inglaterra, nos tempos da Primeira Guerra Mundial.
Contestou a escola francesa de história, tanto o positivismo comteano como os
seguidores dos Annales e por isso foi duramente criticado durante sua vida por
muitos historiadores profissionais e ainda o é nos dias atuais. Para ele os
historiadores se contentavam com vistas puramente parciais e o que importa é a
visão do todo, pois no próprio espírito a visão do universo deve de ser captada. Sua
40
história é baseada na comparação e no raciocínio por analogia já prefigurando o
estruturalismo na história que estaria por vir. Ele indaga pelo surgimento das
civilizações, utilizando o método do desafio e da resposta, pois defende que cada
civilização teve seu fator motivador para surgir e se desenvolver. Cita por exemplo
que quando as pradarias do Saara se tornaram em deserto, os criadores de gado
mudaram-se para os vales do Eufrates e iniciaram a drenar, construir diques e a
irrigar os pântanos do Nilo e do Eufrates, surgindo as civilizações do Egito e da
Caldéia. Mas para Toynbee toda civilização nasce, se desenvolve e passa pela
decadência, fato que acompanha pessoalmente entre os anos 30 e 50 ao ver a
Velha Europa perder seu domínio colonial e os Estados Unidos e a União Soviética
surgir como novas potências3. Toynbee publica então uma obra intitulada “ Um
estudo sobre a História”, seguida por “ O Declínio do Ocidente” no qual retrata a
derrota do Segundo Reich alemão, obras que iniciam como uma filosofia empírica
da história e terminam em uma teologia da história onde o providencialismo cristão
assume o papel principal( BOURDÉ & MARTIN, 2003, p.59-60)

3.2 No Paradigma Pós-moderno

3.2.1 A Nova Escola

Em 1974 Le Goff e Piere Nora, influenciados pela história marxista, desejam


ser intelectuais seculares e elaboram uma história problema. Tratam o tempo de
uma forma nova, substituindo o tempo de forma homogênea e linear pela noção de
multiplicidade dos tempos sociais, encontrando diversas fases sócias e espaços-
temporais da história. Tudo vira uma fonte documental possível, explicada pelas
diferentes ciências sociais:

É no estudo do universo mental que a antropologia histórica


prossegue hoje em dia suas pesquisas mais fecundas (...). [Ela]
conquistou a história por baixo, ou seja, pelas expressões menos
formuladas da vida cultural: crenças populares, ritos (...), pelos
comportamentos menos argumentados de uma sociedade, como os
cuidados do corpo, as maneiras de se vestir (...). [A antropologia
histórica] corresponde para nós à necessidade de reencontrar os
diferentes veios da mudança, de fazer seu inventário, de

3
Principalmente a Inglaterra e a Alemanha, ambas objeto de observação e pesquisa de Toynbee.
41
compreender seus mecanismos, de afirmar sua pluralidade (ANDRE
BURGUIERE apud TÉTART, 2001, p. 98.).

Evitando escolhas ideológicas muito claras, procuram praticar ao máximo


possível uma história científica, afastando-se de sistematizações redutoras em
virtude da grande complexidade dos fenômenos sociais e da vasta variedade das
inter-relações entre os diferentes níveis da realidade. Não se aproximam dos
sistemas filosóficos globais que buscavam apreender o sentido da história, nem das
visões teológicas da história contidas em Marrou e Ricoeur, nem tampouco nas
grandes interpretações do destino humano contidas em Vico, Hegel, Croce e
Toynbee e no marxismo dogmático. Não se quer nenhum sistema específico para
nortear a pesquisa, mas opta-se pela atitude científica sobre a filosófica, mas sem
cair em um cientismo, buscando como o físico ou o naturalista elaborar hipóteses
que são submetidas em seguida à verificação. Com isso os fatos não são
recompostos apenas com os documentos, mas com textos, escritos, objetos,
fotografias, imagens e entrevistas (BOURDÉ & MARTIN, 2003, p.142).

Assim a concepção estreita do que vinha a ser um documento ou uma fonte


modificou-se, pois não se limitava mais ao escrito chamado de oficial, encontrado
unicamente nos arquivos do Estado Nacional, mas inseria os registros cartoriais de
nascimentos, casamentos, óbitos, juntamente com as memórias, diários, iconografia,
arquitetura, dados arqueológicos, testemunhos orais. Foi criado um novo universo
de abordagens do passado para o historiador fazer seu trabalho, surgiu então novas
possibilidades e novas contribuições para a produção do conhecimento histórico
(MONTEIRO, 1997, p 24).

Todo esse movimento da história, desde o seu surgimento no período grego


até a Nova História do período pós-moderno, demonstra certa crise da razão
histórica que perpassa gerações e séculos. Essa constante crise da história indica
um crescimento, um desenvolvimento. É uma necessidade de o historiador fazer um
balanço do seu trabalho, uma evolução, é uma crise de crescimento. É uma ciência
que está sujeita a uma constante e necessária metamorfose, cujos diferentes
enfoques históricos não se excluem mutuamente, mas complementam-se. São
cruzamentos de vertentes diferentes que indicam não haver uma sabedoria histórica

42
onisciente e onipotente, que poderia abranger toda a história e tudo sobre a história.
Cada um cuida de um aspecto diferente da história, igualmente necessário. Isso vai
ao encontro da definição de história que lembra que, pelo fato de ser uma ciência,
está em evolução constante por causa das novas descobertas, novos paradigmas,
novas formas de se contemplar as velhas histórias. Não haveria, portanto, ruptura
mas complementação, novos direcionamentos, novidade histórica que se apóia no
factual, já conhecido e que de seus ombros depende para poder visualizar novos
horizontes históricos.

43
CAPÍTULO IV

LIMITES DA ESCOLA METÓDICA

É por tudo isso que reservamos uma parte da pesquisa para os limites da
Escola Metódica, deixando um lugar para os demais paradigmas sem escamotear o
nosso principal personagem. Ao que tudo indica, quando destacamos os pontos
fortes de algo, esconde-se os fracos e o contrário também é verdade. Mas o que se
pretende aqui é discutir de forma equilibrada essa questão de paradigmas que já
falamos anteriormente entendermos sob o enfoque da complementaridade e não da
suplantação. Com isso contemplamos com respeito o que outros pensaram e não
apenas com uma crítica que seja mera pretensão de quem ainda tem muito para
caminhar e que talvez ou provavelmente nunca chegue aonde os autores analisados
chegaram. Falamos deles, mas fazemos justiça a suas conquistas, pois não nos
tornamos mais por menosprezar outros, mas sim por ver o que os tornou mais para
que também o possamos alcançar. Corremos então uma carreira que já tem trilhos
fundos, rastros de sangue, chão umedecido pelo suor e lágrimas daqueles que nos
precederam. Também não queremos ser como aqueles que retrocedem, pois não há
mérito nisso e nem tampouco pode haver.

4.1 História como Ciência

A ciência, para Fichte “possui forma sistemática; todas as proposições


contidas nela estão e conexão com um único princípio, e neste unificam-se em um
todo” (1973, p.15). Passamos a falar então da história vista como ciência, já que é

44
de fato importante que ela assim seja considerada. Mas para isso ser defendido é
igualmente importante não querer exigir uma classificação para história do mesmo
patamar das ciências naturais mais privilegiadas pela definição em pauta. Referimo-
nos à física e à matemática, que para muitos são as únicas formas de ciência
existentes por tratar, como dizem eles, com coisas concretas e comensuráveis
passíveis de inúmeras repetições quanto forem necessárias. A história de fato tem
certas limitações por não poder repetir infinitamente os mesmos fatos históricos e
nem conseguir chegar sempre aos mesmos resultados através de uma fórmula
matemática ou cálculo numérico. Cada historiador vai chegar a um resultado
diferente do anterior e do subseqüente, porque a história tem por objeto um ser
móvel, inconstante e cheio de artimanhas, o espírito humano que a antropologia e a
psicologia procuram elucidar. Ações com propósitos não declarados, reações com
motivos não expostos, vontade inexplicável, tendências temperamentais,
necessidades psicológicas, medos escondidos, tudo isso e muito mais completam o
quadro instável do alvo da história que se movimenta e muda de coloração a todo
instante.

Para Ranke é de suma importância que a história seja tratada como ciência,
pois disto depende sua veracidade. Quanto mais ciência, mais verdade será. É uma
questão de reconhecimento do mundo acadêmico, pois nada mais triste para a
História do que ser relegada ao patamar de mera arte, literatura. Mas da onde veio
essa afirmação sobre a história? Para Nagel o próprio Aristóteles já havia tratado da
questão da cientificidade da história ao afirmar que a Poesia, tal como a Ciência
teórica, apresenta-se com maior potencial filosófico e possui maior relevância do que
a história. Como justificativa, assevera que aquela se atém ao geral e universal,
enquanto esta ao especial e singular. Uma afirmação dessas não deixaria nenhum
historiador feliz, já que demanda tanto esforço no seu trabalho e merece um
reconhecimento melhor do que esse. Nagel entende tal afirmação de Aristóteles
como que pautada na distinção muito utilizada entre dois tipos de ciências
aparentemente distintas, as nomotéticas e as ideográficas. A primeira trabalha para
encontrar leis gerais abstratas de eventos e processos indefinidamente repetíveis, a
segunda persegue o singular e o não-repetido. Assim já fica bem melhor, pois é
reservado um lugar para a história em meio às demais ciências, mas se são

45
exatamente iguais, é outra discussão. Mas o primeiro passo já foi dado, reconhecer
a história como ciência. Nagel ajuda a explicar isso, pois para ele aí reside a
justificativa de muitos defenderem que as ciências naturais e algumas das sociais
são nomotéticas, ao passo que a história como explicação dos eventos humanos de
forma distinta dos outros eventos é, em sua base, ideográfica. Disso resulta a
diferença na estrutura lógica dos conceitos e explicações entre as da história
humana e as das ciências naturais (apud SILVA, 1976, p. 25).

A grande diferença entre essas duas ciências pode ser claramente vista no
fato dos enunciados da ciência natural e social ser em sua grande maioria do tipo
geral e possuírem poucas referências a objetos específicos, a datas ou lugares; ao
passo que na história existem na sua totalidade enunciados singulares,
impermeados de nomes próprios, especificações temporais particulares e
geográficas. Mas nem uma nem outra deixa de trabalhar com enunciados
característicos do outro grupo, sendo que tanto os enunciados gerais completam os
específicos como os específicos precisam dos gerais. Como exemplo temos a
geofísica ou a ecologia animal, ambas ramos das ciências naturais, as quais
trabalham com distribuições espaços-temporais e com o desenvolvimento de
sistemas individuais específicos, o que significa que estão na prática buscando
enunciados singulares. Já do outro lado o historiador chega a caracterizações de
conhecimentos individuais, as quais pressupõem vários tipos de ocorrências. Nisto
ele chega a regularidades empíricas, de certa forma determinadas e associadas
entre si. Situa-se dentro deste aspecto a expansão colonial grega do século VI a.C.
a qual, segundo certo historiador, teve origem nas necessidades dos interesses
comerciais combinadas com o espírito aventureiro dos gregos. Nisto é dado por
suposição que as pessoas têm vários tipos de necessidades, que cada tipo tem seus
modos de comportamento característicos e que é comum esses modos darem
origem à criação de colônias (NAGEL apud SILVA, 1976, p. 26-27).

Jean Piaget também comenta sobre esta distinção. Para ele as ciências
nomotéticas procuram estabelecer leis que muitas vezes possuem sentido de
relações quantitativas relativamente constantes e exprimíveis na forma de linguagem
matemática, mas também no sentido de fatos gerais ou de relações numéricas, de

46
análises estruturais trazidas através de uma linguagem corrente ou lógica. São
exemplos disso a Psicologia Científica, a Sociologia, a Etnologia, a Lingüística, a
Ciência Econômica e a Demografia. Quando se estuda a história das línguas, a
história da loucura, o desenvolvimento do comportamento, adentra-se na dimensão
histórica da ciência, aproxima-se, portanto, certas áreas das ciências nomotéticas
das ciências históricas. Existem os casos dos desenvolvimentos individuais da
linguagem e da inteligência que se encontram desenhados na história, pois se
repetem a cada geração, dando origem a controles experimentais e a uma variação
dos fatores, de forma que a procura de leis continua sendo o fator predominante,
neste caso de leis de desenvolvimento (apud SILVA, 1976, p. 30-31).

Isto leva à utilização de métodos, sejam de experimentação estrita como na


Biologia ou da Psicologia Científica, sejam na experimentação com verificações
estatísticas, análise das variantes, controle das relações de implicação, mesmo que
tenham métodos de verificação fáceis ou difíceis, onde os esquemas teóricos
possam ser subordinados ao controle dos fatos da experiência. Por isso denomina-
se de ciências históricas do homem essa disciplina que possui como objeto
reconstruir e entender o desenvolvimento da totalidade das expressões da vida em
sociedade em certa temporalidade. E isto tanto em se tratando de indivíduos que,
com suas ações marcaram a vida social, de suas realizações, de suas idéias que
influenciaram de fato e duradouramente o período vivido, das técnicas e das
ciências, das literaturas e das artes, da filosofia e das religiões, das instituições, das
trocas econômicas ou em se tratando da civilização como um todo. Deste modo a
História aborda tudo o que interessa para a vida na coletividade, tanto nas esferas
que possam ser estudadas independentemente como nas que precisam estar unidas
a outras, num relacionamento de interdependência (PIAGET apud SILVA, 1976, p.
32-33).

Tudo isso leva a uma diferenciação muito sutil, já que esta se encontra
assentada numa relação de complementaridade na forma de tratarem os fatores do
desenvolvimento temporal. Sobre esses fatores Piaget distingue quatro fatores
principais:

47
a) as determinações devidas a desenvolvimentos (sendo o
desenvolvimento uma sucessão regular ou mesmo seqüencial de
transformações qualitativas que assegurem uma estruturação
progressiva); b) as determinações devidas aos equilíbrios sincrônicos
na sua dinâmica própria; (c) as interferências ou eventos aleatórios e
( d) as decisões individuais ou coletivas. Ora, quando as disciplinas
nomotéticas consideram um desenvolvimento temporal chamado ou
não “História”, o seu esforço constante é no sentido de estabelecer
leis e para isso isolar, na medida do possível, as variáveis que
permitam obter esse resultado. Esforçar-se-ão, assim, por atingir leis
de sucessão (a) ou de equilíbrio (b); no que se refere ao acaso (c),
desprezarão os casos singulares, que são indetermináveis, para
caracterizar, pelo contrário, os efeitos de massas enquanto leis
4
estocásticas ; e, no que se refere às decisões (d), interessar-se-ão
menos pelos seus conteúdos do que pelo seu próprio processo, na
medida em que este possa ser analisado de maneira probabilista (
teoria dos jogos ou da decisão). O propósito do historiador é, pelo
contrário, e de maneira complementar (mesmo quando utilize, como
hoje acontece, todos os dados nomotéticos), não o de abstrair do real
a variáveis que convêm ao estabelecimento de leis, mas o de atingir
cada processo concreto em toda a sua complexidade e, por
conseqüência, na sua originalidade irredutível. Nos casos em que se
manifeste um desenvolvimento (a) ou um reequilíbrio (b), e mesmo
quando se interesse por suas leis, na medida em que elas lhe
permitam a compreensão, o historiador visa menos às leis do que aos
caracteres próprios a estes eventos particulares, precisamente
enquanto particulares. No que respeita a interferências (c), é,
evidentemente, o conteúdo incalculável, mas reconstituível, e cuja
reconstituição representa o objetivo mesmo da História. Quanto às
decisões (d), é igualmente no seu conteúdo que elas representam a
novidade contínua e específica do devir histórico humano enquanto
respostas às situações concretas, misturas inextricáveis de
determinação e de aleatório (a)-(c) (apud SILVA, 1976, p. 33).

Tem-se, portanto, que há uma ligação muito estreita entre as ciências


nomotéticas e as ciências históricas, já que ambas são interdependentes, mesmo
tendo orientações diferentes quanto a conteúdos comuns.

Outro erudito, Walsh, argumenta em uma direção diferente. Inicia


perguntando o que de fato o historiador deseja investigar e o que tem em mente
descobrir, e a resposta que propõe parece inicialmente óbvia: invoca uma
reconstrução inteligente do passado. E aqui não há lugar para uma grande
diferenciação entre história e as ciências naturais, pois não é verídica a afirmação de
que a segunda interessa-se somente pelo presente dispensando o passado. A
própria memória, tão utilizada e estudada na história está igualmente presente nas
percepções dos objetos estudados pelas ciências naturais, fato muito claro quando

4
O termo “estocástico” se refere a fatos que têm origem em processos não determinísticos, com
origem em eventos aleatórios.
48
mencionadas a geologia e a paleontologia, interessadas em estudar o passado e
não o presente. Soma-se a isso o fato de que o historiador não pára a sua pesquisa
ao narrar o que aconteceu, mas quer também descobrir por que aconteceu tal fato.
Nisto se encontra a reconstrução inteligente e inteligível mencionada acima, que não
se move apenas no campo do conhecimento perceptivo, mas também do científico.
Afinal de contas, entende-se como ciência um conjunto de conhecimentos
encontrados como resultado intencional de um estudo acerca de certo conteúdo de
uma maneira metódica, que se guia por princípios pré-determinados (WALSH, 1968,
p. 29-35).

Walsh destaca, ainda, que muitas vezes menciona-se o fato das produções
dos historiadores serem perfeitamente entendíveis para pessoas sem grandes
conhecimentos, ao passo que as produções dos estudiosos das ciências naturais
exigem muito mais dos leitores, a ponto de somente poder entender quem tem uma
formação específica na área. A resposta para esta questão é que a história utiliza-se
da linguagem corrente para expressar suas descobertas, não possuindo um código
especial, superior, complexo. Isso por tratar de fatos ao alcance de outras pessoas,
da esfera do ser humano que está em volta da história, vivendo conjuntamente. Isso
faz de todas as pessoas uma espécie de pequeno historiador, tornando a história
acessível, pelo menos em boa parte, ao ser humano sem especialidade na área. O
conhecimento histórico então seria uma ciência mais acessível às pessoas comuns,
sem especialização, embora o fazer história requeira tal especialização. Seria então
uma ciência com seus métodos próprios, os quais precisam ser dominados por
todos aqueles que desejam ser profissionais da história científica (WALSH, 1968, p.
38-40).

Para Marx e Engels a questão é simples:

Conhecemos apenas uma única ciência, a ciência da História. A


história pode ser considerada de dois lados, dividida em História da
natureza e História dos homens. No entanto, estes dois aspectos não
se podem separar; enquanto existirem homens, a história da natureza
e a história dos homens condicionam-se mutuamente. A história da
natureza, a chamada ciência da natureza, não é a que aqui nos
interessa; na história dos homens, porém, teremos de entrar, visto
que quase toda a ideologia se reduz ou a uma concepção deturpada
desta história ou a uma completa abstração dela. A ideologia é, ela

49
mesma, apenas um dos aspectos desta história (apud TAFFAREL,
1984, p. 11).

Também é dito que a história é uma ciência que trabalha com a


argumentação, exatamente como as demais ciências. Isto lhe dá uma qualidade de
racionalidade e uma função de explicitação, já que é uma ciência positiva, pois
determinada pelo raciocínio indutivo. Encontra dados e através deles estabelece
hipóteses e teorias para encontrar as provas finais e assim prosseguindo realizando
suas deduções. Nisto se vê que a história não pode ser meramente uma narrativa de
vários acontecimentos que se desenvolvem em um determinado tempo, embora isso
faça parte de fazer histórico, é a conclusão através das provas da veracidade de que
tais fatos realmente aconteceram em determinado tempo, mas não o princípio da
pesquisa, como um fim em si mesmo. É um processo de raciocinação indutiva onde
em primeiro lugar aparecem os dados sobre os quais o pensamento indutivo é
dirigido e a partir daí, num segundo momento, realiza-se a indução, inferindo-se a
existência de um acontecimento localizado no pretérito e, num último momento, a
conclusão do pensamento indutivo que se dá como narrativa do acontecimento
localizado pelo raciocínio indutivo. É um caminho obrigatório para que o pretérito
seja conhecido, pois já não é mais, não está parado no presente à espera da
Ciência Experimental, não é mais passível de repetição e experimentação. O único
atualmente verificável são os dados e é com estes que a História como ciência tem
explicado os acontecimentos do passado (PAULI, 1997, p. 3).

Logo, a ciência histórica encontra sua primeira etapa no presente, tornando o


estudo da temporalidade do fato um objeto por demais concreto e passível de
exame. Daí que a história se apresenta, pelo viés da pesquisa e método, como a
ciência que perscruta o passado com ferramentas do presente. Acaba, portanto, por
estudar também o presente e o futuro, ampliando a sua esfera de ação. As
ferramentas do presente carregam os signos do passado, onde se tem que o dado
histórico isolado no presente possui uma energia potencial de induzir a asseveração
manifesta no presente, vivência no passado e a do futuro. Na segunda etapa, a
argumentativa, a indução histórica preocupa-se com a análise dos dados, no
momento em que apresentam relações com o passado e dão lugar a uma hipótese

50
ou asseveração definitiva, caracterizando a função da indução. Disso comenta o
simpósio da UFSC, citando a teoria da fundação de Florianópolis como exemplo:

Seja o exame da fundação de Florianópolis. Possui-se, no presente, a


assertiva de Pedro Taques (autor próximo daquela época), de que ela
teria sido fundada em 1673. Em se tratando de uma afirmação subjetiva
de um historiador, deve ser examinada, isto é, ser posta em questão. De
afirmação absoluta, a data passa à hipótese: ou é reafirmada, em vista
da coerência com os demais elementos conhecidos, inclusive da
autoridade subjetiva do historiador, ou é afastada, por alguma razão que
se descubra. Se for mantida, induzir-se-á da afirmativa de Pedro Taques
que Florianópolis foi fundada em 1673 (PAULI, 1997, p. 6).

O problema maior para a indução se apresenta quando se busca pelas


causas genéticas de um dado evento histórico, embora as causas possam ser
caracterizadas em seu desenvolvimento dentro de um determinado lapso de tempo.
Os mais variados fatos indutivamente historiados e analisados permitirão que se
encontre todo o desenrolar de um acontecimento. Aí entra também a Sociologia,
embora explique a fisionomia de tais causas, não se atém a sua real temporalização.
Então surge o conhecimento do passado, após atingida a indução, a qual dá à luz
uma frase narrativa que não está órfã, pois é a conclusão raciocinativa de todo um
processo metodológico científico (PAULI, 1997, p. 8).

Pizzolatto ainda lembra que no trabalho do historiador se cruzam


problematizações que possuem como âmago o questionamento da própria
cientificidade do fazer historiográfico. É comum que o caráter subjetivo do
pesquisador, a razão prática do conhecimento histórico, a delicadeza do
acontecimento e o caráter fechado do conceito de ciência construam o edifício das
reclamações contra a classificação da História como ciência e a favor de uma
classificação como simples discurso da literatura. Também lembra que a própria
terminologia do nome história é passível de inúmeros debates. A palavra história
vem do grego ίστоρία e era utilizada pelos jônios no século VI a.C. referindo-se à
busca do conhecimento em geral, onde era uma indagação, investigação e não
narrativa. Segundo Shotwell, dois séculos depois o historikos, recitador de histórias,
se colocou no lugar do historeon, o procurador do conhecimento:

A história começou como um ramo da pesquisa científica — quase a


mesma coisa a que os atenienses chamaram mais tarde de Filosofia.
O próprio Heródoto foi tanto explorador científico como recitador de

51
narrativas, e a investigação de toda sua vida foi historie no seu modo
jônico de falar... a história compreende duas operações distintas, uma
das quais, a investigação, está no campo da ciência, enquanto a
outra, a apresentação literária, está no campo da arte (apud
PIZZOLATTO, 1998, p. 2).

Segundo Paul Veyne, o resultado do trabalho do historiador não é, na


verdade, o que denota ser, pois não fala do evento histórico como ele de fato
ocorreu, mas sobre aquilo que ainda pode-se saber a respeito de tal fato.
Complementando, assevera que o debate caloroso em torno da questão da
cientificidade da história se dá em virtude do termo ciência ter uma qualidade de
precisão e ser acompanhado de uma certa confusão sobre o termo discutido. Mas
por outro lado assegura firmemente que a história não possui uma metodologia que
sirva como argumento para defender sua cientificidade, já que também a história
não explica absolutamente nada, pois os historiadores discorrem sobre fatos reais,
tendo o ser humano como autor que faz da história um romance da realidade
(VEYNE apud PIZZOLATTO, 1998, p. 4).

Burckhardt complementa afirmando que a história, em se tratando de fatos


neutros, não praticou a ciência objetiva, mas apenas registrou os fatos que o
presente vislumbra com interesse peculiar. Marrou vai na mesma direção quando
assevera que a ciência histórica de fato não tem lugar, pois o que existe na verdade
é uma porção de observações discrepantes sobre os mesmos fatos do pretérito. E
Veyne dá a cartada final na ciência histórica, pois para ele o objeto histórico se esvai
por entre os dedos do historiador em virtude de sua característica subjetiva e o
historicismo é uma construção que combina os valores presentes com a resposta
das indagações a ele dirigidas. As disciplinas antropológicas não podem ser
separadas das demais por causa da própria unidade do objeto que pede uma
abordagem científica (LOWITH apud PIZZOLATTO, 1998, p. 9; HOURS apud
PIZZOLATTO, 1998, p. 10).

Toda esta discussão tem como pano de fundo o conceito de ciência dado por
Galileu, conforme indica Castoriadis:

O programa de um saber constituindo seu objeto como processo em


si, independente do sujeito, reconhecível num referencial espaço-
temporal válido para todos e privado de mistério, determinável em
categorias indiscutíveis e unívocas (identidade, substância,
causalidade), exprimível, enfim, numa linguagem matemática de
poder ilimitado (...) (CASTORIADIS apud PIZZOLATTO, 1998, p. 13).
52
A prática da ciência como nova forma de religião combinada com o
pragmatismo elevou as ciências experimentais a um nível que não permite mais ser
questionada, pois arroga para si o título de detentora da verdade. Esta afirmação é
um eco da obra Técnica e ciência como Ideologia, de Habermas, que retrata o
discurso científico como o único habilitado para falar legitimamente em nome do
conhecimento:

Organizou-se toda uma racionalidade que, com conseqüências


práticas de modo algum negligenciáveis, foi imprimindo às ciências
uma forma metódica restrita e exclusivista, que acabou por se tornar
a única reconhecidamente capaz de produzir um conhecimento
objetivo do mundo. Ao mesmo tempo, o que é mais relevante, esta
racionalidade tem feito das ciências algumas das mais respeitadas
vozes na legitimação dos projetos sociais constitutivos da
modernidade (AYRES apud PIZZOLATTO, 1998, p. 20).

A história então é colocada lado a lado com as ciências naturais e, achada em


falta, relega-se a ela um papel secundário, uma sabedoria menor, visto que...

Em Física ou Química ampliamos nossas idéias relativamente aos


fenômenos, observando como eles decorrem, quais suas afinidades,
como se associam ou como reagem. Mas todas estas propriedades
são apenas diferentes aspectos da mesma coisa, e nosso
conhecimento dela é a soma total de nossas análises. Ninguém
pergunta o que é um elemento — exceto em termos de outros
elementos. Seu significado tem mudado, na medida em que se
amplia nosso conhecimento, de um montão de lama para um
composto de elementos (SHOTWELL apud PIZZOLATTO, 1998, p.
25).

Ao que parece é uma distinção entre espaço e tempo, pois a interpretação


dos fenômenos físicos se dá pela descrição no âmbito de suas propriedades
particulares, ocorrendo fato idêntico com a História, embora esta lance mão da
narrativa. A primeira trata dos fenômenos no espaço, a segunda perscruta-os
através do tempo (PIZZOLATTO, 1998, p. 30).

Tudo indica que há uma limitação imposta ao mecanismo racional do nosso


intelecto quanto ao entendimento do real, tal limitação estaria inclusive presente nas
ciências naturais ou experimentais, onde nem estas poderiam abraçar a
compreensão total da vida em todos os seus aspectos. Lidar com o objeto no tempo
então seria muito mais difícil do que no espaço, inclusive para ciências tão
completas como a matemática e a física. Estas se orientam por dados quantitativos,
enquanto que as nuances da vida se dão através de dados qualitativos grandemente
53
variáveis através do tempo, por isso infinitamente perseguido e descrito pelos
historiadores. É uma ciência que lida com um objeto móvel, mais para vi-lo a ser do
que para o ser em si mesmo, estagnado à espera de alguém que o utilize em
alguma experimentação. Ao invés de diminuir o mérito da história, pelo contrário,
temos de aumentá-lo por perseguir tão nobre objetivo (SHOTWELL apud
PIZZOLATTO, 1998, p. 36).

Por isso Fustel de Coulanges não se pergunta sobre a cientificidade da


história. É ciência porque não imagina, mas vê o objeto, constata o fato, analisa-o,
vislumbra suas ramificações. Tudo isso se dá pela observação cuidadosa dos textos
documentais exatamente como um químico consegue seu intento através de suas
experimentações firmemente direcionadas. O documento é para o historiador um
tubo de ensaio ou uma célula a ser analisada e experimentada (HOURS apud
PIZZOLATTO, 1998, p. 39).

Ou ainda que o próprio ofício do historiador invoca para si a classificação


como ciência, pois necessita de certas técnicas, métodos e ainda é possível de ser
ensinada. E através da crítica aos documentos classificados como fontes de
conhecimento obtêm-se a história científica. Inicia-se com isso uma luta contra a
ótica imposta por esta fonte, já que os grandes problemas da epistemologia histórica
são, portanto, problemas de críticas, pois o conhecimento histórico depende
basicamente das fontes, ou seja, são elas que vão determinar o tom e o resultado
final da epistemologia histórica. É uma questão de saber quais perguntas fazer às
fontes e separar as opiniões pessoais sobre assuntos políticos, religiosos e sociais.
Surge então a crítica externa, a qual se indaga sobre a origem e a confiabilidade do
documento e a crítica interna, que vai interpretar o significado desse documento,
medir a competência e a sinceridade do autor, bem como sua exatidão depois de
acurada comparação com outros relatos (LE GOFF, 1997, p.104-108).

Como ver a história então como ciência, digna de crédito e capaz de chegar a
resultados importantes, exatos e verdadeiros? Parece que o caminho é andar junto
com sua prima, as ciências exatas, sem querer ser exatamente igual a ela. Nem é
preciso, mesmo que ela tenha uma atitude arrogante e se ache a única dona da
verdade, pois esta não se encontra com aqueles que acreditam tê-la encontrado,

54
mas se apresenta para quem é capaz de entender e aceitar que o verdadeiro
conhecimento se forja na humildade, na aceitação do outro, das alteridades. A
questão então não é mais se é correto afirmar ser a história uma ciência, mas qual o
tipo de ciência que ela é, pois não é necessário existir somente um modelo
científico, isso cairia em um reducionismo que nos afasta como quase toda espécie
de reducionismo, da verdade. E como ninguém deseja isso, temos um espaço
reservado para que a história também tenha o seu lugar em meio às ciências mais
praticadas pela sociedade por estarem vinculadas à economia capitalista, fim último
da maioria esmagadora dos seres humanos utilitaristas, imediatistas e sedentos de
aumentar seu potencial de consumo e bem estar material.

A história é daquelas ciências que nos faz refletir sobre o nosso curso, nossa
vontade, nossa vida, nossa sociedade, nossos governos, leis, guerras, educação.
Ela então a primeira vista atrapalha a sociedade capitalista mais do que ajuda, pois
desmascara o uso que o ser humano tem dado à ciência natural, através da qual
algumas pessoas têm dominado a maioria, humilhado, subjugado, derrotado,
aprisionado, oprimido, deseducado e tudo isso sem pedir licença.

Por tudo isso é importante que a história da ciência esteja em sala de aula
para ser analisada e debatida pelos alunos, porque somente assim poderão ver seu
surgimento, suas inquietações, seu desdobramento até ao que temos hoje. A
questão do saber ser tido como científico é uma discussão sempre presente e que
tem lugar garantido nas grandes discussões do meio acadêmico. Discutir isso com o
aluno em sala é colocá-lo dentro do processo de construção do conhecimento e tirá-
lo da posição cômoda de mero receptor de conhecimentos em sua fase terminal, já
prontos bastando apenas memorizá-lo.

4.2 Histoire: Entre a Objetividade e a Subjetividade

A história ao longo do tempo tem sido tanto explorada como difundida


ideologicamente e este foi o principal obstáculo para consolidá-la como ciência. É
por essa razão que se fala de uma dupla função da história, em que o homem
compreende a sociedade do passado e incrementa seu domínio no presente. Sua

55
função social então é organizar o passado em função do presente e não julgar os
fatos a fim de elaborar a história, ainda que não se devam confundir os motivos
ideológicos ou políticos da investigação e de sua utilização e seu valor crítico. Para
obter proveito do discurso histórico, os historiadores construíram suas próprias
regras em que supõem que os sucessos são repetidos e, portanto, estudando o
passado as situações do presente são mais fáceis de manejar, sem dificuldades.
Mas com isso chega-se ao ponto onde a validade é independente de quem faz o
relato, sem perguntar se o conceito de utilidade seria indiferente ao da legitimidade.
Ou seja, é válido porque é útil ou é válido porque é legítimo?

Carr, como positivista, imaginava que para ter uma história realmente objetiva
os fatos históricos deveriam de ser os mesmos para todos os historiadores que
procurassem ser objetivos e neutros em sua narração e descrição para poder chegar
a resultados legítimos. Outras obras propuseram também que o trabalho da história
seria sintetizar e levantar uma hipótese sobre os dados que foram levantados para
criar uma totalidade e, assim, realizar uma reconstrução objetiva, de forma que não
fazê-lo seria cair em um relativismo onde cada historiador teria sua própria história,
sua verdade particular (SILVA, 2005, p. 182).

Segundo Adam Schaff, as idéias positivistas de Ranke estavam


fundamentadas em três premissas. Na primeira consta que entre o sujeito que
conhece e o objeto do conhecimento não existe qualquer interdependência. A
história existiria objetivamente, tanto no sentido ontológico como de maneira
determinada e completa. A segunda premissa classifica a relação cognitiva nos
moldes mecanicistas, na qual há uma aceitação passiva, meramente contemplativa,
baseada na teoria do reflexo. E a terceira se refere ao historiador como alguém que,
na situação de sujeito que conhece, poder praticar a imparcialidade, abstendo-se
das muitas emoções, medos ou preferências no momento de descrever os
acontecimentos históricos. Também seria capaz de renunciar a todo e qualquer
condicionamento social que pudesse afetar sua percepção de tais acontecimentos.
Como resultado dessas premissas, ao agrupar uma quantidade de fatos alicerçados
em farta documentação, surge automaticamente a ciência histórica que rejeita toda e

56
qualquer reflexão teórica e, mais especificamente, a filosófica, por serem prejudiciais
por causa de sua especulação (SCHAFF, 1991, p. 102-103).

Daí que a história foi considerada por muito tempo como um armazém onde
se conserva a memória social para que sejam guardados os sucessos importantes
da sociedade, da política, da economia, da religião como um conjunto de fatos que
ensinam e servem de exemplo.

Disso resulta que a história tem dois interesses que possuem tonalidade e
direção diferentes: a objetividade e a subjetividade. Já que a história é considerada
como ciência, espera-se que tenha por isso certo grau de objetividade (WALSH,
1968, p. 113).

O Positivismo, como modelo histórico, propõe a objetividade do conhecimento


histórico. Mas seria isso possível? Quais os limites para que tal objetividade seja
alcançada? Como alcançá-la? Como entender essa busca pela objetividade
histórica? A essas questões é aberta uma discussão a fim de melhor entendê-las e
observar qual seria o lugar dessa tal objetividade do conhecimento histórico hoje em
sala de aula.

A objetividade supõe, de início, a existência do sujeito que coexiste com o


objeto, fato já bem observado por Ortega quando citado por Wehling:

Se existe sujeito existe inseparavelmente objeto e vice-versa. Se


existo eu que penso, existe o mundo em que penso. Portanto: a
verdade fundamental é a existência de mim com o mundo. Existir é
primordialmente coexistir – é ver eu alguma coisa que não sou eu,
amar a outro ser, sofrer eu das coisas (1975, p. 6).

E é nessa dualidade que subsiste o problema e o grande alvo do positivismo.


É em meio ao embate que se dá no mundo da percepção do objeto pelo sujeito,
onde o primeiro seria a parte estática, inerte, e a segunda aquela que, fazendo
morrer suas preferências em sua constituição de ser pensante, faria a apreensão do
objeto fazendo-lhe a narrativa. Aqui o sujeito precisa se aproximar do objeto meio
como objeto, abandonando certas qualidades de sujeito. Portanto, objetivo é

57
sinônimo de, nas palavras de Freud, “tudo aquilo que é reconhecido pela
universalidade dos sujeitos, acima de seus desejos e opiniões; para Kant é algo
válido para qualquer um que esteja no uso da razão, das coisas que concebemos
muito clara e muito distintamente” (WEHLING, 1975, p. 7).

Ou ainda como entende Adam Schaff, referindo-se à objetividade da verdade


histórica:

1) É “objetivo” o que vem do objeto, ou seja, o que


existe fora e independentemente do espírito que conhece; portanto, é
“objetivo” o conhecimento que reflete (numa acepção particular
dessa palavra) este objeto;
2) é “objetivo” o que é cognitivamente válido para todos
os indivíduos;
3) é objetivo o que está isento de afetividade e, portanto,
de parcialidade (1995, p. 280).

As questões levantadas nesta definição dada por Adam Schaff são


pertinentes por ampliarem a discussão sobre a objetividade. Uma delas encontra-se
na afirmação de independência do objeto sobre o espírito que conhece, pois
expressa a necessidade do indivíduo de apreender o objeto que está fora dele, de
observar seu reflexo. Aqui não cabe uma interpretação mecanicista do processo do
conhecimento na relação sujeito-objeto, ou seja, um tratamento passivo do primeiro
termo sobre o outro. Pelo contrário, o espírito consciente está ativo no processo do
conhecimento histórico, e mesmo que se pretenda a objetividade sempre haverá
uma parcela, dependendo do caso maior ou menor de subjetividade. Disso depende
a humanidade do conhecimento histórico resultante, pois do contrário ele seria
classificado como a- humano ou sobre-humano. Não há como eliminar o ser humano
e por isso pensante do processo do conhecimento histórico. Há então uma
necessidade de se entender o lugar dele nesse processo, pois é somente desta
forma que se pode dominar o vetor subjetivo do conhecimento. Daí resulta que
quanto mais pudermos delinear o que de fato o sujeito está contribuindo no
conhecimento do objeto, mais próximo chegamos da verdadeira existência do
objeto. Paul Ricouer demonstra essas nuances afirmando:

Quanto mais conscientes estamos da ordem que reside no nosso


método de observação, tanto mais estamos em condições de
apresentar claramente qualquer ordem existente no mundo exterior.
A precisão a que podemos pretender é acessível apenas na
58
condição de tomar consciência do papel de observador apreendido
como elemento do processo de observação não abstraindo desse
observador, mas incluindo-o no cálculo. Mesmo em física é preciso
tomar em consideração o fato de que a coisa medida é alterada pelo
instrumento de medida, e vice-versa. Não há maior obstáculo no
caminho que leva à objetividade que a confusão da “subjetividade”
com o fato de ter em conta a posição do observador (apud SCHAFF,
1995, p. 281).

Mas é importante ressalvar que o fato do historiador fazer parte da história


que pretende não desmerece a objetividade da verdade histórica. Isso se dá porque
não se trabalha com uma definição ilusória e infantil de objetividade, mas ela própria
reserva um lugar para a subjetividade inerente ao próprio historiador como fazedor
do conhecimento objetivo. A questão é que em tal relação não haja uma deformação
do conhecimento histórico em virtude de interesses próprios ou parcialidades. Com
isso se chega então ao postulado de que a objetividade “é a distância entre a boa e
a má subjetividade, e não a eliminação total da subjetividade” (SCHAFF, 1995, p.
282). É mais uma questão de ética do que de lógica.

Talvez o sentido de objetividade que enunciou a Escola Metódica não seria


então estritamente o mesmo de que fala as ciências exatas, pois desta forma os
resultados produzidos por um historiador seria alcançado de forma idêntica por
outros espíritos historiadores que partiram das mesmas fontes documentais das
quais foram coletadas seus testemunhos. A verdade é que o conhecimento a que
chegam os historiadores que partilham da mesma base documental não pode ser
nem totalmente idêntico e nem totalmente diferente, pois tanto uma objetividade
pura é impossível quanto é recusável a total subjetividade (WALSH, 1968, p. 113-
115).

Daí resulta a inserção do termo “relativo” junto à definição de conhecimento


histórico objetivo. A relativização decorre do fato das escolhas que o historiador é
obrigado a fazer. Sobre isso comenta J.H. Randall:

O historiador deve fazer uma escolha. Na infinita variedade das


referências que descobrem os acontecimentos passados, deve
escolher aquelas que são importantes ou fundamentais para sua
história particular. Se essa escolha não se deve basear unicamente
no que lhe parece importante; se não deve ser “subjetiva” e
“arbitrária”, é preciso que tenha um núcleo “objetivo” em uma tarefa

59
qualquer, no que o historiador considera como imposto aos homens,
numa coisa que deve ser realizada. A história do que é importante e
significativo para essa coisa... Será então perfeitamente “objetiva”, na
medida em que nunca teria podido ser objetiva a simples relação de
“fatos” arbitrariamente escolhidos.
Tal é o “relativismo objetivo” característico do saber histórico, como
de todos os tipos de saber. O saber é “objetivo” em um único
contexto definido: é sempre o conhecimento da estrutura e das
relações essenciais nesse contexto (apud SCHAFF, 1995, p. 301).

A definição do termo “objetivo” acabou por se tornar limitada, exatamente


para representar bem a idéia do positivismo histórico. Por “objetiva” entende uma
história alienada dos valores, embora reconheça que nem todas o são. Por isso o
importante, não é perguntar se a história é ou não objetiva, mas o que torna a
história objetiva, ou, ainda, sobre a espécie de objetividade que se pode esperar de
um historiador. Então se chega a termos como “correta” e “não-tendenciosa”,
embora não necessariamente tenha de chegar ao termo “verdadeiro”. Isso significa
que pode ser objetivo e falso ao mesmo tempo. O termo não quer expressar a idéia
de que o resultado final da pesquisa histórica não esteja permeado de juízos de
valor ou ainda de juízos sobre os quais o autor discorde. Max Fisch descreve este
dilema da seguinte forma:

O historiador não é censurado por louvar ou criticar, nem aplaudido


por não fazer qualquer dessas coisas, mas é censurado se juízos de
valor apriorísticos o cegam para a evidência contrária, e aplaudido se
a escolha e o tratamento da evidência se fazem de maneira
claramente livre do desejo de referendar juízos formulados
anteriormente à pesquisa...O historiador da arte é um crítico da arte,
o historiador da ciência é um critico da ciência e, de modo
semelhante, o historiador das instituições econômicas, sociais e
políticas é um crítico dessas instituições. Objetividade não equivale a
ausência de crítica, mas a submissão completa à crítica posterior,
lealdade integral, tudo expondo a julgamento (apud DRAY, 1969, p.
37).

Talvez seja necessário apontar até onde vão os limites de uma possível
classificação como verdade objetiva para o resultado a que chegou o historiador em
seu trabalho. Isto seria, em outras palavras, e particularmente nas expressões
sempre repetidas de Ranke, recompor o passado como foi. Para alguns a História
não é objetiva por vários motivos claros e pontuais. Porque seu objeto de pesquisa
não é observável como o objeto da química o é; porque a documentação que retrata
o passado existe em forma fragmentada; porque o historiador precisa selecionar,
acomodar e relatar os resultados; porque acaba por estruturando o conhecimento do
60
passado em torno de interesses éticos e estéticos e para tudo isso é impossível
manter um espírito neutro. Mas estas considerações realmente comprovariam que a
história não pode ser considerada como objetiva, mas por causa de um certo
relativismo, acaba por se tornar não-objetiva? O problema maior surge porque está
em voga a discussão sobre questões éticas e estéticas, já que é primordial que o
historiador enuncie seus juízos de valor ao realizar sua pesquisa e a narrativa
histórica (DRAY, 1969, p. 37).

A questão é se o historiador consegue suprimir a equação pessoal, pois


embora realize um esforço sem precedentes no sentido de livrar-se de si mesmo,
permanecerá humano, advindo de certo lugar, tempo, circunstâncias, interesses,
predileções, cultura.

4.3 Afastamento da Filosofia da História

Para Reis (1990, p. 15) a Alemanha havia produzido a filosofia da história e o


que ele chamou de antídoto, a história metódica dita positivista que via a si mesma
como científica, sendo seus principais expoentes Hegel e Ranke, respectivamente.
Entre eles, a afirmação de que toda e qualquer tentativa de reflexão filosófica seria
destrutiva para a história, pois a especulação filosófica é por si mesma subjetivista.
O problema é que a própria definição do termo história tem um duplo sentido. Pode
representar a soma total dos feitos humanos do passado ou a narração que agora
lhe damos. Isso abre um espaço considerável para que a Filosofia da História tenha
o seu lugar, discorrendo sobre essas diferenças e sobre o curso real dos
acontecimentos históricos ou, ainda, sobre os processos do pensamento histórico
(Walsh, 1968, p. 5). Disso resulta que ela pode trilhar um caminho duplo: tratar sobre
os problemas de uma forma analítica ou especulativa, metafísica ou científica.

Pode-se começar de fato a defender a existência de uma Filosofia da História


por causa da necessidade da definição do termo “história”, que em outras palavras
seria a discussão sobre sua natureza. Essa atitude se justifica pela qualidade de
não-inerte da História, porque ele está em movimentação constante, como o próprio
planeta Terra, está vivo. Portanto não é possível elaborar uma definição fechada,

61
estática. Esta não-inércia se dá pelo fato do próprio conceito de história ser histórico,
sofrer transformações de carona das últimas descobertas, novas escolas filosóficas,
as transformações que o mundo sofre e impõe. Este mundo se move não apenas
nos movimentos de rotação e translação, mas nas sociedades que nele habitam,
pois elas estão se movendo em diversas direções, construindo e destruindo
costumes, culturas, conceitos, vidas, fazendo guerras e salvando pessoas. Portanto,
a definição de história passa no mínimo pelos iluministas, positivistas, pelo marxismo
e pela Nova História. A situação fica mais conflitante ainda quando se define história
como uma ciência, pois esta terminologia também está constantemente sendo
discutida e modificada (BLOCH, 2001, p. 27; SILVA, 2005, p. 42).

Para Fonseca, a história é

a.investigação-conhecimento-exposição de ações racionais do


homem revestidas de projeção social e interconexas e vinculadas,
cada uma de per si, à motivação respectiva, mas realizada a tríplice
operação investigar-conhecer-expor à luz de processos
rigorosamente lógicos e obedientes a critério que prestigie, tão-
somente aquelas ações voltadas ao serviço da civilização (8º
elemento) (1969, p. 24).

Justificando sua definição, Fonseca disseca os principais termos relativos a


ela, explicando que

História é investigação-conhecimento-exposição de fatos históricos


porque, de modo geral, investigar, conhecer e expor são três
operações que se conjugam, completando-se mutuamente, pois da
investigação, ou exploração, advém logicamente o conhecimento, e
deste decorre naturalmente a exposição ou expressão plástica, do
averiguado. Percebe-se bem que qualquer das três operações,
tomada singularmente, revela-se mutilada, isto é, configura apenas
parcialmente este ou aquele ramo do saber humano, porque é óbvio,
advirta-se, que a conjugação em apreço não é privilégio do
conhecimento histórico (1969, p. 42).

Portanto, responder à pergunta “o que é história” é muito mais complexo do


que parece. Esta problemática torna importante uma reflexão em sala de aula do
professor juntamente com seus alunos sobre o desafio que é compreender e definir
o que vem a ser história. Desta reflexão em conjunto resultará a compreensão do
por que estudar história, ou do para quê. Sem isso não é possível entender a sua
razão de ser, uma vez que o passado não é nada mais do que coisas velhas sem
62
valor e o seu estudo não passa de um desenterrar de ossos secos e empoeirados. É
preciso dar vida a esses ossos secos, como no caso do profeta judeu Elias, que
regou o vale dos ossos secos e, estupefato, viu-os se movendo e sendo preenchidos
com tendões e músculos. Isso acontece quando o professor de história resolve fazer
o que todo historiador precisa realizar ao iniciar sua trajetória: definir ou pelo menos
entender a definição de seu próprio ofício (SILVA, 2005, p. 19).

Ademais, não existe uma lei da história, como as ciências exatas, pois ela tem
o ser humano como principal objeto de pesquisa e ele é muito complexo. Por isso é
exigida atenção e reflexão por parte do historiador que procura abeirar-se deste
problema para que possa compreender sua dinamicidade e interatividade, pois estão
presentes o individual e o social, as diferenças entre culturas, a interpretação de
quem a conta (VEYNE, 1995). Isto leva o historiador a se deparar com um problema
de ação, que o obriga a realizar escolhas. Ele lida com fenômenos humanos os
quais são muito delicados, fatos que são mais complexos do que qualquer outro
(BLOCH, 2001). As verdadeiras intenções que estavam por detrás dos atos não
aparecem, as razões de certas atitudes não são conhecidas.

A grande contribuição da filosofia é resultante de suas indagações


especulativas que buscam por um padrão no passado, pelo sentido em história, por
leis, se é que existam. Enquanto o historiador da época vê somente seu passado e
seu presente, estudiosos que viveram depois dele podem ter uma visão maior da
História, do todo, e assim chegar a conclusões que antes não era possível pela
limitação da quantidade de informações, de conhecimento dominado pelo historiador
(DRAY, 1969, p. 11).

É uma busca por entender as transformações históricas, como funciona o


mecanismo histórico, se há alguma continuidade e de quais fatores ela depende.
Embora nem tudo na História seja passível de leis, regularidades ou de fatores
causais, o importante é que o filósofo ultrapasse a fronteira da investigação histórica
para adentrar no campo da filosofia.

63
Hegel, por exemplo, devotou grande interesse pela história e definiu a tarefa
do filósofo da história como sendo explicar a racionalidade dos fatos, introduzindo o
conceito de razão nos estudos desse campo. Afinal de contas, “a razão é a
soberana do mundo; e que o mundo, portanto, oferece a nossos olhos um processo
racional” (DRAY, 1969, p. 89.). Assim, vai se tornar claro a razão que realmente
opera no curso dos acontecimentos, esclarecendo tanto o objeto que se persegue
quanto a maneira que ele surge, aparece. A história faria então parte do reino do
espírito, uma metafísica que tem como principal característica o movimento, a
liberdade. Daí que vai aparecer a forma como a espiritualidade humana seguiu seu
curso, tendo como resultado final a conquista progressiva da liberdade humana. E
tudo isso resulta do estudo reflexivo, filosófico da história e não meramente do seu
estudo positivo, metódico.

O filósofo metafísico ainda ressalta a primeira impressão da História, que para


ele na verdade se revela incompleta, “o cadafalso, onde foram sacrificadas a
felicidade dos povos, a sabedoria dos Estados e a virtude dos indivíduos” (DRAY,
1969, p. 100). Pois o objetivo da história e a causa final de todo o mundo é a
implantação geral da liberdade, que não se alcança naturalmente, mas por meio da
vontade, de ações específicas e virtuosas. Então emergem as paixões humanas, os
sentimentos egoístas, que se tornam a causa eficiente, a artimanha da razão que as
faz trabalhar para ela, culminando em um fim racional. Meras ações egoístas e
mesquinhas então se tornam parte de algo maior, sobre o qual não se apercebem e
somente a filosofia a descobre por detrás da história factual. Tanto grandes como
pequenos, perseguindo seus intentos particulares, forjam a história da liberdade
humana mundial. Tanto heróis como vilões pensam em si primeiramente, cada qual
contribuindo para o curso mundial da história que no momento não demonstra suas
tendências ou linha central. Com o passar do tempo as histórias escritas poderão
ser analisadas por períodos cada vez mais longos, possibilitando uma análise
desses fenômenos, já que apenas o estudo dos indivíduos não demonstra o governo
do mundo pela razão, pois é uma história muito fragmentada que na verdade faz
parte de um todo. Esse é o papel e a contribuição da filosofia da história: ver e
pensar sobre o todo, a razão que age nos efeitos não controlados e não pretendidos
das ações particulares (DRAY, 1969, p. 101).

64
E por esse viés Hegel discorre sobre o fluxo da história do mundo, narrando
as sociedades da China, Índia e Pérsia, Grécia e Roma, apontando para a cultura
cristã germânica da Europa ocidental. As duas primeiras, a seu ver, eram estáticas,
onde a história limitava-se a simples narração de fatos isolados, a Ciência mero
conjunto de técnicas, a ética resumida a uma série de regras fixas sem lógica
racional. Os persas recebem o título de Primeiro Povo Histórico do Mundo, com um
Estado bem esclarecido e desenvolvido que, mesmo composto por vários povos,
protegia as idiossincrasias regionais (HEGEL, 1985, pp 215-287).

Portanto Hegel contribui para a história pelo fato de ter lançado um olhar
investigativo com um alcance maior, pois além de fitar a história momentânea e seu
objeto contido nos documentos também vislumbra o todo e as outras histórias
podendo chegar a conclusões mais abrangentes que o historiador sem a filosofia da
história não alcançaria.

Outra questão que não pode ser esquecida é a hermenêutica praticada


obrigatoriamente pelo historiador que lê os documentos oficiais para escrever a
história e a de quem vai ler a história resultante da pesquisa do historiador. Por mais
objetivo que possa querer ser, a hermenêutica está sempre lá por mínima que seja e
é a filosofia que trata desse assunto. Como afastar-se dela se está intimamente
relacionada com o ler e entender os documentos sobre os quais o investigador se
debruça? Até porque a concretização da compreensão não se encontra no ato de
um transferir-se para o outro anulando as subjetividades em prol de uma
objetividade pura, mas tem a ver com uma atitude correta diante da linguagem
utilizada culminando em um processo de linguagem. A própria tradução de um
documento já é por si só uma interpretação de quem a fez, assunto tratado pela
hermenêutica filosófica, e não somente a tradução, mas “todo escrito é por
excelência objeto da hermenêutica”. Sobre essa relação Gadamer explica que

Com isso, entramos numa dimensão, em geral, deixada de lado pela


autoconcepção dominante das ciências históricas. Isso porque, em
geral, o historiador escolhe os conceitos com os quais descreve a
peculiaridade histórica de seus objetos, sem reflexão expressa sobre
a sua origem e justificação. Ele segue unicamente seu interesse
objetivo e não se dá conta de que a apropriação descritiva que ele

65
encontra nos conceitos que escolhe pode ser altamente desastrosa
para sua própria intenção, na medida em que o que equipara o que é
historicamente estranho com o que lhe é familiar, e assim, mesmo
sem ter a menor pretensão, submete a alteridade do objeto aos
próprios conceitos prévios. Assim, apesar de toda metodologia
científica, ele comporta-se da mesma maneira que todo aquele que,
filho do seu tempo, é dominado acriticamente pelos conceitos prévios
e pelos preconceitos do seu próprio tempo (GADAMER, 2007, p.512).

Disso resulta que não podemos superestimar uma ciência nem subest imar
outra, pois ambas as atitudes caem num reducionismo que por sua vez desemboca
no isolacionismo metodológico que acaba castrando a ciência, impedindo-a de
produzir resultados mais elevados característicos de uma ciência em seu pleno
vigor. História sem hermenêutica não existe e negar esse fato é ingenuidade por
parte do historiador, pois é uma exigência que, segundo Gadamer, se apresenta
como “uma conseqüência natural da consciência histórica” (1997, p.513).

Portanto esse lado filosófico da história precisa se fazer presente inclusive na


sala de aula quando o professor de história vai ministrar o conteúdo para o aluno,
pois pensar a história faz parte de uma aula dinâmica tendo em vista uma educação
integral do aluno. Repetir fatos já passados sem pensar sobre eles é uma atitude
retrógrada que impede o desenvolvimento integral do aluno, já que um dos objetivos
da educação é ensiná-lo a refletir sobre os conhecimentos aprendidos e não apenas
recitar de cor informações recebidas.

66
CONCLUSÃO

Diante de tudo isso desejamos dedicar atenção às implicações que tais


questionamentos como um todo lançam sobre o ensino de história. Inicialmente o
próprio estudo sobre o sujeito colocado em pauta que é denominado de história
demonstra o que acontece quando desejamos nos aprofundar em setores do
conhecimento: precisamos nos apoiar no trabalho de outros, ver o que já foi
descoberto, narrado, recontado, interpretado, reinterpretado, sugerido,
desacreditado ou recomendado. São as nuances do conhecimento vivo, dinâmico,
que perpassa eras, tempos de outrora que ficaram registrados ou não em marcas
indeléveis feitas por pedras, paus e penas. Escritos, poemas, canções, contos,
rabiscos ou apenas pegadas no barro cozido por algum vulcão em erupção trazem à
tona uma porção de fragmentos que lentamente vão compondo o que hoje
chamamos de conhecimento histórico ou simplesmente história.

É por isso que retroceder faz parte do movimento para a frente, e talvez o
movimento desejado rumo a um ponto mais elevado do conhecimento seja
diretamente proporcional a esse ato de retroagir, dado que quanto mais se viaja ao
passado mais se aprende o quão diferente é hoje o presente. E é nas diferenças que
está o grande ganho do aprendizado, nos paradigmas muitas vezes denominados
de ultrapassados, incompletos, esquisitos, de outros tempos. Por isso a utilidade em
trazer para a sala de aula a história da história, entendendo que na questão de
paradigmas há complementaridade e não apenas suplantação. Os pensamentos, as
visões de mundo, os conhecimentos forjados em tempos diferentes, as explicações
do mundo material, natural ou transcendental através dos paradigmas lançam luz
àqueles que de fato querem a luz no presente. Não é uma atitude reducionista que
irá elevar alguém para um patamar mais elevado de gnosiologia, como se pudesse
67
ignorar tudo o que já foi pensado anteriormente, num gesto que representa ao
mesmo tempo pretensão desmedida e suicídio intelectual.

Queremos, como educadores e igualmente seres finitos, entender da onde


certas questões vieram, como cresceram, por que hoje se apresentam da forma
atual, antes de mudar novamente rumo ao futuro e porque não ao infinito. Corremos
como que atrás do vento para pegar o conhecimento pela cauda, e quando
acreditamos tê-lo alcançado ele sempre foge de nós, como que nos desafiando a
empreender mais uma caminhada, mais uma corrida, mais uma escalada em sua
perseguição. Olhamos para o Paradigma Antigo e lá já o contemplamos com outra
roupagem e ainda menos domado do que hoje. Mas também esse olhar para tão
longe de nós, para uma alteridade, pode suscitar curiosidade, interesse pelo outro,
pelo que já não é mais. E daí podemos nos perguntar o como e porquê de tais
afirmações, definições simplórias para seres em uma era brilhante demais para
lembrar épocas onde a noite era noite mesmo, prestando apenas para se dormir.
Isso precisa estar em sala de aula e compete ao professor levar o aluno ao encontro
do que não é muito fácil de encontrar exatamente pelo desuso das coisas velhas, já
que vivemos num período onde o novo e as tecnologias são endeusados, deixando
as outras coisas meio na gaveta, meio no porão, meio no lixo.

Por isso o trabalho intitulado Historiografia e Ensino de História: crítica à


Escola Metódica induz a uma profunda reflexão, já que como educadores estamos
inseridos no processo de ensino-aprendizagem e no espaço onde esse processo
normalmente ocorre que é a sala de aula. As formas paradigmáticas que o professor
tem para si na hora de analisar o conteúdo pretendido, a ser ensinado em sala
repercutem e transformam o seu agir comunicativo, educativo. Os paradigmas são
na verdade a prova de que existe mais de uma maneira de se ver o conhecimento
observado ou criado e de se lidar com ele primeiramente em particular pelo
professor e depois em sala de aula, numa interação do objeto com o sujeito para
vários outros sujeitos, num processo que inicia na objetividade, passa pela
subjetividade e culmina em uma inter-subjetividade.

68
Permanece como desafio para o educador trabalhar em sala de aula assuntos
tidos como núcleos duros do conhecimento, tais como a história da ciência bem
como o significado de ciência hoje, conhecimentos já prontos e objetivos que devem
apenas ser apreendidos pelo aluno ou conhecimentos subjetivos que numa
interação com os livros, com o professor e com os colegas podem ser construídos
com base numa intersubjetividade, podendo se fazer ao final desse processo uma
comparação dos conhecimentos e das diferenças. Para completar o desafio do
educador lembramos por último da tarefa de considerar a filosofia da ciência para
pensar juntamente com os alunos o sentido de estarem dedicando suas vidas em
falar e ouvir sobre determinado conhecimento, seus significados, suas verdades e
incertezas, já que cada alteridade tem a sua hermenêutica como forma particular de
contemplar o quadro exposto para todos.

69
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALTANER, B. Patrologia. São Paulo: Edições Paulinas, 1988.

BENOIT, A. A atualidade dos pais da igreja. São Paulo: Aste, 1966.

BERKHOF, Louis. A História das Doutrinas Cristãs. São Paulo: PES, 1992.

BESSELAAR, José Van Den. Introdução aos Estudos Históricos. 3. ed. São Paulo:
Herder, 1972.

BLOCH, Marc. Apologia da História: ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge


Zahar Editor, 2001.

BORGES, Vavy Pacheco. O Que é História? 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1981.

BOURDÉ, Guy & MARTAIN, Hervé. As Escolas Históricas. Portugal: Publicações


Europa-américa, 2003.

CAIRNS, Earle E. O Cristianismo Através dos Séculos. São Paulo: Vida Nova, 1995.

CARDOSO, Ciro Flamarion. Domínios da História. Rio de Janeiro: Campus, 1997.

CERQUEIRA, Ana Lúcia & LYRA, Maria Therezinha A. Teogonia de Esíodo. Niterói:
EDUFF,1996. Disponível em
http://www.filonet.pro.br/alunos/textos/1bim/teogonia.pdf. Acessado em 23/04/2009.

CHAUNU, Pierre. A História como Ciência Social. Rio de Janeiro: Zahar Editores:
1976.

70
CURTIS, Kennfeth A. Os 100 Acontecimentos mais Importantes da História do
Cristianismo. São Paulo: editora Vida, 1991.

DRAY, William H. Filosofia da História. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1969.

FICHTE, Johann Gottlieb & SCHELLING, Friedrich Von. Os Pensadores. Abril


Cultural:1973.
FONTES, Virgínia Maria Gomes de Mattos. O Marxismo Ontem e Hoje. Porto Alegre:
revista Ciências e Letras, 1997.

FRANGIOTTI, Roque. História da Teologia: Período Patrístico. São Paulo: Paulinas,


1992.

FONSECA, Roberto Piragibe da. Manual da Teoria da História. São Paulo: editora
Fundo de Cultura S/A, 1967.

GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método I. Petrópolis: editora Vozes, 2007.

GOMES, Marco Antônio de Oliveira. A Evolução da Historiografia Ocidental: da


História da Idade Média ao Materialismo Histórico. Revista HISTEDBR On-line,
Campinas, n.17, p. 118 - 137, mar. 2005. Disponível em
http://www.histedbr.fae.unicamp.br/art11_17.pdf acessado em 25 /09/2010.

GRIN, Eduardo José. A Constante Revisita ao Marxismo ou a Contemporaneidade


da Teoria Clássica. Porto Alegre: revista Ciências e Letras, 1997.

HAMMAN, A. Os Padres da Igreja. São Paulo: Paulinas, 1977.

HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Lecciones sobre La Filosofia de La Historia


Universal. Madrid: Alianza Editorial, 1985.

HOBSBAWN, Eric. Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

HUGNES-WARRINGTON, Marnie. 50 Grandes Pensadores da História. São Paulo:


contexto, 2004.

JORDAN, Gilberto. Limites e Possibilidades do Marxismo. Porto Alegre: revista


Ciências e Letras, 1997.

71
LE GOFF, Jaques. Pensar La Historia. Barcelona: Paidós, 1997.

MARROU, Henri-Irénée. Sobre o Conhecimento Histórico. Rio: Zahar Editores,1978.

MONTEIRO, Charles. A Nova História: Novos Problemas e Novas Abordagens.


Porto Alegre:Revista Ciências & Letras, 1997.
PAULI, Evaldo. Enciclopédia Simpozio. UFSC: 1997. Disponível em
http://www.simpozio.ufsc.br/Port/1-enc/y-mega/megafilosgeral/logicamagna/
4646y1078-final.htm. Acessado em 19 de abril de 2009.

PIZZOLATTO, Marcos André. História não é Ciência? Revista História & história.
UNICAMP, 2008. Disponível em
http://www.historiaehistoria.com.br/materia.cfm?tb=professores&id=54. Acessado em
21 de maio de 2009.

REIS, José Carlos. A História entre a Filosofia e a Ciência. Belo Horizonte:


Autêntica, 1990.

SANTOS, Rubim; FRANCO, Denize de Azevedo; LOPES, Oscar Guilherme Pahl


Campos. História das Sociedades. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico S/A, 1980.

SERRA, José Pedro. Tempo e História na Grécia Antiga. Revista Portuguesa de


Ciências das Religiões. Ano I, 2002 / n.º 1. Disponível em
http://recil.grupolusofona.pt/dspace/bitstream/10437/239/1/5_jose_pedro_serra.pdf.
Acessado em 13/02/2009.

SHAFF, Adam. História e Verdade. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Teoria da História. São Paulo: Cultrix, 1976.

TAFFAREL, Celi Zulke. Formação de Professores de Educação Física: a História


como matriz científica. Disponível em http://www.faced.ufba.br/rascunho_digital
/textos/544.htm. Acessado em 29 de março de 2009.

PAULI, Evaldo. Enciclopédia Simpozio. UFSC: 1997. Disponível em


http://www.simpozio.ufsc.br/Port/1-enc/y-mega/megafilosgeral/logicamagna/
4646y1078-final.htm. Acessado em 19 de abril de 2009.

72
TÉTART, Philippe. Pequena História dos Historiadores. São Paulo: EDUSC, 2000.

TORRANO, Jaa. A Teogonia de Hesíodo. Espaço Revista Cultural. Disponível em


http://revistacult.uol.com.br. Acessado em 21/04/2009.

VEYNE, Paul. Como se Escreve a História. Brasília: Editora Universidade de


Brasília. 1995.
WALSH, W.H. Introducción a La Filosofia de La Historia. México: Siglo Veintiuno
Editores, 1968.

WEHLING, Arno. Os Níveis da Objetividade Histórica. Rio de Janeiro: Associação de


Pesquisa Histórica e Arquivística, 1974.

73

Das könnte Ihnen auch gefallen